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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VOZ DO MESTRE
A Importância da Ética e do Direito no Ensino Fundamental e Médio
SILVIO SALGADO
PROF. MARCOS ANTONIO CHAVES
Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VOZ DO MESTRE
A Importância da Ética e do Direito no Ensino Fundamental e Médio
SILVIO SALGADO
Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001
Trabalho Monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do Grau de Especialista em Docência do Ensino Fundamental e Médio
3
AGRADECIMENTOS
A minha mãezinha querida, meu grande e verdadeiro amor. Te amarei sempre.
4
DEDICATÓRIA
A meu único e grande amor: minha Mãe. A minha filha e a minha neta por tudo que representam para mim.
5
EPÍGRAFE
“A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem a força serácontestada, porque há sempre maus; a força sem ajustiça será acusada. É preciso, pois, reunir a justiçae a força; e , dessa forma, fazer com que o que éjusto seja forte, e o que é forte seja justo.” Pascal
6
SUMÁRIO
_______________________________________________________________
_
1. INTRODUÇÃO....................................................................................7
A ÉTICA E O DIREITO
2.1 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO
CONSCIENTE...................................................................................11
2.2 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO
CONSCIENTE: DIREITO, DEVERES E CIDADANIA............................14
A EDUCAÇÃO
3.1 O PAPEL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO..............................................18
3.2 O PAPEL DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO......................................20
3.3 O PAPEL DA COMUNIDADE NA EDUCAÇÃO.....................................22
4. A APLICAÇÃO DA ÉTICA E DO DIREITO EM SALA DE AULA............24
5. CONCLUSÃO....................................................................................26
6. BIBLIOGRAFIA.................................................................................28
7. ANEXOS...........................................................................................29
7
1) INTRODUÇÃO
Nos tempos atuais, como em tempos passados, a humanidade vem
atravessando momentos de turbulência e de crise. A palavra crise, em sua
etimologia, nos indica uma reavaliação radical dos fundamentos. Portanto,
dizer que a humanidade está em crise é semelhante a dizer que ela passa por
uma avaliação radical de seus fundamentos. Entre estes fundamentos,
encontramos os valores morais. Sabemos que são estes valores que mais
influem nas decisões capitais quanto aos rumos de um indivíduo, de uma
sociedade determinada ou até mesmo em relação a humanidade.
Neste sentido, empreendemos uma pesquisa com objetivo de mostrar
que, somente a partir de uma tomada de consciência perante estes valores,
poderemos participar ativamente na solução daquela crise. Por outro lado,
sabemos que uma tal conscientização exige um trabalho coletivo e não
somente individual e, mais que isso, exige um esforço pedagógico, no sentido
de educar todas as pessoas, principalmente os jovens. Desta maneira, nada é
mais indicado que começar no ensino fundamental e médio para que, desde já,
inculquemos na mente desses jovens a gravidade do problema e o horizonte
de sua solução.
Já no título, A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA E DO DIREITO NO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO, mostramos resumidamente o objetivo acima
proposto. Resta-nos agora justificar a escolha da Ética e do Direito como
instrumentos ideais para a realização deste objetivo.
Geralmente, quando fala-se na Ética, entende-se certas regras de
conduta segundo as quais eu denomino um determinado sujeito de ético ou de
anti-ético. Ético seria aquele sujeito que age conforme às regras da Ética e
anti-ético seria aquele que age em desconformidade com estas mesmas
regras. Este entendimento comum tem sua razão de ser, entretanto, em termos
8
rigorosos, a Ética se define como um estudo crítico sobre o comportamento
moral do ser humano. Sendo assim, ela não é o comportamento em si, mas
uma reflexão sobre este comportamento. Em outras palavras, ela não é a ação
moral no seu sentido prático, mas sim uma teoria que visa explicar
suficientemente os comportamentos humanos. Portanto, em vez de afirmar que
um sujeito é ético ou anti-ético, é mais correto dizer que ele é moral ou imoral.
Um outro aspecto é que a moralidade sempre esteve ligada à noção de Bem e
Bom, e, de forma contrária, podemos ligar a noção de Mau e Mal à imoralidade.
Todavia, por serem noções universais, seu estabelecimento em termos de uma
determinada moralidade é sempre complicado e requer muita discussão e
esforço. Aqui, além da importância da Ética, pois esta tentará definir aquelas
noções universais, percebemos também que há necessidade de um
instrumento que mantenha o curso normal de uma sociedade de forma a
resguardá-la de uma possível barbárie. O Direito, sobre o qual falaremos mais
abaixo, é este instrumento, pois normatiza e estabelece uma certa moralidade
mesmo que esta ainda esteja em discussão, e é sempre importante a
discussão, pois o mundo está sempre em mudança. Voltando à diferenciação
entre a prática moral e a teoria ética é preciso advertir que embora a Ética não
seja a própria ação moral é sempre bom lembrar, citando as palavras de Adolfo
Sánchez Vasquez, que:
“Os problemas teóricos e os problemas práticos, no terreno da moral, se
diferenciam, portanto, mas não estão separados por uma barreira
intransponível. As soluções que se dão aos primeiros não deixam de influir na
colocação e na solução dos segundos, constituem a matéria da reflexão, o fato
ao qual a teoria ética deve retornar constantemente para que não seja uma
especulação estéril, mas sim a teoria de um modo efetivo, real, de
comportamento do homem.”1
Vê-se, então, que de uma reflexão sobre a moralidade do homem pode
surgir um novo tipo de moralidade. E é nesta direção que pretendemos mostrar
1 VASQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 15ª Ed. Civilização Brasileira. São Paulo. 1995. p.9.
9
a importância do estudo da Ética e do Direito no ensino fundamental e médio.
Só a partir desta reflexão poderemos empreender a tentativa de erigir uma
nova moralidade definindo as noções Bem/Bom e Mal/Mau em sua relação
com os interesses da nossa sociedade.
Como nos referimos acima, o Direito tem um papel essencial no
estabelecimento de uma nova moralidade, pois este torna os valores morais
universais aplicáveis às particularidades existentes numa sociedade. Desta
maneira, ele estabelece direitos e deveres formando cidadãos e protegendo-os
dos desvios considerados imorais, isto é, desconformes à moralidade
geralmente aceita. A Lei, nesse sentido, é fundamental para que haja um
convívio harmonioso entre os diferentes interesses individuais e coletivos e,
consequentemente, o estar consciente do que é a Lei e do que ela trata é, da
mesma forma, fundamental para que exista um respeito consciente e não
somente um respeito coagido. Aqui está, portanto, a justificação da importância
do Direito no ensino fundamental e médio, pois será este ensino que propiciará
a tomada de consciência da qual falamos acima e, em decorrência disso, se
possibilitará uma concordância consciente à Lei ou uma crítica também
consciente a esta mesma Lei, sem, no entanto, tender para a marginalidade.
Por tudo o que dissemos, pode-se constatar a semelhança entre o
Direito e a Ética pois seus objetos estão interrelacionados e, com isso, é
possível aplicá-los simultaneamente ao ensino fundamental e médio. É
evidente que os ensinamentos terão que ser adaptados à capacidade de
aprendizagem destes níveis escolares, o que não é o propósito desta pesquisa,
entretanto, isto não se faz um obstáculo intransponível, visto que há vários
estudos sobre este problema.
Por fim, com vistas a facilitar a exposição do trabalho, dividimo-lo em
quatro partes, a saber: Na primeira parte, abordamos A IMPORTÂNCIA DA
ÉTICA NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO. Na segunda parte, tratamos sobre A
IMPORTÂNCIA DO DIREITO NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO. Na terceira
parte, nos dedicamos a questão da educação, dividindo-a em: O PAPEL DA
ESCOLA NA EDUCAÇÃO, O PAPEL DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO e O
10
PAPEL DA COMUNIDADE NA EDUCAÇÃO. Na última parte, falamos sobre A
APLICAÇÃO DA ÉTICA E DO DIREITO EM SALA DE AULA.
A ÉTICA E O DIREITO
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2.1- A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO
CONSCIENTE
Como antecipamos na introdução, a Ética, tomada em seu sentido
científico não pode confundir-se com a moral. Entretanto, não pode existir Ética
sem a ação moral e , consequentemente, sem a moralidade. Não existe teoria
sem o objeto desta teoria, desta maneira, podemos dizer que o objeto da Ética
é a moral. Sendo assim, estudar a Ética significa refletir sobre questões como:
a causa de nossas ações, suas conseqüências, sua finalidade, a questão do
determinismo, a questão da liberdade. Todas estas questões se entrecruzam
no campo da Ética.
Mais que estudar as questões citadas acima, a Ética toma para si
discussões mais gerais que acabam ultrapassando seus limites e tangenciam
outros campos como a Religião a as Artes. Estas questões mais gerais são as
que versam sobre o Bem e o Bom, o Mal e o Mau. São estes os conceitos
universais que sempre aparecem no interior de um questionamento ético.
Como Marilena Chauí diz:
“Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão
referidos a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom
ou o bem”2
Marilena Chauí citará ainda uma noção universal que, segundo ela, pode
ser considerada mais universal que as noções de Bem/Bom e de Mal/Mau:
“Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o
mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e
subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a
felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos
a aprovação dos outros.”3
Tendo em vista as falas acima, Marilena Chauí conclui dizendo que:
2 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5ª Ed. Ed. Ática. São Paulo. 1996. p.335.
12
“O senso moral e a consciência moral dizem respeito a valores,
sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao
desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros
e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva.”4
Esta última citação nos clarifica o seguinte: se o senso moral e a
consciência moral são intrínsecos a natureza humana, nada mais inteligente e
humano que pensar e refletir sobre esse aspecto de nossa natureza. Nos
relacionamos com outras subjetividades, isto é, com outros seres humanos
mediante valores morais, mesmo quando estamos alienados. Ao nos
alienarmos dessa reflexão nos parecemos mais a animais mecânicos que a
indivíduos dotados de liberdade de pensamento. Neste sentido, a Ética é
fundamental para qualquer nível de ensino, pois nos ensina a refletir sobre
nossa própria natureza e sobre a sociedade que nos envolve.
Ensinar Ética ao aluno do ensino médio ou fundamental é, antes de
tudo, ensiná-lo a ter responsabilidade por suas ações. E isso não significa
receitar certos procedimentos formais, mas antes, mostra-lhe que ele é a causa
principal de sua ação e que, por isso, tem que assumi-la nas suas piores
conseqüências. Segundo essa linha de interpretação, notadamente
existencialista, nossa liberdade implica necessariamente a responsabilidade
por nossas ações. E isso pelo simples fato que toda ação é uma escolha e não
podemos fugir disso, pois ao fugirmos já estamos escolhendo um caminho que
teremos que assumir. Sartre, filósofo existencialista francês do séc. XX,
afirmará o seguinte: Todos nós estamos condenados a ser livres, isto é,
estamos condenados a escolher.
Esta corrente de pensamento que acabamos de citar pode ser
compreendida remetendo-a ao problema que ela enfrentou. Ela vai contra a
concepção de predestinação, ou seja, ela não aceita uma justificativa
sobrenatural e coletiva para a determinação de nossas ações. É evidente que
uma tal discussão, por adentrar no campo religioso, só pode ser levantada com
muito cuidado. Entretanto, sabemos que um dos principais problemas hoje em
dia, principalmente nos jovens, é a incapacidade de assumir responsabilidades,
3 Idem.
13
pois acreditam que nunca são os agentes principais daquilo que fazem,
atribuindo sempre a outrem a responsabilidade implicada em sua ação. Desta
forma, o ensino do existencialismo pode ser muito saudável se aliado a outras
teoria éticas e à própria realidade histórico-geográfica do jovem.
Tomamos o existencialismo apenas como uma e entre várias teorias
éticas que podem trazer bons frutos na educação de um jovem. Queremos
apenas mostrar neste estudo a importância fundamental da Ética na educação
dos estudantes. Será através da Ética que o aluno passará a refletir mais nas
suas ações e, posteriormente, esta reflexão poderá direcionar sua própria
ação. Entendemos ser este um dos caminhos para a formação da cidadania e
do cidadão, na medida em que haja, nos jovens, consciência e
responsabilidade em suas ações.
4 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5ª Ed. Ed. Ática. São Paulo. 1996. p.335.
14
2.2- A IMPORTÂNCIA DO DIREITO NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO
CONSCIENTE: DIREITOS, DEVERES E A CIDADANIA.
Como fizemos alusão na introdução, o Direito tem a função de
estabelecer normas jurídicas para que através destas se mantenha a ordem na
sociedade. Além das norma jurídicas existem outras como as normas morais e
as normas religiosas que ajudam a manter esta ordem. As normas religiosas
caracterizam-se por seu fundamento supra-humano, isto é, por uma
conformação à divindade. As normas morais devido a sua abrangência maior,
às vezes, confundem-se com as normas religiosas e jurídicas. Elas
caracterizam-se principalmente pela liberdade com que os indivíduos e a
coletividade seguem-nas. Estas normas são as mais universais que existem,
sendo por isso mesmo, de difícil definição como, por exemplo, as noções de
Bem e de Mal. Já as normas jurídicas, caracterizam-se da seguinte maneira:
a)Coercibilidade: significa a possibilidade de sofrer coerção, ou seja,
repressão, uso da força. Desta maneira, as normas jurídicas são identificadas
por terem o apoio da força coercitiva do Estado, impondo-se por isso sobre as
pessoas. Esta possibilidade de coerção quando é realizada transforma-se em
sanção(punição), sendo esta aplicável apenas nos casos de transgressão à
norma jurídica.
b)Sistema imperativo e atributivo: por ser coercitiva a norma jurídica
torna-se imperativa, o que significa dizer que ela tem o poder de imperar, isto é,
de impor a uma determinada parte o cumprimento de um dever. Disso segue-
se o seu caráter atributivo, pois atribui a outra parte o direito de exigir o
cumprimento do dever imposto pela norma.
c)A promoção da justiça:a finalidade da norma jurídica é o
estabelecimento da justiça entre os homens.
Apesar da norma jurídica ter como fim a justiça, nem sempre isso
acontece como nos diz Gilberto Viera Cotrim citando Rui Barbosa:
15
“Em termos práticos, entretanto, sabemos que a norma jurídica bem
como o processo judicial que visa a sua aplicação ainda estão distantes de
realizar, a contento, os ideais de justiça. Infelizmente, permanece viva e atual a
contundente advertência de Rui Barbosa: em nosso país a lei absolutamente
não exprime o consentimento da maioria; são as minorias, as oligarquias mais
acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem,
as que mandam, e desmandam em tudo.”5
Esta passagem citada mostra que não basta apenas aceitarmos a norma
jurídica de forma irrefletida, ao contrário, se quisermos nos considerar
indivíduos conscientes é preciso questioná-la no sentido de lhe exigir a
igualdade e a justiça. É evidente que para funcionar o Direito não necessita das
qualidades justas ou injustas da lei, pelo contrário, sendo justa ou injusta a lei é
aplicada. Contudo, só quando nos tornamos cientes desta característica
instrumental do Direito, abre-se a possibilidade da mudança. É por este
caminho que devemos educar os estudantes do nível fundamental e médio,
pois ao mesmo tempo que lhes revelamos a necessidade de uma ordenação
da sociedade que vise a paz, também lhes mostramos a possibilidade de
participação consciente nesta ordenação. Por um lado, o estudante aprende a
respeitar a lei pois a ausência desta traria prejuízos a todos, por outro, ele
aprende a exigir-lhe justiça.
Esta questão é tocada por Norberto Bobbio quando, a propósito da
distinção entre a noção de resistência e a noção de contestação, diz o
seguinte:
“Enquanto contrária à obediência, a resistência compreende todo
comportamento de ruptura contra a ordem constituída, que ponha em crise o
sistema pelo simples fato de produzir-se, como ocorre num tumulto, num
motim, numa rebelião, numa insurreição, até o caso limite da revolução; que
ponha o sistema em crise, mas não necessariamente em questão.
5 COTRIM, Gilberto Vieira. Direito e Legislação. 18ª Ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 1995. p.15.
16
Enquanto contrária à aceitação, a contestação se refere, mais do que a
um comportamento de ruptura, a uma atitude de crítica, que põe em questão a
ordem constituída sem necessariamente pô-la em crise.”6
Logo antes deste trecho, Bobbio havia definido a obediência como uma
atitude passiva, isto é, mecânica, puramente habitual e instintiva. Ao definir a
aceitação ele diz que, pelo contrário, a aceitação é “uma atitude ativa que
implica, se não um juízo de aprovação, pelo menos uma inclinação favorável a
se servir da norma ou das normas para guiar a própria conduta.”7
Tomamos de empréstimo esta análise de Bobbio para apontar que,
tratando-se do ensino fundamental e médio, o importante é utilizarmos o par de
noções aceitação/contestação e não o par obediência/resistência, pois o
primeiro par de noções trazem em si o apelo a razão humana, ou melhor,
pressupõem o ser humano como alguém que pensa, reflete e concorda e não
como um ser que repete, repete e repete.
Concluindo esta parte, entendemos que a noção de cidadania só pode
ser entendida relacionada com as noções de participação popular, direitos e
deveres. Quando um ser humano, mesmo que na juventude, toma consciência
de seus direitos e deveres, ele passa a ser cidadão e a exercer a cidadania
através de sua participação.
6 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Ed. Campus. Rio de Janeiro. 1992. p.144.
17
A EDUCAÇÃO
7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Ed. Campus. Rio de Janeiro. 1992. p.144.
18
3.1- O PAPEL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO
Todos nós sabemos que a Escola é, dentre os meios educativos
diversos, o mais importante. É na Escola que o ser humano se determina em
relação a um Estado, a uma nação e a interesses coletivos que até a sua
entrada na Escola, eram quase que exclusivamente familiares. Em termos de
aquisição de conhecimentos, temos vários meios que podem também tomar de
empréstimo o nome Escola, como a internet, a família, a igreja, os clubes, os
sindicatos e a própria sociedade em geral. Entretanto, há uma diferença
fundamental entre estes meios propagadores de conhecimento e a Escola
propriamente dita. A Escola enquanto uma instituição regulada pelo Estado
organiza e direciona os conhecimentos para um determinado fim. Este fim está
intrinsecamente relacionado com o propósito geral do Estado. Mesmo aquelas
Escolas possuidoras de objetivos particulares(ex: Escolas religiosas) têm a
tutela do Estado.
Será na Escola que o jovem aprenderá com mais força a interagir com
outros jovens, criando conflitos e participando de soluções. Neste sentido, a
Escola aparece como um campo prático onde é possível aplicar teorias e
incentivar reflexões. Por ser uma comunidade, a Escola exige do aluno
posições e atitudes que geralmente vão de encontro a outras posições e
atitudes. Tomando este conflito natural como base, pode-se a partir dele
introduzir ensinamentos de Ética e de Direito assim como de diversas matérias.
A Escola passa então a ser um laboratório não apenas de objetos exteriores às
vidas dos jovens, mas de suas próprias vidas e experiências. Com isso, o
ensino escolar passa a ter mais sentido, pelo simples fato de tratar realmente
de seres humanos e não apenas virtualmente.
19
Se, como vimos acima, o fim da escola está ligado ao bem comum
representado pelo Estado. A postura proposta aqui poderá também servir para
a compreensão do Estado não enquanto uma entidade abstrata, mas como
uma comunidade real de interesses divergentes, semelhante à Escola. Desta
forma, os jovens terão mais vontade de participar da vida pública e política do
país, pois se reconhecerão como legítimos participantes desta estrutura. Em
conclusão, podemos propor a Escola como um laboratório de cidadania cujo
objetivo, além do conhecimento tradicional, seria dar sentido e compreensão a
outras estruturas mais complexas como a Sociedade e o Estado.
20
3.2- O PAPEL DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO
A discussão sobre o papel do professor no conhecimento em geral ou,
mais especificamente, na formação do cidadão é muito antiga, remonta mesmo
aos Gregos. Quem não lembra da célebre Teoria das Idéias de Platão, na qual
o eminente filósofo afirma a existência de certas idéias que seriam as
essências de todas as coisas do mundo sensível, isto é, do mundo apreendido
pelos sentidos, sendo estas essências aprendidas somente pela inteligência.
Desta maneira, conhecer seria contemplar as idéias ou essências. Não
queremos aqui apresentar rigorosamente a filosofia de Platão, mas apenas
mostrar que já nos gregos havia essa preocupação sobre a questão
pedagógica e, em rigor, toda preocupação atual com a educação tem grande
parte de suas raízes lá. Em Platão o educador ou o filósofo tinha um papel
instrumental, haja visto, o método socrático de partejar almas, isto é, de ajudar
no nascimento das almas, o que significava a consciência de sua ignorância e
a partir daí a busca incessante da verdade. Ele não possuía o conhecimento
mas sim o caminho que levava a este. Neste sentido, o educador e o aluno
através da dialética, se ergueriam em direção ao conhecimento. O educador
seria o guia, pois já havia feito este caminho em algum momento de sua vida.
Vemos então, em Platão, uma concepção na qual tanto o educador como o
aluno têm papel fundamental no conhecimento, sendo o educador, apenas por
sua experiência, o guia. Jacques Maritain resume bem esta concepção
dizendo:
“o estudante não adquire conhecimentos graças ao professor, que não
exerce uma influência causal. É, no máximo, um agente ocasional. Desperta a
21
atenção do aluno para as coisas que ele já conhece, de modo que aprender se
torna sinônimo de recordar.”8
Chama-se, geralmente, este tipo de concepção de inatismo.
Uma outra concepção, rotulada de empirismo, diz que a alma daquele
que aprende é uma tábua rasa, isto é, não há nada ao nascer, e por isso
mesmo, todo conhecimento vem de fora, o que quer dizer, do professor, da
sociedade, etc. Neste tipo de concepção, o aluno recebe um papel secundário
e passivo, pois ele se reduz a acumular os conhecimentos vindos da
experiência.
Hoje em dia, tendemos a reunir essa duas correntes de pensamento.
Podemos citar mais uma vez Maritain que reúne muito bem essas duas
concepções ao utilizar a Medicina para a comparação. Diz ele:
“É mais com a arte da medicina que a arte da educação deve ser
comparada. A medicina trata de um ser vivo que tem vitalidade interior e o
princípio intrínseco da saúde. A ação do médico é um fato, na cura do doente,
se ele imitar o modo de ser da natureza em seus processos, ajudando-a por
meio de dietas apropriadas e remédios que a natureza usa, de acordo com seu
próprio dinamismo, visando ao equilíbrio biológico. Por outras palavras, a
medicina é a ars cooperativa naturae, uma arte de assistência, uma arte de
subserviência à natureza. E, assim, é a educação.”9
Outra passagem de Maritain que esclarece muito nossa questão:
“O conhecimento não existiu sempre, na alma humana, como Platão
acreditou. Mas o princípio vital e ativo do conhecimento existe em cada um de
nós. Sendo a inteligência capaz de ver, perceber, desde o começo, através da
experiência dos sentidos, as noções primeiras de que depende todo o
conhecimento. Passa, assim, do que já sabe para o que ainda não sabe.”10
O abandono tanto do inatismo quanto do empirismo se iniciou por dois
exageros, a saber: o primeiro, por achar que todo o conhecimento era inato,
acabou por abandonar o mundo concreto dos sentidos, criando uma teoria
muito abstrata sem aplicação real. O segundo, por abandonar as condições
8 MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. 2ª Ed. Ed. Agir. Rio de Janeiro. 1959. p.57/58. 9 MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. 2ª Ed. Ed. Agir. Rio de Janeiro. 1959. p.59. 10 Idem.
22
internas de nossa inteligência, acabou por igualar o ser humano a um animal
que agiria apenas por instinto.
Hoje, sabemos que o mais correto é atribuir uma igualdade quantitativa
no sentido de que nenhum deles tenha superioridade sobre o outro, pois
subtraindo-se um o outro perde o sentido. Tanto a inteligência quanto os dados
sensíveis são fundamentais para o conhecimento. Neste sentido, concluímos
dizendo que o professor não é nem inferior nem superior no processo de
aquisição do conhecimento, pois este terá a função de passar os dados
exteriores aos educandos e, por outro lado, cada educando com seus moldes
intelectuais próprios formarão um conjunto de conhecimentos coerentes com
sua própria experiência de vida. Isso tudo decorre da simples constatação de
que, em rigor, a inteligência forma a cultura como, da mesma forma, a cultura
forma a inteligência de cada um.
23
3.3- O PAPEL DA COMUNIDADE NA EDUCAÇÃO
Acabamos de observar que o professor não é o único agente de
educação, assim como a Escola não o é. Nesta parte falaremos do papel da
comunidade no processo educativo e de que maneira podemos direcionar este
aprendizado. Tomaremos a palavra Comunidade por tudo aquilo que interage
com o educando excetuando-se a Escola e a Família. Sabemos, hoje, que há
uma tendência do mundo tornar-se uma comunidade global, o que quer dizer
uma interação internacional sobre todos os aspectos. Todavia, quando
percebemos que essa interação internacional traz um volume quase caótico de
informações, entramos em pânico e nos perguntamos se é possível absorver
toda essa informação. É evidente que é impossível uma absorção total e, por
isso mesmo, veremos a enorme importância do professor e da escola. Serão
estes agentes que irão filtrar as informações relevantes para cada indivíduo,
bairro, cidade ou país.
A Comunidade, como acabamos de ver, tem a função de apresentar os
dados a partir dos quais teremos que ter uma postura crítica, isto é, uma
postura que filtre estas informações através de reflexão e observação
constantes. Sem a devida crítica às informações e interações provindas da
Comunidade, nos perderemos num caos de tamanha proporção que nada mais
fará sentido. Dotar as coisas de sentido é a função da observação, da reflexão
e da crítica. Ao filtrarmos aqueles dados que pareciam caóticos revertendo-os à
nossa realidade, poderemos adquirir grandes conhecimentos. É neste sentido
que dizem que as viagens são importantes para o engrandecimento do espírito.
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Não que seja para abandonar nossos costumes ou nossa moral, mas antes
para fazer-nos perceber que as diversidades culturais são causadas pela
diversidade contextual, isto é, pela diversidade histórica, geográfica, etc., e que
por isso, em vez de atirar-nos no precipício do ceticismo moral nos lança na luz
do regionalismo. Um regionalismo que pretende ser a base para
compreedermo-nos a nós mesmos enquanto seres limitados historicamente e
geograficamente mas que nem por isso nos afastamos daquilo que nos iguala
como seres humanos. Só podemos pensar uma globalização sadia através de
uma interação de regionalidades e não de uma supressão de regionalidades.
Por tudo o que dissemos acima, podemos concluir da seguinte forma: A
Comunidade tem um papel importante, entretanto, se não tivermos uma base
escolar onde possamos construir capacidades e posturas críticas, dificilmente
as potencialidades positivas da Comunidade serão aproveitadas.
25
4- A APLICAÇÃO DA ÉTICA E DO DIREITO EM SALA DE AULA
Embora já tenhamos tratado de alguma forma esta questão nos
capítulos anteriores, podemos no presente capítulo sugerir algumas maneiras
de se aplicar tanto o Direito como a Ética no ensino fundamental e médio. Em
primeiro lugar, temos que atentar para a capacidade de abstração dos alunos,
isto é, a capacidade que estes alunos têm em entender conceitos abstratos que
não podem ser representados com todo rigor no cotidiano. Conceitos como
Felicidade, Bem, Bom, Mal, Mau, Justiça, Injustiça, apesar de serem facilmente
traduzidos em termos de uma doutrina particular, não podem ficar
subordinados a este ou aquele interesse. Por outro lado, sem os exemplos
cotidianos é quase impossível travar uma discussão construtiva com alunos do
nível fundamental e médio. Desta maneira, a melhor saída seria utilizar os
exemplos contraditórios, isto é, doutrinas contraditórias que se qualificam
através daqueles conceitos abstratos, para iniciar um debate sem impor-lhes
esta ou aquela doutrina. A discussão em sala de aula teria a orientação das
noções de Justiça, Bem, Mal, Felicidade, entretanto, os exemplos dados não
seriam suficientes para a definição destes conceitos, o que exigiria uma
reflexão e um cuidado maior na aceitação de uma doutrina qualquer.
Entendemos que, longe de produzir, um ceticismo moral, esta postura
acarretaria numa maturação intelectual na medida em que os jovens refletiriam
bastante antes de seguir um determinado caminho. Aliado a isso, ou até como
pressuposto disso, teríamos que colocar para os alunos a importância da
crença. Uma crença considerada em seu sentido puro, ou seja, apenas como
26
uma força que nos impeliria à busca das explicações. Sem esta força
dificilmente não cairíamos num ceticismo moral.
Poderiam nos objetar a utopia desta sugestão quando se leva em conta
a atual situação da educação, onde os alunos mal sabem ler e escrever. Isto é
verdade, todavia, a atual situação não pode ser parâmetro para projetos
educacionais, em outras palavras, não temos que nos adaptar a mediocridade
tornando-nos medíocres para a partir daí poder estabelecer uma comunicação,
ao contrário, temos que transformar a realidade tendo como modelo projetos
nobres, mesmo que em algumas circunstancias estes projetos pareçam
utópicos.
Tudo o que dissemos acima pertence mais ao campo teórico que ao
prático, o que não quer dizer que esta teoria não produza uma prática. A Ética,
neste sentido, foi mais privilegiada que o Direito. Contudo, ao adentrarmos no
campo prático, podemos satisfatoriamente utilizarmos o Direito. Diferentemente
da Ética, o Direito versa sobre assuntos mais concretos, isto é, com uma maior
visibilidade cotidiana, e o segredo de aplicação está aí. Os exemplos cotidianos
devem ser a matéria de discussão do Direito. Os alunos devem aprender direito
exercendo-o, na escola, na família e na comunidade. Uma simples
mensalidade escolar pode ser exemplo para a aplicação do Direito. As visitas a
Museus, a Teatros, a Shows, tudo isso pode ser utilizado.
Por tratarmos aqui mais da apresentação da importância do Direito e da
Ética no ensino fundamental e médio que da maneira de lhes aplicarmos, nos
damos por satisfeitos sem por isso ter a ilusão de que esgotamos o tema.
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5- CONCLUSÃO
Por cada capítulo apresentar uma espécie de conclusão parcial, resta-
nos pouco a fazer, a não ser relembrar algumas afirmações importantes.
Em primeiro lugar, um país que se quer justo e com igualdade para
todos não pode abrir mão da reflexão sobre temas como Ética, Direito e
assuntos decorrentes destas matérias.
Em segundo lugar, entendemos que já a partir do ensino fundamental e
médio pode-se implementar tal reflexão.
Terceiro, é preciso atentar para a importância do professor e da escola
na formação de uma nova moralidade.
Estas três afirmações foram desenvolvidas neste trabalho cujo objetivo
principal foi mostrar que a partir da Ética e do Direito podemos reavaliar nossa
sociedade com vistas a uma sociedade melhor. É claro que não basta sugerir é
preciso ter vontade política para implementar. Entretanto, as sugestões e as
idéias são a base de uma aplicação bem feita.
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6- BIBLIOGRAFIA _________ VASQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 15ª Ed. Civilização Brasileira. São Paulo. 1995. __________ CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5ª Ed. Ed. Ática. São Paulo. 1996. __________ MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. 2ª Ed. Ed. Agir. Rio de Janeiro. 1959. __________ BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Ed. Campus. Rio de Janeiro. 1992. __________ COTRIM, Gilberto Vieira. Direito e Legislação. 18ª Ed. Ed. Saraiva. São Paulo. 1995.
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7- ANEXOS