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A msica em Portuga l

M r i o V i e z r a d e C a r v a l h o

COM O 25 DE ABRIL MULTIPLICARAM -SE AS ACTIVI

dades musicais um pouco por todo o pas. Ins

tituies pblicas e privadas com responsabili

dades nesta rea sofreram modificaes mais

ou menos profundas. A poltica cultural e os sis

temas scio-comunicativos da produo,

recepo e mediao da msica experimenta

ram sensveis mudanas. Em alguns casos,

porm, resistiram ao mpeto das transforma

es, deixando que certas tradies atvicas fos

sem, a breve trecho, reconstitudas.

No Teatro de So Carlos, frente do qual se

encontrava Joo de Freitas Branco, suprimiu-se

o antigo regime de assinaturas, baixou-se subs

tancialmente o preo dos bilhetes e aboliu-se a

obrigatoriedade do traje de cerimnia para

todos os espectculos. Ao mesmo tempo, dotou

-se finalmente o Teatro com uma companhia de

pera (a companhia portuguesa transferida do

Trindade) e uma orquestra sinfnica residentes.

Tais reformas tinham em vista pr termo ao

modelo salazarista da sala de visitas (pera

como arte ornamental ao servio da estetiza

o da poltica) e criar condies para conferir

ao Teatro uma misso educativa ou forma

tiva , tendo por horizonte um leque social diver

sificado de espectadores, no sentido daquela tra

dio iluminista burguesa (quanto funo da

arte assumida pelo Estado) , instaurada havia

muito na Europa, mas que nunca tivera grande

curso em Portugal (salvo durante o regime repu

blicano de 19 10) e fora activamente combatida

pelo Estado Novo. Contudo, a concepo legada

pelo salazarismo - e j, por sua vez, herdeira do'

modelo de Passeio Pblico do romantismo -

encontrava-se demasiado enraizada p ara poder

ser questionada em alguns dos seus aspectos

mais essenciais. Frustrou-se assim, mais uma

vez, a perspectiva aberta, havia trinta anos, por

Lus de Freitas Branco (1946) :

Na i[m] possibilidade de atingir o esplendor

vocal dos italianos, esplendor at hoje no igua-

Vencida a crise na Fundao Gulbenkian, logo a seguir ao 25 de Abril. o complexo cultural

daquela Fundao tornou-se o centro da vida

musical portuguesa. Coro e Orquestra Gulbenkian.

65

lado por nao algllma, poderamos trabalhar

no sentido da encenao, fa[z] er espectculos que

valessem pelo estilo e pela interpretao, para o

que teramos a vantagem de llm pessoalfixo, van

tagem qlle no teem as companhias estrangeiras

formadas de elementos diversos.

[ . . . ] Uma grande personalidade, llm grande

encenado/; especializado em pera, bastaria

para, em poucos anos, transformar a face dos

acontecimentos lricos em Portugal . . . .

Tal era precisamente o programa aplicado

s novas companhias criadas em Inglaterra nos

anos 40 - e j ento corrente na Alemanha e em

outros pases da Europa -, um programa que, de

facto, em poucos anos, levaria ao esplendor

msico-teatral dessas companhias e teria

enorme repercusso em diferentes planos: a) no

surto de novos artistas e profissionais qualifica

dos; b) no desenvolvimento das estruturas do

ensino e investigao em todas as reas atinen

tes ao teatro musical; c) no contnuo alarga

mento social do pblico, acompanhado da des

centralizao geogrfica e da rentabilizao eco

nmica crescente, no devida ao aumento dos

preos dos bilhetes, mas sim pela multiplicao

do nmero de espectculos; d) no prprio inter

cmbio cultural com o estrangeiro, j que da

qualidade local das companhias nasceu rapida

mente o seu prestgio internacional. Nesse

modelo, onde o colectivo era a base de todo a

trabalho criativo, os espectculos valiam e

impunham-se por si, na base tanto de obras

consagradas como de obras novas ou desconhe

cidas, cada qual problematizada e potenciada

no seu contedo dramtico, no significado das

suas personagens e situaes, na dimenso

humana real da aco a que pretendia dar vida

(de problematizao da obra falava tambm

Lus de Freitas Branco em 1 946) . Apesar de o Tea

tro de So Carlos ter passado a contar desde

Agosto de 1974 com as suas prprias companhia

e orquestra residentes, no se avanou, porm,

nesse sentido, antes se manteve uma poltica

indefinida que favoreceu paulatinamente o

regresso ao falso prestgio do vedetismo vocal

como um fim em si e descaracterizao da

pera como mero pretexto para o exerccio

mundano (aumento do seu valor simblico

exactamente na razo inversa do seu valor cul

tural, como ensina Bourdieu) .

Excepo a este modelo foi a produo, em

1984, de Ascenso e Queda da Cidade de Maha

gonny, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, em verso

portuguesa de Vera Sampayo Lemos, Jos Fanha

e Joo Loureno, com encenao deste ltimo e

coreografia de Jochen Finke. A novidade da obra

foi aqui secundria quando comparada com o

que houve de inovador no plano da produo:

a) um cuidado trabalho de dramaturgia e a ela

borao de uma concepo da obra pela equipa

de encenao; b) a traduo do texto para a ln

gua portuguesa, lngua do pblico; c) uma slida

preparao musical orientada pelos maestros

correpetidores; d) um longo trabalho de prepa

rao cnica (quatro meses de ensaios de cena) .

Os meios artsticos do prprio Teatro de So Car

los (cantores, coro e orquestra) foram assim,

pela primeira vez, postos prova como estrutura

produtiva autnoma, segundo o moderno para

digma de teatro musical, baseado no aprofun

damento e coeso do trabalho colectivo bem

como no estabelecimento de uma nova relao

com o pblico - chamando-o a uma participa

o activa, inteligente, na descodificao do

espectculo como um todo. Persistir nesta linha

implicava, porm, reformular inteiramente as

temporadas do Teatro e pr termo tarimba ita

liana que dominava o seu sistema de produo.

E implicava sobretudo programar a longo prazo

as novas realizaes, escolhendo o repertrio de

acordo com as possibilidades da companhia

residente e as suas perspectivas de crescimento

e renovao interna, tendendo sua ocupao

plena permanente, em vez de a utilizar como

mera reserva subsidiria de elencos constitudos

na base do star system e impostos pelas exign

cias do repertrio acordado com os agentes

internacionais. Assim, e apesar das produes

de Dido e Eneias, de Purcell ( 1987), de A criana

e os sortilgios, de Ravel ( 1987), e sobretudo de

As Bodas de Fgaro ( 1988) , de Mozart, todas com

encenao de Lus Miguel Cintra - j para no

falar de obras com exigncias (inclusive vocais)

mais prospectivas como As trs mscaras, de

Emmanuel Nunes, a par de Jorge Peixinho e Constana Capdeville, entre outros, um dos muitos compositores portugueses com presena vrias edies dos Encontros de Msica Contempornea organizados pelo ACARTE.

Maria de Lurdes Martins ( 1986) , ou O Amor de 66

Antnio Pinho Vargas. juntamente com Paulo Brando. Alexandre Delgado e Amilcar Vasques Dias. no obstante as diferenas de gerao. um dos nomes que 05 Encontros do ACARTE revelaram.

67

Perdio, de Antnio Emiliano (1991 ) -, terem

comprovado a existncia de um ncleo de can

tores portugueses com matria-prima vocal, for

mao musical e aptides cnicas notveis, no

se soube aproveitar esse capital humano e

desenvolv-lo continuadamente. A completa

ausncia de um pensamento estratgico neste

campo bem testemunhada pelo vazio legado

s geraes vindouras pelos derradeiros anos do

sculo XX. A aplicao de meros critrios economicis

tas de gesto - e sobretudo a falta de competn

cia para avaliar os problemas e as perspectivas

reais de rentabilizao, inclusive econmica, de

organismos artsticos - tambm o que explica,

no ps-25 de Abril, a degradao das condies

de trabalho profissional e artstico da Orquestra

Sinfnica da ex-Emissora Nacional (depois,

Radiodifuso Portuguesa) e da antiga Orquestra

do Conservatrio de Msica do Porto (aps o 25

de Abril integrada na RDp, entretanto transfor

mada em empresa pblica) e, mais tarde (1988) ,

a extino de ambas, determinada pelo governo

sem prvio estudo de melhor alternativa. Depois

de vrias tentativas, incluindo a constituio da

Rgie-Sinfonia em 1988, com base na partici

pao cooperativa de vrias entidades pblicas

e privadas, criou-se, j nos anos 90, a Orquestra

Sinfnica Portuguesa (actualmente integrada no

Teatro de So Carlos) , com larga participao de

instrumentistas estrangeiros e que tem revelado

uma qualidade e homogeneidade notveis.

Outras orquestras constituram-se tambm no

Norte e nas Beiras, numa tentativa de forar

uma vida musical onde os pressupostos infra

estruturais necessrios (socioculturais, tcnicos,

educacionais, etc.) ainda no existiam.

A consolidao e contnua valorizao das

antigas Orquestras da RDP ter-se-ia harmoni

zado com a renovao experimentada no

mbito da Seco Musical da Antena 2, aps o 25

de Abril. Na verdade, tudo parecia apontar para

a manuteno da ex-Emissora Nacional como

importante suporte de actividades musicais

(designadamente temporadas de concertos) e a

diversificao da sua interveno neste dom

nio. Por um lado, mantinham-se os concertos

semanais das duas Orquestras: no Porto, no

Auditrio Nacional Carlos Alberto; em Lisboa,

primeiro no Tivoli - com difuso em directo pela

televiso, em 1975, segundo protocolo cele

brado entre a RDP e a RTP - e depois no Teatro

de So Luiz, alm das temporadas populares de

Vero nas Runas do Carmo. Por outro lado,

esboavam-se as Quinzenas Musicais , cada

uma delas dedicada msica de um pas, nas

suas diferentes manifestaes, relaes cultu

rais interdisciplinares, evoluo histrica e pro

blemtica actual. As Quinzenas visavam a des

centralizao (compreendendo espectculos

em diferentes localidades) e baseavam-se na

cooperao activa de artistas ou conjuntos arts

ticos dos pases contemplados, alternando com

intrpretes portugueses. Simultaneamente, a

Antena 2 dedicava largo espao a diferentes

aspectos da cultura desses pases. A contrapar

tida era a difuso da cultura portuguesa no

estrangeiro. As Quinzenas mais substanciajs e

fceis de organizar foram as que envolveram

pases socialistas, enquanto as leis do mercado

tornavam demasiado dispendiosa a deslocao

de artistas de pases ocidentais. Entre 1 976 e

1979 realizaram-se dez Quinzenas Musicais,

dedicadas sucessivamente Frana, Espanha,

Polnia (presena de Witold Lutoslawski) , Che

coslovquia (incluindo um programa radiofun

di do dedicado a Vaclv HaveI) , Rssia-URSS

(presena do maestro Maxim Chostakovitch) ,

Romnia, Inglaterra, RDA e RFA. Este tipo de

interaco entre espectculos ao vivo e progra

mao radiofnica interdisciplinar s veio a ser

retomado em 1990, por ocasio das comemora

es do centenrio de Lus de Freitas Branco,

a que a Seco Musical da RDp, no obstante o

seu magro oramento e em contraste com a

indiferena de outras instituies, soube confe

rir dignidade e amplitude.

Tambm a organizao do Prmio Jovens

Msicos a partir de 1988 (com apoio do mece

nato privado) parecia inserir-se numa poltica

de expanso da RDP como agente de cultura

musical, servindo-se da radiodifuso e das rea

lizaes ao vivo para mutuamente desenvolver

ambas e se desenvolver.

A RTp' que se associou ao projecto da

Rgie-Sinfonia , prosseguiu com os seus pro

gramas de divulgao musical, nomeadamente

da autoria de Victorino d'Almeida e Joo de Frei

tas Branco (este, em colaborao com o opera

dor de cmara Augusto Cabrita) , e intensificou,

em meados dos anos 80, a transmisso ou co

produo de espectculos musicais por artistas

portugueses (p. ex. Maria Joo Pires e a Orques-

tra Gulbenkian, Grupo Gulbenkian de Bailado,

Companhia Portuguesa de pera) .

Vencida a crise aberta na Fundao Gulben

kian' logo a seguir ao 25 de Abril, o complexo cul

tural daquela Fundao, na Avenida de Berna,

em Lisboa, tornou-se o centro da vida musical

portuguesa. Tal j era a vocao que vinha afir

mando desde a sua inaugurao, em 1970, mas

que se acentuou ainda mais, aps o 25 de Abril,

pelo facto de a gradual expanso das suas activi

dades musicais (assente num slido poder eco

nmico) ser acompanhada pela crise de vrias

instituies pblicas e privadas (orquestras,

associaes de concertos, etc.) . Entretanto, os

Encontros de Msica Contempornea, as Jorna

das de Msica Antiga (organizados pelo Servio

de Msica) e as actividades do ACARTE - criado no

Centro de Arte Moderna e de que foi fundadora

e directora Madalena Perdigo - constituram

inovaes da Fundao Gulbenkian aps o 25 de

Abril, que muito tm contribudo quer para o

alargamento dos nossos horizontes culturais,

quer para uma crescente tomada de conscincia

e estmulo dos valores ou referncias que emer

gem na histria e na actualidade da cultura

musical portuguesa.

Ao longo das suas 23 edies, desde 1977, os

Encontros de Msica Contempornea tm tra-

Lopes Graa dos compositores portugueses cujas obras tiveram maior divulgao nos Encontros de Msica Contempornea.

68

o Ballet Gulbenkian, paralelamente ao Coro e Orquestra da Fundao, consolidou nos ltimos

anos um elevado nvel tcnico e artstico, tornando-se expoente mxil110 da cultura msico-teatral em Portugal.

zido a Portugal muitos dos nomes mais impor

tantes da nova msica da Europa Ocidental,

Amricas, antigos Pases de Leste e Extremo Ori

ente - quer compositores (pessoalmente e/ ou

atravs das suas obras) , quer intrpretes.

Todos os trs grandes impulsionadores da

Nova Msica que se encontraram em Darms

tadt no incio da dcada de 50 (alm de Stoc

khausen, Boulez e Nono) , visitaram Portugal

durante este perodo. Pierre Boulez (n. 1925)

esteve entre ns em 1985, novamente em 1990

(fora do mbito dos Encontros) , desta feita para

dirigir a sua obra RpOI1S e uma terceira vez, j

em 1 999, para dirigir um concerto com a

Orquestra Filarmonia, no Coliseu. Luigi Nono

( 1924- 1990) deslocou-se pela primeira vez a

Portugal em Fevereiro de 1975, a convite da

Clula dos Msicos do Partido Comunista Por

tugus. Esteve ento em Lisboa, na regio de

Setbal e no Alentejo, para participar em col

quios e tomar contacto com a revoluo portu-

tau a sua pera AI gran sole carico d'amore

(mediante diapositivos e gravaes, segundo a

realizao do Scala de Milo, com direco

musical de Claudio Abbado e encenao de Juri

Liubimov) . S em 1983 seria convidado para os

Encontros Gulbenkian, por ocasio da estreia

em Portugal de algumas das suas obras (desig

nadamente, Diario Polacco n 2: Quando stanno morendo . . . e Fragmente-5tille an Diotima) .

No entanto, nunca foram ouvidas em Portugal,

mesmo depois do 25 de Abril, algumas das suas

obras mais significativas - p. ex. Il canto sos peso

( 1956) ou IntoleranZG 1960 -, cuja execuo era impossvel na poca do fascismo, p or motivos

polticos.

Para os Encontros de Msica Contempor

nea vieram tambm muitos dos solistas, grupos

vocais e instrumentais, orquestras e tcnicos

que mais se tm notabilizado na interpretao

da Nova Msica, ao mesmo tempo que se sali

entava o elevado nvel da participao portu-

guesa. Voltou em 1976, a convite da mesma guesa, atravs do Grupo de Msica Contempo-

69 clula para a Festa do Avante, onde apresen- rnea de Lisboa (direco de Jorge Peixinho) , da

Oficina Musical do Porto (direco de lvaro

Salazar). do Grupo de Msica Nova (direco de

Cndido Lima) . do Grupo Vocal de Msica Con

tempornea (direco de Mrio Mateus) , do

Grupo Colecviva (direco de Constana Capde

ville) , do Coro e Orquestra Gulbenkian, da pr

pria Orquestra Sinfnica da RDP (que cumpriu

condignamente a sua misso em vrias das edi

es) e de solistas como Jorge Peixinho e Olga

Prats (piano), Antnio Saiote (clarinete). Maria

Joo Serro, Lia Altavilla e Manuela de S (canto)

ou chefes de orquestra como Fernando Eldoro e lvaro Salazar. Quanto aos compositores - a

quem a Fundao encomenda regularmente

obras -, Emmanuel Nunes e Jorge Peixinho

foram presenas constantes. Mas tambm

Constana Capdeville, J . Lopes e Silva, Cndido

Lima, Filipe Pires e Clotilde Rosa tiveram parti

cipao importante em vrias das edies.

Simo Barreto, Paulo Brando, Alexandre Del

gado, Fernando Eldoro, Rui Galapez, Virglio de

Melo, Joo Pedro Oliveira, Joo Rafael, Roy

Rosado, Amlcar Vasques Dias, Isabel Soveral,

Sousa Afonso e Antnio Pinho Vargas contam

-se, no obstante as diferenas de gerao, entre

os compositores que os Encontros de certo

modo revelaram . Finalmente, tambm algu

mas obras de Joly Braga Santos, Fernando

Lopes-Graa, Maria de Lurdes Martins e lvaro

Salazar foram a estreadas ou acolhidas.

Iniciativas como lisboa'94 e Expo'98 deram origem a encomendas e intercmbios significativos no domnio da pera. E de referir, entre outros, "OS Dias levantados (1988), pera comemorativa

do 25 de Abril, com msica de Antnio Pinho Vargas e texto de Manuel Gusmo. Fotogralia de Eduardo Saraiva.

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7 1

Tendo como precursores em Portugal os

Menestris de Lisboa (direco de Santiago Kas

tner) , o Grupo de Msica Antiga (criado em 1963

e activo at cerca de 1969, com direco de Saf

ford Cape) e os Segris de Lisboa (grupo criado

em 1972 por Manuel Morais e que, sob a sua

direco, tem alcanado projeco internacio

nal) , bem como o programa radiofnico Em rbita (Rdio Clube Portugus, Rdio Comer

cial depois do 25 de Abril), cresceu o interesse

pela msica antiga e suas respectivas prticas de

execuo. Da as Jornadas de Msica Antiga

organizadas desde 1980 pela Fundao Gulben

kian e que, no decurso das suas edies anuais,

tm contribudo decisivamente para uma redes

coberta sistemtica da msica portuguesa dos

sculos XVI a XVIII, no s em Portugal como

tambm no estrangeiro. Com efeito, a realizao

de verdadeiras obras-primas como o Te Deum

( 1732), de Antnio Teixeira (dado em 1989, na

Igreja do Loreto, por The Sixteen Choir and

Orchestra sob a direco de Harry Christo

phers) , e do oratrio La Giuditta ( 1726) , de Fran

cisco Antnio de Almeida (interpretada em

1990, numa co-produo com vrios festivais

europeus, por solistas e o Concerto Koln sob a

direco de Ren Jacobs), reflectiu e potenciou,

entre vrios outros exemplos possveis, a

enorme repercusso alm-fronteiras que tm

vindo a adquirir os mais valiosos testemunhos

do nosso passado musical.

A aco de Madalena Perdigo no ACARTE

caracterizou-se por um decidido apoio explo

rao dos novssimos caminhos nas prticas

artsticas, incluindo naturalmente a msica e o

teatro musical, no sentido mais lato do termo.

Com os ciclos de Jazz em Agosto , concertos ao

ar livre por bandas de msica e Vozes do

Mundo (este ltimo trazendo ao nosso convvio

alguns dos maiores expoentes de culturas tradi

cionais europeias e extra-europeias) abriu as

portas do Centro de Arte Moderna e dos seus jar-

dins a outras dimenses, quebrando tabus e

compartimentos estanques. Ao mesmo tempo,.

apoiava os mais jovens msicos portugueses em

princpio de carreira, com os Pequenos concer

tos hora do almoo , que tiveram grande xito.

A orientao to aberta e de to largo alcance

que imprimiu ao ACARTE, at certo ponto em

singular contraste com a sua anterior gesto do

Servio de Msica, vale como modelo de anima

o scio-cultural, to estimulante para recep

tores como para produtores. Tal orientao foi,

de resto, prosseguida e diversificada em novas

facetas durante a gesto de Jos Estvo Saspor

tes e, actualmente, Ivete Centeno.

As temporadas de concertos da Fundao

Gulbenkian alargaram-se cada vez mais ao longo

deste perodo, ao mesmo tempo que cresciam os

efectivos da sua orquestra (mas no em volume

suficiente para esta se transformar numa autn

tica orquestra sinfnica) . No cabe enumerar

aqui, mesmo a ttulo exemplificativo, momentos

importantes das dezasseis temporadas. Con

tudo, apesar de nelas participarem muitos dos

mais famosos solistas, agrupamentos de cmara

e tambm orquestras sinfnicas (estas sobretudo

no mbito do ciclo anual Grandes Orquestras

Mundiais , iniciado em 1988) - ou talvez por isso

mesmo: por excessiva dependncia de critrios

de sensacionalismo - foi notria a tendncia

para a rotina de agncia de concertos . A quan

tidade' embora de grandes artistas ou celebrida

des, perdeu-se na deficiente qualidade da orga

nizao ou na indefinio de critrios quanto .

misso o u funo dos espectculos programa

dos. No admira, por isso, que, assoberbado por

compromissos de rotina cada vez mais volumo

sos, o Servio de Msica no pudesse fugir-lhes

e casse em algumas omisses inesperadas.

Assim, se em 1975, por ocasio do 20.0 anivers

rio da morte de Lus de Freitas Branco, ainda

organizou uma exposio e alguns concertos, j

em 1990 quase deixou passar a efemride do cen-

tenrio do nascimento do mesmo compositor.

O mesmo vlido, tambm em 1990, para os 50

anos de Jorge Peixinho (1940- 1995) . No gnero

coral-sjnfnico, por exemplo, permaneceu

indita uma das mais importantes obras de Pei

xinho, alis premiada pela fundao Gulbenkian

- Eu.rdice reamada ( 1968) sobre poemas de Her

berto Helder -, facto que no pode deixar de se

contrapor frequncia e ao empenho com que

Coro e Orquestra Gulbenkian interpretam e gra

vam repertrio de outros pases, seleccionado

segundo duvidosos critrios de prioridade.

Ao lado do Coro (direco de Michel Cor

boz) e da Orquestra Gulbenkian (direco titu

lar, sucessivamente, de Juan-Pablo Izquierdo,

Claudio Scimone e, mais recentemente, Muhai

Tangl , tambm o Grupo Gulbenkian de Bailado

(direco de Milko Sparemblek e, a partir de

1977, Jorge Salavisa) se consolidou nestes anos

como agrupamento artstico de elevado nvel.

Tornou-se expoente mximo da cultura msico

-teatral em Portugal (uma vez que o bailado

tambm teatro musical) graas coeso do tra

balho colectivo, criao de um repertrio ori

ginal constantemente enriquecido por novas

produes, inteligente articulao com outras

dimenses da arte contempornea, nomeada

mente portuguesa (suscitando a colaborao de

artistas plsticos, escritores, msicos, tanto

compositores como executantes), revelao

e profissionalizao de novos bailarinos e ence

nadores/ coregrafos. A modernidade do Grupo

manifesta-se, alm disso, no entrecruzamento

de inovao esttica e reflexo sobre as pessoas

que somos e o mundo em que vivemos.

A fundao da Companhia Nacional de Bai

lado em 1 977 (direco de Armando Jorge) e a

sua transferncia, com o respectivo Centro de

Formao Profissional, para o Teatro de So Car

los em 1985 constituem aquisies do ps-25 de

Abril. Concentrando-se no grande repertrio

tradicional, tendo em conta a dimenso forma-

tiva para os artistas e a necessidade de preencher

uma lacuna no meio cultural portugus, desen

volveu um trabalho muito srio como compa

nhia residente, criando um repertrio estvel e

multiplicando o nmero de espectculos (que

chegou a atingir mais de 80 por ano). notvel a sua contribuio para o alargamento do

pblico e o recrudescimento do ensino e da pr

tica da dana em Portugal, com reflexo no surto

de novos valores.

Outra consequncia do 25 de Abril foi a pro

liferao das iniciativas de animao sociocul

tural, e designadamente musical, por parte de

organismos que at ento no eram suportes de

actividades musicais, inclusive no mbito das

chamadas campanhas de dinamizao cultu

ra]" do MFA. A Secretaria de Estado da Cultura

instalou delegaes ou Centros Culturais na

periferia, o que tambm se traduziu no incre

mento de actividades musicais. O Conselho Por

tugus da Msica promoveu a organizao

anual do Dia Mundial da Msica (com apoio da

SEC) em capitais de distrito sempre diferentes,

procurando incentivar assim a descentralizao

e a criatividade local. A antiga FNAT transfor

mou-se no INATEL e experimentou igualmente

uma fase de considervel actividade musical.

Entretanto, a prpria consolidao do Poder

Local em moldes democrticos veio a repercu

tir-se numa maior valorizao da misso cultu

ral das autarquias, que passaram a apoiar grupos

musicais, bandas e escolas de msica, a organi

zar elas prprias ciclos de concertos e outros

espectculos musicais, bem como a encomen

dar obras a compositores portugueses (caso da

Cmara Municipal de Matosinhos, que, atravs

do seu vereador da cultura, Manuel Dias da

Fonseca, encomendou a Lopes-Graa e a Jorge

Peixinho obras sobre poemas de Antnio Nobre,

que vieram a ser estreadas em 1982, no quadro

das comemoraes do centenrio do poeta) .

Novos Festivais de Msica ganharam perfil 72

o Opus Ensemble, criado em 1980 e constitudo por Ana Bela Chaves, Olga Prats, Bruno Pizzamiglio

e Alexandre Oliva, projectou a sua actividade muito para alm do pblico da chamada msica clssica. Desempenhou, tambm, um papel estimulante na criao musical atravs de encomendas a compositores portugueses e estrangeiros.

73

(p. ex., Estoril, Algarve, Capuchos, Costa Verde) ,

juntando-se ao de Sintra no propsito de ofere

cer msica da mais variada natureza a um

pblico flutuante de Vero. Deve-se ao Festival

do Estoril a estreia, em 1981 , do Requiem pelas

vtimas do fascismo em Portugal, de Lopes

Graa (obra encetada ainda durante a poca do

fascismo, mas s terminada em 1979, corres

pondendo a uma encomenda da SEC) .

Tambm no plano do teatro musical se

diversificaram as entidades produtoras: em 1989

o Teatro da Cornucpia levou cena, no original

ingls, The Bear e Faade, de William Walton

(encenao de Lus Miguel Cintra) (5 represen

taes) , e o Teatro Aberto uma verso portu

guesa de Happy End e deA pera de Trs Vintns,

ambas de Brecht e Kurt Weill, arranjadas por

Eduardo Pais Mamede e com encenao de Joo

Loureno. Pela sua repercusso nacional e inter

nacional, vem a propsito mencionar neste con

texto a produo da pera Blimunda, de Azio

Corghi, no Scala de Milo ( 1989) , com libreto

elaborado por Jos Saramago e pelo compositor,

a partir do romance Memorial do Convento, e

posteriormente a produo de outra pera nas

cida da mesma parceria: Divara, Wasser und Blut

(Mnster, 1992) , extrada da pea ln Nomine Dei,

da autoria do futuro Prmio Nobel da Literatura.

Iniciativas como Lisboa 94 e Expo'98 deram

ainda origem a encomendas e intercmbios sig

nificativos neste domnio. So de referir, entre

outros, a estreia de O Doido e a Morte ( 1994) de

Alexandre Delgado, sobre a pea de Raul Bran

do (encenao de Pedro Wilson) , Os Dias

Levantados ( 1998) , de Antnio Pinho Vargas

(texto de Manuel Gusmo), e O Corvo Branco

( 1998) , com texto de Lusa da Costa Dias e

msica de Philip Glass (esta levada cena no

Teatro Cames, durante a Expo'98).

De no menor alcance, quanto prolifera

o de iniciativas musicais, foi o aparecimento

de novos grupos vocais-instrumentais: alm dos

j referidos, a Capela Lusitana (direco de

Gerhard Doderer), o Crculo Portuense de pera

(direco de Manuel Ivo Cruz), o Grupo de

Metais de Lisboa, o Ensemble Portugus de Cla-

rinetes (fundado por Antnio Saiote). o grupo

Telectu (de Jorge Lima Barreto), o Quarteto de

Cordas de Lisboa, o Miso Ensemble (um grupo de

msica improvisada), a orquestra de cmara

La folia (baseada na disponibilidade eventual de

instrumentistas de outras orquestras, sob a

direco de Miguel Graa Moura) e a Nova Filar

monia Portuguesa (constituda de raiz por lvaro

Cassuto, seu director musical, sustentada pelo

mecenato de grandes empresas e voltada para a

itinerncia) . O Opus Ensemble, criado em 1980 e

constitudo por Ana Bela Chaves, Olga Prats,

Bruno Pizzamiglio e Alexandre Oliva, projectou a

sua actividade muito para alm do pblico da

chamada msica clssica e desempenhado um

papel bastante estimulante na criao musical,

dadas as numerosas obras que encomendou a

compositores portugueses e estrangeiros. Deve

-se-lhe tambm a introduo em Portugal de

alguns autores argentinos, designadamente

Astor Piazzola - o qual, com a respectiva orques

tra de tangos, teve depois enorme xito no Coli

seu de Lisboa, quando da sua primeira visita ao

nosso Pas, em 1987. Saliente-se ainda o papel

desempenhado pela Oficina Musical (criada em

1978 e na qual se integrou o Quarteto do Porto),

que tambm tem promovido encomendas a

compositores, a quem se deve a extenso siste

mtica ao Norte do Pas da difuso da msica

contempornea e que empreendeu uma j no

tvel actividade editorial (livros e msica

impressa) . Logo a seguir ao 25 Abril, a Orquestra

Sinfnica Popular (dirigida por lvaro Salazar e,

esporadicamente, por Emanuel Newton) consti

tuiu uma experincia indita de participao

activa dos msicos no processo da revoluo

portuguesa - resultando em larga medida de um

empenhamento poltico que comeara a ganhar

corpo ainda antes do 25 de Abril e se manifestara

no documento Pela msica em Portugal, apre

sentado pelo Grupo Scio-Profissional de Msi

cos do Movimento CDE de Lisboa na campanha

eleitoral de 1973. Alm das linhas mestras de

uma aco concertada nas diferentes reas musi

cais (educao, formao especfica, democrati

zao e descentralizao, reforma institucional,

comunicao social e animao, situao profis

sional dos msicos) . este documento - em cuja

elaborao participou um elevado nmero de

msicos - propunha tambm um modelo de

centros musicais, como eixos coordenadores

das vrias actividades envolvidas. Contudo, em

certos aspectos estruturais de decisiva impor

tncia, as transformaes operadas desde o 25 de

Abril (at 1990) permaneceram muito aqum do

programa defendido nessa carta reivindicativa.

Pedro Burmester um dos nomes da nova gerao de intrpretes que se consagrou a nvel nacional e que tem visto um progressivo reconhecimento

do seu trabalho a nvel internacional.

Entre as conquistas institucionais, algumas

j atrs referidas (e depois, como se viu, de novo

total ou parcialmente frustradas) , importa assi

nalar a aco persistente que a Diviso de

Msica da SEC (criada em 1975) tem desenvol

vido em vrios domnios: apoio sistemtico a

coros e bandas de msica - incluindo nomea

damente cursos de preparao de novos regen

tes, remunerao dos regentes permanentes,

formao de instrumentistas, aquisio de ins

trumentos, renovao do repertrio (mor

mente, atravs de encomendas de obras origi

nais para bandas ou arranjos a compositores

portugueses) ; subsdios e apoio tcnico ani

mao musical em autarquias e escolas de

msica (em cooperao com o Ministrio da

Educao) bem como a intrpretes e agentes

difusores, incluindo Festivais de Msica; incen

tivos generalizados criao musical (mais uma

vez atravs de encomendas directas ou em cola

borao com outras instituies) . Mas, uma das

contribuies mais valiosas da SEC para uma

alterao dos circuitos tradicionais de circula

o do nosso patrimnio artstico-musical foi,

sem dvida, o lanamento da Discoteca Bsica

Nacional e a posterior criao de uma etiqueta

discogrfica oficial (Portugalsom) . As dezenas

de ttulos entretanto publicados (tanto em LP

como, desde 1988, em CD) permitiram uma ver

dadeira redescoberta da msica portuguesa de

diferentes pocas por largas camadas do

pblico nacional e estrangeiro, ultrapassando

rapidamente, no plano da documentao

audio, estrangulamentos institucionais que

teriam continuado a reduzi-la ao silncio e ao

esquecimento.

No mbito da SEC, na dependncia da

Direco Geral do Patrimnio Cultural e, mais

tarde, do IPPC, surgiu igualmente em 1976 um

Servio de Musicologia - colocado sob a direc

o de Humberto de vila e, depois, de Isabel

depredao a que havia muito estava sujeito o

nosso patrimnio musical, chamando a si as

seguintes tarefas: recolha e salvaguarda (donde

rapidamente surgiu um valioso arquivo docu

mentai, bibliogrfico, fonogrfico e de msica.

impressa ou manuscrita) ; levantamento de ico

nografia musical, manuscritos, instrumentos,

etc. (prevendo-se a sua comunicao a publica

es internacionais como o Rprtoire Interna

tional d'Iconographie Musicale e o Rprtoire

International de SOUlTes Musicales) ; defesa e

conservao (restauro de sete rgos, recupera

o do jogo manual do carrilho de Mafra, etc.) ;

divulgao (atravs de edies vrias, exposi

es, gravaes fonogrficas - coleco Lusi

tana Musica - e servida tambm pelo Catlogo

Geral da Msica Portuguesa, que ento come

ou a ser elaborado) . No obstante to merit

ria aco - embora com um oramento precrio

- o Servio acabou por ser extinto em 1990, tran

sitando grande parte do seu esplio para o

Museu da Msica em Lisboa. Mais recente

mente activou-se a Seco de Msica da Biblio

teca Nacional, dotando-a de condies para o

desenvolvimento da pesquisa musicolgica.

A tradio de edies musicolgicas conti

nuou a ter o seu principal plo impulsionador

na coleco PortLlgaliae Musica da Fundao

Gulbenkian, que publicou novos ttulos, abran

gendo, por exemplo, obras de Frei Manuel Car

doso, Carlos Seixas, Polifonia Portuguesa, Vilan

cicos e Cancioneiros (edies respectivamente a

cargo de Mrio Sampayo Ribeiro, entretanto

falecido, Santiago Kastner, Robert Stevenson,

L. Pereira Leal, Manuel Carlos de Brito e Manuel

Morais) . Por excepo, tambm a Imprensa

Nacional-Casa da Moeda se abriu edio cr

tica de msica antiga com o Som de Martim

Codax ( 1986), de Manuel Pedro Ferreira. O apa

recimento da Musicoteca - Edies de Msica,

que se afirmou, j na dcada de 90, com um

75 Freire de Andrade. Propunha-se pr cobro importante programa de edio sistemtica de

musica portuguesa antiga e contempornea,

veio preencher uma lacuna entretanto deixada

em aberto por casas pioneiras como o Valentim

de Carvalho ou a Sassetti, que haviam abando

nado essa actividade.

Mas a mudana de maior alcance operada

na musicologia aps o 25 de Abril foi a criao,

em 1980, do primeiro Curso de Licenciatura e,

mais tarde, tambm de Mestrado em Cincias

Musicais. A escola pioneira foi a Faculdade de

Cincias Sociais e Humanas da Universidade

Nova de Lisboa, qual a msica j estivera ligada

logo aps o 25 de Abril (e s at 1975) atravs de

cursos livres organizados por Peixinho. O novo

curso ficou a dever-se essencialmente inicia

tiva de Maria Augusta Barbosa, primeira doutora

em Cincias Musicais de nacionalidade portu

guesa (pela Universidade de Colnia) , contando

tambm desde o incio com o valioso contributo

de Joo de Freitas Branco, Constana Capdeville

e Gerhard Doderer. O seu corpo docente foi-se

alargando depois a vrios musiclogos entre

tanto doutorados por universidades estrangei

ras e dela comearam a sair dezenas de licenci

ados, mestres e tambm alguns doutores em

cincias musicais. O colquio internacional Por

tugal na l1usica do mundo - Processos Intercul

turais l1a msica desde o sculo XV ( 1 987), e o colquio ibrico Modernidade e Mudana na

Msica eln Portugal ( 1990) - ambos fruto da

actividade cientfica do Departamento de Cin

cias Musicais - marcaram bem a viragem entre

tanto operada nesta rea de investigao. A acti

vidade do Departamento teve igualmente

expresso, em 1990, na comemorao do cente

nrio de Lus de Freitas Branco e dos 50 anos de

Jorge Peixinho, atravs do ciclo Os sons nossa

procura, incluindo concertos, exposies e um

espectculo de dana, ciclo que foi levado a

efeito na Faculdade de Cincias Sociais e Huma

nas pelos alunos da opo de Animao Musi

cal. A criao em 1986 de um Curso de Mestrado

na Universidade de Coimbra, em 1987 de um

plo do projecto Minerva na Universidade do

Minho (voltado para a aplicao das novas tec

nologias ao ensino da msica) e, em 1990, de

uma licenciatura em Ensino da Msica na Uni

versidade de Aveiro e, mais recentemente, de

variantes de Msica na Universidade de vora e

da Beira Interior, bem como na Universidade

Catlica do Porto, comprovam o crescente inte

resse que se est a verificar em Portugal pela for

mao superior, cientfica, no estudo dos pro

cessos musicais. O Projecto Investigao,

Edio e Estudos Crticos de Msica Portuguesa

dos Sculos XVIII a XX" ( 1997) , coordenado pelo CESEM-Centro de Estudos de Sociologia e Est

tica Musical, criado em 1997 na Universidade

Nova de Lisboa, e envolvendo nomeadamente o

Museu da Msica da Cmara Municipal de Cas

cais (onde esto depositados os esplios de

Lopes-Graa e Michel Giacometti) , a Universi

dade de Aveiro e a Musicoteca, Edies de

Msica, veio constituir - pelo volume do seu

financiamento (l05 mil contos) no quadro do

Programa Praxis XXl da Fundao para a Cincia e a Tecnologia - um factor de mudana qua

litativa na dinmica da investigao cientfica

neste domnio. Para alm de representar um

passo decisivo para a constituio de uma bibli

oteca musicolgica devidamente apetrechada

(na Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da

UNL) , criou condies para o desenvolvimento

de uma base de dados em suporte informtico

sobre a cultura musical em Portugal, para o

tratamento sistemtico de importantes esp

lios musicais e para a edio crtica de obras de

autores portugueses do perodo contemplado.

Vrias partituras e a publicao do livro A Inven

o dos 5011s, de Srgio Azevedo ( 1998), onde

se rene valiosa informao sobre cerca de

40 compositores portugueses actuais ou resi

dentes actualmente em Portugal so j resultado

desse Projecto. 76

A guitarra portuguesa continuou a ter em Carlos Paredes o seu mais lidimo representante.

77

Em todo o caso, na rea do ensino artstico,

a evoluo geral no tem acompanhado esta

exploso universitria. Logo a seguir ao 25 de

Abril, constituiu-se uma Comisso de Reforma

do Ensino da Msica, presidida por Lopes

-Graa, a qual, porm, no teve condies para

produzir trabalho til. Desde ento, outras

comisses e grupos de trabalho se sucederam,

sem melhores resultados. A deciso de extinguir

os Conservatrios de Lisboa e Porto em 1986,

criando no lugar de cada um deles uma Escola

Secundria e uma Escola Superior de Msica

(esta integrada no ensino politcnico), foi muito

contestada, mas certo que as novas Escolas

Superiores de Msica de Lisboa e Porto tiveram

grande importncia designadamente no surto

de novos compositores que tm dado provas de

uma grande criatividade e de uma elevada com

petncia tcnico-profissional. De resto, o novo

clima de Liberdade, o fim da censura, a grande

abertura verificada na sociedade portuguesa

(eliminando velhos preconceitos, criando um

novo tipo de relacionamento entre classes so

ciais, sexos e faixas etrias diferentes) , o terreno

propcio proliferao de iniciativas culturais,

tudo isso se repercutiu profundamente na tra

jectria artstica e profissional dos msicos. No

cabe, no mbito deste artigo, elencar em por

menor, os nomes e as obras que mais se salien

taram no quarto de sculo que entretanto decor

reu. Mas no podem deixar de ser referidos os

nomes de Lopes-Graa ( 1906- 1994) , Fernando

Correia de Oliveira (n. 1921 ) , Joly Braga Santos

( 1924- 1988), Maria de Lurdes Martins (n. 1926) ,

Filipe de Sousa (n. 1 927), Clotilde Rosa (n. 1930) ,

Filipe Pires ( 1934) , Constana Capdeville, nas

cida em Barcelona ( 1 937- 1992) , Jos Lopes

e Silva (n. 1937) , lvaro Cassuto (n . 1938) , lvaro Salazar (n. 1938), Cndido Lima (n. 1939) ,

Jorge Peixinho ( 1940-1995) , Antnio Victorino

d'Almeida (n. 1940), Emanuel Nunes (n. 1941) ,

Amlcar Vasques Dias (n. 1945), Paulo Brando

(1950) , Antnio Pinho Vargas (n. 1951 ) , Roy

Rosado (n. 1958) , e Antnio Sousa Dias (n. 1959) ..

Na gerao mais jovem tm-se salientado Ant

nio Chagas Rosa (n. 1960), Joo Rafael (n. 1960) ,

Miguel Azguime (n. 1960) , Vasco Azevedo

(n. 1961 ) , Pedro Rocha (n. 1961 ) , Eugnio Rodri

gues (n. 1961) , Isabel Soveral (n. 1961 ) , Virglio de

Melo (n. 1961) , Eurico Carrapatoso (n. 1962) ,

Carlos Marecos (n. 1962) , Csar Viana (n. 1963) ,

Toms Henriques (n. 1 963) , Paulo Ferreira

(n. 1964) , Carlos Fernandes (n. 1965) , Alexandre

Delgado (n. 1965) , Srgio de Azevedo (n. 1968) ,

Carlos Caires (n. 1968) , Lus Tinoco (n. 1969) ,

Joo Madureira (n. 1971 ) , Nuno Corte-Real

(n. 1971 ) , Ricardo Ribeiro (n. 1971) e Pedro Ama

ral (n. 1972). No campo da msica improvisada,

tem sido particularmente activo o grupo Telectu,

constitudo por Jorge Lima Barreto (n. 1947) e

Victor Rua (n. 1961 ) . Entre os compositores

estrangeiros residentes em Portugal h que

mencionar Christopher Bochmann (n. 1950),

que, como professor da Escola Superior de

Msica de Lisboa, tem exercido grande influn

cia na formao de jovens compositores, bem

como Daniel Schwetz (n. 1955), Ivan Moody

(n. 1964) e Evgueni Zoudilldne (n. 1965) . Toda

esta exploso de compositores e das obras que

criaram, das quais d conta o j referido livro de

Srgio Azevedo, s se tornou possvel - no obs

tante os estrangulamentos no sistema de ensino

- graas abertura cultural e expanso de acti

vidades musicais verificadas aps o 25 de Abril.

Quanto aos intrpretes, Maria Joo Pires

alcanou plena consagrao internacional (e foi

galardoada em 1989 com o prmio Fernando

Pessoa) e Sequeira Costa, a par da actividade de

executante, intensificou a sua aco pedaggica

em universidades americanas. Entretanto, sali

entaram-se tambm Ana Bela Chaves (violeta),

que se fixou em Paris, Pedro Burmester, Jorge

Moyano, Laura Soveral, Artur Pizarro (piano) .

Vasco Barbosa, Gerardo Ribeiro, Anbal Lima,

Pedro Teixeira da Silva (violino) . Irene Lima,

Maria Jos Falco, Cllia Vital (violoncelo), Ant

nio Saiote (clarinete) , Pedro Wallenstein (con

trabaixo) , Cremilde Rosado Fernandes (cravo) .

etc. A guitarra portuguesa continuou a ter em

Carlos Paredes o seu mais ldimo representante

(que obteve considervel xito quando da cola

borao prestada a um dos espectculos do

Grupo Gulbenkian de Bailado) . Victorino

d'Almeida reapareceu como pianista apresen

tando um disco compacto com a integral das

valsas de Chopin ( 1990) . Diversos cantores por

tugueses sobressaram neste perodo: alm dos

j referidos, Ana Ester Neves, Ana Ferraz, Ana

Paula Russo, Antnio Salgado, Antnio Silva,

Antnio Wagner Diniz, Carlos Guilherme, Edu

ardo Viana, Elsa Saque, Elizabeth de Matos,

Elvira Archer, Fernando Serafim, Filomena

Amaro, Helena Vieira, Jennifer Smith, Jorge Vaz

de Carvalho, Jos Fardilha, Lia Altavilla, Lus

Madureira, Lus Rodrigues, Manuela Castani,

Marina Ferreira, Oliveira Lopes, Rui Taveira,

Sofia Ferreira, Vasco Gil, entre outros. De assina

lar tambm a expanso que experimentou o

movimento coral. do qual importaria fazer um

levantamento em profundidade.

Entre as personalidades que marcaram for

temente - de maneira bem diferente - a cultura

musical portuguesa e que entretanto desapare

ceram, contam-se Madalena Perdigo ( 1924-

1989). Joo de Freitas Branco ( 1922-1989) . Fran

cine Benoit ( 1 894- 1990) e Michel Giacometti

( 1928- 1990) . Quanto aos compositores ainda

no mencionados, entretanto falecidos, so de

referir os nomes de Artur Santos ( 19 14- 1987) .

Frederico de Freitas ( 1902- 1980), e Ruy Coelho

( 1892- 1986) .

Em sntese: no obstante as novas e fecun

das perspectivas abertas ao florescimento da

msica em Portugal, os ltimos vinte e cinco

anos tm-se caracterizado pela contradio -

em alguns aspectos agravada - entre a abun

dncia de meios destinados proliferao de

actividades musicais de consumo e a escassez

de investimentos reprodutivos, que favoream a

criatividade nacional. Alguns centros de deciso

continuam a confundir o desenvolvimento

scio-cultural com a expanso duma cultura de

fachada.

Texto elaborado a partir do captulo sobre a criao musical eru

dita em Portugal Contemporneo, dir. Antnio Reis, Publicaes

Alfa, vol. VI.; actualizao da informao no quadro do Projecto

((Investigao. Edio c EShldos Crticos de l\'lsica Portuguesa dos

Sculos XVIII a XXI). financiado pelo Programa Praxis XXI, da Fundao para a Cincia c a Tecnologia. 78