a invencao do nordeste (intro e conclusao)- durval
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~ - ; I ' I ~ I I ' : I ~ S T U D O S E PESQUISAS, 104
Durval Muniz de Albuquerque Jr.N'IO cnconlrando este livro nas livrarias, favor dirigir-se a:
hillora Massangana
RU<lS Dois Irrnaos, 15 - Apipucos
')2071-449 - Recife - Pernambuco - Brasi l
TL'1cfone (081) 441-5900, rarnais 240, 241 e 242
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DO NORDESTE. ~ Foi feito 0 deposito legal
e outras artes'I 1'1 ,,,p3 ~ ~ > C 4
Albuquerque Junior, Durval Muniz de
A invenc;ao do Nordeste e outras artes 1 Durval Muniz de
Albuquerque JCmior; prefacio de Margarcth Rago. Recife: FJN,
Ed. Massangana; Sao Paulo: Cortez, 1999.
340p.il. (Estudos e pesquisas, 104)
lnclui bibliografia
ISBN 85-7019-323-8 Massangana
ISBN 85-249.0705-3 Corlez
I. IIISTOR1A SOCIAL-BRASIL, NORDESTE. I. Titulo IT. Scrie
( ' I ) { I 308(091)(812/814)
O· Prefacio de, '-
Margareth Rago&¥J'
Recife
Funda<;ao Joaquim Nabuco
Editora Massangana
Sao Paulo
Cortez Editora
~ ' " : ' C I / J 1 ', . . } ~ .. , , ~ - - . . ~ ~ , ~ / ~ -
1999
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Sumario
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Prefacio: Sonhos de Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Introdw;ao 19
I. GEOGRAFIA EM RUINAS 39
() olhar regionalista 40
() novo regionalismo 471\ literatura regionalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 51
Norte versus Sui . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 57
1/. ESPA<;:OS DA SAUDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
1'llIcdos da tradi<;ao 65
1\ inven<;ao do Nordeste 68
1';'lginas de Nordeste 106
l'inceladas de Nordeste 145
1\ Il1lisica do Nordeste 151
(\'nas de Nordeste 164
III. TERRITORIOS DA REVOLTA 183
1\ inversao do Nordeste 183
() s argumentos da indigna<;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 207
()lIadros de miseria e dol' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 242
lillagcns que cortam e perfuram 251
NI)VOS pianos do olhar 263
( 'one lusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 305
l\ihliogral'ia 319
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I n t r o d u ~ a o "Pelos mundos nossa lenda. Mesmo que nunea se
aprenda. Eu te ensino a faze renda. Que mais posso
te ensinar. Eu que nao porto outra prenda. Que s6 seidar vida a trama vii."
Tenda (Caetano Yeloso).
Liguemos a televisao. Urn "careca do ABC", de aproximada
mente 1,65m de altura, olha fixo para a camera e dispara: "Voce
ji l viu urn nordestino com 1,80m de altura e inteligente?". 0 que
l.'le se considerava, obviamente. Mudemos de canal. Em cidade
nordestina, a pretexto de cobrir as festas juninas, dois humoristas
procuram insistentemente por alguem que tivesse visto 0 cangaceiro
AntOnio Silvino; aproximam-se de urn velho e a queima-roupa
pcrguntam: "Antonio Silvino era cabra macho mesmo?". Continuemos
assistindo, pois e urn programa de humor. Na feira da cidade ressurge
Antonio Conselheiro, com urn aspecto enlouquecido, vocifera uma
prega<;ao desencontrada, vestido com urn roupao branco e trazendo
lim enorme bordao de madeira, com que amea<;a as pessoas. Es
quecidos da cidade e da festa que vieram cobrir, procuram ceguinhasi l'antadoras de embolada e uma procissao em louvor a Santo Antonio.
Tcrmina 0 programa com Lampiao e Maria Bonita, no Rio de
Janeiro, atirando para todo lado, para acabar com a imoralidade na
praia e porque e born ver gente cair. Mudemos outra vez de canal.
A novela das oito horas e mais uma vez sobre 0 "Nordeste", pois
I{, estao presentes 0 coronel, muitos tiros e tocaias, 0 padre, a
l'idadezinha do interior e todos os personagens falam "nordestino",
lima lIngua formada por urn sotaque posti<;o e acentuado e um
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conjunto de expressoes pouco usuais, safdas do portugues arcaico,
de uma determinada linguagem local ou de dicionarios de expressoes
folcloricas, de preferencia. Mudemos de canal, aprocura do noticiario.
Esta havendo seca no Nordeste. Que born, temos a terra gretada
para mostrar, a caatinga seca com seus espinhos e c r i a n ~ a s brincando
com ossinhos, como se fossem bois, chorando de fome, da ate para
o reporter chorar tambem e quem sabe promover mais uma campanha
eletr6nica de solidariedade. E, parece que a nossa escritora, defensorai!, da "nordestinidad", Rachel de Queiroz, tern razao: a mfdia tern 0
"
i olho torto quando se trata de mostrar 0 "Nordeste", pois eles so
querem miseria. Mas sera que nossa escritora tern mesmo razao?l
o que podemos encontrar de comum entre todos os discursos, vozes e imagens que acabamos de arrolar, e a estrategia da este
r e o t i p i z a ~ a o . 0 discurso da estereotipia e urn discurso assertivo,
repetitivo, e uma fala arrogante, uma linguagem que leva aestabilidade
I acrftica, e fruto de uma voz segura e auto-suficiente que se arroga
o direito de dizer 0 que e 0 outro em poucas palavras. 0 estereotipo
nasce de uma c a r a c t e r i z a ~ a o grosseira e indiscriminada do grupo
estranho, em que as multiplicidades e as d i f e r e n ~ a s individuais sao
apagadas,em
nome des e m e l h a n ~ a s
superficiais do grupO.2Podemos, entao, concordar com nossa escritora quando afirma
ill!que a mfdia nao ve 0 Nordeste como ele e? Nao, porque is so seria
pleitear a existencia de uma verdade para 0 Nordeste, que nao existe.
E esquecer que 0 estereotipo nao e apenas urn olhar ou uma fala
torta, mentirosa. 0 estereot ipo e urn olhar e uma fala produtiva, eleIII tern uma dimensao conCl'eta, pOl'que, alem de lanc;ar mao de materias
e formas de expressao do sublunar, ele se materializa ao ser
subjetivado por quem e estereotipado, ao criar uma realidade para
o que toma como objeto. Nao podemos cair, como faz nossa escritora,I no discurso da d i s c r i m i n a ~ a o do Nordeste e dos nordestinos. 0 que
este livro interroga nao e apenas por que 0 Nordeste e 0 nordestino
" sao discriminados, marginalizados e estereotipados pela p r o d u ~ a o cultural do pals e pelos habitantes de outras areas, mas ele investiga
por que ha quase noventa anos dizemos que somos discriminados
com tanta seriedade e i n d i g n a ~ a o . Par que dizemos com e x a l t a ~ a o e rancor que somos esquecidos, que somos menosprezados e vftimas
da historia do pafs? Que mecanismos de poder e saber nos incitam
a colocarmo-nos sempre no lugar de vftimas, de colonizados, de
miseraveis ffsica e espiritualmente? Como, por meio de nossas
praticas discursivas, reproduzimos urn dispositivo de poder que nos
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reserva 0 lugar de pedintes lamurientos, produzimos e reproduzimos
urn saber em que sentimos prazer de dizer e mostrar que somos
pobres coitados? Que masoquismo e esse que faz nos orgulharmos
dessa d i s c r i m i n a ~ a o , que faz aceitarmos felizes 0 lugar de derrotados,
de vencidos? E, principalmente, 0 que leva uma classe dominante
a se deleitar em afirmar sua impotencia e se assumir como subordinada
e dependente?
o Nordeste e0
nordestino miseravel, seja na midia ou foradela, nao sao produto de urn desvio de olhar ou fala, de urn desvio
no funcionamento do sistema de poder, mas inerentes a este sistema
de f o r ~ a s e dele constitutivo. 0 proprio Nordeste e os nordestinos
sao i n v e n ~ o e s destas determinadas r e l a ~ o e s de poder e do saber a
elas correspondente. Nao se combate a d i s c r i m i n a ~ a o simplesmente
tentando inverter de d i r e ~ a o 0 discurso discriminatorio. Nao e pro
curando mostrar quem mente e quem diz a verdade, pois se passa
a formular urn discurso que parte da premissa de que 0 discriminado
tern uma verdade a ser revelada. Assumir a "nordestinidad", como
quer Rachel, e pedir aos sulistas que revejam seu discurso sobre 0
nordestino, porque ele e errado, por ter nascido de urn desconhecimento
do nordestino verdadeiro, vai apenas ler 0 discurso da d i s c r i m i n a ~ a o com 0 sinal trocado, mas a ele permanecer preso. Tentar superar
este discurso, estes estereotipos imageticos e discursivos acerca do
Nordeste, passa pela procura das r e l a ~ o e s de poder e de saber que
produziram estas imagens e estes enunciados cliches, que inventaram
este Nordeste e estes nordestinos. Pois tanto 0 discriminado como
o discriminador sao produtos de efeitos de verdade, emersos de uma
luta e mostram os rastros dela. 3
Nos, os nordestinos, costumamos nos colocar como os cons
lantemente derrotados, como 0 outro lado do poder do SuI, que nos
oprime, discrimina e explora. Ora, nao existe esta exterioridade as
r e l a ~ i 5 e s de poder que circulam no pafs, porque nos tambem estamos
no poder, por isso devemos suspeitar que somos agentes de nossapropria d i s c r i m i n a ~ a o , opressao ou e x p l o r a ~ a o . Elas nao sao impostas
de fora, elas passam por nos. Longe de sermos seu outro lado,
ponto de barragem, somos ponto de apoio, de t1exao. A resistencia
que podemos exercer e dcntro dcsta propria rede de poder, nao fora
dLla, com seu desabamento completo. 0 que podemos provocar sao
deslocamentos do poder que nos impoem urn determinado lugar,
que reserva para nos urn certo e s p a ~ o , que foi estabelecido histori
('amente, portanto, em movimento. Ate que ponto a melhor forma
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de provocar urn deslocamento nesse dispositivo e nesse saber enos
postarmos como 0 outro do poder, assumir a posi<;ao de sujeito
vencido e discriminado? Nao seria melhor se negar a ocupar este
lugar?4
Mas a grande questao e: existe realmente este nos, esta identidade
nordestina? Existe realmente esta nossa verdade, que os estereotipos
do cabe<;a-chata, do baiano, do parafba, do nordestino, buscam
traduzir? 0 Nordeste existe como essa unidade e essa homogeneidade
imagetica e discursiva propalada pela mfdia, e que incomoda a quem
mora na propria regiao? Se existe, desde quando? 0 que faremos
neste texto e a hist6ria da emergencia de urn objeto de saber e de
urn espar;o de poder: a regiiio Nordeste. Buscaremos estudar a
forma<;ao historica de urn preconceito, e isto nao significa previamente
nenhum sentido pejorativo. 0 que queremos estudar e como se
formulou urn arquivo de imagens e enunciados, urn estoque de
"verdades", uma visibilidade e uma dizibilidade do Nordeste, que
direcionam comportamentos e atitudes em rela<;ao ao nordestino e
dirigem, inclusive, 0 olhar e a fala da mfdia. Como a propria ideia
de Nordeste e nordestino impoe uma dada forma de abordagem
imagetica e discursiva, para falar e mostrar a "verdadeira" regiao.5
Trata-se de pensar como a regiao se tornou uma problematica,
que pniticas discursivas e nao-discursivas fizeram esta questao emergir
e a constitufram como objeto para 0 pensamento. Como emergiram
estas questoes prementes as quais se devia dar uma resposta: 0 que
e a regiao? Qual sua identidade? 0 que particulariza e individualiza
o Nordeste? Esse livro pretende levantar as condi<;oes historicas de
possibilidade dos varios discursos e praticas que deram origem ao
recorte espacial Nordeste. Longe de considerar esta regiao como
inscrita na natureza, definida geograficamente ou regionalizada "pelo
desenvolvimento do capitalismo, com a regionaliza<;ao das rela<;oes
de produ<;ao", que e outra forma de naturaliza<;ao, ele busca pensar
o Nordeste como uma identidade espacial, construfdaem
urn precisomomenta historico, final da primeira decada deste seculo e na
segunda decada, como produto do entrecruzamento de pniticas e
discursos "regionalistas". Esta formula<;ao, Nordeste, dar-se-a a partir
do agrupamento conceitual de uma serie de experiencias, erigidas
como caracterizadoras deste espa<;o e de uma identidade regional.
Essas experiencias historicas serao agrupadas, fundadas num discurso
teorico que pretende ser 0 conhecimento da regiao em sua essencia,
em seus tra<;os definidores, e que articula uma dispersao de expe
riencias cotidianas, sejam dos vencedores, sejam dos vencidos, com
fragmentos de mem6rias de situa<;oes passadas, que sao tomadas
como prenunciadoras do momenta que se vive, de "apice da consciencia regional".6
o nosso objetivo e entender alguns caminhos pOI' meio dos
quais se produziu, no ambito da cultura brasileira, 0 Nordeste. 0
nexo de conhecimento e poder que cria 0 nordestino e, ao mesmo
tempo, 0 oblitera como ser humano. 0 Nordeste nao e recortado
so como unidade economica, polftica ou geografica, mas, primor
dial mente, como urn campo de estudos e produ<;ao cultural, baseado
numa pseudo-unidade cultural, geografica e etnica. 0 Nordeste nasce
onde se encontram poder e linguagem, onde se da a produ<;ao
imagetica e textual da espacializa<;ao das rela<;oes de poder. Enten
damos pOI' espacialidade as percep<;oes espaciais que habitam 0
campo da linguagem e se relacionam diretamente com urn campo
de for<;as que as institui. Neste trabalho, 0 geografico, 0 linglifstico
e 0 historico se encontram, porque buscamos analisar as diversas
linguagens que, ao longo de urn dado processo historico, construfram
uma geografia, uma distribui<;30 espacial dos sentidos. E preciso,
para isso, rompermos com as transparencias dos espa<;os e das
linguagens, pensarmos as espacialidades como acumulo de camadas
discursivas e de pr<iticas sociais, trabalharmos nessa regiao em que
linguagem (discurso) e espa<;o (objeto historico) se cncontram, em
que a historia destroi as determina<;oes naturais, em que 0 tempo
da ao espa<;o sua maleabilidade, sua variabilidade, seu valor explicativo
e, mais ainda, seu calor e efeitos de verdade humanos.7
Nao podemos esquecer que dis-cursus e, originalmente, a a<;ao
de correr para todo lado, sao idas e vindas, demarches, intrigas e
que os espa<;os sao areas reticulares, tramas, retramas, redes, desredes
de imagens e falas tecidas nas rela<;oes sociais. As diversas formas
de linguagem, consideradas neste trabalho, como a literatura, 0
cinema, a music a, a pintura, 0 teatro, a prodw;ao academica, 0 sao
como a<;oes, praticas insepaniveis de uma institui<;ao. Estas linguagens
nao apenas representam 0 real, mas instituem reais. Os discursos
nao se enunciam, a partir de urn espa<;o objetivamente determinado
do exterior, sao eles proprios que inscrevem seus espa<;os, que os
produzem e os p ressupoem para se legitimarem. 0 discurso regionaJista
nao e emitido, a partir de uma regiao objetivamente exterior a si,
c na sua propria 10cu<;3.0 que esta regiao e encenada, produzida e
pressuposta. Ela e parte da topografia do discurso, de sua institui<;3.o.
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Todo discurso precisa medir e demarcar urn e s p a ~ o de onde se
enuncia. Antes de inventar 0 regionalismo, as regi6es sao produtos
deste discurso. Este trabalho tematiza, pois, 0 estabelecimento de
uma nova forma de dizer ever 0 regional, que abre caminho para
novas formas de sentir e de conhecer. Estas novas formas de ver
e dizer estao relacionadas, pOitanto, com outras series de priiticas,
desde as econ6micas, as sociais, as polfticas, ate as artfsticas, que
nao estabelecem entre si qualquer d e t e r m i n a ~ a o , apenas se conectam,
se afastam ou se aproximam, formando uma teia de pniticas discursivasou nao-discursivas; r e l a ~ 6 e s de f o r ~ a e de sentido, que, seguindo
Foucault, chamaremos de dispositivo, para ressaltar seu cariiter es
trategico. 8
Quando falamos na emergencia de uma nova visibilidade e
dizibilidade, falamos da emergencia de novos conceitos, novos temas,
novos objetos, figuras, imagens, que permitem ver e falar de forma
diferenciada da forma como se via e dizia 0 sublunar, anteriormente.
Que permitem OIganiza-Io de uma nova forma, que colocam novos
problemas, que, pOI sua vez, ilurninam este sublunar com novos
focos de luz, que iluminam outras dimens6es da trama hist6rica, da
rede de r e l a ~ 6 e s que comp6em a trama do e s p a ~ o . Tanto na
visibilidade quanto na dizibilidade articulam-se 0 pensar 0 e s p a ~ o e
o produzir 0 e s p a ~ o , as priiticas discursivas e as nao-discursivas que
recortam e produzem as espacialidades e 0 diagrama de f o r ~ a s que
as cartografam. Definir a regiao e pensa-la como um grupo de
enunciados e imagens que se repetem, com certa regularidade, em
diferentes discursos, em diferentes epocas, com diferentes estilos e
nao pensa-la uma homogeneidade, uma identidade presente na
natureza. 0 Nordeste e tornado, neste texto, como i n v e n ~ a o , pela
r e p e t i ~ a o regular de determinados enunciados, que sao tidos como
definidores do cariiter da regiao e de seu povo, que falam de sua
verdade mais interior. Uma espacialidade, pois, que esta sujeita ao
movimento pendular de d e s t r u i ~ a o l c o n s t r u ~ a o , contrariando a imagem
de eternidade que sempre se associa ao e s p a ~ o . Nossa p r e o c u p a ~ a o com 0 poder nao implica, no entanto, uma analise do que esta
oculto sob os textos ou imagens, mas, ao contrario, do que elas
criam em sua exterioridade e da propria diferenp com que descrevem.
Nao tomamos os discursos como documentos de uma verdade sobre
a regiao, mas como monumentos de sua c o n s t r u ~ a o . Em vez de
buscar uma continuidade hist6rica para a identidade de nordestino
e para 0 recorte espacial Nordeste, este livro busca suspeitar destas
24
continuidades, pondo em questao as identidades e fronteiras fixas,
introduzindo a duvida sobre estes objetos hist6ricos canonizados.9
Em nenhum momento, as Jronteiras e territ6rios regionais
podem se situar llum plano a-hist6rico, porque sao criar;oes emi
nentemente hist6ricas e esta dimensao hist6rica e multiforme, de
pendendo de que perspectiva de espar;o se coloca em Joco, se
visualizado como espar;o ecollomico, politico, juridico ou cultural,
ou seja, 0 espar;o regional e produto de uma rede de relar;oes entre
agentes que se reproduzem e agem com dimensoes espaciais diferentes.
Alem disso, devemos tomar as r e l a ~ 6 e s espaciais como r e l a ~ 6 e s polfticas e os discursos sobre 0 e s p a ~ o como 0 discurso da polftica
dos e s p a ~ o s , resgatando para a polftica e para a hist6ria, 0 que nos
aparece como natural, como nossas fronteiras espaciais, nossas regi6es.
o e s p a ~ o nao preexiste a uma sociedade que 0 encarna. E atraves
das priiticas que estes recortes permanecem ou mudam de identidade,
que dao lugar a d i f e r e n ~ a ; e nelas que as totalidades se fracionam,
que as partes nao se mostram desde sempre comprometidas com 0
todo, sendo este todo uma i n v e n ~ a o a partir destes fragmentos, no
qual 0 heterogeneo e 0 descontfnuo aparecem como homogeneo e
contfnuo, em que 0 e s p a ~ o e urn quadro definido por algumaspinceladas.lO
A n o ~ a o de regiao, antes de remeter a geografia, remete a
uma n o ~ a o fiscal, administrativa, militar (vern de regere, comandar).
Longe de nos aproximar de uma di visao natural do e s p a ~ o ou mesmo
de urn recorte do e s p a ~ o econ6mico ou de p r o d u ~ a o , a regiao se
liga diretamente as r e l a ~ 6 e s de poder e sua e s p a c i a l i z a ~ a o ; ela remete
a uma vi sao estrategica do e s p a ~ o , ao seu esquadrinhamento, ao seu
recorte e a sua analise, que produz saber. Ela e uma n o ~ a o que
nos envia a urn e s p a ~ o sob domfnio, comandado. Ela remete, em
ill tima instfmcia, a regio (rei). Ela nos p6e diante de uma polftica
de saber, de urn recorte espacial das r e l a ~ 6 e s de poder. Pode-se
dizer que ela e urn ponto dec o n c e n t r a ~ a o
der e l a ~ 6 e s
que procuramt r a ~ a r uma linha divis6ria entre elas e 0 vasto campo do diagrama
de f o r ~ a s operantes num dado e s p a ~ o . Historicamente, as regi6es
podem ser pensadas como a emergencia de d i f e r e n ~ a s internas a
n a ~ a o , no tocante ao exercfcio do poder, como recortes espaciais
que surgem dos enfrentamentos que se dao entre os diferentes grupos
sociais, no interior da n a ~ a o . A r e g i o n a l i z a ~ a o das r e l a ~ 6 e s de poder
pode vir acompanhada de outros processos de r e g i o n a l i z a ~ a o , como
o de p r o d u ~ a o , 0 das r e l a ~ 6 e s de trabalho e 0 das priiticas culturais,
25
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Illas estas nao determinam sua emergencia. A regiiio e produto de
ullla batalha, e ullla segmenta(,:iio surgida no espa(,:o dos litigantes.
As regioes sao aproveitamentos estrategicos diferenciados do espar;o.
Na luta pela posse do espa<;o ele se fraciona, se divide em quinh6es
diferentes para os diversos vencedores e vencidos; assim, a regiao
e 0 botim de uma guerra. ll
Trata-se, neste livro, de desnaturalizar a regiao, de pr oblematizar
a sua inven<;ao, de buscar a sua historicidade, no campo das pniticas
e discursos. Tentar fazer com que este espa<;o cristalizado estreme<;a,
rache, mostrando a mobilidade de seu solo, as for<;as tect6nicas que
habitam seu interior, que nao permitem que a vejamos como efeito
da sedimenta<;ao lenta e permanente de camadas naturais ou culturais,
buscando apreender os terremotos no campo das pn'iticas e dos
discursos, que recortam novas espacialidades, cartografam novas
topologias, que deixam vir a tona, pelas rachaduras que provocam,
novos elementos, novos magmas, que se cristalizam e dao origem
a novos territ6rios. Longe de ver a regiao como urn terreno firme,
em que se pode apoiar 0 fervilhar, 0 movimento da hist6ria, mostra-Ia
tambem como solo movente, pantano que se mexe com a hist6ria
e a faz mexer, que traga e e tragado pela historicidade. 12
A regiao nao e uma unidade que contem uma diversidade,
mas e produto de uma opera<;ao de homogeneiza<;ao, que se da na
luta com as for<;as que dominam outros espa<;os regionais, por isso
ela e aberta, m6vel e atravessada por diferentes rela<;6es de poder.
Suas fronteiras sao m6veis e 0 Estado pode ser chamado ou nao a
colaborar na sua sedimenta<;ao. 0 Estado e, na verdade, urn campo
de luta privilegiado para as disputas regionais. Ele nao demarca os
limites politico-institucionais das regi6es, mas pode vir a legitimar
ou nao estas demarca<;6es que emergem nas lutas sociais.
Este livro e mais uma hist6ria de conceitos, de temas, de
estrat6gias, de imagens e de enunciados, do que de homens. Claro
que estes estao presentes, como uma condi<;ao de possibilidade destasmudan<;as conceituais acontecerem, al6m de que esta hist6ria afeta
tanto estes conceitos quanto estes homens, que veem seu solo
epistemol6gico se mover, que veem sua visibilidade abrir-se para
novos horizontes e sua linguagem ter acesso a novos enunciados,
para falar do mundo e compor 0 real. Este trabalho 6 a hist6ria da
luta em torno dos conceitos de na<;ao e de regiao, em torno dos
eonceitos de cultura nacional, regional e internacional. E a hist6ria
26
da luta, em torno da ideia de identidade nacional e regional, de
idcntidade cultural. Foi em torno destas id6ias mestras que emergiu,
no Brasil, urn conjunto de regras de enuncia<;ao que chamamos de
jimnar;iio discursiva nacional-popular e todo 0 dispositivo de poder
que a sustentou, que chamamos de dispositivo das nacionalidades,
( ' · I l l torno dos quais, por sua vez, se desenvolveu grande parte da
Ilistoria brasileira, ent re as d6cadas de vinte e sessenta. 0 que
I"azemos e a hist6ria das priiticas e enunciados que deram conforma<;ao
a estas ideias, que Ihes deram uma visibilidade e uma linguagem.
Pri vilegiamos , no entanto, neste debate, aquele que s e trava espeei
I"ieamente em torno da ideia de Nordeste, como ele foi inventado,
no eruzamento de priiticas e discursos e os sucessivos deslocamentos
que a imagem e 0 texto desta regiao sofreram, ate a sua mais radical
contesta<;ao com os tropicalistas, no final da d6cada de sessenta.
I\uscamos perceber como determinados enunciados audiovisuais se
produziram e se cristalizaram, como "representa<;6es" deste espa<;o
regional, como sua essencia. Perceber que rede de poder sustentou
L ~ e sustentada por essa identidade regional, par este saber sobre a
r l ~ g i a o , saber estereotipado, que reserva a este espa<;o 0 lugar do
gueto nas rela<;5es sociais em nfvel nacional, regiao que e preservada
('O\l]O elabora<;ao imagetico-discursiva como 0 lugar da periferia, da
Imrgem, nas rela<;6es econ6micas e polfticas no pafs, que transforma
sells habitantes em marginais da cultura nacional.
Questionamos a propria id6ia de identidade, que e vista par
n6s como uma repeti<;ao, uma semelhan<;a de superffcie, que possui
110 seu interior uma diferen<;a fundante, uma batalha, uma luta, que
e preciso se r explicitada. A identidade nacional ou regional e uma
('onS(Tu<;ao mental, sao conceitos sinteticos e abstratos que procuram
dar conta de uma generaliza<;ao intelectual, de uma enorme variedade
de experiencias efetivas. Falar ever a na<;ao ou a regiao nao 6, a
rigor, espelhar estas realidades, mas cria-Ias. Sao espa<;os que se
institucionalizam, que ganham foro de verdade. Essas cristaliza<;6esde pretensas realidades objetivas nos fazem falta, porque aprendemos
a viver por imagens. Nossos territ6rios existenciais sao imag6tieos.
I ~ I c s nos chegam e sao subjetivados por meio da educa<;ao, dos
('ontatos sociais, dos habitos, ou seja, da cultura, que nos faz pensar
o real como totaliza<;6es abstratas. Por isso, a historia se assemelha
ao teatro, onde os atores, agentes da historia, so podem criar a('ondi<;ao de se identificarem com figuras do passado, de representarem
pap6is, de vestirem mascaras, elaboradas permanentemente.13
27
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Pretendemos, com este livro, questionar urn olhar e uma fala
regionalistas, que ora aparecem como urn olhar e uma fala novos,
surgidos recentemente, como querem fazer crer varias analises sobre
os separatismos regionais que afloram com intensidade periodicament e
no pals, ora como formas de ver e falar que sempre existiram na
hist6ria do pals. Este trabalho busca perceber as int1ex6es ocorridas
no discurso regionalista, mas particularmente no discurso nordestino,
afirmando a sua novidade e seu carater de descontinuidade na hist6ria
brasileira. 0 regionalismo e muito mais do que uma ideologia declasse dominante de uma dada regiao. Ele se ap6ia em pniticas
regionalistas, na prodUl;ao de uma sensibilidade regionalista, numa
cultura, que sao levadas a efeito e incorporadas por varias camadas
da populagao e surge como elemento dos discursos destes varios
segmentos. Por isso, procuramos nos afastar de fazer a chamada
"Hist6ria Regional", porque esta, por mais que se diga crftica do
regionalismo, do discurso regionalista, esta presa ao seu campo de
dizibilidade. Longe de constituir uma ruptura com esta dizibilidade,
suas crfticas sao apenas deslocamentos no interior do pr6prio campo
do regionalismo. Ao criticar 0 regionalismo, mas assumir a regiao
como uma "proposigao concreta", como uma conscrigao hist6rica, e
fazer dela urn referente fixo para seu discurso, de onde retira suapr6pria legitimagao, esta Hist6ria esta presa a dizibilidade regionalista
e a rede de poderes que sustenta a ideia de regiao como referencial
valido para instituir urn saber, urn discurso hist6rico. A "Hist6ria
Regional" vern contribuir, sim, para colocar a ideia de regiao em
outro patamar, legitima-Ia, atribuir-Ihe veracidade, dando a ela uma
Hist6ria, tentando Ihe dar, inclusive, uma base material. Em vez de
questionar a pr6pria id6ia de regiao e a teia de poder que a institui,
ela questiona apenas determinadas elaborag6es da regiao, pretendendo
encontrar a verdadeira. 14
A "Hist6ria Regional" participa da construgao imagetico-dis
cursi va do espago regional, como continuidade hist6rica. Ela padece
do que podemos chamar de uma "ilusao referencial", por dar estatuto
hist6rico a urn recorte espacial fixo, estatico. Mesmo quando historiciza
este espac;o, valida-o como ponto de partida para recortar a histo
ricidade. Ela faz uso de uma regiao "geografica" para fundar uma
regiao epistemol6gica no campo historiografico, justificando-se como
saber, pela necessidade de estabelecer uma hist6ria da origem desta
identidade regional, afirmando a sua individualidade e sua homoge
neidade. Por isso, 0 questionamento da regiao, como uma identidade
fixa, passa pela crftica desta "Historia", que participou desta crista
lizac;ao identitaria, e passa pela retirada das fronteiras do campo
historiograf ico. 0 nacional e 0 regional nao sao criterios de validac;ao
de uma produc;ao historiografica, nao sao referencias pertinentes para
fundar uma epistemologia. Uma hist6ria serial nao se pode ater a
estas divis6es, visto que as series historicas desconhecem estas
fronteiras. A unidade que interessa ao historiador e a unidade de
enredo, de trama, nao estas unidades identitarias forjadas no proprio
processo hist6rico e que sao elas tambem pluralidades de serieS. 15
o procedimento que preside a "Hist6ria Regional", 0 de definir
uma regiao, urn espac;o geografico ou urn espago de produc;ao, como
um a priori, que 6 anacronicamente remetido para antes de sua
pr6pria constituigao, sendo transformado numa transcendencia, natu
ralizado, nao leva em conta 0 fato de que uma epoca ou um espago
nao preexistem aos enunciados que os exprimem, nem as visibilidades
que os preenchem. A "Hist6ria Regional", nesse sentido, pode ser
vista como urn modo de existir, como urn modo de visao e estudo
regularizado, dominado por perspectivas e imperativos ostensivamente
adequados a reprodugao do Nordeste. 0 Nordeste e pesquisado,
cnsinado, administrado e pronunciado de certos modos a nao romper
com 0 feixe imag6tico e discursivo que 0 sustenta, realimentando
() /loder das forgas que 0 introduziu na cultura brasileira, na "cons
ciencia nacional" e na pr6pria estrutura intelectual do pais. A "Hist6ria
Regional" e produto de certas forgas e atividades polfticas, as vezes,
antagonicas, mas que se encontram na reproduc;ao dessa ideia de
regUlo. 0 Nordeste passou a ser, assim, objeto de uma tradigao
academica que 0 ajuda a se atualizar.
Ocampo historiognifico, como campo de produc;ao do saber,
L ~ s t a rccortado pOl' relag6es de poder que incidem sobre 0 discurso
historiografico. Ele e a positividade de urn lugar no qual 0 sujeito
se articula, sem, no entanto, se reduzir a ele. Ele e produto de urn
lugar antes mesmo de 0 ser de urn meio ou de urn indivfduo. E 6
cste Iugar que deve ser questionado constantemente pelo especialista
em hist6ria. A operagao historiografica deve se constituir tambem
desta volta crftica sabre si mesma. A "Hist6ria Regional" nao faz
cste questionamento do lugar de produc;ao do saber historiografico.
Os historiadores que trabalham com esta perspectiva aceitam participar
da divisao entre hist6ria nacional (Hist6ria do Brasil) e historia
regional (Hist6ria do Nordeste), que al6m de significarem 0 estabe
lecimento de lugares hierarquicamente diferenciados no campo his
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"
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toriografico, conectam-se e reproduzem as relac;6es desiguais de
poder entre as diferentes areas do pais; reproduzem uma sUbordinac;ao,
no campo academico, que diz da propria subordinaC;ao do espac;o
que representam em nivel nacionaL
Ao se colocarem como historiadores regionais, eles estariam
reconhecendo sua incapacidade de fazer Historia do Brasil ou 0
carater limitado desta produc;ao? Por que os historiadores paulistas
e, em menor numero, os historiadores cariocas podem fazer historianacional e os das outras areas apenas "Historia Regional"? Conti
nuamos presos, assim, a uma hierarquia de saberes e de espac;os
que se definiu no inicio do seculo. Nao e se colocando como vitimas
do "imperialismo paulista" ou reivindicando 0 direito de tambem
fazer Historia do Brasil que romperemos com 0 lugar que foi
reservado para nos historiadores de outras areas do pais, nesta
configurac;ao de saber-poder. Nao e tambem proliferando 0 numero
de "historias regionais", sempre que determinado grupo de historia
dores se sente marginalizado no campo historiografico, que conse
guiremos romper com esta posiC;ao de inferioridade no campo his
toriogriifico, mas sim se negando a ocupar estes lugares, questio
nando-os e rei vindicando 0 direito de apena s pro duzir sa ber emhistoria, sem mais adjetivos,
Utilizamos diversas fontes: desde 0 discurso academico, passando
pelas publicac;6es em jornais de artigos ligados ao campo cultural,
a produC;ao li teraria e poetica de romancistas e poetas nordestinos
ou nao, ate musicas, filmes, pec;as teatrais, que tomaram 0 Nordeste
por tema e 0 constituiram como objeto de conhecimento e de arte.
As obras de arte sao tomadas, neste trabalho, como discursos, como
produtoras de realidade, ja que como historiador nao temos conhe
cimento especffico destes varios campos que trilhamos. Este e 0
enorme risco que corremos e que procuramos suprir pela leitura de
um a bibliografia especializada em cada area, procurando trazer as
informac;6es no campo da estetica, sempre e somente quando j ulgamos
que estas interessavam para a compreensao da problematica que
estava em discussao. As obras de arte tern ressonancia em todo 0
social. Elas sao maquinas de produc;ao de sentido e de significados.
Elas funcionam proliferando 0 real, ultrapassando sua naturalizac;ao.
Sao produtoras de uma dada sensibilidade e instauradoras de uma
dada forma de ver e dizer a realidade. Sao maquinas historic as de
saber.
30
Estas varias pniticas discursivas foram, sempre que possivel,
cruzadas com praticas nao-discursivas, sem que estabelecessemos
nenhuma especie de hierarquia ou determinac;ao entre elas. 0 que
procuramos ver foi 0 nivel de interferencia destas muitas praticas,
na instituic;ao e no deslocamento da ideia de Nordeste, e a sua
relac;ao com a ideia de nac;ao. Embora nos detenhamos em analises
esteticas, ja que nao se pode separar forma de conteudo, e a propria
forma e significante, nossa preocupac;ao central foi tomar tais prfiticas
culturais como produtoras de textos, imagens, sons, que formaramum agregado sensivel em tomo da ideia de Nordeste. Elas tomam
possivel ver-se e falar-se de Nordeste como uma materialidade, como
uma identidade, como uma homogeneidade, ou, ao contrario, elas 0
contestam.
Talvez 0 leitor estranhe 0 fato de encontrar poucas citac;6es
textuais e a colocac;ao de notas no final de praticamente todos os
paragrafos e, so no seu final, alem cle encontrar poucas aspas,
denotanclo citac;6es alheias. Isto se deve ao metoclo que adotamos:
o de tomar estas fontes nao como documento, nem como fonte de
prova, mas toma-Ias como material de trabalho, como monumentos
a serem destruidos e reconstrufdos, ou seja, construimos os paragrafos
com enunciados e imagens retirados dos pr6prios textos em analise,
tomando-os para nos, utilizando-os como nossos, pelo metodo de
bricolagem e de torc;ao, dessacralizando estas fontes, pondo estes
enunciaclos para funcionarem de outro modo. 0 trabalho tambem
nao se prencle a urn dado sistema de pensamento, nem busca a
coerencia absoluta entre suas partes. A hist6ria e incoerencia, lanc;a
mao de fragmentos cle discurso, pOl'que, longe de querer afirmar
identiclacles discursivas, ela quer destrui-Ias. Nao queremos construir
sistemas discursivos, mas clespedac;a-Ios, ordenanclo-os de outra forma.
Os autores e artistas escolhidos para analise cle suas obras 0 foram,
a medida que se constituiram em grande emissores cle signos, que
deram textos e imagens a regiao. POl' isso, pouco se levou em conta
a trajetoria cle cacla urn como individuo, a nao ser aquelas informac;6es
que tiveram r e s s o n ~ m c i a em suas obras e interferiram nessa forma
de vel' e dizer a realiclade regionaL 16
o que procuramos ressaltar foram as condic;6es que se impuseram
a estes sujeitos, que os introcluziram e fizeram funcionar como tal
em determinado momento; como, ao meSI110 tempo que inventavam
o Nordeste, iam se inventando como sujeitos norclestinos. Procuramos
ve-Ios como um no, num rendilhaclo cle series historicas, como
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,I
i : l ~
la<;adas na variada rede de rela<;6es que atravessam 0 social. Nao
os consideramos como alguem que se colocasse fora da trama, da
renda da hist6ria, para tece-Ia com suas maos e agulhas soberanas
da consciencia transcendental, mas os consideramos como alguem
que tecesse uma rede de dentro dela mesma, como se fosse urn dos
seus fios, como urn n6 em que varios fios do processo hist6rico
viessem se encontrar. Tanto para se pensar a emergencia do objeto
Nordeste, como para se pensar a emergencia dos sujeitos que tomaram
este objeto como tema, tern de se estar atento ao fato de que 0
que permite a emergencia de objetos e sujeitos hist6ricos sao as
rela<;6es estabelecidas entre institui<;6es, processos econ6micos e
sociais, formas de comportamento, sistemas de normas, tecnicas,
tipos de classifica<;ao, modos de caracteriza<;ao, ou seja, uma dispersao
de pr:iticas e enunciados coexistentes, laterais, como fios soltos de
diferentes cores que VaG se encontrando em determinados pontos e
VaG dando origem a um desenho sem que para isso seja necessaria
a convergencia de todos para 0 meSillO ponto; que todos estejam
interligados. A historia aqui ta'i da, como uma renda, e Jeita de
jios, nos, lar;adas, mas tambem de lacunas, de bllracos, que, no
entallto, Jazem parte do proprio desenho, sao partes da propria
trama.!'?
o leitor pode achar estranho neste trabalho, tambem, 0 usa
constante de metaforas e a nao preocupa<;ao em definir rigorosamente
os conceitos utilizados. Defendemos 0 ponto de vista de que os
conceitos, em historia, nao podem ser passfveis de defini<;ao. Eles
apenas servem para melhor configurar, tecer a urdidura do passado,
ja que nao se pode defmir nem esquematizar a trama historica,
porque 0 conceito em historia e apenas urn conector de uma serie
de eventos. As metaforas, pOl' sua vez, nao sao sujeiras num discurso
que se queria rigoroso e lfmpido. Elas funcionam no sentido de
abrir 0 pensamento para a ambivalencia, mostrando a sua androginia;
no sentido de abrir 0 pcnsamento para novas rela<;6es, chegando ao
mais abstrato, atraves do mais concreto. E a imagem a servi<;o do
pensamento. As metaforas no discurso historiografico podem servir
mais do que os conceitos para dar conta das transforma<;6es e
intera<;6es do concreto. 0 conceito como abstra<;ao tende a estabelecer
uma identidade e urn ser que se dizem num so sentido. As metaforas
nos permitem captar as mudan<;as de sentido desse ser e as diferen<;as
em detrimento das identidades. Reconemos, pois, neste trabalho, a
conceitos ou metaforas, dependendo do que nos possibilite melhor
32
compreender a trama hist6rica que se esta abordando; isso faz parte
de nossa estrategia de narra<;aO. 18
o uso de meUiforas em hist6ria permite que esta nao seja
apenas representa<;ao, analogia de urn real que serviria de referente,
mas uma hist6ria produtora de sentido, de reaIidade. Elas desfazem
os objetos familiares, com urn golpe de for<;a que e 0 trabalho do
historiador. Neste discurso metaf6rico tudo significa e, no entanto,
tudo e surpreendente. Elas for<;am a pensar 0 diferente, destroem as
familiaridades dos conceitos consagrados, surpreendem a seriedade
do discurso academico. Elas podem ate fazer rir; e que descentramento
maior em rela<;ao a verdade institufda do que uma gargalhada? As
metaforas proliferam sentido, pOl'que interiorizam diferen<;as. Elas
sao inseparaveis de uma hist6ria que se quer antropofagica, porque
interrogam a rela<;50 entre dois objetos diferentes, ressaltando esta
justaposi<;ao de contrarios. As metaforas sao risos dos conceitos, sao
dobras, dissonancias, rompendo com a conceito como unico lugar
da verdade. Elas sao formas de comunicar 0 "real" em sua com
plexidade de slgnifica<;ao, que nos falam da impossibilidade do
conhecimento do mundo somente por meio do conhecimento empfrico
ou conceitual, superando a rela<;ao direta entre sujeito e objeto,
propondo, pois, uma nova "metodologia" de conquista da "realidade".19
Buscaremos, sempre que possfvel, fazer a hist6ria dos pr6prios
conceitos e categorias que emergiram em cada momenta hist6rico
aqui abordados, que fundamentaram a pr6pria explica<;ao do momento.
Se questionamos os conceitos de identidade, cultura, civiliza<;ao,
na<;ao, regiao, nao abandonamos 0 seu usa, ao contr<lrio, fizemos
questao de utiliz<l-Ios para explicitar a que maquinaria discursiva
pertencem, de que estrategias sao pe<;as. Entendemos que a crftica
da linguagem, em hist6ria, se faz pelo usa dos conceitos emersos
em cada epoca, conservando como instrumento aqueles conceitos
cujo valor se critica, pondo-os para funcionar em novos sentidos,
dando a eles novos lugares, fazendo bricolagens, questionando a
validade permanente destes. Nao se pode fazer uma crftica a ideia
de regiao permanecendo preso a esta armadilha de sentido que e 0
pr6prio conceito. Produzir 0 seu desgaste pelo usa revelador de seus
limites e a unica possibilidade. Tomar a pr6pria ideia de regiao
como inven<;ao hist6rica, e nao apenas a ideia de uma dada regiao.
o que est<l pOl' tras destas mascaras nao e 0 rosto serio de uma
origem verdadeira, mas 0 riso do disparate, da disc6rdia, do embate
surdo que possibilitou a emergcncia de tais verdades. Ao se tomar,
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por exemplo, 0 capitalismo como causa unica e determinante da
regionaliza<;ao, significa pressupor que, antes da regiao, existia uma
unidade anterior que se dissolveu, quando, na verdade, tanto esta
ideia da existencia de uma unidade anterior, que seria a nayaO, como
a ideia da regionalizayao posterior, sao efeitos de rela<;5es discursivas
que se estabeleccm, pOl' volta do infcio do seculo XIX, e se estendem
ate 0 nosso seculo.20
Os documentos foram, antes de tudo, desierarquizados; nao sefez diferen<;a entre urn filme, uma poesia, uma musica ou urn artigo
de jomal, todos foram tomados como discursos produtores de realidade
e, ao mesmo tempo, produzidos em determinadas condi<;oes hist6ricas.
Eles foram tomados como formas em debandada, materialidade do
sonhado, como obras a serem fecundadas pela imagina<;ao, retirados
de sua cobertura de inocencia. Tomaremos urn quadro, um livro,
um filme, para analisa-los, tao amorosamente quanto um canibal
prepara para si um bebe. Nao nos preocuparemos em usaI' os
documentos como prova, mas como materias de expressao, como
material a ser trabalhado, despeda<;ado em sua inteireza de sentido.
Queremos apenas problematizar 0 estatuto de verdade de cada urn,
levantando, ao mesmo tempo, 0 significado consagrado que esteadquiriu, fazendo uso para isso de uma gama de comentadores, de
cr(ticos, de trabalhos academicos, que consagraram urn dado lugar
para cada artista, para cada autor e sua obra e, a partir de entao,
tentaremos provocar um deslocamento nestas leituras consagradas,
tomando-as para funcionar em outra estrategia discursiva. Nao nos
deteremos a fazer permanentemente uma crftica explfcita abibliografia
utilizada. Esta crftica procuraremos deixar implfcita, na pr6pria forma
como usamos 0 texto, com amor, humor e terror.
Dividi 0 livro em tres capftulos: "Geografia em Rufnas",
"Espa<;os da Saudade" e "Territ6rios da Revolta". No primeiro
capftulo, acompanharemos as transforma<;oes hist6ricas que possibi
litaram a emergencia da ideia de Nordeste, desde a emergencia do
dispositivo das nacionalidades, porque sem as na<;oes e impossfvel
se pensar as regi5es, passando por uma mudan<;a na sensibilidade
social em rela<;ao ao espayo, a mudan<;a da rela<;ao entre olhar e
espa<;o trazido pela modernidade e pela sociabilidade burguesa, urbana
e de massas. Estas mudan<;as permitem a emergencia deste novo
regionalismo, nao mais provinciano no campo polftico e pitoresco
no campo art(stico, que possibilitou a inven<;ao do Nordeste.
34
No segundo capftulo, abordaremos esta inven<;ao regional; 0
surgimento do Nordeste como um novo recorte espacial no pafs,
rompendo com a antiga dualidade Norte/Sui, estabelecendo uma
redistribui<;ao das espacialidades no pafs, que acompanhava, por sua
vez, as pr6prias redefini<;oes na estrutura de for<;as sociais no ambito
nacional, com a crise da sociabilidade pre-industrial e 0 desenvol
vimento de c6digos burgueses, notadamente, nas cidades. A dester
ritorializa<;ao das for<;as sociais do Norte do pafs, processo que se
arrasta, pelo menos, desde a metade do seculo XIX e atinge, nocome<;o do seculo, 0 seu cume com as altera<;oes trazidas pelo fim
da escravidao, pela crise da produ<;ao a<;ucareira, e pelo surgimento
das usinas, que poem os bangiiezeiros em processo falimentar. Tudo
isso acompanhado da emergencia de urn novo p610 de poder no
pars: 0 SuI, com a Proclama<;ao da Republica. Os discursos polfticos
dos representantes dos estados do Norte, antes dispersos, come<;am
a se agrupar em tomo de temas que sensibilizam a opiniao publica
nacional e podem CatTear recursos e abrir locus institucionais no
Estado. A seca, 0 canga<;o, 0 messiallismo, as lutas de parentela
pelo controle dos Estados, sao os temas que fundarao a pr6pria
ideia de Nordeste, uma area de poder que come<;a a ser demarcada,
com fronteiras que servirao de trincheiras para a defesa dos privilegiosamea<;ados. A elabora<;ao da regiao se da, no entanto, no plano
cultural, mais do que no polftico. Para isso contribuirao decisivamcnte
as obras sociol6gicas e artfsticas de filhos dessa "elite regional"
desterritorializada, no esfor<;o de criar novos territ6rios existenciais
e sociais, capazes de resgatar 0 passado de gl6ria da regiao, 0 fausto
da casa-grande, a "docilidade" da senzala, a "paz e estabilidade" do
Imperio. 0 Nordeste e gestado e institufdo na obra sociol6gica de
Gilberto Freyre, nas obras de romancistas como Jose Americo de
Almeida, Jose Lin3 do Rego, Rachel de Queiroz; na obra de pintores
como Cfcero Dias, Lula Cardoso Ayres etc. 0 Nordeste e gestado
como 0 espa<;o da saudade dos tempos de gl6ria, saudades do
engenho, da sinha, do sinha, da Nega Fula, do serrao e do sertanejopuro e natural, for<;a telurica da regiao.
No terceiro capftulo, abordaremos uma serie de reelabora<;5es
da ideia de Nordeste, feitas por autores e artistas ligados ao discurso
da esquerda. Nordestes gestados, a partir dos anos trinta, por meio
de uma opera<;ao de inversao das imagens e enunciados consagrados
pela leitura conservadora e tradicionalista que dera origem a regiao.
Nordestes onde nao mais se sonha com a volta ao passado, mas
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corn a constrU(,;ao do futuro, e que guarda com aquele farniliaridades,
como a nega\iao da modernidade e do sistema capitalista, em nome
da c o n s t r u ~ : a o de uma nova sociedade. Obms como as de Jorge
Amado, Graciliano Ramos, Portinari, Joao Cabral de Melo Neto
produzem Nordestes vistos pelo avesso; Nordestes como regiao da
miseria e da injustic;;a social; 0 locus da reac;;ao a transformac;;ao
revolucioTI<.iria da sociedade. Nordestes dos coroneis e comendadores
II
discricionarios e dos Fabianos e Severinos amarelos, servis, quase
animais a grunhir em seu estado absoluto de aliena<;ao. Nordestesque, mesma assim, fundamentavam com seus mitos populares 0
sonho de se constituir em terdtorios de revolta contra a explorac;;ao
e a domina<;ao burguesas. Estes Nordestes, construfdos pelo avesso,
ficam presos, no entanto, aos mesmos temus, imagens e enunciados
consagrados e cristalizados pelos discursos tradicionalistas. Aprofunda,
de certa forma, a propria elaborac;;ao regional, feita pelos discursos
tradicionaJistas, que haviam escolhido 0 lugar de vftimas, de coita
dinhos, de pedintes, de injustic;;ados, para ocuparem nacionalmente.
I
Estes "revolucioTI<.'irios" ajudam os "reacionarios" a consagrarem uma
dada imagem e um texto da regiao, que se imp5em, ate hoje, como
verdade; uma visibilidade e uma dizibilidade das quais poucos, como
os tropicalistas, conseguiram fugir.
Notas
I. Programa DOC1lll/ento Especial (Sistema Brasileiro cle Televisao); Prograllia Legal
(Recle Globo); as novebs Tieta do Agreste, PN!r" so/Jre Pedra, Renascer (Rede Globo);
Globo Repc5rler (Recle Globo). Ver Rachel cle Queiroz, "Os olhos tonos da midia", 0
El'rado de S. Paulo (OESP), 17/06/1988, sip.
2. Vcr Roberto da Malta, 0 Que Faz 0 brasil, BrasiL?, p. 13; Dante Moreira Leite,
o CarateI' Nucional BrasiLl'iro, pp. 96 e segs.; Roland Barl1Jcs, "A escritur:t do visivel",
in () c5bvio e 0 Obiuso, p. 9 e Fragmenlos de 11111 Discurso Amoroso, p. 24.
3. Sobre a r c l a ~ a o enlre pocler e saber. vcr Michel Foucault, lIis({Jria da Sexualidude
I (A Vontode de Saber), pp. 88 e segs.
4. Para esla visiJo das r e l a ~ 6 e s cle pocler, vcr Michel Foucault, Mil'mfc"im do Poder,pp. 209 a 228.
5. Sobre os conceitos de visibilidadc e dizibiliclade, vel' Gilles Deleuze, Foucault,
e Michel Foucault, A Arljueologia do Saber.
6. Sobre a r e l a ~ a o entre pnilieas cliscursi vas e nao,discursivas no pensamento cle
Foucault, ver Roberto Machado, Cicncia e Saber (A Trajetciria da Arqueologill de
Foucault).
7. Para a n o ~ a o cle espacialiclade, vel' Michel Foucault, "Sobre a Geografia", in
Micrl!fCI'itll do Poder, pp. 153 a 166; Eni I'ulcinelli Orlancli, Terra a Vista, pp. 55 e
segs.; Femand Brauclel, "0 c s p a ~ o e 0 tempo", OESP, 29/07/1947, p. 6, c. 5.
8. Ver Michel Foucault, Mii'ro/isica do Poder; Roland Barthes, Fragmentos de lllll
Disi'urm Amoroso, p. 1; Haraldo de Campos, "I'ara[ernalia para Helio Oiticica", Fol!w
de S. Paulo (FSP), Folheti11l, 13/05/1984. p. 11; Dominique Maingucneau, Novas Tendencias
emAlliilisedeDisi.ur.lo; Eni Puleinelli Orlandi, Op. cit., pp. 25 e scgs.
9. Vcr Paul Ve)'ne. 0 Illvelltario das Di/erenCas; Luiz B. Orlandi, "Do cnullciado
em Foucault it teoria da multiplicidacle cm Deleuze" in Foucault Vi\'o cftalo Tronca,
org.), pp. 11 a 42.
10. Vcr Celiua Albino & Nfsia Werneck, " A n o t a ~ 6 e s sobre e s p a ~ o e vida eotidiana",
in E.lpaco e Debates nO 17, ano VI, pp. 33 a 43; Margareth Rago, Os Prazeres da
Noire, p. 23.
II . Ver Michel Foucault. "Sobre a Geografia", in Mi('J"oF,ica do Poder, pp. 153a 166.
12. Idem, ibidcm.
13. Sobre a r e l a ~ a o cntre iclenliclade c diferenp, vcr Gilles Deleuze, Diferell('a e
RepeliCGo, pp. 71 e segs. e 185; Lui7 Carlos Maciel, "0 esvaziamento da realiclade",
Folfla de S. Paulo, Folhetim, 27/02/1977, p. 23.
14. Vcr Ademir Gebara, Histc5ria Regional: uma disCUSSGO; Rosa Maria Goclo)'
Silveira, () RegiollalislI/o Nordestil1o; Francisco cle Oliveira, Elegia pam 1III1a Re(li)gi!7o.
IS. Para a n o ~ a o cle ilusao rcfcrencial, vel' Paul Ve)'ne, Como se E"i'J'{'I'e a lIistciria,
p. II .16. A u t i l i z a ~ a o do metoclo de l o r ~ a o cle enunciaclos c imagens nos foi sugerido
pela leitura clo hvro cle Roberto Machado, Deleuze e a Filosojia. pp. 250 e scgs.
17. Sobre a r e l a ~ a o entre sujeitos e c o n d i ~ 6 e s cle possibilidacle hist6ricas, ver Michel
Foucault, As Palal'ras e as Coisas, pp. 384 e scgs.
18. Vcr Jeanne Marie Gagncbiu, "Origem cia alcgoria, alegoria cia origem", Folfla
de S. Paulo, Folhetim, 09/12/1984, p. 8; Jose Americo Mota Pessanha, "Bachelarcl: as
asas da i m a g i n a ~ a o " . Folfla de S. Paulo, Folhctinl, 10/06/1984, p. 9; Walter Benjamin,
"As imagens de Prousl" ill Magia e Tknica, Ane e Polilica (Obras Escolhidas, vol. I),
p. 36.
19. Vel' Roland Ban!Ics, "A escritura clo visivel". in 0 Obl'io e 0 Obtuso, p. 9;
Scarlett Marlon, "Foucault leilor cle Nietzsche" in Remrdar Foucault (Rcnalo J8nine
Ribeiro, org.).
20. Vel' Michel Foucault, Microjlsica do Poder, pp. IS c segs.; Roberto Machado,
Cifncia e Saber (A Trajell5ria da Ar!fueologia de Foumult).
36 37
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f
Conclusao
A primeira conclusao deste trabalho e a de que 0 Nordeste e
uma inven<;ao recente na historia brasileira, nao podendo ser tornado : como objeto de estudo fora desta historicidade, sob pena de se
cometer anacronismos e reduzi-Io a urn simples recorte geognifico
naturalizado. A ideia de Nordeste se gestou no cruzamento de uma
serie de pniticas regionalizantes, motivadas pelas condi<;5es pal"ti
I, culares com que se defrontam as provfncias do Norte, no momentoem que 0 dispositivo da nacionalidade, que passa a funcionar entre
nos, apos a Independencia, coloca como tarefa, para os grupos
dirigentes do pafs, a necessidade de se construir a na<;ao. Grupos
que, inicialmente dispersos, provincianos, aferrados aos seus interesses
particulares e locais, se veem progressivamente obrigados a se
aproximar, a se unir, em defesa do seu espa<;o, em franco declfnio
econ6mico e polftico e, paulatinamente, alijado das benesses do
Estado. Praticas dispersas, como aquelas vinculadas ao combate a
seca, apos esta ter se tornado 0 problema do Norte, ao combate ao
canga<;o, as manifesta<;5es messianicas, aos blocos polfticos formados
no Parlamento para enfrentar os representantes de outras areas, a
reuniao das novas gera<;5es de grandes proprietarios de terra, em
torno da vida cultural e intelectual de Recife, van sedimentando aideia de uma regionalidade, da existencia nao so de interesses comuns,
em nfvel de economia e de polftica, mas como la<;os historicos e
culturais comuns, 0 que proporciona 0 surgimento de varios encontros,
congressos, simp6sios, em nome da solidifica<;ao da solidariedade
regional e da cultura regional.
Estas prMicas regionalizantes come<;am a se cruzar, assim, com
uma serie de discursos, sejam polfticos ou culturais, que sedimentam
305
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a ideia de uma regiao Nordeste, que deixa de ser simplesmente a
area seca do Norte, para se tomar uma identidade racial, econonlica,
social e cultural a parte. Os intelectuais, ligados as for<;as dirigentes
desta area, sao chamados a produzir urn saber, urn conhecimento,
que dessem a regiao fala e imagem. Inventar 0 Nordeste passa a
ser a tarefa destes discursos, que falam da amea<;a de declinio da
area em nivel nacional, tanto quanto os discursos ligados aos setores
economicos e polfticos. E e com muita arte que estes intelectuais,
ligados a sociedade pre-industrial em declinio, elaboram textos eimagens para este espa<;o, ancorando-o, no entanto, na contramao
da hist6ria; construindo-o como urn espa<;o reacionario as mudan<;as
que estavam ocorrendo na sensibilidade social e, mais ainda, na
sociabilidade, com a emergencia de urn espa<;o burgues no Brasil.
A pr6pria inven<;ao do Nordeste nasce de uma mudan<;a na rela<;ao
entre olhar e espa<;o, da desnaturaliza<;ao deste, passando a ser
pensado nao mais como urn simples recorte natural ou etnico, mas
como urn recorte sociocultural.
o Nordeste e, portanto, filho da modemidade, mas e filho
reacionario, maquinaria imagetico-discursiva gestada para conter 0
processo de desterritorializa<;ao por que passavam os grupos sociais
desta area, provocada pela subordina<;ao a outra area do pais quese modemizava rapidamente: 0 SuI; alem das pr6prias mudan<;as
intemas, provocadas pelo crescimento das cidades, pela emergencia
de padr6es urbanos de sensibilidade e sociabilidade, pela separa<;ao
progressiva das novas gera<;6es dos padr6es de vida rurais, pela
subordina<;ao destes grupos rurais ao capital industrial e aos padr6es
mercantis que este imp6e. Portanto, este livro, longe de afirmar a
existencia de uma identidade regional, de uma regiao, desde sempre,
mostra as suas condi<;6es de possibilidade. Ele procura retratar como
o Nordeste se tornou a elabora<;ao regional mais sofisticada do pais.
Regiao que se gesta em rela<;ao a questao da na<;ao, da identidade
nacional; quest6es que se cruzarao, permanentemente, mas sempre
de maneira nova. Podemos afirmar que sao questionaveis tanto as
abordagens que consideram a regiao como urn recorte sempre existente
e sempre possivel, desde a Colonia, quanto aqueles que hoje descobrem
o regionalismo como inven<;ao recente. 0 regionali smo nasce estrei
tamente ligado ao nacionalismo, porque sempre caminharam juntos,
como condi<;ao de possibilidade urn do outro. A questao da na<;ao
no Brasil, desde que emerge no seculo XIX, esta atravessada de
regionalismos, que antecedem e criam as regi6es, ao contrario do
que comumente se pensa.
o Nordeste, assim como 0 Brasil, nao sao recortes naturais,
polfticos ou economicos apenas, mas, principalmente, constru<;6es
imagetico-discursivas, constela<;6es de sentido. Este trabalho procurou
mostrar os varios sentidos em que foram lidos e vistos 0 Brasil e
o Nordeste; como eles se cruzaram, como estes sentidos na sua
errfmcia iam desenhando estes espa<;os, configurando-os de diferentes
maneiras. Eles tern urn repert6rio linlitado, no entanto, pelas regras
de significa<;ao existentes em cada momento, pelos limites do dizer
e do ver, pelas dizibilidade e visibilidade. Estes espa<;os surgemcomo diferen<;as sem fundo, porque se dispersam em multiplos
sentidos. Base territorial da organiza<;ao do Estado, da polftica oficial,
do dominio social, eles surgem nas teias dos discursos, nas rendas
que estes tecem, como cruzamento de diferentes imagens e enunciados,
como produto das artes do dizer e do mostrar. Pensar a regiao como
uma entidade e perpetuar uma identidade forjada por uma dada
domina<;ao. Devemos pensa-Ia, sim, como uma constru<;ao historica
em que se cruzaram diversas temporalidades e espacialidades, cujos
mais variados elementos culturais, desde eruditos a populares, foram
domados por meio das categorias da identidade, como: mem6ria,
carMer, alma, espirito, essencia. 0 Nordeste, na verdade, esta em
toda parte desta regiao, do pais, e em lugar nenhum, porque ele euma cristaliza<;ao de estereotipos que sao subjetivados como carac
teristicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereotipos que sao
operativos, positivos, que instituem uma verdade que se imp6e de
tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas
regionais, em nome de urn feixe limitado de imagens e falas-cliches,
que sao repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunica<;ao,
pelas artes, seja pelos pr6prios habitantes de outras areas do pais e
da pr6pria regiao.
o olho torto da midia, como quer Rachel de Queiroz e para
o qual contribuiu, 0 preconceito em rela<;ao ao Nordeste e ao
nordestino nasceram de uma dada visibilidade e dizibilidade da
regiao, que nao foi gestada apenas fora dela, mas por seus pr6prios
discursos e reproduzida pOl' seu proprio povo. Este Nordeste nada
mais e que a regularidade de certos temas, imagens, falas, que se
repetem em diferentes discursos. Nao existe urn modo de ser nordestino
ou urn estilo brasileiro, a nao ser que se tome a identidade pelo
negativo, ou seja, 0 que identificaria 0 Brasil ou 0 Nordeste seria
a coexistencia de diferentes modos de ser, de diferentes estilos de
vi ver, a enorme fissura entre as classes, as diferen<;as culturais
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I
!1
Ii
:1111
a na<;ao e a regiao nao tenham existencia "real". Elas possuem uma
positividade, elas se materializam em cada atitude, em cada com
portamento, em cada discurso que fazemos em nome delas. Elas
existem enquanto linguagem e enquanto produto do uso que desta
se faz pelo poder. A na9ao e a regiao sao vistas e ditas de formas
diferentes, dependendo do lugar que se ocupa na sociedade, na teia
de poder que a atravessa e na rede de saberes que a esta se vincula.
Mostramos, neste trabalho, como diferentes sujeitos, submetidos a
condir;6es historicas dadas, ocupando lugares especfficos nas rela9 6es
de poder, produziram diferentes textos e imagens para a regiao
Nordeste, e como 0 que parece 0 Mesmo surge assim como 0
Multiplo. 0 Nordeste, inventado no discurso sociologico de Gilberto
Freyre, e retomado pelo romance de Jose Lins do Rego que, ao
mesmo tempo, 0 repete e 0 diferencia, por pequenos dcslocamentos
que provoca, pela propria diferen9a do regime de discursos de que
participam: urn faz urn discurso "cientffico"; 0 outro, um diseurso
ficcional. Freyre tambem inspira os quadros de Cfcero Dias, que,
ao mesmo tempo, podem ser vistos como a materializar;ao das
308
acentuadas, ate dentro das mesmas classes; seriam sociedades que
se identificariam pela variedade das formas de fazer as coisas. Mas,
acontece que esta variedade nao e caracterfstica do Brasil ou do
Nordeste, e da humanidade. Formula<;oes de identidade nacional ou
regional, como a empreendida por Roberto da Matta, sao um
contra-senso, posto que vacilam entre a aceita<;ao de uma multipli
cidade como caracterfstica nossa e a atualiza9ao por nos de uma
pseudonatureza humana de canlter universal. Serfamos, para 0 an
trop610go, uma singularidade da natureza humana. Achamos que a
procura de universais no comportamento humano, seja de base
fisiol6gica ou psicol6gica, e reduzir a historicidade do homem em
todas as suas dimensoes, inclusive corporais, a natureza. 0 perigo
do discurso identitario e, exatamente, 0 de rebaixar 0 hist6rico ao
natural, reificando determinados elementos e aspectos da vida social,
desconhecendo que cada gesto humano, cada forma de usar seus
sentidos, cada fibra de sua musculatura, cada calo em suas maos
conta uma historia, assim como cada sentimento, cada paixao, cada
medo, cada sonho recolhe elementos desta historicidade.
Estes discursos identitarios quase sempre confundem as elabo
rar;oes discursivas, que nos criam como identidades, com "0 quc
real mente somos", v ivendo a procura constante de reconciliar um
ser empfrico com urn ser transcendental. Isto nao significa dizer que
imagens freyreanas ou como nao, porque as imagens de Cfcero
possuem uma marca particular, so dele, a marca de seu estilo.
Da mesma forma, quando os intelectuais nordestinos de esquerda
procuram inverter a imagem oficial da regiao, procuram aborda-Ia
a partir "do ponto de vista dos dominados, do povo", provocam um
deslocamento nas imagens e enunciados tradicionais ligados a regiao,
mas, ao mesmo tempo, a eles permanecem presos e os reproduzem,
porque nunca poem em questao a existencia da propria regiao, como
farao mais tarde as tropicalistas, questionando apenas 0 seu modo
de existencia. Esta prisao das esquerdas as fronteiras demonstra a
propria crise do enunciado internacionalista, no interior de um
dispositivo nacionalista. Oswald, nos anos quarenta, ja chamara
atenr;ao para 0 que significava 0 stalinismo e sua teoria da "revolur;ao
nacional", que transformou as linhas imaginarias das fronteiras em
linhas de tiro, para quem delas tentasse fugir; transformou 0 trar;ado
imaterial da clausura nacional em clausura de fato, eercada por
muros, por fronteiras de arame farpado e eletrificado. As fronteiras
de pontilhados tenues se transformaram em cortina de ferro. Desde
a decada de sessenta, falar em nome da nar;ao parece, cada vez
mais, anacr6nico. Assistimos, desde entao, a crise do dispositivo das
nacionalidades, que gera como conseqliencia movimentos crescentes
de internacionaliza9ao em todos os setores e, ao mesmo tempo,
rear;oes nacionalistas extremadas e fragmentadoras das proprias "na
90es historicas". Os regionalismos explodem como rea9ao conserva
dora a este processo de globaliza9ao. Os nacionalismos e regionalismos
sao anacr6nicos e reacionarios, embora em determinado momenta
hist6rico eles tenham possibilitado conquistas sociais e polftieas
importantes, bem como ineentivado a criatividade artfstica e cultural.
Mas estes parecem esgotados na sua potencialidade criativa, visto
que se fossilizaram no mesmo momento em que um dado feixe de
imagens e de enunciados, de sons e de sentidos foram escolhidos
como representativos da nar;ao ou da regiao; no mesmo momenta
em que esta sedimentar;ao de saberes se ap6ia numa rede de poderesque se quer perpetuar como defensora da nar;ao ou representante daregiao.
Parece, hoje, ser preciso ultrapassar as na95es au as regi5es
para permitir a emergencia do novo, porque a nar;ao, tanto quanta
a regiao, se tornaram maquinarias de captura do novo, do diferente,
e por isso vivem permanentemente em crise. No Brasil estamos
sempre carentes de na9ao, e no Nordeste somos sempre de uma
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reglaD carente. Quanto mais os golpes de Estado, as ditaduras, as
concilia<;oes dos vencedores nos prometem salvar a na<;ao e a regiao,
mais a carencia de na<;ao e a carencia da regiao parecem se agravar.
Discursos como os da dependencia, do subdesenvolvimento como
parte do desenvolvimento, da explora<;ao colonial como causas ex
plicativas de nossa situa<;ao enquanto pafs, parecem estar cada vez
mais desgastados, porque partem de uma prernissa de fundo, que e
a de nossa vitimiza<;ao enquanto pafs; a culpa por nosso atraso e
dos outros, nao nosso, enquanto vencedores e vencidos. 0 mesmose pode dizer dos discursos que giram em torno da denuncia do
colonialismo interno, das desigualdades regionais, da explora<;ao do
Nordeste pelo SuI e vice-versa. Sao discursos presos a essa logica
da vitirniza<;ao, da culpa sendo posta sempre no "outro", criando
um "eu" descomprometido com sua propria condi<;ao. 0 discurso
das desigualdades regionais, por exemplo, traz em sua base a falsa
prernissa de que um dia existiu ou poderao existir regioes iguais,
al6m de partir da naturaliza<;ao e homogeneiza<;ao das regioes que
poe em compara<;ao. Na verdade, existem repercussoes tanto em
nfvel nacional, como regional, dos mecanismos diferenciados de
reprodu<;ao do capital em nfvel internacional e dos interesses impe
rialistas, mas tais rela<;oes nao sao hoje externas a nos; clas nosatravessam; sao constitutivas de nos; nos as reproduzimos. Nao
existem, portanto, 0 externo e 0 interno.
Se afirmamos, neste livro, que 0 conhecimento do Nordeste 6
o Nordeste, isso nao significa que 0 conhecimento e a cultura devam
ter fronteiras, devam se aferrar a uma dada tradi<;ao, inventada como
representativa de qualquer espa<;o. A questao que se coloca 6 como
produzir cultura, lan<;ando mao das mais diferenciadas informa<;oes,
mat6rias e formas de expressao, seja de que procedencia for e, ao
mesmo tempo, nao se submeter as centrais de distribui<;ao de sentido.
nacionais ou internacionais, como ser global e singular. E preciso,
para isso, se localizar criticamente dentro destes fluxos culturais e
nao tentar barra-los. E preciso produzir uma permanente crftica das
condi<;oes de produ<;ao do conhecimento e da cultura no pafs e em
Ii I suas diversas areas. E preciso ter um olhar crftico em relaC;ao a estc
I olho grande que nos espia; ter uma voz dissonante em rela<;ao a
estas grandes vozes que tentam nos dizer. Nao se trata, pois, de
buscar uma cultura nacional ou regional, uma identidade cultural ou
nacional, mas de buscar diferenc;as culturais, buscar sermos semplG
diferentes , dos outros e em nos mesmos. 0 discurso historiogni fico
310
pode contribuir sobremaneira para a rufna das tradi<;oes e identidades
que nos aprisionam enos reproduzem como esta na<;ao sempre a
procura de si mesma, ou esta regiao sempre carente de que os
outros a ajudem. Para isso e necessario, como procUl'amos fazer
neste texto, que cada obra historiografica seja, ao mesmo tempo,
uma reflexao sobre a escritura da historia, sobre sua linguagem, sua
narrativa, que tamb6m estao comprometidas com a reprodu<;ao ou
nao de uma dada imagem ou texto do "real". A historia deve deixar
de ser apenas um discurso sobre 0 passado ou sobre 0 futuro, parase debru<;ar sobre 0 presente, descobrindo este presente como mul
tiplicidade espa<;o-temporal, pensando os varios passados que se
encontram em nos, e os varios futuros que se pode construir.
Devemos nos debru<;ar, criticamente, sobre as formas como foram
narrados os eventos historicos, nao como uma representa<;ao verdadeira
ou falsa do passado, mas como partfcipe da inven<;ao deste para
nos. Narrativas que construfram um dado universo e uma memoria,
que continuam funcionando em nos e dirigindo nossos passos.
Devemos sempre libertar as imagens e enunciados do passado,
os temas que 0 constitufram, os conceitos que 0 interpretaram, de
seu sentido obvio, problematizando-os. Este texto procurou mostrar
como 0 Nordeste, que hoje nos parece ter uma existencia obvia,nasceu num momenta de perigo para uma domina<;ao; como seu
rosto foi sendo montado por atitudes e discursos que, longe de terem
sido sempre conscientes, 0 foram tambem, em certa medida, aleatorios,
porque a historia nao tern propositos, e os muitos propositos de
seus agentes nem sempre se efetivam da forma esperada. Em nenhum
momenta de sua produ<;ao literaria Graciliano Ramos pretendeu
realimentar uma imagem e urn texto da regiao Nordeste, que repro
duzem, exatamente, a dornina<;ao que abominava e queria extinguir.
Por outro lado, a crftica que ele empreende aos mecanismos da
memoria e a linguagem possibilita questionar-se radicalmente a
cria<;ao do Nordeste, como texto e como imagem. Ele inicia, na
literatura brasileira, a suspeita de que nao ha rela<;ao direta entre aspalavras e as coisas, de que a palavra mata tudo que e fixo e tudo
que e fixo mata, fazendo da arte uma inimiga do embrutecimento,
do costume e da repeti<;ao.
o que afirmamos e que 0 Nordeste quase sempre nao 6 0
Nordeste tal como ele e, mas 6 0 Nordeste tal como foi nordestinizado.
Ele e uma maquinaria de produ<;ao, mas, principalmente, de repeti<;ao
de textos e imagens. Nao se pode ligar esta reproduc;ao de imagens
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e textos apenas a classe dominante. Nao existe nela uma simples
logica de classes; estas imagens e textos alcan<;aram tal nfvel de
consenso e foram agenciadas pelos mais diferentes grupos, que se
tornaram "verdades regionais". E preciso, pOl' exemplo, reconhecer
que 0 subdesenvolvimento economico e a estrutura de classes da
regiao nao sao suficientes para explicar a dificuldade em transformar
este espa<;o em espa<;o moderno. Esta verdadeira aversao ao moderno
nao se localiza apenas em setores dominantes, mas em setores de
varias classes sociais. As ideias, as imagens, os enunciados associadosao Nordeste, que 0 inventaram, sao urn componente decisivo dessa
"falta de capacidade modernizadora". Existe uma verdadeira falta de
legitimidade social do valor da inova<;ao, das novidades, uma falta
de aspira<;ao a mudan<;a, urn acentuado apego ao tradicional, ao
antigo, fazendo com que a moderniza<;ao atue no Nordeste no sentido
de mudar 0 menos possfvel as rela<;6es sociais, de poder e de
cultura. A moderniza<;ao nordestina seria uma "moderniza<;ao sem
mudan<;as", bloqueando a necessidade e a legitimidade da inde
pendencia do indivfduo, levando a aceita<;ao da hierarquia e da
prote<;ao pessoal como meios de se protegeI' do carateI' corrosivo
das mudan<;as, dificultando a emergencia de qualquer cidadania. Esta
falta de legitimidade social do novo faz do Nordeste esta poderosamaquinaria de djssolu<;ao da novidade. Torna-a uma regiao que serve,
nao apenas aos vencedores, mas a parcelas de outras classes sociais,
como escudo contra a radicalidade da modernidade; como maquinaria
que cega 0 gume da novidade, que moderniza sem alterar radicalmente
as rela<;6es que sustentavam 0 antigo.
A regiao Nordeste se construiu como urn dos principais mo
mentos de recusa da modernidade no pafs, no qual 0 avan<;o da
sociedade de consumo, de moda, da sociedade de massas, e obsta
culizado pela convivencia com interesses corporativistas, com ()
imobilismo dos interesses particularistas e das vantagens adquiridas,
aprofundando 0 proprio atraso, a medida que as positividades da
i ~ I i modernidade e do capitalismo parecem ser insistentemente bloqueadas.i Bloqueando 0 fmpeto de mudan<;a nas rela<;6es sociais, surgem as
lutas para a conquista ou defesa de vantagens muito particularizadas;
surge a pulveriza<;ao da propria consciencia ou ideologia das classesI dominantes e a preponderfmcia do egofsmo categorial sobre a bUSCI
de urn processo social conjunto. 0 regiona lismo dissolve as identidadcs
de grupos e classes, avan<;ando no sentido da manuten<;ao doc;
interesses segmentar ios. 0 sistema de circula<;ao de sentido, ell I
,"312
nossa sociedade, funciona como obstaculo sistematico ao devil' de
novas significa<;6es sociais. Sacralizando a regiao, a na<;ao, 0 povo,
a ordem, a falllllia ou a revolu<;ao, os discursos polfticos cristalizam-se
em doutrinas e dogmas, que esterilizam a possibilidade de inven<;ao
de novas configura<;6es polfticas. 0 povo, 0 cidadao, sao quase
sempre para as elites brasileiras algo ainda inexistente e que devern
ser criados pOl' uma interven<;ao sabia. Do alto de sua sabedoria,
ela imporia a "essa massa amorfa" uma forma safda de suas ideias.
o povo real, na sua multiplicidade e diferen<;a, e desconhecido,quando nao desprezado, substituindo-o pOl' uma cria<;ao abstrata, pOl'
uma constru<;ao imaginaria que se quer autoritariamente decalcar na
realidade. Esta pode ser outra conclusao deste livro, ou seja, a de
que tanto os vencedores de direita quanta os de esquerda tiveram,
ate agora, uma visao abstrata e autoritaria do povo, exatamente pOl'
operaI' com categorias identitarias que 0 transformam em meia duzia
de assertivas, em imagem de povo amorfo ou massa de manobra,
ou seja, em algo a ser dirigido, visto e dito sempre pOl' intermedin
dos outros.
Este texto procurou apenas fornecer uma visao, de longo
alcance, das problematicas que se colocam no presente, como os
separatismos regionais e os preconceitos regionalistas. Ele tentou
apenas definir os pontos frageis e os pontos fortes da rede de
poderes que sustentam tais praticas e discursos; tentou ser uma
interpreta<;ao que abra novas possibilidades de interpreta<;ao, de
significa<;ao. Ele nao busca, a partir dos sinais deixados pelo passado,
construir uma verdade definitiva, pois nao seria tiranico 0 detentor
da verdade? 0 autoritarismo e 0 totalitarismo se alimentam da
historia das certezas e solapam qualquer perspectiva democratica que
nasce do respeito as diferen<;as e nao a uma hierarquia de identidades
institufdas. Se este livro puder estimular urn novo tipo de rela<;ao
entre Nordeste e Sui, se contribuir na verdade para se pensar na
destrui<;ao destas fronteiras, destas identidades cristalizadas, te d
ajudado urn pouco para 0 desaprendizado dos mecanismos hegemo
nicos de domina<;ao. Se este trabalho conseguir nos tornar mais
estranhos a nos mesmos, se ele conseguir tornar nossa atualidade
urn pouco mais distante dessa regiao, ao mesmo tempo, proxima de
nos, regiao que fora de nos nos delimita; se conseguir surgir como
urn discurso que come<;a a suspeitar da familiaridade dos discursos
regionais, que come<;a a nos ajudar a dissipar estas continuidades,
que levanta suspeitas sobre as identidades espa<;o-temporais enos
313
5/11/2018 A Invencao Do Nordeste (Intro e Conclusao)- Durval - slidepdf.com
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desliga de qualquer fio de teleologia; se ele conseguir nos distanciar
I destas figuras historicas da na<;;ao e da regiao, ja tel'a cumprido 0
seu pape!.
Nao se trata, neste texto, de superar a modernidade em nomeIIde uma pos-modernidade, mas de levar as ultimas conseqiiencias a
propria modernidade, concedendo a historia 0 lugar central que ocupaII em nossa epistcme. A historicidade de todo 0 sublunar, a hist6ria
como 0 modo de ser de tudo que nos e dado a experiencia, como
o incontormlvel de nosso pensamento. Trata-se de revolver as camadas
deste sublunar que ainda permanecem "naturalizadas"; trata-se de
deglutir todos os objetos que parecem ainda fugir da corrosao do
tempo; trata-se de derrubar os mitos que ainda sustem uma dada
constru<;;ao das espacialidades em nivel nacional; uma hierarquia
espacial, que funciona para reprodu<;;ao de uma hierarquia de saberes
e de poderes; urn espa<;;o dominado pOl' for<;;as que pouco aceitam
e desejam 0 perigo do moderno; que prestigiam mais 0 passado do
que 0 presente; que reconhecem muito pouco 0 direito a novidade,
a diferen<;;a, em que os codigos de singulariza<;;ao e individualiza<;;ao
burgueses convivem com rigidas normas coletivas tradicionais, que
buscam barrar 0 processo de despersonaliza<;;ao das rela<;;6es sociais.
a que se chama hoje de "cultura nordestina" e urn complexo
cultural, historicamente datave!' E fruto de uma cria<;;ao politico-cul
tural, que tende a diluir as proprias diversidades e heterogeneidades
existentes neste espa<;;o, em nome da defesa "de seus interesses e
de sua cultura" regionais, contra 0 processo de dilui<;;ao no nacional
I, ou no internaciona!' Areas diversas cultural mente como 0 Rec6ncavo
' Baiano, 0 litoral pernambucano e paraibano, 0 sertao cearense ou a
parte amazonica do Maranhao, passam a ser pensadas como uma
unidade, desde geogrMica, etnica, ate cultural. U rna unidade politi
II camente defensiva em rela<;;ao ao desprestigio em nivel nacional eIii rei vindicativa de parcelas permanentes de investimentos. Quanto
menos regional era a regiao, do ponto de vista economico, social
e cultural, mas se reafirmava e se reafirma a sua pseudo-unidade e
a sua pseudo-identidade, a ponto de ingenuamente falar-se numa
separa<;;ao do restante do pais, que a devolveria a liberdade e traria
o desenvolvimento e a riqueza, proposi<;;6es risiveis, se nao tragicas,
diante do quadro de internacionaliza<;;ao e nacionaliza<;;ao de nossos
mercados e de nossas culturas. A nossa tese e de que precisamos,
sim, renunciar a todas as continuidades irrefletidas, sobretudo a
termos como tradi<;;ao, identidade, cultura regional e nacional, de:1111
314Il!I
senvolvimento, subdesenvolvimento, evolu<;;ao, para sermos capazes
de pensar 0 diferente e, ao pensa-Io, fazer diferente. Diferen<;;a que,
longe de ser origem esquecida e recoberta, e a dispersao que somos
e que fazemos.
Nao e pretensao deste livro se posicionar dentro da gritaria
regionalista que se apodera do pais nos 61timos anos. Ele nao e urn
manifesto em defesa da nordestinidade. Nao assumimos nele 0
discurso do outro, do menosprezado, do discriminado. Nao queremos
ficar do "Iado coneto". a que pretendemos foi deixar surgir algunsdos mecanismos de saber e poder que produziram estas fraturas
regionais e deram a elas suas identidades. Nao queremos defender
uma regiao contra a outra, OU os nordestinos dos preconceitos dos
sulistas, mas sim queremos e questionar a existencia destas regi6es,
desse Nordeste, desse nordestino ou essa nordestinidade que aparecem
na midia, nas discuss6es regionalistas e nas teses academicas. Nao
queremos ocupar nele 0 lugar esperado, seja enquanto "nordestino"
ou enquanto historiador "nordestino". Queremos nos deslocar desses
mecanismos aprisionadores e denunciar tanto urn lado como 0 outro,
como parte das artimanhas de nossa domina<;;ao e poder tel' outras
artimanhas, outras artes, outras manhas, outras manhas.
Nao quer este livro defender 0 Nordeste, mas ataca-Io; ele naoquer sua salva<;;ao, mas sua dissolu<;;ao enquanto esta maquinaria
imagetico-discursivo de reprodus;ao das rela<;;6es economico-sociais
e de poder que fazem com que sejamos habitantes de uma das areas
mais pobres e de pessoas mais ricas do pais. Este trabalho quis
questionar esta representa<;;ao regional e a prisao dos discursos a
este dispositi vo de for<;;as que a sustentou e a sustenta. POI' mais
que os discursos se considerem criticos, "revolucionarios", falando
de outro lugar, estes discursos estarao domados em seu poder de
corte se continuarem submetidos a logica que preside as ideias de
regiao/na<;;ao, que nao deixam emergir uma realidade muito mais
complexa e polimorfa. POI' que perpetuarmos este Nordeste que
significa seca, miseria, injusti<;;a social, violencia, fanatismo, folclore,atraso cultural e social? E preciso fugir do discurso da suplica ou
da denuncia da miseria; e preciso novas vozes e novos olhares que
compliquem esta regiao, que mostrem suas segmenta<;;6es, as cum
pI icidades sociais dos vencedores com a situa<;;ao presente deste
espa<;;o. Se 0 Nordeste foi inventado para ser este espa<;;o de barragem
da mudan<;;a, da modernidade, e preciso destrui-Io para poder dar
lugar a novas espacialidades de poder e de saber.
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5/11/2018 A Invencao Do Nordeste (Intro e Conclusao)- Durval - slidepdf.com
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Assumir a nordestinidade e assumir estas varias r e p r e s e n t a ~ o e s excludentes, sobre este espa90 e este povo; e emitir urn discurso
presQ a 16gica da submissao; e ocupar 0 lugar que esperam para
nossa voz e para nosso olhar: voz para pedir, suplicar, denunciar;
olhar para, banhado de lagrimas, comover a quem se dirige. Nao e
assumindo a nordestinidade e usando-a como se fosse urn enunciado
revolucionario que denunciaremos a teia de poder que exclui grande
parte dos chamados nordestinos, que estereotipifica como marginais
socioculturais a grande parte daqueles que nele habita. Mas enosafirmando como nao-nordestinos, no sentido consagrado, e mostrando
que existem diferentes formas de ser nordestino e que algumas nao
sofrem nenhum processo de d i s c r i m i n a ~ a o . E preciso questionar as
lentes corn que os nordestinos sao vistos e se veem e corn que
enunciados os nordestinos sao falados e se falam. Esperamos ter
mostrado que 0 combate aos preconceitos, ern r e l a ~ a o ao Nordeste
e ao nordestino, nao se fara pOl' urn discurso regionalista ou separatista,
que tente inverter 0 sinal do que se diz, atribuindo uma falsidade
ao que se fala e ve e procurando colocar outra verdade ern seu
lugar. Nao e voltando os mesmos preconceitos contra os sulistas ou
contra 0 SuI, que sao tambem a b s t r a ~ o e s . Temos de c o m e ~ a r pOl'
destruir 0 Nordeste e 0 nordestino, assim como 0 SuI e 0 sulista,como estas abstra90es preconceituosas e estereotipadas, buscando
conhecer as diversidades constitutivas de cada area e de cada parcela
da p o p u l a ~ a o nacional e, a mais importante, nos preparando para
suportar a d i f e r e n ~ a , para respeita-Ia.
Devemos critical', por exemplo, a postura da midia, nao pOl'
que nao ve nossa verdadeira face, ou mostra nossa verdadeira fala,
mas porter uma postura negadora da hist6ria, da m u d a n ~ a , pOl'
estar presa a uma visibilidade e dizibilidade do Nordeste que faz
corn que venham a regiao sempre ern busca do folcl6rico, da m i s e r i ~ l . da violencia, da seca, ate de cangaceiros, beatos e coroneis ainda
no final do seculo XX. Nao que a mfdia nao deva mostrar tais
aspectos, mas tambem se perguntar pOl' que ela nao consegue enxergarou escutar outras coisas na regiao. Nao sao ainda resquicios de uma
visibilidade e de uma dizibilidade que segmentavam 0 pais ern dois
palos antagonicos, representando 0 Nordeste todas as negatividades
do pais e 0 SuI, as suas positividades? Este olhar e esta fala d:J
midia reproduzem, ern grande parte, as hierarquias espaciais, as
hierarquias identitarias, que realimentam as desigualdades sociais,
economicas e culturais no pais. Operando corn estere6tipos, cle
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"I
demonstra toda a sua pretensao de deter urn saber previo sobre 0
outro; urn saber atento apenas as d i f e r e n ~ a s externas, mais superficiais;
as d i f e r e n ~ a s tipicas, d i f e r e n ~ a s que, em vez de questionar as
identidades cristalizadas, as repoem. As reportagens sobre 0 Nordeste
nao sao feitas para descobrir algo novo a seu respeito, mas reafirmar
a sua imagem ja estabelecida, que significa, ao mesmo tempo,
r e f o r ~ a r a imagem construida para Sao Paulo, para 0 SuI etc.
E preciso, pais, continuarmos amando a hist6ria, nao pelas
certezas que nos revela, mas pelas duvidas que levanta, pelosproblemas que coloca e recoloca; nao porque os resolve e descobre
inscrita em si mesma, uma panaceia teleol6gica que viria a suprimir
todos os nossos sofrimentos. A hist6ria nao e urn ritual de apazi
guamento, mas de d e v o r a ~ a o , de d e s p e d a ~ a m e n t o . Ela nao e balsamo,
e fogueira que reduz a cinzas nossas verdades estabelecidas, que
solta fagulhas de duvidas, que nao torna as coisas claras, que nao
dissipa a f u m a ~ a do passado, mas busca entender como esta fuma9a
se produziu. 0 problema, antes de ser coberto pelas cinzas de uma
r e s o l u ~ a o te6rica, deve ser soprado para que a p a r e ~ a ern todo 0 seu
ardor de brasa. Ele deve voltar a queimar, a incomodar. E preciso
que a i n v e n ~ a o do Nordeste deixe de ser uma questao adormecida,
para voltar a ser reposta ern nome do amor a vida que ainda epossivel, em nome do amor aos homens, que ainda nos deixa ern
duvida, certos de que nao ha nada mais inumano que a certeza,
parente da morte. Se a vida e amiga da arte, e possivel com arte
inventarmos outros Nordestes, que signifiquem a supressao das
clausuras desta grande prisao que sao as fronteiras.
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