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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL
David Richard Luzetti
A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação
sociocomunitária em saúde
Americana
2013
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL
David Richard Luzetti
A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação
sociocomunitária em saúde
Dissertação de Mestrado apresentada à UNISAL - Centro Universitário Salesiano como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto.
Americana
2013
Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli
de Britto – CRB-8 7538 Bibliotecária UNISAL – Campus Maria Auxiliadora.
Luzetti, David Richard
L994 A Identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação sociocomunitária em saúde / David Richard Luzetti – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2013.
117 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientador: Profª Drª Maria Luísa Amorim Costa Bissoto. Inclui bibliografia. 1. Educação Sociocomunitária. 2. Antropologia da
Doença. 3. Representações Sociais. 4. Paradigma Indiciário – Brasil. I. Título
CDD – 370.190072
David Richard Luzetti
A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação
sociocomunitária em saúde
Dissertação de Mestrado apresentada à UNISAL - Centro Universitário Salesiano como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto.
Dissertação defendida e aprovada em 04/09/2013 pela comissão
julgadora:
Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto / UNISAL
Profa. Dra. Sandra Regina Leite Rosa Olbrich / UNESP
Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa / UNISAL
Americana
2013
Dedico este trabalho aos meus pais, Pedro Roberto Luzetti e Isabel Aparecida
Luzetti, pelo estímulo, confiança e compreensão... Além disso, esse sonho realizado
não é somente meu e sim de todos nós!
Dedico ainda a três pessoas que exerceram papeis fundamentais nas etapas
de minha formação acadêmica Sandra Regina Leite Olbrich, Maria Luísa Bissoto -
“Malu”, e, Severino Antônio Moreira Barbosa, vocês são pessoas preciosas. Sandra,
na minha graduação ajudou-me em muito; Malu, pela valiosa contribuição e
direcionamento da dissertação e, ao Severino “agente encorajador” fez com que não
desistisse do mestrado. A vocês três dedico as palavras de Fernando Sabino: “O
valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade
com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas
inexplicáveis e pessoas incomparáveis”...
Infinitamente grato a vocês!!!!
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus pela oportunidade e privilégio de poder concluir mais
uma etapa acadêmica em minha vida;
Agradeço a toda minha família, aos meus pais, pela educação, pelos
ensinamentos e perseverança, pois sem essa base, esse sonho nunca se
concretizaria;
Ao meu companheiro Josué Gomes de Lima estando sempre presente, me
encorajando e dando forças para continuar com os estudos;
A minha Mãe do Coração “Maria Vera Lucia Bagattini”, obrigado por tudo,
ajuda, confiança, carinho e dedicação;
Aos meus colegas de sala de aula, pelo convívio nesse período, contribuição
e enriquecimento do conhecimento;
A minha grande amiga e companheira, Fabiula da Costa Antonello pelas
palavras de incentivo e carinho, a você minha amiga, meu muito obrigado!
Aos meus “filhos” Myllu e Beyoncé, mesmo após um dia todo de trabalho e
sempre chegando tarde e cansado, sempre me recepcionando com todo amor e
carinho, fazendo com que neste momento, todo o cansaço terminasse e nunca
desistisse da jornada de estudos e trabalho;
A Professora e Orientadora, Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto, pela
grande paciência, dedicação e por saber transmitir seus ensinamentos;
Ao Professor Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa pela contribuição de seus
ensinamentos e por aceitar em compor a comissão julgadora de minha qualificação
do Mestrado;
A Professora Dra. Sandra Regina Leite Olbrich, após anos de distância,
quando convidada, prontamente manifestou interesse em fazer parte deste momento
importante de minha vida acadêmica;
A toda equipe da Unidade de Saúde da Família Vila Industrial, em especial a
Enfermeira Marcela Furlan Buoro, pela acolhida e disposição;
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização
dessa dissertação.
Obrigado por tudo!!!
David
A doença... constitui de preferência uma
intersubjctividade secreta no seio de um mesmo indivíduo.
A doença como avaliação da saúde, os momentos de saúde
como avaliação da doença.
...da saúde à doença, da doença à saúde, mesmo que
fosse apenas na ideia, esta mesma mobilidade é uma
saúde superior, este deslocamento, esta ligeireza no
deslocamento é o sinal da “grande saúde”.
Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)....
Resumo As percepções maternas, no que diz respeito às respostas e sinais que as crianças de 0 a 2 anos emitem e sua interpretação, estão relacionadas a questões que envolvem as representações sociais e a antropologia da doença. Como fator facilitador da compreensão da relação “mãe-filho” contribui para mais bem balizarmos teorias e práticas de educação em saúde. Sendo assim, os objetivos deste estudo foram entender melhor como se constrói e se manifesta o conhecimento das mães em relação aos sinais de saúde/doença apresentados por crianças que ainda não falam delimitadas aqui como aquelas entre 0 a 2 anos. Metodologicamente, essa é uma investigação qualitativa, de caráter etnográfico, desenvolvida junto a mães de uma Unidade de Saúde da Família localizada numa periferia economicamente vulnerável, na cidade de Piracicaba. Sendo assim, foram realizadas as pesquisas através de entrevistas gravadas, transcritas e analisadas com base nas categorias que envolvem a antropologia da etiologia das doenças e cura, sendo elas: - modelo ontológico e modelo relacional; - modelo exógeno e modelo endógeno; - modelo aditivo e modelo subtrativo; e, - modelo maléfico e modelo benéfico. Foram empregados os referenciais teóricos da Teoria das Representações Sociais, da Antropologia da Doença e Cura, da Semiótica, do Paradigma Indiciário e da Subjetividade do Desenvolvimento Infantil. Consideramos que conhecer como as pessoas significam a saúde/doença é essencial para elaborarmos teorias e ações educativas que mais bem respeitem as relações culturais e subjetivas que as pessoas têm quanto ao binômio saúde/doença, de forma a conseguir maior entrosamento entre a ciência médica e os saberes populares. Como resultados, conseguiu-se uma melhor interpretação qualitativa, além disso, a valorização do conhecimento local, ou seja, os aspectos culturais da população estudada, para uma melhor concepção sobre as representações sociais da saúde/doença, e mesmo para abrir o universo de práticas semiológicas e curativas, e as contribuições que uma educação compreendida como sociocomunitária tem nesse processo. Palavras-chave: Educação Sociocomunitária. Antropologia da Doença. Representações Sociais. Paradigma Indiciário.
Abstract
The maternal perceptions, when we talk about responses and signals that children aged 0 to 2 years send and its interpretation are related to issues involving social representations and the anthropology of disease. As a facilitating factor in understanding the relationship "mother-child", it contributes to better distinguish theories and practices of health education. Thus, the aims of this study were a better understanding on how the knowledge of mothers for signs of health/disease presented by children who do not speak – here defined as those between 0-2 years – are built and manifest. Methodologically speaking, this is a qualitative and ethnographic research, developed with mothers of a Family Health Unit located in a poor and economically vulnerable place in the city of Piracicaba. Thus, the research was conducted through interviews, recorded, transcribed and analyzed based on the categories involving anthropology of disease´s etiology and healing, namely: ontological model and relational model; - exogenous and endogenous model; - additive and subtractive model, and, - malefic and beneficial model. Theoretical works of Social Representation Theory, Anthropology of Illness and Healing, Semiotics of Subjectivity Evidential Paradigm and Child Development were used. We believe that knowing how people understand the disease is essential to elaborate theories and educational activities that best achieve cultural relations and subjective that people have about the binomial health/disease, in order to achieve greater integration between medical science and popular knowledge. As a result, a better qualitative interpretation were reached, moreover, the value of local knowledge, or cultural aspects of the subject population, for a better design of social representations of health/disease, and even to open the universe of semiotic practices and healing, and the contributions that a socio-communitarian education has in this process. Keywords: Sociocomunitary Education. Anthropology of Disease. Social Representations. Evidenciary Paradigm.
Sumário
Introdução.............................................................................................................. 11
Capítulo I................................................................................................................ 15
1 Educação em Saúde e Representação Social: algumas reflexões.................... 16
1.1 O desenvolvimento das representações sociais...................................... 22
1.2 Ancoragem e objetivação........................................................................ 29
1.2.1 Ancoragem................................................................................... 30
1.2.2 Objetivação.................................................................................. 33
1.3 Causalidades........................................................................................... 36
Capítulo II............................................................................................................... 41
2 Antropologia da Doença: resultado da complementariedade entre a
epidemiologia e a sociologia da saúde..................................................................
42
2.1 Modelo Ontológico e Modelo Relacional................................................ 46
2.1.1 Modelo Ontológico...................................................................... 46
2.1.2 Modelo Relacional...................................................................... 47
2.2 Modelo Exógeno e Modelo Endógeno.................................................... 50
2.2.1 Modelo Exógeno......................................................................... 50
2.2.2 Modelo Endógeno....................................................................... 53
2.3 Modelo Aditivo e Modelo Subtrativo....................................................... 55
2.3.1 Modelo Aditivo............................................................................ 55
2.3.2 Modelo Subtrativo....................................................................... 56
2.4 Modelo Maléfico e Modelo Benéfico....................................................... 56
2.4.1 Modelo Maléfico.......................................................................... 57
2.4.2 Modelo Benéfico......................................................................... 59
2.5 Contribuições da Antropologia da Doença para as Representações
Sociais...................................................................................................................
61
Capítulo III.............................................................................................................. 65
3 Construção de um Paradigma Indiciário para a Educação Sociocomunitária
em Saúde...............................................................................................................
66
3.1 Contextualização da Estratégia Saúde da Família................................. 75
3.1.1 Breve Histórico do PSF............................................................... 78
3.1.2 A promoção da saúde no contexto do PSF................................ 79
3.2 Metodologia............................................................................................ 82
3.3 Análise e Discussão dos Dados............................................................. 84
Considerações Finais............................................................................................ 98
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 102
APÊNDICE 1 – Roteiro para a Entrevista.............................................................. 114
APÊNDICE 2 – Termo de Consentimento Informado............................................ 115
APÊNDICE 3 – Protocolo n. 133519 – Autorização para Coleta de Dados na
Unidade Saúde da Família Vila Industrial..............................................................
116
APÊNDICE 4 – Ata de Defesa Pública.................................................................. 117
11
“Madona de Porto Lligat - Salvador Dalí - 1950”
http://www.revilo-oliver.com/Kevin-Strom-personal/Art/Madonna_of_Port_Lligat.html
IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução
12
Este estudo parte da proposta investigativa sobre as respostas e signos
emitidos por crianças, de 0 a 2 anos, no que diz respeito ao processo saúde/doença
e a percepção da pessoa cuidadora na codificação desses signos, e qual a
contribuição no campo da educação sociocomunitária para impulsionar a valoração
desse conhecimento, na tentativa de melhorar a qualidade de vida da população,
especialmente das periferias dos grandes centros urbanos. Sendo assim, pode-se
entendê-la como educação sociocomunitária, aquela que provoque transformações
sociais intencionadas, e não como “salvadora de todos os problemas sociais e
educativos”.
Um olhar diferenciado, advindo de uma concepção relacional e interativa
entre as necessidades e singularidades de um sujeito e suas respostas ao meio, faz
compreender que sempre estamos nos expressando e interagindo sob a óptica das
concepções de vida, construídas nas relações humanas. É nesse momento que
surgem os signos, emblemas ou sinais, manifestos em uma determinada situação,
por exemplo, o processo de percepção da pessoa cuidadora com a criança: “a
criança não está bem, mas posso dar um remédio aqui em casa”; “a criança não
está bem, preciso levá-la ao Posto de Saúde”; “a criança não está bem, vou levá-la
agora para o Pronto Socorro”.
E ainda, mais profundamente, é significativo buscar entender como essa
construção de sentidos se dá, como essa educação perceptiva semiológica é
construída no embate, por exemplo, dos saberes populares, próprios à população
das periferias – lembrando que essas representam a 2ª, 3ª ou 4ª geração de
populações rurais, que migraram para os grandes centros na década de 1970, e que
continuam chegando... – e aqueles saberes científicos médicos, com os quais agora
devem se “acostumar”. O que leva também à indagação: quais os papéis que uma
educação sociocomunitária teria nesse contexto?
Para uma melhor compreensão, Costa (2011) descreve que:
Nos diferentes estudos da antropologia médica e da saúde mostraram até este ponto que a saúde e a doença são elementos da construção social da realidade produzidos pelo jogo conceptual que confronta as visões leiga, técnica e política. Cada visão tem os seus modelos epistemológicos distintos. A diferença mais discutida é entre modelos leigos e modelos especializados (técnicos): estes veem a doença como algo extraordinário, com a sua ontologia própria; aqueles a veem como uma experiência que altera a condição de vida (COSTA, 2011, p. 26).
13
Além disso, a contribuição de Moscovici (1961) para o entendimento e
reconhecimento de uma experiência da doença apoia-se nas representações sociais
de um determinado grupo e na concepção da experiência clínica ao longo da
história.
Nessa argumentação, o problema desta pesquisa é conhecer e analisar as
respostas do triângulo semiótico, no que diz respeito às respostas da pessoa
cuidadora quando interpreta os signos emitidos por crianças não falantes (de 0-2
anos), no que tange aos aspectos de gravidade ou não de um signo e sua
“extinção”, ressaltando-se a possível relevância que, nesse contexto, a educação
sociocomunitária poderá vir a ter.
Levanta-se a hipótese de que conhecer e entender as representações
socioculturais que as pessoas trazem consigo a respeito da doença e da saúde é
contribuição essencial para o desenvolvimento de ações preventivas, curativas e
educativas.
Os conceitos sobre a saúde e a doença referem-se a fenômenos complexos,
que conjugam fatores biológicos, sociológicos, econômicos, ambientais e culturais.
Constata-se, então, que a doença é uma experiência que não se limita à alteração
biológica pura, mas esta lhe serve como substrato para uma construção cultural.
Decorre daí que, no horizonte de pensar uma intervenção em Educação e Saúde,
devem ser levadas em conta as representações sociais do sujeito, modos de
pensamento construídos ao longo das trajetórias de vida, influenciados pela
experiência coletiva e pelos saberes nessa construídos; além disso, o tempo de
duração da consulta é um fator importante na apreensão do conhecimento
(MOSCOVICI, 2004).
De acordo com Laplantine (2010), qualquer pessoa está sempre
reatualizando hábitos, modos de vida, de acordo com os significados histórica e
culturalmente construídos, assim elaborando suas representações da saúde e
doença.
Para a abordagem do tema, parte-se também da perspectiva de Santaella
(2007), sendo então a semiótica entendida como a ciência dos signos e dos
processos significativos, que ocorrem na natureza e na cultura.
No que diz respeito às questões metodológicas, esta é uma investigação
qualitativa, de caráter etnográfico e interpretativo, a ser realizada junto a um grupo
14
de mães/cuidadores de crianças de 0 - 2 anos, participantes de um programa de
puericultura, dentro do Programa de Saúde da Família, na Vila Industrial, na periferia
da cidade de Piracicaba. Buscou-se, através de entrevistas, o levantamento, junto a
essas mães/cuidadores, informações sobre como identificam e valoram os sinais de
saúde/doença em crianças na faixa etária supracitada. Um estudo etnográfico fica
entendido como aquele em que busca-se as concepções e sentidos de mundo
construídos por determinada população ou grupo – busca essa sustentada por
elementos como o saber olhar, ouvir e (d)escrever, que se complementam de forma
a transformar o confronto de informações entre pesquisado versus pesquisador, em
um verdadeiro "encontro etnográfico" (OLIVEIRA, 2006, p. 24).
Esta pesquisa foi organizada em três capítulos, sendo que no primeiro
discorre-se sobre as representações sociais, partindo dos pressupostos de Serge
Moscovici. No segundo capítulo, foi realizada uma análise sobre a antropologia da
doença como o resultado da complementaridade entre a epidemiologia e a
sociologia da saúde, utilizando-se como principal referencial teórico os pensamentos
de François Laplantine, autor clássico nessa área. E, no terceiro capítulo, foram
analisados os dados coletados nas entrevistas com as mães/cuidadores, em diálogo
com referenciais das representações sociais e da antropologia da doença, bem
como da subjetividade do desenvolvimento infantil, da semiótica e do paradigma
indiciário proposto por Carlo Ginzburg.
15
Lúcia Fertuzinhos
http://psicob.blogspot.com.br/2009/02/representacoes-sociais.html
CapíCapíCapíCapítulo 1tulo 1tulo 1tulo 1
16
1 Educação em Saúde e Representação Social: algumas reflexões
“...o propósito de todas as representações é tornar algo não familiar,
ou a própria não familiaridade, familiar.”
(MOSCOVICI, 2004)
O diálogo com o referencial teórico será com Serge Moscovici, pois foi o
“idealizador” da Teoria das Representações Sociais na década de 1960, tendo como
ideal a redefinição do campo da Psicologia Social no qual, a partir de um fenômeno,
se enfatizasse sua função simbólica para a construção do real, e com isso, um
melhor entendimento de uma situação e dos processos de construção do mundo
social.
Uma das primeiras a estudar a função simbólica para a construção do real foi
Claudine Herzlich, em seu trabalho sobre as representações da saúde e da doença.
Seu objetivo era enfatizar o surgimento de um sistema de classificação e
interpretação de sintomas como resposta ao modelo hospitalocêntrico, constituindo
outro modelo, que algum dia será reconhecido como uma revolução cultural em
nossas visões de saúde, de doença e morte (HERZLICH, 1973).
As diversas formas de comunicação têm papel e influência muito importante
no processo da representação social constituído pelas pessoas, pois é pela
comunicação que as informações se inserem para o mundo comum e cotidiano em
que se vive e se convive, trocadas e interpretadas por tantas pessoas, circulando
nas mídias que lemos, assistimos e ouvimos.
Em síntese, as representações mentais que fazemos do mundo são
sustentadas pelas influências sociais da comunicação, constituem as realidades de
nossa vivência e servem como principal meio para estabelecer as associações com
as quais nós nos ligamos uns aos outros. Esse é o sentido geral que se atribui,
nessa pesquisa, ao conceito de representação social, que será refinado ao longo do
capítulo.
Por conseguinte, da perspectiva da psicologia social, o conhecimento nunca é uma simples descrição ou uma cópia do estado de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido através da interação e comunicação e sua expressão está sempre ligada aos
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interesses humanos que estão nele implicados. O conhecimento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e interagem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e desejos encontram expressão, satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixões humanas e, como tal, nunca é desinteressado; ao contrário, ele é sempre produto dum grupo específico de pessoas que se encontram em circunstâncias específicas, nas quais elas estão engajadas em projetos definidos. Uma psicologia social do conhecimento está interessada nos processos através dos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado no mundo social. Assim, o conhecimento surge de paixões e nunca é desinteressado (DUVEEN, 2011, p. 8-9).
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se
entrecruzam e se cristalizam constantemente, através de uma palavra, uma crença,
um gesto, ou até mesmo em uma reunião, enfim, em nosso mundo cotidiano.
Impregnam a maioria de nossas relações pessoais, nossa forma de ação com os
objetos que produzimos ou consumimos, e as perspectivas de conceber o mundo. É
importante destacar que elas correspondem a uma natureza simbólica, que entra na
sua elaboração e, ainda, às práticas culturais específicas, que fundamentam esse
simbolismo no nosso cotidiano.
Contudo, se a realidade das representações sociais é fácil de ser
compreendida, o seu conceito não o é, sendo alvo de muitas e variadas discussões
teóricas. Não sendo o objetivo deste trabalho discutir essas diferentes definições de
representação social, toma-se por viés teórico, aqui, o conceito de representação
social como desenvolvido por Moscovici (1961), numa perspectiva de cruzamento
entre conceitos históricos-sociológicos e psicológicos.
A psicologia social de Moscovici (1961) foi direcionada para os
questionamentos sobre as mudanças que ocorrem nas sociedades, ou seja, com o
passar do tempo, como os indivíduos reagem e se adaptam às transições ocorridas
no nosso meio, sendo através destas transformações que a ancoragem e a
objetivação de significados se tornam processos significantes.
É esse interesse com a inovação e a mudança social que levou também
Moscovici a ver, sob uma perspectiva sociopsicológica, que as representações
sociais não podem ser tomadas como algo dado, nem podem servir simplesmente
como variáveis explicativas. Ao contrário, a partir dessa perspectiva, a construção
das representações é que se torna a questão que deve ser discutida, e daí a
perseverança do referido autor tanto em discutir um fenômeno que antes era visto
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como um conceito, como em enfatizar o caráter dinâmico nas representações
sociais.
Jodelet (1989, p. 31) apresenta o conceito da representação social como uma
“forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos
manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente
marcados”.
Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade
das ideias coletivas nas sociedades, pois dentro de qualquer cultura há pontos de
tensão com divergências e convergências, e é ao redor “desses pontos de clivagem
no sistema representacional duma cultura que novas representações emergem”
(DUVEEN, 2011, p. 16).
Esses pontos indicam ainda uma “falta de sentido”, ou seja, um terreno do
ainda não foi assimilado, do desconhecido e, como tal, “insuportável”, pois a
natureza simbólica do ser humano o “obriga” a buscar e a fazer sentido de tudo
àquilo com o que se relaciona. A “familiarização do não familiar”, que reestabelece
um sentido de estabilidade nos pontos de tensão. É possível ressaltar a importância
deste estudo para atuação profissional pessoal, como enfermeiro, no que diz
respeito ao agir diante de tantas visões e perspectivas de vida, manifestadas no
cotidiano das pessoas – colegas de trabalho, pacientes e seus familiares – através
dessas construções e reconstruções socioculturais e acima de tudo, a sua
contribuição para a educação em saúde.
Moscovici (1961) discorreu sobre o fenômeno das representações afirmando
que sempre está ligado aos processos sociais originados a partir das diferenças
existentes nas sociedades. Sob esta vertente, sugeriu ainda que todas as
representações sociais são uma forma de criação coletiva e, de acordo com a
realidade local, ela pode também ser diferente, fazendo sempre com que
busquemos familiarizarmo-nos com o não familiar.
Tanto a ciência como o senso comum são fontes importantes de
conhecimento e crença no mundo e, assim, da formação das representações
sociais. Partindo dessa análise, a legitimação dessas representações se torna parte
de uma dinâmica social mais complexa e conflituosa, em que as representações dos
diferentes grupos em uma sociedade procuram estabelecer uma hegemonia e
características específicas.
19
Tanto que Moscovici (1961) afirmou que a propagação, propaganda e difusão
da comunicação e compreensão do saber são importantes, uma vez que os
diferentes grupos sociais representam a realidade de diferentes modos. A
construção de uma representação específica torna-se real e, ainda, reivindica sua
própria legitimação para a representação que ela promove - torna também o real
“real”. É possível exemplificar isso quando, em puericultura, refletindo em como as
mães compreendem o que vem a ser a vacinação. Ao levar a criança para ser
vacinada, e a mesma criança, vindo a ter um episódio de febre – quer como
consequência ou não da vacina – dependendo da representação social que a mãe
tem sobre vacinação, ela pode entender que, ao levar a criança para vacinação,
levou-a para adquirir febre/doença, ou que a levou para adquirir imunidade/saúde.
Em suas justificativas de como uma representação torna-se social, Moscovici
(1988) discorre que há três formas de isso acontecer, sendo elas “hegemônicas”,
”emancipadas” e ”controversas”. Na forma “hegemônica” se dá nas práticas e
costumes de um determinado grupo; na “emancipada”, é o produto de um
determinado grupo, tendo certo grau de autonomia, e, por fim, “controversas”
quando surge um algo novo, causando conflitos nas representações já construídas.
Ainda, vai à frente afirmando:
Conceitos que operam em grandes profundidades parecem necessitar mais de cinquenta anos para penetrar as camadas mais baixas da comunidade científica. É por isso que muitos de nós estamos apenas agora começando a perceber o sentido de certas ideias que estiveram germinando na sociologia, na psicologia e antropologia, desde o limiar desse século (MOSCOVICI, 1984, p. 941).
A partir das citações descritas acima, pode-se refletir e acreditar que, através
da sociologia, psicologia e antropologia, é possível estabelecer uma melhor
compreensão da realidade contextual dos sujeitos envolvidos em práticas de saúde,
alvo dessa pesquisa. E ainda, sob o ponto de vista das representações sociais, elas
podem ser vistas como forma legitimada de conhecimento, produzidas e sustentadas
por grupos sociais específicos, numa determinada conjuntura histórica.
As representações sociais emergem não apenas como um modo de
compreender um objeto particular, mas também como forma em que nos
relacionamos e adquirimos uma capacidade de definição, uma função de identidade,
que é uma das maneiras como as representações expressam um valor simbólico. É
20
uma forma de conhecimento prático, nos conectando a um objeto. Refere-se às
vivências dos sujeitos, a partir das quais são produzidas, aos referenciais e às
condições dos contextos de existência, e também ao fato de que a representação é
empregada como uma “ferramenta” mental para agir no mundo e nos contatos com
os outros.
As representações sociais são sempre um produto da interação e
comunicação, que continuamente perpassam a vida dos sujeitos, e elas tomam sua
forma e configuração específicas como um “devir” do equilíbrio específico desses
processos de influência social. Há uma relação sutil aqui, entre representações e
influências comunicativas, que Moscovici (1961), citado por Duveen (2011), identifica
quando define uma representação social como:
Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social (DUVEEN, 2011, p. 21).
Vale a pena ressaltar que as representações sociais não são estáticas, mas
se reorganizam continuamente, acompanhando a dinâmica dos contextos sociais,
dos quais é componente essencial.
Tanto que Moscovici (1978) afirmou que a representação social é uma
preparação para a ação, quer por conduzir o comportamento, quer por modificar e
reconstituir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar.
Para ele, o ser humano é um ser pensante, que formula questões e busca respostas
e, ao mesmo tempo, compartilha realidades por ele representadas.
Para Minayo (2011) as representações sociais se manifestam em palavras,
sentimentos e condutas que se institucionalizam, portanto, podem e devem ser
analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais;
sendo o produto final da vivência as contradições que os grupos sociais
experimentam e sua expressão marca o entendimento deles com seus pares, e
ainda, a interpretação das relações sociais é dinâmica e também tem caráter
político.
21
Boltanski (2004) desenvolveu um estudo denominado “As classes sociais e o
corpo”, em que abordada os conhecimentos do corpo enquanto saúde sob o ponto
de vista da anatomia e suas interfaces, fazendo reflexões. Entre aqueles que
possuíam atividades voltadas a animais denominados de “magarefe” ou “bucheiro”,
estes tinham uma noção mais próxima do que era científico; os demais tinham uma
idealização das disposições dos órgãos e seu formato à semelhança do místico que
permeava a cultura agrária daquela população.
Em seu estudo sobre representações sociais, relações intergrupais e
cognição social, Cabecinhas (2004) explanou sobre os “sistemas de interpretação” e
“fenômenos cognitivos”, no qual os sistemas de interpretação regulam as nossas
relações com os outros e orientam o nosso comportamento, através de construções
de identidades pessoais e sociais, e os fenômenos cognitivos ocorrem através da
apropriação da realidade exterior na elaboração psicológica e social da realidade de
um determinado grupo.
Em se tratando da educação em saúde, primeiro é necessário conhecer a
realidade e as perspectivas de mundo dos sujeitos envolvidos com a prática, bem
como as próprias representações sociais, para então conseguir interagir com a
realidade desse determinado grupo social. A teoria das representações sociais se
mostrou suficientemente clara e precisa para apoiar e manter um crescente corpo de
pesquisa, através de diversas áreas da psicologia social. Para um melhor
entendimento sobre as representações sociais, Moscovici (1961) empregou métodos
de levantamento e análise de conteúdo, em que o passo inicial é o estabelecimento
de uma distância crítica do mundo cotidiano do senso comum, em que as
representações sociais circulam.
Se as representações sociais servem para familiarizar o não familiar, então a primeira tarefa de um estudo científico das representações é tornar o familiar não familiar, a fim de que elas possam ser compreendidas como fenômenos e descritas através de toda técnica metodológica que possa ser adequada nas circunstâncias específicas. A descrição, é claro, nunca é independente da teorização dos fenômenos e, nesse sentido, a teoria das representações sociais fornece o referencial interpretativo tanto para tornar as representações visíveis como para torná-las inteligíveis como formas de prática social (DUVEEN, 2011, p. 25).
O que dá ao trabalho de Moscovici seu particular interesse e a razão pela
qual ele continua a exigir atenção, é que seu trabalho em representações sociais
22
forma parte de um empreendimento mais amplo, em que, para estabelecer ou re-
estabelecer os fundamentos de uma disciplina que é tanto social como psicológica,
elas têm função de interconexões ou intercâmbios.
Moscovici (1978) ressalta ainda, como já exposto, que é através de
intercâmbios comunicativos que as representações sociais são estruturadas e
transformadas. Uma observação importante é que sempre que um conhecimento é
expresso, é por determinada razão; ele nunca é desprovido de interesse. E a
procura de conhecimentos nos leva de volta ao tumulto da vida e da sociedade
humana nos desestabilizando; é aqui que o conhecimento toma aparência e forma
através da comunicação. E, ao mesmo tempo, contribui para a configuração e
formação de intercâmbios comunicativos.
É então, através da comunicação, que somos capazes de nos ligar a outros
ou de distanciarmo-nos deles. Esse é o poder das ideias, e a teoria das
representações sociais de Moscovici “procurou tanto reconhecer um fenômeno
social específico como fornecer os meios para torná-lo inteligível como um processo
sociopsicológico” (DUVEEN, 2011, p. 28).
Almeida e Cunha (2003, p. 147) em seu estudo “Representações Sociais do
Desenvolvimento Humano”, afirmam que as representações sociais são construídas
através dos significados compreendidos como “constituídos pela e constitutivos da
realidade social, portanto, explicativos e prescritivos da realidade social”.
Considera-se, então, que a ciência exerce a missão “cognoscitiva” de
intensificar uma realidade comum, através de argumentos e perturbações que nos
desestabilizam, e com isso, buscamos a estabilização das inquietações, definindo os
costumes, leis, regras e modelos, que acabam então, especificando e conduzindo as
ações humanas como “práticas de saúde”.
1.1 O Desenvolvimento das Representações Sociais
“...as representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a
compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal.”
(ALVES-MAZZOTTI, 2008, p.27)
23
De uma maneira geral, podemos dizer que as representações possuem
precisamente duas funções:
Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo e pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele (MOSCOVICI, 2011, p. 34).
Essas convenções nos possibilitam conhecer o que representa o quê, por
exemplo, uma mudança de conduta ou de costumes num determinado sujeito indica
um movimento comum de transformação desse sujeito ou algo mais? Quando um
sinal se transforma em sintoma? Um determinado sintoma provém, ou não, de uma
doença? Como se argumenta aqui as percepções e crenças dos sujeitos quanto ao
se e ao como esses sintomas indicam uma doença - ou mesmo sua gravidade - são
resultantes dos processos comunicativos e de representações sociais, vigentes
numa comunidade.
Daí, o foco do estudo aqui apresentado: as representações sociais nos
ajudam a compreender como os usuários de um sistema de saúde agem ao
interpretar uma mensagem - aquela de uma doença. Como entendem enquanto
significante um sinal em relação a outros, e quando atribuem a esse sinal um valor
de acontecimento fortuito ou casual. Tais diferenciações são essenciais para a
procura – ou não – de ajuda médica, e são muitas vezes decisivas para a
recuperação da saúde, em especial em crianças pequenas, tema discutido nesta
investigação.
Através de um esforço para compreender as representações sociais
existentes na comunicação da doença/saúde nos tornamos conscientes do aspecto
convencional da realidade e então conseguimos escapar de algumas exigências que
as convenções (ou formatações) sociais impõem em nossas percepções e
pensamentos. Mas algo surpreendente é o fato de que nós não conseguimos
imaginar que podemos libertar-nos sempre de todas as convenções, ou que
possamos eliminar todos os preconceitos; daí, mais uma vez, o não familiar estará
presente. E poderemos olhar a realidade com “lentes novas”.
24
Então, em vez de negar as convenções e pré-conceitos, como é comum
vermos ser feito, esta estratégia nos possibilitará reconhecer que as representações
sociais existem e constituem, para nós, um tipo de realidade. Então, nós temos que
procurar isolar quais representações são inerentes às pessoas e objetos que nós
encontramos, e devemos trabalhar o processo de familiarização e descobrir o que
determinado fenômeno representa exatamente.
Em segundo lugar, representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. A todas as questões e para todas as suas ações fracassadas ou bem sucedidas, uma explicação estará pronta, que a levará de volta a sua primeira infância, ou seus desejos sexuais (MOSCOVICI, 2011, p. 37).
É possível concordar com Moscovici (2011, p. 37) quando ele afirma que:
enquanto essas representações, que são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são re-pensadas, re-criadas, re-citadas e re-apresentadas. [...], pois, fácil ver que a representação que temos de algo não está diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que pensamos depende de tais representações, isto é, no fato de que nós temos, ou não temos, dada representação. Eu quero dizer que elas são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto de uma sequência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas gerações (MOSCOVICI, 2011, p. 37).
Tal fato, como explanado acima, pode ser comprovado e ressaltado, pois
nossas experiências e ideias passadas não são experiências ou ideias mortas, mas
continuam a ser ativas, a mudar e a infiltrar nossa experiência e ideias atuais. Em
grande parte, o passado é mais real que o presente, quando pensamos no senso
comum.
O poder e a claridade peculiares das representações, isto é, das representações sociais, deriva do sucesso com que elas controlam a realidade local de hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe, daí o fato da importância em interpretá-la (MOSCOVICI, 2011, p. 38).
Ainda nas palavras de Moscovici (2011):
25
Á luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas representações são entidades sociais, com uma vida própria, comunicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir novamente sob novas aparências. Geralmente, em civilizações tão divididas e mutáveis como a nossa, elas coexistem e circulam através de várias esferas de atividade, onde uma delas terá precedência, como resposta à nossa necessidade de certa coerência, quando nos referimos a pessoas ou coisas. Se ocorrer uma mudança em sua hierarquia, porém, ou se uma determinada imagem-ideia for ameaçada de extinção, todo nosso universo se prejudicará. Um acontecimento recente e os comentários que ele provocou podem servir para ilustrar esse ponto (MOSCOVICI, 2011, p. 38).
Destaca-se que o fato central sobre as interações humanas é que elas são
acontecimentos, que elas estão psicologicamente representadas em cada um dos
participantes de uma interação social, ou seja, sempre e em todo lugar, quando nós
encontramos pessoas e nos familiarizamos com elas, tais representações sempre
estarão presentes, e se tornam capazes de influenciar o comportamento do indivíduo
participante de uma coletividade.
Em seus estudos, Moscovici (1961) afirma que:
O processo social no conjunto é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a ser compreendidos e distinguidos na base de modelos ou encontros anteriores. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estímulo, da imagem sobre a “realidade” tem como única razão fazer com que ninguém ache nada de novo sob o sol. A familiaridade constitui ao mesmo tempo um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que acontece (MOSCOVICI, 1961, p.26).
Torna-se de grande valia ressaltar que nos estudos em representação social
devemos ir muito além de nossa própria visão de mundo e sempre buscando uma
determinada razão, pois através das representações sociais buscamos o
conhecimento e a compreensão sobre nossas inquietações, desde o nosso
nascimento até nossa atualidade, não podendo esquecer que as representações
pessoais, na maioria das vezes, podem vir acompanhadas de passados e
ensinamentos de gerações anteriores.
26
As representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e relações com o meio, o de uma ação que modifica uns e outros, e não o de uma reprodução [...], nem o de uma reação a um estímulo exterior determinado. [...] são sistemas que têm uma lógica própria e uma linguagem particular, uma estrutura de implicações que se referem tanto a valores como a conceitos [com] um estilo de discurso próprio. Não as consideramos como opiniões sobre nem imagens de, mas como “teorias”, como “ciências coletivas” sui generis, destinadas à interpretação e à construção da realidade (MOSCOVICI; NEMETH, 1974, p.48).
Então, pode-se chegar à convicção de que a sociedade é pensante, ou seja,
através das circunstâncias em que os grupos se comunicam, irão tomar decisões
que tanto revelam como escondem algo das suas ações e suas crenças, isto é, das
suas ideologias, conhecimentos e representações sociais.
Existe uma necessidade continua de re-construir o senso comum ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar. Do mesmo modo, nossas coletividades hoje não poderiam funcionar se não se criassem representações sociais baseadas no tronco das teorias e ideologias que elas transformam em realidades compartilhadas, relacionadas com as interações entre pessoas que, então, passam a constituir uma categoria de fenômenos à parte. E a característica específica dessas representações é precisamente a de que elas corporificam ideias em experiências coletivas e interações em comportamento, que podem, com mais vantagem, ser comparadas a obras de arte do que a reações mecânicas (MOSCOVICI, 2011, p. 48).
As representações sociais são fenômenos específicos, que estão
relacionados com um modo particular de compreender o mundo e de se comunicar
essa compreensão. São também, nesse sentido, um fenômeno educativo, pois
constituem o conteúdo da comunicação humana, que objetiva apresentar o que se
considera “realidade” ao outro. É um modo de ação interpessoal que cria tanto a
realidade “científica” como o senso comum. E para enfatizar essa distinção pode ser
utilizado o termo social em vez de coletivo.
Além disso, em seus estudos, Moscovici (1961) afirma que a representação
social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas
graças às quais os homens tornam a realidade física e social inteligível, se inserem
num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, liberam o poder da sua imaginação.
27
No universo consensual, a sociedade é uma criação visível, contínua, permeada com sentido e finalidade, possuindo uma voz humana, de acordo com a existência humana e agindo tanto como reagindo, como um ser humano. Em outras palavras, o ser humano é, aqui, a medida de todas as coisas. No universo reificado, a sociedade é transformada em um sistema de entidade sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à individualidade e não possuem identidade. Esta sociedade ignora a si mesma e a suas criações, que ela vê somente como objetos isolados, tais como pessoas, ideias, ambientes e atividades. As várias ciências que estão interessadas em tais objetos podem, por assim dizer, impor sua autoridade no pensamento e na experiência de cada indivíduo e decidir, em cada caso particular, o que é verdadeiro e o que não é. Todas as coisas, quaisquer que sejam as circunstâncias, são, aqui, a medida do ser humano (MOSCOVICI, 2011, p. 50).
Além disso, Alves-Mazzotti (2008), em seu estudo “Representações Sociais:
Aspectos Teóricos e Aplicações à Educação”, concorda com Moscovici, afirmando
que a representação social apresenta em sua estrutura duas faces, sendo elas a
face figurativa e a face simbólica, sendo que, “a cada figura corresponde um sentido
e a cada sentido uma figura” (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 23). Por exemplo, o choro
de uma criança se compara como “figura”, o motivo deste choro acaba sendo o
sentido que pode ser expressado por várias figuras, dentre elas, fome, dor, enfim,
carências.
O profissional e educador em saúde percebe que as faces das
representações sociais dos diferentes sujeitos envolvidos nos processos de
cura/prevenção estão constantemente interligadas, o que torna de grande valia
sempre respeitar o contexto onde se atua, já que:
O ato da re-apresentação é um meio de transferir o que nos perturba, o que ameaça nosso universo, do exterior para o interior, do longínquo para o próximo. A transferência é efetivada pela separação de conceitos e percepções normalmente interligados e pela sua colocação em um contexto onde o incomum se torna comum, onde o desconhecido pode ser incluído em uma categoria conhecida (MOSCOVICI, 2001, p. 45-46).
Nesse caso, como também em outros que observamos as imagens, ideias e a
linguagem compartilhadas por um determinado grupo sempre parecem ditar a
direção e o expediente iniciais, com os quais o grupo tenta se acertar com o não
familiar. Contudo, o pensamento social deve mais à convenção e à memória do que
à razão, deve mais às estruturas tradicionais do que às estruturas intelectuais ou
28
perceptivas correntes. Quando nos deparamos com uma situação desconhecida
tentamos buscar uma estabilidade, pois a tensão básica entre o familiar e o não
familiar está sempre estabelecida. Daí ressalta-se a importância do estudo das
representações sociais, pois é a essa que nos referenciamos em face do
desconhecido.
Prova disso é o fato de que, mesmo antes de ver e ouvir a pessoa, nós já a
julgamos, nós já a classificamos e criamos uma imagem dela. Desse modo, toda
pesquisa e estudos que fizemos e os esforços que empenhamos para obter
informações somente servirão para confirmar essa imagem, que então projetamos
sobre as situações e pessoas. Processo tanto mais complicado quando o
envolvimento se dá com populações marginalizadas, por etnias, situação econômica,
ou nível cultural, terreno fértil para que julgamentos preconcebidos ocorram.
O que nos leva a compartilhar da ideia de Moscovici (2011):
Quando tudo é dito e feito, as representações que nós fabricamos, duma teoria científica, de uma nação e de um objeto, são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá um sentimento de não familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que parecia abstrato, torna-se concreto e quase normal. Ao criá-los, porém, não estamos mais ou menos conscientes de nossas intenções, pois as imagens e ideias com as quais nós compreendemos o não usual (incomum) apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual nós já estávamos familiarizados há tempo, por isso, nos dá uma impressão segura de algo já visto e já conhecido (MOSCOVICI, 2011, p. 58).
Depois de todos os ajustamentos e a configuração de algo novo familiar,
como citado acima, é possível sua organização diante das diferentes classes sociais,
culturais e grupais, se levarmos em consideração que cada universo interativo social
apresenta três dimensões, sendo elas: a atitude, a informação e o campo de
representação.
Na dimensão “atitude” é possível pontuar como, em uma determinada
situação, um determinado grupo se manifesta de acordo ou não, por exemplo, com
uma mudança de hábitos alimentares diante de uma enfermidade.
29
Subjacente a essa atitude estão, muito além de juízos racionais, questões
afetivas, crenças – “ser gordo é sinal de saúde” – e a pressão dos grupos sociais ao
qual o sujeito pertence.
A informação refere-se ao conhecimento que esta população tem sobre o
objeto, interferindo na construção de suas concepções sobre o caráter científico das
mudanças alimentares, por exemplo, ou mesmo de “crendices” em relação à
enfermidade; e no campo da representação se refere à ideia geral desta população
diante da enfermidade e perspectivas de prevenção/cura.
O diálogo entre as três dimensões nos permite caracterizar a visão dos
sujeitos no que diz respeito ao conteúdo e sentido de suas representações sociais, o
que permitirá adquirir uma atuação mais abrangente e pontual de acordo com as
suas necessidades.
1.2 Ancoragem e Objetivação
O conceituado filósofo francês Gaston Bachelard (1975) observou, em seus
estudos, que o mundo em que nós vivemos e o mundo do pensamento não são um
só e o mesmo mundo.
Na medida em que o conhecimento, as teorias, as informações e os
acontecimentos se multiplicam, os mundos devem ser duplicados e reproduzidos a
um nível mais imediato e acessível, através da aquisição de uma forma e energia
próprias, buscando então uma adaptação constante. Com outras palavras, são
transferidos a um mundo consensual, circunscrito, ou seja, re-apresentado.
A ciência era antes baseada no senso comum e fazia o senso comum menos comum; mas agora senso comum é a ciência tornada comum. Sem dúvida, cada fato, cada lugar comum esconde dentro de sua própria banalidade um mundo de conhecimento, determinada dose de cultura e um mistério que o fazem ao mesmo tempo compulsivo e fascinante (MOSCOVICI, 2011, p. 60).
Para modificar práticas é necessário romper com nossos paradigmas, para
depois dar-lhes uma feição familiar. Isso põe em funcionamento dois mecanismos, a
ancoragem e a objetivação, ou seja, indo de um processo de pensamento baseado
30
na memória e em conclusões passadas (familiar) para outro, não-familiar, ou de
estranhamento.
O primeiro mecanismo busca ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar em determinada situação. O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que existe no mundo físico. As coisas que o olho da mente percebe parecem estar diante de nossos olhos físicos e um ente imaginário começa a assumir a realidade de algo visto, tangível (MOSCOVICI, 2011, p. 60-61).
Então, através da ancoragem e da objetivação é possível transformarmos o
não familiar em algo familiar, apropriando-o para a nossa pessoalidade, em que,
através das vivências e percepções de mundo, somos capazes de categorizar
através de buscas comparativas e, então, fazer a sua interpretação.
Depois disso projetamos para coisas que podemos ver e tocar, e assim,
controlar.
Ressalta-se ainda que, essencialmente, nossas representações são sempre
criadas por esses dois mecanismos, ancoragem e objetivação. Esses processos
estão sempre conectados um ao outro e são modelados por fatores sociais. Abaixo
ambos os mecanismos são mais bem explicitados.
1.2.1 Ancoragem
A ancoragem pode ser afirmada como um processo que transforma algo
novo, estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de
categorias, e busca a comparação com um paradigma de uma categoria que nós
pensamos ser apropriada para familiarizarmo-nos com ele.
Pede-se dizer, de uma maneira mais simples, que ancorar é classificar e dar
nomes a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome
são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Quando nos
deparamos com algo não familiar, nós experimentamos uma resistência, um
distanciamento, ou seja, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo
a nós mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essa resistência,
31
em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontece quando nós somos
capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de
rotulá-lo com um nome conhecido.
Em seu estudo sobre Representação Social, Vala (1993, p. 363) refere que o
processo de ancoragem é “um processo de redução do novo ao velho e
reelaboração do velho tornando-o novo”. Isso é percebido nas transformações que a
medicina vem apresentando, através da ancoragem do conhecimento popular, e do
que esse significa na busca por modalidades de tratamento “sustentáveis”; a ciência
se apropria de novos/velhos paradigmas para criar novas terapias.
No momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e então
comunicá-lo, mesmo vagante, como quando nós dizemos de alguém que ele é
inibido, então podemos representar o não usual em nosso mundo familiar, reproduzi-
lo como uma réplica de um modelo familiar.
Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. A neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierárquica (MOSCOVICI, 1961, p. 136).
Diante da citação acima, pode-se pensar que, quando classificamos algo, o
intitulamos dentro de um conjunto de comportamentos e regras, sendo que
pontuamos o que acreditamos ser aceito e correto em relação aos indivíduos
envolvidos. Para tanto, essa classificação ocorre a partir dos paradigmas de nossa
memória e levando em consideração o aspecto “bom ou ruim”, “positivo ou
negativo”, “agradável ou desagradável”.
De um modo geral, minhas observações provam que dar nome a uma pessoa ou coisa é precipitá-la e que as consequências daí resultantes são tríplices: a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser descrita e adquire certas características e tendências; b) a pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos, através dessas características e tendências; c) a pessoa ou coisa torna-se objeto de uma convenção entre os que adotam e partilham a mesma convenção (MOSCOVICI, 2011, p. 67).
32
Jodelet (1989) afirma que a ancoragem serve à instrumentalização do saber
conferindo-lhe um valor funcional para a interpretação e a gestão do ambiente.
Partindo dessa ótica, quando instrumentalizamos algo através de nomes, estamos
atribuindo uma identidade social ao que não era conhecido, e com isso, temos o
mundo consensual, em que o conceito científico apropria-se da linguagem comum.
Poderíamos quase dizer que essa duplicação e proliferação de nomes corresponde a uma tendência nominalística, a uma necessidade de identificar os seres e coisas, ajustando-os em uma representação social predominante. Chamamos antes a atenção à multiplicação de complexos que acompanhou a popularização da psicanálise e tomou o lugar de expressões correntes, tais como timidez, autoridade, irmãos. Com isso, os que falam e os de quem se fala são forçados a entrar em uma matriz de identidade que eles não escolheram e sobre a qual eles não possuem controle (MOSCOVICI 2011, p. 68).
Sintetizando, afirma-se que classificar e dar nomes são dois aspectos dessa
ancoragem das representações.
Categorias e nomes partilham da chamada sociedade de conceitos. E não simplesmente em seu conceito, mas também em suas relações. Não nego, de modo algum, o fato de que eles são naturalmente lógicos e tendem a uma estabilidade e consistência. Nem que tal ordem seja provavelmente exigente. Posso ajudar, contudo, a observar que essas relações de estabilidade e consistência são altamente rarefeitas e são abstrações rigorosas que não se relacionam, nem direta, nem operacionalmente, com a criação de representações. Por outro lado, relações diferentes, que são induzidas por padrões sociais e produzem um caleidoscópio de imagens ou emoções, podem ser vistas como presentes (MOSCOVICI, 2011, p. 69).
A essa altura, a teoria das representações sociais traz duas consequências:
Em primeiro lugar, ela exclui a ideia de pensamento ou percepção que não seja a ancoragem. Isso exclui a ideia do assim chamado viés no pensamento ou percepção. Todo sistema de classificações e de relações entre sistemas pressupõe uma posição específica, um ponto de vista baseado no consenso. É impossível ter um sistema geral, sem vieses, assim como é evidente que existe um sentido primeiro para qualquer objeto específico. Os vieses que muitas vezes são descritos não expressam, como se diz, um déficit ou limitação social ou cognitiva, mas uma diferença normal de perspectiva, entre indivíduos ou grupos heterogêneos dentro de uma sociedade. E não podem ser expressos pela simples razão que seu oposto não tem sentido. Em segundo lugar, sistemas de classificação e nomeação
33
não são, simplesmente, meios de graduar pessoas ou objetos considerados como entidades discretas. Seu objetivo principal é facilitar a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos subjacentes às ações das pessoas, na realidade, formar opiniões. Na verdade, esta é uma preocupação fundamental. Grupos, assim como indivíduos, estão inclinados, sob certas condições, tais como superexcitação ou perplexidade, ao que nós poderíamos chamar de mania de interpretação (MOSCOVICI, 2011, p. 70).
Não podemos nos esquecer de que para interpretar uma ideia ou um ser não
familiar sempre requeremos categorias, nomes, referências, de tal modo que a
entidade nomeada possa ser integrada ao conjunto de conceitos como um todo. Nós
fabricamos categorizações com esta finalidade, ou seja, buscar a familiarização do
desconhecido.
Na medida em que os sentidos emergem, nós os tornamos tangíveis, visíveis
e semelhantes às ideias e seres que nós já integramos e com os quais nós estamos
familiarizados. Analisar esse processo na diferenciação que as mães, usuárias dos
serviços de saúde do bairro onde a pesquisa foi desenvolvida, fazem dos sinais de
doença/saúde, significa entender como lidam com o “desconhecido” dos conceitos e
termos médico-científicos, sob quais categorias já existentes – advindas do senso-
comum, e de um senso comum de tradição rural, agrária, dada à origem das famílias
das periferias pobres – interpretam, modificam, enfim, se apropriam desses termos
na vida cotidiana. O que tem impacto de diversos níveis de gravidade na qualidade
de vida da prole.
Desse modo, conclui-se que as representações sociais preexistentes em
determinados contextos culturais são modificadas por novas informações, e aquelas
entidades que devem ser representadas são mudadas ainda mais, de tal modo que
adquirem uma nova existência e necessidade.
1.2.2 Objetivação
Toda representação social torna real um nível diferente da realidade. Esses
níveis são criados e mantidos ou extintos pela coletividade, não tendo existência por
si mesmos; por exemplo, o nível sobrenatural, que até certo tempo atrás era quase
onipresente, é agora praticamente inexistente.
34
Entre a ilusão total e a realidade total existe uma infinidade de graduações que devem ser levadas em consideração, pois nós a criamos, mas a ilusão e a realidade são conseguidas exatamente do mesmo modo. A materialização de uma abstração é uma das características mais misteriosas do pensamento e da fala. Autoridades políticas e intelectuais, de toda espécie, a exploram com a finalidade de subjugar as massas. Em outras palavras, tal autoridade está fundamentada na arte de transformar a palavra que substitui a coisa, na coisa que substitui a palavra (MOSCOVICI, 2011, p. 71).
Para começar, objetivar é identificar a qualidade simbólica de uma ideia, ou
seu ser impreciso; e com sua identificação se dá a reprodução de um conceito em
uma imagem. Certamente, isso não é tão fácil assim, pois, nós temos conosco um
enorme estoque de palavras e adjetivos, que se referem a objetos específicos, e nós
estamos sob constante pressão para provê-los com sentidos concretos equivalentes.
Ressalta-se, ainda, que desde que suponhamos que as palavras não falam sobre
nada, somos obrigados a ligá-las a algo, a buscar uma significância, a encontrar
equivalentes materiais ou não verbais para elas, ou seja, familiarizando-os
(MOSCOVICI, 2011).
A cultura nos incita a construir realidades a partir de ideias significantes.
Constata-se, então, que sem as representações sociais, e ainda, sem a
metamorfose das palavras e objetos é absolutamente impossível existir alguma
“transferência” no conhecimento e no seu entendimento.
Através da objetivação do conteúdo científico da psicanálise, a sociedade não confronta mais a psicanálise ou psicanalista, mas um conjunto de fenômenos que ela tem a liberdade de tratar como quer. A evidência de homens particulares, tornou-se a evidência de nossos sentidos, um universo desconhecido é agora um território familiar. O indivíduo, em contato direto com esse universo sem a mediação de peritos ou de sua ciência, passou de uma relação secundária com seu objeto para uma relação primária e esse pressuposto indireto de poder é uma ação culturalmente produtiva (MOSCOVICI, 1961, p. 65).
Cada cultura possui seus próprios instrumentais para transformar suas
representações em realidade. Desde o começo da Era Moderna, caracterizada pela
“mecânica” os objetos, a metáfora das máquinas domina o modo como
representamos coletiva e mentalmente a realidade e nós “estamos obsessionados
35
com um animismo às avessas, que povoa nosso mundo, com máquinas, em vez de
criaturas vivas” (MOSCOVICI, 2011, p. 40).
Podemos, pois, dizer que, no referente a átomos e genes, nós não apenas os
imaginamos como objetos, mas os criamos, em geral, com uma imagem maquínica,
com a ajuda do objeto com o qual nós os identificamos.
Nenhuma cultura, contudo, possui um instrumento único e exclusivo de
interpretação de mundo. E devido ao fato de que estamos relacionados com os
objetos e realidades contextuais, que têm na máquina seu ideal de existência, isso
nos encoraja a representar nessa perspectiva tudo o que encontramos. Nós
personificamos, indiscriminadamente, sentimentos, classes sociais e pessoas, como
máquinas, e é a própria linguagem que nos possibilita fazer isso.
Para se ter uma compreensão mais clara das consequências de nossa tendência em objetivar, poderíamos analisar fenômenos sociais tão diferentes como a adoração de um herói, a personificação das nações, raças, classes... Cada caso implica uma representação social que transforma palavras em carne, ideias em poderes naturais, nações ou linguagens humanas em uma linguagem de coisas. Acontecimentos recentes mostraram que o resultados de tais transformações podem ser desastrosas e desencorajadoras ao extremo para aqueles de nós que gostariam que todas as tragédias do mundo tivessem um final feliz e de ver o direito triunfar. A derrota da racionalidade e o fato de a história ser tão parca em seus finais felizes não nos devem desencorajar de examinar esses fenômenos significativos e principalmente não devem tirar a convicção de que os princípios implícitos são simples (MOSCOVICI, 1961, p. 78).
Linguagem que é constituída pela interação de experiências e memórias
comuns, que nós empregamos para superar o não familiar, com as suas ansiedades.
Moscovici (2011) ressalta ainda que as experiências e memórias, ao contrário do
que se possa acreditar, são dinâmicas e imortais.
Partindo da perspectiva de que as experiências e memórias são dinâmicas,
então, a ancoragem e a objetivação são as maneiras aqui escolhidas para se lidar
com essa dinamicidade. Especificando, a ancoragem mantém em movimento a
memória através da busca por comparativos, e assim classificando-os com um título
ou nome. Já a objetivação acontece através da busca por conceitos internalizados e
aqui reproduzidos em um mundo exterior, a partir do que já é conhecido. Um
exemplo, pensamos em uma cadeira, logo, buscamos esse objeto para repousar,
36
sendo ele confortável ou não; diferente da ancoragem, pois por ela, pensa-se na
cadeira mais confortável possível.
Cabecinhas (2004) afirma que o processo de objetivação envolve três etapas,
sendo elas: a informação acerca do objeto, a organização dos elementos e a sua
naturalização.
Todas as etapas têm sua importância, sendo que na primeira etapa, ou seja,
informação sobre o objeto, deve-se levar em consideração as crenças e o quanto
aquele determinado grupo social valora este objeto. Na segunda etapa, a
organização dos elementos, deve-se identificar e estabelecer padrões de relações
estruturadas entre os diversos elementos que compõem um fenômeno a ser
significado. E na terceira e última etapa, a naturalização, ocorre quando se passe
pela organização dos elementos, relaciona-os em categorias denominadas naturais,
adquirindo/instituindo uma materialidade ao fenômeno.
Em outras palavras, porém com a mesma essência, Alves-Mazzotti (2008)
também discorre sobre a objetivação, afirmando que se dá em três processos, sendo
eles: a construção seletiva, a esquematização estruturante e a naturalização.
Destaca-se ainda que a objetivação pode ser interpretada como maneiras que
constituímos organização de elementos que constituem os fenômenos cotidianos e,
assim, os representam, num processo de aquisição/instituição de um ser material,
real, tangível.
1.3 Causalidades
Farr (1977) mostrou com acerto que existe uma relação entre a maneira como
nós concebemos algo para nós mesmos e a maneira como o descrevemos aos
outros.
Partindo dessa premissa, Moscovici (2011) ressalta a teoria das
representações sociais, sendo que seu ponto de partida se relaciona com a
diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua estranheza e
imprevisibilidade, buscando atingir seu foco central, que é essa interação entre
pessoas na busca de uma sociabilidade significante dentro deste universo
diversificado de experiências, vivências e memórias.
37
Para nosso entendimento, diante de todas as diversidades, Moscovici (1961)
contribui com palavras de estabilidade:
Nós vemos uma pessoa, ou coisa, que não se enquadra em nossas representações, que não coincide com o protótipo, ou um vazio, uma ausência, ou nós encontramos um muçulmano em uma comunidade católica, um médico sem usar as coisas físicas. Em cada caso, nós somos provocados a encontrar uma explicação. De um lado, existe uma falta de reconhecimento; de outro lado, existe uma falta de conhecimento. De um lado, uma falta de identidade; de outro, uma afirmação de não identidade. Nessas circunstâncias, nós somos sempre obrigados a parar e pensar e finalmente a admitir que nós não sabemos por que essa pessoa se comporta desse modo, ou que esse objeto tenha tal ou tal efeito (MOSCOVICI, 1961, p. 81).
Nesse âmbito, podemos afirmar dois tipos de causalidades, sendo
denominadas de primária e secundária.
Podemos pontuar como causalidade primária, em termos de representações
sociais, aquelas para as quais nos voltamos espontaneamente, dependendo das
finalidades dos eventos comunicativos/interpretativos com que estamos envolvidos.
Posto que a maioria de nossas relações se dá com seres humanos, nós somos
confrontados com intenções e propósitos de outros que, por razões práticas, não
podemos entender.
Já a causalidade secundária, que não é espontânea, é ditada por nossa
educação, nossa linguagem, nossa visão científica do mundo, e tudo isso nos leva a
desvestir as ações, conversações e fenômenos do mundo exterior de sua porção de
intencionalidade e responsabilidade, considerando-os apenas como dados
experimentais, que devem ser vistos imparcialmente.
Tendemos, assim, a juntar toda a informação possível a respeito destes
dados, de tal modo que possamos classificá-los em uma determinada categoria e,
desse modo, identificar sua causa, explicá-los.
O que realmente acontece na cabeça não é facilmente deduzido. Mas eu queria tornar esse ponto claro: nas representações sociais, as duas causalidades agem conjuntamente, elas se misturam para produzir características especificas e nós saltamos constantemente de uma para outra. Por um lado, pelo fato de procurar uma ordem subjetiva, por detrás dos fenômenos aparentemente objetivos, o resultado será uma inferência; por outro lado, pelo fato de procurar uma ordem objetiva por detrás de fenômenos aparentemente subjetivos, o resultado será uma atribuição. Por outro lado, nós
38
reconstruímos intenções ocultas para explicar o comportamento da pessoa: essa é uma causalidade de primeira pessoa. Por outro lado, nós procuramos fatores invisíveis para explicar o comportamento visível: essa é uma causalidade de terceira pessoa (MOSCOVICI, 2011, p. 83).
Esse assunto merece destaque pois as circunstâncias da existência social, na
maioria das vezes, são manipuladas com o intuito de destacar uma ou outra
causalidade, como se fosse fazer passar um fim como um efeito. Em outras
palavras, o foco de investigação desta pesquisa, é como se legitimasse que as
mães/cuidadoras que vivem nas periferias são incapazes de identificar os sinais de
doenças nas crianças, devido ao meio em que elas vivem.
Considerar as representações sociais como meios de recriar a realidade
significa dizer que nós a reproduzimos no mundo exterior e, por isso, não podemos
evitar a distorção de nossas imagens e modelos internos.
Quando estamos reproduzindo nossos referenciais, essa é uma projeção
distinta de qualquer outra e, então, elaboramos nossa representação dela. E com
isso, quando ocorrem episódios de repetição, por exemplo, em uma consulta de
enfermagem em puericultura, quando a mãe afirma que na amamentação ela tem
muita sede e acredita que algo está errado, a função do representante da
enfermagem é esclarecedora, pois a sede é natural para reposição de líquidos
corporais. Nas próximas consultas, quando houver esse mesmo tipo de queixa,
estará ocorrendo a “reprodução” de uma representação anterior.
O resultado mais importante dessa reconstrução de abstrações em realidades é que elas se tornam separadas da subjetividade do grupo, das vicissitudes de suas interações e consequentemente, do tempo, e adquirem, portanto, permanência e estabilidade. Isoladas do fluxo de comunicações que as produziu, elas se tornam tão independente delas como uma construção se torna independente do plano do arquiteto ou dos andaimes empregados em sua construção (MOSCOVICI, 2011, p. 90).
Continuando a explanação sobre o exemplo acima, na consulta de
enfermagem em puericultura, existem os processos de não familiaridade para a
familiarização sob duas perspectivas, a do enfermeiro e a da mãe. O que para a mãe
parece ser algo errado – um sintoma – a percepção, enquanto enfermeiro educador,
é que o fenômeno “sede” é natural, pois ela está amamentando. Isso é explicado à
medida que, antes de ocorrer a ancoragem e a objetivação, nossa tendência é a de
39
voltarmo-nos para causalidades do mundo natural para, depois, fazermos nossas
outras reconstruções, que são sociais e nos influenciam.
Isso ocorre pois:
O senso comum está continuamente sendo criado e recriado em nossas sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado. Seu conteúdo, as imagens simbólicas derivadas da ciência em que ele está baseado e que, enraizadas no olho da mente, conformam a linguagem e o comportamento usual, estão constantemente sendo retocadas. No processo, a estocagem de representações sociais, sem a qual a sociedade não pode se comunicar ou se relacionar e definir a realidade, é realimentada. Ainda mais: essas representações adquirem uma autoridade ainda maior, na medida em que recebemos mais e mais material através de sua mediação, juntamente com as categorias necessárias para compreender o comportamento de uma criança, por exemplo, ou de um amigo. Aquilo que, a longo prazo, adquire a validade de algo que nossos sentidos ou nossa compreensão percebem diretamente, passa a ser sempre um produto secundário e transformado de pesquisa científica. Em outras palavras, o senso comum não circula mais de baixo para cima, mas sim de cima para baixo; ele não é mais o ponto de partida, mas o ponto de chegada (MOSCOVICI, 2011, p. 95).
Contudo, essas reconstruções serão tanto mais possibilitadas quanto maior
for a escuta prestada aos sujeitos, que, como no exemplo dado, estão num contexto
de transição de representações sociais- rurais/agrárias/populares para aquelas mais
científicas. Então, as representações sociais determinam tanto o caráter do estímulo
como a resposta que ele incita, assim como, em uma situação particular, eles
determinam quem é quem. Para tanto, a interação com o meio é a primeira etapa
para uma melhor busca dos significados e significantes ou mesmo das relações
sociais. Pode-se afirmar que, com isso, a busca pelo entendimento mútuo, por meio
do respeito às diferentes representações sociais constituídas pelos sujeitos,
constitui-se uma maneira de cuidar para a evolução das interações grupais e de
concepções mais amplas de mundo.
Destaco ainda que o estudo das representações sociais deva ser explorado e
levado em consideração não apenas como uma mudança de referencial partindo do
nível emocional para o intelectual. Todo aspecto relacionado à cognição, motivação
e comportamento humano somente existe e tem suas repercussões uma vez que
eles signifiquem algo para os sujeitos e, portanto, para significar necessita-se que
pelo menos haja um diálogo, valores e memórias comuns. É nesse aspecto que se
40
distingue o social do individual, o cultural do físico e o histórico do estático. Na
codificação dos significados diz-se que as representações são sociais,
principalmente que elas são simbólicas com aspectos de percepção e cognitivos.
Representações sociais, como teorias científicas, religiões ou mitologias, são representações de alguma coisa ou de alguém. Elas têm um conteúdo específico que difere de uma esfera ou de uma sociedade para outra. No entanto, estes processos são significantes, somente na medida em que eles revelam o nascimento de tal conteúdo e suas variações. Afinal, como nós pensamos não é distinto daquilo que pensamos. Assim, nós não podemos fazer uma distinção clara entre as regularidades nas representações e nas dos processos que as criam (MOSCOVICI, 1978, p. 106).
Conclui-se ainda, neste caso, que as representações sociais são históricas na
sua essência e influenciam o desenvolvimento do indivíduo desde a primeira
infância, desde o dia em que a mãe, com todas as suas imagens e conceitos,
começa a ficar preocupada com seu bebê. Mais uma vez demonstra-se a
importância em continuar as investigações e traçar análises sobre a
percepção/representações sociais das mães no que se refere ao processo
saúde/doença para com seus filhos.
E, por fim, destaca-se que essas imagens e conceitos são advindos, pela
mãe, dos seus próprios dias de escola, de programas de rádio, de conversas com
outras mães e com o pai, e de experiências pessoais, enfim, do meio onde se vive e
que impacta seu relacionamento com a criança, o significado que ela dará para seus
choros, seu comportamento e como ela organizará a atmosfera na qual essa criança
crescerá. Acredita-se, ainda, que a compreensão que os pais têm da criança – que
também pode ser considerada fruto das representações sociais vigentes numa
comunidade – modela sua personalidade e pavimenta o caminho para sua
socialização, ressaltando então mais uma vez a riqueza em estar estudando as
representações sociais, com vistas a entendê-las e colaborar para sua
reestruturação/ampliação.
41
“Death and Life” – Gustav Klimk – 1908
http://www.gustav-klimt.com/Death-And-Life.jsp
Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo 11111111
42
2 Antropologia da Doença - resultado da complementariedade entre a
epidemiologia e a sociologia da saúde
“...a finalidade de todas as ciências e todas as artes é o bem da pessoa humana e sua perfeição, então,
esse empenho não é em vão...”
(SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2011)
A antropologia da doença tem por finalidade analisar as inúmeras formas de
fazer interpretações sobre os processos que envolvem o adoecer e a cura em seus
distintos âmbitos culturais. Como discorrido no capítulo anterior sobre as
representações sociais, este capítulo vem complementar os vieses envolvendo as
percepções humanas no que diz respeito aos aspectos significantes da antropologia
médica e seus reflexos socioculturais.
Este capítulo tem por importância e justifica-se pelo fato que, quando
analisamos o termo “doença”, vem em mente uma representação de desaceleração
de nossas atividades cotidianas, uma mudança na vida da pessoa, pois a doença
não se refere somente a uma estrutura somática do ser humano, e sim, a integridade
de “si/do-modo-de-ser-dos-sujeitos”. Então, torna-se de grande valia analisar, sob a
perspectiva antropológica, o que a enfermidade significa para o ser humano. Com os
pressupostos teóricos sobre a antropologia da doença, utilizou-se o referencial de
François Laplantine no qual o mesmo classifica os modelos antropológicos sobre a
doença de acordo com sua etiologia, além disso, também, pela afinidade do
pesquisador junto ao teórico.
A antropologia da doença estuda a relação de como as pessoas, em seus
diversos contextos socioculturais, apreendem conhecimentos no que diz respeito
aos problemas de saúde, crendices, tratamentos e busca pela cura quando
adoecem. Além disso, a antropologia médica investiga como essas crenças e
costumes influenciam diretamente nas respostas corporais ao processo
saúde/doença (HELMAN, 2009).
Partindo por essa perspectiva, Alves (1993) sugere que para a compreensão
de uma enfermidade é preciso conceber-se que a mesma está relacionada à
experiência dos sujeitos, ou seja, o fenômeno “sentir-se mal” origina-se através de
43
uma representação social sobre o que vem a ser “estar doente”, e em como nos
tornamos capazes de transformar esta experiência em conhecimento.
A doença pode ser definida como uma alteração global da estrutura pluridimensional e plurirrelacional da pessoa, uma alteração que pode ser associada ao sofrimento ao longo da vida. Com efeito, a enfermidade tem um profundo valor antropológico, pois não se trata de uma mudança meramente epidérmica ou acidental, mas sim de uma mutação transcendental do ser humano que altera globalmente seu ser e sua estrutura tanto do ponto de vista exterior como do ponto de vista interior (TORRALBA ROSELLÓ, 2009, p. 70).
A doença como estrutura corporal altera a percepção da própria
materialidade, sendo que as expressões faciais, sensações de cansaço e
esgotamento estão perceptíveis à nossa interpretação visual. Porém, o processo de
adoecer ultrapassa nossas compreensões visionais, sendo que a análise
antropológica vai além, ou seja, afeta a interioridade do ser humano, e em suma,
seus sentimentos mais íntimos, seus valores, suas recordações, suas emoções, e
sua capacidade de argumentação. Devido ao conjunto de subjetividade envolvendo
a doença, quando nos relacionamos com outros seres humanos, devemos sempre
levar em consideração que a doença altera, de certo modo, o mundo afetivo e
relacional dos envolvidos. O mundo relacional se transforma através dos sinais e
sintomas expressos pela doença e o olhar em relação a você/ao doente também
adquire mudanças significativas, pois uma pessoa doente tem uma visão diferente
do outro, o qual somente é possível a partir da experiência do adoecer.
Nessa direção Minayo (1988, p. 375) adverte:
O corpo humano é considerado na medicina acadêmica como uma máquina e cada órgão como uma peça. O papel do médico é de atacar a doença, isto é, de consertar os defeitos de um mecanismo enguiçado. Ao concentrar-se em elementos cada vez menores e divididos do corpo, o médico perde de vista o doente como um todo o processo de inter-relação sociocultural, psicossocial, e espiritual que permeia qualquer doença.
De acordo com Torralba Roselló (2009), pode-se pontuar três perspectivas
que se unem para uma melhor concepção em termos de doença. A primeira, como
se o corpo possuísse uma deficiência e com isso adquirisse a doença. A segunda, a
incapacidade vital da razão em fazer uma sucessão de um instinto, por exemplo,
44
relação antígeno e anticorpo, em que nosso corpo teria uma incapacidade de fazer
com que nossos anticorpos inativassem os antígenos, e com isso nós
adoeceríamos. E, por último, a história humana, vendo um processo mórbido como
irremediável, ou de alguma maneira “mágico”, enquanto ligado à figura do médico,
que pode ser visto como um “detector” de “problemas e males”, cria obstáculos para
o acercamento dos sujeitos das práticas médicas; um exemplo disso é que até nos
dias atuais, dependendo da história humana, os idosos, em grande parte, tem
resistência e não aceitam fazerem uso da medida preventiva que é a vacinação
anual contra a gripe.
Merecem destaque as palavras de Torralba Roselló (2009, p. 71):
A doença, que em nossa concepção antropológica supõe uma alteração global na estrutura da pessoa, não é um risco definitivo para o ser humano, mas uma experiência pela qual ele passa e que pode ser entendida a priori em vários sentidos analógicos: a) a doença como sofrimento ou fragilidade afetiva de um ser miserável; b) a doença como anormalidade ou transgressão de uma norma, desordem moral; e, c) a doença como negatividade ontológica e a negação axiológica.
Nessa linha, Carlos Díaz (1997, p.17) afirma que,
Se alguma definição do ser humano fosse suficientemente descritiva não seria a mais inadequada a que o caracteriza como animal enfermável, o constitutivo, pois, do ser é a enfermidade. Não ficamos melhores ou piores ao envelhecer, mas sim, mais parecidos com nós mesmos.
Como argumenta Pereira (1993 p. 159), as noções de corpo, doença e saúde:
[...] são construídas social e culturalmente, devendo o olhar antropológico buscar o seu sentido junto das pessoas que as utilizam, como único meio de poder entender quais as estratégias sociais nos processos de manutenção e recuperação da saúde (PEREIRA, 1993, p.159).
Para tanto, se faz necessário apontar a importância, como expresso por
Uchôa e Vidal (1994), sobre a pertinência do discurso antropológico na abordagem
da saúde e da doença para uma melhor compreensão da realidade. Pois o
entendimento da saúde e da doença são fenômenos complexos, uma vez que nos
revela que o estado de saúde de uma população está relacionado ao seu modo de
45
vida e ao seu universo social e cultural. Partindo dessa vertente, fica coerente
afirmar que a antropologia médica apresenta-se em uma relação de
complementaridade entre a epidemiologia e a sociologia da saúde.
Na epidemiologia busca-se descobrir a distribuição das doenças na
população e seus determinantes, por exemplo, quantas crianças de uma
determinada faixa etária se concentram numa região; traçar uma análise nutricional
dessas crianças e buscar os determinantes de saúde e doença presentes. Na
sociologia, busca-se a apreensão dos problemas de saúde em uma dimensão social
e não individual, pois a saúde e a doença, em suas interrelações, são fenômenos
culturalmente construídos e culturalmente interpretados.
Partindo do pensamento acima, Laplantine (2010) afirma que a antropologia
médica tem como missão a interpretação das dimensões socioculturais, buscando a
compreensão das representações e práticas de um determinado grupo social. E
ainda, a maneira com que cada sociedade percebe a doença implica em técnicas e
rituais terapêuticos, ou em mecanismos de exclusão social, que cada sociedade irá
buscar, apropriar-se e, com isso, considerar adequadas para agir em relação aos
“distúrbios”.
Muito se tem falado sobre a melhora do processo saúde-doença após a
criação do Sistema Único de Saúde – SUS, pois a população está participando e
interagindo mais efetivamente com os serviços de saúde. Porém, percebe-se ainda
uma lacuna existente nos sistemas de saúde pública no que diz respeito às
percepções do “estar doente”. Haja vista que a experiência de uma doença não se
limita somente à alteração biológica, mas esta lhe serve de apoio ou mesmo norte
para uma construção cultural, num processo que lhe é concomitante (OLIVEIRA,
2002).
Para uma melhor interpretação dos fatos relacionados às patologias, os
sistemas biomédicos se baseiam em modelos que, contemporaneamente, se
encontram marcados pela visão hospitalocêntrica.
E isso acontece em razão das hipóteses, especialmente as científicas, que
foram apropriadas através de ideais para um relacionamento cultural mais adequado
diante de toda diversidade humana. Ou seja, a cultura biomédica não é isenta de
representações sociais, tampouco. Todo o pensamento sobre uma determinada
doença procede de uma opção teórica e ideológica, e a mesma está subordinada ao
contexto cultural no qual se insere.
46
Para fins explicativos, parte-se do referencial de François Laplantine (2010),
no qual o autor afirma que a representação etiológica das doenças e as práticas de
cura dificilmente podem ser isoladas das condições sociais, e que se inscrevem nas
investigações acerca das representações sociais sobre a doença e a cura,
envolvendo diversos discursos, tanto ao nível da interpretação etiológica da doença
quanto da resposta terapêutica.
Dividiremos então este capítulo em vários segmentos sobre os modelos
etiológicos da doença, que, partindo da perspectiva idealizada por Laplantine (2010),
são dispostos em pares de oposições, que descrevem e comparam as respectivas
vertentes. Os que seguem:
- modelo ontológico e modelo relacional;
- modelo exógeno e modelo endógeno;
- modelo aditivo e modelo subtrativo;
- modelo maléfico e modelo benéfico;
- contribuições da antropologia da doença para as representações sociais.
2.1 Modelo Ontológico e Modelo Relacional
O modelo ontológico é aquele em que a medicina está centrada na doença
como um “ser” físico, separada do corpo; e o modelo relacional está centrado no
homem doente, sendo que suas representações podem ser ancoradas nos aspectos
fisiológicos, psicológicos, culturais e sociais.
2.1.1 Modelo Ontológico
“Minha cabeça e meus pulmões conspiram contra mim
sem que eu o soubesse...”
(KAFKA, 1981, p. 81)
Desde a medicina hipocrática já se tinha a ideia de um “ser” da doença
separada do corpo e essa ideia adquire maiores forças quando ocorre uma
47
formulação sistemática com o dualismo cartesiano, no qual existe a separação da
alma do corpo, sendo a alma entendida na perspectiva da metafísica (isto é, “para
além do físico”) e o corpo na perspectiva da física.
De acordo com Laplantine (2010), quando estudamos o modelo ontológico,
três abordagens estão sobrepostas nos fatos, sendo elas, uma medicina de
espécies, uma medicina das lesões e uma medicina das especificidades.
Uma medicina das espécies, também denominada de essencialismo, procede
a partir do isolamento da doença da pessoa, e sua existência se situa além de
qualquer localização.
Já a medicina das lesões, também denominada de anatomismo e
anatomopatologia, se baseia na procura da localização da doença, ou seja, a
doença coincide totalmente com a sua inscrição corporal. E por fim, a medicina da
especificidade busca o especifísmo etiológico, ou seja, o “ser” da doença tem sua
causa precisa, então, busca-se a origem da doença/mal.
Neste modelo, então, observa-se uma reificação da doença, considerada
como “um mal em si mesma”. Ainda, a interpretação do modelo ontológico da
doença apresenta duas grandes “vantagens”, sendo elas, “a doença isolável” e as
“representações tranquilizantes”.
Por “doença isolável” pode-se exemplificar o caso de uma apendicite, pois na
cirurgia retira-se o apêndice vermiforme e acaba-se o mal, então, na doença isolável,
ocorre uma objetivação, sendo ela eliminada após o procedimento cirúrgico.
E nas “representações tranquilizantes”, partindo do mesmo exemplo descrito,
na apendicite a representação tranquilizante é o fato de que uma pequena parte do
corpo não está em pleno funcionamento, ou seja, tranquiliza saber que “eu” estou
bem, somente um órgão do meu corpo é que está com alguma disfunção.
2.1.2 Modelo Relacional
“Estudar os órgãos alterados
sem fazer menção aos sintomas das doenças,
é como considerar o estômago independente da digestão”
(BROUSSAIS, 1821, p. 12)
48
O modelo relacional, que também é chamado de funcional, apresenta como
essência de pensamento o que diz respeito ao aparecimento e desaparecimento de
enfermidades, passa o olhar para questões que envolvem a harmonia e desarmonia,
equilíbrio e desequilíbrio; contudo, a enfermidade/doença passa a ser vista com um
desarranjo do corpo, seja por falta ou excesso de algo, que afeta diretamente o
corpo.
Partindo dos pensamentos de Laplantine (2010), no modelo relacional o autor
subdivide este modelo em três esferas de saberes, sendo elas, “a doença como
ruptura do equilíbrio entre o homem e ele mesmo”, “a doença como ruptura do
equilíbrio entre o homem e os cosmos” e, “a doença como ruptura de equilíbrio entre
o homem e seu meio social”.
A primeira esfera dos saberes, “a doença como ruptura do equilíbrio entre o
homem e ele mesmo”, pode ser categorizada em “a medicina humoral”, “a
fisiopatologia” e “a homeopatia e a psicanálise”. A medicina humoral se refere pela
concepção hipocrática da doença onde há variações entre um dos quatros humores
– o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. A fisiopatologia, assim
entendida como a apreensão do organismo de uma maneira dinâmica e funcional,
por exemplo, não se considera mais o “olho” e sim a “função do olhar”. Partindo
então desta perspectiva, torna-se necessário aceitar a ideia de que a doença é a
própria função fisiológica, mas a função fisiológica desviada de sua funcionalidade
(LAPLANTINE, 2010).
Merecem destaque as escritas de Bernard (1966, p. 279):
Dito de outra forma, a patologia – que está nessa ótica da fisiopatologia – resulta de uma disfunção, ou seja, de uma variação por “exagero”, mas em outros casos por “atenuação”, do funcionamento normal do organismo. Assim, torna-se possível, nessas condições, indicar uma continuidade ou, se preferirmos, uma homogeneidade entre a doença e a saúde, que não são mais compreendidas como duas qualidades em luta, mas como “simples modificações fisiológicas”, ou seja, graduações de uma com relação à outra.
Devido à relação de continuidade da doença e da saúde, não há como
separar a morbidez do organismo, neste caso, por exemplo, em situações em que a
mãe procura ajuda na Unidade de Saúde da Família relatando que a criança está
49
apresentando diarreia, é necessário levar em consideração o contexto em que essa
criança vive e daí, mais uma vez, a importância da educação em saúde no que diz
respeito a hábitos de higiene e manuseio de alimentos no domicílio.
A homeopatia e a psicanálise têm como foco a valorização da história da
pessoa, ou seja, o ato de fazer lembrar ou relembrar – fazer a anamnese. Em uma
consulta homeopática a principal característica é a abordagem clínica da doença,
neste caso, pedindo para as mães relatarem o motivo da busca pela assistência
médica. Escutar as mães, estudar o significado das fases e períodos da doença, a
sintomatologia, as possíveis complicações, são os conceitos fundamentais para
alcançar a cura. Lembrando sempre que cada situação é única, ou seja, o cuidado é
individualizado. Ao mesmo tempo, a psicanálise, no contexto da doença, procura a
relação da experiência atual do doente com um pensamento voltado para a sua
história.
Sintetizando, então, o procedimento clínico é centrado na narração do
indivíduo e na escuta. Na narração se conta a origem, tempo e evolução da
sintomatologia; e na escuta, após toda narração, faz-se análise e formula-se o
diagnóstico, além de traçar-se um prognóstico para a doença/cura.
A respeito da segunda esfera dos saberes “a doença como ruptura do
equilíbrio entre o homem e o cosmos”, Laplantine (1978, p. 119-120) afirma:
[...] a doença é considerada, desta feita, como o efeito de uma desarmonia entre o microcosmo e o macrocosmo, e o processo da cura consistirá de um reequilíbrio cósmico – intervenção direta nos elementos naturais ou por meio deles.
A terceira esfera dos saberes, “a doença como ruptura do equilíbrio entre o
homem e seu meio social”, está de acordo com a época e sociedade em que se vive,
adquirindo várias formulações, dentre elas, uma formulação religiosa e uma
formulação mágica ou de feitiçaria. Na formulação religiosa, a doença aparece como
um castigo, uma advertência devido a uma infração cometida. Também sob essa
perspectiva, vê-se um apelo para restaurar as relações da comunidade com ela
mesma. Nesse sistema de interpretação pede-se a oferta de algo para sacrifício –
promessas – que a sociedade oferece. Assim, o doente vai se reencontrar ou
fortalecer seu eixo de equilíbrio.
50
Na formulação mágica ou de feitiçaria, a doença tem algo a ver com o doente,
mas se situa no exterior dele, ainda tem a capacidade de pressentir o achado, ou
seja, a sintomatologia.
Concordando com Laplantine (1978) pensar a doença e a saúde como modo
de relação perturbado ou satisfatório do homem com seu meio social pode ser
considerado um progresso e também uma revitalização de um modelo muito antigo,
que está dividido entre a ideia de que é preciso “desmedicalizar” a doença e a
“medicalização” de fato dos comportamentos, os quais eram condenados em nossa
sociedade pela moral e pela religião.
2.2 Modelo Exógeno e Modelo Endógeno
Quando tratamos o assunto “doença” merece destaque que toda a
responsabilidade etiológica, seja ela popular ou erudita, espontânea ou teórica,
necessita de uma segunda leitura, pois existe uma certa oscilação entre uma
causalidade externa e causalidade interna, sendo então denominadas de modelo
exógeno e modelo endógeno.
O modelo exógeno dá-se ao entendimento sobre o resultado dessa doença
por uma intervenção exterior, por exemplo, uma infecção microbiana. Já o segundo
que é o modelo endógeno, consiste nas heranças genéticas, a hereditariedade, os
temperamentos, o estresse e as predisposições.
2.2.1 Modelo Exógeno
“É a ordem social que nos deixa doentes...”
(CARPENTIER, 1977, p. 33)
No modelo exógeno a doença é vista como um acidente devido à ação de um
elemento estranho, que acometeu o doente. Nessa ação podem ser apontados dois
grupos de significações, sendo o primeiro grupo “a doença tem sua origem na
vontade má de um poder antropomorfo”, nesse caso, atribui-se isso aos feiticeiros,
51
espíritos e até mesmo Deus, o qual faz sua intervenção através da forma de
“destino”. Trata-se, então, dos “sistemas” de crenças, que segundo Foster (1976),
são “personalistas”, ou seja, são os processos patológicos e terapêuticos que estão
pensados em termos de relações humanas com o sobrenatural.
Já no segundo grupo de significação “a doença tem sua origem como uma
agente nocivo”, neste caso acontece o que podemos denominar de “naturalização”,
ou seja, é natural você vir a adoecer. Isso acontece devido a uma relação do ser
humano com o meio físico, sendo, então, as variações climáticas, as questões
mórbidas do planeta, as condições ecológicas e sociais de nossa existência a ter
influência direta no nosso organismo.
Também existe a concepção da doença como produto, ou seja, como
resultado de nossa interação com o meio químico e bioquímico. Um exemplo típico é
a questão dos alimentos, sendo cada vez mais produzidos com acréscimos de
conservantes, condimentos, produtos artificiais, e, com isso, nosso organismo vai
sofrendo o impacto desses, se desgastando e sendo crescentemente exposto aos
desequilíbrios.
A seguir, há três vertentes que relacionam a etiologia a partir da cultura,
sendo elas: a “sociogênese das doenças na dualidade contemporânea
médico/doente”; a “sociogênese das doenças nas teorias sociomédicas
contemporâneas”; e, a “sociogênese das doenças na literatura” (LAPLANTINE,
2010).
A sociogênese das doenças na dualidade contemporânea médico/doente, tem
sua origem do grande número das doenças que estão relacionadas diretamente com
o meio social em que se vive e também ao modo de vida. No que diz respeito ao
modo de vida, alguns exemplos podem ser apontados, dentre eles, problemas
familiares, poluição ambiental, desemprego, ruídos, as más condições de moradia,
sedentarismo. Além disso, os ritmos de trabalho com duração de longas jornadas,
responsáveis pela sobrecarga e fadiga, e a nocividade da alimentação.
Os alimentos podem ser classificados de acordo com os hábitos culturais
como “bons” e ”maus”. Os alimentos considerados maus – patogênicos – não são
considerados como fatores de doença em si, mas sim como agentes diretamente
responsáveis. Daí percebe-se uma convicção que os doentes possuem sobre a
causa da “doença”, acabando por fazer sua legitimação sobre o bem e o mal que
cada alimento traz para sua saúde/doença.
52
Há uma difusão de que mais sadia é a alimentação natural, comparando-a
com os hábitos culturais nas áreas rurais, ou seja, a vida direta com a natureza, e
com isso evitar-se-ia o aparecimento de muitas doenças, aumentando então a
qualidade de vida e a expectativa de vida em anos. Mas deve-se lembrar de que não
é apenas à alimentação “natural” que se deve a preservação da saúde, mas a toda
uma maneira de viver, que caracteriza o modo de vida rural.
Resumidamente, a sociogênese das doenças na dualidade médico/doente
tem, então, duas vertentes importantes, dentre elas o meio social e o modo de vida
que a pessoa vive.
Não podendo deixar de afirmar que muitos pacientes tendem a direcionar a
legitimação daquilo que ingerem/fazem como “agentes patogênicos”, ou seja, por
exemplo, quem faz uso de açúcar na alimentação desenvolve, como relação direta,
o diabetes, porque o açúcar causa o diabetes, mas quando presente a dislipidemia
(distúrbio envolvendo a presença de elevados níveis de lipídios e lipoproteínas na
corrente sanguínea) isso se torna verdadeiro.
A segunda vertente, a sociogênese das doenças nas teorias sociomédicas
contemporâneas, tem por visão que a doença é tida como fenômeno social, estando
ligada diretamente à educação, à política e à cultura. Na explicação sociomédica
todas partilham da ideia maior de que a origem da doença não se situa no nível do
indivíduo, mas sim no nível da relação social que esse indivíduo desenvolve na
sociedade.
A terceira, a sociogênese das doenças na literatura, parte dos pressupostos
de Zorn (1979), que apontou em sua obra literária “Mars”, a abordagem do
conhecimento popular, familiar e social com relação ao aparecimento das doenças.
Nessa obra o autor citado anteriormente afirma que o convívio familiar e a
sociedade irão atuar diretamente na fragilidade individual, o que poderá causar
algum dano. O que ressalta-se é que a quantidade/qualidade com que a pressão e
as cobranças são feitas pela sociedade e família também vai causar um dano, uma
fragilidade, podendo originar doenças. Por exemplo, na obra “Mars”, o jovem foi a
óbito com apenas trinta e dois anos devido ao câncer, porém ele afirma que a família
seria a responsável pelo seu câncer.
Mas o que é importante nessa fala é que ele mesmo ressalta que a família,
era responsável pelo câncer devido à quantidade de pressão, cobranças e
expectativas que faziam em cima dele – não que toda a família causa câncer e sim a
53
quantidade, esse exagero ou mesmo a falta de cobranças – acaba acarretando um
desequilíbrio, e esse é o corpo que “absorverá” esse desequilíbrio, desenvolvendo
respostas através do aparecimento de doenças.
2.2.2 Modelo Endógeno
“Eu quis minha doença e meu câncer...”
(ZORN, 1979, p. 259)
A prioridade atribuída ao modelo endógeno é o fato de que a doença é
deslocada para o indivíduo, ou seja, ela é concebida como vindo do próprio interior
do sujeito (LAPLANTINE, 2010).
Essa compreensão vem das noções de “temperamento” da pessoa, das suas
“disposições e predisposições”, do tipo de caráter ou mesmo do “astral”, da
natureza, da hereditariedade, da fragilidade corporal, das disposições a tal doença e
outras. Todas essas explicações, tendo como ponto comum o fato de que os
recursos de autodefesa do organismo, por características inerentes ao sujeito,
tornam-no incapaz de defender-se, gerando, então, a doença.
Dentre esses modelos poderiam ser citadas as doenças da nutrição, os
desarranjos que acontecem no metabolismo, os desequilíbrios hormonais, os
problemas “nervosos”, aqueles de crescimento, os distúrbios funcionais. Como
exemplo, duas doenças significantes podem ser apontadas no que diz respeito à
interpretação endógena.
Uma delas é a psicose maníaco-depressiva, também denominada de
melancolia ou psicose endógena, que surge pelos distúrbios da regulação interna,
que alterará os ritmos biológicos, traduzindo-se por acessos de excitação ou
depressão, os quais são absolutamente desproporcionais em relação às
circunstâncias, ou até sem qualquer relação perceptível, do ponto de vista do
observador, com as situações vivenciadas no meio. O que reforça a ideia de que
esses estados de sofrimento psíquicos são fenômenos puramente internos.
Outra patologia é o câncer, visto como um corpo estranho, mas ao mesmo
tempo, constituindo-se num estranho muito particular, uma vez que ele nasce e se
54
desenvolve por um processo de invasão e consumação interna, que vai provocando
uma degradação progressiva do organismo e, com frequência, podendo levar até a
morte (COSTA, 2011).
Uma das representações populares no que diz respeito ao câncer é o fato de
que as pessoas não utilizam o termo “eu peguei câncer” e sim “eu estou com
câncer”.
Então, quando estudamos a relação da interpretação endógena com o tipo de
doença apresentada, devemos buscar a causa interior para a reação corpórea que
está acontecendo.
As formas de pensamento médico representativas da prioridade do endógeno
afirmam que a doença deve ser entendida como uma alteração que certamente não
pode ser compreendida sozinha, ou seja, a doença é compreendida pelo meio
geográfico e climático, e também se liga ao desequilíbrio interno. Contudo, a
patologia vem da própria natureza do indivíduo, que a produz, culminando numa
inusitada complexidade de vítima/agente do sofrimento.
Outro tipo de concepção da doença é o vitalismo médico, que se baseia na
complexidade e na originalidade do ser vivo, bem como na sua autonomia e na
unidade funcional do ser humano.
No vitalismo médico é considerado que as causas da doença não são
localizadas e isoláveis, mas elas vêm de um desequilíbrio geral do ser humano. Mas
é importante ressaltar que esse desequilíbrio generalizado é particular, cada um
reage de uma maneira individual aos eventos, cada um tem a sua ação e sua
predisposição à doença (LAPLANTINE, 2010).
O pensamento médico denominado de modalidades relacionais globais
também traz em si que cada organismo tem sua particularidade. Para exemplificar
tal argumento, utilizaremos os pensamentos baseados em Sigerist (1932, p. 233)
“três homens caem de um barco, o primeiro pega uma pneumonia, o segundo um
reumatismo e nada acontece para o terceiro”. O organismo é muito complexo,
depende da resistência de cada um em adquirir ou não uma determinada doença.
Outro pensamento médico diz respeito às abordagens psicológicas,
psicanalíticas e psicossomáticas da doença, sendo que nestas a importância é
atribuída ao indivíduo, não apenas como participante de sua doença, mas criando
ele mesmo sua gênese do estado patológico.
55
Também é importante apontar temas da literatura em que as representações
endógenas da doença, partindo da perspectiva de grandes pensadores, podem
nascer (ROUSSEAU, 1959), podem ser germinativas, com o doente participando,
com mais frequência involuntariamente, de sua gênese (CARDINAL, 1981), pode ser
uma reação a uma situação até mesmo deliberadamente criada pelo homem (ZORN,
1979), ou ainda ser considerada como o próprio símbolo do indivíduo (KAFKA,
1981).
Em suma, duas grandes variantes do modelo endógeno devem ser
valorizadas e estudadas. As variantes do modelo endógeno são apontadas como
uma variante somática, quando seria então orientada a partir da liberdade/arbítrio do
sujeito em “adoecer” e, concomitantemente, da sua culpabilidade nesse processo.
Ou seja, “a doença está em mim porque eu quis”, ou mesmo, “eu desejei isso
involuntariamente”. Ou como variante genética, quando apresenta como foco o
destino e a fatalidade, ou seja, “está em mim, mas nada tenho com isso”.
Quando estudamos o sujeito e suas patologias temos, assim, que considerar
como estas são sociocultural e individualmente reconhecidas/representadas. Em
relação às variantes somáticas e genéticas temos que levar em consideração a
representação comum, quer seja baseada na dinâmica da personalidade, com seu
componente inconsciente, quer na representação ligada à aprendizagem do
comportamento do que é ficar/estar doente/são.
2.3. Modelo Aditivo e Modelo Subtrativo
No modelo aditivo a doença é considerada como uma positividade inimiga, já
no modelo subtrativo o doente sofre de algo a menos, por algo que “escapou dele”,
ou ainda uma falta, uma negatividade, uma ausência. E tanto no modelo aditivo
quanto no modelo subtrativo a ação terapêutica para essa pessoa consistirá, então,
em uma restituição dessas carências ou excessos.
2.3.1 Modelo Aditivo
No modelo aditivo subentende-se que a presença de uma doença dá-se
56
através de uma pré-compreensão positiva, ou seja, a doença é preferencialmente
vivenciada mais como uma presença do que como ausência, como um “algo” que
não estava lá e que começou a se instalar e a invadir parte do corpo. Em resumo,
como alguma coisa a mais, ou seja, de uma adição não simbólica, mas bem real, de
um acréscimo indesejável. Essa perspectiva mostra que a doença vem a adicionar
algo ao nosso corpo.
Afirmar que a doença é um corpo estranho que deve ser expulso, uma
presença inimiga a ser dominada, uma adição de algo ruim a ser extraído, significa
recusar deliberadamente que ela possa vir de si mesmo e envolver a personalidade
do doente (LAPLANTINE, 2010; COSTA, 2011).
No modelo aditivo tem-se, por exemplo, no caso da doença “câncer”, QUE
quando surge, com toda sua multiplicação celular, adiciona ao corpo algo que não
estava presente, portanto o modelo aditivo vem para complementar algo no corpo,
bom ou ruim, mas complementar.
2.3.2 Modelo Subtrativo
No modelo subtrativo fica claro que algo está faltando e é necessário que se
faça sua restituição, o que implica em uma compreensão ou uma pré-compreensão
negativa da doença, que não é mais presença positiva a ser eliminada como no
modelo aditivo, mas ausência que requer uma terapia aditiva, como por exemplo, um
enxerto nos casos de grandes queimaduras, um transplante no caso de portadores
de doença renal crônica, um ritual de restituição, a ação médica em prol de eliminar
algo que está com falhas. O modelo subtrativo possui prioritariamente um caráter
operatório.
2.4 Modelo Maléfico e Modelo Benéfico
Este modelo, em associação aos demais modelos já estudados, traz um
sentido de ambivalência e relação entre os sistemas de avaliação, que informa a
prática do terapeuta e a experiência do doente, ou seja, ruim ou maléfico, bom ou
benéfico.
57
Concordando então com Laplantine (2010, p. 102), a ambivalência que:
[...] o médico experimenta inevitavelmente ao curar ou a sensação de equívoco que experimentamos quando doente em presença das significações, são canalizadas para um sistema de interpretação normativo que em parte nos escapa.
2.4.1 Modelo Maléfico
“Meu espírito se aproxima da morte...
É o triunfo da matéria sobre o espírito”
(MANSFIELD, 1973, p. 393)
Alguns posicionamentos sobre o modelo da doença como força maléfica
podem ser apontados, dentre eles, a doença considerada como um “mal absoluto”.
Nessa perspectiva, a doença é considerada nociva, indesejável, e acaba resultando
da privação, porque vivemos em uma rede muito tensa e repleta de tabus, em
relação aos discursos pela profilaxia e os aspectos preventivos dentro de uma
sociedade. Assim, quando medidas como a profilaxia e a prevenção falham, a
doença se manifesta, e a mesma deve ser combatida, através de terapias
medicamentosas, psicológicas, enfim, a busca pela cura. Ou a restauração da
“norma”.
Outra perspectiva sobre o modelo de doença maléfica é que a doença não é
apenas biológica, mas ela também é um desvio social. Por ela apresentar essa
característica de desvio social, acaba refletindo diretamente no por que a pessoa
doente se sente socialmente desvalorizada. É comum perceber isso uma vez que as
pessoas, dentro de uma sociedade, evitam falar sobre uma doença e, dependendo
da cultura local, nem se fala o nome de uma doença. É como se, quando se
pronunciasse o nome da doença, estivesse chamando-a; um exemplo muito habitual
é o câncer, que muitas pessoas denominam como “aquela doença”, “a doença”,
evitando falar do nome câncer.
Ainda em se tratando do modelo de doença como maléfica tem-se a negação
da patologia no nível de sentido. Essa negação no nível de sentido apresenta uma
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característica relevante pelo fato de estar fazendo a “negativização da experiência
patológica” no intuito de “esquecer a doença”, buscando aumentar a esperança de
sobrevida. Parte-se do pensamento de que, quando se faz essa “negativização da
doença”, se está conservando a qualquer preço o bem mais importante da vida, que
é a nossa “saúde”. Isso geralmente ocorre quando a pessoa descobre que
apresenta uma doença irreversível e terminal, então, a mesma, como fuga e
afirmação da “negativização da doença”, acaba preenchendo todo seu tempo para
não ficar ociosa e lembrar-se da doença.
Com base nos pressupostos de Céline (1980), a doença é um mal, afirmando
que somos um corpo destinado à morte, não vendo a doença como um processo do
qual a cura faz parte, ou mesmo a possibilidade de amenizar as complicações, mas
sim concebendo a doença como um fim.
Informam que ele está doente... Eu sei! Doente! Eu também estou doente! O que quer dizer doente? Todos estamos doentes! Vocês ficarão doentes e muito em breve ainda por cima. Eu tinha a vocação de ficar doente, só doente. Cada um tem seu gênero (CÉLINE, 1980, p. 171).
Destaca-se o autor citado acima por sua “criação” de uma estética da
morbidez, ressaltando-a fisicamente, a qual é percebida, principalmente, como a
doença sendo corrosiva de todas as nossas ilusões. Fato esse que nos convence
que, como descrito anteriormente, somos um corpo que vai morrer.
Torna-se ainda importante enriquecer os pressupostos do modelo maléfico de
pensamento da doença, descrito por Guérin (1982), em que ele traz a doença em
seus argumentos como “horror dominado”, um “desespero absoluto”. Ainda nesse
aspecto, Guérin (1982) acredita que a doença é a experiência do “horror dominado e
desespero absoluto”, que nada pode justificar. Merece destaque alguns de seus
pensamentos, os quais se seguem abaixo:
Montesquieu talvez tenha razão quando diz que não existe tristeza que uma hora de leitura não possa dissipar; sim, razão quanto à tristeza. Mas, acredite em minha experiência, contra o sofrimento físico só os analgésicos, no fundo, são eficazes (GUÉRIN, 1982, p. 14).
Se somos torcidos pela dor, moralmente abatidos, se temos os nervos cansados, se estamos esgotados pela fraqueza, a menos que
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sejamos um monstro de energia, só temos vontade de cair na cama, de procurar um alívio para os nossos males em uma imobilidade calculada e de desejar que nos dêem um analgésico. Essa é a verdade! (GUÉRIN, 1982, p. 33).
Ah, que isso acabe, que isso acabe! Realmente, não posso mais suportar. Para que serve viver nessas condições? Mil vezes a morte (GUÉRIN, 1982, p. 101).
2.4.2 Modelo Benéfico
“como os amantes quando começam a se amar,
como os poetas quando cantam,
os doentes se sentem mais perto de suas almas...”
(PROUST, 1981, p. 6)
No modelo benéfico da doença ocorre uma inversão do sentido, ou seja, o
sintoma de uma doença não é mais considerado como uma aberração, algo ruim,
castigo, mas como uma mensagem a ser ouvida e desvendada para alcançar a cura.
Então, a doença acaba tendo um valor de reação, que tem pelo menos um sentido,
e esse sentido torna-se uma tentativa para restaurar o equilíbrio que está instável ou
mesmo perturbado. E a doença, em certos casos, tem como resultado desse
episódio o de ser enriquecedor, tanto para o doente como para o terapeuta, para a
ciência – pesquisa – e também para a sociedade como um todo.
Podemos apresentar alguns aspectos relevantes com relação à concepção da
doença no modelo benéfico, sendo a “doença-gratificação”, a “doença-proeza”, a
“doença-cura”, a “doença-volúpia”, a “doença-salvação”, e a “doença-liberdade”
(LAPLANTINE, 1978).
Na doença-gratificação o sujeito sente-se privilegiado ou mesmo gratificado
em saber que ele, enquanto doente, faz parte de um evento especial da história, por
ser constituinte de um caso excepcional, nos casos de uma doença rara que o
mesmo está desenvolvendo, ou mesmo por romper com a monotonia do cotidiano.
Então ele se sente gratificado em ter a doença e contribuir, de alguma maneira, para
com a ciência, a sociedade, ou mesmo para o dia-a-dia de sua comunidade.
60
Mediante o episódio de doença, no modelo benéfico o sujeito se fortalece
para reagir com otimismo, ou seja, o doente pode transformar sua
invalidez/sofrimento em sentido de vitalidade. Encontra uma forma de tornar-se
produtor de valor moral, dando exemplos sobre como vencer o sofrimento. Um
exemplo que se torna de muito valia destacar é aquele de Antônio Francisco Lisboa
– conhecido como “Aleijadinho” – que, por volta dos quarenta anos de idade,
começou a desenvolver uma doença degenerativa nas articulações (não se sabe ao
certo o diagnóstico, podendo ser hanseníase ou reumatismo). Contudo, o mesmo
reagiu de maneira excêntrica, tornando-se um exemplo de superação, tornando-se
aquele que é considerado o maior escultor do período barroco e um dos maiores
representantes das artes plásticas brasileira.
Continuando então as concepções dentro do modelo benéfico, na doença-
cura, a patologia apresenta-se como uma informação ao terapeuta através dos
sintomas que o corpo está refletindo, transmitindo então indícios de algo “errado”.
Por exemplo, uma criança que está apresentando diarreia, nessa perspectiva, o
terapeuta irá investigar a origem dessa diarreia, porém o centro de atenção não é
romper com os episódios da diarreia, e sim avaliar o foco que está desencadeando a
mesma. A ação estará mais voltada a terapias de reidratação de líquidos e eletrólitos
e, se for o caso, o médico prescreverá algum tipo de medicação. Contudo, a diarreia
acaba sendo um sintoma de algo que está desajustado no organismo. Também
outra situação que merece ser exemplificada é a febre, sendo uma reação de
autodefesa do organismo contra a doença/agente agressor. Nessa perspectiva,
quando realiza-se o banho para amenizar a febre ou mesmo administra-se
medicações antitérmicas com o intuito de atenuar a temperatura corporal é como se
o organismo febril fosse agir com busca no reequilíbrio. Então a doença-cura faz
com que pensemos num esforço terapêutico, no qual a sintomatologia cessará na
medida em que o foco de instabilidade (doença) seja restaurado ao equilíbrio (cura).
Na doença-volúpia parece que existe uma relação de cumplicidade entre o
doente e o terapeuta, parte-se para uma relação prazerosa, na qual existe uma
sensação desejável de continuar doente. O doente pede ao terapeuta que cesse o
sofrimento, e não que cure a doença. E fazendo elo com Laplantine (2010), na
relação doença-volúpia o terapeuta é aquele que trata e ao mesmo tempo é tratado,
e o doente é ao mesmo tempo doente e não-doente; essa relação comporta uma
estabilidade harmônica para os envolvidos, um espera que o outro o procure, uma
61
sensação de bem estar e complementaridade pessoal, uma sensação desejável por
ambas as partes.
Já a doença-salvação é importante para traçarmos o entendimento que a
população traz da experiência da doença como sinal para a transformação positiva
da vida. Não há como deixar de apontar que a religiosidade tem um aspecto
primordial para essa concepção, pois, de acordo com várias crenças religiosas, a
morte, por exemplo, é entendida como sendo uma elevação para um local superior,
uma vida melhor.
O mesmo pode ser pensado dos casos em que uma doença fez a pessoa
repensar seus hábitos de vida, modificando atitudes e valores. Então, a doença é
encarada como um benefício para a pessoa, “salvou a alma daquela pessoa”, ou
ainda, aquela pessoa que adquiriu uma determinada doença, foi “privilegiada”,
“beneficiada”, “bonificada”, “gratificada” pelo fato de ter, por meio da doença,
experimentado uma melhoria de vida.
E, por fim, a doença-liberdade, modelo ao qual está subjacente o pensamento
de que se tem direito à doença. Nessa perspectiva afirma-se que os seres humanos
têm o “direito à doença”: os portadores reivindicam seus direitos perante à
sociedade, buscando ter os seus direitos/especificidades de vida, como portadores
de determinadas patologias, reconhecidos e valorizados. Tanto que se têm hoje em
dia as Associações e Organizações Não-Governamentais com essa finalidade,
dentre elas, pode-se apontar a Associação de Pacientes com Esclerose Múltipla, a
Associação de Pacientes Diabéticos, Associação de HIV/AIDS, dentre muitas outras.
Em 1979, Briche (1979, p. 19) fez um discurso sobre a experiência
enriquecedora de estar doente:
[...] o período em que se está doente é a ocasião inesperada de viver, sendo a doença a mais bela luta pela vida. Trata-se da vida e não da morte. Não é a morte ultrapassando a vida, é a vida que se precavém contra a morte.
2.5 Contribuições da Antropologia da Doença para as Representações Sociais
“a antropologia aparece e torna-se forma...
sobre o contexto social, e
sobre os conteúdos históricos
62
que informam os indivíduos
enquanto sujeitos sociais”
(SPINK, 1994, p. 129)
“as representações não só
familiarizam o desconhecido,
mas (por vezes, ao fazê-lo) também,
permitem o estranhamento do familiar”
(ARRUDA, 1998, p. 37)
A antropologia da doença acaba por oferecer uma melhor interpretação das
representações sociais, uma vez que no universo etiológico dos modelos de saúde e
doença fazem-se presentes várias perspectivas e conhecimentos socioculturais.
Associadas à antropologia médica, as representações sociais podem ser
definidas como “imagens construídas sobre o real” (MINAYO, 1994, p. 108), pois
elas são elaboradas na relação dos indivíduos em seu grupo social, com o resultado
da ação no espaço coletivo comum a todos. Sendo assim, diferente da ação
individual. O espaço público (igreja, escola, centros culturais e até mesmo as
unidades de saúde) é o lugar onde o grupo social desenvolve e sustenta os saberes
sobre si próprio, os saberes consensuais, isto é, representações sociais. Inclusive, é
claro, aquelas relacionadas à saúde-doença.
Nas palavras de Wagner (1994, p. 178):
[...] o que pode, então, ser explicado por uma representação? A resposta é simples: enquanto relacionado a crenças, o comportamento manifesto é parte e conteúdo da própria representação social, é a consequência do comportamento no mundo social que se necessita explicar pelo complexo representação/ação. O comportamento e a ação estão lógica e necessariamente conectados a crenças representacionais, mas suas consequências não estão. A ação e as consequências são duas coisas diferentes.
63
Tanto que para Geertz (2012), nas representações sociais, a cultura deve ser
compreendida como uma rede de comunicações e de significados que incluem
vivências, crenças e relações de poder ali presentes. Trata-se de uma construção
simbólica do mundo, lembrando-se que essa sempre estará em transformação. Por
que os atores sociais escrevem e reescrevem seu contexto cultural, dentro do qual
interpretam, organizam e dão sentido à sua existência.
Essa afirmação reforça a relevância e importância da antropologia médica
para uma melhor interpretação dos sentidos que as pessoas, inclusive a classe dos
profissionais da saúde, fazem do binômio saúde/doença, bem como a sociabilização
cultural desses sentidos, permitindo, dessa forma, a compreensão dos discursos e
decisões tomadas por todos aqueles envolvidos no processo de interpretação
semiótica dos “sintomas-diagnóstico-tratamento-cura-morte”.
Sobre a importância do estudo e pesquisa antropológica, Oliven (1996, p. 10)
afirma que:
A antropologia trabalha com técnicas de pesquisa como entrevistas abertas, observação participante, que são de natureza qualitativa e, portanto, mais adequadas para reconstituir o universo de participação social e o sistema de representação dos informantes: [...] justamente por serem “marginais”, isto é, por não terem acesso pleno aos canais de participação que permitem a um estudo social, numa sociedade complexa, influir nas decisões que afetam seu próprio destino, é que estes grupos podem ser analisados com sucesso pela antropologia, ciência de certo modo também marginal à civilização urbano-industrial.
De grande valia são os pensamentos de Minayo (1998) sobre a antropologia
médica e seus reflexos para as representações sociais, uma vez que, para uma
melhor compreensão e eficácia dos sistemas de saúde, as relações e interpretações
estabelecidas entre os profissionais, a população e o universo simbólico relacionado
aos hábitos e modos de vida, torna-se primordial para estabelecer ou mesmo
restabelecer a saúde.
Diante disso, conclui-se o capítulo ressaltando-se que os comportamentos
humanos ligados à saúde e à doença na cultura dos grupos sociais encontram-se
diretamente influenciados pelas concepções de patologia vigentes pervasivamente
nas diferentes esferas sociais.
Determinados grupos pertencentes a uma classe social, etnias, religiões,
apresentam pensamentos singulares quanto à experiência da doença e noções de
64
particularidade sobre a saúde e terapêutica, sendo que isso só é possível devido às
diferenças socioculturais: a cultura determina tais particularidades. A antropologia
médica fornece meios para um melhor entendimento dessas particularidades,
agregando valores, símbolos, compartilhando saberes e discutindo padronizações.
É importante ressaltar que as concepções de saúde/doença tornam-se
aprendidas na imersão cultural, gerando decisões em relação ao comportamento
humano relacionado à saúde/doença, modelando as necessidades e características
biológicas, amalgamando os indivíduos numa forma de sociedade e convívio, com
padronizações do que acreditam ser o correto para determinada situação.
Esse tema continuará a ser analisado no próximo capítulo, tomando-se por
base o estudo empírico realizado na Unidade Saúde da Família citada.
65
Cultura: Um Conceito Antropológico
http://www.grupoescolar.com/pesquisa/cultura-um-conceito-antropologico.html
Capítulo 111Capítulo 111Capítulo 111Capítulo 111
66
3 Construção de um Paradigma Indiciário para a Contribuição da Educação
Sociocomunitária em Saúde
“... a principal divergência aos nossos olhos...
a adivinhação se voltava para o futuro, e,
a decifração, para o passado...”
(CARLO GINZBURG, 1989, p. 153)
Neste capítulo se discorrerá sobre as bases teóricas que envolvem a
semiótica, o paradigma indiciário e a educação sociocomunitária, abrangendo os
temas já anteriormente tratados, e esperando tecer uma contribuição para a questão
da saúde pública, conforme propostos nos objetivos dessa pesquisa. Também se
apresentará o ambiente da pesquisa, os aspectos metodológicos, e, por fim, a
análise e discussão dos dados.
A semiótica, enquanto ciência, surgiu simultaneamente em três contextos
diferentes, sendo eles na Suíça, na Rússia e nos Estados Unidos, entre o final do
século XIX e meados do século XX. Com o surgimento em três raízes distintas,
assim elas se ramificaram, e optou-se, aqui, então, por seguir os pensamentos de
Charles Sanders Peirce (1839-1914). Acredita-se ser este teórico aquele que mais
se mostra adequado à apreciação dos fenômenos contemporâneos no âmbito de
verificação desta pesquisa, por que faz uma interferência direta no campo do
conhecimento e da sua comunicação. Como é o caso deste estudo, que faz a
identificação dos paradigmas que as mães trazem consigo com relação ao processo
de saúde e doença das crianças, bem como aqueles de sua cura. Mais
precisamente, a leitura de Peirce se pautou nos trabalhos de Lucia Santaella,
pesquisadora e seguidora dos pensamentos de Peirce.
De acordo com Silva (2008), Peirce apontou três categorias fundamentais no
que diz respeito à representação da vida, nomeando-as como primeiridade,
secundidade e terceiridade. Essa tríade está presente em toda a organização do
saber, em toda divisão da ciência, está presente nas nossas funções sígnicas e na
percepção de um fenômeno.
67
Partindo dos pressupostos das categorias fundamentais de primeiridade,
secundidade e terceiridade, Santaella (2004, p. 7) discorre:
A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento e inteligência.
Trazendo como exemplo da citação acima, em uma consulta de puericultura,
é rotina mensurar e analisar os parâmetros antropométricos, dentre eles, peso e
altura.
Se estiver culturalmente presente na concepção materna de que a criança,
para ser saudável, deve estar “gorda” e quando, ao pesar a criança e a mesma
ganhou pouco peso, mas colocando-o no gráfico de desenvolvimento da criança a
mesma está nos parâmetros de normalidade, em primeiridade a mãe tem o desejo
de que o filho estivesse “gordo”; em secundidade, a surpresa de que a criança não
está ganhando o peso que a mãe gostaria que tivesse ganhado, faz com que ela
pense e se culpe por não estar “engordando” a criança; já na terceiridade, diz
respeito à transformação do conhecimento da mãe, sendo que o profissional que
está consultando a criança, seja enfermeiro/a ou médico/a, terá a missão de mostrar
para a mãe que a criança está dentro dos parâmetros de normalidade, quebrando os
paradigmas dessa, sem, contudo, anulá-la enquanto sujeito de saber, e criar uma
nova percepção de que saúde e gordura não são sinônimos. Isso favorecerá que a
mãe, de uma forma mais sincera e consistente, faça a adesão a futuras
recomendações advindas da equipe de saúde.
Talvez a forma mais simples de terceiridade manifeste-se através do signo,
pois o signo é o primeiro, no caso, é o que representa no pensamento da mãe
“criança gorda”, que se une a um segundo, ou seja, que o signo indica “gordura na
criança como sinônimo de saúde”, que por sua vez, se une a um terceiro, sendo o
efeito de que esse signo vai causar na interpretação dessa mãe, ou seja, criança
não está “gorda”, a mãe vai ficar insatisfeita.
Nesse instante surge o papel primordial de um “outro intérprete”, no caso, o
profissional da saúde, que educará a mãe de que seu filho está saudável, e assim,
desmistificar o tabu “gordura-saúde”. O que é preciso salientar é que esse processo
68
de educação, para ser verdadeiro, deve se basear num diálogo entre equipe de
saúde e clientela, que reconheça o saber da mãe/família também como válido, pois,
afinal, perda de peso ou pouco ganho de peso também pode significar problemas de
saúde. Numa outra situação a mãe/família pode trazer um dado importante para a
equipe de saúde ao queixar-se da perda de peso da criança.
Justificando a possibilidade de um novo olhar da mãe, segue-se o dizer de
Silva (2008, p. 263):
Todo aprendizado ocorre por meio de signos. O processo comunicativo é fundamental à cognição. Aprendemos comunicando, e comunicamos aprendendo. Mesmo sem querer, comunicamos, por meio da linguagem corporal, por exemplo. Mesmo sem querer, aprendemos, todas as vezes que participamos de uma cadeia sígnica. Estamos no mundo nos comunicando e aprendendo. Os objetos à nossa volta e dentro de nós produzem diálogos constantes, constante processamento, constante produção de signos.
Retomando então aos conceitos fundamentais de semiótica, sendo entendida
como a ciência dos signos e dos processos significativos que ocorrem na natureza e
na cultura, torna-se também necessária a definição de signo. Então, partindo dos
pensamentos de Santaella (2003, p. 12):
signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é objeto, ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade.
E ainda:
A ciência que tem por objetivo de investigação de todas as linguagens possíveis, cujo objetivo é o exame de modos de constituição de todo e qualquer fenômeno no campo de significação. Assim, semiótica é proposta como ciência que estuda e busca explicar os signos (SANTAELLA, 2003, p. 2).
Então o signo somente tem o poder de representar seu objeto quando existe
um intérprete e porque representa seu objeto, produzindo na mente desse intérprete
alguma outra coisa. Por exemplo, o choro de uma criança sendo o signo e
percepção da mãe sendo a intérprete, a mãe é que será a interpretante dessa
situação.
69
Para uma melhor definição de interpretante, Santaella (2003, p. 12) esclarece:
não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na mente do intérprete. A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro. Mas, para que a definição fique melhor divisada, convém esclarecer que o signo tem dois objetos e três interpretantes.
Figura 1 - Signo
Fonte: http://semioticaonline.wordpress.com/2012/08/17/a-semiotica-peirceana/
Analisando o gráfico acima, por objeto imediato fica entendido como estando
dentro do signo e ao modo de como o objeto em si está sendo representado no
signo. Por exemplo, na visita domiciliar, o enfermeiro pergunta se está tudo bem com
a criança e a mãe responde que está tudo bem e que a criança só está com
diarreia... Então a “diarreia”, sendo o objeto imediato, é um sinal de que algo não
está bem. Como interpretante imediato é o que o signo vai produzir na mente
interpretadora. Já como interpretante em si está diretamente ligado às crenças,
culturas e aspectos dessa, como a profissão, o nível de ensino, etc. E, por fim, o
interpretante dinâmico é aquilo que o signo efetivamente produz em cada mente
interpretadora.
Retomando o exemplo acima, a “diarreia” sendo um desequilíbrio presente no
corpo, como interpretante imediato o enfermeiro vai examinar a criança, perguntar
para a mãe quando iniciou a diarreia, a frequência... Depois da interpretação
imediata, vem o interpretante em si do enfermeiro, que nada mais vem a ser que o
70
plano de ação mediante aquilo ao que foi interpretado a partir do signo. E assim, o
interpretante dinâmico, com uma visão panorâmica, pode avaliar a gravidade ou não
do signo “diarreia” e as medidas curativas e educativas adequadas. E, cabe
perguntar: por que, para a mãe, a diarreia não representou um sinal de “doença”, já
que ela afirmou que estava tudo bem? Ou a resposta se deveu a uma negação à
interferência da equipe de saúde, ou, ainda, à convicção da mãe de que ela se
sentia competente o suficiente para cuidar da situação sem a interferência de
terceiros.
Santaella (2008) discorre sobre a relação triádica que existe entre um signo,
seu objeto e o pensamento interpretante, apontando a função mediadora do signo
entre o objeto e interpretante. Mais especificamente, a autora apresenta os
argumentos justificativos da função mediadora no processo triádico:
O interpretante será levado a ter uma relação com o objeto semelhante àquela que o signo tem para com o mesmo objeto, ou seja, a relação deve consistir de um poder do signo para determinar algum interpretante como sendo um signo do mesmo objeto. Isso significa que, por mais que a cadeia semiótica se expanda, em signos-interpretantes gerando signos-interpretantes, o vinculo com o objeto nunca é perdido, uma vez que o objeto é justamente aquilo que existe e resiste na semiose ou ação do signo. Em outras palavras, a ação lógica do objeto é a ação do signo. E a ação do signo é funcionar como mediador entre o objeto e o efeito que se produz numa mente atual ou potencial, efeito este que é mediatamente devido ao objeto através do signo. A mediação do signo em relação ao objeto implica a produção do interpretante, que será sempre, por mais que a cadeia dos interpretantes cresça, devido à ação lógica do objeto, a ação mediada pelo signo (SANTAELLA, 2008, p. 24-25).
Tudo isso se torna possível pois o universo é semiótico e estamos sempre
interagindo com os sinais, apropriando-nos, dessa forma, de novos conhecimentos,
revendo nossas crenças, formulando novos sinais em suprimento das necessidades
emergentes, como é o caso do calendário de vacinação de crianças, sendo que a
cada dia está surgindo uma nova vacina. Reforça-se, ainda, que tudo pode ser
convertido a signo, pois todos os elementos são passíveis de significações, e como
disse Fernando Pessoa (2006, p. 64) em seu poema intitulado “Inconsciência”: “...o
que em mim sente está pensando...”
Outro tema desse capítulo é o paradigma indiciário, que se relaciona em
muito à perspectiva semiótica acima exposta. O paradigma indiciário surgiu no final
71
do século XIX, através dos estudos de Carlo Ginzburg – historiador italiano, que tem
como cerne a análise de indícios, ou seja, o sinal pouco aparente, cuja interpretação
é pouco clara à própria consciência, mas que gera, ainda mais em conjunção com
outros indícios, interpretações relevantes, que emergem em nossas mentes como
insights.
Carlo Ginzburg (1989) em sua obra “Mitos, Emblemas e Sinais”, teoriza essa
ideia através do diálogo entre vários contos, caracterizando o que vem a ser o
paradigma indiciário ou “divinatório”, apontando que novos olhares são necessários
para uma melhor compreensão e apreensão do saber.
Existem várias ferramentas que o investigador usa para interrogar a
evidência, sejam elas a narrativa, a documental ou mesmo aquela das evidências
físicas. Nesse âmbito, o paradigma indiciário, que é utilizado na história, mas
também forma parte do ferramental metodológico da antropologia, mostra-se útil na
medicina porque é a forma como muitas vezes se faz o diagnóstico de uma
determinada enfermidade.
Mas o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode converter num instrumento para dissolver névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro. Se as pretensões do conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem opor isso a ideia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la. Essa ideia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário, penetrou nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas (GINZBURG, 1989, p. 177).
Carlo Ginzburg (1989) analisa o paradigma indiciário da seguinte forma. Ele
estabelece o surgimento de uma forma de pensar, de uma forma de raciocinar
baseada em indícios sígnicos, e ele coloca a raiz disso como um método científico
no século XIX, citando 3 casos específicos: Sigmund Freud (1856-1939) com toda a
sua metodologia de psicanálise, de analisar e anotar cada fragmento de pensamento
do paciente; de Giovanni Morelli (1816-1891), um crítico de arte, que desenvolveu
um método para atribuição de autenticidade ou falsidade às obras de arte a partir de
minúcias e detalhes no modo de como a pintura era composta; e o terceiro exemplo
72
analisado é do escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930) em seu personagem
Sherlock Holmes, que, da mesma forma, resolvia os enigmas criminais.
No conto ‘Um estudo em vermelho’, Sherlock Holmes descreve os
procedimentos fundamentais da investigação baseada em indícios. Para Holmes
(Doyle, na verdade):
[...] toda vida é uma grande corrente cuja natureza torna-se conhecida desde que nos apresentem um único elo. [...] Antes de enfrentar os aspectos morais e mentais que apresentam maior grau de dificuldade em determinada questão, convém que aquele que indaga comece por dominar os problemas mais elementares. Que ao olhar outro mortal, aprenda a perceber através de um mero olhar a história do homem e o ofício ou profissão a que se dedica. Por mais pueril que esse exercício possa parecer, ele aguça as faculdades de observação e ensina para onde olhar e o que ver. As unhas de um homem, a manga de seu paletó, sua botina, os joelhos de suas calças, as calosidades de seu indicador e se polegar, sua expressão, os punhos de sua camisa – eis diversos elementos que permitem discernir claramente a ocupação de um homem. [...] Em mim a observação é uma segunda natureza. [...] Quando um fato parece se opor a uma longa série de deduções invariavelmente se verifica que esse fato comporta alguma outra interpretação. [...] No momento de solucionar um problema desse tipo, o essencial é saber refletir para trás... (DOYLE, 1988, p. 33 e 35).
O indício é o modo sígnico em que nós podemos nos aproximar para
entender a questão do paradigma indiciário. Morelli, Freud e Conan Doyle tinham
formação em medicina e é por isso que esse modo de investigar, esse modo de
raciocinar, se aproxima muito da construção de um diagnóstico. Pois o médico
diagnostica o paciente a partir de uma vasta rede de informações, nem todas
claramente presentes, enunciadas.
Freud era um médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da semiótica médica: disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo (GINZBURG, 1989, p. 151).
O paradigma indiciário é esse tipo de raciocínio, ele representa o modo como
nós, seres humanos, pensamos desde períodos pré-históricos. Se pensarmos nos
primatas caçadores, como eles investigavam quando estavam à procura de uma
presa, temos que eles seguiam rastros, procuram vestígios do animal caçado no
73
meio da floresta. O ser humano desenvolveu várias maneiras de observar e de
interagir com seu ambiente, por meio de indícios. Mais uma vez, ressalta-se, para
operar por indícios é preciso interpretar o mundo de forma sígnica, semiótica, e
sempre temos que ser capazes da busca inovadora dos olhares.
Acredita-se que toda mãe perceba de maneira semiótica seu filho, por
exemplo, o fato dele estar mais choroso, e busca, dentro do seu repertório
interpretativo, sociocultural, explicações para tanto. Nosso cérebro registra, dentro
de um modelo cultural, os detalhes do ambiente e, quando alguma coisa não se
ajusta a esse modelo, o cérebro muitas vezes percebe a diferença antes mesmo de
que nossa percepção se torne consciente. E manda avisos ou pistas disso, e então
nós, seres humanos, raciocinamos a partir de indícios: juntamos as informações
para estabelecer as nossas ideias, nossas teorias e crenças para deduzir/produzir a
nossa realidade, para compreender a nossa realidade e explicá-la, e assim poder
interagir com ela.
Em suma, pode-se falar de paradigma indiciário, segundo as formas de saber, para o passado, o presente ou o futuro. Para o futuro – e tinha-se a arte divinatória em sentido próprio; para o passado, o presente e o futuro – e tinha-se a semiótica médica na sua dupla face, diagnóstica e prognóstica; para o passado – e tinha-se a jurisprudência. Mas, por trás desse paradigma indiciário, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa (GINZBURG, 1989, p. 154).
O paradigma indiciário é particularmente evidente na medicina hipocrática,
pois, através dele, definiram-se métodos sobre a investigação de um sintoma.
Através de uma observação minuciosa e do seu registro é possível elaborar histórias
de cada doença: essa insistência na natureza indiciária na medicina inspirava as
hipóteses e probabilidades para o diagnóstico e o tratamento (GINZBURG, 1989).
Quando em consulta de enfermagem de puericultura, o enfermeiro reproduz
essa ideia quando aplica o processo de enfermagem como instrumentalização do
cuidar, que consiste na investigação sistemática do paciente, através do histórico e
anamnese, exame físico, plano de cuidados, diagnóstico de enfermagem, prescrição
de enfermagem, evolução de enfermagem e prognóstico. Utiliza-se, quando esse
modelo está voltado para uma real interpretação do sujeito – e não como mera
técnica, como procedimento burocrático – do paradigma indiciário, da semiótica, das
74
representações sociais e da antropologia da doença, na busca de uma qualidade e
eficiência na assistência prestada.
Trazendo a semiótica e o paradigma indiciário em diálogo com a proposta de
educação sociocomunitária, acredita-se que seja de grande valia essa combinação,
pois a educação sociocomunitária se propõe como um estudo ramificado no
segmento investigativo em educação e não como resolução pragmática dos
problemas educacionais. Mais especificadamente, Gomes (2008, p. 46) discorre:
É preciso, portanto, compreender que ao se propor o estudo da Educação Sociocomunitária, a proposta não é feita como hipótese de resolução de todos os problemas sociais e educativos, mas como problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em constituir articulações políticas, expressas em ações educativas, que provoquem transformações sociais intencionadas.
Isso se justifica pela crescente participação da população nas comissões
locais de saúde, em que, de acordo com a legislação vigente, a Lei n. 8142 de 28 de
dezembro de 1990, se prevê a participação da comunidade na gestão do Sistema
Único de Saúde, especialmente em assuntos que envolvem melhorias na saúde.
Com isso, existem muitas comissões atuantes, que promovem de maneiras
significativas, a melhoria da atenção à saúde pública.
Continuando neste mesmo raciocínio, Noronha (2006, p. 64) afirma que o
termo sociocomunitário é entendido como:
Uma síntese das experiências comunitárias que se produzem nas relações sociais que os homens travam na sociedade que, por sua vez, se expressam e são compreendidas pela mediação da história. Nesse processo, a história representa a via do conhecimento sobre o sociocomunitário considerando-se que tem a sociedade como seu sujeito.
Sob a perspectiva da educação sociocomunitária é possível proporcionar
ampliação na percepção da população em relação à sua própria realidade, em
reivindicar melhorias, buscar conhecimento, se valorizarem enquanto pessoas, pois
é a partir do encontro entre os membros dos vários segmentos de uma comunidade
que se pode problematizar o cotidiano.
No caso dos profissionais da saúde, as ações educativas serão
desenvolvidas, muitas vezes, em bairros com precárias condições sanitárias. As
75
doenças parasitárias, neste cenário, terão um aumento e, consequentemente, a
população ali assistida receberá atenção vinculada à cultura médica. E perceberão
uma diferenciação entre essa cultura e suas culturas de origens, visto que a
população das periferias é formada por migrantes, e é importante que este
conhecimento prévio seja investigado e considerado pela equipe médica, pois é esta
cultura que “despertará” nelas a busca por compreender as possibilidades de
melhorias nas condições do meio onde vivem e sobrevivem, propostas pelas
equipes de saúde.
A Educação Sociocomunitária talvez seja um processo na ciência da
educação e com propostas investigativas a partir de evidências históricas de sua
ocorrência prática, sendo que nesta pesquisa nos apoiamos na Teoria da
Representação Social de Moscovici, na Antropologia Médica de Laplantine e no
Paradigma Indiciário de Ginzburg, que se mostra profundamente imbricado à
semiótica.
3.1 Contextualização da Estratégia Saúde da Família
O Programa Saúde da Família (PSF) tem sido amplamente discutido
principalmente como estratégia do Ministério da Saúde (MS) para reorganizar a
atenção básica à saúde no Brasil. Através dele, o MS pretende priorizar a atenção
básica, reorganizando-a e revertendo a forma atual de prestação de assistência à
saúde. O PSF iniciou-se no país em 1994, tendo como um de seus objetivos, ampliar
a atuação do Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) iniciado em
1991, construindo uma parceria de trabalho na qual um programa interagiria com o
outro, facilitando e complementando sua atuação (MARQUES; SILVA, 2004).
Rocha (2008) relatou que o PSF significou um aumento de novas propostas,
normatizações, modalidades de incentivo (financiamento) e uma inovação das
práticas de saúde, considerando como estratégia de reestruturação do sistema de
saúde, a partir da Atenção Básica, um caráter substitutivo criando novas estruturas
de serviços voltadas na promoção da saúde. Tem como enfoque o trabalho com a
descrição de clientela, o acolhimento, a visita domiciliar, a integralidade das práticas
e a equipe multiprofissional.
76
O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca
permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os
integrantes da equipe, e desses com o saber popular do agente comunitário de
saúde. O trabalho desenvolvido pela equipe do PSF busca levar a cada domicilio o
acesso ao tratamento e a prevenção dos agravos. As equipes multiprofissionais são
responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas
em uma área geográfica delimitada que atua com ações de promoção da saúde,
prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na
manutenção da saúde desta comunidade, visando promoção da qualidade de vida
da população (BRASIL, 2010).
Estas equipes vão aos domicílios para identificar os principais problemas das
famílias, evitando seu deslocamento desnecessário até as unidades de saúde e,
juntos, procuram as melhores soluções para os mesmos, antes que eles se instalem
de modo mais grave. É nesta relação de complementaridade e interdependência e
ao mesmo tempo de autonomia relativa com um saber próprio, que se entende o
trabalho de equipe do PSF, integrar conhecimentos disponíveis nos espaços de
trabalho, nos espaços comunitários (VIEIRA; CORDEIRO, 2005).
O Programa de Saúde da Família, como uma estratégia do Ministério da
Saúde, delega aos profissionais múltiplas tarefas, com alto grau de exigências e
responsabilidades. Requer que o enfermeiro atue com mais autonomia, apesar das
dificuldades normalmente apresentadas em nível institucional e em outros níveis,
mas o seu trabalho tem maior visibilidade e é mais valorizado.
Entre as atribuições específicas do enfermeiro destacamos a do educador em
saúde. O educador é o profissional que usa as palavras e gestos como instrumento
de trabalho na luta coletiva – nesse caso, pela saúde pública – tendo parte ativa em
todas as ações de saúde, inseridas na prática diária do enfermeiro, que busca a
educação em saúde em sua magnitude, devendo ser entendida como uma
importante atividade direcionada à prevenção, e à apropriação da população dos
meios e saberes que possibilitem um nível adequado de saúde (FASSARELLA, et al,
2013).
A educação em saúde tradicionalmente tinha como objetivo propor mudança
de comportamento dos indivíduos. Contemporaneamente, analisando a educação
em saúde como proposta fundamental no PSF, pode-se concluir que o principal
objetivo da educação em saúde é a autonomia no autocuidado por parte da
77
comunidade, deixando de lado a visão hospitalocêntrica, para criar vínculos entre a
equipe de saúde e população, privilegiando a troca de informações e a construção
de conhecimentos, oferecendo um ambiente prazeroso e de fácil acesso para a
comunidade atendida.
Além disso, a forma tradicional de atendimento em saúde sempre conduziu ao
atendimento individualizado, com o usuário fora do seu contexto familiar e de seus
valores socioculturais.
O PSF é uma forma de substituir esse modelo vigente, em sintonia com os
princípios de universalidade, equidade de atenção e da integralidade, e, acima de
tudo, a defesa do cidadão. A família, como unidade de cuidado, é a perspectiva que
dá sentido ao processo de trabalho do PSF.
O PSF tem o enfoque na cobertura da assistência à saúde da comunidade de
sua área, de abrangência por meio de visitas domiciliares realizadas periodicamente
e por livre demanda na própria Unidade de Saúde da Família (USF). Durante uma
visita domiciliar é possível identificar novos agravos com o mesmo cliente ou com
um de seus familiares. Desta forma, o profissional de saúde passa a maior parte do
tempo em contato com o usuário e seus familiares.
Na USF o atendimento é realizado na casa da família, como relatamos
anteriormente, diferentemente do que ocorre com outros tipos de serviços de saúde,
onde o atendimento é realizado em unidades básicas de saúde e hospitais. Assim,
os profissionais precisam se adaptar às condições que a família impõe, onde cada
membro da família precisa ser visto como pessoa que pensa, sente, decide,
percebe, que tem crenças, valores e cultura distintos, além de que interage com
outras pessoas, que têm a capacidade de aprender e ensinar, enfim, que têm sua
própria história de vida, conjunto de crenças e de hipóteses do que acontece com
seu corpo nas situações de saúde/doença.
Família é, antes de tudo, um corpo social em que prevalece a rede de
relações e de interações, que possui crenças que são manifestadas em um espaço
cultural, e a sua saúde deve ser entendida no contexto das relações entre seus
membros, tanto sadios como doentes, visto a influência da saúde do indivíduo no
grupo familiar e vice-versa (ELSEN et al, 2004).
78
3.1.1 Breve Histórico do PSF
A primeira etapa de sua implantação iniciou-se em 1991 por meio dos
agentes comunitários de saúde, através do PACS (Programa de Agentes
Comunitários de Saúde). De acordo com o Manual Programa Saúde da Família do
Ministério da Saúde, a estratégia do PSF reafirma e incorpora os princípios básicos
do Sistema Único de Saúde (SUS): universalização, descentralização, integralidade
e participação da comunidade (BRASIL, 2001).
Para tanto, a equipe mínima deve composta por um médico generalista, um
enfermeiro, um a dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis agentes
comunitários de saúde (OHARA; SAITO, 2010).
Como a missão do PSF apresenta-se em caráter substitutivo, não significa
criação de novas unidades de saúde, e sim a substituição do modelo antigo e
tradicional. Além da integralidade e hierarquização, onde a unidade de saúde da
família está inserida no primeiro local da assistência, deve ser vinculada à rede de
serviços mais ampla, de forma a garantir atenção integral aos indivíduos e seus
familiares. Outro principio é a territorialização e adscrição de clientela; trabalhando
com território de abrangência definido, é responsável pelo cadastramento e
acompanhamento da população adscrita a esta área. E, por fim, a equipe
multiprofissional, descrita anteriormente (BRASIL, 2001).
Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de três mil a
quatro mil e 500 pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas
passam a ter co-responsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes
ocorre principalmente nas USF, nas residências e na mobilização da comunidade
(BRASIL 2001), tendo como estratégia a mudança do modelo tradicional de
assistência, visando essencialmente à organização de sua área básica, constituindo,
dessa forma, a prestação de um serviço mais humanizado e resolutivo, e que serve
de instrumento de estímulos à organização comunitária local.
Dentre os objetivos específicos do PSF podemos destacar a produção social
de saúde, através da troca de experiências e conhecimentos entre as equipes e a
comunidade, através da educação em saúde (MOURA; SOUSA, 2002). A principal
proposta é a promoção e educação em saúde através de práticas educativas
realizadas junto à população, sendo que:
79
Um dos pontos mais fortes do PSF é a busca ativa: a equipe vai às casas e confere de perto a realidade de cada família, tomando providências para prevenir agravos, realiza ações curativas onde a doença já exista, realiza práticas educativas para uma melhor qualidade de vida com saúde (BRASIL, 2005, p. 35).
3.1.2 A promoção da saúde no contexto do PSF
Nos paradigmas atualmente propostos pela Saúde da Família os
trabalhadores de saúde são convidados para o constante desafio de repensar suas
práticas, valores, e para uma reestruturação do serviço voltado para as
necessidades do contexto social em que a equipe está inserida. Os trabalhadores de
saúde, gestores, usuários e comunidade que estejam vinculados ao serviço, passam
a ter co-responsabilidade pelo reconhecimento e adequação da oferta às reais
necessidades, bem como a conquista de um sistema hierarquizado de assistência à
atenção básica e de construção de novos saberes.
Para a conquista de um serviço voltado para as necessidades da população é
preciso a colaboração de todos os envolvidos nesse processo de trabalho, para que
a divisão de saberes, responsabilidades e compromissos possam estabelecer uma
nova prática. Tal prática convida o repensar ético-politico do cotidiano, fortalecendo
o uso do diálogo como forma de apoiar e estimular a criatividade e a singularidade
presentes no cotidiano (COELHO et al, 2009).
Como já vimos anteriormente, o PSF tem como propósito principal a
promoção e educação em saúde através de práticas voltadas para este fim.
Partindo dos pressupostos de Candeias (1997), a promoção em saúde resulta da
combinação de apoios educacionais e ambientais, com foco nas ações e condições
de vida conducentes à saúde de uma determinada comunidade, e educação em
saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com
vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde dessa determinada
comunidade.
Apontarmos que na carta de Ottawa, que foi um marco fundamental na
história da saúde pública, se reconhece como pré-requisitos fundamentais para que
ocorra a promoção à saúde: a paz, a educação, a habitação, o poder aquisitivo, um
ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a equidade (BECKER,
2001). Embora ela se refira ao fortalecimento em ações comunitárias e não cite a
80
educação em saúde, tem como objetivo a busca pelo setor de saúde apenas em
casos de emergência, o que ainda não é uma realidade dos países da América
Latina.
No Brasil, programas voltados à promoção da saúde vêm sendo discutidos e
questionados nas duas últimas décadas, dentro da formulação e práticas das
políticas e ações do Sistema Único de Saúde. No nível da atenção preventiva, o PSF
prevê o desenvolvimento de práticas educativas voltadas para a melhoria do
autocuidado dos indivíduos. Educar para a saúde implica em ir além da assistência
curativa, significa dar prioridades às intervenções preventivas e promoções, e ainda,
adequação ao meio cultural onde se está inserido (ALVES, 2005).
Pensar saúde e educação como campos abrangentes, interdisciplinares e
complexos possibilita compreender a configuração de um binômio que articula
práticas e saberes em diferentes níveis de compreensão e intervenções juntos aos
sujeitos em seus processos de saúde, implicando em compromissos políticos,
educacionais e sociais (MORENO et al, 2005).
Ressaltamos, ainda, que “Saúde e Educação” constituem práticas
socialmente produzidas em tempos e espaços historicamente definidos. Adentra-se,
assim, num cenário de múltiplas expressões, no qual conhecimentos de diferentes
áreas estabelecem uma teia de reflexões, análises, estudos e investigações
(MORENO et al, 2005).
Pela expressão “educação em saúde”, entendemos ser esta uma tarefa que
exige preparo do profissional, perseverança, busca de habilidades e competências
diferenciadas, especialmente de sensibilidade para ouvir e interpretar as bases
culturais dos atendidos, pois, para orientar, educar e reeducar pessoas é necessário
uma análise crítica da própria atuação, bem como uma reflexão de seu papel como
educador e promotor da organização da comunidade. É tarefa árdua, em que a
construção da confiança e as rupturas dos paradigmas dependem da maneira como
este vínculo está estabelecido.
O profissional deve desenvolver habilidades e planejar suas ações de acordo
com as necessidades, interesses e crenças dos sujeitos. E é necessário saber e
conhecer como o enfermeiro vem trabalhando questões relacionadas a esta
educação em saúde, pois uma das questões mais presentes na saúde pública
atualmente é a da fidelidade às diretrizes e filosofia de atendimento do Programa,
para com seus princípios básicos (FERNANDES; BACKES, 2010).
81
A educação em saúde, nesse contexto, trata-se de um conjunto de práticas e
saberes para a prevenção de doenças e promoção da saúde, desenvolvido pelos
profissionais de saúde para trabalhar questões de saúde na vida cotidiana da
população. Com ela, pretende-se contribuir para o desenvolvimento de profissionais
de saúde como sujeitos, que possam construir uma autonomia baseando-se em
outro ser futuro, buscando diferenças qualitativamente melhores das que se vivem
atualmente.
A ideia de Promoção relacionada à educação em saúde envolve o
fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos
condicionantes da saúde, ou seja, vai além de uma aplicação técnica e normativa. A
Promoção da Saúde é mais ampla e está destinada a promover a qualidade de vida,
de desenvolver as habilidades pessoais, a autonomia do indivíduo e a criação de
ambientes favoráveis à saúde (BUSS, 2003).
Isto posto, a educação em saúde, deve focalizar ações comunitárias práticas,
que possam realmente ser desenvolvidas em situações locais. É preciso reconhecer
que a comunidade nem sempre tem conhecimento sobre problemas de saúde, razão
pela qual se torna necessário fundamentar as ideias e opiniões dos membros da
comunidade com dados econômicos, de saúde, científicos e sócio-demográficos
(RICE; CANDEIAS, 1989).
Nesse sentido, ensinar fortalece o vínculo entre o profissional e a população,
desenvolvendo ações fidedignas, direcionadas às reais necessidades da
comunidade. A atuação do enfermeiro é de substancial relevância como educador,
por possuir uma formação que o capacita a compreender as particularidades de
cada indivíduo e por assumir importante papel como membro essencial da equipe,
pois além da função de coordenar, pratica atividades como o cuidar, o gerenciar e o
educar. Ele deve buscar dimensionar fatores de risco à saúde e executar ações
promocionais e preventivas de saúde, sem se descuidar da atenção reabilitadora e
curativa (ALVES, 2005).
Desta forma, em conformidade aos princípios estabelecidos pelo SUS, em
especial o da integralidade, a educação em saúde coloca-se como tema relevante
para as práticas desenvolvidas pelo profissional enfermeiro no PSF, pois propicia o
autoconhecimento do indivíduo como ator social capaz de interagir e intervir em suas
necessidades mais abrangentes. Segundo Amaral et al. (2011), essa prática influi
82
direta e indiretamente na adoção de novos hábitos condicionantes para uma melhor
qualidade de vida, e reduz os riscos e os agravos à saúde.
A comunicação enfermeiro-paciente deve estabelecer relações interpessoais
efetivas, que visem acolher os envolvidos dentro das possibilidades de articulações
da equipe, ensinando medidas de saúde e mantendo um ambiente seguro. O
educador Paulo Freire (2011, p. 23) salienta que “quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender”.
Neste contexto, o cuidado deve estar em constante interrelação com a
educação, em que o enfermeiro interage, rompendo a visão de cuidado estritamente
técnico para praticar um cuidado crítico, embasado em conhecimento científico.
Medidas estas, que rompem as barreiras institucionais e individuais, adentram a
comunidade visando o coletivo.
3.2 Metodologia
Trata-se de uma investigação qualitativa de caráter etnográfico, que foi
realizada junto a um grupo de mães/cuidadores de crianças de 0 - 2 anos,
participantes de um programa de puericultura, dentro do Programa de Saúde da
Família, na Vila Industrial, na periferia da cidade de Piracicaba.
Como descrição sucinta do bairro Vila Industrial, este tem aproximadamente
25 anos, localizado na região norte da cidade, e limita-se com outros bairros
tradicionais de Piracicaba, como os de Santa Terezinha, Vila Fátima e Algodoal. De
acordo com o IPPLAP (2010) e com o Censo Demográfico – IBGE (2010) há um
total de 4914 munícipes que residem neste bairro. Trata-se de um bairro popular, em
termos de renda, sendo que a maioria são casas de conjunto habitacional.
Um estudo etnográfico fica entendido como aquele em que se buscam as
concepções e sentidos de mundo construídos por determinada população ou grupo;
busca essa sustentada por elementos como o saber olhar, ouvir e (d)escrever, que
se complementam de forma a transformar o confronto de informações entre
pesquisado versus pesquisador, em um verdadeiro "encontro etnográfico"
(OLIVEIRA, 2006, p. 24).
83
Buscou-se, através de entrevistas, levantar, junto a essas mães/cuidadores,
informações sobre como identificam e valoram os sinais de doença/saúde em
crianças na faixa etária supra citada (conforme APÊNDICE 1).
A coleta de dados foi realizada no período de setembro a novembro de 2012,
às terças-feiras, no período da tarde. Foi delimitado este dia, pois é quando ocorre o
acompanhamento de puericultura, sendo que a Unidade de Saúde da Família, nesse
período, estava sem médico e um profissional médico vinha “emprestado” de outra
unidade às terças-feiras para fazer a evolução do crescimento e desenvolvimento
das crianças.
Como critério principal de inclusão dos sujeitos foi definido a idade da criança,
sendo que a faixa etária limite de até 1 ano 11 meses e 29 dias foi escolhida para se
privilegiar o período pré-linguístico, em que a criança ainda não consegue expressar-
se verbalmente em relação ao seu próprio corpo, exigindo, assim, que as mães
interpretem esta relação. O fator “gestações anteriores” não foi critério de exclusão,
pois cada vínculo maternal é específico e único com cada filho, tanto que em
entrevista uma mãe apontou que na sua primeira gestação ela era muito jovem e
não lembrava nem mesmo como ela se relacionava com o filho, e na situação atual,
ou seja, mãe pela segunda vez, está sendo tudo inovador no sentido de que ela se
mostra mais atenta aos sinais. Outros três casos específicos enriqueceram ainda
mais os dados, sendo eles o de uma mãe deficiente visual, uma mãe deficiente física
– cadeirante, e uma mãe com filhos gemelares.
Foram realizadas um total de 30 abordagens, porém, somente 29 mães
aceitaram participar, num total de 30 crianças (um casal de gêmeos univitelinos).
As entrevistas foram realizadas antes da consulta médica, sendo que após
avaliar os dados antropométricos da criança, as mães eram encaminhadas para o
consultório, onde, individualmente, a entrevista foi feita pelo pesquisador. A todos os
sujeitos foi apresentado o Termo de Consentimento Informado, conforme modelo
posto ao final desse trabalho. As entrevistas foram gravadas, como constando do
referido termo, e o pesquisador explicava para as mães/cuidadoras que após o início
da entrevista ele somente faria as perguntas, sem interferir nas respostas. Enfim,
posteriormente, as entrevistas foram transcritas na íntegra, conforme coletadas, para
preservar as informações valiosas obtidas.
Das 29 entrevistas, somente 2 não são de mães que cuidam da criança e sim
respondidas pela avó. Então, na análise e discussão dos conteúdos, será descrito
84
“MÃE 1” até a “MÃE 29”. As crianças serão nomeadas com nomes de flores, num
total de 30 flores diferentes.
As entrevistas gravadas encontram-se armazenadas em disco rígido, sendo
que serão guardadas por um período de 5 anos, e após esse tempo, o material será
inutilizado.
Para garantia da não interrupção no meio da entrevista, pois o profissional
médico poderia chamar para a consulta a criança, optou-se por realizar de três a
quatro entrevistas por semana, ou no mínimo uma por semana, em média.
Ressalta-se, mais uma vez, que todas as mães foram esclarecidas sobre os
objetivos da pesquisa e aceitaram em participar, espontaneamente, oficializando isto
mediante assinatura do termo de consentimento informado. Também foi entregue
uma via do termo de consentimento informado para elas (conforme APÊNDICE 2).
Além disso, a pesquisa havia sido previamente autorizada por escrito (conforme
APÊNDICE 3) pela Secretaria da Saúde de Piracicaba, junto com a liberação para a
pesquisa ser realizada na Unidade de Saúde da Família Vila Industrial.
Após a transcrição dos dados esses foram divididos nas categorias para
análise do conteúdo, utilizando-se os modelos etiológicos da antropologia da doença
e cura, propostos por Laplantine (2010), já aqui apresentados, sendo eles:
a) modelo ontológico e modelo relacional;
b) modelo exógeno e modelo endógeno;
c) modelo aditivo e modelo subtrativo;
d) modelo maléfico e modelo benéfico.
3.3 Análise e Discussão dos Dados
Essas categorias foram escolhidas porque traduzem bem a questão dos
modelos etiológicos da antropologia da doença e cura, abrangendo várias
possibilidades de interpretação.
Boltanski (2004), estudando a questão de percepção de mães com relação à
doença em seus filhos, analisou que isso depende muito das crenças e cultura local
e também do conhecimento comum, o qual chama de medicina popular, da
percepção que têm quanto à confiabilidade em outros profissionais, como médico e
85
dentistas, que receitam remédios comprados em farmácias; e da medicina imitativa,
que ocorre quando a mãe levou a criança ao médico – ou soube de um caso tratado
pelo médico com o filho dos vizinhos, ou de familiares próximos – e sintomas
semelhantes surgem numa dada criança, ela acaba adotando a mesma terapêutica
para a criança em questão, sem levar novamente ao médico, pois “já sabe o que é”.
E de acordo com a pesquisa aqui relatada isso acontece com frequência.
Das 29 entrevistadas, somente 2 crianças são cuidadas pelas avós e as mães
trabalham o dia todo; um fato importante e que se deve levar em consideração é que
19 mães ficam com seus filhos por período integral, sendo que a remuneração vem
exclusiva do companheiro; 4 mães estavam de licença maternidade, mas voltariam a
trabalhar posteriormente e colocariam a criança na creche; 4 mães trabalham
somente meio período, sendo que no outro período ficam com o(s) filho(s).
Analisando a média de idade do principal cuidador tem-se um resultado
aproximado de 26,5 anos, o que se percebe como sendo uma população jovem.
Como grau de instrução, 2 sujeitos possuem curso superior completo, 12 possuem
somente o fundamental e 15 possuem ensino médio completo.
Analisando a quantidade de filhos das entrevistadas, para se obter a taxa de
fecundidade, foi realizada uma somatória e traçado a média de filhos, chegando-se
num resultado de 1,7; próxima àquela encontrada nos dados do IBGE, que trazem a
taxa de fecundidade no Brasil, em 2010, como sendo de 1,9.
Já a composição familiar, na esfera antropológica, e de acordo com Ohara e
Saito (2010), 21 das entrevistadas se enquadram na “Família Nuclear”, ou seja,
formada pelo homem, mulher e filhos, que vivem juntos em união reconhecida pela
sociedade. Continuando, 5 das entrevistadas se enquadram na “Família Extendida”,
que é aquela mista, em que a mulher, o homem e filhos, convivem na mesma casa
com sogra, sogros, sobrinhos, enfim, várias famílias dentro de um mesmo ambiente
familiar. Ainda, 2 das entrevistas se enquadram na “Família Compostas”, que é
aquela ligada por filhos de outras relações conjugais. E, por fim, 1 entrevistada se
enquadra na “Família Fantasma”, que pode ser definida como a participação do
homem somente como genitor, não assumindo sua função de pai e nem convivendo
com a mulher e seus filhos.
Em relação às categorias essas foram formadas relacionadas às vozes das
mães, após reflexões quanto aos conteúdos e comparações com as literaturas já
aqui referidas.
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A) CATEGORIA: “modelo ontológico e modelo relacional”
Este modelo é representado por duas mães, sendo elas a MÃE 7 e a MÃE 25.
A MÃE 7 relata:
“O Delfim tem muita saúde, quase nunca fica doente... A única vez que eu me lembro dele ficar doente e foi internado para retirar a hérnia do umbigo. Após isso sua saúde voltou a ficar intacto... Eu falava para o Delfim, isso não te pertence, vamos retirar esse caroço... (risos). Com o olhar, conversamos e ele nem chorou quando foi picado para por soro, ele sabia que era o melhor para ele”. (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 25
“O Girassol ficou muito mal, com quebrante, pois eu tenho uma cunhada que tem olho forte e passou quebrante nele, eu sei que não foi por maldade mas o menino ficou muito mal. E levei ele no pronto socorro, e ele estava choroso, amuado, teve que tirar sangue pra fazer exames e teve que até tomar soro, ele ficou quieto, pois eu estava junto a ele. É muito forte isso”. (grifos nossos).
No modelo relacional “o bebê precisa da mãe e só ela pode, por meio de seus
cuidados, garantir que surja nele a confiança em si próprio e no mundo” (FRANCO,
2005, p. 383). Além dessas duas mães citadas, várias outras das entrevistadas se
enquadram aqui, sendo elas MÃE 1, MÃE 3, MÃE 9, MÃE 13, MÃE 14, MÃE 18,
MÃE 22, MÃE 26, MÃE 29.
Segue as vozes da MÃE 1:
“A Amarilis, passou por uma infecçãozinha na urina, e você sabe que faz sentido né, pois ela bebia pouca água e eu nunca me atentei para isso, então não lavava direito o rim, o xixi era forte e amarelo. Bom, aí tomou antibiótico, e até na pombinha teve corrimento. Agora policio para que beba bastante liquido”. “Percebi que a Amarilis sarou quando seu xixi ficou como a água e ela não ficava mais irritada quando fazia xixi”. (grifos nossos).
Segue as vozes da MÃE 3:
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“O Antúrio é ruim de comer e direto ele fica fraco e pega resfriado. Não sei mais o que eu faço, até suco que me ensinaram, de laranja, cenoura, beterraba e fígado de boi cru eu já fiz. Eu sou espirita e as entidades que passaram essa receita. É tiro e queda, levanta o bichinho mesmo, mais que o suco fica ruim é ruim mesmo... (risos) E eu falo pra ele, se comesse não precisaria tomar esse suco”. (grifos nossos).
Segue as vozes da MÃE 9:
“A Gloriosa é tudo de bom, mas tem que ficar de olho nela, pois passa mal do intestino facilmente, tudo que você dá ela come, depois fica com dor de barriga...(risos). E aí ela fica melindrosa e só quer colo, e aí eu falo come mais Gloriosa (risos). Mas ela tem uma saúde de ferro. Procuro sempre motivar a Gloriosa brincando com ela com as bonecas”. (grifos nossos).
A atitude desta mãe diante do ato “brincar” configura-se como ação relacional
correta diante da criança, como Winnicott (1975, p. 63) discorreu:
O brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros.
Segue as falas da MÃE 13:
“Nunca pensei que eu fosse ter o instinto maternal, mas a Heliconia me provou o contrário, um olhar parado dela me chamou a atenção. Ela me olhou firme e eu tive a impressão de que ela não estava bem, levei-a no pronto socorro e foi diagnosticada como pneumonia, aquele olhar me pedindo socorro... isso sim é coisa de mãe... só ter um filho para descrever esse fenômeno”. (grifos nossos).
Complementando a ideia acima, Franco (2005, p. 388) discorre:
O desejo da mãe expressa algo com o que o bebê pode se comunicar. O olhar invasivo, ao contrário, é o que reflete o humor da mãe voltada para si, ou pior ainda, reflete as suas defesas diante da vida. A mãe que não reage ao bebê, cujo rosto é fixo, inflexível, acostuma o seu bebê a não ser visto, mesmo quando olha para o espelho mãe.
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Segue as vozes da MÃE 14:
“O Cravo nasceu prematuro então sua resistência não é forte. Eu acredito que muitas das vezes eu sou culpada dele ficar doente, pois parece que eu atraio isso, tenho tanto medo de perder o Cravo que se eu pudesse colocaria ele numa redoma de vidro (choros). Minha gravidez foi conturbada, tinha 14 anos, o pai dele queria que eu tirasse ele, mas eu não tirei, pensei e não tive coragem. Tive pressão alta na gravidez e ele nasceu de 6 meses... Eu amo meu filho, faço de tudo para ele, acho que sou uma boa mãe. E quando ele fica doente sigo a risca o que o médico pede...” (grifos nossos).
Winnicott (1988), afirma que a mãe suficientemente boa, em termos
relacionais, é aquela cuja percepção - consciente ou inconsciente - das
necessidades do bebê a leva a responder adequadamente aos diferentes estágios
do desenvolvimento dele.
Segue as falas da MÃE 18:
“Vou ser bem sincera, quando a Cravina fica doente, tenho dúvidas em seguir as condutas do médico, pois ele nem conhece minha filha e quando dá antibiótico e eu vejo que é por muitos dias eu paro de dar antibiótico pois é forte, né. Já no caso do xarope eu dou até acabar porque é xarope, né”. (grifos nossos).
Boltanski (2004) faz críticas para a atitude acima descrita, em que a medicina
chamada de imitativa se faz presente, ou seja, a mãe ouviu dizer que dar muito
antibiótico faz mal à criança e então ela para por conta própria, já no caso do
xarope, ela não o vê como medicamento e administra naturalmente, pois como ela
verbalizou, “xarope é xarope, né”.
Segue as vozes da MÃE 22:
“O Dendron é meu terceiro filho, mas com ele é diferente das outras gestações, pois ele olha pra mim e não sei explicar, a gente conversa com o olhar... Esses dias, trouxe ele aqui no posto para tomar vacina, eu fiquei morrendo de dó pois foi vacinado nas perninhas e chorou pouco, a noite teve febre, no outro dia ficou tristinho mas a tarde já estava melhorzinho. Conversei com ele e falei que a vacina é prevenção e era para o bem dele”. (grifos nossos).
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Segue a fala da MÃE 26
“Quando o Narciso fica doente sigo certinho o que o médico pediu, e logo ele sara, acho que é porque eu faço direito o tratamento”. (grifos nossos).
Recentemente, Gabarra e Crepaldi (2011, p. 217) desenvolveram um estudo
“A comunicação médico – paciente pediátrico – família na perspectiva da criança” e
como resultado obteve que:
A família mostrou-se fundamental no processo da comunicação diagnóstica infantil, auxiliando a criança a compreender e aderir ao tratamento. As mães foram apontadas como a principal informante sobre a doença e o tratamento.
Segue a voz da MÃE 29:
“Gardenia e Gerbera tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. Meu marido as confundem, mas eu não. A Gerbera é mais frágil, porém, se uma adoece a outra também adoece. A Gardenia puxou para mim, mais forte, mas quando ela vê a Gerbera com um resfriado ela também pega, mais sara logo. Quando meu marido fala a nenê tá doente, e eu já sei qual (risos)”. (grifos nossos).
Concordando com Winnicott (1988) quando ele afirma que o “precursor do
espelho é o rosto da mãe”, ou seja, a mãe conhece e se identifica com o filho.
De acordo com essa categoria, no modelo relacional, a mãe relaciona a
saúde/doença como tendo origem em sua própria pessoa. Mas como ela estabelece
o fenômeno que caracteriza a doença? De acordo com sinais apresentados pela
criança, amalgamados àqueles que ela percebe do ambiente (beber pouca água,
“mal olhado”, ingestão de certos alimentos, etc) e interpretados por ela como
“problemáticos”. Esses interpretantes não se “juntam” por acaso, contudo.
Relacionam-se a modelos interpretativos vigentes numa determinada cultura, que
“ensina” como ligar os vários indícios percebidos em uma ou outra situação, num
todo significativo. O importante é ressaltar que essas interpretações não são “meras”
interpretações, mas são a base pela qual essas mães orientam suas ações futuras
para com a criança. Analisá-las é então, como aqui defendido, essencial para uma
efetiva educação em saúde.
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B) CATEGORIA: “modelo exógeno e modelo endógeno”
Como modelo etiológico da doença, o modelo exógeno aparece mencionado
por quatro mães (MÃE 4, MÃE 6, MÃE 12, MÃE 20) e o endógeno por cinco mães
(MÃE 8, MÃE 15, MÃE 17, MÃE 23, MÃE 27, MÃE 28).
Segue a voz da MÃE 4
“A Tulipa nasceu de 7 meses e desde nenê não pegava o peito, perdeu bastante peso, e descobriu que tem Intolerância a Lactose... Eu fiquei perdida, pois pobre com doença de rico (risos), enfim, hoje temos um cuidado especial na alimentação”. (grifos nossos).
Segue a fala da MÃE 6:
“A Palma tem bronquite, e nesse tempo ela tem direto crises, já até estou acostumada”. (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 12:
“A Solidaster é uma criança saudável, de vez em quando pega gripe, porque é natural com todo esse clima louco que temos passado, a criança ficar doente de vez em quando, né!” (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 20:
“A Angélica quando vai para a vó dela (mãe do meu marido), ela volta destemperada, com diarreias, pois minha sogra usa muito tempero forte na comida, não é arroz com alho e sim alho com arroz.... (risos) Mas eu nem posso abrir a boca pois meu marido defende a mãe dele e culpa que a Angélica é muito fraca, veja o que eu passo“. (grifos nossos).
Modelo Endógeno
Segue a voz da MÃE 8:
“A Frésia, puxou para meu marido, sensível, qualquer coisa passa mal e se entrega, acho que tá no sangue... (risos)”. (grifos nossos).
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Segue a voz da MÃE 15:
“O Flox, ele é tão calmo que acho que ele guarda o estresse, né, e quando vem como uma válvula de escape, e fica doente, tem diarreia direto. Eu moro com minha sogra, minha cunhada, ela tem dois filhos, e só por Deus... Difícil, muito difícil. Eu trabalho meio período e ele fica em casa com esse povo, por isso que o Flox fica estressado...”. (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 17:
“O Lírio, fica comigo o dia inteiro, pois a mãe dele tem que trabalhar, a noite ela vai para a escola, enfim, ele é franguinho pois ele sente falta da mãe, direto levo ele para o pronto socorro, pois tem febre e os médicos dizem que é dá cabeça dele... você acredita!!!!”. (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 23:
“O Tango é um simulador, é só ele ver que chegamos no Postinho, que ele tem febre (risos) e aí não pode dar vacina, é mole ou você quer mais... Mas já falei para ele, se morrer... enterra... Quando tenho que dar vacina, dou banho bem gostoso nele em casa, ligo no posto pois as enfermeiras todas conhecem o “bonito” e sabem o artista que é, chego no posto e quando ele percebe já tomou a vacina... (risos)”. (grifos nossos).
Se a mãe aceitar as manifestações do bebê – como a fome, o desconforto, o
prazer e a vontade –, em vez de impor o que acredita ser o certo, o bebê vai
acumulando experiências nas quais ele é sempre o sujeito, e o self que se forma
pode então ser considerado verdadeiro (WINNICOTT, 1988).
Segue as vozes da MÃE 27:
“O Gravata fica comigo o dia inteiro, minha filha trabalha. É triste de fala, mas eu sou mais mãe dele do que a própria mãe. Ela não dá atenção para ele, e eu percebo que ele sente falta, tanto que fica amuado e quer atenção, aí de repente tem diarreia, febre, mais tudo por carência. Converso muito com minha filha e ela está tentando dar mais atenção para ele, pois ele não pediu para vir ao mundo, concorda?” (grifos nossos).
Segue a voz da MÃE 28:
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“A Ervilha teve uma vez pneumonia, ela ficou tão fraquinha que no pronto socorro as veias delas ninguém conseguia pegar, ficou internada, com o peito chiando, mas graças a Deus ela sarou logo, mas sempre ela fica doentinha”. (grifos nossos).
A crença nos fatores desencadeantes das doenças, a forma como a relação
causa-efeito é apresentada, também se constitui numa interpretação sígnica
perpassada por todo o contexto que cerca a criança e seus cuidadores. E
acompanham as informações mais amplas, que correm no meio cultural de uma
comunidade/sociedade, sendo interpretadas de acordo com as raízes culturais dos
sujeitos. Assim, os discursos “da somatização”, ou da ”carência afetiva”, ou do
“stress” como fatores etiológicos, são tomados como substituição – ou mesmo como
acréscimo – a outros, como “o tempo/clima”, os alimentos, o “olho gordo”, etc. E não
podem ser encarados simplificadamente como “senso comum”, pois também
assumem influência decisória em relação à autonomia dos cuidados com a
saúde/doença.
Se a presença da febre, importante elemento semiológico, é associada com
“coisa da cabeça”, como fator causal, como esses cuidadores diferenciam a
necessidade de “procurar por um médico”? Muitas vezes isto pode incidir numa
situação de risco para a criança. Reconhecer a penetração dos discursos da cultura
contemporânea na interpretação de saúde/doença feita pelas famílias estudadas é
importante para que se balizem práticas educativas em saúde mais esclarecedoras,
que discutam o real alcance do que é veiculado pelos meios de comunicação, e na
cultura, de forma geral, em relação às práticas de cuidado com a saúde.
C) CATEGORIA: “modelo aditivo e modelo subtrativo”
No modelo aditivo encontram-se três mães (MÃE 2, MÃE 16 e MÃE 21) e no
modelo subtrativo uma mãe (MÃE 10)
A voz da MÃE 2:
“Hoje a Rosa aprontou uma pra mim, que não sei da onde eu achei forças, mas ela tá viva por um milagre... Ela engoliu um botão e ficou engasgada, quando eu vi que ela estava ficando roxa, não tive
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dúvida, bati com vontade nas costas dela até desengasgar e saiu o botão. Isso foi bom pra ela, pois assim aprendeu... Confesso que pensei que ela fosse morrer, mas está aqui comigo e vim trazer ela no Posto para encaixe na consulta médica... Acho que é de família, pois quando era criança, vivia colocando feijão no nariz e no ouvido (risos)”. (grifos nossos).
Nesta situação Winnicott (2006, p. 4) afirma que isso é uma preocupação
materna primária, ou seja:
[...] afinal de contas, ela também já foi um bebê, e traz com ela lembranças de tê-lo sido; tem igualmente recordações de que alguém cuidou dela, e essas lembranças tanto podem ajudá-la quanto atrapalhá-la em sua própria experiência como mãe.
A voz da MÃE 16:
“A Tritoma vive aprontando, sobe no sofá e cai, ela é hiperativa, vive ralada (risos), mas quando ela cai eu falo pra ela, bem feito aprendeu agora. Eu vejo isso como aprendizado para ela, pois eu era tão bobinha quando criança e assim ela vai aprender a sobreviver”. (grifos nossos).
A voz da MÃE 21:
“Chuva de Prata é um serelepe, não para, com seis meses caiu da cama, mas Nossa Senhora pegou ele. Com o susto, quase morri, e depois eu disse, assim você aprende”. (grifos nossos).
Nesse ponto de vista, utilizando as palavras de Amiralian (1997, p. 65):
[...] a maternagem colocada por alguns autores como uma condição essencial para que a criança possa trilhar com sucesso esse perigoso caminho, supõe uma especial sensibilidade da mãe para encontrar meios para estabelecer, por meio da manipulação e da fala, um contato satisfatório para ambas.
Segue as vozes do modelo subtrativo da MÃE10:
“O Jacinto foi um susto, descobri que estava grávida as cinco meses. E nem pensava em ser mãe, descobri pois tive descolamento de placenta, ele nasceu prematuro, feio, dava até dó (risos), teve apendicite, foi operado e hoje ele é normal. E as pessoas falam que quando o filho nasce prematuro fica fraco não concordo pois o
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Jacinto é diferente, ele é meu Rei Leão. Acho que ele é forte porque ainda mama no peito, concorda?”. (grifos nossos).
Winnicott (1988, p. 121) explicita que, nessa situação inicial:
[...] o bebê está pronto para criar, e a mãe torna possível para o bebê ter a ilusão de que o seio, e aquilo que o seio significa, foi criado pelo impulso originado na necessidade.
As adições e subtrações causais que as mães fazem, refletem, de uma
maneira mais “nua”, as crenças explicativas subjacentes ao modo como interpretam
a relação saúde/doença. As explicações religiosas, como impedindo a morte da
criança, o comportamento de risco ser “de família”, a experiência de vida como fator
que ensina a criança a se proteger/ficar mais forte... Esse último ponto é
sobremaneira importante, pois é a natureza do que significam “experiências
enriquecedoras, fortalecedoras”, como interpretadas pela cultura materna, que
guiarão muitas das condutas maternas em relação à educação para a saúde, dela
em relação ao filho. Quais são os signos imersos na cultura, que a mãe associa com
experiências de vida desse tipo? O que ela percebe como signos do “ser forte”? O
que ela imagina que “enfraquece” a criança, dificultando sua sobrevivência atual e
futura? Esse conhecimento, quando entendido pelo profissional da saúde, favorece
que pontes mais efetivas sejam feitas entre o saber médico e o saber popular,
potencializando cuidados mais adequados à saúde infantil.
D) CATEGORIA: “modelo maléfico e modelo benéfico”
No modelo maléfico duas mães se enquadram (MÃE 5 e MÃE 24) e no
modelo benéfico outras duas mães se enquadram (MÃE 11 e MÃE 19).
Segue a voz da MÃE 5:
“O Copo de Leite ficou doente uma vez, pois aqui no Posto nunca tem médico, então, fica comprometido a saúde, perdeu peso, enfim, não tenho dinheiro para pagar plano médico, ele teve pneumonia, e hoje, tenho medo dele ficar doente, coloco bastante roupas nele”. (grifos nossos).
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A voz da MÃE 24:
“Quando vi que a Cerejeira era especial, perguntei pra Deus, por que eu? Ter uma filha com defeito doía muito, não queria receber visitas, queria esconde-la. Mas, nada na vida é por acaso, hoje eu encaro a realidade, minha Cerejeira tem Síndrome de Down e eu amo minha filha. Como disse aquele cantor Almir Sater... Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais”... (grifos nossos).
Porto-Cunha e Limongi (2008, p. 244) desenvolveram um trabalho sobre a
temática “Modo comunicativo utilizado por crianças com Síndrome de Down (SD)” e
tecem esses comentários:
É importante considerar a interação mãe-criança como uma fonte importante de estímulos cognitivo e linguístico durante este período. A falta de estímulos adequados durante a interação mãe-criança com SD pode ser significativa para o seu desenvolvimento, visto que a mãe é a mediadora das ações da criança com o ambiente.
Partindo da percepção materna sobre o processo de adoecimento, seguem as
reflexões de Winnicott (1988), que discorre sobre uma “força” desconhecida que as
mães têm/adquirem para um relacionamento com seus filhos:
É a mãe que está em condições de preservar todos os pequenos detalhes de sua técnica pessoal, fornecendo assim ao bebê um ambiente emocional simplificado... Não é fácil para as mães expressarem seus sentimentos sobre suas experiências sobre “ser mãe”, apesar de serem sentimentos muito fortes... elas tem muita coisa a dizer sobre os obstáculos que atrapalham a mãe de entender-se com o seu bebê à sua própria maneira (WINNICOTT, 1988, p. 132-133).
Complementando o discurso acima, seguem as falas das mães do modelo
benéfico:
MÃE 11:
“A Margarida foi meu melhor presente que Deus podia me dar, sou deficiente visual e nem por isso deixei de conquistar meu maior sonho que era ser mãe... Percebo que ela está agitada pelos movimentos respiratórios. Ela é a criança mais linda, embora eu não veja, porém eu sinto (choro). A Margarida é tudo de bom, eu
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cuido dela sozinha e ela tem uma saúde de ferro. Às vezes eu acordo de madrugada e fico ouvindo ela dormir, imagino como ela seja, coloco minha mão sobre seu peito e vejo que ela está bem... amo minha filha. Não precisa enxergar para sentir... simplesmente eu vivo por ela”. (grifos nossos).
MÃE 19:
“Quando eu engravidei todos disseram que loucura, pois como você vê, sou cadeirante, e mesmo assim quis ter um filho e veio a Iris, é muito engraçado nós nos combinamos e muito, hoje ela tem 1 ano e mama no meu peito, eu a olho e toda a minha limitação vai embora, isso acredito ser o famoso instinto maternal, inexplicável que amor e cumplicidade”. (grifos nossos).
Para Winnicott (2000, p. 27), fica justificada a situação acima como sendo:
A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Em outras palavras, ocorre uma sobreposição entre o que a mãe supre e o que a criança poderia conceber.
O que é sentido como maléfico/benéfico nos episódios de saúde e doença
também é aprendido a partir das interpretações feitas pelas trocas simbólicas,
transcorridas numa comunidade. E é importante observar que o posicionamento da
mãe entre estes pólos de maléfico/benéfico é que influenciará sua postura em
relação ao como prevenir problemas de saúde e como tratá-los, afetando, inclusive,
como a criança perceberá sua própria reação frente a situações de “mal-estar/bem-
estar” corporais.
Ao término deste capítulo, é possível perceber que, após realizar análises das
vozes, foi traçado o processo de escuta, e como argumentação de tudo o que esse
proporcionou, é que essa “visão integral” do sujeito em relação à saúde/doença
pode ser buscada no conceito de educação sociocomunitária, entendendo esta
como um processo de escuta de todas as “educações” que configuram e mobilizam
nossas formas de agir no mundo. Que são, em seus fundamentos, interpretativas,
sígnicas.
Isso significa entender que uma mãe, ao tomar a decisão de procurar ajuda
médica para tratamento, é mobilizada pelo conjunto das “educações passadas” e
contemporâneas com as quais ela conviveu/convive. Só entendendo essa
97
constituição multifacetada dos sujeitos é que podemos entender a sua perspectiva
de mundo, ajudando a transformá-la.
E, entendendo que nesse momento o educador age como uma força
catalisadora, ou seja, emersora de tensões, conflitos, descobertas e produção de
sentidos. Além de evidenciar que o educador se educa nesse processo, pois ele
também é sujeito na educação do outro.
98
Refletindo sobre o caminho percorrido...
http://wyatttwirp.blogspot.com.br/2011/01/wallpaper-olho-grego.html
CCCCononononsiderações Finaissiderações Finaissiderações Finaissiderações Finais
99
Após todo caminho percorrido nessa investigação, é possível afirmar que os
valores culturais e conhecimento comum que as pessoas trazem consigo são de
grande valia tanto para a atuação do enfermeiro como para a educação em saúde. E
cabe aqui realizar considerações sobre a proposta da educação sociocomunitária,
sendo esta o ponto de partida da referida dissertação.
Cada sociedade, em cada momento do seu desenvolvimento, coloca ao
indivíduo o uso de estratégias socioculturais cognitivas para buscar a percepção e
compreensão da doença e cura.
Os sinais corporais identificados, por exemplo, como “dor”, têm sua origem
nos processos fisiológicos orgânicos, mas sua interpretação, o que faz com que
sejam entendidos e comunicados como “dor”, depende de fatores cognitivos e
sensoriais, que estão socialmente determinados na e pela cultura. Isso se confirma
no fato de que muitos trazem enraizados em si, até os dias de hoje, que “homem
não chora”. Assim, acredita-se que a busca, o acesso e a utilização dos recursos de
saúde, incluindo o uso de medicamentos e a adesão aos tratamentos, por parte da
população, estão intimamente relacionados a uma estrutura cognitiva dos sujeitos,
que se apresenta como semioticamente modelada e, dessa forma, só sendo
possível de ser conhecida/revelada pela interpretação.
Cada comunidade constrói o seu universo de problemas e soluções de saúde,
havendo relação entre a maneira como percebe os problemas de saúde e a maneira
como procede para resolvê-los. A Unidade de Saúde da Família estudada estava
sem médico há mais de 1 ano, e parece que a população estava muito pacífica ou
mesmo acomodada com tal situação, dando “seus jeitos” às situações de saúde
encontradas. Pode-se fazer tal afirmação porque existem outras Unidades de Saúde
da Família em que não faltam médicos, pois existe uma comunidade local atuante,
ativa e exigente. Ressalta-se que, sem o profissional médico, a equipe fica incapaz
de proporcionar à população o cuidado integral. E o fato de vir um médico
“emprestado” a uma unidade, uma vez por semana, faz com que se perca o
essencial da proposta do PSF, pois a população dificilmente estabelecerá relações
vinculares com este profissional.
Outro mecanismo alternativo que o município de Piracicaba adota devido à
“falta de médico” são os famosos “mutirões”, que são realizados aos sábados, no
Centro de Especialidade Médica, em que uma equipe de médicos atende, em média,
500 consultas. Porém, levanta-se a dúvida da continuidade da terapêutica, em
100
especial em relação às anotações em prontuários, pois os mesmos ficam na
Unidade de origem. E todo o histórico do paciente? Abre-se, então, a oportunidades
de se evidenciar dúvidas sobre a eficácia desta ação, tanto que muitos pacientes se
recusam a ser consultados pelos mutirões.
A falta de consistência do sistema de saúde e a postura de afastamento que,
muitas vezes, se assiste no contato da equipe de saúde com os usuários,
principalmente àqueles das camadas populares, parece gerar uma relação de
estranhamento entre uns e outros. Algumas falas das mães dizem respeito a isso,
pois revelam medo de seguir a conduta médica orientada corretamente, decidindo
simplesmente cessar a terapêutica – ou nem começá-la – pois acreditam que existe
uma “superdosagem”, ou que o médico “não acertou”, dentre outras explicações. A
falta de um vínculo de confiança, ou a oportunidade de poder discutir, com mais
liberdade, posicionamentos em relação à doença e ao tratamento, bem como a
crença de que suas concepções quanto ao problema da criança não são
consideradas pelos profissionais médicos ou enfermeiros, pode estar por detrás
dessa conduta de não adesão ao tratamento. Situação que não interessa a nenhum
dos envolvidos.
Outro questionamento para o qual não se tem resposta é que, das 29 mães
pesquisadas, 3 tiveram seus partos prematuros. Em que medida as concepções
maternas/familiares em relação à gestação, aos cuidados devidos, às práticas pré-
natais, não passaram pelo mesmo processo de desconsideração, por parte da
equipe? Compreender como estas mães concebem a gravidez, discutir práticas
culturais populares, tão enraizadas em relação a esta questão, se faz imprescindível.
Outra reflexão que merece ser colocada é a grande procura por atendimento médico
nos Prontos Socorros pela população estudada, e lança-se mais uma hipótese: será
que se houvesse uma atenção preventiva mais efetiva, que discutisse as situações
de doença com as mães, cuidadores e família com mais propriedade, escutando as
interpretações e sentidos atribuídos por estes aos sinais orgânicos “emitidos” pelas
crianças, as situações agudas, que levam ao Pronto-Socorro, não poderiam ser
evitadas? No que também colaboraria a presença do médico na Unidade de Saúde
da Família.
A utilização de autores que estudam as concepções interpretativas de mundo
feitas pelos sujeitos, como Moscovici e a teoria das representações sociais, de
Laplantine e a antropologia da saúde, Santaella, Peirce e Ginzburg sobre a questão
101
semiótica, e Winnicott, sobre a subjetividade do desenvolvimento infantil, mediante a
linguagem, permitiu um diálogo para uma melhor compreensão sobre a educação
sociocomunitária e em como esta pode consistir num referencial teórico-
metodológico para a educação em saúde.
Esta investigação proporcionou ao investigador um preparo – e também um
alerta para os profissionais de saúde pública – para a necessidade de compreensão
das vozes maternas, nas abordagens terapêuticas em pediatria e na atenção à
gestante. Este pesquisador teve que anular muitos dos seus paradigmas em relação
a isto. Emergiu um novo horizonte de percepções, ora antes desconhecido por este
pesquisador, despertando um outro olhar em relação à educação em saúde e em
como se pode efetivá-la trabalhando a emancipação dos sujeitos, a partir da escuta
e do diálogo diante das suas concepções de vida. A investigação tornou-se,
também, um veículo para alcançar transformações socialmente intencionadas, na
realidade da saúde pública brasileira.
102
Referencial estudado...
http://envolverde.com.br/portal/wp-content/uploads/2013/06/livro2.jpg
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APÊNDICE 1- Roteiro para a Entrevista
1- Quem é o principal cuidador da criança? (mãe, pai, avós, outros)
2- Idade do principal cuidador.
3- Grau de instrução do principal cuidador.
4- Qual a composição familiar atual?
5- Como a família se sustenta economicamente?
6- Mensalmente, em média, qual a renda financeira da família?
7- Qual a idade e gênero da criança principal da pesquisa (0-24meses)?
8- Tem mais filhos? Quantos? Idade e Gênero.
9- Como você percebe quando a criança está doente?
10- Que sinais emitidos pela criança você leva em consideração?
11- Como você “sabe” / “aprendeu” que esses são sinais de doenças?
12- Como ocorre o processo decisório em relação a procura de ajuda ou ao tratamento
para com a criança, por exemplo: medicar em casa, levar ao curandeiro (simpatias),
levar a igreja (religiosidade), levar a criança ao Programa de Saúde da Família (PSF)
ou levar a criança ao Pronto Socorro?
13- Como você pensa que a criança se cura? É somente efeito do remédio? Se não, do
que mais?
14- Como você “segue”/ “faz” / “interpreta” o tratamento, por exemplo, você “rompe” o
tratamento pois acredita que é muito remédio, ou você aumenta a dosagem dos
medicamentos, ou diminui a dosagem pois acredita ser muito medicamento?
15- Como você “sabe” / “interpreta” os sinais de que a criança sarou?
Fonte: Perguntas elaboradas pelo pesquisador juntamente com a orientadora da
pesquisa.
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APÊNDICE 2- Termo de Consentimento Informado
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, David Richard Luzetti, aluno regularmente matriculado no programa de Pós-
Graduação stricto sensu do Centro Universitário Salesiano-Unidade Universitária de
Americana, gostaria de convidá-la a participar do trabalho investigativo a ser por mim
desenvolvido como parte da minha pesquisa de Mestrado, sob a orientação da Profª. Dra.
Maria Luísa Bissoto e cujos objetivos são entender como se constrói e se manifesta o
conhecimento das mães em relação aos sinais de saúde/doença apresentados por crianças
que ainda não falam, delimitadas aqui como aquelas entre 0-2 anos.
A participação das mães/cuidadoras envolve em participar de uma entrevista que
será gravada e posteriormente transcrita, garantindo ainda, total anonimato, e terá a
duração prevista de em torno de 10 minutos.
Gostaria de deixar bem claro que a participação das mães/cuidadoras nessa
investigação é voluntária. Se qualquer das mães/cuidadoras decidir não participar ou quiser
desistir de participar, em qualquer momento, da referida investigação, tem absoluta
liberdade de fazê-lo. Nenhuma restrição lhe será imposta.
As atividades desenvolvidas nessa investigação, bem como os resultados
alcançados com a mesma, poderão ser eventualmente publicado, mas será mantido o mais
rigoroso sigilo, através da omissão total de quaisquer informações que permitam identificar
participantes ou instituição; salvo expressa concordância, por parte de todos os envolvidos,
quanto ao contrário.
A participação nessa investigação não envolve nenhum benefício material ou
econômico para nenhuma das partes: os prováveis benefícios advirão da contribuição para
o desenvolvimento profissional e da produção de conhecimento, que favoreçam o avançar
de questões relacionadas à esfera educacional.
Se você tiver qualquer pergunta em relação ao programa, por favor, entre em
contato com David Richard Luzetti, no número 19-97495208, ou pelo e-mail
Atenciosamente,
Assinatura ____________________ Data _________________
Consinto na participação
Nome:______________________________________________________
Assinatura _____________________ Data ____________________
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APÊNDICE 3 – Protocolo n. 133519 – Autorização para Coleta de Dados na
Unidade Saúde da Família Vila Industrial