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J u l h o d e 2 0 0 9 • A n o 6 • n º 5 2
Exemplar do Assinante
w w w. d e s a f i o s . i p e a . g o v. b rJJJJJJJJJJJJJJJJJJ l hhhh dd 222222 000 000000 9999 AAAAAAAAAAAA 66666666666 ººººººººººººººº 555555555555555 22222222222JJJJJJJJJJJJJJJJJJJ uuuuuuuuuuuuuuuuuu llllllllllllllll hhhhhhhhhhhhhhhhhhh oooooooooooooooooo ddddddddddddddddddd eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee 222222222222222222 000000000000000000 000000000000000000 9999999999999999999 ••••••••••••••• AAAAAAAAAAAAAAAAAA nnnnnnnnnnnnnnnnnnnn ooooooooooooooooo 6666666666666666666666 •••••••••••••••••••• nnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn ºººººººººººººººººº 555555555555555555555555 2222222222222222222222 dddddddd fffffffffff i bbbbbbbbbbwwwwwwwwww wwwwwwwwwwwwwww wwwwwwwwwwwwwwwwwww............ ddddddddddddddddddddddd eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee sssssssssssssssssssssssssssss aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa ffffffffffffffffffffffffff iiiiiiiiiiii oooooooooooo ssssssssss ...... iiiiiiiiiiiiiiii pppppppppppppppppp eeeeeeeeeeeeee aaaaaaaaaaaaaaaaa ..... gggggggggggggggggg oooooooooooooooo vvvvvvvvv.......... bbbbbbbbbbbbbbbbbbbbb rrrrrrrrrrrr
ENTREVISTAJoão Paulo de Almeida Magalhães
Crescimento de 4% ao ano é insuf iciente. Brasil precisa crescer a 7% para recuperar o atraso e não f icar para trás
VIOLÊNCIACriminalidade resiste à ação do Estado e avança pelo interior. Locais mais violentos registram taxas alarmantes: mais de 100 homicídios por 100 mil habitantes
ARRECADAÇÃOCrise derruba receitas, mas governo tem que manter gastos para reativar economia. Com a infl ação e dívida pública sob controle, o País tem mais margem de manobra
Por que o Brasil não se fi rma como exportador de produtos intensivos em tecnologia? Exportar commodities é tão ruim assim?
A fragilidade das exportações
Carta ao leitor
Ao longo destes quase cinco anos de existência, per-
cebemos, a cada edição da revista Desafi os do Desenvol-
vimento, o crescimento de sua esfera de infl uência; sua
capacidade de gerar debates na sociedade, de trazer à luz
discussões importantes e até mesmo de pautar os assuntos
que serão notícia em outros veículos de mídia.
Tudo isso é possível graças à sua pluralidade de opi-
niões e ao seu compromisso de apresentar as mais variadas
linhas de pensamento sobre o desenvolvimento brasileiro.
Isso é refl exo de seu Conselho Editorial, formado, em sua
maioria, por técnicos de carreira do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea).
Esta premissa faz com que a revista tenha um grupo
heterogêneo de colaboradores, entrevistados e fontes, que
vão do ex-ministro do Trabalho Walter Barelli ao econo-
mista Carlos Lessa; do ex-ministro do Planejamento João
Paulo dos Reis Velloso, à economista Maria da Conceição
Tavares, entre tantos outros profi ssionais e instituições das
mais diversas.
Portanto, é com este enfoque que trazemos em nossa
reportagem de capa a questão das exportações brasileiras.
Que tipo de país exportador somos e que tipo queremos
– ou precisamos – ser? Nesta edição, há também uma en-
trevista com João Paulo de Almeida Magalhães, em que o
professor fala da urgência de o País crescer a taxas maiores.
Ainda trazemos reportagens sobre o avanço da violência
no interior do Brasil e os perigosos resultados do aqueci-
mento global para a agricultura, entre outras.
Boa leitura.
Daniel Castro, diretor-geral da
revista Desafi os do Desenvolvimento
AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E
DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,
NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA (IPEA).
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DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,
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DIRETOR-GERAL Daniel CastroCONSELHO EDITORIAL Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido Carlos Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Pérsio Marco Antônio Davison, Douglas Portari, Carlos Sávio G. Teixeira, Júnia Cristina Perez Conceição, Márcio Bruno Ribeiro, Marcello Cavalcanti Barra, Pedro Libânio, Adelina Lapa Nava Rodrigues, Marina Nery e João Cláudio Garcia
Redação
EDITOR-CHEFE Gilson Luiz Euzébio EDITOR DE ARTE Zelito RodriguesBRASÍLIA Ana Carolina de Oliveira, Suelen Menezes, Pedro Barreto e Marcelo Maiolino GOIÂNIA Rubens SantosRIO DE JANEIRO Annie NielsenSÃO PAULO Liliana LavorattiJORNALISTA RESPONSÁVEL Gilson Luiz Euzébio
Colaboradores
FOTOGRAFIA Josemar Gonçalves, Gustavo Granata (Ascom/Ipea), Cesar Duarte ILUSTRAÇÃO Zelito RodriguesFOTO DA CAPA Ilustração sobre imagem
Cartas para a redação
SBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1514 CEP 70076-900 - Brasília, DFdesafi [email protected]
Impressão
Gráfi ca Art Printer
Sumário
6 Giro Ipea
8 Giro
34 História
66 Questões do desenvolvimento
68 Controvérsia
70 Por dentro do Ipea
74 Perfi l
Seções
Artigos
12
22
36
44
12 Entrevista – João Paulo de Almeida MagalhãesCrescimento acelerado só com recuperação dos outros paises
22 Crise – Administrando as adversidadesRecessão e incentivos fi scais derrubam arrecadação
36 Violência – Não há mais lugar seguroCriminalidade avança pelo interior do País
44 Comércio exterior – Qualidade das exportaçõesBrasil ainda é grande exportador de produtos básicos
52 Desigualdade regional – Um plano para o NordesteMangabeira Unger deixa projeto para debate
56 Aquecimento global – Campo minadoProdução de alimentos cairá com aumento da temperatura
60 Equidade – A injustiça do sistemaTributação indireta penaliza os pobres
82 Melhores práticas – Transporte escolar Novos ônibus para as crianças da área rural
51 O federalismo pede licença Daniel Vila-Nova
67 Os gastos brasileiros são pró-cíclicos? Alexandre Manoel Angelo da Silva Angelo José Mont´Alverne Duarte
76 Retratos
80 Ciência&Inovação Circuito
86 Estante
89 Observatório Latino-americano
91 Agenda
92 Indicadores
94 Cartas
6 Desenvolvimento julho de 2009
GIROIpea
Finlândia
Um exemploGlauco Arbix, ex-
presidente do Ipea, des-
tacou a Finlândia como
um exemplo de país de
pequenas dimensões,
mas com elevado grau
de desenvolvimento
tecnológico e social. No
início da década de 90, a
economia da Finlândia,
até então sustentada na
indústria de madeira,
papel, celulose, têxtil e
sapatos, viveu uma pro-
funda crise. Ao mesmo
tempo que procurava es-
tabilizar sua economia,
o país adotou políticas
de estímulo à inovação
na indústria e no setor
de serviços e investiu em
educação, ciência e tec-
nologia. Essas medidas
anticíclicas garantiram
o dinamismo da econo-
mia finlandesa, afirmou
Arbix.
Diplomacia
Prioridades do Brasil
China
Plano estratégico
Ao investir US$ 600 bi-
lhões em medidas anticíclicas,
a China tem um objetivo bem
mais ambicioso do que sim-
plesmente superar a crise fi -
nanceira: quer garantir o cres-
cimento econômico, manter
a estabilidade social e a lide-
rança do Partido Comunista
Chinês sobre a população de
1,3 bilhão de habitantes, mas
também transformar o país na
maior economia mundial. Esse
plano foi traçado em meados
do século passado, afi rmou
o professor André Cunha, da
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, durante o “8º
Seminário Trajetórias de De-
senvolvimento”.
“O modelo de desenvolvi-
mento chinês se sustenta num
pragmatismo que não olha
para a coloração ideológica
dos países que lhes fornecem
os recursos estratégicos vi-
tais para a concretização do
seu próprio crescimento, e
para quem ela cria fontes de
fi nanciamento e mercados de
destino”, disse.
Segundo Cunha, a ascen-
são chinesa altera a estrutura
geopolítica e geoeconômica do
mundo na medida em que si-
naliza a conformação de uma
ordem internacional multipo-
lar e reafi rma a existência de
caminhos alternativos.
A reforma do Conselho de
Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU), com a
inclusão do Brasil como mem-
bro permanente, é a prioridade
da política externa brasileira,
informou o embaixador Guima-
rães. Ao mesmo tempo, o Brasil
quer fortalecer as relações com
os países vizinhos, com os afri-
canos e com os demais emer-
gentes (China, Índia e Rússia).
A estratégia é ter mais força
para influenciar nas decisões
mundiais. “Há uma enorme
concentração de poder num
grupo de países”, comentou
Guimarães em discurso de
encerramento do 8º Seminá-
rio Trajetórias de Desenvol-
vimento”, evento transmitido
pelo recém-implantado siste-
ma de videoconferência do
Ipea. Para ele, a concentração
está em todas as áreas, como
na produção de conhecimen-
to e de informações, e não só
no Conselho de Segurança
da ONU. Os Estados Unidos
registram por ano metade
do número de patentes mun-
diais. A produção de infor-
mações e a comunicação
são dominadas por grandes
empresas norte-americanas
e europeias.
Seminário reuniu especia-
listas para discutir a crise em
diversos países O 8º Seminário
procurou analisar a reação da
África do Sul, Alemanha, Argen-
tina, China, Espanha, Estados
Unidos, Finlândia, Índia, Méxi-
co e Rússia à crise internacional.
O evento foi aberto por Marcio
Internacional
A crise no mundo
Pochmann, presidente do Ipea, e
Renato Baumann, representante
da Cepal, e contou com a parti-
cipação dos seguintes especia-
listas: André Cunha(UFRGS),
Eduardo Mariutti (Unicamp),
Andrés Ferrari (UFF), Joana
Mostafa (Ipea), Julimar Bichara
(UAM), Glauco Arbix (USP),
Embaixador Guimarães
Daniela Prates (Unicamp), Ale-
xandre Barbosa (Cebrap/USP),
Lenina Pomeranz (USP), Paula
Pedroti (FGV/SP). Os comentá-
rios fi caram a cargo de Antônio
Jorge Ramalho (UnB/SAE), Re-
enato Baumann Cepal), Carlos
Mussi (Cepal), Milko Matijascic
(Ipea) e Luciana Acioly (Ipea).
Valte
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pana
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Br
Desenvolvimento julho de 2009 7
O setor de turismo vem
apresentado maior resistência
à crise do que outros setores,
de acordo com a Organização
Mundial do Turismo (OMT).
Mas não fi cou imune: o nú-
mero de viagens cresceu 6%
no mundo no primeiro se-
mestre de 2008 e caiu 2% no
segundo, com a instauração
da crise. Dados preliminares
de janeiro e fevereiro de 2009
mostram queda de 8% no mo-
vimento de turistas interna-
cionais em relação ao mesmo
período de 2008, de acordo
com estudo do Ipea apresen-
tado pelo presidente Marcio
Pochmann no mês passado,
em seminário realizado pela
Embratur (Instituto Brasileiro
de Turismo). A OMT prevê, a
partir do resultado do primei-
ro bimestre, uma contração de
até 8% em 2009.
No Brasil, o emprego já vi-
nha crescendo menos nos úl-
timos anos no turismo do que
em outros setores, de acordo
com o estudo. A regiões Nor-
deste e Sudeste concentram
70% dos empregos em turis-
mo. No Nordeste estão 26,4%
do total de empregos em tu-
rismo, e no Sudeste, 44,9%.
Pochmann ressaltou a impor-
tância da indústria do turis-
mo no Brasil, responsável por
2,5% do PIB: “Isso representa
70% do que hoje é a indústria
automotiva no País, que cor-
responde a pouco mais de 4%
do PIB”.
Entretanto, há uma ques-
tão preocupante, o défi cit na
balança brasileira de turismo.
No ano passado, ingressaram
no Brasil US$ 5,78 bilhões
pela conta de turismo, en-
quanto os brasileiros gastaram
US$ 10,96 bilhões em viagens
ao exterior. “É um quadro pés-
simo para a balança do nosso
turismo, sinal claro de perda
de competitividade. Isso tem
a ver com fatores como taxa
de câmbio, um dos canais de
transmissão da crise, mas só o
câmbio não explica isso”, disse
Pochmann.
Crise
A natureza agradece
A crise fi nanceira é ruim para o bolso,
mas boa para o meio ambiente. Segundo
estudo do Ipea, quase dois milhões de to-
neladas de gases causadores do efeito estu-
fa deixaram de ser emitidas pela indústria
brasileira entre novembro e abril.
A maior contribuição ambiental veio
da indústria de ferro e aço, um dos setores
que mais sentiram o baque da crise - em
abril, o volume de exportação caiu a um
terço da média histórica. “As exportações
atingiram o segundo índice mais baixo já
registrado. China e Estados Unidos quase
zeraram suas importações”, explica José
Aroudo Mota, coordenador de Meio Am-
biente do Ipea.
A queda nas exportações de produtos
siderúrgicos evitou a emissão de 1,12 mi-
lhão de toneladas de gás carbônico (CO2).
Para cada tonelada de aço produzida, esti-
ma-se a emissão de em média 1,6 tonelada
de gás carbônico.
Turismo
Previsão de queda mundialSeminários
Ipea patrocina
eventosAté o fi nal deste ano, será
realizada em todo o País uma
série de congressos, simpósios,
workshops, seminários e confe-
rências sobre políticas públicas
e programas de desenvolvi-
mento. Os eventos serão patro-
cinados pelo Ipea, que partici-
pará com até R$ 60 mil em cada
projeto. O instituto vai investir
um total de R$ 525 mil nessa
iniciativa. Ao todo, 15 projetos
de pesquisadores brasileiros fo-
ram selecionados.
Para receber o benefi cio, os
projetos tiveram que atender a
seis pré-requisitos, entre eles,
o alto impacto para as políti-
cas públicas; ter outras fontes
de fi nanciamento; serem orga-
nizados por instituição, asso-
ciação ou sociedade científi ca
brasileira e que desenvolvam
atividades de planejamento,
pesquisa sócioeconômica e
ambiental; e que sejam de re-
levância para o Ipea.
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8 Desenvolvimento julho de 2009
Indústria 2
Produção em queda na Europa...
GIRO
O produto interno bruto
(PIB) do Brasil encolheu 0,8%
no primeiro trimestre de 2009
em relação ao último trimes-
tre de 2008, quando caiu 3,6%.
Com isso, o Brasil completou
dois trimestres seguidos de
resultados negativos no PIB, o
que tecnicamente coloca o País
em recessão. Segundo o IBGE,
a maior redução foi na indús-
tria (-3,1%), seguida pela agro-
pecuária (-0,5%). Já o setor de
serviços registrou alta de 0,8%.
As despesas de consumo das
famílias cresceram 0,7% no pri-
meiro trimestre deste ano. No
último trimestre do ano passa-
do, essas despesas tinham caído
1,8%. A despesa de consumo da
administração pública cresceu
0,6%. Houve, porém, forte que-
da, de 12,6%, nos investimentos.
Na comparação com o pri-
meiro trimestre de 2008, a que-
da foi de 1,8%. Também nesta
base de comparação, a indús-
tria lidera a queda (-9,3%),
confi rmando que a crise atin-
giu mais fortemente o setor
industrial. O setor de serviços
registrou crescimento de 1,7%.
“A nossa expectativa é que no
último trimestre o PIB já esteja
na trajetória de crescimento de
3% a 4%”, afi rma Renaut Mi-
chel, assessor de Estudos Ma-
croeconômicos do Ipea.
PIB
Recessão
confi rmada
Indústria 1
Sinal de recuperação
A produção industrial
nos 16 países da zona do
euro caiu 21,6% em abril em
comparação com o mesmo
mês de 2008. Em relação a
março deste ano, a queda
foi de 1,9%. O resultado
indica que o pior ainda não
passou e aumenta os temo-
res de desemprego em mas-
sa no continente. E parece
confirmar que a Europa
sofrerá mais com a recessão
do que os países asiáticos.
A retomada do crescimen-
to econômico na Europa só
deve ocorrer em meados de
2010, segundo previsões do
Banco Central Europeu.
Os números desfavorá-
veis da produção industrial
levaram o Banco Central
Europeu a elevar suas esti-
mativas para a queda no PIB
da região, de 2,7% para 5,1%,
em 2009. No próximo ano, a
queda deve ser de 1%.
A produção industrial chine-
sa cresceu 8,9% em maio de 2009
em relação ao mesmo mês do ano
passado. Foi a maior alta em oito
meses, puxada pelo crescimento
das vendas no varejo (15,2%) e
do crédito. Em abril, a indústria já
tinha registrado crescimento de
7,3% em sua produção.
Embora a base de compa-
ração seja fraca - em maio de
2008, a China foi abatida por
um terremoto -, a taxa de cres-
cimento superou as mais oti-
mistas previsões.
Indústria 3
...e em crescimento na China
Paulo Bernardo espera
crescimento em 2009
com maio, houve queda de pro-
dução em 22 das 27 atividades
pesquisadas pelo IBGE.
Para o ministro do Planeja-
mento, Paulo Bernardo, os resul-
tados positivos na comparação
com o mês anterior indicam a
retomada da atividade industrial
e o início do processo de saída
da crise. Os dados, segundo ele,
reforçam a expectativa de cresci-
mento econômico em 2009.
Roos
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A produção industrial bra-
sileira aumentou 1,3% em maio
deste ano, em relação a abril, já
descontadas as infl uências sazo-
nais, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografi a e Es-
tatísticas (IBGE). Foi o quinto
resultado positivo consecutivo
nessa base de comparação, o
que levou a uma expansão de
7,8% nesses cinco primeiros
meses de 2009. Houve aumento
generalizado de produção: in-
dústria farmacêutica (9,7%), de
veículos automotores (2%), me-
talurgia básica (3,1%), máquinas
para escritório e equipamentos
de informática (6,6%), outros
equipamentos de transporte
(3,3%) e máquinas, aparelhos
e materiais elétricos (3,2%). Os
únicos resultados negativos fo-
ram registrados nos segmentos
de borracha e plástico (-2,7%),
produtos de metal (-3,0%) e
fumo (-8,4%), que, em abril,
tinham crescido 6,8%, 6,6% e
12,8%, respectivamente.
Mas na comparação com
maio de 2008, houve recuo de
11,3%. Há sete meses que a
produção industrial registra
quedas na comparação com
resultados do ano anterior.
No acumulado no ano, em
relação a 2008, a atividade
industrial caiu 13,9, o que
representa redução do ritmo
de queda. Em abril, estava
em 14,6%. Na comparação
Desenvolvimento julho de 2009 9
O saldo da balança comercial
de maio foi superavitário em US$
2,6 bilhões, com exportações de
US$ 11,9 bilhões e importações
de US$ 9,3 bilhões. No ano, a
balança comercial acumulou
superávit de US$ 9,3 bilhões. Em
valores, o resultado é 9,3% acima
do registrado no mesmo perío-
do do ano passado.
Nesses primeiros cinco
meses de 2009, as exportações
foram de US$ 55,4 bilhões e as
importações chegaram a US$
46,1 bilhões. As contas são su-
peravitárias por causa da queda
nas importações bem superior
à das exportações.
Emprego
Tendência de crescimento
O ministro do Trabalho e
Emprego, Carlos Lupi, informou
que foram gerados, em maio,
106,2 mil postos de trabalho no
mercado formal, o que confi r-
ma a reversão na tendência de
queda iniciada em novembro do
ano passado, devido à crise eco-
nômica. Lupi acredita que até o
fi nal do ano serão criados mais
de um milhão de postos de tra-
balho. No ano passado, mesmo
com os efeitos da crise, o saldo
de emprego foi de 1,45 milhão.
De acordo com Lupi, há sinais
de recuperação do emprego em
todos os setores, inclusive na in-
dústria, que vinha sofrendo mais
com a crise.
Para o IBGE, a taxa de desem-
prego está estabilizada: fi cou em
8,8% em maio, 8,9% em abril, e
em 9% em março. Embora ainda
seja elevada, a estabilização inter-
rompeu uma sequência de três
meses de aumento do desempre-
go no País. Na comparação com
abril, a pesquisa de maio indica
que não houve alteração no nú-
mero de desempregados. Mas
cresceu 13% em relação a maio
de 2008: houve queda de 6%
no emprego na indústria ex-
trativa, de transformação e dis-
tribuição de eletricidade, gás e
água, e alta de 4,4% em edu-
cação, saúde, serviços sociais,
administração pública, defesa
e seguridade social. O número
de trabalhadores com carteira
assinada cresceu 2,1% na com-
paração com maio de 2008.
Juros
Redução
histórica
O Comitê de Política Mo-
netária (Copom) do Banco
Central reduziu, no mês pas-
sado, a taxa básica de juros, a
Selic, para 9,25%. É a menor
taxa da história da Selic, mas
o setor produtivo acha que o
corte poderia ser maior. Di-
versos países reduziram os
juros a quase zero para en-
frentar a crise econômica. Na
avaliação de empresários e
sindicalistas, a taxa de 9,25%
é insuficiente para reativar
a economia. Mas o Banco
Central sinalizou, na ata do
Copom, que a margem para
redução da taxa a partir de
agora ficou mais apertada.
Novos cortes serão residuais,
ou seja, bem menores.
FMI
US$ 10 bilhões do Brasil
O ministro da Fazenda,
Guido Mantega, informou
que o Brasil pretende contri-
buir com até US$ 10 bilhões
para o aumento de recursos
do Fundo Monetário Inter-
nacional (FMI). Pela primei-
ra vez na história, o Brasil,
que recorreu diversas vezes
a empréstimos do Fundo, irá
emprestar à instituição. “É um
sinal da solidez da economia
nacional. Em meio à mais
grave crise econômico-fi nan-
ceira desde a Segunda Guerra
Mundial, o Brasil não apenas
não pediu apoio fi nanceiro ao
FMI, como está em condições
de emprestar um montante
expressivo de recursos à insti-
tuição”, comentou.
A contribuição do Brasil
faz parte do acordo do G20
para aumentar em R$ 500
bilhões os recursos do FMI
para enfrentar a crise inter-
nacional.
Balança comercial
Superávit de US$ 2,6 bi em maio
Lupi promete um milhão de empregos
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10 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 11
12 Desenvolvimento julho de 2009
ENTREVISTA
“É necessário cres
Desenvolvimento julho de 2009 13
A n n i e N i e l s e n - d o R i o d e J a n e i r o
O Brasil precisa de um crescimento acelerado para recuperar o atraso dos últi-mos 40 anos, criar emprego e continuar a ter importância no Bric, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Caso contrário, fi cará para trás,
porque os parceiros estão crescendo a taxas signifi cativas. O alerta é do economista João Paulo de Almeida Magalhães que, nesta entrevista à Desafi os do Desen-
volvimento, recomenda a correção de dois erros fundamentais: a alta taxa de juros, que difi culta os investimentos e onera as contas públicas, e a sobrevalorização do câmbio, que leva o País a se especializar na exportação de commodities agrí-colas e industriais. Crítico do pensamento neoliberal, Magalhães aponta a necessi-dade de intervenção do Estado na economia, defende o protecionismo temporário numa política de desenvolvimento de longo prazo e faz ressalvas à entrada de capi-tal estrangeiro. “Se o País não tiver uma política correta de investimento, o capital estrangeiro chega aqui e expulsa o nacional, é o chamado crowding out”, afi rma.
João Paulo de Almeida Magalhães
a 7% ao ano”cer
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14 Desenvolvimento julho de 2009
Perfi l
Presidente do Centro de Estudos para o De-senvolvimento do Conselho Regional de Econo-mia do Rio de Janeiro (Corecon/RJ), João Paulo de Almeida Magalhães é autor de 15 livros e uma centena de artigos sobre a economia brasileira. Em sua última obra, O que fazer depois da crise: a contribuição do desenvolvimentismo keynesia-no, Almeida Magalhães sugere medidas para que o Brasil possa sair da crise e retomar o caminho do desenvolvimento.
Formado em Direito pela Pontifícia Universi-dade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Almei-da Magalhães sempre se dedicou ao estudo da economia. Detém os títulos de livre-docente em economia política na Universidade de São Paulo (USP) e de professor titular de Economia pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1953, concluiu doutorado na Université de Paris I, com uma tese sobre investimentos na América Latina. Ao longo da carreira profi ssional, ocupou o cargo de diretor do Departamento de Estudos Eco-nômicos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Chefi ou também o Núcleo de Planejamento do governo Jânio Quadros (1961) e foi membro do Comitê de Peritos da Aliança para o Progres-so (Organização dos Estados Americanos – OEA). Além disso, dirigiu o Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro e integrou o Centro de Estudos Es-tratégicos da Escola Superior de Guerra. Em 2006 e 2008 foi presidente do Corecon-Rj e atualmente faz parte do grupo de consultores da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) e do Con-selho de Orientação do Ipea.
Desafi os - O Brasil conseguirá retomar a tri-lha do desenvolvimento sustentado após a crise mundial?
Magalhães - É óbvio que vai conseguir. O
problema é que o crescimento entre 1980
e 2005 foi insufi ciente, apenas 2%, 3%
ao ano. Nesses últimos anos melhorou
um pouco e passou para 4%. Mas ainda é
insufi ciente, porque num período de 30
anos, após a Segunda Guerra Mundial,
crescemos 7% na média. Os países asiá-
ticos vêm crescendo nessa faixa há prati-
camente 30 anos. Assim, vamos voltar a
crescer mediocremente como aconteceu
nesses últimos 30 anos.
Desafi os - Por que é tão certo que o País voltará a crescer, mesmo que mediocremente?
Magalhães - Por uma questão muito
simples, o crescimento é uma situa-
ção normal em todo o mundo. Não
há país que não cresça. E esta crise,
como toda crise, vai desaparecer. A de
1929, que foi a pior delas, levou dez
anos para de fato passar e permitir
que os países recuperassem a vida an-
terior. Esta talvez leve menos porque
os governos nunca tiveram tanta ação
corretiva como agora.
Desafi os - Muitos analistas dizem que o Brasil sai-rá da crise antes de outros países, sobretudo os do primeiro mundo. Que vantagem o Brasil pode tirar disso, se de fato se recuperar primeiro?
Magalhães - O Brasil poderá sair antes
sim. No entanto, se quiser recuperar o
crescimento acelerado, só conseguirá
fazê-lo quando os países desenvolvidos
também se recuperarem. Muitos acham
que sair antes da crise é uma grande gló-
ria, porém, temos de comparar o Brasil,
que faz parte do Bric (grupo das quatro
grandes economias emergentes: Brasil,
Rússia, Índia e China) com os outros
integrantes do grupo. Se o Brasil não
mudar seu comportamento e crescer,
acabará fi cando de fora. Nos últimos
30 anos, a China cresceu (ao ano) cerca
de 9% a 11%; a Índia, em torno de 7%
nos últimos 20 anos; e a Rússia, 7%, nos
últimos 10 anos. Nós, nos últimos qua-
tro, só crescemos 4%. Portanto, temos
de tomar muito cuidado para nos man-
termos entre os Bric. Caso tenhamos
sucesso, poderemos sair fortalecidos e
adaptados a uma nova política. As dis-
cussões lá em Ecaterimburgo, na Rús-
sia, focalizaram muito a necessidade de
revisão dos organismos internacionais.
Isso é extremamente importante, por-
que os estatutos e as ações do FMI, com
a variação internacional do comércio,
têm sido desfavoráveis ao desenvolvi-
mento econômico. As regras do jogo
são feitas com base no interesse dos
países desenvolvidos. Se o Brasil se sair
fortalecido entre os países que formam
o Bric, poderá contribuir para modifi -
car essa situação.
Desafi os - Será possível para o Brasil ter um ritmo de crescimento em patamares compa-tíveis com a necessidade de criar emprego e renda para a população, num momento em que seus principais parceiros comerciais estão em recessão?
Magalhães - Enquanto houver recessão,
temos de evitar ao máximo o aumento
do desemprego. Precisamos garantir
emprego a toda essa população nova
que aparece no mercado. Os cálculos
do João Saboya e do Roberto Caval-
canti Albuquerque indicam que só
teremos esse cenário se crescermos
“Muitos acham que sair
antes da crise é uma grande
glória, porém, temos de
comparar o Brasil, que faz
parte do Bric com os outros
integrantes do grupo. Se
o Brasil não mudar seu
comportamento e crescer,
acabará fi cando de fora”
Cesa
r Dua
rte
Desenvolvimento julho de 2009 15
4% e 6% ao ano, respectivamente. No
entanto, na média desses últimos anos,
o Brasil não chegou a 3%. Além disso,
segundo um relatório encomendado
pelo Banco Mundial a 19 economis-
tas de renome, dois dos quais foram
até agraciados com o prêmio Nobel
de Economia, o Brasil só conseguirá
eliminar o atraso dos últimos 40 anos
se o produto per capita crescer 5,3%.
Se incluirmos nesse produto per capita
um pouco do crescimento da popula-
ção, o Brasil terá de crescer entre 6,5%
e 7% ao ano. Aí fi ca a pergunta: isso é
possível? É possível porque nós já cres-
cemos nesse ritmo durante 30 anos. E
os países asiáticos vêm crescendo nesse
ritmo. Também não podemos esquecer
que as tensões que surgem na forma do
aumento da população de rua, da cri-
minalidade e das favelas geram uma si-
tuação quase insustentável. Então, não
é só possível crescer a 7% ao ano como
também necessário.
Desafi os - Como fi ca a visão neoliberal no Brasil após a crise?
Magalhães - No meu livro O que fazer de-
pois da crise: a contribuição do desenvol-
vimentismo keynesiano, argumento que
o Brasil tem que oferecer uma estratégia
alternativa à neoliberal com justifi cação
científi ca. Até o momento, os econo-
mistas brasileiros se limitaram a criticar
a estratégia neoliberal apenas porque
ela havia dado errado. Houve um cres-
cimento de 2,5% durante 25 anos, agora
está em torno de 4%, qualquer das duas
porcentagens é insufi ciente. Se fi zermos
exatamente o que vinha sendo feito até
agora, sem nenhuma justifi cação, tudo
permanecerá igual. Após o “Consenso
de Washington”, vieram as críticas pelo
fato de as medidas neoliberais preco-
nizadas terem fracassado e apareceu
o consenso de Washington ampliado.
Segundo essa vertente, o consenso ori-
ginal estava certo, mas faltavam as ins-
tituições. Portanto, precisamos voltar a
ter o neoliberalismo de antes, mas com
a presença das instituições. Essa tese
tem sido refutada por mim, pelo Bres-
ser-Pereira e o Yoshiaki Nakano, mas
não adianta refutar sem apresentar uma
teoria alternativa. Tem de haver uma
justifi cação técnica, uma justifi cação
teórica da diferença entre crescimento
retardatário das economias emergentes
e o crescimento da economia dos atuais
países desenvolvidos.
Desafi os - Até quando será necessário manter políticas intervencionistas no Brasil? E nos EUA e na Europa?
Magalhães - Primeiro é necessário fazer
uma distinção entre os países desenvol-
vidos e subdesenvolvidos. Nos Estados
Unidos e na Europa, a necessidade de
ação do governo é relativamente peque-
na. Se o governo desses países garantir
equilíbrio cambial, fi scal e monetário, a
economia deverá andar bem. No Brasil,
precisamos fazer mais do que isso. Ali-
Cesa
r Dua
rte
16 Desenvolvimento julho de 2009
ás, a excessiva preocupação do governo
brasileiro em garantir o equilíbrio fi s-
cal, cambial e monetário pode até ter
consequências negativas. Um país que
está crescendo de forma acelerada para
eliminar seu atraso econômico terá,
por defi nição, tensões cambiais, fi scais
e monetárias. Assim, o governo preci-
sa tentar controlar essas tensões e não
adotar medidas para que elas desapare-
çam. Se essas tensões são necessárias ao
desenvolvimento, mas o governo toma
medidas para fazê-las desaparecer, de-
saparece o desenvolvimento.
Desafi os - Existe um limite para o governo inter-vir na economia?
Magalhães - Em países subdesenvolvidos,
o governo tem que ter uma ação inter-
vencionista. Depois do colapso da União
Soviética, provou-se que o sistema de
iniciativa privada é o melhor que existe.
Então, o governo tem de agir através do
mercado, ou seja, em vez de criar uma
empresa pública, deve criar condições
no setor para que apareça uma empre-
sa privada. Se a empresa privada de um
determinado setor não se mostra capaz
de seguir adiante, o governo deve entrar
em ação. Veja o caso da Embraer. Se o
governo não tivesse entrado em ação,
criado ensino voltado para a aviação, in-
vestido capital, desenvolvido tecnologia,
a Embraer nem teria surgido.
No caso de países desenvolvidos a
situação é diferente. Quando o governo
de um país é capaz de garantir equilí-
brio monetário, cambial e fi scal e um
bem-estar social razoável, não precisa
fazer mais nada, pode recuar.
Desafi os - O que falta para o Brasil se desen-volver?
Magalhães - Podemos começar corri-
gindo os erros em curso. Dois erros que
merecem atenção especial são as taxas
de juros extremamente elevadas e a so-
brevalorização do dólar. A taxa de juros
continua elevada, o dólar melhorou um
pouco, mas voltou a piorar.
A sobrevalorização do câmbio oca-
siona uma tendência à especialização do
Brasil em commodities agrícolas, como
soja e café, e em commodities indus-
triais, como aço e celulose. Ocorre que
as commodities têm baixo valor adicio-
nado por trabalhador, portanto, geram
pouco PIB por trabalhador. Além disso,
as commodities têm um crescimento
lento. Vale ressaltar, porém, que esse
crescimento lento não está ocorrendo
no momento por causa dos asiáticos.
Como eles não têm recursos naturais,
geram um aumento na demanda por
commodities. Mas essa situação não vai
durar muito tempo porque se os recur-
sos naturais não forem renováveis, cedo
ou tarde desaparecerão. Se os recursos
forem renováveis, como é o caso da
agricultura, teremos algo na agricultu-
ra que os economistas chamam de bai-
xa elasticidade de renda. Isso signifi ca
que se a China aumentar em dez vezes
seu produto per capita, nem por isso
o chinês tomará dez vezes mais café e
comerá dez vezes mais carne. Assim,
essa especialização em commodities
não é interessante, porém, o país está
caminhando nessa direção por erro de
política econômica.
Com respeito aos juros, temos, em
média, os mais altos do mundo. Essa
situação difi culta os investimentos,
pois vale mais a pena ter dinheiro que
não corre risco depositado no Banco
do Brasil do que investido. Além disso,
esses juros atraem capital estrangeiro,
a ponto de investidores pegarem di-
nheiro emprestado no Japão, onde os
juros são baixos, para aplicar no Bra-
sil, onde os juros são altos. Por fi m, os
juros altos oneram as contas públicas.
Ou seja, os juros que o governo paga
são dez vezes maiores do que as des-
pesas com o Bolsa Família. Portanto,
são dois erros a serem corrigidos. O
governo precisa relançar uma políti-
ca, uma estratégia de desenvolvimento
diferente da estratégia neoliberal e, na
“Um país que está crescendo
de forma acelerada
para eliminar seu atraso
econômico terá, por
defi nição, tensões cambiais,
fi scais e monetárias. Assim,
o governo precisa tentar
controlar essas tensões e não
adotar medidas para que
elas desapareçam”
Cesa
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Desenvolvimento julho de 2009 17
minha defi nição dessa estratégia, o im-
portante é o mercado.
Desafi os - Como seria essa nova estratégia fo-cada no mercado?
Magalhães - Segundo a visão do FMI, do
Banco Mundial e de outros organismos, o
investimento estrangeiro é extremamente
importante para o país. Nesse caso, é pre-
ciso aumentar as poupanças para alavan-
car os investimentos. Entretanto, um rela-
tório do Banco Mundial e uma literatura
recente mostraram que toda vez que há
oportunidades de investimentos, a pou-
pança sobe espontaneamente. Então, a
minha tese é a seguinte: oportunidade de
investimentos é mercado. Se o Brasil con-
seguir um mercado de tamanho e dina-
mismo satisfatórios, as poupanças surgi-
rão. Não precisamos fi car correndo atrás
de poupanças ou do capital estrangeiro e
sim criar condições de mercado. Se o país
não tiver uma política correta de investi-
mento, o capital estrangeiro chega aqui e
expulsa o nacional, é o chamado crowding
out. No caso específi co do Brasil, houve
entradas consideráveis de capital estran-
geiro nos últimos anos, sem que a taxa de
investimento sobre o PIB se alterasse. Ou
seja, o capital estrangeiro não contribuiu
para o desenvolvimento do País.
No livro Os maus samaritanos, o
economista de origem coreana Ha-Joon
Chang afi rma que o capital estrangeiro
não pode ser visto apenas no curto pra-
zo. Ele cita o caso de três empresas de
importância internacional, Samsung,
Nokia e Toyota, e diz que se os gover-
nos dos países dessas companhias não
tivessem bloqueado o capital estrangei-
ro durante um tempo, elas sequer exis-
tiriam. Portanto, temos de ter capital
estrangeiro dentro de uma estratégia
correta de desenvolvimento. Sem isso,
pode não ser positivo.
Desafi os - Cite um erro e um acerto cometidos pelo governo.
Magalhães - O capital estrangeiro deve
ser admitido no país dentro de uma
estratégia geral de desenvolvimento
e, em determinados casos, o governo
deve evitar a entrada de capital estran-
geiro enquanto não viabiliza empresas
nacionais de setores importantes. Aqui
no Brasil nós cometemos um erro
clássico. As montadoras de automó-
veis são um setor extremamente im-
portante na economia, e o Brasil tem
montadoras em grandes quantidades,
mas todas estrangeiras. Nós não temos
um carro brasileiro. Num determina-
do momento, houve um cidadão bra-
sileiro, o Gurgel, que lançou um carro
brasileiro, mas não conseguiu levar o
projeto adiante porque faltou apoio do
governo.
Um acerto clássico foi a Embraer.
Agora, temos de ter cuidado quando
falamos de erros e acertos. Muita gente
diz que a Embraer importa 80% dos in-
sumos que ela usa nos aviões, mas isso
Cesa
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18 Desenvolvimento julho de 2009
como foi feita no Plano Real. Inclusi-
ve porque a taxa de juros atua contra
o aumento excessivo da moeda. Além
disso, se o aumento excessivo da moeda
é efeito e não causa da infl ação, esta não
tem razão de ser.
Desafi os - O protecionismo é aceitável?Magalhães - O protecionismo foi a base
da industrialização do Japão, Estados
Unidos e Alemanha. Numa política de
desenvolvimento de longo prazo, o pro-
tecionismo temporário é bem-vindo.
Com o protecionismo, você cria com-
petitividade imediata para a empresa
nacional. Em segundo lugar, em vez de
ter grandes gastos, você tem grandes re-
ceitas. Um país não pode abrir sua eco-
nomia para outro país que tenha van-
tagens comparativas provisórias, como
é o caso da China com seus baixos sa-
lários. Se abrirmos inteiramente para a
China, ela acaba com a nossa indústria
de sapato, vestuário, etc. Além disso,
daqui a 20 anos, os salários da China
estarão iguais aos nossos, e, por conse-
guinte, os preços dos produtos chineses
igualmente mais altos.
Os neoliberais dizem que o prote-
cionismo é uma second best (segunda
melhor escolha dentro das possibilida-
des) em relação ao ataque ou à elimina-
está perfeitamente correto. Ela importa
80% porque o Brasil tem uma indústria
de componentes fraca. Quando o País
chegar a um estágio mais avançado,
importará só 60%.
Desafi os - O senhor certa vez disse que mais im-portante que combater a infl ação é assegurar o desenvolvimento. Mas existe alguma receita para manter a infl ação sob controle?
Magalhães - A infl ação não é tão malé-
vola para o desenvolvimento como se
diz. É possível ter um crescimento ace-
lerado com infl ação baixa. Ocorre que
a maneira de controlar a infl ação nos
países subdesenvolvidos é diferente da
empregada em países desenvolvidos.
Segundo os economistas da PUC-RJ,
que criaram o Plano Real, a infl ação
nos países subdesenvolvidos é inercial,
ou seja, quando há aumento de preços,
os sindicatos não são capazes de im-
por uma escala móvel de salário. Há
aumento de preços o ano inteiro e re-
ajustamento uma vez por ano. Assim, a
infl ação se torna inercial. Os salários e
os preços aumentam indefi nidamente.
Em última análise, trata-se de uma dis-
puta em torno da participação no PIB e
entre empresas e trabalhadores. Outra
tese defendida pelos economistas da
PUC-RJ é que, no caso dos países sub-
desenvolvidos, não é o aumento da mo-
eda que causa infl ação, e sim a infl ação
que acarreta o aumento da moeda. Isso
porque na disputa em torno do PIB, há
aumento de salários e de preços. Se o
governo não aumentar proporcional-
mente a moeda, haverá uma crise de
liquidez. Num país desenvolvido, sim-
plesmente se aumenta a taxa de juros
para evitar o aumento da moeda. Num
país subdesenvolvido, você precisa ter,
como se fez no Plano Real, uma políti-
ca de rendimentos que faça com que as
reivindicações sobre o PIB não somem
mais que o PIB. Então o que está errado
no Brasil é adotar a taxa de juros para
conter a infl ação. O que é necessário
fazer é uma política de rendimentos
Cesa
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Desenvolvimento julho de 2009 19
ção do custo Brasil. Custo Brasil é toda
aquela inefi ciência associada a uma
economia subdesenvolvida: transporte,
saúde e comunicações insatisfatórios,
mão-de-obra desqualifi cada. Os neoli-
berais alegam que devemos atacar esses
problemas. Mas tal argumento não tem
sentido porque essas inefi ciências são
típicas do desenvolvimento econômi-
co. Para acabar com esses males, torna-
se necessário um montante de inves-
timentos que só países desenvolvidos
são capazes de reunir. Se resolvermos
eliminar o custo país, faremos grandes
investimentos, e os resultados só apare-
cerão num prazo médio e longo. Além
do mais, teremos grandes gastos. Então
por que razão os neoliberais dizem que
o protecionismo é um second best? A
única explicação está na visão neolibe-
ral segundo a qual o Estado não deve
intervir em nada, visto que o combate
do risco país em alguns países sequer
é viável.
Desafi os - O que o senhor acha do PAC (Progra-ma de Aceleração do Crescimento)?
Magalhães - A grande contribuição do
PAC é a seguinte: desde 1980, todo
mundo aceita que o governo não deve
se meter na economia, não deve ter
estratégia de desenvolvimento, nem
política industrial. Com o PAC, um
governo reconhece pela primeira vez,
desde 1980, que há necessidade de in-
tervenção sistemática do Estado para
acelerar o desenvolvimento. Por outro
lado, o PAC é limitado. Se examinar-
mos bem, o objetivo do programa é
fazer com que o segundo mandato do
Lula tenha melhores resultados que o
primeiro. Como o primeiro mandato
do Lula foi igual ao do Fernando Hen-
rique, criaram o PAC. Ocorre que o
PAC não contém uma estratégia, uma
visão de longo prazo para o desenvolvi-
mento do Brasil. Vou dar um exemplo:
o País teve uma estratégia primaz ex-
portadora. Essa estratégia durou mais
ou menos de 1875 até 1930. Teve um
modelo de substituição de importações
que durou de 1930 a 1980. O que vai se
colocar no lugar dele? O governo hoje
não tem uma estratégia de desenvolvi-
mento de longo prazo. É por isso que
quando começa a haver uma especia-
lização em commodities o governo não
faz nada, porque não tem uma visão de
longo prazo em economia.
Desafi os - Como o senhor avalia as perspectivas de aplicação da renda a ser gerada pelo pré-sal?
Magalhães - Imediatamente após a des-
coberta do pré-sal, o presidente Lula
anunciou a intenção de utilizar as re-
ceitas do novo campo petrolífero para
melhorar o padrão de vida da popu-
lação. Ora, isso é exatamente o que a
Venezuela está fazendo. Ou seja, está
com uma riqueza em dólar na forma de
petróleo, e, em vez de usar essa riqueza
para criar uma base econômica per-
manente, corre o risco de daqui a dez,
vinte, trinta ou quarenta anos, quando
acabar o petróleo, viver um caos. O
Brasil tem condições melhores que a
Venezuela, tem uma indústria maior
e tal, porém, a receita do pré-sal deve
ser utilizada para criar um desenvolvi-
mento sustentável de longo prazo. Um
desenvolvimento assim pode melhorar
de forma permanente e constante o pa-
drão de vida das populações.
O governo está tomando uma série
de medidas para melhorar a situação
econômica do povo como o Bolsa Fa-
mília. Entretanto, não está cuidando
o sufi ciente do desenvolvimento no
sentido de fazer o País crescer 7% ao
ano. Segundo um trabalho recente do
Roberto Cavalcanti Albuquerque, nas
décadas de 1970 e 1980 não existia
nenhuma dessas medidas sociais que
foram adotadas pelos presidentes Fer-
nando Henrique Cardoso e Lula. No
entanto, o desenvolvimento social foi
mais elevado nesse período em que
“Com o PAC, um
governo reconhece, pela
primeira vez desde 1980,
que há necessidade de
intervenção sistemática
do Estado para acelerar
o desenvolvimento. Por
outro lado, o PAC é
limitado... não contém
uma visão de longo prazo
para o desenvolvimento
do Brasil”
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20 Desenvolvimento julho de 2009
não havia políticas sociais, mas havia o
crescimento acelerado, do que depois,
com os governos Fernando Henrique
e Lula. Isso não signifi ca que deva-
mos excluir as políticas sociais, apenas
que o importante é o desenvolvimen-
to econômico. Essas medidas sociais
podem ser tomadas de imediato, mas
para serem permanentes, devem estar
baseadas numa política de desenvol-
vimento. Na prática, isso signifi ca que
o desenvolvimento tem que estar em
torno de 7% ao ano.
Desafi os - Em Desafi os do desenvolvimento bra-sileiro, livro editado pelo Ipea com ensaios de conselheiros do Instituto, o senhor assina um artigo sobre macroeconomia e pleno emprego. Poderia nos dizer, em linhas gerais, qual é a sua tese nesse ensaio?
Magalhães - Bom, eu falo do emprego de
longo prazo. Disse que, antes de mais
nada, temos de evitar o desemprego.
Existe o desemprego que se manifesta
no setor informal. Para evitá-lo, preci-
samos fazer a economia crescer num
ritmo capaz de empregar toda a mão de
obra existente no mercado. Há também
o risco de desemprego qualitativo. Ou
seja, se nos especializamos em com-
modities agrícolas e industriais, talvez
consigamos empregar todo mundo,
mas essa situação não irá durar para
sempre. O desemprego que resulta no
setor informal decorre do crescimento
insufi ciente do PIB. O desemprego qua-
litativo resulta de uma política errada,
que especializa o Brasil em commodities
agrícolas e industriais. Nesse caso, mes-
mo que a maioria esteja empregada, a
renda per capita e o salário do País será
inferior à dos países desenvolvidos.
Desafi os - Existem alguns setores da economia que merecem uma atenção especial?
Magalhães - Os setores de alta tecnolo-
gia merecem mais atenção. Setores de
comunicação e informática não estão
sendo devidamente cuidados no Brasil,
e está provado que não se chega ao ple-
no desenvolvimento sem investimento
pesado nesses setores.
Desafi os - Como a criminalidade pode atrapa-lhar o desenvolvimento?
Magalhães - O problema da crimina-
lidade é resultado da semiestagnação
do Brasil nos últimos anos. De acor-
do com algumas avaliações, para todo
mundo ter emprego, é necessário haver
um crescimento de 4% a 6% ao ano do
PIB. Mesmo na melhor hipótese de ser
4% ao ano, nós estaríamos apenas evi-
tando o aumento do setor informal, o
aumento do desemprego. Numa situa-
ção dessas, o cidadão não arranja em-
prego e vai ser camelô ou assaltante. A
criminalidade, a população de rua, as
favelas também aumentam em função
dessas difi culdades.
Desafi os - Como a educação pode ajudar o de-senvolvimento?
Magalhães - A educação no Brasil está
mal, precisa ser melhorada. Não que
nossos gastos sejam pequenos, mas
são mal administrados. Dizem que se
o Brasil tiver educação, ele se desenvol-
verá, porém, a relação causal é oposta.
Quando o País se desenvolve, facilita a
educação. Evidentemente que a educa-
ção condiciona o desenvolvimento. Se
não houver engenheiro sufi ciente, não
haverá desenvolvimento algum.
Cesa
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rte
Leia também as entrevistas dos professores Carlos Lessa (edição 51), Ladislaw Dowbor (edição 50) e Walter Barelli
(edição 49) no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br)
Desenvolvimento julho de 2009 21Desenvolvimento junho de 2009 21
22 Desenvolvimento julho de 2009
CAPA
22 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 23
Retração do mercado mundial derruba vendas de produtos industrializados, mas os bens primários garantem o saldo da balança comercial brasileira. Para onde ir?
O mapa das
Exportações
L i l i a n a L a v o r a t t i - d e S ã o P a u l o
Desenvolvimento julho de 2009 23
24 Desenvolvimento julho de 2009
Ésenso comum que as vendas ex-
ternas brasileiras viveram um pro-
cesso de “desindustrialização”, com
forte concentração das exportações
em bens primários e recursos naturais,
com nível tecnológico aquém do desejá-
vel para gerar valor agregado à produção
nacional. Com a crise internacional, a fra-
gilidade fi cou mais exposta: de janeiro a
abril deste ano, as exportações brasileiras
caíram 17,53%, em média. A maior queda,
de 28,9%, foi nas vendas de produtos in-
dustrializados. No período, as exportações
de produtos básicos aumentaram 7,37%. A
questão é que esses produtos geram menos
empregos e têm baixo valor de mercado.
Uma tonelada de minério de ferro, por
exemplo, é vendida a menos de US$ 60 no
mercado internacional, valor insufi ciente
para importar um par de tênis de marca.
Esse olhar sobre a inserção externa do
País ganha relevância no momento em
que alguns “gargalos” do passado foram
superados e começam a ganhar espaço
questões de longo prazo, como a estratégia
de desenvolvimento mais acertada e, den-
tro disso, o papel das exportações. “Como
queremos crescer, em quais setores in-
vestir e o perfi l ideal das vendas externas
eram questões inimagináveis de tratar an-
tes, pois a preocupação era o imediatismo,
como o combate à infl ação e a fragilidade
externa”, afi rma Roberto Pires Messen-
berg, coordenador do Grupo de Análise
e Previsões da Diretoria de Estudos Ma-
croeconômicos (Dimac) do Ipea. Segundo
ele, agora que a “casa está arrumada”, as re-
servas internacionais alcançaram patamar
elevado e o desempenho fi scal permite re-
duzir o superávit primário sem colocar em
risco o fi nanciamento da dívida pública, o
contexto é favorável a uma refl exão mais
demorada sobre a dinâmica das exporta-
ções e a inserção externa.
Se na década de 90 o objetivo era ge-
rar saldo na balança comercial e, portanto,
tanto fazia se as exportações eram de ba-
nana ou de aviões, hoje galgar degraus de
desenvolvimento tecnológico é essencial
para a estratégia de desenvolvimento de
qualquer país. A experiência demonstra
que nenhuma nação da dimensão do Bra-
sil avançou sem aperfeiçoar a indústria.
“Somos e vamos continuar sendo um
grande produtor e exportador de commo-
dities, mas também cresceremos na cadeia
de agregação de valor. Já aliamos a produ-
ção agrícola à industrial, portanto temos
um agribusiness desenvolvido e não ape-
nas uma agricultura vigorosa”, afi rma Ales-
sandro Teixeira, presidente da Agência de
Promoção de Exportações (Apex Brasil) e
da World Association of Investment Promo-
tion Agencies (WAIPA), organização que
reúne as agências de promoção de investi-
mentos de 156 países. “O que vai garantir
a sobrevivência da humanidade daqui a
algumas décadas não serão os computa-
dores, mas os alimentos”, acrescenta.
Para Alessandro Teixeira, é um mito di-
zer que o Brasil é exportador de produtos
básicos, uma vez que algumas commodities
estão nas categorias de industrializados e
semi-industrializados, como é o caso de
ferro refi nado e celulose, respectivamente.
O expressivo aumento das vendas externas
nos últimos anos (antes da crise), segundo
ele, é explicado em boa medida pela expan-
são das exportações, tanto em quantidade
quanto em valor, de semimanufaturados
– complexo soja, carnes, minérios, suco de
laranja, petróleo e celulose. “Vários auto-
res demonstraram, mesmo com uma taxa
de câmbio apreciado, que as exportações
brasileiras de produtos intensivos em tec-
nologia apresentaram crescimento nos úl-
timos anos”, argumenta.
O secretário de Comércio Exterior do
Ministério do Desenvolvimento, Indús-
tria e Comércio Exterior, Welber Barral,
faz coro com Alessandro Teixeira. “No
ano passado, mais de 60% de tudo que o
Brasil exportou correspondeu a produtos
industrializados, sendo 46,8% de bens ma-
nufaturados e 13,7% de bens semimanufa-
turados. Esse desempenho confi rma uma
tendência verifi cada ao longo dos últimos
dez anos. De janeiro a maio de 2009, mes-
mo diante da crise econômica mundial,
a participação de bens industrializados
na pauta exportadora brasileira chegou a
57,2%”, afi rma.
Segundo Barral, as exportações de pro-
dutos industrializados vêm apresentando
forte crescimento: de US$ 41 bilhões em
2000 para US$ 119,7 bilhões em 2008.
Neste ano, as vendas internacionais de
produtos brasileiros industrializados já
somam US$ 31,7 bilhões até maio, apesar
das “barreiras nos países importadores,
sobretudo nos países desenvolvidos”.
O êxito da política brasileira de comér-
cio exterior, diz ele, foi a aposta na diver-
sifi cação da pauta de produtos exporta-
dos e a ampliação de mercados. “Hoje, as
empresas brasileiras vendem uma gama
muito maior de produtos para mais de
200 países. Em 2002, mais de 25% das ex-
portações brasileiras foram destinadas aos
Estados Unidos. Naquele ano, as exporta-
ções gerais somaram US$ 60,4 bilhões, dos
quais US$ 15,3 bilhões foram para os Es-
“O que vai garantir
a sobrevivência
da humanidade
daqui a algumas
décadas não serão os
computadores, mas os
alimentos” Alessandro Teixeira,
presidente da Apex Brasil
Alessandro Teixeira: Brasil exporta industrializados
24 Desenvolvimento julho de 2009
Roos
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Desenvolvimento julho de 2009 25
tados Unidos”, sublinha. Em 2008, apesar
de a participação dos EUA ter se reduzido
para pouco mais de 13%, os embarques
para aquele mercado somaram US$ 27,4
bilhões.
Houve uma diversifi cação de merca-
dos. “Em um período de crise mundial,
esse fato pode fazer toda a diferença para
o País. Se continuássemos a destinar mais
de um quarto das nossas exportações para
os Estados Unidos, os refl exos da crise so-
bre nossos embarques seriam muito maio-
res do que o que estamos sentindo hoje”,
acrescenta o secretário.
Fábio Silveira, da RC Consultores, dis-
corda: “A denominação genérica de se-
mimanufaturados e manufaturados serve
de disfarce para vários produtos básicos
e commodities, que passam por cadeias
curtas e com padrão tecnológico baixo”. A
soma das vendas externas do agronegócio
(US$ 60,63 bilhões), bens intermediários
(US$ 56,24 bilhões) e petróleo e derivados
(US$ 23,05 bilhões), no ano passado, cor-
respondeu a 71% (US$ 139,92 bilhões) do
total exportado (US$ 191,64 bilhões). Mas
o saldo comercial dos bens intermediários
foi de apenas US$ 4,34 bilhões por causa
do volume elevado das importações (US$
51,90 bilhões). Já a balança de bens de ca-
pital foi defi citária em US$ 28,44 bilhões.
“Queimamos o saldo do agronegócio,
de US$ 52,74 bilhões, com as importações
de US$ 51,90 bilhões de bens intermedi-
ários”, exemplifi ca Silveira. O grosso des-
sas compras no exterior foi do complexo
químico (US$ 36 bilhões). Somente de
componentes da indústria eletroeletrôni-
ca, o País importou no ano passado US$
17,8 bilhões e exportou apenas US$ 3,3
bilhões.
Até mesmo no petróleo e derivados a
balança comercial é defi citária –US$ 10,09
bilhões em 2008. O desequilíbrio maior,
de US$ 7,3 bilhões, está nos derivados pe-
troquímicos mais elaborados, como plás-
ticos utilizados para fabricação de equi-
pamentos da indústria automobilística e
eletroeletrônicos. Por isso, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva alertou que o
Brasil não quer exportar o petróleo bruto
do pré-sal, mas produtos industrializados
do petróleo. Afi nal, o barril do petróleo
estava valendo, no mês passado, menos de
US$ 70 e houve época em que era vendido
a menos de US$ 40.
As exportações de bens primários e
de recursos naturais não é necessaria-
mente ruim para o Brasil, afirma o eco-
“De janeiro a maio de
2009, mesmo diante da
crise econômica mundial,
a participação de bens
industrializados na pauta
exportadora brasileira
chegou a 57,2%” Welber Barral, secretário de Comércio Exterior
Governo quer estimular exportação de produtos industrializados, como calçados
Desenvolvimento julho de 2009 25
Marcello Casal Jr/ABr
26 Desenvolvimento julho de 2009
nomista da LCA Consultores Francisco
Pessoa Faria. O crescimento do consu-
mo mundial de alimentos, por exem-
plo, pode tornar o negócio lucrativo.
“Existem fatores que indicam desde já a
possibilidade de mudança na tendência
secular de redução dos preços de com-
modities”, lembra Faria. A volatilidade
dos preços das commodities, entretanto,
é um fator de preocupação, porque deixa
o País refém do humor das bolsas de va-
lores mundo afora.
A produção agrícola e mineral é uma
vantagem do Brasil neste momento de re-
cessão mundial, quando caiu a demanda
por manufaturados, mas aumentou o con-
sumo de produtos básicos. “China e Índia,
que incorporaram parcela expressiva da
população ao mercado, estão importando
alimentos e outros produtos que as empre-
sas brasileiras têm para ofertar”, argumen-
ta o presidente da Apex. Essa mudança fez
a China se tornar o primeiro parceiro co-
mercial do Brasil. “É uma transformação
geopolítica e, portanto, estrutural tam-
bém”, assinala.
Nesse momento de recessão mundial,
o perfi l agroexportador joga a favor do
Brasil, mas é preciso tomar cuidado para
o País não perder o que já conquistou em
termos de exportações de industrializa-
dos, alerta o economista Julio César Go-
mes de Almeida, do Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
“O Brasil é um grande exportador de com-
modities, mas também tem capacidade de
exportar manufaturados”, ressalta.
A crise está prejudicando mais as
exportações dos manufaturados. As ex-
portações de automóveis caíram 47%
entre janeiro e maio deste ano, frente ao
mesmo período de 2008, segundo dados
da Anfavea (Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores).
Já as exportações de aço caíram 50%, e
motores elétricos, 60%, na mesma com-
paração. “Não se trata de quaisquer ma-
nufaturados, mas de setores onde temos
reconhecida tradição e presença no mer-
cado externo”, acrescenta Julio Almeida.
Ele considera “um desafio e tanto” prote-
ger essas exportações e ao mesmo tempo
expandir o número de itens com agre-
gação de valor aos produtos básicos: “É
preciso otimizar esse conjunto de itens,
“O perfi l agroexportador
joga a favor do Brasil, mas
é preciso tomar cuidado
para o País não perder
o que já conquistou em
termos de exportações de
industrializados” Julio César Gomes de Almeida, do Iedi
Divu
lgaç
ão
26 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 27
a atualização do sistema de drawback,
que agora permite inclusive a desonera-
ção tributária nos insumos nacionais”.
Essas medidas surtirão pouco efeito se
o câmbio permanecer no atual patamar,
critica o empresário Humberto Barbato,
presidente da Associação Brasileira da
Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
“Tudo o que o Ministério do Desenvolvi-
mento, Indústria e Comércio e a Apex fa-
zem durante anos, para convencer as em-
presas a ganhar mercado externo, é desfei-
to em um dia pelo Banco Central, que está
pouco preocupado com o setor produtivo
quando sanciona uma política monetária
de valorização do real frente ao dólar”, al-
fi neta o industrial. O câmbio valorizado,
que reduz os ganhos dos exportadores, fez
Pelos portos brasileiros saem produtos
básicos e chegam industrializados
com mais tecnologia e maior agregação
de valor”.
Isso poderia ser feito com políticas
de exportações de manufaturados, en-
volvendo também pequenas e médias
empresas. “Esta é a hora certa para um
programa mais agressivo de financia-
mento e uma reforma tributária, nem
que seja voltada numa primeira fase para
esses setores da economia, uma vez que
a indústria é extremamente penalizada
pela elevada carga de tributos”, enfatiza
o economista do Iedi. O óleo de soja é
mais taxado do que a soja em grãos. “É
preciso incentivar em vez de punir o sis-
tema de manufatura”, adverte.
Barral, secretário de Comércio Ex-
terior, concorda: “Há a necessidade de
modificações na legislação tributária
brasileira, cuja complexidade acaba pu-
nindo produtos com cadeia de produção
mais longa. Um esforço nesse sentido foi
Divu
lgaç
ão
Divu
lgaç
ão
Desenvolvimento julho de 2009 27
28 Desenvolvimento julho de 2009
Barbato reduzir a presença de sua empresa
no exterior. A Cerâmica Santa Terezinha,
que exportava 40% de sua produção de
isoladores elétricos para 40 países, agora
vende apenas 20%. “Somos teimosos. Fi-
camos no empate apenas para preservar o
espaço lá fora”, explica.
A moeda brasileira valorizou 30% entre
janeiro de 2005 e junho de 2008. No perí-
odo de janeiro de 2005 a junho de 2009, a
valorização foi de 28,4%, enquanto o yuan,
moeda chinesa, se apreciou 17,6% frente
ao dólar; o iene, moeda japonesa, valori-
zou-se 7%; o euro teve apreciação de 5,3%,
e o peso chileno 2%. Já o peso argentino
e o peso mexicano desvalorizaram frente
à moeda norte-americana – o primeiro
perdeu 26%, e o segundo, 18,2% de seus
respectivos valores.
“O Brasil dificilmente sairá dessa
condição de país agroexportador, por-
que efetivamente pouco importa o que
se está vendendo para fora, mas sim o
saldo da balança comercial. E enquan-
to houver superávit, o governo não fará
uma política articulada e organizada
para valorizar as exportações”, afirma
Barbato. Para ele, “a indústria continu-
ará largada às traças” enquanto os juros
não deixarem de render alta remunera-
ção ao investimento estrangeiro aplica-
do no mercado financeiro, e o governo
não controlar a entrada desses capitais
especulativos. “Sem essas duas mudan-
ças, não haverá taxa de câmbio adequa-
da às exportações”, conclui.
“Tudo o que o Ministério
do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio e a
Apex fazem durante anos,
para convencer as empresas
a ganhar mercado externo,
é desfeito em um dia pelo
Banco Central” Humberto Barbato, da Abinee
Pertinente não apenas por causa das
questões de curto e médio prazo, mas
especialmente porque está diretamente
vinculado ao modelo de crescimen-
to que o País quer ter no longo prazo,
esse debate está apenas no início. Com
a infl ação em segundo plano, o foco
passa para outras áreas. “Começamos
a pensar até que ponto é interessante
depender de exportações de básicos,
muito infl uenciadas por uma deman-
da instável, sujeitando o nosso balanço
de pagamentos a outra fragilidade, e se
não seria importante robustecer nossos
fundamentos externos, agregando mais
valor aos manufaturados”, comenta Ro-
berto Pires Messenberg.
Essa discussão está sendo alimentada
pelo choque recente de demanda exter-
na e pela crise de liquidez no mercado
internacional, que difi cultam as vendas
externas e por sua vez reduzem a corren-
te de comércio – a soma das exportações
e importações. “Provavelmente neste ano
vamos alcançar o mesmo saldo comercial
de 2008, ao redor de US$ 25 bilhões, mas
com queda de cerca de 23% nas exporta-
ções e de 25% nas importações”, explica
o técnico do Ipea. O Instituto estima,
para 2009, em cerca de US$ 155 bilhões
o volume total das exportações e em US$
130 bilhões as importações, contra US$
191 bilhões e US$ 165 bilhões, respecti-
vamente, no ano passado.
Mesmo que mantenha o saldo co-
mercial, a desvalorização cambial é
necessária para evitar fragilidades no
balanço de pagamentos. “Depois de
tudo o que passamos, agora que está
tudo arrumado, é mais do que plausível
a preocupação em não deixar desandar
tudo. Ou seja, qual o nível de câmbio
que não comprometeria tudo o que fi -
zemos”, comenta.
Por enquanto, o balanço de paga-
mentos não preocupa. O Ipea conside-
ra que o défi cit em transações correntes
– que abrange exportações e importa-
ções de bens e serviços, mais rendas,
remessas de lucros e dividendos, bem
como os juros pagos ao exterior –, de-
verá fi car ao redor de 2% do produto
interno bruto (PIB). “Isso é bom perto
da trajetória que tivemos na época da
virada da taxa de câmbio, quando o dé-
fi cit chegou a 5%, 6% do PIB”, lembra
o técnico.
A questão é saber se o balanço
de pagamentos garante ao longo do
tempo recursos não voláteis para fi-
nanciar permanentemente esse nível
de déficit. “Se a taxa de investimentos
permanecer entre 21% e 22% do PIB,
um déficit em transações correntes
da magnitude do atual não é proble-
ma. Complicado seria como no Plano
Cruzado, quando o déficit era de cer-
ca de 5% do PIB e os investimentos
estavam lá embaixo, não gerando re-
cursos para o pagamento das contas
do País em dólar”, comenta. A taxa de
investimentos, que no ano passado fi-
cou em 21% do PIB, deverá cair para
18% neste ano, um patamar suficien-
te para contrapor o déficit em conta
corrente.
“Finalmente a infl ação e o resultado
das contas fi scais deixaram de ocupar
o primeiro plano no contexto do de-
senvolvimento econômico. A discussão
começa a ser feita com olho na taxa de
investimento e também no balanço de
pagamentos”, enfatiza Messenberg. Ou-
tros fatores serão levados em conside-
ração, como a possibilidade de o País
usar dinheiro externo não para consu-
mir, mas para fi nanciar o crescimento
sustentado.
Hora de defi nir o futuro
28 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 29
Saúde: um desequilíbrio de US$ 7 bilhões
Uma virada na balança comercial
de medicamentos, equipamen-
tos e complexo industrial da
saúde ocorreu com a abertura
comercial da década de 1990. O défi cit
comercial saltou de US$ 500 milhões
para US$ 7 bilhões, no ano passado.
Nesse período, a indústria farmoquí-
mica – que produz os princípios ativos
para a fabricação dos medicamentos
– quase desapareceu no Brasil. Ano
passado, duas das maiores indústrias
nacionais de equipamentos de saúde
foram adquiridas por multinacionais.
Além de serem empresas de grande
porte, também eram inovadoras.
A necessidade de inverter o sinal da
balança comercial do setor e reestrutu-
rar a cadeia produtiva farmoquímica no
Brasil constitui um dos pontos centrais
da orientação do Ministério da Saúde,
no âmbito da Política de Desenvolvi-
mento Produtivo (PDP), lançada em
maio de 2008 pelo Palácio do Planalto,
que contempla seis áreas estratégicas.
Os principais objetivos são aumen-
tar a capacidade produtiva da indús-
tria nacional, seu grau de inovação
tecnológica e sua competitividade no
plano global, ressalta o secretário de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estra-
tégicos do Ministério da Saúde, Rei-
naldo Guimarães. O grupo de traba-
lho interministerial, criado para tocar
o programa, propôs um projeto de lei,
em discussão na Casa Civil, para esta-
belecer regras que promovam o míni-
mo de equilíbrio na competição entre
produtos importados e fabricados no
Brasil, na área de saúde.
“Estamos propondo uma pré-qua-
lifi cação de todos os insumos impor-
tados para evitarmos baixa qualidade
e nem sermos obrigados a comprar
pelo menor preço produtos abaixo de
qualidade mínima. Outro dispositivo
do projeto de lei protege a equalização
de preços nas licitações. Também que-
remos equilíbrio tributário em toda a
cadeia de produção na área da saúde”,
explica Guimarães.
O projeto de lei trata também do
fomento ao setor industrial público,
composto de 20 laboratórios de me-
dicamentos e biotecnologia, como o
Instituto Butantã, em São Paulo, e o
Biomanguinhos, da Fundação Oswal-
do Cruz, no Rio. “Vamos estimular a
produção e a inovação nessa rede de
laboratórios públicos”, afi rma o secretá-
rio. Entre 2003 e 2008, o Ministério da
Saúde investiu cerca de R$ 320 milhões
na melhoria da infraestrutura dessas
indústrias, e comprou delas mais de R$
1 bilhão. Embora respondam por 90%
de todo o mercado de vacinas no Brasil,
os laboratórios públicos nacionais pro-
duzem apenas 30% dos medicamentos
consumidos e menos de 10% dos equi-
pamentos utilizados.
O Profarma Inovação, uma linha de
crédito do BNDES destinada ao com-
plexo industrial da saúde, liberou R$ 6,7
bilhões no ano passado, R$ 4 bilhões em
2007 e R$ 4,5 bilhões em 2006, primeiro
ano de atividade. O programa oferece
condições vantajosas para as empresas
desenvolverem e inovarem produtos
prioritários para o Ministério da Saúde.
Na mesma linha vai a Finep (Financia-
dora de Estudos e Projetos), que foca a
seleção de projetos que coincidam com
a lista de produtos industriais – medi-
camentos, equipamentos, diagnósticos,
vacinas – essenciais para o Sistema Úni-
co de Saúde (SUS).
“É a primeira vez na história do Mi-
nistério da Saúde que incentivos dire-
tos estão sendo dados para fortalecer
a cadeia produtiva na área da saúde no
Desenvolvimento julho de 2009 29
Brasil”, ressalta o secretário. O trabalho
é feito em várias frentes – farmoquí-
micos, medicamentos, vacinas, kit de
diagnósticos, equipamentos. Segundo
Guimarães, o poder de compra do Mi-
nistério e do SUS poderá ser utilizado
para a política industrial. São R$ 10 bi-
lhões gastos anualmente na compra de
medicamentos, vacinas e equipamentos
hospitalares.
A expectativa é que o programa da
área de saúde também resulte em eco-
nomia para os cofres públicos. O Mi-
nistério da Saúde está negociando par-
cerias que, se concretizadas, fornecerão
por ano R$ 850 milhões em medica-
mento ao SUS, com redução de R$ 150
milhões nos custos. “O público se junta
com o privado, que transfere tecnologia
para o público e o Ministério garante
o mercado para os itens produzidos”,
conta o secretário. Embora o Brasil di-
fi cilmente consiga ser líder mundial na
indústria de medicamentos por síntese
química, poderá seguir a rota do futuro
nessa área, que é a biotecnologia, prevê
Guimarães. “Temos condições de pegar
esse bonde mais recente e, enquanto
isso, melhorar nossa posição na indús-
tria tradicional”, conclui.
Liliana Lavoratti
Drea
mstim
e
30 Desenvolvimento julho de 2009
Por que o Brasil não se insere interna-
cionalmente em mercados de maior
intensidade tecnológica e mais ren-
táveis, com uma pauta de exporta-
ções menos centrada em produtos básicos?
O que impede o País de renovar a estrutura
de sua indústria e, com isso, proporcionar
uma dinâmica de excelência internacional
e obter resultados com alto valor agregado?
Essas são algumas das interrogações do se-
tor produtivo e do governo quando tratam
do desenvolvimento da produção nacional
e da balança comercial – e, de maneira mais
ampla, do futuro que está sendo construído
agora para os brasileiros.
“Estamos avançando na direção correta,
mas a mudança é lenta. Não se consegue
modifi car a pauta de inserção internacional
da noite para o dia. É preciso, porém, consi-
derar que o Brasil exporta soja, mas também
exporta avião e essa diversidade é impor-
tante. Temos de continuar vendendo grãos
para o resto do mundo e ao mesmo tempo
ampliar os itens com maior intensidade tec-
nológica”, afi rma João Alberto de Negri, téc-
nico do Ipea. Entretanto, o fato é que o País
investe menos do que deveria em ciência,
inovação, pesquisa e desenvolvimento.
De Negri observa que todos os países
desenvolvidos e emergentes, com presen-
ça marcante de bens de alta densidade
tecnológica no mercado internacional,
galgaram essa posição em decorrência de
políticas públicas voltadas ao aumento de
competitividade. Não é à toa que pesquisa
e desenvolvimento (P&D) são altamente
subsidiados em países desenvolvidos. Para
se ter uma ideia, metade de tudo o que as
empresas da Europa e Estados Unidos in-
vestem em pesquisa e desenvolvimento é
fi nanciada pelos respectivos governos. No
Brasil, o governo entra com apenas 5%. O
restante depende das empresas.
“Isso mostra que, para nos inserirmos
em mercados de maior valor agregado e
gerar postos de trabalho mais bem remu-
nerados, temos de investir mais na cultura
da inovação”, afi rma o técnico. Ele lembra
que investimentos em máquinas e equipa-
mentos também conduzem a um processo
de inovação na malha industrial. “Infeliz-
mente, apesar de várias iniciativas adota-
das nos últimos tempos no âmbito gover-
namental, ainda falta uma política mais
agressiva nesta direção”, constata.
De acordo com dados ofi ciais de maio
de 2008, o País aplica 0,51% do Produto In-
terno Bruto (PIB) em P&D, o equivalente a
R$ 11,9 bilhões. Entre 2000 e 2005, a parti-
cipação do investimento privado em P&D
no PIB cresceu 46%, segundo a Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp). Foi a partir de 2006, por exemplo,
que o foco da inovação tecnológica come-
çou a ganhar destaque nos fi nanciamentos
do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Naquele
ano, as nove linhas de crédito voltadas es-
pecifi camente para inovação – entre elas o
Criatec e o Profarma Inovação – totaliza-
ram R$ 105,6 milhões. Em 2007, passaram
para R$ 315,6 milhões, alcançando a cifra
de R$ 572,8 milhões ano passado.
Segundo a chefe do Departamento de
Políticas de Planejamento do BNDES,
Helena Tenório, a instituição fi nancia da
pesquisa para desenvolvimento de pro-
dutos de última geração até a produção e
exportação desses bens. “Nesses fi nancia-
mentos, as condições de juro, prazo e pa-
gamento são melhores conforme o grau
de valor agregado incorporado ao pro-
cesso produtivo”, ressalta Helena. Segun-
do ela, em breve o banco começará a im-
plementar um novo conceito de inovação
Mudança lenta
Tecnologia é a chave para aumentar o valor agregado dos produtos nacionais
30 Desenvolvimento julho de 2009
Wilson Dias/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 31
nas linhas de crédito. “Em vez de olhar
um projeto, como foi até agora, vamos
olhar a capacidade da empresa de investir
em aumento da capacidade de inovação”,
explica. Nesse novo conceito, a avaliação
das empresas engloba também os ativos
intangíveis – como capital humano e ou-
tros recursos diretamente relacionados à
inteligência na produção.
Educação e tecnologia. Receita de sucesso
Aperfeiçoar aquilo em que o País já é
altamente competitivo – produtos inten-
sivos em mão-de-obra e recursos naturais
– e ocupar espaço em mercados interna-
cionais, onde a tecnologia é o padrão de
competição entre as empresas, não vai
acontecer por milagre, nem por obra
simplesmente do mercado. E a política
educacional teria de ser vinculada a uma
política de desenvolvimento, com menos
fi lósofos e historiadores e mais engenhei-
ros e bioquímicos.
Para Alessandro Teixeira, presidente da
Apex, as empresas brasileiras já buscam
vários caminhos para acompanhar as ten-
dências do futuro. Um deles é a biotecnolo-
gia. “Daqui a pouco tempo, o consumidor
poderá comprar algodão natural colorido,
sem risco de alergias. Várias indústrias estão
nessa rota e dentro de alguns anos isso vai
se refl etir na nossa pauta de exportações”,
ressalta. Para pavimentar essa estrada, é
necessário galgar várias etapas, a começar
pela mudança na legislação tributária, cuja
complexidade acaba punindo produtos
com cadeia de produção mais longa.
A Política de Desenvolvimento Pro-
dutivo (PDP), lançada há um ano, é uma
novidade em termos de tentativa de co-
ordenação entre ministérios e agências
governamentais para subordinar as me-
didas de apoio à indústria aos planos de
longo prazo estabelecidos com os empre-
sários. Segundo o presidente da Agência
Brasileira de Desenvolvimento Indus-
trial (ABDI), Reginaldo Arcuri, a maior
agregação tecnológica à produção nacio-
nal é o objetivo final das metas da PDP
para 2010 – ampliação do investimento
fixo em relação ao PIB (21%), incremen-
to de gastos privados em P&D (0,65% do
PIB), aumento da participação brasileira
no comércio exterior (1,25% do comér-
cio mundial, contra 1,18%) e elevar para
10% o número de micro e pequenas em-
presas no mercado exportador.
Na avaliação da Fiesp, um dos maio-
res desafios da PDP será a articulação e
gestão de cerca de 200 instrumentos es-
palhados por 13 ministérios, três ban-
cos públicos, sete agências reguladoras
e oito instituições (Sistema S, Federa-
ções). “Esta foi uma das maiores falhas
da Política Industrial, Tecnológica e
de Comércio Exterior (PITCE). Nesta
segunda versão da política industrial,
embora tenha ocorrido avanço, o resul-
tado do exercício da articulação institu-
cional realizado pelo governo para de-
senvolver os programas estruturantes,
como, por exemplo, o PAC, tem deixa-
do a desejar, revelando-se um tema que
deve ter muita atenção do governo e da
sociedade”, afirma o documento “Ava-
liação da PDP”.
Na área estatal, as iniciativas serão
articuladas no Fórum das Estatais Fede-
rais sobre Inovação, que será lançado em
breve pelo governo. Segundo o técnico
do Ipea Danilo Santa Cruz Coelho, um
dos objetivos específi cos do fórum é pro-
mover estudos sobre a dinâmica da ino-
vação tecnológica nas empresas estatais e
sua difusão para o restante da economia.
“Ano passado fi zemos no Ipea um estudo
sobre o impacto dos fi nanciamentos do
BNDES na produtividade das empresas.
Agora, estamos com um grande projeto
de pesquisa sobre o impacto da Petro-
bras no desenvolvimento tecnológico no
Brasil. Um dos objetivos específi cos desta
pesquisa é analisar os transbordamentos
tecnológicos da Petrobras sobre os seus
fornecedores”, explica.
A Embrapa também está fazendo
estudos parecidos e no futuro esses re-
sultados deverão ser disseminados, diz
o diretor do Departamento de Coorde-
nação e Controle das Empresas Estatais
do Ministério do Planejamento, Murilo
Barella, que coordena o fórum. “Vamos
estimular os fornecedores das estatais a
adotar as práticas de sucesso voltadas ao
estímulo da inovação tecnológica, bem
como transpor para outros segmentos
da economia aquilo que deu certo nas
empresas públicas, resguardados os di-
reitos dos sócios das estatais com ações
em bolsas”, ressalta.
Arcuri quer maior agregação de valor a exportação Barella quer estimular a inovação tecnológica
Desenvolvimento julho de 2009 31
Elza Fiúza/ABr
32 Desenvolvimento julho de 2009
Mais da metade das exportações
brasileiras neste ano foi de
produtos básicos: de janeiro a
abril, as vendas de commodi-
ties representaram 51% do total exportado
pelo País. “A crise internacional parece ter
acentuado uma das principais característi-
cas da pauta de comércio exterior brasilei-
ra: sua elevada concentração em commo-
dities e em produtos de menor intensida-
de tecnológica”, constata o boletim Radar:
Tecnologia, Produção e Comércio Exterior,
lançado no início do mês pela Diretoria
de Estudos Setoriais do Ipea, na sede da
Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp).
Antes da crise, o peso das commodities
no total exportado pelo Brasil vinha au-
mentando gradativamente, de 39% para
43%, entre 2004 e 2008. Historicamen-
te, em torno de 40% das vendas externas
brasileiras são em produtos básicos. Nos
primeiros quatro meses de 2009, a taxa
saltou para 51%. “A gente nunca chegou
a uma mudança dessa magnitude”, afi rma
Fernanda de Negri, diretora adjunta de Es-
tudos Setoriais.
Já as vendas de produtos industriali-
zados perderam peso na pauta de expor-
tações, com destaque para os de média
tecnologia (queda de 19% para 16%, en-
tre 2004 e 2008), e produtos intensivos
em mão-de-obra (queda de 12% para
7%, no período). Para Fernanda de Ne-
Mais commodities, menos industrializadosVolume exportado teve pequena queda no ano passado, mas o valor de divisas foi maior
Comércio exterior
Participação Percentual dos Diferentes Grupos de Produtos, segundo
intensidade tecnológica, na pauta de exportações brasileiras: 2004 a 2008
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%2004
Fonte: Elaboração própria a partir de SECEX/MDIC e UNCTAD.
2005 2006 2007 2008
Commodities
Baixa IT
Alta IT
Mão de obra e Recursos nat
Média IT
Outros
9% 11% 11% 13%
12% 12%12% 12%
11%
19%20% 20% 18% 16%
10%
10% 8% 8%9%
12% 11% 10%9% 7%
39% 38% 39% 41% 43%
7%
gri, a queda se deve à retração da eco-
nomia mundial, que passou a demandar
menos produtos devido à crise interna-
cional, mas a apreciação do real frente
ao dólar pode ter contribuído para a re-
dução das exportações de produtos in-
dustrializados.
No estudo, Fernanda e Maria Cristi-
na Passos mostram uma outra questão
relevante: o aumento da participação das
commodities no total exportado decorre,
em grande parte, da alta dos preços no
mercado internacional, e não do cresci-
mento do volume de vendas – houve ligei-
32 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 33Desenvolvimento junho de 2009 33
foi o crescimento das exportações brasileiras
para a China de janeiro a maio de 2009
34%
Exportação
As exportações chinesas cresceram,
em média, 17,9%, entre 1995 e
2004. As da Índia, 12,1%. Já as bra-
sileiras fi caram em apenas 8,8%. A
alta de crescimento das vendas externas
da China e Índia mostram o dinamismo
dessas economias, de acordo com o livro
Trajetórias Recentes de Desenvolvimento,
publicado pelo Ipea, e que motivou a rea-
lização de um seminário no mês passado
sobre a reação da China, Índia, Estados
Unidos, Finlândia, Argentina, África do
Sul, Alemanha, México, Espanha e Rússia
à crise internacional.
“O tipo de inserção dos diferentes pa-
íses no comércio internacional refl ete,
em certa medida, as estratégias de desen-
volvimento produtivo adotadas”, afi rma
a publicação. China, Índia e México, por
exemplo, estabeleceram como meta o au-
mento das exportações de manufaturados:
em 2005, 91,9% do total exportado pela
China já eram produtos industrializados ,
70,3% na índia e 77,1% no México. Embo-
ra tenha elevado as vendas de manufatu-
rados nos últimos anos, o Brasil ainda está
bem atrás dos concorrentes: 53,9% das
exportações brasileiras, em 2005, eram de
produtos industrializados. Com a crise in-
ternacional, a taxa está em queda.
O livro mostra também que os Esta-
dos Unidos, Finlândia e Alemanha são
os maiores exportadores de produtos de
alta tecnologia (25,8%, 21% e 14,2% das
vendas externas, respectivamente). Entre
os países em desenvolvimento, destacam-
se a China, com 28,1%, e o México, com
15,1%, enquanto no Brasil a taxa é de
6,8%. Embora sejam exportadores de
produtos industrializados, os produtos
vendidos pela Índia e pela Espanha têm
baixo conteúdo tecnológico (3,8% e 5,6%
das exportações, respectivamente).
Estados Unidos, Finlândia e Alema-
nha chegaram a esse resultado a partir
de vultosos investimentos em pesquisa
e desenvolvimento. Em 2004, a Alema-
nha destinou 2,5% do seu Produto In-
terno Bruto (PIB) à ciência e tecnologia,
e a Finlândia, 3,5%, enquanto o Brasil
investe em torno de 1%. “Poucos países
no mundo sofreram transformações tão
radicais em tão pouco tempo quanto a
Finlândia”, escreve Glauco Arbix, profes-
sor da Universidade de São Paulo (USP) e
ex-presidente do Ipea, que assina um dos
estudos publicados no livro em conjunto
com Joana Varon, aluna de mestrado da
Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).
E menos de 30 anos, a Finlândia elimi-
nou a pobreza em seu território, investiu
em educação, desenvolveu-se e inseriu-se
na economia internacional como uma “das
sociedades mais avançadas do planeta”. A
produtividade, de US$ 22.173, e a renda
per capita no país, de US$ 35.280, estão
entre as mais altas. Em 2005, a produti-
vidade brasileira era de US$ 5.812, quase
quatro vezes menor. A produtividade do
Brasil está mais próxima da registrada pela
China e abaixo dos valores da Argentina
e México. “A variação da produtividade
no Brasil (4,7%) é muito baixa ao longo
dos 25 anos (1980 a 2005). Enquanto nos
países desenvolvidos, e muito em especial
na Finlândia, a produtividade por hora
aumenta de modo considerável: cerca de
45% na Alemanha, mais de 50% nos Es-
tados Unidos e Espanha, e quase 100% na
Finlândia”, afi rma o livro.
Indicador de dinamismo
da economia
ra queda na quantidade vendida no
ano passado. Devido ao aumento de
preço, a participação do Brasil no
comércio mundial teve uma leve
alta, ressalta Fernanda de Negri.
Entretanto, a queda no volume ex-
portado pode ser indício de perda
de competitividade da economia
brasileira, se outros países tiverem
aumentado suas vendas.
O ganho com a exportação de
commodities, ressalta Fernanda,
no curto prazo é bom para o Brasil,
porque ajuda na sustentabilidade do
balanço de pagamentos. As vendas
têm sido sustentadas pela China,
que continua importando commo-
dities do Brasil, enquanto outros
países reduziram a demanda. Nos
cinco primeiros meses deste ano, as
exportações brasileiras para a China
cresceram 34%. Como outros países
compraram menos, o total exporta-
do pelo País no período caiu 23%.
Embora no momento seja neces-
sário, o aumento das exportações de
produtos básicos é indesejado. “Esse
movimento é o oposto ao que o País
precisa no longo prazo, que é diversi-
fi car sua pauta de exportações a par-
tir da ampliação da participação de
produtos mais intensivos em tecno-
logia”, afi rmam as técnicas do Ipea.
Mais informações sobre o tema podem ser encontradas no sítio do Ipea, nas publicações Comunicados da Presidência nº 22 e 23 e Radar
34 Desenvolvimento julho de 2009
Em busca de mercado
L i l i a n a L a v o r a t t i - d e S ã o P a u l o
Desde abril deste ano, a China é o
principal parceiro comercial do
Brasil. Os chineses desbancaram
a liderança de mais de 80 anos
dos norte-americanos na corrente de co-
mércio com os brasileiros. Esse novo ce-
nário foi formado por fatores estruturais,
provocados pelas mudanças de ambas as
economias, e também pela crise fi nancei-
ra mundial. “Esse é um desenho que se
formou diante da atual conjuntura, mas
não podemos afi rmar que uma mudança
de paradigma possa interferir no ordena-
mento dos parceiros comerciais do Brasil”,
diz o secretário de Comércio Exterior do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, Welber Barral.
O espaço ocupado pela China nas rela-
ções exteriores do Brasil hoje tem desper-
tado vivo debate e marcadas divergências.
Para compreender o quadro formado pela
perda do status dos EUA e ascensão dos
chineses é útil uma retrospectiva históri-
ca, remetendo-se à mudança de regime no
Brasil - do Império para a República -, mo-
mento em que se deu início ao processo de
americanização do País. “É oportuno olhar
para o passado, porque suscita interessantes
questionamentos sobre o presente, sobre os
caminhos que o Brasil vem trilhando e so-
bre as possíveis consequências de suas esco-
lhas”, afi rma Arnaldo Cardoso, pesquisador
de Política Externa Brasileira e professor do
Instituto Presbiteriano Mackenzie.
Para aqueles que desbravaram a Repú-
blica, a americanização signifi cava o fi m
da herança colonial, a industrialização
e o progresso da democracia. “O então
Governo Provisório lançou-se à tarefa de
sincronizar o Brasil com o tempo e rom-
per com tudo que lembrasse o passado”,
conta Cardoso. Em 1889, a Conferência
Pan-Americana, realizada em Washington
(EUA), teve pela primeira vez represen-
tação brasileira, e o norte do evento era
o ideal norte-americano de formação de
China se torna o principal comprador de produtos brasileiros, deixando os Estados Unidos em segundo lugar. Será uma mudança duradoura?
uma União Aduaneira Americana.
Segundo o pesquisador do Mackenzie,
o processo conhecido como “republicani-
zação da diplomacia” do Brasil foi marcado
pela aplicação de medidas para a elevação
do comércio exterior ao lugar em outro
momento ocupado pelas questões da gran-
de política, valorizadas na política externa
do Império. “Algumas ações, como o fecha-
mento de delegações na Europa e abertura
de consulados em pontos estratégicos para
o comércio - anos depois, abertura da pri-
meira embaixada brasileira em Washing-
ton -, expressavam o novo ideário orienta-
dor da política externa do Brasil”, lembra.
A partir daí, a assinatura de um acordo
aduaneiro com os norte-americanos seria
o passo decisivo para o estabelecimento
de novas bases para o relacionamento en-
tre os dois países. Para o Brasil, o acordo
deveria garantir uma posição de privilégio
Desenvolvimento julho de 2009 35
ao açúcar e ao café do Brasil no mercado
americano. O tratado comercial fi rmado
em janeiro de 1891 expressava o princípio
da reciprocidade. Ao atender a reivindi-
cações do setor agrícola brasileiro, foram
estabelecidas também condições especiais
para a entrada de manufaturas americanas
no mercado brasileiro.
Para a economia brasileira, os EUA fo-
ram durante a 1ª República (1889-1930) o
mais importante polo dinamizador, ten-
do no café (isento de tarifas no mercado
americano) seu principal produto. “E no
começo da década de 1920, os EUA tor-
naram-se simultaneamente os principais
compradores e fornecedores do Brasil.
Também nesse período os EUA se torna-
ram o principal investidor estrangeiro no
Brasil, registrando em 1928, o volume de
US$ 476 milhões.”
Foi justamente a partir da crise eco-
nômica, iniciada em 1929 em solo norte-
americano, que fi caram explícitas as fra-
gilidades do modelo de desenvolvimento
nacional, ancorado na agroexportação e
na concentração de destino das exporta-
ções em um único país. De lá pra cá muita
coisa mudou, mas não são poucos os para-
lelos com o presente momento.
O futuro - Como os Estados Unidos, a ques-
tão de fundo sobre a corrente de comércio
sino-brasileira está na qualidade da relação
americana, no futuro próximo, aliada aos
contínuos esforços de conquistar merca-
dos naquele país para produtos brasileiros,
possa aumentar bastante a corrente de co-
mércio com os Estados Unidos.
A China é considerada parceira es-
tratégica do Brasil desde 1993, quando
foi assinado um acordo entre os países
durante o governo Itamar Franco. Desde
então, a importância comercial do país
asiático para o Brasil vem crescendo sig-
nifi cativamente. No plano quinquenal de
ação conjunta para o período de 2010 a
2014, foram estabelecidas metas para o
crescimento do comércio bilateral, dos
investimentos e de outros pontos da co-
operação entre os países.
Na área comercial, a principal preocu-
pação do Brasil é com a diversifi cação da
pauta de exportações para a China. Hoje, as
matérias-primas – soja e minério de ferro
– concentram mais de três quartos das ven-
das brasileiras, enquanto as importações
são basicamente de produtos manufatura-
dos, com maior valor agregado. “A China é
complementar ao Brasil das commodities,
mas é preciso trabalhar para conseguir uma
participação maior no Brasil industrializa-
do”, indica Júlio Almeida. Segundo estudo
do Banco Nacional de Desenvolvimento
Social e Econômico (BNDES), as exporta-
ções responderam por metade da queda na
produção industrial nos seis meses seguin-
tes ao agravamento da crise, e por mais da
metade (55%) da retração da indústria de
transformação.
estabelecida e nas chances de sua conti-
nuidade depois da turbulência econômica.
“Essa parceria tem a ver com a crise: por
causa dela outros países relevantes para o
comércio brasileiro, como Estados Unidos,
estão em retração”, diz Júlio Almeida, dire-
tor-executivo do Instituto de Estudos para
o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “Mas
há um lado estrutural que não pode ser ig-
norado, como o próprio fato de a China al-
mejar ser a fábrica do mundo”, acrescenta.
Parece cedo, indicam especialistas, para
prever o futuro dessa parceria. “A China é
o principal país no qual o governo brasilei-
ro deposita suas fi chas, mas é preciso saber
se essa aposta será correspondida”, frisa o
professor de comércio exterior da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie, Francisco
Cassano. “A aproximação entre Brasil e
China pode ser vista por dois ângulos: um
é o geopolítico, ambos miram o aumento
da interlocução nas decisões mundiais.
Outro é de cunho comercial”, frisa.
A estratégia de explorar um merca-
do de proporção inequívoca — demanda
pressionada por um contingente de 1,3
bilhão de habitantes — não deve excluir,
segundo Cassano, a relação com a União
Europeia e Estados Unidos. “Conseguir
trabalhar para derrubar as barreiras tari-
fárias com os EUA imprimiria uma van-
tagem comercial muito proveitosa para o
Brasil”, destaca. O secretário de Comércio
Exterior do MDIC não descarta que uma
possível recuperação da economia norte-Dr
eams
time
36 Desenvolvimento julho de 2009
VIOLÊNCIA
Falta de segurança, antes um fenômeno dos grandes centros, se espalha por pequenas cidades País afora. Regiões de fronteira são as mais violentas
A n n i e N i e l s e n - d e R i o d e J a n e i r o
Criminalidade avança pelo
interior
Desenvolvimento julho de 2009 37
Repressão policial não consegue conter alta taxa de violência do Brasil
Marc
ello
Cas
al Jr
/ABr
38 Desenvolvimento julho de 2009
Nos grandes centros do país, pou-
cos pais dormem tranquilos
quando os fi lhos saem à noite.
São raros os motoristas que res-
peitam sinal de trânsito em áreas desertas.
Em todas localidades, diante da profusão
de notícias de atos violentos, reina uma
sensação de medo e insegurança. A taxa
nacional de homicídios é de 23,7 casos
por 100 mil habitantes, um índice alto
considerados os padrões internacionais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS)
considera “zonas epidêmicas” aquelas com
taxas superiores a 10 assassinatos por 100
mil habitantes.
O pior é que os estudos indicam que a
violência no Brasil não está mais restrita
aos grandes centros urbanos. Ela se alas-
trou pelo interior e por pequenas cidades,
deixando um rastro de destruição de vidas
e de prejuízos econômicos. Estima-se que
o País gaste em torno de 5% do Produto
Interno Bruto (PIB) com a violência. En-
quanto isso, crescem os negócios das em-
presas de segurança privada.
O “Mapa da violência dos municípios
brasileiros 2008”, produzido pela Rede In-
formação Tecnológica Latino-americana
(Ritla), Instituto Sangari e os ministérios
da Justiça e da Saúde, mostrou que o nú-
mero de homicídios no país a partir de
2003 caiu 8,5% de 2003 para 2006. Mesmo
assim, foram 46.660 homicídios em 2006,
o que corresponde a uma taxa duas vezes
superior ao padrão mundial. Entre a po-
pulação jovem de 15 a 24 anos, a queda foi
de 13%. O coordenador do estudo, Julio
Jacobo Waisenlfi sz, acredita que o resulta-
do tenha sido refl exo da campanha do de-
sarmamento e da regulamentação de uso,
compra e porte de armas.
Outro ponto revelado pelo estudo foi
o deslocamento da violência das grandes
capitais e metrópoles para cidades meno-
res, nas regiões de fronteira e no interior,
que chegam a ultrapassar 100 homicídios
por 100 mil habitantes. Em geral, as taxas
são alarmantes em locais que não contam
com a presença do Estado. São áreas de
desmatamento ou dominadas pelo con-
trabando de armas e tráfi co de drogas.
“Nessas áreas há ausência total do poder
público e impera a lei do mais forte”, afi r-
mou Waisenlfi sz na época da divulgação
do estudo.
De acordo com o Mapa, 556 cidades
– o equivalente a 10% do total de muni-
cípios do Brasil – concentraram 73,3%
dos assassinatos ocorridos em 2006. São
municípios com média de 143,9 mil ha-
bitantes, que reúnem 44% da população
brasileira. A lista das cidades com as mais
altas taxas médias de homicídios no País -
levando-se em conta o número de mortes
e o tamanho da população - é encabeçada
por Coronel Sapucaia (MS), com 107,2
homicídios em 100 mil habitantes. Loca-
lizada próxima à fronteira com o Paraguai,
o município concentra ações de grupos de
contrabando de armas, tráfi co de drogas e
de roubo de carros.
O mesmo ocorre com Foz do Iguaçu
(PR), que ainda despontou como a cam-
peã de vítimas de homicídios entre a po-
pulação jovem de 15 a 24 anos, com uma
taxa de 61,3 homicídios por 100 mil ha-
bitantes. Cidades na lista como Colniza
(MT), Itanhangá (MT) e Cumaru (PA)
apresentaram taxas entre 80 e 100 mortes
por 100 mil habitantes.
Policiais fazem blitz em barcos e locais
suspeitos para combater tráfi co de
drogras e de armas
Em geral, ocorrem
mais crimes em locais
que não contam com a
presença do Estado. São
áreas de desmatamento
ou dominadas pelo
contrabando de armas
e tráfi co de droga, onde
impera a lei do mais forte
Valte
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Desenvolvimento julho de 2009 39
Entre as capitais, Recife foi a primei-
ra a fi gurar na lista das cidades com as
mais altas taxas de homicídios no “Mapa
da Violência dos Municípios Brasileiros”.
Tráfi co de drogas, ações de grupos de ex-
termínio e crimes relacionados a acerto
de contas e ao consumo de álcool teriam
sido os principais motivos que levaram a
capital pernambucana a ocupar o nono
lugar no ranking das cidades mais violen-
tas, com taxa de 90,5 casos por 100 mil
habitantes. Vitória e Maceió apareceram
pouco depois, em 13º e 22º lugares, com
taxas de 87 e 80,9 casos por 100 mil ha-
bitantes, respectivamente. Embora tradi-
cionalmente associado a altos índices de
violência, o Rio de Janeiro ocupou a 205ª
posição, com taxa de 44,8 casos por 100
mil habitantes, e São Paulo, a 491ª posi-
ção, com taxa de 31,1.
Mapa da violência Na cidade do Rio de Ja-
neiro, entre 2002 e 2006, houve 13.727
homicídios. Desse total, 25% morreram
em confronto com a polícia. A maior parte
das vítimas morava em favelas ou conjun-
tos habitacionais populares. Essas infor-
mações constam do estudo “Segregação
territorial e violência no município do Rio
de Janeiro”, das técnicas do Ipea Patrícia
Rivero e Rute Rodrigues. Dados prelimi-
nares foram apresentados ao público no
auditório do Ipea, no Rio de Janeiro, no
dia 3 de junho deste ano, durante o semi-
nário Áreas de Concentração de Violência
no Município.
De acordo com os técnicos, o cruza-
mento de dados de registros de óbitos com
outras informações mostra que a maioria
dos assassinatos ocorreu nas zonas norte
(43,5%) e oeste (30%), áreas com maior
número de favelas. Na zona sul, área mais
nobre da cidade, a taxa de homicídios foi
de 7%. Bonsucesso, bairro da zona norte
que engloba as favelas do Complexo do
Alemão e da Maré, deteve o maior núme-
ro de ocorrências: 585 homicídios em cem
mil habitantes.
O levantamento feito pelas técnicas
também permitiu ver que o confronto
com a polícia resulta em mais mortes zona
norte do que na zona sul. De acordo com
Patricia Rivero, “a polícia tem uma ação
mais letal na zona norte e oeste (excluin-
do a área litorânea da Barra). Já as ações
não letais, como prisões e apreensões de
drogas, são mais frequentes na zona sul”,
explica.
Na avaliação do professor Luiz Antô-
nio Machado, do Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj),
o fato de haver mais prisões nas zonas
abastadas e mais mortes nas zonas pobres
signifi ca que o estado está presente em to-
das as regiões. “O problema é a natureza
dessa presença”, observa Machado, crítico
do modelo de segurança pública baseado
apenas na repressão e na exclusão.
“Enquanto predominar a mentalidade
de apenas afastar os ‘outros’ (negros, po-
bres e favelados) que nos ameaçam, tere-
mos sempre o que está aí (essa situação de
violência)”, afi rma. O modelo é questiona-
do também pela ex-diretora do Instituto
de Segurança Pública do Rio de Janeiro
e pesquisadora da Universidade Federal
Fluminense, Ana Paula Miranda. Segundo
ela, as estratégias operacionais da polícia
não são voltadas contra o crime, e sim
contra os criminosos, “quase sempre po-
bres, negros e favelados”. “Essa estratégia
Município do Rio de Janeiro: taxas de homicídios por bairros
40 Desenvolvimento julho de 2009
só funciona no sentido de manter as coisas
como estão”, diz.
Para Ana Paula Miranda, as classes
média e alta acham que podem resolver
o problema da segurança pública de uma
forma “classista”. Ela explica que quando
houve crise na educação, a classe mé-
dia botou os filhos na escola particular.
Diante do caos da saúde pública, migrou
para os planos de saúde privados. “Mas
com segurança pública não dá. Ou um
morador da favela tem tanta segurança
quanto eu, moradora da zona sul, ou
nenhum de nós terá segurança. Esse é o
cenário do Rio, aliás, esse é o cenário do
Brasil”, sentencia.
Rute Rodrigues lembra que, além dos
efeitos devastadores sobre as vítimas e
suas famílias, a violência também acarreta
outros de ordem prática. “Locais violentos
muitas vezes não dispõem de serviços es-
senciais adequados como água, luz, sanea-
mento, postos de saúde. E os governos têm
difi culdade em arranjar gente disposta a
trabalhar lá”, comenta.
“Algumas ruas de favelas nem existem
ofi cialmente”, informa o diretor do Instituto
Pereira Passos, Fernando Cavallieri. Segundo
o diretor, a ofi cialização é condição essencial
para que os moradores desses locais possam
reivindicar a prestação de serviços.
Para o pesquisador do Ibase Itamar
Silva, falta continuidade das políticas pú-
blicas: no Rio, o programa de urbanização
Favela-Bairro foi interrompido em muitos
locais. “Nas favelas, muitos equipamentos
novos ou melhorias acabam se tornando
alvo de disputas internas, particulares.
Quem tem força leva”, conta.
Na ausência do poder público, os cri-
minosos assumem o controle dessas áreas.
Esse é um dos principais problemas da se-
gurança pública, na avaliação do tenente
coronel da Polícia Militar do Rio de Janei-
ro Antonio Carlos Blanco. “Do ponto de
vista matemático, não vejo outra solução
que não seja mediante a mobilização das
Forças Armadas”, reconhece.
Neste ano, dados divulgados pelo Institu-
to de Segurança Pública (ISP) revelaram que
o número de homicídios na cidade do Rio de
Janeiro, no primeiro trimestre de 2009, havia
aumentado 8% em relação ao mesmo perí-
odo de 2008. De 1.570 assassinatos passou
para 1.695. Mas a quantidade de mortes em
confrontos com a polícia foi 24% menor do
que no mesmo período de 2008.
Os dados revelam ainda que a violência
em 2008 concentrou-se no interior do es-
tado. Na Região dos Lagos, com sete mu-
nicípios e um dos principais pontos de ve-
raneio, despontara como a área com maior
taxa de homicídios: 36,91 para cada 100
mil habitantes. Além disso, outros dois
pontos do interior chamaram atenção: a
região de Macaé e os cinco municípios do
entorno, com 35,47 homicídios para cada
100 mil habitantes, e o litoral sul fl uminen-
se (entre Mangaratiba e Parati), com 35,37
para cada 100 mil. Para os especialistas, as
taxas da Região dos Lagos e as da área de
Macaé seriam resultado do crescimento
desordenado dessas duas regiões, sobretu-
do em função da exploração de petróleo
na bacia de Campos.
Batidas policiais resultam em mais mortes entre os pobres e...
Marc
ello
Cas
al Jr
/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 41
Violência em São Paulo A pesquisadora do Nú-
cleo de Estudos da Violência da USP Maria
Fernanda Tourinho Peres acredita que a re-
dução das mortes violentas em São Paulo, de
2002 a 2006, pode ter diversas causas, entre
elas a campanha do desarmamento, os tra-
balhos sociais de organizações não-gover-
namentais (ONG) em regiões periféricas de
São Paulo e mudanças nas políticas públicas,
antes voltadas apenas para o combate aos
efeitos da violência. Além disso, o governo
estadual aumentou os investimentos em se-
gurança pública, o que permitiu aparelhar
melhor a polícia, oferecer cursos de capaci-
tação e remunerar melhor os policiais, e o
uso de sistema de análise de dados pela Se-
cretaria de Segurança Pública.
O secretário Nacional de Segurança
Pública, Ricardo Balesteri, concorda com
as hipóteses levantadas e acrescenta mais
uma à lista: o envelhecimento populacio-
nal. “Em todos os países em processo de
envelhecimento da população, há uma
tendência à redução da criminalidade”,
afi rmou. De acordo com o secretário, à
medida que as pessoas envelhecem e fi n-
cam raízes nos locais em que vivem, as on-
das de migração para os grandes centros
diminuem, o que costuma contribuir para
uma situação de menos confl itos.
A migração causada pela expectativa de
abertura de novas vagas de empregos em
Caraguatatuba e Guarujá, principalmente
nos terminais de processamento de gás da
Petrobras, foi um dos motivos apontados
por especialistas para o aumento da vio-
lência nessas cidades em 2008. As duas
foram responsáveis por quase um terço
dos assassinatos no litoral, embora con-
centrem apenas 20% da população dessa
região. Nas 16 cidades que compõem a
costa paulista, o número de homicídios
passou de 253 em 2007 para 270 em 2008,
um aumento de 6,72%.
Segundo estatísticas da Secretaria de
Segurança Pública (SSP), a taxa de homi-
cídios dolosos (com intenção de matar) no
terceiro trimestre de 2008, no estado de
São Paulo, chegou a 10,3 casos por 100 mil
habitantes. O número encontra-se próxi-
mo do de países desenvolvidos, cuja taxa
de mortes considerada aceitável pela OMS
é de 10 por 100 mil habitantes. A tendên-
cia de queda registrada, porém, não durou
muito. Em março deste ano, números di-
vulgados pela SSP comprovavam que não
apenas os casos de homicídio, mas os de
roubos, estupro e latrocínio haviam volta-
do a subir. Entre o primeiro trimestre de
2008 e o primeiro trimestre de 2009, os
roubos subiram 19%, os estupros 33,5%,
os latrocínios 36% e os homicídios, 0,7%.
Causas da violência Pobreza, precariedade
de condições de vida, desigualdade social
e densidade populacional costumam ser
apontados como possíveis causas para a
escalada da violência. A pesquisadora da
USP Maria Fernanda Tourinho Peres afi r-
ma que “é difícil identifi car causas precisas,
em geral são vários fatores combinados”.
No livro “Transições negadas: homicí-
dios entre os jovens brasileiros”, o técnico
do Ipea Hélder Ferreira avalia como uma
série de fatores relacionados à violência
poderia ter infl uenciado na elevação do
número de homicídios no País, sobretudo
de jovens do sexo masculino, nos últimos
vinte anos do século 20. Muitas das hipó-
teses levantadas para explicar a violência
continuam válidas.
Em primeiro lugar estariam fatores es-
truturais que, embora não determinem,
criam bases para que o comportamento
violento se manifeste. É o caso da desigual-
dade urbana. Embora não exista consenso
de que ela cause violência, não resta dúvi-
da de que pessoas de maior poder aquisiti-
vo têm condições de se proteger mais por
meio da compra de bens e serviços para a
sua segurança e da escolha de residência
em áreas mais tranquilas. Outros fatores
estruturais capazes de infl uenciar a gera-
ção de atos violentos incluem a difi culdade
de jovens com nível médio de estudo em
conseguir emprego, a frustração por não
poder adquirir determinados bens de con-
sumo, a redução da capacidade das religi-
ões de infl uenciar o comportamento indi-
vidual e conter os atos violentos e o menor
controle social das famílias sobre os fi lhos.
Algumas mães que saem para trabalhar
não têm com quem deixar os fi lhos. Sem
essa proteção familiar, muitas crianças co-
meçam a frequentar as ruas cedo e acabam
mais vulneráveis à infl uência de infratores
ou grupos violentos.
Algumas questões culturais e circuns-
tâncias desfavoráveis como a maior den-
sidade em áreas pobres também pode-
riam levar a manifestações de violência.
Afi nal, a convivência estreita em espaços
No Rio, homicídios são mais
comuns nas regiões mais
pobres e favelas. Entre os
ricos, ocorrem mais prisões.
Técnicos do Ipea afi rmam
que polícia é responsável por
25% das mortes, devido aos
confrontos com marginais
...prisões entre os mais ricos
Wilson Dias/ABr
Wils
on D
ias/
ABr
42 Desenvolvimento julho de 2009
reduzidos aumenta a possibilidade de
geração de confl itos entre familiares e vi-
zinhos que resultam em agressões físicas
graves. A segregação urbana, decorrente
da falta de planejamento e do aumento
da densidade em certas áreas, também
seria um ponto a se considerar, visto que
poderia produzir territórios fáceis de se-
rem controlados por grupos criminosos.
Há ainda a cultura da “masculinidade”,
cujas regras incluem aceitar confrontos,
arriscar-se e não demonstrar medo, o que
favoreceria ações violentas e exposição ao
perigo. Por fi m, existe o mercado local de
drogas e a impunidade. Quadrilhas dis-
putam a conquista e a defesa de territó-
rios de pontos de venda de drogas com
violência, aliciam jovens “com disposição
para matar”, executam traidores ou opo-
nentes, praticam extorsões e subornam
autoridades. Os lucros do tráfi co, o po-
der dos criminosos e a alta impunidade
acabam por exercer atração sobre alguns
jovens, que enxergam naquela atividade a
possibilidade de enriquecer e conquistar
respeito e reconhecimento.
No terceiro grupo da lista de fatores
capazes de infl uenciar a escalada da vio-
lência ou torná-la mais danosa fi guram o
aumento das armas de fogo entre a popu-
lação, o consumo de álcool e a inabilidade
de expressar sentimentos de raiva verbal-
mente. Pessoas com essa difi culdade para
dizer o que sentem poderiam recorrer ao
uso da violência física, o que não deixa de
ser uma forma de comunicação.
Um último e determinante fator para a
maior incidência de atos violentos é a au-
sência ou a inefi ciência do Estado, que não
garante aos moradores pobres das perife-
rias, em particular, serviços indispensáveis
na área da segurança, saúde, lazer, moradia,
trabalho e acesso aos bens de consumo.
Além disso, o estado de direito se encontra
fragilizado. Predomina a impunidade, o
que torna remota a ameaça de castigo pelas
infrações cometidas e estimula a população
a apoiar grupos de extermínio ou organi-
zações semelhantes em bairros dominados
por quadrilhas. Por outro lado, o próprio
Estado desrespeita a lei ao agir com trucu-
lência contra suspeitos, infratores e teste-
munhas de violência policial.
Custos da violência Determinar as causas
da violência ainda é uma questão sujeita
a debate, porém, não resta dúvida de que
seus efeitos sobre a sociedade e a econo-
mia são devastadores. A dor, o sofrimen-
to e as sequelas psicológicas deixadas nos
parentes e amigos de vítimas de homicí-
dios são incalculáveis. Do ponto de vista
econômico, cada pessoa assassinada sig-
nifi ca perda de investimento em capital
humano (o quanto a pessoa poderia gerar
para a economia durante a vida) e da ca-
pacidade produtiva.
Ter uma estimativa real do custo da vio-
lência no Brasil e mostrar a importância
de dados para que gestores de segurança
pública possam alocar recursos de forma
racional foram os principais objetivos do
estudo “Análise dos custos e consequên-
cias da violência no Brasil”, feito pelos pes-
quisadores do Ipea Daniel Cerqueira, Ale-
xandre Carvalho e Rute Rodrigues, além
de Waldir Lobão, do Instituto Brasileiro de
Geografi a e Estatística (IBGE).
Publicado em 2007, o estudo revelou
que o custo da violência para o País, em
2004, chegou a R$ 92,2 bilhões, o equiva-
lente a 5,09% do PIB ou um valor per capi-
ta de R$ 519,40. Desse total, o setor públi-
co arcou com cerca de um terço (R$ 31,9
bilhões), e o privado, com o restante (R$
60,3 bilhões). A maior parte dos gastos no
setor público se destinou à área de segu-
rança pública (R$ 28,1 bilhões). Outros R$
2,8 bilhões foram para o sistema prisional
e R$ 998 milhões para o sistema de saú-
de. Nas contas do setor privado, também
se computou o custo social gerado ao País
com a perda de capital humano: R$ 23,8
bilhões. Mais R$ 14,3 bilhões foram gas-
tos com segurança privada, outros R$ 12,7
bilhões com seguros, R$ 12,7 bilhões com
seguros e R$ 9,4 bilhões com transferên-
cias por roubos e furtos.
Entre 1997 e 2007, a segurança privada
no País cresceu 73,9% e passou a representar
45,5% do sistema de serviços de segurança,
de acordo com o artigo “Evolução da ocu-
pação no sistema de segurança no Brasil”,
escrito pelo técnico do Ipea André Gambier
Campos. No texto, Campos chama a atenção
para o fato de que os trabalhadores na área
de serviços privados de segurança são me-
nos qualifi cados, porém trabalham mais e
em condições piores do que os que atuam na
segurança pública. Tal situação leva o autor a
perguntar se esses indivíduos na área priva-
da são capazes de proporcionar proteção às
pessoas que contratam seu serviço.
Novas ações Numa tentativa de reverter a
atual situação da segurança pública em
que muitas cidades se tornaram perigosas
em função de ausência do Estado, cres-
cimento desordenado e o baixo nível de
investimentos na área de segurança, o go-
verno adotou duas novas medidas: a Força
Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o
Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (Pronasci).
A FNSP atende às necessidades emer-
genciais dos estados, quando se torna ne-
cessário uma intervenção maior do poder
público ou se detecta a urgência de refor-
ço em locais tomados pela criminalidade.
Criada em 2004, tem atualmente um con-
tingente de oito mil homens e já atuou em
foi o custo da violência para o Brasil em 2004. O valor corresponde a
5,09% do PIB daquele ano. Gastos ajudam a alimentar o negócio da
segurança privada
bilhões de reais
92,2
Desenvolvimento julho de 2009 43
diversos estados para restaurar a ordem
pública, conter rebeliões em presídios,
realizar ações de inteligência e até mesmo
para combater desmatamento.
“A FNSP é uma ideia que deu certo”,
afi rma o secretário Nacional de Seguran-
ça Pública, Ricardo Balestreri. “Ela presta
apoio à polícia local em casos especiais,
mas não a substitui. Além disso, se revelou
muito efi caz na luta conta o desmatamen-
to”, completa.
Lançado em agosto de 2008, o Pronasci
visa articular políticas de segurança com
ações sociais, priorizando a prevenção, e
busca atingir as causas que levam à violên-
cia. Entre os principais eixos do programa
destacam-se a valorização dos profi ssio-
nais de segurança pública, a reestrutura-
ção do sistema penitenciário, o combate
à corrupção policial e o envolvimento da
comunidade na prevenção da violência.
Devido à sua dimensão, recebeu o apeli-
do de PAC da Segurança, numa alusão ao
Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) do governo federal.
Com um total de R$ 6,7 bilhões para in-
vestir até 2012, o programa foi criado para
atender inicialmente a 11 regiões metropoli-
tanas com os mais altos índices de violência
no Brasil: Maceió, Belo Horizonte, Recife,
São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belém,
Vitória, Salvador, Rio de Janeiro e o entorno
do DF. Hoje já conta com a adesão de 96 pre-
feituras espalhadas por todo o país.
No momento, o Pronasci está na fase
de instalação dos Territórios de Paz, o que
signifi ca a retomada pelo Estado de um ter-
ritório dominado pelo crime. “É a presença
do Estado naquela região possibilitando,
inclusive, a chegada de serviços básicos
como água, luz, energia”, explica o secretá-
rio nacional do Pronasci, Ronaldo Teixeira.
Nesses Territórios de Paz se instalam
os Gabinetes de Gestão Integrada Munici-
pais, responsáveis por articular junto aos
órgãos competentes ações integradas de
combate à violência e por em prática uma
série de projetos sociais como o Mulheres
da Paz e Protejo (Programa de Proteção de
Jovens). O primeiro é formado por mulhe-
res escolhidas na comunidade, que fi cam
encarregadas de identifi car jovens em si-
tuação de risco e trazê-los para projetos do
Pronasci. Para isso, recebem uma bolsa de
R$ 190 do governo federal. Os jovens em
confl ito com a lei, por sua vez, são levados
ao Protejo, projeto que pretende afastá-
los da marginalidade por meio de noções
de direitos humanos e cidadania, além de
oferecer oportunidades de participar de
atividades culturais, esportivas e sociais,
dando-lhes uma bolsa de R$ 100.
Segundo o secretário Ronaldo Teixeira,
“o Pronasci está voltado à promoção dos
direitos humanos para intensifi car uma cul-
tura de paz. Não queremos mais enfrentar a
violência tão somente com a repressão, pois
sabemos que violência gera violência. O Pro-
nasci vai retomar a presença do Estado nas
regiões confl agradas voltando a oferecer di-
reitos básicos do cidadão”, resume.
“Ou um morador da favela
tem tanta segurança quanto
eu, moradora da zona sul,
ou nenhum de nós terá
segurança. Esse é o cenário
do Rio, aliás, esse é o
cenário do Brasil”, Ana Paula Miranda,
pesquisadora da Universidade Federal Fluminense
A Força Nacional de Segurança
vem atuando nas regiões
mais violentas em apoio ao
policiamento estadual
O Ministério da Justiça assinou
convênios com 11 estados para
compra de helicópteros e entrega
de bafômetros e armas não-letais
Elza
Fiú
za/A
Br
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Leia no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br) outras publicações sobre segurança
44 Desenvolvimento julho de 2009
ARRECADAÇÃO
Quedas preocupantes
Receita cai pelo 7º mês consecutivo. Mas desta vez, governo tem maior margem de manobra, porque contas públicas e infl ação estão sob controle
G i l s o n L u i z E u z é b i o - d e B r a s í l i a
Desenvolvimento julho de 2009 45
Indústria mergulha na recessão, mas comércio mantém as vendas
Josemar Gonçalves
46 Desenvolvimento julho de 2009
Recessão econômica, queda de arre-
cadação e aumento de gastos for-
mam uma combinação que pode
levar ao desequilíbrio das contas
do setor público. Mas, diante do potencial
devastador da crise internacional, os go-
vernos não tinham outra saída senão in-
jetar dinheiro na economia, via aumento
de gastos, e jogar a questão fi scal para se-
gundo plano. Caso contrário, agravariam a
crise, afi rma Cláudio Hamilton dos Santos,
coordenador de Finanças Públicas do Ipea.
“Num momento de recessão, cortar gastos
públicos é uma má ideia”, resume. Ou seja,
os governos têm que conviver com o des-
conforto da queda de receita e ao mesmo
tempo aumentar investimentos.
De acordo com a Receita Federal do
Brasil, a arrecadação tributária da União re-
gistrou em maio a sétima queda sucessiva,
desde o início da crise internacional. Caiu
6,05% de janeiro a maio de 2009 em relação
a igual período do ano passado e 5,66% no
mês. O pior resultado deste ano, entretanto,
foi o de fevereiro: arrecadação de R$ 44,8
bilhões, 11,13% menor do que a arreca-
dação de fevereiro de 2008. Com a insta-
lação da crise em setembro, a arrecadação
de impostos - excluídas as contribuições
previdenciárias que mantiveram bom de-
sempenho - despencou 25% até dezembro,
encerrando o ciclo de sucessivos recordes
de crescimento. A arrecadação total caiu do
patamar de R$ 63 bilhões mensais para R$
54 bilhões, comenta Santos.
“Isso era de se esperar”, afi rma. É o
resultado da queda de 3,6 % no Produto
Interno Produto (PIB) no último trimes-
tre de 2008 e mais 0,8% nos primeiros três
meses deste ano. “Os principais indica-
dores macroeconômicos que infl uenciam
diretamente a arrecadação de tributos,
em especial a produção industrial, lucra-
tividade das empresas e o volume geral de
vendas no varejo, apresentaram forte de-
saceleração em relação aos fatos geradores
da arrecadação dos primeiros cinco meses
de 2008”, informa a Receita Federal. Quan-
do a economia estava em crescimento, a
arrecadação crescia muito acima do PIB.
Com a recessão, a arrecadação também
sofre maior impacto do que a produção.
Embora haja sinais de leve recuperação
na economia, Santos acredita que a carga
tributária de 2009 será inferior aos 36,2%
estimados para 2008. “A carga tributária
com certeza vai cair neste ano”, prevê.
Nos primeiros cinco meses de 2009, a
União arrecadou R$ 262,3 bilhões. No mes-
mo período do ano passado, entraram nos
cofres federais R$ 279,2 bilhões, segundo a
Receita Federal. A principal causa da queda
da arrecadação é, na avaliação de Santos, a
redução do nível da atividade econômica.
As outras justifi cativas também são decor-
rentes da crise: para enfrentar a recessão, o
governo abriu mão de receitas e as empre-
sas recorreram à compensação de créditos
tributários para reduzir o pagamento de
impostos e fazer caixa diante do cenário ad-
verso. Para José Roberto Afonso, economis-
ta do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), a escassez de
crédito no sistema fi nanceiro levou as em-
presas a postergar o pagamento de impos-
tos e a lançar mão de todos os créditos a que
tinham direito.
Desonerações - Na estimativa da Receita
Federal, a União vai deixar de arrecadar
R$ 10,8 bilhões neste ano por causa das
desonerações feitas pelo governo para en-
frentar a crise: alterou as alíquotas do im-
posto de renda das pessoas físicas, reduziu
tributos para determinados setores mais
atingidos pela crise e está determinado a
adotar novas medidas para reduzir o efeito
da recessão. “É uma postura na linha com
o que tem sido feito nos outros países”,
comenta Santos. O governo brasileiro, res-
salta ele, está fazendo uma política fi scal
anticíclica em consonância com a atitude
de outros países, como os Estados Unidos
e os da União Europeia.
Todos optaram por políticas monetá-
rias e fi scais expansionistas, que signifi -
cam aumento dos gastos públicos, menos
arrecadação e maior endividamento. O
Brasil, porém, está numa situação confor-
tável: infl ação baixa, dívida pública admi-
nistrada e volume expressivo de reservas
internacionais. No passado, o governo,
diante de crises, aumentava juros e cortava
gastos e, com isso, contribuía para agravar
a situação. Mas era necessário, segundo
Cláudio Hamilton dos Santos, porque era
frágil a situação das contas públicas e era
alto o endividamento do setor público em
moeda estrangeira. Se não fi zesse o ajuste,
diz ele, o Brasil naquela época corria o ris-
co de insolvência.
Embora a situação seja mais confor-
tável, Marcio Bruno Ribeiro, técnico da
Diretoria de Estudos Macroecômicos do
Ipea, a queda prolongada de arrecadação
vai, em algum momento, levar o governo a
Incentivos fi scais prorrogados para automóveis
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 47
rever a rigidez do gasto. Aliás, o ministro
do Planejamento, Paulo Bernardo, já falou
da necessidade de cortar gastos para ajustar
as despesas ao novo patamar de receitas. Se
o governo não fi zer um corte drástico de
despesa, ele não consegue o superávit pri-
mário de 2,5% do PIB, afi rma José Roberto
Afonso, que assessora o Senado e a comis-
são de acompanhamento da crise. Pelos cál-
culos do Ipea, no entanto, é possível uma
redução adicional no superávit e manter a
dívida pública controlada. “Os gastos que
mais têm aumentado são os gastos sociais,
que mais trazem retorno em popularidade”,
critica Marcio Bruno Ribeiro, ressaltando,
porém, a importância desses gastos para es-
timular o consumo. “A queda de arrecada-
ção é preocupante”, afi rma o professor Ro-
berto Piscitelli, da Universidade de Brasília.
“Mas o governo tem que manter as medidas
anticíclicas”, acrescenta.
A própria queda de arrecadação, explica
Piscitelli, tem o efeito de uma medida an-
ticíclica ou de ajuste automático da econo-
mia, que signifi ca na prática que o governo
está retirando menos dinheiro da econo-
mia. Ao mesmo tempo, ele coloca mais di-
nheiro com a manutenção dos gastos cor-
rentes. Para ele, o governo precisa rever as
isenções tributárias setoriais, como o feito
para a indústria automobilística e para ele-
trodomésticos. Essas renúncias, ressalta ele,
não resultam em benefício do consumidor
com redução de preços. “O que acaba acon-
tecendo é que a renúncia entra na recom-
posição de lucro”, afi rma.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula
da Silva reclamou que as medidas de deso-
neração não resultam em queda de preços.
“Se fosse para promover um alívio, a
redução de impostos deveria ser para as
pessoas físicas”, diz Piscitelli, para quem o
benefício concedido a setores empresariais
“foi uma opção equivocada” e até injusta:
setores com maior poder de mobilização
conseguem incentivos e outros menos ar-
ticulados nada recebem: “Temo que essa
política provoque injustiça”. Além disso, ele
questiona se não seria preferível investir em
transporte coletivo em vez de fazer conces-
sões à indústria automobilística, sem nem
mesmo exigir contrapartida em emprego.
Entretanto, a política de isenção seto-
rial não explica uma perda tão signifi ca-
tiva de receitas. Desde que foi criado o
real, em 1994, no governo Itamar Franco,
houve dois períodos de retração de re-
ceitas com duração de cinco meses. Uma
sequência de sete quedas é a primeira vez
que acontece, afi rma José Roberto Afon-
so. O pior, segundo ele, é que o resultado
de junho também deve ser negativo. Oito
quedas sucessivas, ressalta ele, só ocorreu
na recessão do governo Fernando Collor.
“Isso indica que estamos atravessando
uma retração da arrecadação tributária fede-
ral sem precedente nos últimos anos e déca-
das”, afi rma o economista. Para ele, esse com-
portamento está “descolado da economia”,
ou seja, a causa não é a isenção de impostos
ou recessão: “Creio que não pagar tributos se
tornou uma forma peculiar de acesso ao cré-
dito diante das difi culdades para obter em-
préstimos bancários tradicionais, inclusive
imagino que se insere nesse contexto muito
do recurso às chamadas compensações tri-
butárias, que foram invocadas por alguns
dos maiores contribuintes do País”.
A Petrobras, que usou compensações tri-
butárias, voltou a pagar impostos em março.
“Mesmo assim, o resultado continuou ruim”,
diz José Roberto Afonso. O fato reforça a tese
de que as empresas estão deixando de pagar
impostos para compensar a falta do crédito
bancário ou lançando mão dos mesmos me-
canismo utilizados pela Petrobras.
Outra questão intrigante é o aumento
da arrecadação da Previdência Social. Para
Cláudio Hamilton dos Santos, trata-se de um
indício de que a crise não afetou o mercado
de trabalho tanto quanto impactou a produ-
ção. Para José Roberto Afonso, a explicação
pode estar na difi culdade de atrasar o paga-
mento das contribuições: “O melhor desem-
penho dessas contribuições também está
ligado ao fato de que, uma parte delas está
sendo paga pelo trabalhador, foi descontada
do salário, e o empregador só é o respon-
sável pela arrecadação. Se ele não recolher
aquela parte, trata-se de um caso clássico e
evidente de apropriação indébita. Só que, na
forma como as contribuições são recolhidas,
não há como o empregador recolher a parce-
la do empregado e não a sua”.
Então, o governo tem que adminis-
trar a escassez, sem abrir mão dos gastos.
Cláudio Hamilton dos Santos compara a
economia brasileira com um doente grave
em convalescença: “Não é hora de suspen-
der o medicamento do paciente”. Afonso
concorda com a necessidade de medidas
anticíclicas. Mas questiona a sua natureza:
o aumento de despesas da União, segundo
ele, está concentrada em pessoal e não em
investimentos. E alerta: são despesas per-
manentes que podem levar o próximo go-
verno a ter que fazer um ajuste fi scal.
Banco Central intensifi ca corte dos juros
O Brasil, porém, está
numa situação confortável:
infl ação baixa, dívida
pública administrada
e volume expressivo de
reservas internacionais.
No passado, o governo,
diante de crises, aumentava
juros e cortava gastos e,
com isso, contribuía para
agravar a situação
Anto
nio
Cruz
/ABr
Mais informações no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br) nas publicações Radar
e Carta de Conjuntura
48 Desenvolvimento julho de 2009
ECONOMIA
Indicadores apontam que a economia brasileira está começando a entrar nos trilhos, depois do baque da crise
internacional agravado pelos juros altos
Em rota de recuperação
Marcello Casal Jr/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 49
Agora não há mais dúvida: o Brasil
está saindo da crise. Há “vários
sinais de que a economia brasi-
leira superou o pior da crise e se
encontra em fase de recuperação”, afi rmou
João Sicsú, diretor de Estudos Macroeco-
nômicos do Ipea, ao divulgar a Carta de
Conjuntura de junho. E nenhum sinal em
sentido contrário. A trajetória de recupe-
ração, reforçou ele, está bastante clara em
todas as variáveis: a indústria começa a re-
compor os estoques, o que leva ao proces-
so de recuperação da atividade produtiva,
e também está contratando mais trabalha-
dores: há dois meses, o saldo dos empre-
gos formais é positivo no setor.
“A queda de estoque foi, em grande
parte, responsável pela queda do PIB no
quarto trimestre do ano passado e no pri-
meiro trimestre deste ano”, afi rmou Sicsú.
Ao adotar a estratégia de reduzir a produ-
ção e atender a demanda com os estoques,
a indústria teria contribuído para reduzir
a atividade econômica. Mas esses estoques
estão se esgotando, o que vai levar a indús-
tria a produzir.
Os últimos dados indicam também
que a indústria está iniciando um movi-
mento de aumento do uso de sua capaci-
dade instalada.
Outro indicador favorável, segundo
Sicsú, é a estabilização da taxa de desem-
prego, com leve queda de 9% para 8,8%, en-
tre março e maio, de acordo com o IBGE, e
também a trajetória crescente de geração de
postos de trabalho no setor formal do mer-
cado. Em maio foram criado 132 mil novos
empregos, de acordo com o Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados do Mi-
nistério do Trabalho e Emprego.
“O que precisamos agora é pensar como
acelerar essa recuperação”, comentou
Sicsú. A questão é defi nir o ritmo dessa re-
tomada, que deve resultar em crescimento
do PIB de 2009, porém menor do que a
previsão de 1,5% a 2,5%, feita no início do
ano pelo Ipea. A previsão será revista para
baixo, porque embutia estimativa de cres-
cimento do PIB no primeiro trimestre.
Conceito - A atual crise pegou o Brasil em
situação bem diferente das vezes ante-
riores. Desta vez, a crise não é de finan-
ças públicas, de choque de oferta nem de
balanço de pagamentos. “Pela primeira
vez, temos uma crise tipicamente keyne-
siana na economia brasileira. Isso ocorre
em função da maturidade da economia
brasileira, que não tem mais as fragili-
dades que impediam que taxas de inves-
timento pudessem crescer e acelerar o
crescimento”, disse Roberto Messenberg,
coordenador do Grupo de Análise e Pre-
visões do Ipea.
Para Sicsú, a recessão no Brasil foi agra-
vada pela política monetária do Banco
Central, que aumentou as taxas de juros a
partir de abril de 2008. “A queda do PIB
no quarto trimestre e primeiro trimestre é
resultante do impacto da crise econômica
e fi nanceira internacional, mas ela tam-
bém é resultado da política monetária que
foi implementada pelo Banco Central no
início do ano passado, quando a taxa de
juros foi elevada”, afi rmou. A estimativa é
que os efeitos de aumento da taxa de juros
ocorram entre seis e nove meses depois,
ou seja, o impacto da elevação dos juros
a partir de abril seria sentido no fi nal de
2008 e início de 2009.
A Carta de Conjuntura atribui três
causas à crise: restrição no crédito inter-
nacional, acumulação indesejada de esto-
que pela indústria e os efeitos da política
monetária, que, de qualquer forma, leva-
ria à desaceleração da economia. “Já era
esperada uma desaceleração do ritmo de
crescimento no quarto trimestre do ano
passado e no primeiro trimestre deste ano,
independentemente de existir a crise”, dis-
se. “A política de elevação de juros faz efei-
to, e não só sobre o lado nominal, sobre a
infl ação. Para ela fazer efeito sobre o lado
nominal, sobre a infl ação, antes ela tem
que fazer efeito sobre o lado real, sobre a
taxa de crescimento. Então, se a taxa de
juros foi elevada, era esperado que tivésse-
mos desaceleração independentemente da
crise”, explicou.
A preocupação central, agora, é com o
crescimento econômico, diz Messenberg.
Para ele, a retomada do crescimento no
setor industrial está limitada pela aprecia-
ção cambial. “O setor que está puxando de
fato a economia para baixo é a indústria.
Essa crise é uma crise da indústria e está
ligada à taxa real de câmbio da economia”,
afi rmou. A apreciação cambial, entretanto,
decorre da saúde das fi nanças brasileiras,
com dívida e balanço de pagamentos ad-
ministrados. Mas essa apreciação deixa
o setor industrial “com sua rentabilidade
deprimida”. Para ele, o governo terá que
desmontar a “armadilha” do câmbio para
dar lucratividade à indústria e assegurar o
retorno dos investimentos.
Com relação aos outros fatores, a Carta
de Conjuntura destaca que o governo vem
tomando medidas de política monetária
para aumentar a liquidez da economia e
também reduziu taxa básica de juros em
4,5 pontos percentuais desde o início do
ano. A redução dos juros, afi rma o docu-
mento, vai afetar positivamente as expec-
tativas, melhorando a confi ança dos con-
sumidores e a demanda por crédito.
A dúvida é saber como fi cam os inves-
timentos, que reagem mais lentamente à
queda dos juros. Além disso, a indústria
deve expandir a produção com o aumen-
to do uso da capacidade instalada, já que
opera com ociosidade. Assim, ela adia os
novos investimentos. No primeiro trimes-
tre deste ano, os investimentos em forma-
ção bruta de capital fi xo caíram 14% em
relação ao último trimestre de 2008. “En-
tre os componentes da absorção interna, o
investimento é o mais sensível aos ciclos
econômicos” e também o mais volátil, afi r-
ma o documento.
“A queda do PIB no quarto
trimestre e primeiro trimestre
é resultante do impacto da
crise econômica e fi nanceira
internacional, mas ela
também é resultado da
política monetária que foi
implementada pelo Banco
Central no início do ano
passado, quando a taxa de
juros foi elevada” João Sicsú
diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea
50 Desenvolvimento julho de 2009
Oresultado da arrecadação
previdenciária destoa do
quadro de crise da economia
brasileira: registrou recor-
de de arrecadação líquida em maio
de 2009, atingindo R$ 14,4 bilhões,
8% acima do arrecadado em maio do
ano passado, e o maior valor mensal
desde 1995, excetuados os meses de
dezembro, informa o Ministério da
Previdência Social. Em cinco meses,
o crescimento foi de 5,8%. “A minha
hipótese é que a folha salarial, como
base para as contribuições que finan-
ciam a Previdência Social, é muito
mais estável do que o faturamento ou
qualquer outra base de incidência”,
diz Helmut Schwarzer, secretário de
Políticas de Previdência Social. Na
crise, o faturamento é mais volátil.
“A primeira variável que a crise
impacta é nos pedidos das empresas e
aí o faturamento diminui”, afirma. No
primeiro período de crise, a empresa
reduz hora extra, recorre a banco de
horas e férias coletivas de forma a evi-
tar a dispensa de trabalhadores quali-
ficados. “A dispensa só vai acontecer
quando tiver a clareza de que a crise
vai durar”, supõe. E normalmente os
empresários dispensam primeiro os
menos qualificados, com salários mais
baixos. “No caso da arrecadação da
Previdência Social, embora nós tenha-
mos um grande número de pessoas
com remuneração na faixa de um ou
dois salários mínimos, as faixas sala-
riais mais elevadas são responsáveis
por maior proporção da nossa arreca-
dação”, explica Schwarzer.
Além disso, o ajuste do mercado
de trabalho no Brasil não foi tão forte
quanto o ocorrido em outros países.
Ou seja, o consumo doméstico ajudou
a manter a atividade do comércio e, em
consequência, o emprego e agora já há
sinais de recuperação do emprego. “No
Brasil nós temos uma recuperação gra-
dativa da confi ança empresarial. Claro
que os setores que dependem da eco-
nomia internacional ainda estão um
pouco cautelosos, mas nós já temos
sinais da recuperação na China, sinais
de recuperação lenta nos Estados Uni-
dos”, pondera o secretário. Até mesmo
o processo de falência da General Mo-
tors e da Chrysler aponta para uma sa-
ída coordenada.
“O setor automotivo inteiro está
sendo reestruturado. Isso vai afetar de
alguma forma o futuro da indústria
automobilística no Brasil. Vai haver
consequência na GM no Brasil, no
tipo de produto que vai ser oferecido,
nas inovações tecnológicas”, afirma.
É um processo de ajuste, com a eco-
nomia reagindo às medidas adotadas
pelo governo. “É importante continuar
com essa política anticíclica. Mas nós
vamos ter novos paradigmas. O pró-
prio presidente do Ipea (Marcio Po-
chmann), numa reunião interna que
nós tivemos, assinalou com bastante
propriedade que estamos caminhando
para uma nova constelação, novos pa-
radigmas tecnológicos vão ser utiliza-
dos, novos setores estarão emergindo
e vão liderar o crescimento e o desen-
volvimento econômico”, conta. Nessa
nova fase, não serão mais os setores
tradicionais os grandes geradores de
emprego.
Na crise, a Previdência Social foi um
dos instrumentos de política anticíclica
do governo, que reajustou o valor dos
benefícios e do salário mínimo, que
também serve de piso para aposentado-
rias e pensões. Schwarzer lembra que o
pagamento de benefícios, com reajuste,
se enquadra na visão keynesiana segui-
da pelo Brasil. “Nós não deixamos de
reajustar os benefícios por causa da cri-
se, alguns países deixaram de reajustar,
nós não deixamos de fazer o reajuste do
salário mínimo, alguns países deixaram
de fazer”, relata.
Embora tenha aumentado a arre-
cadação, nos primeiros meses da cri-
se houve um período de estagnação.
Com isso, a previsão de equilíbrio
entre despesas e receitas previdenciá-
rias na área urbana em 2009 não será
alcançada. Ficou para 2010 ou 2011,
segundo ele. As perspectivas, porém,
não são das piores: “Nós estamos ten-
do uma formalização importante das
pequenas e microempresas em função
da legislação do Simples Nacional.
Provavelmente isso vai resultar numa
diminuição da renúncia previdenciá-
ria”, comenta.
Previdência Social: Receita em crescimento
Schwarzer: contribuições estáveis
Antônio Cruz/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 51
ARTIGO
Há mais de duas décadas, a Cons-
tituição tem proclamado o meio
ambiente como um direito fun-
damental de caráter intergera-
cional. Tal conquista, apesar de válida, ain-
da é tímida. O desafi o do desenvolvimento
sustentável se apresenta como incógnita,
não somente para as gerações presentes e
futuras, mas também para os três poderes
da República nos diversos níveis da fede-
ração brasileira (União, Estados e Distrito
Federal e municípios).
Um exemplo desse momento crítico
pode ser representado pelos debates par-
lamentares dos últimos 6 anos em torno
do Projeto de Lei Complementar n.˚ 12,
de 2003. Trata-se de proposição legislati-
va que busca suprir as lacunas da ausência
de defi nição dos limites e possibilidades
de cooperação institucional entre os entes
federativos para fi ns de licenciamento de
atividades potencialmente infl uentes so-
bre o meio ambiente.
Na prática, são duas as principais mo-
difi cações sugeridas por esse PLC. A pri-
meira é a uniformização dos parâmetros
administrativos dos sistemas nacional,
regionais, estaduais, distrital e municipais
de licenciamento, de maneira a evitar a
sobreposição de competências federativas.
Aqui, há uma verdadeira “guerra ambien-
tal”, muitas vezes protagonizada nas inú-
meras instâncias judiciais, pelo controle do
poder de outorga de licenças. A segunda
consiste na instituição do regime jurídico
e político de estabelecimento e fi scalização
dos critérios técnicos para a expedição e
renovação de licenças ambientais. Ou seja,
trata-se de medida voltada para aquilo
que, impropriamente, tem se denominado
de “choque de gestão” entre o desenvol-
vimento econômico e a sustentabilidade
ambiental.
Não se nega que o problema é de ordem
administrativa, econômica e ambiental (ao
mesmo tempo). Afi nal, é importante e útil
que o modelo de licenças seja efi ciente e
permita um controle técnico sobre ações
ambientalmente infl uentes. Como suges-
tão, todavia, indicam-se, pelo menos, ou-
tras duas dimensões.
Inicialmente, poder-se-ia questionar
a própria configuração democrática das
atividades administrativas de licença
ambiental. O licenciamento é, a um só
tempo, instrumento de gestão soberana
de políticas públicas e de exercício legíti-
mo da cidadania. Trata-se de ferramenta
de controle técnico e social que precisa
estar municiada de conformação jurídi-
ca que permita análise íntegra acerca da
legitimidade, ou não, das opções estra-
tégicas de desenvolvimento do País, de
acordo com a concepção de sustentabi-
lidade ambiental que ostentem. E essa
avaliação deve se desdobrar por meio
de procedimentos públicos, fundamen-
tados e realizados em tempo razoável. A
discussão interfederativa em questão é
oportunidade especial para que os cida-
dãos em geral, os empreendedores e os
movimentos sociais interessados sejam
empoderados com trunfos contra pri-
vilégios de uma administração que, não
raro, tem confundido discricionariedade
com arbitrariedade.
Em uma segunda dimensão, poderia
entrar em jogo uma articulação criati-
va da cooperação federativa em matéria
ambiental a respeito dos instrumentos de
controle social e de governança pública
que podem (ou devem) contribuir para a
ampliação da transparência e da publici-
dade dos atos estatais de licença ambien-
tal. Uma discussão mais aprofundada so-
bre a questão do licenciamento deveria se
afastar da invocação recorrente de duas
visões extremas que reduzem as múltiplas
facetas desse amplo dilema interfederati-
vo. De um lado, o desenvolvimentismo
ecologicamente irresponsável; e, de outro,
o ambientalismo míope quanto às demais
dimensões socioeconômicas e culturais
da vida humana.
Eis aí um excelente campo experimen-
tal para a redefi nição de um combalido fe-
deralismo que, em matéria ambiental, tem
se caracterizado por infrutíferas disputas
ideológicas e federativas. Tais olhares pou-
co contribuem para a compreensão dos
complexos temas constitucionais envolvi-
dos nesse assunto. Isoladamente, elas não
propiciam desenvolvimento, nem susten-
tabilidade no passado, no presente e, tam-
pouco, no futuro.
Daniel Vila-Nova é jurista e chefe de gabinete da Subsecretaria de Desen-
volvimento Sustentável da SAE/PR.
O federalismo pede licença
D a n i e l V i l a - N o v a
Desenvolvimento julho de 2009 51
52 Desenvolvimento julho de 2009
DESENVOLVIMENTO
Projetos indicam caminho
Desenvolvimento julho de 2009 53
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros durante reunião com governadores do Norte e Nordeste, no Palácio do Planalto
José Cruz/ABr
À busca de um modelo para desenvolver as regiões mais pobres e superar as desigualdades
G i l s o n L u i z E u z é b i o - d e B r a s í l i a
54 Desenvolvimento julho de 2009
O professor Mangabeira Unger
trocou o cargo de ministro da
Secretaria de Assuntos Estraté-
gicos da Presidência da Repúbli-
ca pela cadeira de professor na Universi-
dade de Harvard, nos Estados Unidos.
Mas deixou ao governo uma diversidade
de projetos e propostas, que vão da re-
forma do ensino médio ao desenvolvi-
mento das regiões mais pobres do País.
Nos últimos meses como ministro, Man-
gabeira tentava concretizar um plano de
desenvolvimento da região Nordeste.
“Não há solução para o Brasil sem solu-
ção para o Nordeste”, repetia. Depois de
andar pelo interior da região e conver-
sar com governadores, administradores
municipais, empresários e movimentos
sociais, ele elaborou o projeto Nordes-
te, que deve ser objeto de reunião, ainda
neste mês, dos governadores dos estados
nordestinos com o presidente Luiz Iná-
cio Lula da Silva.
O projeto pressupõe “um modelo que
transforma a ampliação de oportunida-
des economicas e equitativas no motor
do crescimento, e com isso, enquadra o
social na maneira de organizar o eco-
nômico”, explica Mangabeira. No docu-
mento “O desenvolvimento do Nordeste
como projeto nacional”, elaborado com
a colaboração dos governos estaduais,
são apresentadas diretrizes de política
industrial, com foco nas pequenas e mé-
dias empresas, e agrícola para a região.
O documento propõe “um choque de
ciência e de tecnologia no Nordeste”, e
investimentos em infraestrutura, princi-
palmente na construção de estradas para
acabar com o isolamento de determina-
das localidades.
Estão previstas 11 ações imediatas,
como a criação de uma agência de em-
preendedorismo, para dar apoio a quem
quiser montar uma empresa, e de um ór-
gão, dentro da Sudene, para ajudar no de-
senvolvimento de cadeias produtivas em
torno de grandes projetos, e a instituição
de um programa de ciência, tecnologia e
inovação para o Nordeste.
Na avaliação de Mangabeira, o projeto pre-
cisa ser consolidado ainda neste ano, de forma
que se torne um plano do Estado a ser segui-
do pelos próximos governos. Se depender da
governadora do Maranhão, Roseana Sarney, a
implantação do projeto começa por lá. “A go-
vernadora e o secretariado achamos o plano
extremamente bem formulado e mostramos
que o melhor laboratório é o Maranhão”, diz o
secretário de Planejamento, Gastão Vieira. Há
grandes empresas e projetos de investimentos
no Estado, como a Alcoa, a Vale, a Hidrelétri-
ca de Estreito e a Refi naria da Petrobras, que
podem ser usados para ancorar o desenvol-
vimento de cadeias produtivas de pequenas
e médias empresas, no modelo pensado por
Mangabeira. Um dos principais pontos do
projeto é o desenvolvimento das pequenas
empresas, o mesmo objetivo perseguido pelo
Maranhão, segundo Gastão Vieira.
Bruno Cruz, diretor adjunto de Estu-
dos Regionais e Urbanos do Ipea, lem-
bra que é importante incluir as ações
para o desenvolvimento do Nordeste no
Plano Plurianual (PPA) para assegurar
os recursos e dar efetividade ao plano.
O grande mérito do projeto em estudo,
segundo ele, é consolidar o planejamen-
to, atividade esquecida nas últimas déca-
das devido à infl ação e crises. O último
plano de desenvolvimento do Nordeste
foi formulado por Celso Furtado, há mais
de 50 anos, e resultou na criação da Su-
perintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (Sudene).
“Toda ideia que tem o objetivo de
planejar o desenvolvimento da região
merece a atenção de todos”, afirma o de-
putado Mendonça Prado (DEM-SE). As
graves desigualdades regionais, segundo
ele, impõem a necessidade de um pla-
no de desenvolvimento especialmente
para o Nordeste. Para o deputado Eudes
Xavier (PT-CE), o desenvolvimento do
Nordeste deve ser contemplado num
plano que permita o desenvolvimento
igualitário de todas as regiões do País.
Ele ressalta que o projeto Nordeste foi
desenvolvido a partir de ampla discus-
são com a sociedade e da colaboração
dos três níveis de poder.
“Projeto é um modelo que
transforma a ampliação
de oportunidades
econômicas e equitativas
no motor do crescimento,
e com isso, enquadra o
social na maneira de
organizar o econômico”
Antô
nio
Cruz
/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 55
O desenvolvimento do Nordeste exigirá a trans-
ferência de recursos para região, dentro de um pla-
nejamento de longo prazo. Todas as ações, segundo
a proposta, devem estar enquadradas nesse planeja-
mento para que tenham os resultados desejados. “Não
adianta recurso sem planejamento, nem planejamen-
to sem recurso”, argumenta Mangabeira. A proposta é
que os grandes projetos industriais sejam concebidos
e implementados de maneira a transformar a vida da
sociedade local, e não tenham como critério a explo-
ração de mão-de-obra barata.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos participou
ativamente também da elaboração do Plano Amazônia
Sustentável, que prevê a regularização fundiária na re-
gião e recuperação de áreas degradadas como condição
para o desenvolvimento, e do projeto de defesa nacio-
nal. De todo os projetos de desenvolvimento regional,
o do Centro-Oeste foi “o que menos andou”, segundo
Mangabeira. Ele, porém, deixou uma proposta que
prevê a diversifi cação da produção e desconcentração
de oportunidades, com a instalação de indústrias na re-
gião, recuperação de áreas degradadas, e obras de infra-
estrutura para facilitar o escoamento da produção.
Diretrizes do projeto Nordeste:
Política industrial
– o foco da política industrial deve ser as empresas pe-
quenas e médias, e não microempresas. Precisam de
acesso ao crédito, à tecnologia e aos mercados nacionais
e estrangeiros. Proposta: criação de uma instituição pan-
nordestina para adaptação e transferência de tecnologia
a pequenas e médias empresas, utilização dos bancos pú-
blicos para ampliar a oferta de crédito e abertura de um
canal direto para exportação.
Agricultura irrigada e de sequeiro
– é parte integrante de uma estratégia de desenvolvimento
sustentável com inclusão social. A estratégia de desenvol-
vimento agrícola no Nordeste tem como objetivos dar à
agricultura familiar atributos empresariais, agregar valor
ao trabalho no campo e construir uma classe média ru-
ral forte. Proposta: criação de fi nanciamento subsidiado
duradouro para agricultura irrigada, até que a atividade
seja autosustentável. Já a agricultura de sequeiro depende
de tecnologia, aproveitamento do solo, sementes adapta-
das à região e da industrialização da produção. O projeto
prevê a organização da comercialização dos produtos, da
ajuda técnica e popularização dos instrumentos de fi nan-
ciamento agrícola.
Capacitação
– dar um choque de ciência e tecnologia no Nordeste.
As escolas técnicas federais indicam o caminho para uma
educação renovada que fortaleça a cultura científi ca e
tecnológica. Fortalecer o ensino médio na região.
Unifi car o Nordeste fi sicamente
– adotar ações para integração das bacias hidrográfi cas,
construção de ferrovias e rodovias para acabar com o iso-
lamento de alguns municípios.
Projetos industriais
– repensar e reorientar o papel dos grandes projetos in-
dustriais na estratégia de desenvolvimento. Eles são fun-
damentais para a estratégia de desenvolvimento e devem
ajudar a transformar a vida econômica e social onde se
instalam, possibilitando a formação de uma cadeia pro-
dutiva na região. Os investimentos não podem se basear
no trabalho barato.
Investimento em infraestrura é fundamental
Antônio Cruz/ABr
Pedr
o Bi
ondi
/ABr
56 Desenvolvimento julho de 2009
AQUECIMENTO GLOBAL
Vegetações naturais são destruídas todo ano pelas queimadas
Desenvolvimento julho de 2009 57
Regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste serão as mais prejudicadas com aumento da temperatura
R u b e n s S a n t o s - d e G o i â n i a
Campo minado
Antônio Cruz/ABr
58 Desenvolvimento julho de 2009
Estudo sobre o aquecimento global
estima um impacto negativo entre
0,8% e 3,7% na produção agrícola
brasileira para o período entre 2040
e 2069. O impacto será consideravelmen-
te maior e mais severo entre os anos 2070
e 2099, quando a produção será reduzida
em até 26% em conseqüência da elevação
da temperatura e da redução das precipita-
ções por causa do aquecimento.
As evidências constam do estudo As-
sessing the impact of climate change on the
brazilian agricultural sector, de José Feres,
Eustáquio Reis e Juliana Speranza, técnicos
do Ipea. A pesquisa também conclui que
os efeitos negativos do aquecimento global
e o fenômeno climático produzirão danos
tanto em termos de produtividade agríco-
la quanto de valorização da terra. Outras
consequências são o comprometimento da
agricultura familiar, gerando sérias seque-
las sociais, e movimentos migratórios da
zona rural para as grandes cidades.
“Entre as severas consequências exa-
minadas prevê-se a queda no rendimento
de algumas culturas, o que resultará num
expressivo impacto negativo no desenvol-
vimento econômico, podendo aumentar a
pobreza e reduzir a capacidade das famílias
de investir num futuro melhor”, afi rma o
pesquisador José Feres. “Num contexto
semelhante, e avaliando os impactos eco-
nômicos das mudanças climáticas sobre as
atividades na agricultura, é de fundamental
importância a formulação de políticas pú-
blicas que visem mitigar seus efeitos”, disse.
Na pesquisa, Feres, Reis e Speranza em-
pregam modelos climatológicos de médio
(2040-2069) e longo prazos (2070-2099), e
de temperatura de ano a ano (1970 e 1995).
E concluem que as áreas de produção de soja
são as mais vulneráveis ao impacto negativo,
que poderá comprometer o setor agrícola.
Mas o estudo também aponta que algumas
regiões sairão ganhando com as mudanças
climáticas. A região Sul, por exemplo, com
solo fértil e temperatura amena, terá ganho
em rentabilidade. Já a região Sudeste tende
a apresentar um resultado neutro. “As con-
sequências provocadas pelas mudanças cli-
máticas indicam que as regiões Norte, Nor-
deste e Centro-Oeste serão as mais afetadas,
enquanto as regiões Sul e Sudeste seriam as
mais benefi ciadas”, afi rma José Feres.
Olho no Futuro - “Pesquisas como essa, que
avalia os impactos das mudanças climá-
ticas sobre a produtividade agrícola, são
muito importantes para o futuro do País”,
avalia a pesquisadora Emilia Hamada, da
Embrapa Meio Ambiente, técnica da área
de sensoriamento e geoprocessamento em
Jaguariúna, interior de São Paulo. “Con-
tribui como alerta, como subsídio para
políticas públicas e estímulo às pesquisas
sobre culturas mais resistentes, e novas va-
riedades, que muitas vezes demandam 10
anos de estudos”, afi rmou.
O maior prejuízo para o Norte, Nor-
deste e Centro-Oeste também resultará do
desmatamento intenso nessas regiões devi-
do à expansão das plantações de soja e da
pecuária. Pesquisa da Universidade Federal
de Viçosa (UFV), de Minas Gerais, indica
que a plantação de soja na região Norte é
mais agressiva ao meio ambiente do que a
pecuária intensiva. Houve, segundo a pes-
quisa, redução de 15,7% nas chuvas devido
à substituição de uma área de fl oresta por
uma plantação de soja no município de Pa-
ragominas, no Interior do Pará.
Liderados pelo professor Marcos Heil
Costa, do Departamento de Engenharia
Agrícola do Centro de Ciências Agrárias
da UFV, os pesquisadores também consta-
taram que a troca da plantação de soja por
pastagens provocou queda da precipitação
pluviométrica de 3,9%, ou cerca de quatro
vezes menos do que a soja. “O desmata-
mento da fl oresta ocorre, nos últimos 20
anos, para formação de pastagens, mas as
plantações de soja também estão em cres-
cimento na região”, diz Marcos Heil Costa.
Segundo ele, entre 2000 e 2005 as áreas
ocupadas pela soja cresceram 15%.
O pesquisador Paulo Moutinho, coor-
denador do Instituto de Pesquisa Ambien-
tal da Amazônia (Ipam), afi rma que há
relação entre o desmatamento na região
e os preços das commodities agrícolas:
a expectativa de lucro leva ao aumento
da destruição de fl orestas. Porém, ocorre
uma redução nas taxas de desmatamento
quando há combinação entre campanhas
de esclarecimento contra o desmate e fi s-
calização intensa. “O que temos de fazer
como sociedade é escolhermos o futuro
que queremos para a região Norte e cobrar
ações como a criação de Unidades de Con-
servação”, afi rma Moutinho.
Exemplo - Enquanto aumenta a devastação
nas diversas regiões do País, a prefeita de
Alta Floresta, no Mato Grosso, garante:
“Aqui não tem desmatadores”, diz Maria
Isaura Dias Alfonso. “Já reduzimos em
93% as queimadas e os desmatamentos
estão proibidos”. Ela conta que nos anos
1980 colonos foram atraídos para a re-
gião de Alta Floresta pela oferta de terra:
o governo dava o título de posse median-
te o compromisso de desmatamento de
pelo menos 50% da área. O resultado foi
um imenso desmatamento e Alta Floresta
entrou para a lista dos 43 municípios que
mais derrubam árvores no País.
Desertifi cação - Na região Centro-Oeste, a
monocultura e a ocupação intensiva do solo
estão resultando em desertifi cação da região
“O que temos de fazer como
sociedade é escolhermos o
futuro que queremos para a
região Norte e cobrar ações
como a criação de Unidades
de Conservação”Paulo Moutinho
Wilson Dias/Abr
Roosewelt Pinheiro/Abr
Cultivo da soja ajuda a desequilibrar a natureza
Desenvolvimento julho de 2009 59
Novas espécies
para enfrentar o calor
Atentos às mudanças climáticas, os téc-
nicos da Embrapa se esforçam para desen-
volver novas variedades de plantas mais
resistentes e que se adaptem melhor às
adversidades. Leonardo Melo trabalha há
cinco anos no desenvolvimento de espé-
cies com resistência a altas temperaturas,
no laboratório da instituição no municí-
pio de Santo Antonio de Goiás. As plantas
têm mecanismos de tolerância à seca: a
raiz é mais profunda e as folhas são mais
espessas. A maior difi culdade é com o fei-
jão: “Vamos precisar de uns cinco a dez
anos para obter o feijão em escala comer-
cial”, estima Leonardo Melo. Obter uma
espécie resistente de feijão é fundamental
para a lavoura nas regiões do semi-árido
do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Os impactos do aquecimento global
também são objeto de estudo na área de
saúde: o médico Ulisses Confaloniere, da
Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/
Fiocruz), coordena um grupo de pesquisa
multidisciplinar para identifi car eventuais
vulnerabilidades da população às mudan-
ças climáticas. O objetivo da pesquisa é dar
ao Estado instrumentos para o estabeleci-
mento de políticas públicas adequadas ao
novo cenário.
“As alterações no clima estão inter-
ferindo em determinadas doenças, e o
problema é que essas alterações, num
ambiente já alterado e despreparado, po-
dem causar consequências bastante radi-
cais em uma região”, diz Confaloniere. “É
preciso estar atento”, aconselha.
O estudo do Ipea também revela, no
capítulo sobre os impactos estimados,
que, devido à elevação da temperatura,
as perdas na agricultura, na região Ama-
zônica, deverão girar em torno de 35%,
no médio prazo (2040 e 2069), e de 65%
no longo prazo (2070 e 2099). Na região
Centro-Oeste, as perdas para a produção
agrícola devem fi car entre 25%, no médio
prazo, e 75% no, longo prazo.
Uma das saídas para as populações
mais pobres será a migração das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais
afetadas, para as regiões Sul e Sudeste,
que, na previsão dos técnicos, são benefi -
ciadas pelo aquecimento global.
sudoeste de Goiás, a mais fértil do estado.
O fenômeno é mais visível na área entre as
cidades de Jataí, Rio Verde, Serranópolis e
Palestina, de acordo com pesquisa do Ins-
tituto do Trópico Subúmido (ITS) da Uni-
versidade Católica de Goiás (UCG).
É na região sudoeste que Goiás produz
grande quantidade de grãos, como soja e
milho, e concentra a maior parte dos in-
vestimentos em agroindústria do estado.
Com o processo de grandes monocultu-
ras e a retirada do capeamento vulcânico
(terra roxa) a partir da década de 70, está
afl orando na região o deserto de Botu-
catu. Subterrâneo, o chamado deserto
de Botucatu começa na região Centro-
Oeste e vai até o Uruguai. O ITS aponta
dados da Organização da Nações Unidas
(ONU), que indicam o crescimento do
deserto a uma taxa de 10% ao ano.
Baseado em dados do Laboratório de
Processamento de Imagens e Geoproces-
samento (Lapig), da Universidade Federal
de Goiás (UFG), o pesquisador Nilson
Clementino Ferreira garante que até 2050
a taxa de destruição do bioma do cerrado
deverá saltar de 39% para 47% em núme-
ros absolutos. “Porém, a abertura de áreas
para pastagens e agricultura e, principal-
mente, o avanço da cana-de-açúcar de-
vido à demanda pelos biocombustíveis,
podem tornar a devastação ainda maior
se se computar as áreas degradadas”, disse
Ferreira. “Neste caso, as projeções de de-
vastação variam entre 70% e 80%”.
Para o pesquisador e arqueólogo Al-
tair Salles Barbosa, da Universidade Ca-
tólica de Goiás (UCG), oriundo do Smi-
thsonian Institution, além da agricultura
comercial e do biodiesel, há outros vilões
que marcam a região por uma ocupação
desordenada de espaços: “Infelizmente,
a falta de uma política adequada para o
meio ambiente tem colocado em risco
todo o patrimônio natural dessa região”.
“A política de desenvolvimento aplicada
no cerrado, considerado a última gran-
de fronteira para a produção de grãos,
não é a mais adequada”, afi rma.
O processo de desertifi cação também
tem sido observado na região Nordeste,
apontada pela pesquisa de Feres, Reis e
Speranza como uma das três regiões do
País que saem perdendo com as mudan-
ças climáticas. Uma área de 7.694 km2 no
interior do Piauí está em erosão. O cenário
de degradação foi causado pela exploração
de um garimpo de diamantes, agropecu-
ária e longos períodos de seca na região.
Segundo pesquisadores da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), mesmo assim,
chove mais na região do que em outras lo-
calidades do estado, e a quantidade de fós-
foro é maior 20 vezes quando comparada
com áreas de solos produtivas. Em tese, a
terra seria fértil se não fossem as erosões.
Marc
ello
Cas
al Jr
/ABr
60 Desenvolvimento julho de 2009
EQUIDADE
Desenvolvimento julho de 2009 61
Osistema tributário brasileiro é
injusto e contribui para a perpe-
tuação e o aprofundamento das
desigualdades sociais, constata o
estudo “Indicadores do Sistema Tributário
Nacional”, elaborado pelo Observatório da
Equidade, órgão do Conselho de Desen-
volvimento Econômico e Social (CEDES).
O documento recebeu parecer favorável
durante a 30ª Reunião Plenária do CDES,
realizada em 4 de junho, em Brasília.
De acordo com o Observatório, a in-
justiça tributária materializa-se, principal-
mente, no fato de que quem ganha menos
(trabalhadores assalariados e pobres) paga
mais, favorecendo proprietários e aplica-
dores, que, proporcionalmente, recolhem
menos impostos. Essa realidade, que se
manifesta também territorialmente, é de-
corrência de cinco características que se
interrelacionam: o sistema tributário é
regressivo e a carga é mal distribuída; o
retorno social é baixo em relação à carga
tributária; a estrutura tributária inibe as
atividades produtivas e a geração de em-
prego; o pacto federativo é inadequado em
relação às suas competências tributárias,
responsabilidades e territorialidades; e, fi -
nalmente, não há cidadania tributária.
Esse quadro “denuncia de forma con-
tundente as consequências e a natureza
estrutural das iniquidades no Brasil. Isto
porque o sistema tributário se constitui
em instrumento de reprodução de justiça
ou injustiça na forma de apropriar e (re)
distribuir a riqueza nacional”.
De acordo com os autores do texto, “a
reprodução estrutural da fragilidade social
é demonstrada pela diferença entre o que
pagam de tributos os que ganham menos e
os que ganham mais, entre o que é arreca-
dado e o que é investido em políticas públi-
cas para a população em maior grau de fra-
gilidade, assim como na falta de visibilida-
de dos impostos embutidos em produtos e
serviços que a maioria da população paga”.
Sistema tributário
injusto
M a r c e l o M a i o l i n o M a r t i n s - d e B r a s í l i a
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social conclui que tributação perpetua desigualdades
Fabio Pozzebom/ABr
62 Desenvolvimento julho de 2009
Vargas, estimam que a proposta do go-
verno, se aprovada, terá impactos signi-
fi cativos no aumento da renda per capita,
do produto interno bruto e no emprego.
De acordo com o documento, a criação
do IVA (Imposto sobre o Valor Agrega-
do Federal), em substituição aos tribu-
tos cumulativos como o PIS, Cofi ns e o
ICMS, a desoneração tributária completa
dos investimentos e da folha de pagamen-
to das empresas vão impactar positiva-
mente a economia.
Conscientização - Para Antoninho Trevi-
san, membro do Conselho e um dos que
colaboraram na elaboração do documento
do Observatório da Equidade, a sociedade
precisa ser informada sobre o quanto paga
de tributos indiretos. “Sem essa conscien-
tização”, diz, “não haverá mobilização e,
portanto, será difícil fazer com que o Con-
gresso, os estados e os municípios refl itam
a unanimidade que o trabalho do Obser-
vatório da Equidade refl ete em relação à
questão fi scal”.
“Trata-se, sem dúvida, de um docu-
mento histórico. Pela primeira vez, temos
um trabalho claro, acessível, que demons-
tra, com isenção e sem comprometimen-
tos partidários, que o sistema tributário
brasileiro é inadequado”, diz, acrescentan-
do que de sua elaboração participaram,
efetivamente, todos os setores da socieda-
de (empresários, governo, trabalhadores,
academia), o que assegura legitimidade
ao documento. Para o empresário, o pri-
meiro passo para se avançar na direção
do que o CDES propõe, antes mesmo da
reforma tributária, é procurar reduzir os
impostos indiretos. Injustos, eles incidem
sobre o produto e, portanto, são cobrados
de todos que consomem, independente-
mente da renda.
Para o diretor de Estudos Sociais do
Ipea, Jorge Abrahão, o grande mérito do
estudo elaborado pelo corpo técnico do
Observatório da Equidade é a “quantifi ca-
ção de uma realidade e, consequentemen-
te, a possibilidade de, daqui a um ou dois
anos, à luz de uma nova pesquisa, poder
dizer se o Brasil avançou ou regrediu” na
questão da equidade tributária.
Abrahão diz que o brasileiro sempre
reclama que paga muito imposto, mas,
na verdade há uma má distribuição da
carga tributária. Para exemplificar, ele
diz que o documento elaborado pelo
Observatório mostra que, de fato, a
maioria da sociedade paga demais, en-
quanto uma pequena parcela, a dos mais
ricos, paga de menos. “O setor que se
sustenta sobre o patrimônio não paga
imposto. Recolhe, mas não paga, na ver-
dade, porque repassa para o preço final
ao consumidor o custo dos tributos”,
exemplifica. O estudo do Observatório,
comenta ele, oferece à sociedade infor-
mações qualificadas e quantificadas para
que essa discussão se dê de maneira am-
pla, entre todos os setores sociais, sem as
tendências partidárias.
O estudo do Observatório ressalta
que um sistema tributário justo “deve
Para a professora de Economia da
Universidade Federal de Pernambuco,
Tânia Bacelar, qualquer tentativa de mu-
dar o sistema tributário, tornando-o mais
justo, esbarrará no Congresso Nacional e
nos governos estaduais e municipais. “Em
uma federação tão grande e diversifi cada,
qualquer mudança incomoda alguém”,
explica, citando o caso do Imposto sobe
Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), que, no Brasil, ao contrário do
que ocorre em todos os países que cobram
tributo semelhante, é arrecadado pelo es-
tado produtor e não pelo estado consu-
midor. “Assim, São Paulo, justamente o
estado mais industrializado, recolhe um
percentual sobre tudo o que vende para
as demais unidades da federação”, diz a
economista, membro do CDES e ex- se-
cretária de Fazenda de Pernambuco.
De fato, reforma tributária é um tema
sobre o qual o Congresso Nacional já se
debruçou várias vezes, nas últimas déca-
das. Em vão. Desde 2007, um projeto de
autoria do Executivo tem sido discutido
e sucessivamente alterado, recosturado e
retardado em sua tramitação. A poucos
dias do recesso parlamentar de julho, o
governo ainda tentava articular com os
líderes dos partidos políticos um novo
texto de consenso.
Entre as propostas está a transferência
da cobrança do ICMS da origem para o
destino, corrigindo a distorção apontada
por Tânia Bacelar.
Outras mudanças propostas são a cria-
ção de uma única legislação nacional; a
redução do volume de tributos e a desone-
ração das folhas de pagamentos e investi-
mentos. Há, também, a intenção, por parte
de algumas correntes, de vincular certas
receitas a gastos específi cos, como educa-
ção, saúde e previdência, um complicador
a mais na negociação.
No estudo “Avaliação dos impactos
macroeconômicos e de bem-estar da
reforma tributária no Brasil”, os eco-
nomistas Ricardo de Castro Pereira, da
Universidade Federal do Ceará, e Pedro
Cavalcanti Ferreira, da Fundação Getúlio
Trevisan: documento histórico
Roosewelt Pinheiro/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 63
A distribuição da carga tributária desrespeita o princípio da equidade. Em decorrência do elevado peso dos tributos sobre bens e serviços na arrecadação, pessoas que ganhavam até dois salários mínimos em 2004 gastaram 48,8% de sua renda no pagamento de tributos. Já o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos correspondia a 26,3%.
O retorno social é baixo em relação à carga tributária. Dos 33,8% do PIB arrecadados em 2005, apenas 9,5% do produto retornaram à sociedade na forma de investimentos públicos em educação, saúde, segurança pública, habitação e saneamento.
Há grande número de tributos, tributação em cascata, tributação da folha de pagamentos, excesso de burocracia, defi ciências dos mecanismos de desoneração das exportações e dos investimentos. Tudo isso desestimula as atividades produtivas e a geração de empregos.
A distribuição de recursos no âmbito da federação não se orienta por critérios de equidade. O desenho das transferências entre esferas de governo, ao invés de perseguir a equalização entre os montantes de recursos à disposição das unidades locais, tende a favorecer a desigualdade. Em 2007, o maior orçamento per capita municipal do país superou em 41 vezes o menor orçamento por habitante. Descontadas as transferências intergovernamentais, essa proporção cai para 10.
Não se verifi cam as condições adequadas para o exercício da cidadania tributária. Como os tributos indiretos são menos visíveis que as incidências sobre a renda e a propriedade, é disseminada na sociedade brasileira a crença de que a população de baixa renda não paga impostos. Em decorrência, as políticas públicas orientadas para a redução das desigualdades e dos índices de pobreza são vistas como benesses até mesmo pela população carente.
Observatório da Equidade destaca cinco pontos críticos do sistema tributário brasileiro:
ter como princípio norteador a equida-
de”, segundo a qual o ônus fi scal deve
ser distribuído de maneira progressiva:
aqueles que contam com maior nível de
rendimento e estoque de riquezas devem
contribuir proporcionalmente mais com
o pagamento de tributos.
Não é o que ocorre. Os tributos diretos,
incidentes sobre a renda e o patrimônio,
têm sido gradualmente suprimidos. E são
os que permitem melhor justiça fi scal.
Até o exercício de 2008, apenas duas
faixas de renda dividiam os cidadãos para
efeito de pagamento de Imposto de Renda;
no passado, chegaram a haver até 13 fai-
xas. Neste ano, o governo ampliou a tabela
para quatro faixas de rendas.
Já os tributos indiretos, incidentes so-
bre o consumo, não oferecem possibilida-
de de cobrar menos dos mais pobres. Por
exemplo, uma pessoa que ganha um salário
mínimo, ao adquirir uma geladeira, paga o
mesmo montante de impostos que um ci-
dadão com renda mais alta que compre a
mesma geladeira. A distribuição também
é desigual no plano federativo: as unidades
mais pobres, que arrecadam menos, não
conseguem oferecer serviços públicos com
a mesma qualidade de um estado rico.
Mesmo com o reconhecimento da
injustiça do sistema pelo CDES, não há
perspectiva de mudança no curto prazo.
Na avaliação do ministro do Planeja-
mento, Paulo Bernardo, feita na reunião
do Conselho, “tudo indica” que a refor-
ma tributária não será aprovada antes de
2010. O conselheiro Germano Rigotto
disse que “falta de vontade política” ao
governo para aprovar a reforma no Con-
gresso Nacional.
Paulo Bernardo ressaltou, entretanto,
que o governo fez uma série de aperfeiço-
amentos no sistema tribuário. “Fizemos
sucessivas negociações para diminuir tri-
butos”, lembrou ele, citando como exem-
plo a criação do sistema de tributação sim-
plifi cada para microempresas e empresas
de pequeno porte (Simples).
Para o técnico do Ipea José Aparecido
Ribeiro, que trabalhou diretamente com o
levantamento de informações e na elabo-
ração do documento fi nal, além da injus-
tiça cristalizada pelo sistema tributário, o
cidadão e o empresário são massacrados
por uma carga de impostos muito acima
da defi nida em lei. Os créditos fi scais, por
exemplo, não são concedidos ou o são em
12, 24 ou 36 meses.
“Imagine o caso de uma empresa que
precisa investir e que, para isso, lança mão
de um programa de incentivo qualquer
que lhe dá alguma isenção na compra de
máquinas, por exemplo. Só que, em vez de
obter o desconto a que faz jus na hora da
compra, ela precisa esperar que o governo,
federal ou do estado ou do município, lan-
ce esse crédito. Muitas vezes, porém, são
criadas enormes difi culdades burocráticas
que impedem ou difi cultam a efetivação
do benefício”, explica. Esse custo segundo
ele, no fi m das contas, cairá no bolso do
consumidor fi nal.
64 Desenvolvimento julho de 2009
Estudo do Ipea confi rma: população de menor renda é penalizada pelo sistema tributário brasileiro
Pobre paga mais
Oestudo “Receita pública: quem paga
e como se gasta no Brasil”, divulga-
do no mês passado pelo Ipea, con-
fi rma as conclusões do Observató-
rio da Equidade: os pobres são mais penali-
zados pela carga tributária do que a parcela
que tem ganhos mais altos. Segundo o Ipea,
os trabalhadores que ganham o equivalente
a até dois salários mínimos trabalham 197
dias por ano para pagar impostos. Já os que
ganham mais de 30 salários mínimos desti-
nam 106 dias por ano ao pagamento de tri-
butos. Se a carga tributária fosse distribuída
igualmente entre todos, cada contribuinte
teria que trabalhar 132 dias por ano para pa-
gar impostos.
De acordo com o estudo, a faixa salarial
de até dois mínimos arca com uma carga
tributária de 53,9%, percentual que diminui
gradativamente nas faixas de maior rendi-
mento. A carga tributária cai para 41,9% na
faixa salarial entre dois e três salários míni-
mos, para 37,4% na faixa entre três e cinco
salários, até chegar a 29%, paga por quem ga-
nha mais de 30 salários mínimos por mês.
O estudo, feito com base em dados do
Instituto Brasileiro de Geografi a e Esta-
tística (IBGE) e da Secretaria do Tesouro
Nacional, pressupõe uma carga tributária
total de 36,2%, no ano de 2008.
Os dados do IBGE demonstram que os
proprietários – empresários e trabalhado-
res por conta própria – fi cam com 51,7%
do produto interno bruto (PIB) brasileiro.
Os assalariados (ou não proprietários) fi -
cam com os 48,3% restantes. Mas na hora
Impostos incluídos no preço dos produtos são os mesmos para todos, o que torna o sistema regressivo
Antonio Cruz/ABrFabio Rodrigues Pozzebom/ABr
José
Cru
z/ABr
Desenvolvimento julho de 2009 65
brasileiro faz exatamente o contrário – tri-
buta mais os mais pobres. Os 10% mais
pobres da população brasileira destinam
32,8% da sua renda para o pagamento de
tributos, enquanto que para os 10% mais
ricos, o ônus estimado é de 22,7% da ren-
da”, relatam.
Mas o estudo pondera que o dinheiro
arrecadado fi nancia inúmeros serviços e
programas sociais, como a Previdência
Social, educação e saúde e também paga
a conta de juros do governo. O pagamento
de aposentadorias e pensões previdenciá-
rias urbanas, por exemplo, consome 4,53%
do PIB, ou 16,5 dias de trabalho de cada
contribuinte. O pagamento desses bene-
fícios aos trabalhadores rurais consome
mais cinco dias de trabalho de todos.
O programa Bolsa Família, que em 2008
benefi ciou 11,6 milhões de famílias, custa
0,38% do PIB ou 1,4 dia de contribuição.
Além dos gastos na área social, o di-
nheiro arrecadado com impostos fi nancia
investimentos em infraestrutura, segurança
nacional, segurança pública e meio ambien-
te, por exemplo. “É importante esse exercício
para dar visibilidade ao fato de que a arre-
cadação dos tributos não desaparece pura e
simplesmente nas entranhas da burocracia.
Ela fi nancia a atuação do Estado, e boa parte
desta atuação se dá pelo pagamento de bene-
fícios de distintas formas, e pela prestação de
bens e serviços a enormes contingentes da
população”, ressalta o documento.
Entre as grandes despesas, pagas pelos
contribuintes, está a conta de juros: “É im-
portante dar o devido destaque ao mon-
tante destinado ao pagamento de juros
da dívida pública”, que, no ano passado,
consumiu 3,8% do PIB. Os contribuintes
brasileiros trabalham 14 dias por ano só
para pagar juros da dívida pública. “Mas a
situação já foi ainda mais grave: em 2007,
as despesas federais com juros foram de
5,4% do PIB, o equivalente a cerca de 19,5
dias de trabalho do contribuinte”, lembra o
estudo. A conta de juros, incluindo os gas-
tos dos estados e municípios, consumiu,
em 2008, quase um sexto de toda a carga
tributária arrecadada.
Carga Tributária Bruta que incide explicitamente sobre a renda dos proprietários e dos não proprietários no Brasil em 2006 (em %)
Brasil - Distribuição da Carga Tributária Bruta segundo faixa de salário mínimo
Renda mensal Carga Tributária Carga Tributária Dias destinados familiar Bruta – 2004 Bruta - 2008 ao pagamento de tributosaté 2 SM 48,8 53,9 1972 a 3 38,0 41,9 1533 a 5 33,9 37,4 1375 a 6 32,0 35,3 1296 a 8 31,7 35,0 1288 a 10 31,7 35,0 12810 a 15 30,5 33,7 12315 a 20 28,4 31,3 11520 a 30 28,7 31,7 116mais de 30 SM 26,3 29,0 106CTB, segundo CFP/DIMAC 32,8 36,2 132
30
25
20
15
10
5
0
13,6
24,4
18,8
Proprietários Não proprietários Total
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
13,615,7
23,8
3,2 2,7
20,5
Saúde AssistênciaEducação TrabalhoPrevidência Social
Juros
Carga Tributária Bruta e dias de trabalho por grandes agregados
de pagar impostos, os proprietários arcam
com a menor parte: 13,6% de carga tri-
butária, enquanto os assalariados contri-
buem com 24,4%. “Os não proprietários
têm uma carga tributária bruta 78,1% su-
perior à dos proprietários”, explicou José
Aparecido Ribeiro, técnico do Ipea, du-
rante a divulgação do estudo, resultado de
parceria do instituto com a Secretaria da
Receita Federal.
Os técnicos do Ipea defendem no es-
tudo um sistema tributário progressivo,
de forma que os contribuintes de maior
renda paguem proporcionalmente mais
impostos. “Estudos recentes, entretanto,
têm demonstrado que o sistema tributário
Fonte: elaboração Ipea
66 Desenvolvimento julho de 2009
DESENVOLVIMETO
No mês passado, fi camos sabendo
que a carga tributária bruta do Bra-
sil, em 2008, foi de 35,8% do Pro-
duto Interno Bruto (PIB). Ou seja,
o setor público, juntando União, estados e
municípios, apropriou-se, com a cobrança
de impostos e contribuições, dessa parcela
da riqueza nacional produzida em 2008.
Esse dinheiro fi nancia a prestação de ser-
viços à sociedade, o que signifi ca a manu-
tenção da máquina estatal, investimentos
em obras de infraestrutura, e o pagamento
dos juros da dívida do setor público.
De acordo com o Ipea, a carga tributá-
ria brasileira “tem crescido de modo qua-
se ininterrupto desde 1998”, e atualmente
é comparável à dos países desenvolvidos,
embora ligeiramente menor à média des-
sas nações. Em 2004, representava 32,2%
do PIB. Mas projeções do governo indi-
cam que, depois do período de crescimen-
to, haverá queda na carga tributária neste
ano, em decorrência da crise internacio-
nal. Nos últimos anos, o aumento da car-
ga tributária foi resultado do crescimento
da economia. A arrecadação cresceu bem
mais do que o PIB. Agora, com a recessão,
a tendência é que a carga tributária do ano
se reduza.
O estudo Carga Tributária Líquida e
Efetiva Capacidade do Gasto Público no
Brasil, resultado de convênio do Ipea com
a Receita Federal do Brasil, ressalta que
parcela signifi cativa dos recursos arreca-
dados pelo governo é devolvida à socie-
dade em forma de transferências públicas,
por meio do pagamento de aposentado-
rias, pensões e outros benefícios previden-
ciários e assistenciais. Só com benefícios
previdenciários, a União gastou, no ano
passado, 6,9% do PIB. Outros 4,7% foram
para pagamento de aposentadorias e pen-
sões dos servidores públicos. Já o Bolsa
Família, que benefi ciou 11,2 milhões de
famílias no ano passado, custou ao Estado
0,88% do PIB.
Desde 2007, o conjunto das transferên-
cias de assistência e Previdência Social,
somados com demais subsídios repassa-
dos ao conjunto da sociedade, ultrapassa
os 15% do PIB. No ano passado, custou
15,3% do PIB. Nos últimos anos, essas
transferências, por meio de programas
sociais, cresceram substancialmente. Em
1980, representavam apenas 7,3%. Ou
seja, a arrecadação cresceu, mas as des-
pesas com programas de transferência de
renda também cresceram.
Descontadas as transferências públicas
e subsídios à sociedade do total arreca-
dado, chega-se à carga tributária líquida,
que, na avaliação do Ipea, retrata melhor
a disponibilidade de caixa do setor público
para a prestação de serviços, como saú-
de, educação e segurança, investimentos
e manutenção dos bens públicos, como
estradas, aeroportos, prisões, para toda
população.
O estudo chama ainda a atenção para
os gastos do setor público com juros da dí-
vida pública. Em 2008, 5,6% do PIB foram
consumidos em juros. Mas a situação já
foi bem pior: em 2004, 6,74% da riqueza
produzida no País foram para pagamento
de juros.
A questão leva a uma outra discussão,
a da regressividade do sistema tributário
nacional. Estudos do Ipea e do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social
mostram que a tributação no Brasil carre-
ga fortes componentes de injustiça social.
O pobre, segundo esses estudos, compro-
mete maior parcela de sua renda com o
pagamento de impostos do que o rico. Isso
porque há muitos tributos indiretos com a
mesma alíquota para pobres e ricos.
De acordo com o Ipea, quem ganha até
dois salários mínimos dedica 197 dias do
ano ao pagamento de tributos. Já quem
recebe mais de 30 salários mínimos, tra-
balha 106 dias para pagar impostos e con-
tribuições à União, estados e municípios.
Isso mostra que o sistema é regressivo e
penaliza os mais pobres.
questões do
Carga tributária e serviços públicos
Gilson Luiz Euzébio - de Brasília
do PIB é o investimento do governo em assistência e Previdência Social,
que assegura benefícios também para trabalhadores rurais. Percentual é mais que o dobro do registrado na década de 1980
15,3%
Desenvolvimento julho de 2009 67
ARTIGO
Há uma considerável gama de estu-
dos empíricos que analisam como
os componentes da despesa pública
de países da América Latina res-
pondem a choques no produto, se de forma
pró-cíclica ou anticíclica. Ao utilizar diver-
sas categorias de gasto e períodos amostrais
distintos, esses autores tendem a concluir
que o gasto público se comporta de manei-
ra pró-cíclica. A literatura justifi ca o caráter
pró-cíclico da política fi scal em países em
desenvolvimento sob pelo menos dois ar-
gumentos. Uma primeira razão estaria rela-
cionada a restrições de liquidez enfrentadas
por essas economias. Nos períodos de ex-
pansão, a oferta de crédito é mais abundan-
te e os governos podem tomar empréstimos
com maior facilidade e com isso elevar os
dispêndios públicos. Nas recessões, a escas-
sez da oferta de crédito limita o crescimen-
to dos gastos públicos.
Uma segunda linha de argumentação
reside na literatura de economia política.
Alguns autores defendem a existência do
“efeito voracidade”, i.e., nos períodos de
expansão, os recursos públicos são maio-
res e a disputa por esses recursos se inten-
sifi ca, o que obriga os governos a acomo-
darem as demandas dos diversos grupos
por meio da expansão dos gastos.
Diante da fatídica tendência de se en-
contrar gastos pró-cíclicos nos países em
desenvolvimento, decidimos promover
uma análise na receita e na despesa pri-
mária1, no investimento e no consumo
do governo federal brasileiro, de modo a
verifi car se esses itens se comportaram de
maneira pró ou anticíclica em relação ao
Produto Interno Bruto (PIB) per capita do
Brasil, no período 1901 a 2006.
Nossa pesquisa foi eminentemente des-
critiva e exploratória (de dados) do ponto
de vista econométrico, que formalmente
não testou qualquer modelo teórico. Inves-
1 Exclui a parte fi nanceira do orçamento público, tais como juros e correções monetárias
tigamos se a relação encontrada entre as
variáveis fi scais aludidas e o PIB per capita
se altera ao longo do tempo. Nesse sentido,
estimamos modelos auto-regressivos uni-
variados e multivariados com a técnica Ma-
rkov Switching . Esta técnica permite estimar
modelos em que as variáveis se relacionam
de maneira diferente em distintos regimes
fi scais, de forma que os parâmetros desses
modelos mudam de acordo com o regime
em vigor. Esses modelos levam em conside-
ração possíveis relações de não-linearidades,
já que a imposição de linearidade entre cada
variável investigada e seus valores passados
e os valores defasados das outras variáveis
selecionadas é feita apenas em cada regime
de maneira separada, de modo que os dados
descrevem o comportamento entre as variá-
veis de uma forma mais fl exível. Questões de
endogeneidade ou causalidade reversa entre
as variáveis são contempladas quando se uti-
liza essa técnica.
De acordo com os resultados encon-
trados em nossa pesquisa, pelo menos três
considerações podem ser feitas.
Primeiro, observando-se as médias
das taxas reais de crescimento auferidas
por meio dos modelos estimados, pode-se
sugerir que o governo federal tende a se
comportar de forma perdulária. De fato,
nos períodos em que os regimes fi scais se
mostraram signifi cativos do ponto de vista
estatístico, enquanto a taxa real de cres-
cimento das despesas primárias crescia a
uma média de 7,7% a.a., o PIB per capi-
ta crescia em média 5,1% a.a. Em outras
palavras, no século 20 e limiar do século
21, em média, os gastos do governo federal
cresceram em uma proporção maior que o
aumento de riqueza da sociedade.
Segundo, no Brasil, ao longo do período
em análise, observa-se um único regime fi s-
cal de ciclicalidade, que é o regime pró-cícli-
co - aumento (diminuição) da renda per ca-
pita leva a aumento (diminuição) da despesa
- entre a despesa primária e o PIB per capita,
datado em diversos períodos do século pas-
sado, o que corrobora os resultados encon-
trados em diversos estudos empíricos para a
América Latina, conforme já mencionado.
Terceiro, os resultados sugerem que um
aumento de 1% na taxa real de crescimento
da despesa primária do governo federal no
ano anterior implica diminuição de aproxi-
madamente 2,7% no crescimento da taxa real
de crescimento do PIB per capita. Portanto,
como se evidencia, em relação à ciclicalida-
de, concluímos que os gastos primários do
governo federal se comportaram de maneira
pró-cíclica em relação ao PIB per capita, no
século 20 e no limiar do século 21.
Dito isso, em tempos de crise e muitas
discussões fúteis, cabe concluir destacan-
do ao menos uma refl exão que inferimos
de nossa pesquisa. Será que adianta dis-
cutir se a política fi scal do governo “A” ou
“B” é pró-cíclica ou anticíclica? Em outras
palavras, será que as raízes da natureza
pró-cíclica de nossos gastos estão em pu-
ras escolhas do Poder Executivo?
Enfi m, de maneira geral, cremos que,
no Brasil, no âmbito do governo federal,
enquanto não houver mudanças legais
(institucionais) que criem incentivos para
que os governos se comportem de manei-
ra anticíclica, a diferença da política fi scal
de um governo “A” para um governo “B”
residirá apenas na escolha dos premiados,
de modo que as despesas primárias do go-
verno federal tenderão naturalmente a se
comportar de maneira pró-cíclica.
Alexandre Manoel Angelo da Silva é Técnico de Planejamento
e Pesquisa do Ipea.
Angelo José Mont´Alverne Duarte é Analista do Bacen cedido
ao Ministério da Fazenda.
(***) Além dos resultados aqui expostos, outras análises po-
derão ser encontradas no Texto de Discussão (TD), “Variáveis
Fiscais e PIB Per Capita no Brasil: Relações Vigentes entre
1901 e 2006”, a ser publicado pelo Ipea.
A l e x a n d r e Ma n o e l A n ge l o d a S i l v aA n ge l o Jo s é Mon t´A l v e r n e D u a r t e
Os gastos brasileiros são pró-cíclicos?
Desenvolvimento julho de 2009 67
68 Desenvolvimento julho de 2009
CONTROVÉRSIA
A situação de irregulari-
dade fundiária é um dos
grandes problemas que
atingem a Amazônia
Legal. É grande o desconheci-
mento das cadeias dominiais
de parte considerável das suas
terras, decorrentes da falta de
cadastros confi áveis nos car-
tórios, desconhecendo-se, em
muitos casos, os verdadeiros
proprietários das terras, sendo
também numerosos os casos
de títulos de terras deslocados,
sobreposição de títulos e regis-
tros falsos.
Segundo o Instituto do
Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon), dados do
Sistema Nacional de Cadastro
Rural (SNRC) do Incra mos-
tram que apenas 4% das terras
da região possuem título de
propriedade e cadastro valida-
do. Outros 43% são áreas pro-
tegidas, algumas apresentando
posses ilegais; outros 32% são
terras com posses ou proprie-
dades com informações pen-
dentes, e 21% são áreas públi-
cas sem cadastro, o que gera
uma larga cadeia de incerte-
zas quanto à situação real dos
imóveis na Amazônia, dando
margem a confl itos sociais,
ambientais e econômicos.
Embora os confl itos agrá-
rios decorrentes do caos fun-
diário na Amazônia tenham
maior visibilidade, a irre-
gularidade fundiária urba-
na também está presente na
Amazônia. Muitas cidades
na região estão hoje em situ-
ação fundiária irregular, ten-
do se desenvolvido em terras
públicas antes destinadas à
reforma agrária. Bairros nas
capitais de Porto Velho e Boa
Vista, por exemplo, ou cida-
des inteiras cresceram em
áreas públicas sob jurisdição
do Incra ou em terras doadas
a particulares e com titulação
defi nitiva. Como resultado, as
moradias, hospitais e escolas,
sedes de governos, estadual e
municipal, e órgãos federais
não possuem registro.
A execução das políticas ur-
banas pelos governos locais é
muito difícil diante desse qua-
dro. Sem a clareza quanto ao
domínio dos imóveis, as pre-
feituras fi cam impossibilitadas
de investir em infraestrutura,
equipamentos públicos, fazer
cumprir a legislação urbanís-
tica e promover suas políticas
habitacionais.
Englobando 762 muni-
cípios dos estados de Rorai-
ma, Rondônia, Acre, Amapá,
Amazonas, Mato Grosso, To-
cantins, Pará e parte do Mara-
nhão, a Amazônia Legal ocupa
cerca de 60% do território na-
cional. Sua população é de cer-
ca de 22,3 milhões de habitan-
tes, 12% da população do País,
com uma taxa de urbanização
média de 72%.
O Censo de 2000 (O IBGE)
mostrou que, enquanto no
País cerca de 28% dos domicí-
lios particulares permanentes
urbanos não eram atendidos
por rede geral de coleta de
esgotos ou não possuíam ins-
talações sanitárias, na Ama-
zônia Legal essa proporção foi
de 57%. A maior parte desses
domicílios (65%) estava nas
cidades com mais de 20 mil
habitantes.
Na Amazônia Legal, as áre-
as urbanas de 169 municípios
estão em terras do Incra, sen-
do que em 138 a população
urbana é menor que 20 mil ha-
bitantes. Nessas 169 cidades,
cerca de 51% dos domicílios
particulares permanentes não
são atendidos por rede de água
e 72% não possuem rede de
coleta de esgotos ou instala-
ções sanitárias.
Em 10 de fevereiro de
2009, o governo federal edi-
tou a Medida Provisória 458,
que defi ne critérios que facili-
tam a doação aos municípios
de terras sob a jurisdição do
Incra para a regularização
fundiária de áreas urbanas.
Para requerer a doação, os go-
vernos locais devem compro-
var a ocupação urbana apenas
por meio de levantamento
topográfi co ou fotograme-
tria aérea georreferenciados,
mostrando que a área possui
sistema viário implantado de-
fi nindo um parcelamento de
características urbanas, e den-
sidade populacional mínima
de 12 habitantes por hectare,
de acordo com as ocupações
na Amazônia.
Irregularidade fundiária
A r e g u l a r i z a ç ã o f u n d i á r i a
Paulo Coelho Ávila é analista de infraestrutura lotado no Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos - Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) do Ministério das Cidades
Atendendo a esses crité-
rios, e não havendo interes-
se de outros órgãos federais
pela área (Funai, ICM-Bio ou
SPU), as terras são transferi-
das aos municípios. A partir
daí, os municípios deverão re-
gularizar de forma gratuita as
ocupações de até 1.000 m2 aos
efetivos moradores com renda
familiar de até 5 salários míni-
mos. Dessa forma, espera-se
que os municípios dêem a efe-
tiva proteção patrimonial das
moradias aos seus ocupantes e
possam realizar os investimen-
tos necessários para melhorar
as condições de vida de sua
população, integrando essas
áreas às cidades.
Essa iniciativa se enquadra
numa ampla ação que busca o
ordenamento territorial da Re-
gião Amazônica, pela ação in-
tegrada de vários entes federais,
governos estaduais e municípios,
visando a redução dos confl itos
fundiários, o desmatamento ile-
gal e a ocupação desordenada
desse importante bioma.
Desenvolvimento julho de 2009 69
ção do Programa Estadual
de Ordenamento Territorial
(PEOT), em dezembro de
2007, institucionalizando uma
política que busca promover
o ordenamento territorial em
suas dimensões fundiária, am-
biental, produtiva e fl orestal.
Com essa política, busca-se
um processo de gestão terri-
torial contínua, transparente
e democrática, pactuado com
os diferentes atores sociais
(federal, estadual, municipal e
sociedade civil).
A partir dessas conside-
rações, é possível dizer que
os objetivos principais são:
diminuir a violência rural e
o desrespeito aos direitos hu-
manos; assegurar o direito de
propriedade aos diferentes
segmentos sociais, priorizando
a ocupação familiar; diminuir
o desmatamento e garantir a
sustentabilidade ambiental.
A institucionalização da pro-
priedade privada constitui tam-
bém uma condição para conso-
lidar um modelo democrático
e participativo de distribuição e
de gestão da terra e dos recursos
naturais. E, consequentemente,
de proteção do meio ambiente.
Tendo em vista o exposto, pode-
se dizer que é nesse contexto
que deve ser colocada a regula-
rização fundiária, direcionada à
ocupação familiar, média, gran-
de e para povos e comunidades
tradicionais.
Nosso governo organiza a
sua política de ordenamento
territorial de tal forma que a re-
gularização fundiária passa a ser
entendida como instrumento de
ordenar o espaço e de democra-
tizar o acesso à terra. Nesse sen-
tido, o governo enviou projeto
de lei à Assembléia Legislativa
que adequa a lei estadual vigen-
te ao que estabelece o Código
Florestal Brasileiro no que diz
respeito à restauração da Área
de Reserva Legal já alterada, que
passa a ser de 30 anos.
Em linha com essa políti-
ca, em 2008, seis municípios
iniciaram processo de regula-
rização, com o levantamento
ocupacional. Os municípios
atualmente nessa fase são
Abel Figueiredo, Dom Eliseu,
Eldorado do Carajás, Igarapé
Açu, Parauapebas e Rondon
do Pará. Como resultado ini-
cial dessas medidas, espera-se
no segundo semestre de 2009
titular mais de 4 mil famílias.
Pela primeira vez, o Pará criou
assentamentos. Foram 11, fa-
vorecendo 672 famílias em
uma área de 51,5 mil hectares.
O Pará é o estado brasilei-
ro que mais reconheceu áreas
quilombolas. Até o momento
foram 18 títulos, benefi cian-
do 735 famílias, em uma área
aproximada de 28 mil hectares.
Para assegurar a transparên-
cia e a proteção ambiental, ins-
tituímos o Cadastro Ambiental
Rural (CAR), que é um registro
georreferenciado, com acesso
à web, exigido de todo imóvel
rural. O CAR é uma peça fun-
Os desafi os no Pará
a j u d a o d e s e n v o l v i m e n t o d a A m a z ô n i a ?
Ana Júlia CarepaGovernadora do Estado do Pará
Odesafi o do ordenamento
territorial não é apenas
do Pará, mas de toda a
Amazônia, que precisa
ser compreendida na sua com-
plexidade. E, por essa razão, não
pode ser tratada como outras
regiões e biomas que estão em
estágios diferentes de desenvol-
vimento e ocupação.
De um lado, o mundo pres-
siona o Brasil para que a Ama-
zônia seja preservada, para que
a fl oresta continue a prestar os
serviços ambientais que têm re-
fl exo sobre toda a humanidade.
De outra parte, é preciso
entender que a Amazônia tem
gente. São mais de 20 milhões
de pessoas que também têm
direito à qualidade de vida. Nos
últimos três anos temos atuado
fortemente para melhorar os
nossos indicadores sociais.
Sob esse aspecto, um dos
desafi os dos estados amazôni-
cos, em particular do Pará, é
superar o caos fundiário, ob-
jetivando construir uma base
produtiva socialmente justa e
ambientalmente sustentável.
Ocupando uma área de
124,85 milhões de hectares,
com 7 milhões de habitantes
(sendo que 51% de sua área
compõem unidades de con-
servação e terras indígenas), o
ordenamento territorial passa a
ser um instrumento fundamen-
tal para assegurar a sustentabi-
lidade ambiental e econômica.
O primeiro passo nessa
direção foi dado com a cria-
damental, pois está vinculado
às autorizações e licenças sub-
sequentes e é o primeiro passo
para iniciar o processo de regu-
larização fundiária.
Outro instrumento impor-
tante é o Zoneamento Ecoló-
gico Econômico da Área de
Infl uência da BR-163 (Cuiabá-
Santarém) e BR-230 (Transa-
mazônica) no Estado do Pará,
abrangendo 19 municípios que
ocupam uma área de 334.450
mil km2 (1,5 vez maior que
o território de São Paulo), ou
27% do território paraense,
com população aproximada de
um milhão de habitantes.
O ZEE foi aprovado no Cona-
ma e agora aguarda decreto pre-
sidencial para entrar em vigor. Já
estamos concluindo a fase de es-
tudos do ZEE da Borda Leste e da
Calha Norte e, até o fi nal de 2010,
teremos 80% do nosso território
submetido a zoneamento.
Portanto, o lançamento
do Programa Terra Legal em
âmbito federal vai encontrar
no Estado do Pará um grande
parceiro para superar o atual
caos fundiário. Assim, poder-
mos construir uma terra de
oportunidades para todos. El
za F
iúza
/ABr
70 Desenvolvimento julho de 2009
Repassando conhecimento
Ipeapor dentro do
70 Desenvolvimento julho de 2009
Educação: um desafi o para as políticas públicas
Desenvolvimento julho de 2009 71
Reativação de cursos de mestrado é o resgate de uma das tradicionais funções do Ipea, que já preparou quadros para diversos órgãos públicos
OIpea está retomando a tradição
de formação de quadros para
o serviço público: montou um
curso de mestrado em políticas
públicas para a qualifi cação de funcio-
nários da União, estados e municípios, e
também oferece cursos de curta duração
nessa área. O diretor de Cooperação e De-
senvolvimento do Ipea, Mário Th eodoro,
explica que tudo começou com um mi-
nicurso de planejamento, com duração de
seis semanas, realizado nos meses de ou-
tubro e novembro do ano passado. Foram
convidados técnicos de vários ministérios
para discutir o papel do Estado no plane-
jamento e no desenvolvimento.
“As pessoas gostaram muito. Então nós
partimos para um projeto mais ambicioso
de montar um mestrado em políticas pú-
blicas”, explica. Na verdade, o Ipea já de-
sempenhou antes a função de formar qua-
dros profi ssionais para a burocracia estatal
nas três esferas de poder. “A formação de
quadros era uma atividade ordinária do
Ipea”, conta Mário Th eodoro. Até a déca-
da de 1990, a instituição formou pessoal
para estados, municípios e diversos órgãos
públicos. Mantinha cursos de planejamen-
to e de pós graduação lato senso em várias
áreas. “No planejamento estratégico, feito
em 2007 e 2008, foi levantada como im-
portante a idéia de compartilhar conheci-
mentos com outros órgãos e instituições.
E esse compartilhamento seria feito resga-
tando a idéia de curso”, conta.
O curso de pós-graduação é feito em
parceria com a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), que já dispõe de curso semelhan-
te, só que voltado para a área de saúde pú-
blica, e tem o apoio da Universidade Fede-
ral de Uberlândia (MG), que participou na
organização do minicurso. Os técnicos do
Ipea ajudaram no desenho das políticas pú-
blicas que são estudadas durante o curso.
O mestrado funciona nas instalações
da Fiocruz, em Brasília, mas o Ipea já está
negociando com alguns parceiros, especial-
mente a Universidade de Brasília (UnB),
um espaço maior para instalação do curso.
A primeira turma conta com 33 alunos de
vários órgãos do governo federal. “A idéia
de longo prazo é que na nova sede do Ipea
tenha um espaço grande para formação e
capacitação, mas nesse primeiro momento
nós estamos conversando com a pró-reitora
da UnB para ver a possibilidade de termos
um espaço no campus”, explica Th eodoro.
O mestrado oferecido pelo Ipea está em
processo de reconhecimento pelo Ministé-
rio da Educação.
O diretor aponta como diferencial do
mestrado oferecido pelo Ipea a possibili-
dade de aliar a teoria à prática, pois o órgão
dialoga com a área acadêmica e com a bu-
rocracia estatal. “O grande ganho do nosso
mestrado é que falamos de planejamento,
de gestão de políticas públicas com conhe-
cimento de causa. Os técnicos têm mais do
que domínio teórico, eles têm participado
da discussão, do desenho, da formatação,
da gestão pública do País”, comenta.
Nesse primeiro momento, até por uma
questão de logística, o curso é limitado a
servidores públicos, mas a ideia é que nos
próximos anos ele seja aberto a pessoas
ligadas a instituições não governamentais
que se interessem por políticas públicas,
desde que paguem pelo curso.
O Ipea também está negociando com
alguns países a exportação de seus cursos,
principalmente os de língua portuguesa,
como Angola e Moçambique. Th eodoro
conta que estão sendo feitos contatos com
as universidades desses países para que
professores de lá ministrem a parte de his-
tória econômica. “Além disso, nós temos
também a possibilidade de avançarmos e
darmos cursos nos países do Mercosul”,
diz. Técnicos do Paraguai e de outros paí-
ses da América Latina devem vir ao Brasil
para o próximo curso.
A idéia de longo prazo é que
na nova sede do Ipea tenha
um espaço grande para
formação e capacitação,
mas nesse primeiro
momento nós estamos
conversando com a pró-
reitora da UnB para ver a
possibilidade de termos um
espaço no campus” Mário Theodoro
Desenvolvimento julho de 2009 71
Roosewelt Pinheiro/Abr
72 Desenvolvimento julho de 2009
Osetor produtivo brasileiro não acre-
dita em recessão em 2009. Nem em
crescimento. Espera até um bom de-
sempenho na agricultura, comércio e
serviços, de acordo com o Sensor Econômi-
co, indicador de expectativas produzido pelo
Ipea. A 5ª edição da pesquisa, feita com 115
entidades das empresas e dos trabalhadores -
representantes de 80% do PIB nacional – mos-
trou também redução no grau de apreensão
das empresas, de 4,57 pontos, em março, para
7,79 pontos, em maio (quanto maior a pontua-
ção, menor a apreensão).
De acordo com Ricardo Amorim, assessor
técnico da Presidência do Ipea, a evolução dos
dados mostra uma “tendência consistente de
melhora”. Em outubro o setor produtivo deve
“superar o medo e tornar-se mais confi ante”.
O setor agropecuário, antes o mais pessimista,
“está cada vez mais confi ante de que não ha-
verá recessão neste ano”. A maior apreensão
ainda concentra-se na indústria.
O Sensor indica também uma melhora sig-
nifi cativa nas expectativas de acesso ao crédito
(de 2,9 pontos em abril para 13,56 pontos em
maio). “As empresas estão perdendo o medo
em relação à demanda, ao crédito e ao lucro”,
afi rmou Amorim. “Não quer dizer que este-
jam bem, estão perdendo o medo”, explicou.
“Há perspectiva de melhora em relação à de-
manda”, confi rmou Diones Cerqueira, repre-
sentante da Federação das Indústrias do Dis-
trito Federal (Fibra), que participou de debate
no Ipea sobre as “Perspectivas da Economia
Brasileira para 2009 e 2010”. Segundo ele, “o
momento agora é de menos incerteza, mas não
ainda de recuperação”.
De acordo com o Sensor, as empresas con-
tinuam apreensivas também em relação aos
aspectos sociais, mas já acreditam, por exem-
plo, que a massa salarial deve fechar o ano sem
queda (em fevereiro esperavam redução de
2%). Levantamento do Departamento Inter-
sindical de Estatística e Estudos Socioeconô-
micos (Dieese) também aponta nessa direção,
informou Rosane de Almeida, assessora técni-
ca da entidade. Nos primeiros quatro meses do
ano, segundo ela, o resultado das negociações
salariais foram semelhantes ao do mesmo pe-
ríodo do ano passado. “O impacto da crise tem
se dado mais sobre o emprego do que sobre o
salário”, disse.
Nem recessão nem crescimento
Aindústria brasileira está em re-
cessão. Comércio e serviços e
agricultura, não. Isso fica evi-
dente na análise dos dados de
queda do produto interno bruto (PIB)
dos últimos dois trimestres. “Perce-
be-se que o Brasil viveu uma recessão
industrial”, afirmou Ricardo Amorim,
assessor da Presidência do Ipea, duran-
te a divulgação do Sensor. Embora os
outros dois setores não tenham en-
trado em recessão, ele ressalta que a
indústria representa um terço da eco-
nomia brasileira – em torno de 30%
da produção e de 22% do emprego.
“Significa dizer que um terço da eco-
nomia está em recessão”, comenta.
Para Diones Cerqueira, representante
da Fibra, a concentração da crise em um
único setor tem a vantagem de permitir
ao governo adotar medidas anticíclicas
focadas na indústria e, assim, conduzir o
processo para uma recuperação mais rá-
pida. “Não é simples a resolução da situ-
ação da indústria”, discordou Amorim,
lembrando que, além de representar um
terço da economia, a indústria é a força
motriz da economia.
O impacto diverso nos setores eco-
nômicos, segundo o presidente do
Ipea, permite concluir que a indústria
foi mais afetada pela crise porque o
setor tem alto grau de internacionali-
zação, enquanto serviços e comércio
são mais dependentes do mercado do-
méstico. No setor industrial, há gran-
des empresas multinacionais que, ao
entrar em crise em outros países, con-
taminam o Brasil.
“Antes da crise já havia maior remes-
sa de lucro para as matrizes. Isso revela
o quanto esse setor é vinculado às trans-
nacionais”, explicou Amorim. Além das
decisões dessas empresas serem tomadas
fora do Brasil, ele ressaltou que 25% do
crédito brasileiro depende de recursos
externos, o que aumenta a difi culdade
de solucionar a crise.
Um terço da economia está em recessão
7,79 pontosem Maio
10
8
6
3
9
7
4
5
2
1
4,57 pontosem Março
Sensor
72 Desenvolvimento julho de 2009
Desenvolvimento julho de 2009 73
74 Desenvolvimento julho de 2009
John
May
nard
Key
nes
P e d r o B a r r e t o - d e B r a s í l i a
PERFIL
O nome e a obra de John Maynard Keynes acendem muitas polêmicas, mas nenhuma delas coloca em dúvida seu destaque e infl uência como um
dos grandes economistas do século 20. Considerado por muitos o “pai” da moderna macroeconomia, ele deixou um legado sistemático e profundo sobre
o funcionamento do capitalismo. Sua obra mais importante, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, chocou-se com o
pensamento neoclássico da época, mas levantou questões fundamentais para a reforma do capitalismo após a Grande Depressão. A principal delas foi a defesa
do papel regulatório do Estado para minimizar as instabilidades do mercado
Um pensador muito atual
Desenvolvimento julho de 2009 75
Nascido em 1883, na Inglaterra,
em uma família de intelectu-
ais, Keynes estudou em Eton e
Cambridge, no King’s College.
Teve uma vida acadêmica ativa, sempre
envolvido em assuntos de interesse públi-
co. Graduou-se em Matemática em 1905
e, a partir daí, sob a orientacão de Alfred
Marshall, um dos mais famosos economis-
tas da época, passou a aproximar-se cada
vez mais dos temas ligados à economia.
Passou dois anos na Ásia, no India Offi ce,
experiência que resultou em seu primeiro
livro sobre economia: Indian Currency and
Finance.
Em 1908, tornou-se professor de eco-
nomia em Cambridge, onde lecionou até
1915. Dividia seu tempo como editor do
Economic Journal, onde permaneceu até
1945, um ano antes de sua morte. Ao sair
de Cambridge, passou a trabalhar no Te-
souro britânico. Uma de suas missões foi
preparar a delegação do país para a Con-
ferência de Paz de Paris, em 1919. No en-
tanto, mostrou-se veementemente contra
as duras medidas econômicas impostas
pelos aliados à Alemanha e acabou não
participando da assinatura do Tratado de
Versalhes.
O fato o levou a publicar, no mesmo
ano, uma de suas obras mais relevantes:
As Consequências Econômicas da Paz.
Ela reúne análise técnica sobre o tratado
e as reparações do pós-guerra, bem como
propostas para se enfrentar os problemas
das economias europeias na época. Traz
críticas agudas à França, que segundo ele,
manteve uma posição gananciosa nas dis-
cussões econômicas após a guerra, esque-
cendo a importância da recuperacão da
Alemanha para todo o continente.
Teoria Geral – Na década de 1920,
mesmo longe do Tesouro britânico, Key-
nes se manteve ativo nos debates públicos
sobre economia, escrevendo artigos em re-
vistas e publicações especializadas. Travou
grande discussão com as autoridades bri-
tânicas sobre as condições da volta da libra
ao padrão ouro, na qual defendia uma des-
valorização de pelo menos 10% em relação
à paridade antes da Primeira Guerra Mun-
dial. O Tesouro manteve a postura de não
redução e, nos anos seguintes, a economia
britânica teve um pífi o desempenho.
Nos anos seguintes, o economista se
debruçou em pesquisas e estudos para
aquele que seria seu principal livro. Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda e
defi niu a principal característica da escola
de pensamento keynesiana, ao identifi car
o investimento produtivo como um fenô-
meno monetário, associado à poupança, o
que abria espaço para a entrada do Estado
como forma de gerar demanda e assim ga-
rantir o pleno emprego.
“Ele deixou um legado importantís-
simo, ao evidenciar que o capitalismo
não pode operar com as próprias forças,
porque não possui mecanismos de auto-
sustentação que provoquem demanda su-
fi ciente. Se observarmos o que ocorre nas
décadas seguintes, o pressuposto é corre-
to, e ajudou o capitalismo a superar seus
ciclos de recessão e instabilidade”, aponta
Gilberto Tadeu Lima, professor do Depar-
tamento de Economia da Universidade de
São Paulo (USP).
Ele ressalta, no entanto, que não se
pode distanciar as proposições de Keynes
do período então vivido pela economia
mundial, abatida pela Grande Depressão
e pelo pós-guerra. “Para Keynes, o Estado
pode, sim, expandir a demanda sem causar
efeitos colaterais, mas em determinadas
circunstâncias. O problema é muito bem
identifi cado, mas não se pode enxergar
este remédio como a solução exata para
todas as ocasiões. Essa é uma importante
percepção sobre a teoria keynesiana”, sus-
tenta Gilberto Tadeu Lima.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
Keynes envolveu-se com temas ligados
ao fi nanciamento da guerra e ao restabe-
lecimento do comércio internacional. Pu-
blicou o panfl eto “Como Pagar a Guerra”,
em 1940, no qual propôs mecanismos de
poupança compulsória a fi m de proteger
a economia da crise infl acionária que se
anunciava para o pós-guerra. Em 1944,
foi um dos grandes nomes do encontro de
Bretton Woods, que articulou a reconstru-
ção da economia mundial.
O professor Márcio Gomes Pinto Gar-
cia, do departamento de Economia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, assinala que a despeito das
polêmicas suscitadas após a publicação
da Teoria Geral, o pensamento de Keynes
percorre as discussões econômicas em
qualquer segmento. “A contribuição foi
fundamental para o desenvolvimento da
macroeconomia. Keynes levantou ques-
tões e propostas que ajudaram a aperfeiço-
ar o capitalismo e inserir o sistema em um
ciclo sustentável de crescimento”.
“Ele deixou um legado
importantíssimo, ao
evidenciar que o capitalismo
não pode operar com as
próprias forças, porque
não possui mecanismos
de autossustentação que
provoquem demanda
sufi ciente”.
Gilberto Tadeu Lima
76 Desenvolvimento julho de 2009
RETRATOS
Índios:culturalResgate
Desenvolvimento julho de 2009 77
S u e l e n M e n e z e s - d e B r a s í l i a
Iphan inicia reconhecimento de manifestações culturais indígenas. “Preservar as referências
culturais dos povos indígenas signifi ca que estamos reafi rmando nossas raízes“, diz Ana
Gita de Oliveira, do instituto
Wils
on D
ias/
ABr
Pedro Biondi/ABr
Valter Campanato/ABr
Marcello Casal Jr/ABr
78 Desenvolvimento julho de 2009
Preservar a cultura indígena é re-
conhecer a contribuição do índio
na formação dos diversos aspectos
da vida nacional. No vocabulário:
catapora, peteca, siri, ipanema, paraíba,
fl or, dia e pipoca são alguns exemplos. Na
culinária, o Brasil também deve muito aos
índios: feijão, milho, mandioca, frutas.
Sem esquecer o hábito de tomar banho
diariamente, coisa que não agradava nada
aos portugueses que começaram a chegar
a essa terra em 1500 e, depois de algumas
trocas de nomes, a batizaram Brasil. Os
índios, tratados como inimigos, foram ex-
pulsos de sua terra, mas deixaram marcas
indeléveis na cultura Brasileira.
Em 1988, com a promulgação da nova
Constituição, o Brasil assumiu o dever de
proteger os índios. O artigo 231 diz que
são reconhecidos aos índios sua organi-
zação social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam.
Compete à União demarcar as terras,
proteger e fazer respeitar todos os bens
indígenas. Nesse sentido, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) tem trabalhado para preservar os
locais sagrados indígenas – patrimônio
material - bem como a cultura, os ritos e
tradições – patrimônio imaterial.
“Preservar as referências culturais dos
povos indígenas signifi ca que, ao reco-
nhecê-los como parte fundadora da nossa
condição nacional, estamos reafi rmando
nossas raízes e incluindo-os no campo de
nossas políticas públicas. A ação patrimo-
nial tem o papel de ajudar na construção
da cidadania, garantindo a esses povos o
exercício de plenos direitos. A salvaguar-
da dos patrimônios indígenas garantirá, às
gerações futuras, acesso aos testemunhos
de sua história e aos domínios da vida
social que dão signifi cado aos complexos
processos de construção de identidades”,
explica Ana Gita de Oliveira, Gerente de
Identifi cação e Registro do Departamento
de Patrimônio Imaterial-DPI/Iphan.
Um dos projetos que estão em fase de
conclusão é o de tombamento das paisagens
sagradas dos povos indígenas do Alto Xingu,
no Mato Grosso. Entre 2005 e 2006, foram
encontrados materiais arqueológicos na re-
gião onde foi construída a Usina Hidrelética
Paranatinga II, no rio Culuene, um dos prin-
cipais formadores do rio Xingu.
O trabalho de arqueologia foi desen-
volvido com a participação ativa de todas
as comunidades indígenas envolvidas.
“Por ser considerado o território sagrado
dos índios, entendemos que não podería-
mos fazer isso sem eles”, diz Rogério José
Dias, gerente de Arqueologia do Iphan,
que acompanhou toda a pesquisa.
“Dois caciques coordenaram a abertu-
ra da mata, delimitando o perímetro da
aldeia sagrada. Logo nos primeiros vinte
metros foram encontradas, em superfí-
cie, centenas de fragmentos de va-
silhas cerâmicas que se esten-
dem em quase toda a tota-
lidade da delimitação.
Uma peça de cerâmica
com formato de rabo
de tartaruga foi muito
comemorada, assim como
as trempes para suporte das
panelas e tachos de assar bei-
ju. Todos estavam de acordo que
aquele lugar era de fato o local da
aldeia sagrada”, de acordo com o
relatório de instrumentação ao
processo de tombamento das
paisagens sagradas do Alto
Xingu.
José Dias conta que
fi cou muito orgulhoso
com o trabalho realizado
quando viu a importân-
cia que as comunidades
Kalapalo e Waurá davam
àquela pequena região,
para eles lugar sagra-
do, com mitos que re-
montam à criação do
mundo. A compro-
vação de que aquela
região tinha sido
uma aldeia indíge-
na foi corroborada
“Há 500 anos eram 5 milhões
de índios felizes no Brasil
Cada um em sua oca, cada
oca em sua taba, cada taba
em sua mata
Cada rio, cada peixe, cada
bicho, bicho!
Um por todos, todo mundo nu!”
(Índio, de Gabriel Moura/Farofa Carioca)
78 Desenvolvimento julho de 2009
Valte
r Cam
pana
to/A
Br
Desenvolvimento julho de 2009 79
quando a cartografi a científi ca do local
foi comparada com a cartografi a sagrada
desenhada pelos índios: os acidentes ge-
ográfi cos eram idênticos.
Além do tombamento, há um proje-
to para construir um corredor ecológico
cultural para levar os índios até os lugares
sagrados. “O tombamento é uma medi-
da de proteção, mas o importante é que
o Estado reconheça o direito dos índios
como os proprietários daquela terra”, dis-
se José Dias.
O Decreto-Lei 25/1937, que organiza
a proteção do patrimônio histórico e ar-
tístico nacional, estabelece que as coisas
tombadas não poderão ser destruídas,
demolidas ou mutiladas, nem ser repara-
das, pintadas ou restauradas sem prévia
autorização do Iphan.
Em 2002, a Arte Kusiwa, técnica de
pintura e arte gráfi ca própria da popula-
ção indígena Wajãpi, do Amapá, foi ins-
crita no Livro de Registro das Formas de
Expressão como Patrimônio Imaterial.
Os grafi smos podem ter como suporte o
corpo humano, cuias, cestos, bordunas e
objetos de madeira. Para a preparação da
tinta são utilizadas sementes de urucum,
gordura de macaco, suco de jenipapo e
resinas perfumadas.
“A linguagem gráfi ca que os Wajãpi do
Amapá denominam kusiwa sintetiza seu
modo particular de conhecer, conceber e
agir sobre o universo. Tal forma de expres-
são, complementar aos saberes transmiti-
dos oralmente, afi rma, ao mesmo tempo,
o contexto de origem e a fonte de efi cácia
dos conhecimentos dos Wajãpi sobre o
seu ambiente. Por outro lado, arte gráfi ca
e arte verbal se completam por transmiti-
rem os conhecimentos indispensáveis ao
gerenciamento da vida em sociedade. As
formas de expressão gráfi ca e oral permi-
tem agir sobre múltiplas dimensões: sobre
o mundo visível, sobre o invisível, sobre
o concreto e sobre o mundo ideal”, relata
documento do Iphan.
Outra ação do IPHAN em prol da pre-
servação da cultura indígena foi procla-
mar, em 2006, como “Patrimônio Cultural
do Brasil” a Cachoeira de Iauaretê ou Ca-
choeira da Onça, o primeiro bem cultural
imaterial inscrito no Livro do Registro dos
Lugares. Ela fi ca na região do Alto Rio Ne-
gro, município de São Gabriel da Cacho-
eira (AM), na confl uência dos rios Uaupés
e Papurí, onde vivem dez comunidades
indígenas das etnias de fi liação linguística
Arwak, Tukanos Orientais e Maku.
As pedras, lajes e igarapés da região da
Cachoeira são sagrados para essas comu-
nidades, porque marcam a história de sua
origem e fi xação nessa região, assim como
a história do estabelecimento das relações
de afi nidade que vêm permitindo, até
hoje, a convivência e o compartilhamento
de padrões culturais entre os diversos gru-
pos que habitam aquele território.
De acordo com dados do Instituto Bra-
sileiro de Geografi a e Estatística (IBGE),
atualmente vivem no Brasil cerca de 750 mil
índios, distribuídos entre 225 sociedades
indígenas, o que representa 0,25% da popu-
lação brasileira. Há também 63 referências
de índios ainda não contabilizados. Mais de
180 línguas são faladas pelos membros das
sociedades indígenas, o que corresponde a
30 famílias linguísticas diferentes.
O presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), Márcio Meira, explica
que a taxa de crescimento dos povos in-
dígenas é maior que a taxa da população
não índia e, por isso, o órgão estima que
hoje essa população já ultrapasse um mi-
lhão de habitantes.
“A grande difi culdade da Funai é ga-
rantir a integridade territorial das terras
tradicionalmente ocupadas, de acordo com
os usos, costumes e tradições dos povos
indígenas, conforme está escrito na Consti-
tuição Federal. Para a demarcação é preciso
enfrentar todo o aparato jurídico de ações
e liminares impetradas por particulares ou
por entidades, com objetivo de atrasar e im-
pedir esse processo. Outro grande desafi o é
o fator geográfi co, porque muitas comuni-
dades são de difícil acesso, têm característi-
cas específi cas de locomoção e não podem
ser tratadas como cidadãos que vivem em
grandes centros urbanos”, comenta.
Desenvolvimento julho de 2009 79
Wilson Dias/ABr
Wilson Dias/ABr
Antonio Cruz/ABr
Antonio Cruz/ABr
80 Desenvolvimento julho de 2009
CIRCUITOciência&inovação
Tecnologia 2
Inovação ganha secretaria
A Secretaria de Tecnolo-
gia Industrial do Ministério
do Desenvolvimento, Indús-
tria e Comércio Exterior será
transformada em Secretaria
de Inovação Tecnológica, e
terá o objetivo de promover o
desenvolvimento sustentável
dos sistemas produtivos por
meio da inovação. A ideia é
que a Secretaria de Inovação
Tecnológica trabalhe direta-
mente com o setor produti-
vo, de forma a disseminar a
cultura da inovação.
A mudança faz parte
da Política de Desenvolvi-
mento Produtivo do gover-
no federal, que tem entre
suas metas a de aumentar
o investimento privado em
P&D. Para o ministério, o
desenvolvimento sustentá-
vel será o principal fator de
competitividade empresarial
nos próximos anos. A con-
clusão foi que as empresas
terão que ser economica-
mente viáveis, mas também
social e ambientalmente sus-
tentáveis para se inserirem
no mercado global. O plano
estratégico de instalação da
nova secretaria está a cargo
da Escola Nacional de Ad-
ministração Pública.
Tecnologia 1
Estados
também criam
incentivos
O Governo do Estado de
Santa Catarina regulamentou,
no mês passado, a lei estadu-
al de inovação. Santa Catari-
na é o nono estado a adotar
uma lei própria de inovação,
em complemento à legislação
federal. Minas Gerais, Mato
Grosso, São Paulo, Amazonas,
Ceará, Bahia, Rio de Janei-
ro e Pernambuco também já
dispõem de leis estaduais de
apoio à inovação tecnológica.
Além de prever a possibilida-
de de subvenção a projetos
inovadores, a lei estabelece
que 2% das receitas estaduais
serão destinadas à ciência e
tecnologia.
O Governo do Estado de
São Paulo também está traba-
lhando na regulamentação de
seu sistema de inovação tec-
nológica. A lei, aprovada pela
Assembléia Legislativa em
junho do ano passado, define
como serão as parcerias com
as instituições de pesquisa e o
valor a que os pesquisadores
terão direito pelos seus in-
ventos. E prevê a possibilida-
de de o Estado criar socieda-
de de propósitos específicos
para inovação.
Cooperação
Esforço conjunto com a África
Representantes de países
em desenvolvimento participa-
ram, no mês passado, em Bra-
sília, da 1ª Reunião do Grupo
de Trabalho de Ciência e Tec-
nologia da Cúpula da América
do Sul e África (ASA), com o
objetivo de discutir investi-
mentos e cooperação entre os
países participantes da ASA.
Um dos objetivos do projeto
é promover pesquisas relacio-
nadas a minérios como bau-
xita, pedra sabão e ardósia. O
Centro de Tecnologia Mineral
do Ministério da Ciência e Tec-
nologia recebeu cerca de R$ 10
milhões para a modernização
e aprimoramento do projeto, e
levar a tecnologia para outros
países. O Laboratório Nacio-
nal de Computação Científi ca,
também do MCT, quer levar a
tecnologia computacional bra-
sileira para os outros países.
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Desenvolvimento julho de 2009 81
Pré-sal 1
Oportunidade para aprimorar tecnologia
Banco do Brasil
R$ 1,3 bilhão para tecnologiaO orçamento do Banco do Brasil para investimento em tec-
nologia da informação é de R$ 1,3 bilhão, para este ano. Boa
parte dos recursos irá para projetos de integração dos sistemas
do BB com os da Nossa Caixa, que foi adquirida pelo Banco do
Brasil. A instituição vai investir também na instalação do sistema
operacional Linux, de código aberto, em todos seus caixas eletrô-
nicos. O Banco do Brasil já vem há alguns anos implantado sof-
tware livre em suas agências, com bons resultados operacionais.
Um dos principais desafi os
para o desenvolvimento da in-
dústria brasileira do petróleo
nos próximos anos é o estabele-
cimento de um novo arcabouço
legal e de planos estratégicos
para a exploração do petróleo
encontrado na camada pré-sal,
avalia o presidente da Co-
missão de Ciência e
Tecnologia, Comuni-
cação e Informática
da Câmara, de-
putado Edu-
ardo Gomes (PSDB-TO).
“Não se trata apenas de
explorar o petróleo
encontrado, mas so-
bretudo de buscar
formas de garan-
A Petrobras informou
que a indústria de petróleo
no Brasil está preparada para
enfrentar os desafi os tecnoló-
gicos da exploração das reser-
vas na camada pré-sal. Mas
admitiu que essa etapa exigirá
a articulação e mobilização da
estatal e de outras indústrias,
do governo, da sociedade e
da academia. “A inteligência
brasileira já demonstrou sua
capacidade”, afi rmou Solan-
ge da Silva Guedes, gerente
executiva da Petrobras, du-
rante o seminário. O desafi o,
segundo ela, é fazer com que
o desenvolvimento industrial
e tecnológico reverta-se em
benefício de todos. Ela ressal-
tou que a Petrobras tem uma
experiência mundialmente
reconhecida em águas pro-
fundas e é capaz de respon-
der aos desafi os técnicos
e comerciais relacionados
com a avaliação e desenvol-
vimento do Pré-Sal.
Representantes do governo
de Cuba estiveram, no mês pas-
sado, em Brasília para acertar um
termo de cooperação em tecno-
logias da informação e comuni-
cação (TIC). A delegação cubana
composta pelo vice-ministro de
Informática e Comunicações de
Cuba, Alberto Rodriguez Arufe,
pelo diretor de Normas e Regu-
lamentações, Wilfredo Reynaldo
López Rodriguez e pelo diretor
geral da Agência de Consulto-
ria e Negócios, Jorge Luis Oliva
Martín, demonstrou interesse
em tecnologia para desenvolvi-
mento e difusão da televisão di-
gital e também em segurança de
informação e de redes, governo
eletrônico e soft ware livre.
Conferência de ciência
Prioridade para
sustentabilidade
do planeta
TV digital
Cuba busca
tecnologia
tir a apropriação dos benefícios
resultantes por toda a sociedade
brasileira”, afi rmou o deputado
no seminário “Pré-sal, inovação
tecnológica e sustentabilidade”,
promovido pela Comissão.
Segundo ele, a indústria bra-
sileira ainda não domina todos
os aspectos tecnológicos envol-
vidos na extração do petróleo
em reservatórios localizados em
“tão grandes profundidades e
tão distantes da costa”. Serão ne-
cessários vultosos investimentos
em capacitação tecnológica. Em
compensação, avalia ele, será a
oportunidade para o desenvol-
vimento de uma indústria na-
cional ainda mais competitiva.
Pré-sal 2
Petrobras preparada
A ciência, tecnologia e
inovação como instrumentos
fundamentais para a susten-
tabilidade do planeta e para
o processo de inclusão social.
Essa é a principal contribuição
dos países da América Latina
e Caribe para a Conferência
Mundial de Ciência, em no-
vembro próximo, em Buda-
peste, Hungria. Esses pontos
foram defendidos pela Comis-
são Redatora que se reuniu no
Rio de Janeiro, nos dias 18 e 19
de junho, para elaborar o do-
cumento a ser apresentado na
Conferência. Em agosto, o tex-
to passará por uma última aná-
lise durante o Fórum Regional
de Buenos Aires, Argentina.
O texto traz como destaque
o reconhecimento político mais
amplo do papel da ciência, tec-
nologia e inovação (CT&I) para
o processo de desenvolvimento
socioeconômico, aumento dos
investimentos em CT&I, valo-
rização e qualifi cação da edu-
cação superior e da educação
para a ciência e a busca pela ar-
ticulação da política de CT&I.
Elza Fiúza/ABr
Divu
lgaç
ão
82 Desenvolvimento julho de 2009
Programa do FNDE quer renovar a frota de ônibus que faz o transporte escolar na área rural e, assim, melhorar o conforto e
a segurança das crianças
Caminho da escola
A n a C a r o l i n a O l i v e i r a – d e B r a s í l i a
MELHORES PRÁTICAS
Desenvolvimento julho de 2009 83
Cla
yton
de S
ouza
/AE
84 Desenvolvimento julho de 2009
Transporte escolar de qualidade para
as crianças das áreas rurais. Assim
pode ser resumido o Programa
“Caminho da Escola”, do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção (FNDE). Criado em 2007, o “Caminho
da Escola” tem como meta renovar a frota
de veículos escolares no Brasil e assim dar
mais conforto e segurança aos estudantes
que vivem em locais distantes das escolas,
principalmente no campo.
Até a implantação do “Caminhos da
Escola”, o transporte escolar era feito uni-
camente em veículos velhos, que funciona-
vam precariamente, conforme constatou
estudo do Centro de Formação de Recursos
Humanos em Transportes da Universidade
de Brasília (UnB). A partir da pesquisa do
FNDE, a UnB verifi cou a situação da frota
de ônibus escolares e indicou as melhorias a
serem feitas nos veículos. “Com a pesquisa,
confi rmou-se a necessidade de renovação da
frota e de defi nição de especifi cações para os
veículos de transporte escolar, dada a gran-
de quantidade de veículos inadequados, em
idade avançada e em condições precárias
utilizados”, afi rma o coordenador do progra-
ma, José Maria Rodrigues de Souza.
Segundo o gerente do “Caminho da
Escola” no Centro de Formação da UnB,
Willer Carvalho, ao realizar a pesquisa foi
verifi cado que o transporte era feito de for-
ma precária e irregular. “Observamos que
eram utilizados veículos impróprios para
o transporte de estudantes, como cami-
nhonetes e pequenos caminhões. No en-
tanto, a utilização desses veículos às vezes
é justifi cada pela inexistência de veículos
de transporte coletivo que sejam apropria-
dos para os terrenos existentes nas áreas
rurais”, comenta Willer Carvalho.
As normas estabelecidas pelo Progra-
ma Caminho da Escola são fundamentais
“para garantir a existência de um veículo
de transporte de passageiros que atenda
às especifi cidades do meio rural”, afi rma o
técnico da Universidade de Brasília.
No primeiro ano de implantação, o pro-
grama teve uma destinação orçamentária de
R$ 300 milhões, valor que dobrou em
2008 devido à crescente demanda. Neste
ano, serão investidos R$ 1,15 bilhão na
compra de ônibus escolares, sendo R$
750 milhões por meio de fi nanciamento
do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), R$ 200
milhões do orçamento da União, R$ 100
milhões dos municípios e outros R$ 100
milhões do FNDE.
O programa já chegou a 1.300 mu-
nicípios, que foram benefi ciados com
quase 2,5 mil novos ônibus escolares.
Até o fi nal deste ano a meta é chegar
a um total de sete mil novos veículos
adquiridos. “A estimativa é que 200
mil alunos sejam benefi ciados direta-
mente quando todos os veículos forem
entregues pelas montadoras”, diz Sou-
za. Mesmo incompleto, o programa já
foi reconhecido como um caso de su-
cesso: em abril deste ano, fi cou em ter-
ceiro lugar no 13º Concurso Inovação
na Gestão Pública Federal, organizado
pela Escola Nacional de Administra-
ção Pública (Enap).
O “Caminho da Escola” não se li-
mita à compra de ônibus. O progra-
ma inclui a realização de testes e a
exigência de melhorias nos veículos.
O Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial
(Inmetro), parceiro do FNDE, por
exemplo, elabora as normas e especi-
fi cações técnicas que a indústria tem
que seguir na fabricação dos ônibus
escolares. Técnicos do FNDE e da
Universidade de Brasília têm percor-
Estradas de terra exigem adaptação nos veículos escolares
84 Desenvolvimento julho de 2009
Cla
yton
de S
ouza
/AE
Clayton de Souza/AE
Cla
yton
de S
ouza
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Desenvolvimento julho de 2009 85
rido o interior do País para verifi car o
desempenho dos novos ônibus e apontar
a necessidade de eventuais correções às
indústrias. “Durante os testes, os novos
veículos transportam os estudantes nas
rotas usuais, quando são avaliadas sua
adequação às várias situações adversas,
como pistas muito esburacadas, atoleiros,
barrancos. Os resultados vão servir para
aprimorar os ônibus”, afi rma Souza.
Já foram realizados testes em muni-
cípios de quatro estados (SC, PR, ES e
MT). “Em Vila Bela da Santíssima Trin-
dade (MT), um grande atoleiro no meio
da estrada impedia a passagem do veículo
de transporte escolar da prefeitura. Com
isso, as crianças tinham de caminhar parte
do percurso para poder pegar a condução
e seguir para a escola”, relata. O problema
foi superado com a chegada do Programa
“Caminho da Escola”: “Durante o teste, o
novo ônibus passou pelo atoleiro, pegou
os alunos mais perto de casa e ainda aju-
dou a puxar uma caminhonete que estava
atolada”, conta.
Os veículos são comprados em pregão
eletrônico, feito pelo FNDE, que exige o
cumprimento das especifi cações técni-
cas e das inovações pedidas à indústria.
Os estados e municípios podem adquirir
os ônibus por meio de fi nanciamento do
BNDES. Neste caso, eles estão sujeitos à
análise de sua capacidade de endivida-
mento dentro dos limites estabelecidos
pela Secretaria do Tesouro Nacional. Ou-
tra opção é o convênio com o FNDE ou a
compra com recursos próprios. “Nos três
casos, o ente adere ao pregão eletrônico
do FNDE, benefi ciando-se do processo
licitatório centralizado, e celebra o con-
trato diretamente com o fornecedor”, ex-
plica o coordenador do programa. Antes
da entrega, o veículo deve passar por uma
inspeção do Inmetro.
Para Willer Carvalho, o grande desafi o
do “Caminho da Escola” é conseguir de-
senvolver um tipo de ônibus que atenda
somente as demandas rurais. “Estamos
em fase de desenvolvimento do primeiro
ônibus rural brasileiro e acreditamos que
a indústria, após os resultados da pesqui-
sa de campo, se sentirá motivada a propor
novas implementações, tais como uma
variação com tração 4x4. Além disso,
podemos solicitar a criação de um canal
de radiofrequência (VHF) exclusivo para
chamadas de emergência, tendo em vista
que o transporte escolar rural opera em
regiões de difícil acesso e, por conseguin-
te, de difícil comunicação”, informa.
Novos ônibus apresentaram bom desempenho em estradas esburacadas e alagadas
Desenvolvimento julho de 2009 85
Cla
yton
de S
ouza
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86 Desenvolvimento julho de 2009
A Invisibilidade da Desigualdade
Brasileira, publicado em 2006 pela
editora UFMG, é o livro em que o
organizador e autor de cinco arti-
gos no mesmo livro, Jessé Souza, explicita
e radicaliza seu posicionamento crítico no
campo das Ciências Sociais brasileiras e
inaugura suas experiências de pesquisas
teóricas e empíricas coletivas com o grupo
de pesquisadores do Cepedes (Centro de
Pesquisas sobre Desigualdade Social) tam-
bém fundado em 2006. Partindo do seu
diagnóstico original, proposto em A Cons-
trução Social da Subcidadania, publicado
em 2003 pela mesma editora, sobre a so-
ciedade brasileira enquanto caso paradig-
mático de modernidade periférica, o autor
revela a fragilidade dos pressupostos teó-
ricos das duas mais prestigiadas propostas
de interpretação sobre a especifi cidade da
sociedade brasileira diante dos países de
capitalismo mais avançado: a teoria do
personalismo e a teoria do patrimonialis-
mo ou neo-patrimonialismo.
Jessé Souza mostra que essas duas
teorias constituem, na verdade, varia-
ções de uma única teoria hegemônica,
uma vez que compartilham dos mesmos
pressupostos culturalistas essencialistas
baseados na tese de uma singularidade
absoluta da cultura brasileira. O Brasil te-
ria desenvolvido uma sociabilidade úni-
ca no planeta baseada na emotividade e
sentimentalidade pré-moderna – suposto
produto histórico de uma herança ibérica
percebida como imutável - por oposição
ao cálculo e à racionalidade típicas da
modernidade. Quer se perceba essa sin-
gularidade em termos positivos, como no
personalismo de Freyre ou Darcy Ribeiro,
ou se perceba a mesma singularidade em
termos negativos - como nosso mal de
origem e causa de uma suposta tendência
inata do povo brasileiro, especialmente
no Estado, à corrupção - como acontece
nos teóricos do patrimonialismo, espe-
cialmente em Sérgio Buarque, Raimundo
Faoro ou Roberto DaMatta, o importante
é perceber que ambas versões comparti-
lham dos mesmos pressupostos apenas
com sinal trocado.
O que o autor chama de “teoria emo-
cional da ação” é precisamente um tipo
de explicação social anacrônica e superfi -
cial que não consegue nem compreender
o dinamismo do Brasil moderno, nem as
efetivas causas da abissal desigualdade
social brasileira. O núcleo da crítica do
autor, desenvolvida ao longo dos cinco
textos que assina nessa coletânea, é que
essas explicações, até hoje dominantes
entre nós, são simples adaptações do mito
nacional brasileiro à explicação científi ca.
O mito do povo emotivo e caloroso ser-
viu e serve para produzir solidariedades
pragmáticas. Esses “contos de fadas para
adultos”, como diz Jessé, são importantes
na sua dimensão política. A ciência, por
outro lado, deveria precisamente se dis-
tanciar desses “contos de fadas” do senso
A Invisibilidade da
Desigualdade Brasileira
comum para criticar a realidade e suas
certezas aparentes. Afi nal, o núcleo desses
consensos sociais inarticulados esconde
precisamente as práticas que escondem
confl itos latentes e reproduzem esquemas
de perpetuação de privilégios espúrios. O
tema do patrimonialismo é extremamente
sugestivo nesse sentido. Ao simplifi car e
falsear a ambivalência constitutiva das ins-
tituições modernas e perceber o mercado
como reino de todas as virtudes e o Estado
como reino da corrupção e da inefi ciência,
a tese patrimonialista concentra todo o
confl ito na falsa oposição entre mercado e
Estado e esconde todos os reais confl itos
sociais brasileiros que sequer são “per-
cebidos” como confl ito. Não só o debate
acadêmico, mas também o debate público
político que se empobrece numa oposição
“novelesca” entre “honestos” e “corruptos”
quando a dor e o sofrimento reais de par-
celas signifi cativas da população, social-
mente produzidos, se tornam invisíveis e
sequer percebidos como problema.
O restante dos textos do livro, de
colaboradores do Cepedes ou de pes-
quisadores comprometidos com uma
percepção crítica da realidade brasilei-
ra, procura aprofundar, teórica ou em-
piricamente, precisamente os diversos
conflitos sociais de classe, raça e gênero
tornados invisíveis pela escolhas concei-
tuais dos culturalismos dominantes. A
maior parte dos textos se concentram,
portanto, em tornar visível uma classe
social de perdedores cuja função é pres-
tar serviços pessoais e desvalorizados –
domésticos, sexuais e pesados – às clas-
ses privilegiadas. É essa “luta de classes”
cotidiana que é escondida pela mani-
pulação política de falsas oposições. Os
temas da raça e do gênero se acrescen-
livros e publicações
ESTANTE
Desenvolvimento julho de 2009 87
tam a essa reconstrução dos confli-
tos efetivos e reais, também segundo
uma nova perspectiva. O drama do
racismo não deve implicar esconder
a dominação de classe como aconte-
ce hoje em dia entre nós. O sexismo
tem raízes muito mais profundas,
como indica a educação para a inicia-
tiva nos homens e a educação para o
medo nas mulheres, do que a simples
repartição “politicamente correta” do
trabalho doméstico.
Ainda que vários destes temas te-
nham sido explicitados e aprofunda-
dos no livro A ralé brasileira: quem é e
como vive? (no prelo, 2009), o conjun-
to de artigos que compõem o referido
livro já refl ete a intenção de reconstru-
ção empírica, segundo um quadro te-
órico crítico e inovador, dos confl itos
socais esquecidos pela dominância, no
debate brasileiro contemporâneo, de
paradigmas conservadores ou pseudo-
críticos.
Emerson F. Rocha
Técnicos de todas as diretorias do Ipea
vasculharam a fundo os dados da re-
alidade brasileira para verifi car o que
mudou depois de 20 anos de pro-
mulgação da Constituição Cidadã em 1988.
O trabalho resultou no livro A Constituição
Brasileira de 1988 Revisitada, composto de
dois volumes. “Devemos dizer que inúme-
ros avanços foram obtidos, mas, igualmente,
reconhecer que imensos obstáculos ainda
precisam ser examinados e superados”, afi r-
ma Marcio Pochmann, presidente do Ipea,
ao apresentar o livro.
Desigualdades sociais e regionais, po-
breza extrema, concentração de riqueza e
renda e baixa qualidade dos serviços públi-
cos são problemas “inaceitáveis”. Entretanto,
ressalta ele, não há qualquer confl uência de
interesses que rompam com esse quadro de
“mazelas que assolam o cotidiano dos bra-
sileiros”. Pelo contrário, os técnicos do Ipea
concluem que a Constituição não mexeu nas
questões fundamentais para a construção de
uma sociedade mais justa e democrática. Al-
guns avanços viraram letra morta, como é o
caso da regressividade do sistema tributário.
Houve progressos na direção de univer-
salizar o acesso à saúde e à educação, mas
a qualidade dos serviços é questionável. Na
educação, por exemplo, a ênfase das políticas
públicas foi o ensino fundamental. “Apesar
do esforço de universalização de algumas
políticas sociais, em respeito ao preceito
constitucional, houve um forte empenho de
seletividade e focalização em uma série de
programas e ações”, escrevem os técnicos.
Isso porque a ampliação dos serviços fi cou
condicionada às políticas econômicas.
Essa limitação orçamentária afetou tam-
bém as áreas previdenciária e de assistência
social. A Previdência Social teve um grande
aumento de cobertura ao incorporar ao sis-
tema os trabalhadores rurais e domésticos,
mas não consegue avançar na área urbana,
porque o pagamento de benefícios está con-
dicionado a um mínimo de tempo de con-
tribuição. Na assistência social, também há
limites rígidos para o acesso ao benefício, o
que impede a ampliação dos programas.
“Esse livro usou como mote os vinte
anos da Constituição justamente para po-
der organizar, com os técnicos do Ipea,
um trabalho de refl exão mais aprofundado
sobre as principais políticas públicas bra-
sileiras criadas ou transformadas a partir
da Constituição de 88”, explica José Celso
Cardoso Júnior, assessor da Presidência
do Ipea e organizador do livro. O primei-
ro volume do livro discute as principais
políticas das áreas econômica e social, e o
outro volume trata das políticas das áreas
regional, urbana e ambiental.
“É um trabalho que tenta realizar um
esforço institucional importante dentro do
Ipea, um esforço de sistematização e avaliação
e acompanhamento das políticas públicas”,
afi rma Cardoso Júnior. O livro é produto do
planejamento estratégico, que prevê o resgate
do papel do instituto na elaboração e acom-
panhamento das ações do Estado. “O livro
está dentro dessa política de institucionalizar
o trabalho de acompanhamento permanente
das políticas públicas e de relacionar esse tra-
balho numa idéia mais geral de desenvolvi-
mento brasileiro”, explica Cardoso Júnior.
A Constituição Brasileira
de 1988 Revisitada
A Invisibilidade da Desigualdade BrasileiraJessé Souza, organizadorEditora UFMG - 396 páginas - R$ 63,00
A Constituição Brasileira de 1988 RevisitadaJosé Celso Cardoso Júnior, organizadorIpea – Vol. I 296/Vol. II 204 páginas– R$ 15,00 (cada)
88 Desenvolvimento julho de 2009
Abraham Lincoln será sempre lem-
brado como o presidente que su-
primiu a escravidão nos Estados
Unidos. Mas ele, como tantos ou-
tros na mesma época, era um defensor do
“retorno à África” dos negros americanos.
Em 1862, perante um grupo de negros que
convocou à Casa Branca, disse: “Vós e nós
somos raças diferentes. Pouco importa
se isto é verdadeiro ou falso, mas o certo
é que esta diferença física é uma desvan-
tagem mútua, pois penso que muitos de
vós sofrem enormemente ao viver entre
nós, ao passo que os nossos sofrem com
a vossa presença.” Quase um século mais
tarde, Davis Knight, um rapaz do Missis-
sipi, foi condenado à prisão por ter viola-
do a lei que proibia a miscigenação. Para
condená-lo, o Estado provou algo que ele
desconhecia: uma de suas bisavós fora es-
crava, quando criança, e portanto ele tinha
“sangue negro”, mesmo que em proporção
inferior a 1/16 avos.
Os dois eventos estão em A Utopia Bra-
sileira e os Movimentos Negros, de Anto-
nio Risério, um daqueles raros livros para
os quais cabe o adjetivo essencial. São 16
ensaios articulados por um cabo de aço
que é a revolta intelectual contra a impor-
tação das políticas raciais americanas. Nos
EUA, a regra da “gota de sangue única”
divide a sociedade em raças que são, por
defi nição, puras. No Brasil, os movimen-
tos “neonegros”, como os defi ne Risério,
engajam-se na invenção de um país ine-
xistente para imitar o modelo americano,
fabricando a raça nas leis com a esperança
de incuti-la nas consciências.
Pureza racial. O ideal ariano, objetiva-
mente contraditório com as mestiçagens
práticas e simbólicas de um mundo de
fl uxos acelerados, só pode existir pelos
meios da interdição ofi cial, como no Mis-
sissipi do passado recente, ou da classifi -
cação racial estatal, como pregam os ra-
cialistas no Brasil. Na apresentação de um
livro do antrópologo da USP Kabengele
Munanga, alerta-se para “os prejuízos que
a mestiçagem vem causando ao negro no
Brasil”. A melodia da raça pura é a estrela
fi xa na trajetória aparentemente parado-
xal de Abdias do Nascimento, ícone dos
movimentos negros brasileiros, que bateu
ponto no integralismo, ergueu a bandeira
do nacionalismo progressista e da “demo-
cracia racial” e, depois de uma estadia nos
EUA, converteu-se em porta-voz iracundo
das atuais políticas racialistas. Risério in-
sere cada coisa no seu contexto histórico,
desarmando os rasos discursos ideológi-
cos dos intelectuais “neonegros”.
A escritura de Risério é uma declaração
de amor ao Brasil, mas de um amor isento
da paixão cega que tolda a crítica. Ele não
nega o racismo: pelo contrário, identifi ca
a sua presença intersticial, difusa e abran-
gente. Sobretudo, evidencia a diferença
crucial entre o “nosso” racismo e o “de-
les” (o dos EUA). Aqui, o racismo frutifi -
cou como programa de branqueamento;
lá, como congelamento ofi cial e cultural
da separação entre raças. Mas o “nosso”
programa de branqueamento fracassou,
estilhaçando-se de encontro à mestiça-
gem. Como revelam os dados censitários,
a mestiçagem brasileira tende a eliminar
tanto os “negros” quanto os “brancos”, di-
namitando as bases sociais das políticas
de raça. Os intelectuais “neonegros” e os
movimentos que os seguem representam
uma resposta reacionária a esse processo:
uma tentativa de restauração do conceito
anacrônico de raça.
Na apresentação da obra, Risério recla-
ma um honesto debate de ideias. O seu li-
vro inspirado merece coisa melhor que os
previsíveis insultos dos fanáticos da raça e
os encômios vazios dos aduladores.
E, de fato, há nele algo fora do lugar:
aqui e ali, a lâmina de sua crítica perde o
corte, enredando-se na armadilha do pen-
samento racial. Dessa armadilha, emerge
um mestiço defi nido como objetividade
biológica, isto é, como entidade pré-polí-
tica, amparada no intercâmbio genético e
nas profundezas da cultura. Esse mestiço
“natural”, uma fi guração antiga do povo
brasileiro, remete o debate de volta para
A sedução da raçao túnel romântico da ancestralidade, que
é o campo de ação dos racialistas. Não se
trata de negar a extraordinária amplitude
do intercâmbio genético no Brasil, mas de
insistir naquilo que Gilberto Freyre já ha-
via registrado: somos todos mestiços, in-
dependentemente de nossas árvores gene-
alógicas, pois é assim que nos enxergamos
e defi nimos.
Wolfgang Gabbert sugere traduzir a
etnicidade como um fenômeno de dife-
renciação social no qual os atores esco-
lhem marcadores culturais ou fenotípicos
para distinguir a si próprios dos demais.
Isso signifi ca que a etnia, tanto quanto a
nação, é uma “comunidade imaginada” – e
que ela surge na instância política. A “raça
pura” não existe nos EUA (ou, em geral, no
mundo), mas pode ser inventada de modo
efi caz pela regra da “gota de sangue única”.
A divisão bipolar do Brasil em “brancos” e
“negros” contraria a biologia e nossa expe-
riência histórica – mas pode ser fabricada
por um Estado que se engaja na classifi ca-
ção étnica dos brasileiros e na imposição
de leis raciais.
Risério fecha os olhos para esse perigo
real precisamente por acreditar demais nas
permanências da biologia e da cultura. O
Brasil não é os EUA, nem a África do Sul
ou Ruanda. Mas a mestiçagem é um ple-
biscito cotidiano, não um talismã que nos
protege da sedução da raça e do cortejo de
violências que sempre a acompanha.
Demétrio Magnoli é sociólogo, doutor em geografi a humana
pela USP, integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Inter-
nacional da USP (Gacint) e colunista dos jornais O Estado de
S. Paulo e O Globo.
A Utopia Brasileira e os Movimentos NegrosAntonio RisérioEditora 34 - 440 páginas - R$ 54,00
Desenvolvimento julho de 2009 89
A Organização das Nações Unidas
(ONU) informa que quase 25% das
adolescentes que vivem na América La-
tina já fi caram grávidas ao menos uma
vez. O estudo faz parte do Programa da
ONU para o Desenvolvimento (Pnud)
e da Organização Internacional do Tra-
balho (OIT), publicado em Genebra.
A pesquisa mostrou que os países da
América Latina seguem tendência con-
trária à dos outros continentes, que con-
seguiram reduzir ou estão diminuindo
os casos de gravidez na adolescência. A
única região que apresentou taxa maior
do que a América Latina foi a África.
O documento considera que há uma
forte relação entre essas gestações precoces
e a pobreza. Na América Latina, apenas 5%
das meninas com maior renda teve fi lho. Já
nas camadas mais pobres, a taxa é superior
a 30%. A preocupação da ONU é que essas
meninas, ao engravidarem, são as primei-
ras a deixar a escola, afetando suas possibi-
lidades de trabalho por anos.
latino-americano
Adolescência
Incidência de gravidez maior entre pobres
PIB
Retração de 1,7% na
América Latina
A Comissão Econômica para América La-
tina e Caribe (Cepal) fez nova projeção para
a economia da América Latina: a região terá
retração de 1,7% no Produto Interno Bruto
(PIB) neste ano. Em abril, a expectativa da
Cepal era de retração de 0,3%. “A forte queda
na demanda, tanto interna quanto externa,
no quarto trimestre de 2008 e no primeiro
trimestre de 2009, afetou as economias da
América Latina e do Caribe. Por isso, a Ce-
pal estima que o PIB da região cairá 1,7% em
2009”, diz comunicado da instituição.
Apesar das projeções, o organismo res-
salva que, ao contrário de crises anteriores,
os países latino-americanos e caribenhos
estão agora menos endividados e com mais
reservas internacionais, e seus sistemas fi -
nanceiros apresentam um grau de exposi-
ção externa “relativamente baixo”. De acor-
do com a Cepal, “na última parte de 2008 e
nos primeiros meses deste ano, observa-se
uma signifi cativa queda nos fl uxos de co-
mércio internacional e retração nas remes-
sas, elementos que tinham impulsionado o
crescimento regional nos últimos anos”.
Crise
Mais de um bilhão de famintos no mundo
Investimento
Bid deve emprestar
US$ 3 bilhões ao Brasil
O Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID) planeja aplicar US$ 3 bilhões no
Brasil, em 2009, em operações com a União,
estados e municípios. Um terço do valor
deve ir para linhas de crédito a pequenas e
médias empresas. O dinheiro será repassado
às empresas pelo Banco Nacional de Desen-
volvimento Econômico e Social (BNDES).
No ano passado, a instituição aprovou US$
3,3 bilhões de crédito ao Brasil, um aumento
signifi cativo em relação à média do período
de 2004 a 2007 (US$ 1,4 bilhão).
A crise econômica mundial fará
com que o número de pessoas que
passam fome no mundo ultrapasse,
pela primeira vez, a marca de um
bilhão de pessoas em 2009. A esti-
mativa, publicada ontem, é da Or-
ganização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO). Se-
gundo a entidade, toda semana cerca
de um milhão de pessoas ingressam
nesse exército de famintos. Por isso,
já não se acredita mais que será cum-
prida a meta de redução da fome pela
metade até 2015. Na América Latina,
53 milhões de pessoas estarão em po-
breza extrema neste ano, 12,8% mais
que em 2008. Na África e no Oriente
Médio, serão 42 milhões.
Elza
Fiú
za/A
Br
90 Desenvolvimento julho de 2009
A Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (Cepal) e o governo da Ale-
manha fecharam acordo de cooperação para
desenvolver um programa de desenvolvi-
mento sustentado e de coesão social nos pa-
íses caribenhos e latino-americanos. A Ale-
manha vai investir 3,5 milhões de euros no
programa, que começará a ser implantado
no próximo ano e deve terminar em 2012.
Com esses recursos, a Cepal vai de-
senvolver diversas ações, entre elas a que
trata da mudança climática e novas fontes
de energia sustentada. Desde 1990, a Ale-
manha mantém cooperação com a Cepal.
Em 2003, o organismo e agência de co-
operação alemã fi zeram um projeto con-
junto sobre desenvolvimento da América
Latina e Caribe.
Emprego
Um milhão de postos
de trabalho a menos
Um milhão de pessoas perderam
o emprego na América Latina no pri-
meiro trimestre deste ano, de acordo
com a Cepal e a OIT. Segundo rela-
tório conjunto, a taxa de desemprego
na região atingiu 8,5% no primeiro
trimestre, ante 7,9% um ano antes. De
acordo com as instituições, a queda
das exportações e a redução do crédito
provocaram efeito negativo no merca-
do de trabalho. Se o PIB regional cair
1,7%, como estimam a
Cepal e a OIT, a taxa
de desemprego deve
chegar a 9,1% no fi -
nal deste ano, o que
corresponde a um au-
mento de 2,8 milhões
a 3,9 milhões de
desempregados.
Pós-crise
Mais acumulação de capital
OEA
A volta de Cuba
A Organização dos Estados Ame-
ricanos (OEA) aprovou, no início de
junho, a reintegração de Cuba ao or-
ganismo internacional. A decisão foi
tomada por representantes dos 34 paí-
ses na cidade hondurenha de San Pedro
Sulá. Agora, cabe a Cuba a iniciativa de,
se quiser, voltar a integrar o organismo.
Antes, o governo cubano vinha dizen-
do não ter interesse em retornar. Cuba
foi expulsa da OEA em 1962, porque
integrava o bloco comunista junto com
China e União Soviética.
A expectativa é que a decisão abra
caminho para a retomada do diálogo
com os Estados Unidos e para a sus-
pensão dos embargos impostos pelo
governo norte-americano à ilha.
Sustentabilidade
Alemanha fi nancia projeto
O modelo de acumulação de capital
será fortalecido depois da atual crise mun-
dial, na avaliação do economista cubano
Lázaro Peña Castellanos, professor da
Universidade de Havana. Haverá apenas
o rearranjo de algumas políticas macro-
econômicas. “As leituras da aplicação das
políticas keynesianas, ao menos da forma
como que se deram, estariam fora de con-
texto. Mas não há como negar que a par-
ticipação do Estado na economia tem que
se solidifi car”, afi rmou durante a palestra
“Crise Econômica e Pós-crise, o Contex-
to Econômico Previsível para a Economia
Cubana”, no mês passado na sede do Ipea,
em Brasília.
Segundo ele, Cuba apresenta pontos fa-
voráveis à sua inserção no mercado global,
como a economia planifi cada, contínuo
desenvolvimento técnico-científi co e con-
vênios com mercados comuns (Mercosul,
por exemplo). As desvantagens são a de-
pendência de importações e os efeitos do
embargo norte-americano à ilha.
Caipora moderno
Fiscal eletrônico da natureza
O Instituto Nacional de Tecno-
logia (INT) e o Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPF), ambos do
Ministério da Ciência e Tecnologia,
desenvolveram um aparelho para co-
leta de dados sobre meio ambiente,
como temperatura, acidez das águas,
partículas de monóxido de carbono,
dióxido de carbono e oxigênio no ar,
dados sobre o solo.
O aparelho, apelidado de Caipora, re-
gistra os dados num cartão de memória
e os transmite em tempo real. Ele pode
ser replicado para monitorar regiões
inteiras e executar outras tarefas por co-
mando remoto. O Caipora capta as in-
formações por sensores e as transforma
em sinais elétricos que são digitalizados,
armazenados e transmitidos pela tecno-
logia de telefonia celular.
Desenvolvimento julho de 2009 91
AGENDAO livro Sociedade e Economia: estratégias de
crescimento e desenvolvimento, que reúne textos de 23 autores, tem servido de base para diversos seminários sobre o futuro do Brasil. E será tema de novos debates neste mês de julho. Organizado por João Sicsú e Armando Castelar, ambos pro-fessores do Instituto de Economia da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o livro traz diferentes visões sobre o desenvolvimento.
Armando Castelar, já no primeiro capítulo, questiona se o país precisa de uma estratégia de desenvolvimento. No capítulo seguinte, João Sicsú, diretor de estudos macroeconômicos do
Ipea, põe em debate a construção de uma estra-tégia de desenvolvimento. O ex-ministro Antonio Delfi m Netto, em co-autoria com o economista e professor Akihiro Ikeda, também trata do mes-mo tema. Já o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso aborda a "economia criativa".
Os capítulos seguintes enfocam não só estratégias de desenvolvimento como também questões relacionadas às fi nanças públicas, educação, comunicações, demandas da socie-dade e dos movimentos sociais. São assinados por autores como Fernando Cardim, Julio Lo-pez, Amir Khair, Josué Gomes da Silva, Roberto
Estratégias de desenvolvimento em debate
01/07
Seminário: Choques de política monetária e de câmbio no Brasil: restrição de sinal versus uma nova abordagem híbrida de identifi cação
Expositores: Elcyon Lima e Alexis Maka (Ipea)
Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos) 02/07
Reunião sobre as Reformas das reformas da Previdência Social: “Uma Avaliação Preliminar da Situação na América Latina”Mediador: Milko Matjascic
Horário: das 15h às 18hLocal: Auditório do 14º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edf. Ipea/BNDES, Brasília (DF)Informações: Alda Chaves ([email protected]: (61) 3315-5418Realização: Disoc (Diretoria de Estudos Sociais)
03/07
Discussão Acerca dos Rumos da Coordenação de Justiça e Segurança Pública – Dilemas e PerspectivasMediador: André Campos Gambier
Horário: das 10h às 13hLocal: Auditório do 16º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edf. Ipea/BNDES, Brasília (DF)Informações: André ([email protected])Telefone: (61) 3315-5442Realização: Disoc (Diretoria de Estudos Sociais)
03/07
Ofi cina de Trabalho: Insegurança no emprego e estigma no setor formal do mercado de trabalho brasileiroExpositor: Daniel Santos (IBMEC-RJ/Ipea)
Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos,51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)
10/07
Ofi cina de Trabalho: Determinantes da expansão do emprego formal: mais estabelecimentos ou maiores estabelecimentos?Expositor: Rodrigo Moura (Ipea)
Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)
15/07
Seminário: Álcool hidratado: modelo e estimação do preço de equilíbrioExpositor: Hugo Boff (Instituto de Economia da UFRJ)
Horário: 16hLocal: Auditório do 10º andar - Av. Presidente Antônio Carlos, 51 - Rio de JaneiroCoordenação: Mauricio Cortez, Marco Antônio Cavalcanti, Salvador Werneck e Eduardo FiuzaInformações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)
Fendt, Samuel Pessôa, Eli Diniz, Raphael de Al-meida Magalhães (ex-ministro da Previdência), Maílson da Nóbrega (ex-ministro da Fazenda), Marcos Dantas e David Kupfer.
Nesse livro, o desenvolvimento do País é tratado dentro de uma visão mais abrangente do que a do simples crescimento econômico. A questão social e cultural é tratada como parte integrante do desenvolvimento.
13/08Horário: 16hLocal: Corecom-RJ - Av. Rio Branco, 109 Informações: Marina Nery ([email protected])Realização: Dimac (Diretoria de Estudos Macroeconômicos)
92 Desenvolvimento julho de 2009
Gênero
INDICADORES
A crise econômica internacional e os
impactos sobre a vida das mulheres
Nos oito meses que se seguiram aos
primeiros efeitos da crise no País
(setembro-2008 a abril-2009), o
crescimento da população econo-
micamente ativa (PEA) feminina foi menor
que o crescimento da PEA masculina em
todas as Regiões Metropolitanas pesquisa-
das na Pesquisa de Emprego e Desemprego
(PED - Dieese/Fundação Seade). Importan-
te destacar que há, neste caso, uma reversão
de fenômeno verifi cado em anos anterio-
res, quando se notava uma leve tendência
ao crescimento maior da PEA feminina em
relação à PEA masculina. Há indícios, por-
tanto, de que o contexto de crise econômica
retirou, relativamente, mais mulheres do
mercado de trabalho do que homens. Em
outras palavras, parece que o baixo dina-
mismo econômico tem empurrado as mu-
lheres para a inatividade.
As informações da PED sobre a taxa
de participação de homens e mulheres no
mercado de trabalho deixam mais clara
essa tendência que, apesar de leve, é ní-
tida e previsível, na medida em que ex-
pressa traços de nossa cultura patriarcal.
Isso porque em situações de perda de em-
prego/ocupação no núcleo familiar (com
conseqüente redução dos rendimentos
mensais), há maior probabilidade de que
mulheres retornem às suas casas e se res-
ponsabilizem pelas atividades domésticas
do que homens, seja pelo fato de que tra-
balhavam em pequenos empreendimentos
familiares que não sobreviveram à crise,
seja porque a perda de rendimento fami-
liar impossibilitou a manutenção de uma
trabalhadora doméstica que desenvolvia
Taxa de Desemprego das seis Regiões Metropolitanas, segundo sexo. 2007 a 2009
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.
5,8
7,77,2
jan/07 jan/08 jan/09mar/07 mar/08 mar/09mai/07 mai/08jul/07 jul/08set/07 set/08nov/07 nov/08
9,88,9
10,9
Total Mulheres Homens
atividades que agora deverão ser desempe-
nhadas por ela – ao passo que a trabalha-
dora doméstica dispensada também pode
voltar para a “inatividade”. Historicamen-
te, as taxas de desemprego femininas são
signifi cativamente mais elevadas que as
masculinas e os dados da Pesquisa Men-
sal de Emprego do IBGE (PME) e da PED
confi rmam esta tendência. No contexto
de crise, entretanto, parece haver um mo-
vimento diferenciado, no qual as taxas de
desemprego masculinas tendem a se ele-
var mais, em termos relativos.
De forma complementar, faz-se im-
portante analisar os dados relacionados à
ocupação, cujas variações nos meses pós-
setembro de 2008 foram, de forma geral,
negativas para homens e mulheres, nova-
mente com variações relativas um pouco
mais acentuadas no caso das mulheres –
sendo que, em anos anteriores, a ocupa-
ção feminina crescia mais, relativamente,
quando comparada à ocupação masculi-
na. Ou seja, parece que a crise refreou um
processo, até então existente, de feminiza-
ção do mercado de trabalho.
Cada setor de atividade econômica
tem seus próprios mecanismos de reação,
assim como se comportam de maneira
diferenciada os setores mais ou menos
estruturados da economia. Apesar da
limitação dos dados, e da própria natu-
reza conjuntural da análise, incapaz de
captar todas as tendências e movimentos
existentes, as informações disponíveis
sugerem que pode estar havendo uma
precarização geral do emprego como re-
ação à crise, que se manifesta na elevação
da inatividade e também no aumento de
mulheres em postos mais precários, como
trabalho sem remuneração e trabalho sem
carteira assinada. Por outro lado, há que
se mencionar evidências de uma “femini-
zação” do mercado de trabalho formal, o
que é positivo, mas pode também expres-
sar uma estratégia do empresariado em
contratar de forma mais precária.
Desenvolvimento julho de 2009 93
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE.
Resultado Líquido de Empregos Com Carteira Assinada (Admissões -
Desligamentos). Brasil: 2004-2009
Fonte: MTE, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Elaboração: DISOC/IPEA.
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego/Dieese.
Variação da Taxa de Desemprego em períodos selecionados, segundo sexo
e cor/raça. Regiões Metropolitanas, 2008 e 2009.
Variação do nível de ocupação em períodos selecionados, segundo sexo
e cor/raça. Regiões Metropolitanas, 2008 e 2009.
Variação do nível de ocupação entre setembro/2008 e abril/2009,
segundo sexo e setor de atividade. Regiões Metropolitanas.
Variação do nível de ocupação entre setembro/2008 e abril/2009,
segundo sexo e posição na ocupação. Regiões Metropolitanas.
450.000
250.000
50.000
-150.000
-350.000
-550.000
-750.000
SetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbr
2004 2005 2006 2007 2008 2009
JanFevMarAbrMaiJunJulAgoSetOutNovDezJanFevMarAbrMaiJunJulAgo
0,0
-0,5
-1,0
-1,5
-2,0
-2,5
-3,0
-3,5
-4,0
-4,5
-1,8
0,0
Belo Horizonte Porto Alegre SalvadorDistrito Federal Recife São Paulo
-1,3
-2,6
-0,3
-0,7
-1,1-1,4
-2,5
-0,9-0,7
-1,2
-1,7
-3,4
-4,2
-1,9
11,2%
24,1%
-4,8%
Homens Mulheres Mulheres brancas
Ago08/jan08 Abril09/Set08
Mulheres negras
-5,0%
-12,5%
21,3%
4,1%
0,0%
Ago08/jan08 Abril09/Set08
3,3%
-1,6%
-1,6%
Homens Mulheres Mulheres brancas Mulheres negras
-3,1%
-4,5%
3,0%
-1,8%
4,0%
Mulhere
Mulhere
Mulhere
Homem
Homem
HomemTotal
Variação da Taxa de Participação entre Setembro de 2008 e Abril de
2009, por Região Metropolitana, segundo sexo.
Indústria, água,luz e gás
Construção civil Comércio, reparação de veículos, etc
Intermediação fi nanceira, atividades
imobiliárias
Adm. Pública, saúde,
educação, etc.
Serviços domésticos
Outros serviços
17,5%
-4,8%
-8,4%
-3,2%
3,0%4,3%
-2,3%
-5,7%-4,6%
-0,9%
0,7%
-5,8%
-1,3%-3,0%
Trab. Doméstico Servidorpúblico/militar
Com carreira Sem carreira Conta própria Empregador Sem remuneração
-0,9%
0,2% 0,8%
-0,9%
8,9%
-0,6%-2,2% -2,7%-3,4%-3,7%
-10,1%
-13,5% -13,7%
-5,7%
94 Desenvolvimento julho de 2009
CARLOS LESSA
O professor Carlos Lessa
colocou ordem na casa, quan-
do disse que os empregos e a
renda que estavam sendo ge-
rados no Brasil em cima de
créditos de longuíssimo prazo,
ou seja, por meio do endivida-
mento da sociedade brasileira.
Cem meses não é prazo para
se comprar um carro, porque
antes de ser pago o bem já aca-
CARTAS A correspondência para a redação deve ser env iada para desaf [email protected]
ou para SBS Quadra 01 - Edi f ic io BNDES - Sala 906 - CEP: 70076-900 - Brasí l ia - DF
Aos leitores,Desafi os do Desenvolvimento agradece as pautas sugeri-
das por diversos leitores que escreveram. Todas aquelas
que atenderam à linha editorial da revista serão analisadas
e apuradas pela equipe de reportagem no devido tempo.
Acesse o conteúdo da revista Desafi os do Desenvolvimento no endereço:
www.desafi os.ipea.gov.br
bou. É uma pena que governo,
empresários e sistema fi nancei-
ro não vejam o mal que fazem
à economia ao estimular essa
bolha de consumo. Eles deviam
se unir em investimentos que
garantissem um crescimento
sustentado da economia, com
o qual poderiam gerar renda e
empregos mais perenes para o
trabalhador brasileiro.
Fernando Lopez Guerreiro
São Paulo (SP)
rede ferroviária não existe e
nossos portos têm os custos
operacionais mais elevados
do mundo. Concordo com
ele de que precisamos de
mais PAC em obras de infra-
estrutura.
CASA PRÓPRIA
Excelente a reportagem
sobre a casa própria, es-
pecialmente o destaque de
que habitação é um direito
fundamental da pessoa hu-
mana. Desta forma, e con-
siderando que segundo a
reportagem mais de 90% do
déficit habitacional refere-
se a famílias de baixíssima
renda, entendo que o gover-
no deveria criar um grande
programa de financiamento
a fundo perdido para ofe-
recer condições dignas de
moradia a essa enorme par-
cela da população brasileira.
Junto com obras de sanea-
mento, seria um dos mais
importantes instrumentos
para acabar de uma vez por
todas com a miséria que en-
vergonha os brasileiros mais
esclarecidos.
Douglas da Costa Magalhães
São Bernardo do Campo (SP)
CARLOS LESSA II
A entrevista do profes-
sor Carlos Lessa traz à tona
a questão do “Custo Brasil”,
aquele custo invisível que
só contribui para reduzir a
competitividade do produ-
to brasileiro em relação aos
seus congêneres estrangei-
ros. Esse custo não está pre-
sente apenas em nossa carga
tributária, mas se manifesta
de forma ainda mais perversa
no setor de infraestrutura. O
exemplo da soja citado pelo
professor é emblemático: o
agricultor brasileiro con-
segue produzir a soja mais
barata do mundo, mas que
perde toda a competitivida-
de quando sai da porteira da
fazenda. Nossas rodovias es-
tão em estado lamentável, a
Pedro do Amarante Silveira
Araguaína (TO)
DE OLHO NA CHINA
O estreitamento das nos-
sas relações comerciais com
a China deve merecer aten-
ção do governo brasileiro
também no que diz respeito
à proteção dos nossos merca-
dos, tanto interno como no
estrangeiro. Enquanto conti-
nuamos exportando matéria-
prima para lá, o governo de
Pequim invade nossos mer-
cados com seus produtos aca-
bados sem que as autoridades
brasileiras criem condições
de competitividade para que
a nossa indústria possa se
defender desse ataque. Preci-
samos, literalmente, abrir os
olhos para a China.
Marcello Ribeiro da Costa
Salvador (BA)