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197 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará A IMPORTÂNCIA DA PSICOPEDAGOGIA NA PREVENÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DE CASOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL: UMA PROPOSTA DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ 1 MARIA DE FÁTIMA NEVES DA SILVA Analista Judiciária, especialidade Pedagogia, lotada na Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará Mestranda em Educação pela Universidade da Madeira, Portugal RESUMO 2 Busco, neste artigo: conceituar Psicopedagogia, refletir acerca de seu campo de estudo e atuação; contrastar o conceito de alienação parental com o de síndrome da alienação parental; destacar a importância da Psicopedagogia na prevenção de casos da SAP e, por fim, apresentar uma proposta de mediação familiar e escolar, no âmbito do Poder Judiciário, como meio de resolução dos conflitos fomentadores da síndrome da alienação parental. PALAVRAS-CHAVE: Psicopedagogia. Alienação parental. Síndrome da alienação parental. Mediação familiar. SUMÁRIO: 1 Psicopedagogia: conceito, objeto de estudo e atuação. 2 Síndrome da Alienação Parental. 3 Proposta de aplicação da mediação familiar e escolar no v.8 n.1 jan/jul 2010

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197THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

A IMPORTÂNCIA DA PSICOPEDAGOGIA NAPREVENÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DE CASOS DESÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL: UMA

PROPOSTA DE APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIARNO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO

CEARÁ1

MARIA DE FÁTIMA NEVES DA SILVAAnalista Judiciária, especialidade Pedagogia, lotada na Escola

Superior da Magistratura do Estado do Ceará Mestranda em Educação pela Universidade da Madeira, Portugal

RESUMO2

Busco, neste artigo: conceituar Psicopedagogia,refletir acerca de seu campo de estudo e atuação; contrastaro conceito de alienação parental com o de síndrome daalienação parental; destacar a importância daPsicopedagogia na prevenção de casos da SAP e, por fim,apresentar uma proposta de mediação familiar e escolar,no âmbito do Poder Judiciário, como meio de resolução dosconflitos fomentadores da síndrome da alienação parental.

PALAVRAS-CHAVE: Psicopedagogia. Alienaçãoparental. Síndrome da alienação parental. Mediação familiar.

SUMÁRIO: 1 Psicopedagogia: conceito, objeto deestudo e atuação. 2 Síndrome da Alienação Parental. 3Proposta de aplicação da mediação familiar e escolar no

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Poder Judiciário do Estado do Ceará. 4 Consideraçõesfinais. 5 Referências.

1 Psicopedagogia: conceito, objeto de estudo eatuação

“Estamos enfrentando uma combinação demudanças paradigmáticas que podem ser maispoderosas do que qualquer coisa que o mundo tenhavisto antes. As possibilidades, tanto para a rupturacomo para vida criativa, são enormes.”Carl Rogers

Conceituar Psicopedagogia não é tarefa das maissimples.

Deldime e Demoulin, em 1977, chamavam depsicopedagogia “o estudo do comportamento humano eseus reflexos na educação”1 . Preocupados com a formaçãode professores, os autores franceses buscaram aliar apedagogia à educação, na tentativa de transformar o“educador-observador” em “educador-ator” enfatizando oaspecto afetivo, motivacional e relacional entre aluno eprofessor.

Interessante a visão de futuro que tiveram da educação.Diziam que a formação do professor deveria “torná-lo apto

1DELDIME, Roger; DEMOULIN, Richard. Introdução àPsicopedagogia: guia metodológico, exercícios, sistema teórico dereferência, trad. Germano Correia Botelho. São Paulo: EPU e EDUSP,1977, p XI.

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a: - a travar contatos individuais, - a diagnosticar asdificuldades (afetivas, motivacionais e sociais), - àobservação dos alunos tomados separadamente ou emgrupo, - a estimular, motivar e encorajar os indivíduos, - àtomada de consciência dos fenômenos de grupo.2 ”

Deldime e Demoulin procuraram integrar psicologia epedagogia produzindo um guia metodológico com o fim deinstrumentalizar professores para a realização de práticaseducacionais voltadas para os aspectos afetivos do alunono processo da aprendizagem. Anunciaram novas relaçõesentre o mestre e o aluno, com ênfase nas qualidades dasatitudes do educador, numa proposta de percepção do alunocomo ser-histórico, portanto, atribuindo importância à família,aos grupos de convivência do aluno, mas sempre numaperspectiva emocional.

No texto contido na contra-capa da obra em questão,a palavra psicopedagogia está desta forma grafada: “Psico-pedagogia”. Essa grafia é por demais significativa, poisreveladora da intenção de juntar duas áreas do conhecimentoa psicologia e a pedagogia.

De fato, psicologia e pedagogia andam de mãosdadas no processo ensino-aprendizagem porém, o conceitode psicopedagogia como a mera união de dois ramos doconhecimento, ainda carrega em seu bojo um traço doparadigma cartesiano-newtoniano, no sentido dafragmentação das ciências e na visão partida e desconexado homem. O processo ensino-aprendizagem é tãocomplexo quanto a complexidade humana e não pode ser

2 Ibidem, p. XIII

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entendido apenas sob dois pontos-de-vista.Jorge Visca, professor argentino, contribui, fundado em

sua epistemologia convergente, para a ampliação doconceito de Psicopedagogia, como resultado de suaformação em Ciências da Educação, do exercício dadocência, de sua formação também como Psicólogo Socialpela Escola Privada de Psicologia Social de Enrique P.Rivière, bem como das pesquisas junto ao Centro deEstudos Psicopedagógicos de Buenos Aires, referendadaspelo Centro de Estudos Psicopedagógicos do Rio deJaneiro e do Centro de Estudos Psicopedagógicos deMisiones, em 1987. Segundo essa conceituação, aPsicopedagogia abarcou conhecimentos psicanalíticos,piagetianos e da psicologia social para a ampliação de suapráxis mas, restrita à clínica psicopedagógica.

Segundo Jorge Fasce, no prólogo à Jorge Visca, “apsicopedagogia nasceu como uma ocupação empírica pelanecessidade de atender a crianças com dificuldade deaprendizagem, cujas causas eram estudadas pela medicinae psicologia. Com o decorrer do tempo, o que inicialmentefoi uma ação subsidiária destas disciplinas, perfilou-se comoum conhecimento independente e complementar, possuidorde um objeto de estudo (o processo de aprendizagem) e derecursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios”3

Em 2009, segundo Scoz, a Psicopedagogia,

3 VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia convergente;trad. Ana Lúcia E. Dos Santos. Porto Alegre: Artes Médicas, p.7

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“transformou-se, nos últimos anos, em um campo de estudosdos fenômenos relativos ao processo de aprendizagem doindivíduo e das dificuldades que podem surgir no decorrerdesse processo. Para responder à complexidade daquestão, houve um esforço para alcançar uma visãomultidisciplinar (grifo nosso), que inclua contribuições devárias ciências e de estudos recentes, colocando em pé deigualdade, aspectos cognitivos, afetivos, orgânicos e sociais,e descartando qualquer recorte da realidade que impeçauma visão mais completa do fenômeno a ser pesquisado”4

A mesma autora, ao referir-se à abertura queAssociação Brasileira de Psicopedagogia promove ao criarespaço de discussão acerca das atividadespsicopedagógicas e o próprio delineamento dessasatividades anunciou: “A abertura sistemática de espaçospara discussões e trocas de experiências de trabalhoaproxima profissionais de diferentes áreas de atuaçãovinculadas ao fenômeno da aprendizagem. Esse intercâmbiofavorece tanto uma ação interdisciplinar (grifo nosso) quantoum delineamento mais definido da prática psicopedagógica.

Transcrevo do Código de Ética da AssociaçãoBrasileira de Psicopedagogia, reformulado pelo ConselhoNacional e Nato do biênio 95/96, por julgar importante paraa reflexão acerca do conceito de psicopedagogia, seu objetode estudo e atuação, alguns de seus capítulos e artigos:

4 SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar. Petrópolis:Vozes, 2009, p. 155.

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CAPÍTULO IDOS PRINCÍPIOSArtigo 1ºA psicopedagogia é um campo de atuação em Saúdee Educação que lida com a aprendizagem humana;seus padrões normais e patológicos, considerandoa influência do meio - família, escola e sociedade –no seu desenvolvimento, utilizando procedimentospróprios da psicopedagogia.Parágrafo únicoA intervenção psicopedagógica é sempre da ordemdo conhecimento relacionado com o processo deaprendizagem.Artigo 2ºA Psicopedagogia é de natureza interdisciplinar (grifonosso). Utiliza recursos das várias áreas doconhecimento humano para a compreensão do atode aprender, no sentido ontogenético e filogenético,valendo-se de métodos e técnicas próprios.Artigo 3ºO trabalho psicopedagógico é de natureza clínica einstitucional, de caráter preventivo e/ou remediativo.Artigo 4Estarão em condições de exercício daPsicopedagogia os profissionais graduados em 3ºgrau, portadores de certificados de curso de Pós-Graduação de Psicopedagogia, ministrado emestabelecimento de ensino oficial e/ou reconhecido,ou mediante direitos adquiridos, sendo indispensávelsubmeter-se à supervisão e aconselhável trabalhode formação pessoal.

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Artigo 5O trabalho psicopedagógico tem como objetivo: (i)promover a aprendizagem, garantindo o bem-estardas pessoas em atendimento profissional, devendovaler-se dos recursos disponíveis, incluindo a relaçãointerprofissional; (ii) realizar pesquisas científicas nocampo da Psicopedagogia.

CAPÍTULO IIDAS RESPONSABILIDADES DOS PSICO-PEDAGOGOSArtigo 6ºSão deveres fundamentais dos psicopedagogos:A) Manter-se atualizado quanto aos conhecimentoscientíficos e técnicos que tratem o fenômeno daaprendizagem humana;B) Zelar pelo bom relacionamento com especialistasde outras áreas, mantendo uma atitude crítica, deabertura e respeito em relação às diferentes visõesdo mundo;C) Assumir somente as responsabilidades para asquais esteja preparado dentro dos limites dacompetência psicopedagógica;D) Colaborar com o progresso da Psicopedagogia;E) Difundir seus conhecimentos e prestar serviçosnas agremiações de classe sempre que possível;[…]

CAPÍTULO IIIDAS RELAÇÕES COM OUTRAS PROFISSÕESArtigo 7ºO psicopedagogo procurará manter e desenvolverboas relações com os componentes das diferentes

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categorias profissionais, observando, para este fim,o seguinte:A) Trabalhar nos estritos limites das atividades quelhes são reservadas;B) Reconhecer os casos pertencentes aos demaiscampos de especialização; encaminhando-os aprofissionais habilitados e qualificados para oatendimento;5

Vejo como imprescindível, neste momento, estabelecera diferença entre disciplinaridade, multidisciplinaridade,interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

O racionalismo científico (séculos XVI e XVII), produtoda dissociação do subjetivo e do objetivo, ou do triunfo darazão sobre a fé, oportunizou à ciência, além da realizaçãode grandes e inéditos feitos, no que concerne ao progressotecnológico, uma visão fragmentada. “A ciência desvinculou-se da mística, da filosofia, da ética e estética, da poesia e,de um certo modo, da própria vida”6

A disciplinaridade é fruto do racionalismo científico. Aciência esfacelou a maravilhosa “máquina humana” emmúltiplos pedaços desconexos. Consumiu a natureza, comose o homem reinasse absoluto sobre ela e esta fosse fonteinesgotável de extração de matéria-prima para a satisfação

5 Abpp. Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia.Disponível em: <www.abpp.com.br/leis_regulamentacao_etica.htm>Acesso em 15.07.2010.6 CREMA, Roberto. Introdução à visão holística: breve relato de viagemdo velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus, 1989, p. 23.

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de seus desejos criados pelos conglomerados industriastransnacionais. A inteligência, nesse aspecto, era privilégiodos que possuíam raciocínio lógico-matemático ehabilidades linguísticas.

Às crianças, os conteúdos eram despejados como seestas fossem potes vazios a serem cheios com o que outraspessoas diziam ser a verdade. As que não aprendiam eramconsideradas “culpadas” por não aprenderem, ou seja, oproblema estava no aprendente em si mesmo e não nosistema escolar diluído, compartimentado,descontextualizado, sem significado para o aprendente. Asuniversidades, detentoras dos saberes irrefutáveis, geraramos especialistas que muito sabem de nada, já que nãoconhecem o todo.

A multidisciplinaridade quer juntar os pedaços daesfacelada ciência, na tentativa de atender à demanda dastão integradas e complexas necessidades humanas; comouma bricolagem, tenta colar as partes do inseparável. Comcerteza, o resultado não será uma obra de arte, mas umarremedo do ser.

Morin observa:O pensamento que recorta, isola, permite queespecialistas e experts tenham ótimo desempenhoem seus compartimentos, e cooperem eficazmentenos setores não complexos do conhecimento,notadamente os que concernem ao funcionamentodas máquinas artificiais; mas a lógica a que elesobedecem estende à sociedade e às relaçõeshumanas os constrangimentos e os mecanismosinumanos da máquina artificial e sua visão

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determinista, mecanicista, quantitativa, formalista;e ignora, oculta ou dilui tudo que é subjetivo, afetivo,livre criador.7

A interdisciplinaridade, sem dúvida, tem uma visãomais abrangente dos conhecimentos humanos pois, destes,quer entender o homem e seus problemas de forma maisplural. Porém, a visão interdisciplinar da psicopedagogia háde levar em consideração toda a complexidade do processoensino-aprendizagem, em sua diversidade de natureza(cognitiva, familiar, social, biológica, afetiva, cultural). Todosos profissionais envolvidos no atendimento ao aprendente,forçosamente, devem ter essa visão. O diagnóstico há queser construído não por mão de um especialista, mas porvários olhares diferentes sobre o mesmo objeto, procurandocompreender o que há nos espelhos multifacetados3 doaprendente e suas dificuldades.

As dificuldades de uma pessoa em aprender, sejacriança ou adulta, vão muito além de diagnósticos simplistas.Não há como um profissional considerar, por exemplo, umproblema da fala, dissociado das questões biológicas,emocionais, sociais, cognitivas e as implicações queacarretam na vida social, familiar, escolar e pessoal.

Atualmente, os horizontes da Psicopedagogia têm seampliado. Não intervem apenas clinicamente junto a criançascom dificuldades na aprendizagem, mas, pensa a escola eseus profissionais como um organismo dinâmico e integrado,

7MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar opensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 15, nota de rodapé 3.

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diagnosticando e intervindo em instituições de ensino,hospitais, comunidades, ou seja, em qualquer lugar onde oprocesso ensino-aprendizagem esteja ocorrendo. Alémdisso, a Psicopedagogia pensa a si mesma e seus métodos,na busca da construção de seu próprio conhecimento.

A Declaração de Veneza, acerca dos novos desafiosà ciência deste terceiro milênio, em seu ponto 5, considera:

Os desafios de nossa época: o desafio daautodestruição de nossa espécie, o desafio dainformática, o desafio da genética, etc., mostram deuma maneira nova a responsabilidade social doscientistas no que diz respeito à iniciativa e àaplicação da pesquisa. Se os cientistas não podemdecidir sobre a aplicação da pesquisa, se não podemdecidir sobre a aplicação de suas própriasdescobertas, eles não devem assistir passivamenteà aplicação cega destas descobertas. Em nossaopinião, a amplidão dos desafios contemporâneosexige, por um lado, a informação rigorosa epermanente da opinião pública e, por outro lado, acriação de organismos de orientação e até dedecisão de natureza pluri e transdisciplinar.8

8 Declaração de Veneza. Comunicado final do Colóquio “A Ciênciadiante das Fronteiras do Conhecimento”, 5. Disp. Em<www.cedebrasileiradetransdiciplinaridade.net>. Acesso em 16.07.2010.

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Concordo com o conceito de psicopedagogia contidono Código de Ética quanto ao campo de atuação - Saúde eEducação. Embora o psicopedagogo, obviamente, nãoprescreva medicamentos, nem tampouco realizeintervenções cirúrgicas (atos médicos por excelência), asatividades da psicopedagogia estão situadas também dentrodo campo da Saúde.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) conceituasaúde no âmbito não apenas do bem-estar físico e mental,mas na “medida em que um indivíduo ou grupo é capaz, porum lado, de realizar aspirações e satisfazer necessidadese, por outro, de lidar com o meio ambiente. A saúde é,portanto, vista como um recurso para a vida diária, não oobjetivo dela; abranger os recursos sociais e pessoais, bemcomo as capacidades físicas, é um conceito positivo.9

Dessa forma, saúde e educação estão entretecidas,são codependentes. O objetivo da educação também érealizar aspirações e satisfazer necessidades dentro de umcontexto de integração e interdependência com o meioambiente, levando em consideração aspectos sociais,culturais e as idiossincrasias dos indivíduos(ensinante?aprendente).

A psicopedagogia, nesse sentido, é ramo doconhecimento que se ocupa do processo ensino-aprendizagem em toda sua complexidade, considerados oensinante, o aprendente e o ambiente (físico-sócio-cultural)

9 OMS. Escritório Regional Europeu. Disp. em <www.wikipedia.org/wiki/SAÚDE> Acesso em 16.07.2010.

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como organismos em interação e interdependência. Oprocesso ensino-aprendizagem é poroso, porquantooportuniza trocas entre os seres e seus saberes, nãocoisificando os envolvidos, mas buscando a verdade decada ser, de seu grupo, de sua história, com o intuito dasrealizações dos desejos pessoais e sociais, numa relaçãopensante, construtora e libertadora.

O fazer psicopedagógico tem caráter preventivo,clinico, terapêutico ou de treinamento, quer na escola –orientando professores, realizando diagnósticos eintervenções, facilitando o processo de ensino-aprendizagem, trabalhando questões de relações humanas;quer na empresa - treinamento de pessoal, melhorando asrelações interpessoais; quer na clínica – compreendendo asrelações que permeiam as dificuldades (anamnese),realizando diagnóstico, apresentando devolutiva; quer nohospital – ajudando no aprendizado da superação da dor,da angústia, do lidar com situações difíceis e até extremas(morte).

Penso a psicopedagogia, como ramo do conhecimentocom caráter transdisciplinar. Os conhecimentos eprofissionais envolvidos no atendimento psicopedagógico,necessariamente, tem que estar em busca do sujeito em suatotalidade, na esteira das complexidades humanas.

Acerca das complexidades e interações sobre as quaisvenho discorrendo, Pascal, há três séculos, dizia:

Uma vez que todas as coisas são causadas ecausadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas eimediatas, e todas estão presas por um elo naturale imperceptível, que liga as mais distantes e as mais

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diferentes, considero impossível conhecer as partessem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todosem conhecer, particularmente, as partes.10

2 Síndrome da Alienação Parental

“O amor é o domínio das ações que constituemo outro como um legítimo outro na convivência.”

Maturana

Primeiramente, preciso distinguir o termo alienaçãoparental de síndrome da alienação parental.

O verbete alienar (do latim alienare) apresenta diversossignificados, o que me interessa é: desviar, afastar.

A alienação parental é o afastamento de um dosgenitores do convívio com o filho. A alienação, do ponto devista do alienado, pode acontecer por motivos:

a) involuntários (morte; casos de doenças mentais emque o doente fica perdido ou internado sem contato com ofilho; genitor viciado em drogas quando acaba por fazer dasruas sua casa);

b) voluntários (desordens psicológicas; abandono -geralmente quando o genitor constitui outra família em lugardistante ou desconhecido).

A forma de alienação ensejadora da síndrome daalienação parental é da ordem das alienações involuntárias,

10 PASCAL apud MORIN. A cabeça bem-feita: repensar a reforma,reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,12ª ed, 2006,p. 116.

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em relação ao alienado. O pai da criança, quase sempre, évítima da alienação levada a efeito principalmente, mas nãoexclusivamente, pela mãe.

Esse fenômeno acontece em ambiente de separaçãojudicial, divórcio ou dissolução da sociedade conjugal. Namaioria dos casos, a mãe fica como guardiã da criança e,por motivos variados, aos quais me reportarei adiante,impede a aproximação e o convívio entre pai e filho,causando, além do afastamento em si mesmo, oenvolvimento da criança no processo da alienação gerandonesta, um distúrbio infantil, denominado síndrome daalienação parental.

O psiquiatra infantil da Faculdade de Medicina eCirurgia de Columbia, em Nova Iorque, Richard A. Gardner,utilizou o termo pela primeira vez:

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é umdistúrbio da infância que aparece quaseexclusivamente no contexto de disputas de custódiade crianças. Sua manifestação preliminar é acampanha denegritória contra um dos genitores, umacampanha feita pela própria criança e que não tenhanenhuma justificação. Resulta da combinação dasinstruções de um genitor (o que faz a “lavagemcerebral, programação, doutrinação”) e contribuiçõesda própria criança para caluniar o genitor-alvo.Quando o abuso e/ou a negligência parentaisverdadeiros estão presentes, a animosidade dacriança pode ser justificada, e assim a explicação

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de Síndrome de Alienação Parental para ahostilidade da criança não é aplicável. 11

Para obtenção de seu intento, segundo Podevyn, osprincipais comportamentos engendrados pelo alienador, sãoos seguintes:

a) recusar ou dificultar passar as chamadastelefônicas aos filhos;b) organizar várias atividades com os filhos duranteo período em que o outro genitor deve normalmenteexercer o direito de visitas;c) apresentar o novo cônjuge aos filhos como suanova mãe ou seu novo pai;d) interceptar as cartas e os pacotes mandados aosfilhos;e) desvalorizar e insultar ao outro genitor na presençados filhos;f) recusar informações sobre as atividades em queos filhos estão envolvidos (esportes, atividadesescolares, grupos teatrais, escotismo, etc.);g) falar de maneira descortês do novo cônjuge dooutro genitor;h) impedir o outro genitor de exercer seu direito devisita;

11 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para odiagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. RitaRafaeli. Disp. em < www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap>.Acesso em 16.07.2010

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i)”esquecer” de avisar o outro genitor decompromissos importantes (dentistas, médicos,psicólogos);j) envolver pessoas próximas (sua mãe, seu novocônjuge, etc.) na lavagem cerebral de seus filhos;k) tomar decisões importantes a respeito dos filhossem consultar o outro genitor (escolha da religião,escolha da escola, etc.);l) trocar (ou tentar trocar) seus nomes e sobrenomes;m) impedir o outro genitor de ter acesso àsinformações escolares e/ou médicas dos filhos;n) sair de férias sem os filhos e deixá-los com outraspessoas que não o outro genitor, ainda que esteesteja disponível e queira ocupar-se dos filhos;o) falar aos filhos que a roupa que o outro genitorcomprou é inadequada ou feia e proibi-los de usá-las;p) ameaçar punir os filhos se eles telefonarem,escreverem, ou se comunicarem com o outro genitorde qualquer maneira;q) culpar o outro genitor pelo mau comportamentodos filhos.12

A criança alienada, envolvida pelo alienador, imaturaemocionalmente para fazer um juízo de valor, e perceber queestá sendo manipulada por ele, sofrendo pela situação

12 PODEVYN apud TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídicapara Operadores do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004,pp. 160-161.

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conflituosa familiar, ouve diuturnamente o alienador denegrira imagem do alienado. Sofre ao ver-se dividida entre o amorque sente pelos pais, mas não tem consciência do abusoemocional do qual está sendo vítima e acaba por tomarpartido do alienador tornando-se partícipe ativo no processode alienação. A criança, nesse contexto, é, ao mesmo tempo,vítima e algoz.

Gardner13 apresenta um conjunto de sintomasmanifestos pela criança, total ou parcialmente, em níveis leve,moderado ou severo, a seguir descritos:

a) Participa de campanha denegritória contra o genitoralienado.

Aparentemente, a atitude do alienador é no sentido deproteger a criança, numa demonstração de amor, mas, narealidade, conscientemente ou não, utiliza-a comoinstrumento de vingança cruel e desumana. Por pior que omarido ou esposa sejam, será que merecem ser separadosde seu filho? O que pode garantir que um mau maridotambém é um mau pai, ou vice-versa? A criança, iludida comos bombardeios denegritórios dirigidos por um dos genitoresao outro, culpando-o de suas próprias frustrações, desilusõese mazelas, termina por tomar partido do alienador,participando ativamente no processo da alienação. Oalienador não poupa esforços a fim de obter êxito e sãoesforços contínuos, os quais, se não interrompidos acabampor afastar fisicamente pai e filho por muitos anos, ou até,por uma vida toda. Situações de crueldade ímpar sãocriadas, inclusive na simulação de crimes sexuais.

13 op. cit

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b) Racionalizações fracas, absurdas ou frívolasQuando perguntada sobre os motivos dos julgamentos

depreciativos dirigidos ao genitor alienado, apresentaracionalizações fracas, absurdas ou frívolas; reproduz o queouve do alienador. Não concebe analisar a questão em suaduplicidade, sua posição é sempre contrária ao alienado;denota falta de ambivalência. Acaba por reproduzir o queouviu e ouve do alienador.

c) Pensador independenteEmbora não sejam suas as ideias negativas contra o

alienado, as apresenta como se suas fossem. Apoia oalienador sempre, em detrimento do outro.

d) Ausência de culpa A participação da criança alienada não se resume

apenas em apoiar os atos do alienador, participaefetivamente no processo, mentindo, enganando, sem sentirculpa por seus atos, mesmo os cruéis ou que explorem ogenitor alienado. Simula, a pedido do alienador, doenças,eventos escolares, compromissos, como forma de frustrar aaproximação do alienado, mesmo nos dias de visitadeterminados judicialmente.

e) Falsas memóriasO alienador tem controle (poder) absoluto sobre a

criança. Dessa forma, mesmo atos nunca praticados contrao infante pelo alienado, são tidos como verdadeiros(implantação de falsas memórias), inclusive de abuso sexual.A mentira, se torna em verdade e, ouvir a criança em Juízo,nesse momento, num processo de guarda judicial, pode levaro magistrado a decidir de forma a corroborar a violência emcurso.

Destaco que apesar da delimitação clara dos

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sintomas apresentados pelas crianças portadoras dasíndrome da alienação parental e o diagnóstico de relativafacilidade, a SAP não se encontra, ainda, inscrita na CódigoInternacional de Doenças.

O processo de alienação parental não envolve apenaso núcleo familiar diretamente implicado, mas tambémamigos, parentes e vizinhos. A sociedade é envolvida(escola, comunidade). O alienador quer ter seus atoscorroborados por outras pessoas, pois assim, fortalece seusentimento de estar protegendo a criança e conseguefacilitar a concretização de seus ardis.

O que leva o alienador a praticar a alienação parental?A essa pergunta faço um arremedo de resposta, pois

muito há ainda por ser investigado.São muitos os motivos.No que tange à ordem emocional, o sofrimento

causado por uma relação familiar conflituosa; a impotênciadiante da ruptura da estrutura familiar; as relações dedependência, hierarquia e poder que especialmente a mulhersofreu durante o tempo do convívio marital (típico de relaçõesfamiliares doentias); o sentimento de abandono; de ciúmes;de desprestígio pessoal e social; de desprezo; de medo e aincapacidade de gerir o luto podem levar o alienador a nutrir,diante da não superação do sofrimento, da sua incapacidadede ver na crise uma oportunidade para descortinar novaspossibilidades, um sentimento consciente ou inconscientede vingança e, o consequente desencadeamento doprocesso de alienação parental. O alienador pode estar,ainda, reproduzindo uma situação vivenciada por ele mesmo.Os sentimentos mais significativos nutridos pelo alienadorem relação ao alienado são o ódio e a vingança.

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Há também motivos de ordem econômica. O alienadordetentor da guarda não permite a aproximação do genitoralienado, com receio de perder a “posse” da criança e,consequentemente, a pensão alimentícia. A guardacompartilhada é uma boa forma de evitar a alienação, sobeste aspecto.

A criança portadora da síndrome da alienação parentalpode chegar à fase adulta e só então perceber a suacondição e do alienado de vítimas do alienador e procurarajuda para a superação do problema. Porém, por mais queseja a pessoa alienada curada dos malefícios emocionaiscausados pela ausência do genitor alienado a si imposta,da ausência em si mesma, não há mais recuperação, poiso tempo não para e nem volta. Mesmo que consiga recuperaro relacionamento com o genitor alienado, aquele construtore rico relacionamento perdido durante a infância, jamaisvoltará.

Outro aspecto que quero abordar, dessa complexidadede coisas é o cuidado em não cairmos na cilada dos“modismos” e transformarmos a alienação parental em maisum deles. A tentativa da mãe em proteger a criança de paiviolento, despreparado para o exercício da paternidadepode ser legítima e não são poucos os casos de pais queviolentam as próprias filhas sexualmente ou abandonam afamília a sua própria sorte.

As consequências que a síndrome da alienaçãoparental pode causar estão longe ainda de ser esclarecidas.

Como se comporta uma criança que sofre da síndromequanto às suas relações sociais?

Pode a síndrome da alienação parental interferir noprocesso ensino-aprendizagem?

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Como um portador da síndrome lida com a verdade?Pode a síndrome da alienação parental interferir na

percepção que a criança tem de si mesma e nos seus sonhosinfantis?

Quais as consequências, na vida do adulto portadorda síndrome da alienação parental quanto à complexidadede suas relações (emocionais, sociais)?

O magistrado sozinho pode perceber e prevenir casosde síndrome de alienação parental? Que medidas adotaria?A substituição da guarda? Em que fase da doença essadecisão poderia ser acertada?

Penso que as questões humanas não podem, porabsoluta impossibilidade, ser vistas com reducionismos ousoluções simplistas.

Os problemas humanos são tão complexos quanto sãoos homens.

As respostas, penso, não estão na produção de maise mais leis. Há leis em profusão em nosso país. AConstituição Federal, com seus princípios e garantias, ésuficientemente boa para a resolução jurídica dos problemasinterpessoais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul jáprofere decisões em pedidos de guarda judicial nas quais asíndrome da alienação parental é considerada e dá subsídiosao julgador. O que nos falta, na Educação, na Justiça, naSaúde, na Segurança e outros sistemas e instituições épercebermos a sociedade como um organismo vivo,interativo, não como algo que possa ser fatiado, retalhado.A percepção significativa de um ser, importa,necessariamente, na percepção do todo.

Creio que o entretecer dos conhecimentos, numaperspectiva transdisciplinar e organicista, no sentido de que

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há uma teia conexa e interativa de seres envolvidos na vidado universo e do homem é um caminho difícil, pelosparadigmas a serem rompidos, mas seguro, em direção aoconhecimento não-linear, mas abrangente de quem é ohomem (ainda um ilustre desconhecido, em pleno terceiromilênio) e do seu papel glocal e suas responsabilidadesconsigo mesmo e com o outro, gerador de práticaspreventivas ou de soluções humanizadoras para os conflitose paradoxos humanos.

3 Proposta de aplicação da Mediação Familiar e EscolarPsicopedagógica no Poder Judiciário do Estado doCeará

“Conhece-te a ti mesmo.”Sócrates

Lília Sales assim conceitua mediação: “é umprocedimento consensual de solução de conflitos por meiodo qual uma terceira pessoa imparcial – escolhida ou aceitapelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar aresolução de uma divergência.”14

O que se busca na mediação não é um simples acordo,mas uma compreensão mais profunda das causas dosproblemas, fazendo, o mediador, a ponte entre as pessoasenvolvidas, o problema real e a solução do conflito. Omediador propicia o ambiente adequado para a resolução

14 SALES, Lília Maia de Morais Sales. Mediação de conflitos: família,escola e comunidade. Florianópolis: Conceito Editorial. 2007, p. 23.

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dos conflitos porém, a solução está nos próprios envolvidos.A solução não lhes é imposta, mas alcançada por elesmesmos. É uma ocasião ímpar na busca da verdade do quese quer.

O mediador funciona como um canal de comunicaçãoentre as pessoas em conflito, vez que em situação derelacionamentos conflituosos, as pessoas não conseguemouvir-se mutuamente.

No ambiente da mediação vínculos afetivos são criadosentre o mediador e os envolvidos no conflito. A polidez eatenção do mediador, sua disposição em escutar eoportunizar aos envolvidos a escuta entre si, geram oestabelecimento de uma relação de confiança.

A clássica pergunta utilizada por muitos “conciliadores”,assim que as partes entram para a audiência: “Tem acordo?”,não existe na mediação.

As pessoas são chamadas por seus nomes,consideradas e respeitadas, num ambiente em que têm aliberdade de se expressar diante de uma pessoa que ageeticamente, e que tem um interesse comum com osenvolvidos: a solução real do conflito.

A solução do conflito é uma construção entre osenvolvidos, se não for encontrada na primeira sessão, outraserá marcada. Não há pressa, há o desejo de pacificaçãoduradoura.

Técnicas são aplicadas para que a mediação alcanceseus objetivos.

O mediador dá suporte às partes, no sentido de quemostra sua compreensão com a situação conflituosa vivida,mas aponta sempre para a obtenção de um acordo justo emenos desgastante emocionalmente possível. Tem o

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controle do processo, interrompendo a fala das partes,quando necessário, para o reestabelecimento de climafavorável, de escuta, de troca construtiva, e não deagressões. Regride e avança, sempre que necessário, dásugestões, quando solicitado, a fim de encaminhar as partesà autocomposição da lide.

O agir na mediação é diametralmente oposto àaplicação da lei ao caso concreto. O mediador ouveativamente as partes com imparcialidade e receptividade,com sensibilidade necessária para interromper, regredir eavançar na hora certa em direção à autocomposição dacontenda. Desprovido de preconceitos, o mediador estáfocado em adequar a sua abordagem como forma deestimular as partes a terem uma nova compreensão doproblema, evidenciando que ambas têm um interessecomum: a resolução do conflito.

Os envolvidos na lide querem ter reconhecidos evalidados seus sentimentos. Muitas vezes, só querem serescutados e compreendidos e não julgados como culpadospelo fracasso na relação geradora do conflito. Oreconhecimento e validação de sentimentos alivia osentimento de culpa e abre caminho para a solução doconflito.

O silêncio também é empregado pelo mediador, comouma pausa estratégica na condução da mediação, que levaas partes a refletirem, mesmo que por pouco tempo, acercado reconhecimento de um erro, ou de um determinadocomportamento. O silêncio também é importante para queas partes tenham a chance de reformular seus pensamentosem direção ao fim do litígio.

O mediador, em resumo, mostra às partes que a

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solução está nelas mesmas e as conduz à autocomposição.Creio ser este o melhor meio de alcançar a família em

desarmonia e conduzi-la à pacificação.Há um paradoxo nos conflitos familiares. Eles se

referem ao que de mais íntimo há nas relaçõesinterpessoais: a família. A preservação da intimidade dapessoa passa, necessariamente, pela preservação daintimidade do lar. Porém, aí o paradoxo, os reflexos dosproblemas familiares vão muito além das paredes da casa.Perpassam a comunidade, a escola, a igreja e todos osgrupos sociais aos quais aquela família pertença.

Os problemas familiares são complexos tanto quantoé complexa a vida e a solução para os mesmos não temapenas uma face.

Quero aqui tecer uma linha de raciocínio, na tentativade explicar porque a psicopedagogia pode em muitocontribuir para a mediação das demandas familiares noâmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará e naidentificação e prevenção de casos de síndrome dealienação parental.

A psicopedagogia, campo de atuação em Saúde eEducação, ocupa-se da aprendizagem humana, tanto emseus padrões normais quanto patológicos, considerando aintegração e relações do aprendente com a família, escolae sociedade. A atuação psicopedagógica (preventiva,diagnóstica e intervencionista) considera o aprendente emsua totalidade, sob o aspecto biológico, cognitivo, afetivo esocial; daí, seu caráter transdisciplinar. Sua área de atuaçãonão se restringe à escola, mas também à família, àcomunidade, a hospitais, a empresas, a casas deacolhimento, entre outros, já que não há como dissociar a

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vida humana da aprendizagem - ainda no útero de nossasmães, inicia-se o processo de aprendizagem.

A escuta psicopedagógica quer ouvir o que está alémdas palavras. A linguagem corporal do aprendente éobservada, suas relações com a família, seu desempenhoescolar e social, suas inteligências, seus comportamentose desejos.

O psicopedagogo é em profissional importante naprevenção de casos de síndrome de alienação parental, pelapostura de considerar o ser em sua inteireza e complexidade.

Nos anos 1970, quando iniciaram-se no Brasilmovimentos de composição dos conflitos por terceiros, atentativa era de promover a resolução dos litígios fora doPoder Judiciário já que o acesso a este era muito difícil eoneroso para as partes.

Hoje, no Estado do Ceará, não há mais grandesdificuldades de acesso ao Poder Judiciário, por várias açõesque foram implementadas, aumento constantes de Varas,criação de Comarcas, entre outras. Entre as mais elogiosasestá a reestruturação da Defensoria Pública, que aindacarece de aumento de número de defensores públicos, mas,de fato é a Defensoria a grande porta de acesso ao PoderJudiciário, principalmente no que concerne às disputasfamiliares.

A problemática atual, não é mais de acesso ao PoderJudiciário, mas de acesso à Justiça. A solução apresentadapelo Poder Judiciário aos conflitos é tão morosa que muitosdos conflitos se resolvem por si mesmos e os processosacabam por ser abandonados pelas partes, o que gera umsentimento geral de impotência e frustração.

A virtualização dos processos em curso no Ceará

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certamente agilizará os procedimentos. O cumprimento dasmetas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quanto aojulgamento de processos mais antigos, também é uma boamedida. Porém, estas medidas podem garantir, a princípio,a resolução da lide processual, mas não, necessariamente,da lide sociológica, principalmente no que tange aosprocessos de família.

A família em crise necessita de mais do que um acordo,requer atenção, precisa de ser ouvida, de ser cuidada. Enão há como separar o que é inseparável, ou seja, família,escola e sociedade.

O cuidado devido aos conflitos familiares podetransformar, em seu âmbito de atuação, a justiça morosaem amorosa, transformar o acesso ao Judiciário em acessoà Justiça.

Não há nos comentários anteriores qualquer laivo decrítica aos dedicados magistrados das varas de família. Aperspectiva é outra. É a certeza de que os conhecimentossão entretecidos, os fazeres e as inteligências são múltiplase ao magistrado não se pode mais determinar que trabalhecom assessoria apenas no que se refere ao direito e àsleis. O magistrado também almeja julgar melhor, com maiscalma, de forma mais integrada e construtora da paz quetodos almejamos.

Eis a proposta, em linhas gerais, para mediaçãofamiliar e escolar no Poder Judiciário do Estado do Ceará aqual, não poderia deixar de ser transdisciplinar:

a) formação de uma equipe transdisciplinar demediação familiar e escolar para cada vara de família nascomarcas de entrância final;

b) formação de uma equipe transdisciplinar de

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mediação familiar e escolar para cada comarca de entrânciainicial e intermediária;

c) composição da equipe transdisciplinar: doispsicopedagogos, dois psicólogos e dois assistentes sociais,todos concursados e capacitados para o desempenho dasfunções de mediador familiar, com ênfase nosconhecimentos necessários à prevenção e identificação decasos de síndrome da alienação parental no âmbito judiciale escolar;

d) realização de contrato de parceria comuniversidades interessadas na realização de pesquisasacerca da síndrome da alienação parental, levando-se emconsideração a dificuldade em detectá-la fora do âmbitojudicial, bem como interessadas no tratamento de casosencaminhados pela equipe transdisciplinar ou pelosmagistrados.

O trabalho de mediação da equipe começará assimque o feito por distribuído; se obtida a resolução da lidesociológica, ao juiz caberá, se observados os critérios legaise o melhor interesse de criança ou adolescente, ahomologação do acordo.

Se a equipe não for exitosa na resolução da lide ouobservar a existência de riscos à criança ou adolescente,ou à mulher, ou a qualquer outro membro da família,preparará relatório circunstanciado e os autos subirão aomagistrado.

A equipe transdisciplinar deverá observar odesenvolvimento da socialização e da aprendizagem dascrianças e adolescentes envolvidos nos conflitos.

A equipe transdisciplinar deverá elaborar estatísticaqualitativa de suas atividades, a cada trimestre, tempo

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razoável para a obtenção de resultados significativos.Óbvio é que a implantação desta proposta importa em

custos elevados com pessoal, equipamentos (materiais paratestes e intervenções psicológicas e psicopedagógicos) eparte física adequada. As sessões de mediação, bem comoo atendimento às crianças e adolescentes envolvidos nãopoderão acontecer em ambiente hostil. Porém, penso quevale a pena investir nas crianças, nos adolescentes, nasmulheres e nos homens para uma vida plena.

Tudo deve concorrer para o encaminhamento da paz.

4 Considerações finais

Todo desenvolvimento verdadeiramente humanosignifica o desenvolvimento conjunto das autonomiasindividuais, das participações comunitárias e dosentimento de pertencer à espécie humana.

Edgar Morin

Não é comum nos trabalhos de cunho científico sejamartigos, monografias, dissertações, teses ou livros que seusautores escrevam em primeira pessoa do singular.

Em nota de fim apresento minhas explicações. Teriacerceada minha escritura, se por ela não passasse minhaemoção. Escrever é mostrar-se, relacionar-se consigomesmo, com o objeto da escritura e com o seu leitor, sejaele um cientista ou um amante de poesias.

Meu intuito, embora incipiente, ao final do Curso deEspecialização em Psicopedagogia da UniversidadeEstadual Vale do Acaraú (UVA), é, na primeira parte desteartigo, repensar o conceito de psicopedagogia, no que tange

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ao seu caráter transdisciplinar e ressaltar a importânciadessa transdisciplinaridade para o homem do terceiromilênio.

A alienação parental há de ser considerada pelosmagistrados das varas de família, já que se manifesta emambiente de separação, divórcio ou dissolução desociedade conjugal e pode desencadear a síndrome daalienação parental, sobre a qual trato na segunda parte.

A proposta que apresento ao Poder Judiciáriocearense, na terceira parte deste artigo, é da implantação,junto às varas de família, de equipe transdisciplinar demediação familiar, a qual além de buscar, através dastécnicas de mediação levar a família em conflito àautocomposição do litígio, exerça função importante naprevenção, identificação e encaminhamento para tratamentode casos de síndrome de alienação parental, num trabalhoconjunto com o magistrado, a universidade e a escola.

O homem anda em busca de si mesmo, depois que aciência o separou, dividiu, retalhou e fragmentou. Nesseparadigma fragmentário de destruição do homem e danatureza, está a oportunidade da reconstruçãocaleidoscópica do ser. Em ambiente de reconstrução sesitua a psicopedagogia, pois vê o aprendente sob seusdiversos ângulos (biológico, cognitivo, afetivo,familiar esocial) e penso ser o caminho também para uma ciência – epara um homem – melhor.

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1 Artigo conclusivo do Curso de Especialização em Psicopedagogia, daUniversidade Estadual Vale do Acaraú.2 A opção por redigir o artigo em primeira pessoa deu-se em razão deminhas convicções de que os paradigmas cartesiano e cientificista quepor séculos determinaram o fazer científico devem ser rompidos e,principalmente por que a impessoalidade comumente empregada emtextos de cunho científico não se adequam à emoção que há nas práticashumanas e na pesquisa etnográfica e fenomenológica.3 Vejo o ser humano como um caleidoscópio, no sentido de que somosúnicos em nós mesmos, porém com fragmentos móveis de vidro colorido,os quais, ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares,produzem um número infinito de combinações de cores e reflexos sobreos outros, sobre nós mesmos e sobre a natureza.4 Orientador: MS Flávio José Moreira Gonçalves.

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