a gestão da água na periferia de medellin
DESCRIPTION
O artigo apresenta dois exemplos de gestão da água na periferia marginal de Medellin com base na movimentação do capital social.TRANSCRIPT
A gestão comunitária da água na periferia marginal de Medellín
Xosé Manuel Carreira Rodríguez
Introdução
O capital social é considerado a variável que mede a colaboração entre os diferentes
grupos sociais de um coletivo humano e o uso individual das oportunidades decorrentes a
partir de três fontes principais: o afeto, a confiança mútua, as normas e as redes sociais
(Portes A., 2000; Jones N. et al., 2009). Segundo o Banco Mundial, o capital social tem um
impacto positivo sobre a gestão dos recursos comuns escassos, como a água, na medida
em que proporciona uma melhor prestação de serviços e atenua o conflito social
(Dasgupta P. et al. 2001).
Assim, os programas de abastecimento de água e saneamento em colaboração com a
comunidade surgiram como uma alternativa para sistemas centralizados em toda a parte.
Os sistemas centralizados não só alienaram os beneficiários do processo de tomada de
decisões, senão que foram incapazes de criar um mecanismo de governação viável para
enfrentar de forma sustentável as necessidades de uma população crescente (Shresta
M.K., 2012). Este escrito descreve dois modelos de gestão comunitária da água que
coexistem hoje na periferia marginal de Medellín: a gestão tradicional dos aquedutos e as
novas redes das Empresas Públicas de Medellín (EPM) geridas pelas comunas.
O capital social nas políticas públicas de Medellín
Em Medellín, o programa de Planeamento e Orçamento Participativo começou em 1996
segundo Agudelo et al. (Agudelo et al. , 2009). Desde então, são realizadas reuniões de
bairro, de comuna e zonais em que as pessoas priorizam iniciativas de investimento de
um catálogo de serviços municipais. O fato de que as comunidades se reúnam para fazer
um diagnóstico, priorizar investimentos e construir visões partilhadas do futuro é uma
grande conquista para Medellín.
Além disso, no ano 2007, a Secretaria responsável pela gestão do programa lançou a
implementação de um programa de software chamado Siopp que permite fazer o
monitoramento e avaliação do programa por qualquer cidadão. Nele as pessoas,
organizações sociais e comunitárias podem registar-se; documentos e uma série de
informações produzidas durante o processo são gravados. O software de colaboração
(groupware), como foi exposto por Kraus (Kraus F., 2003), pode ajudar a gerar coesão
social e confiança institucional ao construir cenários virtuais em que os acordos são
gerados.
O caso da água em Medellín
Em Medellín, o município é responsável por garantir os serviços urbanos através da EPM.
No setor da água, a cobertura é de 98% de água potável e 94% de saneamento. Esta
cobertura não inclui a população que vive em assentamentos ilegais. É nestas áreas onde
as pessoas mais pobres de Medellín moram, não há verbas para infraestrutura urbana, os
índices de desemprego, pobreza e violência são altos e a presença das instituições é muito
limitada. Há três maneiras de obter água em Medellín nestas áreas marginais:
- Ser ligado ilegalmente à rede da EPM.
- Gerir em comunidade um aqueduto tradicional.
- Obter uma nova conexão comunitária da EPM.
Neste artigo vou-me concentrar apenas nos dois últimos casos, observando semelhanças e
diferenças do ponto de vista do engajamento cívico e do capital social.
A gestão comunitária dos aquedutos
Aqueduto da Comuna 10. Fotos: Jane Molina Raga y Carlosé, 2014
Cadavid (Cadavid N., 2009) aponta que os aquedutos são as estruturas tradicionais que
fazem parte da história da ocupação da Colômbia nas periferias urbanas. A população
solucionou por si própria o abastecimento de água potável criando aquedutos que
sobreviveram e se mantiveram por décadas. Os resultados demonstram a importância dos
aquedutos no fortalecimento do tecido social e a geração de elos tangíveis entre
comunidade, bacia hidrográfica, divisórias de águas e o ecossistema.
Esta visão permitiria outorgar-lhe o título de património histórico aos aquedutos
populares e de património socioambiental a essas organizações comunitárias,
considerando a importância da integração da comunidade para a gestão dos recursos
hídricos, reforçar o poder de gestão e promover a utilização da água de maneira
consciente e responsável. Infelizmente ainda não há normas em Colômbia que
reconheçam os prestadores de serviços de água sem fins lucrativos como instituições
populares da economia social.
As novas redes de água e o recrutamento social
Um dos aspetos mais inovadores da RSC da EPM é o programa de recrutamento social que
permitiu a contratação de entidades comunitárias para criar postos de trabalho, para
executar tarefas relacionadas com a expansão e manutenção da rede de água da EPM
(WSP, 2008).
Os contratos sociais também têm procurado transmitir conhecimentos às comunidades
(17,000 horas de formação), a criação de postos de trabalho (7.000 empregos de
diferentes durações), atrair o investimento de 12 milhões de dólares, gerar lucros
derivados para a comunidade (1.2 milhões de dólares) e melhorar a qualidade de vida da
população. 41,000 redes de água limpa e mais de 44,000 sistemas de esgoto foram
construídos com este mecanismo, o que beneficiou mais de 40,000 habitantes entre 1999
e 2005. A comunidade deve pagar o custo da ligação, estimado em cerca de mil dólares
por família, mas recebe facilidades de pagamento a prazo com até dez anos de carência
segundo as necessidades o que permitiu a formalização de 35% dos clientes atuais da
EPM.
O maior desafio que enfrentou a EPM é a forma de prestação de serviços para as
populações que estão localizadas em bairros considerados ilegais e em áreas consideradas
de risco no plano de ordenamento urbanístico. Com a ideia de impedir o crescimento
urbano informal e caótico e o surgimento de graves conflitos sociais no futuro, o programa
tornou-se mais flexível e foi estendido também a áreas rurubanas e rurais na periferia do
município de Medellín.
Dificuldades no desenvolvimento e mobilização de capital social em Medellín
A Universidade de Antioquia realizou uma medição do capital social em Medellín entre
2004 e 2007 (Agudelo et al., 2009) e os resultados mostraram que a cidade ainda tem um
capital baixo tanto no estrutural (participação em associações) como no cognitivo (valores
como confiança e honestidade).
Em média, a participação em organizações foi de apenas 0,39 por fogar. Este valor é baixo
em comparação com relatórios internacionais e inferior do que a média colombiana de
0,64 (Polania, 2005). Além disso, a percentagem de pessoas confiantes na sociedade era
muito baixa, com apenas o 18%. O estudo também confirmou que os grupos
marginalizados, os mais pobres e de mais baixo nível educacional, por sua vez, são aqueles
que têm um menor capital social e devem ser alvo de políticas que permitam a ligação
com a sociedade de forma produtiva, superando as armadilhas da pobreza.
Outra dificuldade detetada em relação ao oitavo princípio de desenho de políticas de
Ostrom (Otrom, 1990) - a organização aninhada - na gestão comunitária da água em
Medellín é a dificuldade para identificar uma bacia, um ecossistema e os seus serviços
associados a um nível particular como Brondizio et al. observaram em outros casos
(Brondizio E. et al., 2009) e entender que grupo os está a usar, quais as consequências e
que tipo de plano de governo é o que melhor se adapta ao seu nível.
Finalmente, tão importante quanto o conhecimento em comum da comunidade é
compreender as relações de poder internas (Ishirara H. et al. 2009). Depender
exclusivamente do conhecimento em comum em uma sociedade latino-americana com
altos níveis de clientelismo, corrupção e criminalidade pode fazer com que uma ação
coletiva sirva os objetivos dos poderosos em detrimento dos grupos desfavorecidos da
comunidade.
Conclusões e linhas de ação
Após ter levantado um enquadramento contextual da gestão comunitária dos recursos
hídricos de Medellín, quer com os tradicionais aquedutos quer com as novas redes de
gestão comunitária da EPM, reconhecendo os muitos sucessos do recrutamento social da
EPM propõe-se que a nova cultura da água integre o know-how da gestão de aquedutos
históricos de Medellín. Também é preciso superar algumas dificuldades acima assinaladas
no desenvolvimento e mobilização do capital social urbano.
Concordo plenamente com a ideia de Ostrom (Ostrom, 1990) de que os seres humanos
são capazes de se auto-organizar e criar iniciativas de cooperação que podem funcionar
razoavelmente bem por um longo tempo. Em vez de confiar completamente no
centralismo da administração ou na propriedade privada para a gestão da água, existe
uma terceira via assente no histórico know-how de sistemas de água auto-organizados.
Seguindo a filosofia de gestão dos bens comuns escassos de Ostrom (Ostrom, 1990) as
seguintes linhas de ação deveriam intensificar-se e orientar a gestão comunitária da água
de Medellín em áreas marginais: a comunicação como um princípio democrático, a
organização para a participação cidadã em vários níveis, e a formação e capacitação
(empowerment) dos atores com maior perigo de discriminação; todas elas de forma
coordenada podem permitir a democratização do público afastando os perigos tanto do
excessivo intervencionismo como da privatização da água.
Referências usadas
Agudelo G. D., Pulgarín M. L. A., Acosta J. H. F. Capital social, desarrollo y políticas públicas en Medellín, 2004-2007. Estudios políticos, (32). 2009. Brondizio E., Ostrom E., Young O. Connectivity and the Governance of Multilevel Social-Ecological Systems: The Role of Social Capital. The Annual Review of Environment and Resources. 34:253–78. 2009.
Cadavid N. Acueductos comunitarios: Patrimonio social ambiental del Valle de Aburrá. Avances en Recursos Hidraúlicos, Número 20, ISSN 0121-5701. pp 57-64. Colombia. Junio a Octubre de 2009. Cadavid N. Criterios de sostenibilidad para acueductos comunitarios. Estudio de caso: Periferia urbana del Municipio de Envigado, Cuenca de la Quebrada La Ayurá (Doctoral dissertation, Tesis de maestría, Escuela de Geociencias y Medio Ambiente, Universidad Nacional de Colombia, Sede Medellín). 2008. Dasgupta P., Serageldin, I. (editores). Social capital: a multifaceted perspective. World Bank Publications. 2001. Dietz T., Ostrom E., Stern P. The struggle to govern the commons. Science 302:1907–12. 2003. Ishirara H., Pascual U. Social capital in community level environmental governance: A critique. Ecological Economics, 1549-1562. 2009. Jones N., Sophoulis C. M., Iosifides T., Botetzagias I., Evangelinos K. The influence of social capital on environmental policy instruments. Environmental Politics Vol. 18, No. 4, 595–611, Julho de 2009. Kraus F. Desenvolvimento Sustentável Local na Sociedade em rede: o potencial das novas Tecnologias de Informação e Comunicação. Revista de Sociologia Política, Curitiba, 21, p. 165-185, Novembro de 2003. Moncada Mesa J., Pérez Muñoz C., Agudelo, G. D. Comunidades organizadas y el servicio público de agua potable en Colombia: una defensa de la tercera opción económica desde la teoría de recursos de uso común. Ecos de Economía, 17(37), 125-159. 2013. Ostrom E. Governing the commons. Cambridge, UK: Cambridge Univ. Press. 1990. Portes, A. Social capital: Its origins and applications in modern sociology. LESSER, Eric L. Knowledge and Social Capital. Boston: Butterworth-Heinemann, 43-67. 2000. Polania, C. Capital social e ingreso de los hogares del sector urbano en Colombia. Revista Desarrollo y Sociedad-Universidad de los Andes, 50(2). 2005. Shrestha M. K. Internal versus External Social Capital and the Success of Community Initiatives: A Case of Self-Organizing Collaborative Governance in Nepal. 2012. WSP. Agua y saneamiento para las zonas. Programa de Agua y Saneamiento marginales urbanas de América Latina. Perú. Julho de 2008.
Ligações
Empresas Públicas de Medellín
http://www.epm.co