a literatura na bahia - linguagens.ufba.br · ze artigos em torno de obras e autores baianos com...

126
A LITERATURA NA BAHIA Final do Século XX Cid Seixas e-book.br EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL coleção literatura na bahia / 4 (Livro 4) http://issuu.com/e-book.br/docs/seculo20 A LITERATURA NA BAHIA

Upload: dothu

Post on 11-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A LITERATURANA BAHIA

Final do Século XX

Cid Seixas

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

cole

ção

liter

atur

a na

bah

ia /

4

(Livro 4)

http

://is

suu.

com

/e-b

ook.

br/d

ocs/

secu

lo20

A LITERATURANA BAHIA

Este livro é formado por quin-ze artigos em torno de obras eautores baianos com destacadaatuação no final do Século XX .Todos os textos foram retiradosdo acervo da coluna “LeituraCrítica”, assinada por Cid Seixasde 1994 a 1998, no jornal A Tar-de, de Salvador.

O artigo sobre O cachorro e olobo, de Antonio Torres, aquiincluído foi publicado no jornalO Estado de S. Paulo, tendo sidoescrito a partir do texto da co-luna “Leitura Crítica”.

Aleilton Fonseca, AntonioTorres, Aramis Ribeiro Costa,Bráulio de Abreu, Cyro deMattos, David Salles, ElieserCesar, Euclides Neto, GláuciaLemos, Guido Guerra, JoãoCarlos Teixeira Gomes, RuyEspinheira Filho e outros figu-ram no livro, sem refletir pre-ferência ou hierarquia, pelo fatode suas obras terem sido abor-dadas nos últimos anos da co-luna, dedicada a livros e auto-res brasileiros e estrangeiros.

Os livros tratados nos demaisartigos publicados pelo autorserão incluídos em novosvolumes de A Literatura naBahia.

A LITERATURA NA BAHIA | 4

Tipologia: OriginalGaramond, corpo 12.Formato: 12 x 18.

Número de páginas: 126.

Endereços deste e-book:http://issuu.com/ebook.br/docs/seculo20http://issuu.com/cidseixas/docs/seculo20

www.e-book.uefs.brwww.linguagens.ufba.br

Figura da capa: foto da Casa do Comércio,marco arquitetônico da região no século XX.

Ilustrações: cenas daBahia.

A LITERATURANA BAHIA

Final do Século XX

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

Cid Seixas

(Livro 4)

CONSELHO EDITORIAL:Cid Seixas (UFBA | UEFS)

Itana Nogueira Nunes (UNEB)Flávia Aninger Rocha (UEFS)

Gilca Seidinger (UFSB)

EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL

e-book.brColeção Literatura na Bahia, vol. 4

2017

A LITERATURA NA BAHIAImpasses e confrontos de uma vertente regional

1 |Tradição e modernidade2 | 1928: Modernismo e maturidade

3 | Três temas dos anos trinta4 | Final do século XX

cid seixas 7

SUMÁRIO

Antonio Torres escrevea fábula do bicho-homem .................................. 9

Novas históriasde proveito e exemplo ...................................... 19

Guido Guerra:Do trágico ao irônico ...................................... 25

A força selvagemsegundo Cyro de Matos .................................. 31

O lirismo como expressão pessoal .................. 37

O elo perdido com o leitor ............................. 45

As fábulas do cotidiano .................................... 55

Conversa de chifre enroscado ........................... 69

e-book.br8

A Literatura na Bahia | 4

A crítica de David Salles .................................. 69

Um inventor de vidas e lugares ......................... 75

A poesia do decano .......................................... 81

Sombra de palavras ........................................... 87

As chamas da memória ........................................ 95

Tempestade de ideias .......................................... 101

David Salles e a crítica de rodapé ...................... 109

Livros do autor ................................................... 115

cid seixas 9

ANTONIO TORRES ESCREVEA FÁBULA DO BICHO-HOMEM

“Num tempo em que esse mundo velho erapovoado por contadores de histórias, um galocantando fora de hora já era o começo de umromance”. É assim que Antonio Torres abreum dos capítulos iniciais do livro O cachorroe o lobo, assinalando um duplo resgate: o re-torno a um tempo mítico, no qual o homemencontrava o vagar necessário para reparar nascoisas, e o resgate daquela gente que sabe con-tar histórias.

Habitando a fratura entre dois lugares dis-tintos, a cidadezinha da infância perdida e ametrópole da competição, a obra de Torres secaracteriza pela procura do novo, pelo experi-

e-book.br10

a literatura na bahia | 4

mento. Já com esse livro, ele abre as compor-tas do açude, deixando sangrar as águas daemoção mais direta e despojada. Se nos pri-meiros romances, a escritura precisava se an-corar na razão e apostar no experimentalismopara neutralizar as confissões do sujeito, che-gou um tempo em que as descobertas devol-veram à linguagem o saber necessário para fa-lar do silêncio e do tumulto do homem.

O cachorro e o lobo é resultado do encon-tro da sensibilidade do autor com a sensibili-dade do leitor, fundindo os dois rios num es-tuário em que a emoção e o sentimento maisíntimo não precisam ser escondidos. Quandoa escrita é simultaneamente pessoal e transfe-rível, o mar de palavras constrói aquilo que jáfoi definido por Drummond como o sentimen-to do mundo.

Autor de uma obra formada por quase umadezena de livros, Antônio Torres vem sendoreconhecido, sobretudo, como o autor de Essaterra, romance publicado em 1976 e reeditadosucessivas vezes. As traduções do livro para oinglês, o francês, o alemão, o espanhol, o itali-

cid seixas 11

final do século 20

ano etc. serviram para abrir espaço nas letrasnacionais para esse baiano do sertão que, aexemplo de outros retirantes, partiu em buscada terra prometida dos nordestinos: a São SãoPaulo, conforme o título da canção de Tom Zé,um outro baiano emblemático.

Torres começou a vida como jornalista emSalvador, transferindo-se depois para a ÚltimaHora de São Paulo e, finalmente, para o Rio,onde trabalha em publicidade.

O interior continuou sendo uma referên-cia um tanto longínqua, embora forte, consti-tuindo o espaço e o cenário mais profundo erecuado do seu mundo ficcional. Foi esse es-paço interior e paisagístico, que tem como cen-tro polar a antiga Junco, no caminho dos ser-tões de Antonio Conselheiro, que forneceu aseiva de Essa terra. Foi esse mesmo livro queconsolidou o nome de Antônio Torres comoescritor.

REFERENCIAL — Ao retornar, vinteanos depois, à ruidosa quietude da suaMacondo, Torres escreveu um livro que não

e-book.br12

a literatura na bahia | 4

apenas dá continuidade à saga de Totonhimpelas veredas do Junco e pelas terras da pro-missão que ficam “pra lá do Vale doAnhangabaú”. O cachorro e o lobo é um livroque, pela madureza da escrita e pelo domínioda técnica romanesca, passa a ser o referencialda obra do autor. Feito escritor, maduro e se-nhor do seu ofício, a volta ao lugar da partidaserviu para corrigir o viés do olhar, ou parareescrever, com ternura e sabor de fruto sazo-nado, o intervalo entre a cidade e o sertão — acivilização e a natureza.

Durante muito tempo, embora refinando aescrita e diversificando a temática, AntônioTorres continuou sendo o autor de Essa terra.Mesmo quando a crítica apontava nele um ar-tesão do texto mais seguro e cheio de inventos,o livro de 1976 projetava sombras sobre asnovas histórias. Caio Fernando Abreu escre-veu na revista Veja que Torres vinha conquis-tando um universo próprio inconfundível, coma garra de quem estava disposto a ocupar umdos grandes lugares vazios deixados na litera-

cid seixas 13

final do século 20

tura brasileira por Clarice Lispector, Guima-rães Rosa ou Osman Lins.

Mas Essa terra persistia como afirmação edesafio. O lugar da partida era apenas um pontodistante, um polo distinto do lugar de chega-da.

O cachorro e o lobo  se apresenta com a for-ça de uma obra essencial, coroando a plenitu-de do romancista e se propondo como refe-rência obrigatória. Os fantasmas e criaturas douniverso romanesco de Antônio Torres nãomais pertencem ao pequeno mundo da velhavila do Junco. Pertencem à cidade solar da cri-ação, ao lugar do sonho e do desejo de todoleitor. Ou melhor: o Junco que serve de paisa-gem ao romance O cachorro e o lobo não émais uma cidadela plantada na “boca do ser-tão” baiano, nas estradas de poeira levantadapelas sandálias da gente de um outro Antônio,que erguia igrejas e torres. O engenho da fic-ção integrou o lugarejo desconhecido na geo-grafia literária do mundo contemporâneo.

A Macondo de Antônio Torres e o Juncode García Márquez (que embaralham e con-

e-book.br14

a literatura na bahia | 4

fundem capitais de países de sonhos tão diver-sos) são cidades um pouco parecidas. Cidadesque flutuam na memória e na sensibilidade demilhares de leitores.

O romancista de Essa terra, de Balada dainfância perdida, escreveu uma Carta ao Bis-po, pegou Um táxi para Viena d’Áustria  e, fi-nalmente, conseguiu reunir frente a frente duasespécies próximas e distantes: O cachorro e olobo.

LUGAR DE SONHO —  Para juntar an-tepassados e pósteros de uma mesma famíliade migrantes desgarrados, o autor precisoucriar um habitat adequado. Um lugar de so-nho plantado sobre pálpebras abertas e olhosesbugalhados. Ele construiu uma cidade detodos nós, situada naquele espaço tão grandee desconhecido para o perplexo viajante, queDrummond cunhou o topônimo Oropa-Fran-ça-Bahia, perdido nos confins do horizonte eda razão.

Com o progresso do Centro-Sul do país eo desequilíbrio crescente entre essa região e o

cid seixas 15

final do século 20

Nor­deste, uma nova humanidade de retiran-tes – não mais os retirantes da seca, mostradospelo romance regional – habita as páginas daficção torreana. São os migrantes de um ou-tro Brasil, do Brasil perdido no tempo e nasroças abandonadas. Com a ilusão criada pelasluzes da Cidade Grande, o homem do Nor-deste que plantava e colhia a vida nesse chão,nessa terra, foi plantar sonhos e desilusões nasconstruções de concreto de São Paulo.

É esse homem, retirante de si, que AntônioTorres vai buscar para constituir a populaçãoda sua cidadela de papel. O velho lobo espa-lhou as crias pelo mundo. Mas, em vez de lo-bos, capazes de habitar as tocas do mato e li-derar a matilha, nascem cachorros desgarrados,perambulando pelas ruas da cidade.

Uns são atropelados pelas máquinas. Ou-tros desaparecem. Um ou outro cão solitárioconsegue se fazer ouvir, uivando para a lua, naesperança de algum dia reunir a matilha, comofaziam os ancestrais.

Livro linear, que conta uma história palpá-vel e de fácil assimilação, O cachorro e o lobo é

e-book.br16

a literatura na bahia | 4

também um romance emblemático, alegórico,onde leituras paralelas conferem uma nova di-mensão à linearidade da fábula.

O forte desse livro é retomar o gosto debem contar uma história, como faziam os nar-radores de ontem e como fazem os narradoresde hoje e de sempre. Cervantes, Maupassant,Camilo, Machado, Torga, Amado ou Adonias.

Josué Montello, no Diário da noite ilumi-nada, diz que todo o drama de Narciso está nofato da imagem que ele tem de si mesmo nãocoincidir com a imagem vista pelos outros. Elembra: por vezes, não é outro o desencontrodo autor e do leitor.

Mas quando o artista vai se tornando senhordo seu engenho, o tiro no escuro, ou o experi-mento meramente probatório, na busca deses-perada de fazer coincidir as duas imagens, cedelugar à confluência da emoção do autor para asensibilidade do leitor. É o que acontece nessenovo livro de Antonio Torres.

Farrapos de memória, cerzidos com fiosdourados de ficção, ganham consistência aoserem aplicados à entretela do romance. Uma

cid seixas 17

final do século 20

resistente costura de tacos multiformes cons-titui o bordado, ou o novo tecido, feito demateriais de natureza diversa para formar a tex-tura una e bem urdida de uma bela colcha deretalhos onde nasceram o cachorro e o lobo.

ANTONIO TORRES ESCREVE A FÁBULA DO BICHO-HOMEM.Artigo crítico sobre o livro O cachorro e o lobo, deAntonio Torres. SEIXAS, Cid. O Estado de S. Paulo,Caderno 2, p. 3, 8 de novembro de 1997. (Este textoresulta de uma nova versão do artigo anterior: Umafábula do bicho homem. Coluna “Leitura crítica” dojornal A Tarde, Salvador, 30 jun. 97, p. 7.)

Sede da Academia de Letras da Bahia

cid seixas 19

NOVAS HISTÓRIASDE PROVEITO E EXEMPLO

Gláucia Lemos, sem sair da Bahia, conse-gue que seus livros para crianças e adolescen-tes alcancem várias reedições. Qual o segre-do?

O mais constante desejo de todo escritorbaiano é conquistar seu lugar no mercado edi-torial, sem ser obrigado a sair da Bahia. Bonsautores ficam confinados ao pequeno círculode leitores iniciados, se não forem morar nocentro-sul. Ao contrário do que aconteceucom a música axé, depois que Vevé Calazans,Jerônimo, Luis Caldas e outros deram dimen-sões nacionais ao gênero; nas artes de carátermenos midiático, a Bahia só aceita aquilo queé referendado pelo público do eixo Rio-SãoPaulo.

e-book.br20

a literatura na bahia | 4

Nossa identidade cultural depende das mol-duras do espelho alheio. Somos a primeira ci-dade de porte metropolitano criada do Brasil,mas não perdemos o espírito colonial de de-pendência. Como público, não somos aindamaduros para escolher. Uma mãozinha vindade fora vale mais do que talento.

É bom lembrar que Jorge Amado só voltoua morar em Salvador depois de reconhecidono mundo inteiro. João Ubaldo Ribeiro, en-quanto trabalhava em agências de publicidadee redações de jornais baianos, era apenas co-nhecido pelo pequeno público formado poroficiais do mesmo ofício. Deixou tudo e foicorrer mundo; virou “sucessor de Jorge Ama-do”... Vasconcelos Maia, Ariovaldo Matos,Wilson Lins e tantos, entre vivos e mortos,são escritores condenados a uma pequena au-diência.

Escritor que vive na Bahia, mesmo publi-cando lá fora, tem dificuldade de ganhar espa-ço na mídia e, consequentemente, de alcançaro público. As exceções são raras e conhecidas.Entre elas está Gláucia Lemos, com seus livrospara crianças e jovens, recomendados em cen-tenas de escolas, por todo o país.

cid seixas 21

final do século 20

É verdade que os bons ventos sopram maispara o lado da literatura infanto-juvenil. Nogênero, ela disputa um lugar, palmo a palmo,com os autores que vivem lá fora. O segredo éum só: deixar que a antiga criança saia de si ecaminhe de mãos dadas com a mãe e a avó dehoje, perscrutando o jeito dos filhos e netos.

De experiência vivida e renovada, GláuciaLemos constrói sua obra, que hoje ultrapassaduas dezenas de títulos. A garota do bugre, pu-blicado pela editora Dimensão, de Belo Hori-zonte, está centrado numa história de adoles-centes; seus amores impossíveis, pequenas an-gústias, alegrias e sonhos.

Danilo, enquanto se prepara para o vesti-bular, sonha com Vera, a garota do bugre ama-relo. Mesmo que seja um sonho impossível.Ela não é propriamente uma garota. Pequena,com jeito frágil e olhar furtivo, não parece sermãe de duas meninas. Bem mais velha do queele, é casada, 35 anos. Todas as manhãs frequen-ta às aulas de pintura da mãe de Danilo.

No colégio, o tempo passa. A mãe de Danilopreocupa-se com os amigos escolhidos. Umdeles, de classe de alta, senhor de suas vonta-des, não é visto com simpatia. Ela prefere que

e-book.br22

a literatura na bahia | 4

seu filho ande com os colegas de família maismodesta, assim como eles, que precisam estarcom os pés no chão.

Uma colega morre de overdose de drogas.A polícia investiga o caso.

Por trás de toda a trama construída porGláucia Lemos está uma preocupaçãomoralizante, marca da sua literatura para jo-vens e crianças. Nas primeiras páginas do li-vro, Danilo faz uma advertência à irmã quemorre de amores por Diego:

– “Também não precisa ser tão oferecida.Por isso é que ele não se importa com você.Homem gosta de mulher difícil... Valoriza aconquista.”

A fala passaria desapercebida, pois a narra-dora, embora direta e incisiva naquilo que querdizer, faz o personagem transmitir seus reca-dos em meio a uma situação divertida, escon-dendo a intenção. O diálogo salta para um jogoalegre e sugestivo, fazendo com que o concei-to atue subliminarmente.

Mas o desfecho da trama reforça a preocu-pação moralizante. Passado o tempo, nas féri-as do curso de Agronomia, que Danilo fre-

cid seixas 23

final do século 20

quenta em outra cidade, os colegas se reúnempara um reencontro, na festa oferecida pela mãede Danilo. Vera também é esperada. Depois dotempo transcorrido, ele quer rever a meninado bugre amarelo. Soube que ele se separou.A ansiedade aumenta.

Chegado o momento aguardado, o desen-canto. Não é mais aquela garota de olhar furti-vo e jeito terno que está à sua frente. Em pou-co tempo de conversa, Danilo descobre nelaoutra mulher.

Onde estaria aquela garota? O olhar tími-do deu lugar a gestos ousados e decididos.Depois da separação, Vera deixou as filhas como ex-marido e resolveu “aproveitar o tempoperdido”. Com o dinheiro da pensão judicial,vive sem precisar trabalhar.

Em conversa com um dos amigos, Daniloconfessa:

– “Não é dessa que eu gostava, Valdão. Eugostava daquela que ela era antes, no tempodo casamento. Discreta, de cabelo curtinho efranjas na testa, que ia à minha casa carregan-do a filha com carinho.”

E no fim do diálogo, acrescenta:

e-book.br24

A Literatura na Bahia | 4

– “A minha menina do bugre amarelo eraoutra, na qual eu não tentaria por as mãos na-quele tempo. Queria, mas achava que nuncapoderia tê-la, entende? Agora posso tê-la, ago-ra mesmo, a qualquer hora qualquer um podetê-la”.

Retomando a função ética da literatura, pro-posta pelos eruditos medievais ligados à igrejae incorporada pelo neoclassicismo, GláuciaLemos encontra na literatura para crianças ejovens o território adequado para a ficçãomoralizante. Ou, conforme o dizer antigo, paraas histórias de proveito e exemplo.

NOVAS HISTÓRIAS DE PROVEITO E EXEMPLO. Artigo críti-co sobre o livro A garota do bugre de Gláucia Lemos.Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador,10 ago. 98, p. 7.

cid seixas 25

GUIDO GUERRA:DO TRÁGICO AO IRÔNICO

Depois de bem sucedidas incursões pelovasto território do romance, Guido Guerravolta ao conto, escrevendo páginas da melhorqualidade em Vila Nova da Rainha Doida.

Guido Guerra saltou da crônica diária dojornal para as páginas do livro quando aindanão conhecia o fluxo das traiçoeiras corrente-zas do rio, cortado por pedras, quedas d’águae cachoeiras – o curso da escrita.

Os contos de Dura realidade, publicados em1965 pela Editora Progresso, marcaram aestreia de um escritor que em quase nada dei-xava entrever o ficcionista da maturidade. Nacasa do sem jeito, livro de crônicas que veio em

e-book.br26

a literatura na bahia | 4

seguida, trazia para o livro a irreverente figurado Papagaio Devasso, uma espécie de Boca doInferno dos inquietos anos sessenta.

Mas não foi assim que ele permaneceu. Otempo poliu a pedra bruta, a brita. As águas demuitos rios lavaram a língua, o trapo, e surgiu,reluzente, a luz do trabalho e da seriedade.Surgiu o escritor Guido Guerra.

Se nos primeiros livros, o jornalista tentavadar ares de ficção a uma reportagem única erecorrente – os fatos do seu mundo interior –, nos últimos livros, o jornalista, o artesão daescrita se faz artista; se faz escritor.

Quando os personagens do Guido Guerrados anos setenta falavam, era uma voz uníssonaque dizia o seu sentimento. Somente anos de-pois veio a despersonalização, o dialogismo, apresença de vários sujeitos, verossímeis, ver-dadeiros, independentes do seu criador.

Anos depois, não mais uma voz uníssonadiria o seu sentimento, o pessoal e ointransferível; mas várias vozes de vários per-sonagens passam a dizer o sentimento do mun-do, o impessoal, o transferível a todos nós, a

cid seixas 27

final do século 20

toda voz. Várias vozes diziam, na tessitura dotexto ficcional, que surgia um escritor.

Somente anos depois ele sairia da casa dosem jeito para o céu azul do sol poente, onde Dr.Salu anuncia as santas aparições da luz, da ter-ra, do ficcionista Guido Guerra. Não mais oPapagaio Devasso, não mais o Língua de Tra-po, mas o escritor, o criador de mundos e decriaturas.

Aquele que aprendeu, através do diálogobem tecido e da voz do outro, a dar voz a simesmo e às criaturas que precisam falar.

* * *

Nos últimos vinte anos, Guido Guerraconstruiu seu espaço no quadro da ficção e,especialmente, do romance brasileiro com li-vros como O último salão grená, Lili Passeata,Quatro estrelas no pijama e Ela se chama JoanaFelicidade, publicados pela Civilização Brasi-leira, pelo Clube do Livro e depois pela Record.

Jornalista por formação, começou pela nar-rativa curta, pela história feita para ser lida de

e-book.br28

a literatura na bahia | 4

uma só fôlego. História que reunia a agilidadeda reportagem e o humor circunstancial dacrônica. Depois, ele descobriu que precisavado tempo e do espaço romanescos para confe-rir densidade aos seus personagens, muitosdeles nascidos do texto perecível de jornal.

Chegando ao romance, Guerra apurou suaartilharia narrativa e amadureceu como escri-tor. Vila Nova da Rainha Doida, que acaba dechegar às livrarias e está sendo lançado em Sal-vador, é o retorno do escritor ao campo dedesafios da história curta. Nesse livro ele rea-liza alguns contos exemplares, capazes de per-manecer na mente do leitor, engendrando ou-tras palavras. Palavras ditas do interior de cadaum de nós quando tecemos o fio de ligaçãoentre o destino dos seus personagens e o nos-so cotidiano de leitores.

Outros contos do livro, no entanto, aindapermeiam a crônica, com sua despretensiosaespontaneidade, onde o anedótico se sobrepõeà astúcia fabulativa. São histórias que não al-cançaram o mesmo nível de linguagem efabulação que caracteriza o livro como umconjunto, como um todo formado por cordi-

cid seixas 29

final do século 20

lheiras ensolaradas e vales sombrios. Mas asboas histórias compensam plenamente os mo-mentos em que o cronista do cotidiano aligei-rado insiste em ocupar espaço nessas quase du-zentas páginas de Vila Nova da Rainha Doida.

O mundo rural, as pequenas cidades do in-terior, tomadas como metáforas confortáveisda sociedade global, constituem o territóriomais luminoso da narrativa de Guido Guerra,o espaço onde ele realiza melhor o trabalhoficcional. As histórias transcorridas nessemundo emblemático são as mais fascinantes, aexemplo daquelas passadas em Mirante dosAflitos, cidade do Coronel Duarte e do seufiel escudeiro Tibério Boa Morte.

Nesse espaço denso e trágico o ficcionistapode alcançar seus mais bem acabados relatos,transpondo para o domínio distante das fic-ções do interior, a opressão e a injustiça quecaracterizam a reluzente miséria doneoliberalismo mais selvagem.

Sem fazer apologia dos deserdados e semmacaquear o engajamento dos anos sessenta,o texto desse escritor dispara certeiro e obje-tivo, guardando nos cofres do faz de conta os

e-book.br30

A Literatura na Bahia | 4

tesouros da solidariedade e da denúncia maisconsequentes.

A força da tragédia banal dos homens sim-ples é, às vezes, arrefecida pela busca do hu-mor. Em meio ao desapontamento do narradore do leitor diante das impassíveis engrenagensda máquina do mundo, Guido Guerra recorreao humor de conformação um tanto irônica ecáustica, quebrando a tensão da narrativa. Masos melhores momentos são aqueles em que eleenfrenta o destino das suas criaturas de papel,deixando que elas executem movimentos dedesespero e resignação contra a rede da vida.Deixando que elas encenem o gesto falido ouo ensaio mambembe desse drama cujo roteirotodos nós gostaríamos de reescrever. Mas essedrama não se passa num palco, mas nas ruasdo nosso tempo, onde o riso desconcertadotoma o lugar que poderia ser ocupado por umsoco no vazio – ou pelo impassível fluir do trá-gico.

DO TRÁGICO AO IRÔNICO. Artigo crítico sobre o livro Vilanova da Rainha Doida de Guido Guerra. Coluna “Leitu-ra Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 1º jun. 98, p. 7.

cid seixas 31

A FORÇA SELVAGEMSEGUNDO CYRO DE MATOS

Berro de Fogo e outras histórias reúne dezcontos escolhidos entre inéditos e livros es-gotados de Cyro de Mattos. Acertadamente, aUniversidade Estadual de Santa Cruz, a Fun-dação Casa de Jorge Amado e a UFBA se uni-ram para promover esta coedição.

Obras como Berro de fogo, Violentos e de-salmados, Os brabos, Duas narrativas rústicas eOs recuados estão há algum tempo esgotadas einacessíveis ao leitor.

Quem não conhece o contista Cyro deMattos terá a oportunidade de descobrir umadas vozes mais fortes da literatura produzidana região do cacau. O leitor de hoje talvez re-

e-book.br32

a literatura na bahia | 4

pita as palavras ditas por Ferreira de Castro,há mais de trinta anos: “Seus contos revela-ram-me um novo escritor. Inventivo e de for-te expressão.” A força da palavra e das situa-ções engendradas marcam a presença do con-tista e inscrevem seu nome de forma vigorosa.Mas a alusão ao seu lugar entre os escritoresregionais não quer limitar o alcance de umaobra, há muito conhecida e incluída entre asboas contribuições dos grapiúnas à literaturabrasileira.

Sabe-se que o ciclo do cacau, ou a opulên-cia econômica da região sul da Bahia, propi-ciou o aparecimento de narradores poderososcomo Jorge Amado e Adonias Filho, para ci-tar apenas os dois nomes mais conhecidos.Além deles, uma dezena de escritores (roman-cistas, poetas e contistas) buscaram seu pró-prio espaço e deram destaque à produção regi-onal.

Nenhuma história da nossa literatura esta-rá completa se ignorar a importância individu-al e conjunta dos escritores grapiúnas. É nestequadro onde a qualidade é um fato que a obra

cid seixas 33

final do século 20

de Cyro de Mattos desponta e se inscreve. Estacoletânea, Berro de Fogo e outras histórias, trazmais de uma narrativa que pode ser incluídaem qualquer antologia do conto brasileiro.

Isto quer dizer que Cyro de Mattos, apesarde não fazer parte do pequeno círculo de es-critores contemporâneos abençoados pelamídia, se impõe por outros caminhos: pela for-ça das suas narrativas. A crítica tem sido favo-rável à sua obra, e alguns dos nossos melhoresescritores já leram e recomendaram a leituradeste contista.

Alceu Amoroso Lima surpreendeu-se como que chamou de “admirável ficcionista”, res-saltando o “estilo profundamente impregna-do de nossa fala brasileira”.

Neste livro agora publicado, chamo a aten-ção do leitor tanto para os contos inéditosquanto para outros já premiados e incluídosem antologias. “Os brabos”, história de ummatador, que abre o volume, dá uma mostraexpressiva do recurso usado constantementepor Cyro de Mattos. Ele constrói personagensrudes, quase selvagens, em meio a situações de

e-book.br34

a literatura na bahia | 4

desespero. Para que estes personagens de pa-pel apareçam vivos e com sangue quente a cor-rer nas faces, recolhe a linguagem mais diretae característica deste gente.

O resultado da receita, simples e sem con-cessões ao maneirismo dos literatos, é umaescrita que parece história contada ao pé dofogo, nas noites da roça. O narrador conseguefotografar a força selvagem das situações paranos ofertar, encadernadas, num álbum de co-res enrubescidas.

“Inocentes e selvagens” é outra história quepermanece na mente do leitor graças a estacombinação de um tema marcado pela brutali-dade do poder com o relato direto e sem con-cessões à reflexão ética ou filosófica. Em mol-des de instantâneos, colhidos no calor da hora,Cyro de Mattos compõe seu painel de contosa partir de uma ótica que lembra um pouco ochamado cinema verdade. Este tipo de arteganhou notoriedade na mesma época em queele publicou os primeiros livros. A narrativaapenas conduz o olhar do leitor para os luga-res onde a ação se desenvolve, flagrada na cla-

cid seixas 35

final do século 20

reza solar ou na penumbra recolhida do silên-cio.

Tudo isso confere duração ou permanênciaàs tramas dos contos de Cyro de Mattos.Quanto o leitor, após o ato da leitura, volta aruminar os acontecimentos do universoficcional do autor é que percebe este traçodurativo e compreende por que o poeta CarlosDrummond de Andrade escreveu a sentença:“São histórias que ficam na lembrança da gen-te.”

Mas os contos de Cyro de Mattos não sesustentam apenas nos flagrantes da realidadesocial e na expressão objetiva da luta dos ho-mens pela dominação ou pela sobrevivência.Há uma fabulação interior, uma reflexão con-tida e ocultada que conferem vida psíquica aosseus personagens. Eles não são apenas tipospolares que desempenham seu papel no palcodos conflitos sociais. Eles têm uma dimensãointerior enraizada na explosão dos dramas edas misérias coletivas.

Quando um destes personagens se deixasurpreender na intimidade da vida familiar é

e-book.br36

A Literatura na Bahia | 4

que se percebe os desvão da sua alma. “Flordescoberta” pode ser tomado como o contoque se presta de forma exemplar à discussãoda magnitude interior das rudes criaturas quetransitam pelas veredas da roça.

A FORÇA SELVAGEM. Artigo crítico sobre o livro Berrode fogo e outras histórias, de Ciro de Mattos. Coluna“Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 23 mar.98, p.

cid seixas 37

O LIRISMOCOMO EXPRESSÃO PESSOAL

Memória da chuva, de Ruy Espinheira Fi-lho, constitui, ao lado da sua Antologia poética(publicada no ano passado pela Fundação Casade Jorge Amado), um dos momentos maisexpressivos da poesia brasileira dos nossos dias.

A crescente audiência desse poeta, produ-to legítimo do seu momento e da atual circuns-tância do país e do mundo, pode ser entendidacomo uma resposta eloquente da arte poéticaàs encruzilhadas do l irismo, cujosdescaminhos, muitos de nós não soubemosresolver.

A partir da primeira metade do século, olirismo deixou de representar a expressão de

e-book.br38

a literatura na bahia | 4

uma individualidade privilegiada para esquadri-nhar o território do outro. Se, desde a velhaGrécia, a lírica era aceita como manifestaçãoda subjetividade e rito de ascensão do sujeitoao centro constelar do mundo social, o con-ceito de despersonalização destruiu a clarezadas fronteiras entre o lírico, o épico e o dra-mático.

Drummond sentenciou, inapelavelmente:“Não faças versos sobre acontecimentos.” Issoporque “as afinidades, os aniversários, os inci-dentes pessoais não contam.”

Fernando Pessoa levou essa explosão aoparoxismo com a dramatização do lirismo. Osheterônimos são outros eus postos na cena doteatro do ser. Através desse caminho radical,o eu do poeta dá lugar a uma multiplicidade desujeitos verossímeis que atuam como porta-vozes de todos nós. Tal lírica não é mais a ex-pressão do sujeito, mas um lugar de encontrocom todos os homens – e espaço da alteridade.

Depois de estabelecida a ruptura com osmodelos da lírica até então praticados; e con-solidada a novidade; é que vieram as vanguar-

cid seixas 39

final do século 20

das formalistas, cujo alcance da revolução ope-rada no âmbito da linguagem não ultrapassouo significante, ou a camada material da palavra.Demasiadamente concreto, o tartamudear dasvanguardas surgidas nos meados do século –como a poesia concreta, a práxis etc. – nãochegou ao plano do conteúdo do dito, sempreabstrato e fugidio como o pensamento.

A crise do lirismo se instaurou com a “im-possibilidade” de expressar a subjetividade dopoeta. A efusão do eu lírico se dissolveu aotropeçar naquela pedra que havia no meio docaminho.

Ora, o que caracteriza a poesia de RuyEspinheira Filho é precisamente o choque comessa noção de modernidade na lírica. Quandoos caminhos considerados mais atuais passam,de um lado, pelos monumentos daintertextualidade ou, do outro, pela hipertrofiada valorização das camadas fônicas do verso,Ruy mergulha nos desvãos da memória pararetirar o lirismo pessoal e transferível.

Sua matéria é o sentimento de um instantefugidio. É a observação de um pedaço de mun-

e-book.br40

a literatura na bahia | 4

do, visto pelas lentes dos seus óculos. É o tem-po morto que não se perdeu, guardado vivo namemória.

O impulso memorialístico surge no escri-tor quando os novos fatos não mais surpreen-dem, quando não têm a mesma intensidade e omesmo brilho das coisas passadas, quando avelhice se aproxima.

Como alguns poetas não precisam esperareste tempo crepuscular, em Ruy EspinheiraFilho, a observação do mundo presente e a re-cuperação do mundo passado são caudais queconfluem para um mesmo estuário.

Leitor voraz e atento dos livros e do mun-do, esse lírico deslocado num tempo de liris-mo raquítico, abre lugar para recuperar a forçada subjetividade num mundo onde o sujeito àsvezes não conta. Onde a máquina realiza comeficiência e neutralidade o que o homem cons-trói com envolvimento.

Com o poder da palavra, essa velha armabranca que, às vezes, se transforma em míssilde efeito remoto, o poeta abre clarões por en-tre os desvãos de um tempo para plantar se-

cid seixas 41

final do século 20

mentes de um outro tempo. O poeta transitapara além da temporalidade, munido de umpassaporte irrecusável: o poder da palavra.

É assim que Ruy Espinheira Filho reinstaurao lirismo e nos obriga a fazer silêncio para es-cutar a sua voz. Tal convicção daquilo que tempara dizer começa por cercar o seu dito de res-peito. É assim que ele arranca do leitor pala-vras de admiração:

“Ruy é poeta que escreve no peito dos ho-mens”, conforme Mário da Silva Brito. Ou ain-da: “Sua poesia é hoje uma referência impor-tante na renovação que se processa no lirismobrasileiro”, como Antonio Carlos Brito escre-veu no Leia Livros.

Se os movimentos e consubstanciações daarte e do pensamento obedecem a um proces-so dialético, no qual uma nova síntese de ver-tentes e valores é a recuperação de uma velhatese enriquecida pela sua antítese, podemosdizer que o autor de Memória da chuva vaibuscar nos escaninhos da atemporalidade osmateriais perenes da construção. Nesse diálo-go de tempos superpostos ou nessa dialética

e-book.br42

a literatura na bahia | 4

de escrituras, Ruy Espinheira Filho se permi-te atualizar a proposição de Manuel Bandeirano livro Libertinagem, que reúne poemas dosanos vinte, como “Poética”, onde o modernis-ta converso resiste ao sufocamento dos clamo-res do sujeito.

“Estou fato do lirismo comedido / Do li-rismo bem comportando”, reclama Bandeira.“Quero antes o lirismo dos loucos / O lirismodos bêbados / O lirismo difícil e pungente dosbêbados / O lirismo dos clowns deShakespeare”.

Não estaria o poeta Ruy Espinheira Filhorestaurando o lirismo liberto de Bandeira? Nosprimórdios do modernismo brasileiro, quan-do os padrões já desenvolvidos pela lírica mo-derna desde o final do século XIX atrofiam olugar do sujeito, poetas marcados pelaexaltação lírica começam a protestar contra a“orfandade de poesia” que a todos ameaçava.É a mesma opção pelo lirismo enquanto vozdo sujeito que alimenta a insurreição do autorde Memória da chuva e da exemplar Antologiapoética.

cid seixas 43

final do século 20

Seu ímpeto de nadar contra a corrente per-mite realizar uma poesia pessoal e transferí-vel. Transferível porque, ao alcançar a terceiramargem do rio, aquela que a correnteza guar-nece, Ruy Espinheira aproxima as suas verda-des das verdades do outro. Liberta as palavrasdo seu peito para escrevê-las nas grandes mu-ralhas da razão e da sensibilidade dos homens.

O LIRISMO COMO EXPRESSÃO PESSOAL. Artigo crítico sobreo livro Memória da chuva, de Ruy Espinheira Filho.Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996. Coluna “LeituraCrítica” do jornal A Tarde, Salvador, 14 abr. 97, p. 7.

Escultura de Mário Cravo.

cid seixas 45

O ELO PERDIDOCOM O LEITOR

O leitor que busca no texto o prazer dasdescobertas, dos encontros inesperados e dosreencontros; que sabe cumprimentar com igualatenção a alegria das insignificantes banalida-des do cotidiano e a surpresa de ver o que an-tes não via, lerá mais de uma vez os contos deAramis Ribeiro Costa em A assinatura perdi-da.

Trata-se de um escritor que marca a sua pre-sença diante do leitor da forma mais apropria-da: através de um texto maduro e bemconstruído. Tendo publicado seus livros ante-riores com repercussão limitada à Ba­hia (sal-vo dois títulos infantis lançados pela Ática),

e-book.br46

a literatura na bahia | 4

Aramis Ribeiro Cos­ta chega ao mercado na-cional, numa bem cuidada edição daIlumi­nuras, com a qualificação necessária paraocupar um lugar ao lado dos bons contistasque se afirmaram nes­te fim do século.

A sua matéria, transmudada em arte, é a vida,a vida com seus vícios, virtudes, grandezas emisérias. A pequenez e a redenção dos homens.Sua linguagem, contida e depurada, sugere aabsorção atenta dos clássicos de todos os tem-pos, brasileiros e estrangeiros. A naturalidadecom que transita por entre os artefatos e arti-fícios da construção ficcional revela o leitor eo aprendiz dos narradores franceses e russos.Dos portugueses e brasileiros, especialmentede um clássico da modernidade, JosuéMontello, a quem o livro é dedicado.

Com isso não se aponta dependência ou fal-ta de originalidade, mas a retomada conscien-te e inventiva de uma tradição afortunada.Aramis Ribeiro Costa é um narrador que sabeconstruir seu texto e contar uma história bemengendrada. Há um sensível equilíbrio entre odomínio da linguagem, ou a construção do tex-

cid seixas 47

final do século 20

to vernáculo, e a fabulação de um mundo pa-ralelo. Um mundo inventado com tanta arteque parece competir com o mundo real.

A encruzilhada na qual derrapam alguns dosnovos ficcionistas é o descompasso entre aescrita e o invento. Autores como o paulistaJoão Carrascosa (premiado com Hotel Solidão,publicado pela Scritta) ou como o moçambi-cano Mia Couto (cujas Estórias abensonhadasforam publicadas o ano passado pela NovaFronteira), que dominam de forma notável alinguagem poética, fazendo da prosa de ficçãouma elegia à escritura, nestes textos não en-gendram conflitos e situações capazes de pre-encher os vastos descampados do discurso. Oleitor menos desatento percebe que as conquis-tas formais deixadas pelo estruturalismo cons-tituem lições preciosas e, por isso mesmo, ain-da presentes na criação literária deste fim deséculo.

A partir da consciência crítica do escritor edo domínio das metalinguagens do ofício, no-vos prosadores apuram os recursos linguísticosdisponíveis, atingindo às vezes um nível de lin-

e-book.br48

a literatura na bahia | 4

guagem classificado pelos teóricos da pós-modernidade como neobarroco.

Os contos de A assinatura perdida mantém-se em outro patamar. Marcados pelo gosto clás-sico da narrativa, eles se reinventam como ex-pressões legítimas dos nossos dias. Expressõesque não aspiram o reluzente selo da vanguardamas ocultam a não velada ambição da perma-nência.

O crítico Hélio Pólvora saudou com entu-siasmo a aparição deste livro de Aramis Ribei-ro Costa: “Aleluia. Ainda se escrevem contosque são contos. O conto que narra, a partir deum núcleo ficcional definido”. E sintetizou anatureza da invenção do autor: “O conto natradição dos clássicos, mas tocado pelo espíri-to da modernidade.” Na verdade, o críticomanifesta o seu ceticismo com relação à eficá-cia das experiências narrativas da pós-moder-nidade, onde os elementos principais de umahistória são postos de lado em favor da proje-ção de aspectos subsidiários. Cabe ao leitorpós-moderno preencher o vazio deixado pe-los fragmentos de uma realidade incompleta.

cid seixas 49

final do século 20

Se tal exigência significa um avanço – tantopor parte do narrador, que passa a trabalharcom sugestões, radicalizando a proposta dosimbolismo, quanto por parte do leitor, ao qualé exigida uma participação mais intensa, en-quanto recriador do texto, – em contrapartida,inicia-se uma espécie de diálogo de surdos.Muitas vezes, emissor e receptor do discursopós-moderno falam de coisas diferentes. Acomunicação anula o referente, a linguagemtorna-se meramente fática, para usarmos a ex-pressão de Malinowsky difundida porJakobson. É como se as mensagem servissempara prolongar ou para interromper a comu-nicação, testando o contato. Neste caso, é pos-sível a aparição de grandes descobertas e depequenas imposturas. Os estados de perplexi-dade de um indivíduo com pendores para aincomunicação podem ser mascarados em for-mas de “arte”, quando a derrocada da lingua-gem é interpretado como ampliação de recur-sos.

Convém lembrar, a propósito, que os artis-tas clássicos faziam sua aprendizagem de modo

e-book.br50

a literatura na bahia | 4

rigoroso. Antes de se considerarem artistasdeviam se tornar artesãos competentes e bemformados. Um escultor só passaria de artesãoa artista depois de domar os mistérios do már-more e vislumbrar por entre eles os mistériosdo mundo. Um poeta deveria, antes de tudo,saber escrever. Dominar os segredos da línguado seu povo para depois criar a sua própria lín-gua poética.

Mas hoje, muita gente incapaz de desenharuma forma simples resolve pintar um quadrorevolucionário... Antes mesmo de aprender-mos a escrever com clareza os sentidos da prosado dia a dia queremos inventar novos sentidosna intrincada arquitetura do verso. Por isso apalavra não fala, cala. Muitos escritores, quecomeçaram a escrever antes de saber ler, per-deram o elo com o leitor. Seus livros pulampor aí, incompreendidos pelo mundo, à caçade editores e leitores.

Deste mal do século, com um travo de gos-to romântico, Aramis Ribeiro Costa não mor-re. Os contos de A assinatura perdida, ao con-tarem uma história de forma quase irretocável

cid seixas 51

final do século 20

– porque o modo de narrar e aquilo que é nar-rado constituem um ao outro – restabelecemo elo perdido com o leitor. O livro pode serlido com prazer tanto pelo leitor mais simplese menos afeito aos requintes da escrita, quan-to pelo leitor exigente que encontra aí um di-álogo, vivo e bem urdido, com suas própriasindagações.

Antes de usar a escrita e pedir a palavra, Ri-beiro Costa aprendeu a ouvir, tornou-se leitorperspicaz e atento, para só depois dividir comos outros leitores a sua versão do mundo.

Por isso as doze narrativas de A assinaturaperdida são da melhor qualidade. Algumaspodem ser lidas uma, duas, muitas vezes, comrenovado prazer. O autor sabe inventar, inver-ter, o mundo que viu, ou gostaria de ter visto,e fazê-lo caber nas poucas páginas do conto.Suas histórias obedecem ao arquétipo do con-to clássico, no sentido de fundado na tradiçãoliterária. Por isso são breves, as tramas são sim-ples, compostas por um só núcleo. Mas a bre-vidade bem tecida projeta na mente do leitor o

e-book.br52

a literatura na bahia | 4

perfil das personagens e a complexidade dostemas sugeridos.

Mesmo numa narrativa destoante do con-junto como é “Itapagipe”, construída a partirde despojos da memória em torno da vida deum antigo bairro de Salvador, o leitor é aprisi-onado pelo mundo ficcional construído. Apri-sionado e liberto, porque a ficção é um jogoque nos permite o retorno negado pela vida.

Destoante do conjunto – conforme foi ditoa respeito desta história provinciana – porque,se as outras onze narrativas realizam na suacircularidade a estrutura do conto, “Itapagipe”é uma história tecida como se costurasse par-tes de um relato maior: como capítulos de umanovela que ainda não foi escrita.

O conto, como bem demonstram as histó-rias deste livro, é um mundo autônomo e com-pleto, embora sintético. Na sua unidade lem-bra o ovo, célula única, porém plena de vida.Já a novela é um rosário de episódios unidospor um fio central que serve de elo entre osacontecimentos.

cid seixas 53

final do século 20

A assinatura perdida, de Aramis RibeiroCosta, vale a pena repetir, é lida com prazer;condição primordial da literatura.

Independentemente da ressonância na mídia,avara para com os autores que começam a seimpor, convém avaliar: estamos diante de umlivro definitivo. De um dos melhores exem-plares do novo conto brasileiro.

O elo perdido com o leitor. Artigo crítico sobre o livroA assinatura perdida, de Aramis Ribeiro Costa. Colu-na “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 16 mar.98, p. 7.

Farol da Barra.

cid seixas 55

AS FÁBULAS DO COTIDIANO

O telefone dos mortos, de João CarlosTeixeira Gomes, é um livro que vem reafirmarum traço distintivo do autor: o domínio daescrita. Profissional do texto em suas múlti-plas possibilidades, ele publicou os trabalhosiniciais ao lado de outros companheiros dachamada Geração Mapa. Com Glauber Rochaempreendeu as primeiras aventuras literárias,nos tempos do Colégio da Bahia e, depois, daFaculdade de Direito.

Convém lembrar que o resultado do iníciode uma aventura intelectual conjunta de Joca eGlauber permitiu ao primeiro escrever um li-vro que foi considerado a mais abalizada bio-

e-book.br56

a literatura na bahia | 4

grafia do cineasta: Glauber Rocha, esse vulcão,recém lançado pela Nova Fronteira.

João Ubaldo Ribeiro, outro companheirode juventude, diz que esse livro “não é apenaso mais importante e completo já escrito sobrea obra e a vida de Glauber Rocha. É tambémum extenso documento de época, baseado empesquisa de tal modo abrangente que o trans-forma em inigualável fonte de informaçõespara os estudiosos de nosso cinema – especi-almente o Cinema Novo – e da cultura brasi-leira em geral.”

Profissional de palavra, empenhado emmuitas frentes, tais como o jornalismo, a críti-ca literária, o ensaísmo, João Carlos TeixeiraGomes é também um escritor criativo. Suaaventura intelectual ganhou consistência noJornal da Bahia, verdadeira escola de jornalis-mo informativo e de jornalismo cultural, poronde passaram também Glauber Rocha, PauloGil Soares, Florisvaldo Mattos, David Salles,João Ubaldo e quase todos os intelectuaisbaianos desta geração.

cid seixas 57

final do século 20

Essa equipe privilegiada aprendeu a reunirnum mesmo contexto a objetividade, indispen-sável à informação segura, e a sensibilidade,necessária para construir sentidos paralelos aomundo objetivo. Daí ter impulsionado doissaltos qualitativos: a construção de um jorna-lismo moderno na Bahia e a formação de artis-tas e escritores responsáveis por importantesvertentes da cultura brasileira.

Neste quadro, Teixeira Gomes ocupa lugarde destaque, conforme testemunho de JoãoUbaldo Ribeiro quando lembra da inquietageração dos anos 50: “Glauber foi um grandeamigo e João Carlos Teixeira Gomes continuasendo. Aliás, quando o conheci, ele não se apre-sentava com este nome grave, em redondilhade tons lusitanos. Era apenas o Joca [...], logorespeitado como crítico literário e poeta, eadmirado como o bravo jornalista que semprefoi.”

Graças ao domínio seguro do texto (adqui-rido através de imprevistos exercícios diários,desde os tempos do Jornal da Bahia), ao seapresentar ao público leitor como contista,

e-book.br58

a literatura na bahia | 4

Teixeira Gomes reafirma as qualidades já ma-nifestadas como poeta e como crítico.

O telefone dos mortos (Nova Fronteira,1998) dispõe vinte narrativas curtas em duaspartes: “As verazes fantasias” e “As fábulas doquotidiano”. A primeira, com onze contos,constrói uma atmosfera absurda carregada derealismo fantástico.

O tom opressivo das verazes fantasias cria,às vezes, um timbre monocórdico e entedianteque se quebra ao esbarrar em narrativas pri-morosas. O leitor que, pela primeira vez,adentra pelos largos e sinuosos corredoresdesta caverna de sonhos e pesadelos que é omundo ficcional de João Carlos Teixeira Go-mes, mesmo atordoado pelo ar rarefeito dossubterrâneos, tem a certeza de estar pisandonum chão bem sedimentado, embora pródigode areias e urzes fantásticas.

Na segunda parte do livro, o tom se modi-fica, a intromissão opressiva das sombras e dosfantasmas projetados pelas chamas do caldei-rão de bruxo cede lugar às insólitas fábulas docotidiano. Mas continua perceptível a melan-

cid seixas 59

final do século 20

cólica visão de mundo sustentada pelo autor;continua presente um certo pessimismo ou umincerto desesperar de quem pouco espera dotumultuado mundo dos homens.

“O dia era da caça”, o último conto da pri-meira parte traz uma fascinante alegoriareveladora do processo de criação literária,onde os deuses do cosmo são rivalizados porum outro demiurgo: o criador do universo dotexto. O velho Sallábico, morto aos 84 anospor um dos seus personagens, é um arquetípicoconstrutor de homens de papel e tinta. Nassuas sentenças estão definidos os destinos dehomens e mulheres, a vida e a morte. O velhodescobre que está em suas mãos de condutorda narrativa o curso da vida de um mendigo oude um rico industrial. Como um deus perver-so ele se compraz em distribuir benesses emalefícios. Ao riscar uma sentença e escreveroutra, ele destrói toda uma vida de opulência,faz surgir uma doença mortal, um atropelo ouum acidente qualquer.

A segurança do ficcionista João CarlosTeixeira Gomes na construção do seu texto e

e-book.br60

a literatura na bahia | 4

dos seus personagens revela um leitor dos clás-sicos brasileiros e estrangeiros do nosso tem-po. A ironia cortante de Machado de Assis éretomada e renovada por um escrita pessoalque funde o sabor do passado com os ritmosdo presente.

Na segunda parte de O telefone dos mortosdestacam-se, entre outros contos, “O homemque enganou a morte” e “A morte no trapézio”,duas variações em torno do mesmo tema quecostura as páginas do livro.

A primeira narrativa é uma espécie dereescritura moderna da impossibilidade dohomem fugir aos desígnios dos deuses. Se osheróis da tragédia grega desenvolvem peripé-cias destinadas a alterar o destino revelado pe-los oráculos – e cumprem, inconscientemen-te, o que estava escrito –, a tentativa burlescade Caio Ferrão enganar a morte resulta numdivertido esforço de vida. Mas as mãos invisí-veis da morte terminam escrevendo o discur-so da vida e colocando o ponto final no lugarpretendido.

cid seixas 61

final do século 20

“A morte no trapézio” é uma históriaconstruída com os elementos estruturais pre-sentes nas narrativas que se tornaram clássicaspelo dom da permanência e da constante atua-lidade. Este conto dialoga, na mente do leitor,com a doce ironia das histórias curtas de Os-car Wilde e o relevo atribuído aos deserdadosdo amor.

Para concluir: o livro de João Carlos TeixeiraGomes é um apelo à sensibilidade e à perspi-cácia do leitor que sabe usá-las. Um livro paraser lido aos poucos, com o mesmo vagar emelancólica concentração com que foi escri-to.

AS FÁBULAS DO COTIDIANO. Artigo crítico sobre o livroO telefone dos mortos, de João Carlos Teixeira Gomes.Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador,2 mar. 98, p. 7.

Casa do Comércio, um ícone da arquitetura baiana.

cid seixas 63

CONVERSA DE CHIFREENROSCADO

Houve tempo em que as aventuras do paísgrapiúna eram escritas à lâmina de fação namata virgem. As enxadas nas roças de cacautraçavam o destino de uma cultura. A riquezaparecia não ter fim, até que a bruxa varreu osventos da pujança.

Destruída a economia cacaueira, abandona-das as léguas da promissão, as antigas aventu-ras vividas precisam continuar vivas. É assimque surge uma nova vertente literária renovan-do o filão aberto na literatura brasileira porJorge Amado e Adonias Filho. Eles foram osnarradores da construção de um mundo novo,do desbravamento das terras do sem fim. Mas

e-book.br64

a literatura na bahia | 4

este mundo teima em viver, através da escritade homens e mulheres que têm o umbigo en-terrado numa cova de cacau.

Euclides Neto é um mateiro que aprendeuos caminhos do mundo pelos caminhos daroça. Estudou na cidade grande, viajou civili-zações, percorreu os compêndios das leis, masvoltou logo para sua gente, onde saberes an-cestrais o aguardavam. É neste espaço, ou me-lhor, ampliando este espaço, que ele constróia sua obra de escritor. Os romances Berimbau,Vida Morta, Os Magros, O Patrão, Comercinhodo Poço Fundo, Os Genros, Machombongo e AEnxada (são oito) dão testemunho das muitascoisas que ele tem para contar.

Como o seu texto de contador de históriasé uma roça de cacaueiros resistente às vassou-ras-de-bruxa da crítica, ele pode ser abordadopela crítica; pode ter seus defeitos postos à luzda razão, porque as boas qualidades da escritarespondem aos eventuais defeitos.

Muito se fala da humildade e da modéstiadeste escritor. Numa província de escreventesempenachados, Euclides Neto não desdenha

cid seixas 65

final do século 20

de uma opinião contrária, mas procura desco-brir nela um desafio para novos voos.

Quando, numa destas leituras críticas, pro-curei levantar aspectos discutíveis no proces-so de cons­trução do romance Os Magros (vero artigo “Vozes sufocadas”, incluído no livroTriste Bahia) em vez de sentir-se ofendido,Euclides Neto estabeleceu um diálogo criati-vo e respondeu à provocação com a fábula re-dentora de A Enxada. Neste romance, carre-gado de otimismo, ele procurou compensar opessimismo demasiadamente esquemático deOs Magros.

Como a questão dá panos para manga, in-cluí o estudo crítico da obra do autor num pro-jeto de pesquisa desenvolvido nos Cursos dePós-Graduação em Letras da UFBA. O pri-meiro trabalho de vulto sobre seus romancesvem sendo realizado pelo jornalista ElieserCesar, a quem propus tomar Os Magros comoeixo da sua dissertação de mestrado.

Mas peço licença ao leitor para hoje darnotícia de um outro Euclides Neto: o lexicó-grafo. Num livrinho útil e pioneiro, ele reúne

e-book.br66

a literatura na bahia | 4

palavras e expressões correntes na região sulda Bahia. Como sabe que a televisão, com oprestígio da linguagem enlatada, mais dia me-nos dia, empobrecerá a língua falada no Brasil,quer deixar em letra impressa os inventos eusos da gente da terra. De um lado, as novelase programas de TV impõem a linguagem dosestúdios aos falantes das mais diversas realida-des. Do outro lado, as rádios FM tomam porlocutor um papagaio de fala pasteurizada, des-provido de qualquer marca regional. No milê-nio que está próximo, o que restará da língua eda cultura tão ricas e diversificadas destesbrasis? Em lugar do português surgirá, talvez,o televisês, ou o comuniquês; o dialeto preda-dor da mídia – o exterminador do futuro.

Era preciso, portanto, que alguém inicias-se, no país do cacau, a tarefa de preservar oque hoje está virando peça de museu: o jeito, afala da gente. Não se espante: o que você aca-bou de ouvir da boca do tabaréu, do homem daterra, já é coisa do passado, conversa de cifre en-roscado. Na rede navega a nova linguagem.

Dicionareco das roças de cacau e arredores éo título do trabalho de sondagem, publicado

cid seixas 67

final do século 20

pelo Editus, Editora da Universidade Estadu-al de Santa Cruz (que, com todo respeito àSanta Cruz, bem poderia se chamar Universi-dade Estadual Grapiúna).

Como o artista abre caminhos e antecipaos movimentos da tropa, sem ser especialista,Euclides Neto está dando de lambujem (ver oDicionareco) aos professores de linguística doportuguês da UESC o chute inicial de possí-veis trabalhos acadêmicos. Daqui a vinte, trin-ta, cinquenta anos, pesquisadores do dialetograpiúna tomarão este livrinho como vademecum, como testemunho autorizado de umaépoca.

Por enquanto, o Dicionareco das roças decacau e arredores serve de guia para a leiturados escritores da região, especialmente paranós, admiradores da escrita mateira, de-pica-do-a-largo de seo Ocride.

Conversa de chifre enroscado. Artigo crítico sobre olivro Dicionareco das roças de cacau e arredores, deEuclides Neto. Coluna “Leitura Crítica” do jornal ATarde, Salvador, 2 fev. 98, p. 7.

Imagem do Pelourinho. No fundo a Fundação Casade Jorge Amado, em azul.

cid seixas 69

A CRÍTICADE DAVID SALLES

A atividade crítica exercida em jornaisbaianos, desde o início do século, revela, a umsó tempo, o nível da produção literária local eo gosto da província no que diz respeito à re-cepção de obras nacionais e estrangeiras.

Com o declínio do hábito de leitura entre apopulação do nosso estado, os jornais tambémreduziram os espaços dedicados à discussão delivros. Observe-se que as resenhas literárias,sejam elas resenhas críticas ou informativas,funcionam como um termômetro do nível deleitura de um povo.

Nos países onde o hábito de leitura é co-mum, mesmo entre as populações que vivem

e-book.br70

a literatura na bahia | 4

afastadas dos centros urbanos, não somente osjornais, mas as emissoras de rádio e de televi-são mantêm programas sobre acontecimentoscientíficos e culturais, livros e outros assun-tos. Nos mesmos horários, no Brasil, são trans-mitidos programas de grande audiência, mos-trando brigas entre vizinhos, xingamentos en-tre casais, deformidades e aberrações midiáticasque servem de termômetro para medir o nos-so gosto e o nosso estágio mental.

Países europeus menos desenvolvidos,como Portugal, onde a atividade rural familiarapenas supre a sobrevivência, também cultivamo hábito de leitura. A rádio e a televisão por-tuguesas contratam renomeados intelectuaispara apresentar programas de alto nívelformativo e informativo.

É evidente que, no Brasil, isto seria um gran-de fracasso comercial. Nenhuma emissora dei-xaria de colocar no ar “bem sucedidos” cam-peões de audiência apelativa e escandalosa paraproduzir um programa discutindo fatos e ideiascom Antonio Houaiss, Jorge Amado, João

cid seixas 71

final do século 20

Ubaldo Ribeiro ou qualquer outro intelectu-al, por mais respeitado e famoso que seja.

Os temas de interesse do nosso país sãoevidente e infelizmente outros.

Mas nem tudo está perdido. De forma iso-lada, aqui e ali, os jornais ainda publicam tex-tos sobre literatura. A Folha de S. Paulo trazexcelentes artigos no caderno “Mais”, OEstadão, mesmo tendo suprimido as três pági-nas de sábado sobre literatura, ainda publicabons textos. Isto sem falar em suplementosliterários publicados na Bahia (A Tarde Cultu-ral), no Rio Grande do Sul e no Ceará, todosnacionalmente conhecidos.

No caso baiano, convém lembrar uma tra-dição criada pelo jornal A Tarde. Independen-temente dos suplementos literários, este jor-nal abrigou em suas páginas conhecidos“rodapés de crítica” que entraram para a his-tória da literatura.

Na primeira metade do século XX, CarlosChiacchio publicou, de 1927 a 1946, a coluna“Homens e Obras”, com fortes implicações nomodernismo regional. Chiacchio foi substitu-

e-book.br72

a literatura na bahia | 4

ído por Heron de Alencar, professor univer-sitário que publicou artigos de crítica literáriaem A Tarde, embora sem a constância do seuantecessor.

Coube a David Salles dar continuidade aesse trabalho, assinando as colunas “Crítica deRodapé”, de periodicidade semanal, e, logo emseguida, “Enfoque da Crítica”, de publicaçãoquinzenal.

Antes de ter sido convidado, nos anos 70,pelo jornalista e historiador Jorge Calmon,para fazer crítica literária em A Tarde, DavidSalles publicou no Jornal da Bahia, onde seiniciou no jornalismo, ao lado de companhei-ros de geração, como Glauber Rocha, JoãoCarlos Teixeira Gomes, João Ubaldo Ribeiroe outros.

Convém lembrar que essa geração se divi-diu entre o jornalismo, a literatura e o cinema,tendo sido responsável, não apenas pela reno-vação do jornalismo baiano quanto da arte bra-sileira.

O trabalho crítico de David Salles, escritorfalecido em 1986, aos 48 anos, vem sendo res-

cid seixas 73

final do século 20

gatado em pesquisa da professora Itana No-gueira Nunes, da UNEB. Como parte dos seusprojetos de mestrado e doutorado, sobre nos-sa orientação, Itana procedeu ao levantamen-to dos textos dispersos de David Salles na im-prensa baiana e em jornais como O Estado deS. Paulo e o Minas Gerais Suplemento Literá-rio, com os quais colaborou.

Os textos de crítica de David Salles pode-rão ser reunidos em livro, para que não se per-cam, dispersos como estão, em fontes de difí-cil consulta. Por outro lado, alguns deles serãopublicados neste espaço, a partir da próximasemana. Destas publicações, surgirá o primei-ro volume de obras críticas de David Salles que,em breve, estará pronto para encaminhamen-to a um editor.

Espera-se que, desde a organização dos ori-ginais até a aceitação por parte de um editor,não se passem muitos anos, como os que sepassaram desde a morte de David que, além dasua crítica de jornal, deixou inéditos algunsoutros livros.

e-book.br74

A Literatura na Bahia | 4

Como, em decorrência de compromissosprofissionais na universidade, estarei afastadoda coluna “Leitura Crítica” até o início do pró-ximo ano, a publicação dos textos de DavidSalles emprestará mais densidade einquestionável nível intelectual a este espaço.Trata-se de uma dupla homenagem. Homena-gem à memória do crítico e escritor DavidSalles. Homenagem à sensibilidade e ao bomgosto do leitor de A Tarde.

A CRÍTICA DE DAVID SALLES. Artigo sobre a atividadedo autor da seção “Crítica de Rodapé”. Coluna “LeituraCrítica” do jornal A Tarde, Salvador, 9 nov. 98, p. 7.

cid seixas 75

UM INVENTORDE VIDAS E LUGARES

No livro Jaú dos bois, Aleilton Fonseca re-úne segredos do contador de histórias, e arti-fícios da boa escrita.

Formas literárias curtas, como o poema e oconto, são frequentemente escolhidas por pa-recerem mais fáceis de se escrever. Na verda-de, elas são menos “trabalhosas”. Um poemade catorze versos ou um conto de uma ou duaspáginas exigem um volume de trabalho menordo que um romance de duzentas páginas. Masisso não quer dizer que as formas menores se-jam menos fáceis de executar.

Compare essas atividades com o exercíciode pintar uma paisagem na superfície de uma

e-book.br76

a literatura na bahia | 4

porta e de pintar a mesma paisagem numa cai-xa de fósforos. A primeira exigiria mais “tra-balho”, mais tinta, mais esforço físico, sem ser,necessariamente, mais difícil do que o segun-da tarefa. Nesse caso, o trabalho só poderiaser medido comparando dois valores diversos:quantidade e qualidade.

Quem imagina que o trabalho de umneurocirurgião, ou de um ourives, é mais fácildo que o trabalho de um carpinteiro ou de umconcreteiro de vigas, ao fazer uma ponte degrande extensão, também preferirá escrevercontos e poemas em vez de romances. É o queocorre com frequência: centenas deconcreteiros publicam seus livros usando asfôrmas que lhes parecem menos trabalhosas.

Poucos são os que escolhem as formas cur-tas por inequívoco pendor pelo trabalho con-centrado, denso, preciso e exigente. Entre es-ses estão os mestres do conto e do poema deontem de hoje.

Guimarães Rosa trabalhou as narrativas deSagarana por cerca de vinte anos. Bilac exigiapara o verso a construção do ourives. Pessoarescreveu os seus poemas por trinta anos a fio,

cid seixas 77

final do século 20

a procura de uma forma menos transitória.Torga morreu com mais de oitenta anosrescrevendo os contos da juventude, retocan-do aqui, tirando ali, acrescentando adiante.

Mas há também escritores estreantes quecomeçam com qualidade, tomando por base aanálise da experiência dos autores que lhesantecederam. Eles leem, releem, desleem aque-les que vieram primeiro, tirando lições e ven-cendo etapas.

É o caso de Aleilton Fonseca, poeta eensaísta que faz sua primeira incursão peloconto em Jaú dos bois. A obra foi vencedorado Prêmio de Literatura 1996 da FundaçãoCultural do Estado da Bahia e publicada emcoedição com a Relume Dumará.

Trata-se de um livro pequeno; são apenas52 páginas compreendendo cinco narrativas.Quatro delas, “O avô e o rio”, “O sorriso deestrela”, “O casal vizinho” e a última, que dátítulo ao volume, estão ligadas por um apelounitário: a marca telúrica. Pessoas, costumes epaisagens da terra – de uma região que podeser a do autor como pode ser também a terrainventada pelo desejo de qualquer leitor – com-

e-book.br78

a literatura na bahia | 4

põem o suporte dessas quatro histórias. Em-bora se passem em lugares diversos, a atmos-fera é a mesma; o clima ameno de sonho e ima-ginação perpetuados na memória. Já o conto“Amigos, amigos”, por ordem de inserção, oquarto do livro, é uma história transcorridamais no interior da alma e menos naquele in-terior do país que todos estamos perdendo; eresgatando na ficção.

A unidade de espaço imaginário criada pe-las quatro narrativas do livro ambientadas nointerior estabelece uma cumplicidade entre lei-tor e narrador. Isto faz com que os novos acon-tecimentos, que nos aguardam a partir da lei-tura da primeira história, tenham, ao mesmotempo, sabor de reencontro e de surpresa.

Os personagens dos contos de Jaú dos boissão gente de papel com sangue de tinta eossatura imaginária, gente saída da ficção quemais parece feita de carne e osso, porque fala,anda e sente com verdadeira naturalidade.

Perplexo, o leitor descobre que as figurasque saltam das palavras escritas nesses contosde Aleilton Fonseca têm alma. Seus sentimen-tos e emoções ultrapassam o espaço ficcional

cid seixas 79

final do século 20

e invadem o espaço civil do leitor, derraman-do uma mesma nuvem de humanidade e desolidária maneira de construir a vida.

O contraditório disso tudo é que entramosno mundo ficcional dessas histórias, conduzi-dos pela força de verdade e de existência dofabulado, ao mesmo tempo em que somos to-cados pela marca indelével do trabalhoartesanal da escrita. De um lado, vivemos a vidados personagens e, do outro, percebemos oapuro da construção, o vigiar constante da tra-ma, do texto, onde cada palavra é pesada, me-dida e lançada ao espaço da ficção, plena desentido.

A prosa de Aleilton não se esparrama pelopapel em branco como planta do mato; ela écuidada, cultivada; cada ramo segue a direçãopretendida pelo jardineiro; cada folha nasce nolugar preciso para formar um todo harmonio-so e revelador. As personagens colhidas empleno desempenho dos seus papéis, papéis àsvezes rudes, são transpostas da terra agrestede onde brotaram para serem inseridas nesseespaço cultivado, onde o jardineiro quer con-duzir o movimento do nosso olhar.

e-book.br80

A Literatura na Bahia | 4

O contista Aleilton Fonseca sabe juntar aprofusão de sentimentos vivos do seu univer-so ficcional num espaço definido e preciso: oespaço da escrita, pondo as palavras a serviçodo seu dizer. Nenhum gesto de personagemse perde dos olhos, nenhuma palavra se perdedo ouvido, tudo conduz ao ponto indicado pelamão do escritor.

Ao publicar um livro avaro, breve, espre-mido no tamanho, o autor teve a preocupaçãode se revelar contista demonstrando o domí-nio da escrita. Por isso ele é lido com vivo in-teresse por qualquer leitor; e com prazerosaadmiração pelo leitor mais exigente e atento.A definição mais adequada que encontro paraa singular reunião de contos de Aleilton Fon-seca é esta: um pequeno grande livro.

UM INVENTOR DE VIDAS E LUGARES. Artigo crítico sobreo livro Jaú dos Bois de Aleilton Fonseca. Coluna “LeituraCrítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 jul. 98, p. 7.

cid seixas 81

A POESIA DO DECANO

Bráulio de Abreu, aos noventa e três anosde idade, é o decano dos poetas baianos. Comonos tempos de antanho se dizia que antiguida-de é posto, o decanato da poesia é a láurea des-te velho remanescente de um dos muitos mo-vimentos e grupos literários que enriquecerama inquieta Bahia no início do século XX.

Bráulio de Abreu e Nonato Marques são osdois últimos sobreviventes do grupo respon-sável pela publicação da revista Samba, surgidaem 1928. Declaradamente modernista, masessencialmente conservadora, com traçosparnasianos, a revista trazia no seu primeironúmero um editorial de Alves Ribeiro fazen-

e-book.br82

a literatura na bahia | 4

do apologia do modernismo. Como, mesmoassim, o espírito moderno não baixasse noscolaboradores de Samba, o terceiro número,datado de fevereiro de 1929, trazia a proibiçãode receber poemas em forma de soneto.

Como uma escola literária não se caracteri-za apenas através das fôrmas, mas, principal-mente, a partir da substância das suas ideias,apesar do título da revista estar em consonân-cia com os vários “modernismos” regionaissurgidos nos fins da década de vinte, o grupoidealizador de Samba continuou embebido nasconvicções parnasianas e ornamentais da lite-ratura palavrosa então em voga.

É sintomático o fato de um dos seus desta-cados integrantes, Nonato Marques, ter aban-donado a designação natural que identificavao grupo com a revista, para sugerir a expres-são “os poetas da Baixinha”. Assim, aquele quese tornou o responsável pela divulgação e pelafixação histórica da contribuição dos seus com-panheiros, preferiu uma designação menoscomprometida com a inquietação modernistada época.

cid seixas 83

final do século 20

Era em torno das mesas do “Café Progres-so”, na Baixa dos Sapateiros, que se reunia ogrupo formado por Elpídio Bastos,Deocleciano Martins, Nonato Marques, OtoBittencourt Sobrinho, Souza Aguiar, Bráuliode Abreu, Alves Ribeiro, Clodoaldo Milton,Antonio Donatti, Pereira Reis Jr., EgbertoRibeiro, Anfilófio Brito, Queiroz Júnior,Zaluar de Carvalho, Raimundo Penafort, Ân-gelo Gomes da Costa, Aníbal Rocha e Samuelde Brito Silva (o Guarda 85).

Quando o poeta satírico Pinheiro Viegaspassou a integrar a confraria, a convite deNonato Marques, o centro constelar do gru-po deslocou-se da figura do Guarda 85 para oirreverente Viegas. Segundo Cid Mascarenhas,em palestra proferida no Instituto Geográficoe Histórico da Bahia, Pinheiro Viegas “comseus epigramas venenosos e comentárioschistosos, verdadeiras verrinas, foi afastandoos componentes da então coesa turma”.

Na mesma época, um outro grupo formavaa chamada elite intelectual da cidade. Os jo-vens Pinto de Aguiar, Hélio Simões, Carvalho

e-book.br84

a literatura na bahia | 4

Filho e Eurico Alves, com o apoio do críticoCarlos Chiacchio, fundaram a revista Arco &Flexa. Por vinculações sociais e intelectuais, osintegrantes desse pequeno núcleo mantinhamlaços de amizade com Godofredo Filho, Afrâ-nio Coutinho, Eugênio Gomes, Jorge Amadoe outros jovens baianos de então.

Os “poetas da Baixinha” continuaram àmargem desses bem sucedidos jovens. Comoconstata Nonato Marques, nenhum dos Poe-tas da Baixinha entrou para a Academia de Le-tras da Bahia, instituição que funciona comouma espécie de termômetro da elite intelectu-al.

Bráulio de Abreu só foi notado ocasional-mente. Primeiro, por Arthur de Salles, que,segundo o já citado Cid Mascarenhas, teria lhedito, após ouvir a declamação de alguns poe-mas: “A sua obra está à altura da minha”.

Mas foi somente em 1980, quando Anto-nio Loureiro de Souza, no seu discurso de re-cepção ao acadêmico Clóvis Lima, leu um so-neto de Bráulio de Abreu, que o mundo aca-dêmico tomou conhecimento da poesia desse

cid seixas 85

final do século 20

velho e humilde alfaiate. Renato Berbert deCastro convidou-o para uma das célebres ter-túlias da sua casa. Lá, Bráulio leu sonetos parao anfitrião e seus convidados Hélio Simões,Jorge Calmon, Jayme de Sá Menezes, JoséSilveira, Erthos Albino de Souza, Thales deAzevedo, Carlos Eduardo da Rocha, LuisHenrique Dias Tavares, José Calasans e Lou-reiro de Souza.

Com a aprovação dos presentes, Berbert deCastro encarregou o professor Loureiro dereunir os poemas de Bráulio de Abreu num li-vro a ser publicado pelo Conselho Estadual deCultura. Antonio Loureiro não só organizouo livro como escreveu uma longa introdução.Dezesseis anos depois o trabalho continuavainédito, tendo agora a Fundação JoãoFernandes da Cunha propiciado a sua publica-ção.

Alma profana é portanto o livro de estreiadesse veterano da poesia baiana, que somenteaos 93 anos de idade chega ao público atravésde um livro ostentando seu nome na capa. Bemverdade que ele não é inédito. Aparece em jor-

e-book.br86

A Literatura na Bahia | 4

nais e revistas, em estudos literários e princi-palmente em antologias como Apóstolos do so-nho, onde doze sonetistas como Clóvis Lima,Ivan Americano, João Muniz, Carlos Benja-min Viveiros e Nathan Coutinho comparecemcom doze peças cada um; Coletânea de poetasbaianos, organizada por Aluísio de CarvalhoFilho; Os mais belos sonetos brasileiros etc.

Nesse livro, Alma profana, de Bráulio deAbreu está reunida uma parte substancial dasua produção, onde o soneto de inspiraçãoparnasiana deixa, às vezes, escorrer da fôrma o“sentimento do mundo” manifestado pelo de-cano dos poetas baianos. É precisamente nosinstantes em que a versificação é sobrepujadapor um halo de vida que a poesia se deixa plas-mar em raios de luz.

A POESIA DO DECANO. Artigo crítico sobre o livro Almaprofana, de Bráulio de Abreu. Salvador, Fundação JoãoFernandes da Cunha, 1996, 192 p. Coluna “LeituraCrítica” do jornal A Tarde, Salvador, 11 nov. 96, p. 7.

cid seixas 87

SOMBRAS DE PALAVRAS

Elieser Cesar vem aos poucos construindouma obra literária sustentada na inquietação ena procura de meios expressivos para de darforma a todas as histórias que habitam o mun-do das sombras, à espera de um corpo de pala-vras capazes de transitar no mundo dos ho-mens. Sua estreia se deu em 1989, quando pu-blicou pela Editora Contexto O azar do golei-ro.

Além de escritor, Elieser Cesar é jornalista.Suas duas ocupações são contíguas, como ca-sas separadas por parede meia. De um lado, aspalavras do dia a dia que lhe dão sustento; do

e-book.br88

a literatura na bahia | 4

outro lado, as palavras domingueiras que sãoseu culto, sua religião.

Não tenhamos dúvida de que todo jorna-lista treinado para escrever com clareza e semempolamento já venceu um dos principais obs-táculos postos no caminho do escritor – o di-zer enfeitado. Muitos beletristas imaginam quefazer literatura é maquilar a escrita, esconden-do as dobras da pele. Que escrever bem é en-feitar as frases com penduricalhos, fazendo dotexto uma luminosa e feérica árvore natalinade gosto nouveau riche.

Dessa forma, o estilo de muita gente é pe-dante e afetado. Desde a revolução burguesaque propiciou a eclosão do romantismo comoexpressão adequada a uma classe em plena as-censão, os escritores passaram a se preocuparcom a simplicidade, pondo em prática a teoriados árcades. Se um dia a eloquência foi comumaos bacharéis e aos escritores, de um dia paraoutro os artistas deixaram para os bacharéis apalavra togada e solenemente posta em sapatoalto. Pegue a eloquência e torça-lhe o pescoço– já se disse, para o espanto dos pedantes.

cid seixas 89

final do século 20

Mas a toda hora os trajes de gala são tiradosdo armário. Vira e mexe, o cultismo ataca. É oque se dá com os chamados “pós-modernos”.Escrevem coisas que não são feitas para seremcompreendidas, mas para serem contempladas.E o estilo “pós-moderno” (sempre entre as-pas) faz escola: muitos escritores de talentocedem à tentação de parecerem do seu tempo.Há ficcionistas que cultivam o discurso relu-zente e esquecem aquilo que tinham para con-tar ao outro quando resolveram escrever. En-tre dizer as velhas verdades de sempre (afinalde contas, é o que faz todo mundo, mesmoquando o faz de outra forma) e tentar ser ori-ginal, preferem tentar o que não conhecem. Após-modernidade atrai os pretensos literatos,como insetos em busca da luz. Mas ninguémprecisa se esforçar para ser contemporâneo desi mesmo. Só os mímicos. E os tolos.

Jorge Amado, vez por outra, dá um mesmoconselho a quem merece compreendê-lo: paraser escritor, simplesmente escreva; diga comsimplicidade o que tem para dizer. Não tente

e-book.br90

a literatura na bahia | 4

fazer “literatura” porque o resultado seráliteratice.

Penso que foi mais ou menos isso que o ouvidizer, certa feita a um amigo que me levou pelaprimeira vez à casa do escritor, no Rio Verme-lho. Ou foi isso que entendi depois que li al-gumas vezes a síntese do seu modo de pensaro trabalho de qualquer ficcionista.

Essa busca de simplicidade que norteou osescritores brasileiros empenhados no chama-do romance de 30, se fez sentir nas redaçõesde jornais. Lembre-se que na mesma épocamuitos escritores procuravam o jornal comomeio de sobrevivência. Bons escritores, comoDrum­mond, Graciliano, Rubem Braga fize-ram da escrita jornalística sua profissão e suaescola. Ao contrário dos subliteratos, eles nãoqueriam fazer “l iteratura” nos textosjornalísticos. Queriam apenas usar sua escritacomo meio de vida. A mesma técnica, a mes-ma precisão foi transposta para o jornal. Issonão aconteceu apenas aqui, mas em outros pa-íses. Escritores de estilo direto, desempolado,tornaram-se figuras nucleares nas redações de

cid seixas 91

final do século 20

jornais. Editavam, reescreviam matérias, enfim,impunham um novo estilo.

Não é de estranhar, portanto, a facilidadecom que hoje bons jornalistas se tornam es-critores. Seguem o exemplo de NelsonRodrigues, Otto Lara Resende, José Cândidode Carvalho, Carlos Heitor Cony, HerbertoSales, Assis Brasil e uma centena mais. Ou ain-da: fingem fazer ficção quando escrevem aquiloque viram. Algumas grandes reportagens emforma de biografia são disputadas pelas prin-cipais editoras, agradando tanto quanto umromance.

Mas o que isso tem a ver com o livro deElieser Cesar, que é o tema deste artigo? Tudo.Quero dizer que o autor de O escolhido dassombras e outras histórias não precisa de mala-barismos verbais. Ele simplesmente sabe es-crever. Por isso suas histórias são lidas comprazer e proveito. Especialmente, quando fa-lam de coisas comuns, desses pequenos tesou-ros do cotidiano de todos nós que, às vezes,deixamos de perceber quando vivemos e só

e-book.br92

a literatura na bahia | 4

percebemos ao ler o vivido por outros viven-tes menos desatentos.

O volume é constituído por sete contos euma novela, “As sombras luminosas”, que dátítulo ao livro. Dois desses contos, “O tronodo desenganado” e “O primeiro carnaval deLuciano” foram premiados. Mas o último,embora distinguido por uma comissãojulgadora, parece, às vezes, ceder à tentação dosesquemas intelectuais. O personagem centralé apresentado desse modo; ele pensa e agecomo um intelectualzinho modelo standard.Seus imaturos conflitos não chegam a sensibi-lizar o leitor.

Por falar em esquematismo, o apelo àintertextualidade, ou a citação de versos deRicardo Reis, Álvaro de Campos, Drummond,Castro Alves e Ferreira Gullar na ficção deElieser Cesar funcionaria de forma mais natu-ral sem o recurso acadêmico das notas de refe-rência, ou de pé de página. Se o autor vê ne-cessidade de identificação das fontes, basta fa-zer isso no fim do volume, transcrevendo otrecho original acompanhado da referência bi-

cid seixas 93

final do século 20

bliográfica. Quando a identificação se dá noâmbito da narrativa, somos despojados da con-dição de personagens-visitantes ou de hóspe-des de um mundo de ficção. Somos jogadosde volta às convenções do mundo palpável ecivil, com idade, horário, óculos e bigode. Per-demos então a invisibilidade das ondinas e dosventos marinheiros, dos quais Ruy EspinheiraFilho faz segredo e nos fala como coisas sa-gradas.

Os momentos menos convincentes do li-vro são aqueles em que o autor tenta fazer li-teratura. Aqueles em que o gosto pelo erudi-to, pelo livresco, ou, ainda, pelo insólito, so-brepõe o uso dessa última categoria que, naverdade, é apenas um dos aspectos da realida-de humana. Quando o fantástico irrompe paramostrar o quanto insólito é o mundo em quevivemos, ele funciona melhor. Vejam-se assombras no mundo crepuscular de um incertoRubaldo Serese. Essas sombras não nos inco-modam, como não incomodam ao protagonis-ta, porque surgem de uma necessidade expres-siva da narrativa.

e-book.br94

A Literatura na Bahia | 4

No mais, saímos das histórias de ElieserCesar com a vontade de retornar a outros síti-os do seu invento. E isso não é pouco. É o quetodo escritor almeja: conquistar leitores.

SOMBRAS DE PALAVRAS. Artigo crítico sobre o livro Oescolhido das sombras e outras histórias, de Elieser Cesar.Salvador, BDA, 1996, 126 p. Coluna “Leitura Crítica”do jornal A Tarde, Salvador, 27 jan. 97, p. 7.

cid seixas 95

AS CHAMAS DA MEMÓRIA

Gláucia Lemos, escritora que tem públicocativo e alguns livros que alcançaram reedições,publicou no ano passado o romance As cha-mas da memória. As obras que tornaram a au-tora conhecida nacionalmente foram todaspublicadas por editoras de São Paulo. Comnome reconhecido pela crítica e pelos leito-res, a escritora publicou esse seu novo roman-ce por uma editora de Salvador, a BDA. Infe-lizmente, o livro não teve a repercussão equi-valente à sua qualidade, refletindo assim o con-traditório e indigente panorama editorialbaiano.

e-book.br96

a literatura na bahia | 4

Os livros aqui publicados permanecem iné-ditos! (O sinal de exclamação vai bem àfrase.)Se o autor quer conquistar um lugar vi-sível no panorama literário tem que publicarem São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte ouem Porto Alegre, nunca na Bahia. Dita assim,a sentença soa pessimista, mas confrontadacom os fatos aparece como um relato fiel.

É verdade que em Salvador muito se publi-ca. Mas pouco se lê. Passados os meses das fé-rias e das festas temos dois ou três lançamen-tos por semana, o que nos aproxima de umametrópole intelectual. O problema é que amaior parte das publicações é de iniciativa doautor, não passando pelo controle de qualida-de (ou de falta de qualidade) do mercado edi-torial. Tal mercado associa um mínimo depredicados com a pronta aceitabilidade porparte do consumidor, sendo esse último o itempreponderante.

Como o livro do autor baiano com impres-são paga pelo mesmo foge deste circuito, todolivro publicado na Bahia é tratado pelos distri-buidores e livreiros como mercadoria invendá-

cid seixas 97

final do século 20

vel e relegada às prateleiras mais escondidas daslojas.

Mesmo quando instituições prestigiosasadotam um programa editorial, seu produtotem o mesmo destino do livro impresso paraatender à vaidade do autor. A midia tambémnão faz nenhuma distinção, dando às vezes umrelevo indevido a publicações insignificantes etratando com indiferença autores que mere-cem especial respeito.

Por isso, publicar em Salvador é, às vezes, omesmo que deixar o livro inédito. Essas refle-xões surgem a propósito de As chamas da me-mória, romance que recebeu, no Rio de Janei-ro, o Prêmio Graciliano Ramos da União Bra-sileira de Escritores mas, como foi publicadona Bahia, não teve uma receptividade equiva-lente aos seus méritos.

Dito isto, deixo claro, desde já, o resultadoda impressão favorável causada pela leitura dascento e poucas páginas do trabalho de GláuciaLemos. Romance enxuto, quase uma pequenanovela, com um fio temático centrado numepisódio crucial da vida da protagonista e nar-

e-book.br98

a literatura na bahia | 4

radora, seu enredo abre espaço apenas parapequenas tramas subsidiárias, sinteticamentedesenvolvidas, estruturando assim a forma deromance. A surpresa do leitor fica por contado grande flashback que só é percebido comotal no desfecho da narrativa, justificando ple-namente o título do livro.

Uma queimada à beira da estrada desentra-nha das suas chamas lembranças e cicatrizesda memória, de onde surge o painel de insatis-fação da mulher perante o casamento. As per-sonagens femininas do livro são todas elas fi-guras marcadas pela opressão de relações con-jugais injustas, onde o papel da mulher conti-nua sendo o mesmo atribuído pela sociedadeburguesa do século XIX: cultivar prendas eenfeitar-se para o marido.

Mas o bom do livro é que, ao tratar do con-flito homem-mulher, o tratamento não derra-pa no discurso ressentido de um feminismoque se confunde com androfobia. A narradoravê os fatos com olhos turvados, mas equidis-tantes, e constrói o conflito das personagenscomo forma de rever os conflitos das pessoas

cid seixas 99

final do século 20

reais. Daí a sua eficácia e a sua natureza pri-mordialmente artística, onde a obra não está aserviço de causas e movimentos circunstanci-almente em alta na bolsa de valores da moda,mas da própria condição social da mulher e doser humano.

Existem livros claramente engajados às cau-sas políticas, religiosas, minoritárias etc. Sãoobras que ficam a meio caminho entre a litera-tura e a retórica, isto é, o discurso persuasivo.Algumas outras ultrapassam as circunstânciasdos indivíduos que as produziram e se inscre-vem no gênero de obras da humanidade, paraalém das diferenças. Mas isso não impede queelas desempenhem um papel de críticas seve-ras das estruturas restritivas da plenitude dosujeito. Muito pelo contrário. Molière, GilVicente, Shakespeare, Dostoievski, JorgeAmado e muita gente sem o mesmo prestígiorealiza obras a serviço da felicidade humana.

É isso que separa a Literatura, enquantoarte, da “literatura” doutrinária, mais próximados tratados e discursos conceituais do que daarte da ficção. Uma tênue fronteira – é verda-

e-book.br100

A Literatura na Bahia | 4

de. Tão sutil que muita gente chama de litera-tura a tudo aquilo que se escreve ou publica.Fala-se em revisão da literatura no sentido derevisão da bibliografia, em literatura científicapara designar tratados de ciência.

Desse modo, o escritor é todo sujeito cultoque transmite seu saber através do texto. Masnem todo escritor faz Literatura, arte da pala-vra.

Gláucia Lemos é uma escritora com lugarassegurado na Literatura do seu povo. Sua es-crita – cuidadosamente urdida, onde o domí-nio do dizer transforma as conflituosas fac-ções do pensamento em admiráveis ficções –realiza construções sóbrias e plenas de encan-tamento. Como lemos no romance As chamasda memória.

AS CHAMAS DA MEMÓRIA. Artigo crítico sobre o livro Aschamas da memória, de Gláucia Lemos. Coluna “Lei-tura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 mar. 97, p. 7.

cid seixas 101

TEMPESTADE DE IDEIAS

O título desse livro não dá, por si mesmo, amedida da profundidade e da seriedade dosensaios reunidos por João Carlos TeixeiraGomes numa obra que é uma das mais impor-tantes contribuições ao estudo da literaturabrasileira. O ensaísta adota, na maioria dos tra-balhos, o método comparativo como instru-mento de conhecimento da nossa literatura ecomo ponto de partida para reavaliação dostextos.

Estudioso maduro, senhor de um sistemade conceitos já sedimentados, o autor do livrotanto pode trazer contribuições originais quan-to retomar temas já estudados com insistên-

e-book.br102

a literatura na bahia | 4

cia, porque o seu enfoque se sustenta numareflexão bem fundada e consequente, empres-tando aos velhos temas feições revistas e capa-zes de estimular o debate frutífero.

Não tenho dúvida de que Teixeira Gomes éhoje o estudioso baiano que tem trazido con-tribuições mais valiosas à Literatura brasileira.Nesta terra de muita fama – ou de muita fala epouca escrita (ou, pelo menos, pouca publica-ção) – dois livros de Teixeira Gomes tornam-se consulta obrigatória para os temas tratados.Gregório de Mattos: Um estudo de plágio e cri-ação intertextual é o livro mais completo e maisinstigante sobre o “Boca de Brasa”, até agorapublicado. A adoção do enfoque comparado ea abordagem da intertextualidade inserem osestudos gregorianos no bojo das preocupaçõesmais atuais, sem que isso represente um mo-dismo, mas uma forma de redimensionar umatradição e entendê-la a partir de um discurso sin-tonizado com o pensamento do nosso tempo.

Não esqueçamos que antes de se tornartema recorrente do empolado discurso acadê-mico de grau, a intertextualidade é ela mesma

cid seixas 103

final do século 20

a base da literatura ocidental na sua tradiçãogreco-latina. A poética clássica latina tinhacomo preceito maior o estabelecimento de umaponto de trânsito constante dos modelos gre-gos. A partir daí o processo intertextual do-mina a literatura europeia, reassumindo o com-promisso clássico a partir do século XVI.

Teixeira Gomes compreende o nosso bar-roco com base nas noções fundamentais deintertextualidade e de uma perspectiva segurada Literatura Comparada, estendendo o olhara outros momentos literários.

O segundo livro fundamental é esse A Tem-pestade Engarrafada. Deve-se mesmo lamen-tar o fato dos estudos de Teixeira Gomes nãosaírem por uma editora de circulação nacio-nal. Apesar da boa intenção dos órgãos ofici-ais de cultura, esta é uma série provinciana emquase todos os sentidos. O selo que identificaa coleção traz os dizeres: “As letras da Bahia.Terra da cultura e da alegria”. Já a partir da suaidentificação o selo sugere propaganda turís-tica de show folclórico ou de barraca de ca-ranguejo.

e-book.br104

a literatura na bahia | 4

Os sulistas têm um apurado preconceitocontra os baianos e algumas de nossas gaiati-ces. Uma riminha besta como esta que órgãosdo quilate da Fundação Cultural e da Secreta-ria de Cultura e Turismo encontraram paraencastoar vistosamente no frontispício dosseus livros nos expõe ao riso e à galhofa.

A coleção tem um conselho editorial for-mado por pessoas altamente qualificadas, mascertamente esse conselho não foi consultadoa respeito do “slogan” folclórico. Intelectuaiscomo Florisvaldo Mattos, Hélio Pólvora,Pedro Moacir Maia e os outros que integramo conselho (desconheço todos os nomes) nãoaprovariam baboseiras semelhantes. O bomgosto e o bom senso dos conselheiros é notó-rio. Se alguma autoridade da área de culturacostuma ler seções de cultura nos jornais queleve o recado ao Diretor da Fundação ou aoSecretário de Cultura: Ainda é tempo de tiraresta baboseira do frontispício dos livros! To-dos os autores publicados na série temos ver-gonha dessa gaiatice que em nada recomendaum livro.

cid seixas 105

final do século 20

Por outro lado, o esforço louvável dos se-nhores Paulo Gaudenzi, José Augusto Buritie Tasso Franco em publicar uma coleção detemas baianos poderia ter melhoresconsequências se os livros circulassem nacio-nalmente, ultrapassando os limites provincia-nos. Sabemos que o serviço público não temcondições de por os livros nem mesmo nas li-vrarias do nosso estado. Um convênio comuma editora de distribuição nacional (elas es-tão sediadas em São Paulo ou mesmo no Rio)resolveria o problema.

Um livro como esse de João Carlos TeixeiraGomes nos leva a lamentar que a coleção “AsLetras da Bahia” imprima mas não publiqueseus livros. Publicar é tornar público, tornaracessível. A EGBA cumpre a sua parte, impri-mindo os volumes. É preciso que eles sejampublicados, distribuídos, nacionalmente.

Retomando a análise do livro, o estudo quedá título ao volume de Teixeira Gomes buscaum confronto entre aspectos da obra e da vidade Alfonsina Storni com Florbela Espanca,tomando o excesso de emoção que a palavra

e-book.br106

a literatura na bahia | 4

de uma e de outra poeta condensa para fazerexplodir na leitura. São ao todo onze estudos,alguns particularmente importantes, como“Literaturas-emissoras e l iteraturas-receptoras”, texto que se propõe a corrigirantigos preconceitos impostos pela ideologiado pessimismo, segundo os quais a nossa pro-dução literária da época colonial seria um apên-dice menor da literatura portuguesa. TeixeiraGomes parte da literatura comparada para de-monstrar como algumas obras da antiga colô-nia estabeleciam um diálogo vivo com as lite-raturas emissoras mais expressivas. Ele de-monstra, inclusive, que em muitos períodos aliteratura portuguesa foi apenas um veículo, umcanal intermediário entre os emissores de mo-delos literários e o processo de formação daliteratura brasileira.

“Presença do mito na formação da literatu-ra brasileira”, “Magalhães e os caprichos dafortuna literária” e “Um romance indianistaesquecido” são ensaios que retomam pontosda maior importância, ora pelo objeto estuda-do em si – como é o caso do primeiro ensaio –

cid seixas 107

final do século 20

ora por demonstrar como as circunstâncias deum momento histórico passado determinam,a partir de preconceitos que se projetam nofuturo, a teia que ainda hoje sustenta nossa vi-são histórica da literatura brasileira.

Evidentemente, por abordar temas diversose problemas múltiplos, o livro de Teixeira Go-mes não pode ser compreendido a partir deuma crítica de rodapé. Cada ensaio exige umenfoque particular. Pretende-se aqui ofereceruma sinopse do que foi visto e estimular o lei-tor a estabelecer um diálogo com esse traba-lho modelar.

TEMPESTADE DE IDEIAS. Artigo crítico sobre o livro Atempestade engarrafada, de João Carlos Teixeira Gomes.Salvador, Egba, 1996, 244 p. Coluna “Leitura Crítica”do jornal A Tarde, Salvador, 19 out. 98, p. 7.

O Elavador Lacerda visto da rampa do mercado.

cid seixas 109

DAVID SALLESE A CRÍTICA DE RODAPÉ

David Salles começou a publicar os primei-ros contos quando Glauber Rocha, Florisval-do Matos, João Ubaldo Ribeiro, CalazansNeto, Pau­lo Gil Soares e outros formavam omais criativo grupo de escritores e artistas daSalvador que, na metade do século, se debatiaentre o provincianismo e o cosmopolitismo.As Jogralescas, com as primeiras experiênciascênicas de Glauber, o grupo Mapa, nascido emtorno da publicação do mesmo nome, e a re-vista Ângulos reuniam quantos tivessem talen-to ou pretensões intelectuais.

O conhecido suplemento literário do Diá-rio de Notícias e as páginas inovadoras do Jor-

e-book.br110

a literatura na bahia | 4

nal da Bahia acolheram em 1958 as primeiraspublicações de David Salles, época em que eleparticipou da revista Ângulos. Convém lembrarque o JBa reunia no seu corpo de redação osescritores e artistas mais expressivos do nossomeio que, além do jornalismo diário, empres-tavam uma dimensão surpreendente às pági-nas de cultura.

Sua estreia em livro se deu em 1961, no vo-lume coletivo Reunião, ao lado de Sônia Cou-tinho, João Ubaldo Ribeiro e Noêmio Spino-la, este último então diretor de Ângulos. Já noano seguinte, publicava A traiçoeira invençãoda noite, pelas Edições Macunaíma, editoracriada pelos remanescentes da revista Mapa.

Formado em direito, a exemplo de outroscompanheiros de geração, David Salles trocouo exercício da advocacia pelo início de umanova carreira: matriculou-se no curso de Le-tras e, após a conclusão, iniciou uma vida aca-dêmica que durou até a sua morte prematura.

Foi como professor de Literatura Brasileirada Universidade Federal da Bahia e, eventual-mente, como professor visitante nos Estados

cid seixas 111

final do século 20

Unidos que ele se dedicou sistematicamente àcrítica, deixando em sus­penso a atividade deficcionista. Como crítico universitário publi-cou Primeiras manifestações da ficção na Bahia(pela UFBA e, uma segunda edição ampliada,pela Cultrix), O ficcionista Xavier Marques: umestudo da tradição ornamental e o conjunto deensaios intitulado Do ideal às ilusões: algunstemas da evolução do romantismo brasileiro,ambos pela Civilização Brasileira.

Mais de uma centena de textos dispersosforam publicados também em O Estado de SãoPaulo, no Minas Gerais Suplemento Literárioe, principalmente, em A Tarde, onde manteve,desde os fins da década de setenta ao início dadécada de oitenta, a coluna “Crítica de roda-pé”.

Ficaram inéditos um livro sobre Jorge Ama-do, mais um outro sobre ficção na Bahia e ovolume Crítica de rodapé. Neste último, reu-nia o que considerava essencial do seu pensa-mento crítico, centrado em obras de ficção. Amesma atividade de ficção que ele interrom-peu para se dedicar integralmente à crítica.

e-book.br112

a literatura na bahia | 4

É do prefácio escrito por David para o últimolivro inédito que retiramos o trecho seguinte:

“Aconteceu em Washington. Procurei umrenomado professor universitário, autor devários livros de crítica literária sobre a poesiaem língua inglesa, e solicitei-lhe informaçõesacerca das principais cor­rentes ou tendênciascontemporâneas de abordagem na crítica lite-rária norte-americana. Ele me lançou um olharde quem se sente ofendido e, como se condes-cendesse à minha ignorância, respondeu comum desabafo de indignação: Não sou crítico li-terário; sou um scholar.”

Essa passagem, que abre o volume Críticade rodapé, talvez sirva para sugerir a distânciaentre a crítica, como atividade responsável pelacriação de elos entre as obras e os leitores, e oensaísmo universitário, mais voltado para si mes-mo do que para a circulação do texto literário.

O crítico está mais interessado em arriscaruma leitura de livros, no momento em que sãopublicados, respondendo pelos muitos equí-vocos e pelos possíveis acertos. Sua atividade,desdenhada pelos criadores menos seguros,

cid seixas 113

final do século 20

consiste numa operação análoga ao do leitor ha-bitual: ler e expressar o seu gosto pela leitura.

Trata-se, então, de fazer circular as ideiascontidas nas obras; de trazer para a mídia aquiloque quase sempre permanece nos solitários eautossuficientes gabinetes universitários.

Como leitor comum que é, envolvido como mundo real, com suas paixões e suas des-venturas, um crítico emite opiniões tão dis-tantes das opiniões de um outro crítico, quan-to um leitor possa divergir de outro leitor. E ébom que assim o seja. A pluralidade assegura apossibilidade de inovações da literatura. Sen-do uma arte e não uma ciência, é o gosto deum momento histórico que constrói o seu pro-cesso de transformação.

Observe-se que os estudos universitários,mesmo quando revestidos de uma função crí-tica, situam-se em posição diversa. O estudio-so acadêmico quer fazer ciência, e só conside-ra a sua atividade legítima quando proclamadacientífica. Ele não arrisca. Suas análises, quasesempre, se desenvolvem em terrenos firmes,não cediços. O gosto é obliterado, qual filhobastardo de uma família de tradições.

e-book.br114

A Literatura na Bahia | 4

Expulsa da academia, à crítica de caráterimpressionista só restam as páginas descartá-veis dos jornais. E mesmo nessas, quase nuncaalcança os espaços de destaque, tendo chega-do aos cantos menos visíveis, aos rodapés. Daía designação – “crítica de rodapé” – atribuída àatividade dos leitores e amantes dos textos quequerem proclamar seu enamoramento e escre-ver em letras impressas as qualidades do obje-to amado.

Tal foi a tarefa a que David Salles se dedi-cou, “consciente dos riscos que corre abdican-do ser scholar em tempo integral, isto é, emtodos os momentos de sua convivência com otexto literário”, conforme as palavras deixadasà margem dos artigos que constituem o livroinédito Crítica de rodapé.

DAVID SALLES E A CRÍTICA DE RODAPÉ. Artigo sobre olugar do crítico literário David Salles no panorama bra-sileiro. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde,Salvador, 21 jul. 97, p. 7.

cid seixas 115

LIVROS DO AUTOR

POESIA

Temporário; poesia. Salvador, Cimape, 1968 (ColeçãoAutores Baianos, 3).

Paralelo entre homem e rio: Fluviário; poesia. Salvador,Imprensa Oficial da Bahia, 1972.

O signo selvagem; metapoema. Salvador, Margem / De-partamento de Assuntos Culturais da SecretariaMunicipal de Educação e Cultura, 1978.

Fonte das pedras; poesia. Rio de Janeiro, Civilização Bra-sileira; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1979.

Fragmentos do diário de naufrágio; poesia. Salvador,Oficina do Livro, 1992.

O espelho infiel; poesia. Rio de Janeiro, Diadorim, 1996.

e-book.br116

a literatura na bahia | 4

ENSAIO E CRÍTICA

O espelho de Narciso. Livro I: Linguagem, cultura e ide-ologia no idealismo e no marxismo; ensaio. Rio deJaneiro, Civilização Brasileira; Brasília, Instituto Na-cional do Livro, 1981.

A poética pessoana: uma prática sem teoria; ensaio. Sal-vador, CEDAP; Centro de Editoração e Apoio à Pes-quisa, 1992.

Godofredo Filho, irmão poesia; ensaio. Salvador, Ofici-na do Livro, 1992. (Tiragem fora do comércio.)

Poetas, meninos e malucos; ensaio. Salvador, Universi-dade Federal da Bahia, 1993. (Cadernos Literatura &Linguística, 1.)

Jorge Amado: Da guerra dos santos à demolição doeurocentrismo; ensaio crítico. Salvador, CEDAP, 1993.

Literatura e intertextualidade; ensaio. Salvador, CEDAP,1994.

Herberto Sales. Ensaios sobre o escritor. Salvador, Ofici-na do Livro, 1995.

O viajante de papel. Perspectiva crítica da literatura por-tuguesa. Salvador, Oficina do Livro, 1996.

Triste Bahia, oh! quão dessemelhante. Notas sobre a li-teratura na Bahia. Salvador, Egba; Secretaria daCultura, 1996.

O lugar da linguagem na teoria freudiana; ensaio. Sal-vador, Fundação Casa de Jorge Amado, 1997. (Col.Casa de Palavras)

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobre MiguelTorga; ensaios. Salvador, Oficina do Livro, 1999.

cid seixas 117

final do século 20

O trovadorismo galaico-português; ensaio crítico e an-tologia. Feira de Santana, UEFS, 2000.

Três temas dos anos trinta; textos de crítica literária. Feirade Santana, UEFS, 2003. (Cadernos de sala de aula,1)

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. Org.,intr. e notas Rubens Alves Pereira e Elvya RibeiroPereira. Feira de Santana, UEFS, 2003. (Col. Lite-ratura e diversidade Cultural, 10)

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leiturade Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. 2a

ed. Ilhéus, Rio do Engenho, 2015.

NO EXTERIOR

The savage sign / O signo selvagem; poesia; trad. HughFox. Lansing, Ghost Dance, 1983. (Edição bilinguenorte-americana.)

E-BOOKS

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leiturade Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.Cedap, Coleção Oficina do Livro, v. 1, e-book.br,2014. Web: issuu.com/e-book.br/docs/camilo

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobre MiguelTorga, 2 ed. Coleção Oficina do Livro, vol. 3, e-book.br, 2015. Web: issuu.com/e-book.br/docs/torga

e-book.br118

a literatura na bahia | 4

Literatura e intertextualidade. Coleção Oficina do Li-vro, vol. 2, e-book.br, 2015. Web: issuu.com/e-book.br/docs/intertextualidade

Noventa anos do modernismo na Feira de Santana deGodofredo Filho. Coleção E-Poket, vol. 2, e-book.br,2015. Web: issuu. com/e-book.br/docs/godofredofilho

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. 2 ed.,Coleção Literatura e Diversidade Cultural, e-book.br, 2015. Web: issuu.com/e-book.br/docs/ca-bra cega

Da invenção à literatura. Textos de teoria e crítica. Co-leção Oficina do Livro, vol. 4, e-book.br, 2015. Web:issuu.com/e-book.br/docs/invencao

Orpheu em Pessoa. Org. Cid Seixas e Adriano Eysen.Coleção Oficina do Livro, vol. 6, e-book.br, 2015.Web: issuu.com/e-book.br/docs/orpheu

Do inconsciente à linguagem. Uma teoria da linguagemna descoberta de Freud. Coleção E-poket, vol.4, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/in-consciente

A Literatura na Bahia. Livro 1: Tradição e Modernidade,e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/tradicaomodernidade

1928: Modernismo e Maturidade. Livro 2 de A Litera-tura na Bahia, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/1928

Três Temas dos Anos 30. Livro 3 de A Literatura naBahia, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/anos30

cid seixas 119

final do século 20

Final do século XX. Livro 4 de A Literatura na Bahia,e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/seculo20

A essência ideológica da linguagem. Livro I de: Lingua-gem, cultura e ideologia, e-book.br, 2016. Web:issuu.com/e-book.br/docs/linguagem1

Linguagem e conhecimento. Livro II de: Linguagem, cul-tura e ideologia, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem2

Sob o signo do estruturalismo. Livro III de: Linguagem,cultura e ideologia, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem3

O contrato social da linguagem. Livro IV de: Lingua-gem, cultura e ideologia, e-book.br, 2016. Web:issuu.com/e-book.br/docs/linguagem4

A Linguagem: do idealismo ao marxismo. Livro V de:Linguagem, cultura e ideologia, e-book.br, 2016.Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem5

Stravinsky: uma poética dos sentidos. Ou a música comolinguagem das emoções. Coleção E-Poket, vol. 5, e-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/stravinsky

e-book.br120

a literatura na bahia | 4

Castro Alves e o reino de eros. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/eros

Espaço de convenção e espaço de transgressão. Livro I deConhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2016. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/1.espaco

A construção do real como papel da cultura. Livro II deConhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2017. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/2.construcao

A poesia como metáfora do conhecimento. Livro III deConhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2017. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/3.poesia

O signo poético, ficção e realidade. Livro IV de Conhe-cer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017.Dispo-nibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/4.signo

Do sentido linear à constelação de sentidos. Livro V deConhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2017. Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/5.sentido

PARTICIPAÇÃO

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Breveromanceiro do natal; antologia poética. Salvador,Beneditina, 1972. (Coautoria)

cid seixas 121

final do século 20

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Sete cantaresde amigo; antologia poética. Salvador, Arpoador;Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1975.(Coautoria)

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Lira de bolso;poesia. Salvador, Arpoador/Fundação Cultural doEstado da Bahia, 1975. (Coautoria)

VV.AA.: Antologia de Poetas da Bahia em AlfabetoBraille; poesia. Salvador, Fundação Cultural doEstado da Bahia, 1976. (Coautoria)

TAVARES, Luis Henrique Dias et alii: Jorge Amado.Ensaios sobre o escritor. Salvador, UniversidadeFederal da Bahia, 1983. (Participação com o poema“Bahia de Todos os Santos”, dialogando com a obraamadiana.)

TORGA, Miguel: Novos contos da montanha. Rio deJaneiro, Nova Fronteira, 1996. (“Apresentação àedição brasileira”, p. 1-8.)

GUERRA, Guido: Vila Nova da Rainha Doida;contos. Rio de Janeiro, Record, 1998. (“Os contosde Guido Guerra”, abas 1-2.)

DAMULAKIS, Gerana: O rio e a ponte; à margem deleituras escolhidas. Salvador, Secretaria da Culturae Turismo, 1999. (“A obra e o leitor: uma pontenecessária”, abas 1 -2.)

TORGA, Miguel: Contos da montanha. Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1999. (Artigo: “Os Sonhos doSujeito e sua Construção Social”, p. 1-10.)

BRASIL, Assis: A Poesia Baiana no Século XX. Anto-logia. Rio de Janeiro, Imago, 1999. (Participação

e-book.br122

a literatura na bahia | 4

com dois poemas: “Pasto das águas” e “Tebasrevisitada: Cidade da Bahia”, p. 213-215.)

CASTRO, Renato Berbert de. As candidaturas deAlmachio Diniz e Wanderley Pinho à AcademiaBrasileira. Salvador, Academia de Letras da Bahia;Assembléia Legislativa, 1999. (Artigo: “RenatoBerbert de Castro: o viajante de papel”, p. 7-12.)

AZEVEDO et al ii. Um grapiúna no país doCarnaval. Org. e revisão Vera Rollemberg.Salvador, Fundação Casa de Jorge Amado; Edufba,2000. (Artigo: “O sumiço da santa: Um painelcolorido da cultura mestiça”, p. 333-340.)

BRASILEIRO, Antonio. A estética da sinceridade &outros ensaios. Feira de Santana, UEFS, 2000. (“Estéticabrasileira e identidade pessoal”, abas 1-2.)

GUERRA, Emília Leitão: Poemas escolhidos.  Salvador,Edições Cidade da Bahia, 2000. (“A poesia ‘familiar’de Emília Leitão Guerra”, p. 7- 17.)

PEREIR, Roberval. A unidade primordial da líricamoderna. Feira de Santana, UEFS, 2000. (“Unidadedo moderno e do contemporâneo”, abas 1-2.)

CUNHA, Carlos. A flauta onírica e novospoemas. Salvador, Edições Cidade da Bahia;Fundação Gregório de Mattos, 2001. (Artigo: “Dovelho preciosismo ao non sense pós-moderno”, p.151-159.)

PÓLVORA, Hélio, org.  A Sosígenes, com afeto. Salvador, Edições Cidade da Bahia; FundaçãoGregório de Mattos, 2001. (Artigo: “SosígenesCosta, epopéia cabocla do modernismo na Bahia”,p. 75-84.)

cid seixas 123

final do século 20

RIBEIRO, Carlos, org. Com a Palavra oEscritor. Salvador, Casa de Palavras; Fundação Casade Jorge Amado, 2002. (Artigo: “Com a palavraGuido Guerra”, p. 64-73.)

BARROS, José Carlos. (Org.). Bahia: Poetas e PoemasContemporâneos. Salvador, Módulo, 2003. (Poemasescolhidos, p. 67-76.)

CANIATO, B. Justo ; GUIMARÃES, El isa,org. Linhas e entrelinhas: Homenagem a NellyNovaes Coelho. São Paulo: Editora Casemiro, 2003.(Artigo: “Academia dos Rebeldes: Revisitando umaproposta não esboçada”, p. 71-76.)

GUERRA, Guido. Auto-Retrato. Salvador, FundaçãoGregório de Mattos, 2003. (Artigo: “Auto-Retratodo Escritor Guido Guerra”, p. 285-291.)

MATTOS, Cyro; FONSECA, Aleilton, org. O triunfode Sosígenes Costa. Ilhéus, Editus, 2005. (Artigo:“Iararana, um documento dos anos 30”, p. 143-156.)

LEITE, Olivei ra. (Org.). Vertentes culturais daliteratura na Bahia. Salvador, Quarteto, 2006.(Artigo : “Jorge Amado e o canto épico damestiçagem”, p. 39-50. )

HOISEL, Evelina; RIBEIRO, M. de Fátima.(Org.). Viagens: Vitorino Nemésio e intelectuaisportugueses no Brasil. Salvador, UFBA, 2007.(Artigo: “Hélio Simões e as relações luso-brasileiras”, p. 49-56.)

GILFRANCISCO. (Org.). Musa capenga (obraesquecida de Edson Carneiro). Salvador, FundaçãoCultural do Estado da Bahia, 2007. (Artigo: “Apoesia de Édison Carneiro redescoberta porGilfrancisco”, p. 11-19.)

e-book.br124

a literatura na bahia | 4

GUERRA, Guido. Imortal irreverência: depoimentose entrevistas. Salvador, Ponte da Memória;Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2009.(Artigo: “Guido Guerra: do jornalismo à criaçãoliterária”, p. 15-22.)

GUERRA, Guido. Imortal irreverência: depoimentose entrevistas. Salvador, Ponte da Memória;Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2009.(Depoimento: “A timidez escondida”, p. 119-138.)

HOISEL, Evelina; LOPES, Cássia. Poesia e Memória:A poética de Myriam Fraga. Salvador, Edufba, 2011.(Artigo “Palavra de mulher, coisa fecunda”, p. 291-294.)

MATTOS, Cyro de. Berro de fogo e outrashistórias.  Ilhéus, Editos, 2013. (Artigo deintrodução ao livro: “A força selvagem”, p. 9-12.)

SEIXAS, Cid; EYSEN, Adriano, org. Orpheu em Pes-soa. Cedap, Coleção Oficina do Livro, E-book.br,v. 6, 2015. Web: issuu.com/e-book.br/docs/orpheu(Artigo: “Fernando Pessoa, centro constelar do gru-po Orpheu”, p. 161-180.)

EUCLIDES NETO. A última caçada; contos. Seleção,introdução e notas de Cid Seixas. Coleção Oficinado Livro, E-book.br, 2017. Web: https://issuu.com/euclides-neto/docs/1 (Artigo: “O Contista EuclidesNeto”, p. 9-12.)

EUCLIDES NETO. O advogado e o burro ladrão;conto. Seleção, introdução e notas de Cid Seixas.Coleção Oficina do Livro, E-book.br, 2017. Web:https://issuu.com/euclides-neto/docs/2 (Artigo:“Uma Pequena Grande Obra”, p. 11-16.)

Cid Seixas é jornalista e escri-tor. Antes de se tornar profes-sor universitário, atuou na im-prensa como repórter, copy deske editor, trabalhando em rádio,jornal e televisão. Fundou e di-rigiu um dos mais qualificadossuplementos literários, o Jornalde Cultura, publicado na Bahiapelos Diário de Notícias. É gra-duado pela UCSAL, mestre pelaUFBA e doutor pela USP.

Na área de editoração, dedi-ca-se a planejamento e projetode livros e outras publicações.Além de ter colaborado comjornais e revistas especializadas– entre os quais O Estado de S.Paulo e a Colóquio Letras, deLisboa –, assinou, durante cin-co anos, a conceituada coluna“Leitura Crítica”, no jornal ATarde.

Professor Titular aposentadoda Universidade Federal daBahia e Professor Adjunto daUniversidade Estadual de Feirade Santana, onde atuou nos pro-jetos de criação do Mestrado emLiteratura e Diversidade Cultu-ral, bem como da UEFS Edito-ra.

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

Livro 4:Final do Século XX

A LITERATURANA BAHIA

Antonio Torres, Aramis Ribeiro Costa, Aleil-ton Fonseca, Bráulio de Abreu, Cyro de Mattos,David Salles, Elieser Cesar, Euclides Neto, GláuciaLemos, Guido Guerra, João Carlos Teixeira Go-mes, Ruy Espinheira Filho e outros autores baia-nos figuram neste volume, sem refletir preferên-cia ou hierarquia, pelo fato dos seus livros teremsido discutidos nos últimos anos de publicação dacoluna “Leitura Crítica”, assinada por Cid Seixasno jornal A Tarde. Outros textos e autores serãoobjeto de novos volumes da série A Literatura naBahia.

A LITERATURANA BAHIA