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FACULDADE SÃO BENTO
Maria Lúcia Laranjeira
A MÍSTICA CRISTÃ EM DEFESA DA QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS
POBRES
São Paulo
2017
Maria Lúcia Laranjeira
A MÍSTICA CRISTÃ EM DEFESA DA QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS
POBRES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
exigência parcial para obtensão do título de
Bacharel em Teologia na Faculdade de São Bento.
Orientador: Prof. Ms. Frei Márcio.
São Paulo
2017
Dedico este trabalho a todos cristãos e cristãs
que lutam em favor da vida por uma
sociedade fraterna, dignidade humana a partir
da integridade e harmonia com Deus e a
natureza.
AGRADECIMENTO
Meus agradecimentos a Deus pela vida, pela saúde e pela força que Ele me deu ao
longo desses três anos de curso, e de modo especial, para fazer este trabalho de conclusão.
A Deus que caminha e anima o seu povo na perseverança e luta diária por uma sociedade
melhor. Aos meus pais: Idália Almeida Laranjeira e José Santos Laranjeira ( falecido)
porque através deles eu vim ao mundo. Doando suas vidas na minha educação, formação
cristãs, e cidadania, que me ajudaram a crescer e aprender atitudes e valores humanos. Aos
meus irmãos que sempre me apoiaram, animaram e partilharam comigo momentos de
difíceis de decisões. Aos colegas, em especial Edwirges Macêdo e Kelly Carvalho de
Souza. A Congregação das Irmãs de Santa Zita, que me ofereceram a oportunidade de fazer
o curso de Teologia , para a qualificação da missão. Ao Professor Ms. Frei Márcio Couto,
meu orientador, que me dedicou seu tempo com muito carinho, disponibilidade e
perseverança, me acompanhou com muita dedicação e paciência nesta pesquisa. A todos os
professores do curso de Teologia que me ajudaram e me acompanharam com muita
dedicação.
Muito obrigada
Nada te pertube. Nada te espante. Tudo passa. Só
Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a
Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta.
( Santa Teresa D’ Avila.)
RESUMO
Este estudo pretende examinar as principais noções que orientam o tema da mística
cristã e como pode abrir novas vias para a economia, politica e religião. O trabalho não
pretende esgotar o assunto em si, mas procura resumir as principais características da
experiência mística em face da realidade atuante de nossos dias. É um estudo que parte das
seguintes questões: Como a situação global a âmbito nacional degrada a vida dos mais
pobres? Como a autentica mística cristã pode transformar a nossa sociedade? Como a
mística pode ajudar os marginalizados e a reintegrar a ecologia? Quais as propostas que
podem mudar a direção para o qual, nosso país caminha? No Ocidente, a imagem do
misticismo foi distorcida. Tudo o que, no início do Iluminismo, entre os séculos XVII e
XVIII, passou a ser considerado uma maneira irracional e suspeita, hoje é buscado
novamente por muitas pessoas, que veem no caminho místico a experiência de Deus.
Portanto, é necessário uma mística integrada com a caminhada do povo, engajada com a vida
social e os problemas de marginalização e destruição da natureza. Para vivenciar o
verdadeiro cristianismo, devemos viver uma espiritualidade integrada como um todo.
Através de algumas bibliografias, pesquisas de sites, e com a experiência pastoral, percebe-
se a grande necessidade de alternativas concretas que possibilitem a inclusão de pessoas
marginalizadas, através de uma economia integrada, de uma consciência de sustentabilidade
para maior qualidade de vida das pessoas, em especial, das mais pobres e frágeis.
Palavras chaves: mística cristã, pobres, reintegração, ecologia, Deus, inclusão
RESUMEN
Este estudio pretende examinar las principales nociones que orientan el tema de la
mística cristiana y cómo puede abrir nuevas vías para la economía, la política y la religión. El
trabajo no pretende agotar el asunto en sí, sino que busca resumir las principales
características de la experiencia mística frente a la realidad actuante de nuestros días. Es un
estudio que parte de las siguientes cuestiones: ¿Cómo la situación global a nivel nacional
degrada la vida de los más pobres? ¿Cómo la auténtica mística cristiana puede transformar
nuestra sociedad? ¿Cómo la mística puede ayudar a los marginados y a reintegrar la ecología?
¿Cuáles son las propuestas que pueden cambiar la dirección de nuestro país camina? En el
Occidente, la imagen del misticismo fue distorsionada. Todo lo que, al principio de la
Ilustración, entre los siglos XVII y XVIII, pasó a ser considerado una manera irracional y
sospechosa, hoy es buscado nuevamente por muchas personas, que ven en el camino místico
la experiencia de Dios. Por lo tanto, es necesaria una mística integrada con la caminata del
pueblo, comprometida con la vida social y los problemas de marginación y destrucción de la
naturaleza. Para vivir el verdadero cristianismo, debemos vivir una espiritualidad integrada
como un todo. A través de algunas bibliografías, investigaciones de sitios, y con la
experiencia pastoral, se percibe la gran necesidad de alternativas concretas que posibiliten la
inclusión de personas marginadas, a través de una economía integrada, de una conciencia de
sostenibilidad para una mayor calidad de vida de las personas en particular, de las más pobres
y frágiles.
Palabras claves: mística cristiana, pobres, reintegración, ecología, Dios, inclusión
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................09
CAPÍTULO I
1. A realidade do mundo contemporâneo e do Brasil......................................10
1.2 Posicionamento do documento Laudato Si: Deterioração da qualidade de vida
humana e degradação social...........................................................................13
1.3 Mística do mercado........................................................................................15
CAPÍTULO ll
2. A Relação do humano com a natureza e com Deus através
das narrativas bíblicas...........................................................................................18
2.1 O olhar de Jesus................................................................................................22
CAPÍTULO III
3. Ação para transformar a realidade...................................................................25
3.1 A mística como proposta de mudança...............................................................29
CONCLUSÃO...........................................................................................................32
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................34
9
Introdução
Destacamos algumas características da situação da sociedade atual brasileira que
levam à fragmentação da vida do povo e da natureza tais como: o consumismo que contribui
para exclusão social; a contaminação do planeta como consequência da exploração, com o
objetivo de mais lucros; o individualismo; e a mística do mercado. Atualmente existem duas
estruturas opostas: a competitividade do trabalho e o grupo maior dos marginalizados e
excluídos.
Neste trabalho tratarei de algumas características da mística cristã, que contribuem
para defesa da vida na sociedade brasileira. Estas características opõem –se ás identidade do
mercado, pois, a espiritualidade cristã traz valores que incluem os pobres: compaixão,
solidariedade, inclusão e gratuidade. São atitude que no sentido cristã, além de aproximar,
incluir ou acolher as pessoas, as levam ao compromisso radical de resgatar a identidade e a
lutar em favor da vida.
As reflexão versa sobre como a mística cristã pode contribuir no resgate da qualidade
de vida do povo na sociedade atual. Trata do sentido da vida em visão ampla. A mística
cristã tende a mostrar que valorizar a vida não significa somente garantir a situação de não
violência , mas dar a certeza de que todas as necessidades fundamentais das pessoas serão
atendidas. Necessidades espirituais, mas também necessidades como aquelas leis básicas
constituídas nos direitos humanos. A mística que se mostra nas lutas diárias, e na esperança
dos povos para resgatar os recursos naturais e estratégicos que são necessários para
desenvolvimento de todos, desta forma, traz a proposta de construir uma relação saudável
com o meio ambiente.
10
PRIMEIRO CAPÍTULO
Neste primeiro capitulo trabalharemos a realidade impactante sobre a situação global
da poluição ambiental e também no âmbito nacional as suas consequências para a vida dos
mais pobres e o impacto causado no planeta. Também abordaremos a partir deste tema a
mística excludente do sistema capitalista que contraria a mística cristã que deve estar sempre
a favor e em defesa da vida das pessoas, em especial, as mais frágeis. Será este o tema do
nosso trabalho.
1. A realidade do mundo contemporâneo e do Brasil.
As atividades humanas, em especial a industrial e as tecnologias fazem parte,
garantem as necessidades dos indivíduos em geral da sociedade e em relação a sua natureza.
Daí os processos de produção, distribuição e consumo, durante a história da humanidade,
impactarem de várias formas, os ecossistemas mundiais, nacionais e regionais. Desta forma,
as ações dos indivíduos e estruturas sociais configuram um determinado paradigma de
desenvolvimento nas relações políticas, econômicas e sociais nesta sociedade e da sociedade
com a natureza como processo histórico e cultural. O processo capitalista será um grande
determinante-histórico na realidade econômica, social e ambiental insustentáveis:
O desenvolvimento capitalista, a partir da revolução industrial do século XVIII até a
primeira metade do século XX, tinha, como razão e base para a sua reprodução, a
concepção de que o planeta era infinito e, portanto, as fontes da natureza também eram
infinitas. A capacidade de suporte do meio ambiente não era uma preocupação para o
funcionamento dos sistemas. A variável ambiental era considerada uma externalidade ao
processo de desenvolvimento. Desde então, o aumento da concentração urbana e industrial,
da população do planeta nos últimos 100 anos (de 1,5 bilhão para 7 bilhões de pessoas), o
caráter excludente e de concentração de riqueza e as crises cíclicas inerentes ao próprio
sistema capitalista, levaram a uma realidade econômica, social e ambiental insustentáveis . 1
Através de uma economia caduca, um sistema corrompido e um capital desenfreado, a
partir da monopolização da maior parte das riquezas do mundo concentrado nas mãos de uns
poucos surge a necessidade de reforma. Segundo Oliveira, as insustentabilidades políticas,
econômicas, sociais e ambientais identificadas no capitalismo e também no socialismo real, já
era um indicador desde os anos 60, que deveríamos superar as contradições desses sistemas
no século XX, que foram apresentados como alternativas de desenvolvimento.2
1 OLIVEIRA, George Gurgel. Desenvolvimento, política ambiental e sustentabilidade. Disponível em <
http://www.politicademocratica.com.br/article/desenvolvimento-politica-ambiental-e-sustentabilidade/> Acesso
em 26 de outubro de 2017. 2 Cf. OLIVEIRA, George Gurgel. Desenvolvimento, política ambiental e sustentabilidade. Disponível em <
http://www.politicademocratica.com.br/article/desenvolvimento-politica-ambiental-e-sustentabilidade/> Acesso
em 26 de outubro de 2017.
11
O século XX é palco de acidentes e catástrofes ambientais gerados pela ganância do
ser humano que atingem todas as esferas da natureza impactando negativamente sobre as
mesmas, tais como: efeito estufa, mudanças climáticas, poluição, desertificação, extinção
significativa de espécies animais e vegetais, assim como a perda de vidas e da qualidade de
vida de milhões de pessoas afetadas com estes impactos em diferentes regiões, que passaram a
fazer parte do seu cotidiano. Assim se questiona o desenvolvimento capitalista, seus valores e
a sua lógica de produção e consumo frente às questões em escala mundial, nacional e regional
vistas até agora. Toda esta transformação ambiental e por consequência, social, se dá por um
sistema frenético sem controle, conduzido pelas mãos de poucos: “Grandes mudanças
marcam o cenário mundial. A globalização rompe as barreiras dos mercados mundiais
estimulando a competitividade e pressionando a produção”3.
Os transtornos na natureza vão além das mudanças climáticas, elas possuem efeitos
econômicos locais, onde, por exemplo, pesqueiros perdem seu meio de sobrevivência e
deixam de distribuir o seu produto para a população, terras agrícolas deixam de ser férteis e
florestas repletas de matéria-prima desaparecem. Catástrofes naturais como enchentes,
secas, terremotos e incêndios florestais aumentam a cada dia sob o efeito da atividade
humana. 4
Já o Brasil em sua dimensão territorial, riquezas minerais, biodiversidade, condições
favoráveis à reprodução da vida, produção agrícola e pecuária não apenas para a população
brasileira, como também para a mundial, é um fator importante no cenário político,
econômico e social do planeta, desde o período colonial5. Na raiz histórica brasileira, no seu
processo de desenvolvimento, foram criadas uma das sociedades mais concentradoras de
riquezas, mas também, a mais excludente do mundo.
Os conflitos sociais e ambientais, indicam a necessidade de construção de uma sociedade
sustentável.
Sendo um dos grandes importadores de matérias primas, afim de atender o mercado
mundial ampliado, o Brasil, com níveis de degradação ambiental dos ecossistemas, coloca
desafios no sentido de preservação do território, das riquezas naturais, particularmente da
nossa biodiversidade, elemento estratégico para o futuro do país, em especial na Amazônia. O
3 JENSCHKE, B. A cooperação internacional: desafios e necessidades da orientação e do aconselhamento
em face das mudanças mundiais no trabalho e na sociedade. 2003, vol.4, n.1-2, pp. 35-55. Disponível em
PDF. 4 BROWN, L. R. Eco-Economia: construindo uma economia para a terra. Salvador: UMA. 2003. Disponível
em PDF. 5 OLIVEIRA, Ibid.
12
Brasil contemporâneo traz em paralelo com o desenvolvimento a situação ambiental e
também a desigualdade social:
No século XX, ainda nos anos 30, foram aprovados os Códigos Florestal, de Minas,
Energia e de Águas. Nos governos da ditadura (1964-1988), os militares participaram deste
processo de uma maneira contraditória, inclusive é conhecida a participação brasileira na I
Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo (1972), quando nossa
representação incentivou a vinda de indústrias poluidoras. Ao mesmo tempo, aprovaram o
Estatuto da Terra e fundamentaram, de uma maneira autoritária, o que é hoje o Sistema
Nacional de Meio Ambiente, destacando o papel do Estado no processo de construção de
políticas públicas voltadas para a preservação do patrimônio natural brasileiro e a segurança
nacional.6
Para Romulo Paes de Sousa, o modelo tradicional de crescimento econômico não
enfatiza o bem-estar e também não prioriza investimentos ambientais. A legislação do Brasil é
considerada por muitos como moderna, mas, muitas vezes ela é desrespeitada, ainda quando
se encontra longe dos centros onde existem poucas vigilâncias ou quase nenhuma. A culpa
porém não é somente dos produtores ou investidores, pois existem envolvimento de membros
do governo (executivo e legislativo) praticando atividades em discordância com a
legislação7.“Um exemplo prático da situação enfrentada no Nordeste é a busca do
desenvolvimento via indústria do turismo. Essa é uma indústria limpa, que inclusive está
pautada na proposta das Organização das Nações Unidas (ONU) de Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS)”8 Mas para desenvolver o turismo, permite-se a
destruição de mangues, dunas e outros sistemas com o fim de construção de hotéis grandiosos
Além do impacto inicial, existem consequências da operação desses empreendimentos, tais
como a criação de vias de acesso, energia. Mas, para uma região em que se registra
escassez hídrica em diversos pontos, a demanda por água para operação, lavandeira,
limpeza, irrigação de áreas verdes e piscinas é incompatível com a realidade local. O
descarte impróprio dos resíduos da indústria hoteleira por ausência de infra-estrutura
pública acaba agravando o quadro. Em alguns casos, a mão de obra local não é aproveitada
e os empregados são trazidos de fora para atender as necessidades do empreendimento, sem
gerar empregos bem remunerados para a população local. Isso não é socialmente
sustentável.9
6 Cf. OLIVEIRA, George Gurgel. Desenvolvimento, política ambiental e sustentabilidade. Disponível em <
http://www.politicademocratica.com.br/article/desenvolvimento-politica-ambiental-e-sustentabilidade/> Acesso
em 26 de outubro de 2017. 7Portal e observatório sobre iniquidades em Saúde. Redução da desigualdade só é possível com a
sustentabilidade orientando o desenvolvimento: Entrevista com Romulo Paes de Sousa. Disponível em
http://dssbr.org/site/entrevistas/reducao-da-desigualdade-so-e-possivel-com-a-sustentabilidade-orientando-o-
desenvolvimento/ Acesso em 26 de outubro de 2017. 8 Ibid.
9 Portal e observatório sobre iniquidades em Saúde. Redução da desigualdade só é possível com a
sustentabilidade orientando o desenvolvimento: Entrevista com Romulo Paes de Sousa. Disponível em
http://dssbr.org/site/entrevistas/reducao-da-desigualdade-so-e-possivel-com-a-sustentabilidade-orientando-o-
desenvolvimento/ Acesso em 26 de outubro de 2017.
13
Desta forma, conclui-se que as relações entre Brasil e o meio ambiente foram sendo
construídas, com impactos e reflexões diferenciados na realidade econômica e social, nos
diferentes momentos de nossa construção de sociedade, sendo o meio ambiente, parte desta
consequência do quadro hoje, de nossa história, determinando em grande parte a desigualdade
social. Diante desta situação, definitivamente, a Igreja tem algo a dizer sobre a
sustentabilidade e o modo de vida ecológico. Durante cerca de um século, a Igreja
amadureceu as suas próprias ideias sobre a ecologia e o desenvolvimento humano. A posição
da Igreja frente a toda esta complexa realidade parte do desenvolvimento humano integral,
que consiste entre outras coisas, o desenvolvimento de todo o homem e também, do homem
todo, à luz da espiritualidade e sustentabilidade. A base da reflexão vai se basear na encíclica
do papa Francisco “Laudato Si”.
1.1 Posicionamento do documento Laudato Si (LS): Deterioração da qualidade de vida
humana e degradação social
Mas o que a Igreja tem a ver com esta situação? Tem tudo a ver! Ela, em relação à
dignidade da vida humana, obra prima de Deus, e como posicionamento aos mais fracos, toma
iniciativas frente à política, não como forma de responder aos problemas relativos a ela, mas,
enquanto orientação de valores evangélicos, enquanto promotora de uma vida digna a todos,
como afirma o Papa Francisco:
Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a
viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de
considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da
cultura do descarte sobre a vida das pessoas 10
Com o crescimento fora de controle, muitas cidades tornaram-se pouco saudáveis
para viver, devido aos vários problemas causados por vários motivos como: poluição por
emissões de tóxicos, afetando a visão, e demais órgãos; os meios de transportes
inadequados, sem estrutura ou com estrutura que não funciona gastando água e energia em
excesso, muito congestionamento sem espaços verdes suficientes.
Os humanos precisam da natureza, mas, infelizmente vivem contra o testemunho de
uma vida integral. Criam-se áreas residências “ecologias”, favorecendo a poucos, evitando
10
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa
comum. São Paulo: Paulinas,2015, p. 35.
14
que outras pessoas usufruem. Os marginalizados da sociedade são colocados de lado, e
vivem sem dignidade humana, esquecidos pela sociedade.
O documento LS nº 46, aborda alguns componentes sociais da mudança global tais
como: “a exclusão social; a desigualdade no fornecimento e consumo da energia e de outros
serviços; a fragmentação social; o aumento da violência; aparecimento de novas formas de
agressividade social; o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os jovens, enfim,
a perda de identidade11
. Esta abordagem mostra que, nestes 200 anos com todo o progresso,
não houve melhoria na qualidade de vida do ser humano, indicando degradação social, um
silencioso rompimento dos vínculos de integração social.
O Papa assume a metodologia que ele mesmo fez incluir explicitamente no documento de
Aparecida: ver, julgar, agir e celebrar. Este método tem a vantagem de partir sempre de
baixo, das realidades concretas, dos desafios reais e não de doutrinas a partir das quais se
fazem deduções, geralmente abstratas e pouco mordentes quando referidas aos temas
suscitados.12
Assim, toda esta situação afeta em grandes instâncias a desigualdade mundial. Em
conjunto degradam-se o ambiente humano e o ambiente natural, e para enfrentar a
desigualdade mundial, precisamos conhecer as causas que tem a ver com a degradação
humana e social. A investigação cientifica mostra que os efeitos de todas as agressões
ambientais caem sobre as pessoas mais pobres. Um exemplo que o documento nos dará é
sobre o esgotamento das reservas ictíica que prejudica as pessoas que vivem da pesca
artesanal e não possuem qualquer maneira de substituir13
. O impacto dos desequilíbrios
atuais manifesta-se na morte prematura de muitos pobres. Falta uma consciência clara dos
problemas que afetam particularmente os excluídos.
O posicionamento firme do Papa Francisco veio reforçar o despertar da consciência de
uma grande parte da humanidade para os perigos que nosso planeta enfrenta e para as
ameaças provocadas pelo aquecimento climático, devido à destruição cada vez mais cruel
de seu equilíbrio ecológico e de seus ecossistemas. Os danos causados à Mãe Terra
colocam em perigo iminente toda a humanidade, se nada for feito pelos países em
11
Ibid., p.36. 12
FACHIN, Patrícia; SANTOS, João Santos. Ecologia integral. A grande novidade da Laudato Si'. "Nem a ONU produziu um texto desta natureza''. Entrevista especial com Leonardo Boff <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/543662-ecologia-integral-a-grande-novidade-da-laudato-si-qnem-a-onu-
produziu-um-texto-desta-natureza-entrevista-especial-com-leonardo-boff Acesso em 26 de outubro de 2017.>
Acesso em 26 de outubro de 2017. 13
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas,2015, p. 38.
15
desenvolvimento, que são os grandes poluidores, resistentes à redução de emissão de gases
do efeito estufa.14
O documento (nº 49) também cita projetos como solução para a melhoria da situação,
mas que, voltam-se a profissionais que desenvolvem projetos que não estão ao alcance da
maioria da população mundial. Porém diante desta realidade frágil de nossa gente e de nosso
mundo, não podemos deixar de reconhecer que, uma verdadeira abordagem ecológica
sempre se torna uma abordagem social, e que deve integrar a justiça nos debates sobre o
meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra quanto o clamor dos pobres.15
A desigualdade não afeta apenas os indivíduos, conforme explicita a encíclica do
Papa Francisco na Laudato Si, n° 51, mas leva países inteiros a pensar uma ética das relações
internacionais. As regiões e os países mais pobres têm menos possibilidade de adotar novos
modelos de redução do impacto ambiental, porque não têm preparação para desenvolver os
processos necessários nem podem cobrir os seus custos. Por isso a necessidade da uma
consciência sobre a mudança climática.
...é oportuno concentrar-se «especialmente sobre as necessidades dos pobres, fracos e
vulneráveis, num debate muitas vezes dominado pelos interesses mais poderosos». É
preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras
nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não
há espaço para a globalização da indiferença.16
1.2 Mística do mercado
Neste subtítulo, insistiremos na consequência de um sistema desenfreado e perverso
como o capitalismo, que usa do deslocamento do sagrado para o mercado, para legitimar as
suas ações frente ao sacrifício dos pobres. E assim começamos a abordar o “sagrado
mercado”. Os conceitos que formavam e formam a religião, passa agora ao mercado.
Segundo Jung Mo Sung, a narrativa religiosa do neoliberalismo coloca a fé no Mercado
como única possibilidade de salvação e culpa os pobres por sua pobreza. Para de fato
entendermos a situação de miséria que se passa em nosso país, é necessário conhecer os
mecanismos dos aspectos religiosos dentro do capitalismo.
14
REIS, Émilien Vilas Boas; BIZAWU, kiwonghi. A Encíclica Laudato Si à luz do direito internacional do meio ambiente. Disponível em PDF. 15
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas,2015. 16
Ibid., p. 41
16
Os mitos do desenvolvimento na teoria econômica foi embasada por dois mitos: “1º -
O bom da vida é aumentar o poder de consumo. “Assim o bom da vida torna-se apenas
dentro da história, dentro do consumo e já não mais restrito ao pós morte como na religião.
E o outro mito é: 2º “o padrão de consumo dos países ricos pode ser universalizado” Ou
seja reforça a ideia de que todas as pessoas têm direitos. 17
Fé no Mercado
No ano de 1974, em crise petrolífera, F. Hayek afirmava que a crise tinha como causa a
pretensão dos economistas de saberem como o mercado funciona, pois toda intervenção
pressupõe conhecimento
“A raiz de todas as crises”, explicou Sung, passou a ser a tentativa de compreensão do
funcionamento do Mercado. Em termos míticos, “esse discurso neoliberal é uma reeleitura
do mito do Gêneses”, que interditava a Adão e Eva os frutos da Árvore do Conhecimento.
“Se não podemos conhecer as leis do Mercado, o que podemos fazer? Temos de ter fé
no Mercado”.18
A fé consiste em afirmar que o mercado de trabalho sempre vai produzir os melhores
resultados possíveis. Não obstante, esta linha de pensamento, apresenta contradição: “Se você
não pode intervir, pois, não pode conhecer o mercado, como então ter a certeza de que ele
sempre vai produzir?”.
Sobre a obra de L. von Mises, “A Mentalidade Capitalista”, o professor avaliou: “é uma
maravilha de livro de teologia”. Nela se defende a ideia de que “todo adulto é livre para
montar a sua vida de acordo com os seus próprios planos, a partir de um conceito de
liberdade pelo qual não existe o outro: sou eu e o meu desejo. É puro indivíduo”.19
A sacramentalização do mercado exige e legitima o sacrifício de vidas humanas, e em
especial, dos mais pobres. Assim, o divino, o sagrado e a exigência do sacrifício tem uma
relação ontológica. O sacrifício é o melhor caminho para se atingir o sagrado.
Com a sacralização, o mercado, pelo fato de ser sagrado, pode exigir “legitimamente”
sacrifícios de vidas humanas, dos pobres e “incompetentes” e apresentar o agravamento de
17
JUNG, Mo Sung. O Deus Mercado e a religião capitalista. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Deus-Mercado-e-a-religiao-capitalista- > Acesso em 12 de agosto de 2017. 18
Ibid. 19
JUNG, op. Cit.
17
problemas sociais como o caminho correto para redenção da economia (texto Jung, 1998, p.
117).20
Diante desta legitimação dos sacrifícios dos pobres pela divinização do mercado, proveniente
do sistema capitalista, percebe-se o mecanismo cada vez maior do empobrecimento das
pessoas em detrimento do enriquecimento de uma minoria. E para tal é também sacrificado o
meio ambiente, que muitas vezes é forma de sobrevivência dos mais pobres. Assim, é ferida a
dignidade daqueles e aquelas em que a Igreja em sua essência posiciona-se como escolha
preferencial, reafirmado no Vaticano II. A Igreja assume um compromisso com a justiça
social e a opção preferencial pelos pobres, conscientizando-se de sua vocação como servidora
da humanidade. “servidora dos pobres e dos que sofrem, encarnando-se, por isso, nas
realidades históricas, específicas e situadas da humanidade, voltando-se para o ser humano,
situado em sua realidade histórica e cultural, em sua integralidade, seu potencial e suas
relações”21. Neste sentido, a Igreja e seu povo deve dar uma resposta à situação em que
nosso país atravessa, de um capitalismo pervertido, de uma sociedade muitas vezes omissa e
que por consequência, deixa as pessoas mais desfavorecidas à margem e sem dignidade.
Frente a isso, a Igreja não pode ser cega e negligente com esta realidade a qual se
comprometeu, com a pessoa humana e sua dignidade no seu posicionamento em favor da
vida. Isto se dará através da relação do humano, com a natureza e com Deus, embasada na
Escritura, através do engajamento social em favor dos mais pobres pela exigência da justiça
social.
20
BRITO, Ênio José da costa; GORGULHO, Gilberto da silva. Religião Ano 2000. São Paulo: Loyola. 1998, p. 117. 21
WISNIEWSKI, Eliseu. O Concílio Vaticano II e os pobres. Disponível em:< http://www.itf.org.br/o-concilio-
vaticano-ii-e-os-pobres.html >. Acesso em: 26 de outubro de 2017
18
SEGUNDO CAPÍTULO
A partir deste capítulo, veremos como foi a relação harmônica do homem com Deus e
com as demais criações, como o pecado rompeu esta harmonia e hoje como tem destruído
muitas vidas nas mais diversas formas de violência. Veremos também a ternura do olhar de
Jesus sobre a condição humana e sua relação com a natureza como parte intregante de cada
ser vivo, em especial, o ser humano.
2. A Relação do humano com a natureza e com Deus através das narrativas bíblicas.
“Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas,
deveremos reconhecer que as soluções não podem vir duma única maneira de interpretar e
transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos
povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. [...] a Igreja Católica está aberta
ao diálogo com o pensamento filosófico, o que lhe permite produzir várias sínteses entre fé
e razão. No que diz respeito às questões sociais, pode-se constatar isto mesmo no
desenvolvimento da doutrina social da Igreja, chamada a enriquecer-se cada vez mais a
partir dos novos desafios.” 22
As grandes narrações da Bíblia nos falam sobre a relação do ser humano com o
mundo. No livro de Gênesis a primeira narração descreve a obra da criação: o projeto de
Deus coloca a humanidade como criação. Deus viu que tudo era bom depois que Ele criou
o homem e a mulher (Gn 1,31). A Palavra nos diz que Deus criou cada um de nós com
Amor (1,26, a sua imagem e semelhança. Cada ser humano tem sua dignidade dada por
Deus, não é um objeto qualquer, é uma pessoa humana.
Impressiona-me o fato de que nossa dignidade seja justamente a de ser filhos de Deus.
Ele nos fez como Suas criaturas e ao longo das Escrituras vai dizer que nos conduziu como
um pai a seu filho. No segundo relato da criação de Gênesis, o da tradição eloísta,
impressiona-me o fato de que Ele nos fez artesanalmente . Ele nos fez do barro segundo o
autor bíblico. As mãos de Deus se comprometeram com nossa existência. Ele nos fez não
só com Sua palavra, mas com algo mais que Sua palavra: Com Seu coração, com Seu
amor, atrevo-me a dizer, com Seu entusiasmo, Ele se entusiasmou conosco. Ele se
entusiasmou com um homem que sabe respeitá-lo, respeitando a criação e criando algo
maravilhoso. “Insuflou nele espírito de vida e Deus deu forma ao homem do pó da terra.23
22
Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas,2015, p. 51 23
SKORKA, Abraham; FIGUEROA, Marcelo. Dignidade. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 15, 16.
19
Ele pode se conhecer, ser livre para se entregar no relacionamento com Deus e outras
pessoas. Conforme, o documento Laudato Si (2015)24
, o amor que Deus tem pelo ser
humano confirma sua dignidade infinita. As razões mais profundas para qualquer
compromisso estão naqueles que se interessam pela defesa da dignidade das pessoas, pois
aí se encontra a fé cristã. Não é no desespero que a pessoa perde sua vida no mundo
cheio de fenômenos muitas vezes repetitivos e sem sentido. É na confiança em Deus que
nos faz seguir as maravilhas que Ele deixou e deixa cada dia. Deus já nos conhecia antes de
virmos ao mundo (Jr 1,5 ). Ele nos fecundou no seu coração, somos um fruto do pensamento
de Deus, somos amados, queridos, necessários para Ele.
No livro de Gênesis está a história da criação, comunicação profunda da vida humana
e a sua história. A realidade humana têm por base três alicerces intimamente conectados:
as relações com Deus ; com o próximo e com a terra. São aspectos importantes que
direcionam uma pessoa para a mística cristã, e por seguinte, à Palavra, que nos diz que esses
relacionamentos são essenciais para harmonia da criação. Não obstante, quando entra o
pecado no mundo, a paz ligada ao Criador é quebrada e interrompida, nós seres humanos
fomos destruídos ao querermos ocupar o lugar de Deus e não aceitar que somos seres
limitados. Este fato distorceu também a natureza do mandato de “dominar” a terra (cf. Gn 1,
28) e de “cultivar e guardar”(cf. Gn 2,15). Como resultado, a relação originariamente
harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformou-se num conflito (cf. Gn 3,17-19).
Por isso, é significativo que a harmonia vivida por São Francisco de Assis com todas as
criaturas tenha sido interpretada como uma cura daquela ruptura. Dizia São Boaventura
que, através da reconciliação universal com todas as criaturas, Francisco voltara de alguma
forma ao estado de inocência original.[40] Longe deste modelo, o pecado manifesta-se
hoje, com toda a sua força de destruição, nas guerras, nas várias formas de violência e
abuso, no abandono dos mais frágeis, nos ataques contra a natureza. 25
Hoje o pecado do homem, têm levado à exterminação de muitas vidas em diversas
formas de violências. É muito significativo a harmonia que São Francisco viveu no seu
tempo com todas as criaturas. Nós somos filhos de Deus, e isso não significa ser como
pequenos “deuses”; somos apenas criaturas. Ele nos deu a terra para dela tirarmos nossa
sobrevivência, antes de vivermos aqui ela já existia e alimentou outras tantas gerações. È
que interpretamos a Bíblia de forma errada querendo dominar e destruir a mãe terra que
24
Ibid., 53 25
Ibid., p. 54.
20
provê nosso sustento (cf. Gn 1,28). Devemos cultivar, cuidar e guardar o jardim do mundo,
os textos das Escrituras nos convidam a fazer isso (cf. Gn 2,15).
Não obstante, o ser humano está agindo como um pequeno “deus” como afirmara
Boff (2017)26
: “O ser humano se colocou no lugar de Deus. Sentiu-se, pela força da
inteligência e da vontade, um pequeno “deus”, sua ousadia e extrema arrogância. Caiu na
tentação do “sereis como Deus” (Gn 3, 5)”. Desta forma, rompemos com o curso natural da
terra, da natureza e da nossa própria natureza, não aceitando nossa limitação, explorando a
mãe terra para grandes lucros e fechando-nos a Deus. É necessário voltar e revisitar a
origem para entender o processo de degradação da natureza pelas mãos do humano, e por
assim dizer, o grande responsável pela vida marginalizada da maior parte da população. É
preciso reverter a situação e perceber que existe solução.
Cada comunidade pode se alimentar da terra para sua subsistência, respeitando,
cuidando, como a mãe que cuida do filho, a terra é nosso cordão umbilical quando o ser
humano quebra essa ligação sofre as consequências. Tirar o sustento da terra e não o lucro
exacerbado com a posse absoluta do que seria pertencente a todos, empobrecendo cada vez
mais quem também utiliza deste recurso para a subsistência. O Papa Francisco, no
documento da Laudato Si (2015) nos diz que o grande proprietário da terra é Deus, somos
seus agregados, servos inúteis, como nos diz a Palavra de Deus (Sal 24/23,1); ( Dt 10,14).
Não se pode ter posse absoluta da terra. Deus proíbe. Não se pode vender a terra, diz
o Senhor ( Lv 25,23). Deus, capacitou o ser humano, deu-lhe inteligência. Cabe a ele a
responsabilidade de respeitar as Leis da natureza, mantendo o equilíbrio com todos os seres
no mundo. Deus, firmou as Leis para toda a vida ( Sl 148, 5b-6).
27Na narração de Caim e Abel, vemos que a inveja levou Caim a cometer a injustiça
extrema contra o seu irmão. Isto, por sua vez, provocou uma ruptura da relação entre Caim
Deus e entre Caim e a terra, da qual foi exilado. Esta passagem aparece sintetizada no
dramático colóquio de Deus e Caim. Deus pergunta: “Onde está teu irmão Abel?”. Caim
responde que não sabe, e Deus insiste com ele:”Que fizeste? Do solo está clamando por
mim a voz do sangue do teu irmão! Agora serás amaldiçoado pelo próprio solo [...].Tu
virás a ser um fugitivo, vagueando sobre a terra”(Gn 4,9-12).
Foi Deus que criou as criaturas e as leis, assim como todos nós, seres humanos,
dotados de toda inteligência. Ele com toda Sabedoria criou também as estruturas
26
BOFF, Leonardo. Ética e Espiritualidade: Como cuidar da Casa Comum. Petrópolis, Rj; Vozes, p. 110. 27
Ibid. , p. 58
21
fundamentais para a sobrevivência de todas as vidas na terra. É fundamental vivermos o
relacionamento com Deus, com a terra e com o próximo. Quando é rompida essa relação toda
a vida está em perigo. Destruindo esse relacionamento interior comigo, com Deus e com a
terra, nos tornamos um ser fugitivo, vagando sobre a terra.
E a Escritura nos dá exemplo com a narrativa de Noé:
Noé, quando Deus ameaça acabar com a humanidade pela sua persistente incapacidade de
viver à altura das exigências da justiça e da paz: «O fim de toda a humanidade chegou
diante de Mim, pois ela encheu a terra de violência» (Gn 6, 13). Nestas narrações tão
antigas, ricas de profundo simbolismo, já estava contida a convicção atual de que tudo está
inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a
natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros. 28
Deus sabe o quanto o ser humano é infiel e a maldade na terra cresce cada dia por
causa do homem (Gn 6,5) desde que o mundo é mundo. Ele até se arrependeu de ter criado o
homem na terra, (Gn 6,6), mas como Noé, sendo justo e honesto, incorruptível, o Senhor dá
esperança de salvação, possibilitando a humanidade uma nova vida. Com essa narração de
Noé, é preciso que um homem seja prudente, ajuizado e Deus nos dá a chance de uma
esperança para a salvação. Essa reabilitação só é possível quando há respeito aos ritmos da
natureza. Ainda conforme a Laudato Si29
(2015), Deus com seu exemplo tanto descansou
como deu a lei do Shabbath. Ele ordenou a Israel que cada sétimo dia deveria ser celebrado
como um dia de descanso, um Shabbath (cf. Gn.2, 2-3; Ex 16,23 ; 20,10 ).
A terra deve descansar a cada sete anos (Lv 25,1-4). Não se deve plantar só colher o
necessário para a sobrevivência (Lv. 25,4-6). Passado esse tempo celebrava-se o ano Jubilar,
um ano de perdão universal, seria a libertação para todos habitantes do país (Lv 25,10).30
A
Laudato Si (2015) nos diz que, com essa legislação criada por Deus, garantia-se o equilíbrio
e a qualidade de vida para todos seres nas relações com o outro e com a terra, o lugar em
que se vive e se trabalha. Todos os que cultivam a terra deveriam partilhar os seus frutos
com os que não podem comprar, principalmente os pobres, as viúvas, os órfãos e os
estrangeiros, assim fala a palavra. (Lv 19, 9-10).
28
Ibid. 29
Ibid.,p. 59. 30
Ibid., p. 60.
22
Ainda o documento31
nos lembra que Deus-Criador têm grande ternura por todos os
seres que vivem na terra. Ele cuida de cada um. O Senhor criou todo universo. Os profetas
nos ensinam que através da contemplação a Deus nós podemos recuperar as nossas forças,
acolher seu amor e adorar, com confiança, o Senhor, e com seu poder infinito estar
intimamente relacionado com suas criaturas. Mas é preciso se relacionar com Ele, e Ele
recupera as forças dos enfraquecidos. (Is 40,28b- 29).
Se Deus pôde criar o universo a partir do nada, também pode intervir neste mundo e vencer
qualquer forma de mal. Por isso, a injustiça não é invencível. Não podemos defender uma
espiritualidade que esqueça Deus todo-poderoso e criador. Neste caso, acabaríamos por
adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor chegando à
pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por Ele. A melhor maneira de
colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto
da terra, é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso
contrário, o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e
interesses. (Laudato Si, p. 62) 32
2.1 O olhar de Jesus
Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental: Deus é Pai
(cf. Mt 11, 25). Em colóquio com os seus discípulos, Jesus convidava-os a reconhecer a
relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com comovente
ternura, como cada uma delas era importante aos olhos d’Ele: «Não se vendem cinco
pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante
de Deus» (Lc 12, 6). “Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em
celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as” (Mt 6, 26). 33
Jesus vivia na contemplação das coisas, na simplicidade da natureza, pois cada
manifestação na natureza, por mais simples que seja, têm um significado um recado divino
para todos nós. E Jesus, pede aos seus discípulos para prestarem atenção. “Ainda quatro
meses, vem à colheita! ( Jo 4, 35) Ele, descreve o Reino do Céu como uma semente de
mostarda: é pequena, mas crescerá, vai se tornar um arbusto ( Mt 13, 31-32).
Conforme o documento Laudato Si34
, Jesus despertava admiração nas pessoas porque
Ele vivia em plena paz com a criação; tinha autodisciplina; não falava Dele mesmo às outras
pessoas que levantavam questões. Quem é esse que até os ventos e o mar lhe obedecem?
(Mt 8,27). Jesus trabalhava com as coisas feitas por Deus Jesus não era um homem alienado
a historia encarnada:
“Não se apresentava como um asceta separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis
da vida. Falando de Si mesmo, declarou: «Veio o Filho do Homem que come e bebe, e
31
Ibid., 61. 32
Ibid., 62. 33
Ibid., p. 79. 34
Ibid., p. 80
23
dizem: “Aí está um glutão e bebedor de vinho”» (Mt 11, 19).Encontrava-Se longe das
filosofias que desprezavam o corpo, a matéria e as realidades deste mundo. (Laudato Si, p.
80)”. 35
Jesus santificou o trabalho, oferecendo seu beneficio para nosso crescimento36
. “João
Paulo II afirmava que suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo
crucificado por nós, o homem colabora, de alguma forma com o Filho de Deus na redenção
da humanidade”. Toda criação passa pelo mistério de Cristo, presente desde muito tempo.
Tudo Deus criou para Ele e volta para Ele (Cl 1, 16). Isto nos ensina a fazermos tudo por
amor sem buscar recompensas materiais nas pessoas ao nosso redor. A vida de Jesus nos
ensina a levarmos uma vida sóbria e em equilíbrio com a natureza, ensina-nos a fugir de tudo
quanto o é supérfluo e degradante no que tange à natureza, para desta forma, contribuirmos
com o seu Reino, que desde já vivemos.
37Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo
mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem: «Todas as coisas foram criadas
por Ele e para Ele» (Cl 1, 16). O prólogo do Evangelho de João (1, 1-18) mostra a
atividade criadora de Cristo como Palavra divina (Logos). Mas o mesmo prólogo
surpreende ao afirmar que esta Palavra «Se fez carne» (Jo 1, 14). Uma Pessoa da
Santíssima Trindade inseriu-Se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até
à cruz. Desde o início do mundo, mas de modo peculiar a partir da encarnação, o mistério
de Cristo opera veladamente no conjunto da realidade natural, sem com isso afetar a sua
autonomia.
Jesus é apresentado no Novo Testamento com as duas naturezas: humana na sua
relação amorosa com o mundo e também com a sua natureza divina de ressuscitado,
glorioso, presente em toda criação com seu domínio universal. Deus fez habitar Nele toda a
integridade, e através Dele, reconciliar com Ele todos os seres, desde a terra até o céu. (Cl
1,19-20). Sendo assim iremos para o fim dos tempos, quando Jesus nos entregar a Deus Pai
todas às coisas “para que Deus seja tudo em todos” (I Cor 15, 28). Segundo o documento
Laudato Si38
(2015), as criaturas que vivem nesse mundo não se revelam com uma realidade
natural, porque Cristo nos envolve misteriosamente e nos guia para um destino completo,
integridade total. Tudo que Jesus contemplou com seus olhos humanos, estão agora cheios
de sua presença luminosa.
35
Ibid. 36
Ibid. p. 81 37
Ibid. 38
Ibid., p. 82.
24
Como podemos ver, Jesus como figura central do Novo Testamento, possui uma
relação com a natureza e integra o ser humano na criação e não como um ser a parte ou
exclusivo:
O único Deus Verdadeiro fez tudo o que há no universo; o mundo foi criado para a glória
de Deus e não para o benefício ou conveniência exclusivos de nenhuma espécie; Deus
ordena tudo com sabedoria e providências divinas; o mundo é o mundo de Deus e partilha,
enquanto criação, das boas dádivas do seu Criador, incluindo a dádiva da liberdade; e Deus
outorga um pouco da criatividade divina aos seres humanos, que são feitos à imagem de
Deus, e chama-os a cooperar com os fins do criador, como detentores responsáveis de
domínio sobre a natureza. (ATTIFIELD, 2007, p. 106). 39
É possível identificar nas falas de Jesus, como Deus também se preocupa com a sua
criação. Em Mt 6,28-29 encontramos a seguinte passagem: “E com a roupa, porque andais
preocupado? Observai os Lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam. E no
entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles”.
“A vida espiritual conhece o mesmo equilíbrio delicado da vidabiológica. Mas o homem,
como criatura, pode apenas sentir o amor de seu Criador e, consequentemente, sentir amor
pela criação e tratá-la com respeito, porque Deus criou cada coisa com amor (BERNEX,
1996, p. 96) 40
”.
Desta forma, vimos através da Escritura, em face da gravidade ecológica em sua
devastação, a figura de Deus, que se coloca a favor da vida. Frente a isso, nasce uma
indignação ética: Urge pensar na criação com uma nova mentalidade espiritual, que se
fundamente no Evangelho e na pessoa de Jesus Cristo. Somos, diante de nossa situação
frágil, de um sistema frágil, convidados para além de uma reflexão sobre esta triste realidade
de um sistema que só visa lucro em detrimento da vida humana e o controle do monopólio
nas mãos de uma pequena minoria que não prioriza a qualidade de vida da população.
Veremos no próximo capitulo, quais propostas para que o percurso da nossa história seja
mudado, enquanto, cristãos engajados na sociedade na construção do Reino de Deus que já
começa aqui, partindo também da espiritualidade cristã como propulsora de mudança e
transformação da qualidade de vida das pessoas mais pobres.
39
ATTFIELD, Robin. Cristandade. In: JAMIELSON, Dale (coord.). Manual de Filosofia Ambiental. Trad.
João C. Duarte. Lisboa: Piaget, 2007, p.105-119. 40
BERNEX, Nicole. A percepção ambiental de Santo Agostinho. Santo Agostinho e
umaproto-ecoteologia. In: OLIVEIRA, Nair de Assis (org.). Ecoteologia Agostiniana.
São Paulo: Paulus, 1996, p. 96.
25
TERCEIRO CAPÍTULO
Ele nos fez não só com sua palavra, mas com algo mais que Sua palavra: Com Seu coração,
com Seu amor, atrevo-me a dizer, com Seu entusiasmo, Ele se entusiasmou conosco. Ele se
entusiasmou com um homem que sabe respeitá-lo, respeitando a criação e criando algo
maravilhoso. “Insuflou nele espírito de vida e Deus deu forma ao homem do pó da terra.41
3. Ação para transformar a realidade
Estamos vivendo tempos de retrocesso no campo dos direitos humanos, ou seja, direitos
políticos, civis, econômicos, sociais, culturais e ambientais. É um modelo de sociedade
excludente na qual, o eixo central de vida é o capitalismo em detrimento da vida humana, com
bases na desigualdade social, exploração dos recursos naturais, tendo o mercado como
ordenador das relações sociais e econômicas. É necessário uma ruptura deste modelo de
sistema para suscitar outros sistemas, capazes responder ao, desafio de uma ecologia plural,
fundados em matrizes energéticas limpas e sustentáveis, e beneficiar dignamente toda a
população.
42A resposta pós-capitalista requer uma mobilização que provoque movimentos contra-
hegemônicos, de contracultura, contra-modelos políticos, outras estruturas de Estado
democrático, e de uso democrático e transparente dos recursos públicos e das fontes energia
limpa. Uma resposta que redesenhe as formas participativas e de gestão dos bens públicos
fundados em ações de co-responsabilidade social, controle das instituições públicas e
privadas pelos diversos segmentos da sociedade, produzindo novos modelos democráticos
de gestão econômica, ambiental e política, entre outros. Um modelo no qual seja possível a
radicalização dos direitos humanos, além de novos comportamentos e formas de viver os
ambientes urbanos e os rurais.
O próprio Papa Francisco na Laudato Si (2015)43
, exorta toda a humanidade a um novo
modelo “na busca de um desenvolvimento sustentável e integral” que ocorre através de uma
solidariedade universal. É necessário a participação de todos neste processo de transformação
da sociedade, e como fim, o dom de Deus, que é a vida a toda a sua criação. Para tal, é
41
SKORKA, Abraham; FIGUEROA, Marcelo. A Dignidade. São Paulo: Saraiva. 2013. P. 15. 42
PIETRICOVSKY, Iara. Capitalismo e ecologia são compatíveis? Disponível em: < http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/capitalismo-e-ecologia-sao-compativeis> Acesso em 07 de novembro de 2017. 43
43
CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas,2015, p. 51.
26
necessário um desenvolvimento que não limite-se apenas ao nível econômico como descreve
Paulo IV (1967)44
: “O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico.
Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo”.
Desta forma, a dimensão econômica faz parte do homem como um todo e não deve ser vista
como parte isolada ou exclusivista.
É necessário viver em comum união entre os cristãos a sustentabilidade, para que de fato,
possamos ser geradores de vida, ser modelo para uma sociedade secularizada e fragmentada,
para tanto, conforme Boff (2017): “A ética da compaixão nos ensina como deve ser nossa
relação para a natureza e a mãe Terra: primeiro, respeitá-la em sua alteridade; depois, amá-la,
fazendo nossos os seus padecimentos e cuidar delas.”45
É o respeito profundo que cada ser
humano deve ter com a natureza e também perceber sua unicidade diante do Criador, perceber
o valor de si mesmo. O outro deve ser respeitado na sua consciência.
Jamais pode ser usado e degredado a “meio” para propagação de alguma verdade,
religião ou ideologia, ou o que é pior, para algum produto de consumo, de produção, para
guerra e para experimentação cientifica. Essa é a grande verdade sempre sustentada pelo
maior pensador da ética no Ocidente, que foi Immanuel Kant: o ser humano é um fim em si
mesmo e jamais deve servir de meio para qualquer outro fim.46
Para tal, é necessário encontrar novos caminhos pós capitalistas que desviam-se da logica
do acúmulo, do monopólio e poder para uma minoria, e que se aproxime da democracia e
vivência dos bens em comum do povo em geral, para o qual é, e deveria ser, o fim último do
Estado. Para tanto, em uma sociedade secularizada, falar de valores cristãos é um grande
desafio, porém, torna-se frutuoso quando a evangelização como missão primordial da Igreja é
feita através do testemunho de vida e o engajamento a ação pastoral por parte de toda a Igreja
e posicionamento através de uma proposta geradora de vida por parte do clero.
Para tanto, é necessário uma Igreja com o rosto de Cristo que desperte a importância
da dignidade humana a partir da integralidade e harmonia com a natureza. Outro ponto a
ressaltar, para uma ecologia integral que não inclua o ser humano é necessário a valorização
do trabalho, como nos mostra o documento da Laudato Si (2015): “Recordemos que, segundo
a narração bíblica da criação, Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado (cf. Gn 2,
44
Paulo VI. POPULORUM PROGRESSIO (§4). Disponível em PDF. 45
BOFF, Leonardo. Ética e Espiritualidade: como cuidar da casa comum. Petrópolis: RJ: 2017, P. 76. 46
Ibid., p. 77.
27
15), não só para cuidar do existente (guardar), mas também para trabalhar nele a fim de que
produzisse frutos (cultivar)47
”. A intervenção favorece o desenvolvimento da criação, quando
este é prudente, pois é uma forma de cuidar dela. Não obstante, quando abordado o trabalho, é
enquanto realização humana, de colocar o humano no centro e como fim de toda vida
econômico-social, conforme nos lembrar a Laudato Si (2015)48
e não como forma de
exploração por parte do mercado. Para tal, é necessário que se favoreça uma economia de
diversificação produtiva.
As análises não são suficientes: são necessárias propostas «de diálogo e de ação que
envolvam seja cada um de nós seja a política internacional», e « que nos ajudem a sair da
espiral de autodestruição onde estamos a afundar»49
. Para o Papa Francisco é imprescindível
que a construção de caminhos concretos não seja enfrentada de modo ideológico, superficial
ou reducionista. Para os países pobres, como Brasil, é necessário a erradicação da miséria e
também o desenvolvimento social dos seus habitantes. É o que vai defender o documento
Laudato Si, e contrapor-se à corrupção.
Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e perde-se também em discursos
inconsistentes, continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da humanidade. Uma
estratégia de mudança real exige repensar a totalidade dos processos, pois não basta incluir
considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica
subjacente à cultura actual. Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio.50
Outro ponto a ressaltar, também assinala pelo por 51
Oliveira (2015) é ampliação da
consciência ambiental em nível mundial, nacional e regional. É um imperativo da
necessidade de construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento. Coloca-se,
portanto, o desafio de superação do atual modelo, historicamente insustentável. Os
problemas econômicos, sociais e ambientais mundiais, nacionais e regionais continuam
como desafios políticos e sociais a ser resolvidos para a construção desta nova sociedade,
47
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum.
São Paulo: Paulinas,2015, p. 35. 48
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum.
São Paulo: Paulinas,2015, p. 110. 49
Ibid, p. 133-159. 50
50
Ibid., p. 157. 51
OLIVEIRA, George Gurgel. Desenvolvimento, política ambiental e sustentabilidade. Disponível em < http://www.politicademocratica.com.br/article/desenvolvimento-politica-ambiental-e-sustentabilidade/> Acesso
em 09 de novembro de 2017
28
que se quer sustentável. Não obstante é necessário para tal proposta a união dos cristãos em
elaboração de pequenos projetos em suas paroquias e comunidades, nos engajamentos de
políticas públicas, na conscientização e promoção de encontros com tópicos do meio
ambiente/ Natureza e que de fato descreva em linhas gerais toda essa situação.
O último capítulo do documento (LS) vai ao cerne da conversão ecológica à qual a
encíclica convida. As raízes da crise cultural agem em profundidade e não é fácil reformular
hábitos e comportamentos. A educação e a formação continuam sendo desafios centrais: “toda
mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo”52
; estão envolvidos todos
os ambientes educacionais, por primeiro a escola, a família, os meios de comunicação, a
catequese.
O início é apostar «em uma mudança nos estilos de vida», que também abre à
possibilidade de “exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político,
econômico e social». Isso é o que acontece quando as escolhas dos consumidores
conseguem «a mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o
impacto ambiental e os modelos de produção». Conforme a Laudato Si (2015)53
, não se
pode subestimar a importância de recursos da educação ambiental capazes de incidir sobre
gestos e hábitos cotidianos, tais como, redução do consumo de água, a reciclagem de lixos
e até pequenos gestos como apagar as lâmpadas que não estão sendo usadas.
«Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais
quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo». Tudo isto será mais fácil a
partir de um olhar contemplativo que vem da fé: O crente contempla o mundo, não como
alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a
todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares
capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e
entusiasmo».54
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes
mencionado, é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia
integral, vivida com alegria, modelo de como são inseparáveis a preocupação pela
natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior. Mas
52
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum.
São Paulo: Paulinas,2015, p. 163. 53
IGREJA CATÓLICA. Papa (2013 -:Francisco). Carta Encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum.
São Paulo: Paulinas,2015, p. 163-195. 54
Ibid.
29
a Laudato Si recordará também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de
Foucauld. Após a Laudato Si (2015), o exame de consciência, o instrumento que a Igreja
sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação com o Senhor, deverá
incluir uma nova dimensão, considerando não apenas como se vive a comunhão com Deus,
com os outros, consigo mesmo, mas também com todas as criaturas e a natureza.
3.1 A mística cristã como proposta de mudança
Como filhos de Deus, temos a nossa dignidade inalienável, portanto, vemos nos outros
também esta inalienável dignidade, onde de fato possamos ser “sal da terra e luz do mundo”,
onde cada cristão é chamado a testemunhar nestes tempos difíceis. Encontra-se grande
necessidade de anunciar a mística da solidariedade, compaixão, inclusão e gratuidade, mas,
que também não se dá fora da denúncia da injustiça, corrupção, miséria de uma pequena elite
que não permite a vida nascer. “Não devemos nunca esquecer que os portadores permanentes
da espiritualidade são pessoas consideradas comuns, que vivem a retidão da vida, o sentido da
solidariedade, e cultivam o espaço sagrado do Espírito. 55
”
É necessário a Igreja dar testemunho desta solidariedade não somente como sentimentos,
mas que parte sempre da atitude, se colocar como parte da criação, para que desta forma, não
se sinta alheio à destruição da natureza e ao sofrimento dos marginalizados frente a um
sistema excludente. Através da mística cristã manter viva a chama da esperança da
transformação social.
O papel da mística cristã, o que é importante conhecer e recorrer, revela-nos uma
interação de respeito grandioso para com todas as formas de vida. A compaixão:‘sentir
profundamente com’, ‘sim-patia’ com as formas de vida que revelam a grandeza e bondade
do Criador; tudo isso é presente em, praticamente, todos os santos e místicos cristãos.
(PELIZZOLI, 2004, p. 755-756). 56
55
Boff, Leonardo. Espiritualidade: Um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001, 13 56
PELIZZOLI, Marcelo. Da transformação da idéia medieval de natureza com a
revolução científica. In: COSTA, Marcos Roberto N. Costa e DE BONI, Luis Alberto
(Orgs.). A ética medieval face aos desafios da ética contemporânea. Porto
Alegre: EDIPUCRS e UNICAP, 2004, p. 751-767.
30
Conforme Frei Beto e Boff (1999) 57
, é necessário uma proposta de uma mística bíblica,
de olhos abertos e missionária, que anuncia Deus como parte da história, que se compromete
com a justiça, toma o partido do fraco e tem a coragem de denunciar toda esta situação de
indiferença e exclusão dos marginalizados, um sistema que só vise lucros e o sacrifício dos
mais pobres.
A mística cristã , porque é histórica, orientar-se-á pelo seguimento de Jesus. Tal
propósito implica um compromisso de solidariedade para com os pobres, pois Jesus
incluiu-se entre eles e pessoalmente optou pelos marginalizados das estradas, do campo e
das praças da cidade. Implica um compromisso de transformação pessoal e social, presente
na utopia pregada por Jesus, do reino de Deus, que começa a realizar-se na justiça para os
pobres e, a partir daí, para todos e para toda a criação. 58
Ainda conforme Betto e Boff (1999) 59
é pelo seguimento de Jesus que se dará a
transformação social, o desenvolvimento sustentável e a mudança de um sistema que vise a
vida, porém está proposta nova introduz conflitos, por parte daqueles que se sentem
prejudicados em seus interesses e agem com o uso da violência até mesmo física. Por isso o
seguimento a Jesus pode implicar até mesmo o martírio , mas, tudo é assumido pelo preço da
solidariedade para com os sofredores. Não obstante, todo o sacrifício feito persevera para a
promoção da vida, a instauração do Reino de Deus.
Para tanto, colocamos como proposta e não somente, uma espiritualidade integral que vá
ao encontro do ser humano em todas as suas dimensões e que o conscientize sobre sua
participação dentro do mundo histórico com todos os seus determinantes, ainda que a prática
da espiritualidade seja um desafio diante da experiência religiosa equilibrada. Neste sentido, a
espiritualidade da Bíblia oferece uma espiritualidade comunitária, na busca da comunhão com
Deus. Em diversas passagens fica evidente que as qualidades de nossas relações com o próximo
e com o mundo, constituem-se num importante critério para se avaliar a veracidade e a
intensidade de nossa espiritualidade.
A crise climática, conforme a Laudato Si (2015), é uma das faces de uma mesma
grande crise ética da humanidade. Esta é produzida pela ruptura das relações com Deus, com
o próximo e com a terra, que o papa chama de as “três relações fundamentais da existência”.
57
BETTO; BOFF, Leonardo. Mística e Espiritualidade. Rio de Janeiro: Roxo, 1999, p. 20. 58
Ibid. 59
Ibid., p. 22.
31
Os padrões insustentáveis de produção e consumo da sociedade global, impulsionados pela
tecnociência fora de controle, tem como consequência a degradação das relações humanas e a
degradação também da “nossa casa comum”, que é como Francisco chama o planeta. E tudo
isso por falta de entender que o ser humano faz parte desse organismo chamado mundo, e que
é o protagonista das ações que permeiam as relações com as pessoas e com a natureza. É
necessária uma mística integrante que vá ao encontro do ser humano como obra prima de
Deus e parte integrante do meio em que vivem.
A espiritualidade integral é sensível a tudo quanto diz respeito ao mundo. Em relação
ao que é bom e santo, para ser promovido; em relação ao que é mau, para ser
transformado; e em relação ao que é neutro, para ser tratado com liberdade de acordo
com a consciência de cada um. A espiritualidade integral tem a ver com o todo da vida.
Ela está relacionada às questões sociais e éticas que envolvem a humanidade.
Nessa perspectiva de integralidade, os anseios pelas delícias do céu não ofuscam os
sonhos de um mundo melhor; a celebração pela conquista da salvação não abafa os
gemidos dos que não têm nem esperança; e a visão da glória de Deus não impede um olhar
misericordioso para as mazelas desse mundo. 60
Toda a reflexão feita até aqui quer responder à seguinte pergunta: “como a mística
cristã pode garantir a qualidade de vida das pessoas pobres?” Pois a espiritualidade cristã nos
mostra a dimensão do compromisso do Evangelho com as causas sociais. Não se pode
conceber amor a Deus quando faltamos com o amor ao próximo, e em nome de lucros o
faltamos também com a natureza, causando consequências ambientais e também grande
miséria e dor na maior parte da população obrigando-a a viver indignamente, recusando sua
dignidade de filho/a de Deus, sua imagem e semelhança. Hoje, urge uma espiritualidade
integral que coloque o humano como participante da natureza e responsável pela mesma, ao
invés de colocá-lo à parte como “dono” do mundo. É necessário a mística dos caminhantes
rumo à opção pelos pobres que é, pois, ao mesmo tempo, uma opção por Deus (dos pobres) e
uma opção pela justiça utópica (do Reino) que exige de cada cristão atitude concreta a partir
do testemunho de vida, do anúncio e denúncia a partir do Evangelho. A mística cristã sempre
estará em favor da vida, de forma preferencial, em favor dos mais frágeis.
60
ANDRADE, Eneziel Peixoto. Por uma espiritualidade integral. Disponível em: < https://docs11.minhateca.com.br/869351417,BR,0,0,52.Por-uma-Espiritualidade-Integral.pdf >. Acesso em 09
de novembro de 2017.
32
Conclusão
Vivemos dentro de uma dada ordem econômica, em grande parte inquestionável e que
define nossas vidas, tanto quanto os negócios familiares e os laços econômicos que eram tão
importantes para os primeiros cristãos. Vivemos dentro de uma nova ordem mundial, tão
pervasiva e poderosa que na maioria das vezes não é sequer notada. É simplesmente a
realidade. Hoje nossas vidas estão integradas na ordem econômica e social do capitalismo
global. E do mesmo modo que o poder romano e sua economia imperial era uma realidade
praticamente inquestionável no mundo antigo, hoje a dominação moderna da economia
global neo-liberal é uma realidade praticamente inquestionável para todas as pessoas. Ame
ou odeie, é apenas como as coisas são.
Os cristãos podem discutir indefinidamente sobre a correta definição do capitalismo, e
se pode ser visto como algo benigno ou uma ameaça. Sem dúvida, se trata de uma conversa
necessária, apesar de não chegar no cerne da questão. O ministério de Jesus não era focado
na formação de uma sociedade de debates. Seu foco foi na construção de um movimento,
uma família. Hoje ele nos convida para esta nova ordem social, esse novo modo de vida. A
família de Deus está no meio de nós e nos desafia a reavaliar o que valorizamos, o que deve
ser honrado e como devemos viver nossas vidas. Jesus continua à beira-mar, nos chamando a
largar nossas redes e segui-lo.
Qual é a forma e o significado desse chamado em termos concretos? Será que
devemos largar nossos empregos? Laços sociais? Todos os conceitos sobre quem e o quê
deve ser valorizado? Que forma assume o ato de se arrepender (isto é, mudar todo nosso
modo de vida) no contexto de um capitalismo global que ameaça tornar nosso precioso
planeta inabitável? Que emaranhado de redes que somos chamados a jogar fora e qual é o
caminho, a comunidade, a família que irá substituí-lo? Somente uma mudança de corações
não é suficiente quando nossas vidas permanecem tão profundamente enraizadas nos
pressupostos e na economia do império global. É urgente e necessário um convite para uma
reavaliação radical e determinada de tudo, nos encaminhando a uma mudança integral em
nossas vidas na busca por uma existência verdadeiramente abundante, que Jesus nos
promete.
Se há uma coisa que os pobres guardam é a cultura da solidariedade, a alegria de viver
com o pouco que têm. Onde estão a vida, a solidariedade e a alegria? Não estão na alta
burguesia; estão nas favelas, nas comunidades carentes, nos cortiços. O Planeta terra está
sendo devastado pelo consumismo desenfreado e pela constante busca de riqueza pessoal. O
33
antidoto para esse pensamento devastador está no emprego da Mistica Cristã, verdade
espiritual inacessível por meio do intelecto apenas.
34
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