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Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de GeografiaPrograma de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia
Josélia Carvalho de Araújo
A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL
Natal/RN2017
Josélia Carvalho de Araújo
A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, na área de concentração Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território, como requisito para obtenção do título de doutora em geografia. ORIENTADORA: Profª Drª Rita de Cássia da Conceição Gomes
Natal/RN 2017
Araújo, Josélia Carvalho de. A natureza da centralidade urbana em Natal / Josélia Carvalhode Araújo. - 2017. 255f.: il.
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa dePós-Graduação e Pesquisa em Geografia. Natal, RN, 2017. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia da Conceição Gomes.
1. Centralidade Urbana. 2. Natureza da Centralidade. 3.Multicentralidade. 4. Espaço Urbano. 5. Economia Terciária. I.Gomes, Rita de Cássia da Conceição. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.375.1(813.2)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA
Josélia Carvalho de Araújo
A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL
Tese de doutorado entregue ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, na área de concentração Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território, como requisito para obtenção do título de doutora em geografia.
Aprovada em 10/04/2017.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Profª Drª Rita de Cássia da Conceição Gomes
Presidente-Orientadora (PPGEO-UFRN)
________________________________________ Prof Dr Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva
Examinador externo (PPEUR-UFRN)
________________________________________
Prof Dr Ademir Araújo da Costa Examinador interno (PPGEO-UFRN)
________________________________________ Profª Drª Virgínia Célia Cavalcante de Holanda
Examinador externo (PPGEO-UVA)
________________________________________ Prof Dr Lincoln da Silva Diniz
Examinador externo (DGE-UFCG)
A Nina Carvalho, minha mãe, que, respondendo à minha primeira pergunta de conhecimento, alfabetizou-me.
A Rita de Cássia, minha orientadora, que sempre me ensinou a elaborar novas perguntas, e investigar suas respostas.
AGRADECIMENTOS
“De graça recebestes, de graça dai.” (Mt 10, 8b)
Com a epígrafe, firmo um pacto de gratidão àqueles que contribuíram para a
realização deste trabalho. Firmar esse pacto não significa tão somente evocar
palavras de gratidão. O que seria fácil. Isto porque sei que não foi fácil o
empreendimento de cada um que ora elenco, para que pudesse prestar-me auxílio
neste trabalho. Certamente, cada um disponibilizou-me o que tinha de melhor entre
as suas habilidades, seja fazendo além do profissional, seja fazendo por plena
gratuidade. Em suma, o pacto consiste num compromisso de gratidão que perdurará
por quantas vezes outras tantas pessoas precisarem do meu auxílio, especialmente,
aqueles que me auxiliaram.
Sou grata aos meus colegas do Departamento de Geografia, Campus
Central, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Verdadeiramente, eles não mediram esforços para assumir minhas atividades
laborais, enquanto estive afastada para qualificação.
À UERN também agradeço, tanto o período de quatro anos de liberação
para cursar o doutorado quanto o auxílio sob a forma de Bolsa, que teve
contribuição decisiva para que o trabalho chegasse ao final.
Aos colegas da turma de doutorado, agradeço os saberes compartilhados e
os aprazíveis momentos ao longo do curso: Kelson (in memoriam), Edseisy,
Jacimária, Eduardo e Erimar.
Aos funcionários da secretaria do PPGE-UFRN, Elaine e André, pela
competência irretocável e gentileza constante.
Aos colegas de orientação, agradeço pelas parcerias firmadas e pela
amizade: Rosa sempre foi presença, cooperação e carinho, querendo saber em que
ainda poderia contribuir; Soneide transforma quase tudo em solicitude, indo aonde
preciso for para alcançar o bem desejado a cada membro do nosso grupo de
orientandos; Moacir, além das parcerias acadêmicas firmadas, desde a UERN,
enquanto orientando, teima em seguir meus passos na academia, como um
colaborador vitalício.
Quanto à forma que um trabalho acadêmico deve obedecer, tenho alguns
amigos aos quais agradecer. Josenildo, que mobilizou seus conhecimentos
linguísticos em outros idiomas, e cuidou da tradução do resumo; Paulo Bruno, que
sempre esteve disponível, via mensagem instantânea, para sanar dúvidas com
relação à Norma Culta Brasileira, indicando também fontes de consulta; Valéria, de
modo semelhante, “deu plantão” com relação à normatização segundo a Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), também esclarecendo dúvidas e
disponibilizando todas as normas das quais necessitei.
Quanto aos serviços técnicos, agradeço a dois amigos profissionais, que
produzem mapas com profissionalismo e dedicação. Helô, que elaborou o mapa da
área de estudo com bastante profissionalismo, tendo dedicado tempo em diversos
encontros para este fim; Juninho, que elaborou os mapas em AutoCad, com
precisão técnica e capacidade de quem se dispõe mesmo a servir.
Ao longo do caminho, por ocasião do processo de Qualificação, pude contar
com as contribuições acadêmicas da professora Ione e do professor Ademir, os
quais indicaram caminhos significativos a serem trilhados para a realização da
pesquisa.
Não por último, antes, como sinal de continuidade, expresso minha gratidão
a Rita, minha orientadora por três vezes, não custa lembrar: bacharelado, mestrado
e doutorado. Acolher um orientando não significa apenas acolher uma pessoa, mas
também suas ideias, as quais são ainda muito tênues em relação ao processo
investigativo ao qual se está propondo. Eis que Rita consegue mobilizar os seus
conhecimentos, sua bondade e a sua amizade em prol dos seus orientandos, e fazer
um percurso intelectual conosco, caminhando passo a passo, o que me impele neste
momento a refletir, questionando: como prescindir da sua orientação, Rita de
Cássia?!
O “quadrilátero central de Natal” sintetiza e dialoga, de forma gráfica, com as mais diversas expressões de centralidade urbana, porque, para ele e por ele, converge a maioria dos fluxos que dinamizam a vida na cidade.
RESUMO
Este trabalho versa sobre a natureza da centralidade urbana em Natal. Apresenta como pressuposto de tese que a natureza da centralidade urbana é diversa em seus conteúdos, processos e formas, por ser o espaço urbano permeado por igual diversidade. Objetiva explicitar a natureza da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos, processos e formas que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua diversificação. Para atingir o objetivo estabelecido, orienta-se pela teoria da produção do espaço, de Henri Lefebvre, buscando apreender os processos que vêm se desencadeando no contexto urbano de Natal, desde a década de 1980 à atualidade, sob uma perspectiva dialética. Como auxílio à leitura da realidade, baseia-se em importantes aportes teóricos atinentes à temática da centralidade urbana, espaço urbano e economia terciária; não descuidando da produção acadêmica sobre a temática, e sobre a Cidade do Natal, do exame a documentos que também tratam da história da referida cidade, arquivos oficiais junto a órgãos públicos, bancos de dados, pesquisa de campo, entrevistas junto a gestores públicos e líderes de organizações da sociedade civil organizada. Como resultado do processo investigativo, explicita que a natureza da centralidade urbana em Natal é diversa e multicêntrica. Diversa, por terem sido reveladas várias dimensões de centralidade, em conformidade com a natureza dos seus conteúdos: histórica, cultural, simbólica, ideológica e econômica; sendo a dimensão econômica da centralidade urbana proeminente no espaço urbano, e estando a mesma permeada junto às demais, dado que a cidade é lugar de trocas, onde o fator econômico se faz proeminente, e preside a produção do espaço urbano. Multicêntrica, pelos vários centros urbanos que vêm se conformando desde a formação do Núcleo do Centro histórico de Natal à atualidade, com as novas centralidades, decorrentes do processo de expansão do terciário moderno na cidade. Palavras-chave: Centralidade Urbana. Natureza da Centralidade. Multicentralidade.
Espaço Urbano. Economia Terciária.
ABSTRACT
This paper deals with the nature of urban centrality in Natal. It presents as a thesis assumption that the nature of urban centrality is diverse in its contents, processes and forms, since it is the urban space permeated by equal diversity. It aims to explain the nature of urban centrality in Natal, considering the contents, processes and forms that constitute it, as well as the factors competing for its diversification. In order to reach the established goal, Henri Lefebvre's theory of Space Production seeks to understand the processes that have been unfolding in the urban context of Natal, from the 1980s to the present, from a dialectical perspective. It is as an aid to the reading of reality, it is based on important theoretical contributions concerning the theme of urban centrality, urban space and tertiary economy; it’s not neglecting the academic production on the subject, and on the City of Natal, from examining documents that also deal with the history of the city, official files with public agencies, databases, field research, interviews with public managers and leaders of organized civil society organizations. As a result of the investigative process, he explains that the nature of urban centrality in Natal is diverse and multicentric. Diverse, for having been revealed several dimensions of centrality, according to the nature of its contents: historical, cultural, symbolic, ideological and economic; It’s being the economic dimension of urban centrality prominent in urban space, and being permeated with the others, given that the city is a place of exchanges, in which the economic one becomes prominent, and presides over the production of the urban space. Multicentric, by the various urban centers that have been conforming since the formation of the nucleus of the historical center of Natal to the present, with the new centralities, resulting from the process of expansion of the modern tertiary in the city. Keywords: Urban Centrality. Nature of Centrality. Multicentrality. Urban Space.
Tertiary Economics.
RESUMEN
Este trabajo se ocupa de la naturaleza del centro urbano en Natal. Presenta una tesis de que la naturaleza de la centralidad urbana es diversa en sus contenidos, procesos y formas, como el espacio urbano impregnado de la misma diversidad. Objetivo de aclarar la naturaleza del centro urbano en Natal, teniendo en cuenta los contenidos, procesos y formas que la componen, así como los factores que compiten por la diversificación. Para lograr el objetivo establecido, guiado por la teoría de la producción del espacio por Henri Lefebvre, buscando entender los procesos que se han desencadenado en el contexto urbano de Natal, desde la década de 1980 hasta la actualidad, en una perspectiva dialéctica. Como una ayuda para la lectura de la realidad, sobre la base de las contribuciones teóricas importantes relacionados con el tema de la centralidad urbana, espacio urbano y la economía de servicios; sin descuidar la literatura académica sobre el tema, y la Ciudad de Nata, el examen de los documentos también se ocupan de la historia de esa ciudad, los archivos oficiales con organismos públicos, bases de datos, la investigación de campo, entrevistas con los funcionarios públicos y organizaciones de líderes de organizaciones de la sociedad civil. Como resultado del proceso de investigación, explica que la naturaleza de la centralidad urbana en Natal es diversa y multicéntrica. Diversa, se puso de manifiesto varias dimensiones centrales, de acuerdo con la naturaleza de su contenido: históricos, culturales, simbólicos, ideológicos y económicos; y la dimensión económica del destacado centro urbano en el espacio urbano, y siendo el mismo impregnado con los otros, ya que la ciudad es un lugar de intercambio, en el que se convierte en la económica prominente, y preside la producción del espacio urbano. Multicéntrico, por varios centros urbanos que han ido configurando desde la formación del núcleo del centro histórico de la Ciudad de Natal con el presente, con nuevos centros de derivados del proceso de expansión terciaria moderno de la ciudad. Palabras clave: Centralización Urbana. La naturaleza de la centralización.
Multicentralidade. El espacio urbano. Economía Terciaria.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEBA – Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas Av Avenida BANDERN Banco do Estado do RN BR – Rodovia Federal DIN – Distrito Industrial de Natal DR. – Doutor EDT – Eixos Dinamizadores do Terciário
FECOMÉRCIO-RN – Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN
FIART – Feira Internacional do Artesanato FLIN – Festival Literário de Natal IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LOBRAS – Lojas Brasileiras m² – Metro quadrado MEI – Microempreendedores Individuais N S Nossa Senhora
PDITS – Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
R.A. – Região Administrativa RMN Região Metropolitana de Natal RN – Rio Grande do Norte S.C. – Shopping Centers SEMOB – Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal SEMSUR – Secretaria Municipal de Serviços Urbanos SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo SEMUT – Secretaria Municipal de Tributação SFH – Sistema Financeiro de Habitação SIMPURB – Simpósio Nacional de Geografia Urbana SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TLC – Teoria das Localidades Centrais UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Antiga Catedral de Natal com o obelisco da fundação de Natal 77
Figura 02 – Praça André de Albuquerque 78
Figura 03 – Banco do Brasil 86
Figura 04 – Praça Presidente Kennedy 88
Figura 05 – Ducal Palace Hotel 88
Figura 06 – Artesões e Lojas C&A 89
Figura 07 – Praça das Mães 92
Figura 08 – Assembleia Legislativa do RN 94
Figura 09 – Tribunal de Justiça do RN 94
Figura 10 – Prefeitura Municipal de Natal 95
Figura 11 – Palácio Episcopal 96
Figura 12 – Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN 96
Figura 13 – Palácio da Cultura 97
Figura 14 – Rua Chile, na década de 1940 (esquerda), e em 2006 (direita) 99
Figura 15 – Palácio da Ribeira 101
Figura 16 – Grande Ponto, 1950 (esquerda), e em 2016 (direita) 148
Figura 17 – Esquema do corredor cultural de Natal 158
Figura 18 – Edifício Leite (à esquerda) e Praça Gentil Ferreira (à direita) 165
Figura 19 – Camelódromo do Alecrim 166
Figura 20 – Shopping popular (camelódromo) da Cidade Alta 167
Figura 21 – Mercado das Rocas 180
Figura 22 – Feira das Rocas 181
Figura 23 – Esquema das Regiões Administrativas de Natal 208
Figura 24 – Esquema dos bairros por Regiões Administrativas de Natal 210
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Área de estudo 40
Mapa 02 – Demarcação inicial de Natal 75
Mapa 03 – Perímetro comercial da Cidade Alta 98
Mapa 04 – Centro Histórico de Natal 108
Mapa 05 – Eixos Dinamizadores do Terciário em Natal 123
Mapa 06 – Ruas do comércio inicial na Ribeira 142
Mapa 07 – Perímetro comercial inicial e ruas especializadas do Alecrim 164
Mapa 08 – Quadrilátero Central de Natal 239
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Mercados públicos em Natal 176
Quadro 02 – Feiras livres em Natal 184
Quadro 03 – Shopping Centers em Natal 197
Quadro 04 – Comércio atacadista e varejista por região administrativa em Natal
220
Quadro 05 – Bairros centrais para o turismo em Natal 235
Quadro 06 – Corredores do turismo em Natal 236
LISTA DE TABELAS
Tabela 01A – Renda média mensal por bairro e por região administrativa em Natal
186
Tabela 01 – Atividades econômicas em Natal 206
Tabela 02 – Serviços por região administrativa em Natal 208
Tabela 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal 211
Tabela 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal 213
Tabela 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal 215
Tabela 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal 216
Tabela 07 – Comércio por região administrativa de Natal 218
Tabela 08 – Comércio atacadista por região administrativa em Natal 220
Tabela 09 – Comércio varejista por região administrativa em Natal 220
Tabela 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal 221
Tabela 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal 223
Tabela 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal 225
Tabela 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal 227
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Atividades econômicas em Natal 206
Gráfico 02 – Serviços por região administrativa em Natal 209
Gráfico 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal 211
Gráfico 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal 213
Gráfico 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal 215
Gráfico 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal 216
Gráfico 07 – Comércio por região administrativa de Natal 218
Gráfico 08 – Comércio atacadista por região administrativa em Natal 220
Gráfico 09 – Comércio varejista por região administrativa em Natal 220
Gráfico 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal 222
Gráfico 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal 223
Gráfico 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal 226
Gráfico 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal 227
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 17 1 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS À CENTRALIDADE URBANA 21 1.1 Da Teoria das Localidades Centrais às novas expressões da
centralidade 21
1.2 A diversificação da natureza da centralidade urbana por seus
conteúdos processos e formas 41
2 A CENTRALIDADE EM NATAL E SUA DINÂMICA 74 2.1 Evoluções urbanas em Natal e seus respectivos centros 74 2.2 Eventos e processos geradores de centralidades urbanas em Natal 112 3 A NATUREZA DIVERSA DA CENTRALIDADE URBANA 137 3.1 Conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em Natal 137 3.2 Expressões e conformações contemporâneas da centralidade
urbana em Natal 191
4 PROPOSIÇÃO À APREENSÃO DA CENTRALIDADE URBANA 201 4.1 Evidências contemporâneas de centralidade urbana em Natal 201 4.2 Meandros da centralidade urbana como proposta metodológica 229 CONSIDERAÇÕES FINAIS 243 REFERÊNCIAS 248
17
INTRODUÇÃO
A temática centralidade urbana remonta à clássica Teoria das Localidades
Centrais (TLC), de Walter Christaller, em 1933, sob a perspectiva quantitativista
neopositivista da geografia. No Brasil, a repercussão da referida teoria se fez notar,
principalmente, com o pensamento de Milton Santos, por meio das seguintes obras:
O centro da cidade de Salvador, em 1959 (SANTOS, 2012); Economia espacial, em
1979 (SANTOS, 2003) e O espaço dividido, em 1979 (SANTOS, 2008); também com
o pensamento de Roberto Lobato Corrêa, em seu texto “Repensando a Teoria das
Localidades Centrais”, em obra organizada por Moreira (1982), bem como em
diversos artigos publicados em eventos e periódicos científicos.
Por ser uma teoria já com um vasto lapso temporal, ao chegar ao Brasil,
ambos os pensadores – Santos e Corrêa – fizeram eco em seus trabalhos, propondo
uma revisão da mesma, defendendo que aquele espaço urbano para o qual a Teoria
de Christaller havia se voltado passara por profundas transformações, demandando
novas leituras.
A referida demanda surgiu em função de novas expressões de centralidade
urbana, o que significava ir além do chamado “Hexágono de Christaller”, como o
modelo da sua teoria é conhecido. Isto porque, ao chegar ao Brasil, por volta da
década de 1980, a Teoria das Localidades Centrais estava sendo retomada nos
estudos da geografia urbana, enquanto manifestação teórica; assim como esse é o
momento do processo de descentralização que passou a ser verificado e estudado
no espaço urbano, configurando-se na manifestação empírica da referida teoria.
Assim, ela chega ao Brasil em momento oportuno, tanto do ponto de vista teórico,
porque estava sendo reinserida no debate acadêmico; quanto do ponto de vista
empírico, porque o espaço urbano ora em curso demandava alguns aportes teóricos
para sua apreensão.
Seguindo os rumos de uma nova abordagem de centralidade urbana é que o
pensamento de Sposito (2010) vem à tona, trazendo novas discussões e
possibilidades de leitura para as dinâmicas que se processam no espaço urbano. Do
pensamento da referida autora, o conceito de multicentralidade figurou como
oportuno ao nosso trabalho, haja vista permitir falar da multiplicação de centros
urbanos dentro de uma mesma cidade, segundo uma dinâmica de
complementaridade, fugindo à discussão centrada no centro único.
18
Nesse trabalho, a problemática principal partiu do pressuposto que, sendo o
espaço urbano permeado de uma gama imensurável de conteúdos, processos e
formas, a centralidade urbana carece de ser apreendida em sua natureza diversa. A
diversidade da natureza da centralidade urbana se constitui, em primeiro lugar, pelos
seus conteúdos, os quais se configuram na razão de ser da centralidade, haja vista
serem eles que atraem fluxos de pessoas aos centros. Isto porque temos claro, a
partir do diálogo com a literatura atinente à temática centralidade urbana, que sua
razão de ser consiste na atração de fluxos.
Essa problemática, no caso da centralidade urbana em Natal, pode ser
identificada desde a formação do Núcleo do Centro histórico de Natal, pela condição
de complementaridade das atividades terciárias entre os três bairros constituintes:
Cidade Alta, Ribeira e Alecrim. Resultante dessa condição de complementaridade é
que podemos depreender que os diversos centros estiveram, desde o início, sob
uma condição de multicentralidade.
Já a partir dos anos 1980, com a expansão do varejo moderno na cidade, a
centralidade urbana iniciou seu processo de dispersão, gerando novas
centralidades, as quais guardam, em sua natureza, a condição de multicentralidade,
porque não rivalizam entre si, não formando assim uma hierarquia (SPOSITO,
2010). O que ora constatamos, na conformação de novas centralidades urbanas em
Natal, é uma clara projeção do processo de reprodução do capital, viabilizado na
constituição de modernos centros de comércio e de serviços, sendo os shopping
centers uma das suas expressões excelentes. Consoante a essa afirmação,
constatamos, tanto na realidade estudada quanto em documentos oficiais e nos
discursos dos gestores públicos entrevistados, uma clara preocupação voltando a
atenção da municipalidade para o que denominam de “corredor dos shopping
centers”, que é uma das áreas mais expressivas de novas centralidades.
Ao admitirmos a diversidade da natureza da centralidade urbana, tendo seus
conteúdos como definidores, é que podemos elencar que estas podem ser de
natureza histórica, cultural, simbólica, econômica e ideológica, as quais se
manifestam em dado momento ou lapso de tempo, no qual uma figura como
definidora de uma dada centralidade, mas não desprezando as possibilidades de
relações mútuas entre as mesmas. Ademais, é importante ressaltarmos o caráter
proeminente da centralidade de natureza econômica no meio urbano, posto que a
cidade se configura com um lugar de trocas.
19
Em suma, nossa tese é de que a natureza da centralidade urbana é,
essencialmente, diversa, porque diversos são os conteúdos, processos e formas que
concorrem para a constituição da mesma.
Desse modo, face a essa problemática, nosso objetivo, nesse trabalho, foi
explicitar a natureza da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos,
processos e formas que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua
diversificação.
A metodologia adotada para atingir esse objetivo teve por base a teoria da
produção do espaço, de Henri Lefebvre, sob uma orientação dialética, para então
compreendermos os processos que se desencadeiam no espaço urbano capitalista.
E, ao lançarmos mão dessa postura, apreendermos o processo de formação da
centralidade urbana em Natal, bem como sua dispersão, que teve início a partir da
década de 1980, até o momento, quando ainda identificamos novas centralidades
em seu processo formação. Como procedimentos metodológicos, voltamos nossos
esforços para o exame dos conceitos norteadores das discussões teóricas, como:
centralidade urbana; natureza da centralidade; multicentralidade; espaço urbano; e
economia terciária.
Ainda quanto aos procedimentos metodológicos, empreendemos minucioso
levantamento de materiais que dessem conta da formação da Cidade do Natal ao
longo da história, da constituição do seu espaço na atualidade, bem como da
conformação das atividades que movimentam essa cidade, para assim
apreendermos a sua dinâmica, e compreender as suas expressões de centralidade.
Nesse sentido, estabelecemos importante diálogo junto a secretarias e órgãos
municipais, secretarias e órgãos estaduais do Rio Grande do Norte (RN), e ainda
junto a órgãos federais, e à sociedade civil organizada.
Os resultados obtidos por ocasião da pesquisa de campo junto a essas
secretarias e órgãos, em sua maioria, foram elucidativos para a principal questão
que conduzíamos ao entrevistarmos o agente público, que era: como este órgão
planeja sua ação na Cidade do Natal, ao considerar o centro da cidade. A partir
dessa pergunta, obtivemos algumas posturas interessantes em relação ao que
possa ser centro em Natal, e foram reveladas diversas práticas de centralidade
urbana na cidade, algumas das quais concordantes entre si, e até mesmo
consoantes aos rumos elucidativos da nossa pesquisa.
O percurso investigativo da natureza da centralidade urbana se justifica ter
20
sido desenvolvido na Cidade de Natal, RN, por ser uma cidade que, desde a década
de 1980, vem passando por transformações significativas na estruturação das
atividades terciárias, consoante, portanto, à projeção das discussões teóricas de
centralidade nos estudos de geografia urbana, e sua manifestação no plano
empírico; igualmente se justifica por ser junto ao espaço urbano natalense que
temos dedicado esforços de análise em estudos anteriores, configurando-se assim
como a continuidade de um processo acadêmico investigativo.
Como resultados dos esforços empreendidos na pesquisa é que ora
apresentamos o texto, estruturado em quatro seções. A primeira, intitulada “Aportes
teórico-metodológicos à centralidade urbana”, que revisita a Teoria das Localidades
Centrais, e lança as bases teóricas da temática centralidade urbana, para então
dialogar com novas discussões acadêmicas com as quais pudemos contar para a
leitura da realidade, como a ideia da multicentrelidade, presente no pensamento de
Sposito (2010).
A segunda seção traz como título, “A centralidade urbana e sua dinâmica”,
volta-se para a formação da centralidade urbana, desde a gênese do Núcleo do
Centro histórico de Natal, até a formação das novas centralidades.
A terceira seção versa sobre “A natureza diversa da centralidade urbana”,
buscando explicitar os conteúdos, processos e formas que concorreram para a
formação da centralidade urbana em Natal, sua consolidação no Núcleo do Centro
histórico de Natal, e sua dispersão contemporânea para novas áreas da cidade.
Por fim, a quarta seção, que traz como título “Proposição à apreensão da
centralidade urbana”, expõe os resultados do percurso investigativo, indicando as
áreas de Natal que expressam o processo de dispersão da centralidade urbana,
traduzido sob a forma de novas centralidades urbanas.
21
1 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS À CENTRALIDADE URBANA
Esta seção lança as bases teóricas deste trabalho, partindo da Teoria das
Localidades Centrais (TLC), como forma de lançar um olhar sobre os primórdios das
discussões de centralidade urbana, bem como pela importância da contribuição do
pensamento de Walter Christaller aos estudos urbanorregionais, apesar de o nosso
foco ser o meio intraurbano. Mas o diálogo avança, adotando novas contribuições à
temática, como o pensamento de Sposito (2010).
A partir das considerações iniciais da citada teoria, apresenta as discussões
e repercussões da TLC no meio acadêmico da geografia brasileira; bem como
apresenta outros aportes teórico-conceituais que servirão de base para o
desenvolvimento do texto; ao longo da seção, o pressuposto da tese, de que a
centralidade urbana é diversa em seus conteúdos, processos e formas por ser o
espaço urbano igualmente diverso, é enunciado sempre que julgado necessário ou
oportuno, como forma de estabelecer um fio condutor entre o trabalho investigativo
ao qual nos propusemos, e o resultado que ora apresentamos.
1.1 Da Teoria das Localidades Centrais às novas expressões da centralidade
Apesar do extenso lapso de tempo, desde a formulação da Teoria das
Localidades Centrais, de Walter Christaller, em 1933, o tema centralidade urbana é
um tema ainda impreciso e cambiante em suas discussões contemporâneas,
segundo as diversas realidades para as quais a TLC é utilizada como aporte teórico
de apreensão empírica do urbano (CHRISTALLER, 1981).
Apontamos centralidade urbana como um tema impreciso, em função dos
diversos contornos que lhes são atribuídos no debate acadêmico, uma vez que
percebemos isso ao examinarmos publicações, seja de eventos científicos ou de
publicações periódicas. Igualmente, vemos o tema de modo cambiante na
atualidade, por ser ainda carente de uma definição precisa, adquirindo diversas
interpretações. Dessa forma, tem sido apreendido por meio de expressões materiais
de centralidade, como: centro histórico; centro comercial; rua especializada em um
tipo específico de comércio ou serviços; shopping center; condomínio (edifício) de
serviços. Mas também sua apreensão tem sido feita por meio de manifestações
imateriais, como: usos diversos de um mesmo centro, segundo uma escala temporal
22
variável ao longo do dia, da semana, do mês, e até mesmo do ano, por ocasião de
eventos já consagrados pela sociedade, como as datas comemorativas, que
estimulam grupos diversos de pessoas a irem às compras, à procura de serviços, ou
irem ao lazer; representação simbólica de certas áreas da cidade, reservadas às
expressões e manifestações da cultura e do sagrado por parte da sociedade; centro
político ou arena de manifestações políticas, configurando-se como uma
centralidade de natureza ideológica, entre outras formas de expressões imateriais de
centralidade urbana.
Neste sentido, tomamos como referência o pressuposto de que a natureza
da centralidade urbana é diversa, de acordo com os componentes que concorrem
para a sua formação, quais sejam: conteúdos, processos e formas. E por estarmos
falando do contexto urbano, entendemos que a centralidade está em contínua
conformação, requerendo, por sua vez, uma contínua apreensão ou leitura, sempre
à baila dos processos que se desencadeiam na produção do espaço urbano.
Ademais, podemos também vislumbrar a centralidade urbana como relativa, por sua
variação frente a grupos sociais diversos, que lhes são simultaneamente geradores
e usuários. Em outras palavras, a centralidade depende do estrato social a ela
atraído, segundo o conteúdo que determinado centro comporta em sua forma,
gerando um processo de atração no sentido de atender a uma demanda.
Ao afirmarmos que a centralidade urbana é diversa em sua natureza, e
relativa em sua forma de apropriação, identificamos nela um caráter de
simultaneidade, estruturando-se e manifestando-se em suas diversas expressões,
configurando-se nas seguintes dimensões: histórica, cultural, simbólica, econômica e
ideológica, havendo sempre a proeminência de uma destas, mas não perdendo de
vista que as demais podem estar presentes na conformação de uma centralidade
urbana, sob uma expressão mais tênue.
Após estas considerações preliminares, optamos por iniciar o aporte teórico
à centralidade urbana, conduzindo nossa discussão a partir da origem do tema, qual
seja: lançando um olhar sobre a TLC apenas como ponto de partida, porque
entendemos que não podemos prescindir do exame da referida teoria. Mas, dado
que o tema centralidade urbana demanda uma leitura continuamente atual e
criteriosa, optamos por encaminhar nossas reflexões em torno das novas
expressões de centralidade.
A TLC versou sobre os centros urbanos enquanto fornecedores de bens e
23
serviços no sul da Alemanha, apresentando assim uma importante contribuição aos
estudos sobre o sistema urbano. Isto porque consistiu numa investigação geográfica
de cunho econômico acerca da regularidade do número, distribuição e tamanho das
localidades urbanas representadas, na prática, pela Alemanha do Sul
(CHRISTALLER, 1981).
A diversidade ou aparente desordem identificada por Christaller, em 1933,
entre as cidades do sul da Alemanha foi a questão chave que o inquietou em busca
do princípio que regeria o seu arranjo espacial, resultando na formulação de um
modelo hipotético, graficamente representado por um hexágono. Por meio desse
hexágono, o referido autor apresentou sua formulação da distribuição de bens,
considerando o limiar, enquanto raio inicial de abrangência da distribuição de um
dado bem, no qual seria obtido o máximo de lucro, que decaía gradativamente, à
medida que a distribuição se deslocava do centro do hexágono, em função dos
custos com transporte; considerando também o alcance, enquanto raio final de
abrangência do processo de distribuição de um dado bem, no qual os lucros, tendo
decaído gradativamente desde o limiar, já se tornariam insignificantes, igualmente
em função dos custos de transporte, cessando assim a área de abrangência da
distribuição de um bem.
Empreender essa explicação se fez necessário porque, sendo o espaço
geográfico de natureza heterogênea, dada a diversidade dos elementos e funções
que o constituem, igualmente diversos são os centros urbanos distribuidores de
bens e serviços que conformam este espaço. Eis por que Walter Christaller se
inquietou com a já referida desordem, almejando dar à mesma uma explicação,
buscando princípios que regeriam o número, o tamanho e a distribuição de certos
lugares centrais no sul da Alemanha. Como decorrência do esforço de análise do
referido estudioso, vem-nos suas contribuições aos estudos de rede e hierarquia
urbanas.
Mas a Teoria das Localidades Centrais tem sido simultaneamente cara e
controversa nos debates acadêmicos, no âmbito da geografia urbana. Adentrando à
referida teoria, cotejemos o contexto descrito pelo seu autor:
Las cosas son distintas em la ciudad. En uma misma región
24
encontramos1 ciudades grandes y pequeñas de todas las categorias. En algunas zonas se amontonan de forma espectacular, aparentemente sin motivo lógico, mientras que em otras amplias áreas no existe ninguna población que merezca la denominación de ciudad, muchas veces ni siquiera la de centro de mercado. Se insiste siempre en que las relaciones entre la ciudad y la actividad laboral de sus habitantes no son casuales, sino fundadas en su propia naturaleza; pero, entonces, ?por qué hay ciudades grandes y pequenas?, y ?por qué están tan irregularmente distribuídas?2 (CHRISTALLER , 1982, p. 396).
Claro está, a partir da descrição da distribuição de algumas cidades no sul
da Alemanha e das questões levantadas, que o referido contexto é o ponto de
partida para instigar o autor citado a inquietar-se em busca de uma explicação, e
formular assim a sua proposição de explicação dessa realidade, por meio da Teoria
das Localidades Centrais. Descortinou-se então uma realidade que incitava o
observador a formular uma base teórica para explicá-la. Esse foi o desafio aceito por
Walter Christaller face à realidade.
Vemos então que a preocupação inicial, o ponto de partida do referido
estudioso foi encontrar uma explicação para a heterogeneidade – ou, no seu modo
de dizer, a “irregularidade” – presente no espaço geográfico, especificamente, entre
as cidades de uma mesma região, que, como pondera o autor, muitas vezes, não há
motivo aparente para tal discrepância entre o tamanho e a importância funcional das
cidades de uma mesma região, algumas das quais nem podendo ser denominadas
cidades.
Insiste Walter Christaller em que, se há uma relação entre a cidade e as
atividades laborais dos seus habitantes, por que então há cidades pequenas e
cidades grandes, e tão mal distribuídas em uma mesma região? Para responder a
esta questão ele propõe:
1 NOTA: apesar de algumas palavras das citações em espanhol se apresentarem em
português, mantivemos conforme o original, em respeito aos autores que organizaram o livro, e fizeram a tradução da tese de Christaller, de 1933. 2 As coisas são distintas, na cidade. Em uma mesma região, encontramos cidades grandes e pequenas de todas as categorias. Em algumas áreas, elas se distribuem de forma espetacular, sem razão aparentemente lógica, enquanto que em outras grandes áreas, não há um povoado que mereça o nome de cidade, muitas vezes, nem mesmo há um centro do mercado. Insiste-se sempre que as relações entre a cidade e o trabalho de seus habitantes não são aleatórias, mas fundadas em sua própria natureza. Mas então, por que existem grandes e pequenas cidades? E por que são tão irregularmente distribuídas? (CHRISTALLER , 1982, p. 396, tradução nossa).
25
Nosotros tratamos de buscar uma respuesta a esta pregunta; buscamos la razón por la que uma ciudad es grande o pequena, porque creemos que en la distribuición tiene que prevalecer algún principio ordenador que hasta ahora no hemos podido reconocer3 (CHRISTALLER , 1982, p. 396).
E buscou essa explicação para além das forças da natureza, antes, por
interferência da ação humana, por acreditar que “No es posible dar una explicación
sobre el número ni sobre la distribuición o el tamaño de las ciudades, basándose
unicamente en las circunstancias geográficas naturales4” (CHRISTALLER, 1981, p.
397, grifos nossos). Neste sentido, atribuiu a razão do arranjo espacial à economia:
Para la existência de la ciudad, los factores económicos son, pues, decisivos [...]. Por esta razón, la geografia de los asentamientos forma parte de la geografia económica. Hay que recurrir a la teoria económica para explicar la naturaliza de las ciudades, y si existen leyes em la teoria económica, también tiene que haber leyes em la geografia de los asentamientos5 (CHRISTALLER, 1982, p. 397).
Seguindo o seu propósito em busca de uma explicação para o tamanho dos
lugares centrais, aponta: “Llegados a este punto, es necessário estabelecer si
realmente son leyes las que determinan el tamaño y la distribución de las ciudades y
si es posible reconocerlas6” (CHRISTALLER, 1982, p. 397). E, como geógrafo,
delegou o desafio de tal explicação à geografia:
Pero nosotros somos de la opinión de que la geografia de los asentamientos es uma disciplina de las ciências sociales, claramente determinante para el nacimiento, desarrollo y decadência de las ciudades, es la actividad de sua habitantes, que encuentran allí su
3 Tentamos encontrar uma resposta a esta pergunta; buscamos a razão pela qual uma cidade é grande ou pequena, porque acreditamos que em um processo de distribuição deve prevalecer algum princípio de ordem que até agora não pudemos reconhecer (CHRISTALLER , 1982, p. 396, tradução nossa). 4 Não é possível dar uma explicação sobre o número, a distribuição ou o tamanho das cidades, com base apenas em circunstâncias geográficas naturais (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 5 Para a existência da cidade, os fatores econômicos são, por conseguinte, determinantes [...]. Por esta razão, a geografia dos assentamentos faz parte da geografia econômica. Devemos usar a teoria econômica para explicar a natureza das cidades, e se existem leis em teoria econômica, também deve haver leis na geografia dos assentamentos (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 6 Neste ponto, é necessário reconhecer se realmente são as leis que determinam o tamanho e distribuição das cidades, e se possível reconhecê-las (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa).
26
media de vida7 (CHRISTALLER, 1982, p. 397).
Vendo então um nexo entre a geografia e a economia, o referido autor
reafirmou o seu propósito de buscar leis ou princípios que explicassem o arranjo
espacial entre centros urbanos:
Nos parece suficiente retener el hecho de que existen leyes económicas que determinam la vida económica, y, em consecuencia, que también tiene que haber leyes específicamente económico-geográficas que determinem el tamaño, el número y la distribución de las ciedades. Por lo tanto, no nos parece inútil buscar tales leyes8 (CHRISTALLER, 1982, p. 398).
A hipótese de um princípio explicativo para o tamanho, o número e a
distribuição das cidades, tendo como por base a ação do ser humano ao reproduzir
sua sobrevivência, nas palavras do autor, em função da sua atividade laboral,
remete então aos aspectos econômicos, os quais se desenvolvem em função da
busca do ser humano pela sua sobrevivência. E nessa relação entre geografia e
economia, estaria assim configurado um efetivo processo de produção do espaço
geográfico. Ao retomarmos a última afirmação citada, vemos que o autor defende
não ser inútil buscar o princípio ou as leis que regem o arranjo espacial que se
conforma em torno de centros urbanos.
E mesmo deixando claro seu propósito, de que “La finalidade del trabajo, sin
embargo, es muy concreta: descobrir y explicar los hechos relativos al tamaño,
número y distribuición de las ciudades em la Alemania del Sur9 (CHRISTALLER,
1982, p. 398), sua contribuição às bases teóricas para a geografia urbana adquiriu
repercussão para além do que projetara, tendo repercutido inclusive no Brasil, a
partir da década de 1980, com o pensamento de Milton Santos, entre outros
geógrafos que aportaram sua análise espacial na Teoria das Localidades Centrais,
7 Mas nós somos da opinião de que a geografia dos assentamentos é uma disciplina das ciências sociais, claramente decisiva para o nascimento, crescimento e decadência das cidades, e as atividades de seus habitantes, que encontraram ali o seu meio de vida (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 8 Parece suficiente para admitir o fato de que existem leis econômicas que determinam a vida econômica, e em consequência, que tem também há leis especificamente econômico-geográficas que determinem tamanho, número e distribuição das cidades. Portanto, não parece inútil procurar tais leis (CHRISTALLER, 1982, p. 398, tradução nossa). 9 O objetivo do trabalho, no entanto, é muito específico: para descobrir e explicar os fatos do
tamanho, número e distribuição de cidades na Alemanha do Sul (CHRISTALLER, 1982, p. 398, tradução nossa).
27
inspirando estudos de cunho econômico, sob a perspectiva quantitativista
neopositivista da geografia brasileira (REIS JÚNIOR; CAMARGO, 2003).
Tendo como variáveis o número, o tamanho e a distribuição, Walter
Christaller projetou então seu estudo para além da escala intraurbana, buscando
também a zona de influência das cidades, hierarquizando-as segundo o grau de
centralidade, focando, portanto, o sistema urbano:
Entre la parte teórica y la parte regional hemos tenido que introducir y princípios com a ayuda de los cuales se puede determinar concretamente los núcleos que em este momento desempeãnn una función de ciudades, representar numericamente su tamaño y hasta donde llega su zona de influencia10 (CHRISTALLER, 1982, p. 399).
Ressaltamos a contribuição de Christaller para os estudos urbanorregionais,
haja vista ter voltado seu olhar para a região sul da Alemanha, preocupando-se com
algumas cidades daquela região enquanto centros distribuidores de produtos, aos
quais chamou de “localidades centrais”, o que resultou na clássica Teoria das
Localidades Centrais. E assim, Christaller tentou explicar as relações espaciais
engendradas em função das atividades econômicas, principalmente, em função das
trocas de bens entre a população presente nas localidades, levando em
consideração os princípios do abastecimento e da circulação, expressos
matematicamente pelo limiar e pelo alcance de um bem ao ser distribuído no
mercado formado entre núcleos de um dado sistema urbano.
A teoria de Christaller teve sua repercussão no meio acadêmico, cujos
desdobramentos vieram das discussões empreendidas por alguns os estudiosos,
como: Clark (1991); Santos (1979; 2003); e Corrêa (1997; 2005).
Clark (1991, p. 137), ao discutir a Teoria das Localidades Centrais, em seu
clássico manual de geografia urbana, intitulado “Introdução à Geografia Urbana”,
expõe que “[...] haverá uma hierarquia funcional dos centros de serviço, consistindo
em teias de povoamento, cada nível contendo locais que oferecem tipos
semelhantes de bens e serviços para áreas de mercado com tamanhos
semelhantes”. O autor faz uma interpretação da Teoria das Localidades Centrais ao
10 Entre a parte teórica e a parte regional, tivemos que introduzir princípios para determinar concretamente núcleos que em algum momento desempenham uma função de cidade, representando numericamente seu tamanho e sua zona de influência (CHRISTALLER , 1982, p. 399, tradução nossa).
28
afirmar que há uma “hierarquia funcional”; e faz referência, certamente, à “planície
isotrópica” da teoria de Christaller, ao falar de “teias de povoamento”. Enfim, ao
nosso ver, a teoria de Christaller fora bem aceita por Clark (1991). É como se o
referido autor concordasse com a “ordem geográfica” – mesmo que hipotética –
apresentada por Christaller para explicar a conformação das cidades no sul da
Alemanha.
Esse esforço empreendido por Christaller, em 1933, no sentido de encontrar
uma ordem geográfica em torno do número, tamanho e distribuição dos núcleos
urbanos constituintes de um dado sistema de lugares centrais propiciou uma
explicação para a referida ordem geográfica da distribuição de cidades enquanto
centros de distribuição de bens. Isto porque as ligações entre as cidades, segundo
suas especializações, é que suscitam funcionalidades e consequentes hierarquias
urbanas, formando assim um sistema urbano, temática que pode ser indicada como
um contributo da teoria aos estudos urbanos.
Segundo nossa compreensão, um sistema urbano se configura a partir das
relações funcionais estabelecidas entre as cidades constituintes de um mesmo
território, gerando uma hierarquia urbana, a qual se faz por meio do atendimento às
demandas da população ali presente, via fluxos; ou, no dizer de Clark (1991), via
“contatos”. Neste sentido, o referido autor aponta: “Os contatos entre cidades
apresentam uma variedade de modos, e incluem movimentos de pessoas, de
mercadorias e de idéias11” (CLARK, 1991, p. 168, grifo nosso).
Os fluxos que se estabelecem entre as áreas de recursos naturais, os
centros industriais e as áreas comerciais criam fortes laços de interdependência
econômica dentro de certo sistema urbano. Conforma-se assim uma centralidade, a
qual é definida por Queiroz; Braga (1999, p. 13) como uma “[...] articulação regional
que se traduz em um forte fluxo de pessoas, bens e serviços”. Observemos que há
uma consonância entre o pensamento destes últimos autores referidos e o de Clark
(1991), com relação ao fluxo de pessoas e bens entre centros urbanos, porque essa
“[...] centralidade será definida pela sua capacidade de oferecer bens e serviços para
outras localidades” (QUEIROZ; BRAGA, 1999, p. 2).
Todavia, ao anunciarmos preliminarmente essa condição da centralidade,
11 A palavra ora grifada está fora da norma culta vigente na língua portuguesa brasileira (BRASIL, 2014a). Mas optamos por não indicar a expressão “[sic!]” quando da ocorrência de citações com grafias supostamente erradas ou não mais vigentes por opção de estilo textual.
29
que é de atrair fluxos, em função do que tem a oferecer, concordando com autores
citados, julgamos importante destacar um caráter dual da centralidade urbana, que
consiste também em irradiar fluxos. E assim, atraindo e irradiando fluxos entre
centros urbanos, termina por intercambiar, e não somente atrair esses fluxos, como
é afirmação corrente nas definições até então evocadas sobre centralidade urbana.
Entendemos que se estabelece aí uma relação de reciprocidade entre os
centros hierarquicamente arranjados num dado sistema urbano, em se tratando de
diferentes cidades; ou entre diferentes áreas de uma cidade, ao nos referirmos a um
dado espaço intraurbano, razão pela qual sinalizamos com o caráter dual da
centralidade, porque a vislumbramos sua condição de intercambiar fluxos.
Ademais, para a centralidade urbana, nem perdura essa concepção de
caráter dual, tendo em vista as diversas possibilidades de relações que se
estabelecem no contexto urbano, seja em função da circulação de bens e serviços,
seja em função das relações cotidianas contemporâneas. E assim, almejamos, ao
examinar mais adiante a natureza da centralidade urbana, indicar a sua diversidade,
o que lhe acrescentará outras nuances, indo além da já consagrada afirmação na
literatura, que a define por sua capacidade de atrair fluxos. Porquanto, afirmamos: a
centralidade não só atrai, mas também irradia fluxos, configurando-se num
verdadeiro intercâmbio de pessoas, bens e informações entre centros urbanos.
Desses fluxos que se estabelecem entre lugares centrais é que surgiu,
segundo a TLC, uma forma de representação: o “hexágono de Christaller”. Tendo
presente a demanda por parte da sociedade quanto à satisfação das suas
necessidades ao adquirir bens necessários à sua sobrevivência, e que estes bens
sejam adquiridos o mais próximo possível ao seu lugar de convívio, resgatamos o
pensamento de Clark (1991) acerca da teoria de Christaller, ao afirmar que, “Tendo
proposto um padrão de provisionamento de mercadorias e serviços, a teoria do lugar
central considera o arranjo espacial das áreas de mercado” (CLARK, 1991, p. 133).
E este arranjo espacial, como já assinalamos, foi apresentado segundo a figura
geométrica de um hexágono:
As áreas hexagonais de mercado representam o melhor compromisso entre o ideal econômico e a realidade geográfica, e
produzem uma rede hierárquica de áreas de mercado com seis lados. Nessa rede, nenhum consumidor deixa de ser servido e nenhuma mercadoria é comprada por um preço totalmente inaceitável (CLARK, 1991, p. 134, grifos nossos).
30
Mas, ao nos debruçamos sobre estas últimas afirmações citadas,
comparando-as à realidade contemporânea, percebemos que não é
necessariamente assim que se desenvolve a dinâmica do sistema capitalista. Na
verdade, o “hexágono de Christaller”, como é assim conhecido, ao tentar ser uma
leitura ou uma apreensão da realidade, voltada para o sul da Alemanha, terminou
por ser uma antecipação idealista desta realidade.
Julgamos importante retomarmos a citação anterior de Clark (1991, p. 134),
na qual o referido autor defende, expondo o pensamento de Christaller, que as áreas
hexagonais seriam o “melhor compromisso” com o consumidor, o qual mediaria
relações entre o ideal econômico e a realidade geográfica, possibilitando que
nenhum consumidor deixasse de ser servido.
Mas não é demais lembrar que estamos analisando um contexto capitalista.
E não é tendo por base apenas a disposição de produtos no mercado que faz com
que os consumidores sejam servidos, como o autor supracitado afirma. Há um
componente que foi esquecido em seu pensamento: o dinheiro – enquanto poder de
compra –, o qual media e até preside a compra de um bem; que também insere ou
exclui o consumidor em certo centro comercial; enfim, é o poder de compra que, na
sociedade capitalista, define as semelhanças e diferenças entre consumidores.
Logo, entre o “ideal econômico” e a “realidade geográfica”, desenvolvem-se uma
infinidade de práticas espaciais, influenciando sobremaneira a produção do espaço
urbano cada vez mais heterogêneo, permeado de centralidades urbanas de
natureza diversa, segundo a sua constituição, em seus conteúdos, processos e
formas.
Mas o legado da formulação da teoria de Christaller não fora apenas a
representação em forma de hexágono. Tal representação esteve embasada em
algumas condições, sejam de natureza material ou imaterial. São elas:
1) planície ilimitada, com recursos uniformes;
2) distribuição igual da população e do poder de compra;
3) liberdade igual de movimento em todas as direções;
4) custos de transportes proporcionais à distância percorrida;
5) mercadorias com preços idênticos em qualquer um dos centros (CLARK,
1991).
Essas condições ora citadas renderam à Teoria das Localidades Centrais,
31
desde o seu lançamento, várias interpretações, adaptações e até mesmo refutações.
Pelo seu enunciado, vemos que tais condições compõem um modelo hipotético, que
simplifica o sistema de mercado capitalista. E como podemos depreender do
cotejamento das condições supracitadas, tal modelo não corresponde efetivamente
a uma realidade. Apenas pretendeu ser uma proposição explicativa ao arranjo
espacial às localidades centrais do sul da Alemanha.
Passemos então ao exame das condições da proposição de Christaller,
buscando entender em que consiste cada uma, verificando em que medida essas
condições podiam ser consideradas válidas para explicar uma possível “ordem
geográfica” das localidades centrais do sul da Alemanha; e ainda, se podem
contribuir para o debate sobre lugares centrais; ou, numa acepção mais atual, em
que medida sua formulação contribui para o debate contemporâneo tema da
centralidade. Eis as condições elencadas por Christaller, segundo a Teoria do Lugar
Central:
1. planície ilimitada, com recursos uniformes – não há “ilimitadas” áreas
planas, mas uma diversidade topográfica, até mesmo dentro de uma mesma cidade
– ou numa região, para onde se voltou o modelo de Christaller –, o que nega a
possibilidade da “planície homogênea”; e os recursos naturais são diversos,
dependendo da localização; e ainda, há que considerarmos o nível técnico segundo
o qual tem se desenvolvido a humanidade, o que implica variações nos custos de
produção e, consequentemente, na formulação dos preços;
2. distribuição igual da população e do poder de compra – não há um critério
uniforme para a distribuição da população na superfície terrestre, havendo vazios
demográficos ao lado de altas densidades demográficas; igualmente diverso é o
poder de compra desta população, o qual se configura muito mais em função da
posição que cada indivíduo ocupa na escala de estratificação social, em função do
nível de qualificação, do grau de desenvolvimento intelectual e cultural, do tipo de
ocupação, entre outras condições;
3. liberdade igual de movimento em todas as direções – não há uma
liberdade igual de movimento entre as pessoas, pois estas dependem de meios
técnicos e condições físicas, sendo uma experiência diversa para cada um; e se não
há um “movimento igual em todas as direções”, a opção de comprar seus bens num
ou em outro centro fica a critério de cada pessoa, sendo imprevisível, e não uniforme
este descolamento; há que considerarmos ainda, na contemporaneidade, as
32
inúmeras formas de aquisição de bens, face à evolução dos meios de comunicação,
como o caso do e-commerce, pelo qual as pessoas podem adquirir bens via Internet,
conectando o local ao global, até mesmo subsumindo as hierarquias regionais e a
logística dos centros de distribuição;
4. custos de transportes proporcionais à distância percorrida – também em
função das condições físicas do meio e das técnicas de transportes, não podemos
prever custos de transporte idênticos e proporcionais à distância percorrida, pois em
função da técnica, a distância se torna relativa, repercutindo na variação dos custos
com transportes;
5. mercadorias com preços idênticos em qualquer um dos centros – os
preços não são idênticos em todos os centros, haja vista a lei da oferta-demanda ser
um fator determinante no mercado capitalista, em oposição ao critério da
“concorrência perfeita” proposto por Christaller (CLARK, 1991). Ademais, há que
considerarmos outro componente, que é o crédito, o qual amplia o poder de compra
das pessoas, figurando como um critério de escolha por ocasião da aquisição de
bens e serviços, esmaecendo essa condição de “concorrência perfeita”.
Diante do exposto, vemos que por ser um modelo considerado um tanto
audacioso, ao tentar explicar uma realidade a partir de uma formulação hipotética,
sem uma estrita correspondente realidade, a Teoria dos Lugares Centrais despertou
apreciações ora favoráveis, ora negativas, muitas vezes, partindo de um mesmo
autor, como vemos em Clark (1991), que segundo nossa interpretação, ora aceita a
referida teoria, ora a critica por sua natureza restritiva, face às cinco condições
expostas, as quais não apresentam consonância entre o modelo da TLC e a
realidade.
Mas é o mesmo Clark (1991, p. 147) que exalta: “O maior valor da teoria
[dos lugares centrais] é que, independente de seus insumos restritivos, ela
satisfatoriamente explica muitas das características funcionais e de distribuição dos
centros de serviços [...]”. E prossegue em sua defesa: “O que a teoria do lugar
central salienta é que os sistemas de centros de serviços não são totalmente
desestruturados e desordenados. Existe regularidade na distribuição dos centros de
mercado, e nas funções que eles desempenham [...]” (CLARK, 1991, p. 147).
Vejamos que o autor supracitado, nestes dois últimos trechos, defende a
aplicabilidade e/ou utilidade da Teoria dos Lugares Centrais para explicar os centros
de distribuição, como se já houvesse uma correspondência entre teoria e realidade.
33
Ou, como buscava o próprio Christaller, Clark (1991) fala de uma “regularidade”
entre os centros de mercado. E era isso que o autor da referida teoria almejava:
explicar a ordem, a regularidade que presidia a distribuição das localidades centrais
no sul da Alemanha.
Atualizando o debate sobre a TLC ao estudarem a hierarquia urbana entre
algumas cidades mineiras, Centro-Sul do Brasil, Queiroz; Braga (1999, p. 1) não
negligenciaram a referida teoria. Ao contrário, ressaltam os autores que
A base teórica da hierarquia funcional dos centros urbanos é a ‘Teoria do Lugar Central’ desenvolvida, basicamente, por três autores: Lösch, Boudeville e Christaller. [...] Esta teoria tem o objetivo de explicar as causas da formação e desenvolvimento dos centros urbanos a partir da idéia de importância que um centro urbano tem em relação às demais localidades devido a uma série de características próprias como: poderio econômico, área de mercado
etc (grifo nosso).
Observemos que a referida teoria vai ganhando sempre novas
interpretações, apesar de manter algumas. No último trecho citado, mantém o foco
ao tentar explicar o desenvolvimento de centros urbanos; e inova na forma de falar
da “área de mercado”, o que está posto na teoria de Christaller segundo os
conceitos de limiar e alcance; e ainda, ao referir-se ao poder econômico, algo que foi
buscado de forma muito profunda na clássica teoria, porque não há, neste sentido,
uma discussão clara, a não ser quando Christaller se refere a lugares de “elevada
centralidade”, o que seria já uma aproximação forçada, em nossa compreensão.
Dando continuidade ao debate sobre a Teoria das Localidades Centrais no
Brasil, indicamos como um expoente neste sentido Roberto Lobato Corrêa,
estudioso da geografia urbana, com o texto “Repensando a Teoria das Localidades
Centrais”, em obra organizada por Moreira (1982); assim como por ocasião do IX
Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB), em 2005, ao publicar o
trabalho “Área central – mudanças e permanências: uma introdução”. Em suas
discussões, Corrêa (1982; 2005) afirma que a teoria de Christaller foi incorporada à
“Nova Geografia” entre 1960-1970, destacando, no Brasil, a contribuição de Milton
Santos, com a obra “O espaço dividido”, em 1979, que versa sobre os dois circuitos
da economia urbana, o inferior e o superior.
Já mencionado e reconhecido por Corrêa (1997; 2005), Santos (2003), em
“Economia espacial”, dedica também um capítulo a “Uma revisão da teoria dos
34
lugares centrais”, e afirma que é preciso entender o “hexágono de Christaller” de
forma diferente, com o princípio da comercialização própria dos países
subdesenvolvidos, considerando os dois circuitos na economia urbana.
É-nos imperativo, após fazermos referência ao pensamento destes dois
estudiosos – Milton Santos e Roberto Lobato Corrêa –, assumirmos uma postura de
que devemos, ao discutir centralidade urbana, proceder a uma minuciosa revisão
dos enunciados da Teoria dos Lugares Centrais. Observemos que os dois referidos
autores trazem uma defesa uníssona em torno desta postura, por meio dos títulos
dos capítulos que dedicam à discussão da TLC: “Uma revisão da teoria dos lugares
centrais” (SANTOS, 2003) e “Repensando a Teoria das Localidades Centrais”
(CORRÊA, 1997).
Assim, entender a referida teoria de forma “diferente”, como postula Santos
(2003), consiste em proceder à sua revisão e/ou nova apreensão, aproximando-a do
atual contexto capitalista, tendo presente particularidades espaço-temporais para o
recorte empírico sobre o qual estamos nos debruçando, qual seja, o espaço urbano
de Natal. Essa visão é partilhada por Corrêa (1997), ao criticar a teoria em questão,
alertando para o fato de que a mesma se mantém num nível positivista,
considerando as trocas entre os seres, como se estes pertencessem a uma só
classe, sem considerar as desigualdades, como já ponderamos anteriormente. Isto
porque, como sabemos, num contexto capitalista, há, na verdade, uma estratificação
de classes.
Neste sentido, Corrêa (1997) propõe uma “revisão da Teoria das
Localidades Centrais”, apontando que a discussão ainda não se esgotou, nem
tampouco foi devidamente elucidada. Fazemos eco às palavras do autor junto à
afirmação de que sua teoria ainda não foi devidamente elucidada. Reafirmamos o
que já anunciamos anteriormente: são muitas as leituras que são feitas a respeito da
centralidade urbana, algumas e muitas delas imprecisas e cambiantes, demandando
ainda um profícuo debate acadêmico, e suas adequadas incursões empíricas.
Partindo então destes aportes críticos, se voltamos nosso olhar à obra “O
espaço dividido”, de Santos (2008), que trata do circuito inferior, periférico, e do
superior, moderno, encontramos ressonância na postura de Corrêa (2005), ao
defender que o debate em torno da TLC ainda não se esgotou. Ademais, não nos
parece surpreendente que teóricos apontem a natureza da desigualdade na
sociedade capitalista. Afinal, é a partir da desigualdade que este sistema se
35
reproduz.
Santos (2008), ao propor uma análise a partir dos dois circuitos da economia
urbana – o inferior e o superior –, apreende a heterogeneidade do espaço, razão
pela qual nos debruçaremos sobre as ponderações deste autor a respeito da não
“aplicabilidade” da Teoria das Localidades Centrais num contexto de
subdesenvolvimento, o que reafirma para nós a carência de sua revisão, releitura ou
nova apreensão. Ele defende que
O reconhecimento da existência dos dois circuitos obriga a uma nova discussão das teorias já consagradas, tais como a da base econômica (exportações urbanas), dos lugares centrais, e dos pólos de crescimento, que até agora serviram de base a outras tantas teorias de planificação regional (SANTOS, 2008, p. 22-23, grifos nossos).
Importa-nos, sim, o pensamento, as considerações de Santos (2008) acerca
da Teoria das Localidades Centrais, dada a sua importância enquanto teórico no
campo da geografia brasileira, até mesmo mundial. Mas há que acrescentarmos
algumas ponderações face ao diálogo com a obra de Santos (2008). Desde a
primeira edição de “O espaço dividido”, já transcorreram quase quatro décadas, o
que sinaliza para nós que muita mudança ocorreu nesse lapso de tempo na
construção do pensamento humano e da ciência geográfica; os “dois circuitos”,
como são assim conhecidos, já não são considerados tão duais ou díspares. Antes,
o debate acadêmico aponta para um tênue imbricamento das atividades dos dois
circuitos, ou até mesmo subdivisões destes. São assim leituras que demandam
serem sempre renovadas, que vão sendo feitas à teoria de Christaller, algumas
vezes, necessariamente consorciadas a outras teorias, e vão sendo apropriadas e
adaptadas para assim poder responder a um determinado fim e/ou auxiliar a
compreender uma dada realidade.
Retomemos o debate com Santos (2008) a respeito dos dois circuitos da
economia urbana, em sua clássica obra “O espaço dividido”, quanto aos elementos
constitutivos desta realidade. O autor afirma:
[...] pode-se apresentar o circuito superior como constituído pelos
bancos, comércio e indústria de exportação, indústria moderna, serviços modernos, atacadistas e transportadores. O circuito inferior é constituído essencialmente por formas de fabricação não-
‘capital intensivo’, pelos serviços não modernos fornecidos a ‘varejo’
36
e pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão (SANTOS, 2008, p. 40, grifos nossos).
Mas, apesar de ambos os circuitos terem conteúdos e fins distintos, eles não
são excludentes entre si, e “[...] não são dois sistemas isolados e impermeáveis
entre si, mas, ao contrário, estão em permanente interação. [Porque] Relações de
complementaridade e concorrência resumem toda a vida do sistema urbano”
(SANTOS, 2008, p. 261).
Na verdade, como podemos depreender do trecho citado, a não dualidade
entre os dois circuitos já estava anunciada desde a primeira edição da obra em
discussão. O que faltou foi clareza ao debate acadêmico para entender que ambos –
o circuito superior e o inferior – não eram excludentes, não eram duais. Ousamos
ponderar que ambos os circuitos podem até ser considerados duais entre si quanto
à forma, à aparência; mas, quanto à função, à cooperação, à solidariedade, ambos
são interdependentes. Eis por que permeáveis entre si.
Há então que precisarmos melhor estes dois circuitos. Para Santos (2008),
“O circuito superior originou-se [...] da modernização tecnológica e seus elementos
mais representativos hoje são os monopólios. O essencial das suas relações ocorre
fora da cidade e da região que os abrigam e tem por cenário o país ou o exterior”
(SANTOS, 2008, p. 22); enquanto que “O circuito inferior, formado de atividades de
pequena dimensão e interessando principalmente às populações pobres, é, ao
contrário, bem enraizado e mantém relações privilegiadas com sua região”
(SANTOS, 2008, p. 22). E assim, enquanto o primeiro abrange as escalas nacional e
global; o segundo, apenas a escala local, o interior da cidade, da sua periferia até o
seu entorno.
Mas sabemos que o debate em torno dos “circuitos da economia urbana”, de
Santos (2008) não se encerra nesta citação. Afinal, ocorrem atividades do circuito
superior também no interior da cidade. Se atividades modernas é que constituem
este circuito, hoje, sabemos da importância das cidades como nós dos sistemas
urbanos regionais, projetando-se em cadeias à escala global.
Desta forma, há que atualizarmos a discussão à luz de como vem se
desencadeando na realidade. Diríamos então que o circuito superior tem sua ação
e/ou influência mais voltada para o exterior da cidade, mas não que ele prescinda de
estar presente no interior da cidade. É com base na gama de recursos técnicos
37
necessariamente ancorados na cidade, e o período no qual a humanidade está
inserida, que o próprio Santos (1999) anuncia em sua obra “A natureza do espaço”,
que o “meio técnico-científico-informacional”, ao prescindir da cidade, significaria
desmanchar solidariedades, relações necessariamente estabelecidas em função das
hierarquias entre os centros de um mesmo sistema urbano. Portanto, sustentamos
nosso ponto de vista de que o circuito superior se faz presente também na escala
local, qual seja, no meio intraurbano.
Mas, a propósito do pensamento de Santos (2008), essa abrangência dos
dois circuitos da economia urbana nos interessa porque
[...] cada cidade tem, na realidade, duas áreas de mercado, correspondendo cada uma delas a um dos circuitos da economia urbana. Mesmo nas regiões de influência urbana mais ricas dos países subdesenvolvidos mais avançados, reconhece-se a existência desses dois subsistemas econômicos [...]. A influência territorial de uma aglomeração divide-se entre os dois circuitos da economia urbana. Cada cidade tem, portanto, duas zonas de influência de dimensões diferentes, e cada zona varia em função do tipo de aglomeração, do mesmo modo que o comportamento de cada um dos circuitos (SANTOS, 2008, p. 353).
E é a partir dessa abrangência ou zona de influência dos circuitos da
economia urbana que Santos (2008) questiona a validade da Teoria dos Lugares
Centrais para países subdesenvolvidos, defendendo categoricamente: “A teoria dos
lugares centrais, tal como é proposta, atualmente, não se aplica aos países
subdesenvolvidos” (SANTOS, 2008, p. 353, grifos nossos). E a forma segundo a
qual a teoria de Christaller é proposta, na interpretação de Santos (2008), é sobre as
proposições de “limiar” e de “alcance” que o referido autor recomenda: “[...] as
noções de limiar [...] e de alcance [...] devem ser revistas por causa da existência
do circuito interior inferior” (SANTOS, 2008, p. 359, grifos nossos).
E assim, se da forma como a referida teoria foi enunciada, não há viabilidade
em utilizarmos suas proposições para compreender o tamanho, o número e a
distribuição dos centros de um dado sistema urbano num país subdesenvolvido,
Santos (2008) propõe então que o “hexágono de Christaller” seja apresentado de
forma diferente, levando-se em conta a existência dos dois circuitos da economia
urbana, por ele defendidos. Isto porque, além da crítica à aplicabilidade da Teoria
dos Lugares Centrais em países subdesenvolvidos por vários autores, recai também
sobre essa teoria a discussão sobre as noções de limiar e alcance, igualmente
38
criticadas por outros tantos autores, os quais são apresentados por Santos (2008),
sobre os quais não julgamos oportuno discorrer neste momento.
Sabemos que Christaller, em 1933, com a sua teoria, lançou um olhar sobre
as cidades do sul da Alemanha, uma proposição urbanorregional, portanto. Mas,
igualmente sabemos que o espaço intraurbano, de 1933 à atualidade, passou por
significativas transformações, adquirindo uma complexidade equivalente, até mesmo
superior à complexidade que envolve uma região, desde a época do lançamento da
TLC. Isto posto, lançamos mão do pensamento de Queiroz; Braga (1999, p. 2), que
precisam:
A teoria do lugar central desenvolvida por Christaller [...] não se preocupa com a questão da localização mas sim com a organização do espaço, ou seja, como uma cidade devido a uma série de características próprias possui uma centralidade em relação às demais localidades do seu entorno.
Com isso, esses autores projetam, ao nosso ver, a Teoria dos Lugares
Centrais para o espaço intraurbano, igualmente a Santos (2008), ao confrontar as
proposições da referida teoria com a presença dos dois circuitos da economia
urbana no interior de cada cidade.
Entretanto, não queremos dizer com isto que possamos agora limitar a teoria
de Christaller ao espaço intraurbano, nem tampouco proceder a uma simplória
transposição. Mas, na verdade, partir do intraurbano para o seu entorno, o
urbanorregional. Ademais, uma teoria que se prestou a explicar o espaço não
haveria de limitar-se a apenas uma escala – a regional –, principalmente na
contemporaneidade, em tempos de intenso processo de globalização, quando os
meios técnicos subsumem as distâncias, e as relações de trocas não seguem à risca
uma hierarquia entre escalas geográficas.
Este esforço de uma leitura da TLC, transpondo-a do urbanorregional para o
intraurbano, faz-se necessário pelo fato de o nosso recorte espacial ser o espaço
urbano da Cidade do Natal, passando ainda por uma delimitação que considera
áreas consagradas como centrais, que abrangem os bairros: Cidade Alta, Ribeira e
Alecrim, aos quais denominamos Núcleo do Centro histórico de Natal; Tirol e
Petrópolis, bairros concentradores serviços privados de saúde (TAVARES, 2010) e
de comércio; e corredores de tráfego, representados pelas Avenidas Hermes da
Fonseca, Senador Salgado Filho e Engenheiro Roberto Freire, enquanto “corredor
39
dos shopping centers”; e ainda pelas Avenidas Prudente de Morais e Doutor João
Medeiros Filho, concentradoras de comércio e serviços. Essa é a área de estudo,
para a qual voltaremos nossa atenção nesse trabalho (Mapa 01).
41
Retomamos a discussão sobre a projeção da Teoria das Localidades
Centrais entre as escalas geográficas, considerando ainda que a cidade “[...] vem
seguindo os contornos da economia mundial atual, e os efeitos da globalização
sobre o espaço tomam formas e se expressam com maior intensidade nela, visto
que é o ‘locus’ da produção capitalista” (ARAÚJO, 2004a, p. 49). Neste sentido,
A cidade atual ganha importância na economia globalizada por sua condição em concentrar estruturas e processos que atendem à atual fase de produção/reprodução capitalista – a acumulação flexível. Ela concentra os serviços especializados de apoio à produção, infra-estruturas de telecomunicações e transportes avançados; enfim, ela é o nó da rede mundial da produção capitalista (grifo da autora).
Reafirmamos então que não podemos, apesar de estarmos focando o
espaço intraurbano, prescindir da referida teoria de Christaller, tão somente porque a
mesma fora concebida numa escala geográfica urbanorregional. Há, sim, que
dialogarmos com os seus enunciados, bem como estabelecer pontes com diálogos
acadêmicos mais contemporâneos sobre a temática centralidade urbana, os quais
indicam abordagens diversas para o tema, tendo por base processos que se
desencadeiam na produção do espaço urbano, e que geram diversas possibilidades
de apreensão da centralidade urbana contemporânea. E assim, face à
heterogeneidade do espaço urbano, permeado de conteúdos e formas diversas,
resultantes de processos igualmente diversos, a centralidade então que se conforma
nesse espaço se faz de natureza diversa. É sobre o que pretendemos discorrer na
próxima subseção.
1.2 A diversificação da natureza da centralidade urbana por seus conteúdos processos e formas
Tendo por base que tomamos como ponto de partida a Teoria dos Lugares
Centrais, a qual voltou seu olhar para o espaço urbanorregional, por tratar dos
lugares centrais do sul da Alemanha, nossa direção a partir de então persegue o
esforço de examinar a natureza da centralidade urbana em Natal, elegendo a partir
de então o espaço intraurbano. É o momento de verticalizarmos as discussões,
voltando-nos aos conteúdos, processos e formas que engendram a centralidade
urbana, apreendida em sua dinâmica no contexto da produção do espaço.
A natureza da centralidade urbana, ou seja, o que a constitui, a sua
42
essência, pode apresentar-se tão diversa o quão são os processos desencadeados
na produção e/ou apropriação do espaço urbano. E para darmos continuidade à
discussão desse conceito, buscamos nos apropriar do conceito de natureza, o qual,
precisamente, segundo acepção filosófica, é “Aquilo que compõe a substância do
ser; essência” (HOUAISS, 2009, não paginado).
Assim, a natureza, a essência, esse é, ao nosso ver, o ponto de partida para
compreendermos a dinâmica da centralidade; uma natureza prenhe de movimento,
de fluxos, de trocas, de encontros. E a centralidade urbana pode ser ora
convergente, por sua capacidade atrativa de fluxos; ora divergente, por sua
capacidade, tanto de influenciar, por meio do atendimento às demandas da
sociedade quanto a bens e serviços, os quais, algumas vezes, terão seu consumo
efetivado fora do centro no qual incide certa centralidade; quanto pelo seu processo
de deslocamento, o qual parte de um centro e se dirige à periferia – vista enquanto
área de expansão para onde se dispersam as centralidades urbanas.
Lançaremos um olhar sobre algumas discussões acerca do conceito de
natureza, num intercâmbio dialógico com o conceito de natureza da centralidade, por
sua importância neste estudo. Iniciamos a partir do conceito de natureza, que vem
de Raimundo Lúlio, filósofo da Ilha Maiorca, do arquipélago leste da Espanha, o qual
viveu entre 1232-1316 d.C. Lúlio “[...] lutou toda a sua vida para tornar conhecido um
novo método de ver a realidade” (JAULENT, 2014, p. 2). E como sabemos, a
realidade é sempre mutável, está sempre a se refazer, uma vez que é modificada
pelo ser humano, que, igualmente, apresenta-se sempre um ser incompleto, em
busca de completude. Daí, Jaulent (2014), ao revisitar o conceito clássico de
natureza, segue o pensamento de Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384-322
a. C., e nos diz que
[...] a filosofia tradicional sempre entendeu por natureza de uma substância ‘um princípio intrínseco de movimento’. Portanto, a
noção de natureza, segundo essa interpretação, terá de ser análoga: algumas vezes será a forma da substância, outras a matéria e, na maioria dos casos, uma vez que princípio e fim se correspondem, a essência – aquilo que se gera –, por ser esta o fim dos movimentos naturais da geração (JAULENT, 2014, p. 2-3, grifos
nossos).
Ao resgatemos o pensamento do autor seguindo nossos grifos, identificamos
uma semelhança do pensamento do autor ao que vimos defendendo, de que
43
centralidade urbana, em sua essência, é movimento, é fluxo, pela função que tem,
de acordo com a oferta de bens e serviços a serem trocados na cidade. Já esta
centralidade se expressa materialmente por meio dos centros intraurbanos, os quais
se conformam na cidade, que por sua vez, é igualmente dinâmica, permeada de
movimentos de troca, do ir e vir cotidiano da sociedade nela presente. Temos então
que centralidade, por sua natureza, sua essência, é movimento. A centralidade
urbana é então gestada no movimento. É o movimento da vida urbana que gera e
refaz a centralidade continuamente, à baila da dinâmica da cidade, porque “A cidade
autêntica, constantemente se refaz” (FERNANDES, 2014, Informação Verbal12).
Anunciamos então nossa tese acerca da natureza da centralidade, propondo
que a mesma é, essencialmente, diversa. Isto significa dizer que, partindo do
pressuposto de que o espaço urbano é permeado de uma gama imensurável de
conteúdos, processos e formas, os quais são resultantes da ação dos vários estratos
sociais presentes nesse espaço, agindo segundo suas demandas e/ou interesses, a
centralidade urbana, enquanto ponto de convergência e/ou atratividade da ação
humana, seja no âmbito simbólico ou econômico, igualmente se configura numa
diversidade.
Os conteúdos da centralidade são os bens e serviços nela postos ao
movimento da troca, do atendimento à demanda por parte da sociedade, a qual é
atraída para as centralidades urbanas, pelos conteúdos que as mesmas têm a
oferecer. Enquanto que as formas são o aparato material no qual esses conteúdos
estão dispostos para troca, ou seja, as formas comerciais, as quais se apresentam
através de centros e/ou alamedas comerciais, shopping centers, hipermercados,
atacarejos, galerias de lojas, ruas de comércio, “camelódromos”, edifícios
empresariais, lojas particulares, lojas de franquias – as quais consistem em
repetições de espaços comerciais (PINTAUDI, 2015, Informação verbal)13 –, entre
outras.
Mas a diversidade da natureza da centralidade não reside tão somente na
diversidade de seus conteúdos, processos e formas. Há que aprofundarmos um
pouco mais o conceito de natureza. Ao buscarmos a natureza da centralidade
urbana, estamos buscando a sua constituição, a sua essência. Assim, “Tenha-se em
12 Aula-palestra ministrada por José Alberto Rio Fernandes, em Natal, em dezembro de 2014. 13 Aula ministrada por Silvana Maria Pintaudi, em Natal, em março de 2015.
44
conta que a essência expressa, num entre concreto, as razões do ato de ser desse
ente e, portanto, pertence a uma ordem distinta do ser. A essência é abstrata; o
existente, concreto” (JAULENT, 2014, p. 3).
Neste sentido da diversidade da natureza da centralidade, se o espaço
urbano adquire complexidade e/ou heterogeneidade por seus conteúdos, processos
e formas, expressos tanto de forma material quanto abstrata, diversa é a apreensão
deste espaço, se o analisamos sob a ótica da centralidade, a qual é abstrata, é
movimento, é condição de atratividade às atividades desenvolvidas nos centros da
cidade.
Isto significa dizer que, de acordo como se configuram os conteúdos,
processos e formas da centralidade urbana, expressos por meio do centro de uma
cidade, juntamente com seus subcentros, é que a natureza da centralidade se
apresenta diversa, porque são estes conteúdos, estes processos e estas formas que
concorrem para que a natureza da centralidade se constitua de forma diversa,
conforme já expusemos anteriormente, ao explicitarmos o pressuposto da nossa
tese. Ou ainda, reforçando sobre a natureza da centralidade, significa dizer que lhe é
próprio ser diversa, pelo fato de esta integrar o contexto urbano em toda a sua
dinamicidade, por ser peculiar ao processo de produção-reprodução do espaço
urbano capitalista.
Nosso interesse é apreender a natureza diversa dessa centralidade que se
conforma no espaço urbano de Natal, segundo seus conteúdos, processos e formas,
que, segundo literatura atinente à temática, configura-se na contemporaneidade
como um “multipolicentrismo” (SPOSITO, 2010). Para explicar e caracterizar essa
condição de multipolicentrismo que se conforma no espaço urbano, a autora aponta
que
A redefinição da centralidade urbana, no interior das cidades, ganha cada vez mais importância em função de quatro dinâmicas que marcam as transformações em curso neste fin-de-siècle14: 1. As novas localizações dos equipamentos comerciais e de serviços concentrados levam a mudanças na estrutura e no papel do centro principal ou tradicional, o que provoca uma redefinição do centro, da periferia e da relação centro-periferia; 2. A rapidez das transformações econômicas que marcam a passagem do sistema produtivo fordista para formas de produção flexíveis impõe mudanças na estrutura interna das cidades e nas
14
Fim de século (tradução nossa).
45
relações entre as cidades de uma mesma rede; 3. A redefinição da centralidade urbana não é uma dinâmica nova, porém adquire novas dimensões se consideramos o impacto das transformações atuais, não somente nas metrópoles e grandes cidades, mas também nas cidades de média importância; 4. A difusão do uso do automóvel e o aumento da importância do lazer e do tempo destinado ao consumo reorganizam o quotidiano das pessoas e a lógica de localização dos equipamentos comerciais e de serviços (SPOSITO, 2010, p. 199, grifos nossos).
Em função do exposto na citação, retomamos alguns pontos que podem ser
cotejados em nosso objeto de estudo. Da primeira dinâmica indicada pela autora
sobre as novas localizações do comércio e dos serviços, observamos que essa
dinâmica vem se desenvolvendo no espaço urbano de Natal desde a instalação do
Hiper Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, que desencadeou um processo
deimplantação de shopping centers, os quais já conseguem consolidar uma imagem
de “corredor dos shopping centers”, até mesmo junto ao poder público, num eixo
viário formado pelas avenidas: Hermes da Fonseca, Salgado Filho e Roberto Freire,
o qual consiste num dos focos da nossa pesquisa empírica, dada a sua importância
para a centralidade urbana em Natal. Mas, além dos shopping centers, outras
formas comerciais se conformam em Natal, como lojas de atacado de ampla
superfície e autosserviço – os “atacarejos”; corredores de tráfego, margeados de
lojas de conveniência e serviços diversos; áreas especializadas em serviços
médicos e de ensino, entre outras formas.
Essas conformações que a centralidade vem adquirindo no espaço urbano,
representadas na segunda dinâmica apontada por Sposito (2010), decorrente da
fase de acumulação flexível, causando “mudanças na estrutura interna” da Cidade
do Natal, podem ser identificadas na forma como o centro tradicional da cidade se
espraia de forma descontínua, criando vários centros, segundo uma configuração de
policentrismo, porque não solidários ou complementares entre si, antes,
concorrentes, como indica Sposito (2010, p. 205):
As zonas rivalizam entre si na medida em que cada uma delas tenta ampliar sua capacidade de atração. Essa competição entre interesses, indicando um nível de articulação que não corresponde sempre a uma complementaridade, pode permitir-nos falar de policentralidade.
Sabemos que esse processo se configura nas cidades contemporâneas,
46
representado, como já indicamos, evidenciado por uma concorrência entre o centro
tradicional e as áreas especializadas em comércio e serviços, áreas essas que
expandem o tecido urbano da cidade, à baila da localização de novas áreas de
moradia, dos eixos de integração urbanorregionais, da implantação de grandes
superfícies de centros de distribuição ou da valorização imobiliária no entorno
ameno da cidade, entre outros fatores.
Ainda sobre essa relação entre novas configurações da estrutura interna da
cidade, gerando multi e poli centralidade, a autora explica: “[...] se constatamos a
existência de mais de um centro, temos uma multicentralidade. Se constatamos
diferentes níveis de especialização e importância entre esses centros, estamos em
face de uma policentralidade” (SPOSITO, 2010, p. 205, grifos em itálico e
sublinhado: da autora). Identificamos relação entre essa explicação e a terceira
dinâmica por que passa a centralidade urbana, e da qual fala a autora citada, ao
dizer que são as novas dimensões da centralidade: “Os novos centros comerciais
multiplicam a centralidade, mas não reproduzem a polaridade do centro principal”
(SPOSITO, 2010, p. 213).
Na verdade, ao concordamos com o pensamento da autora, estamos
admitindo a diversificação da natureza da centralidade, a qual não se faz somente
em função de um centro uno, forjado pelas funções comercial e histórica, mas
estamos, na contemporaneidade, diante da conformação de um centro diverso, em
oposição ao centro uno. E esse centro é diverso exatamente porque os conteúdos,
processos e formas que se desencadeiam no espaço urbano os são. Igualmente, já
não há mais uma polaridade centro-periferia nas cidades, porque são diversos os
centros, e diversas igualmente são as periferias. Há, sim, “A tendência crescente à
especialização espacial, que a nova redistribuição das atividades comerciais e de
serviços conduz, expressa pela multi(poli)centralidade urbana, [e que] leva a
reconsiderar a relação entre centro e periferia” (SPOSITO, 2010, p. 213).
E por fim, a quarta dinâmica de redefinição da centralidade urbana defendida
pela autora, que ressalta o uso do automóvel, bem como a importância que a
sociedade dedica ao lazer, e o tempo que esta sociedade ocupa para o consumo.
Estas três condições são bastante visíveis e influentes na conformação da
centralidade urbana em Natal. E para evidenciarmos essa afirmação, apenas
retomaremos o que já defendemos anteriormente: as novas formas comerciais
espraiaram o tecido urbano da cidade, dotado-o de equipamentos de comércio e de
47
serviços, requerendo assim o uso do automóvel nos deslocamentos diários, sendo
também esse mesmo uso do automóvel fomentador de novas formas de
centralidade; a importância dada ao lazer, na cidade em tela, é um dos fatores
geradores de centralidade, face à atividade turística, que é parte integrante da
economia natalense; o tempo que se destina ao consumo é outra evidência, face ao
“eixos dos shopping centers”, sobre o qual já falamos, indicando que estes
equipamentos reúnem, ao mesmo tempo, consumo e lazer. Mas essas são
evidências empíricas sobre as quais discorremos em seções posteriores, de posse
de evidências mais plausíveis, como dados resultantes do trabalho de campo.
Retomamos a tese de que a natureza da centralidade urbana é diversa, por
seus conteúdos, processos e formas. E que, para atrair-irradiar fluxos, a centralidade
urbana conta com a referida diversidade da sua natureza, a qual, necessariamente,
há que ter:
a) conteúdos – que possam atrair pessoas interessados nas trocas destes;
b) processos – os quais dão movimento, vida ao centro, configurando-se
assim em relações de encontros de qualquer natureza;
c) formas – as quais abrigam os encontros, as relações de troca, onde os
bens são dispostos, onde os encontros são marcados, enfim, a forma física, a
expressão visível da centralidade, numa palavra, o centro por excelência.
Entendemos que esses três componentes – conteúdos processos e formas –
concorrem de modo interdependente para a conformação da natureza da
centralidade urbana. E sendo estes diversos, igualmente é diversa a centralidade
urbana. Dessa forma,
A cidade centraliza porque concentra atividades econômicas e lúdicas, porque ela é o espaço do exercício e da representação do poder e da cultura de uma sociedade. O centro é, pois, o espaço de excelência e a expressão dessa concentração; ele é o ponto de
integração geográfica e social (SPOSITO, 2010, p. 201, grifos nossos).
Fazendo uma “ponte” entre as recentes leituras que vem sendo
desencadeadas no meio acadêmico acerca da centralidade urbana e a clássica
teoria de Christaller, em 1933, buscamos nem tampouco passar ao largo do clássico
“Hexágono de Christaller”, nem tanto pretender aplicar a referida teoria para explicar
uma realidade de vasto lapso de espaço-temporal.
48
Reforçamos que apesar de nosso objetivo principal ser explicitar a natureza
da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos, processos e formas
que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua diversificação, e
que o processo investigativo se orienta pela teoria da produção do espaço, não
podemos prescindir de um exame criterioso à clássica Teoria das Localidades
Centrais, sob pena de não termos nos provido adequadamente do ponto de vista
teórico, ou não termos cumprido bem nossa missão neste trabalho. Enfim, há algo
que nos impele a isto.
Neste sentido, seguimos em nossa reflexão, sobre qual seria a contribuição
contemporânea da teoria de Christaller para, partindo dela, propormos uma
apreensão ideal para analisar o espaço urbano, permeado por uma infinidade de
elementos e relações, que vão desde a escala local à global. Ao nosso ver, o
caminho se daria por meio de um enfoque centrado nos conteúdos, processos e
formas presentes no processo de produção do espaço urbano.
E para tratarmos as novas expressões de centralidade, nosso olhar teórico-
empírico abrange desde a década de 1980 – início da estruturação deste processo –
à contemporaneidade, visto que tal período corresponde, tanto no âmbito teórico
quanto no empírico, respectivamente, a partir de quando o tema “centralidade” foi
retomado na geografia urbana, e de quando o processo de descentralização passou
a ser visualizado no espaço urbano em geral.
A respeito da inserção das discussões teóricas acerca da temática
centralidade na geografia urbana, Reis (2007) trata do assunto, ao desenvolver sua
tese de doutoramento, sob os conceitos de descentralização e desdobramento do
núcleo central; e, mais diretamente, por ocasião do IX SIMPURB, ao dizer que há
uma “[...] retomada dos estudos sobre a centralidade intra-urbana, a partir de uma
perspectiva analítica dedicada à identificação dos padrões de localização da
atividade terciária [...], de forma significativa, a partir dos anos 1980” (REIS, 2005, p.
7).
Concordando com outros autores sobre o período de projeção destes
estudos na análise espacial intraurbana, Reis (2005, p. 8) defende que “Se, por um
lado, é possível reconhecer que as manifestações do fenômeno [...] remete à
década de 1970, as primeiras formulações teóricas mais gerais serão, contudo,
elaboradas e disponibilizadas ao longo da década de 1980.” Ressaltamos aqui as
palavras de Corrêa (1997; 2005), ao reconhecer que é com Milton Santos, em “O
49
espaço dividido” (2008), que tal discussão se inseriu no Brasil. Eis por que a
projeção da nossa investigação se faz a partir da década de 1980.
Nesse contexto, a relevância da proposta de uma revisão da Teoria das
Localidades Centrais no âmbito da geografia urbana não é recente, visto que
perdura do último quartel do século XX. Mas é atual, por não se ter ainda esgotado
nos âmbitos empírico e teórico, haja vista sua projeção na realidade urbana requerer
novas leituras para a temática centralidade.
Entendemos que, dada a notável formação de novas centralidades, analisar
o espaço urbano segundo essa temática é uma forma de apreender a atualidade da
produção e estruturação do espaço urbano, o qual se apresenta geralmente de
forma fragmentada, demandando uma gama de apreensões.
Na contemporaneidade, o tema centralidade urbana ganha destaque nos
estudos voltados ao urbano, precisamente, alinhado a temas como o comércio, o
consumo e os serviços. Eis então porque julgamos prudente aproximarmo-nos
inicialmente da teoria Christaller, procedermos a um exame da mesma para então
tentar construir “pontes” junto aos debates acadêmicos contemporâneos, e
podermos assim contribuir para uma leitura razoável acerca da diversidade da
natureza da centralidade urbana presente na Cidade do Natal.
Da aproximação com a temática, descortinam-se conceitos como
centralidade, centro e descentralização, os quais se inserem em diversos contextos
urbanos que concentram a maior parte da humanidade, configurando-se assim como
espaços de trocas, de fruição e de sociabilidade. Conceitos estes continuamente
presentes nos debates acadêmicos em torno da centralidade urbana. Neste sentido,
por entendermos que tais conceitos emanam principalmente da realidade urbana,
cumpre-nos discorrer a respeito do processo de produção desse espaço.
A respeito do processo de produção do espaço, Carlos (1982, p. 105) nos
diz que “O espaço geográfico é produzido concomitantemente ao processo de
produção da existência humana. Portanto, não é estático, nem acabado, mas uma
produção humana ininterrupta.” Ao abordar o movimento contínuo de produção,
visando a atender à reprodução da sociedade e do capital, a referida autora nos
conduz à reflexão a respeito também da reprodução do espaço. Propõe então
Carlos (1994, p. 34) que para apreendermos o
[...] espaço como produto social e histórico se faz necessário articular
50
dois processos: o de produção e o de reprodução. Enquanto que o primeiro se refere ao processo específico, o segundo considera a acumulação do capital através de sua reprodução, permitindo apreender a divisão do trabalho em seu movimento.
O espaço geográfico capitalista é, dessa forma, resultado da dinâmica de
reprodução do capital e da sociedade. Para este fim, tanto o capital quanto a
sociedade se utilizam do espaço como substrato, como base logística de seu
processo de reprodução.
Consideramos então, concordando com Carlos (1994, p. 90) que, no
processo de produção-apropriação, o espaço apresenta dois “modos de uso”: o
primeiro se refere ao uso para o capital, enquanto espaço da produção; ao passo
que o segundo modo de uso é próprio do uso por parte da sociedade, enquanto
espaço do consumo.
Destes dois modos de produção-apropriação é que resulta a condição de
heterogeneidade do espaço geográfico, dado que são interesses, processos e usos
diversos que estão em jogo contínuo por parte da sociedade, resultando igualmente
na reprodução deste mesmo espaço.
Veremos mais adiante que estes “modos de uso” estarão presentes nas
discussões acerca dos centros de distribuição de bens junto à sociedade, refletindo-
se, portanto, no consumo; bem como naquelas discussões em relação à reprodução
do capital, dado que é, na comercialização para o consumo, que o processo de
reprodução do capital completa o seu ciclo, por meio do lucro.
Ademais, veremos que são os atributos, as peculiaridades do espaço que
irão fazer com que este seja valorizado, vendido e apropriado em fragmentos ou
parcelas do espaço, segundo os níveis de renda de quem pode comprar.
E por ser produzido no sentido de atender a esses dois focos de interesse –
reprodução do capital e reprodução da sociedade –, a produção do espaço ocorre
de forma dinâmica e contraditória, em permanente processo de produção-
reprodução.
Configuram-se então, sucessivamente, formas e processos diversos, os
quais constituem a heterogeneidade do espaço. Neste sentido, concordamos com
Andrade (1984, p. 17), que em sua obra “Poder Político e Produção do Espaço” nos
diz que
51
O processo de produção do espaço é [...] dinâmico, está permanentemente em ação e permanentemente em reformulação. Em sendo dinâmico é também dialético, de vez que a evolução da sociedade e a ação do Estado que a representa não se procedem de forma linear, mas sofrem contestações, contradições que reformulam os princípios e as ações.
Essa condição de dinamismo do espaço se faz em função dos interesses
engendrados pelos agentes produtores do espaço – proprietários dos meios de
produção; proprietários fundiários; promotores imobiliários; Estado; excluídos
(CORRÊA, 1989) – pela apropriação que fazem deste espaço, visto que o mesmo é
produzido no sentido de atender às necessidades do processo de reprodução de
entes detentores de interesses antagônicos, quais sejam: o capital e a sociedade.
Fazendo eco às palavras de Andrade (1984), e sendo contemporâneo no
debate acadêmico, Corrêa (1989), cujo pensamento invocamos anteriormente,
apresentou-nos assim os “agentes produtores do espaço”, em sua obra “O espaço
urbano”, discorrendo claramente como o poder político se projeta na produção do
espaço urbano.
Para atender às necessidades de reprodução do capital e da sociedade, o
espaço geográfico é
[...] um produto material em relação com outros elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas, que dão ao espaço (bem como a outros elementos da combinação) uma forma, uma função e uma significação social (CASTELLS, 1983, p. 146, grifos do autor).
E a respeito dos elementos do espaço aludidos nesse trecho, há que
estabelecermos um diálogo com o pensamento de Santos (1988, p. 6), o qual
elenca, define e/ou aponta as funções de cada um dos elementos do espaço:
Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de
fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso [...]. As firmas têm como função essencial a produção de bens, serviços e ideias. As instituições por seu turno produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano. As infra-estruturas são o trabalho humano materializado e
geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc (Grifos nossos).
52
Entendemos que estes cinco elementos – homens, firmas, instituições, meio
ecológico e infraestruturas – estão presentes em nossa discussão, mesmo que em
intensidade variável entre si. Identificamos a presença de tais elementos da seguinte
maneira:
1) os homens – enquanto agentes produtores do espaço, pela sua força de
trabalho; e enquanto consumidores, em função da sua reprodução dessa força de
trabalho;
2) as firmas – que influenciam no uso do solo, seja para o comércio, os
serviços, a habitação, o lazer, entre outros usos, configurando-se uma diversidade
na natureza das atividades produtoras de espaço;
3) as instituições – as quais influenciam a produção e o consumo do espaço
no plano jurídico-político, por meio dos planos e projetos capitaneados pelo Estado;
4) o meio ecológico – que em nosso caso, corresponde ao contexto urbano
de Natal, tendo como foco seus centros e centralidades que se conformaram à baila
da evolução das atividades econômicas desenvolvidas na cidade ao longo do
processo de produção-reprodução do espaço urbano;
5) as infra-estruturas – que concorrem de forma significativa para o
desenvolvimento e/ou fechamento – isolamento, fragmentação – de centros de
comércio e de serviços, e que se conformam ao elemento ‘instituições’, dado que
são uma expressão da ação das mesmas.
A produção do espaço geográfico se faz então por meio de processos, os
quais resultam na criação de formas, que são recriadas segundo eventos
sucessivos. A respeito das formas, é importante resgatarmos o pensamento de
Santos (1999, p. 83), ao afirmar que
A idéia de forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa idéia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistema de objetos e sistemas de ações.
Essas noções nos dão uma visão de um espaço heterogêneo, produzido e
apropriado por atores sociais diversos, segundo interesses igualmente distintos.
Desse modo, aduz-nos a estabelecer uma relação da ideia de “forma-conteúdo” com
o tema centralidade urbana, o qual tem, em sua condição de atrair-irradiar fluxos,
representados o conteúdo e o processo; enquanto que nas formas comerciais – ou
53
centros de comercialização –, a representação da forma, a qual é resultado ou
expressão material do referido processo.
E como próprio do processo de produção do espaço sob a égide do
capitalismo, é um espaço de contradições e conflitos entre grupos sociais, políticos e
econômicos. Isto porque
[...] o processo de produção do espaço fundado nas relações de trabalho entre os homens e a natureza coloca-se como uma relação que deve ser entendida em suas várias determinações, econômica, política, social, ideológica, jurídica, cultural, filosófica (CARLOS, 1994, p. 23).
Assim, o capital se consolida e cria novos espaços – no caso em tela, as
novas centralidades, expressas por seus centros de comercialização –, gerando
potencialidades a serem incorporadas em seu circuito produtivo.
Lembramos que a produção do espaço se insere no contexto de produção-
reprodução desigual e combinado do capital. Mesmo porque
[...] se desenvolve de modo antagônico e contraditório, [assim], o processo de produção também apresentará esses mesmos antagonismos, o que implica, em última análise, num desenvolvimento espacial desigual; fenômeno este comandado e determinado pelo processo de acumulação do capital (CARLOS, 1982, p. 108).
O urbano, lócus privilegiado de reprodução do capital, esta desigualdade se
expressa segundo as diversas formas de apropriação e consumo do espaço, de
acordo com a estratificação social de classes e a gradação de níveis de renda da
sociedade presente neste espaço.
A centralidade urbana é uma das formas expoentes da concentração de
capital, em seu processo de reprodução, sendo igualmente uma estratégia
importante nesse processo. Por ter o comércio estreita relação com a centralidade
urbana, Pintaudi (2009), enquanto estudiosa do comércio e das práticas de consumo
no Brasil, ao desenvolver suas investigações e reflexões, enfatiza a importância que
o conceito de centralidade assume face ao sistema financeiro. Mesmo porque,
[...] no Brasil, no que tange aos espaços comerciais, destaca-se uma concentração que não é apenas territorial, mas também financeira, evidenciando esses lugares como produtos da acumulação do
54
capital. A tendência à concentração se acentua com o passar do tempo, e é condição para a elaboração de novos espaços, novas sociabilidades, novos modos de vida (PINTAUDI, 2009, p. 58).
E assim, em função da reprodução do capital, segundo as palavras da
referida autora, a produção do espaço urbano segue em seu processo contínuo,
gerando novos espaços, sociabilidades e modos de vida. Eis por que novas
centralidades são continuamente criadas, requerendo não mais apenas uma única
leitura da centralidade, com base em um modelo hipotético, estático, como o de
Christaller, mas apropriando-se do que o referido autor pôde oferecer, e com ele
estabelecendo diálogo, consorciando seu pensamento às discussões acadêmicas
contemporâneas, devidamente cotejadas pela realidade foco da pesquisa à qual nos
propomos a desenvolver.
Ao empreendermos esse diálogo, procederemos a novas leituras do
conceito de centralidade urbana, uma vez que o referido conceito se alinha ao
processo de reprodução do capital e da sociedade, fomentador de novas formas
comerciais, as quais indicam novas centralidades em gênese contínua no espaço
urbano.
A respeito da relação entre a dinâmica urbana e centralidade, Pintaudi
(2009, p. 58) defende:
Se, num primeiro momento da expansão urbana, o surgimento de novas centralidades acompanhava novas áreas ocupadas, isto não se verifica na atualidade: hipermercados e shopping centers são
capazes de criar e se antecedam à própria expansão da cidade, melhor dizendo, se antecipam à cidade. São determinantes na criação do entorno e lhe conferem sentido (grifos da autora).
Também o pensamento de Corrêa (2005, p. 2), em suas discussões por
ocasião do IX SIMPURB, alinha-se a essa discussão, ao enfatizar: “Os shopping
centers, os distritos administrativos e os novos centros empresariais difundem-se,
alterando a organização espacial de grande parte da cidade, em particular a sua
Área Central.”
Apresentada essa discussão inicial sobre a importância da centralidade no
contexto urbano atual, voltemo-nos à sua forma de expressão material, que é o
centro. Este é considerado o “[...] principal foco da economia da cidade, que
concentra de maneira singular a mais diversificada, maior e melhor oferta de funções
55
centrais e que possui os mais elevados valores de uso do solo urbano” (REIS, 2005,
p. 5). A definição de centro, para o autor em diálogo, está relacionada
exclusivamente à dimensão econômica da centralidade. E esta é uma tendência no
pensamento de tantos outros autores cujas obras examinamos. Indica assim que o
econômico é proeminente no espaço urbano, figurando como a natureza excelente
de centralidade urbana face às demais, apesar de não prescindir das mesmas,
porque há uma condição de mutualidade que perpassa entre as diversas expressões
de centralidade urbana, conforme a natureza de cada uma.
Já na discussão sobre centro e centralidade, Pintaudi (2009, p. 58)
estabelece uma diferença:
O centro urbano é aquele que guarda a memória da cidade, [é] histórico, permanece. [...] Já a centralidade é mutável no tempo, embora vários aspectos concorram para a sua permanência, tais como a rede viária e a própria produção do espaço para determinados usos (grifos nossos).
Vemos que a preocupação da autora se volta para a inércia do centro, em
oposição à dinâmica da centralidade. Inércia esta que vai muito além da forma, a
qual nem sempre permanece, sendo, na maioria das vezes, modificada em reformas
que visam a dar um ar de modernidade ao centro comercial. A inércia da qual a
autora fala se refere à memória, à condição de ser centro, por guardar a memória, o
patrimônio histórico e cultural do lugar, até mesmo perdendo sua condição de
centralidade comercial.
Já a centralidade é defendida pela autora como algo em movimento, mutável
ao longo do tempo, porque segue à baila dos processos dinâmicos que se
conformam no espaço urbano, quase sempre, capitaneados pela dinâmica do
comércio e dos serviços. E a centralidade é mutável no tempo não só pela
transferência de centros comerciais e de serviços no tecido urbano da cidade, mas
também pela conformação que a centralidade vai adquirindo. Isto porque a
centralidade não é mutável apenas no espaço, mas também no tempo, como é o
caso dos períodos cíclicos de comércio e serviços – períodos natalino, de veraneio,
“volta às aulas”, entre outros –, só para citar uma das formas de expressão que a
centralidade adquire.
Urge-nos concordar com o pensamento de Pintaudi (2009) a respeito das
suas definições sobre os conceitos de centro e centralidade, em que o primeiro é
56
estático; já o segundo, dinâmico. Ao nosso ver, essa discussão é clara e quase
unânime na literatura acerca da temática centralidade. Em suma, enquanto que o
centro é definido pela forma, portanto, estático; a centralidade, pela função, portanto,
dinâmica.
Mas também não podemos encerrar ambos – centro e centralidade –
respectivamente, em ser exclusivamente estático e exclusivamente dinâmico.
Identificamos então uma condição dialética na apreensão de ambos. Há, então,
certa mutabilidade para o centro; assim como há certa inércia para a centralidade.
Senão, vejamos. O centro, por estático que seja, pelo fato de ser forma,
ganha, continuamente, novas formas ao longo do tempo, ao passar por algumas
reformas, seguindo tendências urbanísticas, de higienização, entre outras. Enquanto
que a centralidade, por sua própria natureza funcional, há que ser sempre dinâmica.
Mas, contrariando sua própria dinâmica, a natureza da centralidade requer certa
identidade, particularidade e/ou peculiaridade; ou seja, para atrair-irradiar fluxos há
que ser conhecida por algo que lhe identifique por um dado lapso de tempo, como é
o caso de algumas centralidades que oferecem serviços voltados para o turismo
e/ou as “centralidades temáticas” (FERNANDES, 2014, informação verbal) – como
ruas de comércio especializado. Essa é a razão pela qual sinalizamos com um
mínimo de inércia para o conceito de centralidade. Reafirmamos: há certa dialética
nas condições permanência e mudança que identificamos em centro e centralidade,
respectivamente.
Os dois últimos conceitos – centro e centralidade – nos aproximam do
diálogo com os conceitos de forma e função. Assim, diríamos que o centro,
parafraseando Santos (1999), seria a forma; enquanto a centralidade, a função.
Ampliando a discussão de centro e centralidade com Reis (2005, p. 5),
temos que
O processo de centralização, que produziu a Área Central, gerando uma cidade monocêntrica, foi já no primeiro quartel do século XX, concorrenciado pelo processo de descentralização, [...] indicando a existência de sub-centros comerciais e artérias de tráfego dotadas de comércio e serviços.
Cabe destacar que a existência anterior de uma cidade monocêntrica deu
lugar a outra, policêntrica, como resultado do contínuo processo de
descentralização, o qual cria sub-centros de comércio e de serviços, denominadas
57
por nós de “novas centralidades”. Assim denominamos as novas conformações e/ou
expressões de centralidade decorrentes do processo de descentralização, porque
entendemos que o “novo” das novas centralidades emana da diversidade dos seus
conteúdos, processos e formas, requerendo sempre novas leituras e/ou apreensões.
Eis por que o caminho metodológico para o estudo da centralidade urbana, na
contemporaneidade, não pode mais limitar-se ao clássico “Hexágono de Christaller”.
Antes, há que dialogar com as mais recentes discussões e com a realidade sobre a
qual versar a análise.
À baila da dinâmica capitalista do espaço urbano, teremos novas
centralidades surgindo, dependendo das demandas que vão sendo criadas pela
dinâmica de reprodução do capital e da sociedade. E as novas centralidades são
sempre expressas sob a forma de novos centros comerciais, os quais ganham, cada
vez mais, diversas formas, a depender do contexto urbano no qual se inserem, quais
sejam: shopping centers, edifícios comerciais, galerias de lojas, corredores viários
margeados por comércios e serviços, ruas de comércio, entre outras.
Ao falarmos da diversidade de formas comerciais, remetemo-nos a dois
conceitos que concorrem para a sua formação. São os conceitos de centralização-
descentralização. A este respeito, Reis (2005, p. 15) afirma que,
Tradicionalmente, na teoria da geografia urbana, o conceito de núcleo central de negócios e o conceito de descentralização correspondem a distintos estágios da realização histórico-geográfica da centralidade na organização interna da cidade. O núcleo central de negócios corresponde à apreensão de uma forma derivada da
realização da centralidade num primeiro estágio de sua realização histórico-geográfica, qual seja, a centralização. A descentralização, por sua vez, corresponde a um segundo estágio da realização histórico-geográfica da centralidade objetivada desde a dimensão processual deste fenômeno (grifos do autor).
E assim, não perdemos de vista nossa posição em relação à compreensão
de centro enquanto forma; e centralidade enquanto processo; antes, encontramos
ressonância no pensamento do autor. Observemos que em suas palavras, o centro
é apenas a forma de apreensão ou expressão da centralidade; enquanto que a
descentralização se configura como processo, que segundo uma relação espaço-
temporal gera novas centralidades, e por sua vez, novos centros comerciais,
detentores de centralidade.
O processo, por ser movimento, é então a razão de ser da centralidade, a
58
natureza dela em si, o que a gera, o que a conforma. Processo esse que se verifica
no movimento das trocas comerciais e da prestação dos serviços; no ir e vir do
cotidiano da sociedade; enfim, a vida urbana que pulsa na cidade; a fluidez da vida
urbana; o fluxo de pessoas, mercadorias, capitais, informações e ideias.
Enquanto que a forma – o centro – é a expressão desta centralidade, o que
testemunha a sua existência num dado momento, e que pode adquirir formas
diversas, em função dos interesses que se fazem presentes no espaço urbano,
permanecendo enquanto centro, dado que é estático, e não dinâmico o quanto a
centralidade. Eis por que o centro é sempre suplantado por outros novos centros,
porque já não comporta em si a centralidade, a qual ganha, continuamente, novos
conteúdos e processos, requerendo novos “recipientes” ou formas, quais sejam, os
novos centros comerciais e de serviços.
Pelo exposto, identificamos, entre centro e centralidade, uma solidariedade
contínua, em que um comporta o outro; mas, igualmente, um par dialético, em que
um concorrencia ou nega o outro. Configura-se um processo como se a
centralidade, sempre efêmera, procurasse prescindir do centro, buscando novos
centros, que lhe deem nova razão de ser e/ou realizar-se. E assim, o acontecer da
descentralização.
Corrêa (2005, p. 2), contextualizando o processo de descentralização, nos
diz que foi
[...] após a Segunda Guerra Mundial que a Área Central começa, de forma mais efetiva, a perder importância. Este processo de perda, e simultaneamente de emergência de focos secundários de comércio, é um processo complexo, influenciado por vários fatores, entre eles, o tamanho da cidade, a localização excêntrica ou não da Área Central, o sítio e o plano da cidade, as funções urbanas e o nível de renda da população. A complexidade traduz-se em momentos iniciais distintos nos quais a cidade monocêntrica começa a se transformar (grifos nossos).
A apreensão do processo de descentralização feita pelo referido autor indica
já, ao nosso ver, uma forma mais atualizada de explicar a emergência de lugares
centrais – ou sub-centros comerciais, segundo as palavras do autor, “focos
secundários de comércio”.
A atualidade da apreensão em tela exige ir além do que propôs Christaller,
que buscou, para aquele momento, o tamanho, a distribuição e o número de lugares
59
centrais no sul da Alemanha. Observemos que entram em cena novos fatores, como
“funções urbanas” e “nível de renda da população”.
Assim, sendo o processo de descentralização da centralidade analisado
segundo uma abordagem espaço-temporal, não poderá prescindir de um adequado
estudo empírico, o qual se preocupará com o contexto urbano ao qual se refere, e o
período de tempo delimitado para a análise. Em nosso caso, a Cidade do Natal,
desde a década de 1980 à atualidade, por motivos que já expusemos anteriormente.
E apesar do processo de descentralização, “A Área Central, contudo, ainda
se mantém, de longe, como o principal foco de negócios da cidade” (CORRÊA 2005,
p. 2). Essa defesa encontra respaldo no pensamento de Reis (2005, p. 6-7), ao
afirmar que
[...] a despeito do processo de descentralização, o núcleo central da área central preserva sua supremacia na hierarquia de centros intra-urbanos, sendo a única área que oferece todo o espectro de bens e serviços na hierarquia dos centros intra-urbanos.
Concordamos com a postura dos dois autores, de que o centro de uma
cidade ou a área central não perde sua importância. E isto se faz por força dos
aspectos histórico e simbólico que a referida área central detém. Afinal, não há como
apagar a cultura construída pela sociedade num contexto de intensas trocas,
relações e sociabilidades, como é o ambiente urbano que se constrói e se projeta
em certa cidade.
Mas devemos ampliar a leitura sobre a centralidade urbana face aos
processos segundo os quais as transações de bens ocorrem. Se no diálogo com
Reis (2005), estamos entendendo o centro como o núcleo da área central de uma
cidade – aquela porção remanescente, histórica –, urge-nos propor uma discussão
sobre esta posição.
E assim, cumpre-nos questionar até que ponto a supremacia da área central
se mantém, diante das transações via Internet, o chamado e-commerce; e da
distribuição estratégica de lojas de serviços, shopping centers e hipermercados no
entorno de eixos viários e/ou das “vias expressas de circulação” – no dizer de
Gomes; Silva; Silva (2000) – que articulam diversos bairros de uma mesma cidade,
abrangendo até mesmo uma concentração metropolitana.
Considerando o caso de Natal e de tantas outras cidades, essas e outras
60
formas de comercialização desbancam a tese da supremacia da área central. Esta
supremacia perdura, sim, mas apenas no plano simbólico, segundo as
representações e significados que o centro histórico de certa cidade tem para os
seus citadinos.
Tal configuração empírica nos impele a reafirmar que a natureza da
centralidade urbana é diversa e também relativa. Isto é, a condição de ser central
atribuída a um dado centro perdura sempre em função de certa centralidade, a qual
é dinâmica, momentânea e efêmera, não importando a duração do lapso de tempo;
antes, os conteúdos, processos e formas que constituem determinado centro, em
sua capacidade de atrair-irradiar fluxos. Aí, sim, é que perdura a centralidade; e, por
sua vez, a condição de ser central de um dado centro. Isto nos encoraja a afirmar
que a centralidade é condição para que haja centro; enquanto que, de forma
solidária, o centro é, para a centralidade, estrutura, arcabouço sem o qual a
centralidade não tem como ancorar sua dinâmica.
Mas há que atentarmos também para aspectos como o histórico, o cultural e
o simbólico, os quais propiciam outras leituras de centralidade urbana, não à parte
daquela cujo foco é a distribuição de bens – a comercial –, antes, consorciada a ela.
E assim, descortina-se a possibilidade de uma “leitura” de centralidade não apenas
do ponto de vista comercial, da distribuição de bens nos lugares centrais, para além
do que propôs Christaller, sendo essa uma forma de aproximar o debate com novas
discussões acerca da temática centralidade.
Temos ainda que atentar para as expressões imateriais de centralidade que
se conformam ao longo do tempo (SPOSITO, 2013, Informação Verbal15), seja no
intervalo de um dia, um mês, um ano, ou em tantos outros lapsos de tempo. E
assim, “A centralidade é redefinida continuamente, inclusive em escalas temporais
de curto prazo, pelos fluxos que desenham através da circulação das pessoas, das
mercadorias, das informações, das idéias e dos valores” (SPOSITO, 2001, p. 238). A
autora ainda recomenda observarmos a dinâmica presente num shopping center,
por exemplo, quanto à diversificação de atividades que são programadas para
períodos distintos ao longo do dia, a correlação aos distintos grupos de pessoas que
frequentam essas atividades, e suas respectivas rendas. A dinâmica que preside os
índices de frequentação, nesse caso, é definida por fatores como faixa etária; grau
15 Seminário ministrado por Maria do Carmo Beltrão Sposito, em Natal, em setembro de 2013, por ocasião da disciplina Colóquios Temáticos.
61
de instrução; nível de renda e poder aquisitivo; e tipo de ocupação do público alvo.
O centro – ou os centros – de uma cidade, então, já não mais pode ser visto
apenas como “lugar central” da distribuição de bens, mesmo porque a cidade
contemporânea já não se presta tão somente à função de trocas de produtos,
configurando-se como aquele ponto de troca do excedente agrícola, como em seus
primórdios. Antes, é o lugar do encontro, da vivência, da sociabilidade, do lazer,
apesar de não deixar de ser ainda lugar da troca – do consumo, gerado até mesmo
por todos estes usos supracitados. Veremos mais adiante que outras “leituras” ou
nuances de centro e de centralidade irão surgindo à medida ampliarmos a
discussão.
E por falar das nuances que as temáticas de centro e centralidade podem
apresentar, vejamos que diante da sua complexidade, bem como da ampla leitura
que a mesma pode adquirir, um mesmo autor apresenta, em um mesmo texto,
posturas diferentes, até mesmo discordantes. Vejamos o que nos diz Reis (2005),
em seu trabalho intitulado “O Desdobramento do núcleo central de negócios e a
crise de significado da área central”, por ocasião do IX SIMPURB:
O sub-centro, como a mais expressiva materialização do processo de descentralização, oferece um conjunto de funções centrais mais limitado do que o núcleo central de negócios, constituindo, portanto, um centro hierarquicamente submetido ao núcleo central (p. 7, grifos nossos).
Em seguida, ao tratar do efeito do processo de descentralização, o mesmo
autor afirma que o
[...] efeito que a descentralização possui sobre a área central, é identificado através da constatação de que a policentralidade, resultante do referido processo, passa a ser caracterizada pela emergência de estruturas de comércio e serviços que desempenham um papel equivalente ou, mesmo, superior ao papel até então exclusivamente atribuído à área central na hierarquia dos centros urbanos (REIS, 2005, p. 8, grifos nossos).
Ao nosso ver, as supracitadas posições do autor são claramente
discordantes. E, segundo o que vimos discutindo até o momento acerca da relação
centro-descentralização, mesmo reafirmando a posição de supremacia do centro, o
referido autor termina por elevar a igual ou superior categoria os subcentros
62
comerciais ao tratar da policentralidade, em cuja temática se inserem as novas
centralidades.
E apesar de não ser nossa pretensão julgar um possível erro ou equívoco
teórico no caso em discussão, na verdade, é que a temática ainda é bastante tenra,
havendo assim uma situação de “nebulosidade conceitual”, e uma certa imprecisão.
Eis por que, reafirmamos, há que enveredarmos por um processo de ampliação da
discussão e aprofundamento desses conceitos, para então apreendermos a
diversidade da natureza da centralidade urbana, a qual termina por adquirir
configurações e/ou natureza diversa.
Entendemos, sim, que o centro não perde a sua importância apenas no que
concerne às suas representações históricas; à sua forma, muitas vezes, preservada;
e também à sua função, enquanto memória cultural de uma cidade. E tudo isso se
projeta num plano puramente abstrato e subjetivo.
Mas, de forma objetiva, ao pensarmos a cidade em sua função de dar vida e
movimento à sociedade nela presente, sendo igualmente construída por ela, por
meio das relações de produção de bens e do consumo desta sociedade, a função do
centro passa por uma condição de relatividade frente aos novos centros. Isto
porque são diversos os interesses presentes no contexto urbano, sendo igualmente
diversos os processos de produção e apropriação do espaço urbano, de acordo com
os diversos estratos sociais presentes neste espaço, e seus respectivos níveis de
renda. E assim, as novas centralidades passam a ganhar importância nesse novo
arranjo espacial urbano que se desenha na contemporaneidade.
Reafirmamos que o centro não perde o seu valor simbólico em função do
surgimento de novas centralidades, mesmo que estas disponham de uma estrutura
terciária mais sofisticada. Mesmo porque
O conceito de descentralização [...] designa um estágio posterior, historicamente, à centralização, enquanto realização da centralidade no espaço urbano. Seu significado para a estruturação do espaço urbano abarca uma enorme diversidade de aspectos. Em linhas gerais pode-se considerar seu efeito mais imediato como sendo o de tornar o espaço urbano mais complexo através da emergência de vários núcleos secundários de comércio e serviços, que distinguem-se, entre si, tanto no que diz respeito à forma quanto à função (REIS, 2005, p 15-16).
Como já dissemos, há uma estratificação de classes sociais presentes no
63
espaço urbano. Daí, os núcleos secundários aos quais o autor se refere adquirem
formas e funções diferenciadas, de acordo com o atendimento às demandas
diversas; ou, visto de outro ângulo, segundo os nichos de oportunidades de
reprodução do capital. Assim, a relatividade da importância do centro em relação às
novas centralidades se faz também pelo atendimento diverso que um e outro centro
oferece em relação às demandas dessas classes.
Reafirmando a nossa tese, podemos dizer que é na diversidade de estratos
da sociedade, dos jogos de interesse presentes nos processos de produção e de
apropriação do espaço urbano, de reprodução do capital e da sociedade, que se
configura o que assinalamos como diversidade da natureza da centralidade.
Com isso, podemos apreender a centralidade como um processo de
atração-irradiação de fluxos diversos, porque a natureza da centralidade é
constituída de uma gama de demandas a serem atendidas por parte da sociedade.
Enfim, resta-nos afirmar que a centralidade urbana contemporânea se nos apresenta
diversa em sua essência, dado que se insere num contexto urbano igualmente
diverso, e em processo contínuo, razão pela qual entendemos que a centralidade
urbana demanda sempre novas leituras, porque estará sempre em constante
processo de renovação, à baila do processo de produção-reprodução do espaço
urbano.
E assim, ao entendermos a centralidade como a capacidade que
determinado lugar – ou “Lugar Central”, no dizer de Christaller – tem em atrair-
irradiar fluxos, a diversidade da natureza da centralidade se faz em função dos
processos de produção-reprodução e consumo do espaço urbano por parte dos
igualmente diversos estratos sociais, e suas respectivas rendas, as quais incidirão
sua influência sobre o consumo, via de regra, razão precípua da centralidade
urbana.
A leitura de centralidade urbana que propomos, neste trabalho, desenvolve-
se por meio do que estabelecemos como seus três componentes interrelacionados,
quais sejam: conteúdos, processos e formas, sobre os quais discorreremos a seguir.
O primeiro componente que indicamos para que a centralidade urbana seja
apreendida em sua diversidade são os conteúdos, os quais podem ser
representados, essencialmente, pelos bens que são trocados, sejam eles materiais –
as mercadorias; ou imateriais – os serviços. Os conteúdos – principalmente, os
materiais – são, juntamente com a forma, a expressão visível da centralidade
64
urbana. Os conteúdos seduzem, atraem os consumidores, dão o colorido que o
centro precisa para evidenciar a face da sua centralidade. Mais uma vez,
reafirmamos: esse terceiro componente – os conteúdos – apontam que a
centralidade urbana é diversa em sua natureza.
Apontamos então como segundo componente da centralidade urbana os
processos que se desenvolvem em um centro, e podem ser assim elencados:
relações de compra e venda; pagamentos de contas; serviços de consertos; serviços
de higiene e beleza; serviços de alimentação; encontros cotidianos; manifestações
culturais e políticas; visitas turísticas e pedagógicas; serviços administrativos. Esses
processos, na verdade, congregam uma infinidade de tantos outros; fomentam
fluxos diversos, mobilizam trabalhadores, consumidores, visitantes, transeuntes,
enfim, cidadãos que dinamizam o centro, dando vida a este, concorrendo assim para
diversificar a natureza da centralidade urbana.
Como terceiro componente da centralidade urbana, as formas comerciais
são bastante diversas, conformando-se geralmente em: shopping centers; espaços
voltados para o lazer, associado àqueles voltados para a gastronomia e a
hospedagem; hipermercados, os quais vêm se desenvolvendo no espaço urbano de
Natal desde a década de 1980; corredores de tráfego, margeados por lojas, na
maioria das vezes, especializadas em certos produtos, os quais atendem às
demandas de um estrato social específico – um caso ilustrativo e recente, em Natal,
são as lojas de ambientação; ruas de comércio, algumas especializadas em
produtos de grifes; em outro polo, os centros de comercialização de produtos
voltados aos estratos de baixa renda – o chamado “comércio popular”. E assim, o
setor terciário segue, em certa medida, a estruturação destes novos tipos de espaço,
que são, na verdade, uma forma de estratificação do espaço urbano, ou melhor,
uma forma de fragmentação deste espaço, conforme as regras de jogo do mercado.
Mas sabemos que o centro não perdura apenas por sua forma, antes, por sua
função, sua centralidade, pelo que ele tem a oferecer, ou, mais precisamente, a
atrair-irradiar.
Após termos procedido a essa exposição da conformação de cada um dos
três componentes da centralidade urbana, reafirmamos que a mesma é constituída
de forma diversa em sua natureza, por suas formas, seus processos e seus
conteúdos.
Entendemos que é na estruturação destes três componentes da centralidade
65
urbana – conteúdos, processos e formas – que o capital encontra a sua
possibilidade de reprodução, promovendo assim a formação de novas centralidades,
as quais se caracterizam por ser de natureza comercial, expressas por meio de
shopping centers, hipermercados, atacarejos e outras formas comerciais amplas,
próprias da prática comercial do varejo moderno desenvolvido no Brasil, e
especialmente em Natal, a partir da década de 1980.
À medida que o centro urbano tradicional vai perdendo importância, novas
centralidades vão surgindo, atendendo às mais diversas demandas, e à baila dos
estratos dos níveis de renda que compõem a sociedade presente na cidade.
Sabemos que se evidenciam, entre dois pólos, o comércio de elite e o comércio
popular; mas sabemos, igualmente, que há uma gama de empreendimentos de
oferta de bens voltados para atender àquelas pessoas das faixas medianas de
renda.
Dentre estes, novos e seletivos espaços – aqueles voltados para os estratos
de mais alta renda – passam a configurar um novo arranjo, cabendo ao centro já
degradado atender às demandas da população de baixa renda, que reside na
periferia pobre da cidade. Isto porque permanecem no centro tradicional degradado
aqueles bens destinados a esse estrato da população, que em sua maioria, depende
do transporte coletivo para o seu deslocamento.
No tocante aos transportes, sabemos que acorre aos espaços seletivos a
parcela de população que faz o uso pessoal do automóvel, e tem deslocamento
próprio, condição que abrange um número cada vez maior de pessoas, face à
dinâmica do capital financeiro, com suas facilidades creditícias, facultando-lhes o
uso do automóvel, cada vez menos familiar e mais individualizado.
Essa condição do uso do automóvel fomenta, em Natal, a gênese de uma
forma de centralidade que se conforma ao longo das “vias expressas de circulação”
(GOMES; SILVA; SILVA, 2000), as quais apresentam uma diversidade de lojas de
alto padrão, postos de combustíveis, lojas de conveniência, panificadoras, clínicas
médicas, escolas privadas, farmácias, entre outros estabelecimentos. Pelos tipos de
lojas indicados pelos autores supracitados, depreendemos que a instalação das
mesmas se faz aproveitando a facilidade de tráfego facultado pela via, o que
viabiliza a formação de uma centralidade de natureza econômica sob a forma de
eixo.
E esta é uma das razões pelas quais se estruturam as novas centralidades,
66
as quais margeiam as principais artérias de tráfego dos centros urbanos, fugindo, na
medida do possível, dos congestionamentos de trânsito, sendo igualmente lugar de
passagem, ponto de ligação entre diversos centros urbanos de uma mesma área
metropolitana. Enquanto isso, o centro histórico permanece receptor dos fluxos de
transportes coletivos, recebendo a população de classe de renda inferior.
Assim, dada a heterogeneidade presente na estruturação do espaço urbano,
a correspondente heterogeneidade de faixas de renda da população, que de forma
diversa constrói este espaço, encontra seu respaldo na forma “democrática” como o
capital disponibiliza seus bens e serviços para o consumo por parte da população,
segundo as diversas funções desempenhadas pelas partes fragmentadas da cidade.
E é deste processo de formação de novas centralidades que se configura
um processo de descentralização. E assim, surgem
[...] novas áreas da cidade que passam a receber investimentos públicos e privados, o que possibilita o surgimento de novas centralidades, mais especializadas e seletivas. Esse processo de expansão da centralidade resultado do crescimento da então centralidade única e da sua impossibilidade, ao menos momentânea, de responder espacialmente e em tempo real às novas necessidades postas (ALVES, 2005, p. 3).
Entendemos que o processo de descentralização adquire um estágio mais
avançado diante da conformação de novas centralidades. E é aí que surge a “[...]
policentralidade, [que] derivada do referido processo é caracterizada pela
emergência de estruturas de comércio e serviços de importância equivalente ou,
mesmo, superior àquela tradicionalmente atribuída à área central no espaço urbano”
(REIS, 2005, p. 1). Donde então resulta a policentralidade, do desdobramento do
núcleo central da cidade, via processo de descentralização (REIS, 2005). E assim,
buscando a sua afirmação frente ao centro tradicional, “Nesse processo de
policentralidade, as centralidades ao mesmo tempo concorrem entre si e se
articulam no processo” (ALVES, 2005, p. 8).
E apesar de apresentarmos essa discussão teórica entre os autores
supracitados, não significa dizer que, em Natal, verifica-se tal configuração.
Preferimos concordar, antes, com Sposito (2010), que trata, além da
policentralidade, da multicentralidade. E essa é a conformação da centralidade
urbana que conseguimos indicar para a realidade natalense.
67
Mas, no debate acadêmico, este não é um consenso entre estudiosos da
temática centralidade, o fato de o processo de descentralização configurar-se em um
desdobramento do núcleo central. Há muita reflexão ainda a ser elabora neste
sentido.
No âmbito empírico, Sposito (1991), enquanto estudiosa da temática, aponta
a cidade de São Paulo como recorte espacial básico para “empiricizar” o
desdobramento do centro. Isso aparece como um consenso, face à diversidade de
estudos sobre centralidade que se debruçam sobre esta cidade, a qual é uma
referência neste sentido no Brasil, dada a sua centralidade – efetivamente – na
economia nacional, e até mundial. Já no âmbito teórico, o debate encontra suas
divergências.
Um vasto debate sobre a temática do policentrismo e/ou novas centralidades
nos é apresentado na tese de Reis (2007), sinalizando algumas divergências. O
referido autor expõe que Sposito (1991) e Cordeiro (1978) discordam em relação
aos conceitos de desdobramento e descentralização do centro. Esta última autora
não diferencia descentralização de desdobramento, como Sposito (1991). A autora
supracitada afirma que, no trabalho em tela, sob o título “O centro e as formas de
expressão da centralidade urbana”, tem por objetivo
[...] discutir novas expressões da centralidade urbana, que
aparentemente poderiam ser interpretadas como decorrentes de um processo de descentralização, mas que se constituem num reforço da centralidade, ao reproduzi-la, ao recriá-la, através de um processo de separação sócio espacial das funções comerciais, de serviços e
de gestão no interior da cidade (SPOSITO, 1991, p. 1, grifos nossos).
Claro está que a autora vê, no processo de descentralização, a formação de
‘novas centralidades’, por meio de uma ‘separação socioespacial’. Decorrente desta
última expressão urge-nos creditar a esta autora a ideia de policentrismo via
descentralização, expressa por uma separação, uma recriação da centralidade.
Enquanto que Cordeiro (1978) apresenta esta mesma temática, vendo o
desdobramento como “[...] uma forma de descentralização com transbordamento”
(CORDEIRO, 1978, p. 98), podendo definir como centro expandido, por ser
resultante de um transbordamento, diferente da expansão da área central sob a
forma de subcentros, como defende Sposito (1991).
No debate acadêmico, Reis (2007, p. 64) defende que “[...] se trata de um
68
‘tipo’ específico de descentralização, a saber, o desdobramento”, aproximando
ambos os termos, apresentando o desdobramento do centro como resultando da
sua descentralização. E acrescenta: “Ambos, a descentralização e o
desdobramento, e suas respectivas formas, o subcentro e o centro expandido, não
são, portanto, fenômenos excludentes entre si” (REIS, 2007, p. 64), mas há “[...]
complementaridade entre os processos de descentralização e de desdobramento
pela objetivação das formas que os referidos processos engendram,
respectivamente, a constituição de subcentros e do centro expandido” (REIS, 2007,
p. 64). E indica ser esta complementaridade vislumbrada no decorrer do tempo:
Aponta-se para a importância fundamental de se levar em conta a temporalidade que, no plano analítico da temática em tela, deve ser resguardada na devida articulação entre processos e formas, admitindo a possibilidade, bastante plausível, de se reconhecer o subcentro como o embrião do que pode, eventualmente, se constituir, no decorrer da história da cidade, um centro expandido
(REIS, 2007, p. 65, grifos nossos).
Vemos então, segundo o referido autor, que a expressão material do
processo de descentralização é o subcentro; enquanto que a do desdobramento é o
centro expandido. Segundo este pensamento, o processo de descentralização, que
se projeta na forma material de um subcentro, guarda entre o centro principal e os
novos centros – os subcentros – uma relação de dependência do segundo em
relação ao primeiro, face ao prefixo “sub”.
Mas eis que a literatura atinente à temática centralidade é recorrente em
definir os subcentros como estruturas de comércio e serviços, dotados de
importância ‘igual’ ou ‘superior’ à da área central de uma cidade.
Já o processo de desdobramento é representado em sua forma material pelo
centro expandido, que segundo o pensamento de Reis (2007) é resultante da
intensificação da descentralização, conforme esse autor explica:
Indica-se aqui a possibilidade de considerar que o desdobramento do centro verifica-se quando, por uma série de fatores, se desenvolve uma intensificação do processo de descentralização, que passa a incidir de maneira acentuada sobre um determinado setor da cidade que abarca um subcentro; o efeito desta intensificação é o rompimento deste padrão de localização (o subcentro) manifestado no transbordamento das funções de comércio e serviços para além dos limites do que até então constituía o subcentro, com uma intensidade tal que a área comercial
69
decorrente desse transbordamento [...] que constitui a forma característica de um Centro Expandido (REIS, 2007, p. 65, grifos nossos).
Em suma, podemos inferir, a partir das posições ora divergentes, ora
convergentes até então expostas, que o processo de descentralização presente no
espaço urbano contemporâneo ainda está em curso, e o referido processo ainda não
se esgotou nem no âmbito empírico nem no teórico, como defendem diversos
estudiosos da temática.
Igualmente, julgamos que tal processo de descentralização não se
cristalizará, passando a ganhar uma forma definitiva, visto que o centro – ou os
centros – comporta a centralidade, cuja dinâmica é inerente ao contexto urbano
capitalista, e está em permanente mudança. Logo, o curso do processo de
descentralização do centro urbano, que leva consigo a gênese de novas
centralidades, pela própria condição do contexto urbano capitalista, caminha sempre
à jusante do curso do processo de acumulação capitalista, razão da sua existência.
Eis por que a descentralização e a formação de novas centralidades serão sempre
dois processos perenes, uma vez que se inserem e são contributos ao processo de
reprodução do capital.
Entendemos, assim, ser inevitável e imperativo concordar com Reis (2007),
haja vista a temática centralidade demandar uma contínua e renovada leitura,
decorrente da sua natureza diversa, por ser ela resultante da dinâmica capitalista
própria espaço urbano. Eis por que defendemos que há uma diversificação da
natureza da centralidade urbana, por seus sempre novos conteúdos, processos e
formas, demandando sempre novas abordagens.
Ao enveredarmos pelo âmbito teórico, na tentativa de elucidar as
divergências sobre “descentralização” e “desdobramento” do centro, anteriormente
apontadas, e indicar de forma mais precisa nossa postura, voltamo-nos ao
significado de ambos os termos, tendo por base a consulta a diversos dicionários da
língua portuguesa. Iniciemos então a comparação do significado de ambos os
termos. Descentralizar significa “afastar do centro”, “separar”, “dar autonomia a”;
enquanto que desdobrar traz como significado “estender”, “expandir”, “tornar mais
complexo”.
Optamos então por aproximar o nosso pensamento ao de Cordeiro (1978) e
ao de Reis (2007), os quais apontam o desdobramento do centro como derivado da
70
intensificação do processo de descentralização. Logo, ambos os processos não são
idênticos entre si, não têm o mesmo significado; e, mesmo sendo diferentes, não
são estanques, mas simultâneos, um sendo decorrente, sendo o aprofundamento do
outro, porque, como já apontamos, os subcentros são estruturas “iguais” ou
“superiores” – com assim já foram referidas – ao centro principal, ficando então esta
equivalência muito mais a cargo de uma averiguação empírica, pela verificação da
intensidade da centralidade, a partir de uma metodologia definida para determinado
recorte espacial, do que por meio de uma formulação teórica, a qual seria aplicada a
todo e qualquer realidade.
Retomando ainda o debate, a propósito do conceito de descentralização,
entendemos que este é um “[...] processo que promove a emergência de sub-
centros comerciais submetidos à supremacia da área central” (REIS, 2005, p. 16),
estando esta diretamente relacionada com o desdobramento do núcleo central,
processo este considerado “[...] uma manifestação da intensificação do processo de
descentralização no espaço urbano, que promove a emergência de estruturas de
comércio e serviços de porte equivalente ou superior à área central” (REIS, 2005, p.
16). São assim as novas centralidades, detentoras de “[...] uma economia de
aglomeração que passa a atrair as funções que tradicionalmente eram exclusividade
do núcleo central de negócios” (REIS, 2005, p. 12).
Como resultante desse processo, “[...] o desdobramento do núcleo central de
negócios pode ser apreendido, conceitualmente, como uma entidade que possui um
significado equivalente ao new downtown [novo centro] numa estrutura de cidade
policêntrica” (REIS, 2005, p. 13, grifos do autor).
E assim, a policentralidade, formada por meio do processo de
descentralização, e a correspondente formação de novas centralidades pode ser
apresentada em sua gênese e caracterizada da seguinte maneira:
Na cidade policêntrica, a policenralidade, derivada do processo de descentralização, é marcada pela emergência de estruturas de comércio e serviços que possuem um significado equivalente ou superior à área central na hierarquia de centros intra-urbanos (REIS, 2005, p. 28).
Por fim, acerca do debate acadêmico sobre desdobramento e/ou
descentralização do centro de uma cidade, se não há um consenso, muito ainda há
o que ser discutido e investigado, enveredando segundo uma relação teoria-empiria,
71
pela qual a primeira serve de aporte para compreender e explicar a segunda.
Enquanto que no âmbito empírico, as manifestações destas formulações
teóricas apresentam a mesma temporalidade, pois “[...] a descentralização se
manifesta a partir do último quartel do século XX, com importante repercussão sobre
o significado da área central na organização interna da cidade” (REIS, 2005, p. 1).
E assim, ao examinarmos o pensamento de Corrêa (2005), vemos que
A temporalidade do processo de descentralização é ampla e ainda não se esgotou plenamente. Nem a força da Área Central, cuja temporalidade estende-se, sob novas configurações, ao início do século XXI. Permanências e mudanças compõem o quadro econômico, político e cultural da Área Central (p. 2).
Alves (2005), ao apresentar o trabalho “As centralidade da cidade de São
Paulo”, por ocasião do IX Simpósio Nacional de Geografia Urbana, em 2005, trata
do processo de criação de novas centralidades, e nos diz que
Esse processo de valorização-desvalorização de partes da cidade e, em particular, de centralidades existentes na cidade, é fundamental ao processo de reprodução do capital, que, em escala mundial, tem hoje o espaço como elemento fundamental para sua reprodução (p. 2).
Ainda sobre o processo de descentralização, reafirmarmos a tendência ao
multipolicentrismo que os centros urbanos têm apresentado nas últimas décadas,
quando não mais é possível estabelecer apenas um centro, mas centralidades de
natureza diversa, detentoras de uma dinâmica própria, dotadas de conteúdos,
processos e formas igualmente diversos, porque próprios da dinâmica do contexto
urbano capitalista contemporâneo. A respeito da constituição da natureza da
centralidade urbana em sua diversidade, por estes conteúdos, processos e formas
diversos é que iremos discorrer a seguir.
Compreendemos que conteúdos, processos e formas se configuram como
componentes que estabelecem relação solidária na conformação da centralidade
urbana. E neste sentido, cada um desses componentes assume funções ao mesmo
tempo distintas e complementares.
Assim, os conteúdos da centralidade urbana, vista segundo a dimensão
econômica, que é nosso enfoque principal, consistem na gama de bens e serviços
que estão postos às trocas, se concordamos com Pintaudi (2015) de que as “As
72
cidades são essencialmente comerciais”, ou com Fernandes (2014), de que “As
cidades são lugares de trocas”. O conteúdo, segundo a dimensão econômica da
centralidade urbana, é então decisivo para a expressão da sua natureza.
Entendemos, concordando com as últimas afirmações dos autores citados,
que o conteúdo da centralidade é decisivo para a expressão da sua natureza, por se
configurar no que a constitui, sendo a razão da atratividade de atividades para
determinado centro. Isto consiste em dizer que determinada parcela da população
de uma cidade que acorre a determinado centro pelo que ele tem o oferecer, em
suma, pelo seu conteúdo.
Podemos acrescentar ainda que outros componentes concorrem para que
determinados bens e serviços gerem centralidade. São fatores como preço: crédito,
marcas, demanda por bens e serviços, divulgação, entre outros. E assim, seguindo
seus conteúdos e fatores influentes para a geração de centralidade, teremos
diversos gradientes de centralidade, segundo os estratos de renda da sociedade,
variando entre aquelas de caráter popular a elitista.
Enquanto que os processos desencadeados em função da centralidade
figuram como “motor” da mesma. São os processos que dão vida à centralidade,
que a põem em movimento. E são, essencialmente, os processos de compra e
venda de bens e serviços, numa palavra, trocas. Entendemos que os processos
unem o conteúdo e a forma, por viabilizarem o acontecer da centralidade.
Identificamos, além do processo de trocas, outros processos presentes na
centralidade, como: os encontros próprios das trocas, os quais se estabelecem entre
os pares que estão em relação no sentido da compra e venda de bens e serviços; os
encontros de trabalho, os quais há que serem considerados, haja vista serem o
suporte ao processo de compra e venda; as operações de crédito; a divulgação;
aqueles ligados ao controle do Estado, como as regulamentações comerciais e de
uso do espaço urbano; os de manutenção da ordem pública; os de conservação,
entre outros.
Por fim, as formas, as quais são expressas principalmente pelas estruturas
comerciais, são um terceiro elemento da centralidade urbana, interrelacionadas
entre os conteúdos e os processos. São as formas que abrigam tanto os conteúdos
quanto os processos. Nelas, estão dispostos os bens e serviços que são postos às
trocas comerciais; nelas, desencadeiam-se os processos que dão vida e movimento
à centralidade.
73
Vemos que as formas comerciais também têm seu peso para a gênese e
manutenção de uma centralidade urbana, dado o seu caráter de chamariz, o qual
atrai o consumidor pelo olhar, seduzindo-o ao processo de troca, essencialmente,
pela aparência ou design. Reside aí o processo de renovação das fachadas das
lojas, apresentando sempre mais um apelo ao consumo, seduzindo por um jogo de
cores e informações diversas; os processos de reformas também internas de
espaços comerciais, colocando os produtos cada vez mais próximos à ação tátil do
consumidor, em nome do autosserviço e da liberdade da experiência; reformas
também em nome do conforto, da segurança e do bem estar do consumidor; e
ainda, mudanças no layout geral das lojas, dando às mesmas um tom de elegância
e ostentação do belo, quiçá, uma sutileza em prol da autoafirmação, face aos
clientes e à concorrência.
Em suma, temos que conteúdos, processos e formas se arranjam,
concorrendo para a diversidade da natureza da centralidade; e em função dela, de
forma solidária, cujas implicações mútuas concorrem desde a sua gênese até a sua
inevitável e necessária decadência ou superação, dado o caráter sempre renovador
e efêmero da capital, quando então uma nova centralidade já estará sendo gerada,
seja naquele ou em um novo centro, no qual a gênese de uma nova centralidade já
se conforma. Esse é um processo sempre dinâmico, o qual pretendemos examinar
sua evolução na Cidade do Natal.
74
2 A CENTRALIDADE EM NATAL E SUA DINÂMICA
A preocupação aqui é apresentar a produção do espaço urbano de Natal em
função da centralidade urbana, desde a gênese do que denominamos de Núcleo do
Centro histórico de Natal, indicando os seus núcleos urbanos constituintes. Ao
desenvolver essa discussão, apresentamos o desenvolvimento de cada um desses
núcleos, quais sejam: a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, em sua função comercial,
principalmente. Ao propor esse conjunto de bairros como Núcleo do Centro Histórico
de Natal, dialogamos com o que foi estabelecido como “Centro Histórico de Natal”,
pelo Instituto o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Na segunda subseção, ao tratar dos eventos e processos geradores de
centralidades urbanas em Natal, voltamos a atenção para a formação de novas
centralidades, aquelas afeitas à expansão do varejo moderno no território natalense,
e à estruturação das atividades turísticas. Apontamos ainda a formação de novas
áreas nas quais as centralidades urbanas vêm se estruturando, seja em forma de
áreas, seja em forma de eixos, o que resultou na elaboração do que denominamos
de Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT).
2.1 Evoluções urbanas em Natal e seus respectivos centros
A Cidade do Natal nasceu sob o signo da colonização do Brasil. E a cidade,
como sabemos, define-se como lugar de encontro, de trocas; lugar do exercício da
cidadania e da gestão do território, entre outras funções.
Sobre a demarcação inicial da cidade, Cascudo (1999, p. 143) indica os
limites da urbe natalense
A demarcação inicial e sumária seria a chantação de duas cruzes, marcando o sítio da futura cidade, os limites sagrados da urbe. As cruzes foram fincadas nos aclives da colina. A cruz do norte ficou perto do square Pedro Velho, e a rua que levava à Ribeira, [a qual], Em março de 1896 passou a ser o que está sendo, rua Junqueira Aires. A cruz do sul estava perto do [...] rio do Baldo, sendo
festejada religiosamente como sendo a Santa Cruz da Bica, transportada para a pracinha atual (grifos em negrito: nossos; grifos em itálico: do autor).
Tal configuração inicial pode ser elucidada a seguir (Mapa 02).
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Mapa 02 – Demarcação inicial de Natal
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: PEREIRA, 2015;
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
76
Ao resgatarmos algumas informações contidas na citação anterior de
Cascudo (1999), iniciamos por identificar um quê de “sagrado” no tratamento e/ou
gestão do espaço urbano, pela referência feita às cruzes, como símbolos válidos na
demarcação do território. Isto porque, quando da fundação de Natal – 1599 – ainda
não havia ocorrido a passagem da “cidade de Deus à cidade dos homens”, como
assim denomina Teixeira (2009) ao processo de secularização do espaço urbano no
RN. Em seguida, reforçamos que a então demarcação do sítio urbano de Natal
corresponde, na atualidade, ao trecho entre o Viaduto do Baldo e a Praça 7 de
Setembro.
O sítio urbano inicial da formação de Natal é descrito por Cascudo (1999, p.
51-52) para indicar a demarcação seus limites:
O chão elevado e firme à margem direita do rio que os portugueses chamavam Rio Grande e os potiguares Potengi compreende o pequeno platô da colina que sobe pela rua Junqueira Aires e desce pela avenida Rio Branco até o Baldo, praça Carlos Gomes. A
demarcação foi feita com os cruzeiros da posse, tão comuns (grifos nossos).
Os grifos da citação indicam os limites de Natal à época da sua fundação,
em 1599, e ainda podem ser identificados no bairro Cidade Alta, no qual a cidade se
originou. Foi “A lei Provincial nº 118, de 9 de novembro de 1844, [que] fixou os
limites urbanos de Natal” (TEIXEIRA, 2009, p. 498). Na atualidade, o trecho
compreendido entre a Avenida Junqueira Aires, o Viaduto do Baldo e a Avenida Rio
Branco, referido anteriormente, comporta uma parte do que é considerado “Centro
da Cidade”. Centro esse que tem passado por mudanças significativas na forma de
uso e ocupação do solo por parte do comércio e dos serviços, enquanto atividades
expressivas na produção do espaço urbano, e mesmo assim, essa parte histórica da
cidade guarda a sua condição de ser central.
Como as cidades formadas no período colonial tinham sempre uma igreja
católica como um dos elementos indicadores do seu centro, juntamente com uma
praça, em Natal, a conformação destes dois, e outros elementos do espaço urbano
foi a seguinte:
Onde ficou a Catedral [antiga catedral, atual Matriz de Nossa
Senhora da Apresentação] construiu-se a capelinha, velocidade inicial. Presidia a praça, ruas, a cidade. [...] Foi a primeira rua. Teve
77
nome pomposo. Rua Grande. Praça André d’Albuquerque depois de ser praça da Matriz. Erguia-se a cadeia, com o Senado da Câmara no andar superior, desde 1722. Havia ali o sobrado do Governo, depois da cadeia, em lugar inidentificável (CASCUDO,
1999, p. 143).
A “capelinha” a respeito da qual expõe o trecho citado, com a estruturação
do poder religioso católico no RN tornando-se Arquidiocese de Natal, passou a ser
chamada Catedral Metropolitana de Natal (Figura 01), na Praça André de
Albuquerque (Figura 02) – assim denominada ainda hoje, que abriga o marco zero
da Cidade do Natal, representado pelo obelisco de fundação cidade; a cadeia; o
Senado da Câmara; o sobrado do Governo. Estes eram elementos urbanos – alguns
dos quais não mais identificáveis na paisagem natalense – indispensáveis à gestão
do território ora em formação. Tais elementos são formas criadas pelo ser humano,
as quais comportam funções e processos que medeiam suas relações cotidianas de
exercício do poder. Deste modo, desde a fundação da cidade, até então, é nesse
espaço que vem se estruturando o poder, tanto em nível estadual quanto em nível
municipal, por comportar diversas instituições dessas instâncias ainda hoje. A antiga
Catedral Metropolitana de Natal e o obelisco de fundação da cidade são dois desses
elementos ainda bem visíveis e contemplados na paisagem natalense.
Figura 01 – Antiga Catedral de Natal com o obelisco da fundação de Natal
FONTE: NATAL..., 2006
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Figura 02 – Praça André de Albuquerque
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Mas alguns estudos, a exemplo de “A história da cidade do Natal”, do
folclorista e historiador Câmara Cascudo, sobre o início do processo da formação da
Cidade do Natal são, ao nosso ver, excessivamente críticos, ao afirmarem que Natal
não era verdadeiramente cidade: “Os trinta e quatro anos de cidade, 1599-1633,
foram lentos, difíceis, paupérrimos. Interessava ao Rei o forte [Forte dos Reis
Magos], a situação estratégica, o ponto militar de defensão territorial. [...] Cidade
apenas no nome” (CASCUDO, 1999, p. 58, grifos nossos). Vemos que o autor
citado, ao se referir a um curto período de tempo, pouco mais de três décadas do
início da formação da cidade, lança um olhar negativo acerca do desenvolvimento
urbano de Natal. E apesar de aparentemente culpabilizar o colonizador, de que só
estaria interessado na condição estratégica do sítio de Natal, termina por negar a
sua condição de cidade, a qual estaria indicada apenas em seu nome.
Mas esse mesmo autor, de forma aparentemente contraditória ao
pessimismo anteriormente exposto, ao falar dos diversos nomes que a cidade teve
para chegar ao atual, refere-se à mesma de forma um tanto poética: “A Cidade
guardou o nome mais bonito e fácil, Natal. Cidade do Natal” (CASCUDO, 1999, p.
54, grifos nossos). Apesar da aparente contradição na defesa do autor de ser Natal
cidade ou não, seja no nome, seja na função e na forma urbanas, tal postura aponta
79
para um diálogo com o pensamento de Teixeira (2009), ao defender que Natal não
passara pelas etapas de freguesia, povoação e vila, anteriores à formação dos
núcleos urbanos no Brasil enquanto cidades, etapas essa próprias do período da
colonização.
Por já ter nascido como cidade, não passando antes pelas etapas de
freguesia, povoação e vila, conforme indica Teixeira (2009), Natal instiga
observações acerca do seu desempenho ou da sua legitimidade enquanto cidade:
“Quinze dias depois de fundada ainda estava deserta. [...] D. Diogo de Meneses [...]
escreveu ‘a povoação que está feita não tem gente’ ”(CASCUDO, 1999, p. 52, grifos
do autor).
Após quase quinze anos de sua fundação, “Em fevereiro de 1614, Natal
possuía...doze casas” (CASCUDO, 1999, p. 52), aparece mais uma vez uma análise
que clama por um efetivo desenvolvimento urbano: “Com quinze anos de vida, a
Cidade do Natal do Rio Grande tinha mais nome que número de moradas”
(CASCUDO, 1999, p. 52). Isto porque, comparando matematicamente o nome
“Cidade do Natal”, com treze letras, às doze casas que a cidade possuía, quinze
anos após sua fundação, apresentava-se, segundo o pensamento do autor, inferior à
quantidade de letras do seu nome. Entre metáfora e discrepância, o esforço de
Cascudo (1999) revela um discurso corrente, que consiste em afirmar que Natal
nasceu cidade sem sê-la, se julgada segundo as etapas elencadas por Teixeira
(2009) para a formação de uma cidade no contexto da colonização brasileira, as
quais eram: freguesia, povoação, vila e, por fim, cidade.
Essa exposição objetivou explicitar o processo de formação do espaço
urbano natalense, por ocasião de sua fundação, tomando como referência o
desenvolvimento das suas atividades econômicas. Nesse sentido, dialogaremos a
princípio com dois autores, quais sejam: Cascudo (1999) e Teixeira (2009). O
primeiro, considerado importante por sua contribuição à cultura e à história local;
enquanto que o segundo, muito mais focado na formação do fato urbano no RN,
investigando o transcurso da transformação do espaço “sagrado”, sob o domínio da
Igreja Católica, em espaço “secular”, quando esse domínio passou para o Estado
republicano. Essa contribuição advém de sua obra intitulada “Da cidade de Deus à
cidade dos homens”.
Foi desse espaço embrionário que Natal se fez cidade. A princípio, a sua
evolução urbana se fez em consonância ao cotidiano da sociedade, como é próprio
80
do espaço urbano, produzido e apropriado por esta mesma sociedade. Essa
condição embrionária de cidade fortalece a defesa de que “Natal nasceu cidade sem
sê-la”. Isto porque o conhecimento acerca desse cotidiano natalense aponta para a
vida simples dos seus moradores, que era marcado por atividades muito mais
agropastoris que comerciais ou de serviços, o que seria próprio de um espaço rural,
e não citadino.
É em busca da evolução urbana de Natal, da gênese do seu centro histórico,
e da formação de novos centros, gerando novas centralidades, é que enveredamos
agora por uma exposição sobre as atividades econômicas que concorreram para a
produção do espaço urbano natalense.
Cascudo (1999, p. 58) nos apresenta uma descrição da forma urbana e do
cotidiano de Natal, permeados de práticas asseguradoras da sobrevivência dos
moradores de então:
Uma capelinha de taipa forrada de palhas e os moradores viviam espalhados nos sítios ao redor, plantando roças, caçando, colhendo frutos nos tabuleiros, pouca criação de gado que se
desenvolveria vertiginosamente a ponto de ter 20.000 cabeças em 1633, e as pescarias de anzol, rede e curral. Havia o sal, colhido nas marinhas do outro lado do rio, Igapó, Aldeia Velha, antigas malocas dos potiguares. O peixe salgado e seco foi um dos produtos mais rapidamente divulgados, com mercados abundantes e fáceis (grifos nossos).
Retomando as palavras de Cascudo (1999), identificamos produtos oriundos
do setor agropastoril, da pesca e da coleta. Tal descrição nos aponta um cotidiano
marcado pelo trabalho de subsistência familiar, exceto o último produto anunciado, o
“peixe seco e salgado”, o qual era vendido, o que nos indica uma primeira
manifestação da prática do comércio na cidade. E sabemos igualmente que além do
peixe, o sal também era comercializado.
Dando continuidade a essa descrição do cotidiano do natalense, marcado
pela atividade de subsistência, Cascudo (1999, p. 87) nos diz que
A sociedade natalense no século XVII era a sociedade portuguesa rural. O pai-de-família governava com direito de alta e baixa justiça. A mulher dirigia a casa. As moças dormiam nas camarinhas e eram analfabetas para que não escrevessem aos futuros namorados. Os escravos carregavam água do Baldo, lenha dos morros e frutos dos tabuleiros. Mantinham as roças de mandioca, feijão, jerimum, milho, inhame, cará e pescavam, de anzol, covo, jequi e despescavam os
81
currais em certas épocas, especialmente na Quaresma (grifos do
autor).
A partir do conteúdo da citação, podemos compreender a afirmação corrente
de que Natal, quando fundada, não era considerada ainda cidade. Isto porque o seu
cotidiano era marcado por atividades que não se coadunavam a uma cidade, cujo
conceito é, nas palavras de Pintaudi (2015), essencialmente, lugar do comércio;
enquanto que, nas palavras de Fernandes (2014), lugar de trocas. Comércio e trocas
existiam, sim, em Natal, mas não formavam ainda o foco das suas atividades
econômicas, as quais se aproximavam muito mais da subsistência familiar.
Assim sendo, podemos afirmar que o cotidiano que se reproduzia em Natal
era muito pouco urbano. É o que nos confirma, em sua obra, o trecho escrito por
Cascudo (1999, p. 87), de que
Quase todos possuíam sítios próximos, num raio de quinze quilômetros, criando cabras, porcos, ovelhas e gados. Porcos e galinhas eram também urbanos, andando pelas ruas, fossando uns
e beliscando outros os monturos nos quintais sem muros, raramente defendidos pelas cercas de faxina, coroadas de cascas de ovos e enfeitadas de melões de São Caetano, maracujás e chuchus (grifos nossos).
As formas então descritas, supostamente urbanas, presentes na Cidade do
Natal eram muito mais afeitas a um ambiente tipicamente rural. Até mesmo Cascudo
(1999) indica um quê de ironia ao dizer, conforme grifos nossos na citação, que
alguns animais eram “urbanos”.
Eis que esse ambiente pouco urbano começou a mudar, conforme relata
Cascudo (1999, p. 87-88, grifos do autor):
As transformações vieram lentamente, com a navegação direta, na influência francesa do chapéu alto, do casaco de talho mais apertado. Natal, cidade pobre, não tinha exigências. A obrigação da roupa bonita era dominical, para ver a Deus, para assistir às festas religiosas, Natal, com excelência, ou participar das alegrias oficiais e públicas decretadas por El-Rei [...].
Tais mudanças se iniciaram a partir do que conhecemos como Período
Pombalino ou Era de Pombal, entre 1750 a 1777. Foi quando Dom José I nomeou
para primeiro-ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo – o Marquês de
82
Pombal. A preocupação da administração de Pombal era reerguer Portugal da
decadência, e reduzir o hiato do seu desenvolvimento em relação às demais
potências europeias. Pombal promoveu então uma reforma administrativa na relação
colônia-metrópole (VAINFAS, 2008; FAUSTO, 2012).
O pensamento de Teixeira (2009, p. 445) também aponta para essas
mudanças, ao ressaltar o que presidia a transformação em curso:
Desde a era de Pombal, constatamos que os centros urbanos
exerciam funções que se distanciavam progressivamente da influência dos aspectos religiosos, ou pelo menos era o que expressavam determinadas intenções particularmente visíveis nas elites imbuídas do pensamento iluminista (grifos nossos).
A exemplo de Cascudo (1999), Teixeira (2009) também faz referência às
transformações por que passava o espaço natalense, as quais eram decorrentes da
Era de Pombal. O autor supracitado vai além: estabelece relação dessas mudanças
com o Iluminismo (1650 a 1700), mostrando, inclusive, a passagem de um espaço
urbano, influenciado pelo domínio do pensamento sagrado, a uma administração
secular, aberta à Era das Luzes ou da Razão, como ficou conhecido o Iluminismo. A
repercussão dessas mudanças junto à sociedade natalense veio se manifestar,
certamente, sobre o modo de vida em sociedade, o seu cotidiano.
Sendo uma cidade com pouca ou nenhuma atividade econômica, seja de
cunho industrial, comercial ou de serviços, em Natal, a “Ausência de mercado
determinava as reservas na despensa e a indústria caseira do aproveitamento de
fruta, do leite e das mantas de carne” (CASCUDO, 1999, p. 88, grifo do autor); e “Até
o século XVIII quem tinha dinheiro possuía reservas alimentícias em casa”
(CASCUDO, 1999, p. 157). Essas informações nos indicam a escassez da prática da
atividade comercial entre os habitantes de Natal, à época, bem como a inexistência
de mercado, enquanto forma física para comercialização de bens e serviços.
Em função da inexpressiva presença das trocas comerciais no espaço
urbano de Natal, seja em função do abastecimento das demandas da sociedade,
seja em função da sobrevivência desta mesma sociedade, como atividade
econômica, depreendemos que vigoravam as atividades de subsistência, como
aponta Cascudo (1999), mesmo num ambiente supostamente urbano, que deveria
expressar-se sob a forma de uma cidade. Eis por que a defesa do referido autor de
que “Natal nasceu cidade sem sê-la”, em parte, pode ser considerada pertinente,
83
dado que o urbano era materialmente inexpressivo.
Sobre a ausência da forma física do mercado na cidade do Natal Cascudo
(1999) é mais enfático ainda: “Ninguém vai perder tempo perguntando a história dos
mercados públicos da cidade. Que lembrasse, mesmo vagamente um mercado,
nada tivemos até meados do século XIX” (p. 157). Já quanto à função comercial que
a cidade passou a apresentar, Teixeira (2009, p. 438) precisa que “A atividade
comercial das aglomerações é uma tendência que se desenvolve e se estabelece
definitivamente entre 1822 a 1889. Natal, em particular, integra a função comercial
ao mesmo tempo em que mantém antigas funções”. E assim, a partir deste período,
a Cidade do Natal adquiriu também função comercial em seu espaço urbano.
A expressão da atividade comercial vem à tona com mais ênfase, tendo por
base a informação de Cascudo (1999, p. 157), de que, pela ausência de um
mercado público, “Carnes, aves, frutas, raízes, eram vendidas debaixo das árvores
frondosas da praça da Alegria, rua Grande e noutros pontos. A Câmara Municipal
denominava esses locais de mercados [...]” (grifo do autor). Como veremos adiante,
a municipalidade à frente do poder de então não se interessava por investir na
construção de um mercado público.
Entendemos que a ausência de um mercado público não se configurava
uma lacuna ou falha na estruturação do espaço urbano de Natal. Antes, uma forma
como a sociedade se coadunava ao incipiente mercado de trocas. Isto porque, como
informa Cascudo (1999, p. 157), “O consumo de frutas e verduras não era grande.
[...] O regime era essencialmente carnívoro, carnes assadas e cozidas e o pescado,
abundante, no rio e no mar, especialmente apanhado em currais”.
E na clara ausência de uma estrutura física de mercado e da falta de
interesse por parte da municipalidade em providenciar um mercado público no qual
os produtos a serem consumidos pela sociedade fossem disponibilizados,
A iniciativa privada corrigiu a falta de mercado. Joaquim Inácio Pereira, em agosto de 1839, dizendo-se ‘excitado pelo amor do aumento e progressivo engrandecimento desta Capital’ dirigiu-se à Câmara Municipal oferecendo ‘para aliviar o ônus pecuniário imposto às pessoas que para a extração dos seus gêneros procuram a Casa do Mercado e Açougue Público deste Município, uma parte do edifício de sua propriedade que está acabando de construir na rua da Conceição, para Mercado e Talho Público, independente de estipêndio algum do Cofre Municipal ou dos povos e ainda se obrigava a fornecer balanças de capacidade, pesos aferidos, e mais arranjos necessários aos misteres para que se destina a parte da
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casa’ (CASCUDO, 1999, p. 157-158, grifos em negrito: nossos; grifos
em itálico: do autor).
Como nos indica a citação, a Cidade do Natal já se encontrava no século
XIX, e ainda sem um mercado, um dos principais elementos indicadores da função
essencial de uma cidade, que é a de comercialização (PINTAUDI, 2015) ou de
trocas (FERNANDES, 2014). Ademais, a presença do mercado facultaria não só a
troca, mas também fomentaria já a formação de um mercado de trabalho, bem como
o encontro entre os citadinos, contribuindo assim no desenvolvimento da urbe
natalense.
Ao que nos parece, essa carência de um mercado público era uma condição
incômoda a certo estrato social da época, formado pelos comerciantes, mesmo que
individualizados em seus negócios, já que partiu da iniciativa privada superar tal
condição da ausência de mercado em Natal.
Sobre o processo de concessão da estrutura do mercado por parte da
iniciativa privada, Cascudo (1999) relata que, um ano após ter sido feita a oferta, “A
Câmara Municipal, em sessão ordinária de 18 de agosto de 1840, aceitou o
oferecimento, mas que todos os concorrentes pagariam o imposto previsto no
orçamento [...]” (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos nossos). Aceitando a oferta, sem
abrir mão dos impostos devidos por parte dos comerciantes, a municipalidade estava
demonstrando, ao mesmo tempo, desinteresse em prover a cidade de um mercado
público, e pouca vontade em firmar parceria com a iniciativa privada. Insatisfeito,
“Joaquim Inácio escreveu um ofício [...] e tornou sem efeito o seu gesto”
(CASCUDO, 1999, p. 158), permanecendo assim a cidade sem nenhum mercado no
qual pudesse dispor seus bens à troca.
Mas a iniciativa privada continuou a perseguir seu interesse por um
mercado. Assim,
Vencido pela imponência da Câmara Municipal, Joaquim Inácio peticionou à Assembléia Provincial16 [...]. E declara que ‘é geralmente sabido que não há nesta Capital uma Casa do Mercado Público onde se encontre a necessária comodidade, segurança e asseio’. Reavivava o oferecimento e pedia a dispensa dos impostos
para os negociantes que expusessem gênero do país nessa nova e futura instalação, gratuita e habilmente proveitosa por fixar o comércio derredor do seu estabelecimento. A Assembléia
16
Correlata à atual Assembleia Legislativa do RN.
85
Provincial aceitou tudo (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos em
negrito: nossos; grifos em itálico: do autor).
Esta é a primeira expressão material de mercado público na Cidade do
Natal: uma casa particular, cujo proprietário, comerciante, colocou à disposição do
poder público para que a sociedade natalense pudesse utilizar como mercado. Esse
mercado era localizado na Rua da Conceição, onde atualmente se localiza da Praça
7 de Setembro, no bairro Cidade Alta (CASCUDO, 1999).
A respeito dessa casa particular que servira como mercado público, Teixeira
(2009, p. 442) reforça: “Em Natal, uma casa funcionava como mercado situado na
rua da Conceição. Era, no entanto, uma casa privada. A construção do primeiro
mercado verdadeiramente público somente se inicia em 1860 e se prolonga por 32
anos.” Vemos assim que tanto Teixeira (2009) quanto Cascudo (1999) expõem em
relação à utilização de uma casa privada como mercado público, assim como em
relação ao ano do início da construção do mercado público, que se deu em 1860.
Mas esse não era ainda o mercado público da cidade. E então, “[...] a
Câmara Municipal ficou ruminando a derrota” (CASCUDO, 1999, p. 158). O que o
autor denomina de “derrota” se refere tanto à perda da cobrança de impostos junto
aos comerciantes, como resultado das negociações que foram firmadas entre a
Assembleia Provincial e os comerciantes, quanto ao fato de os comerciantes terem
obtido tal conquista junto a uma instância superior ao nível municipal, porque se deu
em nível de Província do RN.
E assim, “Somente a 7 de junho de 1860 o presidente José Bento da Cunha
Figueiredo Júnior, com discurso solene, punha a primeira pedra para o edifício do
Mercado Público na Cidade Alta, ao lado do Quartel da Tropa de Linha”, que
corresponde atualmente às instalações da Escola Estadual Winston Churchill, na
Avenida Rio Branco, bairro Cidade Alta (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos nossos).
Após terem decorrido vinte anos do início da mobilização no sentido instalação de
um mercado – 1840 a 1860 –, o poder público municipal passou a se interessar pela
matéria “mercado público”, após a iniciativa privada ter dado o primeiro passo.
Esse “[...] mercado demorou trinta e dois anos a erguer-se” (CASCUDO,
1999, p. 159), quando “Finalmente a 7 de fevereiro de 1892, no regime republicano,
a Junta Governativa [...] inaugurou o mercado” (CASCUDO, 1999, p. 159, grifos
nossos). Ao considerarmos o ano da inauguração do mercado público, já houvera
86
decorrido cinquenta e dois anos entre o interesse da iniciativa privada e o do poder
público.
Há ainda que acrescentarmos em relação à cronologia do Mercado Público
da Cidade Alta, não só pelo equipamento forma por si só, mas pelo que o mesmo
representava enquanto centralidade no referido bairro, em cada período. Esse
mercado foi demolido por volta da década de 1930, sendo reconstruído na gestão do
prefeito Gentil Ferreira, e inaugurado em 1937. Entretanto, em 1967, um incêndio
pôs fim a essa forma que outrora representava lugar de encontro para a sociedade
natalense. Atualmente, o local onde se erguia o referido mercado abriga o Banco do
Brasil (Figura 03), com duas agências conjugadas.
Figura 03 – Banco do Brasil
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Se, por um lado, a municipalidade demonstrava pouco interesse em oferecer
à atividade comercial uma estrutura física adequada, por outro, zelava para com a
regulação desta mesma atividade. É o que depreendemos ao examinar o que
defende Teixeira (2009, p. 438), de que,
No que se refere à legislação, a regulamentação da atividade comercial constitui objeto de uma atenção particular por parte dos
oficiais da Câmara e do governo da província. Os legisladores das posturas municipais, ansiosos por tudo controlar, se dedicarão de
87
maneira especial à atividade comercial urbana. As prescrições
legais, inúmeras, se resumem essencialmente aos seguintes pontos: os horários e os dias de abertura dos comércios; os impostos dos produtos importados e vendidos; os pesos e medidas a utilizar nas transações; a autorização para o exercício da profissão para vendedores estrangeiros à localidade; a regulamentação das feiras, da utilização do mercado e do matadouro público, as multas e infrações, entre outros (grifos nossos).
Do que foi exposto pelo autor, dá para identificar o interesse do poder
público pelo controle da atividade comercial e pela arrecadação dos impostos que
incidiam sobre a referida atividade, ainda que esse poder não tenha se interessado
pelos pleitos apresentados pelos comerciantes com vistas à implantação de um
mercado público. A ênfase na legislação se fazia porque, na visão dos legisladores
da Câmara e do Governo da Província, “Do ponto de vista da legislação, portanto,
era a motivação comercial que deveria contribuir para o desenvolvimento das
cidades” (TEIXEIRA, 2009, p. 438-439).
Em sua inquietação sobre a ausência de mercado no espaço urbano
natalense, Cascudo (1999) pergunta como era antes da inauguração do mercado,
sendo ele mesmo quem responde em seguida: “E antes da inauguração? A Câmara
alugava casas na Cidade Alta e Ribeira, e havia a Quitanda no cruzamento da rua
João Pessoa com a Avenida Rio Branco, então rua do Sarmento e Rua Nova”
(CASCUDO, 1999, p. 159). Na literatura de Câmara Cascudo, já encontramos
referência ao bairro da Ribeira como integrante da dinâmica comercial da Cidade do
Natal, juntamente com o bairro Cidade Alta, mesmo que a ênfase seja dada a este
último, por citar o cruzamento da Rua João Pessoa com a Avenida Rio Branco.
Retomando as informações supracitadas, identificamos já esse segundo núcleo
urbano entrando no cenário comercial de Natal: a Ribeira, a qual sempre dividiu
atenção no cenário da centralidade urbana em Natal frente à Cidade Alta, pelas
funções que sempre desempenhou, e sobre as quais discorreremos adiante.
Com o objetivo de precisar sobre a estruturação das atividades de comércio
e de serviços nesse trecho do no bairro Cidade Alta, no “cruzamento da rua João
Pessoa com a avenida Rio Branco”, acrescentamos que corresponde, na atualidade,
de um dos lados da Avenida Rio Branco, à Praça Presidente Kennedy (Figura 04),
sendo ainda uma área de forte concentração comercial e de serviços no centro
histórico de Natal.
88
Figura 04 – Praça Presidente Kennedy
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Nessa Praça, está localizado o Ducal Palace Hotel (Figura 05), importante
equipamento quando do início da estruturação da atividade turística na Cidade do
Natal, a partir da década de 1980.
Figura 05 – Ducal Palace Hotel
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
89
Enquanto que do outro lado da referida Avenida, em alguns períodos do
mês, como por ocasião do pagamento dos servidores públicos ou em período
festivos, ocorre uma intensa dinâmica comercial, com produtos expostos ao ar livre,
com a presença de artesões que vendem seus produtos, somando-se às lojas ali
instaladas regularmente, como a Lojas C&A, cadeia de lojas de abrangência
nacional (Figura 06).
Figura 06 – Artesões e Lojas C&A
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Já sobre o mercado público que havia sido inaugurado em 1892, com o
passar do tempo, relata Cascudo (1999, p. 159) que,
Nove anos depois o mercado estava uma ruína. Ninguém tinha o atrevimento de demorar por perto, temendo o desabamento. [O mesmo foi reformado] e houve a inauguração outra vez solene na manhã de novembro de 1901. O mercado media dezesseis metros por dezesseis e muita gente achou que era um despropósito de grande (grifos nossos).
Retomaremos a seguir alguns pontos destacados na citação, com vistas à
discussão. O primeiro é de que um mercado público, cuja vida útil foi de menos de
uma década, e já se encontrava em ruínas, indica a pouca importância que o poder
público dedicava ao trato com as atividades econômicas da cidade, as quais tinham
90
como foco o comércio. Já o segundo, ao informar Cascudo (1999) que, quando da
reinauguração do referido mercado, em 1901, considerando sua área total de 256m²
(metros quadrados), já era motivo de admiração por parte da sociedade.
Esses dois aspectos nos indicam a pouca importância que a atividade
comercial adquiria na Cidade do Natal, seja pela pouca atenção do poder público,
seja pela pouca expressividade que era esperada da forma física de um mercado.
Se de um lado o poder público investia pouco em instalações físicas para comportar
a atividade comercial; de outro, a própria sociedade, por uma visão consoante à
baixa expressividade da atividade comercial, admirava-se da estrutura do mercado
público, considerando-a um “despropósito”.
Ademais, essa condição de pouca expressividade comercial de Natal não
fica circunscrita ao seu interior. Face ao contexto regional do Nordeste, quem
ganhava destaque no cenário comercial era a cidade de Recife, que recebia a maior
parte dos produtos agropecuários oriundos do sertão potiguar, encaminhando, em
contrapartida, produtos manufaturados para serem comercializados no mercado
natalense.
Com relação à evolução das atividades econômicas em Natal, com foco no
comércio e nos serviços, e como elemento físico o mercado, outros bairros entraram
em cena no processo de produção do espaço urbano: “Os bairros possuem os
mercados: a Ribeira, desde Ferreira Chaves17, o Alecrim, com o Prefeito Gentil18
Ferreira, e o Tirol com o prefeito José Varela19” (CASCUDO, 1999, p. 159, grifos
nossos). E assim, deu-se uma incipiente expansão do núcleo comercial de Natal, até
então concentrado na Cidade Alta, tendo uma significativa expressão também a
Ribeira, que então se estruturava do ponto de vista comercial.
Cidade Alta, Ribeira e o Alecrim são os bairros que se destacam na
formação do Núcleo do Centro histórico de Natal, principalmente, ao considerarmos
a prática cotidiana da sociedade natalense. Podemos considerar então, ser nesses
três bairros que se conformam as mais remotas expressões de centralidade urbana
em Natal.
Mas, ao focarmos nosso olhar sobre os bairros Ribeira e Cidade Alta, por
serem os mais antigos, relatos históricos expõem a dualidade entre ambos, ora pela
17 Eleito governado do RN em 1895 (FUNDAÇÃO..., 2016). 18 Prefeito de Natal entre 1931-1932 (NATAL..., 2015). 19 Prefeito de Natal entre 1943-1946 (NATAL..., 2015).
91
presença de instituições importantes da gestão, ora pela importância econômica de
um e de outro no cenário urbano; ou ainda, pela rivalidade entre “xarias” e
“canguleiros”20, como relata Cascudo (1999, p. 233-234):
Entre xarias e canguleiros a rivalidade era velha e durou dezenas
de anos. Moleques, valentões, meninos de escola, desocupados, praças do Exército e do então Batalhão de Segurança mantinham o fogo sagrado dessa separação inexplicável. Naturalmente as famílias da Cidade e da Ribeira conviviam com afeto. Os meninos, os criados, esses, encontrando gente de um bairro no outro lado, iam às vias de fato, infalivelmente. O grito de guerra era: Xaria não desce! Canguleiro não sobe! (grifos em negrito: nossos; grifos em itálico: do
autor).
Ambos os grupos tinham um motivo próprio para o seu nome: “Canguleiro
era o comedor de cangulo e xaria era o comedor de xaréu. Os apelidos vieram
dessa simpatia gastronômica” (CASCUDO, 1999, p. 234). Eles também viviam em
territórios distintamente demarcados: “Da ponte para cima [na Ribeira] viviam os
xarias. Da ponte para baixo moravam os canguleiros” (CASCUDO, 1999, p. 233).
Apesar da contemporaneidade no desenvolvimento das atividades urbanas
na Cidade do Natal, entre os bairros Ribeira e Cidade Alta, é este último quem
guarda o “marco zero” da formação da cidade, símbolo de sua fundação. Falar do
início da formação de Natal é falar do bairro Cidade Alta. É este bairro, ainda hoje, o
“Centro” por excelência da Cidade do Natal. Quando os citadinos natalenses se
referem a “ir ao centro”, estão dizendo que irão à Cidade Alta, bairro este
essencialmente comercial e de serviços, mas também de caráter histórico e
simbólico na formação da identidade dos citadinos natalenses. Em linguagem
coloquial, essa expressão de “ir ao centro” ou “ir às compras” (FERNANDES, 2014),
em Natal, transforma-se em “ir à cidade”, como se estivesse fora dela, tal é o peso
da representação dessa porção do espaço urbano de Natal para seus citadinos, que
adquire expressões sob a forma de metonímia – “ir à cidade”, “comprar na cidade”,
“estar na cidade” –, causando certo estranhamento do ponto de vista conceitual
quanto à utilização uso do termo “cidade”.
Na verdade, o uso do termo “centro” aplicado ao bairro Cidade Alta não
corresponde a toda a extensão territorial do referido bairro, mas à porção na qual
20 Xarias: moradores do bairro Cidade Alta, razão da expressão “xaria não desce!”; Canguleiros: moradores dos bairros das Rocas e Ribeira, razão da expressão “canguleiro não sobe!”.
92
são mais evidentes as atividades de comércio, serviços e gestão, principalmente.
Essa conduta só reforça a defesa corrente na literatura sobre centralidade, de que o
centro, para sê-lo, há que ser dinâmico, há que ter movimento, enfim, ser lugar de
encontro de pessoas, as quais são atraídas pelo conteúdo que esse centro tem a
oferecer.
Como relata Cascudo (1999, p. 233, grifo do autor). Precisamente, “A
Cidade Alta, começava numa colina, vértice do ângulo formado pela junção de duas
ruas, Junqueira Aires/Avenida Câmara Cascudo e Padre João Manuel, no square21
de Pedro Velho [localizado na Praça das Mães]” (Figura 07).
Figura 07 – Praça das Mães
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
O referido autor ainda acrescenta que “A Cidade Alta era o bairro residencial
e comercial por excelência” (CASCUDO, 1999, p. 151). E mesmo esta sendo uma
característica do início da sua formação, o bairro ainda preserva essas duas
funções, haja vista concentrar o comércio histórico da cidade, consorciado ainda a
muitas residências, mesmo que algumas em condições precárias, principalmente, no
21
O “square de Pedro Velho” consistia numa porção delimitada em forma de quadrado, na Praça das Mães, no bairro Cidade Alta, contendo um monumento em homenagem a Pedro Velho, primeiro governador do RN. Atualmente, esse monumento está instalado na Praça Pedro Velho ou Praça Cívica, no bairro Petrópolis (CASCUCO, 1999).
93
que se refere à acessibilidade e à segurança.
A partir desse “vértice” ao qual Cascudo (1999) se refere no trecho
anteriormente citado, seguindo em direção nordeste, está localizado o bairro da
Ribeira, núcleo urbano com o qual a Cidade Alta sempre dividiu a atenção no
contexto urbano natalense, em termos históricos, comerciais e de gestão. Conforme
indica o referido autor, “Natal sempre se dividiu em dois bairros veteranos de seu
povoamento: Cidade Alta e Ribeira” (CASCUDO, 1999, p. 233).
Interessante notar que apesar de a literatura sobre a história de Natal
sempre fazer referência apenas aos bairros Cidade Alta e Ribeira, enquanto bairros
formadores do centro de Natal, ao aprofundarmo-nos nas discussões, identificamos
a participação de um terceiro bairro, o Alecrim, nesse processo, razão pela qual
decidimos denominar a esses três bairros, em conjunto, de Núcleo do Centro
Histórico de Natal. Ainda assim, dentre esses três bairros, o que prevaleceu como
“centro”, denominado e reconhecido desta forma pela população, efetivamente, foi a
Cidade Alta. Certamente, o caráter histórico foi determinante, por ter sido nesse
bairro que se deu a fundação da cidade. Mas também o comércio contribui para
consagrar à Cidade Alta a denominação de “Centro de Natal”, haja vista essa
atividade perdurar até então, com forte expressividade. Dessa forma, falar do centro
de Natal é falar da Cidade Alta, independente de quaisquer pontos de vista. Para
este fim, o que conta é a experiência do vivido.
Ainda sobre a dualidade existente entre a Ribeira e a Cidade Alta, podemos
dizer que até mesmo “A vida social se [...] [dividia] entre o Forte e a cidade
pequenina. Ambos os centros eram ribeirinhos [...]” (CASCUDO, 1999, p. 57). Natal,
a “cidade pequenina”, no dizer do autor, corresponde ao bairro Cidade Alta;
ribeirinha, porque margeada pelo estuário do Rio Potengi. Já o Forte, enquanto
marco de referência para a Ribeira, igualmente numa condição ribeirinha, por seus
alagadiços, e também pela proximidade ao Oceano Atlântico, no qual foi erigido o
Forte dos Reis Magos, quando da fundação de Natal.
A Cidade Alta reúne três das principais expressões ou dimensões da
centralidade urbana: a histórica, a simbólica e a comercial. Isto porque, além de
abrigar o centro histórico de Natal, é neste bairro que estão as sedes de alguns
importantes equipamentos de gestão, como a Assembleia Legislativa do RN, o
Tribunal de Justiça do RN e a Prefeitura Municipal de Natal (Figuras 08, 09 e 10),
concentradas no entorno da Praça 7 de Setembro, importante símbolo da
94
estruturação do espaço urbano de Natal, juntamente com a Praça André de
Albuquerque.
Figura 08 – Assembleia Legislativa do RN
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Figura 09 – Tribunal de Justiça do RN
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
95
Figura 10 – Prefeitura Municipal de Natal
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
É também no entorno desta praça que se fez presente o poder religioso,
representado pela Catedral Metropolitana de Natal, sede do governo arquidiocesano
da Igreja Católica até 1988, e o Palácio Episcopal (Figura 11), presente até então. Já
no entorno da Praça 7 de Setembro, outro símbolo do poder religioso é a presença
da Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN (Figura 12). Ainda
quanto ao aspecto simbólico, nesse mesmo perímetro, encontram-se o Palácio da
Cultura/Pinacoteca Potiguar (Figura 13), que até a década de 1980 foi sede do
governo do estado, e alguns museus, como o Museu de Arte Sacra, na Igreja Santo
Antônio ou “Igreja do Galo” e o Museu Café Filho.
96
Figura 11 – Palácio Episcopal
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Figura 12 – Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
97
Figura 13 – Palácio da Cultura
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
Ademais, essa porção da Cidade Alta é considerada como o centro de Natal,
por oferecer a mais tradicional concentração de comércio e de serviços, cujo foco
principal é a Avenida Rio Branco, mas tem sua abrangência compreendida, no
sentido oeste/leste, entre a Praça André de Albuquerque e a Avenida Deodoro da
Fonseca; e sentido sul/norte, entre as Ruas Apodi e Correia Teles, formando um
perímetro comercial dinâmico e de forte identidade (Mapa 03).
98
Mapa 03 – Perímetro comercial da Cidade Alta
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: SPINOLA, 2016;
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
99
Porém, o Núcleo do Centro Histórico de Natal não é constituído apenas do
bairro Cidade Alta. Também fazem parte deste núcleo os bairros da Ribeira e do
Alecrim. Assim, o bairro da Ribeira, como um dos núcleos urbanos formadores do
Núcleo do Centro Histórico de Natal, cujo nome “Ribeira”, como afirma Cascudo
(1999, p. 233), “[...] denuncia um alagadiço d’água salobra que se espraiava por
toda a praça Augusto Severo, também conhecido como o Salgado” (grifo do autor),
por “[...] ser um bairro residencial e com maior comércio” (CASCUDO, 1999, p. 105),
dividia com a Cidade Alta a importância comercial na cidade até o pós Segunda
Guerra Mundial.
Dada a importância da atividade comercial no bairro da Ribeira, houve um
incremento na sua estrutura física. E, “A partir de 1850 construíram os prédios de
pedra-e-cal na rua do Comércio, alvoroço da venda e compra de açúcar e
algodão” (CASCUDO, 1999, p. 152, grifos nossos). Resgatamos os destaques feitos
na citação, reforçando que ter uma rua com o nome “rua do comércio” – atual Rua
Chile (Figura 14) –, à época, era uma forma de evidenciar a importância daquela
atividade para o bairro; já outro resgate a ser feito é quanto ao açúcar e ao algodão,
estes eram dois dos principais produtos de exportação que eram escoados pela
Ribeira, cuja importância recai sobre o Porto de Natal, criado no ano de 1932
(CODERN..., 2015).
Figura 14 – Rua Chile, na década de 1940 (esquerda), e em 2006 (direita)
FONTE: NATAL..., 2006
Quanto à nomenclatura das ruas, em especial, da “Rua do Comércio” na
Ribeira, revelando a importância da atividade econômica vigente, nosso pensamento
é reforçado por Teixeira (2009, p. 444) ao dizer que
100
[...] a atividade comercial que parece constituir a razão de ser dos centros urbanos se manifesta na própria nomenclatura das ruas. À medida que as cidades se organizam, que as ruas e os edifícios se tornam paulatinamente o objeto de atenção do poder público, laico, ganham importância a denominação das ruas e a numeração das edificações. [...] As ruas, os largos e as praças batizadas ‘do comércio’ ou ‘do mercado’ são frequentes.
E assim, a importância do bairro da Ribeira figura não só para a Cidade do
Natal, antes, para a Província do RN, pela sua importância no processo de
exportação do algodão e do açúcar.
O referido bairro ampliou ainda mais sua importância quando,
Em 1869, o presidente da Província, Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque, mandou fazer o Cais 10 de Junho, atualmente Tavares
de Lira, e no ano seguinte transferiu a sede da administração provincial para o sobradão da rua do Comércio, deixando o palácio de taipa-e-pedra da rua da Conceição [na Cidade Alta] (CASCUDO, 1999, p. 152, grifos do autor).
E assim, como informa Cascudo (1999, p. 152-153, grifos do autor), “A
Ribeira ficou toda orgulhosa e deu para zombar da Cidade Alta. Creio que desse
tempo surgiu a conhecida rivalidade acesa e os apelidos para os moradores dos
dois bairros, canguleiros para a Ribeira e xarias para a Cidade Alta”.
Dessa forma, a rivalidade que já perdurava entre a Cidade Alta e a Ribeira
se transferia do âmbito da sociedade ao da gestão. Na verdade, e certamente, uma
demanda por parte da atividade comercial, centrada nas atividades de exportação,
dada sua importância à época. Mas que a rivalidade estava oficializada, essa é uma
asserção que não podemos desconhecer, haja vista ter passado da esfera do
cotidiano da sociedade para a esfera da gestão pública.
Resultante da importância da atividade exportadora do algodão e do açúcar,
e da presença da gestão da Província do Estado do RN,
A Ribeira conservou os grandes hotéis da época, as casas comerciais, armarinhos, alfaiates, farmácias, clubes de danças, o primeiro cinematógrafo da cidade, o Politeama, de Petronilo de Paiva, inaugurado a 8 de dezembro 1911 e que resistiu vinte anos (CASCUDO, 1999, p. 154-155).
A Ribeira assumiu a condição de centro da gestão provincial, e depois do
governo do estado por trinta e três anos – entre 1870 a 1902 –, transcorrendo esse
101
período entre o Brasil Império (1822 a 1889) e o Brasil República (desde 1889),
quando “Somente em março de 1902 o governador Alberto Maranhão transferiu a
sede administrativa do palácio da Ribeira (Figura 15), casarão particular alugado,
para o prédio da Assembléia e do Tesouro, oficial, onde ficou até hoje [1990]”
(CASCUDO, 1999, p. 154-155).
Figura 15 – Palácio da Ribeira
FONTE: NATAL..., 2006
Na verdade, julgamos importante esclarecer alguns pontos nessa
informação supracitada. O prédio da “Assembléia e do Tesouro” ao qual Cascudo
(1999) faz referência corresponde ao Palácio Potengi, que fora inaugurado em 1873;
em 1902, passou a ser sede do governo do RN, o qual se transferiu para a
Governadoria, no Centro Administrativo de Natal, em 1997 (NATAL..., 2008a). Hoje,
o referido prédio é conhecido como Palácio da Cultura, abrigando a Pinacoteca
Potiguar, e sediando diversas exposições e apresentações culturais ao longo do
ano.
Tendo por base esses relatos, sob um misto de memória histórica e memória
da atividade comercial, vemos sempre em cena, na conformação do Núcleo do
Centro Histórico de Natal, os bairros Ribeira e Cidade Alta. Esses dois bairros, como
já dissemos, e o pensamento de Cascudo (1999) ratifica, disputavam a condição de
centralidade urbana na Cidade do Natal, ora por abrigar instituições da gestão
102
pública, ora por apresentar, um ou outro, maior expressividade comercial.
Além da Cidade Alta, “A Ribeira fixou o comércio. Foi seu domínio. A
primeira rua paralela ao rio [Potengi] se disse rua do Comércio (rua Chile), onde os
armazéns se erguiam, recebendo pau-brasil, algodão, açúcar, tatajuba, peixe seco,
etc.” (CASCUDO, 1999, p. 237).
Sobre a exportação do açúcar e do algodão Cascudo (1999, p. 242, grifo
nosso) informa que “Quase todo [...] açúcar era vendido em Guarapes e embarcado
para a Inglaterra, diretamente.” Isto porque, juntamente com o algodão, outra parte
do açúcar era exportada pela Ribeira, sendo intermediado pelo estado de
Pernambuco, enquanto entreposto comercial em relação ao comércio exterior.
Relata Cascudo (1999, p. 242) que
O algodão, com as guerras norte americanas do Norte contra o Sul,
inutilizados os Campos pela luta, ganhou terreno e seduzia como um vício novo. Era uma valorização entontecedora, como os salários da indústria da guerra embriagam. A produção norte-rio-grandense não se multiplicou mas as rendas deslumbravam porque o algodão ganhara preço e a menor quantidade pesava ouro (grifo nosso).
A sociedade da Ribeira era formada, essencialmente, por comerciantes,
como relata Cascudo (1999, p. 241), que “Quando Koster22 visitou Natal, novembro
de 1810, a Ribeira era o bairro dos comerciantes; [...] teria trezentos habitantes. [...]
Eram revendedores, importadores e exportadores.”
E assim, ao compararmos o comércio da Cidade Alta ao da Ribeira,
depreendemos que, enquanto o comércio da Cidade Alta estava voltado para o
suprimento das necessidades básicas da sociedade natalense; o da Ribeira, para a
exportação. Essa diferença fica evidente se compararmos as duas formas físicas
que se estruturavam em cada um dos bairros: na Cidade Alta, a forma principal era o
mercado público e a quitanda, nos quais eram dispostos bens para comercialização
junto à população; já na Ribeira, a estrutura material era representada pelos
armazéns para estocagem de produtos vindos do interior, voltados para a
exportação. Como informa Cascudo (1999, p. 241), em 1854, “Os dois produtos mais
exportados tinham sido o algodão em pluma [...] e o açúcar branco [...] para
Pernambuco”. Vemos assim que o bairro da Ribeira, essencialmente, era voltado à
22 Chamado também de Henrique da Costa, empresário e pintor português, que se tornou senhor de engenho, e fez relatos sobre a Cidade do Natal (CASCUDO, 1999).
103
dinâmica externa da produção do espaço urbano de Natal.
Se para discorrermos acerca dos dois principais bairros reconhecidos como
constituintes do Núcleo do Centro Histórico de Natal, a saber, Cidade Alta, por sua
condição histórica, por ter sido nele que se deu a fundação da Cidade do Natal; e a
Ribeira, por sua condição comercial, voltada para a exportação, lançamos mão das
obras de Cascudo (1999) e de Teixeira (2009).
Para ampliarmos essa apreensão do Núcleo do Centro Histórico de Natal,
incluiremos a partir de então, e com mais veemência, discussões em torno do bairro
Alecrim, mantendo no diálogo, além das obras já citadas, outras, como o trabalho de
Cunha (1987), que trata da expansão territorial urbana de Natal; Lima (2003), que ao
tratar do saneamento e modernização em Natal, foca o Alecrim; e principalmente, o
que obtivemos do exame de uma produção mais específica quanto ao Alecrim, que é
a de Bezerra (2005), o qual estudou o referido bairro, vendo a sua reafirmação
enquanto tal, apreendendo-o, para este fim, desde o início do seu processo de sua
formação, até o momento da referida publicação, estabelecendo diálogo também
com Cascudo (1999) e com outras obras contemporâneas, inclusive, com a
produção de órgãos públicos.
Entendemos e defendemos que se faz necessário essa ampliação da noção
do Centro Histórico de Natal para Núcleo do Centro Histórico de Natal porque a
referida cidade, desde o início da formação do seu centro urbano, apresentou uma
tendência ao multicentrismo, conformando uma expressão territorial múltipla de
centralidade (SPOSITO, 2010). Dessa forma, a apreensão da centralidade do Centro
Histórico de Natal limitada a um bairro se torna inviável, demandando essa
ampliação ora proposta.
Ademais, falar do Centro Histórico de Natal circunscrito tão somente aos
bairros Ribeira e Cidade Alta representa um caráter limitante, pelo fato de volver a
atenção da centralidade urbana ao domínio dos estratos sociais mais abastados,
formados pelos comerciantes, correspondente à classe dirigente à época. Enquanto
que o bairro Alecrim entrou nesse processo de conformação do Núcleo do Centro
Histórico de Natal pelo fato de abrigar os estratos sociais formados pelos
despossuídos, por aqueles que vinham do interior do RN tentar sobreviver na
Capital, atraídos por promissoras oportunidades. Faz-se mister, então,
abandonarmos o discurso de Centro Histórico de Natal, limitado ao bairros Cidade
Alta e Ribeira, porque representa o discurso da elite, e adotarmos a, de forma
104
veemente, a expressão Núcleo do Centro Histórico de Natal, incluindo, além da
Cidade Alta e da Ribeira, o Alecrim. Isto porque este foi, efetivamente, o resultado do
processo de formação da centralidade urbana em Natal.
O bairro do Alecrim, como integrante do Núcleo do Centro Histórico de Natal,
teve sua denominação original como “Refoles” por fazer referência a um corsário
francês, Jaques Riffault-Refoles. E essa informação é consoante, seja entre os
autores com os quais ora estabelecemos diálogo, seja entre tantas outras obras do
conhecimento da academia e da sociedade natalenses.
Diferente da Cidade Alta, que já teve sua gênese para ser “centro”, e Centro
Histórico da cidade então fundada; e diferente também da Ribeira, que teve seu
processo de formação decorrente da presença de ancoradouros de embarcações e
de uma tênue complementaridade comercial em relação à Cidade Alta, o Alecrim se
formou enquanto centro comercial, mas já tendo sua origem sob uma condição
periférica. Numa cidade margeada ou limitada a oeste pelo estuário do Rio Potengi,
e a leste pelo Oceano Atlântico, o bairro Cidade Alta, enquanto centro da Cidade do
Natal que então se formara, gestou dois novos bairros vizinhos: a Ribeira, ao norte;
e o Alecrim, ao sul. E é interessante notar, muito mais adiante na história dessa
cidade, que foi exatamente nestes sentidos – norte e sul – que a maior parte da
expansão urbana de Natal se desenvolveu. Mas essa é uma discussão posterior.
Periférico, inicialmente pouco urbano e pouco comercial, nasceu o bairro do
Alecrim. Sua origem se fez muito mais em função do acesso e da sua proximidade
em relação aos municípios vizinhos a Natal, em especial, Macaíba, como relata
Cascudo (1999, p. 357) que o
Alecrim, com o acesso para o sertão por Macaíba, ficou sendo o bairro sertanejo, sítios que pareciam fazendas, vacarias, feiras, simplicidade de vida, roupa e atividades. Surgiram pequeninos hotéis para os comboios que carregavam e descarregavam. Os primeiros caminhões o algodão, fixavam seus motoristas e patrões acanhados nos alojamentos do Alecrim.
Igualmente a Cascudo (1999), e por ter dialogado com ele, Bezerra (2005)
fala dessa condição do bairro do Alecrim enquanto ligação com o interior do estado
do RN, e enquanto ponto de apoio aos viajantes que vinham a Natal, atraídos a
negócios urbanos. Entre outros argumentos, afirma:
105
No século XIX, o Refoles [Alecrim] era um dos pequenos povoados que davam assistência aos viajantes que se dirigiam para o núcleo urbano natalense. Da localidade, existia um caminho que o ligava à Cidade Alta. Posteriormente, foi construído o prolongamento de duas estradas de ferro que, além de intensificar a vinda dos comerciantes do interior, levavam passageiros e produtos para os estados da Paraíba e de Pernambuco, obra de suma importância para o desenvolvimento do povoado (BEZERRA, 2005, p. 82).
E apesar de Bezerra (2005, p. 85) precisar a data de criação do bairro em
tratamento, que é 23 de outubro de 1911, é Cascudo (1999) quem aponta que o
Alecrim remonta a três séculos antes, o que nos possibilita afirmar ser o referido
bairro constituinte do Núcleo do Centro Histórico de Natal: “O mais antigo documento
mencionando Refoles [Alecrim] como terreno marginal ao Potengi é uma doação de
terras que o Senado da Câmara faz ao capitão Pedro da Costa Falheiro, em 4 de
agosto de 1677 [...].” (CASCUDO, 1999, p. 247, grifo do autor).
Essa condição do Alecrim como parte integrante do Núcleo do Centro
Histórico de Natal se faz, como vemos, muito mais em função do seu conteúdo do
que da sua condição jurídica, haja vista ter sido criado efetivamente muito tempo
depois da fundação da Cidade do Natal e do início do processo de formação do seu
espaço urbano. Mesmo porque, como já expusemos sobre a condição de Natal
enquanto cidade, segundo o pensamento de autores como Cascudo (1999) e
Teixeira (2009), de que apresentava pouco nível de urbanidade, o Alecrim também
apresentava essa mesma característica:
Como o terreno se prestava ao plantio de mandioca, Refoles [Alecrim] teve sempre a presença de agricultores nas residências bem distanciadas e difíceis de união. Era tão longe e tão deserto que os presidentes da Província [do RN] aproveitavam a solidão construindo asilos, barracões de palha, abrigando, como isolamentos, os pobres que adoeciam de varíola (CASCUDO, 1999, p. 248).
Como núcleo urbano em formação, juntamente com os bairros da Cidade
Alta e da Ribeira, o Alecrim apresentava essa singularidade, por suas características
mais afeitas ao rural, como é descrito também por Bezerra (2005, p. 82):
[...] nesta área, existiam sítios, granjas e pequenas criações de animais. [...] Era uma área que se resumia na presença de poucos casebres de taipa, que não chegavam a uma dezena, não muito distante do limite urbano de Natal que se dava ao Norte de um
106
chafariz, localizado no final da Cidade Alta.
Dessa forma, o Alecrim se formou, simultaneamente, como uma extensão do
sertão e da cidade, por seu conteúdo e por sua situação geográfica. Vejamos: por
seu conteúdo, o Alecrim tinha a presença de viajantes que acorriam ao bairro com
produtos agropecuários para colocá-los à troca no comércio local; também por seu
conteúdo, assemelha-se ao bairro Cidade Alta, com suas características de pouca
urbanidade, poucas residências etc; já quanto à sua situação geográfica, o Alecrim
se limitava ao norte com a Cidade Alta, sendo via de acesso a este bairro, e ao sul
com Macaíba, sendo também via de acesso a este município. E essa é ainda, na
atualidade, uma condição do bairro do Alecrim, de ser via de acesso para diversas
áreas de Natal, e até mesmo do interior do RN.
Do que temos indicado como componentes da natureza da centralidade
urbana, a saber: conteúdos, processos e formas, o Alecrim, apesar de ter sua
gênese a partir de um ambiente rural, e por sua condição periférica, tinha presentes
esses três componentes; e além destes, a situação geográfica, que interligava a
cidade ao interior, como fator preponderante para sua condição de participação
solidária na constituição do Núcleo do Centro Histórico de Natal. Como já apontamos
o conteúdo e a situação geográfica do Alecrim anteriormente, cumpre-nos agora
indicar as formas presentes e os processos que se desencadeavam no Alecrim
quando da sua formação.
Cunha (1987), em sua dissertação de mestrado, ao estudar expansão
territorial urbana de Natal, tem o Alecrim como uma das preocupações, e expõe que
o referido bairro recebia a maior parte da população vinda do interior do estado do
RN, que se instalava na Cidade do Natal à procura de sobrevivência. E, para a
autora supracitada, a razão da identificação da população interiorana com o Alecrim
e a escolha em permanecer nesse bairro se devia ao fato de as suas características
parecerem com as do interior: presença de sítios, currais, vacarias, feiras, enfim, um
modo de vida rural, mesmo dentro de uma cidade.
Por atrair um contingente populacional significativo do interior do estado do
RN, o Alecrim, desde sua gênese (LIMA, 2003), tornou-se o bairro mais populoso da
cidade, tendo deixado de sê-lo somente na década de 1980 (BEZERRA, 2005),
quando a Cidade do Natal já vivenciava um intenso processo de expansão urbana a
norte e a sul, capitaneada pela política de habitação do Sistema Financeiro de
107
Habitação Popular, certamente, um dos motivos da perda de população do referido
bairro.
Os aspectos da formação inicial que o Alecrim apresentava eram pouco ou
nada urbanos – sítios, currais, vacarias, chácaras, feiras –, mas foram importantes
até mesmo para o povoamento de Natal, que é outro tema em debate entre
estudiosos da história urbana dessa cidade, que é de ter sido pouco povoada por
longo período, desde o momento da sua fundação.
Sendo via de acesso externo entre Natal e Macaíba, internamente,
viabilizava acesso para aqueles transeuntes que vinham do interior do RN para
negócios na cidade, como relata Bezerra (2005, p. 84):
Apesar de haver indícios de um rápido desenvolvimento, o Alecrim foi, por muito tempo, apenas uma passagem dos que vinham do interior do estado para negociar nos centros do comércio da cidade – Ribeira e Cidade Alta.
Mais uma vez, o bairro do Alecrim figura como integrante do Núcleo do
Centro Histórico de Natal, por ser ele contemporâneo e solidário em alguns dos seus
processos de formação. Não que o Alecrim deva ser reconhecido como o Centro de
Natal, naquele momento, mas que esse bairro contribuiu enquanto centralidade na
formação do Centro de Natal, a qual se expressou na sua capacidade de ser uma
via de ligação da cidade com o interior do estado do RN, e do interior do RN com o
Centro de Natal, representado pelo bairro da Cidade Alta, oficial e historicamente; e
pela Ribeira, por sua condição comercial voltada para exportação.
Ademais, apesar de o Centro Histórico de Natal (Mapa 04), reconhecido,
tombado e demarcado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) desde 2010, e homologado pelo Ministério da Cultura, em 2014, abranger
partes dos bairros Cidade Alta, Ribeira e Rocas (Mapa 03), conforme a Portaria de
Homologação nº 72, de 16 de julho de 2014 (BRASIL..., 2014b), a arquiteta e
superintendente do IPHAN, Andréa Virgínia Freire Costa, por ocasião da nossa
pesquisa de campo, informou que o Alecrim, juntamente com Tirol e Petrópolis,
serão os próximos bairros a terem partes de suas áreas inclusas no Centro Histórico
de Natal (informação verbal23).
23 Entrevista concedida por Andréa Virgínia Freire Costa, superintendente do IPHAN/RN, em 09/03/2016.
108
Mapa 04 – Centro Histórico de Natal
FONTE: Mapas base: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO..., 2010; NATAL..., 2016a
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
109
É importante esclarecermos a diferença entre o conjunto de bairros que
definimos, nesse trabalho, como Núcleo do Centro Histórico de Natal, formado pelos
bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim; e o conjunto de bairros escolhidos pelo
IPHAN para compor o que é denominado “Centro Histórico de Natal”, que é formado
por algumas áreas dos seguintes bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas. Essa
diferença se estabelece porque, enquanto consideramos a dinâmica da produção do
espaço urbano de Natal ao longo do tempo, tendo como referência as atividades
terciárias, o IPHAN considera o “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”
(PESQUISA DE CAMPO, 2016).
A possibilidade de vir a incorporar esses novos bairros ao perímetro do
Centro Histórico de Natal poderá ocorrer porque, segundo a superintendente do
IPHAN, o estabelecimento de um centro histórico não é um processo acabado, mas
observa-se que além da área do tombamento, a qual não pode passar por
modificação em sua estrutura, há ainda a área do entorno, como forma de
preservação do que já foi tombado; e enquanto se estabelece o processo de
tombamento, outras áreas estão sendo examinadas para serem posteriormente
incluídas no centro histórico.
Retomando nossa exposição a respeito do Alecrim, podemos afirmar que o
bairro passou a adquirir aspectos urbanos, com pequenos comércios, chamados de
mercearias; e um pequeno número de hospedarias, chamadas de pensões. Ambos,
mercearias e pensões, reproduziam o cenário e a prática de comércio e de serviços
vivenciada no interior do RN, e atendia àqueles que vinham a Natal, e necessitavam
de alimentação, hospedagem, bem como a aquisição de bens de consumo.
E mesmo tendo atraído uma população sertaneja, dotada de costumes
camponeses, mas como estes vieram para a Cidade do Natal com o objetivo de
desenvolver atividades laborais que garantissem a sua sobrevivência, logo foram
absorvidos pela atividade de então, que era o comércio, principalmente, seguido de
um tímido setor de serviços, composto por hospedarias, entre outros.
Com essa prática, mesmo tímida, o Alecrim passou a integrar o centro
comercial de Natal, e ganhou significativo impulso ao longo do tempo, sendo hoje
reconhecido pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN
(Fecomércio) como o maior centro comercial de Natal, tendo por base o número de
110
lojas, de clientes e de negócios fechados (informação verbal24), nas palavras do
Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN,
Luciano Kleiber, em entrevista por ocasião da nossa pesquisa de campo.
Diante do exposto, fica patente para nós, mais uma vez, que o conteúdo é
um dos componentes da natureza da centralidade urbana, juntamente com os outros
dois componentes sobre os quais elegemos tratar, quais sejam: os processos e as
formas. Mas esses três componentes da natureza da centralidade urbana não se
expressam necessariamente na mesma medida, nem tampouco simultaneamente,
como podemos observar no caso do Alecrim, em que o conteúdo, representado
pelos bens que eram trocados no comércio, sobrepôs-se às formas, que eram pouco
urbanas, assim como aos processos, os quais ainda eram tímidos, limitados apenas
ao trânsito das pessoas e às trocas comerciais. Dessa forma, o que consagrou o
bairro como parte integrante do Núcleo do Centro Histórico de Natal, quando do
início da sua formação, foi o comércio popular, sendo essa mesma condição que o
reafirma hoje como tal.
Interessante diálogo podemos estabelecer, nesse momento, com o
pensamento de Sposito (2013, informação verbal), que nos alerta para as
expressões imateriais de centralidade urbana, as quais podem ser identificadas, por
exemplo, num shopping center. Observemos então que, cada centro urbano, num
dado momento, guarda um atributo de centralidade, o que configura a sua natureza,
a qual tem a preponderância de um de seus três componentes constituintes, ou dois,
ou até mesmo os três, a depender da realidade que esteja sendo analisada. Importa,
nesse momento, estabelecermos esse diálogo consoante ao pensamento de Sposito
(2013), de que a centralidade urbana é dinâmica, num dado lapso de tempo, tema
sobre o qual já discorremos na primeira seção deste trabalho.
Trazemos à memória que o Alecrim teve sua gênese motivada pela
presença de mercadores sertanejos que vinham do interior do RN, aproveitando o
bairro como via de acesso, transitando por este para se deslocarem à Cidade Alta e
à Ribeira, que eram os bairros comerciais por excelência. Mas essa mesma memória
também lembra-nos o caráter popular do Alecrim, o aspecto humilde, interiorano do
seu ambiente pouco urbano. E são esses atributos que ainda persistem na
contemporaneidade. Falar do Alecrim, na sociedade natalense, é falar do bairro de
24
Entrevista concedida por Luciano Kleiber, Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN, em 02/03/2016.
111
comércio popular; igualmente, é falar de um significativo número de pessoas
simples, que se deslocam de municípios vizinhos a Natal para comprar no comércio
do Alecrim.
Por fim, resta-nos reafirmar o que indicamos anteriormente como bairros
integrantes do Núcleo do Centro Histórico de Natal, e seus respectivos elementos
preponderantes: Cidade Alta, por seu conteúdo histórico, em ser o bairro da
fundação de Natal; Ribeira, por sua função comercial voltada para exportação; e o
Alecrim, num primeiro momento, por ser via de acesso ao interior do RN e ao centro
comercial de Natal, representado pela Cidade Alta e pela Ribeira, e que adquiriu
função comercial posteriormente.
Dessa forma, a constituição do Núcleo do Centro Histórico de Natal, desde o
princípio, já não foi uno, mas múltiplo. Já se fazia presente a tendência ao
multicentrismo, uma vez constituído de modo contemporâneo e cooperativo entre a
Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim; cada um com sua função, conformando-se assim
uma expressão territorial múltipla da centralidade (SPOSITO, 2010).
Esses bairros não rivalizavam ou concorriam entre si pela capacidade de
atração de cada um, como indica Sposito (2010) para que se configure uma
condição de policentralidade. Logo, afirmamos também que por essa condição,
desde o início da formação, a Cidade do Natal apresentou uma centralidade
característica da multicentralidade, a qual se caracteriza pela cooperação entre
várias centralidades, condição que identificamos ao examinarmos as relações
estabelecidas entre a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, quando da gênese do
Núcleo do Centro Histórico de Natal.
Transcrevemos o pensamento de Sposito (2010, p. 204-205), como forma de
esclarecer a respeito da multi e da policentralidade:
A centralidade, assim redefinida, reflete ainda a ideia de concentração. Se temos a multiplicação de centros, podemos nos referir a uma multicentralidade. Porém, é necessário observar que
essas diferentes zonas definem diferentes graus de centralidade. Esses graus articulam-se em função de diferentes níveis de especialização funcional e de segregação socioespacial. As zonas rivalizam entre si na medida em que cada uma delas tenta ampliar sua capacidade de atração. Essa competição entre interesses, indicando um nível de articulação que não corresponde sempre a uma complementaridade, pode permitir-nos falar de policentralidade
(grifos nossos).
112
Para aproximar ainda mais a apreensão que ora fazemos da conformação
do Núcleo do Centro Histórico de Natal ao pensamento da autora então citada,
reforçamos por meio de suas palavras: “[...] se constatamos a existência de mais de
um centro, temos uma multicentralidade. Se constatamos diferentes níveis de
especialização e importância entre esses centros, estamos em face de uma
policentralidade (SPOSITO, 2010, p. 205, grifos da autora). Expostas essas
diferenças, passaremos agora à próxima subseção, que tratará dos “Eventos e
processos geradores de centralidades urbanas em Natal”, os quais irão indicar os
novos centros de Natal e as novas centralidades decorrentes, indicando a formação
de centro múltiplo em Natal, porque formado por meio de uma complementaridade.
2.2 Eventos e processos geradores de centralidades urbanas em Natal
Dado que a análise em tela se volta para o espaço urbano de Natal,
especificamente, à apreensão da natureza da sua centralidade, tendo por base os
seus conteúdos, processos e formas, focaremos a discussão a partir de então sobre
os eventos e processos que concorreram para a gênese da centralidade urbana na
cidade, desde o centro histórico tradicional, até a conformação das novas
centralidades.
Julgamos pertinente tecermos ponderações acerca dos termos que abrem
esta subseção, como forma de indicar a pertinência dos mesmos para a apreensão
da leitura de centralidade que ora desenvolvemos. Os referidos termos são evento e
processo, para os quais buscamos aporte teórico junto ao dicionário da língua
portuguesa. Em seguida, dialogaremos com geógrafos, como Santos (2006) e
Corrêa (2009).
Temos que evento, segundo acepção linguística, significa: “fato, ação,
processo, expressos por um verbo ou por um substantivo deverbal que denota ação”
(HOUAISS, 2009, não paginado); enquanto que processo, também segundo
acepção linguística, refere-se a “evento durativo presente” (HOUAISS, 2009, não
paginado).
Segmentando agora os termos enquanto categorias, na área da geografia,
temos, em “A natureza do espaço”, obra de Santos (2006), que um evento recebe
uma primeira definição como sendo um vetor de mudança, que une objeto e ação,
no sentido da transformação do espaço. O referido autor amplia a discussão,
113
tornando-a bem mais aprofundada e apropriada ao que pretendemos com o termo:
Um evento é o resultado de um feixe de vetores, conduzido por um processo, levando uma nova função ao meio preexistente. Mas o evento só é identificável quando ele é percebido, isto é, quando se
perfaz e se completa. E o evento somente se completa quando integrado no meio. Somente aí há o evento, não antes. [...] Se aquele feixe de vetores pudesse ser parado no caminho, antes de se instalar, não haveria evento. A ação não se dá sem que haja um objeto; e, quando exercida, acaba por se redefinir como ação e por redefinir o objeto. Por isso os eventos estão no próprio coração da interpretação geográfica dos fenômenos sociais (SANTOS, 2006, p. 61, grifos nossos).
A partir dos grifos por nós indicados na citação, podemos estabelecer uma
relação entre evento, meio, processo e objeto. E estas são categorias das quais
careceremos para desenvolver a discussão em tela. Dessa forma, indicamos, ao
longo dessa discussão, os eventos desencadeados no espaço urbano de Natal, e
seus respectivos conteúdos, bem como por meio de quais processos, quais formas
foram resultantes. Feito esse transcurso, conseguiremos indicar as centralidades
urbanas que se conformaram na cidade, desde o centro histórico tradicional, às
novas centralidades.
Para determo-nos sobre processo, segundo o pensamento de geógrafos,
iniciamos o diálogo com Santos (2006, p. 77):
O processo histórico é um processo de separação em coisas particulares, específicas. Cada nova totalização cria novos indivíduos e dá às velhas coisas um novo conteúdo. O processo de totalização conduz da velha à nova totalidade e constitui a base do conhecimento de ambas.
O autor citado faz referência a essa categoria, ao falar da precedência do
processo, indicando sua contribuição deste para a geração de novas coisas. E é
nesse sentido que pretendemos nos apropriar do significado dessa categoria.
Ademais, processo integra o conjunto de categorias do método geográfico no
pensamento de Milton Santos, juntamente com estrutura, forma e função para a
consecução da análise do espaço geográfico (SANTOS, 2012).
Também no sentido do movimento das coisas, resultando na criação de
novas formas, Corrêa (2009, p. 1) nos diz que “Processo é considerado como o
conjunto de mecanismos e ações a partir dos quais a estrutura se movimenta,
114
alterando-se as suas características.” Assim fala o autor, porque está dialogando
com o pensamento de Milton Santos, ao propor a interação dialética entre as quatro
categorias do método geográfico. Interessa-nos, da afirmação de Corrêa (2009),
indicar os mecanismos e ações que de desenrolaram no espaço urbano de Natal
para que as centralidades urbanas fossem criadas.
Ainda uma consideração de Santos (2006, p. 91) sobre processo:
O processo social está sempre deixando heranças que acabam constituindo uma condição para as novas etapas. Uma plantação, um porto, uma estrada mas também a densidade ou a distribuição da população, participam dessa categoria de prático-inerte, a prática depositada nas coisas, tornada condição para novas práticas.
É em função dessa prática, em função do vivido, no dizer Lefebvriano
(LEFEBVRE, 2006; MARTINS, 1996), que se desencadeiam os processos de
produção do espaço. Essa prática e esse vivido podem ser identificados, no contexto
urbano de Natal, nas atividades eminentemente comerciais, seguindo-se as de
serviço. E, em sua evolução, ambas as atividades têm sido propulsoras do
desenvolvimento do centro urbano e da formação de novas centralidades urbanas
nesta cidade.
O comércio varejista na Cidade do Natal teve início então na Cidade Alta, de
forma elementar, por meio da troca de produtos entre os citadinos, como relata
Cascudo (1999, p. 237):
Entreposto colonial e provincial, o cais da Europa como o chamaria Vítor Konder25, Natal se iniciou pela simples troca de produtos entre seus moradores, quando o comércio era o envio de boiadas para o sul, no caminho que se denominou especificamente de estradas de boiadas, para as feiras de Goiana, Pedras de Fogo, Itabaiana e
arredores de Recife (grifos do autor).
Na referência feita por Cascudo (1999) ao comércio varejista natalense, em
seu início, já identificamos os dois tipos de comércio: um voltado para dentro, para o
suprimento das demandas do consumo da sociedade; e outro voltado para fora, para
a exportação, com o envio de boiadas para o Sul do Brasil. Deste último tipo de
comércio, afirma Teixeira (2009, p. 440) de que era “A atividade comercial ligada
25
Ministro da Viação e Obras Públicas no Brasil, entre 1926-1930 (CASCUDO, 1999).
115
notadamente à exportação do gado e à preparação de carne seca”.
Os produtos do comércio interno eram: carne, peixe, sal (CASCUDO, 1999);
enquanto que, “Até a primeira década do século XX o gado era o comércio principal
do Estado. O peixe seco era outro gênero de forte exportação” (CASCUDO, 1999,
p. 237). Assim, “[...] a função comercial das aglomerações acarreta consequências
que se expressam tanto ao nível do território quanto no interior dos centros urbanos
[...]” (TEIXEIRA, 2009, p. 439). E esta, no espaço urbano natalense, é proeminente,
já que “Natal não tinha indústrias e seu porto valia como escoadouro legal, sempre
preterido pela sonegação de outros pontos de embarque clandestino para
Pernambuco” (CASCUDO, 1999, p. 237).
Teixeira (2009), interessado em discutir a estruturação do espaço urbano
das aglomerações norte-rio-grandenses, destaca duas formas principais de
expressão da atividade comercial: a feira e o mercado público. O referido autor
explana:
A emergência da função comercial das aglomerações se verifica igualmente de duas outras formas [...]: o desenvolvimento da feira e do mercado público. O surgimento ou a oficialização desses dois
elementos relacionados ao comércio, que ocorre por volta de 1850 em toda a província, é significativo da consolidação da função comercial dos centros urbanos. O comércio não surgiu, obviamente, no século XIX (TEIXEIRA, 2009, p. 440, grifos nossos).
Enquanto elementos da estruturação comercial, em Natal, a feira precedeu o
mercado público por uma diferença de tempo de quase quatro décadas, sendo este
último elemento inaugurado somente em 1892. Enquanto Teixeira (2009, p. 441)
informa que “Havia uma feira em Natal desde, pelos menos, o início do século XIX”,
é esse mesmo autor que, ao falar da criação formal da feira em Natal, remete já à
segunda metade do século XIX, o que não estariam assim tão distantes entre si, a
feira e o mercado público, já que a feira data de 1853; e o mercado público, de 1892,
conforme vemos a seguir:
A resolução nº 7, de 11 de novembro de 1841, institui a feira em Natal. Essa feira só começou em 1853. A população a abandonou,
contudo, algum tempo depois. Em Natal, as feiras livres eram organizadas em diferentes lugares da cidade. Elas se tornaram realmente populares somente a partir do início do século XX. Com efeito, o comércio se estabeleceu pouco a pouco na capital [...] (TEIXEIRA, 2009, p. 441, grifos nossos).
116
Tal qual o mercado, a feira, além de lugar de troca, adquiria outras funções,
como relata Teixeira (2009, p. 441, grifos nossos): “Como em nossos dias, as feiras
transcendiam os interesses econômicos. Era um momento de encontro, de
celebração o semanal no centro do pequeno burgo.” Ao resgatarmos a expressão
“momento do encontro”, fazendo o autor referência à feira, e tendo nós a
compreensão de que centralidade urbana, em discussão contemporânea, consiste
na capacidade de um dado lugar atrair fluxos, atrair pessoas (SPOSITO, 2010), e se
atrai pessoas, há encontros; e se esses encontros se fazem no sentido do comércio,
“essência da cidade”, no dizer de Pintaudi (2015), como já indicamos na primeira
seção; ou no sentido das trocas, posto que “as cidades são lugares de trocas”,
segundo o pensamento de Fernandes (2014), sobre o qual também já dissertamos
na primeira seção, aí sim, podemos indicar a feira em Natal, como um dos primeiros
eventos ou elementos geradores de centralidade urbana em Natal, em um dado
momento. Um segundo evento ou elemento que podemos indicar como gerador
dessa centralidade é o mercado público. Basta examinarmos a importância que fora
dada à conquista do mesmo, conforme relatos presentes na primeira seção. Ainda
que os trâmites tenham se devido a interesses comerciais, mas representam uma
razão de existir para um mercado, uma demanda para compras, ou melhor, um
índice de frequentação, para podermos assim indicá-lo como uma centralidade
urbana vigente à época.
Nesse início das atividades econômicas de Natal, enquanto a atividade
comercial já se fazia a razão de ser da cidade, a atividade industrial se iniciou de
forma tímida, muito mais ligada à manufatura, como indica o trecho a seguir: “Da
última década do século XVIII são estes regimentos de sapateiros, alfaiate e ferreiro,
tabelando os produtos manufaturados da cidade, denunciando o nível da vida e o
próprio poder aquisitivo da moeda” (CASCUDO, 1999, p. 237).
Uma das primeiras manifestações de atividade industrial em Natal surgiu a
partir do século XIX, sobre a qual Cascudo (1999, p. 244) informa que a primeira
fábrica de tecidos de Natal foi inaugurada em “[...] a 21 de junho de 1888, Fábrica de
Fiação e Tecidos Natal, com 48 teares, 1.600 fusos e ocupando 80 operários. Foi a
primeira e única até [1946] que Natal possuiu [...]” (grifos nossos).
A referida fábrica de tecidos se localizava na Ribeira, mais precisamente,
117
[...] no beco do Tecido, rua Juvino Barreto, extrema atual da freguesia do Bom Jesus das Dores da Ribeira. Dizia-se Tecido a
Fábrica de Tecidos que ficava logo depois do beco. Desta fábrica resta a chaminé [em 1990], com a data: - 1888 (CASCUDO, 1999, p. 233, grifos do autor).
No mesmo período, houve também uma fábrica de sabão, sobre a qual
Cascudo (1999, p. 248) informa que “Em 1896 inaugurou-se a primeira fábrica de
sabão, [...] empregando operários que foram erguendo casinhas de taipa ao redor do
trabalho”. A referida fábrica de sabão foi instalada no bairro do Alecrim, razão pela
qual o autor faz referência a “casinhas de taipa”, que era uma característica do bairro
citado. As informações de Cascudo (1999) sobre a atividade industrial em Natal dão
conta da sua pouca expressividade na produção do espaço urbano da cidade.
A estruturação do espaço urbano de Natal se fez de modo eminentemente
comercial, e com o decorrer do tempo e a evolução das atividades econômicas, os
serviços também passaram a integrar a dinâmica de produção desse espaço, e a
compor o que podemos denominar como setor terciário, o que inclui comércio e
serviços, vistos como elementos propulsores na estruturação do espaço urbano da
cidade e da conformação da sua centralidade urbana, a qual já não mais se
restringe ao Núcleo do Centro Histórico de Natal: Cidade Alta; Ribeira; Alecrim – que
persiste, em função dos seus atributos histórico e simbólico, bem como pelo caráter
popular do seu setor de comércio e de serviços – antes, conforma-se em novas
centralidades, que podem ser identificadas como sendo mais expressivas, as quais
se conformam tanto em área, no caso dos bairros Tirol/Petrópolis; quanto em eixos,
como as Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire; Avenida
Prudente de Morais; e Avenida João Medeiros Filhos.
Ao anunciarmos que a centralidade urbana em Natal já não mais se
restringe ao Núcleo do Centro Histórico de Natal, e que esta se conforma sob a
expressão de novas centralidades, julgamos pertinente indicar nossa postura a
respeito de como apreendemos esse quadro empírico tão dinâmico no meio urbano,
mais ainda discutido na academia, e tão diverso em proposições em modos de
apreensão no debate acadêmico.
No caso da centralidade urbana de Natal, podemos afirmar que vem
ocorrendo, desde aproximadamente a década de 1980, quando dinâmicas mais
expressivas do setor terciário passaram a integrar a produção do seu espaço
urbano, um processo gradativo e contínuo de dispersão da centralidade urbana.
118
Apreendemos tal processo como dispersão porque entendemos que, no caso de
Natal, são novas expressões de centralidade urbana (REIS, 2007) que vêm surgindo
desde então, e a cada dia – eis por que gradativo e contínuo o processo –, sem que
o Núcleo do Centro Histórico de Natal tenha perdido o seu lugar de ser central, na
medida em que é, para o fim ao qual se presta. A respeito dessa discussão sobre a
posição do Núcleo do Centro Histórico de Natal na centralidade urbana de Natal
preocupar-nos-emos mais adiante.
Defendemos como dispersão porque o ser, o ente centralidade urbana em
Natal, que se faz por meio da atividade terciária, como propulsora da produção do
espaço urbano, tem adquirido características claras de dispersão, passando a
ocupar novas áreas, abrangendo novas dinâmicas, mas permanecendo as áreas
pretéritas com a importância que lhe é inerente na dinâmica econômica da cidade,
para os estratos da sociedade aos quais se destina.
Essa proposição de que a centralidade urbana em Natal adquire um caráter
de dispersão é uma inferência obtida na escala do visível, tendo por base as
observações feitas por ocasião da pesquisa de campo, que revelou a localização
dispersa de empreendimentos de comércio e de serviços, ao considerarmos a
natureza da centralidade urbana em sua dimensão econômica. Tal proposição pôde
ser confirmada ao analisarmos os dados sobre a distribuição das empresas de
comércio e de serviços em Natal por bairros, segundo a Secretaria Municipal de
Tributação (SEMUT) da Prefeitura do Natal, cujos resultados serão apresentados na
quarta seção deste trabalho.
Desta forma, tendo por base nosso contato cotidiano com a área foco de
estudo, bem como por meio de uma contínua pesquisa de campo, apreendemos o
índice26 de frequentação e a significação das novas centralidades urbanas em Natal
para seus citadinos. E assim, asseguramos que aquela porção à qual denominamos
Núcleo do Centro Histórico de Natal, formada pelos bairros do Alecrim, Cidade Alta e
Ribeira, continua a receber a importância que lhe é inerente no cenário natalense.
A produção do espaço urbano natelense não foge à lógica capitalista de
produção do espaço, que abrange continuamente novos espaços, como próprio do
seu processo de reprodução. Sendo assim, novas centralidades urbanas em Natal
26 Utilizamos o termo índice em sua acepção semiológica, e a partir da sua etimologia, que
significa indício: “o que indica, com probabilidade, a existência de (algo); indicação, sinal,
traço; marca deixada por; vestígio” (HOUAISS, 2009, não paginado), o que pode ser apreendido pelo contato com a nossa área de estudo.
119
podem ser apreendidas, num primeiro momento, segundo um processo de
dispersão. Mas este processo de dispersão, se adotarmos uma escala mais
ampliada de apreensão do tema, insere-se no processo de reprodução do capital,
que busca abarcar, simultaneamente, diversos espaços, configurando-se como
novas expressões de centralidade, no dizer de Reis (2007). Essa visão de que as
novas centralidades urbanas são estratégias de reprodução do capital emana do
pensamento de Sposito (2013, informação verbal), e se coaduna a outra postura da
mesma autora, de que, uma vez havendo rivalidade entre áreas ou “zonas” – no
dizer da autora –, cada uma tentando ampliar seu potencial de atração, configura-se
uma policentralidade; enquanto que, havendo complementaridade entre essas
áreas, configura-se como multicentralidade (SPOSITO, 2010).
Assim, ante a diferenciação estabelecida pela referida autora, entre
multicentralidade e policentralidade, preferimos apreender a conformação das novas
centralidades urbanas em Natal como uma multiplicentralidade. Isto porque, como já
dissemos, o processo de produção do espaço urbano em Natal, desde o início, fez-
se no sentido de uma centralidade urbana múltipla, formada por diversos núcleos
solidariamente ou “complementarmente” – no dizer de Sposito (2010) – estruturados,
como o caso dos bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim, os quais se estruturam
conjuntamente em torno de atividades econômicas, e aos quais indicamos que
formaram o Núcleo do Centro Histórico de Natal.
Do exposto com base no pensamento dos dois autores, vem-nos que: se há
novas expressões de centralidade, é porque estas ganham novos conteúdos, geram
novos processos e engendram novas formas. Logo, a apreensão da centralidade
urbana contemporânea passa por novas leituras para além do econômico e do
histórico; donde nos vem a proposição de Sposito (2010; 2013), de acatarmos a
visão de que, a cada nova centralidade gerada, uma nova fronteira ao processo de
reprodução do capital é suplantada. Esse quadro está descortinando-se ao nosso
olhar em Natal, quando vemos, desde a década de 1980, o setor terciário ganhar
novo impulso, abrangendo novas áreas, gerando novas dinâmicas, sem degradar o
Núcleo do Centro histórico de Natal, antes, reinventando-o a cada nova dinâmica
terciária que surge.
E assim, ao aceitarmos a proposição de Sposito (2010), sobre a ideia de
multicentralidade, que se configura por uma complementaridade entre diversas
centralidades urbanas, encontramos respaldo para propor que a centralidade urbana
120
em Natal se conforma segundo um processo de dispersão, compreendido como a
“separação (de pessoas ou coisas) por diferentes lugares ou direções” (HOUAISS,
2009, não paginado).
Assim, tendo presente que a multicentralidade remete à complementaridade
entre centralidades, resultante da formação de novas centralidades, como forma de
reprodução do capital, a razão de ser da multicentralidade supõe a manutenção de
áreas pretéritas da atividade terciária, as quais, em certa medida podem passar, em
algum momento, por um aparente processo de degradação do centro comercial, mas
passa igualmente por momentos de reinvenção, adquirindo novos conteúdos,
processos e formas, gerando novas, ou reafirmando centralidades pretéritas, como
vem ocorrendo com o Núcleo do Centro Histórico de Natal, mais precisamente, na
Cidade Alta, centro urbano sobre o qual discorreremos em “Expressões e
conformações contemporâneas da centralidade urbana em Natal”, terceira seção
deste trabalho.
Do contrário, se ao serem criadas novas centralidades, os centros dinâmicos
das atividades terciárias urbanas fossem abandonados, não teria sentido tudo o que
vem sendo construído na academia sobre a relação produção do espaço-reprodução
do capital, e toda a gama de conhecimentos consequentes, emanados dessa
vertente de pensamento.
Essa é a razão por que entendemos que há uma dispersão da centralidade
urbana em Natal, posto que as atividades terciárias passam a ocupar novas áreas,
levando consigo os mesmos elementos conjuntos: conteúdos, processos e formas,
que integram a centralidade urbana, representada na dinâmica da atividade terciária.
E esta é, talvez, a condição para que o Núcleo do Centro Histórico de Natal não
tenha sido suplantado por novas áreas de comércio e de serviços.
A apreensão dessa dispersão da centralidade urbana fica muita clara, ao
nosso ver, num primeiro momento, pelo simples processo de instalação de filiais de
lojas de comércio e de serviços em diversas áreas da cidade. Esse fato gera novas
dinâmicas comerciais. Num segundo momento da apreensão da dispersão da
centralidade urbana em Natal, identificamos uma maior complexidade, a qual
podemos caracterizar pela mudança do conteúdo, permanecendo os mesmos
processos e formas.
Um quadro empírico bem expressivo pode ser identificado na Avenida
Hermes da Fonseca, na qual vem se instalando, nos últimos cinco anos, diversas
121
lojas de “ambientação/interiores” e escritórios prestadores de serviços de design de
interiores, seguindo a tendência do atendimento a uma clientela com demanda
solvável a esse novo padrão de moradia que tem se verificado na Cidade do Natal,
centrado dos chamados “condomínios exclusivos”, que exige a criação de ambientes
sofisticados.
Desta forma, o conteúdo da centralidade urbana desta avenida deixou de ser
de comércio e de serviços diversificados, e vem se tornando um corredor quase que
exclusivo de serviços, móveis e objetos de decoração voltados para ambientação e
interiores. Entretanto, os processos, que são os de compra e venda, de reprodução
do capital, de satisfação das necessidades humanas, seja pela busca da
sobrevivência ou pelo atendimento ao consumo, estes permanecem. Permanecem
igualmente as formas, representadas pelas estruturas das lojas, as quais passam
apenas por modificações de marketing em sua fachada.
Estabelecendo um diálogo entre o que estamos nos propondo a construir
enquanto pensamento a respeito da centralidade urbana em Natal, e o aporte do
qual nos apropriamos na consecução deste fim, temos que, ao tratarmos o caso em
tela, qual seja, a recente conformação de empresas voltadas para ambientação e
interiores na Avenida Hermes da Fonseca, identificamos, nessa área da cidade, o
que Corrêa (1997), em sua obra “Trajetórias geográficas”, ao tratar dos “processos
espaciais e a cidade”, denomina de “especialização espacial”; ao que Singer (1980),
em “Economia política da urbanização”, defende como “economias de aglomeração”
– apesar de o foco de discussão da referida obra, neste caso, ser a produção e não
a distribuição – mas, como o foco desse estudo ora apresentado é perpassado pela
distribuição, julgamos pertinente citar; ante esse quadro, identificamos o pensamento
de Pintaudi (2015), que defende que “o comércio também produz”; enquanto que
Fernandes (2014), ao analisar um quadro semelhante em Natal, que é o da Rua
Ulisses Caldas, especializada no segmento de óticas, denomina essa configuração
de “centralidade temática”, por ser focado em um tema ou produto. Assim sendo,
tanto a Avenida Hermes da Fonseca quanto a Rua Ulisses Caldas podem ser
consideradas centralidades temáticas, de natureza econômica.
A conformação de novas centralidades urbanas em Natal é expressa sob a
forma de áreas ou de eixos, conforme Mapa 01, da área de estudo, e aponta que a
centralidade urbana se dispersa a partir do Núcleo do Centro Histórico de Natal,
abrangendo novas áreas, como vem ocorrendo nas regiões administrativas norte e
122
sul, enquanto “subcentros” do comércio varejista moderno (PAULA, 2010), porque o
processo de expansão urbana foi capitaneado pela política habitacional do Sistema
Financeira de Habitação (SFH) nos sentidos norte e sul. Logo, o terciário seguiu os
passos dessa expansão, a princípio, como forma de complementação de renda da
população, evoluindo como nova dinâmica socioespacial (ARAÚJO, 2004b). Isto se
faz porque há relação entre as novas centralidades e a produção do espaço pelo
capital; porque a formação de novas centralidades urbanas é uma estratégia de
atração de fluxos de pessoas, mercadorias e capitais; e também porque as
centralidades pretéritas permanecem claramente estruturadas no espaço urbano
natalense, apenas passando por processos de reinvenção, suscitando novas
centralidades urbanas.
Além dessas áreas tidas como “subcentros” comerciais (PAULA, 2010), a
centralidade urbana em Natal se dispersa também ao longo do que denominamos,
neste trabalho, de Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT), conforme Mapa 05, que
corresponde aos principais corredores de tráfego, aqueles que comportam maior
capacidade técnica de fluxo de pessoas e bens, eixos estes aos quais Gomes; Silva;
Silva (2000) denominam “Vias Expressas de Circulação”.
123
Mapa 05: Eixos Dinamizadores do Terciário em Natal
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: Pesquisa de campo, 2015;
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
124
A partir desse diálogo junto ao pensamento de Gomes; Silva; Silva (2000), a
criação da expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT) se fez premente pelo
fato de expressar mais adequadamente o que ora se configura como esforço de
apreensão-exposição da natureza centralidade urbana em Natal. Isto porque, ao
considerarmos um bairro inteiro enquanto centro, vemos que sua centralidade se
expressa efetiva e explicitamente ao longo da sua principal “via expressa de
circulação”, nas palavras de Gomes; Silva; Silva (2000).
Logo, ao utilizarmos a expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT),
estaremos nos referindo, simultaneamente, tanto ao bairro detentor de centralidade
quanto ao seu eixo principal de tráfego. Isto porque, ao falarmos de determinado
centro, já estamos fazendo referência, necessariamente, àquele “eixo”; ou seja, falar
da centralidade de determinada área em Natal é falar de seu respectivo Eixo
Dinamizador do Terciário, por ser uma cidade eminentemente terciária.
O marco fundante da dispersão da centralidade urbana em Natal, partindo
do Núcleo do Centro Histórico de Natal, em direção às novas centralidades, foi a
instalação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, na Avenida Prudente de Morais, na
década de 1980. Com esse evento, teve início uma nova prática de comércio
varejista em Natal, centrado no autosserviço de larga escala, com uma vasta
diversidade de produtos, e ampla superfície de loja. Antes, lojas de autosserviço, e
com vasta diversidade de produtos – até então denominadas lojas de departamento
– eram encontradas quase que exclusivamente na Avenida Rio Branco, no bairro
Cidade Alta, por ser o bairro comercial por excelência do Núcleo do Centro Histórico
de Natal. Na Cidade Alta, estavam localizadas: Lojas Americanas, Casas
Pernambucanas e Lojas Brasileiras (Lobras), entre outras.
A partir do surgimento do Hiperbompreço Lagoa Nova, na década de 1980, o
varejo moderno passou a expandir sua prática comercial na Cidade do Natal,
seguindo-se a instalação de outros equipamentos semelhantes de comércio, como:
o Carrefour, o Atacadão, o Makro, o Extra, o Sam’s Club, Assaí, entre outros, sobre
os quais teceremos considerações mais detalhadas na seção seguinte, ao tratarmos
das “expressões e conformações” da centralidade urbana em Natal. Dentre estes,
alguns, como o Carrefour e o Extra, são equipamentos comerciais se conformam
como lojas âncora de shopping centers, tornando a estrutura de comércio e de
serviços ainda mais densa, gerando assim uma centralidade urbana ainda mais
expressiva, dada a mais diversificada gama de bens e serviços que oferece, e a
125
possibilidade de encontros que gera.
Há ainda outros tantos “eventos e processos” que concorreram para que a
centralidade urbana em Natal se conforme segundo um processo de dispersão,
dentre os quais, elegemos tratar a seguir: da atividade turística (FURTADO, 2008),
dos shopping centers (NASCIMENTO, 2003) dos serviços de saúde (TAVARES,
2010) e da expansão do varejo moderno (PAULA, 2010).
A respeito da influência do incremento da atividade turística na Cidade do
Natal para a dispersão da centralidade urbana, é interessante enfatizarmos a
contemporaneidade do processo, que se fez concomitante à expansão do varejo
moderno, representado pela implantação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, ao qual já
nos referimos. Neste sentido, Furtado (2008, p. 143) assim caracteriza e demarca o
início do processo da expansão da atividade turística:
Com o boom turístico que ocorreu em Natal, o governo [...] implementou inúmeras medidas como forma de atração de capitais privados para a cidade, visando desenvolver o turismo, o que, na realidade, aconteceu. Dentre as muitas realizações de incentivo ao setor, destaca-se, nessa fase, o Projeto Parque das Dunas-Via Costeira [...], criado pelo Decreto nº 7.538, de 19-01-1979. A Via Costeira, com 8,5 km de extensão, entre as praias urbanas de Areia Preta e Ponta Negra, foi inaugurada em 1983 e constituiu-se no marco mais importante na expansão do turismo em Natal. O
objetivo de projeto era dotar Natal de uma infra-estrutura hoteleira, até antão insuficiente, para consolidar o turismo na cidade e inseri-la no circuito nacional. Atendia, portanto, a necessidade de incrementar a competitividade ao setor turístico local (grifos nossos).
Resgatamos, em primeiro lugar, dentre as informações oferecidas pela
autora supracitada, a data de inauguração da Via Costeira: 1983; logo, vemos que é
mais um evento que concorreu para o início da expansão da economia terciária pelo
território natalense, cuja espacialização vem se caracterizando pela dispersão de
centralidades urbanas.
Quando à faixa territorial de abrangência do projeto Via Costeira, demarcada
entre as ditas praias urbanas de Natal, as quais se estendem da praia de Areia Preta
à de Ponta Negra, há algo de interessante a considerarmos: essa configuração põe
a nova atividade econômica ora em curso – a turística – em relação com atividades
tradicionais, como o comércio do Núcleo do Centro Histórico de Natal, com outras
duas novas atividades, quais sejam, os serviços privados de saúde dos bairros
Tirol/Petrópolis e a atividade comercial desenvolvida no “corredor dos shopping
126
centers”, o qual adquire um arranjo espacial bem característico na contiguidade das
Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire.
Dessa relação da atividade turística com a atividade comercial da cidade,
resultará, ora renovação, no caso do comércio tradicional; ora complementaridade,
no caso dos shopping centers. Nossa visão acerca da renovação da atividade
econômica tradicional pelo turismo é ratificada pelas palavras de Furtado (2008, p.
144), ao afirmar que “[...] políticas públicas diversificadas, algumas associadas ao
turismo, induzem as transformações socioespaciais da cidade de Natal, privilegiando
o capital privado, e contribuem para se reeditarem atividades tradicionais
(modernizadas).”
Encerrando nosso diálogo a partir dos grifos da citação, não há como não
concordarmos com Furtado (2008), parafraseando seu pensamento, de que o
projeto Via Costeira fora mesmo um marco importante na atividade turística para da
Cidade do Natal, mesmo porque, como vemos, uma atividade simultânea no tempo e
no espaço em relação à sua principal dinâmica econômica, até então – década de
1980 – centrada quase que exclusivamente no comércio e em serviços de pouca
expressividade, voltados ao cotidiano da sociedade local.
Com o incremento da atividade turística, os serviços adquiriram uma
condição de excelência na cadeia produtiva da economia natalense, desencadeando
uma gama de outros serviços, como de hospedagem, que se expandiu para além da
Via Costeira, abrangendo também a Avenida Roberto Freire, no bairro de Ponta
Negra; o de gastronomia, que igualmente se concentra na referida avenida, e em
outras áreas, como no trecho das praias urbanas, nos bairros Tirol, Petrópolis e
Lagoa Nova; outros serviços ainda foram fomentados, como o de aluguel de
veículos, de serviços de câmbio, lazer e entretenimento, entre outros, tornando mais
diversificada e complexa a atividade terciária na Cidade do Natal, desencadeando
uma dinâmica de reprodução do espaço urbano, a qual passou a abranger cada vez
mais novos espaços, gerando novas centralidades urbanas em dispersão,
contribuindo assim para a reprodução do capital.
Ao falar da implementação de políticas associadas, voltadas para o turismo,
Furtado (2008, p. 147) indica o vetor, segundo a sua visão, de influência da atividade
em tela:
[...] a implementação dessas políticas, que ensejou o processo de
127
crescimento da cidade, permitiu a continuidade da descentralização espacial de suas atividades econômicas, sobretudo rumo aos três grandes eixos de crescimento da zona Sul (Avenida Prudente de Morais, Avenida Salgado Filho-BR 101 e Avenida Engenheiro Roberto Freire).
Reforçamos que essa é a visão da autora, no trecho citado, com relação ao
vetor do processo de descentralização das atividades econômicas da Cidade do
Natal – ao que estamos denominando de dispersão –, sendo essa visão consoante à
de Nascimento (2003). E reforçamos porque as visões dos autores ora citados, em
certa medida, apresentam dissonância em relação ao que temos exposto até o
momento do texto.
Já ao empreendermos diálogo com outras produções acadêmicas, como:
Araújo (2004b), que aponta para uma nova dinâmica socioespacial da região
administrativa norte; Paula (2010), que examina a expansão do varejo moderno
nessa mesma região; e Tavares (2010), que versa sobre a dispersão dos serviços
privados de saúde nos bairros Petrópolis, Tirol e Lagoa Nova, encontramos
consonância ao nosso modo de pensar quanto à apreensão da dinâmica das novas
centralidades urbanas em Natal.
Ainda sobre a projeção de novas centralidades no espaço urbano de Natal,
encontramos sintonia, dessa vez, entre o nosso pensamento e o de Furtado (2008,
p. 147), ao afirmar que
[...] as tradicionais áreas centrais da cidade, como Ribeira, Alecrim e Cidade Alta, passam a dividir sua hegemonia comercial com os
novos centros. A cidade vai se espraiando, e sua economia, sobretudo no setor de comércio e serviços, vai ganhando novos bairros e construindo novos espaços para neles atuar (grifos
nossos).
Falar dos bairros Ribeira, Alecrim e Cidade Alta, em nosso estudo, é falar do
Núcleo do Centro Histórico de Natal, o qual, como já apontamos, mantém sua
condição de centralidade, conseguindo atrair determinados estratos da sociedade
natalense, ou até mesmo atendendo às demandas de quaisquer estratos sociais em
um dado momento, mesmo que alguns destes estejam frequentando outras
centralidades na cidade, e, eventualmente, careçam de algum conteúdo dessa
centralidade. Logo, no dizer de Furtado (2008), esses bairros da cidade “dividem sua
hegemonia” com outras áreas centrais da cidade, como novos espaços incorporados
128
pelo capital, em seu processo de reprodução.
Em suma, concordamos com a autora, reforçando que o Núcleo do Centro
Histórico de Natal persiste enquanto centralidade face às novas áreas do terciário,
numa condição de “divisão da hegemonia” (FURTADO, 2008), ao que Sposito (2010)
vê rivalidade entre centros, ao tentarem ampliar sua capacidade de atração, e define
essa “rivalidade” como policentralidade, processo esse que vai abrangendo novos
espaços potenciais à reprodução do capital.
Entretanto, no diálogo com ambas as autoras, preferimos inferir que há, na
conformação da centralidade urbana em Natal, uma multicentralidade, indicada por
Sposito (2010) como uma condição oposta à policentralidade, porque se faz por
meio da complementaridade entre áreas ou “zonas”. Assim, concordando com a
autora supracitada, podemos dizer que há uma dispersão da centralidade urbana
pelo território da cidade, porque estas se multiplicam e complementam-se entre si,
cada uma com sua natureza e seus atributos que lhes são peculiares, atendendo,
num dado momento, estratos sociais diversos.
A prática de ir às compras em shopping center em Natal é bem recente,
porque igualmente o é o processo de implantação desse equipamento de comércio.
O evento shopping center como fator de dispersão da centralidade urbana em Natal
se fez mais expressivo a partir da década de 1990. Isto porque,
No Rio Grande do Norte, o verdadeiro conceito de shopping foi implantado com o Natal Shopping Center, fundado em 4 de junho de 1992. Pois, até então, os shopping que os potiguares tinham eram os dois Centros Comerciais Aluízio Bezerra-CCABs (Norte e Sul [em Petrópolis e Capim Macio, respectivamente]) e o Cidade Jardim (1984), que muito mais se assemelhavam a galerias comerciais do que efetivamente a um shopping Center (BARRETO; LIMA, 2007, p. 48).
Assim como Barreto; Lima (2007) relatam sobre o surgimento dos shopping
centers em Natal, em sua obra “Memória do comércio do Rio Grande do Norte”,
Nascimento (2003), ao estudar os shopping centers em Natal, e sua influência na
reprodução do espaço na Zona Sul da cidade, também aponta: “No caso particular
de Natal-RN, os primeiros S.C. [shopping centers] da cidade só vão surgir na década
de [19]90, embora empreendimentos de menor porte já se fizessem presentes desde
a década de [19]80 na cidade [...]” (NASCIMENTO, 2003, p. 30).
Apesar de o referido estudo focar apenas três shopping centers, naquele
129
momento, porque eram os mais expressivos de então, já aponta para um
deslocamento do foco das atividades comerciais, que se dispersa a partir do Núcleo
do Centro Histórico de Natal, dirigindo-se no sentido sul, seguindo, em certa medida,
a dinâmica do turismo, apresentada por Furtado (2008).
Esses dois autores, Nascimento (2003) e Furtado (2008), convergem em
seus estudos, ao apreenderem o processo de reprodução do espaço urbano de
Natal, em que Nascimento (2003) foca os shopping centers, e vê o processo de
reprodução do seu entorno em função da atividade turística, sendo este espaço
frequentado e consumido pelos turistas; enquanto que Furtado (2008), tem sua visão
centrada na atividade turística, percebendo os shopping centers e outros espaços
“de status” como complementares à atividade turística.
Interessante é notar que os ângulos de visão são diferentes, porque os
interesses particulares de estudo e tempo são igualmente diversos. Mas há uma
sincronia no modo de apreender a dinâmica do terciário que vem se conformando no
“corredor dos shoppings” – como é linguagem corrente assim denominar em Natal –,
que é visão de que tem se tornado um espaço voltado para atender à demanda de
estratos de melhor renda da população, e para o desenvolvimento da atividade
turística.
Já com relação ao surgimento dos shopping centers e sua relação com a
descentralização da atividade terciária dos “centros mais antigos e tradicionais”
(NASCIMENTO, 2003, p. 15) – como assim se refere ao bairro Cidade Alta – em
direção aos novos espaços ocupados pelo terciário, o referido autor afirma:
É importante salientar que, à medida que crescem os serviços e o comércio nessa área da cidade, como os novos centros comerciais, os shopping-centers, alguns centros comerciais mais antigos e
tradicionais como o Centro da Cidade, passam a sofrer um processo de descentralização, enfrentando, na atualidade, vários problemas que vão desde a falta de consumidores para muitos serviços que ali são oferecidos, até questões referentes a segurança, estacionamento, trânsito, poluição etc (NASCIMENTO, 2003, p. 89, grifos do autor).
Em nosso diálogo com o autor supracitado, cumpre-nos indicar algumas
posturas. A primeira se faz no sentido de concordar em estabelermos uma relação
entre o surgimento dos shopping centers e a descentralização ou, ao nosso ver,
dispersão das centralidades urbanas em Natal. Enquanto que a segunda postura se
130
faz no sentido de discordar do autor, ao afirmar que o processo de descentralização
se faz em função de problemas relacionados a trânsito e a segurança. Nossa visão
se coaduna mais ao pensamento de Sposito (2010; 2013, informação verbal), ao
defender que as atividades terciárias se deslocam à procura de novas áreas,
gerando novas centralidades, muito mais em função do processo de reprodução do
capital, do que dos problemas de degradação dos centros tradicionais das cidades.
E esse é o quadro que vem se configurando na Cidade do Natal, haja vista o Núcleo
do Centro Histórico de Natal não ter perdido sua condição de centralidade até então,
ao nosso ver, com base na pesquisa de campo desenvolvida para a consecução
deste trabalho, diferente do que defende Nascimento (2003).
Enquanto as contribuições de Nascimento (2003) e Furtado (2008) se fazem
importantes no sentido de compreendermos a estruturação da economia terciária e a
correlata dispersão da centralidade urbana em Natal no sentido sul da cidade, Paula
(2010) desenvolveu estudo semelhante, focando a expansão do comércio varejista
moderno no sentido norte, mais precisamente, nos principais corredores de tráfego
da Região Administrativa Norte de Natal. No caso em tela, nas Avenidas Tomaz
Landim e João Medeiros Filho, como detentoras mais expressivas de novas
centralidades urbanas.
Consoante ao que apreendemos com relação à conformação das atividades
tradicionais de comércio e serviços presentes na Cidade do Natal, abrangendo os
bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim como Núcleo do Centro Histórico de Natal,
Paula (2010, p. 26) afirma que a cidade “[...] passou a apresentar uma
descentralização de suas atividades (antes restritas às áreas centrais da cidade –
Ribeira, Cidde Alta e Alecrim) [...]”.
Estamos então diante da compreensão de que a economia parte desse
Núcleo do Centro Histórico de Natal em direção às novas áreas de centralidades,
passando a se projetar no sentido norte da cidade, no contexto do processo de
dispersão das atividades terciárias, a respeito do qual Reis (2007) afirma
corresponder à segunda etapa do processo de descentralização das atividades
econômicas das cidades, a qual teve início na década de 1970, e perdura até a
atualidade, tendo sua projeção sobre a economia terciária; enquanto que a primeira
etapa, pontua o referido autor, desenvolvera-se entre 1920 e 1970 (REIS, 2007).
A respeito do surgimento e consolidação das atividades terciárias na Região
Administrativa Norte de Natal, Araújo (2004b) já indicara que a partir da segunda
131
metade da década de 1990, a referida região vinha deixando de ser apenas “espaço
de moradia”, passando a ser também “espaço de produção”, com a instalação de
filiais de empresas que antes operavam em outras áreas de Natal. Essa visão é
consoante ao que defende Carlos (1994) a respeito do que denomina “modos de uso
do espaço”, segundo os quais identifica dois modos de uso: para a reprodução da
sociedade, quando voltado para a moradia; e para a reprodução do capital, quando
voltado para a produção. Assim, a referida região estaria, desde a segunda metade
da década de 1990, inserindo-se também no modo de uso voltado para a produção.
Dando continuidade ao exame dos estudos já desenvolvidos sobre a Região
Administrativa Norte de Natal, Paula (2010, p. 62) afirma que
[...] principalmene a partir da segunda metade da década de 1990, a Zona Norte de Natal vem se destacando como espaço do crescimetno desse comércio varejista moderno, refletido por meio da recente construção e instalação de hipermercados, supermercados e shopping centers.
Essas informações atestam que o espaço da Região Administrativa Norte já
não mais se desenvolvia apenas em função da moradia, nem tampouco do pequeno
comércio voltado para a subsistência das famílias, tendo em vista que os
equipamentos de comércio do varejo moderno aos quais Paula (2010) faz referência
se inserem numa escala de reprodução bem mais ampla do capital.
A respeito desse debate é importante resgatarmos o pensamento de
Pintaudi (2009), que defende a ideia de que é dentro da estruturação do terciário
que surgem os equipamentos de comércio, colaborando assim para a transformação
socioespacial, a qual se adapta a cada novo momento de reprodução do capital. E é
interessante também registrar a convergência do pensamento de Pintaudi (2009) ao
de Sposito (2010), nessa seara do debate.
Seguindo os resultados do estudo desenvolvido por Paula (2010) a respeito
da expansão do varejo moderno pelos corredores de tráfego da Região
Adminstrativa Norte da cidade, identificamos a influênica dessa expansão do varejo
moderno para a dispersão da centralidade urbana em Natal, segundo os seguintes
Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT), que são os seguintes na referida região:
Avenidas das Fronteiras, João Medeiros Filho, Itapetinga, Moema Tinôco, Pompéia e
Tomaz Landim. Outros EDTs podem ser acrescentados a esse recorte espacial
definido por Paula (2010), por apresentarem uma dinâmica mais recente em relação
132
ao seu estudo: Avenidas Maranguape, Boa Sorte e da Chegança, que vêm
apresentando um diversificado comércio voltado para necessidades cotidianas, que
variam desde bens de consumo diário, incluindo vestuário, móveis e serviços em
geral (PESQUISA DE CAMPO, 2016).
Entretanto, julgamos pertinente atentarmos para a ênfase caracterizada por
uma certa sobrevalorização da presença dos referidos equipamentos por parte de
Paula (2010), dado que, mesmo seis anos após seu estudo, foram instalados no
espaço em questão apenas dois hipermercados e dois shopping centers, todos na
Avenida João Medeiros Filho, a qual identificamos como um Eixo Dinâmico do
Terciário na Região Administrativa Norte de Natal, eixo que se estende desde a
Avenida Tomaz Landim até o acesso à Ponte Newton Navarro, abrangendo, na
sequência, os bairros Igapó, Potengi, Salinas e Redinha.
Na verdade, ao que Araújo (2004b) denominou de uma incipiente inserção
da Região Administrativa Norte na dinâmica do terciário de Natal, a partir da
segunda metade da década de 1990, expressa pela presença de filiais de empresas
presentes em todo o território natalense, atualmente, podemos afirmar que a
dinâmica expressiva das atividades terciárias presentes nos principais eixos viários
da referida região aponta para uma igualmente “incipiente” consolidação do terciário
na Região Administrativa Norte de Natal, consolidando então o processo de inserção
que fora anunciado no ano de 2004. E reafirmamos como Eixo Dinâmico do
Terciário, principalmente, a Avenida João Medeiros Filho.
É, primordialmente, em torno desse eixo que a dinâmica espacial da Região
Adminstrativa Norte se processa, concentrando: supermercados, hipermercados,
lojas de material de construção, lojas de móveis e eletrodomésticos, farmácias,
serviços de saúde, segurança e educação – tanto públicos quanto privados –,
Central do Cidadão e sua gama de agências de prestação de serviços, shopping
centers, bancos, lojas de automóveis usados, agências dos Correios, entre outros
(Pesquisa de Campo, 2016).
É interessante registrar que apesar da expansão urbana da Cidade do Natal
ter ocorrido simultaneamente, nos sentidos norte e sul, em função da política
habitacional do SFH, as discrepâncias se mantêm entre essas duas regiões
administrativas da cidade, tendo por base o padrão de produção da moradia
(ARAÚJO, 2004b), e ainda se projeta sobre a estruturação econômica de cada uma
das referidas regiões, haja vista a Rregião Administrativa Sul ter sido incorporada,
133
desde o início da sua formação, à dinâmica econômica da cidade do Natal.
Enquanto que à Região Adminsitrativa Norte coube uma inserção tardia,
iniciada em meados da década de 1990, e só então iniciado seu processo de
consolidação uma década após, com a instalação de equipamentos comerciais de
grande porte, como hipermercados e shopping centers. Até então, o que era
verificado, na Região Adminsitrativa Norte, era a instalação, seguida do fechamento
de filiais de empresas que operavam em outras áreas da cidade.
Com esse registro comparativo, importa-nos lembrar a ideia defendida,
aportando-a nos pensamentos de Sposito (2010) e Pintaudi (2009), de que o capital
busca ocupar diversas áreas, abarcando-as em seu processo, para então se
reproduzir, razão pela qual reafirmamos que a formação de novas centralidades
urbanas em Natal consiste num processo de dispersão da centralidade.
Outro evento significativo para o processo de dispersão da centralidade
urbana em Natal se fez por meio dos serviços de saúde, principalmente do setor
privado, e indica enquanto marco temporal, igualmente a década de 1980, conforme
contextualiza Tavares (2010, p. 23):
A partir do final dos anos 1980, expandem-se em todo o país, a estrutura e os serviços prestados à população pelo setor privado de saúde. Tal fato decorre, principalmente, da precariedade assistencial apresentada pelo setor público de saúde, a qual demonstra uma insuficiência de atendimento a demanda populacional. A cidade de Natal também acompanha essa expansão, conforme podemos constatar por intermédio da observação do significativo crescimento de instituições privadas, como hospitais, clínicas e laboratórios, além da ampliação da quantidade de planos de saúde, e do aumento do número de suas carteiras.
Como temos exposto sobre a dispersão da centralidade urbana em Natal, é
todo um conjunto de atividades econômicas que se expandia simultaneamente,
numa relação espaço-temporal. Atividades estas ligadas ao setor de comércio e de
prestação de serviços, face a um contexto de crise em alguns setores da economia,
como no caso do Rio Grando do Norte, resultante da decadência da economia
tradicional sertaneja, fundada na tríade pecuária-algodão-agricultura de
subsistência; enquanto que, para a capital do estado, a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) já esgotara as tentativas de tornar a Cidade
do Natal uma promissora cidade industrial por meio da implantação do Distrito
Industrial de Natal (DIN) no entorno da Região Adminsitrativa Norte, que terminou
134
por ser incorporada, mesmo que tardiamente, à economia terciária da cidade. E
assim, diante da tendência terciária da economia de Natal, a produção do seu
espaço urbano se faz em conformidade com essa condição, razão pela qual a
referida atividade se dispersa pelo território da cidade.
Enquanto que Gomes; Silva; Silva (20000; 2002) já haviam desenvolvido
estudo e apontado a presença de equipamento privados de saúde e educação ao
longo do que denominam “Via Expressa de Circulação”, nesse caso, representado
pela Avenida Hermes da Fonseca, Tavares (2010) utiliza como recorte espacial de
investigação para examinar a presença dos serviços privados de saúde os bairros
Tirol e Petrópolis, e indica também fatores de localização:
Devido ao bom sistema de engenharia dos bairros à época de criação, as elevadas rendas médias salariais e ao fato de abrigarem umas das primeiras e maiores e ainda mais complexas unidades de serviços públicos de saúde da cidade, os bairros Petrópolis e Tirol, são os primeiros de Natal, a receberem uma significativa quantidade de serviços privados de saúde, quando da sua expansão. Realidade que a cada período vai se acentuando em virtude da própria concentração que os tornam atrativos para a instalação de outras unidades, que se localizam nos bairros, ora promovendo uma competitividade, ora uma complementaridade, formando, em suma uma área de especialização desses serviços na cidade, e um ‘corredor sanitário’ (TAVARES, 2010, p. 25-26).
Os bairros Tirol e Petrópolis foram áreas de Natal para as quais se voltou um
criterioso processo de planejamento urbano por parte da Prefeitura do Natal, desde
o início de século XX, como relata Cascudo (1999), e diversos trabalhos
acadêmicos, que além de Tavares (2010), Costa (2000), Nascimento (2003),
Bezerra (2005), entre outros, discorrem a respeito do processo de planejamento
destes bairros detalhadamente, apontando, inclusive, que ambos se originaram de
um bairro antecessor, que era o bairro Cidade Nova, o terceiro a ser criado na
Cidade do Natal, depois dos bairros Cidade Alta e Ribeira.
O surgimento dos bairros Tirol/Petrópolis, enquanto bairros planejados da
Cidade do Natal, atendeu à necessidade de expansão das atividades terciárias da
cidade, abrindo um promissor mercado de serviços médicos e hospitalares; atendeu
igualmente a um promissor mercado imobiliário voltado para a elite natelense,
expresso na concentração da verticalização nesses bairros (COSTA, 2000),
contribuindo por fim, para a dispersão da centralidade urbana em Natal.
135
Tavares (2010) segue expondo a projeção da dispersão dos equipamentos
do setor privado de saúde pelo território natalense, relacionando-o, inclusive, ao
aumento da população entre os anos 1990 a 2009:
Nesse sentido entendemos que o aumento da população de Natal contribui para a ampliação dos serviços de saúde no território urbano da cidade, pois conforme essa crescia, presenciávamos o aumento do número de estabelecimentos de saúde e a formação de novos pontos de atração para essa atividade, fato comprovado nos bairros Lagoa Nova, Cidade Alta, Alecrim e Igapó, e em menores números, Capim Macio e avenida Airton Senna (p. 133, grifos nossos).
Conforme identificados os bairros segundo destaques feitos no trecho citado,
vemos que o processo de dispersão da centralidade urbana em Natal pelos serviços
privados de saúde passou a abranger, desde o Núcleo do Centro Histórico de Natal,
até às mais recentes áreas de centralidade, dirigindo-se nos sentidos norte e sul da
cidade.
Consideramos ainda como evento do processo de dispersão da centralidade
urbana em Natal os eventos em si, aqueles aos quais chamaríamos de “eventos
efêmeros”, porque relacionados aos períodos festivos ou comemorativos – Natal,
Ano Novo, Carnaval, Festejos Juninos, Férias, Micaretas, entre outros. Estes, em
sua maioria, têm sua localização definida de acordo com a “capacidade técnica” de
cada lugar, segundo informações obtidas em pesquisa de campo junto às seguintes
secretarias do Município de Natal: Secretaria de Cultura; Secretaria de Turismo; e
Secretaria de Esporte e Lazer. Capacidade técnica, segundo as palavras dos
gestores entrevistados, traduz-se na quantidade de pessoas de pessoas de certas
áreas da cidade comportam.
Mesmo assim, da relação entre a infraestrutura que determinadas áreas
apresentam e a tendência a “turistificação” de certas áreas da Cidade do Natal,
como defende Furtado (2008), a tendência de concentração de eventos de turismo e
lazer se faz no sentido do Eixo Dinamizador do Terciário que se estende desde a
Avenida Hermes/Salgado Filho/Roberto Freire, abrangendo ainda pontos focais,
como a Via Costeira, as praias de Ponta Negra e Praia do Meio, e o Complexo
Arena das Dunas, sendo todas essas áreas conformadas no entorno de
Tirol/Petrópolis, dirigindo-se no sentido da Região Administrativa Sul; uma única
área expressiva de eventos comemorativos pode ser registrada na Região
136
Administrativa Norte da cidade, que é o Ginásio de Esportes Nélio Dias, no qual
ocorrem desde competições desportivas a shows artísticos.
Ressaltamos que os eventos que concorrem para o processo de dispersão
da centralidade urbana em Natal são os seguintes: a dinamização das atividades
terciárias, com a implantação de novas estruturas de comércio e de serviços ao
longo dos Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT); o surgimento dos shopping
centers; a consolidação da atividade turística; a concentração dos serviços de saúde
nos bairros Tirol/Petrópolis, seguida de sua dispersão para as Regiões
Administrativas Norte e Sul da cidade; e por fim, a expansão do varejo moderno na
Região Administrativa Norte de Natal.
Reafirmamos ser o processo de dispersão da centralidade urbana em Natal
expressa por meio da conformação de novas centralidades, muito mais que um
processo de suplantação do Núcleo do Centro Histórico de Natal, mas uma
estratégia própria de produção da cidade pelo capital. Desta forma, fica elucidado
para nós que a produção do espaço urbano se faz no sentido de abranger todas as
possíveis áreas do território da cidade, buscando, nesse processo, a sua
reprodução, razão pela qual novas centralidades são continuamente criadas.
137
3 A NATUREZA DIVERSA DA CENTRALIDADE URBANA
A centralidade urbana em Natal é tratada nesta seção a partir do resgate da
formação de cada um dos bairros constituintes do Núcleo do Centro Histórico de
Natal, na sequência do desenvolvimento das atividades comerciais: Ribeira, Cidade
Alta e Alecrim. Dessa forma, discute sobre os conteúdos, processos e formas que
concorreram para a formação de centralidades urbanas em cada um dos bairros,
bem como as expressões de centralidade ainda hoje presentes neles.
Ao tratar das expressões contemporâneas de centralidade urbana em Natal,
volta-se para as atividades terciárias que se dispersam nos sentidos Norte e Sul da
cidade, como resultado da expansão do varejo moderno, bem como das atividades
ligadas ao turismo, as quais se concentram de forma mais expressiva entre as
Regiões Administrativas Leste e Sul da cidade.
3.1 Conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em Natal
Ao propormo-nos à apreensão da natureza de centralidade urbana em Natal,
temos claro que tal empreendimento há que ser feito segundo diversas dimensões,
uma vez que indicamos como pressuposto que a centralidade urbana é constituída
de natureza diversa. Diversa em seus conteúdos, processos e formas, os quais
carecem de ser expressos na forma plural, face à sua diversidade.
Iniciamos o desenvolvimento desta subseção tratando do comércio,
enquanto conteúdo norteador ou gerador de centralidade urbana, dada a sua
proeminência na Cidade do Natal, no contexto do desenvolvimento da economia
terciária e da produção do seu espaço urbano. Entretanto, sabemos que outros
conteúdos presentes na dinâmica urbana presidem a conformação de centralidades,
como: o histórico, o cultural, o ideológico, o simbólico, a gestão, dentre outros. Essa
é a razão pela qual defendemos ser a centralidade urbana de natureza diversa.
Temos aludido a respeito da importância do comércio para a cidade, em
momentos anteriores deste trabalho, e reforçamos: o comércio é a razão de ser da
cidade (PINTAUDI, 2015); enquanto que a cidade também pode ser vista como um
lugar de trocas (FERNANDES, 2014). Acrescentamos ainda o pensamento de
Barreto; Lima (2007, p. 21), os quais defendem que
138
No mundo, o surgimento e o crescimento da atividade comercial estão diretamente relacionados ao grau de prosperidade das cidades, tornando-se o principal elemento motivador de investimentos em infra-estrutura, como estradas e transportes. Daí ser caracterizada como uma atividade tipicamente urbana.
O comércio, enquanto atividade terciária proeminente no espaço urbano de
Natal, será então o ponto de partida para apreendermos e explicitarmos a
centralidade urbana, dentre outros conteúdos que lhes são geradores.
Reafirmamos nossa concepção de que fora constituído um Núcleo do Centro
Histórico de Natal, do qual participaram solidariamente os bairros Cidade Alta,
Ribeira e Alecrim, cada um com os atributos que lhes eram inerentes para a
consecução das suas respectivas centralidades. E assim, daremos continuidade a
essa concepção ao tratarmos do desenvolvimento do comércio na Cidade do Natal,
só que, dessa vez, partindo do bairro da Ribeira; seguindo-se com o da Cidade Alta;
e, por fim, abordando o do Alecrim. A razão desta sequência se faz em função da
dinâmica do comércio que nos foi apresentada, ao examinarmos a bibliografia
atinente à temática, bem como ao desenvolvermos a pesquisa de campo.
Ao falarmos da complementaridade entre esses três bairros – Ribeira,
Cidade Alta e Alecrim – na estruturação de um Núcleo do Centro Histórico de Natal,
essa condição de complementaridade nos autoriza a propor que a centralidade
urbana em Natal pode ser apreendida, além da sua diversidade, também por uma
multicentralidade, que consiste na complementaridade entre diversas áreas.
Parafraseando Sposito (2010), diríamos que, se verificamos a multiplicação
de centros, estamos diante de uma multicentralidade, desde que estes centros
estabeleçam entre si relações de complementaridade. Esta condição de
complementaridade na conformação do Núcleo do Centro Histórico de Natal foi por
nós exposta na segunda seção, ao indicarmos que a Cidade Alta deu início à
formação do espaço urbano de Natal, com a fundação da cidade, vindo a
desenvolver em seguida o comércio; que a Ribeira desenvolveu seu comércio
voltado para a exportação-importação, em função do Porto de Natal; e que o Alecrim
estabeleceu contato com o interior do estado do RN, fazendo a ligação entre a
Cidade Alta, a Ribeira e o interior do estado, desenvolvendo também o seu
comércio.
Desta forma, configurou-se uma condição de complementaridade, em que
cada área contribuiu com os atributos que lhes eram inerentes, naquele momento,
139
para a formação do Núcleo do Centro Histórico de Natal. E, ao examinarmos
bibliografia atinente à temática, ao obtermos dados primários, por ocasião da
pesquisa de campo, e também ao analisarmos dados secundários, temos observado
que essa condição de multicentralidade persiste.
A condição oposta à multicentralidade, sobre a qual julgamos pertinente
referir, é a policentralidade, que se configura pela concorrência entre áreas de um
dado espaço urbano, estando estas a procura de exercer cada uma maior poder de
atração em relação às demais (SPOSITO, 2010). Descartamos essa possibilidade
ao nosso objeto de estudo, em função do que segue.
Em primeiro lugar, porque entendemos que os centros que se conformam
em Natal, desde aquele ao qual denominamos Núcleo do Centro Histórico de Natal,
às novas centralidades, cada um apresenta, segundo seus atributos, a centralidade
que lhe é inerente, atendendo a contento àqueles que demandam seus conteúdos,
sejam estes de comércio, de serviços, de caráter histórico, de gestão, entre outros.
Em segundo lugar, porque não estamos enveredando, neste trabalho, por
um trabalho de quantificação, à procura do que venha a ser centro ou subcentro,
segundo uma abordagem de hierarquização dos centros.
Em terceiro lugar, e por fim, porque estamos tratando a centralidade urbana
em sua diversidade, que em certa medida, considera aspectos quantitativos, como
dados de comércio e serviços, índices de fluxos e frequentação, mas que abrange
também aspectos qualitativos e subjetivos, como aqueles ligados às dimensões
histórica, simbólica, até mesmo à dimensão ideológica, como nos foi revelado por
ocasião da pesquisa de campo.
Retomando a discussão sobre a contribuição do comércio para a formação
das centralidades urbanas, defendemos que o mesmo exerce um poder de atração
sobre as pessoas, formando fluxos, gerando centralidades. As pessoas, aqui
tratadas como consumidores, são então atraídas porque se beneficiam no processo
de troca, porque têm suas demandas atendidas, como apontam Barreto; Lima (2007,
p. 19): “A maioria dos economistas aceita a teoria de que o comércio beneficia a
ambos os parceiros, porque se um não fosse beneficiado não participaria da troca, e
rejeita a noção de que toda troca tem implícita a exploração de uma das partes.”
O benefício mencionado no pensamento dos autores citados estaria para o
atendimento à demanda do consumidor, assim como a suposta “exploração” estaria
para o processo de reprodução do capital, representado pela margem de lucro, o
140
que é intrínseco ao ambiente capitalista, e que faz parte do seu processo de
reprodução. Neste trabalho, interessa-nos essa temática à medida que identificamos
estreita relação entre a dispersão da centralidade urbana, com a formação de novas
centralidades, e o processo de reprodução do capital. Ou seja, podemos asseverar
que novas centralidades estão sempre a surgir porque, se de um lado a sociedade
apresenta novas demandas, o capital, igualmente demanda sempre novos espaços
para reproduzir-se. Estes espaços se apresentam então sob a forma de novas
centralidades.
A Ribeira passou a apresentar a função de bairro comercial desde a
segunda metade do século XIX, concomitante ao desenvolvimento do comércio no
RN, conforme expõe a obra “Memória do comércio do Rio Grande do Norte”, de
Barreto; Lima (2007, p. 26): “Há unidade de opinião entre os historiadores potiguares
de que o nosso comércio só veio a assumir um fluxo maior na segunda metade do
Século XIX.”
Pela sua condição natural, margeada pelo estuário do Rio Potengi, o bairro
da Ribeira passou a abrigar o Porto de Natal, o qual foi de importância capital para o
desenvolvimento do comércio no bairro, sendo, naquele momento, o principal centro
comercial da cidade, cuja relação de exportação-importação se estreitava com o
estado de Pernambuco. A respeito dessa relação comercial e do surgimento do
Porto, a matéria publica num jornal local, Tribuna do Norte, sob o título “Ruas
guardam história do comércio”, elucida:
Em meados do século 19 consolidou-se o comércio na região, na maioria de artigos que chegavam e partiam pelo Potengi em uma relação negocial dominada por Pernambuco. Mais tarde, essa vocação para centro de comércio de mercadorias pelos navios se consolidaria com a construção do Porto de Natal (RUAS..., 2016, não paginado).
Ao rememorar o comércio no RN, tendo como foco o referido bairro quando
do início da sua formação comercial, Barreto; Lima (2007, p. 28) assim o
caracterizam:
A Ribeira, conhecida também por Cidade Baixa, nasceu banhada pelas águas do rio Potengi. Seu desenvolvimento urbano foi impulsionado pela construção do porto, cujas obras foram iniciadas no final do século XIX [apesar de criado oficialmente só em 1932]. É importante ressaltar que, a partir da segunda metade do Século XIX,
141
a Ribeira consolidou sua função de bairro comercial, povoado de grandes armazéns onde eram guardadas as mercadorias importadas ou para exportação e a instalação de várias agências bancárias, graças à presença dos soldados americanos nos anos
[19]40 do Século passado (grifos nossos).
Ao resgatarmos algumas informações importantes da citação, temos a
presença do Porto de Natal enquanto forma, cujo processo de exportação-
importação evidenciava o conteúdo da incipiente centralidade urbana em formação,
respeitadas as proporções à época. Outras formas que merecem destaque são os
armazéns, alguns dos quais ainda estão presentes na paisagem urbana do bairro,
testemunhando um período áureo do comércio que se fazia internamente, articulado
ao que se projetava internacionalmente; e as agências bancárias, instaladas
principalmente por ocasião da presença de soldados norte-americanos, no contexto
da Segunda Guerra Mundial.
As ruas dentre as quais se desenvolviam de forma mais expressiva as
atividades comercias ligadas à dinâmica do comércio na Ribeira eram as seguintes
Mapa 06):
a) Rua Doutor Barata, que era conhecida como Rua das Lojas, local do
comércio chique da cidade; abrigava a “Formosa Syria”, em 1927, loja de comércio
sofisticado;
b) “Rua Frei Miguelinho, antes 13 de Maio, é a continuação da Dr. Barata.
Concentrava o comércio e, principalmente, os bancos da cidade [...]” (BARRETO;
LIMA (2007, p. 29);
c) “A Rua Chile, antiga Rua do Comércio, era sinônimo de trabalho e
desenvolvimento” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 29).
142
Mapa 06 – Ruas do comércio inicial na Ribeira
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: BARRETO; LIMA (2007); Pesquisa de Campo, 2016.
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
143
Na verdade, ao examinarmos a descrição das ruas ao longo das quais a
atividade comercial se desenvolvia na Ribeira, por ocasião da pujança das
atividades agroexportadoras do RN, tendo como produtos principais o algodão e o
açúcar, vemos que as atividades comerciais se desenvolviam em apenas duas ruas:
a Chile, que era a do Porto; e a Doutor. Barata/Frei Miguelinho. Ademais, apontamos
que esta última, enquanto rua secundária à do Porto, conforma-se paralelamente à
Rua Chile, que é a principal rua do Porto de Natal, a qual “[...] foi desde as primeiras
décadas do Século XX, ou talvez até antes, a artéria que abrigava as maiores firmas
importadoras e exportadoras de Natal, com os seus respectivos armazéns de
depósito” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 29).
Mas não só as atividades portuárias concorreram para o desenvolvimento
urbano do bairro da Ribeira. A presença dos soldados norte-americanos, por ocasião
da Segunda Guerra Mundial, associada à movimentação financeira das atividades
comerciais próprias do Porto de Natal, fez impulsionar também a atividade
financeira, com a presença de agências bancárias, assim como a vida noturna, que
desde então legou ao bairro a reputação de boemia, pela presença de seus cabarés,
que passavam a funcionar por volta das vinte e uma horas, quando as famílias da
cidade se recolhiam (CASCUDO, 1999).
Naquele momento de mudanças por que passava o contexto urbano
natalense, na década de 1940, com a presença das tropas norte-americanas,
causando impactos significativos, desde hábitos de consumo a oferta de moradias,
opções de lazer, serviços de alimentação e higiene, entre outros, o ponto de
encontro dos soldados norte-americanos estava focado na Ribeira, movimentando
significativamente a economia dos bares e casas noturnas. Assim, “A Ribeira era o
ponto onde empreendimentos surgiam e carreiras políticas se firmavam. A Guerra
fizera correr ali muito dinheiro” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 83, grifos nossos).
Para que possamos reafirmar a posição da Ribeira enquanto bairro
comercial por excelência no contexto urbano de Natal até o fim da Segunda Guerra
Mundial, antecedendo até mesmo o que fora declarado “Centro” – o bairro Cidade
Alta –, por sua condição histórica, indicamos que
A curva do tempo leva [...] à velha Ribeira dos anos [19]40 [...]: o antigo comércio, o porto, os navios. Tudo era na Ribeira. Médico, dentista, tudo era ali lá. Sapatarias, comércio de grosso e varejo.
A elegante loja Paris em Natal era lá. Natal Modelo, também lá. Na
144
Avenida Dr. Barata, na Tavares de Lira e girava o mundo empresarial. Lá também prosperavam os grandes armazéns de estivas e cereais. Os trens abasteciam a cidade com produtos vindos de Recife. Até combustível vinha de trem (BARRETO;
LIMA, 2007, p. 88, grifos nossos).
Um olhar atento sobre o trecho ora citado resume o que discorremos até o
momento do texto a respeito da Ribeira enquanto bairro constituinte do Núcleo do
Centro Histórico de Natal, e sua condição de ser central: o porto, o comércio, a
comunicação via mar com Recife; enfim, o foco das atenções comerciais da Cidade
do Natal estava voltado para a Ribeira.
Mas a expressividade da Ribeira enquanto centro de negócios no espaço
urbano de Natal cedeu lugar ao bairro da Cidade Alta, como relatam Barreto; Lima
(2007, p. 29-30) que
Com o término da II Guerra Mundial, o bairro da Ribeira entrou
num lento processo de redução de suas atividades comerciais, o que foi causado pela fuga dos dólares americanos e, sobretudo, pela transferência de várias firmas comerciais para a Cidade Alta.
Ao rememorarmos o período expressivo da Ribeira enquanto centralidade no
espaço urbano de Natal, indicamos um transcurso entre a segunda metade século
XIX e a primeira metade do século XX. Portanto, um período de uma média de cem
anos, quando então cedeu lugar a uma nova centralidade comercial, representada,
naquele momento do pós Segunda Guerra Mundial, pelo bairro da Cidade Alta.
O bairro Cidade Alta, como já expusemos na seção anterior, teve o atributo
histórico para sua condição de ser central, por ter ocorrido nele a fundação da
Cidade do Natal. Seguiu-se um incipiente processo de produção do espaço,
motivado pela produção da moradia, vindo a adquirir a função comercial de forma
mais expressiva só após a Segunda Guerra Mundial, quando o bairro da Ribeira
entrou em processo de redução da sua importância comercial no contexto urbano de
Natal. O relato a seguir informa que
Era um bairro predominantemente residencial antes da II Guerra Mundial e eram poucas as casas comerciais existentes em suas ruas. O Paço da Pátria era o ponto comercial mais importante da Cidade Alta. Tudo era desembarcado ali, procedente de Macaíba, São Gonçalo, Redinha e de outras povoações (BARRETO; LIMA (2007, p. 30).
145
As reminiscências da função comercial marco zero podem ser depreendidas
do trecho que segue: “O Curral do Açougue, a Praça do Peixe e as quitandas
espalhadas pela antiga rua Nova [Avenida Rio Branco], indicavam a vocação
comercial daquele logradouro público” (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado).
A Avenida Rio Branco foi, desde os seus primórdios, capital para o desenvolvimento
comercial do bairro Cidade Alta, visto que nela se instalaram as primeiras e mais
diversificadas lojas de comércio e serviços, sendo considerada, conforme trecho a
seguir, um “marco” na estruturação do comércio local:
Como marco da expansão comercial da Cidade Alta na década de
[19]40 podemos consignar a abertura na avenida Rio Branco da Loja Brasileiras (agosto de 1940); o Cassino Natal (outubro de 1943); a Fábrica Santa Lígia, de fiação de tecelagem de estopa e fabricação de sacos, de Cavalcanti Moura & Cia (1945); a Sorveteria Rio Branco (maio de 1945), o Bar Bolero, situado em frente ao hoje inexistente Cinema Rex, de Rui Araújo (1947); e o Posto Esso, instalado pela Sandart Oil Company of Brazil (BARRETO; LIMA, 2007, p. 30, grifos nossos).
Estas são apenas algumas das empresas que operavam na Avenida Rio
Branco quando a Cidade Alta passou a ocupar o lugar central no espaço urbano
natalense, que fora perdido pela Ribeira, ainda na década de 1940, com a saída dos
soldados norte-americanos, que representavam demanda solvável para o comércio
e os serviços que eram praticados no entorno do Porto de Natal. Mas, certamente,
outras lojas menos expressivas também desenvolviam suas atividades, tanto na
Avenida Rio Branco quanto em outras ruas paralelas ou transversais a ela, todas no
bairro da Cidade Alta.
Dado que nossa preocupação ora se volta à importância da Avenida Rio
Branco para a estruturação do comércio da Cidade Alta enquanto centralidade no
espaço urbano de Natal, é importante ressaltarmos que a mesma foi prolongada por
duas vezes: em 1916, no seu trecho compreendido entre a Rua Apodi e o Baldo, por
ação do Presidente da Intendência, Romualdo Galvão; e em 1935, fazendo o
prolongamento da referida avenida desde a Cidade Alta até a Ribeira, na gestão do
prefeito Miguel Bilro. Dessa forma, “Surgia assim a segunda via de acesso entre a
Cidade Alta e a Ribeira facilitando o tráfego entre aqueles dois importantes bairros
de Natal” (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado).
146
Atualmente, a Avenida Rio Branco continua a ser de singular importância
para que possamos apontar a Cidade Alta enquanto centralidade no contexto urbano
de Natal, tanto porque continua a apresentar sua função comercial, pela presença
de um conjunto de empresas de comércio e de serviços, quanto porque por ela
passa o mais expressivo número de fluxos de transportes individuais, de cargas e de
transportes coletivos do bairro em tela, articulando fluxos com ruas transversais, e
até mesmo com bairros adjacentes, como: Ribeira, Roca, Tirol, Petrópolis, entre
outros, e até mesmo com toda a cidade. É por razão que estamos denominando,
neste trabalho, a avenidas deste porte como Eixo Dinamizador do Terciário (EDT),
juntamente com outras que adquirem essa mesma função no contexto natalense.
Isto porque, por sua função de dar fluidez ao tráfego de pessoas e mercadorias, por
viabilizar o movimento no espaço urbano, dinamiza a economia terciária de tantos
outros eixos dinâmicos que lhes são secundários.
O bairro Cidade Alta consegue mesclar e preservar seu atributo de
centralidade histórica ao de centralidade comercial, não só pelo fato da fundação da
Cidade do Natal ter sido efetivada nesse bairro, mas também pela memória do
comércio. Um dado que sempre vem à tona, por exemplo, em noticiários, estudos e
entrevistas, é o caso do mercado público do bairro, que teve sua expressividade
interrompida por um incêndio tido como “misterioso”. E esse assunto é recorrente
porque essa forma mercado público dava notoriedade ao centro ora em evidência na
Cidade do Natal, que era a Cidade Alta, havendo mais de cem pontos comerciais no
interior do mercado (PAIVA, 2015). E apesar de sabermos que esses mercados
tradicionais são constituídos de pequenos negócios, mesmo assim, o número
significativo de uma centena de negócios fazia dinamizar uma avenida que já
concentrava as atividades comerciais de então, como a Rio Branco. Assim, como
A população de Natal, que ainda não contava com os modernos recursos da ‘era da máquina’, no campo da conservação de alimentos, era conduzida a adquirir diariamente os gêneros
alimentícios. O Mercado Público tornou-se então um ponto de encontro, um local onde eram divulgados os acontecimentos da Cidade, em primeira mão. Ali comentavam-se os assuntos mais diversos, políticos, sociais e, até mesmo, ‘os ridículos enredos provincianos’ (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado, grifos nossos).
Os destaques feitos na citação nos impelem a contextualizar o assunto em
147
tela, o qual se refere ao incremento quanto à oferta da energia elétrica na Cidade do
Natal, que tendo sido instalada em 1911, passou por melhorias significativas, com a
transmissão da energia da Hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia, na década de
1960, o que possibilitou àqueles mais abastados da sociedade natalense adquirirem
refrigeradores, possibilitando assim a prática da conservação de alimentos,
dispensando a ida diária ao mercado, para atender seu consumo doméstico. Isto
porque a chegada da energia elétrica estava inserida na política de desenvolvimento
implementada pela SUDENE.
Certamente, é dessa prática cotidiana de ir ao mercado que o bairro Cidade
Alta, mais precisamente, a Avenida Rio Branco, passou a ganhar notoriedade
enquanto centralidade no contexto urbano de Natal. Assim como o Porto de Natal
fora para a Ribeira importante forma no sentido da conformação da centralidade
urbana desde o período agroexportador até à presença dos soldados norte-
americanos, o Mercado Público da Cidade Alta igualmente fora importante forma na
estruturação do comércio, dos serviços, e até mesmo da vida política e social do
bairro Cidade Alta.
O Mercado Público foi mais um equipamento de comércio a auxiliar na
consolidação da formação comercial do bairro, que já vinha se concentrando na
Avenida Rio Branco, que era o lugar de encontro dos citadinos natalenses, como
defendem Barreto; Lima (2007, p. 31) que
Não se pode reconstituir a memória da Cidade Alta sem falar sobre o ‘Café Grande Ponto’, instalado nos anos [19]20 [...]. Foi ponto de
destaque na paisagem da capital potiguar, sobretudo, nas décadas de [19]30, [19]40 e [19]50, quando o negócio fechou (grifos nossos).
A expressão “Grande Ponto” permaneceu consignada na memória das
gerações mais antigas da sociedade natalense, e até mesmo do RN, como sendo o
lugar do encontro da cidade. Encontro, em primeiro lugar, porque nele, no “Grande
Ponto” (Figura 16), esquina entre a Avenida Rio Branco e a Rua João Pessoa, onde
funcionava o “Café Grande Ponte, entre as décadas de 1920 a 1950, encontravam-
se políticos, intelectuais e empresários natalenses; em segundo lugar, porque, nesse
mesmo cruzamento, passavam os bondes elétricos, meio de transporte coletivo à
época, trazendo parte desses frequentadores do Grande Ponto. Esse encontro
cotidiano e político faz da cidade o lugar do encontro, conforme já assinalamos no
148
início dessa subseção.
Figura 16 – Grande Ponto, em 1950 (esquerda), e em 2016 (direita)
FONTE: PAIVA, 2015 (esquerda); Josélia Carvalho, 2016 (direita)
Além da Avenida Rio Branco, outras ruas expressivas de comércio e de
serviços na Cidade Alta, com suas respectivas densidades, em diferentes épocas,
são as seguintes: ruas Princesa Isabel, Apodi, João Pessoa, Ulisses Caldas, Felipe
Camarão, Coronel Cascudo, entre outras que compõem a área densa da
concentração de comércio e de serviços no bairro. Dentre estas,
A rua Princesa Isabel, antiga Rua dos Tocos, onde se instalou entre o final de 1959 e o início de 1960 o Café São Luís, veio sentir de forma mais forte o desenvolvimento comercial na década de [19]70. Em fevereiro de 1974, foi inaugurada uma filial das Lojas Maia. Em novembro de 1975, as Lojas Brasileiras (Lobrás) iniciaram a construção da sua galeria que se estendia entre a Rio Branco e a Princesa Isabel (BARRETO; LIMA, 2007, p. 32, grifos nossos).
Observemos, voltando um pouco no texto, que, com o fechamento do “Café
Grande Ponto”, em 1950, uma década após, surgiu o “Café São Luis”, o qual ainda
funciona no mesmo local, reunindo um público com o mesmo perfil daquele de
outrora: políticos, empresários e intelectuais, que, juntos, debatem sobre o cenário
político e social da cidade, indo, quiçá, à escala internacional.
Esse fato reforça a ideia de que a cidade é o lugar do encontro. Apesar de
ser ínfimo o número de citadinos que podem se encontrar nesse tipo de espaço,
haja vista demandar, para este fim, disponibilidade de ócio e de renda, é ainda uma
forma de relevo no meio urbano enquanto lugar, também, da política. Não é à toa
que os cafés ganharam espaço também nas novas estruturas de convivência da
sociedade moderna, quais sejam: shopping centers, aeroportos, algumas rodoviárias
e algumas livrarias.
149
Os cafés figuram, no espaço urbano, como o ponto de encontro da
intelectualidade, daquele frequentador com demanda solvável para pagar
significativos valores pelo bem ou serviço que lhe é oferecido, num discurso
revestido em nome do “café”; mas, na verdade, o que está sendo pago é o poder
aquisito do encontro, o poder de “consumir” aquele estrato elitizado do espaço
urbano.
Alguns dos frequentadores dos cafés, enquanto integrantes da elite política,
empresarial ou intelectual da cidade, são quem “dão as cartas” nos rumos da cidade,
seja via planejamento urbano, cargos de gestão, decisões empresariais ou decisões
de outra natureza. Por esta peculiaridade que permeia os cafés, eles se instalam em
lugares dotados de atributos capazes de atrair fluxos de pessoas, expressando um
indício de que estamos, simbolicamente, no centro da cidade por excelência. Neste
sentido, uma centralidade simbólica, subsumida numa centralidade mais ampla, que
é o centro comercial da cidade.
É importante ainda destacar a incorporação da Rua Princesa Isabel ao
centro comercial que se estruturava, naquele momento, na Cidade Alta, a partir da
instalação da “Lojas Maia”, que era do ramo de eletrodomésticos, em 1970. A
comercialização desse tipo de produto se tornou viável porque, o RN recebeu um
incremento na oferta de energia elétrica, porque a contar, na década de 1960, com a
transmissão vinda da hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia (BARRETO; LIMA,
2007). Com isso, o comércio adquiriu novo impulso, e uma nova fase fora
inaugurada na economia do estado.
Outras lojas, como a Lojas Brasileiras e Lojas Americanas foram instaladas
na Avenida Rio Branco, estendendo-se até a Rua Princesa Isabel, sob a forma de
galeria, ambas com dois ou até três pavimentos, abastecidos com produtos diversos,
com atendimento baseado no autosserviço, porque já estamos falando da segunda
metade da década de 1975 em diante, quando essa forma de comercialização
passou a ser praticada no comércio natalense.
O relevo que damos à presença dessas duas lojas deve-se ao fato de elas
inaugurarem a forma galeria no comércio natalense, antes verificada apenas em
edifícios, como no Edifício Barão do Rio Branco e no Edifício Sisal, muito mais
voltados para os serviços, sob a forma de escritórios, com lojas apenas no
pavimento térreo. Essas galerias que foram criadas entre a Avenida Rio Branco e a
Rua Princesa Isabel ainda persistem, e em número de pelo menos seis, nas quais
150
funcionam, ou lojas de eletrodomésticos ou lojas de roupas e acessórios, mas as
galerias são pouco expressivas nas áreas comerciais em Natal. À época em que
foram criadas, serviram para dinamizar significativamente o comércio da Cidade
Alta, por fazerem a interligação entre essas duas ruas, dando mais fluidez aos
clientes, por sua vez, viabilizando um maior volume de compras.
Sobre a Cidade Alta, enquanto centro comercial e de serviços, é importante
considerar a opinião de um comerciante que iniciou seu pequeno negócio de
calçados no referido bairro, em 1963, o qual se transformou em rede de lojas, e
atualmente abrange toda a Cidade do Natal, estando presente tanto no comércio de
rua quanto nos shopping centers. O referido comerciante, Manoel Bezerra de Souza,
relata que
[...] o movimento comercial na Cidade Alta tem seu incremento econômico baseado principalmente na presença de grandes agências bancárias e lojas como Riachuelo, C&A, Americanas e Marisa, e de outros empreendimentos como o Shopping Popular, os camelôs e lojas de produtos de R$ 1,99. Além disso, pelos lugares históricos como a antiga e a nova Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, Instituto Histórico e Geográfico, Palácio da Cultura (antigo Palácio Potengi), Prefeitura do Natal e Assembléia Legislativa (SOUZA, apud BARRETO; LIMA, 2007, p. 32-33).
Interessante notar que, enquanto cidadão que vivencia a prática comercial
diária num decurso de mais de quatro décadas, ele conseguiu reunir, em uma só fala
diversos eventos, de tempos diferentes, e até desencontrados, mas bastante
significativos, o desenvolvimento desse centro comercial de Natal. Mais interessante
ainda, é notar que o referido comerciante, enquanto cidadão natalense, não
negligenciou em sua fala outros aspectos da centralidade urbana, como o simbólico,
o histórico, o cultural e o da gestão.
Outras lojas que se destacaram no comércio da Cidade Alta foram a
Formosa Syria e a Rio Center, por iniciativas próprias de inovação na prática
comercial. A Formosa Syria, já tendo se estabelecido na Ribeira desde 1927,
inaugurou sua filial na Avenida Rio Branco, esquina com a Rua Ulisses Caldas, em
1937. Vendia tecidos, artigos de costura e perfumaria. O que essa loja trouxe de
inovação ao comércio natalense é que impressionava pelo tamanho do seu salão de
vendas, e por ser a primeira loja de Natal a ter vitrines. Relatam Barreto; Lima (2007,
p. 75) sobre a presença da vitrine na referida loja, que “Foi tamanho o impacto, que
151
tornou-se uma atração, uma inovação a modificar a feição urbana de uma Natal que
crescia. Logo, todo o comércio a imitava.”
Vitrine, sabemos, é uma estratégia de sedução da parte do comerciante em
relação ao consumidor. O primeiro contato com o produto por meio do olhar já
convida o consumidor a entrar na loja, podendo resultar num processo final de
aquisição da mercadoria. Certamente, se as demais lojas seguiram essa tendência
de expor produtos em vitrines, a inovação trazida pela Formosa Syria, considerada
“[...] o point da elegância de Natal nos anos 1950 e 1960” (BARRETO; LIMA, 2007,
p. 129), não só dinamizou as vendas, mas também o comércio da Cidade Alta como
um todo.
A outra loja a promover inovação na prática comercial na Cidade Alta foi a
Rio Center – antiga Casa Rio –, que passou a expor seus produtos ao alcance dos
consumidores, desde quando foi fundada, na década de 1960. O trecho a seguir
expõe que,
Com a Rio Center Natal conheceu um novo conceito de exposição lojista, em mais uma ação arrojada: as peças eram expostas em ‘araras’, em vez de ficar fechadas em caixas, como nas demais lojas. Podiam ser vistas, tocadas, sentidas pelos clientes. Foi uma
revolução. E todos então o imitaram: lojas de confecções, eletrodomésticos e móveis, até farmácias, todos queriam adotar o estilo Rio Center (BARRETO; LIMA, 2007, p. 102, grifos nossos).
Associada à ideia da vitrina, da Formosa Syria, agora, com a exposição de
produtos com acesso direto ao cliente, o comércio de Natal crescia cada vez mais
em volume de venda. Observemos que os autores são enfáticos sempre em dizer
que, a cada inovação, o comércio todo passava a adotar a referida inovação.
Certamente, com o intuito de aumentar suas vendas e auferir lucros com essas
novas práticas.
Outras duas práticas inovadoras foram inseridas por parte da Rio Center no
sentido de dinamizar as vendas. A primeira foi bem pontual, restrita ao período da
Segunda Guerra Mundial, pelo fato de o proprietário da referida loja, Alcides Araújo,
ter aprendido falar inglês para atender aos soldados norte-americanos que ora
povoavam e compravam no comércio natalense, dado que, nos
[...] anos [19]40, a cidade sofre uma verdadeira revolução em sua economia: veio a Segunda Guerra, o Brasil entrou no conflito e
152
soldados americanos chegaram ao Rio Grande do Norte, montando uma base em Parnamirim, Grande Natal. Os soldados passaram a comprar no comércio local, impulsionando como nunca a economia do Estado (BARRETO; LIMA, 2007, p. 209).
Relatam os autores citados que “Os produtos mais procurados pelos
estrangeiros eram as meias de seda femininas e o perfume Chanel. Os soldados
mandavam os produtos como presentes para suas esposas e namoradas, na
América (BARRETO; LIMA, 2007, p. 100). Esses produtos eram bem específicos do
segmento praticado pela loja em tela, que só mais tarde veio a se tornar
efetivamente uma loja de departamento, com a diversificação dos seus produtos.
Importa-nos nessa informação que, ao ter alguém na loja que falasse o idioma dos
soldados norte-americanos, atrairia os mesmos às compras, aumentando
sobremaneira as vendas, dinamizando assim o comércio natalense.
A segunda prática inovadora inserida no comércio da Cidade Alta por parte
da Loja Rio Center foi a criação de uma forma de crédito próprio, quando o comércio
de Natal entrava na fase das lojas de departamento:
Percorreu [Alcides Araújo] toda a década de 1960 com perseverança, enfrentou o crescimento do comércio de Natal ao longo dos anos [19]70, com ideias modernas, inovador por temperamento, ingressou no segmento de loja de departamentos, com a Rio Center. O ano era 1977. [...] já no ano seguinte a loja lançava seu cartão de crédito, o primeiro de um empreendimento comercial do Rio Grande do Norte. [...] a João Pessoa [local da Rio Center]
ainda não concentrava o comércio do Centro onde as grandes lojas estavam na Ulysses Caldas ou Avenida Rio Branco. Todos diziam
que não daria certo. Estavam errados (BARRETO; LIMA, 2007, p. 101, grifos nossos).
Ressaltamos a importância da Loja Rio Center e sua prática comercial no
cenário natalense, não por ela mesma, mas para indicar as dinâmicas criadas pelo
comércio varejista, as quais terminam por contribuir para o processo de reprodução
do capital, inserindo-se num contexto de produção do espaço urbano.
Ademais, é importante indicar como resultado das estratégias dinâmicas da
loja em tratamento, que a mesma atualmente permanece com sua primeira loja no
bairro Cidade Alta, tendo se expandido em mais duas: uma do tipo mega store, no
bairro Lagoa Nova; e outra como loja âncora, instalada no Natal Shopping Center,
no bairro Candelária. Observando o processo de expansão da referida loja, vemos
153
que a mesma acompanhou a expansão do varejo moderno no em Natal, que se fez
no sentido sul, a partir da instalação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, na década de
1980 (PESQUISA DE CAMPO, 2015).
Longe do culto à personalidade, o que nos interessa, ao transcrever esse
trecho da última citação, é indicar três processos que concorreram na consolidação
da Cidade Alta enquanto centralidade no contexto da produção do espaço urbano de
Natal, tendo a economia terciária como força motriz.
O primeiro destes processos é o surgimento das lojas de departamento,
entre as quais, destacavam-se a supracitada Rio Center, a Lojas Brasileira (Lobrás),
a Lojas Americanas e as Casas Pernambucanas, que além de loja de departamento,
vendia também tecidos. Essas lojas eram as mais procuradas pelos consumidores
natalenses, pela diversidade de produtos que podiam ser encontrados. E por essa
gama de produtos, essas lojas de departamentos atraíam, cada vez, um maior
número de consumidores, concorrendo assim para a conformação de uma
centralidade urbana.
Outras lojas ainda podem ser citadas, que eram as especializadas em
tecidos, como: a Casas Cardoso, a C Barros, a José Araújo, a Narciso, a Girafa
Tecidos e a Esplanada. Estas lojas tinham sua importância evidenciada em períodos
festivos, principalmente, quando a sociedade natalense acorria às mesmas para
aquisição de tecidos para confeccionar roupas para festas como Natal, Ano Novo,
período junino, carnaval, entre outras. Isto porque as lojas com roupas prontas
quase inexistiam no cenário comercial natalense.
O segundo processo que resgatamos do último trecho citado, e que pode ser
considerado também uma inovação, é a criação do cartão de crédito próprio da loja,
no ano de 1978, conforme podemos depreender da interpretação do trecho. Até
então, e ainda persiste mesmo que de forma tímida, a prática mais expressiva de
crédito era do tipo “crediário”, que se estabelecia pela assinatura de um contrato, e
se efetivava por meio de um carnê contendo um dado número de folhas, conforme
fosse o número de parcelas.
A criação do referido cartão de crédito veio dar mais fluidez às compras,
igualmente contribuindo para a atração de um maior número de consumidores,
estimulando ainda mais a centralidade no bairro Cidade Alta. Consideramos ser uma
significativa inovação, também, pelo fato de uma loja natalense ter inserido essa
prática do cartão de crédito nas suas transações comerciais pouco menos de três
154
décadas da criação do primeiro cartão de crédito da história, que fora na década de
1950, o “Diners Club Card”, com abrangência internacional (MUSEU..., 2016).
Assim, ao inserir essa forma de crédito nas transações comerciais da sua loja, o
empresário contribuiu para a expansão das transações de vendas no bairro de maior
expressão comercial de Natal à época.
Já o terceiro processo a ser destacado, que concorreu para a formação da
centralidade urbana no bairro Cidade Alta, é a espacialidade do comércio, em seu
processo de expansão, indicando que o mesmo obedeceu à seguinte sequência:
Avenida Rio Branco, Rua Princesa Isabel, Rua Ulisses Caldas e Rua João Pessoa.
É interessante destacar que estas ainda são as principais ruas concentradoras da
maior gama de comércio e de serviços da Cidade Alta, tendo passado apenas por
algumas transformações.
Ainda sobre essa espacialização do comércio e dos serviços na Cidade Alta,
interessante notarmos que em relação à Avenida Rio Branco, sobre os
prolongamentos que foram feitos em 1916, entre a Rua Apodi e o Baldo; e em 1935,
entre a Cidade Alta e a Ribeira, prolongamentos estes sobre os quais já discorremos
anteriormente, na atualidade, esses trechos correspondem a áreas ditas
“degradadas” e indicadoras de um possível esvaziamento do “Centro” de Natal,
conforme defendem Nascimento (2003) e Mazda (2016). Mas entendemos que os
referidos prolongamentos se fizeram necessários muito mais em função da fluidez
do tráfego do que para a expansão de áreas disponíveis ao comércio e aos serviços,
principalmente, porque a condição íngreme da topografia do sítio urbano nesses
trechos não são favoráveis a fins comerciais.
Como já discutimos na seção anterior, discordamos desse pretenso
esvaziamento da Cidade Alta enquanto centralidade urbana no contexto da Cidade
do Natal, além do que já expusemos, porque também não apreendemos a
centralidade urbana limitada à sua nuance comercial, mas de uma forma diversa,
abrangendo atributos histórico, simbólico, cultural, ideológico, entre outros.
Destacamos ainda que no trecho da Avenida Rio Branco, compreendido entre as
Ruas Apodi e Correia Teles (PESQUISA DE CAMPO, 2016), o comércio e os
serviços são bastante intensos, contrariando o que vem sendo divulgado nos meio
acadêmico e jornalístico. É igualmente nesse referido trecho que as ruas adjacentes
e transversais à Avenida Rio Branco apresentam a mais significativa dinâmica da
economia terciária do bairro em tela.
155
A centralidade urbana capitaneada pela atividade terciária que se conformou
no bairro Cidade Alta, no pós Guerra, seguindo-se à efervescência do bairro da
Ribeira, apresentou como formas principais nas quais se desenvolveram o comércio
e os serviços: a Avenida Rio Branco, “berço” do comércio e dos serviços no bairro; o
mercado público municipal; os bancos; e as lojas de departamento.
Já como processos, destacamos a incipiente iniciativa de marketing,
representada pela introdução do que denominamos de “inovações” na prática
comercial de então, com a utilização de vitrine e da exposição dos produtos em
“araras”, bem ao alcance do consumidor, já inaugurando o autosserviço, que é uma
estratégia de atendimento própria das lojas de departamento. Outra inovação foi a
criação do cartão de crédito próprio, introduzido nas transações comerciais de uma
loja de departamento. Associados, vitrine-“arara”-cartão de crédito, formam uma
estratégia solidária de marketing e crédito, respectivamente, criando a necessidade
e antecipando o poder de compra do consumidor, o que resulta num maior volume
de vendas, por atrair um número cada vez maior de consumidores, o que, por sua
vez, potencializa a capacidade de gerar centralidade urbana, por sua capacidade de
atração.
Com relação aos conteúdos, concordamos com Mazda (2016, não
paginado), ao dizer que,
Entre os anos [19]70 e [19]80, o comércio da Cidade Alta era ponto de encontro da família natalense. Reunia grandes lojas de departamentos (Americanas, Brasileiras, Pernambucanas), bancos, cinemas, lanchonetes, cafés. Os quarteirões do centro comercial eram disputados por empresários e profissionais liberais que tinham a área como sinônimo de modernidade e boa localização.
Tendo herdado a centralidade urbana de conteúdo focado no comércio e nos
serviços, que até o fim da Segunda Guerra Mundial fora de domínio da Ribeira, a
Cidade Alta conseguiu atingir maior expressividade até a década de 1980, quando
uma nova centralidade começou a se formar no contexto urbano natalense, que
foram os hipermercados, sobre os quais já mencionamos na segunda seção, e
detalharemos mais especificamente em momento oportuno.
Retomando a última afirmação do trecho citado, de que os empresários e
profissionais liberais disputavam o bairro Cidade Alta, no período indicado, para a
localização de seus empreendimentos, devia-se ao fato de ser o bairro mais central,
156
mais viável, naquele momento, do ponto de vista comercial, por atrair mais
consumidores, configurando-se como uma centralidade urbana bastante expressiva.
Era, portanto, a centralidade comercial excelente na Cidade do Natal.
Além dessa expressividade comercial, o bairro Cidade Alta agregava como
atributos concorrentes para a sua centralidade: o histórico, pela fundação de Natal; o
administrativo, por concentrar as sedes dos poderes: executivo – municipal e
estadual –, o legislativo estadual, e o judiciário; o financeiro, por ter a presença de
agências de bancos importantes, como o Banco do Brasil, e o do Banco do Estado
do RN (BANDERN), “Seguindo a tendência dos anos [19]60, década a partir da qual
a Cidade Alta tornou-se o centro financeiro da capital [...]” (BARRETO; LIMA, 2007,
p. 31).
E assim, pelo fato da centralidade do bairro em discussão ter sua natureza
constituída de forma tão diversa, reunindo atributos como a memória, a gestão, o
comércio e as finanças de toda a Cidade do Natal, quiçá do RN, é que, certamente,
a cidade não pode prescindir desse centro de forma fluida, tão somente porque
outros centros comerciais tenham surgido, ou venham ainda a surgir no tecido
urbano natalense.
No âmbito da memória e da gestão, nosso primeiro olhar se volta para o
bairro Cidade Alta, enquanto bairro constituinte do Núcleo do Centro Histórico de
Natal, por sua importância para a memória da cidade, por guardar o obelisco da
fundação, em 1599, na Praça André de Albuquerque. É no entorno dessa praça,
juntamente com a Praça Sete de Setembro, que se conformam os elementos mais
simbólicos para a centralidade urbana do referido bairro, seja no âmbito da memória,
da gestão ou da cultura.
Paralelo à Praça André de Albuquerque, e defronte à Praça Sete de
Setembro, está o Palácio Potengi, que entre 1902 e 1997, foi sede do governo do
estado do RN, quando então essa instância da gestão estadual foi transferida para o
Centro Administrativo, no bairro Lagoa Nova (NATAL..., 2008a); hoje, o referido
Palácio Potengi abriga o Palácio da Cultura/Pinacoteca Potiguar, dando lugar a
exposições, visitações e espetáculos; defronte ao Palácio Potengi, está a Prefeitura
da Cidade do Natal, lugar da gestão municipal; a leste do prédio da prefeitura, está a
Assembleia Legislativa do RN, como instância integrante da gestão estadual; já
defronte à Assembleia Legislativa, encontra-se o Tribunal de Justiça do RN, órgão
também afeito à gestão, no âmbito judiciário (PESQUISA DE CAMPO, 2015).
157
Ao descrevermos o entorno das Praças André de Albuquerque e Sete de
Setembro, percebemos a densidade de elementos urbanos suscitadores ou
geradores de centralidade, os quais foram ou ainda são ainda bastante funcionais
nesse pequeno fragmento do território do bairro. Ademais, pelo fato de ainda abrigar
o executivo municipal e o legislativo estadual, continua a ser um ponto de
concentração de manifestações políticas, como greves, tanto em nível estadual
quanto municipal; outras manifestações também ganham lugar, principalmente, em
frente à Assembleia Legislativa, pelo caráter de abrangência desse poder; e até
1997, enquanto a sede do executivo estadual esteve presente no Palácio Potengi,
essa Praça Sete de Setembro se configurava no foco das atenções e dos embates
políticos e ideológicos em Natal. Neste sentido, ao persistirem ainda manifestações
dessa natureza, julgamos pertinente afirmar ser essa uma centralidade de natureza
ideológica na cidade; ou, em outras palavras, um centro ideológico, aquele para o
qual convergem os fluxos de caráter ideológico, os quais se expressam por meio de
embates políticos.
Mas o bairro Cidade Alta é rico em centralidade urbana. É nele também que
tem início o Corredor Cultural (Figura 17) da cidade, o qual abrange vinte e nove
edificações históricas no “Roteiro Cidade Alta” (NATAL..., 2008a), e se estende até o
bairro da Ribeira, com mais vinte e quatro edificações históricas, no seu trecho
denominado “Roteiro Ribeira” (NATAL..., 2008a).
158
Figura 17 – Esquema do corredor cultural de Natal
FONTE: NATAL..., 2008a
O referido corredor é local de visitação turística, seja turismo de evento, mas
principalmente, turismo pedagógico/aula de campo. Logo, em alguns momentos,
esse trecho que se estende desde as proximidades da Praça André de Albuquerque,
na Cidade Alta, até a Praça Augusto Severo, na Ribeira, constitui-se,
simultaneamente, numa centralidade de natureza turística, histórica, cultural ou
159
simbólica da Cidade do Natal.
Nesse sentido, em função da estruturação do referido Corredor Cultural, e
do uso que é feito do mesmo, ambos os centros – Cidade Alta e Ribeira –
solidarizam-se na conformação dessa centralidade. Configura-se assim uma
multicentralidade, porque não há polarização, antes, complementaridade no sentido
da atração de fluxos de pessoas (SPOSITO, 2010). E essa complementaridade se
faz não apenas no sentido das trocas comerciais, segunda a dimensão econômica
da centralidade, mas também no sentido da complementaridade pelas diversas
dimensões de centralidade que essa área da Cidade do Natal expressa em sua
natureza.
Já a Ribeira assumiu também a condição de centralidade ligada à gestão,
entre 1869 a 1902, quando o Palácio do Governo esteve então localizado neste
bairro, abrangendo parte do governo provincial, seguindo-se como sede do estadual,
após a Proclamação da República, em 1889. Em 1902, a gestão do governo do
estado do RN voltou para o bairro Cidade Alta, passando a ocupar o Palácio do
Governo, hoje Palácio da Cultura. Mas há outros conteúdos que suscitaram ou ainda
suscitam centralidade urbana no bairro da Ribeira, visto que é um bairro de caráter
eminentemente histórico e cultural, cujas ruas e edificações ajudam a contar a
história da Cidade do Natal, razão pela qual, juntamente com o bairro da Cidade
Alta, compõem a maior parte do que o IPHAN delimitou como “Centro Histórico de
Natal”, entrando nessa delimitação apenas uma pequena parte do bairro das Rocas.
Dessa forma, mais uma vez, identificamos uma expressão de multicentralidade se
configurando entre os centros Ribeira e Cidade Alta, conforme já aludimos
anteriormente.
Por sua vez, o Alecrim, mesmo que de forma menos expressiva, também
teve seu momento áureo de centralidade ligada à gestão, e até mesmo ao aspecto
político-ideológico. O primeiro, quanto à gestão, refere-se à implantação da Base
Naval de Natal, em 1941. Nesse caso, adquiria um caráter militar, e servia como
ponto de apoio ao contingente de soldados norte-americanos presentes em Natal,
por ocasião da Segunda Guerra Mundial.
Já o segundo, quanto ao aspecto político-ideológico, foi por muito tempo,
lugar de convergência de fluxos de pessoas em manifestações políticas, seja de
caráter político-partidário, seja em movimentos grevistas. A referida praça veio a
perder esse poder de centralidade só a partir do momento em que a Cidade do Natal
160
começou a expandir seu território para as Regiões Administrativas Sul e Norte,
quando então novos espaços, inclusive, mais amplos, passaram a ganhar
notoriedade. Mesmo assim, a Praça Gentil Ferreira ainda guarda algum resquício de
centralidade, sendo ainda incorporada em momentos de manifestações populares,
como se fez recentemente, neste ano de 2017, tendo sido foco das manifestações
contra as reformas propostas pelo governo federal.
O Alecrim, enquanto bairro integrante do Núcleo do Centro Histórico de
Natal, juntamente com a Ribeira e a Cidade Alta, também tem sua importância
comercial para a conformação da centralidade urbana. E se, sob a dimensão
histórica da centralidade urbana, fora considerado como participante desse núcleo
numa condição periférica, por servir apenas como ponto de ligação entre o interior
do estado do RN e os outros dois bairros, tidos como mais expoentes – Cidade Alta
e Ribeira –, pelo fato de já se encontrarem em processo de urbanização mais
avançado, do ponto de vista comercial, o referido bairro se destaca frente aos
demais integrantes do Núcleo do Centro Histórico de Natal:
O comércio do Alecrim, cartão postal do bairro, é considerado a maior concentração de estabelecimentos e de pessoas envolvidas na atividade comercial em todo o Rio Grande do Norte. É bastante comum encontrar pessoas oriundas de diversas cidades do estado comprando nas lojas e camelôs do Alecrim (BEZERRA,
2005, p. 109, grifos nossos).
Já havíamos indicado, na segunda seção, a condição de o centro comercial
do Alecrim ser o maior da Cidade do Natal, segundo as palavras do Assessor de
Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN, Luciano
Kleiber, em entrevista por ocasião da pesquisa de campo. Enquanto que na última
citação feita, segundo as palavras de Bezerra (2005), a escala de análise da
informação se amplia, e abrange o estado do RN. Mas como o foco do nosso
trabalho se restringe ao espaço urbano de Natal, a informação advinda do trabalho
deste último autor citado serve tão somente para reforçar a visão de que o centro
comercial do Alecrim pode ser considerado a mais expressiva centralidade urbana
de natureza econômica em Natal, e que esta abrange uma área de influência para
além do tecido urbano da cidade.
Ademais, ratificamos a segunda informação, também do trecho citado de
Bezerra (2005), de que pessoas de outras cidades do RN vêm ao Alecrim fazer
161
compras. Essa informação nós constatamos por ocasião da pesquisa de campo. E
acrescentamos: são, quase sempre, comerciantes, que vêm comprar em atacado no
comércio do Alecrim, para então abastecer suas lojas, e revender em suas cidades
de origem. Dessa forma, o Alecrim se configura como uma centralidade que exerce
influência para além do território natalense.
Mas, ao resgatarmos o início da formação desse centro comercial, vemos
que fora marcado por uma expressão tímida da atividade terciária, que se
estruturava no sentido de oferecer apoio aos viajantes mercadores que vinham do
interior do RN, os quais podiam dispor dos bens e serviços oferecidos em pensões,
mercearias e lanchonetes (LIMA, 2003; BEZERRA, 2005).
Esse número de mercadores que acorriam a Natal enquanto entreposto
comercial passou a aumentar, requerendo uma ampliação da oferta de serviços de
apoio, como alimentação a hospedagem. E como já expusemos na segunda seção,
desde sua condição provinciana, o RN apresentava uma condição comercial pífia,
baseada na exportação de produtos primários, os quais eram exportados por
intermédio do estado de Pernambuco, que dominava o comércio ultramarino, e do
qual o RN adquiria produtos manufaturados. Assim,
Com o aumento do número de viajantes, devido ao crescimento dos negócios desenvolvidos em Natal, pequenos hotéis e estabelecimentos que serviam refeições foram se instalando na localidade [Alecrim] para assistir, principalmente, àqueles que transportavam os produtos para Paraíba e Pernambuco (BEZERRA, 2005, p. 83).
Interessante notar que é da condição histórica pretérita do bairro do Alecrim,
pelo fato de participar da conformação do Núcleo do Centro Histórico de Natal, como
via de acesso ao interior e aos estados vizinhos, que o referido bairro desencadeou
novos processos de inserção nesse mesmo núcleo, dessa vez, tendo como
conteúdo da centralidade urbana o comércio e os serviços, os quais se iniciaram
pelas mercearias e pensões, seguindo-se da feira livre e do mercado.
Estas duas últimas formas comercias – a feira e o mercado – são marcantes
na estruturação da atividade terciária no bairro do Alecrim. Dentre as feiras de Natal,
a mais tradicional é a do Alecrim, datando de 1920. Enquanto que o mercado público
só fora construído em 1938, próximo à Praça Gentil Ferreira (Pesquisa de Campo).
Essa praça é um marco na memória do Alecrim, constituindo-se como lugar
162
de encontro na cidade do Natal, porque por ela passavam os diversos fluxos de
transportes intra e interurbanos; era nela, onde as pessoas marcavam encontros de
negócios e de lazer; e também nela, onde se conformavam os embates políticos por
ocasião das campanhas eleitorais (BEZERRA, 2005). A Praça Gentil Ferreira, por si
só, já se apresentava como uma forma a viabilizar centralidade, pela possibilidade
de encontros que facultava no contexto urbano natalense. Configura-se, portanto,
como uma centralidade simbólica, pelo significado que representava na formação
desse centro comercial de Natal. Não que a referida praça tenha perdido em sua
totalidade essa condição, antes, referimo-nos ao seu momento mais expressivo,
fazendo-a figurar de modo mais central como lugar de encontro no bairro Alecrim, e
até mesmo na Cidade do Natal.
Em substituição ao primeiro mercado público do Alecrim, em 1970, um novo
foi construído na Rua dos Canindés, conhecida com Avenida 6, donde resulta o
nome “Mercado da Seis”. Esse novo mercado passou a abrigar os comerciantes do
antigo mercado do Alecrim, bem como os do antigo mercado da Cidade Alta, aquele
que fora incendiado em 1967.
A feira, o mercado, a escala temporal de conformação da atividade
comercial. Estes são alguns pontos de semelhança entre o Alecrim e a Cidade Alta,
porque foi entre as décadas de 1950 e 1960 que o comércio se tornou mais
expressivo no Alecrim, passando então a se instalarem lojas como a Casa
Sarmento, a Casas Cardoso e a Girafa Tecidos, algumas das quais também se
faziam presentes no bairro cidade Alta. Já na década de 1970, a importância
comercial se fez notar sobre o setor de varejo, com a instalação do Supermercado
Nordestão, em 1972 (BARRETO; LIMA, 2007).
Vemos que, na escala temporal, o comércio do Alecrim é contemporâneo ao
da Cidade Alta, e ambos são posteriores ao da Ribeira, que entrou em decadência
após o fim da Segunda Guerra Mundial. Ambos os centros comerciais – Alecrim e
Cidade Alta – também apresentaram o comércio varejista como característica em
comum, desde a sua formação, em oposição ao comércio da Ribeira, que era
atacadista, voltado para a exportação de produtos primários e importação de
produtos manufaturados, por sua vez, para abastecer aqueles centros voltados para
o varejo. Concordamos com o pensamento de Bezerra (2005, p. 114) sobre essa
semelhança comercial entre os bairros em discussão, ao dizer o autor citado que
“Os bairros de Cidade Alta e Alecrim foram conhecidos tradicionalmente por
163
abrigarem os principais focos da atividade comercial da cidade.” Ao pensamento do
autor, acrescentamos que ambos os bairros tiveram sua atividade comercial
estruturada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, e voltada para o comércio
varejista.
Assim como a Ribeira teve suas atividades terciárias desenvolvidas no
entorno do Porto de Natal; e a Cidade Alta teve a Avenida Rio Branco como rua
principal na dinâmica das atividades terciárias; no Alecrim,
Desde o início, as atividades comerciais [...] ocupam a Rua Amaro Barreto, as avenidas Presidente Quaresma, Presidente Bandeira e Coronel Estevam. A Avenida Presidente Quaresma onde se realiza a Feira do Alecrim, está cheia, por exemplo, de armazéns de cereais (BARRETO; LIMA, 2007, p. 34, grifos nossos).
Destacamos dentre estas, a Avenida Coronel Estevam, por considerarmos,
neste trabalho, como um Eixo Dinamizador do Terciário (EDT), porque por esta
avenida passam os fluxos de transporte de pessoas e mercadorias, os quais são
decisivos para a dinâmica da atividade econômica terciária das ruas adjacentes do
bairro do Alecrim, e até mesmo de outros bairros, haja vista a referida avenida tanto
estender-se por outros bairros, quanto conduzir fluxos até outros bairros,
dinamizando assim o terciário natalense como um todo.
Outras ruas ainda que se destacam no cenário do comércio do Alecrim, por
apresentarem a condição de especialização espacial. São as seguintes: a Rua
Doutor Luiz Dutra, com a presença do comércio de ferramentas e produtos voltados
para a agropecuária; a Avenida Presidente Bento, com lojas de som e imagem;
enquanto que a Avenida Manoel Miranda tem suas lojas voltadas para os segmentos
de peças de automóveis e de tintas (BEZERRA, 2005; PESQUISA DE CAMPO,
2016).
O perímetro comercial inicial que se formou no Alecrim, entre as ruas
destacadas na citação anterior, bem como as ruas especializadas que citamos
anteriormente podem ser visualizadas no Mapa 07, a seguir.
164
Mapa 07 – Perímetro comercial inicial e ruas especializadas do Alecrim
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: BARRETO; LIMA (2007); Pesquisa de Campo, 2016.
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
165
Também por ocasião da pesquisa de campo, constatamos ainda, na Rua
Doutor Luiz Dutra, que em um de seus lados, e limitado a um dado trecho, vem se
tornando especializado no segmento de óticas, característica correlata à da Avenida
Ulisses Caldas, no bairro Cidade Alta. Lembramos aqui, porque já apontamos na
seção segunda, quando então expusemos que Fernandes (2014) analisa o quadro
empírico da Rua Ulisses Caldas, denominando-a de “centralidade temática”, porque
focada num produto ou segmento de mercado. Desta forma, em um tempo mais
recente, configura-se agora, também no Alecrim, uma “centralidade temática” do
segmento de óticas.
Já indicamos como formas expressivas de centralidade urbana no bairro do
Alecrim a feira, o mercado e a Praça Gentil Ferreira. Mas esse bairro é rico em
tantas outras formas, como por exemplo, o Edifício Leite, a Praça Gentil Ferreira
(Figura 18) e o Camelódromo do Alecrim (Figura 19). Ambas as formas recém
citadas se conformam no entorno da Praça Gentil Ferreira, que desde o início da
estruturação comercial, guardou o caráter de centralidade no bairro.
Figura 18 – Edifício Leite (à esquerda) e Praça Gentil Ferreira (à direita)
FONTE: NASCIMENTO, 2011
166
Figura 19 – Camelódromo do Alecrim
FONTE: MAZDA, 2015
A respeito desse tradicional edifício presente na paisagem comercial do
Alecrim, Barreto; Lima (2007, p. 34) enaltecem-no: “O símbolo maior do comércio do
Alecrim é, ainda hoje, o edifício Leite, de dois andares (fora o térreo) construído da
Avenida Presidente Bandeira, com a Rua Manoel Miranda, pelo comerciante Leonel
Leite, proprietário da Casa Leite.” O referido edifício foi inaugurado em maio de
1947, quando as atividades terciárias iniciavam uma fase de maior expressão no
referido bairro, e ainda hoje comporta um significativo número de lojas em seu
térreo e salas comerciais nos pavimentos superiores (Pesquisa de Campo).
Já o Camelódromo do Alecrim, considerado o “[...] maior ponto de camelôs
de Natal, construído na década de [19]80, num trecho da Rua Presidente Bandeira,
reúne os vendedores antes situados ou amontoados na Praça Gentil Ferreira e
demais calçadas do bairro (BARRETO; LIMA, 2007, p. 34). Contemporâneo ao
camelódromo do bairro Cidade Alta (Figura 20), veio a ser, na década de 1980, uma
solução à distribuição desordenada de bancas de comércio até então considerado
“informal” pelas calçadas de ambos os bairros, o que ainda persiste na atualidade,
apesar das cíclicas intervenções por parte da municipalidade natalense, seja
apresentando soluções negociadas, como por ocasião da criação dos
camelódromos, seja por meio de aplicação da lei e da apreensão de mercadorias.
167
Figura 20 – Shopping popular (camelódromo) da Cidade Alta
FONTE: Josélia Carvalho, 2016
O que motivou a criação dos camelódromos foi uma prática comercial que
dificultava o deslocamento dos transeuntes pelas calçadas; despertava inquietação,
e até mesmo revolta por parte dos lojistas que, com suas atividades comerciais e de
serviços devidamente formalizadas, pagavam tributos às esferas municipal, estadual
e até mesmo federal; enquanto que os ditos não formalizados auferiam seus lucros
sem ônus algum, dificultando, inclusive, a venda nas lojas, bem como atrapalhando
o trânsito de veículos no local, configurando-se num risco iminente de acidentes.
Essas eram as discussões veiculadas nos meios de comunicação quando se deu a
implantação dos referidos camelódromos.
A respeito da implantação dos camelódromos, Bezerra (2005, p. 116) assim
se posicionou:
A criação dos camelódromos do Alecrim e do Centro Comercial da Cidade Alta [...] não veio resolver a questão da presença dos camelôs nas calçadas da cidade. A obra causou muita discussão entre o poder público e a população da cidade, pois sua localização e a forma como foi construída trouxeram profundas implicações socioespaciais para o bairro do Alecrim. No final, percebemos que a iniciativa não alcançou os resultados almejados.
Quanto ao foco da nossa discussão, o que nos interessa não é o
ordenamento da atividade comercial em si, seja do ponto de vista tributário, seja do
espacial, nem tampouco o nosso foco passa pelo planejamento urbano. Interessa-
nos, ao citar o esse trecho de Bezerra (2005), apontar o “centro nevrálgico” do
168
comércio do Alecrim. É principalmente essa forma camelódromo que consigna ao
Alecrim, de forma visível, seu atributo de “comércio popular”, propalado pela
sociedade natalense, e experienciado predominantemente pelos estratos
populacionais de menores rendas.
Sabemos ser essa discussão de “comércio popular” um debate acadêmico
ainda inconcluso. Mas, como essa característica ficou consignada ao comércio do
bairro do Alecrim, tanto por parte da sociedade natalense quanto por meio de
produções bibliográficas e publicações nos meios de comunicação, apresentaremos
nossas ponderações a respeito, mesmo porque vislumbramos essa característica
como um atributo à afirmação dessa tão expressiva centralidade do espaço urbano
natalense.
Neste sentido, iniciamos essa discussão por definir o termo popular, em
duas acepções adjetivas semelhantes: “dirigido às massas consumidoras”; e “ao
alcance dos não ricos; barato” (HOUAISS, não paginado). Essas são definições que
se adequam ao conceito que foi construído pela sociedade natalense em relação ao
comércio do Alecrim, ao longo do tempo: um lugar onde “as coisas são baratas”. É
com essa expressão que pessoas, em sua maioria, dos estratos menos abastados
da sociedade natalense justificam sua escolha por fazerem suas compras no
Alecrim.
No âmbito do debate acadêmico ou da produção bibliográfica também há
consonância quanto à designação de “comércio popular” em relação ao Alecrim. Ao
contextualizarem o emergência do Alecrim enquanto bairro comercial, Barreto; Lima
(2007, p. 115) lembram que
[...] quando Natal vivia um processo acelerado de expansão, com a Segunda Guerra. Soldado americano por todo lado, o comércio cresceu. O Alecrim já despontava como um bairro populoso, mas de uma população de baixa renda, ao contrário da Ribeira, onde cintilava o comércio de lojas chiques, alargavam-se os grandes
armazéns, brindavam e gargalhavam os bares e cabarés (grifos nossos).
Conforme já expusemos nesta subseção, identificamos uma aproximação
entre a Cidade Alta e o Alecrim, por sua condição temporal, de terem estruturado
sua dinâmica terciária após a Segunda Guerra Mundial. Mas, ao considerarmos o
conteúdo do seu setor terciário, há uma clara discrepância do Alecrim em relação à
169
Ribeira, conforme podemos depreender da última citação, bem como em relação à
Cidade Alta, ao considerarmos a afirmação que segue:
[...] paralelo ao bairro Cidade Alta, o Alecrim surgiu como uma opção para a procura de artigos mais populares, mantendo sua representatividade frente ao contexto da reestruturação urbana da cidade. Sua representatividade no contexto socioespacial de Natal impulsionou a centralidade do bairro (BEZERRA, 2005, p. 154).
Essa discrepância do ponto de vista do conteúdo entre o Alecrim e a Cidade
Alta perdurou até a década de 1980, quando este último figurou, no cenário
natalense, como o centro comercial dos estratos mais abastados da sociedade
natalense, vindo a perder essa condição de melhor centro comercial de Natal
quando novas centralidades passaram a conformar no contexto urbano natalense,
como os shopping centers, os hipermercados e as lojas de grife.
Enquanto que segundo a defesa de Bezerra (2005, p. 117),
A ligaçao do Alecrim com o comércio popular prova que a
presença maciça deste setor faz emergir a grande popularidade adquirida ao longo do tempo no bairro, movida pelo fluxo de pessoas que transitam pelas suas ruas, vindas de toda parte do estado
(grifos nossos).
Ao resgatarmos a memória do bairro, enquanto participante da formação do
Núcleo do Centro Histórico de Natal, reconhecemos essa ligação entre o Alecrim e
um significativo número de pessoas vindas do interior do estado do RN, que
terminaram por estabelecer moradia no referido bairro; pessoas que vinham em
busca de produtos não encontrados nos seus municípios de origem, ou que vinham
para tratar de assuntos relacionados à gestão, tendo Natal, num primeiro momento,
como sede da Província do RN, seguindo-se como capital do RN, ou até mesmo
para tratamentos de saúde, o que ainda ocorre na atualidade. Não é demais
ressaltar ainda que o Alecrim abrange segmentos de mercado voltados para a
agropecuária, o tratamento veterinário, o suprimento em grãos e utensílios afeitos ao
ambiente rural.
Dessa forma, ao reunirmos os relatos do início da formação do bairro, de
que fora voltado para abrigar pessoas vindas do interior do RN, mais as
características da sua formação comercial, conseguimos identificar o caráter
“popular” designado ao seu comércio, porque construído, ao longo da sua história,
170
por pessoas simples.
Uma cena cotidiana é bem descrita no trabalho desenvolvido por Bezerra
(2005, p. 117), que versou sobre o Alecrim:
[...] este é o bairro do povão, tendo em vista a disputa dos comerciantes pelo freguês, oferecendo suas mercadorias através do grito, situação que ocasiona um desconforto tanto para os moradores quanto para quem trafega pela área comercial do bairro. Esse aspecto popular é uma demonstração viva da atração que o bairro exerce sobre um tipo de população que termina por caracterizá-lo (grifos nossos).
Ao resgatarmos algumas afirmações da parte do autor supracitado, as quais
podem parecer exageradas, temos a intenção de estabelecer um diálogo. Em
primeiro lugar, quanto à expressão “bairro do povão”. Não é inadequado o uso do
termo, posto que se refere à “classe mais humilde, oposta às classes média e alta”
(HOUAISS, não paginado). E como sabemos, a maioria das pessoas que circulam e
compram no Alecrim são aquelas dos mais baixos estratos de renda da sociedade
natalense.
Já quanto à segunda afirmação, de o comerciante oferecer a mercadoria “no
grito”, presenciamos cenas assim por ocasião da pesquisa de campo, bem como por
nossa vivência com a área. Ademais, buscamos estabelecer alguns contatos via
telefone, à procura de mercadorias, como forma de comprovar se a experiência se
repetia, e o “assédio comercial” foi o mesmo, em diversas lojas, de segmentos
diversos: a insistência de reservar o produto, de baixar o preço, entre outras formas
de “fechar negócio” a todo custo se repetiu.
Acrescentamos que essa estratégia de venda “no grito” se verifica em feiras
livres, principalmente, ao seu final, quando os produtos baixam de preço. Dessa
forma, ficou consignado dizer, na cultura popular, “a hora do grito”, referindo-se ao
final da feira. Em Natal, essa venda “no grito” ocorre ainda nas áreas dos
camelódromos, no Alecrim e na Cidade Alta, bem como na Rua Coronel Cascudo,
no bairro Cidade Alta, em algumas lojas de artigos “populares”. Nessas áreas,
vendedores ficam abordando cada pessoa que passa, insistindo para que entre e
compre seus produtos.
O uso adequado ou não do termo “popular” designado ao centro comercial
que é o Alecrim depende dos critérios estabelecidos. Fizemos nosso percurso
171
discursivo, por meio de acepções linguísticas, do discurso da sociedade e da
produção bibliográfica, para só então poder assim indicar esse atributo do referido
bairro. E assim fizemos, porque entendemos que isso importa ao buscarmos
apreender a natureza da centralidade urbana que se conforma nesse centro
comercial: uma natureza de caráter eminentemente comercial, de perfil popular. Um
bairro que é exaltado como “o maior centro comercial de Natal”, como se fosse uma
vantagem, quando, na verdade, essa condição de grandeza se faz pelo elevado
número de consumidores, porque, como sabemos, na sociedade capitalista, há
sempre um número maior de pessoas com menores rendas. E são estas pessoas,
em sua maioria, que circulam pelo bairro do Alecrim.
Na verdade, podemos afirmar ser o Alecrim um centro comercial singular.
Isto porque, se o comparamos frente aos demais, ele tem algumas peculiaridades,
alguns atributos, que não são verificados nos demais. Um destes atributos, o qual é
propalado por agências de marketing, em suas campanhas publicitárias, bem como
por entusiastas do comércio do bairro, é a diversidade, conforme palavras do
Presidente da Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim (AEBA), Francisco
Denerval de Sá, a seguir: “O ponto fundamental para manter o bom ritmo do
comércio no Alecrim é o grande número de lojas e, principalmente, a variedade dos
produtos. Aqui o cliente encontra tudo o que lhe interessa.” (SÁ apud BARRETO;
LIMA, 2007, p. 35). Vemos que entra em cena um novo discurso: o da diversidade. E
assim, da interface entre o “popular” e o “diversificado”, a centralidade do Alecrim
ganha mais vigor no cenário natalense.
Da mesma forma como as pessoas dizem que compram no Alecrim porque
é “mais barato”, acrescentam que vão às compras no Alecrim porque têm certeza
que encontrarão o que querem, porque “no Alecrim tem de tudo”. A respeito disso,
julgamos oportuno citar uma informação, diríamos até mesmo uma anedota, referida
pelo Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio
RN, Luciano Kleiber, em entrevista por ocasião da pesquisa de campo, ao dizer que
as pessoas que convivem no comércio do bairro dizem que “se não encontrou no
Google, procure no comércio do Alecrim, que tem”. Seguindo essa linha, o portal de
marketing “comprenoalecrim.com.br” traz os seguintes anúncios, em banners
móveis: “Não encontro no Centro?”, “Não encontro em Petrópolis?”, “Não encontrou
na Zona Norte?”, “Não encontrou na Grande Natal?”. E assim, a cada pergunta, o
banner móvel conduz a um banner fixo, que diz: “Visite o comprenoalecrim.com.br”.
172
Por sua vez, é no referido site que se encontram anúncios de diversas lojas do
Alecrim, inclusive do “Mercado da Seis”, sobre o qual já discorremos
(INSTITUCIONAL..., 2016).
Esse quadro empírico nos impele a reafirmar nossa visão de que o raio de
influência da atividade terciária do Alecrim abrange para além do território natalense,
haja vista o marketing a respeito do bairro se dirigir à Grande Natal. Assim como o
teor veiculado nos anúncios anteriormente citados, associado à existência da
associação de empresários do Alecrim, aponta para o caráter ideológico da
centralidade do bairro. Podemos então afirmar ser o Alecrim não somente uma
centralidade comercial em Natal, mas também histórica, por sua participação na
formação do Núcleo do Centro Histórico de Natal; cultural ou simbólica, pela
presença marcante da feira livre, do mercado e da Praça Gentil Ferreira; e
ideológica, pela presença da Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim
(AEBA), como apenas uma de suas manifestações ideológicas de reafirmação do
bairro.
Fizemos essa incursão pela vida comercial dos bairros constituintes do
Núcleo do Centro Histórico de Natal, os quais foram apresentados numa sequência
consoante à posição que cada um ocupou no cenário da dinâmica da produção do
espaço natalense, a saber: Ribeira, apresentado primeiro; Cidade Alta e Alecrim,
apresentados em segundo e terceiro lugares, apesar de figurarem como
contemporâneos. Expor a dinâmica de cada bairro, tendo a atividade terciária como
pano de fundo da dinâmica da produção do espaço urbano, serviu para apreender o
quão central cada bairro se fez – ou ainda se faz – em cada momento na Cidade do
Natal.
Como temos afirmado que a natureza da centralidade urbana se constitui
diversa, face aos seus conteúdos, processos e formas, prosseguiremos na
exposição da dinâmica da produção do espaço natalense, focando a seguir dois
grandes grupos de conteúdos, processos e formas por meio dos quais essa
dinâmica pode ser identificada. O primeiro grupo se refere a formas mais
tradicionais, ligadas ao comércio e à gestão, e são: os mercados, as feiras e os
edifícios da gestão pública, e serão tratados ainda nesta subseção em discussão.
Enquanto que o segundo grupo se refere a formas afeitas às novas
expressões de centralidade urbana em Natal, ligadas à dinâmica segundo a qual a
atividade terciária vem se conformando desde a década de 1980, e são: os
173
hipermercados e atacarejos; os shopping centers; as formas que comportam
atividades voltadas para o turismo – gastronomia, lazer e hospedagem. Este
segundo grupo de conteúdos, processos e formas será tratado na subseção
seguinte, ao propormos uma discussão acerca das “Expressões e conformações
contemporâneas da centralidade urbana em Natal”.
Os mercados e as feiras em Natal remontam à memória deste espaço ainda
na condição de Província do RN. Desde então, e seguindo-se enquanto capital do
RN, com a Proclamação da República, em 1889, herdou a condição periférica
pretérita, de um comércio local de pouco expressividade, que perdia lugar no cenário
regional para os estados de Pernambuco e Paraíba.
Diante desse contexto, a economia natalense era pouco expressiva, voltada
para abastecer apenas necessidades imediatas e diárias da sociedade natalense,
razão pela qual, mesmo face ao contexto de pouco expressividade em sua
economia, o mercado era a forma excelente na qual as trocas comerciais diárias se
realizavam na Cidade do Natal. Teixeira (2009, p. 442) avalia a presença dessa
forma comercial no seguinte trecho: “o mercado público oferece um bom critério de
avaliação da importância da atividade comercial nascente.”
Ao discorrer sobre atividade comercial nos núcleos urbano do RN, Teixeira
(2009) pontua que ambas essas formas – a feira e o mercado – emergiram de forma
significativa em toda a Província do RN, por volta de 1850, expressando assim a
função comercial. E confirma o que temos afirmado acerca da incipiente atividade
comercial em Natal: “[...] a atividade comercial urbana é ínfima até então,
notadamente nos centros urbanos nascentes (TEIXEIRA, 2009, p. 440). Mas, “De
qualquer modo, a feira e o mercado aparecem a posteriori na evolução das
aglomerações do Rio Grande do Norte. É somente quando o arruado se torna
povoado que a feira começa a tomar corpo (TEIXEIRA, 2009, p. 440).
É igualmente importante considerarmos o pensamento de Pintaudi (2006)
sobre essa forma comercial que já teve seu lugar de centralidade no espaço urbano.
Com um trabalho intitulado “Os mercados públicos: metamorfoses de um espaço na
história urbana”, a referida autora utiliza a análise histórica como método aplicado ao
estudo do mercado público, buscando apreender suas metamorfoses ao longo do
tempo. E assim, demarca:
Os mercados públicos constituem-se em uma das primeiras formas
174
que marcam a separação homem/natureza, ou seja, do momento em que o homem deixa de produzir sua própria existência, anunciando outros ritmos para o tempo/espaço social, através da troca de produtos (PINTAUDI, 2006, p. 81).
Esse foi o momento em que, como sabemos, o excedente agrícola passou a
ser comercializado na cidade, junto àqueles que então se ocupavam de novas e
mais específicas funções, como os artesões. Manifesta-se assim como uma das
primeiras formas de divisão social do trabalho.
Em Natal, autores como Cascudo (1999), Teixeira (2009) e Barreto; Lima
(2007) fazem referência à comercialização de produtos de ligados à agricultura e à
pecuária; inicialmente, debaixo de árvores, locais com expressão em forma de feira
livre, alguns vindo a se tornarem mais tarde mercados. Encontramos respaldo a
essa discussão na exposição de Pintaudi (2006, p. 84), de que: “Muito dos mercados
tiveram sua gênese nas feiras que terminaram perpetuando-se, materializando em
construções porque a reprodução da vida na cidade e/ou região necessitava de um
contínuo suprimento de víveres”.
Referindo-se ao que chamaríamos de “marco zero” do comércio em Natal,
Barreto; Lima (2007, p. 43) expõem que
O comércio de Natal nos seus primórdios, quando não existiam super e hiper-mercados, lojas de departamento ou shopping centers, tinha os principais pontos de comércio nas vendas e
bodegas, em sua maioria instaladas na casa do próprio comerciante (grifos nossos).
Resgatamos os grifos no trecho, a fim de precisar que estas são formas
comercias que datam da segunda metade do século XX, quando os mercados
públicos já perdera sua expressividade no cenário comercial brasileiro, conforme
defende Pintaudi (2007), repercutindo também no espaço urbano natalense.
Acrescentamos que, em Natal,
Os mercados surgiram sempre com a formação de uma comunidade e neles tinha ‘quase’ tudo: farinha, feijão, carne, peixe,
verdura, e frutas. E até bancas que serviam almoços, sopas e também bebidas, transformando-os em ponto de reunião de boêmios. No entanto, diferentemente das feiras que estão vivas, os mercados com suas características tradicionais estão chegando ao fim, pois, além da concorrência acirrada com as outras lojas da vizinhança (supermercados e mercadinhos), os consumidores estão
175
cada vez mais exigentes com preço e qualidade dos produtos (BARRETO; LIMA, 2007, p. 43, grifos nossos).
Certamente, é dessa condição de surgir junto a uma comunidade, que os
mercados públicos em Natal adquiriram sempre a denominação do bairro, mesmo
que lhe tenha sido atribuído um nome próprio; são exemplos de mercados com
nomes de comunidades: “Mercado da Cidade Alta”, quando existia; “Mercado da
seis”, ao referir-se ao mercado público da Avenida 6, no Alecrim; “Mercado das
Rocas”, entre outros. Outra explicação para o fato de os mercados em Natal
surgirem sempre junto a uma comunidade, tendo sempre apenas um mercado para
cada comunidade, talvez esteja na carência do provimento da população à sua
sobrevivência, principalmente, quando do início da formação urbana da cidade.
Outra discussão que podemos resgatar do trecho citado é acerca das feiras.
Interessante notar que se estas precederam os mercados em Natal, conforme já
expusemos, entretanto são as feiras que “permanecem vivas”, no dizer dos autores
citados. E constatamos essa informação ao consultarmos o site da Secretaria
Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), da Prefeitura Municipal de Natal. Nesse
site, consta um link denominado “Feiras Livres”, o qual apresenta a programação
semanal, indicando o dia de realização da feira, o local ou nome da feira, o número
de bancas e o de feirantes (NATAL..., 2016b).
Em contrapartida, a mesma secretaria, a qual é responsável por ambas as
formas comerciais na cidade, não dedica nenhuma informação sobre os mercados
públicos, nem mesmo uma listagem com os nomes dos mesmos, tanto menos sua
programação, apesar de ainda funcionarem, mesmo com enfoques e importância
diversificados entre eles.
O que há de publicação da municipalidade natalense com relação aos
mercados é apenas o número dos mesmos, num documento da Secretaria Municipal
de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB), intitulado “Natal em detalhes”, no
capítulo a respeito dos equipamentos urbanos. Assim, estão indicados os mercados
ainda presentes na paisagem urbana de Natal, segundo sua região administrativa,
bairro e quantidade deles, conforme o Quadro 01, a seguir.
176
QUADRO 01 – Mercados públicos em Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA BAIRRO QUANTIDADE
Norte Redinha 01
Leste
Rocas 02
Petrópolis 01
Alecrim 01
Oeste Quintas 01
Sul - -
TOTAL 06
FONTE: NATAL..., 2009
Quanto ao número de mercados públicos em Natal, encontramos
dissonância entre os dados oficiais e a literatura sobre a atividade comercial no RN,
ao observarmos as informações trazidas por Barreto; Lima (2007, p. 44):
Em Natal, existiam outrora apenas os mercados da Cidade Alta, do Alecrim e das Rocas. Hoje, eles são oito, contando com a Feira do Fogo [esquina da Rua Presidente Quaresma com a Avenida Coronel Estevam], considerada mercado porque é permanente (são os remanescentes do antigo Mercado da Cidade Alta que pegou fogo, no dia 27 de janeiro de 1967). São eles: Mercado das Rocas, Mercado de Petrópolis, Mercado do Peixe (Rocas), [reformado e entregue em 2015], Mercado das Quintas, Mercado da Redinha, Mercado da Avenida 6 e Mercado da Avenida 4, no Alecrim (grifos
nossos).
A dissonância se faz pela presença da Feira do Fogo, que é considerado
mercado, no Alecrim; e também de outro mercado no mesmo bairro, o da Avenida 4,
conhecido também como o “Mercado da Pedra”. Dessa forma, ao considerarmos
esse dado oficioso – mas real –, o Alecrim passaria a contar com três mercados.
Esse dado revela, em certa medida, a força da cultura popular, e até mesmo o
caráter ideológico do significado do mercado para uma dada comunidade, posto ser
essa forma, desde a sua gênese, um lugar de encontro.
Mas ainda há que retomarmos os dados oficiais também. Observemos que
há discrepância quanto à ocorrência de mercados públicos entre as regiões
administrativas em Natal. Enquanto a Região Administrativa Leste, a que comporta o
Núcleo do Centro Histórico de Natal, figura com quatro mercados; a Região
Administrativa Norte tem apenas um; assim como a Região Administrativa Oeste
também tem um; já a Região Administrativa Sul não tem mercado público.
Ao nosso ver, a explicação para a ausência de mercado na Região
Administrativa Sul se faz pelo fato de ser uma área de expansão urbana de Natal, no
177
contexto da reestruturação da atividade terciária, cujas formas comerciais seguiram
uma tendência mais moderna, voltada para os shopping centers, os hipermercados,
atacarejos, entre outros.
Pintaudi (2006) aponta esse rompimento do significado do mercado público
no espaço urbano para meados do século XX, quando espaços de vendas a varejo
romperam com a estrutura comercial até então vigente, e surgiram os
supermercados, hipermercados e shopping centers.
Mas, antes de apontar para a subsunção dos mercados públicos em relação
às formas modernas de comércio, aquelas ditas de “grande superfície”, como as
supracitadas, Pintaudi (2006, p. 86) precisa a importância do mercado, desde a
cidade medieval:
Quanto aos pórticos públicos ou centros de armazenamento, como o nome já diz, eram locais onde se guardavam as mercadorias a serem trocadas. O local mais importante, contudo, era o do mercado, onde se realizava a maior parte das transações comerciais. [...] Assim, antes de se tornar perene o mercado era realizado em praças, no mesmo local que, em outro momento, se desenrolava a festa ou a execução de sentenças (grifos nossos).
Esse lugar de destaque foi dado aos mercados do Peixe, nas Rocas e ao da
Cidade Alta, bairro no qual foi fundada a Cidade do Natal, e até então considerado,
simbolicamente, o “Centro de Natal”. Localizado na Avenida Rio Branco, esta se
revestiu de importância que ainda hoje persiste no cenário da dinâmica urbana da
cidade.
Agora, aproximando as informações de Pintaudi (2006), sobre os usos que
eram feitos em torno dos mercados, à realidade do que ocorria em Natal, em torno
do mercado da Cidade Alta, Cascudo (1999, p. 162) relata que
A forca em Natal era armada na praça ou largo do Quartel da Tropa de Linha [atual Escola Estadual Winston Churchill] (praça Tomás de Araújo Pereira. [...] Também ergueram a forca ao lado, onde era o mercado do peixe [Rocas], englobado na construção do atual edifício do mercado público da Cidade Alta. Não ficava armada
[...]. A lei mandava desarmá-la logo após o suplício. E sua construção era rápida [...]. As despesas seriam pagas pelo governo da Província (grifos nossos).
O mercado público, a praça e a forca. Este último elemento, mesmo que
178
itinerante pelos dois centros mais tradicionais de Natal – Rocas e Cidade Alta –,
juntamente com os demais elementos, indicam a importância que o mercado público
tinha como lugar central na cidade, lugar do encontro dos cidadãos. Era,
simultaneamente, lugar da reprodução da vida, tanto para aqueles que labutavam,
garantindo sua sobrevivência, quanto para aqueles que adquiriam os bens
necessários à sua sobrevivência; lugar da sociabilidade e da política, permeado de
representações, dado que por ali eram veiculadas as discussões dos
acontecimentos em curso na cidade; mas era também lugar da tragédia, visto que,
segundo Cascudo (1999), houve pena de morte em Natal, com execução pública em
forca, na praça, ao lado dos mercados da Cidade Alta e das Rocas.
A centralidade da forma mercado, em tempos remotos, é confirmada por
Pintaudi (2006, p. 97), ao dizer que: “[...] o local do mercado, na sua gênese,
configura-se como um ponto de encontro no centro das cidades, comandado pelo
poder público, organizado e, de certa forma, garantindo o abastecimento urbano.”
Mas, ao examinar a importância do mercado público ao longo da história, a
referida autora mostra, diríamos, a sua ascensão e sua decadência, apresentando,
num primeiro momento, a função de forma como local de abastecimento:
A presença do mercado público na cidade ou fora de seus muros (quando eles existiam), seja de forma temporária ou perene, nunca foi questionado como local de abastecimento de produtos,
enquanto, em diferentes sociedades, perdurou o costume de ali realizarem as trocas necessárias à reprodução da vida (PINTAUDI, 2006, p. 82, grifos nossos).
Já o segundo momento da presença do mercado no meio urbano aponta
para uma ruptura, conforme indicado nas palavras de Pintaudi (2006, p. 82):
O questionamento dessa forma emerge, justamente quando ela
passa a se desfazer, quando ela chega aos limites de sua existência enquanto forma (incluída sua estrutura e função) reconhecida e apropriada socialmente para a reprodução da sociedade. Quando esse costume sofre uma ruptura com a presença de outras formas de abastecimento, mais modernas, surgem como possibilidades a metamorfose do mercado público, que passa a ser apropriado como lugar ‘tradicional’, onde se pretende produzir uma ‘identidade’ para a sociedade, ou então o desaparecimento dessa forma na paisagem urbana e, conseqüentemente, do imaginário (grifos nossos).
Assim, o mercado público, entre forma marcante no centro das cidades, e
179
forma subsumida em meio a outras formas, mais modernas e aprazíveis, vem
passando por um processo de reconfiguração do seu conteúdo, e buscando gerar
novos processos para poder manter-se.
Um caso exemplar é o Mercado Público das Rocas, o Francisca Barros de
Morais, que esteve fechado por sete anos, em reforma, foi reinaugurado em 2015, e
até 2016, por ocasião da nossa pesquisa de campo, ainda não funcionava
satisfatoriamente, tendo pouquíssimos boxes abertos, dentre os oitenta e três
disponíveis (PESQUISA DE CAMPO, 2016). Esse quadro empírico demanda a nós
uma análise, face ao que temos proposto, de que, para a conformação de uma
centralidade, entram em cena conteúdos, processos e formas. Mas não havíamos
tido ainda a oportunidade para elucidar que, necessariamente, não há como os três
componentes concorreram para a formação da centralidade urbana com igual força
ou intensidade. Antes, diríamos que, em dado momento, um ou outro elemento se
sobressairá, enquanto outro, não. É o caso do mercado em tela: uma forma, porém,
por suas precárias instalações funcionais, de escasso conteúdo, escassos
processos, consequentemente, desprovido de centralidade (ALEXANDRE, 2016).
E assim, essa forma que foi uma das primeiras expressões de centralidade
urbana, vê-se agora subsumida face às novas racionalidades da história humana:
O mercado público foi, desde os primórdios do capitalismo, uma forma de centralizar o comércio num determinado lugar, o que facilitava o controle sobre as trocas de mercadorias que ali se efetuavam, como também sobre as fontes abastecedoras de produtos (PINTAUDI, 2006, p. 86-87).
Das palavras da autora citada, depreendemos que o mercado público
“nasceu” para ser central. E, uma vez deixando de sê-lo, é porque, certamente,
outras formas ocuparam o seu lugar central. Diante do vasto leque de novas e
modernas formas comerciais e de serviços, como shopping centers, galerias, ruas
de grife, camelódromos, supermercados, hipermercados, atacarejos, entre outros,
“Hoje, do ponto de vista econômico, esse espaço tornou-se desinteressante porque
cada vez mais se prioriza a reprodução do capital de maneira privada e suas
relações de dominação. O espaço do mercado pertence a um outro tempo social.”
(PINTAUDI, 2006, p. 97). Diríamos, concordando com a autora em diálogo, que o
mercado público pertence ao tempo da fruição da cidade por parte do cidadão. Indo
mais adiante, diríamos que o mercado antecipou o shopping center.
180
Pintaudi (2006, p. 84) afirma ainda que “O mercado público é forma de
intercâmbio de produtos encontrada em cidades da antiguidade e se hoje tem
continuidade no espaço, isto certamente se deve ao fato de poderem dialogar com
outras formas comerciais mais modernas.”
Em Natal, esse “diálogo” nem sempre é possível, como é o caso que pode
ser identificado entre o Mercado das Rocas (Figura 21) e a feira das Rocas (Figura
22), ambos conformados lado a lado, no largo do mercado. A Feira das Rocas
ocorre às segundas-feiras, com 370 bancas, 370 feirantes (NATAL..., 2016b), com
significativo número de frequentadores, figurando como uma centralidade urbana; o
que não ocorre com o Mercado das Rocas, que apresenta uma forma moderna,
quiçá, pomposa, diante da forma feira livre das Rocas, estruturada com simples
bancas e tendas, mas que consegue exercer seu poder de atração junto aos
consumidores.
Figura 21 – Mercado das Rocas
FONTE: RÉGIS..., 2016
181
Figura 22 – Feira das Rocas
FONTE: DOUGLAS, 2016 (direita)
De outra sorte, podemos identificar o diálogo aventado por Pintaudi (2006)
entre mercado público e outras formas comerciais, ao voltarmos nosso olhar para o
Mercado da Seis, no Alecrim. Como já referimos antes, esse mercado consegue
manter-se funcionando, estabelecendo até mesmo diálogo, tanto com outras formas
comerciais presentes no bairro quanto um diálogo sob a forma de marketing com as
redes sociais, ao anunciar seus produtos no portal “comprenoalecrim.com.br”.
Ainda nessa linha do diálogo com outras formas comerciais, outro mercado
que merece nossa atenção é o Mercado de Petrópolis, que costuma albergar
eventos culturais, exposições com certa frequência, além da sua atividade diária,
contendo produtos com foco em antiguidades, artesanatos, pintura, cultura e
esculturas. Em 2015, um projeto de autoria do vereador Ubaldo Fernandes iniciou
um processo para tornar o Mercado de Petrópolis patrimônio cultural de Natal
(PESQUISA DE CAMPO, 2016).
O caso exemplar do Mercado de Petrópolis pode ter sua forma de uso
compreendida ao refletirmos sobre o pensamento de Pintaudi (2006, p. 98): “Os
mercados públicos, formas ainda presentes na paisagem urbana, estão procurando
gerar uma imagem de ‘tradição’ (onde os novos fregueses podem simular um
comportamento ‘tradicional’).”
E nesse bojo de “tradicional”, também pode ser incluído o Mercado Público
da Redinha, por sua tradição gastronômica da “ginga com tapioca”, prato típico
propagado no cardápio da visitação turística. Comungando com o pensamento de
182
Pintaudi (2006), Barreto; Lima (2007, p. 43-44) afirmam que “Hoje, os mercados
estão deixando de ser lugar de abastecimento popular para se transformar em
centros comerciais de vendas de artesanato e comidas típicas, como é o caso do
mercado da Redinha, em Natal.”
Como vemos, para manter-se enquanto forma comercial na
contemporaneidade, o mercado público não pode prescindir do diálogo com outras
formas comerciais, como asseverou Pintaudi (2006), seja incorporando o que há de
mais moderno, e inovando, lançando mão do uso das redes sociais; seja
afeiçoando-se a algum atributo cultural de relevo, para revestir-se de “tradicional”,
por meio de atributos culturais marcantes.
Quantos às feiras livres, a literatura atinente à atividade comercial aponta
que as mesmas precedem os mercados na economia urbana. Em Natal, segundo o
que constamos, ao examinar a literatura sobre a história da cidade, bem como
produções acadêmicas, as mesmas ratificam essa informação, e até mesmo
indicam, em alguns casos, algumas feiras terem sido substituídas por alguns
mercados públicos.
Quanto à sua origem, as feiras existem desde a Antiguidade – 2000 a.C –,
na Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma antigos (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013). Já
quanto à sua função inicial, as feiras surgiram tanto para o atendimento à
sobrevivência material quanto para as trocas de produtos entre os povos, conforme
podemos inferir do que dizem Pierri; Valente (2006, p. 11), ao afirmarem que “Feiras
livres são eventos periódicos, que ocorrem em espaços públicos, aonde homens e
mulheres realizam trocas comerciais de mercadorias, com a finalidade de garantir
suas condições materiais de vida”. Ainda nessa linha de raciocínio, Barreto; Lima
(2007, p. 36) acrescentam que, “Historicamente, as primeiras feiras surgiram para
satisfazer as necessidades de troca entre as pessoas. A partir e ao redor delas
surgiram as comunidades e as cidades.”
Em resumo, o pensamento dos autores citados nos diz que: as feiras livres
vêm desde a Antiguidade, e ainda persistem nos dias atuais; a exemplo do mercado
público, a feira livre consiste num espaço no qual ocorre a troca de bens e a busca
da sobrevivência material dos envolvidos; por envolver um dado número de pessoas,
conforma-se num dado contexto urbano, passando a ser importante para o
desenvolvimento da economia urbana.
Uma significativa contextualização da feira livre, desde o seu surgimento, até
183
a sua atualidade, em Natal, é feita por Azevedo; Queiroz (2013), autores dos quais
lançaremos mão de alguns aportes a seguir, estabelecendo diálogo com outros
autores.
Azevedo; Queiroz (2013), depois de contextualizarem o surgimento da feira
livre no Brasil, desde a expansão marítima e comercial europeia, afirmam ser elas
heranças medievais portuguesas. Os referidos autores precisam quanto à sua
primeira manifestação no Brasil:
O primeiro registro oficial da existência de feira no Brasil data de 1732, a feira de Capoame, localizada no Recôncavo Baiano. Sabe-se da existência de feiras livres, nos séculos XVIII e XIX, nos atuais estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. As feiras livres emergem no Nordeste
brasileiro associadas à estrutura econômica da região dos séculos XVIII e XIX. De um lado a economia da cana de açúcar na Zona da Mata e, do outro lado, a atividade pecuarista e da cotonicultura no Sertão. O gado também era trocado e vendido nas feiras livres semanais, que eram realizadas em pontos de encontro das rotas entre o Sertão e a Zona da Mata, sendo denominadas de feiras de gado (não paginado, grifos nossos).
Não é sem motivo que temos afirmado que as feiras livres cumprem o papel
de garantir a sobrevivência de parte da população de um dado lugar. E no caso do
nordeste brasileiro, os produtos oriundos da agropecuária sertaneja presidiam o
conteúdo das trocas, assim como suscitava o surgimento até mesmo de algumas
cidades, como afirmam Azevedo; Queiroz (2013, não paginado): “O surgimento de
povoações, vilas, e cidades nordestinas são causa e consequência das feiras de
gado.” Também são os referidos autores que defendem serem as feiras livres
“museus vivos” da história e da cultura nordestinas. Dessa forma, podemos inferir
que as feiras livres contribuem na conformação do espaço urbanorregional no RN.
Em Natal, as feiras livres datam do século XIX. Essa afirmação é consenso
na literatura examinada, como em Cascudo (1999), Barreto; Lima (2007), Teixeira
(2009) e Azevedo; Queiroz (2013). Que as feiras livres surgem antes, e até mesmo
dão lugar a alguns mercados, como já dissemos, também é consenso. Entretanto,
ao buscarmos construir uma sequência da estruturação das feiras livres em Natal,
vendo desde as que surgiram primeiro, até as mais atuais, as discrepâncias se
fizeram tão amplas entre os autores, até mesmo entre documentos oficiais da
municipalidade natalense, que se tornou inviável empreendermos uma discussão
184
razoável.
Desta forma, importa o atual contexto das feiras livres de Natal, o qual
apresentamos por cada região administrativa da cidade, localidade/nome da feira,
dia da semana, número de bancas e número de feirantes, conforme o Quadro 02.
QUADRO 02 – Feiras livres em Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA
NOME DIA DA
SEMANA NÚMERO DE
BANCAS FEIRANTES
Norte
Nova Natal
domingo
550 283
Gramoré 96 65
Nova República 40 21
Igapó terça-feira 415 255
Aliança quarta-feira
229 186
Santarém 27 14
Panorama quinta-feira 332 196
Parque dos Coqueiros sexta-feira
450 298
Cidade Praia 112 77
Santa Catarina/Soledade sábado
490 223
Pajuçara 62 32
Leste
Lagoa Seca domingo
206 122
Mãe Luiza 99 67
Rocas segunda-feira
370 370
Alecrim sábado 836 437
Oeste
Quintas domingo
232 144
Cidade da Esperança 386 406
Carrasco quarta-feira 819 477
Planalto quinta-feira 186 97
Felipe Camarão sábado
85 53
Cidade Nova 58 29
Sul Pirangi domingo 30 23
TOTAL 22 FEIRAS LIVRES - 6.110 3.785
FONTE: NATAL..., 2016b
As informações dispostas no quadro 02 têm por base dados do site da
Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), da Prefeitura Municipal do
Natal, uma vez que as outras fontes com quais dialogamos apresentam
discrepâncias. Logo, nossa decisão foi optar pelos dados oficiais.
Ao fazermos uma leitura do referido quadro 02, vemos que algumas
discussões anteriores se confirmam. Por exemplo, o número de feiras livres é maior
nas Regiões Administrativas Norte – com 11 feiras – e Oeste – com 6 feiras –, que
são as que concentram população de mais baixa renda; logo em seguida, quanto ao
número de feiras, vem a Região Administrativa Leste, que concentra os bairros mais
antigos de Natal, com 4 feiras livres; já a Região Administrativa Sul, que juntamente
185
com a Região Administrativa Leste, concentra a população de mais alta renda, tem
apenas 01 feira livre. Isto porque, conforme já apontamos, a prática comercial por
parte dos feirantes se pauta muito em função do sustento da sua vida material. Do
mesmo modo, o “ir às compras” na feira livre é também uma cotidianidade própria
dos estratos sociais menos abastados.
Para uma compreensão da distribuição das feiras livres entre os bairros e
regiões administrativas da cidade, é importante considerarmos os dados da Tabela
01A, que mostra a renda média mensal, por Salários Mínimos, da população por
bairro e por região administrativa da cidade.
186
Tabela 01A27 – Renda média mensal por bairro e por região administrativa em Natal
R. A. NORTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS
Igapó 2 a 4
Lagoa Azul 2 a 4
N S da Apresentação 2 a 4
Pajuçara 2 a 4
Potengi 2 a 4
Redinha 2 a 4
Salinas menos de 2
R. A. SUL/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS
Capim Macio mais de 15
Candelária 11 a 15
Lagoa Nova 11 a 15
Pitimbu 8 a 11
Ponta Negra 8 a 11
Neópolis 6 a 8
Nova Descoberta 6 a 8
R. A. LESTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS
Barro Vermelho mais de 15
Petrópolis mais de 15
Tirol mais de 15
Areia Preta 11 a 15
Ribeira 11 a 15
Cidade Alta 8 a 11
Lagoa Seca 6 a 8
Alecrim 4 a 6
Praia do Meio 4 a 6
Rocas 4 a 6
Mãe Luiza 2 a 4
Santos Reis 2 a 4
R. A. OESTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS
N S de Nazaré 4 a 6
Bom Pastor 2 a 4
Cidade da Esperança 2 a 4
Cidade Nova 2 a 4
Dix-Sept Rosado 2 a 4
Felipe Camarão 2 a 4
Nordeste 2 a 4
Planalto 2 a 4
Quintas 2 a 4
Guarapes menos de 2
FONTE: NATAL..., 2008b
27
Fez-se necessário apresentarmos o número indicativo desta tabela no formato “01A" para manter a unidade temática entre as tabelas apresentadas sob os números 01 a 13 e seus respectivos gráficos, os quais igualmente são indicados sob os números 01 a 13.
187
Ao examinarmos os dados constantes na Tabela 01A, vemos que se
evidencia uma relação inversa entre nível de renda e a ocorrência de feiras livres; ou
seja, nas regiões administrativas nas quais as rendas são mais altas, que são as
R.A. Leste e Sul, há um menor número de feiras livres, enquanto que nas R.A. de
rendas mais baixas, que são as R.A. Norte e Oeste, há um maior número de feiras
livres. Um caso bem exemplar é o da R.A. Norte, que além de ter o maior número de
feiras livres em Natal, é a que realiza essa prática comercial em quase todos os dias
da semana, excetuando-se apenas a segunda-feira.
Ainda quanto aos dias em que ocorrem feiras livres em Natal, é notável que
a maior ocorrência verifica-se entre o sábado e o domingo. Mas, como os feirantes
são itinerantes entre as feiras de Natal, conforme informação obtida junto à
Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), em pesquisa de campo, em
2015, de que os feirantes podem participar de diversas, ou até mesmo de todas as
feiras livres.
Um dado curioso é que o número de bancas é sempre superior ao de
feirantes, o que pode indicar que um mesmo feirante tem mais de uma banca, como
forma de expandir seu negócio para poder garantir sua subsistência. Ademais, no rol
desses feirantes, há ainda aqueles tidos como “ambulantes” ou “sazonais” – os que
não têm bancas –, que se fazem presentes igualmente nas feiras livres, que não
figuram nos dados expostos, mas não deixam de influenciar a dinâmica econômica
local.
Apesar da importância da feira livre para a sobrevivência dos feirantes, a sua
localização, na atualidade, está muito mais ligada à clientela do que aos feirantes, o
que reforça sua condição de centralidade enquanto capacidade de atrair fluxos de
pessoas, segundo o conteúdo que tem a oferecer. Podemos depreender isso da
informação de Azevedo; Queiroz (2013, não paginado), ao indicarem que os
feirantes se originam de municípios para além do território natalense:
Todas as feiras são formadas, principalmente, por feirantes que residem nos municípios da Região Metropolitana de Natal (RMN) – Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Extremoz, São José do Mipibu, Monte Alegre, Vera Cruz, Ceará Mirim, Nísia Floresta – e de alguns outros municípios do estado, próximos a RMN, evidenciando-se a importância das feiras livres de Natal para a dinâmica socioeconômica regional.
188
Certamente, a origem dos feirantes diz muito dos tipos dos produtos, que
são, em sua maioria, ligados à produção agropecuária. Ir à feira, apesar das novas
práticas do varejo moderno, ainda significa ir à busca de produtos frescos, a preços
baixos, comprados diretos – ou quase – do produtor. São produtos que chegam para
a comercialização, com pouco ou nenhum controle de qualidade, razão pela qual
afasta desse ambiente os consumidores de perfil mais exigente, que podem pagar
por produtos certificados, a preços mais elevados.
Visando a resolver a precariedade de estrutura e higiene,
As feiras das Rocas, Carrasco, Alecrim, Lagoa Seca, e Cidade da Esperança, foram beneficiadas com a padronização e turistificação iniciada em 2006. Mas, a negligência por parte dos governos municipais fez com que o projeto não fosse concluído, e as primeiras feiras com tendas padronizadas já estão precisando de uma nova manutenção (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013, não paginado).
Essa teria sido uma forma de sanar a precariedade que é tão discutida em
relação às feiras livres de Natal, e que afugenta a sociedade em direção aos
supermercados, hipermercados, atacarejos e similares, os quais apresentam uma
estrutura visivelmente limpa; em sua maioria, são climatizados; com facilidades de
crédito; estacionamento amplo, entre outros atributos. Estas novas formas
comerciais terminam por se configurar como novas centralidades do varejo moderno
em Natal, e sobre a qual focaremos na subseção seguinte.
Como nosso propósito nesse trabalho é explicitar a natureza da centralidade
urbana em Natal, ao tratarmos das feiras livres, entendemos ser importante
evidenciar em que medida estas se constituem centralidades. Neste sentido, tendo
claro que a centralidade urbana consiste na capacidade de atrair fluxos que
convergem para determinado lugar, pelo que o mesmo tem de atrativo, por seus
conteúdos, processos e formas, conforme temos defendido, a afirmação de
Azevedo; Queiroz (2013, não paginado), ao caracterizarem as feiras brasileiras,
indica essa condição de centralidade das feiras livres:
As feiras brasileiras, denominadas popularmente de feiras livres, se constituem em um ponto ou nó de encontro de fluxos de pessoas, mercadorias, informações, capitais, com diferentes dimensões socioespaciais, realizadas ao ar livre, em ruas, praças ou terrenos baldios, com produtos expostos em barracas ou no chão, intercaladas geralmente no intervalo de uma semana, ou num
189
interstício menor, que podem ter uma área de influência local ou regional (grifos nossos).
Esse “nó” representado pelas feiras livres em Natal, geralmente, está
localizado ou em alguns bairros mais antigos da cidade ou em comunidades que
concentram população de renda baixa (BARRETO; LIMA, 2007), como as Regiões
Administrativas Norte e Oeste (NATAL..., 2016b). Dessa forma, elucida-se a defesa
de que a feira livre se volta à sobrevivência material de alguns estratos da
sociedade, e de que é um lugar de trocas de mercadorias, muito pautado ainda no
contato pessoal, fazendo parte da cultura e do imaginário social da comunidade.
Pierri; Valente (2006, p. 12) assim descrevem:
Os vínculos sociais nas relações comerciais são estreitos: há oportunidade para a proximidade, para a conversa e a negociação e a possibilidade de contato direto entre o produtor de um bem e o seu consumidor final. São lugares de vivência, de agregação e de comunicação. Podem ser ricas em tradições e cultura, onde uma identidade pode ficar impressa, contando a história de um lugar.
Essa é outra dimensão da feira livre, a dimensão simbólica, cultural, que por
sua vez, rebate-se na constituição da natureza da centralidade. Hoje, falar de feira
livre em Natal, por exemplo, no seu imaginário social, remete a falar, talvez, em
primeiro lugar, na Feira do Alecrim, mesmo que outras feiras livres possam ser
citadas a seguir. Vejamos como a literatura se refere à mesma:
Feira do Alecrim: considerada a mais tradicional feira livre da cidade, começou em 1920 [...]. O ponto de concentração é a
Avenida Presidente Quaresma [...]. Hoje, a feira do Alecrim possui 515 metros de cobertura (tendas), banheiros químicos, lixeiras e placas de identificação de produtos que estão separados por tipo (BARRETO; LIMA, 2007, p. 39, grifos nossos).
Ser propalada como a mais tradicional, e resistir às nuances por que passa o
setor varejista na sociedade moderna em Natal, é um discurso corrente também no
trabalho de Bezerra (2005), ao tratar da Feira do Alecrim, apontando-a como um
marco no comércio natalense.
Esse atributo cultural-simbólico da feira livre indica a presença de um forte
conteúdo, que mesmo sob uma forma física um tanto fluida e efêmera, caracterizada
pela inexistência da loja física (PIERRI; VALENTE, 2006), consegue engendrar
190
processos de comercialização de produtos, revestidos de todo um simbolismo
sociocultural impregnado na vida de uma comunidade, figurando assim como uma
centralidade que se conforma semanalmente, em cada lugar da Cidade do Natal
para o qual cada feira livre está programada.
No contexto da expansão do varejo moderno, pós década de 1980, as feiras
livres, juntamente com os mercados e outras formas comerciais menos expressivas,
como as mercearias, abasteceram a despensa caseira do natalense, até o momento
em que uma nova dinâmica do terciário entrou em cena, capitaneada pelo Hiper
Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, como já citamos, no bojo das
transformações do varejo moderno no contexto comercial no Brasil, conforme
apontou Pintaudi (2006). Para demarcar a transição nesse momento de “ruptura”
entre o varejo tradicional e o moderno, citamos o que dizem Azevedo; Queiroz
(2013, não paginado), a respeito:
[...] a dinâmica socioeconômica da cidade de Natal, sobretudo a partir do sistema de comércio, girava em torno das feiras livres e mercados, a exemplo das Rocas, Carrasco, Alecrim, Quintas, Cidade da Esperança, e Lagoa Seca. Situação que permaneceu até a chegada dos vetores comerciais modernos da globalização, na década de 1980.
Ainda assim, as feiras livres podem ser consideradas formas detentoras de
centralidade urbana, porque atraem fluxos de pessoas, semanalmente, para
consumirem os produtos nelas oferecidos. Também podem ser consideradas
centralidades porque,
Apesar da construção de um imaginário no qual os supermercados e outros elementos do circuito superior se mostram como confortáveis, climatizados, e com diversificadas e melhores formas de pagamento [...] As feiras livres são ainda vivenciadas e frequentadas por pessoas que buscam reviver e rememorar a história, o passado, o lugar, consumindo e interagindo nesses fenômenos socioespaciais (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013, não paginado).
Desta forma, reafirmamos a centralidade, da feira livre, constituída em sua
natureza, tanto pelo conteúdo, ligado ao terciário, pelos bens e serviços que são
oferecidos; quanto pelo caráter cultural-simbólico, por exercer atração sobre
determinados estratos sociais, já não mais apenas os de mais baixa renda, mas
também sobre o imaginário daqueles para quem a feira livre é aprazível.
191
Em suma, os conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em
Natal, no decorrer do tempo, conformaram-se, em primeiro lugar, a partir da
atividade terciária, com foco no comércio entre os bairros da Ribeira, da Cidade Alta
e do Alecrim, vindo em seguida os serviços. E, no âmbito dos serviços, também aí
se incluem aqueles ligados à gestão, que também concorrem para a conformação da
centralidade urbana. Como nosso recorte espacial principal nesta subseção se
voltou para os três centros constituintes do Núcleo do Centro Histórico de Natal –
Cidade Alta, Ribeira e Alecrim –, voltamos nossa análise para as centralidades
urbanas de natureza histórica, cultural ou simbólica.
Mas, face à dinâmica do espaço urbano, novos olhares e novas análises se
descortinam para novas dinâmicas que se engendraram na Cidade do Natal a partir
da década de 1980, o que veio a gerar o vem sendo denominado, na literatura
atinente à temática, de “novas centralidades”. Esse será o foco da nossa
preocupação na subseção a seguir.
3.2 Expressões e conformações contemporâneas da centralidade urbana em Natal
Tendo nos debruçado sobre a dinâmica da centralidade urbana referente ao
Núcleo do Centro Histórico de Natal, nosso olhar agora se volta para o que
denominamos de novas centralidades em Natal, tendo como foco de conteúdo das
atividades terciárias.
Entendemos ser importante precisar nossa compreensão acerca dessas
novas centralidades neste ponto do texto. Ora, se dissemos anteriormente, que as
atividades terciárias se dispersam a partir do centro tradicional, como uma forma de
o capital abarcar sempre novas porções do território da cidade, para então
reproduzir-se, gerando assim novas centralidades, logo, as centralidades são
sempre novas no dado momento da sua gênese.
Configura-se então uma inquietação utilizarmos a expressão novas
centralidades, pelo menos, aparentemente, diante do que vimos argumentando
neste trabalho. Mas, para evitar uma possível confusão linguística, lançaremos mão
de aportes teóricos atinentes à temática centralidade. O pensamento de Sposito
(2010) é elucidativo nesse sentido. Após discutir sobre temas como: expansão do
tecido urbano, deslocamentos diários na cidade, deslocamentos diários de membros
192
de uma mesma família e até mesmo entre vizinhos, e política de localização de
equipamentos de comércio e de serviços, a referida autora aponta:
Essa multiplicidade de necessidades e possibilidades de deslocamentos e fluxos no interior da cidade leva à diminuição do papel relativo do centro urbano, mas reforça a ideia de que a desconcentração no interior da cidade se traduz na produção de novos pontos de concentração e, portanto, de novas centralidades
(SPOSITO, 2010, p. 219, grifos nossos).
Essas novas centralidades serão assim “lidas” como novas cotidianidades
para a sociedade, produzidas após o capital ter suplantado novas fronteiras, em seu
contínuo processo de reprodução, e ter criado novos espaços de consumo e de
convivência na cidade. E tais centralidades serão “novas” até que outras novas
centralidades surjam, figurando serem mais aprazíveis a certos estratos da
sociedade, pois, “Toda nova centralidade produzida no interior da cidade traduz um
nível de polaridade, constitui também um nó de fluxos e exprime uma escolha da
sociedade” (SPOSITO, 2010, p. 215). Como vemos, não estão em jogo os conceitos
de “velho” e de “novo”, antes, escolhas feitas por parte da sociedade, segundo
lógicas estabelecidas com base em atributos que determinada centralidade tem num
dado momento.
Em Natal, ao tratarmos das “expressões e conformações contemporâneas
da centralidade urbana”, podemos estabelecer, enquanto marco temporal, desde
década de 1980 à atualidade, quando a economia terciária apresentou eventos
significativos, que foram a implantação de hipermercados, a expansão dos
supermercados e o surgimento dos shopping centers; além do incremento dos
serviços, com as atividades ligadas ao turismo, que passou a influenciar nos
serviços de hospedagem, lazer e gastronomia. Cabe ainda lembrar outro serviço que
se expandiu consideravelmente a partir da década de 1980, que foi o de saúde,
principalmente, como serviço privado.
Para alcançarmos a discussão à qual nos propusemos, resta-nos priorizar os
recortes espaciais que faltam ser contemplados, os quais, ao nosso ver, são os que
abrigam as novas centralidades: Tirol/Petrópolis; Hermes da Fonseca/Salgado
Filho/Roberto Freire; Prudente de Morais; João Medeiros Filho. Nosso objetivo é
apontar em que medida as áreas supracitadas revelam centralidade urbana em
Natal.
193
A respeito das áreas detentoras de novas centralidades na Cidade do Natal,
cabe um esclarecimento. A área consorciada entre os bairros “Tirol/Petrópolis”,
configura como uma centralidade em área, por serem bairros, inclusive, dois bairros
vizinhos, cuja dinâmica urbana é bastante solidária e complementar, razão pela qual
preferimos apresentá-los em seu conjunto; já as demais áreas se apresentam como
centralidades em eixo, uma vez que se conformam no entorno de Eixos
Dinamizadores do Terciário (EDT). Ademais, vale ainda acrescentar mais um
esclarecimento: “Tirol/Petrópolis”, por sua vez, é uma centralidade em área,
contornada por centralidades em eixo, que são o eixo Prudente de Morais, e parte
do eixo Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire.
Diversos autores que trabalham com a discussão da produção do espaço
urbano sob a perspectiva das relações de comércio e consumo convergem entre si
quanto a demarcar a década de 1980, tida como o início expressivo das
transformações. Para Pintaudi (2006), um marco dessas transformações se fez com
a passagem das práticas de consumo tradicional para a expansão do varejo
moderno, com a implantação das novas formas comerciais, como os
supermercados, hipermercados e shopping centers. Outros autores seguem nessa
mesma linha de raciocínio, concordando com esse marco temporal, e seu respectivo
conteúdo, variando apenas quanto aos enfoques. Os autores Azevedo; Queiroz
(2013) são exemplos, ao examinarem as feiras livres em Natal, além de
concordarem também com Gomes; Silva; Silva (2000; 2002), sobre a espacialidade
do setor terciário, que se faz, em certa medida, ao longo das “vias expressas de
circulação”; Barreto; Lima (2007), ao apresentarem uma memória do comércio do
RN, falam dessa expansão do espaço urbano de Natal, seguindo os passos do
terciário; Nascimento (2003) também mostra em seu trabalho, voltado para os
shopping centers, como o espaço da Região Administrativa Sul foi sendo produzido
concomitante à expansão deste novo equipamento de comércio.
Neste sentido, Sposito (2010, p. 207, grifos nossos) nos diz que
No que concerne às novas formas de expansão territorial da cidade, podemos dizer que a evolução da política de localização do
aparelho comercial e de serviços acompanha a tendência de localização da função residencial no interior da cidade – um crescimento urbano centrífugo [...].
A defesa da autora se adéqua bem à realidade natalense, haja vista ter
194
desenvolvido sua política habitacional baseada na expansão horizontal da moradia a
norte e a sul (ARAÚJO, 2004b; BEZERRA, 2005), uma expansão territorial urbana,
portanto, centrífuga, porque feita do centro para as “bordas” da cidade.
Antes mesmo de a política habitacional capitanear a expansão do território
natalense, os equipamentos de comércio e de serviços iniciaram sua contribuição
nesse processo. Barreto; Lima (2007, p. 173) afirmam, de forma um tanto taxativa:
“Natal, literalmente, terminava nas imediações do Estádio Machadão” [atual Arena
das Dunas, no bairro Lagoa Nova], referindo-se os autores ao ano de 1973. Os
referidos autores enfatizam mais ainda essa relação entre equipamento de comércio
e expansão urbana, ao dizerem que o então proprietário do Shopping Center Cidade
Jardim, inaugurado em 1984, “inventou a zona sul de Natal”. Isso porque ele ampliou
o tecido urbano da cidade no sentido sul, ao optar pela construção desse shopping
center, que foi o primeiro de Natal.
Apesar da enfática defesa da parte dos autores citados, temos claro que a
ação de um empresário não se sobrepõe à municipalidade, não podendo ser
tributado a este a criação de uma região da cidade, principalmente, porque a
expansão da Política Habitacional já se fazia presente no sentido sul de Natal.
Esse evento da implantação do Shopping Cidade Jardim é contemporâneo à
implantação do Hipermercado Bompreço, em Lagoa Nova, na década de 1980
(GOMES; SILVA; SILVA, 2000), equipamento para o qual os autores supracitados
apontam como “uma nova era no comércio em Natal”. Isto porque, se alinharmos ao
pensamento de Pintaudi (2006), evidenciamos que além de outros rebatimentos,
esses eventos demarcam a ruptura entre as antigas e as novas práticas do comércio
varejista na cidade.
Seguindo um raciocínio semelhante na análise referente à expansão urbana
de Natal, Azevedo; Queiroz (2013, não paginado) expõem que
A expansão da cidade fez com que o setor terciário também se estendesse pelas vias de fluxo intenso, que cruzam essas áreas de expansão residencial. Assim, nesse contexto, há também a expansão do setor terciário moderno em Natal, que são criados e instalados, ao longo das principais avenidas da cidade, as ‘vias expressas de circulação’.
Com essa exposição, os autores citados, além de concordarem com a
relação estabelecida entre a expansão do tecido urbano via moradia e expansão do
195
terciário em Natal, ao que estamos analisando como áreas detentoras de novas
centralidades, os mesmos apontam consonância ao pensamento de Gomes; Silva;
Silva (2000), de que esse processo se desenvolve no ao longo das “vias expressas
de circulação”.
A respeito dessa relação entre moradia e equipamentos de comércio e de
serviços é importante considerarmos a ideia defendida por Sposito (2010), de que os
locais residenciais no Brasil foram instalados com caráter monofuncional, atendendo
apenas à função da moradia, sem articulação com centros comerciais.
Em Natal, um estudo que evidencia esse pensamento é o de Araújo (2004b),
que estudou a produção do espaço da Região Administrativa Norte e sua relação
com a política do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) desde a década de 1970,
voltada para os estratos de menores rendas da sociedade natalense, apontando que
o referido espaço foi produzido tão somente no sentido de atender à demanda por
moradia.
Ainda indica o referido estudo que somente após vinte e cinco anos – por
volta da segunda metade da década de 1990 –, é que uma nova dinâmica passou a
se configurar na referida região administrativa da cidade, tanto para atender ao
consumo da sociedade quanto para prover sua reprodução material da vida.
Em consonância a essas constatações, Paula (2010) ratificou o que Araújo
(2004b) defendera, ao estudar a dinâmica territorial do comércio varejista moderno
na mesma área, apresentando a espacialização dessa atividade, apontando que
uma das áreas mais dinâmicas é a Avenida Doutor João Medeiros Filho, a qual,
neste trabalho que ora apresentamos, corresponde a um dos Eixos Dinamizadores
do Terciário (EDT), e que abrange os bairros Igapó, Potengi, Pajuçara e Redinha,
além de fazer a ligação de Natal com municípios vizinhos, como São Gonçalo do
Amarante e Extremoz.
É neste sentido que Sposito (2010) afirma que, com a expansão horizontal
da moradia até os limites da cidade, o espaço periurbano cria sua própria
centralidade. Essa afirmação, para a Região Administrativa Norte, confirma-se a
partir da informação fornecida pelo Agente de Mobilidade Urbana, João Paulo de
Oliveira, da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, da Prefeitura Municipal do
Natal, obtida em pesquisa de campo, de que “40% dos deslocamentos da população
da Zona Norte se faz por circulação interna à região, daí porque há linhas que fazem
196
o percurso dentro da própria Zona Norte” (informação verbal28).
Ainda sobre dispersão das atividades terciárias e a expansão do tecido
urbano de Natal nos sentidos a norte e a sul, retomando o pensamento de Sposito
(2010, p. 209), podemos concordar que “[...] os interesses comerciais e imobiliários
tornam viável o desenvolvimento de novas escalas de distribuição pela instalação de
grandes centros comerciais e/ou hipermercados na periferia das cidades e em certos
nós rodoviários.”
É neste contexto que vêm se conformando as novas centralidades, porque,
uma vez expandido o tecido urbano da cidade, mais deslocamentos se fazem em
função, além do trabalho, do consumo, lazer, de serviços administrativos, de
atividades culturais etc (SPOSITO, 2010). A referida autora também argumenta que
houve um aumento da mobilidade no interior da família, sendo este ocasionado pelo
deslocamento de cada membro de modo individual, de casa para o trabalho, ou para
realizar outras atividades. Esta realidade pode ser comprovada pela presença de
mais de um automóvel na garagem de muitas residências, ou até mesmo por meio
dos anúncios publicitários de mais de uma vaga de garagem como vantagem para a
venda de imóveis. Esses fatos revelam novas práticas de deslocamentos na cidade,
os quais se intensificam também com os deslocamentos das crianças e
adolescentes para a realização de novas atividades, como: prática de esportes,
frequência a aulas de dança, de música, de um segundo idioma, entre outras
atividades. O fato é que o ir e vir das crianças e adolescentes da sociedade atual já
não mais se limita ao ir à escola.
Enfim, os tempos sociais no interior de uma família se tornaram diferentes,
defende Sposito (2010). Até mesmo a diminuição dos laços de vizinhança também
reforçou os deslocamentos, cujas relações se dão em outros contextos, que não o
da vizinhança, reforça a referida autora. No contexto dessas mudanças, os laços de
sociabilidade são construídos distante dos laços de moradia. Ademais, esses novos
laços de sociabilidade também geram novos deslocamentos no interior da cidade.
Ao intensificarem-se os deslocamentos, a estrutura viária da cidade já não
mais atende à demanda. Desta forma, a multiplicação dos centros de comércio e
serviços deve-se ao fato de a estrutura viária não atender aos fluxos de transportes
como um todo, e aos transportes coletivos não atenderem às demandas do volume
28 Entrevista concedida pelo Agente de Mobilidade Urbana, João Paulo de Oliveira, em Natal, em 15 de abril de 2016.
197
de passageiros a serem transportados, gerando como solução deslocamentos
intrabairros, como os que ocorrem na Região Administrativa Norte de Natal.
Em Natal, esses centros de comércio e de serviços, surgidos no contexto da
expansão do varejo moderno, a partir da década de 1980, vem se conformando,
principalmente, nas áreas de expansão urbana já consolidada a norte e a sul da
cidade, e ao longo dos grandes eixos de tráfego, configurando-se assim como novas
centralidades. Desta forma, ao indicarmos a localização e o ano de fundação dos
shopping centers, por exemplo, configura-se uma centralidade de natureza comercial
e de serviços no sentido da Região Administrativa Sul, em face da concentração
destes equipamentos, entre as décadas de 1980 a 2010, conforme apresentado no
Quadro 03.
QUADRO 03 – Shopping Centers em Natal
NOME LOCALIZAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO
Shopping Cidade Jardim Av. Engenheiro Roberto Freire 1984
Shopping Natal Sul Av. Prudente de Morais 1986
Natal Shopping Av. Senador Salgado Filho 1992
Shopping Via Direta Av. Senador Salgado Filho 1995
Praia Shopping Av. Engenheiro Roberto Freire 1997
Shopping 10 Rua Leonel Leite, Alecrim 2001
Midway Mall Av. Hermes da Fonseca 2005
Shopping do Artesanato Potiguar Av. Engenheiro Roberto Freire 2005
Vilarte Shopping do Artesanato Av. Engenheiro Roberto Freire 2006
Partage Norte Shopping Natal Av. Doutor João Medeiros Filho 2007
Shopping Estação Av. Doutor João Medeiros Filho 2008
FONTE: PESQUISA DE CAMPO..., 2016
A partir da leitura das informações contidas no Quadro 03, identificamos a
maior concentração de shopping centers na Região Administrativa Sul (08), sendo
07 destes no Eixo Dinamizador do Terciário (EDT) conformado pela continuidade
das Avenidas: Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, e apenas 01 no
EDT que se conforma na Avenida Prudente de Morais; 02 destes shopping centers
ocupam o EDT da Avenida Doutor João Medeiros Filho, na Região Administrativa
Norte; já a Região Administrativa Leste apresenta apenas 01 shopping center, no
bairro Alecrim. O shopping center presente no bairro Alecrim tem perfil popular,
consorciado ao perfil comercial do referido bairro, apesar de ser contemplado com
os mesmos espaços de vivência dos demais shopping centers, como um mix de
lojas, praça da alimentação e serviços.
Ao identificarmos essa maior concentração de shopping centers no sentido
198
da Região Administrativa Sul de Natal, seguido, de forma distante, da concentração
que se conforma na Região Administrativa Norte, concordamos com Sposito (2010,
p. 219, grifos da autora), ao dizer que “As novas centralidades produzidas pela
abertura de shopping centers e de hipermercados estão [...] associados à
‘periferização’ da função residencial e ao uso do automóvel.”
Dois outros shopping centers dentre os que estão dispostos no Quadro 03,
que merecem destaque, são: o Shopping do Artesanato Potiguar e o Vilarte
Shopping do Artesanato, ambos localizados na Avenida Engenheiro Roberto Freire,
portanto, uma forma de a atividade comercial da cidade estabelecer diálogo com a
atividade turística, dado que se configura como espaços de visitação turística,
porque seu rol de produtos está focado para essa atividade. No Plano de
Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS), da Secretaria
Municipal de Turismo, a referida avenida é considerada como o “Corredor 3”, assim
caracterizado:
Principal acesso a Ponta Negra, onde está localizada a maior quantidade de equipamentos turísticos de hospedagem, alimentação e pontos de venda de artesanato, o corredor 3 também possibilita a integração com as praias do sul da cidade, pertencentes aos municípios próximos (NATAL..., 2013, p. 26).
Essa caracterização da Avenida Roberto Freire, feita no trecho citado
anteriormente, confirma o que fora dito nos trabalhos de Nascimento (2003) e de
Furtado (2008), de que aquele espaço tinha sua produção voltada ao atendimento
de uma demanda turística.
Já os demais shopping centers então citados no Quadro 03 estão voltados
para o comércio varejista e para os serviços. Dentre estes, alguns mais confortáveis
e sofisticados, a exemplo do Natal Shopping, que é considerado, na literatura local
examinada, o “conceito de shopping center” em Natal. Isto porque,
[...] diante da quantidade de opções aliadas ao conforto, praticidade e sofisticação que os shopping centers oferecem à sua clientela, não poderíamos esperar outra coisa que não fosse o sucesso da sua aceitação por parte das crianças, jovens e adultos que ali vão comprar, ou simplesmente se divertir (BARRETO; LIMA, 2007, p. 49).
Na contramão desse “conceito de shopping center”, outros destes estão
voltados quase que exclusivamente para as vendas, sendo desprovidos de conforto
199
e sofisticação. Aliás, em Natal, esses dois atributos enaltecidos por estudiosos da
temática, para que se firme um razoável conceito de shopping center, e este venha a
ter uma considerável frequentação, traduz-se tão somente em climatização e design
arrojado.
Interessante ressaltar que é nos shopping centers menos providos de
conforto e menos sofisticados que estão presentes duas das três Centrais do
Cidadão em Natal, garantindo assim um considerável índice de frequentação diária,
pela gama de serviços que a referida central tem a oferecer. Isto porque cada uma
dessas Centrais do Cidadão atende, diariamente, uma média de 28 mil pessoas
(PESQUISA DE CAMPO, 2015).
Outros equipamentos comerciais de grandes superfícies que concorrem para
a conformação das novas centralidades em Natal, ligadas à expansão da economia
terciária, são os hipermercados, supermercados e atacarejos. Os hipermercados
estão assim distribuídos: Hiperbompreço, nas Avenidas Prudente de Morais e
Engenheiro Roberto Freire; Extra, nas Avenidas Bernardo Vieira/Hermes da Fonseca
e Engenheiro Roberto Freire; Carrefour, nas Avenidas Senador Salgado Filho e
Doutor João Medeiros Filho. Essas mesmas avenidas concentram filiais de
supermercados, como: Nordestão, nas Avenidas Senador Salgado Filho e
Engenheiro Roberto Freire; Favorito, na Avenida Engenheiro Roberto Freire.
Enquanto que os atacarejos – superfícies comerciais amplas, que congregam a
vendas no atacado e no varejo – estão localizados: o Atacadão, na BR-101/304 e na
Avenida Doutor João Medeiros Filho; o Sam’s Club, o Makro e o Assaí, esses três na
BR-101/304.
Exposta a localização das amplas superfícies comerciais do atacado e do
varejo moderno em Natal, a partir da década de 1980, confirmam-se algumas
proposições que vimos apresentando ao longo deste trabalho. Uma primeira
proposição é de que essas amplas superfícies comerciais buscam localização em
áreas da cidade, onde há maior fluidez de tráfego, para onde parte da moradia está
consolidando sua expansão, próximo aos nós viários (SPOSITO, 2010).
Uma segunda proposição que se confirma é de que as grandes superfícies
são formas detentoras de centralidade urbana porque, tendo a oferecer conteúdos
de natureza comercial ou terciária, atraem para si fluxos de pessoas, configurando-
se esses fluxos em processos de comercialização de produtos e serviços. Logo,
conformam-se nessas áreas novas centralidades, as quais, por seus conteúdos,
200
processos e formas, expressam a centralidade urbana que se evidencia na
contemporaneidade dos espaços em sociedades capitalistas. Sendo assim, a
Cidade do Natal se apresenta como favorável à compreensão e à apreensão dessa
centralidade urbana. É esse o investimento proposto na discussão da seção que
segue.
201
4 PROPOSIÇÃO À APREENSÃO DA CENTRALIDADE URBANA
Esta seção apresenta os resultados da pesquisa de campo, de modo mais
concentrado. Na primeira subseção, expõe os dados de comércio e de serviços, e
sua distribuição entre as regiões administrativas e bairros de Natal, buscando
evidenciar expressões de centralidade urbana.
Já a segunda subseção apresenta os resultados obtidos, conforme os rumos
que a pesquisa de campo revelou. Dessa forma, ao denominarmos de “meandros”,
os vários rumos trilhados contribuíram para enriquecer os resultados com relação ao
que pode ser considerado como central em Natal, melhor dizendo, como
centralidade urbana em Natal.
4.1 Evidências contemporâneas de centralidade urbana em Natal
A depender do foco de análise, a centralidade urbana em Natal pode revelar
sua evidência por meio de um dado conteúdo, num dado momento. E apesar de
defendermos a tese de que conteúdos, processos e formas concorrem para que a
natureza da centralidade urbana seja considerada de natureza diversa, entendemos
que a apreensão desta centralidade se faz, primordialmente, pelos conteúdos, os
quais são a razão precípua de centralidade, por serem esses conteúdos que mais
exercem o poder de atração. De igual modo, entendemos que os conteúdos que
constituem e definem a natureza da centralidade urbana, para serem atraentes, há
que serem, em primeiro lugar, evidentes.
Dessa forma, os focos de análise podem variar segundo as dimensões:
a) histórica, direcionada principalmente ao centro histórico e aos
monumentos que contam a história da cidade;
b) cultural, representada pelos monumentos, manifestações e eventos
culturais, bem como pelos espaços promotores de cultura;
c) simbólica, ligada às representações do sagrado e da memória da cidade;
d) ideológica, expressa na consagração de determinados lugares, tidos
como pontos de convergência de lutas e embates político-ideológicos, nos quais se
processam manifestações políticas;
e) econômico, abrangendo o comércio, os serviços, o turismo e os eventos,
consideradas atividades proeminentes na centralidade urbana, porque dinamizam a
202
produção do espaço na Cidade do Natal.
Feita a exposição da nossa compreensão sobre o que denominamos de
dimensões da centralidade urbana, segundo as quais podemos apreender a sua
natureza diversa, acrescentamos que entendemos que haverá sempre uma ou outra
dimensão da centralidade a apresentar maior expressividade ou evidência num dado
momento, a depender do foco de análise.
De igual modo, um ou outro lugar, tornar-se-á mais expressivo de
centralidade em relação a outro, a depender dos conteúdos da sua centralidade,
atraindo um maior fluxo de pessoas ou promovendo um maior número de encontros,
bem como do público para o qual seus conteúdos são ofertados.
Excetuando-se aquelas suscitadas pelo comércio e pelos serviços de
consumo cotidiano, podemos exemplificar essas afirmações com relação às
centralidades de natureza histórica, cultural, simbólica e ideológica, as quais se
voltam para públicos específicos, num dado momento. Dessa forma, reafirma-se
nossa proposição de que a natureza da centralidade urbana é diversa por seus
conteúdos; gera processos igualmente diversos; e se conforma ou se expressa
segundo formas também diversas.
Em Natal, podemos apreender as “evidências contemporâneas da
centralidade urbana” em dois grandes grupos. Um primeiro, que reúne a natureza
histórica, a cultural, a simbólica e a ideológica. E um segundo, ligado à natureza
econômica da centralidade urbana, agregando as atividades de comércio e de
serviços, com um destaque para o turismo.
Mas apesar de propormos a apreensão de evidências da centralidade
urbana em Natal segundo esses dois grandes grupos, não os vemos de forma
estanque. Antes, identificamos reciprocidade entre ambos, sendo, por exemplo, a
centralidade de natureza histórica vetor para dinamização da atividade turística, por
sua vez, fomentando a centralidade de natureza econômica.
Ao estabelecer o “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”
(PESQUISA DE CAMPO, 2016), o IPHAN não só cumpriu o seu papel de preservar
do patrimônio histórico da cidade (BRASIL..., 2014b), mas também passou a
fomentar a visitação turística, suscitando assim centralidades de natureza também
econômica.
Configura-se então a reciprocidade entre os dois grandes grupos segundos
os quais estamos propondo que se proceda à apreensão da centralidade urbana em
203
Natal, mesmo porque não há como estudarmos uma realidade apenas por meio de
uma particularidade ou um processo. Há uma vida que pulsa na cidade, que
dinamiza o urbano, o qual não pode ser apreendido por meio apenas de um
processo.
Podemos dizer ser uma evidência de centralidade urbana em Natal o próprio
centro histórico, aquele demarcado pelo IPHAN, que compreende partes dos bairros
Cidade Alta, Ribeira e Rocas. Compreende “partes” porque não abrange todo o
bairro, porque não interessa ao IPHAN a dinâmica do bairro, a produção do espaço
urbano. Seu interesse é pelo “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”; sua
missão é preservar a história e a memória da cidade. Mesmo assim, por ser a
instituição que tem autoridade para este fim, que é o de estabelecer o centro
histórico de uma cidade, termina também por consagrar práticas cotidianas, como a
que reconhece em Natal, por exemplo, como centro histórico, o bairro Cidade Alta.
Enquanto para o IPHAN Cidade Alta, Ribeira e Rocas são os três bairros
constituintes do Centro Histórico de Natal, para o cidadão natalense somente
importa o bairro Cidade Alta, o qual se resume à “Cidade”, tendo gerado uma
metonímia sobre a qual já aludimos de que, ao utilizar um natalense expressões
como “ir à cidade” ou “na cidade”, está ele falando do bairro Cidade Alta, do “Centro
da Cidade”, ou simplesmente do “Centro”. Essas informações nos foram reveladas
tanto pela vivência com esse espaço urbano quanto pela pesquisa de campo, pelo
exame às fontes bibliográficas e aos noticiários. Nesse sentido, ser “centro” de uma
cidade remete à dinâmica comercial, lugar clássico do “ir às compras”, aquele
precedente às modernas estruturas do varejo, dentre as quais o shopping center
passou a ganhar lugar de relevo em Natal.
Ainda que pareça inerte, o “conjunto arquitetônico, urbanístico e
paisagístico” fixado pelo IPHAN como Centro Histórico de Natal, traz em si uma
dinâmica, pois reafirma a bairro Cidade Alta enquanto bairro comercial e histórico,
consagrando assim a prática cotidiana do ir às compras, da função essencial da
cidade enquanto lugar de trocas ou do comércio; e ainda, fomenta a visitação
turística, que termina por suscitar processos de compra de bens e de prestação de
serviços. Dessa forma, ao estabelecer uma centralidade de natureza histórica,
aparentemente inerte, o IPHAN termina por suscitar uma centralidade de natureza
comercial, dinâmica, contribuindo sobremaneira para a produção do espaço urbano
em Natal, o qual passa a voltar-se ora para o turismo, ora para o comércio e os
204
serviços.
O centro histórico estabelecido pelo IPHAN traz à tona ainda uma
particularidade da centralidade urbana em Natal: a de ser, desde o início,
multicêntrica. Como já indicamos em seções anteriores, defendemos que houve a
formação de um Núcleo do Centro Histórico de Natal, sendo composto o referido
núcleo por Cidade Alta, Ribeira e Alecrim, por terem sido os três bairros dinâmicos
do comércio e dos serviços, os quais serviram para a produção do espaço urbano da
cidade, desde o seu início.
Dessa forma, apreendemos a centralidade urbana em Natal já de forma
multicêntrica, porque dispersa segundo esses três centros. De igual modo, o IPHAN
também, ao estabelecer o Centro Histórico de Natal, apreende a centralidade urbana
de natureza histórica dispersa em três bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas. E
apesar de o foco de análise do IPHAN ser diferente do nosso, a multicentralidade se
faz presente na forma de apreensão da centralidade urbana na cidade em tela.
Diante do exposto, entendemos que não há como afirmar que a centralidade
urbana em Natal se faz apenas por meio de um centro, ou do seu centro histórico,
representado apenas por um bairro. Mas, sim, devemos afirmar que há uma
centralidade histórica multicêntrica, desde o início, a qual é ratificada até pelo
estabelecimento do seu centro histórico pelo IPHAN. Assim, ser uma cidade
multicêntrica figura como sendo uma condição da evidência da centralidade urbana
em Natal, que por sua vez, evidencia a condição de multicentralidade. Veremos mais
adiante que esta multicentralidade se torna ainda mais evidente com a formação de
novas centralidades, com a expansão das atividades terciárias.
Mas as evidências de centralidade urbana em Natal são tão diversas o
quanto são as abordagens e as práticas discursivas ou até mesmo as intervenções
da gestão, principalmente, as que incidem a partir do nível municipal. Veremos, no
desenvolvimento desta subseção, que ao expormos os resultados de diálogos
estabelecidos junto a diversas secretarias da municipalidade natalense, diversas
serão as formas segundo as quais se dá a apreensão da centralidade urbana,
conforme os focos de interesse, face às temáticas de cada secretaria.
Para a Secretaria de Cultura e Arte de Natal, o Centro Histórico de Natal
corresponde ao trecho formado por diversas ruas entre o “Beco da Lama” e a
205
Prefeitura de Natal (informação verbal29), como expôs o Secretário Executivo,
Lenilton Teixeira. Dessa forma, a referida secretaria planeja seus eventos culturais
durante o ano, contemplando o carnaval, os festejos juninos, o Natal e o Ano Novo,
sempre tendo como referência esse trecho ao qual considera como centro histórico,
e que, em certa medida, corresponde a uma parte do que estabeleceu o IPHAN, e
ao que a sociedade natalense reconhece como tal.
Ainda com relação à contribuição do Centro Histórico de Natal enquanto
evidência de centralidade urbana, há que destacarmos o conjunto de prédios e
monumentos que fazem parte do “corredor histórico-cultural”, o qual se inicia no
bairro Cidade Alta e se estende até a Ribeira, sendo, ao mesmo tempo, espaço de
visitação turística e de aulas de campo/turismo pedagógico, por guardarem a
memória histórica e cultural da cidade. Por esta função enquanto centralidade de
natureza histórica, também promove uma dinâmica no âmbito do comércio e dos
serviços, posto que a visitação requer uma certa demanda a ser atendida.
Assim, ao defendermos que há uma proeminência das atividades do setor
terciário para a centralidade urbana em Natal, não estamos negligenciando as
centralidades cuja natureza não seja a econômica. A proeminência à qual nos
referimos diz respeito à dinâmica urbana de produção de espaço desencadeada
pelas atividades terciárias, porque é a vida dinâmica da cidade que é produzida por
meia das referidas atividades, e que passaram a se desenvolver com mais
intensidade desde a década de 1980 à atualidade.
Assim, ao darmos início à discussão sobre as atividades terciárias na Cidade
do Natal, entendemos ser importante caracterizar as atividades econômicas em
geral na cidade. Para uma leitura mais contundente com relação às atividades
econômicas de Natal, e a participação de cada uma na reprodução da economia da
cidade, os dados da Tabela 01 estão sob a forma de percentual no Gráfico 01.
Ambas as formas de apresentação da realidade econômica apreendida confirmam o
que temos afirmado ao longo do trabalho, de que a Cidade do Natal tem sua
economia baseada nas atividades terciárias.
Desta forma, conforme dados obtidos por ocasião da pesquisa de campo,
junto à Secretaria Municipal de Tributação de Natal (SEMUT), em 2016, temos o
29
Entrevista concedida por Lenilton Teixeira, Secretário Executivo da Secretaria de Cultura e Arte da Prefeitura de Natal, em 22/02/2016.
206
seguinte, conforme Tabela 01 e Gráfico 0130.
Tabela 01 – Atividades econômicas em Natal
SETOR NÚMERO DE EMPRESAS
Serviços 50.229
Comércio 20.771
MEI31 13.412
Indústria 877
TOTAL 85.289
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 01 – Atividades econômicas em Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Ao cotejarmos os dados em relação ao número de empresas por setor de
atividade econômica, identificamos em destaque os serviços, com 50.229 empresas
(Tabela 01), respondendo por 58,89% (Gráfico 01) do total das empresas de Natal,
que é de 85.289 (Tabela 01). Em segundo lugar, na economia natalense, aparecem
as empresas de comércio, em número de 20.771 (Tabela 01), respondendo por
24,35% (Gráfico 01) face ao número total de empresas da cidade, que é de 85.289.
Essa realidade na qual se destacam as atividades de serviço e de comércio
assegura-nos a afirmar que a economia natalense é focada nas atividades terciárias,
as quais se configuram como vetores da dinâmica de produção do espaço urbano. E
são também essas mesmas atividades que, principalmente, a partir da década de
30
Optamos por apresentar as tabelas e os gráficos de um mesmo conjunto de dados seguindo-se um ao outro ao longo do trabalho, sem a ocorrência de texto verbal discursivo entre ambos. 31
“MEI” são os Microempreendedores Individuais.
207
1980, têm fomentado o surgimento de novas centralidades urbanas, com o advento
de novas estruturas do varejo moderno na cidade, o qual teve como marco inicial a
implantação do Hipermercado Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, vindo a
desencadear uma série de novos processos dinamizadores do terciário.
Os Microempreendedores Individuais (MEI) são o terceiro grupo de
atividades econômicas em Natal, com 13.412 empresas (Tabela 01), representando
15,73% (Gráfico 01) do total das atividades econômicas da cidade, que é de 85.289
empresas. Interessante ressaltar que apesar de ser uma criação nova, essa
classificação “MEI”, enquanto grupo de atividade econômica, na Cidade do Natal,
destaca-se frente à atividade industrial, o que reforça, mais uma vez, o caráter
terciário da economia natalense. Isto porque os MEI reúnem pessoas que trabalham
individualmente e por conta própria, abrangendo atividades de comércio, de indústria
e de prestação de serviços, que faturam até 60 mil reais ao ano, e que resolveram
legalizar-se como pequeno empresário a partir de 2008, o que fora oportunizado por
meio da Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, que criou condições
especiais para que o trabalhador informal viesse a tornar-se um trabalhador
legalizado ou um MEI, ou seja, microempreendedor individual (BRASIL..., 2016).
A atividade industrial em Natal responde por apenas um 1,03% (Gráfico 01)
do total de empresas registradas na cidade, que é em número de 85.289, tendo
apenas 877 indústrias cadastradas junto à SEMUT. Esse dado revela que apesar
dos esforços da SUDENE, até mesmo com a tentativa de implantação do Distrito
Industrial de Natal (DIN) no entorno da Região Administrativa Norte, abrangendo
parte dos municípios vizinhos de Extremoz e de São Gonçalo do Amarante, a
atividade industrial é muito tímida (ARAÚJO, 2004b).
Fizemos a exposição dos dados relativos às atividades econômicas globais
na Cidade do Natal. Seguiremos com a exposição segundo suas Regiões
Administrativas Norte, Sul, Leste e Oeste (Figura 23), criadas conforme a Lei
Ordinária número 3.878/89 (NUNES et al, 2015, p. 29).
208
Figura 23 – Esquema das Regiões Administrativas32 de Natal
FONTE: NUNES et al, 2015, p. 29
Apesar de expormos sempre todos os dados que obtivemos, abrangendo
comércio, serviços, MEI e indústria, nosso foco principal de análise e discussão será
voltado, a partir de então, para o comércio e os serviços, procurando ver em que
medida estas atividades concorrem para a conformação da centralidade urbana em
Natal. Tendo por base os dados da Tabela 01, obedeceremos a ordem de
importância das atividades na economia natalense, qual seja: serviços, comércio,
MEI e indústria.
Os serviços adquirem a seguinte distribuição na Cidade do Natal, conforme
Tabela 02 e Gráfico 02, a seguir.
Tabela 02 – Serviços por região administrativa em Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA NÚMERO DE EMPRESAS
Sul 19.089
Leste 14.917
Norte 8.546
Oeste 7.747
TOTAL 50.299
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
32
R.A. – utilizaremos essa abreviatura para designar Região Administrativa.
209
Gráfico 02 – Serviços por região administrativa em Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Enquanto conteúdos geradores de centralidade urbana, os serviços são
mais evidentes nas Regiões Administrativas (R.A.) Sul e Leste, as quais
apresentam, respectivamente, 19.089 e 14.917 (Tabela 02) empresas registradas;
correspondendo, em números relativos, respectivamente, a 37,97% e 29,66% para
as R.A. Sul e Leste (Gráfico 02) do total de empresas de serviços em Natal, que é
em número de 50.299 (Tabela 02). Mas os serviços não se destacam somente
nestas duas regiões administrativas de Natal em relação às demais. Há uma
significativa diferença de 4.172 empresas de serviços da R.A. Sul em relação à R.A.
Leste (Tabela 02), mesmo sendo ambas as regiões concentradoras dos serviços na
cidade.
Esse dado explicita a expansão das atividades terciárias voltadas para o
turismo e o lazer, cujas formas mais expressivas, na R. A. Sul, podem ser
identificadas na Via Costeira e na Avenida Engenheiro Roberto Freire, pela presença
de empresas de hospedagem e de gastronomia, bem como os shopping centers, os
quais oferecem uma gama de serviços. E, conforme defenderam Nascimento (2003)
e Furtado (2008), há uma sincronia entre o turismo e os shopping centers, no sentido
da produção do espaço da R. A. Sul de Natal.
Ademais, o shopping center, em Natal, além de equipamento comercial, fez-
se lugar de encontros, os quais cada vez mais vêm se deslocando das praças da
cidade para as praças da alimentação dos shopping centers, fazendo desse
equipamento de comércio uma “quase cidade” dentro da cidade.
Em situação inversa às R. A. Sul e Leste, figuram as R. A. Norte e Oeste,
concentrando números bem inferiores de empresas de serviços. Estas últimas
210
apresentam, respectivamente, 8.546 e 7.747 (Tabela 02) registros de empresas
prestadoras de serviços, respondendo por 16,99% e 15,40% (Gráfico 02),
respectivamente, de um total de 50.299 (Tabela 02) empresas dessa natureza de
atividade. Pelos dados expostos, fica evidente que as novas centralidades urbanas
de natureza econômica, e voltadas para a prestação de serviços não adquirem
significativa importância face à economia terciária na Cidade do Natal, nestas duas
últimas regiões administrativas em discussão, se comparadas às demais.
Focaremos nossa análise a seguir na distribuição do número de empresas
de serviços por bairro em Natal, segundo as regiões administrativas, na seguinte
ordem: Sul, Leste, Norte e Oeste, tendo por base a importância dessa atividade em
cada uma delas. As regiões administrativas e seus respectivos bairros estão
dispostos conforme a Figura 24, cujo esquema de cores guiará a apresentação dos
gráficos referentes aos bairros de cada região administrativa.
Figura 24 – Esquema dos bairros por Regiões Administrativas de Natal
FONTE: NUNES et al, 2015, p. 29
211
A Região Administrativa Sul apresenta a seguinte distribuição do número
absoluto (Tabela 03 e Gráfico 03) e relativo (Tabela 03) de empresas de serviços
entre os bairros.
Tabela 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal
BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Lagoa Nova 6.723 35,22%
Ponta Negra 2.775 14,54%
Capim Macio 2.743 14,37%
Candelária 2.427 12,71%
Neópolis 1.889 9,90%
Pitimbu 1.844 9,66%
Nova Descoberta 688 3,60%
TOTAL 19.089 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Dentre os bairros da Região Administrativa Sul, a evidência de centralidade
urbana gerada pela presença de empresas de serviços se faz ver no bairro Lagoa
Nova, com 35,22% (Tabela 03) de um total de 19.089 do número de empresas
nessa região, sobrepondo-se aos demais com vasta diferença. O que pode explicar
essa presença significativa dos serviços em Lagoa Nova é a expansão, nas últimas
décadas, dos serviços de saúde, conforme indicou Tavares (2010), ao que
acrescentamos também a respeito da expansão dos serviços de educação,
abrangendo desde os níveis da Educação Básica à Educação Superior, com a
instalação de faculdades privadas.
212
Em segundo lugar em relação à concentração de empresas de serviços na
Região Administrativa Sul, os dados apontam para os bairros Ponta Negra e Capim
Macio, respectivamente, com 14,54% e 14,37% (Tabela 03) das 19.089 empresas
de serviços registradas nessa região. É importante ressaltarmos a função turística
desses dois bairros, os quais estão margeados por uma parte do Eixo Dinamizador
do Terciário (EDT) Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, que se liga à
Via Costeira, a qual se configura como importante instrumento de promoção da
atividade turística na Cidade do Natal.
A Avenida Engenheiro Roberto Freire, enquanto integrante do referido EDT,
integra o “Corredor 3”, no Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo
Sustentável (PDITS), da Secretaria Municipal de Turismo e Desenvolvimento
Econômico da Prefeitura do Natal. Esse “Corredor 3” tem sua importância para a
atividade turística na cidade, porque, formado pela RN-063 (Rota do Sol Sul) e
Avenida Engenheiro Roberto Freire,
Corresponde ao principal acesso de regiões com grande potencial e desenvolvimento turístico à cidade de Natal, ligando as praias do litoral Sul (Cotovelo, Pirangi, Búzios, Tabatinga, Barreta e, etc.) e os bairros de Ponta Negra e Capim Macio à Avenida Senador Salgado Filho (NATAL..., 2013, p. 26).
Dessa forma, por deter essas condições de acesso às praias do litoral leste
do RN, em sua porção sul, esse EDT que é a Avenida Roberto Freire, apresenta
evidências de centralidades voltadas ao turismo, igualmente por concentrar uma
diversidade de empresas de hospedagem, de gastronomia e de entretenimento.
Mas esse EDT não aponta sua importância apenas para as praias dos
municípios vizinhos à Natal. Observemos que o trecho supracitado faz alusão à
integração com os bairros Ponta Negra, Capim Macio e com a Avenida Senador
Salgado Filho.
Pensando nessa integração foi que decidimos pensar esse Eixo Dinâmico do
Terciário assim integrado: Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, uma
vez que concentra uma gama de equipamentos modernos de comércio e de serviços
que vêm contribuindo, desde a década de 1980 à atualidade, para a formação de
novas centralidades urbanas na Cidade do Natal, cujas empresas vêm se instalando
no entorno desse eixo.
A Região Administrativa Sul, ao concentrar o maior número de empresas de
213
serviços na Cidade do Natal, e em seus bairros mais ao sul da própria região,
reafirma a discussão desenvolvida ao longo desse trabalho acerca da tendência do
deslocamento das estruturas amplas e modernas do terciário, passando a ocupar os
EDTs, pela condição de maior fluidez do tráfego, e por se configurarem como nós de
grandes eixos viários, que é condição significativa para a formação de uma
centralidade. Outra condição para a conformação dessa realidade é também a
presença de amplas áreas para estacionamento para clientes em compras.
Quanto aos serviços, a Região Administrativa Leste tem a seguinte
distribuição do número absoluto (Tabela 04 e Gráfico 04) e relativo (Tabela 04) de
empresas de serviços entre seus bairros.
Tabela 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal
BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Alecrim 3.406 22,83%
Tirol 3.365 22,56%
Cidade Alta 2.646 17,74%
Petrópolis 1.395 9,35%
Barro Vermelho 1.121 7,51%
Lagoa Seca 1.091 7,31%
Ribeira 671 4,50%
Rocas 412 2,76%
Mãe Luiza 266 1,78%
Praia do Meio 235 1,58%
Areia Preta 186 1,25%
Santos Reis 123 0,82%
TOTAL 14.917 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
214
O Alecrim, com 3.406 empresas de serviços, correspondendo a 22,83% do
total de 14.917 empresas dessa natureza na R.A. Leste; Tirol, com 3.365, e 22,56%
do total; e Cidade Alta, com 2.646, e 17,74% desse mesmo total, são os três
primeiro bairros que evidenciam as centralidades que se conformam em torno da
prestação de serviços na região administrativa em discussão.
Ressaltamos que, dentre esses três bairros, o Alecrim e a Cidade Alta, além
de apresentarem essa tendência à concentração dos serviços, são também
detentores da centralidade do comércio. Já o bairro Tirol tem como particularidade,
principalmente, a centralidade dos serviços de saúde (TAVARES, 2010), bem como
os de educação, e ainda alguns ligados à gestão.
Num segundo grupo, figuram os bairros Petrópolis, com 9,35% do total de
empresas; Barro Vermelho, com 7,51%; e Lagoa Seca, com 7,31% do total de
empresas prestadoras de serviços na R.A. Leste, que é em número de 14.917.
Dentre estes, evidenciam-se em Petrópolis, a exemplo do Tirol, os serviços de
saúde, principalmente, seguidos do serviço de educação e o de gestão, razão pela
qual aparece em primeiro lugar nesse segundo grupo.
Há ainda que destacarmos o bairro da Ribeira, na R.A. Leste, que apesar de
concentrar apenas 4,50% das empresas de serviços de Natal, expressa ainda
significativa importância, por sediar diversos serviços dos níveis municipal, estadual
e federal do Estado, bem como a atividade portuária do RN. Dessa forma, o referido
bairro, senão em quantidade, mas em especificidade, ainda se configura como uma
centralidade urbana de natureza focada nos serviços.
Para a R.A. Norte, a distribuição dos serviços entre os bairros constituintes
dessa região é a seguinte, em números absolutos (Tabela 05 e Gráfico 05) e
relativos (Tabela 05).
215
Tabela 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal
BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Potengi 2.561 29,97%
N S da Apresentação 1.758 20,57%
Pajuçara 1.585 18,55%
Lagoa Azul 1.270 14,86%
Igapó 924 10,81%
Redinha 448 5,24%
Salinas 0 0,00%
TOTAL 8.546 100,00
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
No que concerne à distribuição dos serviços na R.A. Norte, o bairro Potengi
se evidencia como o mais expressivo frente aos demais na região administrativa em
discussão, concentrando 2.561 empresas prestadoras de serviços, o que
corresponde a 29,97% do total destas na R.A. Norte, que é número de 8.546
empresas. Esse é o bairro a partir do qual se deu a expansão da política
habitacional na Cidade do Natal, no sentido norte (ARAÚJO, 2004b), tendo sido nele
inaugurado, ainda na década de 1970, o primeiro conjunto habitacional da Região
Administrativa Norte.
É por esse bairro que se estende o Eixo Dinamizador do Terciário (EDT)
formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, também conhecida como Estrada
da Redinha, EDT esse que abrange ainda os bairros Igapó e Redinha, ambos de
formação pretérita à implantação da política habitacional. O referido eixo se liga
transversalmente a outros eixos, os quais conduzem aos demais bairros que
apresentam evidências de empresas de serviços, quais sejam: o bairro N S da
Apresentação, com 1.758 empresas de serviços, e 20,57%, de um total de 8.546
216
empresas na região; o Pajuçara, com 1.585, e 18,55% desse total; e ainda o bairro
Lagoa Azul, com 1.270 empresas, correspondendo a 14,86% dos serviços na R.A.
Norte. Pela exposição dos dados, fica evidente que o bairro Potengi é o que
evidencia a centralidade urbana voltada para os serviços na região em discussão.
A Região Administrativa Oeste é aquela onde ocorre a menor presença de
empresas prestadores de serviços. É valido lembrar que se trata de um espaço
ocupado, historicamente, por uma população de baixa renda, quadro que se mantém
até os dias atuais, embora tenha parte dessa região habitada por população de
renda média. Desse modo, na R.A. Oeste, os serviços têm uma distribuição bastante
regular, se considerarmos os bairros, como pode ser visto por meio dos números
absolutos, apresentados na Tabela 06 e Gráfico 06; e relativos, na Tabela 06.
Tabela 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal
BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Cidade da Esperança 1.151 14,83%
Planalto 1.129 14,57%
Felipe Camarão 1.108 14,30%
Quintas 1.087 14,03%
N S de Nazaré 1.061 13,70%
Dix-Sept Rosado 929 11,99%
Bom Pastor 506 6,53%
Cidade Nova 391 5,05%
Nordeste 324 4,18%
Guarapes 61 0,79%
TOTAL 7.747 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
217
Os serviços, na R.A. Oeste, apresentam certa regularidade em sua
distribuição, haja vista a maioria dos bairros apresentarem pouca discrepância
relativa do número de empresas prestadoras de serviços. Observamos, ao cotejar os
dados constantes na Tabela 06 e no Gráfico 06, a seguinte distribuição do número
de empresas entre os bairros dessa região: Cidade da Esperança, com 1.151
empresas, e 14,83% do total destas na região, que é em número de 7.747; Planalto,
com 1.129 empresas, e 14,57%; Felipe Camarão, com 1.108 empresas, e 14,30%;
Quintas, com 1.087, e 14,03%; N S de Nazaré, com 1.061, e 13,70%; e, ainda,
nesse grupo de maior evidência de empresas de serviços, Dixp-Sept Rosado, com
929, correspondendo a 11,99% do total das empresas prestadoras de serviços na
R.A. Oeste. Esse se apresenta como o grupo de maior evidência dos serviços na
referida região. Mas não há como destacar um bairro, e designá-lo com evidência de
centralidade de natureza voltada aos serviços, face a essa regular distribuição,
embora discrepante em relação ao bairro Guarapes. Certamente, são serviços mais
voltados para o atendimento imediato das demandas locais.
Encerrando essa análise referente à distribuição dos serviços por bairros, e
segundo as regiões de Natal, ao observarmos os Gráficos 03 e 04, referentes,
respectivamente, às R.A. Sul e Leste, vemos que diversos bairros apresentam uma
forte evidência da ocorrência de empresas de serviços; já no Gráfico 05, referente à
R.A. Norte, apenas o bairro Potengi apresenta essa evidência, por ser o mais
dinâmico dentre os bairros da região; enquanto que o Gráfico 06, correspondente à
R.A. Oeste, apresenta uma regularidade na ocorrência do número de empresas de
serviços entre diversos bairros, não havendo um ou outro bairro evidente.
Quanto à distribuição das empresas comerciais, os dados apresentados na
Tabela 07 e no Gráfico 07 mostram um destaque para as Regiões Administrativas
Leste e Sul, embora se faça presente de forma significativa também nas outras
regiões administrativas, ou seja, nas R.A. Norte e Oeste também. Convém destacar
que essas duas últimas regiões citadas, além de serem áreas de ocupação recente,
apresentam-se como aquelas ocupadas por população de baixa renda em Natal.
218
Tabela 07 – Comércio por região administrativa de Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA NÚMERO DE EMPRESAS
Leste 7.571
Sul 6.417
Norte 3.685
Oeste 3.098
TOTAL 20.771
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 07 – Comércio por região administrativa de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Conforme demonstram os dados constantes na Tabela 07 e no Gráfico 07,
são as Regiões Administrativas Leste e Sul que se destacam nas atividades
comerciais, concentrando, respectivamente, 7.571 e 6.417 desse ramo de atividade,
o que corresponde, em número relativo de empresas a 36,45% para a R.A. Leste e a
30,89% para a R.A. Sul, de um total de 20.771 empresas comerciais registradas em
Natal, junto à Secretaria Municipal de Tributação. Essas informações evidenciam
que a centralidade urbana de natureza comercial em Natal se conforma,
principalmente, entre as R.A. Leste e Sul.
Importante ressaltar quanto à R.A. Leste, que ela abrange o Núcleo do
Centro Histórico de Natal, tendo ocorrido nela as primeiras expressões de atividades
comerciais na cidade; primeiro, no bairro da Ribeira; seguindo-se nos bairros Cidade
Alta e Alecrim, conforme expusemos na seção três desse trabalho. Dessa forma, a
atividade comercial contribui para a preservação da centralidade urbana própria do
Núcleo do Centro Histórico de Natal, apesar da expansão do varejo moderno desde
a década de 1980, no sentido sul de Natal.
Já quanto à R.A. Sul, por sua segunda posição em relação à distribuição
global das empresas de comércio em Natal, tal fato se observa por ser a região para
219
a qual se dirigiu o processo de expansão do terciário moderno na cidade, haja vista
concentrar de modo proeminente as novas centralidades que vêm se conformando
em Natal, desde a década de 1980, no sentido desta região administrativa.
Grosso modo, as demais regiões administrativas – a Norte e a Oeste –
figuram, nessa distribuição das atividades comerciais na cidade do Natal, com uma
média percentual em torno de 50% em relação às duas primeiras regiões
analisadas, concentrando a R. A. Norte 3.685 empresas, representando 17,74% de
um total de 20.771 de empresas de comércio da cidade; e a R.A. Oeste com 3.098,
correspondendo a 14,92%, desse mesmo total de empresas comerciais instaladas
em Natal. Desse modo, as R.A. Norte e Oeste, se comparadas às R.A. Leste e
Oeste, apresentam pouca expressividade no conjunto das atividades comerciais na
Cidade do Natal.
Entretanto, é importante destacar que as referidas regiões atendem à
demanda do seu entorno imediato. A R.A. Norte, por exemplo, é considerada por
Paula (2010) como um subcentro do comércio varejista moderno em Natal,
aparecendo também em destaque na imprensa local, ao serem veiculadas notícias
referentes à abertura ou fechamento do comércio de rua em Natal, quando são
citados locais como o Alecrim, a Cidade Alta, os shopping centers e a "Zona Norte”.
Isto porque, ao Alecrim e à Cidade Alta corresponde o comércio tradicional de Natal,
aquele já consagrado ao longo da história da cidade; já às R.A. Sul e Norte,
correspondem as novas centralidades de comércio na cidade.
Essas foram expressões da distribuição das empresas de comércio entre as
regiões administrativas de Natal, de uma forma global dessa atividade. Mas
entendemos que também devemos considerar a sua divisão enquanto comércio
atacadista e comércio varejista, o que será exposto nas Tabelas 08 e 09, e Gráficos
08 e 09, agrupados no Quadro 04, com o objetivo de facilitar a comparação.
220
QUADRO 04 – Comércio atacadista e varejista por região administrativa em Natal
Tabela 08 – Comércio atacadista por
região administrativa em Natal
Tabela 09 – Comércio varejista por região
administrativa em Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA
NÚMERO DE EMPRESAS
Leste 429
Sul 347
Oeste 221
Norte 119
TOTAL 1.116
REGIÃO ADMINISTRATIVA
NÚMERO DE EMPRESAS
Leste 7.142
Sul 6.070
Norte 3.566
Oeste 2.877
TOTAL 19.655
Gráfico 08 – Comércio atacadista por
região administrativa em Natal
Gráfico 09 – Comércio varejista por região
administrativa em Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Ao considerarmos os dados expostos no Quadro 04, a concentração da
atividade comercial, seja do tipo atacadista, seja varejista, persiste nas R.A. Leste e
Sul, mantendo a mesma distribuição dos dados globais, em que a R.A. Leste figura
em primeiro, e a Sul em segundo lugar na atividade comercial em Natal. Enquanto
que entre as demais regiões administrativas – Norte e Oeste –, a mesma distribuição
global das atividades de comércio que fora verificada em Natal não se repete.
Quando comparamos os números relativos de empresas de comércio entre
as referidas regiões, identificamos destaque para a R.A. Oeste, com 19,80% das
empresas de comércio atacadista (Gráfico 08), de um total de 1.116 empresas em
Natal, em relação à R.A. Norte, com 10,66% dessas empresas (Gráfico 08), o que
resulta numa diferença percentual de 9,14% a mais para a R.A. Oeste.
Já no que se refere ao comércio varejista, ambas as regiões administrativas
em discussão apresentam pouca diferença percentual, a qual é de apenas 3,50%,
visto que a R.A. Norte apresenta um sutil destaque, por concentrar 18,14% do total
221
das empresas de comércio varejista em Natal, enquanto que a R.A. Oeste concentra
14,64% desse total. Essa tênue semelhança do número de empresas de comércio
varejista entre as referidas regiões indica a ocorrência do comércio voltado para o
atendimento às necessidades mais imediatas da sociedade, portanto, mais
circunscritas à sua própria região. Essa constatação se confirma com o dado que
indicamos na seção três, de que 40% dos deslocamentos feitos por transporte
coletivos com origem na R.A. Norte limitam-se à própria região (OLIVEIRA, 2016,
informação verbal).
Para a exposição e discussão das evidências da centralidade urbana, tendo
como foco a ocorrência da distribuição das empresas de comércio entre os bairros,
em cada uma das regiões administrativas da Cidade do Natal, faremos de acordo
com a sequência com que a atividade comercial adquire importância entre as
referidas regiões, que são: Leste, Sul, Norte e Oeste.
Na R.A. Leste, as empresas de comércio adquirem a seguinte distribuição
entre os bairros, conforme Tabela 10 e Gráfico 10, a seguir.
Tabela 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal
BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Alecrim 2.850 37,64%
Cidade Alta 1.355 17,90%
Tirol 1.084 14,32%
Petrópolis 675 8,92%
Lagoa Seca 515 6,80%
Ribeira 268 3,54%
Barro Vermelho 263 3,47%
Rocas 190 2,51%
Praia do Meio 181 2,39%
Mãe Luiza 70 0,92%
Areia Preta 67 0,88%
Santos Reis 53 0,70%
TOTAL 7.571 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
222
Gráfico 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Dentre os bairros integrantes da região em tela, três se destacam: Alecrim,
Cidade Alta e Tirol, quanto à concentração de empresas de comércio. Mas a
evidência da centralidade comercial na Cidade do Natal recai sobre o bairro do
Alecrim, o qual apresenta 2.850 empresas comerciais, correspondendo a 37,64% do
total desse ramo de atividade, que é de 7.571 na R.A. Leste (Tabela 10). A evidência
pode ser ainda constatada ao cotejarmos o Gráfico 10, no qual a ocorrência do
bairro do Alecrim se faz visível em relação aos demais.
Outros dois bairros que podemos ainda considerar como detentor de
evidências de centralidade comercial na região em tela são a Cidade Alta, com 1.355
empresas, 17,90% do total; e Tirol, com 1.084, correspondendo a 14,32% das
empresas comerciais na região. A Cidade Alta, apresentando-se em segundo lugar
como bairro comercial nessa região, reafirma a sua condição de centro comercial
desde os primórdios de formação do espaço urbano de Natal, contrariando
proposições acerca de uma possível degradação do “Centro de Natal”, como
aventaram Nascimento (2003) e Mazda (2016).
Enquanto que Tirol pode ter sua condição de figurar em terceiro lugar como
bairro comercial na R.A. Leste por alguns fatores, como: ser nele que se inicia a
conformação do Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas Avenidas Hermes da
Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire; por ser o segundo bairro, nessa mesma
região, quanto à concentração de serviços, o que gera uma gama de atividades
comerciais associadas a tais serviços, principalmente, os serviços médicos,
conforme apontou Tavares (2010); e, por fim, por ser nesse bairro, no qual se
localiza o maior shopping center de Natal e do RN, que é o Midway Mall, contando
com mais de 300 lojas comerciais (PESQUISA DE CAMPO, 2016).
223
Interessante notarmos que, ao considerarmos a centralidade urbana de
natureza comercial na atualidade, dentre aqueles bairros constituintes do que
denominamos de Núcleo do Centro Histórico de Natal, para o qual consideramos
tanto a natureza histórica quanto a comercial, persistem apenas o Alecrim e a
Cidade Alta; a Ribeira já não mais se evidencia como centralidade comercial, mesmo
porque perdeu essa condição de centralidade desde quando emergiram enquanto
tais o Alecrim e a Cidade Alta, por ocasião do contexto pós Segunda Guerra
Mundial. Nesse contexto, é que surgiu uma nova centralidade comercial sob a forma
de bairro, na R.A. Leste, que é Tirol, reafirmando a tendência da expansão das
atividades terciárias modernas no sentido sul de Natal.
Para a R.A. Sul de Natal, a distribuição das empresas de comércio se
apresenta conforme os dados dispostos na Tabela 11 e no Gráfico 11.
Tabela 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal
BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Lagoa Nova 2.243 34,95%
Capim Macio 1.109 17,28%
Ponta Negra 985 15,35%
Candelária 848 13,21%
Neópolis 531 8,27%
Pitimbu 467 7,28%
Nova Descoberta 234 3,65%
TOTAL 6.417 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Ao analisarmos os dados constantes na Tabela 11, em números absolutos e
224
relativos de empresas de comércio na R.A. Sul de Natal, uma evidência se faz
perceber: o bairro Lagoa Nova pode ser considerado a centralidade comercial por
excelência da região em tela. Isto porque, concentrando 2.243 empresas de
natureza comercial, o que corresponde a 34,95% da atividade comercial da região,
cujo número total é de 6.417 empresas, o referido bairro detém mais que o dobro de
empresas em relação ao bairro que se apresenta em segundo lugar na região, que é
Capim Macio, com 1.109 empresas, e 17,28% do total.
É importante ponderarmos alguns fatores que concorrem para que o bairro
Lagoa Nova se configure com essa evidência comercial na R.A. Leste: é neste bairro
que se conforma parte o “corredor dos shopping centers”, concentrando assim um
grande número de empresas comerciais em cada um dos shopping centers
instalados no referido corredor; a exemplo dos bairros Tirol e Petrópolis, concentra
uma diversidade de serviços privados de saúde, inclusive, grandes hospitais, razão
pela qual um grande número de firmas comerciais se congregam em torno desse
serviço; é margeado pelo Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas Avenidas
Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, o qual abrange em seu entorno
uma gama de atividades comerciais; e ainda, concentra, desde o início do processo
de expansão do varejo moderno em Natal, uma diversidade de hipermercados e
outras estruturas comerciais de ampla superfície, as quais também abrigam em seu
interior uma diversidade de pequenas firmas comerciais.
Dessa forma, o bairro Lagoa Nova se apresenta, na R.A. Sul, como
importante evidência de centralidade urbana de natureza comercial na Cidade do
Natal, sendo também no sentido dessa área sul da cidade para onde se expandem
as novas centralidades de natureza comercial.
Enquanto que o bairro Capim Macio, figurando em segundo lugar em
importância comercial, ao considerarmos o número de empresas comerciais, sua
evidência se faz perceber em função da conformação da Avenida Engenheiro
Roberto Freire, parte integrante do Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas
Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire. A referida avenida tem
sua importância comercial graças à atividade turística da cidade, concentrando uma
diversidade de empresas de hospedagem, de lazer e de gastronomia; há também
uma diversidade de shopping centers, os quais já citamos na seção três desse
trabalho, instalados no trecho final do “corredor dos shopping centers”; diversas lojas
de eletroeletrônicos, lojas essas de grande porte; hipermercados; lojas de material
225
de construção e interiores, dentre outras firmas comerciais.
Há que considerarmos ainda os bairros Ponta Negra, com 985 firmas
comerciais, correspondendo a 15,35% do total na R.A. Sul, que é em número de
6.417; e o bairro Candelária, com 848 firmas, e 13,21% desse total. A exemplo dos
dois primeiros bairros em destaque na região em discussão, ambos os bairros tem
sua atividade comercial baseada na concentração de shopping centers, mesmo
porque é ainda nesses dois bairros que também se conforma o “corredor dos
shopping centers”; ou pela presença de hipermercados. Ademais, Ponta Negra,
como já apontamos em diversos trechos desse trabalho, é o bairro por excelência da
atividade turística em Natal, o que suscita a formação de centralidades urbanas de
natureza tanto com foco nos serviços quanto no comércio.
Assim, ao observamos os dados constantes na Tabela 11 e no Gráfico 11,
quatro são os bairros que apresentam evidências de centralidade de natureza
comercial na R.A. Sul de Natal: Lagoa Nova, Capim Macio, Candelária e Ponta
Negra.
A distribuição das empresas de comércio pela R.A. Norte adquire a seguinte
configuração entre seus bairros constituintes, conforme dados expostos na Tabela
12 e no Gráfico 12.
Tabela 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal
BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Potengi 1.205 32,70%
N S da Apresentação 676 18,34%
Igapó 600 16,28%
Pajuçara 559 15,17%
Lagoa Azul 468 12,70%
Redinha 177 4,80%
Salinas 0 0,00%
SUBTOTAL 3.685 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
226
Gráfico 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Dentre os bairros da R.A. Norte, o Potengi se evidencia como centralidade
comercial, porque apresenta maior concentração de empresas comerciais, em
número de 1.205 empresas, correspondendo a 32,70%, de um total de 3.685
empresas instaladas nessa região. A exemplo de sua evidência na concentração
também dos serviços, reafirma-se o seu dinamismo econômico frente aos demais
bairros da R.A. Norte.
Ao observamos o Gráfico 12, constatamos um quase alinhamento entre os
bairros N S da Apresentação, com 676 empresas, e 18,34% do total destas na R. A.
Norte; Igapó, com 600 empresas, correspondendo a 16,28%; Pajuçara, com 559
empresas comerciais, e 15,17% do total; e Lagoa Azul, com 468, e 12,70% do total
de empresas comerciais na região em tela, que é em número de 3.685.
Essa regular distribuição do número de empresas entre a maioria dos bairros
da R.A. Norte, em discrepância em relação ao bairro Potengi, reforça mais uma vez
que a evidência da centralidade comercial, na R.A. Norte, faz-se perceber no bairro
Potengi.
Tal constatação nos impele a considerar o que defendeu Paula (2010) a
respeito da expansão do varejo moderno em Natal. A referida autora considera essa
avenida à qual denominamos, nesse trabalho, como Eixo Dinamizador do Terciário,
formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, como importante eixo de
concentração das atividades terciárias na Cidade do Natal, que somado a outras
áreas de menor expressão, as quais estão dispostas no interior dos bairros da R.A.
Norte, fazem dessa região um subcentro comercial em Natal, conformando-se como
uma nova centralidade urbana, para onde se expandem novas dinâmicas da
economia terciária da cidade.
227
As empresas comerciais, na R.A. Oeste, apresentam a seguinte distribuição
entre os bairros dessa região, conforme os dados expostos na Tabela 13 e no
Gráfico 13, a seguir.
Tabela 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal
BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO
Quintas 507 16,37%
Cidade da Esperança 483 15,59%
Dix-Sept Rosado 477 15,40%
N S de Nazaré 465 15,01%
Felipe Camarão 374 12,07%
Planalto 315 10,17%
Bom Pastor 203 6,55%
Cidade Nova 131 4,23%
Nordeste 120 3,87%
Guarapes 23 0,74%
TOTAL 3.098 100,00%
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Gráfico 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal
FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016
Os dados dispostos na Tabela 13 indicam certa regularidade na distribuição
das empresas comerciais entre os bairros da R.A. Oeste, não havendo um ou outro
bairro que se evidencie enquanto centralidade comercial. Há, sim, quatro bairros que
se destacam frente aos demais, formando um primeiro grupo na distribuição das
empresas de comércio. São eles: Quintas, que apresenta 507 firmas registradas,
228
correspondendo a 16,37% do total na região, que é de 3.098; Cidade da Esperança,
com 483 empresas, e 15,59% desse total; Dix-Sept Rosado, com 477 empresas
comerciais, e 15,40% do total delas na região; e N S de Nazaré, com 465 empresas
comerciais, o que corresponde a 15,01% do total de empresas dessa natureza.
Um segundo grupo de bairros que concentram empresas comerciais na R.A.
Oeste pode ser identificado ao cotejarmos os seguintes dados: Felipe Camarão, com
374 empresas, correspondendo a 12,07% do total delas; e Planalto, com 315, e
10,17% do total de empresas comerciais na região em tela.
Ao observarmos o Gráfico 13, identificamos uma regular distribuição das
empresas comerciais entre os bairros da R.A. Oeste, o que não nos autoriza a
apontar bairros detentores de evidências de centralidade comercial, tendo por base
a concentração do número de firmas comerciais.
Dessa forma, a exemplo da distribuição das empresas de serviços entre os
bairros dessa região, podemos afirmar que há uma regular distribuição, o que aponta
que a atividade comercial praticada nesses bairros se volta para mais para atender a
demanda local, haja vista não haver um bairro que apresente evidência enquanto
centro de comércio e de serviços.
Ao finalizar a exposição e discussão da distribuição das empresas de
economia terciária entre os bairros das regiões administrativas de Natal, podemos
indicar como detentoras de evidência de centralidade urbana de natureza comercial
as R.A. Leste e Sul, nessa ordem de importância; enquanto que para a centralidade
urbana de natureza voltada para os serviços a evidência se faz, em primeiro lugar,
em relação à R.A. Sul, seguindo-se da R.A. Leste.
No conjunto das atividades terciárias na Cidade do Natal, são estas duas
regiões administrativas que mais apresentam evidências de centralidade urbana. E,
dentre essas duas regiões, destacam-se os bairros Alecrim, Cidade Alta, Tirol e
Lagoa Nova, enquanto bairros mais expressivos de centralidade urbana, seja ela
focada nos serviços, seja no comércio.
Ainda nas duas regiões em discussão, há que destacarmos o “corredor dos
shopping centers”, que se estende desde o bairro Tirol, até o bairro Ponta Negra, o
qual é influenciado pelo Eixo Dinamizador do Terciário (EDT), formado pelas
Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, que fomenta uma gama
de outras centralidades urbanas de natureza voltada às atividades terciárias,
abrangendo os bairros do seu entorno, os quais se integram a esse EDT de modo
229
transversal.
Por fim, uma evidência de centralidade urbana de natureza comercial e de
serviços se faz perceber na R.A. Norte, e a mesma se conforma no Eixo
Dinamizador do Terciário, formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, no
bairro Potengi, o qual dinamiza outros eixos de menor expressividade econômica na
região em tela, mas que contribui para a afirmação da mesma como uma área para
onde se expandem novas centralidades urbanas de natureza terciária.
Mas a centralidade urbana não se expressa somente por sua natureza
econômica, pela exposição de dados do comércio e dos serviços. Há uma
diversidade de formas de expressão segundo as quais podemos apreender a
centralidade urbana, a depender dos rumos que tomam a pesquisa. É o que
tentaremos explicitar os na subseção que segue.
4.2 Meandros da centralidade urbana como proposta metodológica
A propósito do termo de abertura desta subseção, entendemos que a
construção de um caminho de leitura da centralidade urbana se faz de forma
sinuosa, tendo que contornar diversas acepções de centralidade, cada uma
emanada, principalmente, do conteúdo que lhe é gerador. Desta forma, estarão, ao
longo do “caminho” de leitura da centralidade urbana, conteúdos como: o histórico, o
cultural, o simbólico, o ideológico e o econômico.
Dentre estes conteúdos, as práticas mais comuns de apreensão da
centralidade urbana sempre focam o histórico ou o econômico. E assim, ao serem
estudados os centros históricos das cidades, como área de interesse de arquitetos e
urbanistas ou geógrafos preocupados com a geografia histórica, o conteúdo histórico
da centralidade urbana define sua dimensão de abordagem; enquanto que as
centralidades de conteúdo econômico definem a dimensão econômica das
centralidades que se conformam nos espaços urbanos, preocupação mais comum
aos geógrafos em geral, ao terem como foco a produção do espaço.
Mas, quase sempre, senão o histórico ou o econômico, outros conteúdos
são negligenciados no estudo da centralidade urbana. E como sabemos, o meio
urbano é formado por uma diversidade, não por uma homogeneidade em seus
conteúdos, razão pela qual defendemos que a natureza da centralidade urbana há
230
que ser apreendida em sua forma diversa, em seus conteúdos, processos e formas.
Ao revisitarmos as origens da temática centralidade urbana, admitiremos ser
ela emanada de uma teoria de base econômica, formulada por Christaller, em 1933
(CHRISTALLER, 1981). Mas, desde então, incontáveis foram as discussões em
torno das proposições defendidas por esse pensador, algumas contra, outras a
favor.
No Brasil, como já anunciamos, duas vozes principais a respeito da tão
propalada “Teoria de Christaller” ou Teoria das Localidades Centrais se fizeram
ecoar do pensamento de Santos (2008; 2003); e Corrêa (1997; 2005), ambos os
autores propondo de forma consoante uma revisão à referida teoria, ao que
concordamos, e tentamos, nesse trabalho, empreender esse desafio.
Entendemos que tal desafio consiste em ir além do econômico,
empreendendo uma leitura de centralidade urbana para além de dados de comércio
e de serviços, buscando apreender o espaço urbano segundo as suas mais diversas
possibilidades de práticas espaciais. Dessa forma, apreendemos o espaço urbano
em sua dinâmica, segundo lapsos de tempo que se descortinam ao nosso olhar,
revelando que as centralidades mudam conforme esses lapsos de tempo, porque os
sujeitos da prática espacial mudam, conforme ponderou Sposito (2010; 2013).
Consiste também em ir além do histórico, porque esse histórico, quase sempre
estabelecido por instituições de preservação do patrimônio histórico, como o IPHAN,
o qual se preocupa tão somente com as fachadas, ou, em seu dizer, com o “conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico” (PESQUISA DE CAMPO, 2016).
E mesmo essa dimensão histórica da centralidade, estabelecida com base
numa fachada arquitetônica, aparentemente inerte, apresenta-se ao nosso olhar
como uma forma prenhe de um conteúdo histórico capaz de atrair fluxos e de gerar
processos de visitação, os quais são dinâmicos, e, por sua vez, terminam por
dinamizar a economia da cidade, sob a forma de atividade turística ou de turismo
pedagógico/aula de campo, o que dinamiza o comércio e os serviços em dadas
áreas da cidade.
Assim, vemos que basta colocarmos em diálogo apenas dois dos conteúdos
da centralidade urbana, quais sejam, o histórico e o econômico, para percebermos
que há uma sinuosidade entre os caminhos de leitura da temática, ou seja, que a
mesma não há que ser empreendida apenas por uma via, sob pena de empobrecer
a riqueza de conteúdos que geram a centralidade urbana. Defendemos que há, sim,
231
um entrecruzamento dos conteúdos produzidos e apropriados no espaço urbano, os
quais geram centralidades urbanas que se conformam e se expressam sob diversas
formas, gerando contínuos processos de produção do espaço.
Dentre os diversos conteúdos que concorrem para definir a natureza da
centralidade urbana, como o histórico, o cultural, o simbólico, o ideológico e o
econômico, em algum momento da análise, um ou outro se sobressai, como
optamos por desenvolver na subseção anterior, a qual está centrada na centralidade
de natureza econômica na Cidade do Natal. Mas a opção de quem analisa não pode
esmaecer os outros conteúdos constituintes da centralidade, porque nem sempre ela
se conforma em função apenas de um conteúdo.
Podemos esclarecer essa postura com o seguinte argumento: a propósito
das centralidades de natureza econômica, por exemplo, os bens comercializados
são de natureza diversa. Não são apenas mercadorias tangíveis à reprodução da
vida biológica que definem as centralidades. Alguns fatores são materiais, mas há
também os imateriais, como os preços, que também concorrem para definição de
centralidades. Um exemplo evidente em Natal se configura no Shopping Center
Midway Mall, cujos preços dos bens oferecidos nas lojas aumentam conforme o nível
dos pavimentos, estando as lojas mais populares no primeiro pavimento; as lojas
medianas no segundo pavimento; enquanto que as lojas de bens sofisticados e
preços elevados estão instaladas no terceiro pavimento. Essa condição dos preços
dos bens comercializados termina por gerar centralidades com públicos diversos ao
longo do dia e entre os dias da semana, conforme observou Sposito (2013). Assim,
até mesmo os preços segundo os quais os produtos são oferecidos são uma
representação, uma imaterialidade que também pode concorrer para gerar
centralidade. E apesar de a categoria valor não ser nosso foco de discussão,
trouxemos à tona essa realidade, para evidenciar mais essa expressão da
centralidade.
Assim, basta estabelecermos um ângulo de visão a partir do qual
analisaremos uma centralidade urbana, e um leque de possibilidades se descortina
ao nosso pensamento, porque sabemos que, no meio urbano, os sujeitos que
interagem nas práticas espaciais não estão enclausurados, ora como consumidores
de mercadorias, ora como agentes políticos, ora como gestores. Antes, são cidadãos
que estabelecem relações entre si, e face ao Estado; relações de contínua produção
do espaço, um espaço diverso, heterogêneo, razão pela qual apreendemos, nesse
232
meio, centralidades urbanas de natureza diversa.
Essa postura a respeito da centralidade urbana, de ser apreendida em sua
forma diversa, já era por nós formulada enquanto antecipação metodológica, ao
empreendermos o trabalho em tela, e pudemos constatar ao desenvolvermos a
pesquisa de campo, e estabelecermos diálogo junto a diversos gestores da
municipalidade natalense e a alguns líderes de organizações da sociedade. Dessa
forma, os resultados ora apresentados vêm calhar, indicando que o título dessa
subseção se faz oportuno, e uma metáfora aos rumos empreendidos na pesquisa de
campo.
A análise do discurso desses gestores ou líderes nos dá conta de quais, e
até mesmo quantos “centros” a Cidade do Natal apresenta, e que esse discurso
representa um pensamento, que termina por influenciar um modo de agir e de gerir o
espaço urbano natalense. Mais ainda: que os referidos “centros” que se evidenciam
em Natal não emanam tão somente da municipalidade e dos líderes de
organizações sociais, antes, são também formas de expressão-apropriação do
espaço por parte do cidadão natalense, as quais são acolhidas e consagradas
enquanto centralidades urbanas, ao serem aceitas e publicizadas. Os resultados
obtidos por esses meandros trilhados em nossa pesquisa serão a partir de então
objeto da nossa exposição e análise.
Para o IPHAN, o “Centro Histórico de Natal” abrange parte dos bairros
Cidade Alta, Ribeira e Rocas, cujo mapa foi apresentado na seção dois desse
trabalho. Para o estabelecimento desse centro histórico concorrem aspectos
atinentes ao “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”, que guarda a
memória e a cultura da cidade, facultando-nos a definir essa área como detentora de
centralidade de natureza histórica (PESQUISA DE CAMPO, 2016; COSTA, 2016,
informação verbal).
Outras áreas de Natal podem expressar centralidades de natureza histórica,
mas é o IPHAN quem tem autoridade para delimitar o centro histórico de uma
cidade. É o caso de Igapó, por exemplo, bairro da R.A. Norte, conhecido desde o
processo de colonização como “Aldeia Velha” (ARAÚJO, 2004b). Mas o diálogo
estabelecido com o ente primaz da temática em foco, que é a centralidade de
natureza histórica, orienta-nos a admitir o que estabelece o IPHAN, observando o
“Centro Histórico de Natal” circunscrito aos bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas.
Seguindo essa orientação, a Fundação Cultural Capitania das Artes, em
233
parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo da Prefeitura
Municipal do Natal, estabeleceu o “Corredor Cultural” (NATAL..., 2008a), o qual se
estende desde o bairro Cidade Alta até a Ribeira, contemplando quase toda a área
estabelecida como “Centro Histórico de Natal” pelo IPHAN. Nesse corredor cultural,
desenvolvem-se atividades, como a visitação turística, roteiros pedagógicos,
caminhadas que rememoram a história da cidade, aulas de fotografia, entre outros.
Assim, uma vez estabelecido o centro histórico pelo IPHAN, principalmente, os
bairros Cidade Alta e Ribeira se configuram como centralidades históricas na Cidade
do Natal.
O diálogo com a Secretaria de Cultura e Arte de Natal revelou outras formas
de apreensão da centralidade urbana em Natal, as quais são estabelecidas não
segundo critérios acadêmicos, mas de modo pragmático, porque pela ação dos
gestores públicos. Segundo a visão do Secretário Executivo, Lenilton Teixeira,
central é o lugar dotado de capacidade técnica para comportar grande público,
enquanto “espaço agregador” – no dizer do citado secretário –, haja vista a referida
secretaria trabalhar com eventos culturais, exposições, shows, feiras de livros e
festas comemorativas (TEIXEIRA, 2016, informação verbal).
De acordo com a visão desta secretaria, as centralidades se conformam nos
locais onde estiverem ocorrendo, num dado lapso de tempo, eventos como: o
Festival Literário de Natal (FLIN), que ocorre no Largo do Teatro Alberto Maranhão,
na Ribeira; os festejos juninos, que buscam abranger as quatro regiões
administrativas da cidade; o Natal e o Reveillon, cujos festejos ocorrem nos polos
Redinha e Ponta Negra; e ainda o Carnaval, que ocorre em seis “Polos
Multiculturais”, que são: Polo Ponta Negra, Polo Petrópolis, Polo Redinha, Polo
Centro Histórico, Polo Redinha e Polo Rocas (PESQUISA DE CAMPO, 2016).
Teixeira (2016, informação verbal) aponta como alguns dos “espaços
agregadores” ou centros nos quais se desenvolvem atividades culturais: na R.A. Sul,
o Estádio Arena das Dunas e o seu largo, no bairro Lagoa Nova; na R.A. Norte, o
Ginásio Nélio Dias e o seu largo, no bairro Lagoa Azul; e ainda, o Espaço “Chico
Miséria”, na Área de Lazer do Panatis; na R.A. Leste, no bairro Cidade Alta, o
perímetro entre o Beco da Lama e a Prefeitura Municipal do Natal, ao qual chama de
“centro histórico” cultural; no bairro das Rocas, o largo do Mercado Público Francisca
Barros de Morais ou Mercado das Rocas, à margem da Avenida Duque de Caxias,
onde ocorre o desfile do carnaval; e, por fim, o Largo do Atheneu, no bairro
234
Petrópolis. Esses são alguns exemplos de centros, do ponto de vista da Secretaria
de Cultura e Arte de Natal, nos quais a referida secretaria distribui seus eventos.
Da entrevista realizada junto ao Secretário Executivo da Secretaria de
Cultura e Arte de Natal, ficou claro que há uma preocupação em distribuir os eventos
pelas quatro regiões administrativas da cidade. Mas, para que isso ocorra, a forma,
que detém a condição “capacidade técnica” exigida para realização de eventos, e
que faz de certo lugar um “espaço agregador”, é quem define o que é e o que não é
centro para a referida secretaria. Ou seja, é a forma quem define os conteúdos dos
possíveis centros culturais em Natal. E, uma vez definidos os centros para os quais
são direcionados os eventos, aí sim, os conteúdos passam a ter um caráter definidor
da centralidade daqueles centros, porque se faz o motivo de atração do público ao
qual determinados eventos se destinam, alguns dos quais a toda a sociedade
natalense, como algumas festas universais.
A postura da Secretaria de Turismo de Natal com relação à definição de
centro assemelha-se à da Secretaria de Cultura e Arte, porque também concebe
“centro” como área com capacidade técnica para comportar grande público,
chamando-os igualmente de “Polos Multiculturais”. E assim, distribui suas atividades
nesses polos, o que se faz de modo semelhante entre ambas as secretarias,
algumas vezes, em trabalho consorciado (MARINHO, 2016, informação verbal33).
A essa concepção de centro, que tem por base a capacidade técnica, a
Secretaria de Turismo de Natal acrescenta um critério: a valorização de espaços
relacionados a cenários culturais e polos turísticos. Dessa forma, em torno dos
mesmos “Polos Multiculturais” elencados para Secretaria de Cultura e Arte, e dos
cenários culturais e turísticos de Natal, a Secretaria de Turismo de Natal desenvolve
suas atividades entre dezembro e janeiro de cada ano, tendo como objetivo o
incremento ao turismo, lazer, esporte e entretenimento na cidade (MARINHO, 2016,
informação verbal). Além dos eventos promovidos pela Secretaria de Cultura e Arte,
em prol dos quais a Secretaria de Turismo também trabalha, destaca ainda: o “Natal
em Natal”, que ocorre no Largo da Arena das Dunas; feiras nacionais, regionais e
internacionais, como a Feira Internacional do Artesanato (FIART), que acontece no
Centro de Convenções, na Via Costeira; o Festival Gastronômico, que ocorre no
Largo da Arena das Dunas; e a Festa de Santos Reis, no bairro das Rocas.
33
Entrevista concedida por Daniel Marinho, Diretor de Projetos, da Secretaria de Cultura e Arte de Natal, em 25/02/2016.
235
Em seu Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
(PDITS), a Secretaria Municipal de Turismo indica os bairros centrais para o turismo
em Natal, por apresentarem maior oferta de produtos e atrativos turísticos, conforme
o Quadro 05, a seguir.
QUADRO 05 – Bairros centrais para o turismo em Natal
REGIÃO ADMINISTRATIVA BAIRROS
Leste Santos Reis, Rocas, Praia do Meio, Areia Preta, Mãe Luiza, Ribeira e Cidade Alta;
Norte Redinha;
Sul Ponta Negra;
Via Costeira/diversos bairros Parque das Dunas.
FONTE: NATAL..., 2013, p. 25; Pesquisa de Campo, 2016
Dentre os bairros indicados no Quadro 05, como detentores de atrativos
turísticos em Natal, alguns deles se confundem com aqueles considerados “Polos
Multiculturais”. Dessa forma, esses dados não apenas reafirmam a prática da
definição das centralidades urbanas voltadas para a cultura e o turismo em Natal,
como também revela que não é apenas a capacidade técnica, no sentido de
comportar grande público, que define esses centros, mas também seus atributos,
sejam eles naturais – as praias e o Parque das Dunas; mas também atributos
culturais – o corredor cultural ou a “ginga com tapioca” da praia da Redinha.
Outras áreas centrais da atividade turística em Natal são concebidas e
praticadas sob a forma de “Corredores do Turismo”, os quais estão elencados no
Quadro 06, a seguir, bem como indicados os seus respectivos atributos turísticos.
236
QUADRO 06 – Corredores do turismo em Natal
CORREDORES ATRIBUTOS TURÍSTICOS
CORREDOR 1: Avenida Prudente de Morais Avenida Omar O’Grady Avenida Nilo Peçanha Avenida Presidente Getúlio Vargas
Acesso à “área central da cidade”, às praia urbanas, ao estuário do Rio Potengi e ao Corredor Cultural; pontos de interesse turístico, como: o Estádio Arena das Dunas, o Parque das Dunas e os principais shopping centers de Natal.
CORREDOR 2: BR-101 Avenida Senador Salgado Filho Avenida Hermes da Fonseca Rua Coronel Joaquim Manoel
Shopping centers, supermercados, escolas e
universidades, igrejas, centros de negócios, hospitais e postos de combustível; possibilita o acesso à “área central” da cidade, ao hoteleiro e a pontos de interesse turístico, como o Estádio Arena das Dunas e o Parque das Dunas.
CORREDOR 3: RN-063 (Rota do Sol Sul) Avenida Engenheiro Roberto Freire
Acesso a áreas de grande potencial turístico, como as praias de Cotovelo, Pirangi, Búzios, Tabatinga e Barreta; acesso a Ponta Negra, Capim Macio e à Avenida Senador Salgado Filho.
CORREDOR 4: Avenida Dinarte Mariz (Via Costeira) Avenida Café Filho Ponte Newton Navarro
Principal percurso utilizado pela demanda turística originada da rede hoteleira de Ponta Negra em direção aos pontos turísticos da R.A. Leste e Norte da cidade; liga Ponta Negra à Ponte Newton Navarro; concentra a rede hoteleira da cidade.
CORREDOR 5: BR-226 Avenida Presidente Ranieri Mazzili Travessa Doutor Napoleão Laureano Avenida Felizardo Moura Ponte de Igapó Avenida João Medeiros Filho
Ligas as R.A. Oeste e Norte; acesso ao Aeroporto de São Gonçalo do Amarante.
FONTE: NATAL..., 2013, p. 25; Pesquisa de Campo, 2016
Dentre os “corredores do turismo” em Natal, os quatro primeiros – do 1 ao 4
– estão localizados entre as R.A. Sul e Leste, o que revela que é no sentido dessas
duas regiões administrativas que se processam as atividades turísticas na cidade,
sendo em torno das referidas regiões que se conformam as centralidades de
natureza turística.
Até mesmo ao analisarmos os “atributos turísticos” indicados para cada um
dos referidos corredores, vemos que quanto ao corredor 5, este não se apresenta
senão como via de acesso; diferente dos demais corredores, que apresentam pontos
de visitação turística, porque neles há atrativos naturais ou culturais, bem como a
promoção de eventos.
É importante ainda destacarmos que o “Corredor 4” é considerado o
corredor turístico da cidade por excelência, haja vista corresponder à Via Costeira,
237
que se configurou em importante projeto de implantação e desenvolvimento do
turismo em Natal e no RN (NATAL..., 2013).
Ao compararmos as concepções de centro – ou centros – na Cidade do
Natal por parte da Secretaria de Cultura e Arte e da Secretaria de Turismo, estas
apontam para “Polos Multiculturais”, revelando, mais uma vez, a diversidade
segundo a qual a centralidade se expressa na cidade, a exemplo da centralidade
que também se conforma a partir das atividades de natureza econômica. Ademais,
os eventos promovidos por ambas as secretarias “fomenta uma cadeia produtiva em
torno dos eventos, da qual o poder público municipal tem ainda que zelar; por
exemplo, os ambulantes”, como defende Teixeira (2016, informação verbal).
Aceitando a concepção de centralidade urbana como a capacidade de
alguns lugares em atrair fluxos, e fluxos de pessoas (SPOSITO, 2010), buscamos
diálogo também junto à Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal (SEMOB), com o
objetivo de identificarmos a áreas de maior concentração de fluxos na cidade. Nessa
secretaria, dois departamentos foram consultados: o que trabalha com estudos e
projetos, cuja preocupação se volta para o volume de pessoas transportadas na
cidade, no caso de transportes coletivos; e o que se volta para a engenharia de
trânsito, mais afeito ao volume de veículos em circulação na cidade, preocupado
então com a fluidez e a mobilidade urbana.
Para a SEMOB, a concepção de centro é expressa pelos “polos geradores
de trânsito”, que são: a “Zona Norte”, o Alecrim, a Cidade Alta, o “corredor dos
shopping centers” e a Via Costeira. Esses polos são concebidos a partir do
levantamento da média mensal de passageiros transportados na rede de ônibus em
Natal, principalmente. Dessa forma, é para esses “polos geradores de trânsito” que
se volta a gestão da municipalidade em relação à mobilidade urbana, porque, para
atender à demanda desses polos, precisa de haver fluidez no trânsito e nos
transportes (MAIA; OLIVEIRA, 2016, informação verbal34).
Dessa concepção de centro como “pólo gerador de trânsito”, porque atrai
pessoas, é que resulta o que o Departamento de Engenharia de Trânsito da SEMOB
chama de “Quadrilátero Central de Natal”, definindo-o como o perímetro no qual se
34
Entrevista concedida pela Chefe do Departamento de Estudos e Projetos da SEMOB, Nadja Maia, em 22 de fevereiro de 2016; e pelo Agente de Trânsito, do mesmo departamento, João Paulo de Oliveira, em Natal, em 15 de abril de 2016.
238
concentram os fluxos de trânsito na cidade (SPINOLA, 2016, informação verbal35),
conforme o Mapa 08.
Conforme o Mapa 07
35
Entrevista concedida por Marconi Spinola, Diretor do Departamento de Engenharia de Trânsito da SEMOB, em 27 de janeiro de 2016.
239
MAPA 08 – Quadrilátero Central de Natal
FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: SPINOLA, 2016;
Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7
240
O perímetro estabelecido pela SEMOB como “quadrilátero central de Natal”
abrange parte das R.A. Leste e Sul, regiões detentoras da maior concentração de
empresa de comércio e de serviços, conforme expusemos na subseção anterior. Ao
se apresentar sob a forma de um continuum entre as duas regiões mais dinâmicas
da economia terciária da cidade, reafirma o Núcleo do Centro Histórico de Natal
como lugar central clássico na cidade, reafirmando também que fora no sentido sul
de Natal que as atividades terciárias se expandiram, formando assim novas
centralidades.
Na verdade, o referido “quadrilátero” sintetiza e dialoga, de forma gráfica,
com as mais diversas expressões de centralidade urbana em Natal, e seus
respectivos centros, porque, para ele e por ele, converge a maioria dos fluxos que
dinamizam a vida urbana em Natal, não só internamente ao perímetro desse
“quadrilátero”, mas também no seu entorno.
Tendo apresentado os resultados dos “meandros” trilhados com vistas à
apreensão da natureza da centralidade urbana em Natal, os quais contemplaram,
até o momento, conteúdos que expressam centralidades de natureza histórica,
cultural e econômica, entendemos que ainda falta serem contempladas as
expressões de centralidade urbana de natureza simbólica e ideológica. Para este
fim, lançaremos mão do conhecimento obtido em decorrência da vivência pessoal
com o espaço urbano de Natal, além de alguns resultados obtidos por ocasião da
pesquisa de campo.
A respeito da centralidade urbana de natureza simbólica, ao apreendermos
seus conteúdos voltados às expressões da fé ou da religiosidade, podemos dizer
que o bairro Cidade Alta é o que apresenta maior expressividade dessa natureza de
centralidade. Nesse bairro, estão presentes: a primeira Igreja Protestante no RN,
que data de 1896, figurando como importante marco de mudança do eixo
arquitetônico dos templos de Natal, que até então tinha sua expressão limitada ao
domínio do catolicisimo; o Museu de Arte Sacra, instalado no Convento Santo
Antônio”/Igreja Santo Antônio/Igreja do Galo”; a Praça Padre João Maria, com forte
apelo à religiosidade popular; o Palácio Episcopal, enquanto sede do governo da
Arquidiocese de Natal, juntamente com Cúria, na Catedral Metropolitana de Natal,
instalado desde 1929, sob o governo de Dom Marcolino Dantas, até a atualidade,
com Dom Jaime Vieira Rocha (PESQUISA DE CAMPO, 2016). Essas formas
elencadas, por si só, não definem uma expressão de centralidade urbana de
241
natureza simbólica, antes, o seu conteúdo, o qual atrai público, tanto pela visitação
turística quanto pelas diversas manifestações do sagrado que ocorrem em certos
períodos do ano.
Já quanto à centralidade de natureza ideológica, identificamos como
expressão clássica dessa natureza de centralidade a Praça 7 de Setembro,
localizada no bairro Cidade Alta, a qual se configura como centro ideológico para
onde convergem os fluxos políticos e ideológicos, tendo lugar, na referida praça,
greves, acampamentos e manifestações da sociedade civil.
Mas, a exemplo das centralidades de natureza econômica, um novo “centro
ideológico” vem se conformando na Cidade do Natal. É o caso do continuum que
conforma, em dados momentos, abrangendo parte da Avenida Hermes da Fonseca,
tendo como ponto de concentração o Shopping Center Midway Mall, e parte da
Avenida Senador Salgado Filho, tendo como ponto de concentração o Shopping Via
Direta. Neste centro, ganham lugar as mais expressivas manifestações políticas da
sociedade civil natalense, abrangendo lutas com pautas diversificadas, como: contra
aumento de passagens de transportes coletivos; greves de trabalhadores e
estudantes; manifestações de abrangência estadual e nacional; e ainda,
manifestações pontuais, de expressões ideológicas em torno de temáticas como
violência, segurança, questões de gênero, entre outras.
Esse mais novo centro atesta que tal qual a centralidade urbana de natureza
econômica, também a centralidade de natureza ideológica dirigiu o vetor da sua
expansão – ou dispersão – no sentido sul de Natal. Isto porque o econômico é
composto, além de empresas, de pessoas, tanto as que operam estas empresas
quanto as que consomem os produtos ofertados nestas empresas. E essas pessoas
estão imbuídas de ideias políticas, querendo também expressar-se e apropriar-se do
espaço coletivamente construído. Mas também porque se trata de um espaço que
garante visibilidade ao movimento, bem como favorece a participação da sociedade,
uma vez que se localiza entre importantes corredores de tráfego da cidade,
facilitando também o acesso a um maior número de pessoas.
Entendemos que uma busca razoável para a apreensão da centralidade
urbana de faz sob a forma de “meandros”, a propósito do título desta subseção, face
à diversidade da natureza dessa centralidade, a qual traz em si conteúdos de
natureza histórica, cultural, simbólica, ideológica e econômica. E dentre esses
conteúdos que constituem e expressam a natureza da centralidade urbana, o
242
econômico é proeminente no meio urbano pelo fato de ser o comércio a razão de
ser, a essência da cidade.
Desse modo, ao analisarmos a dinâmica econômica que fomenta a
centralidade urbana, identificamos que junto a essa centralidade de natureza
econômica, as centralidades de demais natureza articulam-se a essa que é
proeminente, a centralidade de natureza econômica. Ou, visto de outro ângulo,
quando analisamos as centralidades de natureza diferente da econômica, esta lá se
faz presente, porque é quem dá vida, dá movimento ao urbano.
Por fim, entre meandros e entrecruzamentos de centralidades urbanas de
natureza diversa, é que propomos a sua apreensão, evitando assim análises
estanques em cada uma, buscando, antes, abarcar a sua dinâmica e totalidade.
243
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao propormos como tese que a natureza da centralidade urbana é diversa,
por estar inserida no contexto da produção do espaço urbano, o qual é constituído
de conteúdos, processos e formas igualmente diversos, e termos empreendido
diálogo com o pensamento de Sposito (2010), ratificamos a tese proposta,
apontando ser a centralidade urbana não apenas de natureza diversa, mas também
multicêntrica. Isto porque, ao enveredarmos pela investigação sobre a gênese e a
evolução da centralidade urbana em Natal, constatamos que a multicentralidade
pôde ser identificada desde a gênese do Núcleo do Centro Histórico, tanto pela
presença de múltiplos centros: a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, quanto porque
estes se desenvolveram, enquanto centralidades urbanas com relações de
complementaridade.
A ampliação da concepção de Centro Histórico de Natal, buscando
compreendê-lo como Núcleo do Centro Histórico de Natal se fez necessária porque
a referida cidade, desde a gênese do seu centro urbano, apresentou uma tendência
à formação de centralidades urbanas complementares, ao que podemos denominar
multicentrismo, configurando assim uma expressão territorial múltipla de
centralidade. E foi, efetivamente, em torno dos três bairros constituintes do Núcleo
do Centro Histórico de Natal – Ribeira, Cidade Alta e Alecrim – que teve início o
processo de formação da centralidade urbana em Natal.
A multicentralidade expressa pela centralidade urbana decorre da sua
natureza diversa porque a mesma, uma vez fomentada por seus conteúdos diversos,
quais sejam: o histórico, o econômico, o cultural, o simbólico e o ideológico, gera
uma gama de centralidades urbanas, que se entrecruzam no espaço urbano, ora
tendo uma, ora tendo outra como proeminente na conformação de um centro ao qual
as pessoas são atraídas pela sua condição de centralidade.
Assim, a natureza da centralidade urbana é diversa, porque decorrente dos
seus conteúdos, processos e formas, os quais também os são no meio urbano. E
para atrair-irradiar fluxos, há que ter como componentes: conteúdos, representados
pelos bens a serem trocados; processos, que dinamizam o centro, expressos pelas
relações, encontros e práticas espaciais; e formas, que comportam os referidos
encontros, ou seja, a forma física, a expressão visível da centralidade urbana, o
centro por excelência.
244
Decorrente do conteúdo que constitui a natureza de cada centralidade, e por
ser o conteúdo a razão precípua da atração de fluxos, é que a mesma se expressa
sob a forma do que denominamos dimensões, as quais podem ser indicadas como:
dimensão histórica, dimensão econômica, dimensão cultural, dimensão simbólica e
dimensão ideológica. Eis por que ratificamos que a natureza da centralidade urbana
é diversa, porque diversos são seus conteúdos, os quais geram centralidades que
se conformam segundo diversas dimensões, havendo, em alguns momentos, até
mesmo um entrecruzamento entre diversas dimensões de centralidade urbana,
numa dada área da cidade.
Dessa forma, a centralidade urbana originada a partir do Núcleo do Centro
Histórico de Natal, tendo por base a economia terciária da referida cidade, realizou
sua dispersão, no decorrer do tempo, para outras áreas da cidade, principalmente
no sentido da R.A. Sul, com a expansão de empresas do varejo moderno, a partir da
década de 1980. Esse processo de dispersão resultou na formação de novas
centralidades, as quais, complementares entre si, configuram-se como
multicentralidades.
Apreendemos a formação de novas centralidades urbanas em Natal como
dispersão em função dos eventos que concorreram para esse fim, que são os
seguintes: uma intensa dinamização das atividades terciárias, a partir da década de
1980, com a implantação de novas estruturas de comércio e de serviços ao longo
dos Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT); a implantação dos shopping centers na
área denominada “corredor dos shoppings centers”; as atividades consorciadas ao
turismo, quais sejam: hospedagem, gastronomia e lazer; a presença dos serviços de
saúde nos bairros Tirol/Petrópolis, os quais se dispersaram as R. A. Norte e Sul da
cidade; e por fim, a consolidação a inserção da R. A. Norte à dinâmica urbana de
Natal, pela expansão e consolidação do varejo moderno na referida região.
Cabe ressaltar outros eventos significativos, ainda a partir da mesma
década. Um desses eventos é o incremento das atividades de hospedagem, lazer e
gastronomia, voltadas ao turismo, com o Projeto Via Costeira, cuja repercussão se
fez ver nas R.A. Leste e Sul. E ainda na década de 1980, também na R.A. Leste,
com empresas especializadas no segmento de serviços privados de saúde, e uma
gama de outras empresas a este segmento consorciadas. Nos últimos anos, os
serviços privados de saúde também passaram a abranger a R.A. Sul. Já no sentido
245
da R.A. Norte, o processo de dispersão da centralidade urbana de Natal se fez notar
a partir da segunda metade dos anos 1990, apresentando-se de forma consolidada
na atualidade, por figurar a referida região administrativa enquanto mais um centro
comercial e de serviços no contexto urbano de Natal.
Decorrente desse processo ao qual denominamos dispersão da centralidade
urbana em Natal é que verificamos, no processo investigativo do presente trabalho,
a formação de novas centralidades, que se conformam ao longo dos Eixos
Dinamizadores do Terciário (EDT), bem como sob a forma de área, em bairros
consorciados, como Tirol/Petrópolis.
O uso da expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDTs) se refere aos
principais corredores viários da Cidade do Natal pelos quais circulam os fluxos de
pessoas, mercadorias, capitais, ideias e informações, os quais dinamizam a vida na
cidade, e geram novas centralidades urbanas. São esses EDTs que dinamizam
outros eixos de menor densidade de fluxos, assim como centralidades urbanas em
forma de área, como os bairros mais expressivos de centralidade. Assim, falar da
centralidade urbana de certas áreas de Natal remete a falar do seu respectivo EDT,
por ser uma cidade eminentemente terciária, e pelo fato dessas áreas serem
dinamizadas pelos fluxos que para elas convergem e delas divergem por meio
desses EDTs.
Os referidos EDTs por nós constatados em Natal se conformam ao longo
das seguintes avenidas: Coronel Estevam, Rio Branco, Duque de Caxias, João
Medeiros Filho, Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire e Prudente de
Morais. Apontar estes EDTs consistiu num esforço de indicar mais adequadamente
nossa apreensão-exposição da natureza centralidade urbana em Natal, porque ao
considerarmos uma área ou bairro como centro, vemos que sua centralidade se
expressa, efetiva e explicitamente, ao longo do seu principal corredor de tráfego,
configurando-se como novas centralidades.
Mas, apesar da formação dessas novas centralidades, constatamos que o
Núcleo do Centro Histórico de Natal perdura, em função dos seus atributos, os quais
ainda fazem de dois dos seus bairros formadores – Cidade Alta e Alecrim – centros
comerciais e de serviços de significativa expressão no contexto urbano de Natal.
Essa realidade reforça a afirmação de que a formação de novas centralidades
urbanas resulta das estratégias de reprodução do capital no espaço urbano, que se
faz pela incorporação de novas áreas.
246
A tendência ao multicentrismo é bem peculiar no espaço urbano de Natal,
desde a sua gênese, apesar de ter-se intensificado nas últimas décadas, quando
não mais podemos apreender apenas um centro, mas centralidades de natureza
diversa, com suas dinâmicas próprias, formadas por seus conteúdos, processos e
formas igualmente diversos, como é próprio do contexto urbano capitalista
contemporâneo.
O curso do processo de dispersão da centralidade urbana, pela própria
condição do espaço urbano capitalista, desenvolve-se sempre à jusante do curso do
processo de acumulação capitalista, sendo a razão da sua existência. Desse modo,
a dispersão e a formação de novas centralidades são identificadas como dois
processos perenes, posto que se inserem e são condição ao processo de
reprodução do capital. Isto porque a produção do espaço urbano se faz no sentido
de abranger todas áreas do território da cidade, buscando então se reproduzir, razão
pela qual novas centralidades são continuamente criadas.
Ao desenvolvermos esse trabalho, “A Natureza da centralidade urbana em
Natal”, deparamo-nos com algumas vozes significativas que versaram sobre a
temática. Tais discussões apontavam sempre para a urgente revisão da Teoria das
Localidades Centrais, de Christaller, em 1933. Empreender esse desafio, consistiu,
ao nosso ver, em ir além do econômico, e apresentar uma leitura de centralidade
urbana diversa, para além de dados de comércio e de serviços, apreendendo o
espaço urbano segundo as suas diversas práticas espaciais. E assim, nossas
discussões se encaminharam em torno da tese da diversidade da natureza da
centralidade, porque resultante da dinâmica do espaço urbano, segundo lapsos de
tempo diferentes, resultando em práticas espaciais e seus respectivos sujeitos
igualmente diversos.
Reafirmamos que a centralidade urbana contemporânea é diversa em sua
essência, uma vez que está inserida num contexto urbano igualmente diverso, em
contínuo processo de conformação, razão pela qual entendemos que demanda
sempre novas leituras, ante a sua renovação constante, expressa pelas novas
centralidades, à baila do processo de produção-reprodução do espaço urbano.
E nesse processo, identificamos um entrecruzamento dos conteúdos
produzidos e apropriados no meio urbano, os quais são a razão da gênese das
centralidades urbanas, as quais se conformam e se expressam em diversas formas,
fomentando contínuos processos de produção do espaço. É então entre meandros e
247
entrecruzamentos de centralidades urbanas diversas, que indicamos como forma
adequada de proceder à sua apreensão, evitando análises estanques, antes,
abrangendo uma análise em sua dinâmica e totalidade.
Pudemos constatar a expressão clara desse entrecruzamento de
centralidades urbanas, em Natal, no perímetro ao qual a SEMOB denomina de
“quadrilátero central de Natal”, que abrange partes das R.A. Leste e Sul, as quais
apresentam a maior concentração de empresas de comércio e de serviços,
conformando-se como um continuum entre as duas regiões mais dinâmicas da
economia terciária da cidade, posto que a dimensão econômica da centralidade é
sempre proeminente. Essa porção do território natalense é assim denominado
porque, pelo referido “quadrilátero” – para ele e por ele – convergem os fluxos que
dinamizam a vida urbana de Natal em quase sua totalidade. O “quadrilátero central
de Natal” se traduz então na expressão gráfica visível da centralidade urbana
contemporânea desta cidade.
248
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