a escola positiva no brasil a influencia da obra o homem delinquente

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE DIREITO ANTONIO CARLOS FERREIRA A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO PENSAMENTO PENAL E CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940 CRICIÚMA, JULHO DE 2010.

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Page 1: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE DIREITO

ANTONIO CARLOS FERREIRA

A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO

PENSAMENTO PENAL E CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940

CRICIÚMA, JULHO DE 2010.

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ANTONIO CARLOS FERREIRA

A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO

PENSAMENTO PENAL E CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau superior no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.

Orientadora: Prof. MSc. Mônica Ovinski de Camargo Cortina

CRICIÚMA, JULHO DE 2010.

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ANTONIO CARLOS FERREIRA

A ESCOLA POSITIVA NO BRASIL: A INFLUÊNCIA DA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”, DE CESARE LOMBROSO, NO PENSAMENTO PENAL E

CRIMINOLÓGICO BRASILEIRO ENTRE 1900 E 1940

Trabalho Monográfico aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do grau superior no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Criminologia.

Criciúma, 08 de Julho de 2010.

BANCA EXAMINADORA

Profª. MSc. Mônica Ovinski de Camargo Cortina – UNESC – Orientadora

Prof. Paulo Henrique Burg Conti – Mestre – UNESC

Prof. Alfredo Engelmann Filho – Especialista – UNESC

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Dedico este trabalho à minha família e à minha namorada, pelos inúmeros sacrifícios realizados para que este trabalho se tornasse realidade e pelos quais serei eternamente grato.

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É constante, desde o surgimento da criminologia, o repetitivo clamor contra um aumento da criminalidade e pela necessidade de uma reação contra este fenômeno. Podemos considerar que o tão estudado e propalado problema da criminalidade, de seu aumento inexorável, é uma invenção antiga do discurso criminológico, no sentido de produzir um dispositivo que isola e descarta de seu contexto político a oposição à lei, à ordem capitalista, ao sistema de propriedade, etc. (RAUTER, 2003, p. 69)

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RESUMO

Com o avanço da ciência nesse último século, principalmente no que tange ao funcionamento do cérebro humano e as recentes descobertas sobre a informação genética, vislumbra-se a possibilidade de que, a médio prazo, seja possível determinar as principais características dos indivíduos, entre estas, sua potencialidade delitiva. Dessa forma, é de suma importância o estudo da única experiência legislativa e doutrinária nacional, criada à partir dos postulados Positivistas Antropológicos, que supostamente possibilitariam a identificação de indivíduos com potencial delitivo. Deste modo, este trabalho tem como objetivo identificar os principais institutos penais e criminológicos brasileiros que sofreram influência do Positivismo Antropológico entre 1900 e 1940, com base na obra “O homem delinquente”, de Cesare Lombroso, a qual data de 1876. Tal estudo foi realizado através do método dedutivo teórico, por meio de pesquisa bibliográfica e estudo legislativo. Os resultados alcançados pela pesquisa apontam para a forte influência do pensamento de Cesare Lombroso não apenas no pensamento criminológico brasileiro, como também no Código Penal brasileiro de 1940, em institutos como a individualização da pena e a medida de segurança.

Palavras-Chave: Cesare Lombroso. Positivismo Antropológico. O Homem Delinquente. Criminologia. Código Penal de 1940.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................082 ESCOLA POSITIVA: CONTEXTO HISTÓRICO, PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCIPAIS PENSADORES......................................................................................102.1 Contexto Histórico..............................................................................................102.2 Ascensão do Pensamento Positivista e Rompimento com a Escola Clássica.....................................................................................................................................142.3 Principais Pensadores Positivistas...................................................................222.3.1 Cesare Lombroso.............................................................................................232.3.2 Enrico Ferri.......................................................................................................252.3.3 Raffaele Garofalo..............................................................................................263 A VIDA E OBRA DE CESARE LOMBROSO – PRINCIPAIS CONCEITOS DESENVOLVIDOS NA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”...................................283.1 Vida e Obra de Cesare Lombroso.....................................................................293.2 Desenvolvimento das Idéias de Lombroso......................................................333.3 Principais Conceitos Desenvolvidos na Obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso......................................................................................................384 CONTEXTO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS DA CRIMINOLOGIA E DO DIREITO PENAL BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX: INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO POSITIVISTA DE CESARE LOMBROSO NA PRODUÇÃO TEÓRICA E LEGISLATIVA BRASILEIRA DA ÉPOCA..............................................504.1 O Brasil do Início do Século XX.........................................................................504.2 O Pensamento Positivista Lombrosiano na Criminologia e no Direito Penal Brasileiro no Início do Século XX............................................................................554.3 O Pensamento Positivista Lombrosiano no Código Penal Brasileiro de 1940: A Personalidade do Criminoso, a Periculosidade e a Aplicação da Pena Indeterminada............................................................................................................604.3.1 Personalidade do Delinquente........................................................................614.3.2 A Periculosidade..............................................................................................654.3.3 Pena Indeterminada.........................................................................................705 CONCLUSÃO..........................................................................................................776 REFERÊNCIAS........................................................................................................80

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1 INTRODUÇÃO

A escolha pelo tema deve-se ao fato de que em tempos onde há um

propalado aumento da criminalidade e a opinião pública preconiza o

“endurecimento” das leis, torna-se mister explorar o passado em busca de exemplos

que comprovem que a justiça não se faz por meio de medidas exclusivamente

penais que visem apenas o isolamento e a aniquilação de pessoas que são

classificadas como indesejáveis, visto que tal iniciativa pode transformar-se em um

instrumento de discriminação e neutralização de caráter político.

O período entre 1850 e 1950, mundialmente, caracterizou-se como um

momento turbulento e repleto de guerras e revoltas sociais. A crise econômica e

política que varreu os continentes, somada à miserabilidade proporcionada pelo

capitalismo em maturação, criou um ambiente caótico, que levou os Estados ao

limiar de suas capacidades. Neste lapso temporal de 100 anos, o mundo presenciou

o início de duas guerras mundiais, incontáveis golpes de estado, o enfraquecimento

do liberalismo estatal, a emergência do estado do bem estar social, o fortalecimento

do capitalismo e do socialismo, o progresso científico, entre outros acontecimentos.

No cerne de um período tão conturbado, as mudanças sociais ganharam

uma dinâmica mais acelerada. Estas ocorreram em várias frentes e não se

restringiram geograficamente. As idéias e teorias surgidas na Europa eram

rapidamente divulgadas em outros lugares do globo. Em especial as descobertas

científicas.

Assim, quando Césare Lombroso publicou seus primeiros artigos

científicos, afirmando ser possível identificar o potencial delitivo de indivíduos

através de suas características físicas, de pronto estudiosos brasileiros

demonstraram interesse, uma vez que a criminalidade era uma das grandes

preocupações da época, tal como é hoje.

O pensamento lombrosiano, tendo em vista o panorama mundial da crise,

encontrou no Brasil do início do século XX, um lugar tão propício para sua

divulgação e aplicação quanto à Itália do final do século XIX.

Assim sendo, o objetivo geral desta monografia é identificar qual o

impacto legislativo e doutrinário que os conceitos teóricos de Césare Lombroso, em

especial os elaborados na obra “O Homem Delinquente”, exerceram sobre as

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concepções brasileiras do Direito Penal e da Criminologia nas primeiras décadas do

século XX.

Para cumprir com o objetivo proposto, a pesquisa se dividirá em três

capítulos. No primeiro capítulo estudar-se-á a origem e produção teórica da Escola

Positiva e o contexto histórico em que esta se originou. Far-se-á ainda, uma breve

síntese acerca dos principais colaboradores daquele movimento teórico, quais

sejam: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garofalo.

No segundo capítulo analisar-se-á a vida e obra de Cesare Lombroso,

bem como os mais importantes postulados de sua obra principal: “O Homem

Delinquente”.

Por fim, ao terceiro capítulo, estudar-se-á o Brasil do início do século XX,

onde apresentar-se-á um panorama social, político e econômico do período entre

1900 e 1940, necessário para a compreensão do pensamento criminalista da época.

Em seguida, analisar-se-á a produção doutrinária penalista brasileira e identificar-se-

á, no Código Penal de 1940, a existência de institutos penais que sejam derivados

do pensamento Positivista Antropológico, de Cesare Lombroso.

O método empregado será o dedutivo, em pesquisa do tipo qualitativa,

teórica, com emprego de material bibliográfico e documental-legal.

Assim, o estudo do referido tema é de suma importância, pois possibilita

uma melhor compreensão acerca dos institutos utilizados no direito penal atual e nos

postulados teóricos da criminologia, evitando a simples reprodução por parte dos

operadores do direito de conceitos e teorias que já se mostraram inadequados e

promovendo um profundo entendimento, que possibilite o avanço das ciências

criminais.

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2 ESCOLA POSITIVA: CONTEXTO HISTÓRICO, PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCIPAIS PENSADORES

A Escola Positiva foi um importante marco intelectual, que colocou o

indivíduo criminoso no centro dos estudos e pesquisas relacionadas à prática

delitiva. Entretanto, além de um movimento teórico, a referida corrente consagrou-

se também como um retrato dos anseios e preocupações da sociedade e dos

estados europeus do final do século XIX.

Desta forma, para um completo entendimento acerca da postura adotada

por seus teóricos, bem como dos postulados elaborados pela Escola Positiva,

imprescindível compreender o contexto histórico em que esta foi desenvolvida, uma

vez que os fundamentos do positivismo penal foram consequência direta do

momento social, político e econômico vivenciado na Europa do período.

Com este capítulo analisar-se-á o surgimento da Escola Positiva na

Europa, através do estudo do contexto histórico em que ocorreu, qual seja, a

segunda metade do século XIX, com especial ênfase à Itália, considerada o berço

do movimento teórico em questão. Ainda, identificar-se-á os postulados formulados

pelo positivismo penal, bem como os principais estudiosos, responsáveis pela

elaboração e divulgação do referido movimento teórico.

2.1 Contexto Histórico

Embora as origens da Escola Positiva remetam à segunda metade do

século XIX, é necessário retroceder um pouco no tempo, com o intuito de traçar um

panorama apurado, que permitirá um melhor entendimento acerca do momento

social, político, econômico e cultural encontrado na Europa da época.

No início do século XVIII, uma nova ordem social foi estabelecida, onde

os burgueses, graças a proeminência do capitalismo, passaram a ocupar um local

de destaque no ditame dos rumos da civilização. Neste novo modo de vida, o

acúmulo de riquezas e o consumo foram abertamente estimulados e a propriedade

adquiriu uma nova face, transformando-se em sinônimo de poder e status social

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(AQUINO, 1996, p. 207-210).

Neré traça o cenário da época:

De 1871 a 1914, a Europa, sobretudo a Europa ocidental, em pleno desenvolvimento, exerce no mundo uma influência preponderante. Suas frotas dominam os mares, suas indústrias e seus bancos controlam os mercados, seus progressos técnicos e científicos contribuem para o seu poder e lhe asseguram o brilho. (1991, p.206).

Ainda sob influência dos ideais liberais, que preconizavam a não

intervenção do Estado na economia, ocorreu uma busca incessante pelo capital e

por meios de fomentar o mercado, levando a Europa da segunda metade do século

XIX à uma ânsia expansionista poucas vezes vislumbrada na história. Os países do

velho continente se digladiavam em busca de recursos e vantagens que permitissem

um crescimento sólido e confiável (AQUINO, 1996, p. 207-208).

Neste bojo de novidades, algumas nações restaram relegadas ao

segundo plano, tais como Alemanha e Itália, que acabaram prejudicadas na

expansão de seus domínios devido ao atraso de suas unificações. Tais países

mostraram-se insatisfeitos pela condição periférica a qual foram submetidos, o que

gerou forte instabilidade política entre todos os estados europeus (AQUINO, 1996, p.

211).

Enquanto a riqueza encontrava-se monopolizada pelas grandes

corporações que surgiram, grande parte da população conhecia as mazelas da

pobreza, uma vez que a mão de obra abundante reduziu drasticamente o salário

pago aos trabalhadores. Tornou-se visível a real extensão dos efeitos deste novo

meio de produção. Como consequência da miserabilidade, não havia demanda

suficiente para a grande produção industrial, o que ocasionou uma profunda crise

econômica e social, que teve início em 1873 e seguiu até o final do século XIX

(AQUINO, 1996, p. 211-215).

Frente às condições sub-humanas as quais a população européia era

submetida, a ocorrência de uma profunda crise econômica, bem como a eclosão de

diversos levantes sociais, ocorreu um aumento na criminalidade. Tal fato gerou

preocupação não apenas entre a população, mas também entre os Estados, uma

vez que seus efeitos se estenderam para a economia e política, dificultando a

governabilidade, de forma que as ciências sociais foram mobilizadas na tentativa de

encontrar uma solução para o problema (BITENCOURT, 2000, p. 52-53).

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A Itália, desgastada pelo longo e tortuoso processo de unificação, também

enfrentou a crise econômica e social européia. Importante salientar que o estado

italiano acabou sofrendo um impacto de maiores proporções, pois sua unificação

ocorreu de forma tardia se comparado aos outros países europeus. Tal fato

ocasionou sérias deficiências na expansão necessária ao fomento de seu mercado e

à prosperidade do capitalismo, agravando os efeitos da crise (NERÉ, 1991, p. 311-

314).

A recém conquistada unificação, gerou forte instabilidade política interna,

uma vez que conflitos políticos ainda eram comuns entre os diversos territórios,

antes independentes, e que agora compunham um único país. Os graves problemas

econômicos e políticos exerceram reflexos imediatos sobre a população italiana. Da

mesma forma que no restante do continente, os problemas sociais se agravaram e

as condições de miserabilidade atingiram níveis alarmantes. No entanto, estes

fatores foram exponenciados pelas dificuldades derivadas da unificação tardia do

país, o que aumentou a criminalidade de forma bem mais severa do que no restante

da Europa (NERÉ, 1991, p. 314-318).

As condições extremas encontradas na Itália da segunda metade do

século XIX, favoreceram a produção científica, uma vez que fez com que se

buscasse alternativas urgentes para a resolução das inúmeras dificuldades

enfrentadas pelo país.

Apesar da crise, a segunda metade do século XIX foi uma época de

grande desenvolvimento científico. A Europa encontrava-se estupefata ao tomar

conhecimento da teoria evolucionista de Charles Darwin, que explanava em sua

obra “A Origem das Espécies”, o longo processo de seleção natural e a influência

exercida pelos caracteres hereditários sobre o indivíduo. Tais postulados minaram a

concepção clássica sobre o livre arbítrio humano, isento de influências externas

(GOMES, 2007, p.95).

Em todos os campos do conhecimento técnico-científico ocorreram

enormes avanços, estimulados principalmente, pelos investimentos industriais.

Inicialmente, o fomento científico ocorreu unicamente em áreas técnicas, que

visavam o aprimoramento da capacidade produtiva. Entretanto, logo os

investimentos e pesquisas abrangeram diversas áreas do conhecimento,

ocasionando significativo progresso científica (NERÉ, 1991, p. 206-208).

Todavia, apesar do desenvolvimento científico alcançado, as ciências

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jurídicas encontravam-se em crise. A industrialização e o crescente número de

miseráveis, revelou uma estrutura penal frágil e incapaz de solucionar o problema da

criminalidade apenas através de métodos dedutivos e abstratos (GOMES, 2007,

p.94).

Ainda sobre o assunto, complementa Ferri (1933 apud GOMES, 2007, p.

95):

Estes princípios e critérios gerais da justiça penal no século XIX, cimento das aplicações práticas, deram resultados desastrosos, a saber: aumento contínuo da criminalidade e da reincidência, associações de delinquência habitual e profissional nos centro urbanos ou nos latifúndios isolados, aumento progressivo da delinquência dos menores e das mulheres, prisões com frequência mais cômodos que as casas do pobres e honrados, agravamento financeiro dos contribuintes, defesa ineficaz frente aos criminoso mais perigosos e perda de muitos condenados menos perigosos, que poderiam ter sido reutilizados como cidadão aptos para a vida honrada do trabalho.

Deste modo, observa-se que o enrijecimento penal é apresentado como

solução para o aumento da criminalidade desde o século XIX. No entanto, apesar

das diversas tentativas realizadas de aumentar a punição aplicada aos crimes, sua

eficácia é contestável, tendo em vista que nunca houve comprovação da existência

da relação entre a diminuição da criminalidade e o enrijecimento penal.

Influenciadas principalmente pela descobertas proporcionadas pelo

tecnicismo e experimentalismo, bem como por novos enunciados científicos, tal qual

a teoria da seleção natural, as ciências sociais adotaram métodos empíricos e

científicos para o estabelecimento de seus enunciados. Era a influência do

movimento denominado Positivismo Científico, como ensina Luíz Fávio Gomes: “[...]

o positivismo (do último terço do século XIX) afastou da atividade científica tudo o

que não é experimentável, tudo o que fica fora do campo da observação [...]” (2007,

p.80).

Assim, frente ao processo de profundo avanço cultural e científico

ocorrida na Europa, o direito penal também apresenta novas teorias e assume um

novo papel social:

É inequívoco que o processo de modernização do direito penal somente teve início com o Iluminismo, a partir das contribuições de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se o reinante arbítrio judiciário. A inspiração contratualista voltava-se ao banimento do terrorismo

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punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária defesa social. A pena ganha um contorno de utilidade, destinada a prevenir delitos e não simplesmente castigar (NUCCI, 2008, p. 60-61).

Deste modo, o delicado momento político e econômico enfrentado pelo

continente europeu suscitou o discurso sobre a necessidade de criação de medidas

urgentes para o incremento do controle social penal. A resposta acabou surgindo por

meio da ciência, que despontava como detentora universal das soluções, propondo

a resolução dos problemas através do conhecimento. Este novo modelo de

entendimento da realidade se estendeu para todos os ramos do saber, influenciando

decisivamente o pensamento jurídico e penalista da época.

2.2 Ascensão do Pensamento Positivista e Rompimento com a Escola Clássica

Ao observar os pensadores de cada época, verifica-se a utilização de

abordagens diferentes à situações similares enfrentadas pela humanidade no

decorrer da história. Em geral, é possível noticiar um contínuo processo de

aprimoramento do pensamento humano, motivado por uma incessante busca por

soluções que proporcionem melhores condições de vida para seus pares.

A série de eventos ocorridos na Europa do século XIX, desencadeou a

busca por meios alternativos na elaboração e aplicação das ciências jurídicas, em

especial, do direito penal, conforme ensina Luiz Régis Prado: “O século XIX marca o

surgimento de inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma

sistemática, conforme determinados princípios fundamentais. São as escolas penais

[...]” (2008, p. 79).

Dentre estas, duas merecem destaque especial: a escola clássica e a

escola positiva. Ambas travaram um intenso embate doutrinário e teórico durante o

século XIX e apresentaram, cada uma ao seu modo, alternativas para o problema

penal enfrentado pela Europa da época.

Em um continente onde os ideais iluministas e liberais dominavam o

pensamento científico e filosófico, reduzindo o poder intervencionista do Estado, a

Escola Clássica surgiu como forma de combater e desestimular o absolutismo

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estatal através do direito penal. Neste sentido explica Luíz Flávio Gomes: “A escola

clássica nasceu como reação ao absolutismo do Estado” (2007, p.91).

Vera Regina Pereira de Andrade traça um panorama do surgimento da

escola clássica:

A Escola Clássica se originou no marco histórico do Iluminismo e de uma transformação estrutural da sociedade e do Estado, inserindo-se, em seus momentos fundacionais, na transição da ordem feudal e o Estado absolutista (o “Antigo regime”) para a ordem capitalista e o Estado de Direito liberal na Europa, e se desenvolveu ao longo do processo de consolidação dessa nova ordem (1997, p. 45-46).

Deste modo, embora seja possível observar pontos em comum entre as

obras deste período, há divergências quanto aos autores que fariam ou não parte da

denominada Escola Clássica. Isso ocorre porque os critérios de identificação desta

não são claros e específicos.

Em sua maioria, os autores englobados neste período publicaram suas

obras por volta do fim do século XVIII até a metade do século XIX e adotavam as

teorias penais retribucionistas, onde a pena teria apenas caráter castigador. Embora

esta seja uma visão extremamente simplista da real função do direito penal, é

inegável que exerceu um papel importante no direito penal, em especial, na

definição do princípio da proporcionalidade da pena, uma vez que defendia que a

punição fosse proporcional ao dano causado (GOMES, 2007, p.91).

Inicialmente, a Escola Positiva definiu quem pertencia à Escola Clássica,

ao identificar os autores que, embora não possuíssem idéias similares ou

estudassem a mesma área jurídica, compartilhavam do método dedutivo, abstrato e

racionalista e partiam do pressuposto da existência do livre arbítrio, onde o indivíduo

apenas agia de acordo com sua consciência, sem interferências externas (GOMES,

2007, p.90).

De qualquer modo, há algumas características marcantes nos

fundamentos teóricos desta escola, todavia, em uma profunda análise das obras do

período, chega-se à conclusão de que a Escola Clássica partiu de apenas dois

pressupostos fundamentais, que originaram todos os outros postulados. O primeiro

seria o caráter transcendental do Direito, onde as normas base para todo o

ordenamento jurídico emanariam da lei natural e por isso seriam imutáveis e válidas

independente do tempo ou lugar. O segundo pressuposto estaria ligado ao livre

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arbítrio dos indivíduos, que exerceriam suas escolhas com base unicamente em

suas consciências, sem intervenções externas (GOMES, 2007, p.92).

No entanto, além destes postulados fundamentais, também verifica-se a

existência de inúmeros conceitos originados do caráter transcendental do Direito e

do livre arbítrio do indivíduo. Luiz Régis Prado apresenta alguns deles:

Os postulados basilares dessa escola são: a) o Direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da Lei natural: O direito é congênito ao homem, porque foi dado por Deus à humanidade desde o primeiro momento de sua criação, para que ela pudesse cumprir seus deveres na vida terrena. O direito é a liberdade. Portanto, a ciência criminal é o supremo código da liberdade, que tem por objeto subtrair o homem da tirania de si mesmo e de sua próprias paixões. O Direito Penal tem sua gênese e fundamento na lei eterna da harmonia universal; b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito. É dizer: o delito é definido como infração. Nada mais é que a relação de contradição entre o fato humano e a lei; c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre arbítrio humano; d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime. O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, alterada pelo delito. Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, pública, certa, proporcional ao crime, célere e justa; e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato; f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos do estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo (2008, p. 79-80).

Apesar das controvérsias acerca desta escola, alguns autores foram

consagrados como símbolos do movimento clássico, exercendo grande influência na

sua fundamentação e divulgação. Entre estes, pode-se citar o Marquês de Beccaria,

que abordou no conjunto de sua obra a necessidade de mudanças na lei penal, a

qual deveria ser completa ao antecipar condutas, tipificando todas as práticas

delitivas possíveis e suas respectivas penas, em uma forma primitiva de reserva

legal e na tentativa de evitar lacunas e dúvidas em relação à lei. Este autor ainda

defendeu mudanças na aplicação do direito penal, destacando a importância de um

modelo de justiça imparcial e humana, imputando penas correspondentes ao ato

delitivo praticado e com caráter eminentemente retributivo. Esta postura influenciou

diretamente a mentalidade penalista da época, se apresentando como fator

determinante na reforma penal do século XVIII, que instituiu o fim dos suplícios,

consolidando a Escola Clássica (FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 26-27).

Além de Beccaria, houveram diversos outros pensadores espalhados pela

Europa, que também são considerados pertencentes à Escola Clássica, entre eles

Pellegrino Rossi, Carmignani, Enrico Pessina, Emanuel Kant e Francesco Carrara

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(FARIAS JÚNIOR, 2001, p. 27).

O pensamento clássico foi um dos principais responsáveis pelo

surgimento e popularização da Ciência Penal, uma vez que exerceu forte influência

no uso do penalismo para a defesa do indivíduo em face do absolutismo estatal

através da humanização e proporcionalização da norma penal, limitando a atuação

do Estado e proporcionando as bases para a expansão do pensamento liberal

(GOMES, 2007, p.94).

Apesar da importância histórica devida à Escola Clássica, na segunda

metade do século XIX esta encontrava-se em crise, pois embora o modelo

apresentado pelos clássicos demonstrasse aparente perfeição teórica, o continente

europeu encontrava-se em um momento conturbado, com a eclosão de inúmeros

distúrbios sociais. O pensamento clássico foi criticado por apresentar fragilidade

prática, tendo em vista que vislumbrava na justiça retributiva a solução para a prática

delitiva, ignorando o aspecto preventivo da lei penal (GOMES, 2007, p.90).

Esta forte crítica contribuiu para o início do declínio do movimento

clássico, pois alegava-se a existência de uma séria lacuna nos modelos da Escola:

Embora preconizasse o livre arbítrio e a responsabilidade moral dos indivíduos,

tornou o delito o seu principal objeto de estudo, ignorando a figura do delinquente no

processo, afastando-se da realidade e consequentemente de resultados práticos

(COSTA, 1980, p.192).

Alessandro Baratta apresenta algumas considerações sobre o

pensamento clássico acerca do delito:

Como comportamento, o delito surgia da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a Escola Clássica do indivíduo normal. Em consequência, o direito penal e a pena eram considerados pela Escola Clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinquente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contra motivação em face do crime (1997, p.31).

Assim, o enfraquecimento do movimento clássico cumulado com o

momento histórico e científico encontrado na Europa durante a segunda metade do

século XIX, forneceu os pilares teóricos necessários para o surgimento e

fortalecimento da Escola Positiva frente ao pensamento clássico. Enquanto isso, a

divulgação das idéias evolucionistas de Charles Darwin, amparadas pela teoria da

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seleção natural, afastou a idéia do livre-arbítrio tão propagada pelos autores

clássicos, uma vez que o a conduta de um indivíduo estaria propensa a sua carga

hereditária. Neste momento iniciou-se a transição entre a Escola Clássica e a

Positiva.

Importante salientar que na segunda metade do século XIX, o Estado

absoluto e opressor já não mais existia, fora substituído pelo Estado

Intervencionista. O principal objetivo dos teóricos penais não era mais a defesa do

indivíduo em face da opressão do Estado, e sim o combate à criminalidade

crescente. O criminoso voltou a ser objeto de atenção dos penalistas e buscou-se

novos métodos para a solução dos problemas jurídicos e sociais emergentes

(COSTA JÚNIOR, 2003, p. 15-16).

Deste modo, diante do frenesi científico instaurado na Europa da época,

os próprios Estados se viram forçados a consultar especialistas com o intuito de

resolver questões burocráticas através do meio científico. Não tardou para que o

cientificismo da época influenciasse decisões políticas e servisse como justificativa

para atos de poder com objetivos escusos (ANITUA, 2008, p. 297).

Tendo em vista a combinação destes fatores, na segunda metade do

século XIX surgiu a Escola Positiva Italiana, precursora do positivismo criminológico,

como reação ao pensamento Clássico (GOMES, 2007, p.97).

Sobre os fatores que influenciaram o fortalecimento da Escola Positiva,

discorre Vera Regina Pereira de Andrade:

Inserida no horizonte histórico de transformações nas funções do Estado que apontavam para o intervencionismo na ordem econômica e social, sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou socialista; de crise do programa clássico no combate à criminalidade; de predomínio de uma concepção positivista de Ciência e declínio do jusnaturalismo ao lado do evolucionismo de Darwin e a obra de Spencer, a Escola Positiva partirá de pressupostos muito característicos que, distanciando-se daqueles que condicionaram a Escola Clássica, explicam, também, o fulcro das críticas a ela dirigidas (1997, p. 60-61).

Ainda sobre o assunto, Luíz Régis Prado nos apresenta as teorias que

influenciaram a Escola Positiva:

Com o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto do naturalismo, sofreu influência das doutrinas evolucionistas (Darwin, Lamarck); materialista (Buchner, Haeckel e Molenschott); sociológica (Comte, Spencer, Ardig, Wundt); frenológica (Gall); fisionômica (Lavater) e

18

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ainda dos estudos de Villari e Cattaneo (2008. p. 80).

A escola positiva originalmente surgiu no momento em que o foco dos

estudos penais se voltou para o criminoso e a motivação que o levaria a delinquir. A

tentativa de entender a motivação delitiva humana é realizada desde tempos

remotos e gerou teorias e especulações dos mais diversos povos, que tentavam

encontrar uma causa para a prática criminosa (BRANCO, 1975, p. 39).

Com relação à mudança de foco, ensina Gabriel Ignácio Anitua:

As novas justificativas teriam como objeto de estudo não mais a sociedade nem o Estado nem as leis e nem como eles afetavam os indivíduos, mas sim o comportamento singular e desviado que, além do mais, devia ter uma base patológica no próprio indivíduo que o adotava (2008, p. 297).

No entanto, apesar da incessante busca pela motivação do criminoso,

apenas os avanços científicos do século XVIII e XIX é que possibilitaram a

observação empírica e a tentativa de constatar as reais motivações que levariam o

indivíduo a delinquir. Tal possibilidade, cumulada com o momento histórico turbulento

em que a Europa se encontrava, elevou o interesse sobre o assunto, com a

promessa positivista da “cura” para a prática delitiva. Inicialmente, as teorias eram

absurdas, como a fisiognomonia, que afirmava que a semelhança na fisionomia de

indivíduos com animais perigosos, seriam um indicativo da tendência delitiva

daqueles. Posteriormente, as teorias foram abrandadas, o que fez com a Escola

Positiva se tornasse popular, aumentando o seu prestígio (BRANCO, 1975, p. 40).

Os responsáveis pela nova direção dada às teorias, foram considerados

os fundadores da Escola Positiva, conforme ensina Arno Dal Ri Júnior: “Fundada por

Cesare Lombroso e continuada através dos escritos de Enrico Ferri e Raffaele

Garofalo, a escola Positiva propôs-se como uma alternativa à Escola Clássica, no

final do século XIX.” (2006, p. 214).

A Escola Positiva defendia que a ciência penal precisava de um método

mais eficiente do que o dedutivo-lógico para tratar das questões pertinentes ao

crime. Era necessário a utilização das mais recentes descobertas científicas,

combinadas com a observação, análise e experimento sobre a realidade e só após

este processo poderia se estabelecer teorias (COSTA, 1980, p. 224).

O identificador comum que une os autores desta escola é o método

utilizado para a realização das pesquisas: o científico. Para os positivistas, este seria

19

Page 20: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

o único meio confiável, que permitiria a obtenção de resultados seguros e precisos,

que levariam os positivistas a compreensão da realidade, permitindo o

estabelecimento das leis que regeriam os fenômenos sociais (GOMES, 2007, p.99-

100).

Acima de tudo, os positivistas buscavam a defesa da sociedade contra o

criminoso, conforme explica Gabriel Ignácio Anitua:

De acordo com essa nova disciplina, haveria um suporte científico para adequar as penas às necessidades sociais de defesa, mas também às características de cada delinqüente, algo que não poderia ser sustentado com os princípios liberais do Iluminismo. As penas deveriam ajustar-se ao grau de periculosidade social de cada indivíduo e isso seria transferido para a idéia de “tratamento”, que permitiria um maior controle das condições internas de prisões e manicômios (2008, p. 299).

Deste modo, a Escola Positiva estabeleceu um marco intelectual

importante nos estudos humanos, ao buscar a constatação da realidade através da

experimentação científica, conforme complementa Anitua: “A idéia de ciência como

centro do naturalismo positivista [...] daria lugar ao pressuposto básico da

anormalidade individual do autor do comportamento delinqüencial como explicação

universal da criminologia.” (2008, p. 297).

Assim, surgiu uma nova etapa nos estudos sobre o delito, pautada pelo

cientificismo e empirismo, onde a dedução abriu espaço para a observação e

constatação. Neste sentido afirma Molina:

A etapa científica, em sentido estrito [...] começa no final do século passado com o positivismo criminológico, isto é, com a Scuola Positiva italiana que foi encabeçada por Lombroso, Garófalo e Ferri. Surge como crítica e alternativa à denominada Criminologia Clássica, dando do lugar a uma polêmica doutrinária conhecidíssima, que é, em última análise, uma polêmica sobre métodos e paradigmas, do Científico (o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo), frente ao método empírico-indutivo dos positivistas (baseado na observação dos fatos, dos dados) (2008, p. 145).

O positivismo afirmou que o indivíduo não seria livre, uma vez que estaria

submetido a forças que não controla, derivadas de sua mente. No caso do

criminoso, por se encontrar em um grau menos desenvolvido na escala de evolução,

estes impulsos seriam destrutivos, o que os levaria a prática delitiva (PRADO, 2008,

p.83).

Na prática, além de novos conceitos doutrinários, a teoria positiva criou

20

Page 21: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

sistemas diferentes de punição e reordenou o modo como os direitos fundamentais

eram observados. Inúmeros mecanismos foram criados com o intuito de resumir o

ato delitivo a uma mera conseqüência de patologias individuais, de forma a afastar a

participação da sociedade no fomento das condições que levam o indivíduo a

delinquir, colocando a necessidade da defesa da ordem social acima dos direitos

individuais (MOLINA, 2008, p. 147).

Os postulados da Escola Positiva vão de encontro aos da Escola

Clássica. É veementemente refutada a questão do livre arbítrio do indivíduo. Assim,

com base nesta afirmação, torna-se possível questionar toda a produção teórica

clássica, conforme afirma Costa:

A escola positiva é determinista, vendo o crime como fenômeno social e a pena como instrumento de defesa societária e recuperação dos infratores. [...] Para os positivistas, o livre arbítrio é uma ilusão subjetiva desmentida, articulando os seguintes preceitos: a) os homens não são moralmente responsáveis pelas ações praticadas; b) todos os homens, que mentalmente são doentes mentais, ou perturbadores de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, são legalmente responsáveis por suas condutas, ainda que por variantes diferentes; c) a responsabilidade penal tem base na responsabilidade social, e a defesa social é feita conforme o grau de sensibilidade ou de inaptidão à vida social; d) o crime é o produto do atuar biopsicossocial (1980, p. 224).

Além disso, a defesa social é colocada acima dos direitos do indivíduo, de

forma que seria mantida através do Direito Penal, por meio do estudo do crime, do

delinquente, da pena e do processo, com a utilização do método empírico. Assim, a

pena não teria caráter eminentemente retributivo, mas também preventivo (PRADO,

2008. p. 82).

Por fim, quanto às principais contribuições da escola positiva, ensina Luíz

Régis Prado:

Convém observar que a escola positiva teve enorme repercussão, podendo-se indicar algumas de suas contribuições: a) a descoberta de novos fatos e a realização de experiências, ampliando o conteúdo do Direito; b) o nascimento de uma nova ciência causal-explicativa: a criminologia; c) a preocupação com o delinquente e com a vítima; d) uma melhor individualização das penas (legal, judicial e executiva); e) o conceito de periculosidade; f) o desenvolvimento de institutos, como a medida de segurança, a suspensão condicional da pena, o livramento condicional e o tratamento tutelar ou assistencial do menor (2008. p. 82).

Deste modo, embora possam ser apontadas diferenças entre o

pensamento clássico e o positivista, diversos aspectos de suas teorias convergem

21

Page 22: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

quanto à finalidade: encontrar maneiras de manter o controle social penal através do

estudo dos elementos envolvidos na prática delitiva. A divergência entre as Escolas

se restringiu muito mais quanto ao método utilizado e ao objeto de estudo do que

quanto ao objetivo perseguido em si.

Entretanto, mesmo entre os pensadores da Escola Positiva existiam

variações no que tange aos postulados teóricos e métodos utilizados em suas

pesquisas, conforme verificar-se-á no próximo item.

2.3 Principais Pensadores Positivistas

Lombroso, Garofalo e Ferri foram os três principais representantes da

Escola Positiva, sendo que cada autor enveredou por um meio diferente na busca

pelas causas da prática delitiva. Observa-se no pensamento positivista a forte

presença do empirismo e o uso da ciência para a resolução dos problemas da

época. Através da observação e da análise científica, os positivistas buscaram o

estabelecimento de leis que regulariam o comportamento criminoso. Tal descoberta

permitiria, com base em uma constatação da ocorrência de elementos da realidade,

projetar situações futuras.

Luíz Régis Prado apresenta as três grandes fases da Escola Positiva:

A orientação positivista – de caráter unitário e cosmopolita – apresenta três grandes fases, tendo cada qual um aspecto predominante e um expoente máximo. São elas: a) fase antropológica: Cesare Lombroso (L´uomo Delinquente, 1876); b) fase sociológica: Enrico Ferri (Sociologia Criminale, 1892); e c) fase jurídica: Raffaele Garofalo (Criminologia, 1885). (2008, p. 80).

Frisa-se que a Escola Positiva, além de estabelecer um novo sistema

teórico, também criou uma ciência autônoma, responsável por analisar o crime e o

criminoso, que foi denominada por Garofalo como Criminologia. Foi à partir dos

estudos antropológicos de Lombroso, sociais de Ferri e jurídicos de Garofalo, que

este novo campo ganhou notoriedade e passou a equivaler-se, em seu conteúdo

teórico, ao direito penal (BRANCO, 1980, p. 61).

As primeiras tentativas em explicar cientificamente as causas do delito,

22

Page 23: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

analisavam unicamente o autor, sem levar em consideração o contexto em que este

existia, aproximando a culpabilidade do atavismo (CONDE, 2008, p. 31).

Inicialmente, o positivismo penal propunha que a delinquência seria

inerente ao indivíduo e poderia ser identificada pela ocorrência das características

físicas descritas por Lombroso. Logo, tal teoria foi desenvolvida e aprimorada pelos

demais pensadores positivistas, entre estes Ferri e Garofalo, o que garantiu

credibilidade e verossimilhança às teorias da Escola e à Criminologia. Assim, com o

fortalecimento desta, não correspondia mais ao Direito Penal, de forma exclusiva, a

criação de meios que defendessem a sociedade dos criminosos (CONDE, 2008, p.

31).

Dito isso, a escola positiva teve origem a partir do conjunto da obra de

Lombroso, Ferri e Garofalo, que desenvolveram os principais conceitos da

criminologia moderna e estabeleceram o criminoso como o elemento principal no

estudo penal e criminológico.

2.3.1 Cesare Lombroso

Cesare Lombroso nasceu em 06 de novembro de 1834 na cidade italiana

de Verona. Durante sua vida, exerceu as profissões de professor, médico psiquiatra,

antropólogo e político. É considerado o fundador da Escola Positiva e elaborou a

idéia mais marcante deste movimento. Sua principal teoria fora formulada com base

na antropologia e estabelecia a relação entre características físicas e mentais com a

pré-disposição delitiva. Para o autor, alguns indivíduos não seriam completamente

desenvolvidos, e tal situação seria identificável através de algumas características

físicas. Embora posteriormente as teorias de Lombroso tenham sido contestadas e

desacreditadas cientificamente, seu principal legado foi a necessidade de se estudar

a origem do criminoso (DAL RI JÚNIOR, 2006, p. 214).

Ao analisar a produção teórica de Lombroso, verifica-se que este

estabeleceu através da observação de características físicas humanas, uma série de

“estigmas”, que se repetiam em pessoas que haviam cometido delitos. A presença

destas particularidades anatômicas seria um indício da existência de um grupo de

indivíduos que não haviam evoluído por completo, sendo que tal condição, seria a

23

Page 24: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

responsável por sua delinqüência (MOLINA, 2008, p. 148-149).

Este indivíduo parcialmente evoluído, foi denominado por Lombroso como

homem atávico ou criminoso nato. Seu desenvolvimento incompleto, se daria por um

atraso com relação ao restante da espécie, o que explicaria seu comportamento

agressivo e sua tendência destrutiva, com forte tendência à pratica delitiva. A

possibilidade de prévia identificação do indivíduo criminoso, gerou interesse popular

pela produção teórica deste autor e fomentou o estudo da antropologia, psiquiatria e

criminologia da época (BRANCO, 1975, p.41).

Os estudos de Lombroso, também atacavam o livre-arbítrio, tão defendido

pela Escola Clássica, ao afirmar que a motivação humana é direcionada por forças

inatas, conforme explica Luíz Régis Prado:

[...] deve-se o ensinamento de que o homem não é livre, mas sim determinado por forças inatas (Le crétinisme en Lombardie, 1859), a aplicação do método experimental no estudo da criminalidade e a teoria do criminoso nato, segundo a qual o delinquente é um primata ressuscitado por um fenômeno de atavismo. Após descobrir entre criminoso submetidos a exame clínico um grande número de portadores de certas anomalias – anatômicas, fisiológicas e psicológicas - , que os tornam inaptos à vida social – estes foram denominados criminosos natos (expressão de Ferri) (2008. p. 80-81).

Lombroso é tido como o primeiro representante da Escola Positiva, ao

alegar, de forma pioneira, que as características naturais do ser humano, seriam a

principal força motriz da prática criminosa, subjugando o livre-arbítrio. Dessa forma,

o indivíduo estaria submetido a impulsos inatos, que influenciariam seu

comportamento e determinariam se este teria uma tendência à pratica delitiva.

Com as críticas recebidas acerca de sua principal teoria, Cesare

Lombroso ampliou o rol de características que direcionariam um indivíduo à prática

delitiva e possibilitariam sua identificação. Em uma clara referência à obra de Ferri e

Garofalo, terminou por incluir os aspectos sociais e climáticos em que o agente se

encontrava, como elementos que influenciaram ou não o determinismo criminal. No

entanto, o extenso número de indícios que possibilitariam a identificação do

criminoso nato, apesar de aumentar a eficiência da teoria, reduziu a credibilidade da

produção científica de Lombroso.

24

Page 25: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

2.3.2 Enrico Ferri

Personagem importante da Escola Positiva, Enrico Ferri, enfatizou outro

aspecto na formação do criminoso, que contribuiria tanto quanto o antropológico: o

sociológico. Desta forma, o delinquente estaria direcionado à pratica criminosa

também pelo meio social em que vive. Embora não discordasse da teoria

lombrosiana, Ferri considerava-a incompleta, uma vez que afirmava que o indivíduo

criminoso não poderia ser analisado fora do ambiente em que se encontrava e que

este também exerceria influência na pré-disposição delitiva. No entanto, da mesma

forma que Lombroso, Ferri defendia a inexistência do livre-arbítrio, entendendo que

o ser humano possuía apenas independência aparente (BRANCO, 1975, p. 41-42).

Arnaldo Dal Ri Júnior apresenta este personagem histórico:

Nascido em San Benedetto Po em 1856, foi penalista e político. Foi deputado a partir de 1886 pelo partido radical, depois pelo socialista, no qual exerceu a liderança da corrente integralista. Dirigiu, de 1900 à 1905, o jornal “L´Avanti”. Foi autor de numerosas obras de direito e de processo penal, assim como estava entre os primeiros a desenvolver a sociologia jurídica criminal. Importante, mesmo não podendo ser aplicado, foi o projeto que propôs em 1921, de substituição do sistema penal italiano por um sistema de sociologia criminal baseado não somente em medidas de defesa social (Prevenção). Aderiu ao fascismo poucos anos antes de morrer, em 1929, em Roma (2006, p. 214).

Ainda sobre o assunto, Vitorino Prata Castelo Branco revela mais detalhes sobre o Ferri:

O berço da criminologia científica foi a Itália, e o maior propugnador da sua difusão foi Enrico Ferri, o famoso autor da Sociologia Criminal (1900), que tanta repercussão causou no mundo. Professor de Direito Penal e de Processo Criminal na Universidade de Roma, foi ele o primeiro diretor da “Scuola di Applicazione Giuridico Criminale”, instalada em 18 de fevereiro de 1912, na Faculdade de Direito daquela Universidade, com a presença do ministro da Justiça, do 1º Ministro, do Presidente do Senado, dos presidentes dos tribunais romanos, do chefe do Ministério Público, do reitor e decanos das diferentes faculdades, dos maiores advogados e de muitos convidados. Seu discurso, calorosamente aplaudido, especialmente quando disse que estava colhendo, naquele momento, os frutos de trinta anos de sementes plantadas [...] (1980, p. 61-62).

25

Page 26: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Em sua obra, Ferri afirmava que pelo fato do indivíduo não poder conter

seu ímpeto delitivo, este não deveria ser punido. Ao invés disso, deveria ser apenas

afastado do convívio social e mantido em presídios, através de medida de

segurança. Da mesma forma, defendia a instituição de um código de defesa social

com o intuito de substituir o código penal (BRANCO, 1975, p. 42).

A pena teria como objetivo proteger a sociedade do criminoso e seria

aplicada em caráter preventivo e repressivo. Da mesma forma, a cominação da pena

deveria ser realizada de forma diferente entre criminosos ocasionais e habituais, de

forma a desestimular a prática delitiva (COSTA, 1980, p. 225-226).

Quanto ao delito, Ferri elaborou uma análise minuciosa acerca de sua

estrutura, conforme explica Costa:

Os pressupostos do delito são reduzidos por Ferri a três classes fundamentais: a) fatores antropológicos; b) fatores físicos; e c) fatores sociais. Os primeiros são inerentes a pessoa do delinquente e catalogam inicialmente a constituição orgânica, o segundos logo se situam na constituição psíquica (anomalia da inteligência ou dos sentimentos) e os últimos nas características pessoais (v.g. Raça, idade, sexo, condição biológico-social: estados civil, profissão, domicílio, classe social, instrução e educação) (1980, p. 222).

Ferri complementou a teoria de Lombroso sobre o criminoso nato,

ampliando os elementos que influenciariam a predisposição delitiva. Entre estes,

ressaltou o aspecto sociológico, onde afirmava que o meio social no qual o indivíduo

se desenvolve exerceria uma grande influência sobre o comportamento do mesmo.

Os postulados de Enrico Ferri foram depois utilizados pelo próprio Lombroso, no

desenvolvimento de suas pesquisas e em sua produção teórica, inclusive para a

identificação do comportamento e das características da figura do delinquente nato.

2.3.3 Raffaele Garofalo

Raffaele Garofalo foi um professor, magistrado e senador italiano, nascido

em Nápoles, que também exerceu papel fundamental na Escola Positiva e no

fortalecimento da Criminologia. Por sua condição de jurista, sua obras possuíam

amplo conteúdo jurídico. Através da antropologia, da sociologia criminal, e das

ciências jurídicas, Garofalo estabeleceu os fundamento básicos para a Criminologia

26

Page 27: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

moderna (DAL RI JÚNIOR, 2006, p. 218).

No conjunto de sua obra, analisou a figura do homem atávico pela ótica

jurídica, discorrendo sobre os desdobramentos legais que a situação ocasionava.

Para o autor, a prática delitiva deveria ser mensurada através da análise da

gravidade do ato, cominada com a periculosidade do agente (BRANCO, 1975, p. 42-

43).

Arno Dal Ri Júnior sintetiza o conteúdo teórico de Garofalo:

Refém do evolucionismo, a obra de Garófalo parece ignorar as complexidades familiares, sociais e econômicas. A questão econômica, em particular, possuía uma influência, tanto que o mal-estar a esta conexo apresenta-se na sua obra como banalmente atribuído à desproporção entre desejos e meios para os satisfazer. Trata-se de uma perspectiva bizarra, sobretudo se considerado o momento histórico, caracterizado por graves problemas sociais ligados ao crescimento desordenado da indústria italiana, em que o autor a escreveu. Por esta razão, pode-se afirmar que a originalidade do magistrado italiano manifestou-se sobretudo na tentativa de descrever “personalidades delinqüentes”, estranhas a qualquer vibração afetiva, que – tendo sido identificadas já na literatura do século XVI – aparecem constantemente na literatura médica dos séculos XIX e XX, fazendo com que se fale, ainda hoje, de personalidades psicopatas, de distúrbios de personalidade e de sociopatas. (2006, p. 219)

Ainda sobre Garofalo, Luiz Régis Prado explana acerca de sua influência

na Escola Positiva:

[...] Garofalo opera a sistematização jurídica da escola, estabelecendo a periculosidade como base da responsabilidade; a prevenção especial como fim da pena; a noção de delito-obstáculo, de caráter preventivo (2008, p. 81-82).

Da mesma forma que os demais pensadores positivistas, Garofalo

afirmou que o direito apresenta-se como uma ferramenta na defesa da sociedade

quanto ao indivíduo delinquente. Ao transgredir as normas de convivência, este

deveria ser privado do vínculo com a sociedade, uma vez que sua existência

ameaçaria todo o equilíbrio social estabelecido. No entanto, ao demonstrar a

intenção de reparar o dano causado, deveria-se restabelecer o vínculo e oportunizar

ao agente delitivo a oportunidade de retornar ao convívio social de forma monitorada

(COSTA, 1980, p. 219-220).

Em análise à trajetória do estudo penal e criminológico, verificar-se-á que

o surgimento e ascensão da Escola Positiva foram fomentadas por uma série de

fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, que levaram o Estado à busca de

27

Page 28: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

um marco teórico que legitimasse seu caráter intervencionista, visando aprimorar os

instrumentos de controle social e penal, bem como manter a ordem política vigente.

O continente europeu encontrava-se em uma profunda crise ao final do

século XIX. Os modelos penal e prisional mostraram-se inadequados e ineficientes

para a contenção da crescente criminalidade do período. Assim, na ânsia por

soluções, a Escola Positiva surgiu com um discurso reacionário, que propunha

mudanças na postura estatal e doutrinária. Entre os pensadores deste novo

movimento, frisa-se a participação de Cesare Lombroso, que elaborou a polêmica

teoria do Criminoso Nato e influenciou todo o pensamento científico posterior.

3 A VIDA E OBRA DE CESARE LOMBROSO – PRINCIPAIS CONCEITOS DESENVOLVIDOS NA OBRA “O HOMEM DELINQUENTE”

Cesare Lombroso foi um personagem histórico que figura como tradução

de sua época, onde o pensamento mecanicista e científico superou o filosófico e

racionalista, que anteriormente imperava. Assim, na Europa da segunda metade do

século XIX, as pessoas esperavam com expectativa as teses e teorias científicas

fomentadas pela efervescência cultural da ocasião, que buscavam uma explicação

para os monumentais eventos do Universo, bem como para os acontecimentos

diários mais triviais. Com isso, na mesma frequência em que novas teses e teorias

eram formuladas e publicadas, estas eram desacreditadas e esquecidas.

Neste momento de extrema produtividade cultural, Lombroso intrigou a

comunidade científica ao afirmar que havia encontrado as causas para a

delinquência, bem como os caracteres que a identificariam, de forma que o crime,

um dos maiores problemas da história da humanidade, poderia enfim ser

solucionado.

Para comprovar suas alegações, Cesare Lombroso apresentou uma série

de estudos realizados através da observação de indivíduos encarcerados, doentes

mentais e soldados. Os resultados de suas pesquisas revelaram que os criminosos

possuiriam características que permitiriam identificar seu potencial delitivo, de forma

que, podia-se concluir pela existência de um indivíduo cuja tendência ao crime seria

inata. Posteriormente este indivíduo foi denominado por Enrico Ferri como

28

Page 29: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Delinquente Nato.

Neste contexto, o objetivo deste capítulo é estudar a vida e obra de

Cesare Lombroso, bem como alguns postulados da obra “O Homem Delinquente”

que posteriormente foram adotados pelo Direito Penal e pela Criminologia Brasileira,

no início do século XIX.

3.1 Vida e Obra de Cesare Lombroso

Para plena compreensão acerca de sua produção teórica, é necessário

um breve apanhado acerca da história de vida de Cesare Lombroso, o que permitirá

um maior entendimento acerca de seu interesse pela conduta criminosa e pela

identificação do delinquente nato.

Lombroso nasceu em Verona, Itália, em 06 de novembro de 1835. Aos

completar dezoito anos ingressou na Universidade de Pavia, matriculando-se no

curso de medicina. Em 1858, aos vinte e três anos, foi laureado médico, iniciando

em seguida o exercício da profissão na área da psiquiatria (ROQUE, 2010, p. 9).

Logo após o início de suas atividades como psiquiatra, Lombroso passou

a prestar assistência médica em penitenciárias da região de Turim. Seu grande

talento para a medicina, bem como seu interesse pelo comportamento humano,

renderam-lhe uma nomeação como médico militar. Assim, durante o período em que

atuou nas diversas instituições militares, realizou inúmeras observações acerca dos

soldados que atendia, de forma que, posteriormente utilizou as características

destes como parâmetro para o que considerava “homens normais”. Em 1865, aos

trinta anos, assumiu a cátedra da Faculdade de Medicina de Turim, função esta que

exerceu até o fim de sua vida, em 19 de outubro de 1909 (ANITUA, 2008, p. 303).

Após sua passagem como médico militar, Lombroso dedicou-se a

psiquiatria por diversos anos, até ser nomeado diretor do manicômio da cidade de

Pesaro, na Itália. Tal fato proporcionou uma aproximação com a questão dos

doentes mentais, de forma que esta ligação entre este e seus pacientes originou

uma série de estudos e trabalhos científicos. A experiência nesta área foi importante

na produção de trabalhos que relacionavam a demência com a delinquência

(ROQUE, 2010, p. 9).

29

Page 30: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Em 1867, o médico italiano esboçou algumas idéias sobre a motivação do

criminoso em seu artigo intitulado Diagnosi Médico-Legali Studiate Co Metodo

Experimentale (COSTA, 1980, p. 200).

Após uma reflexão sobre as observações e experiências realizadas, uma

análise aprofundada acerca de seus artigos inicias publicados e sua experiência

como diretor do Manicômio da Cidade de Pesaro, redigiu seu primeiro trabalho

voltado a doença mental, o livro “Gênio e Loucura”, de 1870 (ROQUE, 2010, p. 9).

Em 1871 escreveu a obra “O homem Branco e O Homem de Cor”, onde

ao estudar características destes indivíduos afirmava que os negros e os habitantes

do sul da Itália seriam inferiores aos demais, em uma postura claramente

preconceituosa. Entretanto, tendo em vista a repercussão negativa do livro,

Lombroso passou a adotar uma abordagem mais branda em suas publicações,

tornando-as mais palatáveis e menos ofensivas. De fato, a própria origem do autor o

obrigou a desenvolver uma postura menos agressiva, uma vez que possuía

descendência judaica e conhecia os perigos do anti-semitismo e do preconceito em

geral (ANITUA, 2008, p. 304-305).

Em 1872 elaborou um estudo sobre o crânio e as circunvoluções

cerebrais do criminoso, do homem branco e do homem de cor e de 1873 a 1875

realizou a publicação de inúmeros artigos científicos no periódico italiano Rendiconti

de L´Institut des Sciences et des Lettres de Lombardie. Os últimos artigos

publicados neste serviriam de base para a obra “O Homem Delinquente”, de 1876

(COSTA, 1980, p. 193).

Álvaro Mayrink de Costa ainda cita outras publicações do mestre italiano:

Lombroso com Diagnosi Médico-Legali Studiate Col Metodo Experimentale (1867) dá à luz idéias originais sobre a explicação dos fenômenos da criminalidade. Foi, porém, a 1º de janeiro de 1870, após uma autópsia, que encontrei a fosseta occipital média, no crânio do delinquente do nome Vilella e prosseguindo suas investigações, publicou o Tratado Antropológico Experimentale del l´Uomo Delinquente (1874), no qual retratava a pesquisa efetuada em 832 delinquentes. É na segunda edição de “L´Uomo Delinquente Rapporto al´Antropologia, ala Jurisprudência e alle Discipline Carcerarie”, que são ventilados os fenômenos e causas da criminalidade. Procurava mostrar as contradições na administração da justiça, tentando separar o delinquente do delito, como se este fosse um incidente na vida daquele. Sustentava a possibilidade da existência de certa predisposição natural para o crime, em certos tipos de indivíduos, e procurava ligar as tendências de certos delinquentes à primeira infância. A noção de degeneração foi introduzida por Lombroso na explicação do delito, concluindo que a degeneração é uma parada no desenvolvimento e que a tendência criminosa é um fenômeno atávico (1980, p. 200-201).

30

Page 31: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Na década seguinte, em 1880, Cesare Lombroso e Enrico Ferri fundaram

o Archivio de Psichiatria e Antropologia Criminale na Itália, com o intuito de

consolidar a escola positiva frente a escola penal dominante, a néo-clássica de

Carrara, de forma que refutariam diversos preceitos deste movimento, tais como a

imutabilidade do direito no tempo, a aplicação da pena proporcional ao delito e a

justiça retributiva. O pensamento de Lombroso ganhou notoriedade com o aumento

da criminalidade na Europa e o descontentamento popular frente a impotência do

poder estatal em conter o aliciamento dos jovens ao crime (COSTA, 1980, p. 194).

Suas idéias também originaram o Museu Psiquiátrico de Direito Penal, em

Turim. As inúmeras publicações de Lombroso e a aceitação de suas teses,

ocasionaram, em conjunto com as obras de Enrico Ferri e Raffaele Garofalo, a

criação da Escola Positiva de Direito Penal, baseada em uma interpretação

inspirada no positivismo de Augusto Comte e fundamentada em observações e

investigações científicas. Dentro da escola positiva, o pensamento lombrosiano

localiza-se no movimento denominado positivismo evolucionista ou antropológico e

contou com grande influência do trabalho de Charles Darwin (ROQUE, 2010, p. 6-7).

Ainda sobre o tema, Gabriel Ignácio Anitua complementa:

A nova disciplina científica conseguiu, desse modo, concentrar-se no estudo clínico do homem delinquente, que já nascera assim e cujos comportamento deveriam ser evitados. Boa parte dos cientistas europeus envolveu-se nessa tarefa, reunido em congressos de antropologia criminal. O primeiro ocorreu em Roma, em 1885, e o último em Colônia, em 1912. Não foi por acaso que esse tipo de congresso tenha acabado junto com o começo da Primeira Guerra Mundial e com o término da vida de Lombroso, cuja fama lhe havia granjeado, também, uma grande quantidade de críticas ao seu monocausalismo. Para respondê-las, em seu importante livro póstumo O delito, suas causas e seus remédios, de 1911, ele ampliou essas causa reduzidas a um princípio, o atavismo, e enumerou-as em devidas ao clima, à geologia, à raça, à civilização e à imprensa, à densidade de população e à imigração, à subsistência, ao alcoolismo e a outras drogas, à falta de educação, à condição econômica, à religião, à orfandade, à herança, à idade, ao sexo, ou à imitação. Ele apressou-se em fornecer explicações sobre o delito associativo e o delito político (2008, p. 305-306).

O conjunto da obra de Cesare Lombroso é vasto e abrange diversos

livros, artigos e publicações científicas. Entre suas principais obras publicadas se

destacam: “Gênio e Loucura”, de 1870; “O Homem Branco e o Homem de Cor”, de

1871, “O Homem Delinquente”, de 1876; “O Delito”, de 1891; “O Anti semitismo e as

Ciências Modernas”, de 1891; “A Mulher Delinquente, a Prostituta e a Mulher

Normal”, de 1893; “As Mais Recentes Descobertas e Aplicações da Psiquiatria e

31

Page 32: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Antropologia Criminal”, de 1893; “Os Anarquistas”, de 1894 e por fim, “O Crime,

Causas e Remédios”, de 1894 (ROQUE, 2010, p. 10).

Além dos colaboradores habituais, no decorrer de sua vida também

contou com o auxílio de suas filhas Gina Lombroso Ferrero e Paola Lombroso

Carrara. A primeira foi biógrafa de seu pai e responsável pela divulgação inicial de

suas idéias, tendo participação direta em muitas obras de Cesare Lombroso. Já

Paola Lombroso seguiu o caminho da pedagogia e psicologia infantil, tornando-se

uma notória profissional, com evidente influência de seu pai. Dos cinco filhos do

autor, apenas estas alcançaram a fama no meio científico (ROQUE, 2010, p. 9).

Do mesmo modo, os genros do médico também se mostraram grandes

colaboradores de sua produção teórica. Tanto Guilhermo Ferrero, historiador e

grande divulgador da teoria lombrosiana, casado com Gina Lombroso Ferrero,

quanto Mário Carrara, notável criminalista e defensor do pensamento de Lombroso e

casado com sua outra filha, Paola, tiveram grande importância na divulgação da

produção científica do mestre italiano (ROQUE, 2010, p. 9).

Entretanto, mesmo com a importante contribuição de Lombroso e sua

família na Antropologia e nas Ciências Criminais, figurando como destacados

autores científicos na Itália, estes se viram obrigados a fugir do país e refugiar-se na

Suíça, por serem de origem israelita e sofrerem perseguição pelo regime fascista de

Benito Mussolini (ROQUE, 2010, p. 9).

O pensamento do autor transcendeu sua época, exercendo enorme

influência na produção científica posterior à sua divulgação. Em toda a literatura

especializada lançada à partir do século XIX, observa-se menções à teoria

lombrosiana, sejam críticas, ressalvas ou complementos. De certa forma, Cesare

Lombroso também se utilizou de tais obras para corrigir as incongruências de sua

teoria, permitindo a ampliação de suas hipóteses iniciais e a aproximação do

delinquente ao doente mental (ANITUA, 2008, p. 305).

Por mais que a tese central da teoria lombrosiana tenha sido duramente

criticada, o delinquente nato, em sua definição, fomentou a discussão sobre o poder

penal e permitiu a evolução do pensamento jurídico, elevando a antropologia

criminal e a criminologia em si, ao status de ciências (ANITUA, 2008, p. 298-299).

Na trajetória pessoal de Cesare Lombroso transparece o desenvolvimento

de suas idéias. Assim, a sua produção científica acompanhou o exercício da

psiquiatria e o contato que este teve com os mais diversos pacientes no decorrer de

32

Page 33: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

sua carreira, que invariavelmente, se tornavam objeto de estudo. Tal fato evidencia,

apesar das lacunas teóricas de suas teorias, sua incessante busca pela

determinação e identificação do potencial delitivo dos indivíduos.

3.2 Desenvolvimento das Idéias de Lombroso

Uma breve análise da obra do médico italiano, deixa claro o

aperfeiçoamento de suas idéias, que partiram da simples observação das

similaridades entre os criminosos e os doentes mentais e foram sendo aprimoradas

até a elaboração da complexa teoria do delinquente nato. Entretanto, para melhor

compreensão da essência da obra “O Homem Delinquente”, e por consequência dos

principais conceitos trabalhados nesta, é imprescindível o estudo das influências e

motivações que levaram Lombroso a escrever e publicar o referido livro. O primeiro

ponto a ser explanado é o da Frenologia.

A Frenologia surgiu durante o século XIX e foi uma teoria elaborada por

Francisco José Gall, médico alemão naturalizado francês, que afirmava ser possível

identificar qualidades e defeitos de um indivíduo, ou seja, sua personalidade, através

da análise de suas características cranianas. Na ocasião de seu surgimento, a teoria

obteve grande sucesso e aceitação entre a comunidade científica européia,

entretanto, com a realização de mais pesquisas, concluiu-se a falta de fundamento

fático e científico da frenologia, desacreditando-a. Cesare Lombroso, entretanto, foi

um dos teóricos que não abandonou os estudos frenológicos, de forma que iniciou o

desenvolvimento de sua teoria sobre o atavismo através da análise de crânios e a

relação das características destes com a ocorrência de determinadas condutas

humanas, entre estas a delinquência. Todavia, ele restringiu sua pesquisa para a

mente delinquente, na procura de elementos que levariam tais indivíduos a prática

delitiva, ou que indicassem uma pré disposição para tal (BRANCO, 1975, p. 40-41).

Esta postura pode ser observada posteriormente em sua obra “O Homem

Delinquente:

Desta pervertida afetividade, deste ódio excessivo e sem causa, desta falta ou insuficiência de freios, desta tendência hereditária múltipla deriva a irresistibilidade dos atos dos dementes morais. [...] Não podem dirigir à sua vontade os impulsos do ciúme, da sensualidade, sem poder resistir a eles. São ingratos, impacientes, vaidosos, desde seus atos mais maldosos

33

Page 34: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

(LOMBROSO, 2010, p. 217).

A frenologia e a existência de características físicas que indicassem

potencial delitivo demonstraram fundamento, aos olhos de Lombroso, na realização

de uma autópsia em um famoso criminoso italiano chamado Vilela. Durante o

procedimento, o médico italiano pensou ter encontrado a fosseta média da crista

occipital, elemento este, presente em algumas raças primitivas e animais. Tal

descoberta lhe permitiu lançar as bases para a teoria do Delinquente Nato, que

afirmava existir indivíduos atrasados evolutivamente, que teriam características

físicas e psicológicas em comum com os selvagens. Este fato explicaria a crueldade,

violência e agressividade de alguns indivíduos, o que indicaria consequentemente, a

tendência para a prática delitiva (BRANCO, 1980, p. 80-81).

Tal tese foi posteriormente desenvolvida em diversas obras, inclusive em

seu livro mais marcante, “O Homem Delinquente”:

Fica então demonstrado que em uma certa cota de criminosos a raiz do crime remonta desde os primeiros anos do nascimento, intervenham ou não causas hereditárias, ou para dizer melhor, que se há alguns causados pela má educação, em muitos não influi nem mesmo a boa. A sua grande ação benéfica surge exatamente do fato de ser geral a tendência criminosa no menino, de modo que sem essa educação não se poderia explicar a normal metamorfose que acontece na maior parte dos casos. (LOMBROSO, 2010, p. 85).

Após a descoberta inicial, o autor iniciou suas observações com o exame

de milhares de criminosos, comparando sua composição física com a de homens,

que para o médico, seriam o parâmetro do indivíduo “normal”. Nesta primeira etapa

empírica, verificaria que cada criminoso possuía elementos físicos que

comprovariam sua tendência para a prática delitiva (COSTA, 1980, p. 194).

Em seguida, realizou minuciosas análises de crânios, cérebros e vísceras

dos criminosos, comparando-os novamente com seus parâmetros de normalidade.

Como resultado, obteve o reforço de suas conclusões anteriores, onde os agentes

delitivos também apresentariam anomalias internas que os difeririam dos indivíduos

não criminosos. Por fim, realizou estudos sobre a composição biológica e

psicológica do homem criminoso, observando a ocorrência de tatuagens, a

insensibilidade física, a crueldade e outras características que afastariam o homem

normal do delinquente (COSTA, 1980, p. 194).

Através destas pesquisas e seus resultados, Lombroso propôs

34

Page 35: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

inicialmente o estudo da delinquência, suas causas e efeitos. Entretanto, o objeto de

sua pesquisa foi alterado para a figura do delinquente, onde este foi estudado em

três facetas principais: anatomia, fisiologia e psiquiatria. Antes de analisar os

primeiros resultados, Cesare acreditava que o delinquente não era diferente do

louco ou do insano moral (ANITUA, 2008, p. 303).

Neste sentido, eis uma de suas conclusões acerca do criminoso:

Em suma, a aberração do sentimento é a nota característica dos criminosos, como dos dementes, podendo uma grande inteligência coincidir com uma tendência criminosa e demente, mas nunca com íntegro sentimento afetivo. [...] Isto também fica de acordo com o fato de que certamente terá sensibilizado os meus leitores desde os primeiros capítulos: que as alterações da testa predominam mais do que as das faces, que a da cabeça e dos olhos sobre todas as outras. [...] As alterações faciais, especialmente as oculares, ao invés do sentimento, que tanto são frequentes e inseparáveis no verdadeiro criminoso-nato, e que têm, de outra parte, uma base orgânica. Tem certamente uma conexão com a sensibilidade obtusa e naquela reação, ora excessiva ora muito escassa. Conseguimos recolher provas experimentais disso (LOMBROSO, 2010, p. 58).

Apesar de não exercer função jurídica, o médico italiano era um profundo

conhecedor do universo penal de seu tempo, principalmente pelo contato com

indivíduos encarcerados e doentes mentais, de modo que foi um dos pioneiros na

promoção, desenvolvimento e metodização dos estudos criminológicos, permitindo o

fortalecimento desta disciplina. Sua principal contribuição para o estudo penal foi

determinar o criminoso como objeto de estudo (COSTA, 1980, p. 195).

Nos anos seguintes à autópsia de Villela e suas pesquisas com detentos

e doentes mentais, Lombroso publicou inúmeros artigos e realizou diversas

conferências na tentativa de demonstrar que o atraso evolutivo seria a chave para

compreender a delinquência. Assim, esta se daria de forma errática, devido a um

comportamento anormal em uma sociedade civilizada, que remontaria ao mundo

dos primatas ou aos hominídeos pré-históricos. Para o médico italiano, seguindo o

raciocínio de Darwin, o criminoso estaria um passo atrás na evolução da espécie.

Todas as conclusões obtidas com esse raciocínio foram reunidas no livro “O Homem

Delinquente” (ANITUA, 2008, p. 304).

Nesta obra, que data de 1876, Cesare Lombroso sustenta a existência do

criminoso nato, de forma que a causa do crime seria identificada na pessoa do

próprio agente delitivo (ANDRADE, 1997, p. 64).

35

Page 36: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Sua tese partiu do determinismo orgânico e psíquico que o atavismo

ocasionaria em alguns indivíduos. O autor realizou suas pesquisas através do

método empírico, traçando uma série de confrontações entre grupos de criminosos e

não criminosos, buscando suas diferenças e similaridades (ANDRADE, 1997, p. 64).

Álvaro Mayrink de Costa explana brevemente acerca da metodologia

utilizada na obtenção dos dados que fundamentaram a referida obra:

Sobre a capacidade craniana procurou estabelecer paralelos pelo volume do crânio entre os homicidas e os autores de lesões corporais, entre os ladrões medíocres, entre os incendiários e os violadores. Tal estudo teve a participação de Ferri e foi feito sobre 699 delinquentes, divididos entre incorrigíveis ou natos e delinquentes de ocasião e sobre 711 soldados e 321 loucos (1980, p. 202).

Deste modo, Cesare Lombroso buscou anomalias anatômicas,

fisiológicas e psíquicas, que comprovariam a sua tese acerca da existência do

indivíduo determinado à conduta delitiva (ANDRADE, 1997, p. 64-65).

O ponto principal da tese era o atavismo, apontado como a causa

principal para a presença das características físicas e comportamentais presentes

nos delinquentes. O atavismo dessa forma, seria o responsável pela tendência

criminosa e pela aproximação dos delinquentes aos selvagens (ANDRADE, 1997, p.

65).

Entretanto, ao receber críticas quanto a fundamentação de suas teorias,

Lombroso ampliou as causas da criminalidade, incluindo, além do atavismo, a

epilepsia e a loucura moral. A Criminologia, dessa forma, nasceu com as

publicações e teorias lombrosianas, inicialmente como um estudo antropológico que

pretendia, através de um método científico, causal e explicativo, definir o fenômeno

do indivíduo delinquente (ANDRADE, 1997, p. 65).

Na existência de um criminoso nato, a principal causa seria atávica. Para

Lombroso o atavismo teria origem no passado ancestral e na constituição

cromossômica do indivíduo. O primeiro trabalho científico que categoricamente

estabeleceu esta relação foi o de Cesare Lombroso, que através da teoria da

evolução das espécies, alegava a existência de indivíduos menos desenvolvidos na

escala evolutiva, com algumas características biológicas e psicológicas peculiares,

que o aproximariam dos selvagens e dos doentes mentais. Seguindo a orientação

de Lombroso, conclui-se que qualquer indivíduo portador de doença que altere seu

36

Page 37: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

comportamento ou discernimento, tal como a epilepsia, seria um criminoso em

potencial (BRANCO, 1980, p. 107-108).

A teoria lombrosiana obteve sucesso pela repercussão gerada em torno

dos ditames morais e metafísicos vigentes, sendo responsável pelo abalo do

conceito de livre arbítrio, tão defendido pela doutrina religiosa e pela escola clássica

(ANITUA, 2008, p. 305).

Cesare Lombroso afirma:

Nas pessoas sãs é livre a vontade, como diz a metafísica, mas os atos são determinados por motivos que contrastam com o bem-estar social. Quando surgem, são mais ou menos freados por outros motivos, como o prazer do louvor, o temor da sanção, da infâmia, da Igreja, ou da hereditariedade, ou de prudentes hábitos impostos por uma ginástica mental continuada, motivo que não valem mais nos dementes morais ou nos delinquentes natos, que logo caem na reincidência (2010, p. 223).

Todavia, neste ponto reside a grande reação desfavorável à teoria

lombrosiana, pois se a tese do médico italiano despreza o livre arbítrio em favor do

determinismo orgânico, o criminoso não poderia ser responsabilizado por seu atos.

Ocorre que em nenhum momento Cesare Lombroso explicita essa posição,

afirmando apenas, que o delinquente deveria ser afastado do convívio social. Ainda,

embora não se manifeste a favor da pena de morte, alega que esta e a prisão

perpétua seriam as únicas soluções para proteger a sociedade da criminalidade

(ROQUE, 2010, p. 7-8).

Entretanto, apesar das intensas observações realizadas pelo autor, não

se pode comprovar a existência de um criminoso nato. A real definição para o

fenômeno que o autor estudou, seria criminoso por tendência ou criminoso em

potência, pois ainda que um determinado indivíduo possua todas os elementos que

o caracterizariam como Delinquente Nato, este seria inocente até praticar um delito.

Assim, por mais que uma pessoa tenha condições para se tornar um criminoso, o

condicionamento que esta recebeu no decorrer da sua vida, pode evitar que esta

exerça a sua tendência e pratique o crime (BRANCO, 1980, p. 109).

É importante salientar que as pesquisas de Lombroso foram realizadas há

mais de cento e cinquenta anos atrás, quando ainda não haviam sido inventados

exames genéticos, ou métodos científicos avançados que garantissem dados

seguros e precisos, de forma que o médico italiano baseou sua tese unicamente na

observação (ROQUE, 2010, p. 10).

37

Page 38: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

As pesquisas de Lombroso se estenderam para além do criminoso,

englobando ainda a insanidade. Sobre o tema, estes foram os maiores estudos

realizados no mundo até então. Como consequência de suas idéias, debates eram

constantemente realizados e diversas sociedades de antropologia criminal foram

criadas para discutir suas teses (BRANCO, 1980, p. 81).

Após alcançar sucesso e aceitação absoluta na Europa, os adversários

de Cesare Lombroso se dedicaram a demonstrar as incongruências de sua teoria,

sendo a principal dela, a não confirmação da existência do criminoso nato.

Demonstraram isso através do exame da população de uma pequena cidade, onde

seriam encontrados diversos indivíduos com as características descritas por

Lombroso, vivendo pacificamente. Do mesmo modo, encontrava-se entre a

população carcerária, diversos indivíduos não descritos pelo autor (BRANCO, 1980,

p. 81).

Os constantes adendos à teoria do atavismo, bem como a posterior

inclusão de um vasto número de características que permitiriam a identificação do

criminoso nato, em resposta às críticas recebidas, fez com que o pensamento

lombrosiano caísse em descrédito. Verifica-se que em uma tentativa de convalidar

suas teses e hipóteses, Lombroso acabou por ampliar demais sua teoria, de forma

que, em suas publicações finais, qualquer indivíduo poderia ser considerado um

criminoso nato, pois apresentaria ao menos uma das características que, de acordo

com o autor, seriam indícios de tendência à prática delitiva. Assim, a generalização

pode ser apontada como o ponto fraco da produção teórica de Cesare Lombroso,

conforme se verifica em sua principal obra: “O Homem Delinquente”.

3.3 Principais Conceitos Desenvolvidos na Obra “O Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso

A obra “O Homem Delinquente”, de 1876, é a obra mais marcante de

Cesare Lombroso. Não apenas pelo seu valor teórico, uma vez que foi

revolucionária no sentido de promover uma profunda análise sobre o

comportamento criminoso, mas também pelo fato de que possibilitou um vislumbre

acerca de qual seriam as consequências de se conseguir identificar pessoas com

38

Page 39: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

tendência ao crime.

Assim, o que se iniciou com um breve estudo sobre o comportamento e

características de detentos, criminosos e deficientes mentais, acabou se tornando

uma das grandes obras da Criminologia e do Direito Penal, pois ainda hoje suscita

inúmeros dilemas éticos, morais e legais.

Ao estudar o delinquente de ocasião, o delinquente nato e o delinquente

moral, Lombroso determinou algumas características diferenciadoras entre estes,

tais como o crânio, fisionomia, ocorrência de tatuagens, reações vasculares,

agilidade, sexualidade, senso moral, afetividade, religiosidade, megalomania,

inteligência, astúcia, premeditação, espírito associativo e vaidade criminal. Cada um

destes traços, se manifestaria de maneira diferente nos referidos delinquentes,

entretanto, todas estas, de alguma forma, existiriam no interior dos estudados,

incorporando-se a estes (COSTA, 1980, p. 201).

Durante a obra, o autor coloca em xeque a responsabilidade moral e o

livre arbítrio dos indivíduos, imputando o determinismo como fator fundamental na

prática da conduta delitiva, de forma que a pena aplicada ao infrator deveria ter

unicamente a função de defesa social, promovendo a seleção natural e conservação

da espécie (COSTA, 1980, p. 199).

Ao início de seus estudos sobre o homem criminoso, Lombroso partiu de

quatro hipóteses principais: O delinquente seria nato; suas características seriam

idênticas aos do louco moral, de forma que ambos seriam iguais; apresentaria base

epiléptica, e por fim, teria uma série de anomalias, que possibilitariam sua

identificação. Com o passar do tempo e os dados obtidos nas pesquisas, as

hipóteses inicialmente propostas foram refinadas, de forma que o autor estabeleceu

o atavismo como a base principal de seus estudos (COSTA, 1980, p. 199).

As observações que serviram de base para os estudos antropológicos do

médico italiano, direcionariam à constatação do indivíduo com tendência criminosa.

Álvaro Mayrink de Costa apresenta as características de tal indivíduo:

Os estudos antropológicos levaram a escola ao reconhecimento da existência de um tipo humano irresistivelmente levado ao crime pela própria organização, de um criminoso nato, que em 1887, era assim descrito: a) Psiquicamente: Pequena capacidade craniana. Mandíbula pesada e desenvolvida. Grande capacidade orbitária. Índice orbitário análogo ao dos cretinos. Arcadas sobreciliares salientes. Crânio frequentemente anormal, assimétrico. Pouca ou nenhuma barba. Cabelos abundantes. Orelhas em forma de asa. Fisionomia ordinariamente feminina no homem e viril na mulher. Predominância do mancinismo na população do Crime. Pequena

39

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força muscular nas mãos. Grande agilidade. b) Moralmente: Profunda depressão moral, manifestada, desde a infância, pela vileza, crueldade, inclinação para o roubo, vaidade excessiva, astúcia, mentira, aversão pelos hábitos de família, caráter impulsivo e relutância por toda a espécie de educação. O criminoso-nato é invejoso, vingativo, odeia por odiar; é indiferente às punições e sujeito a explosões de furor sem causa, as quais, por vezes, são periódicas. É preguiçoso, libertino, imprevidente, poltrão, versátil, jogador. Não é suscetível de remorsos e abandona-se muitas vezes com alegria às suas inclinações malévolas.c) Intelectualmente: O criminoso-nato quando sabe escrever, tem uma forma de letra característica, e adorna a assinatura de arabescos. A sua linguagem peculiar, muito espalhada e extremamente análoga nos diversos países, tem por caracteres diferenciais as abreviaturas, a designação de cada coisa por algum de seus atributos e, paralelamente, o uso frequente de arcaísmos (1980, p. 194-195).

No intuito de justificar suas teorias, Lombroso se utilizava da observação

no campo da medicina legal, onde tentava estabelecer a relação entre caracteres

físicos e fisiológicos dos indivíduos criminosos com a predisposição delitiva. A teoria

do atavismo, embora analisasse também o aspecto psicológico dos delinquentes,

trazia dados pseudo-científicos apenas com relação a características biológicas,

como o tamanho da mandíbula, a conformação do cérebro, estrutura óssea e

hereditariedade biológica. A relação existente entre tais caracteres e o delito, bem

como as caraterísticas psicológicas dos criminosos analisados, foi realizada de

forma puramente argumentativa, sem dados que comprovassem suas alegações

quanto a isto (ROQUE, 2010, p. 7).

Embora as circunstâncias sociais e educacionais exercessem influência

sobre a formação do indivíduo podendo direcioná-lo para o crime, para Lombroso, a

tendência atávica seria a principal responsável pelo delito. A delinquência, dessa

forma, seria uma doença e como tal deveria ser isolada até ser encontrado um

tratamento eficaz para a sua “cura” (ROQUE, 2010, p. 7).

Deste modo, antes mesmo do indivíduo delinquir, seria possível identificá-

lo e promover seu afastamento da sociedade. Assim, ao mesmo tempo em que o

atavismo seria a explicação para a delinquência, também possibilitaria a

identificação do criminoso através dos caracteres demonstrados pelo autor nesta

obra. Inicialmente, partiu-se apenas da “fissura occipital média” como sendo a

principal característica do delinquente, entretanto, logo se adotaria diversos outros

elementos que caracterizariam os delinquentes natos, permitindo sua localização

(ANITUA, 2008, p. 304).

Com “O Homem Delinquente”, o autor pretendia estudar a biologia e

40

Page 41: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

psicologia do criminoso. Deste modo, abriu sua obra discorrendo acerca do

caractere mais evidente e que apresentaria maior importância psicológica do que

anatômica no delinquente: a tatuagem (LOMBROSO, 2010, p. 30).

A tatuagem no delinquente nato seria um indicativo de sua insensibilidade,

característica esta que o aproximaria de seus ancestrais selvagens e comprovaria o

atavismo. Além disto, Lombroso também reconheceu que a tatuagem poderia ser

motivada por fatores diversos, tais como a religião do indivíduo, homenagens para

suas paixões amorosas, espírito imitativo, ociosidade, participação de algum grupo

ou associação criminosa, ou ainda por simples vaidade (COSTA, 1980, p. 196).

Assim, através das diversas tatuagens encontradas durante as pesquisas

realizadas, Lombroso realizou uma classificação dos tipos de criminosos existentes,

com base nos caracteres apresentados (ROQUE, 2010, p. 7).

As obervações do autor acerca das tatuagens dos detentos, o levaram a

concluir que existem temas que sempre se repetem, que apresentariam cunho

criminal e indicariam ânimo violento, intenção vingativa, ou propósitos amorais,

deixando evidente a personalidade, desejos e anseios dos detentos (LOMBROSO,

2010, p. 31).

O conteúdo do desenho exposto na pele do delinquente, a região do

corpo onde esta foi praticada, e o número de tatuagens ostentadas possuem grande

importância antropológica, porque além de revelarem pontos importantes da

personalidade do criminoso, poderiam fornecer diversas informações sobre sua vida,

o que permitiria criar um perfil do agente delitivo. A partir disso, seriam descobertos

traços fundamentais de sua identidade, os lugares onde esteve, se faz parte de

alguma organização criminosa, se esteve encarcerado anteriormente, se já exerceu

alguma profissão antes de ser condenado, os crimes praticados, bem como a

vaidade instintiva presente no criminoso e sua insensibilidade a dor, que o

aproximaria de seus ancestrais selvagens (LOMBROSO, 2010, p. 31-36).

As tatuagens revelariam tanto sobre os criminosos, que muitos deles,

contrariando sua natureza e na tentativa de escapar das condenações e do cárcere,

evitariam as tatuagens, alterando as já existentes ou tentando removê-las

(LOMBROSO, 2010, p. 37).

Além das tatuagens, um outro elemento físico que seria essencial para a

determinação do caráter criminoso de um indivíduo, seriam os traumas que este

possui em seu corpo, tais como fraturas e cicatrizes. Tais características seriam

41

Page 42: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

indícios de uma vida criminosa com diversos embates e lutas e não seriam

comumente encontradas em cidadãos honestos e pacíficos (LOMBROSO, 2010, p.

45).

Quanto a comunicação, os delinquentes possuiriam de certa forma um

dialeto próprio, repleto de gírias, jargões e palavras que apenas os criminosos

entenderiam. Não que a gíria seja excepcionalmente um indicativo de tendência

criminosa, mas, tal como as profissões possuem seus termos e expressões próprias,

o crime também possuiria o seu (COSTA, 1980, p. 196).

Uma das características marcantes nos jargões utilizados pelos

delinquentes seria o de designar um objeto pelo seus atributos, da mesma forma

como procederiam as línguas arcaicas e dialetos primitivos (LOMBROSO, 2010, p.

173).

Uma das principais funções do jargão para os delinquentes, seria a

necessidade de ocultar informações de pessoas não iniciadas no crime, dificultando

o andamento de investigações policiais (LOMBROSO, 2010, p. 176-177).

Entretanto, apesar desta função fundamental para o criminoso, existiria

uma explicação diversa para a utilização de linguagem tão diferente por parte dos

delinquentes, mesmo ao se referir a acontecimentos e situações triviais. Eles

conversariam e trocariam informações de forma diferente, porque pensariam e

sentiriam de forma diferente. São selvagens, fora de seu habitat e por isso

necessitariam de um dialeto próprio que os manteria a salvo de seus inimigos

(LOMBROSO, 2010, p. 181).

Quanto aos aspectos psicológicos do delinquente, seus sentimentos

sempre seriam norteados por um traço doentio, que se apresentaria de forma

excessiva e instável, variando do amor ao ódio em poucos segundos. Sua

instabilidade se refletiria na falta de jeito em lidar com as pessoas e em sua

alienação social (LOMBROSO, 2010, p. 113).

Assim, tendo em vista a ausência de interação social e a fragmentação do

grupo familiar, característicos dos delinquentes, estes se entregariam de forma

irresponsável e inconsequente a outras paixões. Entre estas, poderia-se citar o

orgulho e a vaidade, que possuiriam lugar de destaque na mente criminosa e que se

manifestariam na consideração excessiva pela própria pessoa, no egoísmo

exagerado e na percepção de que suas necessidades teriam mais importância que

as de outrem (LOMBROSO, 2010, p. 113).

42

Page 43: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Outra característica bem evidente no delinquente seria o orgulho que este

tem em delinquir, bem como das consequências que tal ato traz para o criminoso

(LOMBROSO, 2010, p. 114).

Deste modo, tendo em vista a vaidade exagerada nutrida pelos

delinquentes, natural que qualquer ofensa a sua pessoa, por menor que seja, viria

seguida de um sentimento de vingança desproporcional em face de quem causou a

ofensa. Tal sentimento ultrapassaria o limite da auto preservação e lançaria o

criminoso em um frenesi que só terminaria ao conseguir completar o ato de

vingança. Esta prática comum entre delinquentes, demonstraria o total desprezo

pelo sistema judiciário e aproximaria o criminoso dos antigos povos selvagens, que

resolviam qualquer problema através da violência (LOMBROSO, 2010, p. 115-116).

A insensibilidade, que se manifestaria fisicamente no delinquente através

da resistência a dor, também possui consequências psicológicas. Esta se

manifestaria na insensibilidade moral que anularia a capacidade de sentir empatia e

colocar-se no lugar da vítima, de forma que o sofrimento alheio não lhe causaria

nenhuma reação. Tomaria forma então, os instintos selvagens do homem primitivo,

onde a única coisa que importa seria a satisfação do desejo fugaz e inconsequente.

Assim, a crueldade demonstrada se tornaria um troféu para o criminoso, onde este

sentiria orgulhoso do seu ato de selvageria (LOMBROSO, 2010, p. 116-117).

O álcool e o jogo seriam outros prazeres aos quais os delinquentes se

entregam sem freios. O primeiro exerceria complexo efeito sobre o criminoso, uma

vez que, além de ser causa do crime, também seria seu efeito. Além disso, o bar

seria o principal ponto de encontro com outros delinquentes, onde estes aplicariam

os ganhos obtidos com o delito e, na companhia de seus cúmplices, planejariam

novas ações criminosas (LOMBROSO, 2010, p. 118).

O álcool também poderia ser apontado como a causa de inúmeras

doenças encontradas nos delinquentes e nas prostitutas. Também se verificaria nos

criminosos desejo similar ao da bebida em relação aos jogos de azar. (LOMBROSO,

2010, p. 118-119).

Tal desejo se manifestaria através do desprendimento em

constantemente apostar todo o montante conquistado através do crime, em

contraponto com a cobiça sem limites pelos objetos alheios. Como consequência, a

maioria dos criminosos, independente de seu sucesso na empreitada criminosa,

terminariam suas vidas na miséria, sem poder usufruir do produto de sua

43

Page 44: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

delinquência (LOMBROSO, 2010, p. 120).

Os criminosos não se importariam com as consequências do delito,

visando apenas o prazer momentâneo, satisfazendo seus ímpetos mais fugazes e

frívolos. Assim, o homem comum, que comete um crime influenciado por violenta

paixão ou emoção, se assemelharia ao delinquente comum, por não discernir os

desdobramentos de seu ato criminoso (LOMBROSO, 2010, p. 124).

Por este conjunto de características, Lombroso afirma que o delinquente

se assemelharia mais aos selvagens do que aos dementes, uma vez que o senso

moral também se mostraria fragilizado ou ausente nos selvagens. Entretanto, sua

maior semelhança residiria na irracionalidade e instabilidade dos sentimentos, forte

desejo pelos jogos de azar, a coragem inconsequente e a insensibilidade física e

psicológica (LOMBROSO, 2010, p. 125-126).

A preguiça seria outra característica marcante nos delinquentes, que não

sentiriam motivação alguma para a prática do trabalho contínuo e honesto. Se estes

exercessem alguma função contínua, serviria apenas para sua subsistência. A única

motivação do criminoso seria a prática delitiva (LOMBROSO, 2010, p. 135).

No que tange ao remorso nos criminosos, Lombroso afirma que estes não

o sentiriam. Tal fato poderia ser verificado na aplicação da pena, uma vez que, na

ocasião desta, os criminosos concordariam com o quantum imposto, mas negariam

a prática do delito. Se o delinquente sentisse remorso, em primeiro lugar confessaria

a prática do crime e depois contestaria a pena, justificando sua ação perante a

sociedade. Ao negar a autoria do crime, o criminoso demonstraria que não se

arrependeu (LOMBROSO, 2010, p. 160-161).

Similar aos selvagens, o criminoso não sentiria remorso, apenas orgulho

de seus crimes e a crença de que justiça é sinônimo de vingança, violência e força,

de forma que o senso moral seria inexistente nestes indivíduos. Na maioria das

vezes, os delinquentes acreditam que praticam ato nobre e heróico, mesmo que o

delito tenha ocorrido por meio de emboscada. (LOMBROSO, 2010, p. 170).

Cesare Lombroso afirma ainda que os delinquentes acreditam que suas

ações seriam justificáveis, demonstrando uma noção moral deturbada, uma vez que

seus atos frequentemente se mostrariam desproporcionais e cruéis, independente

de suas intenções. Assim, os criminosos se mostrariam surpresos frente a

condenação, sempre afirmando que teria sido cometida injustiça contra eles, se

apresentado como vítimas. Para confirmar suas alegações de injustiça, citariam

44

Page 45: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

casos onde ocorreram crimes mais graves e os autores saíram impunes, como se tal

fato os redimisse de sua conduta criminosa (LOMBROSO, 2010, p. 163-164).

Entretanto, é importante salientar que esta idéia equivocada de justiça

presente nos criminosos, não poderia ser diretamente relacionada com o caractere

hereditário. Esta poderia ser explicada mais facilmente através dos

condicionamentos aos quais o indivíduo foi exposto durante a sua vida e que

acabaram por desvirtuar seu conceito de justiça e correição (LOMBROSO, 2010, p.

164).

Alguns criminosos acabariam por se especializar em algum tipo

específico de delito, fato este que os tornariam muito hábeis na realização do crime

em que são especialistas. Entretanto, isso não comprovaria que são dotados de

grande inteligência, uma vez que sua habilidade na prática delitiva seria derivada

unicamente da repetição. Soma-se a isso o fato de que, embora muitos delinquentes

desenvolvam golpes engenhosos e lucrativos, o montante conseguido com o crime

logo seria desperdiçado com os vícios do jogo e do álcool, ou ainda com prostitutas,

fato que corroboraria a tese do déficit intelectual dos criminosos (LOMBROSO,

2010, p. 138-139).

Lombroso também afirmava a existência de um índice cada vez maior na

reincidência dos criminosos. De forma que, quanto mais os institutos jurídicos e

sistemas prisionais são aprimorados, maior seria a reincidência. Isso ocorreria

porque o encarceramento não ressocializaria o delinquente, tendo exatamente o

efeito contrário. Afirmava ainda que não se deveria esperar que a evolução nos

sistemas carcerários prevenissem ou diminuíssem a ocorrência de crimes e a

reincidência (LOMBROSO, 2010, p. 153-155).

O criminoso, enquanto encarcerado, entraria em contato com outros

delinquentes e infelizmente aprenderia com estes. Assim, aprimoraria a forma de

delinquir e agiria com menos riscos e maiores vantagens, de forma que o sistema

prisional, além de não ajudar os detentos, ainda os tornariam mais perigosos e mais

instruídos no mundo do crime (LOMBROSO, 2010, p. 156).

Ao analisar a alta reincidência observada, Lombroso verificou que,

resguardados os crimes políticos, os demais reincidentes poderiam ser

considerados delinquentes natos, uma vez que sua tendência para delinquir

encontraria-se explícita e não poderia ser controlada através do condicionamento

moral. Assim, em uma análise aprofundada, chegou a conclusão de que quase não

45

Page 46: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

haveriam detentos que não fossem reincidentes (LOMBROSO, 2010, p. 156-158).

Os delinquentes não possuiriam vínculo de lealdade para com os seus

pares e cúmplices. Da mesma forma que repudiam a delação de outros criminosos,

não hesitariam em delatar para garantir benefícios pessoais, vingar-se de um

desafeto ou simplesmente para não serem os únicos a cumprirem a pena imposta.

Assim, ficaria evidente a flexibilidade moral que rege a mente e o espírito do homem

criminoso, que permitiria a este variar seus valores e sua visão de mundo

dependendo da situação em que se encontrasse. A delação entre criminosos seria

uma das principais causas de mortes e atentados dentro das instituições carcerárias

(LOMBROSO, 2010, p. 167-168).

Lombroso afirmava que a associação entre diversos criminosos para a

prática delitiva potencializaria a tendência criminosa dos indivíduos participantes,

tornando-os mais perigosos, instáveis, cruéis e selvagens. No caso da associação

criminosa, as tendências presentes no homem delinquente seriam exponenciadas

pela disciplina e segurança que o grupo delinquente proporcionaria ao indivíduo. A

principal função da criação destas associações seria justamente apropriar-se do

alheio e fazer frente à defesa legal (LOMBROSO, 2010, p. 185-186).

Algumas características seriam comuns nas associações criminosas. O

autor verificou a ocorrência da divisão de tarefas para o crime, com delinquentes

especialistas em diversas frentes, sendo que tal distribuição seria feita de forma

impessoal pelo líder do bando e seria seguida sem perguntas. O líder do grupo

também seria figura constante nas organizações delinquentes, de forma que

geralmente tal função seria exercida por um indivíduo carismático, cruel e com poder

ditatorial, exatamente como nas tribos selvagens. Verificou também que os grupos

criminosos sempre possuiriam financiadores externos e protetores, em caso de

perigo (LOMBROSO, 2010, p. 186-187).

Lombroso afirmou que alguns homens nasceriam com tendência para o

crime. Em contrapartida, existem diversos criminologistas que refutam tal teoria, pois

todos seríamos criminosos potenciais, apenas contidos pela educação e sociedade

em que fomos concebidos (BRANCO, 1980, p. 107).

Se o criminoso nato for realidade, o próprio conceito de criminoso teria de

ser revisto, pois ninguém pode ser considerado criminoso ou culpado, antes mesmo

de praticar o ato delitivo. Apesar dos inúmeros condicionamentos recebidos durante

a vida para evitar a prática da violência, é inegável o fato de que o homem é guiado

46

Page 47: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

por seus instintos, os quais ainda preponderariam em algumas situações. Assim, se

não existe o criminoso nato, com certeza há o criminoso por tendência (BRANCO,

1980, p. 107).

O homem comum sente a necessidade de punir o delinquente afastando-

o do convívio social, uma vez que não existem outros meios conhecidos para

encerrar a atividade criminosa, senão o cárcere ou a morte. As pessoas acabam por

se tornar escravas do medo e do sentimento da vingança, o que turva seu

discernimento e impede que encontrem soluções para a criminalidade

(LOMBROSO, 2010, p. 194).

No decorrer da obra, Cesare Lombroso aborda a questão da

criminalidade e desenvolve suas teorias de maneira sutil, evitando afirmações

polêmicas, que fujam do senso comum. Entretanto, quando faz referência a

possíveis soluções para a criminalidade, deixa claro que as únicas medidas

aplicáveis são a morte ou o afastamento dos delinquentes, através da prisão

perpétua (ROQUE, 2010, p. 8).

Embora o médico italiano aponte a hereditariedade como um fator

importante na formação do indivíduo criminoso, tal situação não justificaria o declínio

deste para a prática delitiva. Mesmo com sua teoria apontando para a existência do

criminoso-nato, Lombroso afirma que outros elementos influenciariam a

concretização das tendências delinquentes ou as inibiriam, de forma que tal

condição não serviria de desculpa para o criminoso (ROQUE, 2010, p. 8).

Para Lombroso, os fatores que influenciariam negativa ou positivamente

os indivíduos para a prática delitiva seriam diversos, tais como o clima, o grau de

cultura e civilização do grupo social, a densidade da população, alcoolismo, situação

econômica e religião. Por se tratar de complexa análise com a presença de

incontáveis variáveis, restaria comprometida a criação de um método para identificar

e localizar delinquentes natos. Da mesma forma, os inúmeros fatores listados, que

variam regionalmente, tornariam ineficiente um Código Penal aplicado a um vasto

país (ROQUE, 2010, p. 8).

Assim, ante a complexidade da análise dos fatores psicológicos e físicos

envolvidos na prática delitiva, o autor de um crime deveria, ao invés de ser

encaminhado a um juiz, ser encaminhado a um médico, para que este determinasse

a real extensão da tendência criminosa do delinquente, e consequentemente aplicar

uma pena correspondente a sua situação (ROQUE, 2010, p. 11).

47

Page 48: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Neste ponto, a teoria de Lombroso gerou grande repercussão e diversas

posturas doutrinárias diferentes, pois ante a existência de um criminoso nato, sem

capacidade de conter sua delinquência, este não poderia ser responsabilizado por

seus atos, uma vez que sua ação estaria acima de sua vontade. A justiça penal tem

a prerrogativa de punir apenas quem possui livre arbítrio, no exercício total de seu

juízo. Assim, para Lombroso, não deveriam existir códigos penais com listas de

crimes e punições, e sim códigos de segurança social, garantindo o afastamento dos

possíveis infratores do convívio social (BRANCO, 1980, p. 81-82).

A obra “O homem Delinquente” é, primeiramente, um retrato do delito e do

delinquente italiano da época, ao buscar justificativas para as ações dos sistemas

punitivos que exerciam veladamente o preconceito e o racismo, características estas

que acabaram por serem assimiladas pela teoria lombrosiana (ANITUA, 2008, p.

299).

As teorias de Lombroso acabaram desacreditadas, tendo em vista que os

métodos empregados na coleta dos dados não apresentavam a precisão necessária

e os próprios resultados obtidos contrariavam a teoria. Porém um dos fatores que

mais gerou descrédito foi que Lombroso pretendeu-se absoluto quanto ao seus

enunciados, conforme explicam Francisco Muñoz Conde e Winfried Hassemer:

Muitas teorias biológicas de criminalidade posteriores a Lombroso e seus seguidores incorreram no mesmo erro, apresentando seus resultados como absolutos, em vez de oferecê-los com modéstia e realismo metódico, o que, em verdade, são: um elemento parcial dentro de um mais amplo sistema explicativo. [...] O mesmo pode ser dito sobre as teses que baseiam as tendências criminais na constituição corporal ou em determinadas anomalias da personalidade, pois tudo isso pode explicar alguns casos individuais, mas não admitem generalizações, nem oferecem resposta válida para todo tipo de criminalidade. (2008, p.33).

Um indivíduo deve responder pela prática de uma conduta delitiva,

apenas na medida de sua culpabilidade. É interessante observar que ao adotar as

teorias positivistas, em especial à lombrosiana, acaba-se por relevar o ato delitivo

praticado pelo indivíduo, em conseqüência da importância despendida a valoração

das características biológicas e comportamentais anteriores ao ato, ou seja, analisa-

se a pessoa e não a ação, o que acaba por corromper as funções da pena, aqui

explicitadas por Érica Mendes (2008, p. 347): “[...] um importante setor da doutrina

atribui à pena uma finalidade de prevenção geral positiva ou integradora: através

dela assegura-se a confiança dos cidadãos na validade da norma, justificando sua

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Page 49: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

imposição por sua utilidade social [...]”.

Majoritariamente a doutrina defende que a prática de uma determinada

ação ou omissão apenas pode ser considerada delitiva, se reunir tipicidade,

antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade. Desta feita, não cabe a análise

unicamente da periculosidade do indivíduo para a definição do “quantum” de sua

pena (CARVALHO, 2008, p. 33).

Assim, através da análise empírica de indivíduos reclusos nas

penitenciárias e manicômios italianos no final do século XIX, e cruzando os dados

obtidos com observações realizadas anteriormente com soldados e marinheiros,

Cesare Lombroso acreditou ter encontrado elementos que permitissem a

identificação de criminosos natos, de forma que seria possível, até mesmo,

mensurar sua capacidade delitiva.

Com base nessas observações e análises, fundamentou sua teoria

atávica. Os resultados obtidos nas referidas pesquisas, juntamente com as

hipóteses e considerações de Lombroso acerca do tema, foram reunidas e

publicadas sob o título “O Homem Delinquente”. Seu livro mais polêmico e que pode

ser apontado como síntese de toda sua produção científica.

De acordo com a referida obra, alguns caracteres biológicos, sociais e

psicológicos estariam obrigatoriamente presentes nos indivíduos criminosos. Tais

postulados lançaram as bases para a Escola Positiva e para o Positivismo

Antropológico.

Embora a teoria do delinquente nato tenha sido desacreditada por se

basear em dados imprecisos e adotar hipóteses amplas demais, as observações

realizadas por Cesare Lombroso acerca dos criminosos, influenciaram direta ou

indiretamente toda a produção legislativa e doutrinária posterior, que acolheu alguns

postulados de Lombroso na criação e utilização de diversos institutos penais,

visando, principalmente, o incremento das técnicas de controle social.

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Page 50: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

4 CONTEXTO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS DA CRIMINOLOGIA E DO DIREITO PENAL BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX: INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO POSITIVISTA DE CESARE LOMBROSO NA PRODUÇÃO TEÓRICA E LEGISLATIVA BRASILEIRA DA ÉPOCA

A influência das idéias de Cesare Lombroso se fez presente nos estudos

criminológicos do início do século XX na Europa, onde era proposta uma relação

entre características físicas e comportamentais dos indivíduos com o seu potencial

delitivo. Tal relação ocasionou o fortalecimento do pensamento biológico e

determinista, com a premissa básica de que as causas para a prática delitiva eram

patológicas, sendo o criminoso um ente nascido com predisposição a delinquir e, por

este motivo, deveria ser afastado da sociedade.

A meta deste capítulo é identificar o impacto legislativo e doutrinário que

os conceitos teóricos de Lombroso, em específico os acima referidos, exerceram

sobre as concepções brasileiras acerca do Direito Penal e da Criminologia nas

primeiras décadas do século XX.

4.1 O Brasil do Início do Século XX

Antes de abordar a influência que a obra “O Homem Delinquente” exerceu

sobre o Direito Penal e a Criminologia brasileira, importante delimitar o contexto

histórico em que o Brasil estava inserido.

De plano cumpre anotar que tal como a Europa da segunda metade do

século XIX, as primeiras décadas do século XX para o Brasil foram de turbulência

social, econômica e política, em contraponto com a efervescência cultural e científica

da época. Embora os motivos que originaram a crise brasileira tenham sido diversos

dos europeus, bem como o período em que esta ocorreu, as consequências foram

50

Page 51: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

similares e ocasionaram o uso de inúmeros postulados do positivismo antropológico

de Cesare Lombroso e vários institutos criados pela Escola Positiva.

O progresso foi a principal característica econômica, social e política da

ocasião nos centros urbanos do país. Uma década após a Proclamação da

República, o Brasil passou por radicais mudanças que o colocaram mais próximo

das potências mundiais. Entre as referidas medidas, pode-se citar a alteração no

regime político, que passou da monarquia para a república presidencialista; o fim do

trabalho escravo e o desembarque dos grupos imigrantes provenientes da Europa

(NEVES, 2003, p. 15).

Entretanto, nas localidades afastadas que compunham o Brasil rural, o

progresso não conseguiu romper a tradição secular de subserviência e poder

concentrado nas mãos de poucos, resquícios do regime monárquico. Assim, o

contraste entre o desenvolvimento do campo e da cidade perdurou por todo a

primeira metade do século XX e mostrou-se peça essencial no entendimento do

referido período (NEVES, 2003, p.16).

Em um lapso de tempo relativamente curto, de aproximadamente dez

anos, o Brasil passou de uma monarquia com valores e instituições arcaicas, a uma

república que buscava adaptar a vida pública e privada aos ideais e ensinamentos

dos países tidos como líderes mundiais em seus seguimentos, visando o progresso

e a civilidade. Ainda verifica-se um otimismo sem precedentes nesta época,

embalado pelas notícias das descobertas científicas que prometiam a resolução

para todos os males da humanidade (NEVES, 2003, p. 19).

No que tange a época ensina Vitorino Prata Castelo Branco:

A mesma atividade progressista se realizou no campo da Filosofia e do Direito, no mundo e no Brasil. As instituições jurídicas foram ampliadas e grandes mestres trataram das mais profundas questões legais. No campo do Direito Penal e da Criminologia, esta já vista em outra parte desta obra, o progresso foi imenso em todos os países adiantados. No Brasil, desde Pimenta Bueno, Clemente Pereira, Bernardo Vasconcelos, Batista Pereira, Vicente Piragibe, Vieira de Araújo, Galdino Siqueira, Sá Pereira, Alcântara Machado, Nelson Hungria, até uma infinidade de mestres contemporâneos. Tamanho progresso não trouxe, porém tranquilidade ao mundo, cada vez mais inquieto. No campo social e político, as idéias socialistas passaram a estremecer as estruturas estabelecidas, o pensamento marxista desenvolveu a luta de classes, jogando umas contra as outras, convulsões sociais abalaram sociedade e governos e o conjunto de nações dividiu-se em blocos ocidentais e orientais, em eternas guerras e guerrilhas. Enormes gastos, em armamentos, com prejuízo para as populações, baixaram e ainda baixam, consideravelmente os padrões de vida. Os costumes patriarcais de estabilidade e honestidade, com a família tradicional, se desagregam, os instintos se libertam, o sexo e a violência predominam. Até

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mesmo a Igreja, que tinha por missão pregar o amor entre os homens, esqueceu a sua finalidade, e pela voz de seus pastores, auxilia a desunião geral. Há, no mundo, uma crise moral de grandes proporções (1980, p. 114).

Entre 1900 e 1918, a economia brasileira apesar dos avanços propiciados

pelo ânimo do novo século, ainda era predominantemente agrária, tendo como

principal produto o café. No campo político, a elite cafeicultora dominava o cenário,

através do coronelismo no âmbito municipal e da troca de favores entre as

oligarquias em âmbito estadual (VICENTINO, 1998, p. 86).

Embora o modelo de regime político vigente fosse a república, não podia

identificar-se a existência da democracia, uma vez que as eleições eram usualmente

fraudadas e o voto era realizado de forma aberta e não secreta, de forma que os

eleitores eram pressionados a votar em determinado candidato através da coerção.

Um outro fator que facilitava a realização de fraude nas eleições era o pequeno

contingente eleitoral, uma vez que um dos requisitos para exercer o direito de voto

era ser alfabetizado, o que reduzia o número de eleitores (VICENTINO, 1998, p. 86-

87).

O contraste existente entre os centros urbanos e o Brasil rural,

anteriormente mencionado, demonstra sua importância no campo político do país no

período, onde o coronelismo e os jogos de influência entre personalidades políticas

influentes de cada estado brasileiro definiam o rumo que o país tomaria, inclusive

com a escolha dos nomes dos candidatos à presidência. Tal fato é facilmente

verificável ao analisar-se que anteriormente ao Golpe de Estado de 1930, houve

uma predominância de presidentes paulistas e mineiros, com a exceção de um

presidente carioca, o que demonstrava a força destas oligarquias estaduais

(RESENDE, 2003, p. 112).

Neste período, o país encontrava-se em grave crise financeira,

consequência dos enormes gastos públicos e do declínio da exportação de café, o

que colocou em risco a situação financeira do Brasil e a hegemonia das elites

cafeicultoras. A complicada situação econômica fez com que se adotasse uma série

de medidas econômicas, com a criação de uma política de redução das despesas

públicas, aumento de impostos, combate à inflação e a busca pela valorização da

moeda brasileira (VICENTINO, 1998, p. 88-90).

Importante salientar que embora o país continuasse sendo considerado

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um território periférico e sem grande influência mundial, finalmente se livrou do jugo

controlador da Inglaterra, abrindo suas fronteiras para investimentos e parcerias com

demais países, principalmente com os estadunidenses. Socialmente, verifica-se a

ocorrência de um período turbulento, com o aumento no atrito entre o proletariado e

os empresários. As relações desiguais de consumo e produção, bem como o fim da

escravatura, criaram uma massa de indivíduos socialmente rejeitados, que não

possuíam capacidade de produção e não conseguiam a inserção no mercado de

trabalho da época, fato este que fomentou a pobreza e a criminalidade no período

(NEVES, 2003, p. 20-21).

Seguiu-se um período conturbado, com manifestações e revoltas

populares que visavam expressar a insatisfação com a recém adotada república e

sua postura de “proteção” aos interesses e anseios das elites, enquanto as porções

desfavorecidas da população sofriam com altos impostos e o desamparo estatal.

Para as camadas populares, a transição entre monarquia e república não alterou o

cotidiano, uma vez que continuavam excluídas do cenário político e econômico

brasileiro (VICENTINO, 1998, p. 96).

O êxodo rural é outro fenômeno que ganhou proporções consideráveis

nesta época, pois com as notícias das fortunas ganhas do dia para a noite e o

aumento da necessidade de mão de obra barata, os habitantes do interior foram

impulsionados a migrar para os grandes centros urbanos, na busca por melhores

condições de vida (NEVES, 2003, p. 21).

Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil caminhou em

direção a um modelo de governo mais voltado ao aspecto social. Assim, a classe

média e o capitalismo se viram ameaçados pelo fortalecimento do modelo socialista

e do proletariado. Logo reagiram, propondo um modelo de Estado ainda mais liberal

e desvinculado dos ideais socialistas (VICENTINO, 1998, p. 108).

Posteriormente, entre o período de 1919 e 1930, os cafeicultores, que

correspondiam à elite econômica da época, tiveram seu poder significativamente

reduzido com a crise do café, enquanto outros grupos sociais, que até então

encontravam-se reprimidos pelo modelo estatal da época, ganharam destaque e

representatividade no campo político e econômico brasileiro. Entre estes últimos,

pode-se citar os comerciantes, industriais e o operariado, que cada um a seu modo,

buscaram formas de defender seus interesses e aproveitar o vácuo deixado pela

redução da influência e poder das elites agrárias brasileiras (VICENTINO, 1998, p.

53

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108).

Neste sentido, ensinam Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde Sá

Pinto:

Do ponto de vista econômico, a década de 1920 foi marcada por altos e baixos. Se nos primeiros anos o declínio dos preços internacionais do café efeitos graves sobre o conjunto da economia brasileira, como a alta da inflação e uma crise fiscal sem precedentes, por outro também se verificou uma significativa expansão do setor cafeeiro e das atividades a ele vinculadas (2003, p. 389).

Assim, com o crescente descontentamento popular frente às medidas

adotadas pelo regime republicano, novos levantes surgiram com o intuito de

enfraquecer o poder político dominante e garantir um novo modelo de Estado, que

atendesse as reivindicações dos grupos revoltosos. Entre os movimentos

antigovernistas de destaque, pode-se citar a Coluna Prestes, A Revolta do Forte de

Copacabana, o Movimento Tenentista, A Guerra do Contestado, entre outros

(VICENTINO, 1998, p. 105).

Todavia, embora tais movimentos não tenham obtido êxito em destituir os

governantes e alterar o regime político da época, em 1930, a situação se tornou

insustentável. Após uma eleição presidencial, onde o vencedor teria sido eleito

através de fraude, ocorreu um golpe de Estado com a participação das Forças

Armadas e o apoio das classes médias urbanas e do operariado, onde foi instituído

um governo Provisório sob a liderança de Getúlio Vargas (VICENTINO, 1998, p. 108-

109).

Sobre o tema ensina Ângela Maria de Castro Gomes:

Dessa forma, ao mesmo tempo que a revolução instituía seus poderes discricionários, assumia um compromisso com a revisão da legislação vigorante e com a reintegração da nação num regime legal, através do processo político de convocação de uma constituinte. O Governo Provisório se definia a priori como um período passageiro, um expediente revolucionário que deveria substituir até que os legítimos representantes da nação – os deputados constituintes eleitos – assumissem a tarefa da construção de uma nova ordem legal (1996, p. 14).

No período posterior à Revolução de 1930, conhecido como a Era Vargas,

foi estabelecida uma ditadura de extrema direita, com a centralização do poder

político, a extinção dos órgãos legislativos federais, estaduais e municipais, e a

suspensão dos direitos constitucionais. Este período também foi tumultuado

54

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socialmente, uma vez que a oposição à Getúlio Vargas se deu de forma

extremamente violenta em algumas frentes, tais como na Revolução

Constitucionalista e na Intentona Comunista. Entretanto, ao contrário do que

propunham, tais movimentos apenas fortaleceram o governo de Getúlio Vargas, pois

suas ações garantiram a este a possibilidade de decretar o Estado de Sítio e

aumentar ainda mais o seu poder, unindo o país perante um inimigo externo comum:

a ameaça comunista (VICENTINO, 1998, p. 121).

Sobre o tema, ensina José Henrique Pierangeli:

Em 1937, por um ato de força, o Presidente Getúlio Vargas, com apoio do General Góis Monteiro, este Ministro da Guerra, e de outras patentes militares que com o Ministro tinham se reunido a 27 de setembro de 1937, resolveu romper com a ordem constitucional, sob fundamento de que, assim procedendo, se poria fim à ameaça comunista, que mesmo após a chamada Intentona Comunista, de 1935, ainda se fazia presente (2001, p.77).

Além disso, apesar do caráter centralizador e repressivo de seu governo,

Getúlio Vargas possuía grande apoio popular, uma vez que através de medidas

como a promulgação dos direitos trabalhistas e o aumento do salário mínimo,

conquistou a confiança e apoio da parcela menos favorecida da população

(VICENTINO, 1998, p. 118).

Deste modo, o turbulento período enfrentando pelo Brasil entre 1900 e

1940, fortaleceu a política da segurança nacional, que visava, da mesma forma que

a Escola Positiva, o aprimoramento dos instrumentos de defesa social. Conforme

referido anteriormente, as similaridades entre o Brasil e a Itália, não se limitaram a

crise econômica, social e política enfrentada, pois em ambos os países, o resultado

do conturbado período foram ditaduras de extrema direita, com Benito Mussolini

governando o estado italiano e Getúlio Vargas liderando o estado brasileiro.

Frisa-se ainda, que as duas nações se utilizaram dos postulados

desenvolvidos pela Escola Positiva e pelo Positivismo Antropológico de Cesare

Lombroso na criação de suas legislações penais e em sua produção doutrinária

penal e criminológica.

4.2 O Pensamento Positivista Lombrosiano na Criminologia e no Direito Penal Brasileiro no Início do Século XX

55

Page 56: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Os postulados desenvolvidos por Césare Lombroso, também conhecidos

como Positivismo Antropológico, geraram grande repercussão no meio científico na

Itália do final do século XIX e início do século XX. Entretanto, tendo em vista o

conteúdo das idéias e a verdadeira revolução que elas propunham, o pensamento

lombrosiano logo foi divulgado em outros países, inclusive no Brasil. Assim, poucos

anos após a publicação do livro “O Homem Delinquente”, os criminalistas brasileiros

já tinham conhecimento acerca da obra e posicionavam-se doutrinariamente acerca

dos conceitos desenvolvidos nesta.

Algumas obras exercem impacto tão forte sobre o mundo científico, que

acabam por transcender os limites do meio acadêmico, tornando-se de

conhecimento popular e superando a barreira do tempo. Tais trabalhos deixam de

ser simples artigos científicos e se transmutam em marcos intelectuais de sua

época. Um livro que se enquadra nessa categoria é “O Homem Delinquente”, de

Cesare Lombroso, que figurou como tradução dos anseios e aspirações da

comunidade científica e do homem europeu comum do final do século XIX (SOUZA,

1982, p. 39).

A repercussão gerada pelo conjunto da obra de Lombroso, em especial

pelo referido livro, colocaram o criminoso no centro da discussão penal e

criminológica, de forma que médicos e juristas passaram a elaborar teses e realizar

inúmeros estudos na busca por evidências que corroborassem ou desacreditassem

os postulados lombrosianos. Em terras brasileira não foi diferente, onde inúmeros

médicos e cultores do direito criminal decidiram investigar as alegações do mestre

italiano, fato este que gerou um período de grande efervescência nas Ciências

Criminais (BRANCO, 1980, p. 63).

Entre os estudiosos que se dedicaram ao estudo positivista lombrosiano

durante as primeiras décadas do século XX, pode-se citar os nomes de Braz

Florentino, Tomaz Alves, Joaquim Augusto de Camargo, Lima Drummond, Vieira de

Araújo, Macedo Soares, Viveiros de Castro, Esmeraldino Bandeira, Pedro Lessa,

Viveiros de Castro, Sílvio Romero, Artur Orlando, Tobias Barreto e Cândido Motta

(PRADO, 2008, p. 82).

Ainda pode-se atribuir estudos e teses baseadas nas observações e

postulados lombrosianos a Leonídio Ribeiro, Teodolindo Castiglione, Agostinho José

Souza Lima, Ferreira de Abreu, Raimundo Nina Rodrigues, Basílio Machado,

56

Page 57: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Bittencourt Rodrigues, Severino Prestes, Reynaldo Porchat, Oliveira Fausto, Miranda

de Azevedo, Pedro de Toledo, Pereira de Carvalho, Domingos Jaguaribe e Américo

de Campos. Assim, tendo em vista a grande quantidade de autores que trabalharam

o tema, verifica-se a repercussão gerada pelo assunto e a intensidade com que foi

estudado (BRANCO, 1980, p. 63).

Entretanto, mesmo com o vasto rol de autores que trabalharam com o

positivismo lombrosiano, a maioria não pode ser classificada como autênticos

positivistas, uma vez que muitos dos trabalhos publicados por estes tinham como

objetivo apenas a demonstração do novos postulados ou a realização de

comentários acerca da lei penal e suas aplicações, em cotejo com a teoria

positivista.

Contudo, importante frisar que diversos autores do cenário científico

nacional aceitaram as teses positivistas lombrosianas e passaram a defender os

conceitos embutidos no pensamento de Cesare Lombroso. Tal movimento em prol

do positivismo culminou com a criação da Sociedade de Antropologia Criminal,

Psiquiatria e Medicina Legal, em 1895, na cidade de São Paulo; da Sociedade de

Medicina Legal e Criminologia, na cidade de Salvador, em 1914; e do Instituto

Brasileiro de Criminologia, no Rio de Janeiro, em 1931, bem como diversos institutos

dedicados às pesquisas na área das Ciências Criminais e Antropológicas no país

(SOUZA, 1982, p. 40).

Algumas publicações brasileiras da época tentaram estabelecer uma

relação entre a criminalidade e a raça, de forma que tais postulados, foram pioneiros

na tentativa de demonstrar esta característica como um indicativo da pré-disposição

delitiva. Destacam-se entre tais obras “Criminologia e Direito”, de Clóvis Bevilacqua

e “Germes do Crime”, de Aureliano Leal, ambos de 1896, bem como a tese de

doutorado do escritor Júlio Afrânio Peixoto, intitulada “Epilepsia e Delito”, de 1897 e

ainda “Classificação do Delinquente”, de Cândido Motta, também de 1897 (ANITUA,

2008, p. 353).

Entre os primeiros divulgadores do positivismo penal e das teorias

lombrosianas, o recifense João Vieira de Araújo é apontado como o pioneiro no

estudo dos fundamentos elaborados pelo mestre italiano, bem como na defesa do

pensamento deste, não apenas no Brasil, como também no estrangeiro. Em meados

do século XX, era o representante mais conhecido da criminologia brasileira no

exterior, tendo participado na elaboração dos anais da União Internacional de Direito

57

Page 58: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Penal (“Legislation Pénale Comparée” - 1898) e publicado diversos artigos

internacionais de cunho positivista. O referido autor foi um dos grandes nomes na

luta pela aceitação, na legislação penal brasileira, de institutos de inspiração

positivista. Suas obras principais foram: “Ensaio de Direito Penal”, de 1884, “Nova

Escola de Direito Criminal”, de 1888 e “Código Criminal Brasileiro” de 1889 (SOUZA,

1982, p. 40-41).

No que se trata de pioneirismo, Tobias Barreto também tem papel

fundamental no estudo dos preceitos lombrosianos. Todavia, este apresenta-se

como o primeiro crítico da teoria de Cesare Lombroso, ao relegar as teses

desenvolvidas pelo médico italiano à condição de meras alegações sem

embasamento científico, em seu livro “Menores e Loucos”, de 1884 (SOUZA, 1982,

p. 41-42).

Outro nome que se destaca na promoção do positivismo criminológico

brasileiro, é o de Raimundo Nina Rodrigues, que realizou inúmeras pesquisas e

publicou inúmeros artigos científicos e obras com observações e conclusões

baseados em sua experimentação. O cerne do pensamento deste autor foi buscar o

mais eficiente tratamento penal para os criminosos, através da análise

antropométrica e psiquiátrica destes, ou seja, um método derivado diretamente dos

postulados lombrosianos (ANITUA, 2008, p. 353-354).

Um caso em particular, envolvendo Nina Rodrigues, ilustra bem a

influência dos postulados lombrosianos em seu trabalho. Em 1897, ao término da

Guerra de Canudos, o médico baiano solicitou a cabeça do líder do movimento,

Antônio Conselheiro, que havia sido morto no conflito, com o intuito de realizar uma

minuciosa análise craniana, em busca de características que apontassem atavismo

ou loucura. Entretanto, apesar dos esforços de Nina Rodrigues, os exames e

medições realizados no crânio de Antônio Conselheiro não apresentaram nenhum

indício que comprovasse que este fosse um criminoso nato (MACHADO, 2005, p.

83-84).

Embora Nina Rodrigues seja reconhecido como o fundador da

criminologia brasileira moderna, é impossível ignorar o forte conteúdo racista

presente no conjunto de sua obra, o que termina por ofuscar sua produção científica.

O autor afirmava que a população negra e “mulata” possuía capacidade mental

incompleta, de forma que deveriam ser aplicadas regras diversas a estes indivíduos.

Entretanto, sustentava que tal fato não significava que estes não deveriam ser

58

Page 59: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

punidos (ANITUA, 2008, p. 353-354).

De todos os autores que se dedicaram ao estudo da criminologia e direito

penal da época, Nina Rodrigues é o que mais se apropriou dos conceitos lançados

por Lombroso, de forma que foi considerado por este como o principal apóstolo da

antropologia criminal no Novo Mundo. Apesar do reconhecimento internacional, sua

fama não era de conhecimento público no Brasil. Suas principais obras foram: “O

Animismo Fetichista dos Negros Baianos”, de 1896, “Os africanos no Brasil”, de

1907, “O Problema Médico Judiciário no Brasil”, “O Alienado no Direito Civil

Brasileiro”, de 1959, “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal”, de 1894, “A

Loucura nas Multidões”, “A Paranóia dos Negros”, “Negros Criminosos do Brasil”, e

“As Coletividades Anormais”, de 1939 (BRANCO, 1980, p. 64-65).

A obra de Pedro Lessa também profere diversos ensinamentos de Cesare

Lombroso, entretanto, com a ressalva de que sua teoria ainda carecia de

comprovação e portava inconvenientes excessos. Embora tenha adotado uma

postura mais conservadora e cética quanto ao positivismo e à antropologia criminal,

foi um dos principais responsáveis pelo popularização das teorias penais positivas

no Brasil (SOUZA, 1982, p. 43).

Cândido Nazianzeno Nogueira da Motta, por sua vez, embora tenha sido

discípulo de Pedro Lessa, adotou uma postura mais extremada do que a de seu

mestre na defesa do positivismo e dos postulados lombrosianos. Tal intensidade lhe

rendeu popularidade internacional no ramo do Direito Criminal e diversas

publicações internacionais, bem como grande reconhecimento pela sua contribuição

aos estudos criminais. Sua principal obra é “Classificação dos Criminosos”, de 1890

(SOUZA, 1982, p. 44).

Na Bahia, o nome de Artur Ramos de Araújo Pereira também se destaca

como grande colaborador na divulgação dos preceitos positivistas lombrosianos.

Sua principal contribuição para a Criminologia e para as Ciências Criminais

brasileiras se deu no estudo do negro e do índio brasileiro. Todavia, novamente o

teor racista e discriminatório das obras acabam por ofuscar o real valor de sua

produção científica (BRANCO, 1980, p. 65).

Outro seguidor da Escola Baiana e defensor dos preceitos lombrosianos é

Júlio Afrânio Peixoto, que trilhando o caminho de Nina Rodrigues, estudou e concluiu

pela existência de características que indicavam pré-disposição delitiva. O

diferencial de Afrânio Peixoto foi o volume de sua produção intelectual, sendo que

59

Page 60: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

este publicou cerca de quinhentas obras no decorrer de sua vida, entre elas as mais

importante são: “Epilepsia e Crime”, com prefácio de Nina Rodrigues, de 1898;

“Psicopatologia Forense”, de 1916; “Novos Rumos da Medicina Legal”, de 1932 e

“Criminologia”, de 1933 (SOUZA, 1982, p. 49-50).

Já no Rio de Janeiro, Roberto Lyra, que embora doutrinariamente tenha

se aproximado mais do positivismo sociológico de Ferri do que do positivismo

antropológico de Lombroso, merece menção especial, pois foi o principal

responsável pela criação do Instituto Brasileiro de Criminologia, tornando-o

referência mundial no estudo criminológico e divulgando os conceitos e teses

lombrosianas. Soma-se o fato de que organizou o primeiro curso de criminologia no

Brasil, o que lhe garante um lugar no panteão de autores que tiveram participação

na divulgação do pensamento lombrosiano no país (BRANCO, 1980, p. 65-66).

Leonídio Ribeiro Filho também possui importante participação na

popularização dos conceitos lombrosianos. Além de autor de inúmeras obras onde

divulga e defende o pensamento positivista antropológico, teve fundamental papel

na aplicação prática dos ideais de Cesare Lombroso, sendo que foi o responsável

pela criação, junto ao Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal, do

primeiro Laboratório de Antropologia Criminal do país, em 1932. Suas principais

obras são: “Medicina Legal”, de 1933, “O Novo Código e a Medicina Legal”, de 1943,

“Enrico Ferri e a doutrina Lombrosiana”, de 1956 e “Criminologia”, de 1957 (SOUZA,

1982, p. 50-51).

Os postulados desenvolvidos por Césare Lombroso ao longo de suas

publicações científicas, em especial os conceitos desenvolvidos na obra “O Homem

Delinquente”, foram amplamente discutidos pelos criminalistas brasileiros.

Inicialmente, foram amplamente aceitos e divulgados, entretanto, ao serem

realizadas pesquisas para a análise dos resultados obtidos por Lombroso, muitos

penalistas brasileiros passaram a adotar uma postura mais comedida com relação

ao pensamento lombrosiano, refutando ou aceitando apenas em partes suas

hipóteses.

Embora posteriormente os fundamentos do Positivismo Antropológico

restaram desacreditados, é inegável que o debate gerado pelo pensamento de

Cesare Lombroso fomentou o desenvolvimento das Ciências Penais de forma nunca

antes vista, levando à criação de inúmeros Institutos de Criminologia no Brasil e

incitando a realização de pesquisas e estudos acerca do criminoso. Neste sentido,

60

Page 61: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

pode-se afirmar que o positivismo antropológico logrou o benefício de estimular o

avanço da Criminologia e as reflexões sobre a questão criminal, mesmo que seja no

sentido de provocar críticas e propor novos estudos para examinar o fenômeno da

violência e o tratamento dado pelo Estado para as pessoas designadas como

criminosas.

4.3 O Pensamento Positivista Lombrosiano no Código Penal Brasileiro de 1940: A Personalidade do Criminoso, a Periculosidade e a Aplicação da Pena Indeterminada

A influência do Positivismo Antropológico no Brasil, atingiu o seu apogeu

com a promulgação do Código Penal brasileiro de 1940. Nesse momento ocorreram

as condições ideais para a utilização dos postulados lombrosianos: uma extensa

crise política, econômica e social, aumento da criminalidade, existência de um

inimigo externo, iminência de uma guerra mundial e necessidade de repressão

social, tendo em vista a instauração de um regime ditatorial.

Os agentes a serem criminalizados são definidos consciente ou

inconscientemente com base em critérios preconceituosos e segregacionistas, que

visam a alienação de indivíduos não desejáveis e que influenciam diretamente a

criação das leis penais, bem como a definição dos bens jurídicos a serem protegidos

e as condutas definidas como criminosas (ANDRADE, 1997, p. 278).

A lei penal, acima de tudo, é um instrumento de controle social. Tal fato é

facilmente verificado em uma breve análise da legislação penal, onde observa-se a

aplicação de medidas enérgicas na tentativa de contenção das condutas usualmente

relacionadas à grupos e classes sociais marginalizadas, que precisam ser mantidas

sob controle. Deste modo, às práticas contra o patrimônio individual e aos crimes

contra o Estado são previstas penas exemplares, enquanto que para crimes

característicos das classes sociais “dominantes”, tais como a corrupção, evasão de

divisas, ou a sonegação fiscal, se aplicam medidas brandas, que não levam em

conta o dano causado pelo autor, ou a quantidade de pessoas lesadas (ANDRADE,

1997, p. 279).

Ainda neste sentido, Vera Regina Pereira de Andrade complementa:

61

Page 62: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

[...] os resultados da análise teórica e de uma série inumerável de pesquisas empíricas sobre os mecanismos de criminalização tomados em particular e em seu conjunto podem ser condensados em três preposições que constituem a negação radical do mito do Direito Penal como direito igualitário que está na base da ideologia da defesa social.a) O Direito Penal não defende todos e somente os bens essenciais nos quais todos os cidadão estão igualmente interessados e quando castiga as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo parcial (fragmentário);b) A lei penal não é igual para todos. O status de criminal é desigualmente distribuído entre os indivíduos;c) O grau efetivo de tutela e da distribuição do status de criminal é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei pois estas não constituem as principais variáveis da reação criminalizadora e de sua intensidade (ANDRADE, 1997, p. 282).

Na divulgação dos fatos relativos a vida dos indivíduos criminosos,

estudiosos em geral reportavam uma realidade exagerada negativamente, onde os

aspectos sociais e psicológicos indesejados pela população dominante eram

apresentados de forma inverossímil, na tentativa de demonstrar a existência de

grupos perigosos, que precisariam ser controlados ou afastados do convívio social.

Tal prática fortaleceu as idéias e teses mais extremadas sobre a criminalidade,

garantindo ao positivismo as condições perfeitas para o seu desenvolvimento, de

forma que não poderia haver outra explicação para o comportamento do referido

grupo a não ser a ocorrência de atraso evolutivo (ANITUA, 2008, p. 316).

No Brasil do final do século XIX, as teorias positivistas foram amplamente

adotadas, pois além de se encaixar nas necessidades da elite da época, também

legitimavam a alienação dos indivíduos considerados indesejados. Em um país

recém saído do modelo de produção escravagista, onde a população negra não

estava adaptada ao modelo de trabalho capitalista, mostrava-se urgente a criação

de institutos que garantissem o controle e a disciplina dos antigos escravos, de

forma que a lei penal encontrava-se intimamente ligada à questão racial (ANITUA,

2008, p. 353).

Neste sentido, Eugênio Raul Zaffaroni apresenta o controle social como

uma prática historicamente presente:

As dificuldades eram criadas sempre pelos indesejáveis que reincidem em comportamentos de menor gravidade ou que, simplesmente, se manifestam de forma indisciplinada. Estes seriam os inimigos ou estranhos mais complicados, pois requerem vigilância, uma vez que, aos olhos do poder, são sempre potencialmente perigosos. As dificuldades foram acentuadas com o crescimento das cidades e o consequente enfraquecimento do

62

Page 63: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

controle social rural, espontâneo e estrito; se, no começo, também os indesejáveis era eliminados, o caráter gregário do ambiente urbano, que além disso favorece a circulação de informações, foi pouco a pouco tornando mais difícil o apelo a esse método: não só aqueles indesejáveis tendiam a aglutinar-se e multiplicar-se como a população dificilmente toleraria a matança indiscriminada e em massa (2007, p.36).

Assim, o positivismo jurídico, em especial o antropológico, exerceu papel

fundamental no direcionamento dos institutos penais aos interesses da elite da

época, legitimando o Estado na criação, regulação e execução da lei penal. Os

preceitos de Lombroso seguiam os procedimentos médicos e afirmavam que, tal

como uma pessoa doente, o criminoso deveria ser identificado e “curado” de sua

condição delitiva, ou, no insucesso desta última, afastado definitivamente do

convívio social (ANITUA, 2008, p. 378-379).

Quanto às primeiras tentativas da normatização positivista no Brasil,

ensina Moacyr Benedicto de Souza:

Os primeiros esforços para a normatização, no Brasil, dos princípios da Escola Positiva, datam do final do século passado. O então vigente Código de 1890, eivado de erros e defeitos de natureza técnico-jurídica, além de seu caráter excessivamente liberal, condizente, porém, com a realidade política dominante no mundo de então, passava pelo crivo de uma crítica acerba. Por consequência, o governo Floriano Peixoto cuidou de dar ao país um novo estatuto penal, encarregando o positivista Vieira de Araújo de elaborar o respectivo projeto. Apresentado este ao Congresso Nacional em 1893, foi, entretanto rejeitado. Dos pareceres a ela oferecidos, dois, pelo menos, calaram bastante no espírito da comissão legislativa encarregada de estudá-lo: o do Instituto da Ordem dos Advogados, de autoria de Batista Pereira, responsável pelo código que seria substituído e opositor declarado do positivismo penal, e o redigido pelo Professor João Monteiro, em nome da Faculdade de Direito de São Paulo (1982, p.63).

A influência do positivismo antropológico no diploma penal é inegável,

estando presente em diversos institutos, tais como na influência da personalidade do

criminoso e de sua periculosidade como fator determinante no quantum da pena, ou

na individualização da pena em si, de modo que tornava-se possível ignorar a

vedação constitucional de prisão perpétua ao cumular-se a aplicação da pena com a

medida de segurança. O auge da influência positivista antropológica na legislação

penal, entretanto, ocorre com a criação do Código Penal de 1940 (PIERANGELLI,

2006, P. 195).

Em 1937, ante o turbulento período após o rompimento da ordem

constitucional e a implantação do regime ditatorial com a presidência de Getúlio

Vargas, foi solicitado ao professor paulista Alcântara Machado que elaborasse um

63

Page 64: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

projeto de Código Penal. Após concluída a tarefa, em 1940, o projeto foi submetido à

uma comissão revisora composta pelos professores Vieira Braga, Nelson Hungria,

Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, sob a supervisão geral do Ministro da Justiça,

Francisco Campos. Além destes, a Comissão Revisora também contou com a

participação do professor Antônio José da Costa e Silva, que informalmente prestou

algumas sugestões acerca do projeto. Em seguida, com as observações realizadas

pela Comissão Revisora, Alcântara Machado novamente redigiu seu projeto,

entretanto, a comissão ignorou a nova redação dada por este e apresentou o projeto

definitivo em novembro de 1940, que foi publicado no mês seguinte (PIERANGELLI,

2001, p.78-79).

Sobre o Código Penal de 1940 elucidam Eugênio Raul Zaffaroni e José

Henrique Pierangeli:

O código de 1940 possui uma parte especial ordenada da mesma maneira que apresentava o projeto Galdino Siqueira, ou seja, encabeçada com os delitos contra a pessoa, mas com uma estrutura decididamente neo-idealista, própria do código italiano de 1930. É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delituosas, que operavam através do sistema “duplo-binário” ou da “dupla via”. Através deste sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pelas simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada (2006, p 194).

Deste modo, evidente a utilização por parte dos legisladores brasileiros de

diversos elementos do Positivismo Antropológico na elaboração do Código Penal de

1940, principalmente com a justificativa de promover a Defesa Social. Em especial,

pode-se identificar inúmeros institutos do Diploma Penal brasileiro que fazem

referências explícitas ou implícitas aos conceitos desenvolvidos na obra “O Homem

Delinquente”.

Por razões didáticas, optou-se por identificar e discorrer sobre apenas

três destes institutos trazidos no Código Penal brasileiro e que fazem menção aos

postulados elaborados na referida obra: a análise da personalidade do delinquente

na dosimetria da pena, a verificação da periculosidade e a possibilidade da

cumulação da pena com a medida de segurança, o que na prática corresponde à

pena indeterminada.

64

Page 65: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Tais institutos foram escolhidos pela facilidade na identificação e

assimilação com os elementos trabalhados no livro “O Homem Delinquente”, bem

como por ostentarem de forma mais evidente a influência lombrosiana.

4.3.1 Personalidade do Delinquente

A criminalização de uma conduta, qual seja, imputar a um grupo de

pessoas a condição de criminosos, é exercida por um estrato social específico, que

é escolhido e treinado de forma consciente e inconsciente para perpetuar o status

quo, reproduzindo uma política de controle social através da legislação penal que

visa a proteção de interesses escusos (ANDRADE, 1997, p. 276).

Tal prática explicaria a predominância de indivíduos pertencentes à

classes menos favorecidas nos cárceres, pois o objetivo principal da legislação

penal seria exatamente oprimir e controlar estes grupos sociais. Assim, as teorias da

Criminologia Positivista que afirmam que fazer parte de uma determinada parcela da

sociedade é um indicativo de potencial delitivo caem por terra (ANDRADE, 1997, p.

276-277).

Deste modo, o processo de criminalização e o aparato penal e

criminológico estariam baseados em modelos e estereótipos que não podem ser

tomados como regra geral e que se forem seguidos, apenas realimentam o sistema,

criando um círculo vicioso (ANDRADE, 1997, p. 277).

O positivismo antropológico, ao transferir o foco de estudo do crime para

o criminoso, tomou um receoso caminho, que faz com que o julgamento de uma

conduta delitiva se dê muitas vezes com base unicamente no indivíduo, deixando de

lado o fato típico cometido, baseando-se no determinismo e na defesa social.

(ANDRADE, 1997, p. 70).

A personalidade do criminoso conquistou uma posição de destaque no

pensamento positivista antropológico, pois, juntamente com os caracteres físicos,

possibilitaria maior eficiência na identificação e tratamento do potencial delitivo.

Assim, mostrou-se de grande importância o estudo sobre a personalidade do

indivíduo delinquente na determinação das causas que o direcionavam para a

prática do fato típico, de modo à evitá-las (SOUZA, 1982, p. 69).

65

Page 66: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Além disso, a Escola Positiva, como um todo, proporcionou a mudança do

objeto de estudo dos penalistas, relegando o crime ao segundo plano e dando

destaque para o criminoso, de forma que o autor do fato anti-social passou a ser o

centro das pesquisas e trabalhos científicos (SOUZA, 1982, p. 69).

A personalidade é fator determinante na conduta de um indivíduo, sendo

que apenas através de seu estudo é que se pode tentar compreender as reais

intenções e motivações de uma ação praticada. Neste sentido, Cesare Lombroso foi

o primeiro autor a reconhecer a importância do estudo da personalidade criminosa

na busca por respostas à prática delitiva (SOUZA, 1982, p. 70).

Cristina Rauter estabelece a relação entre o comportamento da

população brasileira e suas práticas culturais, que eram tomados como indícios de

sua personalidade delinquente:

O olhar dos criminólogos se volta para os costumes brasileiros: o carnaval, os sambas, os cangaceiros nordestinos, a miscigenação. Todos estes são indícios de uma incapacidade para o controle moral, que explica também a indolência para o trabalho, a tendência para o desrespeito à autoridade e finalmente para o crime (2003, p. 37).

No pensamento lombrosiano, o delinquente possui alguns traços

marcantes em sua conduta social, evidenciando sua personalidade anormal. Tal

postura seria consequência do atraso evolucional, de forma que merece destaque

no estudo do indivíduo criminoso (SOUZA, 1982, p. 70).

Seguindo os preceitos positivistas lombrosianos, a legislação penal

brasileira também coloca em destaque a personalidade do autor de fato típico, de

forma que esta exerce influência direta na dosimetria da pena.

De fato, desde o Projeto Alcântara Machado havia a preocupação em

diagnosticar a personalidade do agente, conforme explica Moacyr Benedicto de

Souza:

A lei penal brasileira empresta destaque especial à personalidade do agente. Já no Projeto Alcântara Machado, em sua nova redação, a preocupação com esse complexo que constitui a personalidade do delinquente teve relevo acentuado. No artigo 41, ao cuidar da aplicação da pena, atribui-se ao juiz, como primeira preocupação, o atendimento à personalidade do agente e, no artigo seguinte discrimina os requisitos que o julgador deve ter em conta para formar sua convicção sobre tal personalidade: “I – a sua idade, educação e situação econômica, antecedentes judiciais ou penais e procedimento na vida individual, familiar e social; II – o seu comportamento e estado de ânimo antes, durante e depois do crime; e III – quaisquer outros elementos que contribuam para o

66

Page 67: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

conhecimento do seu temperamento e caráter” (1982, p. 71).

Embora o Código Penal de 1940 não tenha adotado os detalhes

expressos originalmente no Projeto Alcântara Machado, também colocou a

personalidade do agente como item a ser observado no momento da dosimetria da

pena. Tal característica foi exposta em três pontos distintos do referido instituto.

Inicialmente, encontrava-se expressa no artigo 42, onde era permitido ao juiz a

avaliação da personalidade do agente, com base em critérios pessoais e subjetivos,

com o intuito de ajustar a sanção ao autor do delito em questão (SOUZA, 1982, p.

71).

Assim, o Código Penal de 1940 teria adotado amplamente os

pressupostos positivistas antropológicos e apresentaria claras influências do Código

Penal Italiano de 1930, ou seja, um produto do fascismo e do totalitarismo. Deste

modo, evidencia-se a pretensão autoritária e a criação de inúmeros mecanismos que

perpetuariam a pena imposta, permitindo a neutralização de “indesejáveis”,

utilizando-se dos conceitos estabelecidos pela Escola Positiva (PIERANGELI, 2007,

p. 194).

Posteriormente, a personalidade também foi abordada no artigo 49 do

Código Penal de 1940, onde ao discorrer sobre o Concurso de Circunstâncias

Agravantes e Atenuantes,o legislador elencou a personalidade do agente como um

dos três elementos preponderantes a serem analisados na definição do quantum

penal (SOUZA, 1982, p. 71,72).

Por fim, o artigo 77 dispunha a personalidade como fator a ser analisado

na definição da periculosidade do indivíduo infrator, delegando ao juiz a análise da

personalidade do agente para verificar se este apresentava a possibilidade de

praticar crimes novamente. Ou seja, segue a máxima do pensamento lombrosiano

sobre a pré-disposição delitiva com uma roupagem diferente, relegando aos

magistrados a definição de critérios que interferem diretamente na dosimetria da

pena. Neste mesmo artigo ainda, verifica-se um rol de condutas que indicam uma

periculosidade maior do agente, entre eles pode-se observar a perversão, malvadez

e insensibilidade moral. Não por acaso, tais tendências foram apontadas no livro “O

Homem Delinquente”, de Cesare Lombroso, como características do criminoso nato

(SOUZA, 1982, p. 72).

Sobre o tema, ensina Cristina Rauter:

67

Page 68: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

Um dispositivo como a medida de segurança é o resultado prático de cerca de quatro décadas de discussões nos meios jurídico brasileiros, é a adoção de um novo critério de julgamento, baseado não no ato criminoso, mas na personalidade do delinquente. Além disso, corresponde a uma transformação na concepção de pena e de sua ação sobre uma personalidade considerada anormal [...] (2003, p. 74).

A individualização da pena, tal como previsto no artigo 42 do Código

Penal de 1940, possui evidente inclinação positivista antropológica, aumentando a

importância da figura do juiz, que pode, baseado em uma análise puramente

subjetiva da personalidade do agente, ajustar a sanção aplicável ao fato

(ANDRADE, 1997, p. 70).

Tal instituto encontra-se entre os mais polêmicos dentro do Direito Penal,

uma vez que visa uma adequação da pena ao crime praticado e daquela ao

criminoso. A individualização vislumbra-se como a solução para o problema da

aplicação da sanção penal ao agente, ao estabelecer critérios flexíveis que permitem

um ajuste correspondente ao fim a que se propõe (SOUZA, 1982, p. 84).

Sobre os fundamentos teóricos da individualização da pena, ensina Rivail

Carvalho Rolim:

Na realidade, nas teorias do positivismo penal do início do século XX estavam presentes os pressupostos de que os fatores biológicos determinavam o comportamento das pessoas, que que elas transgrediam a lei em função de uma evolução às avessas, pois retornavam ao primitivismo e à selvageria. (2006, p.187)

Por volta do século XVIII, por conta dos estudos penais classicistas, a

única preocupação do sistema penal era a repressão ao delito, de forma que ao

estabelecer sanções ao criminoso, as únicas considerações realizadas quanto à

pena a ser aplicada eram realizadas com base nas condições e características do

crime cometido. Ou seja, analisava-se unicamente o crime (SOUZA, 1982, p. 85).

Já no fim do século XIX, a Escola Positiva mudou o foco de estudo das

ciências criminais do crime para o criminoso, fazendo com que a principal função da

pena fosse a reeducação do criminoso. Pela primeira vez as condições do criminoso

passaram a ser vistas de forma especial, uma vez que determinariam o quantum

penal. Por tal motivo, era necessário dotar o magistrado de autonomia para ajustar a

pena de acordo com as características do detento, para que este pudesse ser

reintegrado ao quadro social da forma mais eficiente possível (SOUZA, 1982, p. 85).

68

Page 69: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

O Código Penal de 1940 adotou a individualização da pena como um

princípio doutrinário, sendo considerado um dos mais importantes institutos do

diploma. Como mencionado anteriormente, encontrava-se previsto no artigo 42,

onde foi garantido ao juiz a possibilidade de interferir na aplicação das sanções com

base em seu critério. Além da legislação penal, a jurisprudência dos tribunais decidia

pela anulação de processos onde não se realizava a individualização da sanção

aplicável (SOUZA, 1982, p. 87).

Acerca dos elementos analisados na individualização da pena,

complementa Rivail Carvalho Rolim:

Entretanto, se por um lado o positivismo penal do inicio do século XX dava grande ênfase À existência de sinais físicos para definir o criminoso, por outro abria espaço também para se considerar o ambiente social como responsável pela geração de pessoas criminosas, pois havia o entendimento de que o meio provocava o enfraquecimento dos hábitos, a perpetuação dos vícios e das taras (2006, p. 188).

O legislador, por meio do diploma penal, estabelece os critérios básicos

aplicados na definição da conduta tipificada como crime, cabendo ao juiz analisar as

especificidades do caso concreto e ajustar a sanção proposta com base nos

antecedentes pessoas, saúde, situação econômica, personalidade, entre outras.

Neste ponto, importante frisar a importância que a personalidade do criminoso

possuiu na individualização da sanção, pois forneceria os dados básicos

necessários para formar o entendimento do juízo. Ocorre que, deturbando-se a idéia

inicial da Escola Positiva, o instituto da individualização terminou por ser usado

como instrumento de majoração indiscriminada da pena (SOUZA, 1982, p. 86).

Ainda sobre o tema, leciona Moacyr Benedicto de Souza:

Diz o artigo 42: “Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau de culpa, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime: I – determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável” (1982, p. 88).

O arbítrio do juiz encontra limites expressos no artigo 42, onde é

determinado quais elementos objetivos e subjetivos devem ser analisados na

formulação de seu juízo e na individualização da pena. Entre os ditames que

necessitam de especial atenção, frisa-se a antecedência do agente e sua

personalidade. No que tange a antecedência, esta não deve ser restrita ao aspecto

69

Page 70: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

criminal, de forma que toda a situação econômica, social, profissional e familiar do

agente deve ser sopesada, em clara referência aos preceitos positivistas

antropológicos. Outro aspecto previsto pelo legislador que possibilita ao magistrado

adequar a sanção aplicada é a intensidade do dolo ou grau de culpa do criminoso

(SOUZA, 1982, p. 88-89).

Assim, apesar da possibilidade de contar com o auxílio de peritos, mostra-

se indispensável um profundo conhecimento acerca dos fenômenos psíquicos e

sociais no exame da personalidade de qualquer indivíduo. Entretanto, geralmente o

magistrado não se encontra revestido de tal conhecimento, o que resulta em uma

análise imprecisa ou equivocada. Tendo em vista o caráter eminentemente subjetivo

da análise da personalidade de um agente, a formação jurídica do juiz e os fatos

levantados processualmente não são suficientes para que o magistrado efetue a

referida análise. Neste contexto, ganha força a figura do especialista, do perito, que

exerceria papel fundamental em tarefa tão ardilosa e importante, que possui

desdobramentos em praticamente todos as etapas processuais penais

subsequentes (ANITUA, 2008, p. 380).

4.3.2 A Periculosidade

Outro aspecto que também foi tratado com destaque no pensamento

lombrosiano foi a periculosidade, que seria a medida do potencial delitivo de um

determinado indivíduo. Esta teria importância pois disponibilizaria um tratamento

adequado ao criminoso e permitiria verificar se este poderia ser reintegrado a vida

social ou deveria ser mantido afastado da sociedade de forma indeterminada. O

positivismo antropológico não se baseia na possibilidade, mas sim na probabilidade

do indivíduo voltar a delinquir (SOUZA, 1982, p. 79).

Assim, a periculosidade poderia se manifestar de duas maneiras distintas:

anterior e posterior ao crime. A posterior ao crime se verificava como a mais comum

e tratava dos indivíduos que já praticaram o crime. Através da análise deste, se

verificava o grau de perigo que tal indivíduo representa à sociedade. Já a anterior ao

crime, não era tão comum quanto a mencionada anteriormente e visava a prevenção

social, antevendo a prática do crime em um indivíduo que possuía potencial para

70

Page 71: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

cometê-lo (SOUZA, 1982, p. 79).

A periculosidade anterior ao delito encontra amparo em diversas

legislações pelo mundo, em institutos como o crime putativo ou crime impossível.

Alguns autores afirmam que a periculosidade pré delitiva pode ser verificada,

inclusive, na modalidade tentada dos crimes, uma vez que aplica-se uma sanção a

um delito que não ocorreu, punindo-se uma conduta pela probabilidade de ela se

repetir (SOUZA, 1982, p. 79).

A Escola Positiva foi quem delimitou o conceito moderno de

periculosidade, ao estabelecer o delinquente como centro do estudo penal. Assim,

pela doutrina positivista, o criminoso precisava ser reprimido por apresentar fatores

biopsicológicos e sociais que o impeliriam a prática delitiva e o tornariam perigoso,

sendo que tal conceito permitiu, além da legitimidade para punir o agente, a

mensuração da pena e a determinação da forma como esta seria aplicada (SOUZA,

1982, p. 79).

Deste modo, verifica-se a utilização da criminologia e do direito penal pelo

Estado na legitimação de uma política segregadora, que utilizava a ordem social e

segurança nacional como justificativas para criar um sistema legislativo e doutrinário

que visava afastar os “inimigos comuns”. Neste sentido, os juristas brasileiros que

seguiam as doutrinas positivistas e lombrosianas obtiveram êxito em estimular

algumas reformas no que tange a doutrina, legislação e instituições, mesmo após o

declínio de tais teorias na Europa. (ALVAREZ, 2002).

Em análise aos postulados do positivismo antropológico, chega-se a

síntese dos seguintes requisitos na mensuração da periculosidade: A personalidade

do indivíduo sob o ponto de vista antropológico, psíquico e moral, sua vida anterior,

conduta posterior, motivação na prática do ilícito penal e o fato criminoso em si

(SOUZA, 1982, p. 80).

Na legislação brasileira a periculosidade é o marco da medida de

segurança. O juiz, em análise ao criminoso, projeta o futuro do indivíduo acusado

verificando a probabilidade deste incorrer novamente em ilícito penal. Da mesma

forma que a análise do referido instituto se dá sobre situações futuras, as sanções

também são aplicadas neste sentido, com finalidade unicamente preventiva, em

caráter evidente de Defesa Social. Os positivistas entendiam que não apenas a

medida de segurança deveria possuir tais características, como também a pena

aplicada, de modo que ambas servissem para o mesmo propósito: a prevenção

71

Page 72: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

(SOUZA, 1982, p. 80-81).

Acerca do tema, ensina Cristina Rauter:

O arbítrio do juiz é enormemente aumentado em razão desta capacidade de julgar tecnicamente, que a ciência da criminologia lhe outorgou. A personalidade perigosa é definida como aquela em que existe uma tendência delituosa, tendência essa avaliada pelo juiz com o auxílio de seus peritos auxiliares (os psiquiatras, principalmente) (2003, p. 71)

O Código Penal Brasileiro de 1940, apesar de adotar os contornos

positivistas no que tange aos requisitos na mensuração da periculosidade, não

unificou, em teoria, a aplicação da pena e da medida de segurança em um mesmo

instituto, de forma que, cada uma possui finalidades, características e requisitos

distintos. Todavia, é evidente a influência dos postulados de Lombroso na

determinação dos itens a serem analisados na periculosidade (SOUZA, 1982, p. 82).

No que tange ao exame da periculosidade, explica ainda Cristina Rauter:

A noção de periculosidade não equivale exatamente a um diagnóstico psiquiátrico, mas os considerados doentes mentais são também vistos como perigosos, juntamente com os reincidentes, os condenados por crimes organizados e, o que é mais importante: todo e qualquer criminoso, desde que o juiz o avalie como virtual reincidente (2003, p. 71).

Tal instituto encontra-se expresso nos artigos 77 e 78 do referido diploma

legal, conforme segue:

Art. 77. Quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir [...]Art. 78. Presumem-se perigosos:I aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena;II - os referidos no parágrafo único do artigo 22;III - os condenados por crime cometido em estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez;IV - os reincidentes em crime doloso;V - os condenados por crime que hajam cometido como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores (BRASIL, 1940).

Havia menção à periculosidade em demais artigos do Código Penal de

1940, entre eles o artigo 57 e 60, onde foram disponibilizados aos agentes que, em

tese, não voltariam a delinquir, o benefício da suspensão condicional da pena e do

livramento condicional (SOUZA, 1982, p. 82).

Sobre o tema, Cristina Rauter complementa:

72

Page 73: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

A adoção da medida de segurança representa a incorporação ao direito penal de um critério de julgamento que não se refere ao delito, mas à personalidade do criminoso. O julgamento do juiz refere-se a um tipo de anormalidade reconhecida no delinquente, a periculosidade. (2003, p. 71)

Conforme referido anteriormente, com o intuito de legitimar as idéias

positivistas, o Estado brasileiro lançou mão de um instrumento em particular para a

manutenção da defesa social, a criação de um inimigo em comum. Sobre o tema,

ensina Eugênio Raul Zaffaroni (2007, p. 57): “A técnica völkisch (ou popularesca)

consiste em alimentar e reforçar os piores preconceitos para estimular publicamente

a identificação do inimigo da vez.”

Algumas legislações empregam a periculosidade pré-delitual como base

na determinação de sanção em alguns casos. O mesmo ocorreu no Brasil, com o

Código Penal de 1940. Embora em regra a periculosidade pós-delitual seja

reconhecida como parâmetro para aplicação da medida de segurança, o diploma

legal pátrio também previu duas hipóteses em que a referida medida se baseava na

periculosidade anterior ao delito. Eram os casos de tentativa absolutamente

impossível, prevista no artigo 14; e instigação ou auxílio para o crime que não

chegou a ser tentado, previsto no artigo 27. Assim, clara a influência lombrosiana

neste instituto, pois admitia-se a periculosidade sem o cometimento de crime algum

(SOUZA, 1982, p. 83).

O Código Penal de 1940 adotou o sistema progressivo de pena, que tinha

por objetivo principal a ressocialização do criminoso. Com base nos critérios

anteriormente apresentados, o magistrado iria proceder a análise acerca da

periculosidade do agente. Se este fosse considerado perigoso, deveria cumprir sua

pena em regime fechado. Durante sua permanência neste regime, realizaria exames

biopsicossociais regularmente, que analisariam sua personalidade e eventuais

progressos em sua conduta.

4.3.3 Pena Indeterminada

Cesare Lombroso acreditava, devido a influência de sua formação

médica, que a prática delitiva era uma doença da mente e como tal poderia ser

tratada e curada. Assim, este desenvolveu um modelo de tratamento penitenciário

73

Page 74: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

que se assemelhava ao tratamento psiquiátrico, qual seja, um método de tratamento

através da observação dos indivíduos, diagnóstico acerca de suas necessidades,

classificação e por fim o tratamento elaborado com base nas informações coletadas,

visando a cura do criminoso. Em suma, o médico italiano pretendia, tal como na

medicina, encontrar uma “cura” para a condição de criminoso e se não conseguisse,

agiria tal qual em uma epidemia, isolando os portadores da doença e controlando os

focos de contágio (ANITUA, 2008, p. 379).

Assim, um dos conceitos trabalhados na obra de Lombroso é o de afastar

do convívio social aqueles que, por algum motivo, não pudessem livrar-se de seu

ímpeto criminoso. Para tanto, seria necessário a criação de um instituto que

permitisse a aplicação de uma pena indeterminada, ou seja, uma sanção sem limites

temporais. Esta consistiria em delegar ao juiz a função de meramente verificar a

existência de periculosidade e, encontrando indícios que formassem seu

entendimento, decretaria o afastamento do agente delitivo do convívio social, sem

delimitar quanto tempo este ficaria recluso. Quem controlaria a duração da sanção

neste caso, seria a própria administração penitenciária, que através de

acompanhamento regular observaria a cessação da punição assim que o agente se

mostrasse apto ao convívio social (SOUZA, 1982, p. 91-92).

Neste sentido, afirma Cristina Rauter:

Uma vez considerado “perigoso”, o destino do criminoso é a medida de segurança. E neste ponto surge uma aparente incongruência do “novo código”, que faz conviver este novo dispositivo, curativo e preventivo, com a velha pena, punitiva e intimidatória [...] Na verdade, a extrema ambiguidade com que são definidas as medidas de segurança acaba por deixar claro que sua intenção primeira é a vigilância e não o tratamento [...] (2003, p. 72-73).

No Brasil, em tese, tal instituto não encontrou amparo legal. Entretanto,

na prática, pôde ser observado em alguns casos. A sentença indeterminada no país

foi responsável por inúmeros debates desde o final do século XIX, todavia sempre

foi recusada com a justificativa de que colocaria em risco a liberdade individual dos

cidadãos brasileiros (SOUZA, 1982, p. 94).

Sobre as iniciativas legislativas acerca do tema, ensina Moacyr Benedicto

de Souza:

No plano legislativo, a pena relativamente indeterminada aparece, pela primeira vez, no Projeto Sá Pereira, com a relegação. Esta sanção era prevista sempre que coubesse a pena privativa de liberdade superior a

74

Page 75: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

cinco anos, devendo-se levar em conta, ainda, a gravidade do delito, a personalidade do agente e seu desajuste social, bem como as condições em que o fato se dera. Essa pena, a ser cumprida em estabelecimento penal agrícola, não podia exceder à metade do máximo da pena cominada na lei (arts. 85 a 88) (1982, p. 94-95).

O autor ainda complementa:

O Projeto Alcântara Machado limitou a indeterminação tão somente às medidas de segurança detentivas, ao fixa que “Não se revogará qualquer das medidas detentivas, enquanto não se verificar, mediante exame das condições em que estiver o agente, haver cessado a periculosidade” (art. 83) (1982, p. 95).

Por fim, o Código Penal de 1940 acompanhou o entendimento

anteriormente firmado pela jurisprudência e doutrina, não incorporando a pena

indeterminada ao ordenamento jurídico brasileiro. Tal medida pode apenas ser

aplicada com ressalvas no que tange a medida de segurança, expressa no artigo 81

do referido diploma penal (SOUZA, 1982, p. 95)

Sobre a pena indeterminada, salienta Giúlio Battaglini:

O legislador repele o instituto da chamada pena indeterminada, considerando-a exatamente uma contradictio in adiecto. A pena, por sua natureza [...], não pode ser senão determinada; se for indeterminada já não será pena, mas medida de segurança (1973, p. 656).

Ocorre que, ante à lacuna deixada pelo legislador, existem casos onde

verifica-se a aplicação da pena indeterminada através da culminação da pena com a

medida de segurança, o que permitiria manter o indivíduo infrator detido sem limite

temporal.

Uma vez que a medida de segurança perdura enquanto houver a

periculosidade do agente, esta poderia ser aplicada por tempo indeterminado, já que

a cessação da internação ocorria por despacho do magistrado, após realizada

perícia médica e ouvido o Ministério Público e o diretor do estabelecimento

responsável pela aplicação da medida, nos termos do artigo 91, § 4º do Código

Penal de 1940. Frisa-se que tal procedimento perdura até os dias de hoje.

Apesar dos postulados do Positivismo Antropológico de Lombroso

apresentarem exageros, é inegável a sua importância frente aos inúmeros institutos

criados com base em sua teoria e aplicados em escala mundial. Entretanto, a maior

das contribuições deste movimento teórico foi deslocar o objeto de estudo das

ciências criminais do delito para o criminoso, alegando ser necessário resolver os

75

Page 76: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

problemas do delinquente antes de resolver a delinquência em si (SOUZA, 1982, p.

164).

A adoção dos postulados positivistas e, por consequência, do

pensamento lombrosiano pelo poder legislativo brasileiro, seguiu uma mudança de

paradigma mundial, com o endurecimento das leis penais e a definição do criminoso

como principal elemento na definição das políticas de segurança públicas (SOUZA,

1982, p. 164).

Quanto a influência positivista na legislação penal brasileira, a doutrina

aponta a adoção do sistema duplo-binário, a implantação das penas com caráter

eminentemente retributivo; a análise exclusiva da periculosidade do autor do fato

típico para determinar o “quantum” de sua pena; a utilização de postulados

subjetivos e vagos na dosimetria penal e na determinação da periculosidade; e a

determinação da medida de segurança pós-delituosa com caráter indeterminado.

A defesa social apresentou-se como a principal justificativa na elaboração

do Código Penal brasileiro de 1940, onde o interesse da sociedade prevaleceria

sobre o interesse do indivíduo, elemento de um regime autoritário e centralizador,

qual seja uma ditadura.

Entre os institutos do referido diploma penal, identificou-se três em

especial, que derivam diretamente dos postulados elaborados por Cesare Lombroso

em seu livro “O Homem Delinquente”: a análise da Personalidade do Delinquente na

dosimetria da pena, a verificação da periculosidade e a possibilidade da cumulação

da pena com a medida de segurança.

A combinação dos diversos conceitos teóricos estabelecidos pela Escola

Positiva e por Cesare Lombroso com os institutos e mecanismos doutrinários e

legais brasileiros, tiveram como conseqüência a clara deterioração da segurança

jurídica e a conversão da criminologia e do direito penal em um instrumento de

neutralização de indesejáveis.

Entretanto, a divulgação do pensamento lombrosiano no Brasil também

proporcionou grande avanço nas ciências criminais, pois fomentou o debate acerca

dos resultados obtidos nas pesquisas de Lombroso e instigou a formulação de novas

teorias acerca do comportamento delinquente por parte dos criminalistas. Como toda

teoria científica, as hipóteses do autor encontraram defensores e críticos, que

defendiam seus pontos de vista através da publicação de artigos científicos e da

criação de institutos de estudo criminológicos.

76

Page 77: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

5 CONCLUSÃO

Neste trabalho, buscou-se estudar a influência que os postulados

positivistas antropológicos de Cesare Lombroso, em especial os desenvolvidos em

sua obra mais emblemática, “O Homem Delinquente”, exerceram sobre o

pensamento penal e criminológico no Brasil, entre 1900 e 1940.

Deste modo, partiu-se da análise do contexto histórico em que Lombroso

vivia, bem como do principal movimento teórico originado por suas teses e

experimentos, qual seja, a Escola Positiva.

A partir da referida análise, verificou-se que o conturbado momento

político e econômico em que se encontrava o continente europeu, criou um ambiente

propício para a propagação da miséria e a fomentação de levantes sociais.

Entretanto, ao mesmo passo em que os países da Europa encontravam-se à beira

de um colapso estatal, o conhecimento técnico e científico enfrentava um momento

de grande desenvolvimento, impelido pelos constantes investimentos privados na

busca por meios de produção mais eficientes. Logo, acreditou-se que, além das

questões mercantilistas, a ciência poderia também apresentar soluções para tudo o

que incomodava o europeu do final do século XIX.

Este período contrastante, onde o retrocesso político, econômico e social

convivia com o progresso científico e tecnológico, impeliu Cesare Lombroso a

buscar soluções, por conta própria, para os anseios do homem de sua época. Para

isso, utilizou-se das mais recentes descobertas da ciência, elaborou uma teoria

revolucionária (atavismo) e foi defendido por outros autores, como Enrico Ferri e

Raffaele Garofalo, os quais se opuseram ferozmente ao pensamento criminal

dominante da época. Posteriormente, a corrente teórica destes autores foi

denominada como Escola Positiva.

Vencida esta primeira etapa do trabalho, com o entendimento necessário

77

Page 78: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

acerca da conjuntura histórica que motivou Cesare Lombroso à análise do

criminoso, procedeu-se o estudo acerca da vida e obra do autor, com ênfase em sua

obra mais controvertida: “O Homem Delinquente”.

Assim, através do estudo acima mencionado, acompanhou-se a trajetória

de Lombroso desde seu nascimento até a morte, passando pelos momentos mais

marcantes de sua vida profissional e acadêmica que, de alguma forma, contribuíram

explicitamente no conjunto de sua obra. Deste modo, estudou-se sua experiência

como médico militar, diretor de manicômio, seu trabalho em penitenciárias, o contato

com a Frenologia e a teoria da evolução das espécies e, por fim, o exercício da

cátedra de medicina legal na universidade de Turim.

Em seguida, analisou-se o conjunto de sua obra, com um breve apanhado

acerca de seus principais livros e artigos científicos, concluindo a análise com os

principais postulados desenvolvidos na obra “O Homem Delinquente”. Neste último

ponto, vislumbrou-se um aprofundado estudo de Lombroso acerca das

características biológicas, psicológicas e sociais, que motivariam o comportamento

criminoso de alguns indivíduos.

Passada esta segunda etapa do trabalho, onde foi conhecida a trajetória

de Lombroso, bem como a produção teórica deste e os principais postulados de sua

obra mais divulgada, “O Homem Delinquente”, seguiu-se ao desfecho do trabalho,

na proposta de identificar na produção legislativa e doutrinária brasileira do início do

século XX, as influências do pensamento lombrosiano, em especial dos conceitos

desenvolvidos na referida obra.

Assim, com um aprofundado estudo bibliográfico, que examinou ainda o

momento histórico brasileiro, identificou-se enorme influência do pensamento

positivista no Direito Penal e na Criminologia brasileira no período compreendido

entre 1900 e 1940, de forma que o ápice desse fenômeno ocorreu na edição do

Código Penal de 1940, com a inclusão de institutos claramente baseados em

preceitos do Positivismo Antropológico.

No que tange à Criminologia brasileira, inúmeros autores não apenas

defenderam, como também divulgaram o pensamento lombrosiano, alcançando

reconhecimento internacional com suas idéias. Quanto ao Direito Penal brasileiro,

verificou-se que o regime ditatorial que promulgou o Código Penal de 1940, fez uso

de alguns postulados de inspiração lombrosiana.

Entre os principais defensores da antropologia criminal, importante frisar

78

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os nomes de: Nina Rodrigues, Teodolindo Gastiglione, Augusto de Camargo, Vieira

de Araújo, Viveiros de Castro, Tobias Barreto, entre outros, que defendendo ou

criticando, discorreram acerca das teorias lombrosianas e auxiliaram no

desenvolvimento das Ciências Criminais brasileiras.

Entretanto, também verificou-se que a influência de Cesare Lombroso não

se limitou à doutrina brasileira, de forma que os conceitos trabalhados na obra “O

Homem Delinquente”, estiveram presentes em diversos institutos do Código Penal

de 1940. Ocorre que no Brasil a questão do criminoso nato foi tratada de forma

diversa, recebendo contornos raciais e sendo utilizada para afastar inimigos do

regime.

Assim, o que se verificou, é que ao contrário do inicialmente proposto por

Lombroso, os postulados utilizados no referido diploma penal não foram aplicados

com o intuito de identificar e isolar os criminosos natos. Na prática, apenas legitimou

um regime autoritário a isolar os “inimigos da vez”, fossem eles negros, índios ou

antigovernistas. Tudo de forma legal, através da utilização de critérios subjetivos na

dosimetria da pena, majorando-a, ou na determinação da periculosidade do agente,

cumulando a aplicação da pena com a medida de segurança, podendo afastar um

indivíduo do convívio social de forma perpétua.

O que se verifica atualmente, com o desenvolvimento da medicina

genética, psiquiátrica e neurológica, é um retorno aos postulados formulados por

Césare Lombroso, uma vez que este foi um dos primeiros autores a trabalhar de

forma sistemática com a hipótese da identificação de pessoas com capacidade

delitiva.

Embora as teorias de Lombroso, principalmente a do atavismo, tenham

sido desacreditadas pelos autores da época, recentes pesquisas científicas1 alegam

existir indivíduos que nasceriam com predisposição delitiva por diversas causas, tais

como: predisposição genética para a agressividade, desequilíbrio hormonal,

transtornos psíquicos, entre outros. Os cientistas atualmente trabalham na

identificação de genes ligados a agressividade e ao comportamento anti social, não

descartando, porém, a influência do ambiente social e familiar no período de

1 Nesse sentido, consulte-se o artigo de Adrian Raine, professor dos Departamentos de Criminologia, Psiquiatria e Psicologia, University of Pennsylvania, Filadélfia, EUA, intitulado “O crime biológico: implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal”. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2008, vol.30, n.1 [citado 2010-06-09], pp. 5-8 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082008000100003&lng=pt&nrm=iso Acesso em: 24 jun 2009.

79

Page 80: A Escola Positiva No Brasil a Influencia Da Obra o Homem Delinquente

desenvolvimento e formação do caráter, que podem alterar a disposição gênica.

Assim, tornam-se comuns novas incursões pelas obras de Cesare

Lombroso, pois estas forneceram as bases para a criação de inúmeras teorias e

tratamentos para a criminalidade, que partiam do pressuposto que a condição de

criminoso seria inata a determinados indivíduos, o que pode vir a ser confirmado, em

breve, pela ciência.

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