a mÚsica popular brasileira percusora das relaÇÕes sociais ... musica popular... · brasileira...

9
979 A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA PERCUSORA DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO ESPAÇO GEOGRÁFICO the popular brazilian music percussion of social relations in the geographical space Jéssica LorranySant’Ana Rodrigues 1 Brenda Stefany Soares Fernandes 2 Maria Júlia de Souza Leite 3 Rahyan de Carvalho Alves 4 1 Universidade Estadual de Montes Claros Graduanda em Geografia pela UNIMONTES [email protected] 2 Universidade Estadual de Montes Claros Graduanda em Geografia pela UNIMONTES [email protected] 3 Universidade Estadual de Montes Claros Graduanda em Geografia pela UNIMONTES [email protected] 4 Professor da Universidade Estadual de Montes Claros Doutorando em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) [email protected] RESUMO O proposto artigo faz referência à maneira que a Música Popular Brasileira (MPB) influencia e auxilia na compreensão e no acompanhamento do desenvolvimento da sociedade no Brasil, sobretudo nas questões que se refere as relações sociais. Utilizou-se como metodologia, retrabalhamento bibliográfico e análises musicais. A música Popular Brasileira sempre fez parte de toda a construção social, política e econômica no nosso país, permitindo pensar uma identidade nacional e o Brasil a partir de uma democracia. Este artigo discute alguns dos principais trabalhos musicais que abordaram e abordam uma possível interdependência e relação entre a Geografia Cultural e a música no Brasil. Compreender a música brasileira como instrumento de análise do espaço geográfico, especificamente, o espaço urbano, foi, portanto, objetivo que conduziu e permitiu a realização deste trabalho. Algumas das análises são definidas a partir das letras musicais presentes nas composições dos cantores Gabriel o Pensador, Chico Buarque e o grupo Tarja Preta. Esta investigação aponta que grande parte dos artistas que compõem a Música Popular Brasileira contribui para a compreensão das mudanças nas relações entre desenvolvimento, cultura e sociedade, tendo como principal objetivo fazer com que a população em geral pense nessas questões de forma crítica e participantes ativos das

Upload: ngodat

Post on 14-Feb-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

979

A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA PERCUSORA DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO ESPAÇO GEOGRÁFICO

the popular brazilian music percussion of social relations in the geographical space

Jéssica LorranySant’Ana Rodrigues1

Brenda Stefany Soares Fernandes2

Maria Júlia de Souza Leite3

Rahyan de Carvalho Alves4

1Universidade Estadual de Montes ClarosGraduanda em Geografi a pela UNIMONTES

[email protected]

2Universidade Estadual de Montes ClarosGraduanda em Geografi a pela UNIMONTES

[email protected]

3Universidade Estadual de Montes ClarosGraduanda em Geografi a pela UNIMONTES

[email protected]

4Professor da Universidade Estadual de Montes ClarosDoutorando em Geografi a da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

[email protected]

RESUMOO proposto artigo faz referência à maneira que a Música Popular Brasileira (MPB) infl uencia e auxilia na compreensão e no acompanhamento do desenvolvimento da sociedade no Brasil, sobretudo nas questões que se refere as relações sociais. Utilizou-se como metodologia, retrabalhamento bibliográfi co e análises musicais. A música Popular Brasileira sempre fez parte de toda a construção social, política e econômica no nosso país, permitindo pensar uma identidade nacional e o Brasil a partir de uma democracia. Este artigo discute alguns dos principais trabalhos musicais que abordaram e abordam uma possível interdependência e relação entre a Geografi a Cultural e a música no Brasil. Compreender a música brasileira como instrumento de análise do espaço geográfi co, especifi camente, o espaço urbano, foi, portanto, objetivo que conduziu e permitiu a realização deste trabalho. Algumas das análises são defi nidas a partir das letras musicais presentes nas composições dos cantores Gabriel o Pensador, Chico Buarque e o grupo Tarja Preta. Esta investigação aponta que grande parte dos artistas que compõem a Música Popular Brasileira contribui para a compreensão das mudanças nas relações entre desenvolvimento, cultura e sociedade, tendo como principal objetivo fazer com que a população em geral pense nessas questões de forma crítica e participantes ativos das

980

mudanças nas consequências sociais que circundam o espaço geográfi co.Palavras-chaves: Música, Geografi a, Espaço Geográfi co, Relações Sociais. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da sociedade no espaço geográfi co, sempre passou por mudanças que infl uenciaram na realidade social. Nessa abordagem, demonstraremos as relações que a música tem em demonstrar uma prática cultural de valorização, construção e aspectos de uma sociedade. O presente trabalho se dá pela construção de um espaço geográfi co cultural pautado nas relações sociais que estão presentes na Música Popular Brasileira (MPB). A sociedade, du-rante todo seu processo de formação e evolução, passou por uma sequência de transformações que resultaram na sociedade que pertencemos, transformações essas, que se dão principalmente no âmbito político, econômico, social e cultural.A MPB, é percusora dessas relações por traçar um caminho de análises, defi nições e fortalecer a identidade cultural do nosso país. A consequ-ência que esse gênero musicalexerce no Espaço Geográfi co, especialmentenas relações étnicos raciais e relações de gênero é o ponto culminante que tratamos nessa pesquisa.

A MPB (Musica Popular Brasileira) trata-se de um gênero musical excepcionalmente brasileiro, resultante de uma mescla de manifestações culturais que tem infl uência indígena, africana e europeia. É um gênero musical que faz parte da construção do Espaço Brasileiro, oferecendo múltiplas análises sociais relacionados com o desenvolvimento da sociedade, além de estar presente no cotidiano do brasileiro. Quando se fala em MPB percursora das relações sociais, as noções que circundam essa temática são múltiplas, e são defi nidas através do cami-nho que é traçado pela música popular brasileira, o percurso que essa exerce e inclui as relações sociais nas suas letras.

A interface que a música desempenha na sociedade, no que diz respeito as relações com e no espaço geográfi co, é apresentado nessa pesquisa através da Geografi a cultural. A defi nição de espaço Geográfi co e o seu desenvolvimento; a relação de espaço e cultura; a música popular brasileira contribuidora das relações sociais; são alguns dos aspectos que serão apresentadas nessa pesquisa.

A CULTURA NO ESPAÇO GEOGRÁFICO

A ideia de que a música popular brasileira é o caminho para a compreensão das relações sociais, é defi nida, a princípio, por meio da observação e defi nição do desenvolvimento cultural no próprio conceito de espaço. Quando se fala em espaço geográfi co, além de ser considerado como o objeto de estudo da geografi a, analisando seus conceitos sociais e com o objetivo de entender as relações sociedade/natureza, pode-se defi nir também comorelação de um conjunto de sistemas de objeto e ações que defi nem e traduz um fenômeno isolado na qual a história se dá(MiltonSantos,2002).É através do estudo do espaço geográfi co que temos a capacidade de compreender movimentos políticos, ações geopolíticas dos países, analisar e planejar ações da sociedade, que para a Geografi a signifi ca a natureza modifi cada na superfície terrestre através da ação humana. Os fenômenos que se juntam as ações, formam o espaço geográfi co:

981

“Tudo o que existe na superfície da terra, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são esse extenso, essa objeti-vidade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida.” (SANTOS, 2002, p.75).

O espaço geográfi co, também pode ser defi nido como a captação das relações sociais e não pode ser reduzido apenas ao espaço físico, é o resultado da vida social (Lefebvre,1992, in Eduardo Girardi). A natureza “provê recursos para uma atividade criativa e produtiva” (p.70) desempenhada pelo homem. Tais recursos tem em sua consequência, os impactos culturais, sociais, econômicos, políticos na sociedade: como elas são defi nidas, transformadas e apri-moradas. Através do estudo do espaço, somos capazes de compreender as relações sociais e antropológica de cada povo, como aspectos relacionados à sua cultura. Sendo assim o espaço geográfi co nada mais é do que uma construção feita pelo homem, é o resultado das relações sociais, a infl uência de cada sociedade depende da sua forma de se relacionar com o meio, como o seu tipo de governo, seu desenvolvimento em educação e em tecnologia, sua cultura, suas relações sociais. Nessa perspectiva, se dá as relações culturais no espaço.

E, neste universo das relações culturais, temos a defi nição de cultura na sociedade, que é pautada por uma série de ralações indentitárias que determina o desenvolvimento da sociedade. Cultura é uma noção contemporânea, é uma preocupação de entender os caminhos que levaram os grupos humanos ás relações presentes e suas perspectivas de futuro (SANTOS, 1949). Logo, os aspectos característicos que defi nem um povo, é o sufi ciente para compreender todo o trajeto histórico que os levou àquela realidade, e como se estruturou toda a diversidade cultural que está presente no determinadoespaço. A diversidade cultural é divido em dois conceitos, sendo o primeiro relacionado a diversidade dentro de uma sociedade específi ca, onde a sua composição é feita por indivíduos que compartilham das mesmas características culturais, e em conjunto constrói uma identidade nacional, e a segunda abrange um caráter mais total, mundial, das tro-cas de serviços culturais. As duas precisam ser equilibradas e garantidas, pois sem a identidade cultural de um povo, suas expressões culturais não podem ser construídas, o que afeta e deses-tabiliza o mundo das trocas.

“É importante considerar a diversidade cultural interna à nossa sociedade, isso é de fato essencial para compreendermos melhor o país em que vivemos. Mesmo porque essa diversidade não é só feita de idéias; ela está também relacionada com as manei-ras de atuar na vida social, é um elemento que faz parte das relações sócias no país.” (SANTOS, 1949, p.19).

A primordial participação da cultura no espaço, é o que delimita a cultural nacional, e a cultura popular que infl ui na sociedade. A cultura popular, para Santos (1949) implica no modo de ser, ver e sentir na forma típica de uma sociedade, que seja característica dela, que seja um patrimônio nacional e cultural, que faça parte da sua construção identitária e no seu espaço geográfi co e cultural. A categoria “povo”, que é referenciado na expressão popular, é o que é representado pela música popular brasileira, como se estrutura a cultura de uma determinada tribo? Quais aspectos são necessários para compreender a cultura daquela realidade social? São análises que podem ser feitas por meio da música popular brasileira.

982

A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E SUA CONSTRUÇÃO NAS RELAÇÕES SO-CIAIS DO ESPAÇO

Tendo como base a relação da geografi a com a sociedade podemos levar em conta a mú-sica como objeto de ligação e de infl uência entre esses dois conceitos. Sendo que a música é a principal arte em todo o mundo. Desde tribos indígenas, até em grandes cidades, a música é em especial uma forte presença artística na cultura. A música pode ser considerada a arte mais infl uenciadora na sociedade. Sendo assim boa parte das mídias optam pela monopolização do mercado da música. Há décadas a censura era a principal vilã, nos dias atuais podemos consi-deram a alienação como principal percussora do controle das elites para com o que vai ou não fazer sucesso, somado ao descaso para com a qualidade musical atual na sociedade brasileira, especialmente nas classes mais pobres provocando o declínio cultural e a dominação. Ocorren-do o declínio cultural, ocorre juntamente o declínio da educação, como o declínio da educação, aumenta ainda mais a facilidade de alienação, provocando como já foi dito a dominação.

Entrando no contexto da Geografi a utilizando a música como análise do espaço geográ-fi co, temos experiências para uma melhor compreensão das relações sociais. A música através de sua letra e versos conta e expressa um signifi cado cultural, ético de um povo e de um lugar, quando esses inseridos no mesmo espaço geográfi co, isto quando usada de forma a passar um signifi cado e não para a alienação. Sendo assim, a Geografi a tendo como principal objetivo, mostrar para o aluno as características físicas e culturais do meio em que está inserido, pode e deve usar a música como forma de passagem de conhecimento tornando mais acessível e de faço entendimento para o aluno o conteúdo abordado em sala, relacionado com as relações sociais. Nessa abordagem, demonstraremos as relações que a música tem em demonstrar uma prática cultural de valorização, construção e recuperação de uma sociedade.

Para Panitiz (2010), devemos entender a música, em primeiro lugar, como um indicador geográfi co, um elemento para descrever e decifrar realidades espaciais. Também, pode-se en-tender a música como uma situação geográfi ca, ou seja, o que ela é em um determinado mo-mento, constituindo-se no resultado de ações de diversos elementos que se dão em diferentes níveis. Resumindo, pode-se considerar a música como uma manifestação geográfi ca produto das partes e os todos, das identidades na multiplicidade e das ausências e presenças no espaço e no tempo.

O MPB e todo movimento gerado através dele tem início em um momento muito difícil e obscuro no país, o golpe militar de 1964 onde o Brasil passava por vários problemas de cunho político e social. Durante o regime militar desigualdade social e a opressão aumentaram drasti-camente, além do mais a participação política da população era praticamente inexistente. O go-verno militar incluiu à nova constituição proibições muito duras, que alteraram principalmente a cultura e o comportamento de muitos brasileiros. A censura barrava o acesso à informação, mas através do movimento da MPB, muitos artistas conseguiram levar mensagens de relutância ao público.

A música sempre teve a particularidade de expressar os sentimentos e angústias dos se-res humanos como uma forma de empatia, A Música Popular Brasileira em especial, surgiu em meio a uma série de acontecimentos, e como um movimento de resistência, se tornou uma

983

das formas mais inteligentes de resposta ao governo. Além do mais, a MPB se tornou uma das formas mais poderosas da preservação da memória da história do Brasil, e também, um espaço social onde é possível fazer leituras e interpretações sobre todos os acontecimentos do espaço geográfi co. Com o passar do tempo, a MPB, passou também a retratar as inquietações e desi-gualdades presentes no espaço social brasileiro. Sendo assim cabe ao professor de Geografi a trazer à tona esse sentimento de busca por melhorias, tendo como principal instrumento a mú-sica como citado a cima, dentre elas vários estilos, como o MPB, que mostra através de suas letras questionamentos e narram fatos que devem ser repensados, usando assim a música como metodologia usada em sala de aula.

O fenômeno musical é reconhecido pela sua importância não só como prática artística, mas, sobretudo cultural e social. A música tronou-se interesse central para alguns geógrafos, no qual contribui para o desenvolvimento de uma geografi a cultural e social. A difusão de formas musicais, das representações do espaço, do imaginário geográfi co e das práticas e transforma-ções espaciais nos quais foi refl exo ou agente nas relações sociais (PANITZ, 2015). Logo, a música popular brasileira é primordial para a construção das relações sociais em suas compo-sições.

ANÁLISES DE COMPOSIÇÕES NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

São inúmeras as verifi cações na representação das relações sociais pela música popular brasileira. A análise das músicas selecionados para este estudo são apresentados a seguir. A es-colha de incluir estes artistas e músicas se dá por alguns motivos básicos: a representação do es-paço social e cultural presente em suas letras e o fortalecimento da liberdade de expressão; além disso, estes estabelecem uma relação de representatividade nacional, com aspectos sociais em suas composições que constroem análises críticas e estruturando um espaço geográfi co cultural. Os artistas selecionados, fazem parte da sociedade brasileira, logo, se deparam com as questões das relações sociais necessárias para a composição de suas letras. Analisando os processos po-líticos, sociais e culturais que constroem o espaço Geográfi co Brasileiro, temos conceitos que transformam e defi nem a organização social. Serão defi nidas nesse tópico referências sobre as relações étnicas e raciais, relações de gênero e seus impactos na sociedade.

A não-neutralidade nas escritas das letras musicais, é o que defi ne a Música Popular Bra-sileira como percussora das relações sociais (PANITZ, 2010). Onde, através de seus interesses identitários, e de acordo com a realidade que lhes é proposto é defi nido uma sequência de letras que demostram aspectos da realidade social, além de ser defi nido como um indicador Geográ-fi co, para descrever e decifrar as realidades espaciais. Os autores da música popular brasileira, aproveitam da composição da música para retratar aspectos sociais, que em alguns momentos, são banalizados por parte da sociedade. Algumas vezes, essas composições são demostradas de forma subjetiva nas letras, outras, sem fi ltro e sem romantizações.

As relações étnicas raciais são relatadas por vários artistas, sobretudo no âmbito das de-sigualdades raciais. O Brasil, é um país que é formado pela junção das raças, ou seja, um país miscigenado e por esse motivo encontramos diferentes formas de pertencimento em grupos étnicos sociais. Estudos como o de Tatum (2003, citado por Silva 2007, pp. 93-95), é escla-

984

recedor no que diz respeito a “pessoas brancas não se sentir pertencentes e um grupo étnico racial, ou não valorizar a sua identidade racial, resultando em atos racistas” que perduram no desenvolvimento da sociedade. Embora os cidadãos, “na composição legislativa e perspectiva estatal, sejam iguais, são desiguais no aspecto da construção social” (MacDonald,2006, citado por Silva 2007, p. 50).

Os aspectos das desigualdades raciais apresentados anteriormente, foi reforçado pelo ar-tista rapper brasileiro “Gabriel O pensador”, em sua música “Lavagem cerebral”, músico e compositor, iniciou sua carreira no fi m de 1992, e lutava contra as causas sociais no Brasil. O artista, nessa música, faz discursos e desabafos, identifi cando os efeitos de sentidos nos relatos de preconceito e da discriminação racial. Na análise o sujeito marca as relações com o espaço social, a construção de um discurso social, representado pelos discursos de revolta, indignação, quando deparados com os fatos que ocorreram e ocorrem na construção do espaço geográfi co Brasileiro. Os versos a seguir iniciam o discurso de revolta do compositor:

“Racismo preconceito e discriminação em geralÉuma burrice coletiva sem explicaçãoAfi nal que justifi cativa você me dá para um povo que pre-cisa de uniãoMas demonstra claramenteInfelizmentePreconceitos milDe naturezas diferentes”. (Gabriel O pensador- 1993)

Nesta realidade brasileira apresentada pela música, é possível compreender pelo discurso, a sua luta por um país melhor, mais igualitário, a vontade de mudanças, e de acordar a sociedade para um problema que é real, é presente e deve ser mudado. O artista ao longo da música conti-nua fazendo suas denúncias sociais contra o preconceito e a discriminação racial.

As relações de igualdade de gêneroacompanham os diferentes momentos dos movimen-tos sociais feministas. A questão da igualdade ou da diferença destaca-se como crucial para os movimentos feministas e na construção das relações sociais presentes no Brasil.

Tais relações anteriormente apresentadas são intensifi cadas por Chico Buarque de Holan-da (1944), um músico, dramaturgo, escritor brasileiro e um importante autor do MPB, em 1976, no período do Regime Militar, Chico Buarque de Holanda, escreve uma música intitulada “Mu-lheres de Atenas”, a fábula feita pelo autor é uma ironia da realidade das mulheres na época, onde convida as pessoas a “imitarem” o exemplo das mulheres de Atenas, mas na verdade faz uma crítica. Ele está mostrando que, naquele momento, vivíamos em uma sociedade patriarcal em que a mulher não tinha voz nem direitos, onde seus desejos eram anulados, e que ainda é perceptível nos dias de hoje, sobretudo nas relações de gênero. Ele canta o exemplo das mulhe-res de Atenas, criticando um mundo em que não existe direitos iguais para pessoas de gêneros diferentes.

Mulheres de Atenas tem em sua letra, relação de submissão, supremacia masculina, onde

985

algumas partes da música os maridos são chamados de “orgulho e raça”, “poder e força”, “bra-vos guerreiros”, “heróis e amantes” de Atenas; apresenta a ideia de servidão sexual, difi culdade na representação feminina na sociedade, além de muitos outros fatores que confi rmamas desi-gualdades de gênero, como no trecho a seguir:

“Vivem para os seus maridos, Se perfumam, se banham com leite e se arrumam;

Quando fustigadas não choram: se ajoelham, pedem e imploram;

Não têm gosto ou vontade, defeitos ou qualidades; Têm medo, apenas; não têm sonhos, só tem presságios”. Holanda (1976).

Chico Buarque fala sobre a temática feminina na composição de e que contempla o “coti-diano”, outra obra produzida no âmbito de igualdade gênero, o espaço da mulher na sociedade, expressa sobre mulheres na música e em diferentes momentos, afi rma que em determinadas épocas era impossível de se pensar uma música em que a mulher tivesse um papel “ativo” ou independente (RAMOS, 2008).

Nos anos oitenta, grupos feministas espalhavam-se pelos principais centros urbanos do país. Reorganizando a sociedade rearticulando relações de poder, podendo ou não se transfor-mar em lobby frente ao Estado como ocorreu na Assembléia Constituinte de 1988. Conhecido como lobby do batom a Bancada feminina conseguiu junto com as Emendas Populares, grandes conquistas que foram asseguradas pela Constituição (Pinto,1994, citado por Carvalho 2017). O lobby do batom disseminou-se em todo o país com intensas mobilizações de mulheres, onde são feitas menções às relações afetivas, sociais e morais entre homens e mulheres, onde observa em pesquisas a presença de mulheres nos ambientes musicais, principalmente exercendo funções consagradas ao membro do sexo masculino, como podemos ver mulheres compositoras, mulhe-res regentes, musicistas, baixistas, entre outros.

O papel da mulher sempre foi colocado de forma secundária para não dizer inexistente nessa época. Desde a revolução feminina na década de sessenta, a condição da mulher na so-ciedade tem tido alguns avanços, isso comparado há algumas décadas antes onde a mulher não tinha nem o direito de opinar sobre a própria vida. No entanto, a mulher ainda ocupa posições na sociedade que estão aquém de uma igualdade de gênero. Preta Rara e Negra Jaque, integran-tes do grupo Tarja Preta são exemplos dessas mulheres que fazem parte da construção social e cultural na música popular brasileira nos dias de hoje.

Preta Rara, mulher, negra, sofreu durante toda sua trajetória profi ssional, é uma rapper brasileira, de classe média baixa, e compõe letras que estão relacionadas não só com as questões de gênero, mas também as relações étnicas raciais e as desigualdades que estão presentes nessas relações. Ela foi doméstica e denunciou os abusos da patroa pela internet, é youtuber e profes-sora de história, retrata os preconceitos que sofre no seu cotidiano, racismo na infância, gor-dofobia e machismo no espaço musical (Martinelli,2017). A representatividade de uma mulher negra para a sociedade é vista em suas letras, como na música “Abolição”, retratada a seguir:

986

“Tô cansada do embranquecimento do Brasil Preconceito racismo como nunca se viu Meninas negras não brincam com bonecas pretas. Foi a Barbie que carreguei até a minha adolescência Porque não posso andar no estilo da minha raiz “Sempre riam do meu cabelo e do meu nariz” (Tarja Preta, 2011).

A partir da exposição desse trecho, se faz uma critica inteligente, forte e muito realista a respeito da condição da mulher negra na sociedade nos dias de hoje, ainda mais quando ela é oriunda de camadas periféricas da sociedade. (Juventude, 2011). Além de tratar, como as mulheres, sobretudo as negras, sofrem com a sociedade e suas infl uências: racistas e machistas que já são enraizadas na formação cultural do Brasil. Essas curtas análises são só parte do que podem e são representados nas composições das músicas populares brasileiras. Constroem uma posição social no espaço geográfi co e a infl uência que a música popular exerce nas realidades sociais que compõe o Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por fi nalidade a análise geográfi ca na Música Popular Brasileira como agente infl uenciador das relações sociais no território brasileiro. Por meio de estudos e análises foi possível observar que a música, em especial a MPB, sempre fez parte da construção social, política e cultural do espaço geográfi co do Brasil. Através dela é possível reconhecer que já houve muitos avanços em nossa sociedade, contudo, ainda existem vários aspectos a serem analisados e questionados, na qual alguns artistas enfatizam as relações sociais no espaço.

Esta investigação ressalta grande insufi ciência na evolução das questões sociais no Brasil, em especial nas desigualdades, sendo elas sociais, raciais e de gênero. Como resultado é valido salientar a necessidade de mudanças nas políticas públicas brasileiras, sendo também importan-te, o aprimoramento de suas características, funções e impactos, visando melhorias para que to-dos os gêneros, raças e classes sociais tenham acesso pleno à todos os seus direitos, bem como igualdade, saúde e educação de qualidade. Por meio de tais mudanças seria possível, portanto, amenizar e suprir o regresso social, que origina vários outros problemas, tais como o desempre-go, violência, criminalidade, e problemas que causam desequilíbrios no clima político, social e cultural brasileiro. Por fi m, é valido concluir que o espaço geográfi co cultural é primordial para a estruturação e evolução de uma sociedade. Os avanços culturais que ocorreram com o desenvolvimento da sociedade.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Maria da Conceição Alves de. A heterogeinidade discursiva na letra da can-ção: lavagem cerebral de gabriel o “pensador¹”. Disponível em: <https://letras.catalao.ufg.

987

br/up/508/o/Maria_da_Concei%C3%A7%C3%A3o_Alves_de_Carvalho.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2018.

GRITTI, Juliana Avila. Preta Rara: ex-doméstica e rapper traz a websérie mais “pesa-dona” da perifa. 2017. Disponível em: <https://mulherias.blogosfera.uol.com.br/2017/11/08/preta-rara-ex-domestica-e-rapper-traz-a-webserie-mais-pesadona-da-perifa/>. Acesso em: 24 jul. 2018.

GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. 1984. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfi le.php/247561/mod_resource/content/1/RACISMO%20E%20SE-XISMO%20NA%20CULTURA%20BRASILEIRA.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2018.

HIP Hop do Tarja Preta é a vanguarda da revolução feminina.. 2011. Disponível em: <ht-tps://radiodajuventude.wordpress.com/2011/03/25/hip-hop-do-tarja-preta-e-a-vanguarda-da-revolucao-feminina/>. Acesso em: 24 jul. 2018.

PANITZ, Lucas Manassi. Por uma geografi a da música : o espaço geográfi co da música popular platina. 2010. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/27035>. Acesso em: 24 jul. 2018.

RARA, Preta. Falsa Abolição. 2018. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/preta-rara/falsa-abolicao.html>. Acesso em: 24 jul. 2018.

V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE IASPM, 2002, Cidade do Mexico. A mú-sica popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultu-ral ... [S.l.: s.n.], 2002. 12 p. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/31486823/MPB_anos_70_-_Marcos_Napolitano.pdf?.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2018.ZAN, José Roberto. MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, INDÚSTRIA CULTU-RAL E IDENTIDADE. 2001. Disponível em:<http://www4.uninove.br/ojs/index.php/eccos//249/244>. Acesso em: 24 jul. 2018.