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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mestrado em Urbanismo V SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO “Cidades: temporalidades em confronto” Uma perspectiva comparada da história da cidade, do projeto urbanístico e da forma urbana. SESSÃO TEMÁTICA 3: PROJETOS E INTERVENÇÕES URBANISTICAS PLANOS E PROJETOS URBANÍSTICOS I COORDENADORA: CÉLIA FERRAZ (PROPUR-URFRGS) A “haussmannização” e sua difusão como modelo urbano no Brasil. Eloísa Petti Pinheiro A “haussmannização” é um tema que se mantêm atual através da produção de novos estudos que apontam para novas interpretações sobre as intervenções realizadas em Paris entre 1853-1870: sua forma de implantação, seu momento histórico, suas consequências e, principalmente, sua difusão como modelo de cidade moderna. Novos estudos analisam as reformas buscando definir um modelo que se “exporta” e se adapta em muitas cidades espalhadas pelo mundo. No Brasil, uma provável primeira haussmannização, pode ser identificada na reforma urbana realizada por Pereira Passos no Rio de Janeiro (1902-1906) onde o modelo se adapta transformando a cidade colonial em uma cidade moderna. Uma análise da adaptação deste modelo nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador é o tema de nosso trabalho. 1 Para se caracterizar como uma haussmannização é preciso mais do que um prefeito autoritário, mais do que a abertura de novas ruas e de construções monumentais. Além destes pontos a haussmannização possui outras características fundamentais. Sua forma de ação se baseia na capacidade de intervir em um tecido urbano existente, introduzindo elementos alheios a este, mudando sua imagem, expulsando a população residente e dotando-o de monumentalidade. A haussmannização engloba, além dos aspectos urbanos, os sociais, os econômicos e os políticos. Dependendo do rigor com que se conceba o termo haussmannização podemos considerar a Paris haussmanniana modelo para algumas cidades ou apenas uma interpretação das intervenções realizadas na capital francesa. As novas discussões sobre o tema levantam novos pontos tais como se podemos considerar como haussmannização a aplicação de alguns dos critérios de Haussmann ou se é necessário a utilização de todos os elementos para ser considerado como tal. A cidade haussmanniana resulta ser a cidade da moderna sociedade burguesa, uma vitrine da modernização, que se executa sob uma determinada conjuntura que se cria quando se encontram a forma autoritária de gestão da cidade e as novas estruturas do capitalismo. É um momento singular que se produz num tempo justo, nem antes nem depois.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Mestrado em Urbanismo

V SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO “Cidades: temporalidades em confronto”

Uma perspectiva comparada da história da cidade, do projeto urbanístico e da forma urbana.

SESSÃO TEMÁTICA 3: PROJETOS E INTERVENÇÕES URBANISTICAS

PLANOS E PROJETOS URBANÍSTICOS I COORDENADORA: CÉLIA FERRAZ (PROPUR-URFRGS)

A “haussmannização” e sua difusão como modelo urbano no Brasil.

Eloísa Petti Pinheiro

A “haussmannização” é um tema que se mantêm atual através da produção de novos estudos que apontam para novas interpretações sobre as intervenções realizadas em Paris entre 1853-1870: sua forma de implantação, seu momento histórico, suas consequências e, principalmente, sua difusão como modelo de cidade moderna. Novos estudos analisam as reformas buscando definir um modelo que se “exporta” e se adapta em muitas cidades espalhadas pelo mundo. No Brasil, uma provável primeira haussmannização, pode ser identificada na reforma urbana realizada por Pereira Passos no Rio de Janeiro (1902-1906) onde o modelo se adapta transformando a cidade colonial em uma cidade moderna. Uma análise da adaptação deste modelo nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador é o tema de nosso trabalho.1 Para se caracterizar como uma haussmannização é preciso mais do que um prefeito autoritário, mais do que a abertura de novas ruas e de construções monumentais. Além destes pontos a haussmannização possui outras características fundamentais. Sua forma de ação se baseia na capacidade de intervir em um tecido urbano existente, introduzindo elementos alheios a este, mudando sua imagem, expulsando a população residente e dotando-o de monumentalidade. A haussmannização engloba, além dos aspectos urbanos, os sociais, os econômicos e os políticos. Dependendo do rigor com que se conceba o termo haussmannização podemos considerar a Paris haussmanniana modelo para algumas cidades ou apenas uma interpretação das intervenções realizadas na capital francesa. As novas discussões sobre o tema levantam novos pontos tais como se podemos considerar como haussmannização a aplicação de alguns dos critérios de Haussmann ou se é necessário a utilização de todos os elementos para ser considerado como tal. A cidade haussmanniana resulta ser a cidade da moderna sociedade burguesa, uma vitrine da modernização, que se executa sob uma determinada conjuntura que se cria quando se encontram a forma autoritária de gestão da cidade e as novas estruturas do capitalismo. É um momento singular que se produz num tempo justo, nem antes nem depois.

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1. A haussmannização Se conhece como haussmannização a reforma urbana realizada em Paris durante o Segundo Império (1853-1870) por ordem de Napoleão III e sob a direção do Prefeito do Sena Georges-Eugène Haussmann. Para alguns autores representa o conjunto das obras realizadas em Paris, para outros, define uma forma de intervir no tecido urbano denso. A haussmannização pode ser um estilo urbano, um episódio histórico ou um modelo de cidade. Considerando o tipo de intervenção realizada, a forma de implantação e a criação de um espaço urbano monumental muitas intervenções, mesmo anteriores ao Segundo Império francês, podem ser classificadas como haussmannianas. Demolições urbanas para a abertura de novas vías, retas e largas, em centros urbanos densamente construídos, les percées, não são uma invenção de Haussmann. Obras desta mesma natureza se realizam em Paris pelos prefeitos parisienses Rambuteau (1833-1848) e Berger (1848-1853). A própria urbanística francesa já considera a rua reta e larga superior às sinuosas e estreitas desde o século XVI. Este “urbanismo haussmanniano” se reconhece na abertura da rue de Rivoli sob o comando de Napoleão I e continua nos bulevares da Terceira República. Algumas interpretações consideram que as intervenções comandadas por Haussmann criam um estilo. Segundo Kostof2 todas as reformas realizadas nos mesmos moldes de Paris, sejam antes ou depois do Segundo Império, onde predominem a abertura de avenidas, a demolição de velhas edificações e a expulsão da população residente sem que o Estado se responsabilize por elas podem ser classificadas como haussmannizações. Apesar das obras parisienses serem conhecidas como haussmannização, elas não se realizam por mérito somente de Haussmann. Napoleão III planeja as intervenções durante seu exílio e ao regressar traz um plano elaborado para transformar Paris. Mas é ao nome de Haussmann que se faz referência quando se pensa na reforma urbana que tem sua maior atuação nas aberturas, les percées, e nas demolições. Para todos os efeitos, a transformação de Paris é obra de Georges-Eugène Haussmann. Antes de discutir se Paris se transforma em um modelo para outras cidades que realizam suas reformas urbanas com um estilo semelhante ao de Haussmann, perguntamos se existe um modelo para Paris. Muitos autores acreditam que sim, que Londres, cidade que abriga Napoleão III em seu exílio, seria o modelo. Outros não consideram Londres pois ali não existem aberturas no tecido medieval da urbe uma vez que este foi destruído no incêndio ocorrido em 1666. Pode ser a Roma de Sisto V, a tradição clássica, os modelos renascentistas ou considerar o estilo haussmanniano uma expressão tardia do barroco. O tipo de arquitetura e a arte urbana já estão definidos antes de Haussmann, desde Luis XIV, e continuam para além do Segundo Império. Hoje se fala de um pós-haussmannismo na Terceira República e um neo-haussmannismo quando, nos últimos anos, o descobrem nos novos estudos sobre a história das formas urbanas.3 Afinal, o que é a haussmannização? Pelos escritos de Haussmann não se pode dizer que seja uma teoria uma vez que não propõe uma doutrina de melhorias urbanas. Segundo Françoise Choay4 é o leitor atual que busca decifrar um método e principios gerais para a organização do espaço urbano em seu trabalho; é o pesquisador o que procura nas entrelinhas das obras de transformação de Paris um estilo que influencia a quase todas as capitais européias. O próprio Haussmann denomina seu urbanismo

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de “uma regularização”, que não pretende uma universalidade científica, não se baseia em uma crítica social nem propõe um modelo espacial. O estilo haussmanniano se forma por intervenções autoritárias sobre uma malha existente onde se sobrepõe uma rede viária nova, composta por ruas largas e retas, e avenidas equipadas com os serviços de infra-estrutura modernos, adornadas por fileiras de árvores, espaçosas calçadas e um novo mobiliário urbano. As abertura, les percées, se projetam para passar através de quarteirões insalubres onde se concentra uma população considerada “perigosa”, pobre, que vive em habitações insanas as quais se quer destruir e assim expulsar seus habitantes para longe do centro. As novas ruas são desenhadas com monumentalidade, criam uma harmonia de grandes massas com construções uniformes, formam novas prspectivas, destacam os monumentos históricos e outros novos são construidos. As consequências destas intervenções são a segregação social e funcional, o aburguesamento do centro da cidade e a criação de um espaço monumental esteticamente estandardizados. Finalmente, existe um modelo haussmanniano? Se é um modelo se supõe exportável e que seja composto por idéias gerais, por métodos e ações específicas. Primeiro vamos definir esse modelo para depois verificar sua possível exportação para outras cidades, inclusive no Brasil. 2. A implantação de um modelo Muitas das grandes cidades passam por intervenções e na busca de sua modernização, abrem grandes eixos, largas avenidas e destroem quarteirões insalubres do centro. Mas são os trabalhos realizados em Paris por Haussmann que se tornam o símbolo deste tipo de intervenção. Por que? As obras realizadas por ele impressionam tanto pela grandeza dos trabalhos executados como pela rapidez com que se realizam. Por outro lado está a originalidade do conjunto que B. Marchand5 define em três pontos: a importância dos equipamentos coletivos, a criação de uma cidade burguesa e a produção de um conjunto coerente. Paris se transforma em uma cidade haussmanniana entre os anos 1853-1870 quando passa por um processo de reforma urbana comandada pelo Barão Haussmann, prefeito do Sena durante o Segundo Império de Napoleão III. Para realizá-la o capital privado e o capital público se unem com o intuito de intervir no tecido urbano com base num modelo funcional de cidade. São levadas a cabo obras de instalação de infra-estrutura e de serviços necessários para o funcionamento de uma cidade que passa por transformações estruturais produzidas pela industrialização e pelas novas necessidades modernas. São obras públicas como a rede de esgotos, a iluminação pública a gás, a rede de abastecimento de água, a construção de aquedutos, a implantação de serviços de transporte, a abertura de grandes parques e a construção de edifícios públicos. Haussmann introduz os equipamentos coletivos recuperando o atraso em relação a Londres. A formação da cidade burguesa é seu principal mérito, uma forma urbana nova e original. A harmonia haussmanniana se consegue pela uniformidade das grandes massas e a variedade dos detalhes, uma combinação que forma um conjunto esteticamente coerente. A cidade está concebida por hierarquias que controlam os volumes, unidades distintas, mas umas pensadas em relação às outras: os imóveis, as ruas, os cruzamentos, os jardins e os quarteirões. Neste projeto de transformação o elemento principal é a rua. Uma nova malha viária

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composta por um tecido arquitetônico que se superpõe ao antigo. Projetada sobre bairros insalubres com ruas estreitas e sinuosas, expulsa a população residente considerada “classe perigosa”. Usando o argumento da melhoria da circulação e da higiene, a malha viária do século XIX destrói e modifica o tecido medieval. O projeto introduz um sistema de circulação e de respiração com uma trama hierarquizada baseada em uma rede em estrela. Ruas se alargam, outras se abrem, fachadas se redesenham e o tecido urbano irregular é substituido por um desenho geométrico e regular. A projetação zenital, própria do engenheiro, abstrai a rede da paisagem urbana e se apóia na perspectiva de estilo clássico e na harmonia dos volumes. Segundo Roncayolo6, a rua e o bulevar comandam o imóvel, a abertura pública agencia os espaços privados. Adota-se uma nova forma de construção da paisagem urbana. As intervenções no núcleo central da cidade tratam o conjunto dos espaços heterogêneos como uma entidade única7, construindo uma imagem urbana mais coerente, com um tipo de arquitetura definida onde o imóvel haussmanniano se integra ao espaço público através de uma projetação regulamentada.8 Mas não resulta em um espaço homogêneo uma vez que a divisão social entre leste e oeste, entre periferia e centro se acentua, mas ainda não caracteriza uma cidade por setores. A hierarquia do sistema de comunicação muda a ordem de valores. O espaço haussmanniano é o espaço público, as vias, os passeios, as praças, o espaço da mobilidade. Os novos bulevares de Haussmann são artérias criadas para o novo tráfico da cidade, diferentes dos bulevares de Luis XIV implantados no local da antigas muralhas e que se destinavam ao lazer. A cidade passa por uma metamorfose nunca vista que resulta na melhora da higiene e da circulação, muda a imagem do centro e prepara a cidade para um novo modo de vida. Novas vías são abertas tanto na periferia como no centro histórico, monumentos são isolados e ruas existentes recebem novo alinhamento. A intervenção ocorre dentro das possibilidades políticas, financeiras e técnicas da época.9 Sua realização só é possível devido a vontade política do chefe de Estado que conhece a necessidade da transformação e da modernização da cidade delegando-a a um operador competente que busca a ordem social, o prestigio, o desenvolvimento e, quem sabe, até uma reforma da sociedade. O resultado deste movimento é o ajuste da forma urbana e da forma de convivência. Mais que uma vontade de mudança, é uma resposta à realidade. Em sua visão, Roncayolo10 não considera a haussmannização um acidente, um capricho de um regime ou de um príncipe. É antes de tudo uma resposta. A haussmannização tem suas raízes nas múltiplas pressões que agitam a cidade do início do século, pressão demográfica e pressão econômica que empurram o jogo de valores urbanos, o preço do solo e dos imóveis. A doença e o medo social, o cólera e o motim não representam a parte mais vistosa de uma cidade que quebra por todos os lados. Devido aos problemas com a salubridade, os higienistas reclamam reformas no centro, considerada a área mais insalubre da urbe. Haussmann considera os problemas da grande cidade como um problema técnico cujos pontos essenciais são sanear, transportar e equipar. A estrutura urbana se adapta para receber os novos equipamentos e Haussmann se apoia nos engenheiros para levar a cabo sua proposta. Belgrand é o responsável pela rede de esgotos e a construção do aqueduto; Alphand é o responsável pelos parques e jardins; e Deschamps projeta o plano geral e o traçado das ruas. Mas, será a haussmannização uma intervenção no tecido urbano densamente

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construido do núcleo central da cidade, transformando-o, cambiando seu aspecto, expulsando de suas ruas sua população, executada por um regime autoritário com o argumento da modernização? De forma geral, sim. Mas ainda existem outras formas de interpretar este processo. Na definição de L. Bergeron11 a Paris haussmanniana é antes de tudo a Paris das grandes artérias, das belas perspectivas e dos cruzamentos em estrela sobre uma herança histórica com grande significado estético, simbólico e social, dos quais tudo já foi dito. Para Roncayolo12 o modelo haussmanniano se fundamenta num tipo de operação bem definida que se compõe da aliança da intervenção pública, das sociedades imobiliárias e de crédito cujo objetivo de atuação são as intervenções no tecido construido. Já Christiane Blancot13 define a haussmannização como o símbolo da autoridade administrativa contra a democracia, da norma arquitetural contra a livre criação, como o símbolo da burguesia que pasa por cima do proletariado mudando a cidade a sua imagem e semelhança, com uma arquitetura cínica e pretenciosa e uma estética de novo rico. Sem dúvida é uma experiência de intervenção autoritária na cidade e se identifica com a transformação burguesa da mesma. Seu principal campo de atuação são os centros tradicionais onde se realizam cortes em seu tecido urbano, rasgando ruas e isolando edificios antigos de grande valor histórico e situado-os como ponto focal das novas perspectivas urbanas. Mas estas intervenções não destroem todo o centro, apenas introduzem novos elementos alheios a este e mudam sua malha urbana. “... al menos en el centro de la ciudad, las calles – calles-pasillos, anchas avenidas o cruces – se superponen al antiguo tejido urbano que subsiste bien que mal (parcelas y trazados) fragmentado o conectado con el nuevo. Salvo excepciones, la haussmannización no hace tabla rasa: es trabajo sobre la ciudad. Crea de este modo una especie de mixtura de contacto (...).”14 O sistema planejado por Haussmann é mais complexo e ao mesmo tempo mais esquemático que a cidade existente. O novo traçado tem autonomia com relação ao anterior. C. Blancot rebate as críticas de que Haussmann abre suas vias as cegas, sem ter em conta a cidade existente e parte do princípio que o novo traçado é um projeto claramente definido, tendo em conta as vias públicas existentes e as possibilidades de ligamento dos imóveis novos às construções mais antigas.15 É neste novo traçado que se introduz o espaço da burguesia, esteticamente comportado, limpo, sem a presença de uma população indesejada. Apesar desta população continuar presente na parte que não se modifica, continua na parte de trás, nos quarteirões que não sofrem intervenção durante as reformas. Ainda restam pedaços da antiga Paris. Além da população a cultura popular também é excluída dos novos espaços: os teatros populares se derrubam e os pobres perdem seus espaços de lazer. As demolições no centro provocam uma crise de habitação, favorecem a especulação e agravam a segregação social. Uma das maiores consequências das reformas haussmannianas são as separações: Paris de um lado e a periferia de outro; os quarteirões ricos do oeste versus os quarteirões pobres do leste; a rive gauche contra a rive droite. Muda a segregação vertical das edificações pela segregação horizontal dos bairros. O centro consolida suas funções comerciais, administrativas e financeiras. Também passa a ser um local de ócio com teatros e locais para passear.

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Em seu entorno mais próximo estão os bairros residenciais de luxo, como a área da l’Etoile. Mais além estão os bairros proletários. A cidade a que chamamos haussmanniana é a cidade burguesa por excelência, o local institucional da moderna sociedade burguesa, um espaço que se configura de acordo com a sua lógica e se supõe um modelo espacial concreto. É uma vitrine da modernização antes de ser um centro de produção que se aciona pelo encontro entre um urbanismo autoritário e as novas estruturas do capitalismo. Sempre que pensamos em Paris, a imagem que nos vem a cabeça é a de uma cidade com grandes artérias, belas perspectivas e grandes cruzamentos em estrela. Uma cidade onde o bulevar e a edificação fazem um conjunto indisociável. Um modelo para muitas outras cidades que querem se adaptar às necessidades da vida moderna. A haussmannização se associa muito mais à estética da cidade que a funcionalidade de seu projeto. A cidade se transforma num exemplo de experiência estética, de um espetáculo público sem igual. Kostof considera que os que se inspiram em Paris o fazem menos pelos aspectos funcionais de seu programa do que por sua urbanidade e o cosmopolitismo que o exemplo parisiense confere a suas cidades.16 Por fim este é o paradoxo da haussmannização: seu projeto de funcionalidade acaba muito mais conhecido pela criação de um belo conjunto, pela concepção de uma cidade como uma obra de arte. 3. A difusão de um modelo Algumas cidades tem a capacidade de se converter em exemplo e influenciar as demais que passam a tê-la como modelo. Cidades míticas exercem sua influência fora de seus domínios geográficos. No século XIX, Paris é considerada como um modelo de modernidade, uma modernidade que se divulga nas exposições universais que abriga em suas ruas. Uma imagem de modernidade que se obtêm depois das intervenções haussmannianas com as quais se processa a modernização de suas ruas. Paris se transforma em uma cidade distinta das demais urbes européias após passa por intensas transformações para adaptar-se às novas condições econômica e sociais, construindo um novo espaço mais de acordo com os novos tempos e com uma nova sociedade. Suas transformações são apreciadas pelas outras cidades. Na visão de alguns autores a Paris haussmanniana tem a capacidade de se transformar em exemplo e modelo não só para algumas cidades francesas como também para outras muito distantes da Europa como Cairo, Saigón ou Rio de Janeiro. Um desses autores é Marc Gaillard17 que considera os urbanistas e os arquitetos do Segundo Império criadores, sem dúvidas, da cidade mais coerente do mundo, modelo de outras capitais até meados do século XX. Uma cidade onde encontramos por todos os lados o gosto pelo embelezamento do espaço público, através da clareza e a regularidade dos traçados com os pontos singulares sublinhados pela arquitetura ou a escultura. Mas de que se constitui o modelo? Serão os métodos utilizados nas intervenções ou a forma final da cidade? Serão as ações de Haussmann ou as ruas de Paris? Ter Paris como um exemplo de cidade que se reforma para transforma-se em um monumento que desperta a admiração de todos é diferente que tê-la como exemplo aplicando seus métodos de implantação buscando parecer-se ou metamorfosear-se em uma nova Paris. Para Pierre Pinon18 ser caracterizada como um modelo significa ser exportável, e ele

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não considera a haussmannização totalmente exportável. Para ser um modelo exportável, a cidade que o adota deve reunir as mesmas condições que Paris no momento em que suas intervenções acontecem. Pinon prefere falar de um “tipo haussmanniano” que é diferente de falar de um “modelo haussmanniano”. Não há dúvidas de que a grande repercussão das obras parisienses fazem com que estas sejam admiradas seja pela magnitude de suas artérias que melhoram as condições de circulação, seja pela capacidade administrativa francesa para enfrentar obras públicas tão grandes. Certamente a admiração não se dá pelas demolições e desapropriações efetuadas no centro. Se admira a força das obras realizadas e a harmonia geral resultante. Suas avenidas e bulevares passam a ser objeto de inspiração para muitos outros projetos urbanos. Por isso Pinon afirma que se o modelo parisiense assombra todos os espíritos, é primeiro como imagem de uma grande metamorfose, como empreendimento financeiro e não como procedimento específico, não como uma rede de aberturas brutais.19 Apesar disso, uma característica comum entre a haussmannização e as outras cidades que realizam reformas urbanas é o espaço onde se intervêm, o centro histórico denso e confuso. Essas reformas classificadas como haussmannianas também tem sua base em intervenções em quarteirões insalubres ou considerados como tal tendo como argumento melhorar a circulação e o enlace entre estações de trem ou pontos importantes da estrutura urbana e centros históricos, além de questões higiênicas. Para exemplificar alguns dos casos onde se identificam processos semelhantes a haussmannização seguimos a divisão de André Lortier20: o modelo que se avalia nos países limítrofes à França; o que se impõe nas antigas colonias; e o que seduz em outras cidades do mundo. Não esquecemos as cidade francesas que sofrem a influência de Paris ainda no Segundo Império. M. Roncayolo21 afirma que é a reforma parisiense que se constitui em modelo, não Lyon ou Marseille que realizam suas reformas urbanas entre 1850-60, ao mesmo tempo que Paris. Outras cidades francesas realizam suas reformas neste mesmo período: Lille em 1850, Rouen em 1859-60, Montpellier a partir de 1861, Toulouse em 1864, Nantes em 1866, entre outras. Em todas se pode evocar o modelo haussmanniano ao realizarem suas reformas através de um acordo entre as entidades públicas e as privadas construindo uma renovação urbana que se concentra na reprodução de um modo específico de intervenção que se materializa nas aberturas no tecido construido. Nas cidades francesas, pequenas ou médias, as operações consistem em traçar grandes vias classificadas como haussmannianas com um duplo objetivo: permitir a circulação e transformar a morfologia urbana. Também são erguidas novas edificações para impedir o deslocamento da burguesia. Na Europa as cidades italianas realizam intervenções na malha urbana justificando os sacrificios necessários com a importância das melhorias que se produzem. D. Calabi22 analisa a fascinação dos técnicos e políticos italianos pela capital francesa a qual consideram um exemplo de modernidade. O autor considera Paris o exemplo para o projeto de Cesare Beruto para Milão em 1884; para o de Florença onde Giuseppe Poggi define cortes haussmannianos nas zonas centrais do Mercato Vecchio e do gueto; e também para Roma tanto no quarteirão Prati di Castello de 1872 quanto no projeto da via Nazionale de 1871. Em Bruxelas as reformas acontecem entre 1865 e 1880 na parte baixa da cidade, um tecido antigo e muito denso habitado por uma população operária. Yvon Lebliq23

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analisa esta reforma e faz um paralelo com Paris considerando que Anspach acentua a vontade política de fazer triunfar o haussmannismo. Os trabalhos executados se constituem certamente no exemplo mais próximo do modelo parisiense da haussmannização de uma cidade não francesa na época do Segundo Império. As intervenções em Bruxelas se justificam pela má situação do rio Senne, muito poluido, uma vala negra a céu aberto, e a necessidade de enlaçar as duas estações de trem construidas nas extremidades desta parte da cidade. Aqui também se encontram os argumentos da circulação, do saneamento e do embelezamento. Em Londres, a abertura das vías Kingsway e Aldwych entre os anos 1889-1935 representa uma nova fase do desenho urbano londrino onde se combina a estética francesa com a imagem britânica imperial e edificios comerciais influenciados pelos novos métodos norte-americanos de construção. Ainda que as aberturas sejam similares a algumas executadas por Haussmann, tem o estilo e a ideologia vinculadas ao movimento City Beautiful e sua intenção é transformar Londres em uma poderosa capital do Império Britânico. Na Indochina, colonia francesa, a imposição do modelo se deve a necessidade de reunir as condições locais em um ambiente familiar para os que vão viver ali por meio da criação de um novo ambiente urbano onde convive a paisagem das cidades francesas com uma arquitetura de pavilhões regionais. A cidade tem a função de representar o poder colonial e portanto se concebe um espaço totalmente controlável. O espaço público se organiza estratégicamente através da localização dos estabelecimentos institucionais. O sistema viário se compõe de ruas retas, perpendiculares, largas, com passeios arborizados e dotadas das necessárias redes de infra-estruturas como água, esgotos e iluminação pública. Entre os objetivos está o enlace entre os monumentos e os locais mais significativos da cidade colonial. Longe da Europa e de suas colonias, Paris seduz outras cidades que se propõem a realizar suas reformas urbanas. Sawsan Noweir24 não dúvida em afirmar que o Cairo sofre diretamente a influência dos trabalhos realizados por Haussmann. Esta sedução começa com a visita do Khedive do Egito a Paris para participar da Exposição Universal de 1867 e tem o próprio Haussmann como cicerone na cidade. Após este reconhecimento de Paris decide adotar a mesma imagem na modernização do Cairo para as comemorações da abertura do Canal do Suez. O projeto consiste em estabelecer um sistema de ruas e praças que fazem a articulação entre os quatro centros ou nós principais da cidade: a estação central, Azbakiyya, a Cidadela e o Palácio Abdine. Dois bulevares cortam a cidade antiga em diagonal junto a um sistema de novas ruas, sempre pensadas e orientadas para valorizar e destacar em perspectiva os monumentos, principalmente os do poder: a Cidadela e o Palácio Abdine. O projeto de Lutyens de 1912 para a nova capital do Império das Índias em Delhi é outro exemplo da adoção do modelo haussmanniano, não tanto pelo traçado mas pelo processo e formas de implantação.25 Mais que servir de modelo para intervenções em outras cidade, a haussmannização é a base de um novo movimento, o City Beautiful, um movimento que revoluciona o desenho urbano nos Estados Unidos a finais do século XIX e que se considera como a versão norte-americana dos embelezamentos haussmannianos. Seja ou não um modelo de intervenção urbana, o certo é que a Paris haussmanniana simboliza uma experiência de intervenção autoritária, uma imposição de um projeto urbano em uma determinada realidade. Sem dúvida as novas interpretações do que seja a haussmannização mudam. Deixa de ser apenas o símbolo de uma intervenção

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realizada sob um poder autoritário para representar a capacidade de intervir em uma estrutura existente, seja para maquiá-la seja para dialogar com ela, mas nunca para negá-la. Cada vez mais a haussmannização está vinculada à monumentalidade e ao embelezamento de cidades, à estética e à criação da cidade como uma obra de arte. No Brasil as reformas urbanas acontecem a partir do início do século XX e, observando o modelo haussmanniano, nos perguntamos se ali também a Paris do Segundo Império desperta a fascinação e nos seduz. 4. A haussmannização no Brasil: 4.1. o modelo no Rio de Janeiro A reforma urbana implementada por Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro durante o governo do Presidente Rodrigues Alves, no Distrito Federal entre 1902-1906 é comparada às reformas parisienses de Haussmann. Mas, como duas cidades com realidades tão diferentes podem realizar reformas semelhantes? Nos perguntamos se foi a importação de um modelo ou sua adaptação à realidade brasileira. A influência de Paris no Brasil não se limita às reformas da sua capital federal. O predomínio da cultura gala no Rio remonta a princípios do século XIX com a chegada da Missão Francesa e de Grandjean de Montigny. Rio e Paris se unem mais a partir da divulgação de uma nova tecnologia e de uma cultura moderna através das exposições universais. Tendo a Europa como modelo de civilização e vivendo uma crise com seu passado colonial, se busca em Paris um exemplo de embelezamento e um suporte ideológico para o discurso da modernização que sirva de contraponto ao atraso da sociedade carioca. Muitos são os autores que já estudaram e compararam as intervenções cariocas com as parisienses, analisando o processo, o projeto e suas formas de implantação. Já a princípios do século, Pereira Passos é comparado com Haussmann pelo Barão do Rio Branco que o chama de “Haussmann brasileiro”. Também é apelidado de “Haussmann tropical” e o Rio chamado de “a Paris da América”. Giovanna del Brenna26 considera o projeto urbanístico realizado por Pereira Passos uma montagem de projetos e propostas anteriores com ajustes, mudanças em alguns traçados e novas orientações. O projeto para o porto está baseado no da Cia de Melhoramentos do Brasil elaborado entre 1890-1900. A abertura da avenida Central, uma artéria que corta a cidade de norte a sul, tem precedentes em outros projetos, sendo o principal deles o projeto elaborado em 1875 pelo próprio Pereira Passos. A autora considera que este projeto de 1875 está, sem dúvidas, influenciado pelas obras haussmannianas uma vez que o próprio Pereira Passos acompanha as intervenções parisienses durante sua estada na capital francesa entre 1857-1860. Encontramos esta mesma opinião em outros autores e se pode dizer que o projeto de 1875 realmente contém uma série de elementos evidentemente baseados nas aberturas das ruas parisienses. Em 1902 se adapta este projeto mas não percebemos nenhuma nova influência apesar do tempo que os separa e das muitas teorias que se desenvolvem neste período. Por exemplo, não existem referências a Camillo Sitte, Patrick Geddes, Ebenezer Howard ou outros teóricos do urbanismo moderno. Para Jeffrey Needell27 a inspiração em Haussmann se dá de forma consciente e bem fundamentada, decidida por um grupo profissional. O autor se baseia em documentos do engenheiro e publicações da época que confirmam a importância de Haussmann

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em Pereira Passos e em seus companheiros que participam das reformas. Em sua análise, o autor compara as demolições da cidade velha do Rio com a destruição dos bairros proletários de Haussmann. A melhoria da iluminação e a ventilação através de ruas mais largas e novas vias são fundamentais nos dois projetos. O sistema viário das duas cidades passam a ser compostos por ruas e avenidas que conduzem o tráfico dos limites da cidade ao Centro, e outras que retiram o trânsito de dentro do Centro. O autor ainda encontra semelhança entre alguns cruzamentos do Rio com as places-carrefours de Paris e até de um cruzamento em ângulo reto no centro da cidade. Outro autor que compara os dois projetos é Norma Evenson28 observando que o mais importante são as avenidas monumentais, abertas depois da expulsão da população, das demolições e reconstruções. Afirma que o projeto de Haussmann introduz melhorias tecnológicas e modernizadoras, e o de Pereira Passos uma reorganização geral da urbe, mas, no final, os dois são conhecidos por seus bulevares, largos, retos, arborizados, símbolos da modernidade e da burguesia. A autora considera que não só o projeto dos dois é semelhante como a forma ditatorial de implantação. Podemos ainda citar vários outros autores que consideram Paris e Haussmann os inspiradores de Pereira Passos e da nova capital federal. Por exemplo para o historiador José Murilo de Carvalho29 as obras de saneamento e embelezamento da cidade se executam com a eficiência e a rapidez permitida pelo estilo autoritário e tecnocrata inaugurado pelo República com Paris como modelo. E Bruant para quem é “... indiscutível a imitação de Haussmann: mesma atividade transbordante, mesmo renome cuidadosamente cultivado de destruidor sistemático e sem escrúpulos (...), mesmo princípio das grandes artérias com árvores arrasando impiedosamente tudo que estava no caminho e desembocando nos monumentos que servem como perspectivas finais; chegou-se até a retomar, para a largura da Avenida Central, peça chave do dispositivo, as dimensões dos bulevares parisiense (33 metros).” 30 O fato é que o processo se leva a cabo de forma ditatorial e Pereira Passos não mede esforços e nem se intimida diante das críticas recebidas e dos ataques dos insatisfeitos com suas ações. São quatro anos para transformar a cidade colonial numa cidade moderna. Com seus poderes destrói e reconstrói a cidade a sua vontade. Como em Paris por trás de toda esta movimentação podemos encontrar também a intenção de inibir possíveis manifestações populares. Também no Rio, nas entrelinhas do discurso da modernidade e da higiene, existe a preocupação de uma revolta social e a decisão de retirar o proletariado do Centro e devolvê-lo à burguesia para seu desfrute, renovado e valorizado. Com base neste argumento, Barbosa31 não acredita na transposição de um modelo parisiense, mas na tradução de uma estrutura urbana cada vez mais universal. Em Paris Haussmann ataca a era das revoluções e inclui em seus planos de eficiência, saúde e beleza, planos de natureza contra-revolucionária atacando os baluartes da classe trabalhadora. No Rio, Pereira Passos golpeia a tradição da sociedade da casa-grande e dos sobrados atacando os baluartes de um ambiente de cultura afro-brasileira. Analisando e comparando as duas reformas podemos encontrar muitos pontos em comum, mas também existem muitas particularidades de ambos os lados. Preferimos dizer que mais do que um modelo que se importa, a haussmannizaçao no Brasil é um modelo que se adapta. Se consideramos a haussmannização como o aburguesamento da cidade, a produção de um conjunto coerente construido sob o princípio da harmonia racional, uma forma urbana nova e original distinta da cidade

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clássica, concordamos que Rio passa por um processo de haussmannização. Mas não é só isso. Um dos objetivos de Paris é transformar-se em uma grande capital de um império destinado a expandir-se, valorizando sua vocação comercial e financeira. No Rio encontramos o objetivo de mudar a cidade para que assuma sua posição de capital de uma nova república que quer esquecer seu passado colonial e inserir-se no capitalismo internacional, devolvendo-lhe a hegemonia como cidade capital, transformando-se na cidade mais importante da América do Sul, cidade com vocação financeira e comercial, centro de importação e exportação. Nos dois projetos a rede viária é esquemática, sem estar diretamente vinculada com a cidade existente. As novas avenidas passam por cima de ruas, becos, praças e construções, formando uma nova rede viária que se superpõe à antiga. Alguns traçados são aproveitados, apenas retificados e modificados em sua largura. Como a nova rede viária é um elemento alheio que se sobrepõe ao tecido já existente, ruas do antigo sistema mantêm a mesma forma, o traçado e o aspecto anteriores. Nas novas vias, tanto em Paris como no Rio de Janeiro, é introduzido um novo parcelamento. Existe uma clara intenção de consolidar no Centro as funções comerciais, financeiras e administrativas. Também se criam áreas de lazer, diversão e passeio com árvores, largas calçadas, cafés, modernas lojas, teatros e outros equipamentos de entretenimento. Já em outras partes da cidade se observa uma nova orientação das funções que valorizam os bairros residenciais e se implanta a infra-estrutura necessária. Em ambos os casos nos bairros burgueses e da classe mais alta os benefícios se implantam antes mesmo da chegada dos seus habitantes enquanto os bairros proletários densamente habitados tem que esperar por sua vez. Outro ponto em comum é a melhoria da circulação, seja de pessoas seja de mercadorias. Em Paris as estações de trem são as portas de entrada da cidade e elo entre a capital e o resto do país e da Europa. Assim a conexão entre as distintas estações é de fundamental importância para uma melhor comunicação entre os pontos. Da mesma forma no Rio o novo traçado das ruas fazem a conexão do porto com as zonas industriais, comerciais e financeiras. Aqui é a atividade econômica que dá o tom necessario para uma nova rede viária que melhore a circulação. Por fim, a forma ditatorial e a total liberdade que recebem dos governantes iguala as atividades em Paris e no Rio. Se Haussmann tem carta branca de Napoleão III para implantar o projeto esboçado por ele, no Rio Pereira Passos também tem autorização do Presidente de República para desenvolver os trabalhos de reforma urbana. Além das partes em comum também podemos enumerar alguns pontos entre as duas intrvenções que são completamente díspares. O primeiro ponto é o espaço onde se produzem as intervenções. Em Paris, a cidade amuralhada, a cidade construída, uma cidade já consolidada com mais de um milhão de habitantes e um importante centro econômico e cultural da Europa. No Rio, a princípios do século XX, que tem uma população em torno de 800.000 habitantes, uma cidade que cresce, que amplía sua área urbanizada e conquista novos espaços. Uma cidade ainda por fazer. Em Paris, um plano de reformas muda sua rede viária, funcional e espacial com a população se redistribuindo e hierarquizando os espaços. No Rio, apesar de um plano de reformas que transforma o centro colonial em um centro moderno, conta também com um plano de expansão que se caracteriza pelo surgimento de novos vetores de crescimento da cidade. A nova estrutura urbana inclui bairros novos e áreas com uma baixa densidade demográfica. Estas novas áreas, fora do núcleo

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central, são dotadas de uma estrutura viária, funcional e espacial onde a participação dos meios de transporte e das concessionárias dos serviços públicos é fundamental. Não negamos a importância de Paris nem a influência de Haussmann na reforma carioca, mas pensamos que o projeto do Rio não se resume a uma haussmannização. Fazendo uma retrospectiva do século XIX, com os planos de Grandjean de Montigny, de Beaurepaire Rohan, da Comissão de 1875 e outros projetos pontuais, percebemos que as mudanças estruturais já se faziam necessárias e que a realização das intervenções só dependiam de condições para ser implantadas, condições políticas e financeiras. Considerado o “modelo dos modelos”, a Paris de Haussmann se difunde em âmbito mundial. Da mesma forma o Rio de Pereira Passos inaugura uma escola de urbanismo brasileiro e passa a ser o modelo para algumas cidades do Brasil, principalmente no litoral, adotando novos traçados, proporções, idéias e processos. 4.2. a reforma urbana de Salvador: haussmannização? As reformas urbanas no Brasil a princípios do século XX fazem parte de um projeto nacional que com base em um novo modelo ideológico e cultural imposto pelo mundo ocidental procura mudar a aparência das cidades. Salvador faz parte deste projeto de modernização e realiza sua reforma entre os anos 1912-1916 onde as palavras de ordem são sanear, circular e embelezar. As intervenções realizadas na capital da Bahia são requeridas pela sociedade desde meados do século anterior como uma forma de alterar a estrutura colonial que ainda mantêm. No século XVIII são realizadas as primeiras intervenções na parte de baixo da cidade com o objetivo de ampliar sua área e melhorar seu porto. A estreita faixa de terra entre a vertente da montanha e o mar concentra a vida comercial e financeira da cidade e solicita melhores condições de circulação e salubridade. A intensificação do comércio de exportação e importação justificam os aterros que se sucedem desde meados do século XVIII até a reestruturação total do porto a princípios do XX. De forma geral a cidade passa por transformações em sua estrutura sócio-econômica e também espacial com uma ampliação de sua área urbana, um incremento em sua população, a introdução de novos serviços de infra-estrutura e novos meios de transporte. A cidade passa a ser a residência dos latifundiários que se instalam na capital nos novos bairros que surgem ao longo do século XIX. Uma nova classe social começa a formar-se, a burguesia comercial, que busca formas de representação distintas dos proprietários de terras e nega o passado colonial e escravista se identificando mais com a modernidade representada pelas cidades européias. Na base da pirâmide social estão os ex-escravos e os imigrantes da área rural que buscam na cidade uma oportunidade de emprego e contribuem para inchar as áreas onde se localizam as residências precárias, no centro ou se instalam na periferia de Salvador. A rede viária passa por reformas pontuais durante todo o século XIX das quais destacamos as tentativas de melhoria no enlace entre a parte alta e a baixa da cidade, a definição de eixos de expansão que se preocupam com a conexão entre os núcleos edificados nas diversas cumeeiras distribuídas pela área urbana da Cidade Alta. A introdução da ferrovia melhora as comunicações entre a capital e seu hinterland aumentando o volume de mercadorias que chegam ao porto por este meio de transporte. A construção da estação de trens pede uma melhor via de acesso

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entre esta e o porto na Cidade Baixa. A malha urbana se mantêm tipicamente colonial, um tecido variado, com ruas estreitas e sinuosas que se adaptam à difícil topografia do local, sem alinhamento pré-definido, com construções de meia parede e sem os serviços básicos de infra-estrutura. Desde meados do XIX, se percebe a preocupação com a mudança desta estrutura através do alargamento das ruas e praças, a pavimentação das vias principais e a introdução de serviços de distribuição de água, rede de esgoto, iluminação e transporte público. As tentativas de transformação não são suficientes para mudar a imagem da capital. Existe a necessidade de um planejamento global para toda a urbe, um projeto para a cidade e não só intervenções pontuais. Não basta maquiá-la, tem que introduzir uma mudança estrutural mais funda, mudando suas bases e inaugurando uma nova forma urbana “moderna” e “civilizada”. A reforma se justifica pela trilogia higiene, circulação e embelecimento. A salubridade significa cambiar seu aspecto que envergonha a sua população, a transforma em foco de epidemias que se sucedem matando a milhares de pessoas e atribuem a cidade um caráter de atraso. A fluidez é necessária para um maior desenvolvimento do comércio de importação e exportação, base econômica da cidade, e para o deslocamento da população que vive cada vez mais longe do centro e de seus postos de trabalho. Uma nova estética significa romper com o passado colonial e escravista introduzindo novos modelos arquitetônicos europeus que a população associa à idéia de progresso e modernidade. Os métodos que se impõem são a demolição de velhas edificações considerados insalubres e o alargamento das ruas derrubando fachadas que formam os conjuntos de arquitetura tradicional, e recontruindo-os com uma nova arquitetura eclética. As obras realizadas tanto na Cidade Alta como na Cidade Baixa introduzem uma nova forma de organização espacial. Novas avenidas são abertas, ruas e becos são alargados, redes de infra-estrutura são implantadas e um grande aterro moderniza o porto de Salvador. Muitas referências se fazem às obras realizadas no Rio de Janeiro. “A liderança política e administrativa, assim como os órgãos de imprensa, serão responsáveis pela pregação e realização das idéias de reforma urbana. É certo que esta ânsia de progresso não surge, em nossa cidade, como por encanto, mas ela representa o reflexo de uma situação existente no sul do país, no Rio e S. Paulo, especialmente depois da realização de grandes obras de engenharia. Desde então a palavra dos homens públicos vai enfatizar que a cidade do Salvador carecia urgente de novos projetos viários e de saneamento, que o antigo burgo deveria ser convenientemente preparado para entrar, já com certo atraso, na mecânica do século.”32

Um grande projeto foi elaborado mas não chega a ser totalmente implantado. Será que esta reforma se caracteriza como uma haussmannização ou se o que ocorre é a simples reordenação do espaço urbano conforme as novas tecnologias, a margem de modelos, teorias ou ideologias? Da mesma forma como a reforma do Rio, Salvador também intervêm no centro, tanto na Cidade Alta como na Baixa com a criação de novas avenidas, o alargamento de ruas estreitas, a definição de vetores de crescimento em direção norte e sul, e obras de modernização do porto com a criação de uma nova urbanização. As duas cidades tem estrutura muito semelhantes desde sua fundação. As duas são

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construídas no alto, foram capitais do país, tem estrutura colonial, funcionam com base na mão de obra escrava, são portos importantes e sobrevivem com base em uma economia mercantil de importação e exportação. Suas ruas são estreitas, o sol penetra com dificuldade e a sujeira está por todas as partes gerando focos de epidemias. No século XIX passam por um processo de inchamento com a migração rural, principalmente depois da abolição da escravidão. O centro das duas cidades está totalmente construído e ocupado. A população se amontoa em sobrados abandonados pela classe alta e os cortiços estão por todas as partes. São centros empobrecidos, desvalorizados e sem atrativos. Já comentamos que as obras realizadas no centro do Rio tem pontos que podem ser comparados às obras realizadas por Haussmann em Paris. Se no Rio e em Paris uma nova rede viária se sobrepõe a uma malha antiga, em Salvador as intervenções se realizam sem com isso alterar a malha urbana. A principal abertura, a avenida 7 de Setembro, se realiza através do alargamento e da retificação de ruas já existentes de forma que a malha se alarga mas não muda o traçado. As novas ruas que surgem não são alheias ao urbanismo existente anteriormente, já fazem parte dele. Aqui está a diferença em relação aos processo do Rio e de Paris onde a malha se altera quando se rasgam avenidas que cortam quarteirões, eliminam obstáculos geográficos e derrubam edificações. A própria forma das novas vias se diferenciam, enquanto no Rio e em Paris estas são retas, em Salvador mantêm o traçado original, muitas vezes sinuoso, como no caso da avenida 7. No que se refere ao objetivo, as três cidades buscam a mesma coisa: através do alargamento das ruas ou abertura de novas, se previlegiam os deslocamentos, se facilitam os enlaces entre os pontos mais importantes das cidades de forma simples, e se adaptam para os novos meios de transporte. As formas de ação, também coincidem. São contabilizadas demolições, desapropriações e expulsão da população residente e um aburguesamento do centro com a construção de um conjunto mais coerente deixando para trás as características coloniais ou medievais. Em Paris se enlaçam as estações de trem e no Rio se conectam o porto com as zonas industriais, comerciais e financeiras. No caso de Salvador, na Cidade Baixa as novas vias conectam o centro comercial e financeiro, além do porto com a estação da Calçada e a península de Itapagipe onde se estabelece um bairro proletário. São melhoradas as ligações com a Cidade Alta. Nesta, a avenida 7 orienta a cidade no sentido sul melhorando o acesso aos bairros burgueses do alto da escarpa e os que se estabelecem nas costas do Atlântico. Tanto na Cidade Alta como na Baixa, as novas avenidas são vetores de crescimento da cidade que obedecem ao traçado antigo, pois a cidade, por sua posição geográfica, já orienta seu crescimento nestes sentidos. Se em alguns pontos podemos identificar características de uma haussmannização, em outros, as reformas do Rio e de Salvador diferem radicalmente tais como a orientação de vetores de crescimente para áreas totalmente novas e a modernização dos portos através do ganho de novas áreas por meio de aterros que se revertem em novas urbanizações como o bairro das Nações em Salvador. Em nosso entender as comparações não podem ser feitas de forma linear pois o processo de evolução urbana do Rio e de Salvador são paralelos e se torna muito arriscado definir modelos. Sem dúvida, o processo de reforma do Rio é muito divulgado por todo o país, entre outras coisas por ser a capital federal. Mas este fato não a avaliza como modelo para outras cidades. Preferimos considerar como uma referência antes que um modelo, um estímulo mais do que uma cópia. O mesmo

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podemos dizer de Paris em relação ao Rio. Analisando a reforma de Salvador percebemos que esta não se realiza através de aberturas em meio de quarteirões, as conhecidas percées haussmannianas. Por respeitar o traçado original das ruas, ao final não resultam necessariamente em vias retas nem tem como objetivo resaltar determinados monumentos históricos criando perspectivas monumentais. O novo alinhamento se consegue pelo alargamento das ruas e becos existentes mantendo o tecido urbano original. As intervenções ocorrem derrubando-se parte das edificações, de um de seus lados, para chegar a uma largura pré-definida. Para executar as demolições não é necssário desapropriar toda a propriedade, somente a parte necessária para o novo alinhamento. Dessa forma também não ocorre um reparcelamento dos quarteirões que mantêm sua estrutura anterior. O fato de não realizar as brutais aberturas consideradas como uma forma radical de intervenção e descritas pelo próprio Haussmann como “regularização”, não significa que a reforma de Salvador tenha sido mais leve que as demais. A fisionomia de uma cidade pode se transformar totalmente só com o alargamento de ruas e a reconstruções das edificações. No caso de Salvador, as fachadas das edificações atingidas com o corte são reconstruídas de forma livre, sem uma legislação específica nem modelos determinados a priori. As fachadas das edificações que não são afetadas com os cortes também sofrem alterações para acompanhar o novo estilo da rua. Todas as licenças de construção são examinadas pelo Departamento de Obras do Municipio que delibera sobre questões técnicas e também estéticas. O novo conjunto que se forma não resulta num espaço monumental padronizado. Para completar as diferenças destacamos a formação de novos núcleos urbanos, como o bairro das Nações na Cidade Baixa e outros que são incentivados pela abertura das novas artérias de expansão, como a avenida Oceânica, que atravessa regiões quase desertas. Dentro do que podemos considerar como similar, ou que se identifica com a reforma parisiense destacamos a forma autoritária de impor o projeto e de executar as intervenções. São realizadas demolições, desapropriações e a consequente expulsão de uma parte da população de baixa renda do centro da cidade. As novas vias são dotadas com os modernos serviços de infra-estrutura, recebendo também um novo mobiliário urbano. Na Cidade Alta as ruas reformadas se transformam num cenário para a elite desfrutar seus momentos de lazer caminhando pelas livrarias, confeitarias e lojas de moda. Apesar da transformação do centro, seja na parte alta ou na baixa, não significa que este deixe de ser residencial. A diferença em relação a Paris, é que na capital francesa a burguesia valoriza a morada no centro reformado, mas em Salvador é a população de baixa renda que continua a viver nas ruas centrais, principalmente onde não foram introduzidas as modificações. 5. Conclusões No Brasil, cidades como Rio e Salvador, sentem os efeitos de um rápido crescimento e sentem a necessidade de reformar seu espaço construído e expandir sua malha urbana, com a instalação de novos bairros e a definição de vetores de expansão. Tanto Rio como Salvador além de um plano de reformas realizam um plano de expansão. Também são realizadas obras de melhoria e ampliação dos portos das duas cidades com as devidas intervenções nos bairros portuários. Como objetivo, apresentam a aburguesamento do centro resultando em uma segregação social e

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funcional e a definição de uma nova estrutura no espaço urbano. Sobre serem as reformas de Rio e de Salvador classificadas como haussmannizações, consideramos que alguns pontos são convergentes e outros não. Pensamos ser mais prudente considerar como uma adaptação do modelo francês aos trópicos levando-se em consideração a realidade local. Se no Rio várias são as referências a Paris por seus realizadores e críticos, em Salvador estas referências não são explicitadas, não aparecem nos discursos dos governantes nem nas manifestações da imprensa. Nesta última, as influências parecem vir mais do Rio de que diretamente de Paris. Rio e sua reforma urbana irradiam ares de nova civilização e modernidade. Parece mais sensato considerar que Rio adapta o modelo haussmanniano às condições que se encontram na capital tropical, ainda com seu traçado colonial, criando um novo modelo que se “exporta” para as demais cidades braisleiras. Salvador, por sua vez, ao realizar sua reforma urbana, adapta o modelo do Rio as suas condições estruturais e financeiras. Não consideramos os casos brasileiros como fatos isolados. Paris realiza suas intervenções radicais em sua estrutura medieval e divulga seus resultados por todo o mundo. Muitas são as cidade que se viram para Paris em busca de inspiração para realizar suas próprias reformas urbanas, mas cada qual realiza suas intervenções sempre de acordo com suas necessidades e possibilidades. O tipo de intervenções que se realiza em Salvador se pode comparar com outras cidades européias, capitais ou não, que de alguma forma adaptam o modelo parisiense ou criam seus próprios modelos. Cidades como Londres e Amsterdan realizam suas mudanças através de planos de expansão e novas urbanizações para onde se desloca sua população e convertem seus centros históricos em centros de negócios e serviços. Outras urbes sobrepõem uma nova cidade sobre a antiga, sendo caracterizadas mais por seus planos de reformas, como Bruxelas e Paris, transformando seus centros em comerciais mas também em residenciais. Outras ainda se valem de uma combinação entre intervenções no centro com a implantação de novas áreas urbanas, como Madrid. As novas avenidas e ruas de Salvador, onde não resultam em vias-corredor retas e longas, podem ser comparadas com outras que se abrem em cidades européias. Por exemplo, Roma abre o Corso Vittorio Emmanuele no bairro do Rinascimento a partir de 1884 seguindo um traçado existente, sinuoso, se valendo do alargamento e da demolição de parte das edificações. Outra via que surge da mesma forma é a Gran Via de Madrid, um projeto de 1886 que se abre depois da demolição de centenas de casas e da retirada da população. Muitas outras cidades podemos evocar para comparar com as reformas de Rio e Salvador. Em Marseille as reformas se relacionam diretamente com assuntos portuários e a especulação imobiliária. Também capitais latino-americanas, capitais de novas repúblicas recém independentes, realizam suas intervenções adaptando suas cidades aos novos modelos vigentes, sempre com a Europa na mira. Em Buenos Aires entre 1883-87, a avenida de Mayo representa a mais importante intervenção do século XIX. A abertura do eixo leste-oeste unindo a Casa Rosada ao Congresso e a retificação de algumas vias destrói ou mutila monumentos coloniais resultando na perda de boa parte do patrimônio arquitetônico. Em Santigo do Chile a partir de 1872 são introduzidos cambios urbanos e de infra-estrutura, a formação de novas praças e áreas verdes, o parque do cerro de Santa Lucia, a estruturação do mercado de abastecimento e o alargamento das ruelas e becos. E Caracas que implanta o urbanismo de Guzmán Blanco entre 1870-1888 criando uma imagem europeísta mediante a abertura de

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bulevares, construção de monumentos, modificação do traçado hispánico da área central. Aqui também se discute a implantação do modelo parisiense. Podemos concluir que o modelo haussmanniano se divulga e as idéias haussmannianas se difundem em distintas direções, mas nem sempre é possível sua adoção tal e qual, e se produz uma adaptação das idéias principais a realidades distintas da parisiense. Nos casos latino-americanos, no Brasil ou em outros países, o que mais se percebe é que por trás das intervenções existe a vontade de mudar as estruturas coloniais dos países independentes, de afugentar o passado e começar uma busca de novas representações que ao final do século XIX e princípios do XX vem da Europa. 1 Para uma visão mais ampla sobre o tema consultar PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, Francia y

Bahía. La difusión y adaptación de los modelos urbanos europeos. Barcelona: UPC; Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona, 1998. (Tese de Doutorado)

2 KOSTOF, Spiro. The city assembled: the elements of urban form through history. London: Thames and Hudson, 1992, p. 271.

3 Cf. LOYER, François. “Le Paris d’Haussmann.”, in COHEN, J-L, FORTIER, B. (orgs.) Paris: la ville et ses projets. Paris: Babylone, 1992, p. 192.

4 CHOAY, Françoise. “Pensées sur la ville, arts de la ville.” in DUBY, G. (org.) Histoire de la France Urbaine 4. La ville de l’ âge industriel: le cycle haussmannien. Paris: Du Seuil, 1983, p. 166.

5 MARCHAND, B. Paris, histoire d’une ville (XIX-XXème siecle). Paris: editions du Seuil, 1993, pp. 92-93.

6 RONCAYOLO, Marcel. “La production de la ville.” in DUBY, G. (org.) op. cit., 1983, p. 102. 7 Cf. CHOAY, F., “El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad.”, in DETHIER, J., GUILHEUX, A.

(orgs.) Visiones Urbanas. europa 1870-1993. La ciudad del artista. La ciudad del arquitecto. Madrid: Electa, CCCB,1994, p. 25.

8 Cf. LOYER, F. Paris XIXe siècle, l’immeuble et la rue. Paris: Hazan, 1987, p. 232. 9 Cf. PINON, Pierre. “Le projet de Napoléon III et d’Haussmann: la ‘transformation de Paris’.” in DES

CARS, Jean, PINON, Pierre. Paris-Haussmann. “Le pari d’Haussmann”. Paris: Editions du Pavillon de l’Arsenal-Picard, 1991. pp. 73-74.

10 RONCAYOLO, M. op. cit., 1983, p. 74. 11 BERGERON, Louis. “Paysages de Paris.” in BERGERON, L. (org.) Paris. Génèse d’un paysage.

Paris: Picard, 1989, p. 281. 12 RONCAYOLO, M. op. cit., 1983, p. 77. 13 BLANCOT, Christiane. “Actualité Haussmann.” in DES CARS, J., PINON, P. (orgs.) op. cit., 1991,

p. 210. 14 RONCAYOLO, M. “Mutaciones del espacio urbano: la nueva estructura del París haussmanniano.”

in DETHIER, J., GUIHEUX, A. (orgs.), op. cit., 1994, p. 58. 15 Cf. BLANCOT, C. op. cit., 1991, p. 212. 16 Cf. KOSTOF, S. op. cit., 1992, pp. 266-267. 17 GAILLARD, Marc. Paris au XIXe siècle. Marseille: AGEP, 1991, p. 140. 18 PINON, P. “L’haussmannisation: réalité et perception en Europe.” in LORTIE, A. (org.) Paris

s’exporte: architecture modele ou modeles d’architectures. Paris: Editions du Pavillon de l’Arsenal-Picard, 1995, p. 44.

19 PINON, P., op. cit., 1995, p. 44. 20 LORTIE, A. (org.), op. cit., 1995. 21 RONCAYOLO, M. op. cit., 1983, p. 77. 22 CALABI, D. “L’Italie et le mythe d’une ville moderne.” in LORTIE, A. (org.), op. cit., 1995, pp.

67-72. 23 LEBLIQ, Y. “Belgique et le modèle haussmannien.” in LORTIE, A. (org.), op. cit., 1995, pp. 73-81. 24 NOWEIR, S. “La modernisation du Caire.” in LORTIE, A. (org.), op. cit., 1995, pp. 149-155. 25 CREMEL, F. “Paris-New Delhi: aller simple.” in LORTIE, A. (ed.), op. cit., 1995, pp. 156-160. 26 DEL BRENNA, Giovanna Rosso. “O Rio de Janeiro ‘de Pereira Passos’.” in DEL BRENNA, G. R.

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(org.). O Rio de Janeiro de Pereira Passos. Uma cidade em questão II. R. J: INDEX, 1985, p. 8 e DEL BRENNA, G. R. “Rio de Janeiro tra Ottocento e Novecento. Una capitale nei tropici e il suo modelo europeo.” in DE SETA, Cesare (org.) Le città capitali. Roma: Laterza, 1985, pp. 243-252.

27 NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. Trad. Celso Nogueira, São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

28 EVENSON, N. Two Brazilian capitals architecture and urbanism in Rio de Janeiro and Brasilia. New Haven and London: Yale Univ. Press, 1973, p.37-38.

29 CARVALHO, J. M. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 40.

30 BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. S. P.: Perspectiva, 1981, p. 334. 31 BARBOSA, Jorge Luiz. Modernização urbana e movimento operário. Rio de Janeiro: UFRJ,

Mestrado em Geografia, 1990, 2v. (disertação de Mestrado) 32 PERES, Fernando da Rocha. Memória da Sé. Salvador: Macunaíma, 1974, p. 35.