a leitura da poesia
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Poesias de tempos literários diversos para comparação.TRANSCRIPT
A leitura do texto poético.
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecadoDa vossa piedade me despido:Porque quanto mais tenho delinqüido,Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto um pecado,A abrandar-vos sobeja um só gemido:Que a mesma culpa que vos há ofendido,Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobradaGlória tal e prazer tão repentinoVos deu, como afirmais na Sacra História: Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;Cobrai-me; e não queirais, Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Gregório de Matos
Soneto
Onde estou? Este sítio desconheço:Quem fez tão diferente aquele prado?Tudo outra natureza tem tomado,E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Uma ponte aqui houve; eu não me esqueçoDe estar a ela um dia reclinado!Ali em vale um monte está mudadoQuanto pode aos anos o progresso!
Árvores que vi tão florescentes,Que faziam perpétua a primavera:Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não eraMas venho a estranhar, se estão presentesMeus males, com que tudo degenera!
Cláudio Manuel da Costa
Canção do exílio Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar — sozinho, à noite —Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,Sem que eu volte para lá;Sem que desfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu'inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
Se Eu Morresse Amanhã Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã,Minha mãe de saudades morreriaSe eu morresse amanhã!Quanta glória pressinto em meu futuro!Que aurora de porvir e que manhã!Eu perdera chorando essas coroasSe eu morresse amanhã!Que sol! que céu azul! que doce n’alvaAcorda ti natureza mais louçã!Não me batera tanto amor no peitoSe eu morresse amanhã!Mas essa dor da vida que devoraA ânsia de glória, o dolorido afã...A dor no peito emudecera ao menosSe eu morresse amanhã!
Álvares de Azevedo
A Cavalgada
A lua banha a solitária estrada.Silêncio! ... Mais além, confuso e brando,O som longínquo vem se aproximandoDo galopar de estranha cavalgada.
São fidalgos que voltam da calçada;Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando,E as tropas a soar vão agitandoO remanso da noite embalsamada...
E o bosque estala, move-se, estremece...Da cavalgada o estrépito que aumentaPerde-se após no centro da montanha.
E o silêncio outra vez soturno desce...E límpida, sem mácula, alvacenta,A lua a estrada solitária banha...
Raimundo Correia
IsmáliaQuando Ismália enlouqueceuPôs-se na torre a sonhar...Viu uma lua no céu,Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,Banhou-se toda em luar...Queria subir ao céu,Queria descer ao mar...
E, no desvario seu;Na torre pôs-se a cantar...Estava perto do céu,Estava longe do mar...
E como um anjo pendeuAs asas para voarQueria a lua do céu,Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deuRuflaram de par em par...Sua alma subiu ao céu,Seu corpo desceu ao mar...
Alphonsus de Guimarães
Se te queres matar, por que não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas Por atores de convenções e poses determinadas, O circo policromo do nosso dinamismo sem fím? De que te serve o teu mundo interior que desconheces? Talvez, matando-te, o conheças finalmente... Talvez, acabando, comeces... E, de qualquer forma, se te cansa seres, Ah, cansa-te nobremente, E não cantes, como eu, a vida por bebedeira, Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... Sem ti correrá tudo sem ti. Talvez seja pior para outros existires que matares-te... Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
Álvaro de Campos- heterônimo de Fernando Pessoa
Poema Tirado de uma Notícia de Jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem númeroUma noite ele chegou no bar Vinte de NovembroBebeuCantouDançouDepois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Manuel Bandeira
Neologismo
Beijo pouco, falo menos ainda.Mas invento palavras Que traduzem a ternura mais fundaE mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.Intransitivo: Teadoro, Teodora. Manuel Bandeira
Não há vagas O preço do feijãonão cabe no poema. O preçodo arroznão cabe no poema.Não cabem no poema o gása luz o telefonea sonegaçãodo leiteda carnedo açúcardo pão.
O funcionário públiconão cabe no poemacom seu salário de fomesua vida fechadaem arquivos.Como não cabe no poemao operárioque esmerila seu dia de açoe carvãonas oficinas escuras – porque o poema, senhores,está fechado: “não há vagas”Só cabe no poemao homem sem estômagoa mulher de nuvensa fruta sem preço O poema, senhores,não fedenem cheira. Ferreira Gullar
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra
Carlos Drummond de Andrade
Paulo Leminski
[Marginal é quem escreve à margem,]Marginal é quem escreve à margemdeixando branca a páginapara que a paisagem passee deixe tudo claro à sua passagem. Marginal, escrever na entrelinha,sem nunca saber direitoquem veio primeiro,o ovo ou a galinha.
[pergunte ao sapo]
noite alta lua baixapergunte ao sapoo que ele coaxa
É tudo o que sinto
Inverno
É tudo o que sinto
Viver
É sucinto
Mosaico de Paulo Leminski por Cida Carvalho
LAR DOCE LAR
p/ Maurício Maestro
Minha pátria é minha infância:Por isso vivo no exílio.
De Na Corda Bamba (1978)
INFÂNCIA (2)
Eu matei minha saudade mas depoisveio outra
De Mar de Mineiro (1982)
ESPERAR O VENTO...
cresce a manhã...
essa aquarela bruta
que cobra ao mundo os seus
nocturnos frios.
cresço de manhã...
a minha ramela emana
nua
o cobre do mundo
os seus amarelos tons.
de manhã
Deus distribui certeiramente
os seus castigos.
odores
cores
amores...
(...)
Deus:
também eu desejo
esse castigo azul...
Ondjaki