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A MÚSICA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO NEPPD
Axon Moreira Miranda
Universidade Federal do Amazonas Maria Almerinda de Souza de Matos Universidade Federal do Amazonas Raimunda Maria Moreira da Silva
Universidade Federal do Amazonas Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Comunicação Oral
Introdução
A música é um fenômeno universal e sua influência sobre a mente humana é enorme, é
uma linguagem capaz de despertar diversos sentimentos e emoções no ser humano. Todos
nascem com capacidade musical, a própria natureza é que nos dá a música, o que dela
fazemos varia, conforme a educação, o povo e a época. Nesse sentido, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997, p. 53) afirmam que “a música sempre esteve associado às
tradições e às culturas de cada época”.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.45) “a
música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e
comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc.”, ou seja, faz parte
da educação desde há muito tempo, como podemos notar que, já na Grécia antiga, era
considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado de outras
disciplinas.
Para a psicopedagoga musical Gainza (1988, p.22-23) “a música e o som, enquanto
energia, estimulam o movimento interno e externo no homem; impulsionam-no à ação e
promovem nele uma multiplicidade de condutas de diferente qualidade e grau”, isto é, a
música é capaz de agir sobre nossas emoções influenciando de maneira positiva
contribuindo para o desenvolvimento de determinada atividade através de suas qualidades
sonoras.
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Levando em consideração a importância da música na sociedade, discorreremos sobre um
projeto de música envolvendo crianças com necessidades educacionais especiais que teve
como objetivo conhecer possibilidades da prática musical com essas crianças,
caracterizadas como espectro do autismo, que foram encaminhadas pela comunidade e
escolas públicas da cidade de Manaus.
Os atendimentos aconteceram no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia
Diferencial na Universidade Federal do Amazonas, tendo como foco o desenvolvimento
das habilidades dos educandos através da prática musical levando em consideração a
relevância social e a importância da música no contexto da educação especial.
Referencial teórico
Para Gainza (1988, p.87) “a educação musical constitui uma contribuição significativa e
sistemática ao processo integral do desenvolvimento humano”, entendemos que a criança
precisa saber muito mais do que ler e escrever, é necessário que ela tenha a oportunidade
de conhecer o universo musical e os benefícios que a música pode oferecer para seu
desenvolvimento como ser social pensante.
Destarte, as atividades musicais desenvolvidas neste projeto tiveram como referência o
método de Jaques-Dalcroze cujo fundamento baseia-se na Rítmica, que Rodrigues (2011,
p.28), destaca como “um método ativo de educação musical mediante o qual o sentido e o
conhecimento de música se desenvolvem através da participação corporal no ritmo
musical”, isto é, a criança precisa sentir a música para representá-la no corpo.
Assim sendo, desde pequeno não se ensina teoricamente contando tempos e completando
compassos, mas sim vivenciando, cantando melodias e explorando ritmos, pois para a
criança a música e o movimento são um todo indivisível, que está em íntima conexão, com
isso, a repetição de palavras dispostas convenientemente permite compreender qualquer
combinação sem nenhuma dificuldade, fazendo com que as crianças aprendam com
naturalidade a estrutura rítmica e melódica.
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É nesse contexto que a música permite à criança a manifestação de diferentes habilidades,
através das atividades envolvendo o corpo ela tem a possibilidade de sentir os ritmos de
modo que cada ritmo provoca sensações ou sentimentos diferentes que poderão ser
representados no corpo por meio de movimentos, como: andar, pular, agachar, bater
palmas, ou seja, representando-os corporalmente.
A melodia desenvolve a capacidade da fala, onde a criança trabalha com canções
pedagógicas, cantigas de ninar, parlendas, músicas regionais, entre outras, desenvolvendo
sua percepção com a repetição de intervalos simples e sílabas que permite a criação de
improvisos, além da divisão de frases seguindo um padrão organizado conforme o
desenvolvimento de cada criança.
Sobre isso, Orff (1983) citando Keller diz que a capacidade de realizar atividade criativa
elementar não só está dada a cada ser humano, mas também pode libertar pessoas com
necessidades especiais. É nesse contexto que La Taille (1992, p.38) “entende que o ato
mental se desenvolve a partir do ato motor”, ou seja, o trabalho com ritmo permite a
exploração do corpo e da mente envolvendo os sentimentos e as emoções e dessa maneira
possibilita o pleno desenvolvimento da criança com necessidades educacionais especiais.
Nesse aspecto, a utilização da música como agente promotor da inclusão permitiu o
desenvolvimento de habilidades das crianças com necessidades educacionais especiais,
denominado como espectro do autismo, atendidas no NEPPD, possibilitando ao acadêmico
de música a vivência através da observação, registro e análise do processo de formação e
desenvolvimento dessas crianças.
Procedimentos Metodológicos
A pesquisa configura-se como um projeto de extensão desenvolvido no Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Psicopedagogia Diferencial – NEPPD localizado na Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Amazonas no período de agosto de 2011 a julho de
2012, cujos participantes foram cinco crianças com necessidades educacionais especiais
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diagnosticadas com o espectro do autismo, atendidas duas vezes por semana com duração
de cinquenta minutos cada sessão.
As atividades obedeceram a um cronograma para melhor organização e planejamento,
sendo que, na primeira etapa foi realizada a entrevista com as famílias para falar sobre a
importância do projeto além de coletar dados e informações relevantes sobre a criança.
Oliveira (2008) enfatiza a importância da coleta de dados para os pesquisadores, o qual
pode ser um diferencial significativo, evitando possíveis equívocos de entrevistadores
inexperientes ou de informações tendenciosas, nos possibilitando conhecer o histórico
social e comportamental das crianças que seriam atendidas.
No que diz respeito à música, foram realizadas oficinas de música, construção de bandinha
rítmica, confecção de instrumentos pedagógico-musicais através de materiais recicláveis e
principalmente a exploração do corpo em atividades rítmico-melódicas, possibilitando um
processo de maior interação entre as dimensões afetiva, cognitiva, motora e social.
No primeiro momento foi realizada a oficina de música onde os educandos puderam
explorar os espaços através dos movimentos corporais ouvindo canções pedagógicas e
folclóricas com diferentes ritmos e andamentos, a fim de perceber as mudanças e
reproduzi-las corporalmente. Na medida em que os ritmos ficavam mais rápidos as
crianças se agitavam, do mesmo modo que ritmos lentos as deixavam mais tranquilas.
No segundo momento ocorreu a oficina para construção dos instrumentos da bandinha
rítmica para a qual foram coletados os seguintes materiais: tubos de PVC, caixas de
fósforo, ligas, copos descartáveis, pedaços de madeira, tampinhas e latas de refrigerante,
leite e Nescau, serrote, martelo, pregos, faca e tesoura, potes de iogurte, galão de água 20
litros, fios de náilon, grãos e sementes, além de tintas, durex coloridos e outros materiais
necessários para o acabamento e decoração dos instrumentos.
Os materiais coletados foram separados e higienizados para a construção dos instrumentos
que compõem a bandinha rítmica como reco-reco, tambores, ganzás, flautas, chocalhos
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entre outros, além de instrumentos típicos da região amazônica que também foram
utilizados nas atividades musicais envolvendo ritmos.
Por último foram construídos os instrumentos pedagógico-musicais através de materiais
recicláveis como o dominó musical e o jogo da memória os quais servem para trabalhar a
memória, raciocínio e concentração, o que possibilitou momentos de alegria e maior
interação entre os educandos promovendo a inclusão.
Durante as atividades foram incluídos os instrumentos musicais da bandinha rítmica, de
acordo com o desenvolvimento de habilidades de cada criança. Nas atividades de
exploração corporal tivemos como base o método do pedagogo musical Emile Jaques-
Dalcroze no qual a música e o movimento são pensados juntos.
A mente e o corpo trabalham em profunda harmonia, ou seja, antes de iniciar na bandinha
rítmica a criança vivenciou primeiramente os movimentos no corpo, explorando a mão
direita e esquerda, preparando-se para posteriormente entrar em contato com o
instrumento.
Deste modo, o corpo vivencia as sensações nervosas emitidas pela mente, ele é um
representante em movimentos de todo o estímulo que a música é capaz de produzir através
de sensações, movimentos e sentimentos, pois para Rodrigues (2011, p.29) “a música
reforça a sensação de movimento por suas qualidades dinâmicas. Pelo poder imediato que
exerce nas sensações nervosas e motrizes faz-se iniciadora das ações, um canalizador ou
modulador do movimento corporal”.
O processo de registro e acompanhamento foi realizado por meio de fotos dos
atendimentos, vídeo das oficinas e de atividades com os instrumentos de materiais
recicláveis. A avaliação foi contínua no processo de acompanhamento, configurando-se
como uma atitude crítica e reflexiva sobre o trabalho que estava sendo executado, por meio
da observação sistemática no processo das intervenções pedagógico-musicais, objetivando
potencializar o comportamento da criança, facilitando desenvolver etapas não adquiridas
ou fases não vencidas.
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Resultados
Quanto aos resultados o projeto possibilitou às crianças com necessidades educacionais
especiais o contato com a atividade musical com destaque para o desenvolvimento de suas
habilidades através das atividades utilizando a bandinha rítmica com a percepção de
diferentes ritmos e timbres instrumentais possibilitando um processo de maior socialização
durante as atividades em grupos.
Nas atividades com a participação do corpo percebemos um melhor desempenho em
relação ao inicio do projeto em que algumas crianças não conseguiam prestar atenção as
atividades e com o tempo percebemos que conseguiam se concentrar melhor e representar
os ritmos da música corporalmente ou acompanhando com algum instrumento da bandinha
rítmica.
Deste modo as crianças tiveram acesso a um novo contexto musical onde expressaram seus
sentimentos através das músicas escutadas, demonstrando maior atenção e concentração
conforme o andamento das atividades melhorando dessa forma o desenvolvimento das
mesmas.
Nas atividades de exploração corporal houve o contato íntimo entre as crianças que foram
atendidas promovendo a inclusão e maior socialização dentro deste universo, cada um
respeitando a diferença do outro o que contribuiu também para a inclusão de todos nas
atividades com a bandinha rítmica.
Neste contexto A. Meur e Staes (1989, p. 20) ressaltam que “os exercícios motores,
executados todos em conjunto, habituam a criança a se respeitarem mutuamente: devem
guardar as distâncias necessárias para que cada uma pessoa possa executar o exercício
dispondo do espaço necessário”, com isso foram realizadas atividades em conjunto,
contribuindo para que cada criança respeitasse a vez e o momento do outro.
O projeto possibilitou às crianças o desenvolvimento global de suas habilidades,
melhorando os comportamentos, aumentando a autoestima, a concentração e
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principalmente as habilidades motoras e cognitivas através da prática musical com ritmos e
melodias de fácil assimilação possibilitando as crianças o contato com universo musical
mostrando na prática os benefícios que a música dispõe para quem tem acesso a esta
ferramenta que deveria ser para todos.
Conclusões
O projeto de música com crianças com necessidades educacionais especiais foi muito
importante tanto para o desenvolvimento das habilidades das crianças quanto para os
acadêmicos no processo de acompanhamento e observação configurando-se como uma
experiência única para o processo de formação acadêmica.
Um dos fatores relevantes do projeto foi pelo fato de trabalhar a música na educação
especial, tendo em vista as poucas pesquisas realizadas nesta área, principalmente nesta
região, e a contribuição que a música traz para o desenvolvimento dessas crianças que
nunca tiveram a oportunidade de estar em contato com a atividade musical, por serem
vistas como incapazes ou sem condições de tocar algum instrumento.
Nosso esforço incidiu justamente em para mostrar na prática que crianças com
necessidades educacionais especiais são capazes de tocar, de sentir e fazer música como
qualquer outro ser humano, basta que tenham acesso a esta ferramenta fundamental para o
desenvolvimento de suas habilidades.
Nossa intenção consistiu não em formar crianças especiais virtuosas inclusive porque não
seria possível por suas limitações, mas de dispor ao alcance dessas crianças atividades
musicais de modo que pudesse contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades
psicomotoras, cognitiva, além de melhorar comportamentos sociais, concentração,
autoestima, equilíbrio, e conhecimento de si para crescerem pessoas educadas e
socializadas para a convivência em uma sociedade com diferenças.
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Referências Bibliográficas
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GAINZA, Violeta Hemsy. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Ed. Summus 1988.
LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vigotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Ed. Summus, 1992.
MEUR, A. de; STAES, L. Psicomotricidade: Educação e Reeducação: níveis maternal e infantil. São Paulo: Manole, 1989.
OLIVEIRA, Alvin Antônio. Metodologia da Pesquisa Científica: guia prático para apresentação de trabalhos acadêmicos. Florianópolis: Visual Book, 2008.
ORFF, Carl. Guia para La práctica de música para niños. S.A.E.C. Buenos Aires, 1983. RODRIGUES, Iramar. A Rítmica de Emile Jaques Dalcroze: uma educação por e para a música. Instituto Jaques Dalcroze, Genebra Suíça. In: I Curso Internacional da Pedagogia Dalcroze. Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2011..