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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS ARTES
A Necessidade de Clarificação das Estratégias de
Ensino e Aprendizagem do Desenho
João António de Melo São Miguel
MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
Dissertação orientada pelo Professor Doutor António Pedro Ferreira Marques
2009
i
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS ARTES
A Necessidade de Clarificação das Estratégias de Ensino e Aprendizagem do Desenho
Coordenadora do Mestrado – Professora Doutora Margarida Calado
Orientador da Dissertação – Professor Doutor António Pedro Ferreira Marques
RESUMO
Uma dissertação sobre a necessidade de clarificação das estratégias de
ensino-aprendizagem do desenho, numa perspectiva diacrónica e tão abrangente quan-
to possível, tentando perceber que o desenho, enquanto forma de conhecimento, pode
ser ensinado e aprendido, permitindo, em última análise, facilitar a experiência de fluxo,
tornando as pessoas que desenham, artistas, ou não, pessoas mais capazes para lidar
com o mundo em que vivem, pessoas mais criativas e, provavelmente, mais felizes.
Palavras-chave: Criatividade, Conhecimento, Desenho, Desenhar, Educação, Fluxo,
Linguagem, Métodos, Percepção, Serendipidade, Técnicas.
ii
The need of clarifying the strategies on the tea-
ching and learning processes of Drawing
ABSTRACT
A dissertation on the need of clarifying the strategies on the teaching and
learning processes of Drawing, in a diachronic perspective, as comprehensive as pos-
sible, trying to understand that Drawing, as a tool to acquire knowledge, can be taught
and learned, allowing ultimately to facilitate the flow experience, making people who
draw, artists or not, more capable to deal with the world in which we live, turning them in-
to more creative and most probably happier people.
Key words: Creativity, Draw, Drawing, Education, Flow, Language, Knowledge, Methods,
Perception, Serendipity, Techniques.
iii
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 1
1. A LINGUAGEM DO DESENHO 1 1.1. O DESENHO COMO REPRESENTAÇÃO MENTAL 1 1.2. SELECÇÃO 1 1.3. O DESENHO COMO CONHECIMENTO 1
2. O DESENHO: ENSINO E APRENDIZAGEM 1 2.1. ENSINO PARA TODOS 1 2.2. ENSINO ARTÍSTICO 61 2.3. DESENHO E EDUCAÇÃO EM PORTUGAL 1
3. MÉTODOS 1 3.1. MÉTODOS DE ENSINO 83 3.2. MÉTODOS OPERATIVOS 91
4. TÉCNICAS DO DESENHO 1 4.1. TÉCNICAS CONCEPTUAIS 1 4.2. TÉCNICAS MATERIAIS 1 4.3. SUPORTES 1
5. O DESENHO COMO FACILITADOR DA EXPERIÊNCIA DE FLUXO 1 5.1. CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO 1 5.2. CRIATIVIDADE E SERENDIPIDADE 1 5.3. A EXPERIÊNCIA ÓPTIMA ATRAVÉS DO DESENHO 1 5.4. ALFABETIZAÇÃO VISUAL ATRAVÉS DO DESENHO 1 5.5. UTILIDADE PEDAGÓGICA DO DESENHO 1
REFLEXÕES FINAIS 191
BIBLIOGRAFIA 196
WEBGRAFIA 213
iv
AGRADECIMENTOS
O autor deseja agradecer ao Professor Doutor António Pedro Ferreira Mar-
ques pela disponibilidade, pela sensibilidade, pela humanidade e, sobretudo, pela profi-
ciência da orientação.
Gostaria, também, de apresentar os agradecimentos à Professora Doutora
Margarida Calado, enquanto Coordenadora do Mestrado em Educação Artística.
Não posso deixar de agradecer a todos os restantes professores do Mes-
trado em Educação Artística por possibilitarem uma perspectiva mais alargada dos hori-
zontes dos meus conhecimentos.
Por fim, um agradecimento especial à minha família e a todos os que me
incentivaram e apoiaram.
5
INTRODUÇÃO
“Foi um homem ao mato, diz Isaías (ou fosse escultor de ofício ou imaginário de devoção), levava o seu machado ou a sua acha às costas e o seu intento era ir buscar um madeiro para fazer um ídolo. Olhou para os cedros, para as faias, para os pinhos, para os ciprestes; cortou, donde lhe pareceu um tronco, e trouxe-o para casa. Partido o tronco em duas partes, ou em dois cepos, a um destes cepos meteu-lhe o machado e a cunha, fendeu em achas, fez fogo com elas; e aquentou-se, e cozinhou o que havia de comer. Ao outro cepo pôs-lhe a regra; lançou-lhe as linhas; desbastou-o; e tomando, já o maço e o escopro, já a goiva e o buril, foi afeiçoando em forma humana: alisou-lhe uma testa, rasgou-lhe uns olhos, afilou-lhe um nariz, abriu-lhe uma boca; ondeou-lhe uns cabelos ao rosto; foi-lhe seguindo os ombros, os braços, as mãos, o peito, e o resto do corpo até aos pés. E feito em tudo uma figura de homem, pô-lo sobre o altar e adorou-o...”
(In VIEIRA, Padre António. Sermão da Terceira Dominga da
Quaresma (1655). § IV). Sermoes. Lisboa: Biblioteca Nacional
Digital, 1679.
O título escolhido – A Necessidade de Clarificação das Estratégias de
Ensino e Aprendizagem do Desenho – pretende ilustrara urgência de resposta às
inquietações quotidianas da nossa acção docente, constituindo-se num contributo para
o incremento da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, no universo da nos-
sa acção educativa.
Num tempo em que, no mundo Ocidental, a escola e a qualidade do ensino
são postas em causa, quer por especialistas, quer por políticos, quer, ainda, pelos
actores mais directamente implicados no processo de ensino-aprendizagem – profes-
sores, pais e alunos – pensamos ter pertinência esta tentativa de clarificação do esta-
do actual do ensino do Desenho. Entenda-se o ensino do Desenho enquanto unidade
curricular autónoma, mas também, integrante de várias disciplinas da chamada área
artística e, por isso, instrumento privilegiado de desenvolvimento do processo criativo
e de aquisição de competências, relacionadas com a percepção, que permitam a
prossecução da alfabetização visual. Sendo certo, que a criatividade e a alfabetização
visual capacitarão o ser humano para melhor lidar com o mundo sensorial em que
vive, alcançando momentos mais frequentes de experiência de fluxo à medida que vai
desenvolvendo tais competências, entre tantas outras próprias do desenvolvimento
humano.
6
O talento, como diz Betty Edwards, é um conceito dúbio, independente-
mente da forma que a criatividade possa assumir. O chamado “talento artístico” sem-
pre foi olhado como algo raro e extraordinário, pois, por deformação cultural, sempre
esperámos que assim fosse. Fomos habituados a pensar que as capacidades artísti-
cas não são passíveis de ser ensinadas e, por conseguinte, menosprezamos os méto-
dos de ensino artístico. No entanto, vivemos numa sociedade que, pela sua dinâmica,
valoriza cada vez mais a criatividade. Será que o talento para se ser criativo não pode
ser desenvolvido através de métodos educativos? Questão que fazemos nossa e ten-
taremos compreender ao longo deste trabalho.
Elegemos, pois, como necessária, a clarificação do processo de ensino e
aprendizagem do Desenho, como tema central e aglutinador da nossa investigação,
num projecto que procurará estabelecer a relação entre o papel que o Desenho desem-
penha como contributo para a construção e desenvolvimento do ser humano no seu
todo e os curricula que a escola oferece, ou deveria oferecer, para que aquele processo
se estabeleça. Seguindo o exemplo do escultor do Padre António Vieira, procuraremos
substantivar a percepção decorrente da significação que atribuímos à representação do
mundo que nos envolve, construindo um objecto de investigação fruto da nossa criativi-
dade, fantasia, imaginação, talvez, até, da nossa inventividade, projectando o desenvol-
vimento da nossa personalidade, enquanto reflexo das vivências que vamos experien-
ciando, da influência positiva de vultos maiores, mas também, enquanto resultante da
nossa reflexão interior. Em busca de uma verdade tangível, no prazer da descoberta
significativa e pertinente do mundo que vamos decifrando e representando passo a pas-
so, de modo a alargar os horizontes que nos limitam.
Pensamos ser útil clarificar, desde já, que, no contexto deste trabalho, o
Desenho é a regra, e a Arte a excepção. Ao utilizarmos o termo Desenho, fazemo-lo na
acepção mais abrangente, enquanto forma de conhecimento, mais que área disciplinar
e/ou curricular, capaz de activar o desenvolvimento integral do ser humano, nas suas
vertentes psicológica, cognitiva, emocional e afectiva. Teremos presente que o conceito
de Desenho compreende «um universo de significados que decorre da experiência rela-
cionada com a carga histórica e os valores de uma extensa tradição cultural, juntamente
com a vontade de projectar a expressão gráfica para o que ainda não foi criado, para o
que é novo, para o que resulta da invenção imaginativa» (Marques, 2005).
O objecto desta dissertação passa pelo entendimento do processo de ensi-
no-aprendizagem do Desenho como instrumento premente de formação estético-visual,
7
ao habilitar os indivíduos com uma melhor capacidade para desenvolver o sentido crítico
numa perspectiva estética, mas também, na perspectiva da aquisição de maior conforto
humano, num mundo sensorial, sobretudo num mundo cada vez mais sujeito aos apela-
tivos estímulos visuais difundidos de forma ilimitada face aos constantes avanços tecno-
lógicos da actualidade.
Ao longo do nosso trabalho procuraremos ter como objectivos principais:
• Compreender o Desenho como Processo de Desenvolvimento da Comu-
nicação Visual Activa.
• Verificar a importância do Desenho no Processo Educativo Global.
• Compreender as Principais Metodologias do Processo de Aprendizagem
em Desenho.
• Reconhecer a importância do Desenho no Desenvolvimento de potencia-
lidades criativas em domínios não artísticos.
A problemática definida passará pela resposta a três questões que julgamos
pertinentes:
• A. O que é o Ensino do Desenho Hoje?
• B. Que Competências e Atitudes Estão Ligadas ao Desenho?
• C. Como Desenvolver Capacidades no Indivíduo para Participar num
Processo de Comunicação Visual Activa Através do Desenho?
Como refere Vygotsky, a imaginação e a fantasia constituem a base de toda
a actividade criadora e manifestam-se do mesmo modo nos diversos aspectos da vida,
possibilitando a criação artística, científica e técnica.
Assim, este projecto será uma tentativa de síntese simbiótica e diacrónica,
entre o que sentimos e pensamos, e o mundo que nos envolve; dito de outra forma, é
talvez, apenas, o início de um longo caminho para colocar em ordem algumas das ideias
que nos inquietam, procurando resposta para algumas questões que reputamos perti-
nentes neste espaço-tempo em que vivemos e nos assumimos como actores partici-
pantes na dual qualidade de educador e de artista plástico.
A metodologia utilizada fundamentou-se na revisão da literatura situando a
problemática em causa e fazendo o levantamento definitivo dos impasses existentes.
Procurámos, sempre que possível, para a problemática em causa, utilizar as mais rele-
8
vantes e mais recentes referências, quer em termos de fortuna crítica, quer nos estudos
monográficos, quer, ainda, a nível da webgrafia.
Podemos imaginar a estrutura do trabalho assente numa concepção visuo-
espacial correspondente a uma pirâmide de base triangular. Ou, ainda se quiséssemos
estabelecer algum paralelismo com as causas Aristotélicas caracterizadoras da objec-
tualidade, teríamos, três vértices assentes na linha de terra, e um quarto vértice situado
no ponto de intersecção dos três planos oblíquos da referida pirâmide.
No primeiro vértice situar-se-á a causa motora, correspondente ao capítulo
em que trataremos da Linguagem do Desenho. Enquanto forma metonímica comunica-
cional, o Desenho, linguagem e sentimento subjectivo, concorrerá para a influência
poderosa na vida humana.
Esta influência resulta em implicações educativas da maior importância e cuja
análise será feita no segundo vértice, o da causa formal – O desenho: ensino e aprendi-
zagem.
Compreendendo que o Desenho se ensina e aprende, como qualquer outra
forma de conhecimento, requererá, então que num terceiro vértice se encontre a causa
material substantivada pelos métodos de desenho e técnicas conceptuais e materiais a
eles ligadas, apresentados neste trabalho em capítulos separados, com vista a uma
melhor explicitação.
No vértice superior e correspondente à causa final ou teleológica, procurare-
mos culminar este trabalho com a procura de respostas satisfatórias à dimensão do
Desenho como facilitador da experiência de fluxo.
9
1. A LINGUAGEM DO DESENHO
«El arte de la arquería no es una habilidad atlética, que se llega a dominar más o menos mediante el entrena-miento físico, sino más bien una aptitud que tiene su ori-gen en el ejercicio mental y cuyo objeto consiste en acer-tar en la diana mentalmente. Por lo tanto, el arquero está básicamente apuntando a sí mismo. De este modo, quizás consiga acertar en la diana: su yo esencial.»
Herrigel1
1 http://eugeniousbi.tripod.com/cap_002.html#arriba, (consultado em 17 de Outubro de 2008)
A lógica específica da arte consiste na produção qualitativa de signos dife-
renciados e distintivos de "classe", o que faz com que os produtos do seu funciona-
mento estejam predispostos a funcionar como instrumentos de distinção social. Revela-
-se, deste modo, a construção do espaço social como espaço objectivo, isto é, como
estrutura de relações dotadas do mesmo estatuto de objectividade, determinando a for-
ma que devem tomar as representações que podem dele ter os produtores e/ou os leito-
res dos objectos artísticos.
Uma das vertentes mais originais dos princípios teóricos de Bourdieu passa
pela atribuição do sentido da significação à arte, evidenciando o sentido e o valor produ-
zidos no jogo e na luta que têm em si mesmos os objectos. Assim, a arte constitui um
campo privilegiado para o exercício de um saber relacional cujo ponto de partida é uma
filosofia centrada nas relações objectivas entre as potencialidades inscritas nos agentes
e a estrutura das situações em que agem. Do ponto de vista da viabilização teórica de
uma antropologia da arte e/ou da estética é fundamental perceber a contribuição original
desta sociologia das obras e dos gostos encarando-os como sistemas simbólicos.
De todos os universos possíveis, não existe nenhum como o universo dos
bens culturais, que pareça tão predisposto a exprimir diferenças sociais, mostrando que
a relação de distinção se encontra aí objectivamente inscrita, actualizando-se através de
apropriações significativas e diferenciadas.
10
Vassalo da relativa autonomia do simbólico, o critério sociológico no campo
estético-artístico comporta a exclusão e é intrinsecamente discriminativo. A arte gera o
monopólio social da competência artística, ao produzir as predisposições para marcar,
simbolicamente, as diferenças entre as classes e, com isso, legitimá-las.
Bourdieu pensa que todo o sistema de distinções estético-artísticas não
passa de manifestação legítima, transfigurada e irreconhecível, das classes sociais, e
não existe senão pelas lutas simbólicas da apropriação exclusiva dos signos diferencia-
dores. Com base no princípio de emancipação protagonizado pela arte, condição para a
experiência estética, só pode ser considerada uma categoria a priori de apreensão e
apreciação, dado que as condições históricas e sociais da produção e da reprodução
estética, que devem ser reproduzidas pela educação, implicam o esquecimento destas
condições históricas e sociais.
Experiência do mundo, simultaneamente sensível e inteligível, a estética
promove a interpenetração recíproca de um corpo socializado e um objecto que parece
feito para satisfazer todos os sentidos socialmente instituídos. Só nesse plano a socio-
genia estética poderia contribuir para a investigação do princípio de constância, trans-
histórico e trans-social, de satisfação propriamente artística, realização imaginária de
encontro de um habitus histórico e o mundo histórico que o povoa, e que ele habita.
A obra de arte, fetiche com carga mágica, consiste em fazer conhecer e
reconhecer como legítimos os limites arbitrários, santificando um estado estabelecido de
coisas. O poder de criação da arte reside na potenciação do mecanismo de crença no
valor da cultura, através da produção de obras - objectos "sagrados" - dotadas de um
carisma indizível que celebra a própria criação na sua tripla vertente - qualidade, subs-
tância e actividade – que grava e legitima a sua própria necessidade.
A ortodoxia da arte revela-se nas transgressões simbólicas a partir das pró-
prias regras reconhecidas no campo. Desta feita, este componente herético revela o vir-
tuosismo que mobiliza esse esquema gerador, definido pelo jogo de canoniza-
ção/secularização das obras de arte e dos princípios estéticos. Assim, a estética eviden-
cia que as categorias de percepção da ordem social impõem o seu reconhecimento e a
sua submissão, uma vez que o gosto depende de esquemas geradores e ordenadores,
que funcionam nos mais diversos campos que resultam dos rituais sociais e, em parti-
cular, do culto da obra de arte.
11
O efeito performativo tem como consequência revelar que o princípio de
permanência da ordem social reside num processo de "naturalização", numa espécie de
adesão original à ordem estabelecida. Encarar a percepção estética como simples frui-
ção, e a criação artística como capacidade individual, ambas inscritas na "natureza
humana", cuja implicação resulta em não considerar a base ontológica do conhecimento
prático como efeito constrangedor.
Definir o real artístico como luta simbólico-estética, permite a Bourdieu supe-
rar as dicotomias entre representação e realidade, subjectivismo e objectivismo, trans-
formando-as em objecto, porquanto actos e representações, em arte, são inseparáveis.
A "economia" da arte enquanto sistema simbólico consiste no seu poder de agir sobre
as representações do real, ou seja, a capacidade de impor a definição legítima das divi-
sões do mundo social.
A concepção simbólica da arte designa as práticas através das quais os
actores constroem historicamente o seu mundo social e a sua própria forma de estar no
mundo. O simbolismo estrutura-se através de actos de separação, produtores de trans-
formações valorativas, que revestem a forma existencial das práticas. A resposta estéti-
ca, mantendo sempre uma função icónica distintiva e não substantiva da relação repre-
sentante/representado, reflecte, portanto, uma capacidade social de valorizar qualita-
tivamente as propriedades da forma, independentemente da função. Fazendo-o a partir
de um processo de objectivação de valores sociais que se torna o local privilegiado para
a reprodução social.
Pode-se deduzir, que o fundamento desta relação icónica reside na analogia
entre o aspecto técnico da produção artística e a produção de relações sociais propria-
mente ditas, garantindo as produção e reprodução sociais.
A arte fornece um meio de persuasão da necessidade e do desejo de ordem
social que ultrapassa as próprias pessoas, tangível através da experiência com os
objectos materiais. Como sistema técnico, a arte é orientada para as consequências
sociais resultantes da produção desses objectos. O poder dos objectos artísticos pro-
vém dos processos técnicos que eles próprios incorporam. O encantamento da tecnolo-
gia é a magia de preparar coisas, o poder que os processos técnicos têm de lançar uma
magia sobre os agentes para que possam experimentar com fascínio a realidade envol-
vente, também campo de estudo da chamada cultura visual, que procura compreender o
desenvolvimento histórico e cultural de determinada sociedade, através da análise dos
objectos visuais aí produzidos e a forma como os povos vêem os seus objectos, a visão
12
que têm do mundo e como as imagens contribuem para experiências de mudança nas
suas próprias vidas.
A este novo campo de estudo que agrega todos os aspectos da cultura que
utilizam meios visuais como modo de comunicação, contribuindo para a produção,
reprodução e transformação da cultura, sem ignorar os factores institucionais, económi-
cos políticos, sociais, ideológicos e do próprio mercado, junta-se, por direito próprio, as
questões intrinsecamente relacionadas com o desenho, em particular, com a linguagem
do desenho, na sua duplicidade de efemeridade ou de registo persistente, ou por outras
palavras, «na dupla vertente de facto e de acto» (
Pertence, então, a linguagem, no seu sentido mais amplo, ao domínio da
Arte, cujo télos é a produção da própria obra, em que a obra da linguagem é o símbolo,
isto é, a «representação material de uma coisa por outra, em virtude de uma analogia
formal percebida entre ambas»
Marques, 2005).
2.
O desenho, para Machado (1989), deriva de desenhar e do latim designare
– marcar de maneira distinta, representar, designar, indicar. Só no final do século XVII,
desenhar, passa a ter na língua portuguesa uma conotação que se aplica também à
actividade artística.
Pretendemos encarar, aqui, a linguagem do desenho como pressuposto da
ligação entre o ver e o desenhar, permitindo a auto-expressão, em particular, como apti-
dão redentora de estereótipos consagrados ao longo dos séculos, abrindo, assim, o
caminho de um certo auto-conhecimento, como expressão segura da individualidade e
da personalidade, na dupla fruição do mundo e da sua representação, a que cada um de
nós, de forma singular, deve ter direito e acesso. Aliás, com o mesmo direito, a mesma
propriedade e a mesma pertinência com que cada um de nós se exprime e expõe, de
forma única e singular, através da escrita, cujo carácter formal pode ser considerado de
per si, como defende Betty Edwards, uma forma particular de desenho expressivo, ao
utilizar um elemento fundamental da arte – a linha3
«No séc. XX o desenho está associado às principais correntes, tendências e
movimentos da arte. Manteve, ao longo do século, uma grande diversidade de modos
, cuja especificidade abordaremos
noutro ponto deste capítulo.
2 Verbo Enciclopedia Luso-Brasileira de Cultura – volume 12. Lisboa: Editorial Verbo, 1963
3 Edwards, Betty. Drawing on the right side of the brain, 1999
13
de expressão, adquirindo, por um lado, o pleno reconhecimento como arte autónoma e
como área de especialização ligada às novas tecnologias» (Marques 2005).
14
1.1. O DESENHO COMO REPRESENTAÇÃO MENTAL
Como refere Ellen Winner,4
João Peneda
dado o largo espectro da psicologia da arte, pas-
sando pelo tema da criação artística, ao como e ao porquê da referida criação, mas
também, às questões relacionadas com a percepção e consequente atitude face à obra
de arte, ao longo da história podem ser encontradas tentativas de resposta ao vasto
leque da temática correlacionada, no âmbito da psicologia da arte, sentindo-se a tensão
entre as diferentes formas de abordagem, ora entre metodologias de investigação cen-
tradas em aspectos infinitesimais, ora, por oposição, centrados em questões demasiado
abrangentes. Dito de outro modo, esta tensão distingue, em particular, a investigação
estritamente empírica, da investigação radicalmente laboratorial, a virtude estará, como
assegura Winner, no meio-termo.
É na Grécia antiga que encontramos um dos primeiros sinais de preocupa-
ção relativamente a alguns aspectos da psicologia da arte, sendo conhecidas, quer a
teoria que Platão desenvolveu sobre a forma como os artistas criam, quer as considera-
ções de Aristóteles sobre o poder que a arte exerce sobre o espectador. Naturalmente
que a postura dos filósofos antigos, citados, baseia-se numa visão macroscópica, sem
formas objectivas de testagem das suas teorias, fazendo fé, apenas, na lógica e na
intuição.
Freud foi o primeiro pensador a encetar uma tentativa de explicação empí-
rica destas questões, ao formular uma teoria da natureza humana expressando signifi-
cativamente o comportamento humano, em toda a sua abrangência, incluindo o com-
portamento dos artistas.
5
4 Winner, Ellen. Invented Worlds. Cambridge: Harvard University Press. 1982
5 Peneda, João. Os paradoxos do sintoma e da sublimação, o contributo da teoria psicanalítica de Freud e de Lacan para a estética. Doutoramento em
Ciências da Arte/Estética. Lisboa: Universidade de Lisboa – Faculdade de Belas Artes, 2005.
conclui «que a psicanálise e a arte comungam de um estatuto
êxtimo, estranhamente íntimo (unheimlich) face ao discurso científico. Os mistérios da
criação artística, os enigmas da obra de arte, a novidade que introduz, sempre guarda-
ram algo de refractário àqueles que as procuraram traduzir e compreender integral-
mente.»
15
Para Freud, “ o sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente”, consi-
derando, concomitantemente, a dicotomia entre representação e pensamento6
Num artigo publicado em 1913 na revista Der Sturm, Kandinsky, define a
criação artística a partir da obra de arte como «expressão material do conteúdo abs-
, que cor-
responde, por sua vez, à dicotomia tradicionalmente aceite entre o lado material, ou do
conteúdo ideativo, identificado com a faceta psicológica e subjectiva da mente e a ver-
tente formal, ou do pensamento, identificada com a faceta lógico-objectiva.
Desta feita, o processo perceptivo fornece o conteúdo representacional do
processo mental, enquanto a experiência do sujeito, relacionada com tal conteúdo, for-
nece o “processo de pensamento”. Freud considera as representações como entidades
analógicas e imagéticas, com origem na percepção, ora interna, ora externa, concebidas
como unidades mentais, isto é, imagens mentais de objectos e sensações exteriores à
mente.
Como não estamos perante entidades isoladas, antes numa inter-relação
sistémica, espelho da realidade externa, tais entidades podem representar, também,
relações e acontecimentos. Freud introduz a distinção entre representação de objecto
(Objektvorstellung) e representação de palavra (Wortvorstellung). Na sua metapsicologia
sobre o inconsciente, define uma espécie de conglomerado de traços mnésicos de sen-
sações, sendo sempre passível de poder ligar-se a novas sensações, reflectidas numa
sensação saliente, dando relevo às associações visuais dos objectos, pois são as que
dão corpo ao objecto-sensação, ou representação da coisa (Sachvorstellung), conce-
bida como complexo de associações, tais como apresentações visuais, acústicas, tác-
teis, ou cinestésicas.
Além do conteúdo representacional, Freud define uma quantidade de ener-
gia, ou investimento correspondente a uma determinada quota de afecto (Affektbetrag).
Não sendo, embora, do âmbito do nosso trabalho, é possível determinar diferenças fun-
damentais entre o investimento e o valor do afecto, pois, investimento, para Freud,
designa a capacidade de activação da relação entre representações, resultando em
ideias, catexias, por oposição aos afectos e às emoções que correspondem a processos
de descarga, que culminam em sentimentos.
6 Freud – A Interpretação dos Sonhos, 2009
16
tracto. A beleza é a relação do conteúdo com a forma, isto é, a relação entre a obra e a
emoção que a faz nascer no artista, ou a emoção que ela provoca no espectador.»7
Kandinsky oferece-nos aqui, numa certa estética espiritualizada, a defesa da
arte como meio de comunicação entre os espíritos do emissor e do receptor, em que o
emissor-artista deve explorar o modo como expressa a sua emoção - «uma arte pura é
uma arte na qual o elemento espiritual se isola do elemento corporal e se desenvolve de
maneira independente»
8
Importam a este pensador, de modo peculiar, as dicotomias conteúdo e for-
ma, mundo exterior e mundo interior, material e imaterial, elemento interior e elemento
exterior da obra de arte, estabelecendo-se uma ponte entre o artista e o espectador
através da obra. Tais dicotomias resolvem-se, para Kandinsky, unindo emoção e senti-
mento do artista com sentimento e emoção do espectador, num percurso que vai do
imaterial ao material do artista passando do material ao imaterial no espectador: «a obra
é assim, a fusão inevitável e indissolúvel do elemento interior com o elemento exterior,
isto é, do conteúdo com a forma»
.
9
Gombrich
, esclarecendo que «a forma é expressão material do
conteúdo abstracto».
10
Gombrich estabelece a relação entre produção de imagens e experiência
visual, passível de ser ao mesmo tempo, fugaz, simples e totalizadora, cuja conceptuali-
nas “Meditações sobre um cavalinho de pau”, tenta determinar
as razões que levariam a criança a atribuir o significado de um cavalo a uma simples
vara de madeira em que cavalga e se diverte. Considerando que a vara pode represen-
tar a substantivação do conceito infantil de cavalo - “imagem conceptual”. E se o pedaço
de madeira congrega, em urgência de soluções, tanto a disponibilidade de materiais,
como o desejo de cavalgar da criança.
Na concomitância das observações levadas a cabo pelo filósofo, é relevado
o facto de a mente humana ser capaz de preencher os espaços e os hiatos a partir de
uma forma sugerida de modo reduzido, não havendo necessidade da representação
visual de um objecto na sua plenitude para ser compreendida pela nossa mente.
7 Kandinsky, Wassily. Gramática da Criação. Lisboa: Edições 70, 1998.
8 Idem
9 Ibidem
10 Gombrich, Ernest H. (1963) Meditations on a Hobby Horse. Chicago: University of Chicago Press, 1985
17
zação pode coincidir com aquilo a que o historiador chamou “imagem mínima” e que
corresponde à memória do objecto ou ao próprio desejo do objecto, com sede na mente
humana. Daqui advém que a mente humana é capaz de reconhecer a estrutura formal
dos objectos, muito precocemente. A observação da criança montando o seu cavalo de
pau, leva Gombrich a reconhecer no desenho infantil, a enumeração gráfica de determi-
nadas características retidas na memória da criança, um boneco substantivará a con-
ceptualização infantil de um homem.
De notar que esta capacidade humana para reconhecer os aspectos mais
relevantes e privilegiados de determinado objecto, é partilhada com os animais, dando
Gombrich o exemplo dos pássaros que abrem o bico no intuito de receberem a comida
quando os progenitores se aproximam dos ninhos, adoptando, contudo, o mesmo com-
portamento, se aproximarmos manchas escuras com tamanho e forma semelhante aos
pais.
Ao encontro desta abordagem vai, também, Rudolf Arnheim11
A esquematização própria do desenho infantil evoca a objectualidade do
mundo exterior a partir de linhas e planos que sintetizam, no espaço bidimensional, as
múltiplas aparências do mundo. O círculo e dois segmentos de recta dão, frequente-
mente, origem ao primeiro desenho infantil, composição sucessivamente repetida, mas
denominando intenções diferenciadas de representação; o pai, a mãe, a avó, estão con-
tidos na mesma gestualidade gráfica, reflectindo a representação mental dos objectos
reconhecendo
que a criança, ao desenhar, regista de maneira especial os objectos, permitindo-lhe
organizar pensamentos próprios. O desenho infantil corresponde a uma estrutura de
representação bidimensional das formas visuais, cujo processo resulta da transformação
de “conceitos visuais” em “conceitos representativos”.
Arnheim realça a experiência sensorial intimamente ligada à vida mental das
crianças: as coisas são como se parecem, como soam, como se movimentam, como
cheiram, verificando-se uma equivalência entre conceitos sensoriais e os conceitos
representativos, no caso particular dos conceitos visuais encontramos a respectiva cor-
respondência nos conceitos representativos específicos. Nesta perspectiva, concebendo
o desenho infantil como a planificação dos objectos e cuja representação gráfica corres-
ponde a formas geométricas estruturalmente simples, facilitadoras da referida planifica-
ção do mundo que rodeia a criança.
11 Arnheim, Rudolf. Arte e percepção visual. Uma psicologia da visão criadora.
18
em estreita relação com a memória de síntese e classificativa do mundo convivencial da
criança.
Luquet12
As primeiras e fundamentais percepções centradas em formas redondas e
triangulares levam à compreensão, por exemplo do “carácter” geral do que é um cão,
antes da identificação das características específicas de cada cão, correspondendo,
deste modo, à percepção estrutural mais simples.
criou o conceito de desenho-tipo, face à gradual evolução que a
criança apresenta na representação de determinado objecto ou tema. Nesta óptica o
desenho já é considerado um modo de apreender, registar e comunicar o mundo.
Tal postura corresponde em si mesma ao próprio conceito de desenho,
enquanto continente ideográfico, mas também, como uma possível generalização
esquemática da configuração objectual. Pois, no desenho infantil, encontramos a evoca-
ção dos objectos a partir da esquematização perceptiva visual dos aspectos mais gerais
dos objectos e não dos seus pormenores constitutivos.
13
Como diria Arnheim, é a tradução de conceitos visuais em “conceitos repre-
sentativos”, possibilitando o cruzamento com a “imagem conceptual” e “imagem mínima”
de Gombrich, bem como, com o “conceito visual” e os “conceitos representativos” de
Arnheim, que estabelecem a essência da diferença entre o objecto, a sua imagem men-
Ao atribuir a generalização dos
esquemas básicos, Arnheim, compreende um dos pressupostos da aprendizagem da
palavra e da linguagem.
O desenho pode ser considerado a escrita primitiva da criança na primeira
infância, pois, sensivelmente, entre os dois e os quatro anos ela aprende a falar e con-
comitantemente, a desenhar. Tal proporciona-se, função da sua equivalência simbólica.
O traço do desenho é a primeira forma de registo da denominação do objecto.
Ao conceito de “desenho-tipo”, Luquet adiciona um outro, o de “modelo
interno”, isto é, a representação mental que subjaz ao desenho do objecto “uma refrac-
ção do objecto a desenhar através da mente da criança…” (Luquet, 1927, p.81). Esta
concepção continua, ainda, pertinente para a compreensão do desenho infantil.
12 Luquet, Childrens draw
13 Arnheim, Rudolf. Thoughts on art Education.1991.
19
tal e a respectiva representação gráfica, envolvendo um processo de compreensão
genérica da figura por meio das suas linhas e planos básicos.14
Lino Cabezas
Ao longo do desenvolvimento infantil, empenhado, agora, na aprendizagem
da escrita, o desenho deixa, gradualmente, as características esquemático-genéricas,
passando a verificar-se cada vez mais a preponderância da atenção em pormenores
que promovem a ilusão óptica da plenitude de determinada objectualidade.
O desenho passa, então, a desempenhar um papel-outro, quer como “dese-
nho de observação” ou “desenho clássico”, quer como cópias de imagens digitais ou,
ainda, por exemplo de banda desenhada.
15 socorrendo-se dos estudos de Kaupelis, Simmons e Chaet
para inter-relacionar significado, modo e intenção, releva a advertência de Chaet a pro-
pósito dos significados e dos materiais da visão, para esclarecer que «cada geração
inventa novas funções para o desenho e recupera outras»16
O desenho pode ser todas estas coisas ou ir mais além, num sem número
de combinações ou opções, decorrendo, sempre, da vontade do artista, cuja visão con-
diciona a função e a direcção do respectivo projecto.
.
Tal abordagem diferenciada que cada geração faz do desenho, ora atri-
buindo-lhe novas funções, ora indo recuperar outras desvalorizadas pela geração ante-
rior, estará em consonância com a tese defendida por alguns antropólogos, quiçá, com
base no pensamento de Nietzsche, explanado no seu “Nascimento da Tragédia”, carac-
terizando o movimento da sucessão geracional pela intermitência entre uma geração
com características, por exemplo, dionisíacas a que se sucede uma outra com caracte-
rísticas apolíneas, cujo cerne da acção reside na recuperação dos valores da penúltima
geração, tendo como referência a geração actual.
Ainda para Bernard Chaet, dada geração de artistas pode dar mais impor-
tância à organização expressiva do espaço, enquanto uma outra geração enfatizará a
construção de relações espaciais, ora como pesquisa compositiva para a criação de
novas formas, mas também, como preparação/esboço para novas abordagens plásti-
cas, não deixando, noutras perspectivas, de ser simples mancha de claro e escuro.
14 Valquiria Maria Augusti. Aspectos epistemológicos do estudo sobre os modelos de cognição e percepção visual 15 Molina – El manual del dibujo. Madrid, 2003 16 Idem
20
Considerar a coincidência entre arte e ciência, (Cabezas, 2002)17 quer no
objecto de estudo e consequentes interesses intrínsecos, quer na utilização comum de
máquinas de desenhar semelhantes durante todo o renascimento e até ao século XVII,
altura em que Decartes estuda a oposição entre ideia e forma, atribuindo às ideias a
supremacia sobre as coisas, pois as «imagens podem ser enganosas»18
Molina encontra no filósofo Ernst Cassirer
, ao mesmo
tempo que se discute a ilusão da realidade com base nos argumentos objectivos da dita
razão científica.
Imagens do domínio do mágico/maravilhoso e do irracional são considera-
dos fenómenos marginais no universo da arte, mesmo se aparecem tratados, com iro-
nia, utilizando instrumentos de desenho, constituídos como curiosidade técnica, para a
realização de ilusões de óptica, legitimando a concepção da artificialidade da realidade.
Mau grado o esforço científico, em prol da racionalidade, no sentido de se proceder à
análise e observação dos artifícios provocados pela imagem para determinar o grau de
equívoco provocado pela aparência das coisas.
19
«A origem da obra de arte é a arte», mas o que torna real a arte é a sua
«coisalidade» (Heidegger, 2008)
, a determinação dos pressupos-
tos epistemológicos do sentido da representação artística, nomeadamente, em relação
ao processo de formação da linguagem que começa a emergir do nosso caos mental,
apenas quando é possível a nomeação através de signos linguísticos possibilitadores da
articulação espiritual.
20
Parafraseando Arnheim, a percepção visual do mundo que nos rodeia é
enfatizada pelo conhecimento que adquirimos da estrutura do objecto artístico, consti-
tuindo-se numa operação cognitiva, também definida pela representação mental que
elaboramos frente à coisa - objecto de arte, mas da própria representação mental que
. Ao afirmar o carácter substantivo de toda a obra de
arte e, por analogia, do desenho, este autor, ajuda-nos a perceber a relação sensitiva
imanente entre o objecto artístico e o ser humano, através da percepção visual, como
forma de aquisição de conhecimento do mundo, nomeadamente, pelo experienciar e
consequente compreensão da alegoria simbólica que é o objecto de arte.
17 Molina – Maquinas y herramientas. 2002, 18 Idem 19 Molina – Los nombres del dibujo, 2005, 20 Heidegger, Martin. A Origem da Obra de Arte. Lisboa: Edições 70, 2008.
21
se produz quando se fala da coisa-objecto de arte, com toda a sua carga simbólica, sin-
crética, analítica, alegórica ou mesmo metonímica.
A “re-apresentação” mental consequente à percepção sensorial e, particular-
mente, à percepção visual, do mundo que nos rodeia e, de modo mais incisivo, do mun-
do visível em que habitamos e do qual nos vamos aproximando porque melhor o conhe-
cemos à medida que mais o experienciamos, mas, paradoxalmente, do qual nos pode-
mos mais afastar pela capacidade de abstracção que vamos incrementando ao longo
das diversas fases do nosso desenvolvimento, chegando a um ponto em que as nossas
aptidões nos permitem a projecção mental do nosso universo, de modo tão arti-
ficiosamente semelhante à realidade, que com ela, eventualmente, possamos confundir
o nosso próprio pensamento.
Neste artifício que o cérebro humano possibilita, adequa-se o desenho como
representação mental, quer do mundo que nos rodeia, quer de mundos criados, inven-
tados, fantasiados, ou imaginados. Se no primeiro caso, pelas leis da percepção visual,
como veremos mais adiante, se dá relevo aos elementos mais marcantes, que mais
impressionam o autor, a quem se reconhece tanta mais maestria quanta a verosimi-
lhança mais conseguida com o mínimo de esforço, à luz dos paradigmas mais recentes
do chamado “MINIMAX”.
No segundo caso, aparentemente mais fácil, pois não se obriga à cópia de
um modelo a que o autor tenha que estar obrigado a responder, o certo é que terá de
haver na composição, harmonia, ritmo, congruência e o encontro com outras caracterís-
ticas que nos “re-ligam”, por referência, ao nosso mundo.
a) Pensamento conceptual
Dando crédito ao pensamento poético de Pessoa «A arte consiste em fazer
sentir aos outros o que nós sentimos…»21, estamos perante o cruzamento entre a con-
ceptualização da obra de arte, como forma de expressão do pensamento e a crítica de
arte, tal como é observada por Goldstein22 a “
21 Pessoa – livro do desassossego
22 Goldstein, Carl– Teaching art. 1996
ekphrasis” – descrição usada na retórica
literária do classicismo antigo, mas também, na descrição epigramática da obra de arte,
que tem vindo a evoluir de formas mais sarcásticas próprias do neo-classicismo seis-
22
centista, prolongando-se no romantismo até à descrição contemporânea que encerra,
para além da enumeração objectiva do que é observado, a apreciação subjectiva de
quem observa e faz o respectivo registo de opinião, tornando-se, deste modo, num pro-
cesso progressivamente dinâmico.
As imagens foram sempre fonte de inspiração social, quer em momentos de
apogeu, quer de declínio, de acordo com a preocupação de Arnheim23
Massironi
, que realça a
necessidade de encontrar na inspiração dos artistas, a resposta para a esperança da
continuidade prazerosa da nossa existência no planeta que nos serve de suporte e sus-
tento – a Terra. Não havendo lugar a dúvida, nomeadamente por parte do professor de
artes para que possa cultivar a defesa da imprescindibilidade da arte e do ensino artísti-
co, com relevo para o ensino do desenho, como regra, junto dos seus pupilos. E não foi
na passagem de paradigmas artísticos baseados na representação humana, para para-
digmas abstractizantes que se perdeu a “humanidade do homem”, mesmo quando se
recorreu, em determinados períodos da história da arte aos elementos mínimos, como é
o caso de Kasimir Malevich, exemplo dado nesta obra do autor que agora relevamos.
24
refere a imagem como substituto do objecto, lembra a produ-
ção gráfica proficiente a acompanhar os textos de história natural, mesmo sem que haja
preocupações estéticas imediatas, antes a preocupação do rigor, da minúcia, da pes-
quisa e sistematização da «imagem visiva». É a melhor explicação da natureza, ao inte-
grar a linguagem escrita em concomitância com a ilustração, Usando diversas imagens
e em múltiplos pontos de vista explicativos dos objectos que se pretende substituir, em
conjugação com a descrição escrita, é possível construir um objecto de comunicação
unitário e ímpar.
Lino Cabezas25
23 Arnheim – Intuição e intelecto, 1986
24 Massironi, Manfredo. Ver pelo Desenho
25 Molina – El manual del dibujo 2003
, ao reflectir sobre o desenho como processo ideativo
recorre a Seymour Simmons quando este aponta a possibilidade de fixação, ou consoli-
dação de ideias, por vezes, a partir de breves apontamentos gráficos, expressos na
urgência do imediatismo do movimento da mão sobre o suporte, dando corpo à ideia,
inicialmente, vaga intuição e que se vai tomando substantiva, a cada novo registo, mais
e mais definido e ciente, agora, da teleologia pretendida, seja invenção, obra de arqui-
tectura, escultura ou pintura, ou, tão só, como objecto autónomo, de um desenho mais
completo. Este «pensar sobre o papel» é o meio mais comum de utilização do desenho,
23
em que os esquiços funcionam como “prospectores” de várias hipóteses de solução
para o problema inicial, mas também como registo e ensaio das diversas variáveis em
causa, até alcançar a solução final concreta, possibilitando a visualização do aspecto
terminal, assumindo, assim, a sua vertente projectiva, aplicada, nomeadamente, nas
áreas já referidas, quer na ciência, quer na arte.
Mossi
Para identificar esta primeira fase do processo criativo através do desenho,
foi usada terminologia diversa de acordo com as circunstâncias históricas, como borrão,
mancha, rascunho, cuja etimologia, discerne Cabezas, é muito clara: esboço vem do ita-
liano bozza – pedra em bruto, por desbastar, e bocejo, será aparentado ao castelhano
boquejo – bosquejo, tendo como origem o bosque a relacionado com a actividade de
desbaste dos troncos, croquis vem do francês croquer, cujo significado nos remete para
a nossa expressão portuguesa “em traços largos”. O pensamento conceptual gráfico, é
uma das primeiras etapas de um processo contínuo até à concretização definitiva do
projecto, transformando-o em obra.
26 estabelece o paralelismo entre a definição de conceito de desenho e
a própria definição de desenho, enquandrando o desenho como disciplina de conheci-
mento, nos aspectos etimológico, histórico, pedagógico, psicológico, sociológico e filo-
sófico, mas também, ao nível tecnológico e metodológico, na sua vertente mais trans-
versal e plural.
Como diz Read: «o objectivo geral da educação é o de encorajar o desen-
volvimento daquilo que é individual em cada ser humano, harmonizando, simulta-
neamente a individualidade assim induzida com a unidade orgânica do grupo social a
que o indivíduo pertence.»27
• «a preservação da intensidade natural de todas as formas de per-
cepção e sensação;
Verifica-se, aqui, uma intenção clara em demonstrar que a
educação estética, processo fundamental inerente à humanidade, procurará responder
aos seguintes objectivos:
• a coordenação das várias formas de percepção e sensação umas
com as outras e em relação com o ambiente;
• a expressão de sentimento de uma maneira comunicável;
26 Mossi, Alberto Facundo. El dibujo enseñanza y aprendizaje, Valencia: Universidad Politécnica de Valencia, 1999.
27 Read, Herbert. Educação pela Arte. 2007
24
• a expressão de uma maneira comunicável de formas de experiên-
cia mental que, de outro modo, ficariam parcial ou totalmente
inconscientes;
• a expressão do pensamento de maneira correcta.»
b) Pensamento visual – (percepção como forma de conhecimento)
Como defendem os investigadores Maturana e Varela: "Não vemos o "espa-
ço" do mundo – vivemos o nosso campo visual. Não vemos as "cores" do mundo –
vivemos o nosso espaço cromático." 28
Tal postura encontra paralelo quer em Berkeley, quer em Goldstein. Por um
lado, em Berkeley que no século XVIII defendia para além do principio da imaterialidade
dos infinitesimais, a ideia que a avaliação das distâncias e ângulos se fundamenta mais
na experiência que na sensorialidade, correspondendo tal avaliação ao desenvolvimento
de indicadores que nos ajudam a fazer um julgamento que ao repetir-se de modo roti-
neiro nos leva a considerar a visão da distância, como ilusão sensitiva
29. Por outro
lado, em Nathan Goldstein30
Ao longo dos diferentes níveis de ensino fomos incorporando e aceitando,
como boa e pacífica, a ideia que os olhos são os órgãos responsáveis pela visão. No
entanto, em relação à percepção das cores do mundo sabe-se que a responsabilidade
, ao informar-nos ser impossível desenhar formas que não
compreendemos. Para tanto, como forma de aquisição de competências básicas impor-
ta medir, para poder analisar e relacionar as formas básicas, valores, massas, entre
outros tantos itens. Observar a generalidade, antes da especificidade, separar o funda-
mental da gestualidade e da estrutura, do superficial, apresentar receptividade às várias
questões de similitude, de modo a sentir o peso, força e energias presentes nos compo-
nentes, acabam por ser aspectos fundamentais da compreensão, com vista à formação
e/ou desenvolvimento da actividade artística. Como prossegue este autor, se houver um
fraco sentido das proporções, isto é, uma má percepção das relações de escala entre as
formas, ou componentes de determinada forma, tal pode ficar a dever-se à chamada ili-
teracia visual básica
28 Maturana & Varela, 1995,
29 Branco, Rosa Alice. A percepção visual em Berkeley como operação interpretativa. Porto: Fundação Engº António de Almeida, 1998.
30 Goldstein, Nathan. The art of responsive drawing. 1977.
25
não se centra, nem na composição, nem nos cumprimentos de onda de cada cena,
antes dependem da actividade neuronal do sujeito observador. «a experiência da cor
corresponde a uma configuração específica de estados da actividade do sistema ner-
voso determinados pela sua estrutura», eis as conclusões a que chegam Maturana e
Varela, 31 contradizendo, assim, o entendimento comum sobre a percepção. Para estes
investigadores, a percepção, a emoção e o comportamento, fazem parte do processo da
vida, entendido como, eminentemente, cognitivo, tanto mais que o cérebro humano fun-
ciona de forma integrada, em que o armazenamento das informações é feito equitativa-
mente, substantivando uma capacidade ímpar de auto-organização. Não é, então, o
agente externo que desencadeia as várias reacções em cada um de nós, mas a nossa
estrutura individual. Esta premissa é verdadeira, quer para a experiência visual, em par-
ticular, quer para a percepção, em geral.32
• O cristalino, lente gelatinosa, elástica e convergente que foca a luz
que entra no olho, formando imagens na retina. A variação da dis-
tância focal permite ajustar a visão de objectos próximos ou distan-
tes.
A autora da referida dissertação cita Chalmers para explicar o funciona-
mento da visão, que retoma o entendimento popularizado do uso dos olhos, cujos com-
ponentes mais importantes são:
• A retina é composta por células fotossensíveis, os cones e os bas-
tonetes.
Tais células transformam a energia luminosa das imagens em sinais nervo-
sos que são transmitidos ao cérebro pelo nervo óptico. Normalmente, as imagens dos
objectos formam-se na retina no eixo do globo ocular, numa zona de maior acuidade
visual, chamada fóvea, rica em cones, células mais sensíveis à visão das cores. Na par-
te restante da retina praticamente só há bastonetes, menos sensíveis às cores, mas
mais sensíveis à baixa intensidade de luz. Na semi-obscuridade são os bastonetes que
se encarregam da nossa visão, daí a conhecida expressão: “à noite todos os gatos são
pardos”. Reitera-se a semelhança entre o olho e a máquina fotográfica, em que se dife-
rencia o modo como se efectua o registo da imagem. Os nervos ópticos passam da
retina para o córtex central, transportando a informação relativa à luz que incide sobre
as várias regiões da retina. A este registo da informação feito pelo cérebro humano, em
31 Maturana e Varela. El Arbol del Conocimiento
32 Valquiria Maria Augusti. Aspectos epistemológicos do estudo sobre os modelos de cognição e percepção visual.
26
correspondência com a visão dos objectos presentes no mundo exterior – a chama-se
realidade.
A questão que se coloca em relação à realidade, é saber se todos vemos as
mesmas coisas, as mesmas cores, afinal, como vemos o que vemos? A resposta, é
mais uma vez adiantada por Maturana, recorrendo aos campos da neurofisiologia e da
psicologia, explicando a percepção como operação mental executada pelo sistema
nervoso sobre o mundo exterior, usando como mediadores os órgãos dos sentidos.
Neste processo o sistema nervoso construiria um modelo abstracto da realidade exterior
que facilitaria a geração de respostas adequadas às circunstâncias emergentes da
interacção do indivíduo com o meio. Tal referência à percepção é feita numa base
epistemológica pressupondo:
• a existência da realidade independente do observador;
• o observador pode reconhecer a realidade, resultando da
experiência da interacção, ainda que parcial e/ou deformada;
• as categorias descritivas, como objecto, relações ou estrutura,
pertencem à realidade e, não apenas, ao que o observador executa
ou descreve.
Encerra-se, nesta visão de Maturana e seus colaboradores, uma crítica à
explicação dos fenómenos perceptivos como mera recepção da informação do meio
exterior. Para Maturana33
Esta perspectiva defende que aprendemos a ver como parte integrante da
nossa experiência de vida, opondo-se à concepção estereotipada da realidade com
base na crença da existência de uma única realidade, anterior a nós mesmos. Aprender
a referência aos fenómenos perceptivos e ao modo como o
sistema nervoso capta a informação e constroi uma representação do mundo exterior
depende, pois, mais das características endógenas do observador que do próprio
objecto em si, isto é, para um mesmo objecto, dois observadores podem, através das
significações que atribuem, construir “realidades” diferentes. Não é o meio que define o
indivíduo, tal como fundamentam certas concepções computacionais, atribuindo ao
sistema nervoso uma operacionalização cognitiva fechada, antes se considera o
organismo como uma estrutura que interagindo com o meio determina a configuração
estrutural do meio que, por sua vez implica uma mudança, igualmente estrutural no
indivíduo por força da interacção registada (Maturana, 1998, p.58).
33 Maturana - El Arbol del Conocimiento.
27
a ver envolve a fisiologia cerebral, tal como acontece com todos os processos
cognitivos: pensamento, emoção, imaginação, desejo, memória, fantasia, criatividade,
entre tantos outros, através do ressurgimento de padrões formais de percepção e
classificação facilitadores da construção do real.
Como a capacidade para estabelecer relacionamentos íntimos com pessoas
significativas durante o curso de vida é considerada, por vários autores, como um com-
ponente básico da natureza humana (Bowlby, 1997)34
Enquanto processos cognitivos, quer a percepção, quer a actividade de
manipulação do mundo exterior, são incontornáveis na aquisição do conhecimento., na
denominada abordagem financista, supracitada, a percepção é determinada pela estru-
tura celular do sistema nervoso e respectivas ligações às restantes células do corpo,
havendo pesquisas
As experiências afectivas que a criança desenvolve com as pessoas que
lhe estão próximas, possibilitam a construção de modelos internos de funcionamento do
self e das figuras de apego que servirão como base para novos relacionamentos.
Ainda que não seja prioritária, no âmbito deste nosso projecto, a pertinência
desta matéria não poderemos deixar de referir que o desenho é uma das grandes vias
de comunicação da criança, tal como é constatado em diversíssimos estudos. Como
exemplo refira-se, nomeadamente, a defesa que Wechsler faz do desenvolvimento
infantil, através da observação da importância do desenho como meio de comunicação,
pois, aparece muito antes de a criança saber ler ou escrever, servindo de forma de
expressão por parte da criança de sentimentos, desejos, medos e preocupações que,
muitas vezes, não é possível perceber através de outras formas de observação, nem tão
pouco, nas suas atitudes aparentemente normais do seu quotidiano.
35
Os conceitos são criados no seio do nosso cérebro, de acordo com as ideias
e as linguagens veiculadas pela cultura em que nascemos, crescemos e vivemos. Deste
modo a realidade que “vemos”, mais não é que uma ideia de realidade que nos é pas-
que estabelecem a relação entre afecto e intelecto e consequente
influência da formação da estrutura cerebral. Assim, o equilíbrio emocional e afectivo,
substantivados em amor e carinho, propiciam a formação de padrões cognitivos, deter-
minantes da significação, como factores de equilíbrio e tomada de decisão consciente
(Miranda-Santos, 1989).
34 Bowlby - Attachment and loss, London:Pimlico, Random House, 1997
35 Valquiria Maria Augusti. Aspectos epistemológicos do estudo sobre os modelos de cognição e percepção visual - (Stanley I Greespan e Benderley,
(1999); Damásio (1996). Restrepo (2000))
28
sada pela nossa cultura e que diferirá da ideia de realidade de uma outra cultura, como
refere Wittgenstein36 o limite da nossa linguagem é o limite do nosso mundo, quer do
ponto de vista conceptual, quer do ponto de vista simbólico, sedimentado na percepção
sensorial que vamos desenvolvendo, de acordo com os padrões culturais que nos vão
moldando. Dever-se-ia dar mais importância às experiências de aprendizagem favorece-
doras do conhecimento, que se distanciem da dita racionalidade, em favor de experiên-
cias de aprendizagem próximas da percepção, forma eminente de cognição, como
defende Arnheim37, permitindo-nos vislumbrar «a beleza sensorial-perceptual porque a
aprendizagem humana é mais que o resultado de operações racionais e mecânicas»,
como enfatiza a autora deste estudo38
Assim, Mitchell
, relembrando a necessidade da tomada de cons-
ciência da aprendizagem da visão, na perspectiva sistémica da sensorialidade, cujo ape-
lo deve ser feito no âmbito do processo de ensino, reiterando a perspectiva já referida de
Maturana a propósito da percepção visual e da cognição.
Parece-nos pertinente introduzir, aqui, o conceito de Cultura Visual, pois
ajuda-nos a compreender melhor a questão introduzida por Maturana, entre percepção
visual e conhecimento, tal como referimos no parágrafo anterior. Se é verdade que os
conceitos “cultura” e “visual” não são novos, o conceito que resulta da junção destes
dois termos é relativamente recente.
39
Barnard
, refere que, apesar do conceito de "visual" constituir uma
dimensão diferente da linguagem verbal, a cultura visual inclui a relação com todos os
outros sentidos e linguagens.
40
36 Abbagnano, Nicola. História da Filosofia
37 Arnheim. Thoughts on Art Education
38 Valquiria Maria Augusti. Aspectos epistemológicos do estudo sobre os modelos de cognição e percepção visual 39 Mitchell, W.J.T. Que és la cultura visual. Princeton: Irving Lavin Institute. 1995
40 Barnard, M. Approaches to understanding visual culture. New york; palgrave. 2001
identificou duas vertentes fundamentais nos estudos de cultura
visual:
a) A primeira, enfatiza o visual e normaliza e determina o objecto de estudo:
a arte, o design, as expressões faciais, a moda, a tatuagem e muitos outros campos.
29
b) A outra vertente toma a cultura como traço definidor do estudo e refere-
se, portanto, a valores e identidades construídos e comunicados pela cultura, tendo o
visual como mediador, mas também, como fonte de conflito desse visual devido aos
mecanismos de inclusão e exclusão dos processos identitários.
Um dos representantes desta última vertente é Mirzoeff41
Desta perspectiva resulta que a cultura visual contém uma proposta mais
abrangente que a da leitura de imagens baseada na percepção e semiótica formais.
Aceita-se, outrossim, que as imagens actuem como mediadores de formas diversas de
poder, fundamentando-se numa sócio-antropologia, reconhecendo, quer os produtores,
quer o contexto sociocultural em que são produzidas.
. Segundo ele, a
visualidade é característica do mundo contemporâneo, não significando, no entanto, que
se conheça necessariamente aquilo que se observa. A distância entre a riqueza da
experiência visual na cultura contemporânea e a habilidade para analisar esta observa-
ção cria a oportunidade e a necessidade de converter a cultura visual num campo de
estudo. A cultura visual, estrategicamente, pode estudar a genealogia, a definição e as
funções da vida quotidiana pós-moderna na perspectiva do consumidor, mais do que na
do produtor. O visual desafia a interacção social e definição em termos de classe, géne-
ro, identidade sexual e racial.
A cultura visual é uma estratégia para compreender a vida contemporânea,
e não uma disciplina académica. Tal como a cultura pública dos cafés do século XVIII, e
o capitalismo impresso do mundo editorial do século XIX, foram características particula-
res de um período e centrais para a análise produzida. Mirzoeff procura organizar a vida
em imagens ou visualizar a existência para estudar a contemporaneidade. Procura
compreender a resposta dos indivíduos e dos grupos aos meios visuais de comunica-
ção. A cultura visual é nova, porque converge para o visual como lugar onde se criam e
se discutem significados. Assim, distancia-se das obras de arte, dos museus e do cine-
ma para centrar a atenção na experiência quotidiana. Do mesmo modo que os estudos
culturais tentam compreender o modo como o sujeito tenta dar sentido ao consumo na
cultura de massas, a cultura visual dá prioridade à experiência visual do dia-a-dia, inte-
ressa-se pelos acontecimentos visuais em que o consumidor procura informação, signi-
ficado e/ou prazer relacionados com a tecnologia visual – dispositivos concebidos para
serem observados e/ou para aumentarem a visão natural, desde a pintura a óleo até à
televisão ou à Internet.
41 Mirzoeff, N. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: paidós. 2003
30
Visão e visualidade são conceitos básicos para esta concepção de cultura
visual. Walker e Chaplin42
Para Paul Duncun
definem a visão como o processo fisiológico em que a luz
impressiona os olhos e a visualidade como o olhar socializado. Não há diferenças fisio-
lógicas do sistema óptico de qualquer humano, de qualquer raça ou nacionalidade. Mas
existem diferenças substantivas no modo de descrever e representar o mundo de cada
um, pois há maneiras próprias de olhar para o mundo que dão lugar a diferentes siste-
mas de representação.
Seguindo esta linha de raciocínio, Freedman mostra que a nossa identidade
se reflecte e se define no modo como nos representamos a nós mesmos visualmente,
como nos vestimos ou, inclusivamente, os conteúdos televisivos que consumimos. À
medida que percebemos que as imagens e os objectos têm significados passíveis de
serem interpretados, passamos a ter uma atitude diferente, quer na leitura, quer na pro-
dução de tais imagens e/ou objectos. A cultura é, assim, a forma de viver e a cultura
visual dá forma ao nosso mundo, em concomitância com a nossa forma de ver o mundo.
43
Hernandez
, a cultura visual vincula-se aos estudos culturais nas
questões relacionadas com as práticas significativas, tanto em termos das experiências
vividas pelas pessoas como da dinâmica estrutural da sociedade. Esta estrutura-se à
volta do domínio, e as práticas significantes são sempre um meio de estabelecer e man-
ter o poder. Adopta uma concepção de cultura baseada em práticas significantes, não
como objectos específicos, mas sim como as relações sociais, valores, as crenças e as
práticas das quais os objectos são uma parte constitutiva.
44
42 Walker, J. A. e Chaplin, S.Una Introducción a la Cultura Visual. Barcelona: Octaedro. 2002
43 Duncun, P. Clarifying Visual Culture Art Education.
44 Hernandez, F. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projecto de Trabalho. Porto Alegre: Artemed. 2000
adiciona a expressão compreensão crítica à abordagem da cul-
tura visual. O vocábulo "crítica" significa avaliação e juízo que resultam de diferentes
modelos de análise (semiótico, estruturalista, desconstrutivista, intertextual, her-
menêutico, discursivo). A sua proposta fundamenta-se no pós-estruturalismo e no femi-
nismo pós-estruturalista. Em vez de imagem prefere utilizar os termos representação e
artefacto visual. Utiliza o conceito de cultura no sentido sócio-antropológico próximo da
experiência quotidiana de qualquer grupo da actualidade e/ou do passado. Percebe a
importância da Cultura Visual não só como campo de estudo, mas também em termos
de economia, negócios, tecnologia, experiências da vida diária, para que produtores e
intérpretes possam beneficiar do seu estudo.
31
A compreensão crítica aborda a cultura visual como um campo de estudo
transdisciplinar multi-referencial baseado na arte, na arquitectura, na história, na psi-
cologia cultural, na psicanálise lacaniana, no construtivismo social, nos estudos cultu-
rais, na antropologia, nos estudos de género e nos media, entre muitas outras referên-
cias potenciais. Tal proposta ampla e aberta enfatiza a organização do campo de estu-
dos não a partir de nomes de artefactos, factos e/ou sujeitos, antes porém, dos seus
significados culturais, vinculando-se à noção de mediação de representações, valores e
identidades. Para Hernandez, um estudo sistemático da cultura visual pode proporcionar
uma compreensão crítica do seu papel e das suas funções sociais, bem como das suas
relações de poder, ultrapassando a apreciação ou o prazer que a fruição das imagens
nos possa proporcionar.
O campo de estudo é móvel, dada a constante incorporação de novos
aspectos relacionados tanto com as representações, como com os artefactos visuais,
que rapidamente transformam em obsoletas as aproximações restritivas. Aqui não há
receptores nem leitores, antes construtores e intérpretes, na medida em que a aproxi-
mação não é passiva nem dependente, mas sim interactiva e condizente com as expe-
riências que cada sujeito vive no seu dia-a-dia. Uma primeira meta a ser perseguida
nesta abordagem é a de explorar as representações que as pessoas constroem da rea-
lidade a partir das suas características sociais, culturais e históricas, ou seja, compreen-
der o que se representa para compreender as próprias representações.
Seguindo a citação do filósofo Alain, feita na obra “O Primeiro Olhar”45
O acto inicial de desenhar pressupõe, de acordo com Molina
, acer-
ca do desenho, do seu significado e da origem da sua força, verificamos que o referido
filósofo aponta a ligação entre a linha e a invenção que lhe está adstrita, à origem do
espírito enquanto forma de coragem não violenta, pois «a linha não está na natureza,
linha não quer existir, o seu traçado é apenas a sua sombra, não lhe dá nenhum corpo».
O traçado da linha aproxima-se da própria ideia.
46
45 Gonçalves, Rui Mário; Fróis, João Pedro e Marques, Elisa. O Primeiro Olhar. Lisboa: FCG, 2002,
46 Molina. El Manual del Dibujo. 2003,
, três formas
de fascínio: um relacionado com a marca da nossa própria acção, outro transmitido pela
surpresa da nossa própria sombra transmutada em imagem e, por último, o sistema de
ordenação e percursos que permitem a organização dos nossos pensamentos condu-
centes à acção citada. De acordo com este autor, as primeiras experiências, vestigiais,
deixadas pelo acto de desenhar, são tão fortemente encerradas na caixa do subcons-
32
ciente, que só através de uma reflexão passível de provocar a desconstrução retrospec-
tiva pode ajudar a perceber a profundidade daquele momento mágico em que o gesto
se substantiva num registo gráfico, passível de ser visualizado e permanecer “congela-
do” no tempo. Uma das reminiscências desse círculo mágico primordial resulta na forma
resoluta como traçamos um círculo sobre determinado palavra que queremos reforçar,
ou lugar que queremos assinalar num mapa, ou num qualquer pedaço de papel, ou
outra qualquer forma de afirmação, tomada de consciência ou organização de pensa-
mentos.
De acordo com este autor, ainda que haja necessidade da imposição de
uma certa racionalidade a partir do momento em que se assume o desenho como forma
de aprendizagem consequente, não deixa de estar presente o segundo aspecto de fas-
cínio, já referido, com a característica narrativa de representações que ultrapassam,
quer a própria gestualidade, quer o valor discursivo, face à sobrevalorização fundamen-
tal do aspecto analógico.
Apesar do véu que se sobrepõe à produção racional e consciente, deixando
um rasto nebuloso na representação das coisas, que nos obriga a calcorrear os cami-
nhos indefinidos das nossas recordações, escondendo os nossos receios e sobrepondo-
se ao prazer com que nos apossávamos das coisas atribuindo-lhes uma carga simbóli-
co-representativa.
O mesmo autor47 reitera o papel de charneira do desenho na formalização
do processo de ensino artístico, constituindo-se ao longo dos tempos como a chave do
processo de conhecimento da criação artística e facilitador da construção do conceito de
realidade e da verdade da compreensão simbólica do imaginário, determinando a estru-
tura mais profunda da mudança das relações com as coisas. Para Molina, definir o
desenho é, principalmente, estabelecer uma sucessão temporal com continuidades e
descontinuidades que permitem determinar o que é passível, ou de ser nomeado, ou de
constituir a parcela indizível, desempenhando, neste contexto intimista com a palavra,
enquanto sistema de escrita/caligráfico, mas também como fórmula estruturante de tec-
nologias artísticas como a pintura, constituindo um agradável desafio a descoberta da
estrutura das figurações que são, como diz Molina, “o abecedário taxonómico do nosso
saber das coisas”48
47 Molina. El Manual del Dibujo. 2003
48 Molina. El Manual del Dibujo. 2003,
, no mesmo sentido em que Miró, referido na obra aqui citada, atribui
à aprendizagem do desenho o mesmo valor da aprendizagem da denominação das
33
estrelas que constituem o nosso universo. Molina frisa o conceito de aprendizagem
como um “processo contínuo de reconhecimento das novas relações surgidas entre as
palavras e as coisas”. O desenho constitui-se, deste modo, um elemento de conflito
entre palavras e respectivas possibilidades de significação, significado e significantes.
Parte da psicologia a noção da ligação entre a palavra e o desenho para
designar a imagem que o próprio desenho determina rumo à concretiza-
ção/consciencialização simbólica definitiva49
1.1.1. ABSTRACÇÃO
, que se verifica na criança a partir das pri-
meiras garatujas replicadas, quer no processo gráfico, quer na nomeação. Constituindo
o início do processo criativo, através dos nomes, das palavras e da linguagem verbal,
em geral, como meio privilegiado de estruturação e organização do caos expansivo e
projectivo inicial. Tal tese de Molina, a propósito dos conflitos determinantes no processo
da representação e na socialização do reconhecimento simbólico, é ilustrada pela
emblemática afirmação de Gombrich a propósito do desenho do cavalo se parecer com
o cavalo, mas nunca tal cavalo se parecer com o desenho.
O exercício da liberdade, substantiva-se mais amplamente, quanto maior for
o grau de abstracção que o artista utiliza na realização do tema (Arnheim50
49 Molina. Los nombres del dibujo
50 Arnheim, Rudolf. Arte e Percepção Visual. São Paulo: Livraria Pioneira, 1997
), tal como
acontece com aqueles que utilizam o trompe-l’oeil, ou configuraçãoes não representati-
vas, não miméticas, reflexo da experiência humana através da expressão visual e res-
pectivas relações espaciais. De acordo com este autor, verifica-se uma relação entre a
representação estrutural simples, regular e simétrica e o caso da representação infantil,
em igualdade de circunstâncias, na arte primitiva, tal como, na arte feita por esquizofré-
nicos, ou em determinados aspectos do estilo Bizantino, ou, ainda, em certas execuções
da arte moderna ocidental. Concluindo que sempre que a mente se liberta da complexi-
dade da natureza, encontra fórmulas de organização estrutural em conformidade com o
seu próprio funcionamento, procurando a resposta numa estrutura mais simples, numa
configuração geométrica mais regular e mais simétrica, afinal, muito distante da comple-
xidade morfológica irregular mais frequentemente encontrada na natureza.
34
Ao longo do tempo, os grandes grupos de seres humanos tiveram dificulda-
de em abordar a natureza com confiança e familiaridade, apesar da afinidade biológica
entre o homem e o mundo. Nas fases iniciais do desenvolvimento humano, a passagem
do sentido do tacto para a profusão dos aspectos visuais, levou o homem primitivo a
criar um universo securizador de formas geométricas ordenadas que, ao substituírem o
caos da natureza, passaram a ser consideradas belas51
«A criança desenha uma cabeça humana como um círculo». O círculo é a
qualidade formal das cabeças, subjacente ao conceito abstracto de “redondeza”. O cír-
culo da criança, mais que um signo representando um conceito, é uma imagem geral-
mente aceite da redondeza comum à forma das cabeças – «representação perceptual
do abstracto»
.
52. Quando a mente se liberta da complexidade da natureza, tende a orga-
nizar configurações conformes à tendência do seu próprio funcionamento. Essa tendên-
cia vai no sentido de uma estrutura mais simples, de uma configuração geométrica mais
regular e mais simétrica53
Como nos indica Gardner, Lévi-Strauss dedicou a melhor parte de uma lon-
ga e distinta carreira de estudos em defesa da proposição de que todos os membros da
nossa espécie pensam da mesma forma e modelam produtos comparáveis»,
.
O termo «estrutura», usado, quer na linguagem comum, quer na linguagem
científica, refere-se ao conjunto das partes que garante a permanência e o funciona-
mento de determinado sistema – a estrutura de um edifício, a estrutura de um orga-
nismo, a estrutura de uma organização. Tem sido utilizado na filosofia – Fenomenologia
e Existencialismo, mas também, na psicologia – Gestalt, que demonstrou que os actos
psíquicos não se explicam através da agregação de elementos simples preexistentes,
antes, constituem formas ou estruturas que determinam a natureza dos seus próprios
elementos.
54 em cola-
boração com Jakobson da “escola de Praga” de Linguística projectou um método de
análise linguística que prometia colocar a Linguística sobre uma base científica firme».
Jakobson, adianta Gardner, (1999,)55
51 Arnheim, Rudolf. Intuição e intelecto. São Paulo: Martins Fontes, 1984
52 Arnheim, Rudolf. Para uma psicologia da Arte – Arte e entropia. Lisboa: Dinalivro, 1997
53 Arnheim, Rudolf. Arte e Percepção Visual. São Paulo: Livraria Pioneira, 1997
54 Gardner, Howard – Arte, Mente e Cérebro. Porto Alegre : Artmed Editora, 1999
55 Idem
pretendeu descobrir elementos-chave ou blocos
construtores a partir das infinitas variações superficiais das diferentes línguas e, por
outro lado, os elementos básicos da linguagem adquiririam significado só na medida em
que se relacionavam uns com os outros. «Lévi-Strauss declarou que os antropólogos
devem seguir o fio condutor dos seus colegas linguistas. Devem empreender uma análi-
35
se estrutural de fenómenos culturais análogos à descodificação estrutural de fenómenos
linguísticos realizada pela Escola de Praga. Declarado em termos programáticos, isso
envolveu a compreensão de que devemos estudar a infra-estrutura inconsciente (as
características distintivas) de fenómenos culturais em vez de suas manifestações super-
ficiais: devemos focalizar não os termos ou as unidades do domínio, mas antes os rela-
cionamentos entre essas unidades». «Lévi-Strauss acumulou evidências sedutoras indi-
cando que a característica fundamental de todas as mentes é classificar, e que os primi-
tivos classificam ao longo das mesmas linhas que os membros de culturas mais avan-
çadas… os indivíduos planejam conceitos e comparações não porque satisfazem impul-
sos biológicos básicos, mas antes porque auxiliam em embaraços cognitivos»56
De acordo, ainda, com Gardner,
. 57
O estudo estruturalista da mente deveria pressupor o reconhecimento de
que a unidade básica do pensamento humano é o símbolo e de que as entidades bási-
cas com as quais os humanos operam em um contexto significativo são sistemas simbó-
licos. A atenção a sistemas de símbolos abre a possibilidade da criação interminável de
mundos significativos – nas artes, nas ciências, em qualquer esfera da actividade
humana
Lévi-Strauss dedicou-se nos anos 70 ao
estudo de máscaras rituais de várias tribos indígenas do noroeste dos Estados Unidos,
defendendo, à luz da linguística estrutural que nenhuma máscara individualmente tinha
qualquer sentido decifrável em si mesma, mas tal sentido só poderia ocorrer da compa-
ração com outros conjuntos de máscaras de outras tribos da mesma região, encontran-
do as características distintivas passíveis de serem classificadas. Centrando o seu inte-
resse nas máscaras «Lévi-Strauss chegou mais perto do que nunca em seu trabalho de
uma declaração explícita de suas atitudes em relação às artes. Em sua visão as carac-
terísticas individuais de uma obra de arte ou artesanato surgiram devido à necessidade
profunda de cada clã ou linhagem de definir-se em relação a outros. Ou seja, estilo é
uma declaração feita por uma cultura de que ela difere de outras…» Lévi-Strauss termi-
nou a sua discussão a respeito das máscaras afirmando que toda a crença ocidental em
criatividade individual é uma ilusão. Por mais libertadora e estimulante que essa ilusão
possa ser para o artista praticante, não se pode seguir o caminho da criação sozinho. A
pessoa inevitavelmente se declara em relação a todos os outros usuários da linguagem
de uma forma de arte.
58
56 Gardner, Howard – Arte, Mente e Cérebro. Porto Alegre : Artmed Editora, 1999
57 Idem
58 Gardner, Howard – Arte, Mente e Cérebro. Porto Alegre : Artmed Editora, 1999
.
36
Kandinsky59
fala-nos do conceito de forma, no seu sentido mais restrito,
como uma superfície que delimita outra. Nesta delimitação do carácter exterior que con-
tém um elemento interior, “um conteúdo interior”, encontramos, afinal a estrutura, sendo
que, a adequação da delimitação exterior da forma é tanto maior, quanto mais expressi-
vo for o seu conteúdo interno.
59 Kandinsky – Do Espiritual na Arte. Lisboa: Dom Quixote, 1987
37
1.2. SELECÇÃO
«Tudo o que o homem faz ao procurar levar avante uma tarefa, ou seja, tudo
o que experimenta e realiza no seu contacto com a situação comportamental, física ou
humana, é o resultado de uma selecção»60
A informação possui dois sentidos fundamentais: a quantidade de informa-
ção que pode ser transmitida e a quantidade precisa de informação seleccionada que de
facto foi transmitida. Nesse sentido, ela pode ser conotada como a passagem, através
de um canal, tanto de sinais que não possuem função comunicativa, apenas estímulos,
. Tal selecção resultará da significação, com
carga afectiva que cada um de nós é capaz de atribuir a determinado acto e/ou facto.
Assim, se a afectividade é uma das mais importantes manifestações da
mente humana e, por conseguinte, condicionadora da actividade humana, se o cérebro
é a fonte do pensamento, se a percepção resulta de sensações, então, a afectividade é
racional. Por conseguinte, urge estabelecer a relação entre o acto de desenhar e a afec-
tividade: o acto de desenhar, pertence, também, então, ao domínio do afectivo. Desta
forma, é uma actividade racional, é consciente e não feita de acasos e, por isso, não é
uma actividade inconsequente, quiçá, inconsciente perpetrada por um grupo de indiví-
duos que se dedicam tão-somente a ocupar lúdica e despreocupadamente a ociosidade
num hedonismo permanente.
Se o desenho enquanto forma de conhecimento, é afectividade, isto é,
depende do significado que lhe atribuímos, importa gerar em quem desenha, quer nos
próprios artistas, quer nos alunos que frequentam disciplinas de âmbito artístico nos
diversos níveis de ensino, a ideia da construção dos significados, mas também, da sim-
bologia, que lhes permitam desenvolver instrumentos de avaliação consciente da reali-
dade que os envolve, na sociedade em que se situam. As razões substantivas que
levam a pessoa a produzir um desenho, à semelhança do que se passa com todas as
acções levadas a cabo pelo homem, resultam, tal como refere Miranda-Santos, de qua-
tro níveis de actividade relacionados com a afectividade. Assim, após a recepção da
informação, actividade eminentemente cognitiva, o indivíduo faz a respectiva aprecia-
ção, isto é, a atribuição de significação, selecciona, decide e, finalmente, age em cons-
ciência plena, justamente, fundamentado na atribuição de uma determinada significa-
ção.
60 Miranda-Santos, Álvaro, Expressividade e personalidade. Coimbra: Atlântida, 1989
38
como de sinais com função comunicativa, que foram codificados como veículos de
algumas unidades de conteúdo, sendo assim, objecto de estudo da engenharia da
transmissão da informação relativos a processos pelos quais são transmitidos unidades
de informação, não significantes (puros sinais ou estímulos) e significantes (com finali-
dades comunicativas).
Nesta ordem de ideias, facilmente se perceberá que alguém que se dedique
à produção de objectos artísticos, mas também, alguém que se dedique a fomentar a
produção de objectos de expressão, que se dedique a activar o desenvolvimento cogni-
tivo, a activar o desenvolvimento psicológico, a activar o desenvolvimento integral dos
nossos jovens concidadãos, através das mais diversas formas de expressividade, não
poderá deixar de ter em linha de conta que, com muito maior peso que a actividade
cognitiva baseada no registo da informação, importa, urge, buscar a resposta no mundo
da afectividade. Afectividade em sentido amplo, naturalmente, não, apenas, na empatia
desejável entre quem coabita um espaço comum, entre quem urde convivências, cum-
plicidades... afectividade, mais no sentido de deixar que os olhos vejam, aprendam, que
o coração se sobressalte, se excite, pelo prazer, pela beleza que nos envolve, enfim,
pela sensação, o tal “facto psicofisiológico provocado pela excitação dos sentidos”... e
depois, porque viu, porque sentiu, então que faça, deixando-se docemente guiar pelo
cavalo alado que dá pelo nome de Fantasia, montado na sela da Criatividade e segu-
rando as rédeas da Inventividade, voando ligeiro pelos campos da Imaginação.
O objecto artístico é um objecto de comunicação - Enquanto objecto de
comunicação poético-artística reflecte e é reflexo do mundo interior de quem o produz,
mas também, do mundo exterior que os circunscreve e, onde se incluem, obviamente,
os leitores/receptores que os sabem saborear. O objecto artístico é uma janela aberta à
excitação dos sentidos, no prazer da plena fruição ao encontro de silhuetas, de cores,
de tons e de matizes em registos-motores ronronando sílabas doces em cada marca
libertada no acto criativo.
Uma vez que todo o processo de comunicação se fundamenta num sistema
de significação, é necessário identificar a estrutura elementar da comunicação. Mesmo
que a relação de significação represente uma convenção cultural, podem, no entanto,
haver processos de comunicação, aparentemente desprovidos de qualquer convenção
significante, nos quais ocorrem, apenas, passagens ou estímulos de sinais. Quando um
índice se torna um ponto de partida de um processo de significação, ele deixa de ser,
apenas, o resultado final de um processo comunicativo. Associado ao código, ocorrem
pelo menos quatro fenómenos diferentes: i) uma série de sinais, regulados por leis com-
39
binatórias, que constituem um sistema sintáctico; ii) uma série de conteúdos de uma
possível comunicação, que constituem um sistema semântico; iii) uma série de possí-
veis respostas comportamentais por parte do destinatário, independentes do sistema
semântico; iv) uma regra que associa alguns elementos do sistema sintáctico a alguns
elementos do sistema semântico ou às respostas comportamentais. Essa regra estabe-
lece que uma dada série de sinais sintácticos se refere a uma dada segmentação do sis-
tema semântico; ou que tanto a unidade do sistema semântico quanto à do sistema sin-
táctico, uma vez associadas, correspondem a uma dada resposta; ou que uma dada
série de sinais corresponde a uma dada resposta mesmo não se supondo que seja
assinalada alguma unidade do sistema semântico.
1.2.1 ESTÍMULOS PERCEPTIVOS
A expressão “leitura de imagens” começou a circular na área da comunica-
ção e das artes no final da década de 1970, com a explosão dos sistemas audiovisuais.
Essa tendência foi influenciada pelo formalismo, fundamentado na teoria da Gestalt, e
pela semiótica. Na psicologia da forma, a imagem constituía percepção, já que toda a
experiência estética, quer de produção, quer de recepção, pressupõe um processo per-
ceptivo. A percepção é entendida como uma elaboração activa, uma complexa expe-
riência que transforma a informação recebida.
Na medida em que a imagem passa a ser compreendida como signo que
incorpora diversos códigos, a sua leitura requer o conhecimento e a compreensão des-
ses códigos. A ideia de "ensinar a ver e a ler" os dados visuais inspirou-se no trabalho
de Rudolf Arnheim, Art and visual perception, de 1957, que identifica as categorias
visuais básicas, a partir das quais a percepção deduz estruturas e o produtor de ima-
gens elabora as suas próprias configurações. Arnheim inventariou dez categorias
visuais: equilíbrio, figura, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento, dinâmica
e expressão. Perante tal modelo o espectador descobre nas imagens os esquemas
básicos utilizando as várias categorias visuais até descobrir a configuração que, por si
mesma, possui qualidades expressivas.
A proposta da leitura de imagens de tendência formal fundamenta-se na
"racionalidade" perceptiva e comunicativa que justifica o uso e o desenvolvimento da lin-
guagem visual para facilitar a comunicação. No contexto escolar, essa prática era atri-
buída, geralmente, a professores de arte.
40
Hernandez chama "racionalidade" ao conjunto de argumentos e evidências
que justificam a inserção da prática artística no contexto escolar. A presença de uma
racionalidade não representa, necessariamente, uma hegemonia, pois diferentes formas
de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, e uma pode estar mais
consolidada que outra.
A racionalidade moral entende que a prática artística contribui para a educa-
ção moral e o cultivo da vida espiritual e emocional.
A racionalidade expressiva considera a arte essencial para a projecção de
emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de nenhuma outra forma.
Concebe-se a prática artística como uma forma de conhecimento que favorece o desen-
volvimento intelectual para a racionalidade cognitiva.
Por fim, a racionalidade cultural entende o fenómeno artístico como mani-
festação cultural, e vê os artistas como responsáveis pela realização de representações
mediadoras de significados para cada época e cultura.
Outras abordagens, mais voltadas para o aspecto estético da leitura de ima-
gens de obras de arte, apoiam-se em investigações diversas, das quais podemos desta-
car, nomeadamente, as levadas a efeito por Abigail Housen61 e Michael Parsons62
Estes dois autores concordam que nem todos os adultos alcançam os está-
dios mais elevados de compreensão estética, uma vez que o que mais favorece o
.
Os estudos de Housen partem da seguinte hipótese: o desenvolvimento em
determinado domínio faz-se rumo a uma maior complexidade do pensamento, configu-
rando estádios desse desenvolvimento. Assim, as habilidades para a compreensão
estética crescem cumulativamente à medida que o leitor vai evoluindo ao longo dos
estádios: narrativo, construtivo, classificativo, interpretativo e re-criativo.
Na mesma linha de pensamento, Parsons defende que um grupo de ideias,
de tópicos estéticos (tema, expressão, aspectos formais, juízo) prevalece e é entendido
de maneira cada vez mais complexa, do ponto de vista estético, em cada um dos está-
dios de desenvolvimento.
61 Housen, A. Validating the mesure of aesthetic: development for museums and schools. ILVS Review. Massachusetts College of Art. 1992
62 Parsons, M.J. Compreender a Arte. Lisboa: Presença.1992
41
desenvolvimento estético é a familiaridade com as imagens das obras de arte, e isso
depende das experiências artísticas de cada pessoa.
A faceta semiótica introduziu no modelo de leitura da imagem as noções de
denotação e conotação. A denotação refere-se ao significado entendido "objectiva-
mente", ou seja, o que se vê na imagem "objectivamente", a descrição das situações,
figuras, pessoas e/ou acções num espaço-tempo determinados. A conotação refere-se
às apreciações do intérprete, aquilo que a imagem sugere e/ou faz pensar o leitor. Este
modelo é usado por professores que propõem a leitura de imagens de arte, ou de publi-
cidade.
A abordagem formalista, influenciada pela semiótica, enfatiza a leitura da
imagem a partir dos seguintes códigos:
• Espacial: o ponto de vista de contemplação da realidade
(acima/abaixo; esquerda/direita; fidelidade/deformação).
• Gestual e cenográfico: sensações que produzem em nós
os gestos das figuras que aparecem (tranquilidade, nervosismo,
vestuário, maquilhagem, cenário).
• Lumínico: a fonte de luz (de frente achata as figuras que
ganham um aspecto irreal, de cima para baixo acentua os volu-
mes, de baixo para cima produz deformações inquietantes).
• Simbólico: convenções (a pomba simboliza a paz; a cavei-
ra, a morte).
• Gráfico: as imagens são tomadas de perto, de longe.
• Relacional: relações espaciais que criam um itinerário para
o olhar no jogo de tensões, equilíbrios, paralelismos, antagonis-
mos e complementaridades.
Numa outra perspectiva, antropólogos, sociólogos e historiadores interes-
sam-se pelo uso de imagens como fonte documental, instrumento, produto de pesquisa,
ou ainda, como veículo de intervenção político-cultural. Face a essas perspectivas teóri-
co-metodológicas, reforça-se a tendência de construir o conhecimento através da
dimensão imagética.
O pesquisador que trabalha com imagens tende a reagir inicialmente com o
mesmo encantamento que reage perante relíquias antigas. Ler uma imagem, do ponto
de vista de um historiador é mais do que apreciar o seu esqueleto aparente, pois ela é
42
uma construção histórica de determinado tempo e lugar e, eventualmente, preparada e
planeada. Por exemplo, tanto os fotógrafos, como os pintores ajustam o cenário das
imagens que produzem, mas tal ajuste/negociação não é aleatória – visa um público e o
que se quer mostrar a tal público. O cenário preparado aproxima a imagem de outros
interesses ou intenções como, por exemplo, o de apresentar uma determinada realidade
e/ou alteração da realidade. No entanto, mesmo que se construa uma realidade forjada,
ou não, fruto da imaginação de um ou mais componentes, a imagem reproduzida não
existe fora de um contexto, de uma situação. Porções desse contexto são encontradas
tanto no interior da imagem como no seu exterior. O interior corresponde ao próprio
cenário, com os seus utensílios e apetrechos, pessoas com as suas roupas, cabeleiras,
modos e posturas corporais. O exterior corresponde ao próprio suporte da imagem, às
técnicas de produção no momento da criação, bem como às perspectivas que tal novi-
dade técnica gerou, ou não, nas pessoas em geral.
No âmbito da documentação, Valle Gastaminza63
• Iconográfica: reconhecer formas visuais que reproduzem, ou não,
algo que existe na realidade;
refere-se às indicações
para catalogar uma imagem e afirma que uma leitura inteligente da imagem requer as
seguintes competências:
• Narrativa: estabelecer uma sequência narrativa entre elementos que
aparecem na imagem e/ou elementos de informação complementar
(título, data, local etc.);
• Estética: atribuir sentido estético à composição;
• Enciclopédica: identificar personagens, situações, contextos e cono-
tações;
• Linguístico-comunicativa: atribuir um tema, um assunto que poderá
contrapor-se, ou coincidir com as informações complementares;
• Modal: interpretar o espaço e o tempo da imagem.
A abordagem da leitura crítica das imagens de Kellner64
63 SARDELICH, Maria Emilia - Educ. Rev. Nº.27 Curitiba jan./june 2006.
influenciou o traba-
lho de educadores que se reportam a uma pedagogia da imagem. A pedagogia da ima-
gem situa-se no marco teórico dos Estudos Culturais, e considera que a educação não
se restringe às formas legais organizadas quase sempre na instituição escolar. Em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0104-40602006000100013. (consulta em 9 de Março de 2008)
64 Idem
43
qualquer sociedade há inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes ins-
tâncias socioculturais. Grande parte desses mecanismos tem como função primeira
educar os sujeitos para que vivam de acordo com regras estabelecidas socialmente. Por
estarem inseridos na área cultural, esses mecanismos revestem-se de características
como o prazer e a diversão, e, em concomitância, educam e produzem conhecimento.
A partir desta compreensão da pedagogia da imagem, ler criticamente impli-
ca aprender a apreciar, descodificar e interpretar as imagens, analisando tanto a forma
como são construídas e operam nas nossas vidas, como o conteúdo que comunicam
em situações concretas. Kellner opõe-se à abordagem formal e anti-hermenêutica. Afir-
ma que as nossas experiências e as nossas identidades são socialmente construídas e
sobre determinadas por uma gama variada de imagens, discursos e códigos.
Como se pode ver, no percurso pelas referências da arte, antropologia, edu-
cação, história e sociologia, a abordagem da cultura visual na sua vertente cultural
amplia a proposta formalista estética e semiótica da leitura de imagens. Por se tratar de
uma abordagem multireferencial e transdisciplinar, um trabalho de compreensão crítica
da cultura visual nos mais variados ambientes de aprendizagem pode ser desenvolvido
por qualquer educador que se disponha a problematizar as representações sociais de
menina/menino, mulher/homem, família/criança, adolescente/adulto, velho/jovem,
pobre/rico, preto/branco, professora/professor, aluna/aluno, entre tantas outras possí-
veis, nas imagens dos livros didácticos, dos cadernos, das revistas, dos outdoors, dos
videojogos, da televisão, dos cartões postais, dos brinquedos, das obras de arte.
O cerne de um trabalho de compreensão crítica da cultura visual65
65 SARDELICH, Maria Emília. Eduweb e cultura visual: um contraste entre práticas artísticas e educativas em rede. Programa de Doutorado Educación
Artística: Enseñanza y Aprendizaje de las Artes Visuales, da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona 2003-2004.in http://www.scielo.br
(consultado em14 de Setembro de 2007)
não está
no que pensamos dessas representações, mas sim no que, a partir delas, possamos
pensar sobre nós mesmos. O que dizem de nós as representações de homem, traba-
lhador, professor, consumidor, branco, heterossexual e ocidental? O que dizem e não
dizem das pessoas iguais a nós e diferentes de nós? O que podemos pensar de nós a
partir dessas diferentes representações? Porque é que determinadas representações
são sempre recorrentes? A que interesses respondem tais representações?
44
A representação reiterada de determinados temas e ou grupos sociais aca-
bam por naturalizar e simbolizar um determinado grupo social e/ou um tema como nor-
mal, aceitável. Como é que nós, professores, temos sido representados? Como é que
nós, professores nos representamos? Quais as diferenças formais nas posturas,
expressões faciais, vestuário, cenários e acções de educadores em representações dos
séculos XVIII, XIX e XX? E nas representações dos estudantes? De que forma essas
representações tentam, ou conseguem, "fixar" determinados significados para esses
papéis? Como surgiram tais representações? Por quem, para quem e porque é que sur-
giram? Que cenários são privilegiados nas representações do espaço escolar nos últi-
mos três séculos? O que falta incluir nas representações da escola? Que ideias do
ambiente de aprendizagem essas representações acabam por fixar?
Na opinião desta investigadora66
1.2.2 ELEMENTOS ESTRUTURAIS
, trabalhar na perspectiva da compreensão
crítica da cultura visual pode ajudar a encontrar caminhos para outras formas de com-
preensão da realidade, de representações-outras que não as hegemónicas, e a discutir
uma representação repetida de passividade, indiferença, apatia e rotina dos sujeitos nos
respectivos ambientes de aprendizagem.
Os elementos estruturais que é possível determinar num desenho, ajudam-
nos, antes de mais, a compreender o próprio desenho, nomeadamente, através da
ordenação das nossas experiências visuais a partir da capacidade de abstracção visual
que nos é intrínseca e que vamos desenvolvendo ao longo da vida, através da constru-
ção de sistemas explicativos da realidade que nos rodeia67
67 Kepes, Gyorgy. Language of vision. New York: Dover Publications, 1995
.
Kepes denomina “educação técnica” como resultante do treino para a
expressão plástica, através da acumulação de experiências sensitivas espaciais ineren-
tes às relações entre as forças que actuam na superfície gráfica.
45
As várias relações estabelecidas entre os diversos elementos gráficos levam
à ocorrência de experiências diferenciadas de movimento sobre a superfície de repre-
sentação. São sensações virtuais de movimento resultantes da forma, da cor, do valor,
da textura, direcção e posição68
A autonomização do desenho floresce através dos diversos recursos técni-
cos reformulados, desenvolvidos ou inventados na Renascença, entre as quais são de
destacar os traçados ordenadores, os sistemas de proporções, a perspectiva, a anato-
mia e a antropometria. Verifica-se o acordo de vultos maiores da teorização artística,
demonstrando a importância do desenho como preparação fundamental de todas as
outras artes como por exemplo Cennini, Ghiberti, ou Alberti que, em 1435 no seu De
Pictura, afirma a importância de um bom desenho para realçar as qualidades da compo-
sição e da luminosidade da pintura
, sendo possível estabelecer uma gramática da lingua-
gem visual a partir das diferentes possibilidades e variáveis da relação entre os diferen-
tes elementos gráficos.
No Ocidente o desenho focou sempre a sua atenção na imposição do seu
conhecimento, estabelecendo o discurso das coisas e criando taxonomias extensas,
fazendo um inventário exaustivo. A partir do Renascimento a técnica, a ciência e as
artes industriais foram criando o desenho dos respectivos processos, de modo a estabe-
lecer modelos espaciais ordenados. Traçaram pontos, linhas, planos e espaços ordena-
dos. Estabeleceram estruturas das coisas, linhas discretas, essência do conhecimento
abstracto. Construíram volumes exactos, estabelecendo sombras bem definidas com
gradação de tonalidades
69
Enquanto expressão gráfica, a linha, ora na vertente mais caligráfica, ora na
vertente mais artístico-expressiva, é usada desde a pré-história, na representação figu-
rativa, no esquematismo, ou nos grafismos geométrico-abstractos, evoluindo para o
Antigo Egipto e para a sua escrita hieroglífica, realçando a sinalética expressa «no gra-
fismo dos contornos, na clara definição dos perfis e na representação aspéctica, que
evidencia o carácter essencial das formas» (Marques, 2005), cujas remanescências ico-
nográficas podemos observar na cerâmica grega. Seguindo o resumo histórico de Fer-
reira Marques (2005), o desenho a sinopia, na arte romana antiga, subjaz às pinturas
murais, mas também ao mosaico que atapeta e integra a arquitectura. Já na época
medieval o grafismo predominante é linear e caligráfico, através de «pena, estilete de
.
68 Molina. El Manual de Dibujo
69 Alberti, Leon Battista. De Pictura (1435),
46
chumbo ou de prata», de contorno muito nítido, assente na «cópia de exempla», consti-
tuída códice dos modelos de figuras com sede nos «scriptoriae conventuais», integram-
se «na arquitectura, na escultura, na pintura mural, na tapeçaria, nos vitrais e nas ilumi-
nuras dos manuscritos», relevem-se os casos de «Adhémar de Chabannes, no séc. XI,
e Villard de Honnecourt, no séc. XIII» (Marques, 2005).
A linha, «evolui, no sentido dos “caprichos” maneiristas e do ideal clássico»,
tornando o desenho mais autónomo com Rembrandt, passando pelo virtuosismo e pelo
grafismo mais “livre”, próprios do século XVIII, até à sensualidade descoberta nos «retra-
to e nu femininos» de «Watteau, Boucher e Fragonard» (Marques, 2005). O século XIX
é marcado pela disputa entre o academismo comedido e a subjectividade da «expres-
são individual» de «Delacroix, Degas, Corot, Daumier, Toulouse-Lautrec, Turner,
Rodin».
Não há um consenso em relação às diferentes tipologias da linha do dese-
nho. Como refere o Professor António Pedro Marques, «o desenho pode ser sensível e
a linha ter uma expressão "diagramática" ou ter um carácter mais "expressivo"».
Molina refere a linha diagramática como correspondendo a um desenho ins-
trumental e operativo, com o intuito de esclarecer sobre a problemática em questão.
Apresenta diversos níveis de complexidade, espacial, temporal e estrutural, reflectindo a
evolução da forma, mais pelas forças em presença que pela representação mimética.70
Mossi, socorre-se de uma certa conceptualização do desenho, fundamenta-
da na obra de Federico Zuccaro “O Manual dos Pintores”, em que se distingue um
“disegno interno” ligado à referida conceptualização e um “disegno externo” ligado à par-
te técnica. E, assim, distingue na sua metodologia de ensino, traduzida em manual
escolar: linha esquemática, linha sensível, linha valorativa e linha expressiva
71
Rocha de Sousa
.
72
70 Molina – Maquinas y Herramientas
71 Mossi, Alberto Facundo – el dibujo enseñanza aprendizage
72 Sousa, Rocha de. Didáctica da Educação Visual. Lisboa: Universidade Aberta, 1995
fala-nos de contenção e acentuação dos modos de for-
mar das linguagens gráficas, cuja determinação da «formação do acto visual» se preen-
che pela intersecção de factores diversos como a posição do observador em relação ao
observado e concomitante dinâmica de observação, a selecção e síntese dos elementos
da forma, a atitude mental que acompanha a visão, ou a experiência resultante do
conhecimento anterior do objecto.
47
A polaridade entre enfatismo e exclusão que caracteriza o processo repre-
sentativo «Em qualquer registo são evidenciados elementos que resultam da selecção
prévia dos aspectos mais característicos das formas que pretendemos representar,
enquanto outros são intencionalmente omitidos, como se não existissem. O enfatismo
ressalta com facilidade; os elementos omitidos, mesmo em número superior, quase não
provocam a impressão de falta. Massironi explica este fenómeno através das “qualida-
des envolventes e absorventes das imagens que, frequentemente se propõem do ponto
de vista cognitivo como um substituto muito convincente da realidade. No momento em
que os estímulos visuais do desenho reproduzem uma hipotética realidade aparente-
mente coerente com a representação gráfica, somos arrastados pela cerrada lógica da
representação.» (Marques, 2005)
Se o ponto material resulta do primeiro contacto entre o utensílio riscador e o
suporte, tornando-se signo (Alberti), a linha, como poderiam concordar Alberti e Leonar-
do, será o resultado do percurso entre dois pontos. A linha é, então, gerada pelo movi-
mento do ponto.
Deve-se relevar a importância do ponto, quer pela sua autonomia formal,
quer pela relação que estabelece com a linha, quer, ainda, pelo papel que desempenha
na representação, ao caracterizar as superfícies em termos de valor lumínico e de textu-
ra73
Kandinsky
.
74
Estas podem apresentar diferentes expressões, como fechadas ou abertas,
regulares ou irregulares. As tramas criam efeitos visuais muito variados valorizando a
expressão dos desenhos, tendo em conta, por exemplo, o grau de dureza da mina e a
rugosidade do papel, produzindo, assim, marcas e texturas. Estas podem ser obtidas
pelo tipo de material de desenho, pelo tipo de papel de suporte e também pela pres-
são que fazemos sobre o papel quando desenhamos.
, considera o plano original como a superfície material que
suporta a obra e cuja autonomia se define por duas linhas verticais e duas linhas hori-
zontais que limitam o referido plano.
As linhas do desenho podem elaborar contornos suaves ou intensos, mas
também se podem cruzar ou sobrepor formando diferentes tipos de tramas.
73 Sousa, Rocha de. Didáctica da Educação Visual. Lisboa: Universidade Aberta, 1995 74 Kansinsky. Ponto, linha, plano. Lisboa: Edições 70, 1996
48
1.3. O DESENHO COMO CONHECIMENTO
Se o desenho for definido como a interpretação de qualquer realidade,
visual, emocional, intelectual, ou outra, através da representação gráfica, então, pode-
mos dizer que o Desenho de Observação assenta em quatro conceitos básicos: Enqua-
dramento, Composição, Perspectiva e Proporções. A observação, com vista à represen-
tação e registo gráficos, é sobretudo um meio para se adquirir o domínio sobre os fun-
damentos do desenho (que não são regras), sobre a percepção visual e sobre o espaço
no qual se desenvolve, seja ela bidimensional ou tridimensional. No exercício do dese-
nho de observação desenvolve-se o pensamento analógico e concreto, o sentido de
proporção, de espaço, de volume e de planos. A sensibilidade e a intuição são espica-
çadas enquanto se passa a apreciar melhor os outros elementos da linguagem gráfica:
textura, linha, cor, estrutura, ponto e composição.
«Segundo a lei básica da percepção visual, qualquer padrão de estímulo
tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante é tão simples quanto permitem
as condições dadas»75
75 Arnheim – Arte e Percepção Visual. 1997
. Como explicita Arnheim, o enfraquecimento do estímulo e con-
sequente simplificação, são função do espaço, determinada pela dilatação da distância,
isto é, pelo afastamento do objecto alvo da percepção em relação ao observador; e fun-
ção do tempo, determinada pela redução da memória; quer num caso, quer no outro, a
tendência assenta na reprodução/representação simplificada, por perda, da estrutura
articulada. Tal pressuposto resulta do entendimento da visão como captação activa,
diferente da captação mecânica fidedigna e, portanto, importando determinar o que
vemos quando olhamos.
O que determina a acção de desenhar nunca é um pensamento organizado,
é sempre a sugestão que a imagem provoca no nosso íntimo e a dificuldade que a refe-
rida imagem tem em ser integrada em determinada produção artística, através dos
recursos, apesar de tudo, limitados de quem desenha. A possibilidade de futuros
“encontros” resulta da produção dos registos gráficos, que, como com toda a experimen-
tação, estão sujeitos a comparações com estereótipos, mais ou menos complexos que
possibilitam a visualização dos esquemas de partida.
49
O projecto de desenho, como diz Molina76
A temática do desenho permitiu estabelecer com precisão o valor material
do representado, bem assim, como abrir à arte o mundo fascinante da verosimilhança. A
desconstrução da obra realiza-se a partir da construção discursiva de teorias do conhe-
cimento, não sendo, contudo, necessariamente, a razão das suas práticas. Como diz
Gombrich
, “é sempre um projecto sem
nome”, em que o discurso preciso que compõe a sua obra é sempre possível de ser
citado num outro desenho. Uma vez admitido o conceito de desenho, aplicado a um esti-
lo ou a uma obra e reconhecidos os elementos que permitem a sua formalização, qual-
quer pessoa pode perceber os materiais constitutivos, a gramática ordenadora, as
razões da sua prossecução, a composição dos seus traços, a cor e o calor dos seus
matizes, a escala dos seus elementos, ou as referências que estabeleceram com os
desenhos que tornaram possível tal obra.
Cada nova proposta de realização pode ser legitimada por repetições reco-
nhecíveis daquilo que poderia ter sido considerado, anteriormente, extravagante. A pre-
cisão dos signos articula-se com a capacidade que temos de estabelecer as suas refe-
rências. Cada linha é um traço expandido de apelos intencionais, na urdidura de cumpli-
cidades com o mundo que nos envolve, quer de objectos, quer de imagens. Não são os
recursos que definem o desenho (Molina), antes a maneira como estes se integram nos
discursos social e cultural da prática que se aceita como artística, pois, a liberdade só
pode ser entendida como a independência em relação aos modelos que determinam as
suas produções.
77
«Segundo a Teoria da Forma, a percepção visual é um processo integral
estruturalmente organizado. A lei da nitidez da estrutura e a lei do complemento estabe-
lecem a síntese niveladora e o sentido global das formas, com base numa espécie de
enfatismo geométrico de compensação, como no caso das formas inacabadas. As ope-
rações gráficas envolvem o emprego de sinais sobre superfícies, fixas ou amovíveis,
com a finalidade de comunicar conteúdos perceptivo-cognitivos. O processo gráfico é
complexo, muito abrangente e caracteriza-se por uma multiplicidade de escolhas que
exigem a aferição de resultados face a um conjunto de objectivos previamente estabele-
cidos e uma atitude permanente de selecção e exclusão. A análise e a observação, no
, o fazer precede o relacionar e cada desenho reorganiza-se sempre sobre
posições ambíguas que subjugam a sua actividade.
76 Molina. El Manual de Dibujo. 2003 (tradução livre) 77 Gombrich - Art and Illusion. 1986
50
desenho de representação, e a imaginação criativa, no desenho de expressão artística,
exigem o questionar permanente de relações espaciais, métricas, geométricas e gonio-
métricas (estudo da medida dos ângulos), sendo de destacar, no processo criativo, o
ensaio, a experimentação e toda a problemática em torno das estruturas e dos conteú-
dos significativos. A prática do desenho tem, sobretudo, carácter processual. Hoje, o
desenho é entendido como processo contínuo de realização, que exige grande mobili-
dade criativa e capacidade crítica, apoiando-se, cada vez mais, na reflexão sobre os
valores culturais e no acesso a fontes de informação» (Marques, 2005).
Feita a ruptura com certos valores hierárquicos que estabeleceriam os
modelos estanques de formalizações (Molina), os manuais contemporâneos de desenho
mostram o ecletismo dos recursos que propõem e, na sua maioria, visualizam os pro-
blemas através de soluções que reorganizam técnicas de desenho já resolvidas através
das quais o aluno deve interiorizar as suas intenções. É o caso, também apontado por
Molina, do manual de Betty Edwards, The new drawing on the right side of the brain, em
que a autora preconiza, mais que o desenvolvimento de competências de desenho, o
desenvolvimento de competências perceptivas, como forma eficaz de desenhar o que
se vê. As cinco competências defendidas por Edwards78
• A percepção dos contornos
são:
• A percepção dos espaços
• A percepção das relações
• A percepção das luzes e sombras
• A percepção global, ou gestalt.
Mas, o desenho deve ser visto nas suas múltiplas acepções, quer como veí-
culo de pensamento, de reflexão, de comunicação, de análise, de transformação, de
solução de problemas, de criação, mas também veículo para os mais variados proces-
sos perceptivos e cognitivos, enfim, como forma de conhecimento.
Devemos, pois, por um lado, entender a linguagem gráfica como uma forma
de pensar e conhecer, recuperando a finalidade do desenho como meio imprescindível
de conhecimento e transformação da realidade e elemento formador de identidade e
emancipação cultural, social, ou económica, tendo em conta, os processos cognitivos
78 Edwards, Betty. The New Drawing on the Right Side of the Brain. 1999
51
envolvidos nas mais variadas configurações e usos e das suas diversas funções comu-
nicativas.
Por outro lado, devemos compreender o papel mediador do desenho na
inter relação entre os vários meios de expressão visual, a sua polivalência e o seu
potencial interdisciplinar, cuja amplitude corresponde à diversidade de procedimentos
em cada disciplina a que se estende o desenho.
Importa, assim, perceber que o desenho enquanto forma de expressão, é o
tradutor do pensamento visual mais directo, imediato e versátil. Manifesta-se de modo
bastante abrangente em todas as actividades humanas, ultrapassando largamente a
área estritamente artística. O pensamento visual compreendido pelo desenho, através
de procedimentos básicos, possibilita o diálogo entre os diferentes meios, apresentando,
por conseguinte uma valência inter, pluri e transdisciplinar.
Assim, o desenho pode ser visto como veículo de informação. Enquanto tal,
devemos notar que a informação possui dois sentidos fundamentais: a quantidade de
informação que pode ser transmitida e a quantidade precisa de informação seleccionada
que de facto foi transmitida. Nesse sentido, ela pode ser conotada como a passagem,
através de um canal, tanto de sinais que não possuem função comunicativa, constituem
apenas estímulos, como de sinais com função comunicativa, isto é, que foram codifica-
dos como veículos de algumas unidades de conteúdo, sendo assim, objecto de estudo
da engenharia da transmissão da informação relativos a processos pelos quais são
transmitidos unidades de informação, não significantes (puros sinais ou estímulos) e
significantes (com finalidades comunicativa).
De sublinhar a vocação interdisciplinar do Desenho (Marques) que, «apesar
da situação actual da educação artística, continua a exigir a aproximação e compreen-
são das artes plásticas e visuais, incluindo a arte multimédia, a fotografia e a performan-
ce, sem esquecer a ligação com outras artes e ciências, constituindo, sem dúvida, um
meio privilegiado de iniciação e desenvolvimento do processo criativo, em geral, e gráfi-
co-artístico, em particular».
O desenho permite vislumbrar o objecto representado, ao mesmo tempo que
revela quem o produz. Paradoxalmente, quanto melhor se entende e desenha o mundo
exterior, mais facilmente o potencial espectador alcança uma leitura mais clara do mun-
do interior do autor do desenho. Esta objectualidade, serve, também, como forma de
autoconhecimento, convertendo-se, assim, o desenho numa espécie de espelho e metá-
52
fora do próprio artista. Ao ampliar as capacidades perceptivas, assiste-se à emergência
do aguçamento de um estilo de fazer, próprio, resultante do incremento da capacidade
de observação, que contribui para melhorar as aptidões para desenhar o que se vê,
documentando no tempo, a formação do estilo próprio, como forma de expressão de si
mesmo. Por vezes, o artista, por exemplo, através de uma linha rápida e caligráfica, faz-
nos sentir a resposta visual e emocional face ao tema representado, mostrando ao
mesmo tempo, o representado e a sua própria essência, enquanto ser humano.
O objectivo de cada um será atingir a auto-expressão através do desenho,
libertando-se de estereótipos, mostrando o seu carácter único, o seu modo de ser,
alcançando um estilo pessoal e exteriorizando a sua individualidade.
Se considerássemos a escrita como una forma particular de desenho
expressivo, poderíamos dizer que qualquer um de nós é capaz de expressar-se com um
elemento fundamental da arte: a linha - criação original, apesar de moldada, nomeada-
mente, pelas influências culturais.
De cada vez que assinamos o nosso nome expressamo-nos através do uso
da linha, do mesmo modo que qualquer artista usa este elemento básico, servindo para
expressar a personalidade de cada um, sendo, também, passível de ser lida, uma vez
que resulta da aplicação da linguagem não verbal da arte.
Ao fazermos a análise da nossa própria assinatura podemos verificar o teor
da mensagem não verbal da linha que acabámos de traçar. Diferentes leituras de men-
sagens não verbais ocorrerão se escrevermos o nosso nome numa sequência de regis-
tos gráficos diferenciados. O nome formado pelo desenho não mudou, aquilo que difere
é a essência da mensagem: o sentimento, as qualidades intrínsecas de cada linha, o
conjunto de linhas, a velocidade da linha, o tamanho e separação das marcas, a quali-
dade da tensão muscular reflectida na linha, as características do padrão direccional, o
todo e as partes. A assinatura de uma pessoa é tão única, enquanto expressão indivi-
dual, que serve para identificar legalmente o autor exclusivo do desenho, reflectindo, ao
mesmo tempo, a criatividade inerente à linguagem não verbal da arte de modo expressi-
vo e único, através, como já vimos, da utilização da linha – elemento básico do desenho.
53
2. O DESENHO: ENSINO E APRENDIZAGEM
O ensino do desenho começou por ser feito no seio das diversas Academias
que foram surgindo nos diversos centros artísticos europeus, de que são exemplo, entre
outras, l’Academia di San Luca em Roma, fundada em 1577 e a Academia Real de Pin-
tura e Escultura fundada em Paris em 1648, agremiadora de mestres escultores e pinto-
res desejosos de elevar tais profissões ao estatuto de “artes liberais”, ligadas ao intelec-
to, contra o pouco valorizado estatuto de “artes mecânicas”, conotadas com a simples
manualidade. Esta instituição, também por esta razão, rapidamente passou de mera
corporação profissional, a acumular a função de ensino, com o objectivo de formar uma
elite, tanto de artistas, como de futuros professores de diversas escolas de desenho de
âmbito regional, subsidiárias da referida Academia.
Tal como refere Renaud d’Enfert79
• A resposta às necessidades da economia, nomeadamente da indús-
tria, sendo encarado como a sua forma de “escrita”, ao longo de todo
o século XIX até à Segunda Guerra Mundial.
o ensino generalizado do desenho come-
ça em França a partir de finais do século XVIII, ainda que de forma diferenciada, quer
nos conteúdos, quer nos métodos aplicados, de acordo com os níveis, locais e modali-
dades de ensino – escola primária (ensino popular) ou escola secundária (ensino das
elites). Este historiador, defende a relação do ensino do desenho e respectiva democra-
tização, com as decisões políticas orientadoras da sociedade, susceptíveis de permitir
avanços e recuos na sua implementação. Refere, ainda, duas das vertentes do seu
ensino:
• Numa perspectiva, eminentemente política, através do acesso mas-
sificado à educação.
Aqui, a questão principal prende-se com as questões educativas do ensino
do desenho, permitindo a aquisição de competências gráficas, bem como a aculturação
artística, ou, como refere Donnis A. Dondis80
79 D’Enfert, Renaud. Un art pour tous, le dessin à l’école de 1800 a nos jours 80 Dondis, Donis. A Primer of Visual Literacy
, os desejos, conceitos, pensamento,
conhecimento e visão que se tem do mundo, determinados pelo poder que a imagem
exerce sobre a psique: a literacia visual, mas também exercício da mão e do olho, do
corpo e do espírito, convidando à mestria do gesto (virtuosismo), levando ao cuidado, ao
rigor e ao gosto pelo trabalho bem feito, mas contribuindo, também, para desenvolver a
sensibilidade e as capacidades de reflexão e de observação.
54
Como observa D’Enfert, o percurso do ensino do desenho, à semelhança
das várias etapas de transformação do ensino do desenho em França, assiste-se à sua
repercussão e difusão pelo resto da Europa, enquanto disciplina obrigatória integrante
dos diversos curricula nacionais
55
2.1. ENSINO PARA TODOS
Como afirma Jean-Jacques Rousseau no seu “Emílio”81
Henry Pestalozzi
, considerado o pri-
meiro tratado de filosofia da educação no Ocidente, «aquele de entre nós que melhor
souber suportar os bens e os males desta vida, é, na minha opinião, o mais bem-
educado; daí que a melhor educação consiste menos em preceitos que em exercícios.
Começamos a instruir-nos quando começamos a viver; a nossa educação começa con-
nosco…». É neste sentido da tomada de consciência do próprio eu e da construção da
própria liberdade, através do juízo crítico que a educação desenvolve, que Rousseau
“contrói” o seu Emílio, de forma precoce para o estado evolutivo da socieddae na
segunda metade do século XVIII.
Se tal é verdade para os princípios educativos em geral, também o é para a
questão particular do ensino do desenho, como defende Pestalozzi, quando coloca em
prática, já no século XIX, o ideal educativo rousseauniano, fazendo passar a construção
do currículo nas experiências educativas que protagonizou, pelo ensino do desenho,
enquanto elemento fundamental para o desenvolvimento pleno do indivíduo, na aquisi-
ção da consciência crítica para a liberdade individual, como consequência da democrati-
zação social emergente.
82
81 Rousseau, Jean-Jacques. Emílio (2 vol.). Mem Martins. Publicações Europa América, 1989,
82 Biber, Edward and Pestalozzi, Henry. Henry Pestalozzi and his plan of education. London: John Souter, School Lybrary,
1831, (Kessinger Publishing Legacy Reprints),
propõe no seu plano de educação um «método de ensino
da forma – geometria e desenho», partindo de três pressupostos que acabam por se
interligar: “a arte de medir”, “a arte de desenhar” e “a arte de escrever”, sendo que o
pedagogo em questão, defende a relação íntima entre a medição e o desenhar, não
estabelecendo, aliás, qualquer distinção entre estas duas actividades, a não ser enquan-
to passos sequenciais de uma mesma operação. Medir é, para Pestalozzi, a arte de
apreender, enquanto o desenho é a arte de representar correctamente o contorno de um
dado objecto, não entendendo aqui a ideia de contorno, necessariamente, tal como é
entendido no âmbito da geometria. Nas suas próprias palavras: «é óbvio, ainda que
geralmente negligenciado, que a facilidade na prática de medir coisas deveria preceder
qualquer tentativa de desenhar; ou, no mínimo, seremos capazes de desenhar com
sucesso desde que sejamos capazes de medir. O modo vulgar de procedimento, ao
contrário, consiste em começar, com uma vista incorrecta e uma representação distorci-
56
da do objecto; para expurgar e desenhar de novo, repetindo este processo entediante,
até que gradualmente uma espécie de sentimento instintivo das proporções seja acor-
dado. Então, finalmente, procedemos, tal como devíamos ter começado, a saber:
medindo.”83
Juan Bordes sintetiza o pensamento de Pestallozi na frase: «conseguir a
completa harmonia educativa da cabeça, do coração e da mão»
84
Como pudemos verificar atrás, e de acordo com a sua pesquisa, D’Enfert,
determina um escalonamento do ensino do desenho, em França, de acordo com a
dimensão dos agregados populacionais versus tipologia de estabelecimento de ensino:
desenho geométrico nas escolas primárias de povoações menores (mais de mil pes-
soas), ensino do desenho numa perspectiva de arte decorativa, nas cidades um pouco
maiores e, finalmente, o desenho ensinado numa perspectiva mais elitista e artística nas
cidades de maior dimensão (mais de 4000 pessoas). No essencial as escolas de dese-
nho francesas, fornecendo formação gráfica, respondiam às necessidades produtivas e
económicas locais, registando-se o compromisso do projecto político inerente à Revolu-
ção Francesa, na vontade de integrar o ensino do desenho de forma generalista e trans-
versal em todos os estabelecimentos de ensino dos diferentes tipos (D’Enfert, 2004)
85
No século XVIII, em França, assiste-se ao aparecimento e difusão de esta-
belecimentos vocacionados para o ensino das belas-artes e do desenho, que D’ Enfert
.
Ainda antes da generalização do ensino gráfico, popularizado pela Revolu-
ção Francesa, era possível verificar a oferta do ensino do desenho como complemento
dos estudos clássicos, quer no âmbito das artes decorativas, quer no âmbito técnico-
científico, para a construção de fortificações e levantamentos cartográficos.
A Revolução Francesa, revela-nos o conceito de escola pública, que, como
já vimos, preconiza a generalização do ensino do desenho, ainda, tal como no passado,
numa perspectiva de educação do operariado
86
83 Biber, Edward and Pestalozzi, Henry. Henry Pestalozzi and his plan of education. London: John Souter, School Lybrary,
1831, (Kessinger Publishing Legacy Reprints), (tradução livre)
84 Molina, Juan José Gomez. El Manual de Dibujo. Madrid : Cátedra, 2003
85 D’ Enfert, Renaud. Un art pour tous, le dessin à l’école de 1800 a nos jours. Rouen : Institut National de recherche péda-
gogique. 2004
86 D’Enfert, Renaud. L’Enseignment du dessin en France. Paris : Belin, 2003
apelida, genericamente, de escolas de desenho, para as distinguir, pela sua localização
57
descentralizada, e pela subsidiariedade da Academia Real de Pintura e Escultura de
Paris, onde se concentrava a formação artística e assumia, concomitantemente, o papel
de centro de socialização da elite do momento. Ao contrário, as escolas provinciais
tinham um estatuto mais próximo do utilitário na formação de artesãos e artistas
(D’Enfert, 2003).
Ainda que as referidas escolas de desenho não tivessem o monopólio do
ensino do desenho, tal como acontecia no âmbito de outras instituições de ensino ora
particulares, ora públicas, de acordo com o regime político vigente em cada lapso de
tempo, mas cujas características revelam alguma continuidade e semelhança no ensino
do desenho, como os exercícios relacionados com a ornamentação, ou no âmbito de
formação técnico-científica (D’Enfert, 2003). É, nesta última perspectiva, que se pode
enquadrar a invenção da geometria descritiva, por Gaspar Monge, enquanto método
que integra o traçado de figuras geométricas elementares e a obra de arte. A possibili-
dade de representar bidimensionalmente, objectos tridimensionais, através da projecção
ortogonal, passou a ser um dos elementos de “formação profissional” de canteiros e
carpinteiros (D’Enfert, 2003). O próprio Monge expressa a vantagem da geometria des-
critiva para a formação dos operários, desenvolvendo o seu sentido de rigor, de preci-
são, mas também, com o veículo de exercitação das sua faculdades mentais e de
desenvolvimento da inteligência (D’Enfert, 2003).
A exploração da ideia da “ciência do desenho”, como forma de promoção
desenvolvimento do ensino do gosto, contribuiu para a valorização e desenvolvimento
industrial e comercial encetado em 1720. Período caracterizado por novos padrões de
consumo e produção de novos produtos, tal como tecidos, mobiliário, objectos decorati-
vos, materiais de uso doméstico, ao mesmo tempo que se verifica um alargamento dos
mercados, não se confinando já, às camadas sociais mais elevadas, assentando na
necessidade de resposta à crescente procura, à efemeridade das modas e consequente
diminuição do tempo de vida dos materiais (D’Enfert, 2003).
A promoção do ensino do desenho, enquadra-se no processo de valorização
do trabalho manual, defendida pelos enciclopedistas que denotam respeito e admiração
pelas profissões mecânicas, como fundamentais para a sobrevivência da sociedade,
elevando à mesma plataforma as artes mecânicas e as artes liberais, o concreto e abs-
tracto, dando a mesma ordem de importância ao gesto e ao pensamento, enquanto acti-
vidades humanas (D’Enfert, 2003).
58
A abertura das escolas de desenho a várias camadas sociais, pretendia
satisfazer vários tipos de público: para a elite rica e culta, o ensino do desenho constituía
um complemento educacional do gosto e do favorecimento da criação artística; para os
que seguiam uma carreira técnica, cujos conhecimentos do desenho apresentavam um
cariz utilitário de âmbito profissional, como para a arquitectura civil ou militar; para os
artesãos e operários, de quem dependia a boa forma dos objectos de uso quotidiano
(D’Enfert, 2003).
Em 1864 surge, em França, a “União central das belas-artes aplicadas à
indústria” que preconiza a defesa da “racionalidade geométrica” contra a “subjectividade
do sentimento”, a geometria englobando todos os aspectos do desenho e constituindo-
se como elemento aglutinador. A emergência deste paradigma de “representação positi-
va” sedeado na racionalidade geométrica, contribuía para propagar de modo semelhan-
te a arte por todas as camadas sociais, bem como, assegurar a homogeneidade de
modelos e métodos de ensino. Esta necessidade de popularizar a “representação positi-
va” de modo a expressar rapidamente as ideias, retoma o pensamento de Pestalozzi
acerca da prevalência do desenho como disciplina de observação, contribuindo para a
formação da capacidade de julgar e o despertar da inteligência, ao invés de apenas
“olhar”, pretende-se ensinar o aluno a ver, contribuindo para a compreensão do mundo
que o rodeia. A partir de 1865, a vontade política francesa leva à “unificação do dese-
nho, quer a nível didáctico, quer a nível dos públicos”. O desenho linear, baseado na
geometria, é ministrado nos diversos níveis de ensino e, tal como para as outras disci-
plinas curriculares, baseia-se num conjunto específico de regras metodológicas
(D’Enfert, 2003).
No seu estudo, D’Enfert enfatiza o alargamento do ensino do desenho, no
início do século XIX, a vários estratos sociais e níveis de ensino, indo ao encontro das
expectativas e necessidades de formação específicas de cada público-alvo, em que o
ensino do desenho linear constitui um marco histórico do próprio ensino específico da
disciplina, mas também, na história da escola, com o advento crescente do interesse
político pela educação das classes mais desfavorecidas. Fazendo jus à herança da
Revolução Francesa, passa-se do tradicional «ler, escrever, contar» para o alargamento
do leque das áreas curriculares, contribuindo para o enriquecimento educativo das
camadas populares, com a introdução do ensino do desenho logo nos primeiros anos de
escolaridade, como o quarto ramo do sistema de ensino. Nesta perspectiva pretendia-se
formar artesãos e artífices que dessem resposta ao advento da industrialização e aces-
soriamente contribuísse para a moralização da população operária facilitando o nivela-
59
mento social, dando prevalência à inteligência em detrimento da força, valorizando a
competência em vez da fatalidade (D’Enfert, 2003)87
Da sua experiência com grupos de pessoas sem treino artístico Betty
Edwards
.
88
Os jardins-de-infância rapidamente se espalharam pela Europa e Estados
Unidos, país onde foram incorporados aos preceitos educacionais do filósofo John
Dewey, precursor, por sua vez do movimento da Escola Nova, de Maria Montessori
(1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros, que foram beber a Froebel o
conceito de auto-educação. Por meio dos brinquedos que desenvolveu ao analisar
crianças de diferentes idades, Froebel concebeu a educação, quer como treino de ha-
bilidades que as crianças já possuem, quer como processo facilitador do surgimento de
novas capacidades. Deste modo seria possível aos alunos exteriorizar o seu mundo
interior e interiorizar as novidades vindas do exterior. Ao mesmo tempo que se debruçou
sobre a prática escolar, criou um sistema filosófico que lhe dava suporte teórico. Para
Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a uni-
regista a verificação da capacidade da aprendizagem do desenho por parte
de qualquer pessoa com um desenvolvimento cognitivo considerado normal. O sucesso
de tal processo de aprendizagem encontrará paralelo no sucesso da aprendizagem da
leitura, ou da aritmética, de acordo com esta autora, que reitera este pensamento com a
necessidade de desenvolvimento das capacidades perceptuais básicas relacionadas
com a observação do mundo exterior e capacitadoras da respectiva representação atra-
vés do desenho. Independentemente do percurso de vida de cada um, a aprendizagem
das capacidades de percepção permitirá o incremento das competências relacionadas
com a estruturação do pensamento.
O alemão Friedrich Froebel foi um dos primeiros educadores a considerar o
início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas,
sendo um dos precursores da actual psicologia educacional. Froebel conheceu o peda-
gogo Johann Heinrich Pestalozzi, cujas ideias lhe serviram de inspiração para fundar
sua primeira escola em 1816, onde pôs em prática as suas teorias pedagógicas. Em
1826, publicou o livro, A Educação do Homem. Formou professores e dirigiu um orfana-
to. Experiências que o levaram a fundar o primeiro jardim-de-infância. Paralelamente,
administrou uma gráfica que imprimiu instruções de brincadeiras e canções para serem
aplicadas na escola e em casa.
87 D’Enfert, Renaud. L’Enseignment du dessin en France. Paris : Belin, 2003 88 Edwards – Drawing on the artist within. 1987,
60
dade de todas as coisas, em que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade
e harmonia, através dos quais as crianças alcançariam a própria identidade e se liga-
riam ao eterno. O autoconhecimento importante a nível individual, era visto, também,
como uma forma de tornar melhor a vida em sociedade.
O compromisso ético que estabeleciam os programas escolares com a
moral e a liberdade, estão na origem da renovação do ensino médio, base dos modelos
contemporâneos. Ao comprovar o peso que alguns destes métodos tiveram na renova-
ção dos hábitos comportamentais de toda uma época poderia ajudar a reivindicar, no
desenho, aspectos que muitas vezes parecem distantes dos pressupostos da arte con-
temporânea, reconhecendo a relação entre a vida e a expressão artística89
De notar, nesta perspectiva, a reiteração feita por Marisa Casado,
.
90
”, que
refere a semelhança entre o desenho e a escrita, enquanto sistemas que permitem inter-
pretar a realidade e, como tal, relacionados com o conhecimento. O aspecto comum às
duas formas de linguagem, substantivado no signo, como vestígio resultante da relação
entre o objecto e a sua própria representação, apresenta significância na ausência do
objecto, quer como conceito, quer como registo gráfico, identificando, simbolicamente, o
próprio objecto. A comunhão mais estreita entre a escrita e o desenho, encontra-se na
escrita hieroglífica de há três mil anos, em que o escriba regista através de desenhos
isolados, pictogramas, ou associados, formando um ideograma. A afinidade entre estas
duas linguagens, continua a mesma autora, repercute-se no paralelismo identificador
das respectivas características: representacionais, abstractas, ou arbitrárias.
89 Molina. El Manual del dibujo. 2003, 90 Molina. Las lecciones del dibujo. 2003.
61
2.2. ENSINO ARTÍSTICO
Como nos informa Pevsner, “Akadèmeia” ou “Ekadèmeia” era o nome de um
lugar na zona noroeste de Atenas, onde se situavam numerosos templos, um ginásio e
o vasto parque, que a mitologia situa como tendo pertencido a “Academo”, onde Platão
ensinava filosofia. Com o desenrolar do tempo e por força do hábito, os atenienses pas-
sam a designar “Academia” à comunidade dos discípulos de Platão. Na Itália humanista
do “Quattrocento”, foi restabelecido o termo “Academia” para honrar o renascimento do
platonismo, nomeadamente, aquando da reunificação das igrejas Bizantina e Romana.
Do mesmo modo que na Grécia “Academia” serviu para designar primeiro
um lugar, depois um grupo de filósofos e, finalmente, um sistema filosófico, o mesmo se
passou a verificar em Itália, atribuindo aos frequentadores das academias a designação
de “academici”. Estas academias não tinham um carácter formal ou institucional e os
seus participantes debatiam as ideias em ambiente de convívio, contrastando com o
ambiente escolástico das universidades.
Em pleno século XVI, por volta de 1530, o termo referia-se a um grupo de
pessoas unidas pelo mesmo desejo de cultura, um grupo de eruditos e amantes da cul-
tura, quer próximos do platonismo, ou do cepticismo ciceroniano, ora de sociedades
astrológicas semi-ocultas, ou mesmo do aristotelismo não escolástico.
Semelhante evolução semântica ocorreu no Norte da Europa após a refor-
mulação levada a cabo pelos humanistas dos “Studia Generalia”, ou “Universitates Stu-
diorum” da Idade Média. A palavra Academia lembrava, com agrado, quer a Antiguida-
de, quer a Renascença, tornando-se sinónimo de universidade.
Ainda que a utilização do termo pudesse ter sido utilizada em acepções tão
diversas como “arti cavallereshe”, ou outras mais ou menos distantes, com objectivos
distintos dos enunciados antes de 1530, a prevalência vai para a significação utilizada
quer pelas universidades do norte da Europa, quer pelos círculos de discussão italianos.
No âmbito deste trabalho, importa considerar a unidade imposta no Alto
Renascimento, contrariando a diversidade semântica de outras épocas. À luz da arte e
da cultura de 1500, surge a arte de Da Vinci, Rafael, ou de Giorgione, congregando nas
respectivas academias grupos de discussão convivial sobre os mais diversos temas.
62
A partir do momento em que se manifesta a supremacia do Maneirismo,
rompendo e anulando o Renascimento, assistindo-se a um dos mais terríveis sismas da
civilização europeia, através das guerras religiosas, cujos retratos de Bronzino, ou nos
retábulos religiosos de Tintoreto, mas também nas obras de Parmigianino, Bruegel ou
Dürer, se manifesta o espírito da época. Tal como nota, ainda, Pevsner, enquanto as
academias do Renascimento se caracterizavam pelo seu informalismo, as academias
maneiristas, estão eivadas de rigor, formalismo e regras bem definidas e pormenoriza-
das (Pevsner, 1999)91
Como esclarece Molina
.
92
Atingir o virtuosismo na arte de desenhar a figura humana, era, como revela
D’Enfert
, por convenção e na sua acepção mais ampla, são
considerados estudantes de arte, aqueles que frequentam ramos de ensino relaciona-
dos com as Belas Artes, a Arquitectura ou o Design, portanto, na sua vertente mais eli-
tista, embora, tempos houvesse, como vimos, também, com D’Enfert, que o ensino artís-
tico se poderia dirigir a aprendizes de vários ofícios de âmbito artesanal ou industrial.
Ainda que, esta elite herdeira e guardiã do status quo cultural, não navegue, já, nos
mesmos pressupostos patrimoniais, por força das alterações tecnológicas evidentes, a
partir do século XIX, e ainda mais evidentes e exponencialmente aceleradas ao longo de
todo o século XX, de que emergiram novos paradigmas artísticos, quer pelo uso de
novos materiais e novas abordagens técnicas, mas também novas abordagens concep-
tuais e epistemológicas, apesar de, como refere Molina, se ter verificado perda de fun-
ções da arte, e o artista ter deixado de ser o garante da reprodução objectiva da «reali-
dade da representação». De igual modo «a reivindicação da sua liberdade ocorre desde
a perda de utilidade nos processos vinculados com a descrição objectiva das coisas,
tradicionalmente relacionada com os processos de formalização necessários à produção
industrial». Apesar destas perdas ter-se-á verificado um ganho substantivo através da
autonomia do desenho enquanto tecnologia artística de pleno relevo, como obra final, ou
produto estético, em igualdade com a pintura ou a escultura, adquirindo, em paralelo,
valor comercial. (Molina, 2003, p. 26).
93
91 Pevsner, Nikolaus. Les Académies d’Art. Paris : Gérard Monfort, Éditeur, 1999. 92 Molina, Juan José Gomez. Las lecciones del Dibujo 93 D’Enfert, Renaud. L’Enseignment du dessin en France. 2003
, o objectivo de qualquer artista do século XVIII que se quisesse destacar no
meio artístico, relevando, portanto, um modelo de ensino normalizado - «académico»,
cuja validade permanece durante uma boa parte do século XIX. Tais características
assentam, numa primeira fase e para os alunos mais jovens, na cópia de modelos de
63
duas dimensões – desenhos e estampas; na adolescência desenha-se a partir de mode-
los tridimensionais; a formação gráfica é coroada por uma última etapa em que se utiliza
o modelo vivo (D’ Enfert, 2003).
De todas as práticas artísticas conotadas com as belas artes, o desenho tem
sido aquela que mais se aproxima do conceito de disciplina, dadas as suas característi-
cas, nomeadamente, as relacionadas com a sua prática, que proporciona a reflexão
sobre os seus próprios limites, em termos de regra, ordem e método comuns a todos os
que se têm dedicado ao exercício desta tecnologia, enquanto disciplina, mas também,
pela facilidade de execução através de meios muito parcos, reforçando a expressão
ideográfica.94
Apesar de ser usual falar num desenho moderno, quando nos referimos ao
desenvolvimento deste processo de registo gráfico a partir dos séculos XIX e XX, o certo
é que as suas capacidades essenciais de reflexão, projecto e representação, se manti-
veram intactas desde o seu nascimento mítico, apesar de terem surgido nestes dois
séculos os mais variados métodos de ensino que libertaram o desenho das grilhetas das
convenções renascentistas e barrocas.
95
94 Molina. Las lecciones del dibujo. 95 Molina. Estratégias del dibujo en el arte contemporaneo
A Bauhaus é, geralmente, considerada um marco na moderna pedagogia
artística, contribuindo decisivamente, para a mudança de paradigma, tanto na vertente
educativa, como na abordagem artística posterior, em que a produção teórica de refe-
rência produzida por muitos dos que por lá passaram como professores, não pode ser
menosprezada, como são exemplos dignos de nota, entre outros, Kandinsky, Itten ou
Gropius.
64
2.3. DESENHO E EDUCAÇÃO EM PORTUGAL
Desde o século VII, que há notícia do atraso com que os ecos dos progres-
sos educativos chegavam a «esta zona da Península Ibérica que veio a constituir a
Nação Portuguesa» (Carvalho, 2001)96
Como se refere no portal da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de
Lisboa
. Tal atraso educativo, face à localização geográ-
fica é, genericamente, apontado, quer para a educação em geral, quer para o ensino do
desenho em particular. O ensino artístico em Portugal tem sido marcado, fundamental-
mente, pelas, agora, Faculdades de Belas-Artes de Lisboa e Porto, cujos percursos de
implementação e creditação foram, lato sensu, semelhantes.
97
Em Portugal, este percurso foi mais lento:
sobre o ensino artístico e as origens da FBAUL que aqui reproduzimos, «desde
Alberti, o tratadista italiano de meados do séc. XV, que as artes deixaram de ser consi-
deradas uma actividade manual, ainda que de nível superior, e passaram a ser conside-
radas de nível intelectual, ou artes liberales, na medida em que os artistas deixam de
trabalhar de acordo com directivas ideológicas impostas por uma autoridade superior ou
por uma tradição consagrada, mas determinam de modo autónomo a orientação ideoló-
gica e cultural do seu próprio trabalho (Argan, 1969). Alguns anos mais tarde, Leonardo
da Vinci aprofunda e desenvolve, em múltiplas direcções, a pesquisa científica; ocupa-
se de engenharia, hidráulica, ciências naturais. Mas a arte é também para ele um meio
de pesquisa, experiência, conhecimento e, em certo sentido, prevalece sobre outros,
porque o desenho é cosa mentale, processo intelectual e como tal, válido para todas as
disciplinas. Grande parte das suas descobertas, da anatomia à mecânica, da botânica à
cosmologia, são expressas e comunicadas através do desenho. No entanto, Leonardo
reconheceu que a arte, pelas suas finalidades e metodologias específicas, é um domínio
que se deve separar da ciência. Daí que tenha preparado um tratado da pintura, distinto
dos que projecta para outras disciplinas que o preocuparam. A partir do século XVI, o
ensino artístico não se poderia limitar à transmissão oficinal das técnicas e, por isso,
multiplicaram-se os tratados teóricos e surgiram as academias onde à transmissão das
técnicas se acrescentava o debate teórico.
96 Carvalho, Rómulo. História do Ensino em Portugal. 97 http://www.fba.ul.pt/portal/page?_pageid=401,821647&_dad=portal&_schema=PORTAL, (consulta em 4 de Setembro
de 2009)
65
1594 - Filipe II criou a Aula do Risco do Paço da Ribeira.
1612 - Fernão Gomes e mais dezasseis pintores solicitam à Câmara de Lis-
boa a supressão dos vínculos mesteirais e o reconhecimento de um “estatuto liberal”
para a sua arte.
1689 - Regimento dos Mestres Arquitectos dos Paços Reais (que regula-
menta a arquitectura civil).
1696 - O pintor Félix da Costa reivindica a fundação de uma Academia, junto
de D. Pedro II, através de um tratado nunca publicado, A Antiguidade da Arte da Pintura.
1712 - O Marquês de Fontes parte para Roma, levando consigo Vieira Lusi-
tano. Será ele que providencia a fundação da Academia de Portugal em Roma, cuja
actividade se terá iniciado entre 1714 e 1720. Aí se formam alguns dos mais notáveis
artistas do período joanino, como Vieira Lusitano, Inácio de Oliveira Bernardes e José
de Almeida.
1753 - Inicia-se a escola de escultura de Mafra, sob a direcção de Alessan-
dro Giusti, onde se formam, entre outros, Machado de Castro.
1768-1787 - Aula de Gravura artística na Imprensa Régia.
1772 - Curso de Desenho e Arquitectura Civil no Real Colégio dos Nobres.
1780 - Academia do Nú de Cirilio Volkmar Machado, tendo como professo-
res Vieira Lusitano e Inácio de Oliveira Bernardes.
1785 - A Academia do Nú é reinstalada no palácio de Pina Manique, tendo
como professores Machado de Castro, Pedro Alexandrino e J. Carneiro da Silva.
1798 - Pina Manique estabelece no castelo, uma nova Academia, dirigida
por Cunha Taborda.
1823 - O ensino das artes é integrado na aula Régia de Desenho.
1836 - Academia de Belas-Artes, que logo de início se instala no Convento
de S. Francisco, tal como a Biblioteca Pública
1862 - A Academia passa a designar-se por Academia Real de Belas-Artes.
66
1871 - Reforma da Academia. Criação de um curso preparatório de Dese-
nho, com a duração de 4 anos.
1881 - Grande reforma pedagógica. Separação do sector escolar da Aca-
demia.
1901 - Publica-se o Regulamento da Academia Nacional de Belas-Artes.
1911 - Reforma do ensino. Decreto que reorganiza as Escolas de Belas-
Artes. Extinção da Academia.
1925 - Regulamento da Escola de Belas-Artes.
1950 - A partir de 10 de Junho deste ano, a Escola de Belas-Artes passa a
chamar-se Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e ministra os cursos de Pintura,
Escultura e Arquitectura.
1957 - Reforma do Ensino de Belas-Artes, que o coloca muito próximo do
ensino universitário.
1974 - Reestruturação do ensino artístico. As Escolas Superiores de Belas-
Artes juntam esforços e empreendem uma reforma interna conjunta. Na ESBAL, são
criados os departamentos de Artes Plásticas e Design e o de Arquitectura.
Os cursos de Design são levados à prática e, enquanto o departamento de
Artes Plásticas e Design se organiza, o curso de Arquitectura é suspenso, por falta de
condições.
A Direcção-Geral do Ensino Secundário reconhece o trabalho de reforma e
atribui aos diplomas dos cursos das Escolas Superiores de Belas-Artes, a qualidade de
“habilitação própria para a docência”, no escalão mais qualificado e em várias disciplinas
da área, melhorando, assim, o leque das saídas profissionais.
1976 - A ESBAL apresenta ao Ministério da Educação, um projecto de inte-
gração numa universidade pública. O VI Governo provisório propõe a Universidade Téc-
nica de Lisboa, mas o processo não chega a concluir-se.
1978 - Plano de estudos e orgânica dos cursos da responsabilidade do Con-
selho Científico.
67
1979 - O departamento de Arquitectura separa-se definitivamente da ESBAL
e é integrado na Universidade Técnica de Lisboa, como Faculdade de Arquitectura.
Em Agosto deste ano são publicados os estatutos da Associação de Estudantes de
Artes Plásticas e Design, embora esta já existisse desde 1975 (até esta data só existia a
Mesa da RGA).
1983 - Reconhecimento oficial da reestruturação iniciada em 1974, com
reconhecimento das licenciaturas.
1992 - A ESBAL é integrada na Universidade de Lisboa, como Faculdade de
Belas-Artes.
1994 - A 10 de Abril, são publicados em D.R. os estatutos da FBAUL.
1998 - Criação do primeiro Curso de Mestrado em Teorias de Arte.
2000 - Criação do Curso em Mestrado em Pintura.
2001 - Criação do Curso de Mestrado em Desenho e da Pós-graduação em
Curadoria e Organização de Exposições.
2002 - Criação do Curso de Mestrado em Museologia e Museografia e do
Curso de Mestrado em Vidro.
2003 - A Pós-graduação em Curadoria e Organização de Exposições con-
verte-se em Curso de Mestrado em Estudos Curatoriais. Publicação em Diário da Repú-
blica dos Estatutos da Faculdade de Belas-Artes.
2004 - Criação do Mestrado em Educação Artística e do Mestrado em Arte
Pública (este em parceria com o ISCTE). Revisão curricular dos cursos, encurtados para
4 anos e criação da Licenciatura em Belas-Artes – Arte e Multimédia.».
Como podemos ler na Lição de Agregação de António Pedro Ferreira Mar-
ques98
98 Marques, António Pedro Ferreira. Lição de Agregação. 2005
«a prática do Desenho esteve, desde sempre, associada a processos de apren-
dizagem e as primeiras “escolas” foram os próprios desenhos; segundo Vasari, os
desenhos de Miguel Ângelo constituíram uma “escola” para os jovens destinados às
68
artes. É este espírito que preside à fundação das primeiras academias. Não vamos,
todavia, percorrer o historial das academias italianas desde a Accademia del Disegno,
em Florença, à Academia de S. Lucas, em Roma, passando pelas academias de Leo-
nardo e Bandinelli. Com um atraso considerável relativamente às congéneres europeias,
as primeiras academias portuguesas datam de 1836. Com base no estudo da “natureza
e do antigo”, as Academias contemplam o estudo do Desenho, da Pintura, da Arquitec-
tura, da Escultura e da Gravura. O professor da aula de desenho “deverá fazer observar
aos discípulos as dimensões e proporções das figuras e oportunamente dará algumas
noções de anatomia aplicadas ao desenho; explicará e fará notar as perfeições ou defei-
tos da invenção e composição, quando os discípulos começarem a copiar as estampas
historiadas; habilitados os discípulos em copiar as estampas, fá-los-á passar à cópia dos
modelos em relevo, e ainda dos objectos naturais; tendo os discípulos feito algum dese-
nho sobre o Antigo, por exemplo sobre uma Estátua ou Grupo, será de grande utilidade
que observem o modelo vivo da mesma atitude, observem a conformidade ou a diferen-
ça do Antigo com o Natural e, por esta comparação, aprendam a emendar os defeitos
do Antigo, se os houver, ou a melhorar o Natural, se for menos perfeito, elegante e gra-
cioso nas proporções e formas, como talvez acontece.” Em 1844, os alunos de Tomás
da Anunciação contestam o ensino académico de Manuel da Fonseca e exigem a subs-
tituição da cópia de estampas, por modelos do natural. Cedo se detectam diferenças
quanto ao grau de formação dos alunos que frequentam os cursos e ao “triste resultado”
obtido, mas só em 1873 é decretada a criação do Curso Geral de Desenho, com dura-
ção de quatro anos, que prepara o ingresso dos alunos na Academia. Noções gerais de
desenho linear geométrico e de perspectiva linear, desenho de figura e de ornato por
estampa, desenho do antigo, desenho anatómico, desenho de ornato pelo relevo, dese-
nho arquitectónico, desenho de paisagem, desenho do natural e desenho de paneja-
mentos constituem as matérias e as disciplinas principais da estrutura curricular do cur-
so. Com a implantação da República e com o Decreto de 29 de Maio de 1911, as Aca-
demias, que passam a ser denominadas Escolas de Bellas-Artes, dispõem de um Curso
de Habilitação para os Cursos Especiais, semelhante ao Curso Geral de Desenho. A
“Reforma de 57” reconhece, no ensino artístico, o estatuto de ensino superior”. Embora
seja exigida, a todos os candidatos aos Cursos de Belas-Artes, a realização de uma
prova de Desenho, como condição de acesso, na nova estrutura curricular dos Cursos
de Pintura, Escultura e Arquitectura, o Desenho ficou confinado a duas disciplinas:
Desenho de Estátua e Desenho de Modelo Vivo. Com o 25 de Abril, a reorganização da
estrutura curricular permitiu que o Desenho dispusesse de cinco níveis, sendo os três
primeiros obrigatórios e, os restantes, optativos. Em 1992, a integração da Escola Supe-
rior de Belas-Artes na Universidade de Lisboa não implicou nenhuma alteração curricu-
69
lar nos cursos de licenciatura, mas veio possibilitar a criação do Curso de Mestrado em
Desenho, actualmente, no final da segunda edição. Do corpo de professores que estive-
ram ligados ao ensino do Desenho, desde a fundação da Academia, em Lisboa, desta-
camos, numa primeira fase, Joaquim Rafael Rodrigues, discípulo de Vieira Portuense,
professor da Aula de Desenho Histórico, e Caetano Ayres de Andrade, também profes-
sor de Desenho Histórico. À segunda fase, pertenceram António Manuel da Fonseca,
Tomás da Anunciação e Miguel Ângelo Lupi, sendo, o primeiro, responsável pela Aula
de Desenho Histórico, o segundo, pela Aula de Desenho de Paisagem e, o terceiro, pela
Aula de Desenho de Figura. Victor Bastos, José Simões de Almeida, Alberto Nunes,
Joaquim Pedro de Sousa e António Thomas da Fonseca leccionaram, respectivamente,
as disciplinas de Desenho do Antigo, Desenho de Paisagem, Modelo Vivo, Modelação
de Ornato e Desenho Histórico. A partir de 1900, José Luís Monteiro, professor de
Desenho de Arquitectura, e Ernesto Condeixa, professor de Desenho do Antigo, são
sucedidos por Leopoldo de Almeida, professor de Modelo Vivo. Lagoa Henriques, pro-
fessor titular regressado da Escola do Porto, introduz uma nova dinâmica na pedagogia
do desenho, no âmbito da observação e registo de formas, a partir da realidade percep-
tiva. Matos Simões e Lima Carvalho, introduziram novas metodologias, a partir dos anos
setenta, principalmente nos domínios da composição e da experimentação, numa pers-
pectiva de imaginação criativa e inovadora. Na Academia Portuense de Bellas-Artes,
João Batista Ribeiro, António da Silva Oeirense, João António Correia, Tadeu d’Almeida
Furtado, Marques de Oliveira, António Carneiro estabelecem uma linha sucessória de
professores de Desenho, onde se inclui Heitor Cremez, que faz a transição do ensino
académico estabelecido para as novas pedagogias.»
Parece-nos pertinente concluir este capítulo com excertos da comunicação
de Teresa Eça,
«O ensino das artes visuais começou por ser Aprendizagem do Desenho,
Em 1760 Ribeiro Sanches define nas suas "cartas sobre a educação da mocidade"
publicadas em 1766 pelo Real Colégio dos Nobres as bases do ensino predominante-
mente geométrico e mais tarde, em 1787, o escultor Machado de Castro falou do dese-
nho como disciplina essencial da aprendizagem no discurso recitado na Corte em
nas jornadas de Historia de La Educación Artística, em que a autora sin-
tetiza a evolução do ensino das artes visuais no ensino básico e secundário, nos últimos
150 anos, salientando, por um lado, o papel determinante da igreja católica no ensino e
na sociedade portuguesa, e, por outro lado, a limitação conferida pela reprodução
social e pelas diferenças de género, faz a seguinte análise:
70
24/12/1787. O Desenho apresentava uma disciplina racional, um processo estruturante
do pensamento para além de um exercício de destreza manual.
A racionalidade, própria do iluminismo que moldou o ensino em Portugal foi
o caminho escolhido durante muito tempo na educação artística. Segundo Bêtamio,
1967 das duas grandes correntes pedagógicas : uma racionalista, tendo por base o
desenho geométrico, primeiramente exposta por Pestalozzi, continuada por Froebel
(1782-1852) e por J. Guillaume em França no final do séc. XIX e outra de inspiração
mais naturalista, anunciada por J.J.Rousseau (1712-1778), defendida por H. Spencer
(1820-1903) e percursora das correntes modernas da didáctica do desenho que se
fundamentam na psicologia, nas novas teorias do conhecimento, é a corrente raciona-
lista, do método Guillaume que os portugueses vão importar. Durante mais de um sécu-
lo o desenho foi leccionado e confundido com a disciplina de geometria. Esta escolha
irá influenciar profundamente toda a trajectória. Se por um lado na história da arte portu-
guesa o desenho tinha sido compreendido por Francisco de Hollanda como o meio de
exprimir sentimentos por outro lado, o desenho tanto na Europa como em Portugal "foi
visto apenas pelo aspecto prático e utilitário, particularmente por contribuir para o aper-
feiçoamento da indústria, por ser um meio prático de ligar a ciência à técnica" (Betâmio,
1967).
Em Portugal não se sentiram os efeitos da revolução industrial, no século
XIX. Para além de possuir uma das maiores taxas de analfabetismo da Europa, tinha
poucas indústrias e a sua economia estava ainda ligada ao artesanato. (Oliveira Mar-
ques, 1976). Uma educação virada para a sociedade industrial era irreal, portanto os
modelos ingleses e franceses de pouco ou nada serviam à realidade do país. No entan-
to a corrente que defendia o ensino das artes ligada ao treino vocacional foi defendida
por Vasconcelos no final do séc. XIX, no seu livro, A reforma das Belas Artes (1867).
Vasconcelos é muito crítico em relação ao ensino das artes no país, caracteriza-o de
medíocre e refere a má qualidade das amostras portuguesas nas exposições universais.
As opiniões de Vasconcelos são partilhadas por vários republicanos e liberais do seu
tempo. O desenvolvimento económico do país era uma preocupação constante no
debate público do virar desse século e durante o período da primeira monarquia. Mas,
outros temiam a educação do povo porque isso iria alterar o tipo de distribuição social
vigente, o que impediu durante muito tempo a criação de um sistema educativo alar-
gado. Segundo a descrição de Bêtamio, 1967, "A partir do princípio do séc. XIX vai
crescendo o prestígio do ensino do desenho, não só porque o movimento iniciado por
71
Pestalozzi se repercutia por diferentes países, como também por as indústrias nacio-
nais despertarem entre os povos".
O Desenho, ou antes, os traçados lineares, eram leccionados em colégios
particulares, sobretudo religiosos, e nas poucas escolas e liceus públicos. A par das
escolas, o ensino do desenho e de técnicas artesanais ou semi-industriais passava
pelas oficinas e empresas familiares, os aprendizes continuaram a existir em Portugal
até ao séc. XX. As escolas industriais criadas pelo estado novo vão decalcar o tipo de
ensino das corporações até 1974.
O ensino do desenho geométrico tem também raízes na cosmografia e
cartografia que pilotos navegadores portugueses dominaram no séc. XVI. O desenvol-
vimento da navegação e das viagens portuguesas no séc. XVI implicou a importância
do estudo de noções de representação fundamentais para a cartografia e para a cos-
mografia. Esse tipo de ensino era restrito a pilotos e mestres de cartas de marear e
incluía, no programa, o estudo da esfera, movimentos celestes e instrumentos náuticos.
As aulas dessas matérias eram frequentadas por um reduzido número de
pessoas ligadas à nobreza e aos militares. A actividade dos militares no ensino da
geometria e até, como aconteceu no séc. XIX, na luta contra o analfabetismo, foi pre-
ponderante. O número de autores de compêndios de desenho que pertenciam ao exér-
cito era relevante, assim como os professores de desenho que eram ou tinham sido mili-
tares de carreira. Foi também nos colégios militares que melhor se desenvolveu o ensi-
no da geometria descritiva.
A preponderância do desenho linear e da geometria acontecia, também,
noutros países da Europa, mas em Portugal manteve-se até aos anos 50. Vasconcelos
(1877) afirma que se constatava em relatórios e exposições internacionais que o ensi-
no da geometria descritiva em Portugal era muito desenvolvido em detrimento do ensino
do desenho ornamental ou do desenho de observação. Vasconcelos (1877) considerava
que isso era um factor negativo para a modernização do país. O Desenho geométrico e,
particularmente, a geometria descritiva baseada no método Monge ainda hoje tem um
papel preponderante no ensino artístico. Hoje, as pressões para incluir este tipo de
conhecimento no curriculum já não partem da esfera militar mas sim de um forte grupo
de pressão ligado à Arquitectura e aos tradicionais métodos de ensino das escolas
superiores de artes. O positivismo científico de novecentos, presente na educação artís-
tica em Portugal privilegia a representação gráfica descritiva em detrimento da repre-
sentação expressiva ou simbólica. A geometria descritiva apresenta uma representação
72
objectiva e universalista da realidade, favorecendo uma visão totalitária da ciência e da
técnica como pressuposto teórico.»
A organização das estruturas de ensino no final do século XIX estava a car-
go das ordens religiosas, «das quais os colégios dos jesuítas cobriam as maiores cida-
des do país. As escolas primárias e secundárias ou liceus eram poucas no séc. XIX,
muitas vezes não tinham sequer edifícios próprios, os alunos tinham de frequentar as
aulas em casa dos vários professores. Os poucos liceus dividiam-se entre os grandes
centros: Lisboa, Porto e Coimbra onde eram chamados liceus nacionais e as outras
cidades onde nem todas as matérias eram leccionadas.
Vasconcelos (1877) afirma que os alunos que entravam nas Belas Artes
não tinham suficiente preparação elementar.
Na escola primária a tarefa privilegiada era a de ensinar a ler e a escrever.
No entanto, existia no segundo grau o ensino do desenho a partir do método Pestalozzi,
mas raramente era leccionado.
O ensino do desenho no ensino público secundário começa como disciplina
no currículo Português, a partir da reforma de 1860, no governo de Fontes Pereira de
Melo, político empenhado em dotar o país de estruturas para desenvolver a indústria: o
caminho-de-ferro foi uma das suas medidas mais conhecidas.
A reforma de Jaime Moniz em 1895 vem pela primeira vez trazer o conceito
de Desenho com valor educativo além do seu contributo para a motricidade, afirma-se
finalmente que o desenho desenvolve os poderes de análise e síntese do espírito . Esta
reforma estabeleceu estruturas coerentes para o ensino secundário que permaneceram
durante muito tempo No entanto não existia educação artística, tal como Bernardino
Machado criticava (Carvalho, 1986).
Durante todo o século, continuaram-se a usar os conteúdos de desenho
geométrico, traçados lineares e na escola elementar, quando existia o desenho era
praticado pelo método Pestalozzi como preparação para o desenho à vista. O desenho
dos liceus desse tempo era um denso aglomerado de traçados geométricos que estava
para além das necessidades e possibilidades dos escolares (Bêtamio, 1967).
Teresa Eça aborda as contradições da Primeira República, referindo o
esforço para implementar as ideias positivistas «como reacção ao atraso do país.
73
Segundo Vasco Pulido Valente, a sociedade caracterizava-se como agrária, militarista
(burocrática), teológico-metafísica.
Embora de curta duração as reformas do ensino durante a Primeira Repúbli-
ca introduziram conceitos de massificação do ensino, valores morais e o papel do ensi-
no como fundamento da prosperidade económica acreditando que o progresso técnico
resolveria todas as questões sociais. Neste tipo de teoria enquadram-se os defensores
do desenho ornamental, das Artes e ofícios como treino vocacional e melhoria da quali-
dade estética dos objectos. Aliás o movimento inglês de South Kensington descrito por
Vasconcelos e visitado por Ramalho Ortigão é o modelo adoptado por esta corrente de
pensamento. No entanto. é também tida em conta a noção de desenho e de música
como " Modos essenciais de exprimir sentimentos" nas palavras de Ramalho Ortigão (
Valente, 1974).Bernardino propõe uma reforma coerente do ensino, passando pela
democratização do ensino e pela acentuação da aprendizagem técnica para todos os
cursos. A escola ajudaria o educando a compreender e eventualmente a transformar o
meio que o cerca, (Valente, 1974).
João de Barros moldou o sistema de ensino português, introduziu o desenho
e a modelação nos currículos dos cursos de Formação de professores primários e o
ensino profissional. João de Barros pode considerar-se como um adepto do industrial
training, programa que promove a popularização da educação a partir de um programa
mínimo de educação primária e dando relevo à educação vocacional ou técnica. Infeliz-
mente o que ficou das suas ideias republicanas foi apenas uma obsessão nacionalista
fomentada pelo facto de se tratar de um país colonizado por interesses político-
económicos estrangeiros (Valente, 1974).»
O Congresso de Paris de 1900 aconselhava o método Guillaume em detri-
mento do método da cópia de estampas: «o método Guillaume baseado na geometria
vigorou em Portugal durante várias décadas vedando a abertura para as teorias da per-
cepção da forma e da psicologia da criança que, no congresso de 1908, permitiram a
recomendação da prática de exercícios de composição decorativa, sistematizada por
Owen Jones. No entanto, a composição decorativa entrou com êxito nos programas
portugueses a partir de 1918, assim como o método de desenho à vista a partir do natu-
ral. (Bêtamio, 1967).
É apenas a partir das reformas de 1918, decorrentes do pensamento dos
primeiros republicanos que se pode falar efectivamente de um ensino de desenho nas
escolas públicas. Foram introduzidos no plano de estudos os trabalhos manuais educa-
74
tivos, experimentados por Marques Leitão no colégio Militar. É interessante notar mais
uma vez o papel do ensino militar no desenho. Marques Leitão foi o autor de um dos
mais notáveis manuais de desenho em 1910.
Os programas continuam com uma estruturação geométrica do tipo Pesta-
lozziano. Um desenho geométrico muito extenso, desenho à vista a partir de sólidos
geométricos. Elementos geométricos e estilizações no desenho de composição deco-
rativa. A história da arte reduzia-se aos estudos dos estilos arquitectónicos no desenho
de composição ou ornamental. Os manuais normalmente copiavam os manuais france-
ses, ou ingleses do final do séc. XIX.
Embora Oliveira (2000) apelide o período de 1936/-1947/8 de Pró-
imaginação, dizendo que os alunos(as) teriam eventualmente possibilidades de utilizar a
imaginação através dos exercícios (rígidos) de composição decorativa, duvido muito
que alguma vez a imaginação tivesse estado presente nos objectivos ou nas práticas
pedagógicas. A partir da análise dos manuais escolares da época apenas se verifica
preocupação na repetição de formas e domínio das técnicas gráficas rigorosas.»
Eis a análise que faz da educação no Estado Novo: « Em 1926 introduzem-
se as ideias defendidas em Paris e Londres em 1900 surgindo o desenho do natural e
o decorativo ou seja, o desenho divide-se em: Desenho geométrico, de invenção (
composição decorativa) e de imitação à mão livre ( cópia de estampas e representação
de formas exclusivamente geométricas). Apenas em 1947 aparece, graças a Bêtamio
de Almeida o desenho livre. Composição decorativa, desenho à vista e geometria con-
tinuavam a tradição de um ensino dedicado à destreza manual e em pouco ou nada
contribuíram para uma verdadeira educação artística.
O processo educacional reflectia o Estado Novo, era um sistema repressi-
vo, onde a disciplina consistia em castigos corporais. O Ministro da Justiça em 1931,
afirmou na inauguração do X Congresso de Protecção à criança: " Educar é sempre tor-
cer, podar, cortar, contrariar, esmagar!" Filomena Mónica comenta: " Rousseau fora
finalmente derrotado". (Mónica, 1978).»
«O ensino artístico não interessava portanto, mas interessava sim que se
tornasse numa prova de disciplina e destreza manual, os conteúdos do desenho conti-
nuaram a geometria descritiva, o desenho de cópia de estampas, o desenho à vista de
objectos e o desenho ornamental baseado nos estilos decorativos.
75
No Ensino Secundário acentuou-se a barreira entre o ensino técnico dado
nas Escolas Industriais e Comerciais para as classes mais baixas e os Liceus, que
eram as escolas para a educação das elites.»
Os anos 60/70 são marcados pelo pensamento de Betâmio de Almeida.
«Em 1967 Bêtamio divulga a obra de Herbert Read e a Educação pela Arte
referindo o programa inglês de 1963 como modelo. Refere, também, pela primeira vez a
obra de Gropius . Embora a influência de Bêtamio de Almeida (1947/8-1970) na cons-
trucão dos curriculos e elaboração de manuais escolares tivesse tímidamente abordado
a expressão livre através da arte: o reconhecimento da arte infantil, o estudo do desen-
volvimento gráfico da criança; a educação do gosto, a apreciação da arte e a substitui-
ção do desenho à vista pelo desenho de interpretação. (Betâmio, 1967), não se pode
afirmar que houvesse educação artística nas escolas portuguesas dessa época.
A partir dos anos sessenta, forma-se entre os professores de desenho um
grupo de pessoas informadas e com vontade de alterar a didáctica do desenho.
A partir dos anos setenta o termo Educação Visual substitui a designação: Desenho. As
noções de arte como terapia, arte como desenvolvimento cognitivo, arte como conheci-
mento começam a infiltrar-se timidamente nos professores das disciplinas artísticas. Os
pioneiros destas mudanças, especialmente o professor Arquimedes da Silva Santos ini-
ciou o seu trabalho de experimentação e investigação com o apoio da Fundação
Calouste Gulbenkian, a partir da Associação Portuguesa de Educação pela Arte funda-
da, em 1957, presidida pela professora Alice Gomes. Foi uma Associação sem prece-
dentes, de inspiração Readiana que divulgou o conceito de educação pela arte, de
expressões artísticas integradas e de arte terapia. Graças a este movimento, nos anos
70 desenvolveu-se a Escola Superior de Educação pela Arte, uma escola virada para o
ensino das artes e para a formação de professores e educadores (ensino pré-escolar e
primário) com uma filosofia inovadora onde se efectuava o ensino pela diferença,
desenvolvimento do pensamento crítico e a interligação de todas as artes não com o
intuito de formar somente artistas mas também para formar educadores capazes de rea-
lizar o que então se apelidava de educação pela arte. Embora de curta duração essa
escola lançou as sementes e formou as pessoas que depois iriam influenciar a constru-
ção dos curricula e fornecer diplomados para os quadros das futuras Escolas Superio-
res de Educação e algumas Universidades com cursos de Formação de professores na
área das artes (música, teatro, dança, artes visuais).
76
Os anos pós-revolução abalaram o sistema de ensino em Portugal, grandes
reformas curriculares e novas experiências foram introduzidas, a diferença entre escolas
para baixas classes sociais e escolas de elites desapareceu, a duração do ensino bási-
co foi aumentada, um esforço muito grande na educação de adultos foi realizado para
reduzir a taxa de analfabetismo, o ensino pré-primário começou a ser implementado, a
formação inicial de professores foi reformulada. Os curricula sucederam-se, desenvolvi-
dos centralmente por equipas destacadas no Ministério da Educação, alguns com ino-
vações, outros obsoletos. As reformas nunca chegaram a ser avaliadas.
A Educação Visual baseia-se em conceitos de expressão pessoal e da
criança/artista. As metodologias decalcaram o modelo do artista modernista, valorizando
a percepção visual e os elementos estruturais da linguagem plástica, a análise crítica da
obra de arte foi evitada, valorizando uma concepção tecnicista da produção artística.
Mesmo quando a disciplina de História da Arte foi introduzida no ensino secundário ou
mesmo mais tarde a Teoria do Design estes conteúdos foram ministrados através de
memorização de movimentos cronológicos numa leitura linear e descontextualizada da
história.
Finalmente, a autora refere-se a uma educação artística modernista nos
anos 80/90 – anos de consolidação da nossa democracia. «Nos anos 80, a lei de bases
do sistema educativo lança uma estrutura mais estável, no entanto tratou-se de uma
reforma vinda de cima o que levou à sua difícil implementação, a realidade das escolas
levou muito tempo a aceitá-la e continua a perpetuar práticas tradicionais no ensino. O
ensino das artes visuais em todos os níveis de ensino é contemplado, embora com
associações duvidosas como, por exemplo, na disciplina de Educação Visual e Tecno-
lógica, no segundo ciclo do ensino básico. Artes como a dança e o drama são deixadas
de fora ou opcionais numa possível oferta das escolas. A educação musical apenas
aparece nos primeiros ciclos do ensino básico.
Os programas da educação artística (expressão plástica no 1º ciclo, educa-
ção visual e tecnológica no 2º ciclo, educação visual no 3º ciclo, história da arte, dese-
nho e geometria descritiva, teoria do design, oficias de artes, tecnologias artísticas, ofici-
nas de design) são desenvolvidos por equipas de professores no Ministério da Educa-
ção. A visão transmitida por esses especialistas é essencialmente modernista, a educa-
ção visual centra-se na análise formal da obra de arte, na produção de objectos artísti-
cos e no ensino da geometria. De igual modo os manuais escolares deixam de lado a
análise contextual da obra de arte e as capacidades de crítica. Apesar dos programas
criados a partir de 1991, no âmbito da reforma curricular apresentarem aspectos inova-
77
dores, apelando para a consciência crítica e análise contextual, a educação visual e as
disciplinas do currículo das artes no ensino secundário baseiam-se essencialmente no
método de resolução de problemas, apelidado de científico, contrapondo um sistema
racional à subjectividade própria das representações artísticas.
Enquanto no ensino pré-escolar as artes são favorecidas, no ensino primário
elas desaparecem muitas vezes do espaço de aprendizagem devido à falta de tempo ou
de preparação dos professores. No segundo ciclo a Educação Visual e Tecnológica é de
convivência difícil. Na educação visual o design ocupa uma grande parte dos conteúdos,
mas de um ponto vista funcionalista e não contextual. Por outro lado existe um grande
laissez-faire na aprendizagem do aluno, consequência da crença de que este deve
desenvolver livremente a sua criatividade.
No ensino secundário os exemplos de obras de arte mais referidos perten-
cem à arte ocidental, branca e masculina, nomeadamente do período pós-renascentista
até aos anos sessenta. E, a prática pedagógica perpetua os modelos bauhausianos da
escola de artes associados a abordagens do design típicas de Bruno Munari. Ainda no
ensino secundário sobrevive como a mais importante do currículo de artes a disciplina
de Geometria Descritiva, herança de um passado que rejeita os aspectos cognitivos da
emocionalidade.»
78
3. MÉTODOS
Método (do Grego methodos, met' hodos que significa, literalmente, "cami-
nho para chegar a um fim"). Em Filosofia, ou até na esfera científica (teórica - Filosofia
da Ciência), temos o método que delimita o modus da obtenção do conhecimento: a
epistemologia.
A ciência, tal como se apresenta na actualidade, desenvolveu-se graças ao
naturalismo do Renascimento, por um lado, a partir das pesquisas dos Escolásticos pro-
gressivamente dirigidas para a natureza, ao invés da anterior orientação sobrenatural;
mas também, por outro lado, à confluência de pensamentos tão diversos como o do
aristotelismo renascentista que elaborou o conceito da ordem necessária da natureza,
ou dos diversos platonismos, antigos e modernos, que insistiam na estrutura matemática
da natureza, ou da magia que utilizou e difundiu as técnicas operativas destinadas a
fazer subordinar a natureza ao homem, ou, ainda, à doutrina de Telésio que afirma a
autonomia da natureza, exigindo a explicação da natureza por meio da própria natureza.
Todos estes elementos são integrados pela ciência que reduz a natureza a mera objec-
tividade mensurável, complexo de formas ou coisas constituídas, fundamentalmente, por
determinações quantitativas e sujeitas às leis matemáticas. Assim, os próprios elemen-
tos são purificados pelas diversas conexões metafísico-teológicas das doutrinas subja-
centes e a ciência elimina os pressupostos: i) teológicos das investigações dos últimos
Escolásticos; ii) metafísicos do aristotelismo e do platonismo; e iv) animistas de Telésio
e da magia. A ciência da natureza teve, afinal, em Leonardo da Vinci a orientação intuiti-
va antecipadora.99
Em Leonardo, como vimos anteriormente, a investigação científica e a pro-
dução artística visam um único objectivo: o conhecimento da natureza, tal como é referi-
do no seu Tratado da Pintura, «a pintura representa para os sentidos as obras naturais;
e por isso ela estende-se às suas superfícies, às cores, às figuras daqueles objectos
naturais de que a ciência procura conhecer as forças intrínsecas». Arte, em particular, a
pintura, procura a proporção que a torna bela, pressupondo o estudo através da desco-
berta e da experiência sensível a harmonia que as leis matemáticas expressam em
99 Abbagnano, Nicola. História da Filosofia. Vol. 9. Lisboa: Editorial Presença, 1982.
79
ciência. Leonardo busca, pois, a ordem mensurável, proporção, número e beleza. A
experiência e o cálculo matemático 100
Como temos vindo a tentar perceber, o desenho é passível de ser aprendido
e, por conseguinte, ser ensinado. Para que o processo de ensino-aprendizagem seja
proficiente e encarado do ponto de vista curricular, entendendo, como vimos em
D’Enfert, o desenho como uma disciplina, importa encontrar um método, um caminho
que ajude a desvendar o processo criativo, trazendo à luz transparente da compreen-
são, a ideia, ainda, difusa, transformada em imagem tão próxima da realidade quanto a
capacidade de representação
O Discurso sobre o método de Descartes, obra seminal de 1619, e um dos
momentos charneira do Iluminismo, que abriu o caminho para a ciência moderna e para
o método científico em geral.
Em ciência, em geral, o método científico é constituído por uma série de
passos codificados que se têm de tomar, de forma mais ou menos esquemática para
atingir um determinado objectivo científico
Descartes assenta a sua teoria sobre o método no processo matemático: “
as longas cadeias de raciocínios tão simples e fáceis, de que os geómetras costumam
servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações.
101
«Em qualquer registo são evidenciados elementos que resultam da selec-
ção prévia dos aspectos mais característicos das formas que pretendemos representar,
enquanto outros são intencionalmente omitidos, como se não existissem. O enfatismo
.
«Manfredo Massironi, em Vedere con il Disegno, obra publicada em 1982,
destaca a função comunicativa do Desenho e procede à análise dos elementos constitu-
tivos da linguagem gráfica, que divide em primários e secundários. Os elementos primá-
rios são o traço, o plano de representação e o processo de enfatismo-exclusão. Os ele-
mentos secundários são o campo de pesquisa da história e da crítica de arte, relativa-
mente “às resultantes de lugar, tempo e cultura que produzem o desenho, para além
dos aspectos inerentes à personalidade e estilo” do autor. Vale a pena determo-nos por
alguns instantes no processo representativo caracterizado pela polaridade entre enfa-
tismo e exclusão» (Marques, 2005).
100 Abbagnano, Nicola. História da Filosofia. Vol. 9. Lisboa: Editorial Presença, 1982. 101 Molina. El Manual de Dibujo. 2003
80
ressalta com facilidade; os elementos omitidos, mesmo em número superior, quase não
provocam a impressão de falta. Massironi explica este fenómeno através das “qualida-
des envolventes e absorventes das imagens que, frequentemente se propõem do ponto
de vista cognitivo como um substituto muito convincente da realidade. No momento em
que os estímulos visuais do desenho reproduzem uma hipotética realidade aparente-
mente coerente com a representação gráfica, somos arrastados pela cerrada lógica da
representação.
Segundo a Teoria da Forma, a percepção visual é um processo integral
estruturalmente organizado. A lei da nitidez da estrutura e a lei do complemento estabe-
lecem a síntese niveladora e o sentido global das formas, com base numa espécie de
enfatismo geométrico de compensação, como no caso das formas inacabadas. As ope-
rações gráficas envolvem o emprego de sinais sobre superfícies, fixas ou amovíveis,
com a finalidade de comunicar conteúdos perceptivo-cognitivos. O processo gráfico é
complexo, muito abrangente e caracteriza-se por uma multiplicidade de escolhas que
exigem a aferição de resultados face a um conjunto de objectivos previamente estabele-
cidos e uma atitude permanente de selecção e exclusão. De modo sucinto podemos
afirmar que “Desenho” e as variantes quinhentistas dessenho e disenho são derivações
regressivas de desenhar, do latim designare, marcar, traçar, representar, designar, dis-
por, ordenar. Signum, i, em latim, significa “sinal”, “marca”. O termo Desenho evoca o
acto de desenhar com carácter lúdico, artístico ou técnico e o facto, o objecto de comu-
nicação – a forma gráfica – que decorre desse acto, assumido, principalmente, como
uma sucessão de interrogações, que relevam da aprendizagem, do pensamento estéti-
co, da prática e do conhecimento fundamental. A análise e a observação, no desenho
de representação, e a imaginação criativa, no desenho de expressão artística, exigem o
questionar permanente de relações espaciais, métricas, geométricas e goniométricas,
sendo de destacar, no processo criativo, o ensaio, a experimentação e toda a problemá-
tica em torno das estruturas e dos conteúdos significativos. A prática do desenho tem,
sobretudo, carácter processual. Hoje, o desenho é entendido como processo contínuo
de realização, que exige grande mobilidade criativa e capacidade crítica, apoiando-se,
cada vez mais, na reflexão sobre os valores culturais e no acesso a fontes de informa-
ção» (Marques, 2005)
A classificação dos métodos remete-nos «para uma espécie de antinomia
entre a “natureza” individual e a influência dos factores sociais que podem reforçar,
diminuir ou contrariar as disposições naturais. Os métodos devem conduzir à auto-
aprendizagem e ao desenvolvimento da criatividade, entendida como a actividade inte-
81
lectual mais alta e mais complexa. Por outro lado, os métodos, ao serem efectivados
através das técnicas, tornam a linha de fronteira ainda mais ténue. No caso dos méto-
dos de desenho, ao estabelecermos a distinção entre métodos didácticos e métodos
operativos, estamos a reconhecer, apesar de tudo, um antes e um depois, isto é, um
conjunto de procedimentos dirigidos para a aprendizagem, no âmbito da formação ini-
cial, e a actividade que decorre dessa formação, segundo princípios e fins conhecidos
ou que procuram alcançar novos resultados. Os métodos surgem habitualmente sob a
forma de métodos combinados. Partindo da classificação geral dos métodos didácticos,
os métodos são dedutivos e indutivos, lógicos e intuitivos, passivos e activos, dogmáti-
cos e heurísticos, analíticos e sintéticos. O método do desenho pela estampa é, simulta-
neamente, passivo e dogmático. O método diagramático é dedutivo e analítico. O méto-
do estigmográfico é lógico e sintético. O método do projecto, sendo essencialmente acti-
vo, é também indutivo e intuitivo. Alguns métodos são didácticos e operativos, como, por
exemplo, o método da janela de Leonardo e o método de Dürer. O método planimétrico
é simultaneamente um método didáctico e um método operativo. A correspondência é
devida, principalmente, à identidade das técnicas de representação, obedecendo aos
mesmos princípios e finalidades.» (Marques, 2005).
82
3.1. MÉTODOS DE ENSINO
Tal como vimos, anteriormente, os métodos de ensino ou métodos didácti-
cos são os que são, mais frequentemente utilizados na aprendizagem do desenho, num
tempo anterior à autonomização artística de cada estudante de desenho. Basear-nos-
emos, pois, na classificação e descrição feitas pelo Professor António Pedro Ferreira
Marques.
3.1. 1. Método autográfico «O método autográfico é provavelmente o método mais antigo e o primeiro
método, se atendermos ao processo de desenvolvimento individual. A actividade gráfica
da criança tem início por volta dos dezoito meses e, segundo Lowenfeld, manifesta-se
através de rabiscos ou garatujas desordenadas – a criança não olha para o papel – evo-
luindo no sentido do controle progressivo dos movimentos, observável no registo de
formas fechadas e, posteriormente, o despertar da representação, expresso nas garatu-
jas identificadas. O realismo fortuito, segundo Luquet, caracteriza o período dos três aos
quatro anos. A fase dos girinos ou cabeçudos está associada às primeiras tentativas de
representação intencional, entre os quatro e os cinco anos. Por volta dos seis ou sete
anos, a expressão gráfica é descritiva e a criança socorre-se de constantes formais,
como a transparência e o rebatimento, que coexistem com a diversidade de pontos de
vista. A representação é essencialmente ideográfica. A tendência para a animização
surge também nesta fase, propícia à formação de estereótipos figurativos e que Luquet
designa por fase do realismo intelectual. A partir dos dez anos, o domínio do pensamen-
to lógico é acompanhado por uma crescente necessidade de realismo visual que suscita
aprendizagens conducentes a uma representação mais objectiva e rigorosa. Rousseau
estabelece um percurso autográfico para o jovem Emílio, evitando o mestre de desenho,
que apenas o faria desenhar copiando outros desenhos. A natureza deve ser o único
mestre e os objectos os únicos modelos. O registo depende da observação directa “a
fim de que se acostume a bem observar os corpos e as suas aparências, e não a consi-
derar como verdadeiras imitações aquelas que são falsas e convencionais. (...) A minha
intenção não é tanto que ele saiba imitar os objectos como de que os conheça; prefiro
que ele me mostre uma planta de acanto e que desenhe menos bem as folhagens de
um capitel.” O método autográfico é um método heurístico, por excelência, com base
num processo de auto-educação através da realização de uma actividade criativa pró-
pria, que tem a maior relevância no ensino artístico organizado, sobretudo na pesquisa e
na experimentação decorrente do trabalho de projecto» (Marques, 2005).
83
3.1.2. Método da cópia (exempla, estampas, cópia do antigo)
«O método da cópia requer uma atitude receptora dirigida para a destreza
manual e para a memorização dos traçados. É simultaneamente um método didáctico e
um método operativo, utilizado na “transcrição paciente” do desenho preparatório da pin-
tura, da gravura ou da escultura, como podemos verificar nos exemplos de arte tumular
egípcia que chegaram até nós. Com uma longa tradição na cultura artística da China e
do Japão, é um método que ainda hoje está associado ao ensino do desenho, sobretu-
do no caso da ilustração científica. Desde o Antigo Egipto, passando pela Idade Média,
onde a expressão gráfica foi essencialmente tributária da sua aplicação, o método da
cópia foi utilizado nas primeiras academias de arte, acabando por constituir o método,
por excelência, do ensino académico. Segundo Assis Rodrigues, consiste em “copiar
desenhos ou estampas como exemplares do mesmo estudo”. A questão da cópia é sen-
tida negativamente, hoje, face à multiplicidade de meios técnicos produtores de ima-
gens. Todavia, o método da cópia permitiu divulgar os modelos iconográficos mais
representativos de cada época, a que a experiência acrescentou, por vezes, “uma
melhor referência à realidade”» (Marques, 2005).
3.1.2.1. Método do desenho pela estampa «Segundo o Dicionário Técnico e Histórico de Francisco de Assis Rodrigues,
“estampa” é qualquer obra ou imagem feita de traços cruzados em matéria sólida, e que
se aplica com especialidade em imagens ou figuras impressas sobre papel ou estofo,
por meio de uma chapa de cobre, madeira, aço, etc. O termo de estampa aplica-se
igualmente às produções de gravura a água-forte, a buril, em maneira negra, para lápis,
etc. Tiram-se estampas sobre couros ou peles, sobre tecidos, seda, pergaminho, cetim
ou mesmo sobre a cortiça das árvores, que sobre o gesso. A arte de imprimir estampas
foi inventada por um artífice de Florença, chamado Marcos Finiguerra no séc. XV. As
estampas permitem-nos conhecer “o génio, o gosto e o estilo dos grandes mestres e
são úteis para motivar aqueles que seguem a mesma carreira”. O método do desenho
pela estampa está associado ao ensino académico, tomando os modelos artísticos gre-
co-latinos e do classicismo como base de uma formação artística assente na “justeza
dos olhos e na facilidade de mão”. Na primeira lição de desenho pela estampa eram
apresentados os elementos da geometria prática e nas lições seguintes os estudantes
84
eram iniciados no desenho elementar da figura humana através de “esquemas” de
representação, completados com exemplos de desenho perfilado e desenho sombrea-
do» (Marques, 2005).
3.1.3. Método geométrico
«Gérard de Lairesse nasceu em Liège, em 1640. Deslocou-se para Amster-
dão, em 1667, onde permaneceu até a data da morte, em 1711. Notabilizou-se como
pintor, gravador e teórico da arte, tendo granjeado o epíteto de Poussin holandês. Des-
creveu o método geométrico num pequeno tratado, concluído em 1701 e publicado em
1719, com o título “PRINCÍPIOS DO DESENHO, OU MÉTODO BREVE E FÁCIL PARA
APRENDER ESTA ARTE EM POUCO TEMPO”. O método geométrico é um método
analítico que começa pelo reconhecimento de formas geométricas muito simples, que
são repetidas até ficarem bem interiorizadas e que conduzem a traçados cuja dificulda-
de vai aumentando gradualmente. O método, partindo do ponto, estabelece uma distin-
ção entre vários tipos de linhas que são descritas como perpendiculares, oblíquas, hori-
zontais, curvas e mistas. A organização das linhas segundo diferentes traçados permite
a representação das formas primárias (círculo, quadrado e triângulo), a determinação do
centro de cada figura e a respectiva divisão em partes. As noções de longitude, largura
e altura são, também, introduzidas nesta fase, que inclui a obtenção de medidas com
recurso ao compasso, após o que é necessário formar uma “justa ideia do contorno e da
disposição que devem ter todas as figuras”. São apresentadas várias figuras que repre-
sentam diversos objectos para neles ser encontradas “todas as espécies de linhas e de
formas”. Na Lição V, Lairesse dá a conhecer alguns rudimentos de perspectiva e sugere
o desenho de estampas. Seguidamente, são executados exercícios sobre relações de
proporcionalidade; a partir desta fase é iniciada a representação da cabeça e do rosto.
Na Lição VIII, é explicada a relação luz/sombra e a consequente gradação de tonalida-
des. A Lição IX incide sobre a “estrutura das diferentes partes do corpo e seu encaixe”.
Os desenhos são realizados, ainda, a partir da cópia de estampas. Nas lições seguintes,
o registo gráfico parte da observação de figuras em baixo-relevo e em vulto perfeito, até
“ocupar-se o nosso discípulo em desenhar em ponto grande o modelo, que lhe foi dado
em pequeno; ou em ponto pequeno o que ele vê em grande.” O método termina com
alguns conselhos sobre técnicas materiais e sobre a fidelidade da representação, quan-
do se desenha “à vista da natureza”.
85
Em Portugal, os Princípios do Desenho, de Lairesse, permaneceram ligados
ao ensino do desenho, até muito tarde. A Reforma de 57 reflectia, ainda, nas duas uni-
dades curriculares que restaram do extenso leque de disciplinas de desenho, a linha de
orientação contida nos Princípios.
Betty Edwards, afastando-se de Lairesse, nos fundamentos teóricos do
método da lateralidade, acaba por repetir o mesmo percurso de aprendizagem que o
Pintor de Amsterdão estabelece, ao confrontar-nos com o estudo da perspectiva, as
proporções do rosto e as especificidades do retrato.
Por último, é notória a influência do Método de Descartes, nos Princípios de
Lairesse, sobretudo, se atendermos ao enunciado da terceira regra que “consiste em
conduzir os meus pensamentos por ordem, começando pelos objectos mais simples e
mais adequados ao conhecimento, para me elevar pouco a pouco, como por degraus,
até ao conhecimento dos mais complexos, e supondo mesmo uma ordem entre aqueles
que não se precedem, naturalmente, uns aos outros”» (Marques, 2005).
3.1.3.1. Método diagramático «A palavra grega “diágramma” significa, em sentido lato, “qualquer desenho”
e, em sentido restrito, “desenho de carácter geométrico”. O método diagramático é um
método construtivo do desenho, baseado nas relações geométricas e estruturais da
representação gráfica. O método pretende clarificar a leitura das formas e assenta num
processo rigoroso de captação morfológica. É um método de análise, objectivo e quanti-
ficável. Em “The art of responsive drawing”, Nathan Goldstein faz notar que o objectivo
do desenho diagramático é explicar as relações estruturais do modelo natural, a “arqui-
tectura” da forma, a escala, a direcção e a articulação dos volumes principais. O método
diagramático é um método descritivo, que assenta na observação das formas e na
informação captada a partir da realidade perceptiva» (Marques, 2005).
86
3.1.3.2. Método esquemático (schema)
«Do gr. skhêma, figura, em latim, schema. Segundo o método esquemático,
o desenho decorre da aplicação de traçados geométricos que definem o “esquema” ou o
cânone da forma, por analogia repetitiva, sem observação directa do modelo natural. E.
Gombrich refere ironicamente o elevado número de publicações que descrevem os pas-
sos do formulário gráfico, que, partindo de formas geométricas muito elementares, pos-
sibilita a representação de árvores, pássaros, barcos, aviões, cavalos, etc. O método
“vitoriano” do eixo central, utilizado nos primeiros anos de escolaridade para desenhar
formas simétricas previamente representadas a giz no quadro da sala de aula, é um
método esquemático. Recorrendo à simetria axial, o aluno regista, por observação
directa do motivo situado no espaço real, metade do contorno da forma; depois, comple-
ta o traçado da forma, a partir do contorno representado na página. O resultado final é
uma forma simétrica, em parte observada no exterior, em parte “cópia” do contorno tra-
çado na página» (Marques, 2005).
3.1.3.3. Método estigmográfico
«Segundo Joaquim de Vasconcelos, “era mister idear uma transição natural,
quase insensível, entre o desenho auxiliado e o desenho a olho, sem recorrer à régua e
ao compasso; essa transição tornou-se possível com a rede estigmográfica. O método
implica a utilização de papel quadriculado; as figuras formam-se traçando linhas de um
quadrado a outro, até se completar a figura proposta pelo mestre, como modelo referen-
cial. As linhas são mais tarde substituídas por pontos e finalmente os pontos reduzidos
em número, mais e mais, até desaparecerem de todo e darem lugar ao desenho livre, a
olho”. O método estigmográfico está ligado ao ensino geral do desenho, no séc. XIX.
87
Todavia, teve repercussão no ensino artístico do Desenho, na Escola do Porto, no início
do séc. XX. Na obra gráfica do Escultor Barata Feyo encontramos vários exemplos da
rede de pontos que assinalam a geometria condutora da forma e as relações estruturais
fundamentais» (Marques, 2005).
3.1.3.4. Método do desenho pelo modelo sólido «Um método complementar do método estigmográfico é, também, referido
por Joaquim de Vasconcelos: é o caso do desenho pelo modelo sólido. Tal como o
método anterior, é um método geométrico preconizado por Pestalozzi. O método desti-
na-se a exercitar a percepção visual e o registo sem recurso a instrumentos auxiliares
de desenho, através da observação de sólidos geométricos, agrupados à semelhança
de naturezas-mortas, em que a incidência da luz e o contraste lumínico são essenciais
para a definição dos planos, dos volumes e dos espaços internos e envolventes. Como
método perceptivo, foi importante na didáctica do desenho industrial e no ensino ele-
mentar das formas, nos cursos preparatórios da Bauhaus. No séc. XIX, Sauvageot, Bol-
ton e Davidson publicam manuais sobre os princípios elementares do desenho de
modelos sólidos» (Marques, 2005).
3.1.3. Método académico
«John Ruskin nasceu em Londres, em 8 de Fevereiro de 1819. Viveu até 20
de Janeiro de 1900. Pintor, escritor, sociólogo, crítico e historiador de arte, foi um
ensaísta notável do período vitoriano, cujo pensamento estético, vinculado ao romantis-
mo, influenciou o neogótico inglês e está ligado ao movimento Arts and Crafts. Publicou,
aos quinze anos, poemas e estudos de geologia. Estudou em Oxford, entre 1836 e
1842, onde leccionou, mais tarde história da arte. Atacou o liberalismo económico e os
piores aspectos da industrialização, tendo criado, a partir de 1871, colónias agrícolas e
industriais, cujos propósitos não foram bem sucedidos. Promoveu a educação pela arte
e o acesso a museus, por parte das classes trabalhadoras. Tendo viajado, com frequên-
cia, pela Grã-Bretanha e pelo Continente, reuniu material para um número considerável
88
de publicações, entre as quais podemos destacar, The Poetry of Architecture, em 1838,
Modern Painters, 5 vols., de 1843 a 1860, The Seven Lamps of Architecture, em 1849,
Pre-Raphaelitism, em 1851, The Stones of Venice, de 1851 a 1853, e The Elements of
Drawing, em 1857. Grande admirador de Turner, cita repetidamente a obra do seu artis-
ta preferido como o exemplo mais importante da arte do seu tempo. Em “The Elements
of Drawing”, Ruskin concebe um método didáctico que apresenta sob a forma de três
cartas dirigidas a um aluno, “First Practice”, “Sketching from Nature” e “Colour and Com-
position”, contrapondo ao ensino académico tradicional um conjunto de exercícios que
conduzem ao entendimento da prática do desenho e cuja complexidade vai aumentan-
do, tendo em conta a capacidade de observação e a tradução sensível da luz, da som-
bra, da “roundness” e dos reflexos que caracterizam a variedade e o mistério da Nature-
za.
Método académico é a designação conjunta dos métodos que estão associados ao
ensino académico. De um modo geral, remete para o dogmatismo e falta de capacidade
inventiva que caracteriza a formação artística académica. Voltaire escreveu, numa carta,
de 30 de Novembro de 1735, que nenhuma obra, dita académica, nunca foi, em género
algum, obra de génio. A pedagogia das academias, apesar de ter subtraído os artistas à
influência das corporações, caracterizava-se pela obediência formal aos modelos estéti-
cos da Antiguidade Clássica, com apurada execução técnica, mas sem concepção ino-
vadora. Henrich von Kleist, em 1808, na obra Penthesilea, faz a apologia da imaginação
contra a norma conservadora, afirmando que, em Arte, deve-se inventar, em vez de
copiar» (Marques, 2005)
3.1.4. Método natural
«Outro método antiacadémico é o método natural, preconizado por Kimon
Nicolaedes. O método baseia-se na prática do desenho, sem recurso a nenhuma teoria
geométrica, observando o modelo e pondo em evidência o valor expressivo da forma. A
observação e o registo gráfico não devem obedecer a ideias preconcebidas. A represen-
tação do espaço háptico, o desenho táctil ou cego, o desenho modificado de contornos,
o estudo de contorno rápido, o estudo da gestualidade, os estudos de memória, são,
entre outros, alguns exemplos de exercícios que o método propõe. Nicolaedes, falecido
em 1938, influenciou o ensino do desenho até aos nossos dias, com um método mais
plástico do que gráfico, essencialmente intuitivo e activo» (Marques, 2005).
89
3.1.5. Método da lateralidade
«Betty Edwards publica, em 1979, Drawing on the right side of the brain: a
course in enhacing creativity and artistic confidence. O método assenta no antagonismo
do pensamento humano: verbal e analítico, no hemisfério esquerdo do cérebro; visual e
perceptivo, no hemisfério direito. A teoria do cérebro bipartido, defendida por Jerome
Bruner e Roger Sperry, publicada em 1968, considera que as diferenças observadas
nos hemisférios cerebrais estão associadas a duas modalidades de pensamento, verbal
e não-verbal. “Os dados indicam que o hemisfério mudo e secundário se especializa em
percepção gestáltica, uma vez que é basicamente sintético na forma como trata a infor-
mação que chega ao cérebro. O hemisfério falante e principal, ao contrário, parece fun-
cionar de modo mais lógico e analítico, como um computador. A sua linguagem é inade-
quada para as sínteses rápidas e complexas feitas pelo hemisfério secundário.” O
método de B. Edwards é uma aplicação da teoria da lateralidade e tem por objectivo tor-
nar a prática do desenho acessível a todos, através de exercícios, como a representa-
ção de imagens invertidas, o “desenho cego de contornos”, o “desenho modificado de
contornos”, o desenho de espaços negativos, o desenho “em perspectiva” a partir da
“Janela de Dürer”, entre outros. É um método intuitivo que tem, hoje, um papel relevante
na didáctica da ilustração científica» (Marques, 2005).
90
3.2. MÉTODOS OPERATIVOS
Por oposição aos métodos descritos anteriormente, estes métodos
operativos, na sua essência serão utilizados por quem já adquiriu a sua autono-
mização em relação à aprendizagem formal do desenho em contexto escolar.
Poderão ser os métodos privilegiados de utilização dos artistas no seu atelier.
3.2.1. Intersector de Alberti
Leon Battista Alberti em 1435 escreveu o primeiro tratado artístico da época
moderna – “De Pictura” – expressando aí o seu ideal humanista em relação ao fazer
artístico, enfatizando, para tanto, o papel de base do desenho, para cuja correcção con-
tribuiria, decisivamente, a sua invenção conhecida por força das diversas traduções
subsequentes, por “velo”102
Circumscriptioni igitur opera detur, ad quam quidem bellissime tenendam
nihil accomodatius inveniri posse existimo quam id velum quod ipse inter familiares
meos sum solitus appellare intercisionem, cuius ego usum nunc primum adinveni. Id
istiusmodi est: velum filo tenuissimo et rare textum quovis colore pertinctum filis
, resultando em português: “véu”, ou Intersector – tal como
ele próprio refere, o nome que lhe era atribuído por amigos e familiares, como se pode
verificar na transcrição da versão latina da obra: «Picturam igitur circumscriptio,
compositio et luminum receptio perficiunt. De his ergo sequitur ut quam brevissime
dicamus. Et primo de circumscriptione. Circumscriptio quidem ea est quae lineis
ambitum fimbriarum in pictura conscribit. In hac Parrhasium pictorem eum, cum quo est
apud Xenophontem Socratis sermo, pulchre peritum fuisse tradunt, illum enim lineas
subtilissime examinasse aiunt. In hac vero circumscriptione illud praecipue servandum
censeo, ut ea fiat lineis quam tenuissimis atque admodum visum fugientibus ; cuiusmodi
Apellem pictorem exerceri solitum ac cum Protogene certasse referunt. Nam est
circumscriptio aliud nihil quam fimbriarum notatio, quae quidem si valde apparenti linea
fiat, non margines superficierum in pictura sed rimulae aliquae apparebunt. Tum
cuperem aliud nihil circumscriptione nisi fimbriarum ambitum prosequi, in qua quidem
vehementer exercendum affirmo. Nulla enim compositio nullaque luminum receptio non
adhibita circumscriptione laudabitur. At sola circumscriptio plerunque gratissima est.
102 Molina – Máquinas y Herramientas. 2002,
91
grossioribus in parallelas portiones quadras quot libeat distinctum telarioque distentum.
Quod quidem inter corpus repraesentandum atque oculum constituo, ut per veli raritates
pyramis visiva penetret. Habet enim haec veli intercisio profecto commoda in se non
pauca, primo quod easdem semper immotas superficies referat, nam positis terminis
illico pristinam pyramidis cuspidem reperies, quae res absque intercisione sane
perdifficillima est. Et nosti quam sit impossibile aliquid pingendo recte imitari quod non
perpetuo eandem pingenti faciem servet. Hinc est quod pictas res, cum semper eandem
faciem servent, facilius quam sculptas aemulantur. Tum nosti quam, intervallo ac centrici
positione mutatis, res ipsa visa alterata esse appareat. Itaque hanc non mediocrem
quam dixi utilitatem velum praestabit, ut res semper eadem e conspectu persistat.
Proxima utilitas est quod fimbriarum situs et superficierum termini certissimis
in pingenda tabula locis facile constitui possint, nam cum istoc in parallelo frontem, in
proximo nasum, in propinquo genas, in inferiori mentum, et istiusmodi omnia in locis suis
disposita intuearis, itidem in tabula aut pariete suis quoque parallelis divisa illico
bellissime omnia collocaris. Postremo hoc idem velum maximum ad perficiendam
picturam adiumentum praestat, quandoquidem rem ipsam prominentem et rotundam in
istac planitie veli conscriptam et depictam videas. Quibus ex rebus quantam ad facile et
recte pingendum utilitatem velum exhibeat, satis et iudicio et experientia intelligere
possumus.»103
Este aparelho foi usado, até ao aparecimento da fotografia, com mais ou
menos adaptações por parte de diversos artistas, sofrendo, no entanto, poucas altera-
ções em relação à descrição de Alberti, e se nos quisermos reportar à iconografa da sua
representação, como diz Molina
104
, as diferenças mais significativas dizem respeito ao
cenário onde são utilizados, na temática representada, tal como no modo de proceder.
Mas a razão última da sua utilização, visa a correcta representação dos contornos dos
objectos, permitindo, ao mesmo tempo, a constância da mesma tomada de vista.
Devemos referenciar a utilização de um método semelhante de auxílio da
representação por parte de Villard de Honnecourt, no século XIII - o método da quadra-
tura - certamente, fonte de inspiração para a invenção de Alberti e este, por sua vez
influenciou, como veremos, Leonardo e Dürer, entre outros..
103 Alberti, Leon Battista. De Pictura (1435). Paris: Macula, Dedale. 1992, 104 Molina – Máquinas y Herramientas. 2002,
92
3.2.2. Método de Leonardo– Finestra Leonardesca
«Para Leonardo de Vinci, no Tratado da Pintura, a perspectiva não é mais
do que a visão de uma cena através de um vidro plano e bem transparente, sobre o qual
registamos todos os objectos que estão do outro lado do vidro: podem ser ligados ao
centro do olho através de pirâmides; as pirâmides são interceptadas pelo dito vidro.
Leonardo desenhou o perspectógrafo que esteve na origem do nome do método» (Mar-
ques, 2005).
3.2.3. Janela de Dürer
«Também conhecido por “Janela de Leonardo”, consiste na utilização de um
dispositivo móvel contendo uma folha quadriculada, sobre a qual se processa o registo
bidimensional de um motivo a três dimensões. O método assenta na utilização de uma
janela quadriculada real ou imaginária que possibilita uma melhor compreensão da per-
cepção 3D dos objectos da realidade visual e da “passagem” à modalidade bidimensio-
nal (ou modalidade D, segundo B. Edwards). Os objectos são “vistos” como configura-
ções sobre uma superfície plana, sem prejuízo da ilusão de um acentuado efeito pers-
péctico» (Marques, 2005).
3.2.4. Método expressionista
«No âmbito dos métodos operativos, o método expressionista é o mais
autodidáctico, pelo carácter espontâneo que evidencia, e seguramente o mais remoto.
Este método remonta à Pré-História, ao Antigo Egipto, passando pela Idade Média, pela
Arte Popular e pela Arte Primitiva, atravessa todo o século XX e chega aos nossos dias,
mantendo as características fundamentais: representação aspéctica da realidade, enfa-
tização plástica das formas, acentuação dos aspectos afectivos e emotivos em detri-
mento da objectividade da representação, recorrendo num passado recente à exaltação
gestual e à energia plástica dos contrastes» (Marques, 2005).
93
3.2.5. Método planimétrico
«O método planimétrico permite a tradução bidimensional das formas que
observamos ou queremos representar. É um método de representação plana que recor-
re a uma quadrícula para registar as formas “exactamente como as vemos”, com as dis-
torções resultantes da situação no espaço. Além de método de transposição intuitiva da
realidade perceptiva, constitui um meio rigoroso de projecção plana» (Marques, 2005).
3.2.6. Método da pena medieval
«Jean Rudel refere a longa tradição de “linearismo” ou de “desenho-
contorno” que o desenho a pena permitiu e que não se circunscreve apenas à Idade
Média. Todavia, obras medievais como o “Saltério de Utreque” e o “Álbum de Villard de
Honnecourt” revelam claramente as características deste método que obedece ao prin-
cípio de “circunscrição” descrito por Alberti, em 1436, no “Tratado da Pintura”. O método
conduz à simplificação, embora admita traçados direccionais e cruzados no interior das
formas previamente definidas pela linha de contorno» (Marques, 2005).
3.2.7. Método dos borrões.
«Contrariando o ensino artístico tradicional, Alexander Cozens publica, em
1785, A New Method of Assisting the Invention in Drawing Original Compositions of
Landscape. Cozens contrapõe, ao método da cópia, um método projectivo, a que dá o
nome de “blotting”, baseado no uso de manchas de tinta que sugerem motivos paisagís-
ticos. O método dos “borrões” explora o acaso e a produção de formas acidentais des-
perta a invenção imaginativa. Cozens executa dezasseis matrizes de composição, com
um grafismo expressivo e indeterminado, posteriormente convertido em motivos de pai-
sagem, ao gosto da época. A projecção, condicionada pelas influências dominantes,
acaba por se fixar no pitoresco das formas, não correspondendo, no caso de Alexander
Cozens, à totalidade das expectativas e potencialidades do método. O novo método
está associado à arte informal e ao expressionismo abstracto, do séc. XX» (Marques,
2005).
94
3.2.8. Método projectual
O "projecto" sobre o qual incide o método projectual (e não projectivo) divi-
de-se em projecto de realização e projecto de execução. O "objecto" pode ser um dese-
nho, uma pintura, uma escultura, uma cadeira, um automóvel, etc. É evidente que há
uma metodologia para tudo, mas quando falamos em método projectual já estamos a
incluir a totalidade do processo que conduz ao resultado final.
«Desde a extensão da disciplina de Desenho, como opção, nos últimos anos
dos Cursos de Belas-Artes, o método do projecto passou a ser utilizado como o método
principal da didáctica do desenho. Este método é um método activo que assenta numa
sequência de operações, com o objectivo principal de desenvolver capacidades criati-
vas, com base na pesquisa e na experimentação conceptual e técnica. O método
desenvolve-se segundo três fases: concepção, desenvolvimento e resolução. Na fase
de concepção o aluno é confrontado com a necessidade de reconhecer o sentido dos
referentes iconográficos e dos conteúdos significativos dos elementos que pesquisa;
ainda dentro desta fase, ensaia vários processos de tradução gráfica com o objectivo de
estabelecer conexões entre o sentido das formas conceptuais e materiais. O desenvol-
vimento consiste na exploração do filão temático, decorrente da experiência anterior e
de uma série de ensaios no campo das variantes expressivas e compositivas. Finalmen-
te, na fase de resolução é executado o projecto, na perspectiva do desenho tradicional
ou na perspectiva da aplicação de novos meios de expressão.» (Marques, 2005)
95
4. TÉCNICAS DO DESENHO
As técnicas de desenho são os recursos, no âmbito do conhecimento e da
aplicação prática, que permitem a execução material do processo gráfico. A divisão
entre técnicas conceptuais e materiais resulta das diferenças entre o conhecimento, no
plano da abstracção, e o domínio dos recursos físicos, no plano das tecnologias especí-
ficas da expressão gráfica.
«A figuração humana e animal, o esquematismo e as formas geométrico-
abstractas constituem o legado pré-histórico que, em suportes parietais ou amovíveis,
chegou até nós, a testemunhar capacidades de seres humanos muito jovens, dada a
esperança de vida pouco elevada do homem pré-histórico. No Antigo Egipto, o desenho
executado sobre ostraka é semelhante aos ideogramas da escrita hieroglífica. O dese-
nho tem uma acentuada expressão sinalética, que se manifesta no grafismo dos contor-
nos, na clara definição dos perfis e na representação aspéctica, que evidencia o carác-
ter essencial das formas. Os lécitos atenienses e as ânforas panatenaicas, entre uma
vasta tipologia de peças cerâmicas, permitem-nos observar a grande qualidade do
desenho grego, tributário da iconografia expressiva e descritiva do Antigo Egipto. Na
arte romana antiga o desenho está subjacente nas pinturas murais, a sinopia, como no
caso da Villa dos Mistérios, em Pompeia, e nos tapetes de mosaico, que integram inva-
riavelmente a arquitectura, com a rede expressiva das tesselas coloridas ou monocro-
máticas, também conhecidas por opus tesselatum. A cópia de exempla ou modelos de
figuras, nos scriptoriae conventuais, constituiu a base didáctica do formulário gráfico
medieval. Executado a pena, estilete de chumbo ou de prata, o desenho obedece a um
linearismo caligráfico que se manifesta na nitidez dos contornos e das linhas internas.
Reunidas em códices, as folhas de exempla estabelecem os fundamentos da figuração,
que aparece integrada na arquitectura, na escultura, na pintura mural, na tapeçaria, nos
vitrais e nas iluminuras dos manuscritos. Sem esquecermos a importância das oficinas
de iluminuras e dos monges copistas anónimos, também iluminadores, reveste-se de
particular interesse o caso de Adhémar de Chabannes, no séc. XI, e Villard de Honne-
court, no séc. XIII. No Renascimento, a ciência perspéctica e a anatomia, a par das
novas técnicas, contribuem para afirmar o desenho como área autónoma. Cennini e
Ghiberti consideram o desenho a base de todas as artes. A linha, que constitui o factor
básico da definição da forma, evolui, no sentido dos “caprichos” maneiristas e do ideal
clássico, com Poussin e Claude Lorrain. Com Rembrandt, o desenho adquire mais auto-
nomia e assume uma expressão mais “pictórica”. No século XVIII, o desenho veneziano,
96
com Canaletto e Guardi, está associado ao virtuosismo e à liberdade gráfica. O retrato e
o nu femininos sucedem à tradição do modelo masculino. O “sensualismo” tem expres-
são nos desenhos de Watteau, Boucher e Fragonard. O desenho oitocentista obedece,
por um lado, ao espírito de rigor e contenção das academias, por outro lado, afirma-se
pela diversidade de formas de expressão individual. Delacroix, Degas, Corot, Daumier,
Toulouse-Lautrec, Turner, Rodin contrapõem às convenções do desenho académico, o
interesse pelo mundo contemporâneo e a autenticidade dos valores subjectivos. No
séc. XX, o desenho está associado às principais correntes, tendências e movimentos da
arte. Manteve, ao longo do século, uma grande diversidade de modos de expressão,
adquirindo, por um lado, o pleno reconhecimento como arte autónoma e como área de
especialização ligada às novas tecnologias» (Marques, 2005).
Os métodos são substantivados através das técnicas.
As técnicas, como veremos, são conceptuais e materiais.
TÉC
NIC
AS
DO
DES
ENH
O
TÉCNICAS CONCEPTUAIS
Geometria – Códigos Icónicos Sistemas de Proporções Perspectiva - Sistemas de Representação Representação das Sombras Anatomia Artística Traçados Ordenadores Morfologia Criativa
TÉCNICAS MATERIAIS
Técnicas secas Técnicas líquidas Técnicas mistas
97
4.1. TÉCNICAS CONCEPTUAIS
São técnicas conceptuais: a Geometria, em que se incluem os códigos icó-
nicos e as escalas icónicas; os Sistemas de Proporções; a Perspectiva e os diferentes
sistemas de representação; a Representação das Sombras, como conjunto das técnicas
que permitem desenvolver o Desenho com correcção; a Anatomia Artística; os Traçados
Ordenadores; a Morfologia Criativa, em que podemos destacar a selecção e a exclusão,
a simplificação por nivelamento e por acentuação, a formalização gráfica não codificada.
98
4.2. TÉCNICAS MATERIAIS
A vocação expressiva dos materiais condiciona a acção gráfica, quer no
sentido do rigor e da exactidão, quer no sentido do acaso e da indeterminação. As técni-
cas materiais actuam sobre a “expressão” gráfica através de meios “secos”, “líquidos” ou
“mistos”.
De seguida apresentaremos alguns dos exemplos mais comuns de técnicas
materiais, e respectivas características mais significativas para a expressão gráfica. Uti-
lizamos como base de investigação o DVD publicado pelas Edições Asa sobre os mate-
riais e as técnicas de expressão, cujo conteúdo concorda em grande parte com o defen-
dido por Jean Rudel no seu livro “A técnica do Desenho”.
4.2.1. TÉCNICAS SECAS
Os artistas sempre necessitaram de um objecto riscador conveniente para
desenhar que permita gestos amplos ou desenhos minuciosos. Albrecht Dürer (1471-
1528), utiliza uma vareta feita de liga de chumbo e estanho (ponta de prata) com a qual
realizou desenhos de maravilhosa subtileza. No entanto este riscador apresentava o
inconveniente de necessitar de uma base especial cuja aplicação exigia tempo e habili-
dade.
• Grafite
No ano 1400 descobriu-se, na Baviera, a grafite contudo, levou algum tempo
até que pudessem apreciar as suas possibilidades de material riscador adequados para
o desenho.
Em 1504 foi encontrada em Inglaterra uma jazida de grafite pura. Com este
material foram concebidos e produzidos os primeiros lápis. Como se pensava que era
chumbo, durante algum tempo chamou-se aos lápis de grafite “lápis de chumbo”. Esta
designação ainda hoje é correntemente utilizada. Só em 1789 este mineral passou a ter
a designação correcta, grafite.
O primeiro lápis de grafite fabricou-se em 1662. Como o mineral, na época,
era escasso aumentava-se a pasta base com resinas e outras formas de o aglutinar. Isto
99
apresentava a vantagem adicional de permitir que a mistura resultante pudesse compri-
mir-se em sulcos feitos na madeira, geralmente de cedro.
Os primeiros sistemas de envolvimento eram de corda ou tubos de metal,
chamados portecrayons, semelhantes aos modernos porta-minas.
Faber estabeleceu – se em Inglaterra em 1761, produzindo os lápis com
base numa mistura de duas partes de grafite com uma de enxofre.
No séc. XVIII Napoleão, para não ter que importar os ingredientes necessá-
rios, pediu a Conté que estudasse uma substituição dos componentes e do processo
técnico de confecção dos lápis. O resultado foi uma mistura de grafite, água e massa
endurecida em fornos a elevada temperatura sendo depois introduzida em sulcos de
madeira. Foram estes os riscadores antecessores dos lápis de madeira.
O desenho com grafite é um meio acessível e directo que pode ser usado
sobre diversos suportes. A grafite produz um traço monocromático e gamas de tom cin-
za. A sua dureza e o tipo de suporte originam vários tipos de expressão. Desenhar a
grafite permite uma análise exaustiva do objecto, um exercício de observação, um estu-
do rigoroso ou um esboço de apontamento rápido.
Os tons obtêm-se por aproximação, justaposição ou cruzamento de traços,
longos ou curtos, sendo menos intensos á medida que saímos da zona de sombra para
a zona de luz.
A mancha pode ainda ser expressa por pontos, macieza da mina, espessura
da linha ou por toques de luz no sombreado, resultantes do apagar do desenho com
borracha.
Sobre suporte rugoso, a grafite adere à rugosidade do papel transformando
o sombreado numa zona de meio-tom, com intervalos brancos. Sobre o papel macio, o
sombreado torna-se uniforme.
Traços simples e sinuosos feitos com dois tipos diferentes de mina de grafite
sobre o papel macio ou rugoso, demonstram aspectos básicos do desenho a lápis. A
fluência dum simples traço a lápis podem apresentar a rigidez e o aveludado caracterís-
ticos deste processo de desenho com grafite. Em papel macio, o traço a lápis resulta de
uma forma macio e consistente, no papel rugoso, a grafite só se detém no grão saliente
100
do papel, o que confere à linha um aspecto texturado. As variações da pressão exercida
pela mão sobre o lápis permitem ao traço uma variação tonal na sua extensão.
Este aspecto subtil da qualidade do traço mostra como o lápis de grafite dife-
re de outras técnicas de tonalidades uniformes, como a tinta. Pois permite ao artista dar
indicações tonais da linha de um simples desenho escurecendo a tonalidade quando se
impõem o contraste de tons, e atenuando a tonalidade da linha, e quando os tons adja-
centes se assemelham.
A aparência de uma linha de lápis depende de três factores:
o grau do lápis, a pressão utilizada e a velocidade com que se desenha.
O método clássico para conseguir efeitos tonais foi desenvolvido pelos artis-
tas do séc. XV, que trabalhavam com “pontas de prata”. Estes utilizavam linhas muito
juntas, que ao distanciarem-se mais ou menos se tornavam gradualmente mais claras
ou mais escuras.
O efeito tonal pode também ser conseguido por pontos, traços curtos, som-
breado e sombreado cruzado (linhas que se cruzam em muitas direcções). Pode tam-
bém conseguir-se subtis efeitos tonais ao misturar diferentes graduações de lápis
no mesmo desenho105
• Pontas de metal
.
Utilizadas desde a Antiguidade para gravar sobre argila ou cera. Na Idade
Média e no Renascimento passam a ter aplicação gráfica, sobre uma base devidamente
preparada, de pergaminho ou velino. Há diversos tipos de pontas de metal, sendo a
ponta de prata e o estilete de chumbo os mais utilizados,(Rudel, 1979)106
105 DVD – Porfírio, Manuel - Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA 106 Rudel, Jean. Technique du dessin. Paris: Presses Universitaires de France, 1979
.
101
• Penas
As penas fazem parte dos meios gráficos mais antigos que se conhecem.
As penas são de origem vegetal, calamus arboris, ou animal, calamus avis – pena de
ganso, pena de peru, pena de corvo, etc. No séc XIX, as penas de desenho, com ponta
metálica, passaram a ser fabricadas industrialmente.107
• Carvão
O carvão que hoje em dia se fabrica por meios sofisticados, não é mais que
madeira queimada. É um meio artístico antiquíssimo pois já era usado pelos “homens
das cavernas” (arte rupestre) que cobriam as paredes com representações dos animais
que caçavam, descobrindo o prazer de desenhar com traços largos. Usavam paus
queimados e ossos carbonizados. O carvão é ideal para cobrir zonas grandes, como
descobririam os pintores de frescos do Renascimento. O carvão para desenhar deve
queimar-se de um modo especial, para que a madeira esteja totalmente queimada e
produza uma linha uniforme com uma intensidade consistente. A madeira queima-se
num espaço sem ar. Receitas antigas relatam que se queimavam pequenos paus em
recipientes de barro hermeticamente fechados.
Daumier (1808-79) explorou as qualidades gráficas do carvão, fazendo
desenhos livres. Millet (1814-75) foi um desenhador magistral de camponeses e atmos-
feras campestres, demonstrando como com este meio se pode representar a luz e a cor.
Os esboços a carvão de Edgar Degas (1834-1917) demonstram a importân-
cia da linha e da forma no desenho com carvão. Os desenhos de linhas rápidas de
Rodin (1840-1917) e Matisse (1869-1954) revelam uma brilhante observação da figura
em acção, à qual se adapta muito bem este meio riscador.
O carvão tem uma forte tendência para reflectir o grão do papel. Convém
explorar esta característica técnica e expressiva deste material porque evitá-lo é quase
impossível. Por isso, o melhor papel para desenhar a carvão é o de grão fino ou médio
saliente, que suporta traços, permite ser apagado, esfumar e criar texturas friccionadas
sem perder a sua adesão. O brilho e a intensidade dos negros resultam muito eficazes
sobre papéis coloridos. 107 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
102
Os papéis mais lisos constituem boas superfícies para o carvão comprimido.
Exceptuando o papel acetinado brilhante, como o papel couché, todos os tipos de papel
servem, em princípio para desenhar com lápis de carvão, carvão, sanguínea e giz de
cor. Até o papel muito liso como o Bristol, pode dar ao desenho um estilo e acabamento
interessantes.
O papel ideal para desenhar com carvão, lápis de carvão ou giz de cor é o
papel de grão médio como o Dessin J,A. da Canson; em alternativa podem usar-se os
papéis de desenho mais ásperos, como o papel Mi-teintes branco ou de cor da Canson.
O papel Ingres é um papel especial para desenhar com carvão (também
adequado para a sanguínea) correntemente utilizado para desenhos de tamanho médio
ou grande e estudos de folha inteira. Caracteriza-se pela sua textura estriada, uma
espécie de marca de água, visível em contra-luz, em forma de linhas caneladas, dispos-
tas paralelamente. Esta textura especial é revelada quando se desenha e esfuma um
sombreado pouco intenso.
Alguns papéis de embrulho de boa qualidade têm também esta textura,
podendo ser utilizados, ocasionalmente, para desenhar com lápis de carvão em estudos
de grandes dimensões ou pinturas murais. Este tipo de papel é geralmente de cor parda
ocre-escura e é apropriado para desenhos a carvão, sanguínea ou a lápis de carvão,
realçados com giz branco.108
• Sanguínea
A sanguínea é uma espécie de “giz vermelho” feito de uma mistura de cau-
lino e hematite. Possui um tom castanho-avermelhado escuro, semelhante à terracota e
existe numa só dureza. Conhecida desde o paleolítico, a sanguínea começa a ser utili-
zada com maior intensidade por volta de 1500. É no Renascimento e no Barroco que
artistas como Leonardo Da Vinci, Rafael e Rubens usam a sanguínea de uma forma
notável. Os efeitos de “sufmato” que empregaram são admiráveis. Os artistas italianos
usaram imenso a sanguínea de vários modos: isoladamente ou combinada com outros
materiais. A sua cor quente e suave será talvez a razão para ter sido empregue através
da história no desenho de representação do corpo humano. O uso combinado da san-
108 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
103
guínea, pedra negra e uma espécie de giz branco, foi no séc. XVI usada abundantemen-
te, sobretudo para o retrato.
A Sanguínea é um meio agradável que surpreende pela sua variedade de
tons e matizes. A técnica de desenho a sanguínea é basicamente a mesma do carvão e
seus derivados. Pode desenhar-se com um pedaço de uma barra, com um lápis ou com
um pau de sanguínea, segurando o material riscador da forma habitual para traçar
linhas.
Desenha-se também com a parte plana da sanguínea para criar manchas e
degradês com traços amplos. A sanguínea pode ser esfumada, com esfuminhos ou com
os dedos, de forma a criar os tons leves e delicados das áreas trabalhadas.
Tal como no desenho a carvão e seus derivados é possível usar um esfumi-
nho impregnado com sanguínea para traçar linhas, sombrear grandes áreas e dar volu-
me. A sanguínea proporciona uma grande variedade de cores, desde a cor siena natural
ao sépia-escuro, passando pelo vermelho-inglês e pela cor terra-cota que, associados
ao giz preto e branco e com a ajuda do papel de cor, produz uma qualidade artística
muito semelhante à das pinturas a pastel.
Todas as cores da sanguínea assim como o giz branco e o preto podem ser
diluídos em água, produzindo aguadas semelhantes às da aguarela.109
• Sépia
A sépia é um riscador castanho-escuro, cujos pigmentos são extraídos de
um molusco e misturados com um mineral do tipo do giz e usa-se da mesma forma que
a sanguínea no desenho.110
• Pedra Negra
A pedra negra é macia e parte-se com facilidade. É natural de xisto argiloso
que contém partículas de carbono, o que lhe dá o tom escuro, que vai do cinzento ao
negro. Este riscador foi muito usado no desenho ao longo de vários séculos.111
109 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação) 110 Idem 111 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
104
• Cera
A pintura com cera é um dos processos mais antigos na história da arte. Era
uma técnica designada por encáustica, conhecida e praticada 500 a C., no Egipto, na
Grécia e em Roma.
Actualmente a cera pode apresentar-se nas formas de lápis ou barras sendo
aplicada directamente sobre o suporte, normalmente papel ou cartão.
Existe uma variante dos lápis de cera que são os pasteis a óleo, os quais
possuem basicamente as mesmas características que estes, com a única diferença de
que a cera é em geral mais dura e seca ao passo que os pasteis a óleo têm maior ducti-
lidade pelo seu carácter mais gorduroso. Esta diferença resulta no facto de a cera ser
mais impermeável e mais dura no momento de pintar. Quando se pinta uma camada de
cera sobre outra esta endurece e fica lisa eliminando o grão. As cores “agarram” então
com dificuldade e é difícil pintar cores claras sobre mais escuras.
As barras de cera colorida têm como aglutinante cera, carnaúba e parafina
e, em percentagem mínima, óleo e terebintina. É portanto um meio gordo que permite
diluentes voláteis e que reage à água. As cores da cera em barra permitem uma aplica-
ção idêntica ao pastel na mesma forma de desenhar e preencher manchas a seco, sem
veículos líquidos.
Os compostos gordos permitem fundir as cores entre si através da fricção
com um trapo, e esbatidos. O ligeiro aquecimento do suporte ou a diluição através da
terebintina facilitam espalhar a cera na superfície. Os lápis a cera, tal como os pastéis a
óleo, pintam por fricção e podem ser esfumados com os dedos.
Ambos permitem ainda pintar claro sobre escuro. Uns e outros são difíceis
de apagar, de tal maneira que quando é necessário fazê-lo deve-se eliminar primeiro a
camada de cera ou gordura com um x-acto ou canivete e só depois apagar com uma
borracha. Raspando daquele modo recupera-se o grão do papel o que permite voltar
a pintar sem dificuldade.
Quando se pinta uma camada de cor clara e se aplica por cima uma camada
de cor escura é possível, depois ao raspar com o estilete, aparecer a cor clara, dese-
nhar traços e formas em negativo. Além disso, ambos os meios dissolvem-se com
105
essência de terebintina, permitindo executar manchas e degradês com o pincel, numa
espécie de “aguada de cera”.112
• Lápis de cor
Os lápis de cor são um invento muito mais recente que os lápis de grafite. A
gama de cores amplia-se cada vez mais graças à sua popularidade tanto na criação
artística, como na ilustração.
Os lápis de cor apresentam diferentes características, desde consistência
branda, de giz e de cores opacas, ou brandas e gordas, até duras e translúcidas. Estas
variações na consistência da mina devem-se às diferentes proporções do aglutinante
utilizado (a substância que compacta o pigmento e permite um manuseamento fácil do
lápis). Este aglutinante costuma ser uma carga branca como o caulino e diferentes tipos
de cera. Do mesmo modo que os lápis de grafite, também se podem misturar diferentes
tipos de lápis de cor no mesmo desenho. É possível e útil fazer uma selecção de lápis
de diferentes marcas para, deste modo, conseguir uma selecção completa de cores.
Os lápis de cor são limpos, práticos e fáceis de transportar, permitindo
desenhar com grande qualidade. São fabricados de forma similar à dos lápis de grafite.
A mina é composta por um pigmento (geralmente giz), um suporte e um aglutinante
quase sempre uma goma celulósica.
Existem diversos tipos de lápis de cor, classificados segundo o grau de
dureza da mina que depende do aglutinante usado na sua composição. Lápis macios:
são os mais oleosos, contêm uma maior quantidade de cera (aglutinante). Lápis médios:
compostos de cera virgem, resina e terebintina (ou aguarrás) em pequenas proporções,
são os mais conhecidos e utilizados. Lápis duros: solúveis em água, a sua composição
é muito parecida com a da aguarela, têm como aglutinante a goma-arábica.
No desenho com lápis de cor é possível utilizar qualquer tipo de papel, à
excepção de algumas variedades como o papel couché, desde que este permita a ade-
rência do material. Para se conseguir uma aderência máxima e um elevado grau de
saturação, recomenda-se a utilização de um papel acetinado, ou seja, um papel de grão
fino, prensado a quente, ao qual foi puxado o brilho, eliminando quase por completo a
112 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
106
presença do grão. O relevo da superfície do papel é revelado quando se efectuam tra-
çados, sombreados ou coloridos com os lápis. É importante referir que os papéis de
desenho de boa qualidade, utilizados actualmente, oferecem uma textura e uma rugosi-
dade diferentes em cada face, e que ambos podem ser utilizados indistintamente, com a
vantagem de se poder seleccionar aquela cuja textura seja mais indicada.
Quanto mais elevada for a gramagem do papel, maior é a espessura e, por-
tanto, maior é a sua resistência. O papel de grão fino permite evidenciar os diferentes
degradês dos lápis, o que proporciona gamas de tons intermédios e linhas translúcidas
de grande qualidade.
Quando se trabalha com um papel rugoso, as partículas de pigmento fixam-
se aos relevos do granulado como se fossem pequenos grãos de cor. Este efeito permi-
te que a luz do papel seja reflectida, fazendo com que as cores se tornem mais translú-
cidas.
O papel para pintura de aguarelas de textura muito rugosa é demasiado
áspero para o lápis de cor. O papel tipo Ingres é o ideal para lápis de cor. Combina
resistência com uma superfície granulosa média, isto é, não tão rugosa como a do papel
para aguarela. Não convém utilizar papéis que apresentem uma granulação irregular,
pois a falta de uniformidade na sua textura prejudica o trabalho com o lápis de cor.
As características dos lápis de cor permitam-nos reunir, numa obra, alguns
dos recursos mais básicos do desenho e o efeito da policromia. De referir que o trabalho
com lápis de cor não é muito diferente do trabalho com lápis de grafite. O que acontece
é que o esforço para valorar com tons cinzentos, no trabalho monocromático com lápis
de grafite é substituído pela adição das cores para alcançar a valoração tonal.
Os lápis de aguarela podem ser considerados uma subcategoria dos lápis
de cor, cuja característica principal reside no facto de os seus pigmentos poderem ser
dissolvidos por acção da água, passando a apresentar um efeito semelhante ao das
aguarelas.113
113 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
107
• Canetas de feltro
As canetas de feltro (marcadores) ou de ponta de fibra foram desenvolvidas
nos anos 60 pelos japoneses. As primeiras estavam unicamente disponíveis em preto,
mas actualmente existem numa vasta gama de cores, inclusivamente em cores estan-
dardizadas e numeradas, para trabalhos gráficos onde é necessário garantir um grande
rigor cromático.
A tinta é feita a partir de pigmentos misturados numa solução de álcool ou
“xylen”. Estas canetas têm um uso reservado a trabalhos e fins mais efémeros ou para
esboços em fase de projecto. Podem ser vantajosas para certos trabalhos pois produ-
zem traços homogéneos quer em espessura quer em cor. Qualquer papel que absorva
a tinta é válido como suporte. Para os marcadores a água servem os papeis para agua-
rela, mas quando se trabalha com marcadores de álcool, e de modo definitivo, convém
mais usar um papel especial canetas de feltro. Este papel é translúcido para decalque e
opaco para realizar a cor não deixando trespassar a tinta.
As canetas de ponta de fibra (ou marcadores) apresentam uma ampla
gama de cores.
As suas pontas podem ser finas ou em cunha e as cores podem ser solúveis
em água ou em álcool. As cores dissolvidas em álcool costumam “sangrar” ou expandir-
se para lá da forma desenhada. Estas cores tendem também a trespassar o papel, pelo
que deverão ser utilizadas com muito cuidado. Existem alguns papéis de desenho espe-
ciais para marcadores para evitar este problema.
A tinta dos marcadores é transparente e as suas cores podem-se sobrepor
para produzir misturas. Estas canetas quando exploradas convenientemente permitem
obter desenhos vigorosos e de cores brilhantes. Aprender a explorar as potencialidades
gráficas e plásticas deste tipo de riscadores requer a experimentação prática deste
meio.114
114 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
108
• Fixativo
Jean Rudel lembra que o material quase sempre indispensável ao desenho,
é o fixador, para preservar, quer o desenho e evitar a pulverização e o apagamento,
quer protegendo o próprio papel.115
4.2.2. TÉCNICAS LÍQUIDAS
As tintas de desenho são substâncias corantes dissolvidas em água. Tradi-
cionalmente eram feitas a partir de negro de fumo, caso do nanquim ou tinta da China e
da fuligem de chaminé, no caso do bistre. A sépia tem origem animal: deriva da tinta de
choco. O bugalho é empregue no fabrico da tinta de noz-de-galha ou tinta de bugalho.
Goya utilizou a tinta de noz-de-galha em desenhos preparatórios de gravuras 116
• Canetas de desenho
Para desenhar com tinta tem-se utilizado desde a antiguidade tanto canetas
de penas como pincéis. Existiam diversos tipos de penas: as de bambu ou de cana e as
feitas a partir de penas de aves, chamadas penas de escrever.
Anteriormente ao séc. XIX a maioria das canetas utilizadas para desenho
eram as do segundo tipo, feitas a partir de penas de ganso, corvo ou pato. Estas como
se podiam afinar em diferentes tipos (mais grossos ou mais finos) constituíam um ins-
trumento muito versátil para o artista. No entanto as penas de cana eram utilizadas
quando se pretendia a força e espessura característica do seu traço.
115 Rudel, Jean. A Técnica do Desenho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. 116 Marques, António Pedro Ferreira. Lição de Agregação. Lisboa: FBAUL.2005 .
109
Estas eram construídas da mesma forma que as de ave. No entanto a sua
estrutura fibrosa e espessura fazia com que fossem mais adaptadas para pontas gros-
sas e redondas que para pontas mais delicadas. As penas de cana tendem a soltar a
tinta mais depressa que as penas de ave e por isso produzem linhas curtas e interrom-
pidas e não os sinuosos arabescos que as penas de ave são capazes de realizar.
As canetas e o pincel permitem a realização de traçados lineares podendo
ser utilizadas diferentes tintas (monocromáticas ou de cor). Estes instrumentos riscado-
res são um meio de desenho extremamente sensível e por isso capazes de produzir
uma infinidade de traços com diferentes expressões. Durante séculos os artistas chine-
ses e japoneses exploraram o potencial expressivo do pincel. Os traços são determina-
dos pelo tipo e tamanho da caneta e do pincel, pela pressão e direcção do traço e, ain-
da, pelo modo de segurar o instrumento. Pode utilizar-se qualquer tipo de caneta ou pin-
cel desde que de boa qualidade e convenientemente preparados. No caso dos pincéis
os melhores são os fabricados com pêlo de marta, uma vez que são fortes, flexíveis e
escoam bem a tinta.
A tinta é um meio que praticamente pode ser aplicado com todo o tipo de
instrumentos que se utilizam para trabalhar com aguarela tradicional, nomeadamente
canetas e pincéis. Não se deve ignorar também a capacidade da tinta em produzir mar-
cas gráficas através do uso de esponjas, panos, penas de aves ou de outros materiais
riscadores. Ainda que normalmente se considere a tinta e o desenho com caneta como
um meio essencialmente linear, também é possível conseguir-se toda uma variedade de
traços, tramas e manchas passíveis de produzir diferentes efeitos de textura. Importa,
também, ter em conta o potencial da cor na prática do desenho com caneta. As tintas de
cor possuem uma intensidade que pode ser “opressiva”. Podem por isso ser diluídas
com água para atenuar a intensidade do tom. O emprego de tinta diluída numa caneta
de aparo metálico produz uma linha plasticamente expressiva e subtil.117
• Desenho de Pincel
A tinta é um dos mais antigos meios de desenho. No Egipto usavam-se
penas de cana e uma espécie de tinta para desenhar e escrever.
117 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
110
Na China, já no ano 2500 a.C., fabricaram-se tintas com pigmento negro ou
ocre vermelho, formando pedaços de tinta aglutinados com uma cola. Para usar a tinta
dissolvia-se parte da barra com água. Estas tintas, mais tarde importadas para a Europa
conhecem-se hoje pelo nome de tinta-da-china. Esta tinta desempenhou um papel fun-
damental na arte chinesa da antiguidade e também foi utilizada para a confecção de
ideogramas caligráficos. Hoje continua a ser um meio muito popular pois é muito sim-
ples trabalhar, possibilitando o desenvolvimento e criação de uma ampla variedade de
técnicas e efeitos, mediante o emprego de materiais e utensílios muito simples. Os pin-
céis e canetas são os meios mais habituais para aplicar a tinta sobre um suporte.
O desenho com pincel e o desenho com aguada são técnicas semelhantes. A diferença
é que quando se trabalha apenas com o pincel as linhas fazem-se com a ponta deste.
Rembrandt realizou alguns desenhos com muita força expressiva nos quais
tanto figuras como o envolvente estão indicados com alguns traços de pincel aplicados
com mais ou menos intensidade.Este método está especialmente indicado para realizar
estudos tonais que se podem desenvolver depois para conseguir um desenho acabado.
As pinceladas podem ser finas ou grossas, conforme se exerça maior ou menor pres-
são do pincel sobre o papel. As pinceladas finas, por sua vez, podem ser mais ou
menos intensas, conforme a pressão sobre o papel ou segundo a carga de tinta trans-
portada pelo pincel. A carga de um pincel (quantidade de tinta) deve ser controlada.
Quanto menos carga apresentar o pincel menor será a sua capacidade para cobrir o
papel, assim como também menor será a intensidade da cor obtida. O trabalho a pincel
apresenta variedades de intensidade ao longo de uma mesma pincelada o que permite
um trabalho expressivo. Quando se pretendem realizar linhas e traços com a expres-
são fina como de uma caneta ou cana o pincel a utilizar deverá ser de pêlo duro e
fino.118
• Aguadas
A técnica da aguada está associada à expressão pictórica do desenho,
embora se detenha quase em exclusivo na monocromia e na gradação de valores. As
aguadas dependem do grau de diluição das tintas e a escala de valores é obtida pela
sobreposição de camadas mais ou menos transparentes, (Marques, 2005).
118 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
111
• Aguarela
As aguarelas são pigmentos moídos e aglutinados em
goma-arábica. Esta, além de se dissolver bem na água, actua como um verniz produ-
zindo um brilho e cor luminosa. No princípio usava-se a goma isolada. Mais tarde juntou-
se o mel, a glicerina e almíscar para retardar a secagem e obter maior transparência. O
pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528) usou intensamente este meio podendo ser
considerado o seu percursor. Os iluministas medievais, para a realização das iluminu-
ras, recorriam ao uso da aguarela transparente juntando-lhe depois uma cor opaca.
Alguns artistas como Van Dyck (1599-1641), Gainsborough (1727-88) e John Constable
(1776- 1837) usaram a aguarela para esboços rápidos do tipo atmosférico (arco-íris) que
serviriam de guia para as pinturas a óleo de maior tamanho. Contudo quase todos os
artistas que utilizaram este processo fizeram-no usando uma ou outra das suas formas
características como um fim em si mesmo. Por exemplo os pintores como John Crome
(1768-1821), John Varley (1778-1842), e John Sell Cotman (1782-1842) que diferem
tanto na intenção como resultado, mas que usam a aguarela como uma forma artística.
William Blake inventou o seu próprio método de pintar com a aguarela. Este pintava pri-
meiro numa superfície impermeável que depois transferia para papel, para então elabo-
rar com cor sólida. Thomas Girtin (1755-1802) empregava uma paleta muito limitada,
aplicando a pintura em lavados finos que, uma vez secos se cobriam com outros até
adquirirem tonalidades fortes. J. M. W. Turner (1775-1851) usou este meio para criar
uma nova forma na pintura. Para isso salpicava, raspava e movia a pintura ainda húmi-
da, criando paisagens luminosas. Esta tradição foi assegurada nos EUA por Thomas
Eakins (1844-1916), Edward Hopper (1882-1967) e mais tarde Andrew Wyeth (1917) e
em Inglaterra por Edward Burra (1905-76), David Jones (1895) e Paul Nash (1889-
1946). Também Paul Klee (1879-1940), um dos fundadores da Bauhaus realizou a sua
obra mais significativa através da aguarela. Considera-se que a primeira pintura abstrac-
ta foi executada em aguarela por Vassily Kandinsky em 1910.
A principal característica da aguarela é a sua transparência que pode ser
explorada ao máximo na sua forma mais “pura”. Os tons mais claros são dados pelo
próprio papel que pode ser branco, ou colorido pelo autor antes de começar. Ao contrá-
rio da pintura a óleo, que pode aplicar pintura clara sobre os tons escuros, o aguarelista
deve trabalhar partindo dos tons mais claros para os mais escuros. Aliás um tom muito
claro aplicado sobre um tom escuro acabará por cobrir ainda mais a brancura do papel.
Esta qualidade do papel a brilhar através do pigmento transparente é o que confere às
aguarelas o brilho e a luminosidade que as colocam à parte em relação aos demais esti-
112
los de pintura. A aguarela e o guache podem ser usados em conjunto para resultados
mais expressivos.119
• Gouache
Ao gouache, ou guache também se chama “cor com corpo”. É uma pintura a
água, opaca, feita com pigmento moído menos fino que o empregado para as aguarelas
transparentes. Tal como a aguarela o seu médium (agente aglutinante) é a goma-
arábica, ainda que muitos guaches modernos contenham plástico. O médium é aumen-
tado com pigmento branco o que torna opaca a pintura. Isto permite eliminar algumas
das limitações impostas pela aguarela transparente sendo possível aplicar pintura clara
sobre escura e construir um quadro com cores mais sólidas.
A pintura com guache tem menor luminosidade que a aguarela pura, mas
está apropriada para desenvolvimento de formas que requeiram a procura de uma
expressão com outras especificidades já que se pode trabalhar “a partir de tons escuros”
( aplicando as cores mais escuras primeiro e juntando depois os detalhes mais claros )
um processo que não resulta bem com aguarelas.
O guache presta-se a desenhos grandes e por isso podem utilizar-se pincéis
maiores, incluindo os vulgares pincéis (brochas) usados para pintar paredes. Pode usar-
se o guache separadamente ou em associação com outros meios, normalmente diluídos
em água. Este meio é adequado para trabalhos de pormenores difíceis, embora quando
usado mais espesso exista uma tendência para os pormenores subsequentes parece-
rem “flutuar” sobre a pintura prévia.120
4.2.3. TÉCNICAS MISTAS
As técnicas mistas permitem a conjugação de materiais com características
diferenciadas, em simultâneo, conferindo à representação um sentido mais plástico do
que gráfico. A acentuação expressiva recai, frequentemente na utilização de técnicas
mistas (Marques, 2005).
119 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação) 120 Idem
113
4.3. SUPORTES
Os suportes são as estruturas que servem de base para os diversos meios
de expressão, como o registo gráfico, pintura, colagem, entre muitos outros.
Como podemos ver no quadro abaixo é possível encontrar os mais diversos
tipos de suporte.
SUPO
RTE
S
Fixos
Amovíveis Planos Multiplanares Volumétricos
Analógicos Naturais Artesanais Industriais
Digitais
Activos Passivos
Dentre todos os tipos de suporte, pela sua maior utilização no campo do
desenho, vamos debruçar-nos sobre os suportes rígidos e flexíveis.
Os suportes podem ser mais ou menos porosos, o que implica uma maior ou
menor absorção de tinta. É fundamental conhecer o sistema de relação entre o suporte
e a tinta, de modo a obter êxito nos resultados. Assim, antes de começar
a trabalhar, devemos assegurar-nos da solidez do suporte, do estado de secagem, do
poder de absorção, da textura e do local onde irá ser colocado (exposição solar, humi-
dade, aquecimento, etc.). Após este exame pode-se, então, precisar a técnica, os pro-
cedimentos a usar e as precauções a tomar.
• Nos suportes rígidos podemos incluir, entre outros, a madeira (dura, de estabili-
dade dimensional); contraplacados e aglomerados; metais (alumínio, cobre,
aço); muros e tectos preparados para receber tinta.
114
• Nos suportes flexíveis são de incluir, nomeadamente, papéis; tela (tecidos natu-
rais ou artificiais), pergaminho, papel velino, couro e lona de poliéster.
É possível encontrar no mercado várias gamas de madeira com alto grau de
estabilidade dimensional. Estes suportes rígidos são apropriados para a pintura. Ten-
dem porém a ser pesados e, em alguns casos, a inclusão de elementos ácidos pode
causar deterioração a longo prazo. Existem dois tipos principais de madeira:
• Madeiras moles - sobretudo coníferas do grupo das gimnospérmicas.
Têm células compridas e contêm geralmente resina em abundância.
• Madeiras duras - derivadas das árvores com vastas copas. Podem
ser de folha caduca ou perene e pertencem ao grupo das angios-
pérmicas. A fibra é mais curta do que nas madeiras moles, mas mais
durável e resistente.
• Contraplacado - os painéis de contraplacado consistem numa sec-
ção central de madeira apertada entre diversas camadas mais finas,
coladas umas às outras. A vantagem do contraplacado é ser razoa-
velmente estável, rígido e com poucas probabilidades de "rachar",
uma vez que a direcção da fibra de cada camada forma ângulo recto
com a camada seguinte.
• Blocos de madeira - estes blocos são feitos de tiras de madeira
macia, estreitas e paralelas ou, mais raramente, de tiras de madeira
dura coladas, borda com borda (como contraplacado), com uma
tábua delgada.
• Painéis compostos - são suportes rígidos estáveis feitos de madeira
reduzida a polpa e depois reconstituídos com vários adesivos de
resina sintética.
• Tábua dura - A estrutura homogénea da tábua dura, é considerada
mais estável do que a madeira sólida, o contraplacado ou o bloco de
madeira.
115
SUPORTES FLEXÍVEIS
• O papel
A vasta gama de superfícies e de texturas, de diferentes pesos (grama-
gens), de cores e tamanhos de papéis correntemente à venda em todo o mundo, forne-
cem ao artista inúmeras possibilidades. A imensa variedade de papéis pode, à primeira
vista, ser perturbadora, mas com facilidade se conhecem os diferentes tipos de papéis e
as suas utilizações. A matéria-prima básica do papel é a fibra celulósica, que provém da
grande variedade de plantas. As fibras vegetais são reduzidas a polpa e procedendo-se
à remoção de substâncias perigosas antes de ser filtrada.
As três características estabelecidas como descrições - padrão do papel
ocidental de desenho e aguarela identificam-se como:
• Rugoso
• Pressão a frio
• Pressão a quente ou papel macio
Dentro destas categorias há uma vasta gama de texturas provenientes de
diferentes produtores que utilizam diferentes tipos de feltro e de métodos de acabamen-
to. Há papéis prensados a quente com macieza brilhante e papéis que se aproximam de
uma superfície de pressão a frio. Alguns papéis rugosos caracterizam-se por uma tal
uniformidade de textura que parecem secções de um papel com textura indefinidamente
repetida.
A natureza do papel não é determinada pela textura mas pelo grau de
absorção. A gramagem ou peso do papel é universalmente avaliada em gramas por
metro quadrado podendo encontrar-se papéis de 12 gramas, para um papel japonês de
amoreira, até 640 gramas para uma prancha pesada de aguarela. A qualidade do papel
para artista, de trapo ou de madeira química, deve ter um PH neutro, à volta de 7.
• O papel acetinado (laid)
“Laid” refere-se ao padrão de linhas horizontais e verticais criado pela rede
de fios da matriz em que a polpa é emerge. As linhas da cadeia são as que estão mais
afastadas (muitas vezes as verticais) e as linhas do "Laid" em ângulos rectos, são as
linhas finas juntas umas ás outras, criando uma rede de linhas que mais parece tela.
116
• MI-Teintes
Papel de desenho com 65% de algodão na sua composição, gelatinado, de
grão grosso (colmeia) e com uma gama de 50 cores muito sólidas à luz. Papel sem áci-
do excepto a cor preta. Aplicação: adequado para pastel, lápis, cera, lavis e guache.
• Ingres Guarro
Papel verjurado, de cor branca natural, com barbas naturais aos dois lados e
marcado à água. Fabricado em forma redonda, colado na massa e na superfície, ofere-
cendo excelente qualidade e resistência para o grattage e a goma. Conteúdo de 30% de
algodão e um tacto muito esponjoso. Aplicação: adequado para técnicas secas como
sanguínea, carvão, lápis, pastel e cera.
• Grafito
Papel de cor branco natural, 30% de algodão e grão fino; adequado para o
uso de esfumado e fixar o pó da grafite. Fabricado em forma arredondado, colado na
massa e na superfície, o que oferece uma excelente qualidade e grande resistência ao
grattage e à goma. Barbas naturais aos dois lados e marcado a água. Aplicação: técni-
cas secas como, grafite, carvão e sanguínea.
• Figueras
Papel especialmente preparado para pintura a óleo e a acrílico. Possui um
grão parecido ao de uma tela de linho e uma capa absorvente para o óleo e o acrílico.
Fabricado em meio neutro e com uma excelente conservação ao longo do tempo.
Aplicação: Ideal para a pintura a óleo e a acrílico.
• Acrílico
O papel Montval 400 g está indicado para pintar com acrílico. Fabricado em
meio neutro, sem ácido, colado na massa e na superfície, com tratamento anti fúngico;
não amarelece com o passar do tempo.Aplicação: adequado para a pintura com acrílico
e aguarela.
• Paleta óleo
Papel especialmente tratado para aceitar o acrílico e o óleo. Colado dos dois
lados é apresentado em forma de paleta com capa de cartão muito rígido.
117
• Telas
A palavra “tela” aplica-se a todos os tipos de tecidos tradicionalmente usa-
dos para suportes de artistas, incluindo linho, algodão e materiais artificiais como o
poliéster. No passado, usava-se também a seda, cânhamo e juta. A tela passou a ser
um suporte popular a partir do séc. XV, e continua a sê-lo apesar de exigir uma prepara-
ção mais cuidada e demorada do que a maioria dos outros materiais.
• Linho
O linho é feito de fibras da planta do mesmo nome (linum usitatissimum). A
variedade usada pelas suas fibras tem uma haste longa e relativamente nua, quando
comparada com a que se usa para o óleo de linhaça.
• Algodão
O algodão provém sobretudo de duas espécies de plantas: Gossypium hir-
sutum e Gossypium barbadense. A utilização do algodão como suporte têxtil para pintu-
ra, só começou a desenvolver-s nos anos 30. Embora não tão popular como o linho tra-
dicional, uma boa tela de algodão fornece uma superfície perfeitamente aceitável para a
pintura. O peso da tela é importante e pode calcular-se em gramas por metro quadrado.
Uma boa qualidade, mais vulgar para uso de artistas, é a lona de 410g/m ou 510 g/m.
No entanto pode-se descer até 340 g/m com razoável tecelagem.121
121 Os materiais e as técnicas de expressão. Edições ASA (adaptação)
118
5. O DESENHO COMO FACILITADOR DA EXPERIÊNCIA DE
FLUXO
«E, se o escritório da Rua dos Douradores repre-
senta para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na
mesma Rua dos Douradores representa para mim a Arte. Sim a
Arte que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar dife-
rente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver…»
(PESSOA – Livro do Desassossego.)122
Aristóteles vê na Arte um poderoso meio de educação, cujo mundo sensível
confere uma função catártica com valor educativo e formativo.
123
Ramo da filosofia, a estética, tem preocupado os pensadores desde Platão
aos nossos dias. Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762) utilizou pela primeira vez
o termo “estética” para dar título à sua obra
Argumentos estes que
nos catapultam, em última análise, para a questão da estética enquanto estudo do belo
e do sentimento que a arte infunde no sujeito, ao conter as teorias da percepção e da
criação artística.
Aesthetica, de 1750, cujo objecto é a análise
e a formação do gosto. Aesthetica vem do grego aisthesis – sensação, sentimento124
Ainda seguindo este pensamento, parece fácil aceitar que os conceitos de
arte e de belo podem ser vistos de modo mais abrangente que o conceito de estética,
pois abarcam tanto o sentimento quanto a razão. Afinal razão e emoção caracterizam no
seu todo a plenitude da natureza do conhecimento do homem. Ou, se quisermos, recu-
.
Kant, segundo este estudo, na “Crítica da Razão Pura”, designou a Estética
como estudo das “Formas a priori de sensibilidade”, mas na “Crítica do Juízo” conside-
rou-a como sendo o juízo de apreciação relativo ao belo. E é esta última acepção a que
é mais comummente aceite.
Ora, se o objecto estético é belo, então, é a arte que permite a sua subs-
tantivação, enquanto teleologia da expressão do belo, encarando este, como sensação
e, portanto, como um facto psicofisiológico provocado pela excitação sensorial.
122 Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio e Alvim. 2006 123. Abbagnano, Nicola. História da Filosofia. Volume I. Lisboa: Editorial Presença. 1981 124 http://www.consciencia.org/filosofia_da_arte_tomismoadriano.shtml por Adriano Araújo, consulta em 12 de Maio de
2008.
119
perando a tese de São Tomás de Aquino, na defesa da visão subjectiva do belo, isto é,
o belo realiza na forma a sua relação com o puro conhecimento. Assim, o belo diz res-
peito à própria finalidade cognitiva: “belas são de facto as coisas que despertam pra-
zer”125
A arte – Filosofia do Fazer – pode ser o instrumento da moral – Filosofia do
Agir – em que o bem agir possa ser superior ao bem fazer, ou até que o belo e o bem se
fundam num mesmo objecto, através da forma. Pode dar-se o caso, todavia, em que
nem sempre o artista atinja o bem pela própria obra, e esta, certamente, não o tornará
bom, antes habilidoso. A obra é bem-feita se é positiva em todos os aspectos e inde-
pendentemente da intenção
(Eco, 1989, p. 103), consequentemente preconiza-se uma certa autonomia do
facto artístico, pois se a beleza é o reflexo de Deus, “o ser de todas as coisas deriva da
Beleza divina”, a arte é “a recta ratio factibilium”, regulamentação de um certo modo de
fazer de uma actividade prática, ou de cariz produtivo, enquadrada na Filosofia do
Fazer.
126
No entanto, nesta óptica, se houver boa vontade na execução, explicitar-se-
-á a bondade através da obra que, por sua vez, dará substância ao belo, ao útil e ao
bom.
127 Tal significará que quem fizer arte estará ao serviço do agir moral, na ligação
íntima, mas tangível do bem e do belo (bonello) com a obra executada. Quase tangível e
de encontro ao postulado por Gombricht. “There really is no Art. There are only artists”128
A razão e o belo relacionam-se, à evidência de Eco, de forma estreita tal
como o conhecimento e a visão, proporcionando o prazer próprio da beleza. Para este
autor parece claro que o prazer resulta do potencial estético, em oposição a qualquer
prazer que advenha da definição ou determinação da beleza de uma coisa. Esta pro-
Se para os tomistas «é clara a determinação das características objectivas
do belo sobre a visão fruidora» (Eco, 1989, p.104), estabelecendo a primazia da inteli-
gência, a essência da arte visará, desta maneira, a orientação da execução da obra no
modo certo – “a recta ratio factibilium”, assegurando, assim, «a perfeição ou bondade
não do homem que age, mas da própria coisa ou da obra a ser feita pelo homem»,
enfeudando o artista à premência do esforço intelectual, para que a sua arte carregue a
virtude da rectidão do fazer.
125 Eco, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Lisboa: Editorial Presença. 1989. 126 Abbagnano, Nicola. História da Filosofia. Volume I. Lisboa: Editorial Presença. 1981 127 Eco, Umberto. Arte e beleza na estética medieval. Lisboa: Editorial Presença. 1989. 128 Gombrich, E. H. – The Story of Art. Phaidon, 2006.
120
blemática, ainda que com uma orientação manifestamente menos aristotélica, substanti-
va-se na interrogação de Santo Agostinho: «se as coisas são belas porque deleitam, ou
deleitam porque são belas?» Em concordância com a doutrina Agostiniana, a fruição
resulta da beleza, porquanto, só é possível alcançar a Cidade de Deus, através do «bem
para que tendem as nossas acções, aquele que é para nós o princípio da natureza, a
verdade da doutrina, a felicidade da vida»129
Estas duas posições arreigadas na estética medieval levam-nos a uma ter-
ceira perspectiva, muito mais recente e próxima de nós, defendida pelos investigadores
da área da chamada Psicologia da Felicidade, de que queremos destacar Csikszentmi-
halyi
.
130 pela defesa que faz da possibilidade de alcançar a felicidade, através de uma
sucessão de experiências e vivências significativas e que designou como experiência
óptima, ou experiência de fluxo. Este autor (1990) acentua que a experiência estética
ocorre quando se verifica a interacção, ou, se quisermos, uma espécie de confronto,
entre a informação contida na obra de arte e a informação armazenada na mente do
espectador, (naturalmente que tal experiência estética será tanto mais rica quanto mais
frequentes, intensas e significativas foram as experiências estéticas anteriores, como
defende Meel-Jansen131). Reiterando o ponto de vista da tradição filosófica que afirma
haver mais no encontro com o objecto de arte que a estimulação visual e cor-
respondente resposta óptica, Csikszentmihalyi (1990, p.117) 132
129 Santo Agostinho – A Cidade de Deus. FCG. 1991
vai mais longe quando
adianta que o modelo do fluxo permite a aquisição de vários instrumentos conceptuais
que favorecem a compreensão da natureza e das condições da experiência estética. O
conceito de fluxo aplicado à experiência estética, pressupõe uma dinâmica dialéctica,
em que a atenção e o conhecimento/consciência do espectador se fundem ao apreciar
determinado objecto artístico e fazendo surgir capacidades que ajudem a suportar os
desafios que o próprio objecto comporta. Se a experiência centrada na observação de
objectos de arte se constitui como uma das principais bases da percepção inicial, então,
a insistência e aumento da respectiva frequência permite, nos termos da tal dinâmica
dialéctica, uma apreciação intelectual mais distanciada, capaz de causar no espectador
um retorno mais proficiente sobre novos objectos artísticos observados. Csikszentmihal-
yi (2002) diz-nos, expressamente, que o «elemento-chave de uma experiência óptima
reside no facto de esta se constituir num fim em si mesma. Mesmo quando iniciada por
130 Csikszentmihalyi, Mihaly – Fluir. 2002 131 Meel-Jansen, Annelies van. Points of view: the pentagram conception of art appreciation - Broadside 4. Birmingham –
University of Central England – 2000 132 Csikszentmihalyi, Mihaly – The Art of Seeing. 1990
121
outras razões a actividade que nos absorve torna-se intrinsecamente gratificante» (p.
101), podendo, muito embora, dar-se o caso de nem todas as actividades da vida serem
autotélicas e imediatamente compensadoras, antes havendo outras, inicialmente, exoté-
licas, mas que, quer com o decorrer do tempo, quer com uma melhor compreensão das
mesmas, acabem por se tornar igualmente compensadoras e dignas da experiência de
fluxo.
122
5.1. CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO
Criatividade e imaginação são dois conceitos que aparecem vulgarmente
associados ou correlacionados, sobretudo, no campo da actividade artística, e tantas
vezes tomados um pelo outro ou, mesmo, entendidos como significando o mesmo –
palavras diferentes para o mesmo conceito – no entanto, assim não é, antes, como nos
explica Munari (2007)133
, a fantasia é «tudo o que antes não existia, ainda que irrealizá-
vel», a inventividade «tudo o que anteriormente não existia, mas era exclusivamente
prático e sem problemas estéticos», a criatividade é «tudo o que antes não existia, mas
era realizável de maneira essencial e global» e se «a fantasia, a invenção e a criativida-
de pensam, a imaginação vê». A inteligência, de acordo com este autor (p.21), explora o
mundo exterior através de manipulações e operações lógicas, no intuito de tentar perce-
ber esse mundo envolvente. Simultaneamente os receptores sensoriais entram em
acção e «a inteligência procura coordenar todo o tipo de sensação para tomar consciên-
cia do que se está a passar», e tudo o que é apreendido é memorizado. Munari sinteti-
za: «o pensamento pensa e a imaginação vê» e para melhor ilustrar o seu pensamento
apresenta um esquema de funcionamento da relação entre o mundo externo e as dife-
rentes operações possibilitadoras da produção objectual, que aqui nos permitimos
reproduzir:
Munari diz, ainda, que de todas as faculdades referidas, a fantasia é a mais
livre de todas, podendo pensar tudo o que quiser, do mais absurdo ao mais incrível ou
impossível. A invenção utilizando, embora, a técnica da fantasia, relaciona o que se
conhece, mas com uma finalidade prática. Quanto à criatividade é a utilização ultimada
da fantasia e da inventividade, em simultâneo. «A imaginação é o meio para visualizar,
para tornar visível o que pensam a fantasia, a invenção e a criatividade» (2007).
133 Munari, Bruno. Fantasia. 2007.
123
Para melhor compreender o contexto e a diversidade do conceito de criativi-
dade, parece-nos importante fazer a análise da evolução histórica das teorias da criativi-
dade, uma vez que a interpretação do que é criativo, bem como a explicação do acto
propriamente dito, acontece sempre num contexto que envolve factores sociais, culturais
e tecnológicos próprios de cada instante.
A criatividade tem sido objecto de estudo, praticamente desde a antiguidade,
no entanto, a abordagem mais próxima daquela que agora se celebra é feita, fundamen-
talmente, a partir da segunda metade do século XX.
São múltiplas as definições de criatividade, ora versando aspectos sociais,
ora aspectos psicológicos, ora aspectos cognitivos.
Ainda que uma definição consensual de criatividade constitua por si só um
tema vasto de investigação, a verdade é que podemos falar de um consenso entre
grande número de investigadores de referência na área, como Amabile (1996), Barron
(1988), Lubart (1994), MacKinnon (1962), Ochse (1990), Sternberg e Lubart (1995: que
acordaram na seguinte definição: «a criatividade é a capacidade de realizar uma produ-
ção que seja nova e adaptada ao contexto na qual se manifesta». (Mendes, 2007).
Vejamos, no quadro seguinte, com base em várias fontes relacionadas com a investiga-
ção na área da criatividade, nomeadamente (Mendes, 2007), como tem evoluído o con-
ceito nos últimos anos e de acordo com alguns dos pensadores mais destacados na
matéria:
Autor (Ano) Concepção de Criatividade
Ghiselin (1952) Processo de mudança, de desenvolvimento, de evolução na organização
da vida subjectiva
Fliegler (1959) Manipulação de símbolos ou objectos externos para produzir um evento
invulgar para nós ou para o nosso meio
Guilford (1968)134 Vinculada ao conceito de “produções divergentes”, dando especial aten-
ção ao pensamento criativo. Se o pensamento criativo é relevante na
resolução de problemas, a produção divergente é ainda mais importante.
Relação entre inteligência e criatividade. O pensamento criativo ou criati-
vidade pressupõe três aspectos essenciais: fluidez, flexibilidade e origina-
lidade.
134 Schirmer, Ana Cristina Fagundes. Educação infantil e criatividade. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação. 2001
124
Suchman (1981),
Stein (1974),
Anderson (1965),
Torrance (1965) e
Amabile (1983)
(Apresentam alguma
concordância na formu-
lação do conceito).
i) Processo de que resulta um novo produto, que é aceite como útil
e/ou satisfatório por um número significativo de pessoas em determinado
tempo;
ii) Representa a emergência de algo único e original;
iii) Processo de se tornar sensível a problemas, deficiências, lacunas
no conhecimento, desarmonia; identificar a dificuldade, procurar soluções,
formular hipóteses a propósito das deficiências; testar e voltar a testar
estas hipóteses e, finalmente, comunicar os resultados;
iv) Produto ou resposta serão julgados criativos se:
a) são novos e apropriados, úteis ou de valor para uma tarefa; b) a tarefa
é heurística e não algorítmica.
Rogers (1978)135 Tendência para exprimir e activar todas as capacidades do organismo, na
medida em que essa activação reforça o organismo ou o eu.
Kneller (1978) i) Do ponto de vista da pessoa que cria, isto é, em termos
de fisiologia e temperamento, inclusive atitudes pessoais, hábitos e valo-
res;
ii) Através de processos mentais – motivação, percepção,
aprendizagem, pensamento e comunicação - que o acto de criar mobiliza;
iii) Uma terceira dimensão centra-se nas influências ambien-
tais e culturais; função dos seus produtos: teorias, invenções, pinturas,
esculturas e poemas.
Alencar (1993) i) Uma das principais dimensões presentes nas mais diver-
sas definições de criatividade propostas até ao momento diz respeito à
emergência de um produto novo, quer uma ideia ou invenção original,
quer a reelaboração e aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existen-
tes.
ii) Também presente em muitas das definições propostas
está o factor relevância, ou seja, não basta que a resposta seja nova; é
também necessário que ela seja apropriada a uma dada situação."
iii)
Boden (1999)136 Combinação original de ideias. A surpresa provocada por uma ideia criati-
va deve-se à improbabilidade da combinação.
Os métodos para abordar a criatividade estiveram sempre ligados às doutri-
nas filosóficas e científicas, nomeadamente, nas teorias psico-cognitivas de cada época.
135 Schirmer, Ana Cristina Fagundes. Educação infantil e criatividade. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação. 2001
136 Mendes, Ana Bela. 2007
125
Assim, a explicação da criação atravessou diferentes pontos de vista, desde a prevalên-
cia filosófica, nos tempos antigos, até ao recente cognitivismo.
O contexto histórico da Antiguidade Clássica serviu-se do pensamento filo-
sófico para entender a criação. Tais teorias tinham como sustentação a actividade men-
tal aplicada à compreensão do mundo tal como este era concebido. Perduraram até ao
surgimento do método científico quando, gradualmente, a criatividade começa a possuir
fundamentações mais sólidas e verificáveis.
A – Criatividade como inspiração divina
Uma das mais velhas concepções da criatividade assenta na sua origem
divina. A melhor expressão dessa crença é creditada a Platão: "E por essa razão Deus
arrebata o espírito desses homens (poetas) e usa-os como seus ministros, da mesma
forma que com os adivinhos e videntes, para que os que os ouvem saibam que não são
eles que proferem as palavras de tanto valor quando se encontram fora de si, mas que é
o próprio Deus que fala e se dirige por meio deles."
«A criatividade foi durante muito tempo um conceito reservado à Divindade,
pois só ela podia dar forma material a uma ideia» (Janson, 1992).137
Também oriunda da Antiguidade, esta explicação concebe a criatividade
como forma de loucura, dada a sua aparente espontaneidade e irracionalidade. Platão
A metáfora do nas-
cimento do homem está tão próxima do processo criador, quanto o esforço artístico está
próximo da descrição bíblica da própria criação. A consciência da força divina do artista
é reconhecida e expressa pela primeira vez por Miguel Ângelo quando assume a neces-
sidade de libertação da figura prisioneira do bloco bruto de mármore que cui-
dadosamente vai seleccionar na respectiva pedreira. Talvez, devido a esta capacidade
quase-divina de fazer nascer formas, que a criatividade foi vista, até há pouco, como
uma característica exclusiva dos artistas. Não podemos, aliás, deixar de lembrar o caso
do mítico rei cipriota – Pigmaleão que não deixa de implorar o divino e vital sopro à bela
e poderosa Afrodite para a sua Galateia – criação sublime, clímax metafórico, tanto
quanto aqui nos interessa.
B – Criatividade como loucura
137 Janson, H. W. – História da Arte. FCG.1992.
126
parece ver pouca diferença entre a visitação divina e o frenesi da loucura. No século XIX
Cesare Lombroso (1891) defendia que a natureza irracional ou involuntária da arte cria-
dora deveria ser explicada patologicamente.
C – Criatividade como génio intuitivo
Esta explicação tem origem no conceito de génio, do fim do Renascimento,
que procura explicar a capacidade criativa de Da Vinci, Vasari, Telésio e Miguel Ângelo.
Durante o século XVIII, muitos pensadores associaram a criatividade à genialidade. Kant
entendia a criatividade como um processo natural, que criava as suas próprias regras,
defendendo que uma obra de criação obedece a leis próprias e imprevisíveis. Tal, leva-o
a concluir que a criatividade não pode ser ensinada formalmente. Além da genialidade,
esta teoria identifica a criação como uma forma saudável e altamente desenvolvida da
intuição, fazendo do criador uma pessoa singular e diferente, que intui directa e natural-
mente, sem necessidade de alcançar o mesmo resultado após longa divagação. Tanto
mais que o juízo estético é um juízo subjectivo condicionado pela forma como o sujeito
sente e é afectado pelo objecto que percepciona e frui, fazendo com que o belo não
possa existir como uma ideia separada da própria experiência do sujeito.
D – Criatividade como força vital
Na sequência da teoria da evolução de Darwin, a criatividade foi conside-
rada como a manifestação de uma força inerente à vida. A matéria inanimada não é
criadora, dado que produz sempre as mesmas entidades, como por exemplo, átomos e
estrelas. Por outro lado, a matéria orgânica é fundamentalmente criadora, pois gera
constantemente novas espécies. Um dos principais expoentes da ideia foi Sinnot (1962),
ao afirmar que a vida é criativa porque se organiza e auto-regula, originando con-
tinuamente novas formas, de acordo com o princípio da homeostasia.
E – Teorias psicológicas da criatividade
A partir do século XIX, sobretudo, com o desenvolvimento da Psicologia, a
criação alcançou um estatuto mais científico. Os principais contributos foram dados pelo
127
associacionismo, pela teoria da Gestalt, pela psicanálise e pelo Cognitivismo. Tais con-
tribuições, como veremos, foram uma das bases para a formação dos conceitos moder-
nos de criatividade.
Associacionismo
As raízes do associacionismo138 remontam a John Locke (filósofo inglês
1632-1704). O associacionismo psicológico colhe do pensamento de Locke a ideia de
que «todas as manifestações do espírito se reduzem a sensações»139. De acordo com
este princípio, as ideias associam-se segundo as leis da proximidade espacial e de
semelhança dos elementos e, ainda, sempre que se possa estabelecer uma relação de
causa-efeito entre os acontecimentos que elas representam. O núcleo central da teoria
psicológica baseia-se na ideia de que o papel dos sentidos é capital no conhecimento,
logo, este torna-se inconcebível sem a sensibilidade. Tem aqui lugar a descoberta da
«sensação afectiva» e a sua originalidade: «a sensação como fonte do conhecimento
acompanhada de repercussão afectiva, constitui elemento essencial daquilo a que se
chama o belo.» (Bayer, p. 173). Este modelo foi usado por Sigmund Freud140
A teoria da Gestalt não explica como surge a configuração inicial, mesmo
que problemática, a partir da qual o criador começa a desenvolver o seu trabalho. Por
um lado, é incapaz de explicar a capacidade de colocar questões originais, não sugeri-
, no pro-
cesso associativo das palavras, como método revelador dos conteúdos psíquicos e, ain-
da, num outro campo por Pavlov, nos fenómenos de condicionamento por associação
entre os estímulos. De acordo com esta abordagem, para se criar algo novo, parte-se do
que já era conhecido anteriormente e, pelo processo de tentativa e erro, procura-se uma
nova combinação de ideias que resolva o problema.
Teoria da Gestalt
Para Wertheimer (1945) o pensamento criador é uma reconstrução de “ges-
talts” estruturalmente deficientes. A criação tem o seu início numa configuração proble-
mática que se mostra estruturalmente incompleta, permitindo ao criador, no entanto,
uma visão global da situação. A partir das dinâmicas, das forças e das tensões do pró-
prio problema, são estabelecidas linhas de tensão semelhantes na mente do criador.
Para completar a Gestalt, deve-se restaurar a harmonia do todo.
138 Associacionismo. In lnfopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2007. [Consult. 2007-09-24]. 139 Bayer, Raymond. História da estética. Lisboa: Editorial Estampa. 1979 140 Freud, Sigmund. Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci. Lisboa: Relógio d’ Água Editores. 1990
128
das directamente pelos factos de que dispõe. Por outro lado, para determinar a Gestalt,
é necessária uma reorganização do campo perceptivo, sugerindo a relação entre per-
cepção e pensamento.
Teoria psicanalítica
Na opinião de Ellen Winner141
O livro “Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci”
, a teoria que melhor explica a fonte da motiva-
ção artística é a Teoria da Personalidade de Freud, desenvolvida com base na carga
simbólica dos conteúdos intra-psíquicos manifestos nos sonhos, nas recordações, ou,
ainda, na livre associação de elementos significantes, geradores de conflitos e presen-
tes no psiquismo neurótico que dinamizam e estruturam a personalidade humana.
Freud entende a obra de arte como um substituto do que foi o brincar infan-
til, estabelecendo um paralelismo entre o artista, ou de forma mais genérica, o criativo, e
a criança que, função da fantasia, cria um mundo próprio ao brincar. A criança nesta sua
ludicidade reinventa um mundo-outro significativo e personalizado, a partir do reajusta-
mento dos vários elementos de que se socorre, não deixando de preservar a separação
nítida entre realidade e fantasia.
142
Tomando como certo que “todo o instinto dominante se manifesta já desde a
mais tenra infância e que a sua predominância seja estabelecida através de impressões
da vida infantil” e que a maior parte dos homens canaliza partes consideráveis das suas
energias e pulsões sexuais para actividades profissionais, então, “o instinto sexual pres-
ta-se particularmente a fornecer tais contribuições, pois é dotado da faculdade de subli-
mação, sendo capaz de abandonar o seu objectivo imediato em favor de outros objec-
tivos mais elevados na escala de valores”. É neste contexto que o conceito de subli-
mação tem importância fundamental, esta capacidade do sujeito investir em actividades
artísticas, intelectuais, ideológicas, científicas, actividades denominadas por Freud de
"actividades superiores", uma vez que, desta forma, laços sociais são estabelecidos e
fortalecidos, empregando energias que, de outro modo, inviabilizariam a vida em socie-
, escrito em
1910, constitui uma primeira abordagem psicanalítica do processo de criação artística.
Tudo terá começado quando Freud adivinhou no ambíguo sorriso das mulheres pinta-
das por Leonardo, a ternura sublimada mas inquieta por uma mãe longínqua.
141 Winner, Ellen. Invented Worlds – the psychology of the arts. Cambridge: Harvard University Press. 1994.
142 Freud, Sigmund. Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci. Lisboa: Relógio d Água Editores. 1990
129
dade. É um processo que leva a pulsão a lançar-se numa meta-outra, distante da satis-
fação sexual propriamente dita. Mantendo o objecto da pulsão há, no entanto, a trans-
formação do alvo.
Freud defende que a criatividade resulta dos conflitos do inconsciente que,
mais cedo ou mais tarde, encontrarão através dos mecanismos de compreensão do Ego
uma “solução de compromisso” no sentido de ultrapassar a conflitualidade latente. Tal
processo implica a assunção de um de dois aspectos: a conformidade com os desejos
do Ego, de que resulta um comportamento criador ou, à sua revelia, originando uma
neurose. Freud realça o papel do inconsciente, impelindo à criação.
Cognitivismo
Pressupondo, ainda, que a criatividade depende, ou no mínimo, se associa
ao conhecimento do mundo, baseando-se na representação das nossas próprias vivên-
cias, reforçadas ou rejeitadas pela repetição de situações similares, a aquisição de tais
representações é fruto do sistema sensorial que apetrecha a espécie humana: a visão, a
audição, o tacto, o paladar e o olfacto. Os sentidos constituem o prisma através do qual
o mundo é percebido idiossincraticamente por cada pessoa. A óptica da representação
de determinada situação depende do conhecimento, evidenciando diferentes modos de
resposta às perturbações internas que cada pessoa sofre.
A estruturação das representações passa necessariamente por mecanismos
de assimilação da realidade, através dos quais o cérebro a esquematiza e explica,
enquadrando o mundo de forma coerente. Cada novo esquema pode reforçar um
esquema anterior, sedimentando o conhecimento; ou, gerar novo conhecimento quando
se depara com uma situação original; ou, rejeitar factos conhecidos quando a solução
para determinado problema se mostra inoperante na actual situação. É neste caso que a
pessoa mostra o seu potencial criativo, procurando respostas inexistentes ou inadequa-
das.
Representar, para os cognitivistas, significa compreender determinada situa-
ção e a forma como cada problema é compreendido constitui factor fundamental para a
sua solução.
Como refere Gardner, «os anos pré-escolares são frequentemente descritos
como a idade dourada da criatividade, um momento em que toda a criança brilha com
talento artístico»143
143 Gardner, Howard – Arte, mente e cérebro - uma abordagem cognitiva da criatividade. Porto Alegre: Artemed Editora,
1999
. No entanto, segundo o mesmo autor, a quantidade e a qualidade da
130
produção artística, diríamos, criativa, decai a partir da entrada na escola do primeiro
Ciclo do Ensino Básico. Tal explicação, encontra eco junto dos investigadores que, con-
juntamente com Gardner, fazem parte do Projecto Zero, pois defendem que o conheci-
mento das crianças até aos dois anos é directo e limitado a encontros reais com objec-
tos e pessoas do seu mundo. A partir dessa idade e até aos sete anos verifica-se uma
verdadeira revolução no conhecimento, fundamental, para o desenvolvimento de com-
petências artísticas, através do domínio de diversos símbolos da sua cultura, substanti-
vado no uso proficiente da linguagem ou linguagens do seu ambiente, nas mais diversas
abordagens expressivas: gestos de mãos, movimentos de corpo, desenhos, modelação,
música e outros. Aos cinco ou seis anos compreendem os símbolos e podem combiná-
los de forma notável.
Por altura da entrada na escola do primeiro ciclo, as convenções e as regras
não tolerarão nem experimentações, nem novidades. A partir da adolescência apenas
uma pequena percentagem retoma a prática artística. Esta observação leva alguns
investigadores a falar na curva do desenvolvimento em U, em que a base do U corres-
ponde ao estádio da leitura e escrita e o segundo ramo compreende os poucos que
escolheram um nível elevado de realização artística.
Gardner144
144 Gardner, Howard - Mentes que criam: uma anatomia da criatividade observada através das vidas de Einstein, Picasso,
Stravinsky, Eliot, Graham a Gandhi. Porto Alegre: Artemed Editora. 1996
, a propósito de Picasso refere a presença de "talentos artísticos
invulgares durante os primeiros anos de vida", foi fortemente encorajado, ao longo da
infância, pelo pai, artista e professor de arte. No início da adolescência já superava o pai
e outros mestres locais. Como "David Feldman demonstrou, o prodígio deve ser promis-
sor numa área valorizada pela cultura e na qual os comportamentos relevantes da crian-
ça são menos percebidos". O prodígio, apesar de invulgar, será confrontado com obstá-
culos ao longo do seu percurso, por isso, em particular, nos primeiros anos de vida
necessita de adultos de referência para a abertura de caminhos, apontar de oportunida-
des, para apoio e defesa contra críticas, para a explicação satisfatória das dificuldades e
que possam orientar "as energias e os talentos em direcções produtivas". Ainda que se
verifique uma boa sintonia entre a criança e o domínio circundante, a ingenuidade pró-
pria da criança não a capacita para lidar com as excentricidades dessa mesma envol-
vência. O prodígio ignora o trabalho das vanguardas do domínio e, mau grado, a ten-
dência natural para o mimetismo, não passará das práticas convencionais. O prodígio
centrar-se-á nos seus próprios interesses, tentando agradar às pessoas significativas
que o rodeiam, ou tornar-se-á "perito do código comum do domínio", não dialogando
com especialistas contemporâneos, ou retirando exemplos da história. Quase invariavel-
mente os prodígios acabam por apresentar um choque na passagem de jovem prodígio
131
para mestre adulto, a chamada "crise da meia-idade” como lhe chamou a psicóloga
Jeanne Bamberger. Num dos casos estudados e apresentados por Gardner - Picasso -
é realçada a destreza manual extraordinariamente competente, a habilidade na percep-
ção de detalhes e arranjos visuais, a capacidade de pensar configurações espaciais, a
lembrança de cenas vivas ou pintadas e a atenção ao mundo dos outros seres huma-
nos. Este autor destaca a precocidade de Picasso, à luz da Teoria das Inteligências Múl-
tiplas, nas áreas visuo-espacial, cisnestésico-corporal e interpessoal.
De acordo com o biógrafo de Picasso, John Richardson, apesar da aparente
facilidade de domínio das técnicas de pintura, conotando-o como um talento precoce,
Picasso teve de trabalhar arduamente até atingir o reconhecimento como pintor de
sucesso. Curiosamente quer Richardson, quer o próprio Picasso, defendem a ideia que,
ao contrário da música, não existem prodígios no desenho e na pintura e que nenhum
grande pintor terá produzido trabalhos interessantes antes da puberdade. Gardner não
deixa de frisar que Picasso nos primeiros dez anos de vida desenhava de forma muito
hábil. E se tal não faz dele precoce, torna-o, certamente, um prodígio. Prodígio ou pre-
coce, génio ou profissional devotado, Picasso atingiu o reconhecimento público em vida,
graças, sobretudo a um volume de produção artística absolutamente ímpar. O segredo
foi, sem dúvida, trabalho árduo, intenso, apaixonado, qualidades que os especialistas
reconhecem como sendo fundamentais para atingir um desenvolvimento do pensamen-
to criativo muito elevado.
«A teoria do investimento da criatividade afirma que os pensadores criativos
são como bons investidores: compram barato e vendem caro, ao apresentarem uma
única ideia e tentarem convencer as outras pessoas do seu valor.»145 Acontece, porém,
como constatam os mesmos investigadores, que ideias inovadoras e verdadeiramente
criativas são, numa primeira instância rejeitadas, pois resistem aos interesses pessoais,
tal como desafiam o público e os seus interesses. E rematam: «Promover a criatividade
ao comprar barato e vender em alta no mundo das ideias, desafia o público. A criativi-
dade é tanto uma atitude perante a vida como uma questão de talento. No dia-a-dia tes-
temunhamos a criatividade em crianças, mas é difícil encontrá-la nas mais velhas e nos
adultos, pois o potencial criativo destes últimos foi reprimido por uma sociedade que
encoraja a conformidade intelectual. Começamos a repressão da criatividade natural
das crianças quando se espera que elas pintem no interior dos contornos dos seus livros
de colorir».146
145 Sternberg, Robert J. e Williams, Wendy M. Como desenvolver a criatividade do aluno. Porto: Asa, 1999 146 Sternberg, Robert J. e Williams, Wendy M. Como desenvolver a criatividade do aluno. Porto: Asa, 1999
132
Tal como se pode ler no editorial do Caderno de Criatividade N° 5, publicado
pela AEDC – Associação Educativa para o Desenvolvimento da Criatividade147
Existem, no entanto, várias técnicas que permitem ajudar os alunos a pro-
duzir pensamento criativo, isto é, procedimentos conscientes e deliberados para pro-
duzir novas combinações de ideias (Mendes, 2006)
sob o
título «Criatividade e Educação» os autores reportam-se ao Parecer n°1/2001 do Con-
selho Nacional de Educação, salientando "Para ser eficaz, a educação e, sobretudo, a
aprendizagem ao longo da vida devem ter em conta a evolução dos sistemas concep-
tuais envolventes. Através da educação é a aptidão para a cidadania que deve ser
desenvolvida no sentido de uma cultura que valoriza, ao mesmo tempo, o conhecimento
e a capacidade de acção racional, na perspectiva de aliar a razão e a criatividade. Se a
formação da razão existe actualmente nos nossos sistemas educativos, o desenvolvi-
mento da criatividade e da aptidão para as mediações culturais está por levar à prática."
Reforçando esta ideia, podemos também invocar a Lei de Bases do Sistema
Educativo que defende como um dos seus objectivos "Assegurar uma formação geral
comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos
seus interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criativi-
dade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em
harmonia com os valores da solidariedade social".
Paradoxalmente, se a criatividade surge como uma capacidade a desenvol-
ver, como uma das aprendizagens escolares transversais conduzindo a uma redefinição
do papel do professor, também é verdade que se continua a sobrevalorizar a razão face
à criatividade, como se de dois mundos de costas voltadas se tratasse.
Assim, numa época de rápidas mudanças e grande complexidade, a educa-
ção deve ajudar a compreender os diferentes valores culturais e contribuir para desen-
volver capacidades adaptativas e de resolução criativa de problemas de vida, numa
perspectiva transversal.
A criatividade perdida tem sido motivo de reflexão para diversos autores. Já
em 1959, Anderson se interrogava: «Entre as crianças, a criatividade é algo universal;
entre os adultos é quase inexistente. A grande questão é esta: O que aconteceu a esta
capacidade humana, imensa e universal?»
148
147 Pinto, Alexandra Marques et al. Cadernos de Criatividade N° 5. Lisboa: Associação Educativa para o Desenvolvimento
da Criatividade. 2004 148 Mendes, Ana Bela, Teoria e Prática da Construção Plástica. Lisboa: FBAUL, 2006
: i) Mobilização mental de Osborn
(1950) – esta técnica incita a uma grande produção de ideias extravagantes, incremen-
tando a probabilidade de encontrar ideias úteis, podendo o processo passar pela combi-
nação das ideias mais significativas duas a duas até se chegar a um resultado plausível;
133
ii) Brainstorming – esta “tempestade de ideias” é um instrumento de produção em grupo,
de acordo com quatro princípios: a) suspensão do juízo crítico; b) a quantidade aumenta
a qualidade; c) combinação de ideias; d) dar rédea solta à imaginação.
Existem outras técnicas mais estruturadas que ensinam a produzir combina-
ções de ideias potencialmente valiosas:
Lista de atributos (Crawford, 1954; Davis, Manske e Train, 1967) – é um
método simples e eficaz gerador de ideias criativas que permitem modificar ou melhorar
algo; pede-se aos alunos que descriminem os atributos relevantes de determinado pro-
duto (tamanho, forma, cor), sugerindo, a posteriori, o pensamento em possíveis modifi-
cações. Deste modo podem aperfeiçoar-se objectos de arte, literatura, ciência, comér-
cio, entre tantos outros domínios da actividade humana.
Síntese morfológica (Allen, 1966; Davis, Rowenton, Train, Warren e Houton,
1969) – esta técnica produz rapidamente ideias que nunca tinham sido consideradas,
pedindo que a partir de uma lista de atributos de determinado objecto, se identifiquem
dois deles, listando possíveis variações dos mesmos. O passo seguinte consiste em
sugerir que com esses novos atributos se crie um novo objecto, ou se modifique o pri-
meiro.
Lista de controlo (Osborn, 1963; Davis, Roweton, Train, Warren e Houton,
1969; Davis et al 1969) este procedimento implica que os alunos considerem os itens de
uma lista preparada como possível fonte de inovação sobre um problema dado: agregar
ou subtrair algo; mudar a cor; variar os materiais; recolocar as partes; variar a forma;
modificar o tamanho; modificar o estilo.
Método sinético (Gordon, 1961; Prince 1968) – privilegia o uso metafórico a
partir de exemplos saídos da natureza, fazendo analogia entre o problema colocado e a
forma como animais ou plantas “solucionaram” determinada questão – ideias aparente-
mente extravagantes originam soluções criativas.
SCAMPER (SCAMDER em português) (The Creative Problem Solving
Group – Buffalo) – mnemónica usada para organizar uma lista de palavras e perguntas
para estimular o pensamento: S – substituir, C – combinar, A – adaptar, M – modificar, D
– dar outro uso, E – eliminar, R – reorganizar.
Relações forçadas (The Creative Problem Solving Group – Buffalo) – intro-
dução no fluxo do pensamento de estímulos escolhidos aleatoriamente para forçar
novas relações, promovendo um acréscimo de ruptura em relação ao habitual.
Identificação de relações visuais (VIR; The Creative Problem Solving Group
– Buffalo) – utilização de estímulos visuais, levando a um distanciamento do tópico
abordado. Estimula conexões invulgares, produzindo perspectivas novas em relação à
134
tarefa em causa. Visa, como em técnicas anteriores, o aperfeiçoamento de objectos de
arte, de literatura, ciência, entre outros próprios da actividade humana.
De acordo com Sternberg e Williams (1999)149
3. Questionar suposições – todos temos suposições, os criativos questio-
nam tais suposições, podendo levar os outros a fazer o mesmo. "Os professores podem
desempenhar papéis-modelo para questionar suposições" (op. cit. p.17). É mais impor-
tante aprender a questionar do que saber as respostas. Responder diferencialmente a
uma questão permite o desenvolvimento da inteligência, o modo como se responde à
o trabalho criativo requer a
aplicação e o equilíbrio de três capacidades passíveis de desenvolver: capacidade sin-
tética, ou criatividade propriamente dita, permite gerar ideias novas e interessantes – o
criativo é um pensador sintético que estabelece relações que outros não reconhecem
imediatamente; capacidade analítica, pressupõe o pensamento crítico – análise e ava-
liação de ideias; capacidade prática, transforma «a teoria em prática e as ideias abs-
tractas em realizações práticas». Esta capacidade permite reconhecer públicos poten-
ciais. A criatividade, nesta óptica, requer um equilíbrio entre estas três capacidades. Os
professores devem encorajar o desenvolvimento da criatividade ensinando os alunos a
encontrar o equilíbrio entre estas três capacidades.
Com base na teoria do investimento da criatividade Sternberg e Williams
(1999) estabelecem 25 formas/estratégias que ajudam a desenvolver a criatividade em
contexto escolar, aplicadas aos alunos, mas também aos professores e que podem ser
extrapoladas para qualquer actividade social ou empresarial, e que aqui vamos apre-
sentar:
OS PRÉ-REQUISITOS
1. Modelar a criatividade – os professores que mais recordamos são os que
nos serviram de modelo pelas acções e pensamentos, equilibrando ensino de conteú-
dos como ensinar a pensar com e sobre esses conteúdos. Os alunos "olham” – para o
que o professor faz, não para o que ele diz.
2. Construir auto-eficácia – efeito Pigmaleão – lançar uma expectativa pode
ser, suficiente para a tornar realidade. Fazer saber aos alunos que têm a capacidade
para enfrentar todos os desafios da vida.
TÉCNICAS BÁSICAS DE APRENDIZAGEM
149 Sternberg, Robert J. e Williams, Wendy M. Como desenvolver a criatividade do aluno. Porto Asa, 1999
135
questão do aluno, coloca-o ou no caminho da realização intelectual ou no caminho da
frustração.
Modos de resposta:
Nível 1 – rejeitar questões - alunos deixam de intervir a aprendem menos.
Nível 2 – reformular perguntas como se fossem respostas - resposta de
forma vazia.
Nível 3 – admitir a ignorância ou responder com precisão - se o professor
admitir que não sabe ou responder com precisão é razoável, mas não fomenta a apren-
dizagem. Se responder reforçando: "ainda bem que perguntaste isso", aumenta a fre-
quência das questões e favorece maiores oportunidades de aprendizagem.
Nível 4 – encorajar a procura de informação - "porque não procuras na
enciclopédia?" (op.cit. p. 20) contribui para a aprendizagem activa, o aluno assume a
responsabilidade na aprendizagem e aprende a aprender.
Nível 5 – considerar explicações alternativas – admissão da ignorância do
professor e sugestão de ideias para exploração, gerando ideias em conjunto. O aluno
aprende a formular e testar hipóteses
Nível 6 – considerar e avaliar explicações – o aluno explicar a como no
nível 5, mas também avalia.
Nível 7 – considerar, avaliar e desenvolver - o professor estimula a juntar
informação para ajudar a encontrar uma hipótese válida. Os alunos aprendem como
pensar e actuar sobre tais pensamentos.
DEFINIR E REDEFINIR PROBLEMAS
4– o professor deve promover realizações criativas encorajando a definição
e redefinição de problemas e projectos, dando latitude ao fazer as escolhas, ajudando
os alunos a desenvolver o gosto e um bom julgamento, essenciais para a criatividade.
5. Encorajar geração de ideias – após definir ou redefinir o problema, o alu-
no gera ideias e soluções. Gerar múltiplas ideias aumenta a capacidade no pensamento
criativo e traz benefícios no presente e no futuro.
6. Fomentar o cruzamento de ideias/polinizar – ajudar os alunos a pensar
através dos assuntos e disciplinas estimula a criatividade. Ensinar os alunos a polinizar
desenvolve as capacidades, interesses e habilidades. Para polinizar pode-se pedir a
identificação da melhor e da pior área académica, fazendo surgir ideias-projecto nas
áreas mais fracas com base em ideias emprestadas das áreas mais fortes.
136
DICAS PARA O ENSINO
7. Dar tempo para o pensamento criativo - para pensar bem de forma cria-
tiva é preciso tempo. Raciocinar aumenta a qualidade do produto final, permitindo a pla-
nificação de um projecto desde o início.
8. Instruir a avaliar a criatividade – encorajar os alunos a pensar criativa-
mente, pedindo que imaginem, suponham, criem, inventem, construam hipóteses e
especulem.
9. Premiar ideias e produtos criativos - atribuir uma classificação separada-
mente para a criatividade, dando-a a conhecer aos alunos, estimula o crescimento e
desenvolvimento da criatividade.
EVITAR BLOQUEIOS
10. Estimular riscos sensatos – "as pessoas criativas correm riscos e desa-
fiam o público comum comprando a baixo preço e vendendo em alta." (op. cit. p. 33) Os
grandes artistas correram riscos quando influenciaram o nosso modo de ver e pensar.
11. Tolerar a ambiguidade – sem o tempo ou a predisposição para tolerar a
ambiguidade, pode-se escolher uma solução menos óptima. Ao encorajar os alunos a
viver a ambiguidade, pode-se mostrar como o processo permite alcançar soluções
melhores e mais reflectidas.
12. Permitir erros – "muitas das ideias de Freud e Piaget estão erradas.
Freud confundiu questões vitorianas relativas à sexualidade com conflitos universais e,
Piaget enganou-se quanto às idades em que as crianças podem desempenhar certos
feitos cognitivos" (op cit. p.38). Todos cometemos erros, a única coisa errada é não tirar
proveito deles.
13. Identificar e ultrapassar obstáculos - os criativos encontram sempre obs-
táculos, a questão está em ultrapassar a resistência, pagando o preço e marcando a
diferença com firmeza e perseverança.
ADICIONAR TÉCNICAS COMPLEXAS
14. Ensinar auto-responsabilidade – ser criativo é assumir responsabilidades
no sucesso, ou no insucesso. Ensinar sobre o como fazer, é ensinar a compreender o
processo criativo, a fazer autocrítica e ter orgulho nas melhores realizações criativas.
"Para tirar o melhor proveito das nossas capacidades, não é suficiente aprender o que
fazer – temos de aprender a fazê-lo" (op cit. p.43). O professor deve ter um papel-
modelo. Como diz Alex F. Osborn «a criatividade é uma flor tão delicada que o elogio
137
tende a fazê-la florir, enquanto a falta de encorajamento cortá-la-á à nascença. Qualquer
um de nós apresentará mais e melhores ideias se os nossos esforços forem aprecia-
dos.» (in op cit, p.41)
15. Promover a auto-regulação após a formação conjunta de produtos criati-
vos iniciais despertando a alegria de criar, devemos ensinar aos nossos alunos estraté-
gias de auto-regulação. Os alunos têm de saber controlar o próprio processo criativo.
Exemplo de estratégias de auto-regulação:
Fazer uma lista de diversas ideias para uma tarefa.
Avaliar as ideias para a criatividade e seguir uma delas.
Defender a própria escolha.
Desenvolver planos para a consecução da tarefa, incluindo como e onde
encontrar informação e como e quando acabará o projecto.
Manter um registo diário do progresso, dos bloqueios e de como se ultra-
passaram os problemas.
Participar em discussões diárias na turma, tendo em consideração o avanço
do trabalho e as distracções físicas (fome, cansaço).
Discutir as reacções do professor aos projectos concluídos.
Avaliar um projecto de um colega de turma e rever e discutir a avaliação dos
pares.
16. Retardar recompensas – Gruber, descobriu que cabeças muito inteli-
gentes trabalham arduamente e durante mais tempo para alcançar os resultados pre-
tendidos. Ericsson, Krampe e Tesch-Römer, sugerem que os artistas mais ilustres tra-
balham muito mais e de forma mais concentrada e deliberada do que os que não são
tão notáveis. O trabalho árduo representa um risco e não traz recompensas imediatas
UTILIZAR PAPÉIS-MODELO
17. Utilizar perfis de pessoas criativas – as pessoas usam “raciocínios-exem-
plo”, isto é, aprendem e compreendem a informação a partir de exemplos específicos de
outras pessoas e situações.
18. Estimular a colaboração criativa – somos seres gregários, por isso, tra-
balhamos melhor em grupo, preferimos aprender através da discussão inerente à cola-
boração, e esta poderá estimular a criatividade.
19. Imaginar outros pontos de vista – desenvolver a inteligência prática,
colocar-se na "pele do outro", resistir a atitudes defensivas perante os outros e à crítica
ajudam ao desenvolvimento intelectual e criativo.
138
EXPLORAR O AMBIENTE
20. Reconhecer a adaptação ambiental – a criatividade não é objectiva,
resulta da interacção pessoa – ambiente e localiza-se no espaço e no tempo. O mesmo
produto pode ser valorizado como criativo “num aqui e agora” e ser ridicularizado num
outro contexto espaço-temporal.
21. Encontrar entusiasmo – para permitir desempenhos mais criativos é pre-
ciso descobrir a fonte do entusiasmo.
22. Procurar ambientes estimulantes – a estimulação ambiental ajuda a cria-
tividade, por isso devemos ser criteriosos na escolha de um ambiente favorável.
23. Jogar forças – jogar com as próprias forças. Identificando a natureza dos
próprios talentos, criam-se as condições de oportunidade de expressão e utilização des-
ses mesmos talentos.
VISAR A PERSPECTIVA A LONGO PRAZO
24. Crescer criativamente – "ser criativo significa sair das redomas que nós –
e os outros – criamos para nós mesmos." (op. cit. p.59)
25. Converter-se à criatividade – após dominar algumas destas técnicas
para desenvolvimento da criatividade devemos fazer a respectiva divulgação, pois as
virtudes do desenvolvimento da criatividade multiplicam-se pelo reforço, pequenas
mudanças na nossa forma de actuar podem conduzir a enormes diferenças na vida dos
nossos alunos. Como já referimos, estas estratégias aplicam-se em ambiente escolar,
para alunos e professores, mas são igualmente pertinentes nas situações mais díspares
da nossa vida em comunidade.
Podemos dizer, em síntese, que a actividade criadora, ou, se quisermos a
criatividade, assume as mais díspares e múltiplas formas, não se confinando a um único
campo do conhecimento, atravessando, outrossim transversalmente a actividade huma-
na desde a tarefa mais simples à tarefa mais complexa. De facto, para que este proces-
so se produza proficiente e continuamente é necessário que deixemos despertar em nós
a necessidade de desenvolver o pensamento criativo, activando um novo estado de
consciência, rumo, quiçá, nas palavras de Mihaly Csikszentmihalyi150
150 Csikszentmihalyi, Mihaly. Fluir. Lisboa: Relógio D' Água Editores. 2002
, à experiência
óptima, quando "sentimos que controlamos as nossas acções, que somos donos do
nosso próprio destino.”
139
O desenvolvimento da criatividade é passível de ser ensinado e aprendido,
podendo constituir um ponto central da educação numa escola que deverá pugnar pela
activação do desenvolvimento de um certo potencial de felicidade nos cidadãos que vai
formando. Os professores, como referem os supracitados Sternberq e Williams devem,
por isso, fomentar o uso de técnicas/estratégias que facilitem o desenvolvimento da cria-
tividade.
Será este, talvez, um dos caminhos que conduzirá a uma sociedade mais
justa e equilibrada, em que os seus cidadãos apresentem um alto nível de sentido críti-
co, uma elevada responsabilidade e um elevado sentido de solidariedade. Afinal pes-
soas emocional, académica, profissional e pessoalmente mais felizes, capazes de trans-
formar a experiência comum, em experiências de fluxo151
O Office for Standards in Education
, através do estabelecimento
de pelo menos algumas das estratégias de desenvolvimento da criatividade. 152
• Ajudar os alunos a desenvolverem expectativas muito altas em rela-
ção aos seus próprios desempenhos artísticos.
, do Reino Unido, em 2003, defendia
que os professores de arte podem ajudar a construir escolas de mais sucesso, galvani-
zando os interesses dos alunos e, em muitos casos, assegurando elevados padrões de
realização artística.
Para tanto, em ambiente de sala de aula devem:
• Planificar cuidadosamente para todos os alunos da turma
• Relevar os interesses artísticos dos alunos e tornar o currículo amplo
e pertinente
• Desafiar criativamente os alunos
• Louvar o trabalho escolar junto dos pais
• Estabelecer ligações com artistas e organizações de arte fora da
escola
• Assegurar o rápido envolvimento dos alunos em aulas práticas espe-
cíficas
• Construir relações positivas nas aulas e em actividades extracurricu-
lares.
Como afirma Todd Lubart, (2003, cit. por Mendes, 2007)153
151 idem
, a criatividade
deve ser vista segundo uma abordagem multifactorial cuja produção criativa pode ser
152 Muschamp, Peter.The Arts And Achievement, Seminar Creativity At Christchurch University College, 5 July 04
http://opencreativity.open.ac.uk/assets/pdf (consulta em 4 de Agosto de 2008) 153 Mendes, Ana Bela. Psicologia da Criatividade – Lisboa: FBAUL, 2007
140
evidenciada através do potencial criativo em campos tão distintos como a arte, a lite-
ratura, a ciência, o comércio, ou outros domínios, tão diversos quanto se queira e, aos
quais subjazem: A) Factores Cognitivos, envolvendo a inteligência e o conhecimento; B)
Factores Conativos, que envolvem o chamado estilo cognitivo, a personalidade e a
motivação; C) Factores Emocionais e D) Factores Sociais.
Os factores cognitivos serão discutidos neste subcapítulo em que queremos
relacionar a criatividade e a imaginação, na relação íntima entre a inteligência que se
desenvolve através do conhecimento do mundo que se vai percepcionando, nomeada-
mente, através da imagem que se constrói enquanto representação e, con-
comitantemente, se produz deste mundo que nos suporta, neste universo aparente-
mente contraditoriamente uno, único e diverso.
Já os factores Conativos terão melhor aplicação no subcapítulo 6.3. desti-
nado a compreender a possibilidade de chegar ao estado de experiência óptima através
do Desenho
Os factores cognitivos estão particularmente em evidência na defesa de
Betty Edwards, que vê cada um de nós como seres capazes de expressar o nosso
potencial criativo através do desenho. A sua meta, tal como deveria ser a de qualquer
professor, consistirá no fornecimento dos meios para fazer despertar tal potencial, per-
mitindo o acesso a um nível consciente dos domínios inventivo, intuitivo e imaginativo,
encobertos pelos sistema educacional e cultura tecnológica essencialmente verbais.
Propondo-se ensinar a desenhar, Edwards defende que tal tarefa ajudará a
aprender a ver, de forma diferente, aumentando a sensação de conforto em relação ao
mundo que nos cerca. Ao desenhar, acrescenta esta autora, teremos acesso a uma par-
te da mente frequentemente obscurecida pelos muitos pormenores do quotidiano. Deste
modo, serão desenvolvidas competências para perceber o mundo de forma totalmente
renovada, para descobrir formas subjacentes que possibilitam novas combinações. A
solução criativa para problemas passará a estar disponível através de novos modos de
pensamento, através de novas formas de domínio cerebral, aumentando a confiança na
tomada de decisões e na resolução de problemas. Citando Dürer, Edwards, refere: «o
tesouro secretamente preso no teu coração passará a ter substância através do teu tra-
balho criativo», será, pois, este o papel do desenho, dando visibilidade à energia criativa
e imaginativa do cérebro humano, favorecendo o autoconhecimento nesta matéria, bem
como, dando a conhecer aos outros esta característica, ou como remata a investigadora
«through drawing, you are made visible».154
154 Edwards, Betty – The New Drawing on the Right Side of the Brain, 1999
141
Assim, num modelo próximo do defendido, pela primeira vez, por Wallas em
1926, (Mendes, 2007), temos a abordagem dos cinco passos de desenvolvimento do
processo criativo, referenciada por Edwards155
Saturação – ainda que Wallas não considere esta fase, incluindo-a na pre-
paração, Edwards em concordância com outros autores já aqui referenciados auto-
nomiza-a. Correspondendo ao primeiro passo do processo criativo nada tem de mágico
ou misterioso. Trata-se de um trabalho árduo e quase estafante, a fase de saturação
envolve uma pesquisa profunda e sistemática sobre o problema a ser resolvido. A céle-
bre frase que Thomas Edison utilizava a propósito da resolução de problemas: "sou
, com base em estudos de vários inves-
tigadores, significativos para a autora, com a seguinte sequência diacrónica:
a) Herman Helmhotz, psicólogo do século XIX, descreve três fases – Satura-
ção, Incubação e Iluminação.
b) O matemático francês Poincaré, em 1908, acrescenta a Verificação, no
sentido da concretização da solução, procurando eventuais erros, bem como, a utilidade
da proposta.
c) Jacob Getzels, no início dos anos 60 do século XX, contribui com a ideia
da necessidade de estabelecer uma fase preliminar de procura e formulação de proble-
mas, não apenas dos que já se conhecem, mas de outros que entretanto as mentes
criativas encontrem.
d) Kneller deu à fase proposta por Getzels, o nome de primeiro insight, ter-
mo que engloba a resolução de problemas e a descoberta de novas questões.
Em síntese, esta estrutura de cinco fases, como refere Edwards, capaz de
definir o processo criativo, apresenta a seguinte designação com as respectivas caracte-
rísticas genéricas:
Primeiro insight ou preparação – consistirá no momento em que o sujeito se
impregna, conscientemente, sobre os dados da situação a resolver e procura informa-
ção. «Activação de ideias potencialmente pertinentes no inconsciente, que se combinam
de modo inopinado» (Boden, 1993, Cit. por Mendes, 2007). Importa realçar que um
grande conhecimento do campo de estudo é fundamental para a emergência de ideias
criativas. Para Csikszentmihalyi, os problemas podem ter várias origens, desde a sensi-
bilidade aos problemas e que passa por uma boa preparação no campo; à vida quoti-
diana, passando pelos acontecimentos sociais e pelas emoções; ao ambiente, em que a
opinião do meio em que se movimenta o criador pode ter influência. Muitas vezes os
contextos sociais estão na origem de mudanças qualitativas nos campos específicos.
155 Edwards, Betty – Drawing on the Artist Within, 1987
142
mais uma esponja do que um inventor", é bem ilustrativa da fase de saturação. O seu
método de trabalho, quando queria descobrir alguma coisa, consistia em tentar saber
como outros tentaram resolver o problema. Depois, recolhia informações sobre os milha-
res de experiências e estudos que outros realizaram sobre o assunto. Parece continuar
a fazer sentido, neste contexto, o já conhecido lugar-comum: 99% de transpiração e 1%
de inspiração. O valor de determinada ideia reside na intensidade do raciocínio cons-
ciente e concentrado, ao mesmo tempo que se verifica um trabalho consciente sobre um
problema, também o inconsciente é impregnado/saturado com informações.
Incubação – há um problema reconhecido pelo criador que está sempre pre-
sente no sujeito. Esta fase nega a chamada “inspiração”, pressupõe um afastamento
temporário da tarefa ou o descentramento da tarefa para o pré-consciente (Romo, 1997,
citado em Mendes, 2007). São muitas as estratégias de afastamento temporário esco-
lhidas pelos criadores. Não chegam a poder determinar quanto tempo dura esta fase.
Qualquer estímulo exterior ajudará a encontrar a solução. A mente prossegue o proces-
samento de informação de modo não consciente. Verifica-se uma associação fecunda
de ideias no pré-consciente. Explica a função do pré-consciente. Evoca as palavras
“cogito” e “intelligo”, agitar as ideias, as lembranças, os sentimentos. (Kubie, 1958, in
Mendes, 2007). Entre a realidade e o não consciente encontram-se as funções do pré-
consciente. Estas agem constantemente entre os processos conscientes e não cons-
cientes. Esta interacção facilita a reorganização dos dados antigos em novas combina-
ções, como analogia, e exerce uma influência selectiva sobre os detalhes da existência.
As funções do pré-consciente são uma ferramenta criativa automática. Os processos do
pré-consciente orientam o fluxo das nossas associações, favorecendo a liberdade de
associar, juntar, sintetizar para dar novas ideias. Estas associações são raramente des-
cobertas quando as procuramos de modo consciente, mas são facilitadas pelo pré-
consciente. Este passo do processo criativo é passivo. Relaxar, não pensar no proble-
ma. O problema fica como que em banho-maria no inconsciente. De um modo misterio-
so e aparentemente mágico, o inconsciente trabalha enquanto relaxamos, convertendo
as informações recolhidas durante a saturação em novos conceitos, rumo à solução do
problema. Há quem acredite que a melhor maneira de deixar o subconsciente trabalhar
é ouvir música, conduzir, ler poesia, pescar, caminhar, ir ao teatro, ou ler um qualquer
policial. Uma das melhores formas de preparar o inconsciente para trabalhar é, antes de
adormecer, mentalmente passar em revista os problemas, um a um. Dizendo a nós
mesmos que teremos as soluções ao acordar. Descobrir a melhor forma para relaxar e
deixar o inconsciente trabalhar é fundamental para um bom processo de incubação.
Iluminação – Este é realmente o momento em que acontece a ideia, o "Heu-
reca" de Arquimedes. É o clarão da inspiração criativa que vem do inconsciente durante
143
um período de incubação, a ideia plausível de solução surge de modo súbito à cons-
ciência. Para optimizar este momento, convém manter uma atitude positiva em relação
às ideias. Ter uma mente sempre aberta, não rejeitar precipitadamente ideias, não fazer
uma discriminação demasiado rigorosa. Importa deixar um “canal aberto” para o fluxo
das ideias. Atitudes para estimular a iluminação podem passar por visitas a galerias de
arte, andar pelas ruas, ver as montras, visitar lojas, observar a multidão. Há autores
quem recomendam a meditação com o objectivo de desenvolver insights intuitivos.
Devem-se adoptar procedimentos práticos para o registo rápido das ideias quando estas
começarem a surgir, por mais ridículas ou absurdas que possam parecer.
Verificação – consiste na validação das ideias. É a decisão da pertinência da
intuição, o julgamento crítico, a prova de viabilidade. Pressupõe um grande conhecimen-
to do campo, nomeadamente, do seu âmbito e dos seus critérios. Sendo o período mais
longo do processo, implica um trabalho árduo e perseverante. É natural que esta etapa
venha coroar o processo, pois, ao fazer a revisão e avaliação das ideias, pode-se des-
cobrir que um pensamento aparentemente absurdo pode conter uma sugestão de abor-
dagem inovadora para um problema importante, através do recurso a novas intuições.
Este conceito camaleónico, nas palavras de Edwards, sofrerá constantes
transformações que escaparão ao nosso entendimento momentâneo, em consonância
com a vertigem de mudança da nossa modernidade, à qual importa dar uma resposta
imediata, implicando, por isso, uma compreensão exaustiva do que seja a criatividade,
bem como, desenvolver o cabal controlo do processo criativo.
Esta necessidade crescente de se ser cada vez mais criativo como resposta
à urgência pós-moderna, levou a uma produção exponencial de publicações sobre a
matéria que acabam muitas vezes por tentar verificar se a generalidade da população é
criativa, ou se tal característica é apanágio de uns quantos eleitos bafejados com tal
talento, tal como acontece, de resto, com a capacidade, que aqui também nos interessa,
para desenhar, esse tal “talento” escondido, tal como testemunha esta autora que cita-
mos, quando se propõe ensinar a desenhar as pessoas que comparecem nos work-
shops que promove.
Este é o tempo em que urge mudar as convicções tradicionalmente aceites
sobre a necessidade de fazer despertar os tais talentos escondidos, quer para desen-
volver os processos criativos relacionados com todas as facetas da vida, mas também,
encarar a expressão do potencial que nos permite desenhar tão naturalmente quanto
assumimos possuir um sem número de potencialidades que podemos desenvolver atra-
vés do processo de ensino-aprendizagem, como por exemplo, podermos ler, escrever
ou contar, se houver quem nos ensine e, não menos importante, se a tal estivermos dis-
postos para aprender. Como seria esse outro mundo em que nos convencêssemos que
144
só alguns, ou pela sorte, ou por um qualquer dom divino, ou por dádiva genética, ou por
simples inatismo podiam ser capazes de ler? Ou, um outro mundo, como continua a
questionar Edwards156
Edwards
, em que os próprios professores acreditassem que a melhor for-
ma de incrementar o ensino da leitura consistiria em fornecer imensos materiais de leitu-
ra aos alunos, para que estes os consultassem ou manipulassem e depois que se espe-
rasse para ver os resultados que daí adviriam? Este tipo de professor, evidentemente,
para não prejudicar a “criatividade” da criança relacionada com a leitura, jamais interferi-
ria com qualquer tentativa espontânea para ler. À pergunta do aluno, “Como é que se lê
isto?” a resposta pronta do professor seria: “Dá asas à tua liberdade! Faz o que te der na
cabeça. Deixa-te levar pelo prazer da tua imaginação! É divertido ler!” e, então, o pro-
fessor observaria, pressurosamente, quais os meninos que se mostravam talentosos
para a leitura – qualquer instrução no sentido de ensinar competências para a leitura
seria, naturalmente, inútil com meninos que não fossem talentosos.
Afinal, o que Betty Edwards procura desmistificar é esta pré-conceptualiza-
ção do mundo em que nos inscrevemos, com base em ideias erradas ou distorcidas em
relação à criatividade e ao processo criativo, mas também, e quase por colagem con-
ceptual, em relação ao fazer artístico e ao acto de registo através do desenho, em parti-
cular, continuando a confundir sombra e luz, acorrentados na célebre caverna descrita
por Platão. 157
156 Edwards, Betty – Drawing on the Artist Within. 1987
157 Idem
reconhecendo, embora, não ser tarefa fácil estabelecer uma
relação directa entre a criatividade e o acto de desenhar, tem a convicção que tal rela-
ção se estabelece através do acto de ver, ocorrendo-lhe que o ao processo de dese-
nhar, é, em muitos aspectos, uma replicação do próprio processo criativo. Reafirma esta
tese, em primeiro lugar, com base na semelhança entre a capacidade de desenhar por
longos períodos perdendo a noção do tempo a passar, tal como acontece na fase da
incubação em que, como explicamos anteriormente na abordagem das fases do proces-
so criativo, se verifica um descentramento para o pré-consciente, muito semelhante à
consciência cognitiva que sabemos estar presente, eventualmente, numa parte mais
remota da mente. Uma segunda ligação ocorre no pensamento analógico-metafórico
que se encontra presente, ainda segundo esta autora, tanto no desenho, como no pro-
cesso criativo, por força de uma certa distorção perceptiva intencional entre a realidade
vista e uma outra que se possa imaginar no instante anterior ao registo do desenho.
Uma terceira característica comum, é a necessidade de isolamento, sobretudo, longe de
145
interrupções verbais. «Most artists work best in silence and alone». Para Edwards a
defesa final e mais importante consiste na premissa da ligação entre a necessidade do
uso proficiente da ferramenta perceptiva fundamental – a competência para ver – e as
três fases do processo criativo, a preparação, a incubação e a iluminação, que estarão
profundamente relacionadas com a percepção visual, não no sentido corrente do termo,
mas naquele sentido tão especial usado pelos artistas. Este sentido especial resulta do
desenvolvimento de capacidades que permitem ver o campo na sua globalidade, ao
mesmo tempo que conseguem perceber as partes para além do campo nas suas múlti-
plas relações inter-específicas, mas também intra-especificas, entre as partes e entre
estas e o todo, requerendo o mesmo tipo de acção mental como quando se pratica o
desenho de cópia invertida.
O processo de criação artística não se pode dissociar do conceito de ima-
ginação, ainda que possa encerrar uma aparente contradição, nomeadamente, à luz dos
pressupostos que Schopenhauer expressa:158
De modo não menos pertinente Sartre
«Possuir muita imaginação significa que a
função de percepção do cérebro é suficientemente forte para, invariavelmente, não
necessitar de um estímulo dos sentidos para entrar em actividade. Consequentemente,
a imaginação é tanto mais activa quanto menos percepções do exterior nos for transmi-
tido pelos sentidos… Não obstante, para que a imaginação seja frutuosa, é preciso que
tenha recebido muito material do mundo exterior, pois só isso pode encher a sua des-
pensa». 159 diz-nos que «toda a teoria da ima-
ginação deve satisfazer duas exigências: deve dar conta da discriminação espontânea
que o espírito opera entre as suas imagens e as suas percepções e deve explicar o
papel que a imagem desempenha nas operações do pensamento». E adianta, na sua
análise diacrónica que, de acordo com Descartes, a imaginação ou o conhecimento da
imagem resulta do entendimento que nos dá a consciência da imagem após a aplicação
da impressão material no cérebro. Esta consciência da imagem desperta sensações
peculiares no ser humano, pois desperta na mente humana, acções, movimentos,
ideias. «Os movimentos são como sinais que provocam na alma determinados senti-
mentos»160
Para o fazer artístico é fundamental, aliás, ter a capacidade de realizar uma
produção que seja nova e adaptada ao contexto na qual se manifesta, aliada à capaci-
158 Schopenhauer, Arthur. In Aforismos
159 Sartre, Jean-Paul. A Imaginação
160 Sartre, Jean-Paul. A Imaginação
146
dade de imaginar, ler imagens do exterior que depois vão ser armazenadas no cérebro
podendo vir a ser transformadas e expressas através da fantasia.
Como nos ensina Lino Cabezas161 (2005,), ainda que a vontade, essa capa-
cidade consciente de decisão e de realização, seja uma componente essencial da per-
sonalidade dos artistas, está condicionada por outros factores que ultrapassam a dialéc-
tica entre o autor e a sua obra. Contrariamente à acepção vulgar conotada com respira-
ção, a «inspiração» é utilizada no vocabulário das artes, em sentido figurado, reportan-
do-se àquela ancestralidade que evoca a divindade a propósito do acto de criação artís-
tica – Divinitus inspiratur – do latim, ou Théia dýnamis – do grego, dando razão, certa-
mente, a Platão para se convencer que o verdadeiro poeta não é o que trabalha esfor-
çadamente na sua arte, antes o que delira, o que fora aprisionado pela musa agindo de
acordo com as situações que aquela promova. Esta divinização estende-se à tradição
judaico-cristã, cuja certificação de autenticidade é dada pelo selo do “Espírito Santo”.
Mas não deixa de transparecer, ainda, na história moderna, apesar da progressiva laici-
zação das tradições mágico-religiosas da Antiguidade. A inspiração artística deriva da
perplexidade e da incerteza, continua Cabezas, perante o desafio da criação artística e,
deste modo, circunscrevendo a inspiração como uma forma de alienação nobilitada,
preconizada por alguém que se excede a si próprio, ultrapassando as próprias limita-
ções humanas, transformando-se num estrangeiro para si mesmo e estranho para os
que com ele convivam – o ingenium de Kant, anjo ou demónio, cuja disposição fora
outorgada pela natureza, sendo o génio um feliz acaso da natureza juntando imaginação
e inteligência, mas segundo regras nem conceptualizáveis, nem comunicáveis. Da rela-
ção íntima entre os pressupostos anímicos e a inspiração, surge o “furor divino”, para
ilustrar o entusiasmo com que o criador ataca a obra em curso, por força da necessária
inspiração divina, como reitera Platão num dos seus Diálogos Socráticos - Ion162
O acaso, o destino ou sorte, desempenharam um papel importante na ciên-
cia, na invenção e na arte. O termo mais preciso que descreve tal papel designa-se por
.
Como reitera Cabezas, outro conceito frequentemente utilizado para des-
crever os fenómenos da criação é o “acaso”, caracterizando uma relação imprevisível
entre elementos sem qualquer conexão prévia entre eles. O adjectivo latino aleam faz
jus à incerteza dos acontecimentos, cujo ponto alto, ainda, segundo o mesmo autor,
pode ser observado em movimentos artísticos de vanguarda do primeiro terço do século
XX, como o Dadaísmo, cuja origem, “Dada”, resultou da abertura, ao acaso, de um
dicionário.
161 Molina – los Nombres del dibujo. Madrid: Cátedra, 2005
162 Platão. Diálogos
147
serendipidade. Seguidamente iremos tentar compreender a relação entre a criatividade
e a serendipidade no que à arte e, mais particularmente, ao desenho diz respeito.
148
5.2. CRIATIVIDADE E SERENDIPIDADE
A palavra Serendipidade resulta do aportuguesamento do termo inglês
Serendipity, por sua vez, inspirado em Serendip ou Serendib (do árabe Sarandíb), anti-
go nome do Sri Lanka. A palavra serendipity foi criada por Horace Walpol numa carta,
escrita em 28 de Janeiro de 1754, ao fazer referência ao conto infantil de origem persa –
Os Três Príncipes de Serendip163 –
Os exemplos que a seguir apresentamos, serão, talvez, alguns dos que
mais se celebrizaram como resultado de serendipidade
cujos heróis do conto acabavam por fazer desco-
bertas de coisas que não procuravam, ora acidentalmente, ora por sagacidade. Seren-
dipidade, também conhecida como Serendipismo, Serendipitismo ou, ainda, Serendipi-
tia, é um neologismo que se refere às descobertas afortunadas feitas, aparentemente,
por acaso. A história da ciência apresenta inúmeros casos que podem ser incluídos na
classificação de serendipidade.
164
No início de 1800 a única forma de produzir imagens era através do dese-
nho, da pintura ou da escultura. Louis Daguerre era um jovem pintor realista pouco
satisfeito com a morosidade que resultados de qualidade exigiam. Durante mais de vinte
. Pitágoras ao vaguear pelas
ruas de Crotona e ouvindo um ferreiro a malhar ferro, aquilo que parecia um som uni-
forme e banal, foi segmentado pelos sentidos apurados do matemático, em tons diferen-
ciados, levando-o mais tarde a estabelecer uma relação de previsibilidade entre deter-
minado padrão matemático e certas harmonias musicais.
Arquimedes, já o dissemos, quando relaxava nos banhos públicos e nada o
fazia prever, lançou o famoso “Heureca! Heureca!” ao descobrir uma das leis da Física,
encontrando resposta, concomitantemente, para o problema que o preocupava da cons-
tituição da coroa do rei Hieron II de Siracusa.
Galileu Galilei, ao invés de assistir devotamente à missa dominical, fixa-se
no movimento pendular do candelabro sobre a sua cabeça, levando-o a definir as leis do
movimento do pêndulo, relacionando várias variáveis e, na sequência, descobriu, entre
outros, os princípios do movimento uniformemente acelerado, lançando, ainda, as bases
do método empírico na ciência experimental, tal como ainda hoje se aplica.
163 http://pt.wikipedia.org/wiki/Horace_Walpole. consultado em 17 de Junho de 2008. 164 Verstraete, Larry. The Serendipity efect. Ontário: Scholastic – TAB publications Ltd, 1989
149
anos levou a cabo várias experiências frustradas para capturar e fixar imagens de forma
permanente. O dia em que, por esquecimento, deixou uma colher de prata sobre uma
superfície metálica impregnada com iodo, foi o início de uma sequência de descobertas
que o levaram a imprimir imagens e a constituir-se como precursor da fotografia, tecno-
logia que viria a causar uma das maiores revoluções na História da Arte.
Dos exemplos que aqui apresentamos e, como veremos adiante, a serendi-
pidade pode ser considerada como uma forma especial de criatividade, ou, de maneira
mais específica como uma das várias técnicas de desenvolvimento do potencial criativo,
aliando perseverança, inteligência e capacidade de observação. Não admira, pois, que
Pasteur pudesse observar: “O acaso só favorece a mente preparada”, pois, apesar da
presença do acaso nestas, como noutras realizações, só uma grande preparação no
domínio em causa poderá catapultar-nos para epílogos felizes, tanto na ciência, como
na arte, como em qualquer outro campo da actividade humana. Eco (1999) no seu livro
Serendipidades – linguagem e loucura (tradução livre) defende que mesmo as experiên-
cias mais disparatadas poderão conduzir a inusitados efeitos colaterais, estimulando o
aparecimento de teses muito sérias do ponto de vista científico e, por conseguinte, muito
distantes da descontracção disparatada e divertida da ideia que esteve na sua origem.
Nesta linha de pensamento Eco aponta numerosas ideias hoje consideradas como fala-
ciosas, e que acabaram por mudar o mundo, bem como, por oposição, falsas crenças e
descobertas sem qualquer credibilidade, para o seu tempo, puderam levar ao reconhe-
cimento na actualidade como uma possibilidade válida. Um dos exemplos que nos
aponta é o de Cristóvão Colombo que – acreditando ser possível chegar à Índia pelo
Ocidente - acaba por descobrir as Américas, feito que, à partida, não faria parte dos
seus planos. Ainda que situe o conceito de serendipidade no campo das ciências, Eco
reconhece a possibilidade de alargamento a outras áreas do conhecimento, deixando a
advertência, por um lado que, apesar de tudo, nem todos os projectos errados nos con-
duzirão a resultados correctos, e por outro lado, quão frágil é a fronteira entre a verdade
e o erro, entre o certo e o errado. (p.6). Mas os mal-entendidos não acontecem apenas
dentro de uma mesma cultura, podem ocorrer entre diferentes culturas em que se verifi-
cam entraves ao entendimento com base nas diferenças linguísticas, mas também, nas
diferentes concepções da visão do mundo. Aqui, mais uma vez, Eco pretende provar
que – através da serendipidade – determinados erros levaram a novas descobertas, e
voltando ao início da sua argumentação: “even errors can produce interesting side
effects.» (Eco, 1999)
150
A relação que se pode estabelecer entre a serendipidade e a criatividade
poderá encontrar pontos de contacto com a fase da criatividade, anteriormente estudada
e designada por iluminação, correspondendo ao “Ah-ha”, ou “Heureca”, o momento em
que acontece a ideia, o clarão da inspiração criativa que vem do inconsciente durante a
incubação, a ideia plausível de solução surge de modo súbito à consciência.
Edwards165
Da confluência do acaso da serendipidade, com a busca sistemática do pro-
cesso criativo, resultará a manifestação, feliz, de uma resposta satisfatória para o pro-
blema inicial. A esta manifestação, como se refere num artigo, Miguel Cardoso:
situando no lado direito do cérebro o modo de processamento
da informação, através do uso da intuição e de momentos de discernimento – momen-
tos em que tudo parece fazer sentido, como na metáfora do puzzle, em que as peças
encaixam umas nas outras na perfeição, mas sem que antes houvesse uma intenção
lógica expressa – este “Heureca” que permitiu a Arquimedes formular uma importante lei
da Física, enquanto, num instante de descompressão nos banhos públicos da sua cida-
de, procura a melhor resposta sobre a constituição química da coroa do seu rei. E, é
socorrendo-nos, ainda, de Edwards e da sua descrição do modo intuitivo, subjectivo,
apaixonado, holístico, calmo, sem a pressão do tempo, que Arquimedes se depara com
a enunciação de um dos princípios fundamentais da hidrostática e, concomitante, mas
colateralmente encontra, em manifesta serendipidade, a resposta à questão da consti-
tuição química da coroa régia.
166
165 Edwards, Betty – the new drawing on the right side of the brain 166 Cardoso, Miguel – http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/epifania.htm. Consulta em 12 de Junho de 2008
«James Joyce denominou epifania, secularizando o conceito inicial conotado com a
aparição dos deuses (do grego epiphainein, “manifestar”; raiz em phainein, “mostrar,
fazer aparecer”). Joyce apresenta o conceito como uma súbita manifestação espiritual,
presente, quer na banalidade da fala ou do gesto, quer num estado memorável da pró-
pria mente». Continua Cardoso na sua análise, afirmando que Joyce «glosa e adapta o
terceiro elemento da definição de beleza de S. Tomás de Aquino – claritas» e «atribui a
este termo um significado metafórico, interpretando-o como quidditas – que traduz por
“radiance”. Os primeiros dois elementos – integritas e consonantia – são traduzidos por
“integrity” e “symmetry” - o objecto destaca-se, definindo inequivocamente as suas fron-
teiras com o vazio momentâneo que constitui o não-objecto; em seguida, as partes que
o constituem são analisadas, sendo percepcionada a simetria que o compõe; finalmente,
como resultado de uma clara apreensão da forma do objecto, é operada uma síntese: “a
sua alma, a sua materialidade ou essência é projectada para fora das vestes da sua
151
aparência, na nossa direcção” É este então o momento da epifania. O objecto da epifa-
nia é trivial, não se destacando por si só. A chave para compreender a excepcionalida-
de do momento está no papel activo da mente: um objecto que faça parte do nosso
campo de visão quotidiano pode ser repentinamente resgatado da sua banalidade, atra-
vés da focagem operada pelo nosso “olho espiritual”».
Referindo-se aos elementos que caracterizam o desenho, como os materiais
gráficos, ou de registo, o suporte, o aspecto técnico da realização, cuja expressão resul-
ta da reunião dos sinais gráficos intrínsecos, Jean Rudel167 lembra que importa con-
siderar também, a pulsão da mão que,função do instrumento de registo e da concepção
de base, «pode alcançar um efeito material, sensorial, psíquico, muito diferente, e mati-
zado ainda pelo tempo». O desenho substantiva a mediação de factores tão importantes
como a “imagem de memória” e a gestualidade do sujeito, trazendo à superfície projec-
ções afectivas, de pressões psicossociais, familiares e/ou educativas, que condicionam
«a expressão do arredondado, da angularidade do traço que revelam bem o comporta-
mento psíquico do sujeito operante».
Eis-nos perante a produção do registo gráfico – o desenho – em qualquer
uma das formas que queira ou possa assumir, partindo da conjugação tripartida da ilu-
minação criativa, emergente de certo percurso serendípico, culminando na fruição epifâ-
nica.
Quando, a propósito da clareza se fala das propriedades exemplares das
obras de uma determinada época, esquecemo-nos, muitas vezes, que o artista-executor
utilizou frequentemente elementos contraditórios. Se quisermos, por exemplo, conside-
rar a valorização dada à estrutura e ao ordenamento lógico das obras neoclássicas168,
acabamos por descobrir a subsistência de traços de aleatoriedade e de arbitrariedade,
que uma observação mais precisa e pormenorizada revela o prazer do acaso e do
encontro venturoso presente num traço-registo mais liberto sobre um determinado pla-
no
167 Rudel, Jean. A técnica do desenho. 1980
168 Molina – las lecciones del dibujo
. O desenho incorpora sempre representações comprometidas com o nosso imaginá-
rio; o problema de qualquer método, reside na sua compreensão e disseminação como
se se tratasse de um desvio face aos problemas que se apresentam durante o acto de
desenhar. As questões que actualmente se colocam em termos de aprendizagem, pro-
duzem-se e agravam-se na medida em que prosseguem sem repensar os problemas
intrínsecos, justamente aqueles que estiveram na origem da diferenciação inicial das
152
suas práticas. Como insiste Molina, o facto de as “novas escolas” recuperarem algumas
das antigas práticas projectivas reencarnadas nas novas designações do “Dise-
ño”/design (utilizado no contexto do processo de prefiguração mental na procura de uma
solução, qualquer que seja o campo, nomeadamente, no âmbito das artes aplicadas)169,
ou as imagéticas relacionadas com a fotografia contemporânea, leva a entender o dese-
nho como um território ideológico perigoso, fazendo a ponte com um processo baseado
no estabelecimento de novas relações entre as coisas, modificando completamente as
respectivas estratégias, enriquecidas com novas atitudes e com processos de desenhar
desconhecidos até ao momento. O desenho artístico deixou, então, de ser o definidor
dos modelos da realidade, convertendo-se num reelaborador de imagens de segunda e
terceira geração, a partir das próprias imagens proporcionadas pelos processos multi-
média. Há a esperança que seja no “eu” (Molina, 2003)170 que se encontra a resposta
sob a forma de um reportório infindável de imagens, desde aquelas que detinham o
poder de formalizar uma linguagem universal, recuperando a tradição que sugeria a
possibilidade de desenvolver a inventividade com métodos que atraiçoavam o controlo
racional da mente e a abriam a campos de imagens mais sugestivos.
169 Etimologicamente deriva do termo italiano disegno, desenho, desígnio, signare, signado "lo por venir", o porvenir –
visão do futuro representada gráficamente, o feito – facto é a obra, o que há-de ser feito é o projecto, o acto de dese-
nhar como pré-figuração é o processo prévio de busca de solução ou conjunto de soluções.
170 Molina – las lecciones del dibujo
Tal como os que tentavam encontrar uma convergência entre o destino do
homem e a assunção de formas significativas que se pudessem observar no curso das
nuvens, como reitera, no Séc. I D.C., Apolónio de Tiana no seu Tratado das adivinha-
ções (Molina, 2003). Mais tarde, também, Leonardo da Vinci exercitará a própria imagi-
nação descobrindo nas manchas das paredes e nas formas peculiares das pedras,
temas, motivos, paisagens, cenas, figuras, para a construção de obras futuras (Molina,
2003). E, ainda mais tarde, André Breton, na senda do surrealismo, descobre nesta
alternância entre subjectividade e objectividade o alimento dilecto da inspiração, mais
uma de muitas técnicas ao serviço do interesse humano, tanto na arte, como na vida,
em que a associação de imagens assume um papel de charneira no Surrealismo, atra-
vés da utilização de texturas peculiares, desde as de uma parede decrépita, de uma
nuvem, ou outra qualquer coisa que faça soar as trombetas da harmonia que se preten-
de escutar. Percorrendo este caminho, Antoni Tàpies, transforma a atitude em método
de trabalho “sugestión de la unidad primordial de todas las cosas; matéria generalizada;
afirmación y estimación de la cosa terrena; posibilidad de distribución variada y combi-
nada de grandes masa, sensación de hundimiento de expansión… campo de batalla;
153
jardín; terreno de juego; destino de lo efímero…” (Molina, 2003). Leonardo, Breton ou
Tàpies evocam o universo dos sentidos, na superação transcendente do imediato para a
representação da ideia, da filosofia, território do sublime.
O método dos borrões de Cozens, foi usado durante o romantismo, também,
como uma técnica de trabalho de exploração e recuperação do acaso. O artista, utili-
zando uma espécie de hissope, manchava aleatoriamente o papel com tintas de várias
tonalidades, até que a sua imaginação o transportasse a uma imagem, cuja forma
pudesse ser concluída com a ajuda de uma pena ou pincel.
O mesmo acaso em que se revê Duchamp, em 1966, acrescentando a rei-
vindicação da utilização da mão na construção de acasos felizes. Coincidindo na atitude
com os Surrealistas, este acaso gozoso afasta-se da gravidade transcendente do
Romantismo, culminando no estabelecimento de numerosas técnicas de desenho que
contornam a necessidade de representação baseada no controlo racional e na trans-
cendência. São exemplo desta linha, de pensamento e de actuação, a escrita automá-
tica – “le cadavre esquis” – jogo de acasos, o recurso a colagens, decalcomanias sem
um objecto preconcebido, a “frotage”, registo sobre papéis húmidos, “grattage” e outras
técnicas consideradas “subversivas” e “vanguardistas” à luz dos paradigmas que se pre-
tendia, agora, colocar em causa, opor ou, mesmo, superar.
Esta postura pode encaminhar-se no sentido de levar, desenho e dese-
nhador, a assumirem o papel, em que, por um lado, respondem a um nível mais exa-
cerbado de prossecução de algumas das técnicas do processo criativo, usando novas
linguagens, por acção de novos materiais, mas também de novas tecnologias, permi-
tindo o reformular ditado por Molina a que demos, acima, o devido relevo. Mas, e con-
comitantemente, usando de uma atitude nitidamente serendípica se chega a pontos
caracterizados por novas abordagens, novas descobertas, novos encontros gráficos,
ideológicos, metaforo-morfológicos que em epifania ora responde, ora dão resposta que
o acaso se encarrega de oferecer, mesmo quando assim se não procura.
Ainda que no âmbito institucional se pretenda continuar a discussão entre os
defensores do tradicionalismo e das modernidades emergentes, utilizando, ainda, as,
também, já ultrapassadas “novas gramáticas” de início do século passado e que susten-
tam o conceito de estrutura no sentido de «princípio tradicional da ordem imanente»171
171 Molina. Las lecciones del dibujo.
,
a construção da realidade icónica cada vez menos depende da consuetudinariedade de
154
um mundo feito de meios considerados artísticos, mas, também não, já de meios consi-
derados novos ou alternativos, paradoxalmente rapidamente ultrapassados por outros
mais novos e mais alternativos, num paralelismo imensamente estreito com o processo
de desenvolvimento industrial, com o avanço tecnológico possibilitador e facilitador da
reprodutibilidade das obras de arte, com os sistemas de comunicação mais eficientes na
disseminação da informação e transformadores dos hábitos de consumo das massas,
juntos formalizaram uma nova teia de imagens que alteraram, não só os mitos colecti-
vos, mas também a estrutura dos discursos e dos próprios processos criativos.
Rudolf Arnheim faz referência ao psicólogo Hitoshi Sakurabayashi
(Arnheim.1997) por ter descoberto após prolongada observação de determinado tipo de
forma que «ocorriam mudanças estruturais fundamentais» com o progressivo abandono
da “boa-Gestalt” e a ocorrência de novas configurações. Embora esta tese possa, numa
primeira análise, colidir com a lei “gestáltica”, Arnheim não deixa de nos chamar a aten-
ção para a necessidade de «aprender a distinguir os factores interiores ao sistema dos
exteriores a ele e compreender o lugar e a função do subsistema dentro do conjunto
global» e que a percepção deve ser contextualizada na biologia que nos descreve e que
se inscreve numa teia estrutural, actuando, também, em conformidade com os estímulos
recebidos, mesmo quando aquilo que vemos, ouvimos, ou cheiramos, sai, recorren-
temente, da nossa consciência.
«A resposta electroquímica do órgão sensível decresce enquanto o estímulo
permanece inalterado», (Arnheim) demonstrando que o nosso organismo não está pre-
parado para dar resposta a ambientes constantes, pois, segundo este autor, pode ocor-
rer uma evolução biológica da percepção para detectar as mudanças. Ao recusar-se
aceitar o tédio, mesmo nas funções mais elementares, a mente não o faz por mera eva-
siva, antes, explora de modo positivo as «propriedades estruturais secundárias do estí-
mulo» (Arnheim.1997), exercitando a sua curiosidade e a sua faculdade de inventar
novas formas, num processo dinâmico que é automaticamente despoletado, face à
“ameaça” de nova saturação, em que somos surpreendidos com a exploração e inven-
ção activas. Arnheim, seguindo a tese decorrente da investigação de Sakurabayashi,
lança a questão de saber se não será, também, a função do artista criar novas formas
«originais», partindo da imagem que nos é dada do mundo, e vista de uma maneira,
aparentemente, comum, e, deste modo, ultrapassar as convenções e estereótipos e
substituí-los por outras novas, processo de difícil conciliação, pelo menos imediata, para
a generalidade dos indivíduos, em relação ao «aspecto familiar dos objectos?»
(Arnheim, 1997). E aventa a hipótese da relação entre a criatividade e a observação pro-
155
longada de objectualidades, podendo constituir-se, ora como recurso facilitador das
várias etapas do processo criativo, ora como paradigma a uma escala mais reduzida do
referido processo, reproduzindo de forma básica a actividade do criativo, seja ele artista
ou cientista, na relação com o mundo que o cerca. Finalmente, as alterações provoca-
das por uma observação prolongada corresponderiam à criatividade.
156
5.3. A EXPERIÊNCIA ÓPTIMA ATRAVÉS DO DESENHO
Numa carta a Greaves datada de 25 de Abril de 1819, Pestalozzi172
Este estado não será nem casual, nem venturoso, antes dependerá do con-
trolo da nossa consciência. Quando sentimos que controlamos o nosso destino, somos
invadidos por sensações de alegria e gozo imensos que subsistem por muito tempo e,
inevitavelmente, nos marcam. A esta sensação de bem-estar, Csikszentmihalyi, chama
«experiência óptima» (Csikszentmihalyi, 2002), «é o que o pintor sente quando as cores
defende
a educação como forma de autonomização do indivíduo, tornando-o um membro útil
para a sociedade. No entanto, no âmbito da individuação de cada ser humano, a educa-
ção deveria servir para nos tornar felizes, na consciência harmónica entre os mundos
interior e exterior, reconhecendo a necessidade de superação dos seus limites em fun-
ção dos meios de que dispõe.
Como vimos em item anterior, à luz da teorização da criatividade, os factores
conativos envolvem o chamado estilo cognitivo, a personalidade e a motivação de cada
indivíduo, referindo-se a determinado impulso, a um acto, a um esforço, ou a um modo
preferencial de comportamento (Mendes, 2007).
Como destaca Csikszentmihalyi (2002), há mais de dois mil anos que Aris-
tóteles, na sua Ética a Nicómaco, percebeu que a humanidade tem como principal moti-
vação, ou como principal objectivo de vida, atingir a felicidade, sendo tal objectivo inde-
pendente de quaisquer outros, que aliás, só são válidos na medida em que nos façam
felizes. Nos seus estudos, este psicólogo, destaca o facto de a investigação contempo-
rânea relacionada com o tema da felicidade ter começado já depois da segunda metade
do século vinte destacando, nomeadamente, as publicações The Structure of Psycholo-
gical Well-Being, de Norman Bradburn, em 1969; Databook of Hapiness, de Ruut Vee-
nhoven, em 1984; e The Psychology of Hapiness, em 1987; levando-nos a concluir que
a felicidade depende da forma como atribuímos significado aos acontecimentos do
mundo exterior a nós mesmos, constituindo-se num «estado que cada um tem de prepa-
rar, cultivar e defender» (Csikszentmihalyi, 2002), passando pelo controlo da experiência
interior individual e, dessa forma, estabelecer um padrão de vida tangível a uma exis-
tência feliz.
172 Pestalozzi, Johann Heinrich. Cartas sobre educación infantil. Madrid: Editorial Tecnos, 2006
157
na tela começam a criar uma tensão magnética entre elas e a transformar-se, perante o
criador atónito, numa coisa nova, uma forma viva»173
É nosso intuito perceber a possibilidade de alcançar a experiência óptima
através do desenho, partindo do pressuposto que podemos controlar o que acontece na
nossa mente, instante após instante, num esforço contínuo, é certo, mas usando de cria-
tividade para atingir os objectivos que se situem no patamar mais alto das nossas
metas. Como nos ensina este autor
.
Mas, tal experiência nem sempre é fácil, podendo mesmo tornar-se pungen-
te, dado que atinge o seu máximo fulgor, frequentemente, quando levamos ao limite o
corpo e a mente, por algo que valha, realmente, a pena e que, conscientemente, fize-
mos acontecer, desfrutando de nós mesmos, garantindo, a longo prazo, a sensação úni-
ca de poder, ao colocar nas nossas próprias mãos a parte da vida que nos pode condu-
zir à nossa própria significação de felicidade. De acordo com o autor, a teoria da expe-
riência óptima baseia-se «no conceito de fluxo – o estado em que as pessoas estão tão
embrenhadas numa actividade que nada mais parece importar, a própria experiência é
tão agradável que as pessoas a realizam pela simples razão de a realizar, mesmo que
por um preço muito elevado» (Csikszentmihalyi, 2002). A teoria do fluxo pode ajudar a
melhorar a qualidade de vida, sendo passível de ser incorporada por qualquer estrato
sociocultural e nas mais diversas actividades humanas.
174
173 Csikszentmihalyi, Mihaly. Fluir. Lisboa: Relógio d’Água, 2002. 174 Idem
, por um lado, se formos capazes de controlar a
informação retida na mente como resultado das nossas experiências, também seremos
capazes de controlar a nossa vida, isto é, tomar decisões conscientes, envidando esfor-
ços para atingir determinado objectivo, focando totalmente a atenção em determinada
tarefa, abstraindo-se de tudo o resto. Por outro lado, para a obtenção do máximo prazer
no desenvolvimento de determinada tarefa teremos de ter em conta aquilo que ele
denomina como condições da experiência de fluxo (Csikszentmihalyi, 2002) e que cor-
respondem a actividades propiciadoras da experiência óptima, cujas características
consistem em «regras que requerem a aprendizagem de técnicas, definem objectivos,
dão respostas, tornam possível o controlo». Constituem-se tais actividades em auxiliares
da concentração e do envolvimento, mormente, se se afastam do comezinho quotidiano,
através, por exemplo, de cenários e adereços especiais, como é o caso de certos des-
portos ou, certas artes performativas ou, ainda, certos rituais. A construção de uma
158
ambiência peculiar leva, quer os participantes, quer os espectadores, a um estado de
espírito pleno de prazer, mas sistematizado.
Citado por Csikszentmihalyi o antropólogo e psicólogo Roger Caillois, estu-
dou os jogos e, função das quatro formas diferentes como superam a experiência trivial,
classificou as actividades lúdicas do seguinte modo: i) Agon – jogos baseados na com-
petição, em que o participante tem de incrementar o seu nível pericial, afinal, o seu vir-
tuosismo técnico, para superar os seus adversários, dando forma ao próprio potencial,
com a assistência dos que com ele procuram – “con petire” – para melhorar a experiên-
cia e a concentração naquela actividade específica; ii) Alea – jogos de azar, o cerne do
divertimento destes jogos consiste na virtualidade do controlo de um futuro que sabe-
mos ser insondável, tendo, por isso, as suas raízes mais remotas, nas diversas técnicas
de adivinhação desenvolvidas por todas as culturas ancestrais do planeta, na tentativa
de divisar o nosso destino; iii) Ilinx – actividades em que se cria uma percepção disrupti-
va, ainda que temporária, associada à vertigo – a vertigem, de um carrossel, ou queda
livre, mas também dos videojogos, cujo rigor da definição da imagem nos pode acome-
ter para sensações semelhantes de fácil alteração da consciência, aliás, ainda que num
outro âmbito, tal como a vertigo associada a rituais dionisíacos, através da superação da
própria condição humana, “saindo de si”, promovida pelo Ekstasis – êxtase, natural-
mente, através da ingestão de bebidas alcoólicas usadas nas intermináveis libações
comemorativas de qualquer acontecimento social, tão alienantes na Grécia antiga, como
na actualidade, cujo prazer assenta na modificação da forma como capturamos o mun-
do que nos cerca, dando-nos a ilusão de «expansão da consciência» (Csikszentmihalyi,
2002), sendo todavia, reduzida à expressão máxima de confusão e falta de controlo; iv)
mimese – actividades relacionadas com a criação de realidades – outras, alternativas à
própria realidade e “re-apresentadas”, em várias formas de expressão como a dança, o
teatro, ou nas artes “visuais”, que procuram fazer-nos «sentir, através da fantasia, do
fingimento e do disfarce, como se fôssemos mais do que realmente somos» (Csiks-
zentmihalyi, 2002), levando-nos a superar, mesmo por breves instantes e ilusoriamente,
os limites da nossa experiência banal.
De acordo com os estudos que temos vindo a referir sobre as actividades de
fluxo, o seu autor releva que, independentemente do carácter da experiência, competi-
ção, acaso, vertigem ou mimese, proporcionam sempre «uma sensação de descoberta,
um sentimento criativo de transporte para uma nova realidade» (Csikszentmihalyi,
2002), projectando-nos para desempenhos mais elevados, bem como, para estados de
consciência inconcebíveis anteriormente, levando ao crescimento do eu – «chave das
159
actividades de fluxo» (Csikszentmihalyi, 2002.). Não se verifica, no entanto, uma relação
automática entre o envolvimento numa actividade propiciadora de fluxo e o consequente
desfrute da experiência de fluxo, uma vez que tal depende, sobretudo da avaliação da
consciência de cada um e do significado que verdadeiramente atribuímos a determinada
experiência. Mesmo perante tarefas intrinsecamente agradáveis, importa ter em conta o
principio já anteriormente enunciado por Arnheim (vide ponto 6.2) demonstrando que o
nosso organismo não está preparado para dar resposta a ambientes constantes, abor-
recendo-nos ou frustrando-nos se persistimos na execução de determinada tarefa
durante muito tempo e sem que haja evolução no grau do desempenho, somos cata-
pultados, pela necessidade de voltar a sentir prazer, para níveis de realização mais ele-
vados, desenvolvendo habilidades e competências, procurando através desta dinâmica
de fluxo alcançar o crescimento e a descoberta, dando corpo, também, à defesa de
Nietzsche do conhecimento de si próprio para a transformação naquilo que somos, e em
que, muito particularmente, «a arte abre ao homem o infinito do poder e da exaltação de
si»175
Para Bret Waller, no prólogo à obra de Csikszentmihalyi – The Art of Seeing
(p. viii)
(Abbagnano, 1979).
176
Como realça Csikszentmihalyi, qualquer experiência constitui-se como facto
subjectivo, sem possibilidade de verificação objectiva externa e, no caso particular da
experiência estética, à subjectividade há, ainda, que somar os pressupostos culturais
passíveis de variar no tempo e no espaço. O corpo humano relaciona-se com o seu
ambiente circundante através de ligações sensoriais, cada uma delas passível de
transmitir experiências agradáveis. No entanto, como reforça este investigador, para que
se verifique na actualidade a expressão mais refinada do potencial sensorial, cada um
dos sentidos precisou de ser instruído disciplinadamente ao longo de gerações e gera-
ções, numa cadeia evolutiva inequívoca, capaz de nos transportar para experiências
sensitivas marcadamente ligadas ao prazer, em que a capacidade para pensar, como
, existem evidências da relação entre a experiência de fluxo e a experiência
estética, e tal analogia vincula-se ao desenvolvimento de competências que conduzem
ao domínio técnico inerente à mestria, à perícia ou ao virtuosismo, ou conhecimento do
campo, que cada um tem obrigatoriamente de desenvolver, ora com mais dificuldade,
ora com mais facilidade, dependendo das capacidades individuais para a aprendizagem
da tal mestria, conducente ao estado de experiência óptima.
175 Abbagnano, Nicola. História da filosofia. Volume XI.Lisboa: Efditoral Presença, 1979
176 Csikszentmihalyi , Mihaly e Robinson, Rick Emery–The Art of Seeing. Los Angeles: J. Paul Getty Museum, 1990
160
um processo regrado e ordenado, pode constituir o topo da pirâmide sensitiva, propor-
cionando enorme prazer, já a um nível abstracto, intelectualizado, profundamente sub-
jectivo, distante de preocupações mais concretas, mais materializáveis, ou mais físicas,
como a saúde, o poder, a garantia de subsistência, a necessidade de segurança, ou a
própria perpetuação da espécie. Tanto quanto, insiste o autor177
A argumentação de Csikszentmihalyi vai no sentido de enfatizar alguns ins-
trumentos conceptuais que o modelo do fluxo utiliza para facilitar a compreensão da
natureza e das condições da experiência estética – a natureza claramente dialéctica
entre dois componentes fundamentais da experiência estética tal como devem ser
entendidos à luz do conceito de fluxo a fusão da atenção e do conhecimento relativas ao
objecto artístico e o apelo ao despertar das capacidades de descodificação do trabalho
pelo espectador. Esta experiência constitui um apoio perceptual capaz de induzir apre-
ciações intelectuais mais profundas que transportam o espectador para uma com-
preensão mais intensa da obra em causa, ou seja, começa-se por reter e concentrar a
atenção, desencadeando vários reptos na consciência do observador, permitindo o
encontro com todas as capacidades que ele já possua à partida, o despertar de tal pro-
cesso é inerente ao trabalho artístico, diz-nos o autor (Csikszentmihalyi, 1990), acres-
centando que a relação entre reptos, aptidões e atenção, no fluxo, não pressupõem uma
sequência estritamente temporal, podendo, antes, ser definida como relação dialéctica,
mais precisamente como se se desenvolvesse em espiral: novas aptidões desenca-
deiam novos patamares de desafio, fazendo ressurgir novos níveis de atenção e de per-
cepção. Do encontro com o objecto estético, a atenção do espectador só estará inteira-
mente desperta enquanto se verificar o equilíbrio entre os reptos que o objecto coloca e
, se o valor de uma vida
humana depender mais do somatório de experiências ao longo do tempo, do que do
número de propriedades adquiridas ou dos grandes feitos realizados, então a experiên-
cia estética é realmente importante.
De todos os sentidos que contribuem para a realização da experiência
humana, aquele que melhor justifica um salto evolutivo significativo, é o sentido da
visão, projectado na capacidade de ver sem interferência material com o mundo que nos
rodeia, recolhendo a informação necessária para a construção do conhecimento, mas
também, permitindo uma possibilidade única de desfrute, no cômputo das múltiplas
capacidades humanas, e explorada ao longo da história em todas as culturas, encon-
trando prazer e significado na produção de objectos belos, para deleite, também, de
quem os observe.
177 Csikszentmihalyi. The art of seeing. 1990
161
as aptidões inerentes ao próprio observador. Para completar novo ciclo, mas num pata-
mar mais acima da referida espiral, nova fase de elevada convergência da atenção favo-
rece o desenvolvimento de novas capacidades ou aptidões.
Podemos, seguindo o pensamento de Csikszentmihalyi subdividir a questão
da convergência da atenção no encontro estético em três aspectos:
• a convergência da atenção dirigida para um objecto pode-se apre-
sentar, ou como uma experiência absorvente cuja duração pode ir
do mero instante a vários minutos de intensíssima concentração, ou
caracterizar-se pela intermitência da atenção sobre determinado
objecto apelativo, mas que nada tem a ver com a actividade que se
está a desenvolver;
• outra vertente corresponde ao que alguns autores denominam
“sensação de liberdade” (felt freedom) e Csikszentmihalyi interpreta
como “limitação do campo de estímulo”, em que o campo da cons-
ciência se restringe a um conjunto limitado de preocupações rele-
vantes que releva a experiência estética;
• a última e mais elevada e, por ventura, a mais rara forma de con-
centração da atenção na experiência estética é a transcendência ou
perda (da consciência) do ego.
Como reitera Csikszentmihalyi (1990), estas três dimensões da atenção são
centrais para a experiência estética. A concentração da atenção é o processo funda-
mental através do qual a experiência estética é atingida, em que a principal vertente é
ocupada pela possibilidade de incremento das aptidões através dos sucessivos desafios
que a própria experiência provoca, indo, assim, ao encontro dos pressupostos da expe-
riência óptima ou experiência de fluxo que é possível atingir, quer enquanto espectado-
res, quer como produtores do objecto de arte - as duas faces da moeda que se designa
experiência estética.
Como faz questão de notar Edwards (1999)178
178 Edwards, Betty – The new drawing on the right side of the brain. 1999
a chave do mistério da magia
que é a aptidão para desenhar, está, pelo menos em parte, na capacidade de provocar
uma mudança no cérebro de tal ordem que promova uma forma diferente de ver e per-
ceber o mundo envolvente. É esta forma especial de ver que caracteriza a visão dos
artistas experimentados. E, para esta autora, quando qualquer comum mortal conseguir
162
desenvolver capacidades perceptivas, a nível da visão, mais propriamente, a nível do
modo de ver semelhante ao modo de ver “artístico”, então, nessa altura poderá dese-
nhar, mas poderá, também, apreciar de forma ainda mais eloquente o trabalho dos
génios artísticos ao longo da história da arte, pois, como também dizemos acima, o
espectador pode mais facilmente descodificar o trabalho de determinado artista, conhe-
cendo, mas sobretudo, compreendendo, a maneira de ver e o seu “modus operandi” de
determinado artista para levar a bom termo a resolução de determinado problema técni-
co, estético ou de exteriorização de estados emocionais. Edwards, já o relatámos, colo-
ca a tónica do acto de desenhar na forma especial como vemos. A aptidão para conse-
guir ver de uma “nova maneira” tem uma dupla vantagem:
• abrir as portas da vontade, consciente, ao pensamento visual e per-
ceptual, no intuito de experienciar uma convergência da percepção;
• ver de modo diferente.
Com estes dois instrumentos relacionados com a visão, garante-nos esta
autora, podemos desenhar bem, retomando, aliás, de alguma forma, a tese de Pesta-
lozzi que não estabelece qualquer diferença entre o acto de desenhar e o acto de medir,
senão a que distingue o primeiro de um segundo passo da mesma operação: conhecer
o mundo – medir é a “arte de apreender e desenhar a de representar correctamente os
limites de um objecto” (Biber, 1831)179. Quando Edwards refere180
179 Biber, E. Henri Pestalozzi and his plan of education. London, 1831
180 Edwards, Betty. The new drawing on the right side of the brain.1999.
relatos de artistas que
dizem conseguir ver as coisas de modo diferente enquanto desenham e o acto de dese-
nhar os coloca num estado de alteração de consciência, então, aproxima-se daquilo que
no início do capítulo já tínhamos indicado constituir uma das facetas da experiência de
fluxo, tal como concebida por Csikszentmihalyi, encontrando, identicamente, eco no
estado subjectivo inusitado, da sensação de ascensão conjunta com o trabalho, alcan-
çando relações não alcançáveis usualmente, ou a perda da percepção da passagem do
tempo, ou a diminuição da capacidade de expressão oral consciente. A descrição que
Edwards atribui aos artistas que descrevem uma certa duplicidade de sentimentos
enquanto desenham, por um lado despertos e conscientes, por outro, relaxados e sem
ansiedade, experimentando uma agradável, quase mística, activação da mente, não cor-
responderá, afinal, ao desfrutar da experiência óptima? Não será o desenho uma das
muitas actividades que facilitará a experiência de fluxo?
163
Betty Edwards (1999) fala-nos de uma ligeira alteração do estado de cons-
ciência, sentindo-nos como que transportados, quando desenhamos, esculpimos ou pin-
tamos e, provavelmente, em muitas outras actividades muito mais comezinhas; muitas
vezes damos por nós, em plena luz do dia, enredados numa espécie de sonho acorda-
do, correspondente a uma ligeira alteração da consciência, sentindo-nos como que “fora
de nós”; de outro modo, como quando conduzimos despreocupadamente, na auto-
estrada, actividade que Edwards compara ao acto de desenhar181
Montessori, no seu método preconiza uma optimização do horário lectivo,
aproveitando o tempo em que as crianças se ocupam da cópia ou decoração de dese-
nhos simples e, portanto, um tempo de silêncio e intrinsecamente favorável à concentra-
ção, para que o professor possa fazer em voz alta determinado tipo de leituras que des-
te modo são mais eficazmente assimiladas (Montessori, 2004).
, pois lidamos com
imagens “visuais”, tendo em conta o percurso através da informação espacial e das res-
pectivas conexões, ajuizando da complexidade dos componentes do trânsito. Há mes-
mo quem afirme, diz Edwards, que consegue ter imensos pensamentos criativos
enquanto conduz, perdendo a noção de tempo, e experimentando uma agradável falta
de ansiedade, correspondendo, continua a autora, às operações mentais que podem
activar as mesmas zonas do cérebro que o acto de desenhar. Partindo deste pressupos-
to, então, ainda para Edwards, a chave para aprender a desenhar, consiste em criar as
condições mentais propícias para uma mudança no modo de processar a informação,
através da ligeira alteração do estado de consciência e que nos permitirá ver “bem”.
Edwards acredita, também, que é possível alguém desenhar, a partir das próprias per-
cepções, mesmo sem nunca ter estudado esta tecnologia e, uma vez que o dispositivo
mental para desenhar nos seja familiar, então poderemos conscientemente controlar
esse “interceptor” mental.
182
Arnheim expressa, claramente, que a arte contribui para a felicidade, a
maturidade e a plenitude das pessoas (Arnheim, 1997), não sendo já um privilégio de
uma minoria, constitui-se como uma actividade natural de todos os seres humanos que
contribui de forma mais efectiva para a cultura da sociedade através da vida criativa do
cidadão médio, mais do que das prestações esporádicas e pontuais de genialidade. Tal
constitui um repto para os professores de artes pois mais que transmitir a necessidade
do domínio de determinadas técnicas específicas, requer também, a sensibilização para
181 Edwards, Betty. The new drawing on the right side of the brain.1999.
182 Arnheim, Rudolf - Para uma psicologia da arte. 1997
164
o conhecimento de outras aptidões e de outras necessidades de acordo com a evolução
da mente humana, em harmonização com a emergência de paradigmas sócio-culturais
que vão caracterizando esta sociedade em evolução.
165
5.4. ALFABETIZAÇÃO VISUAL ATRAVÉS DO DESENHO
Como sustenta Dondis (1974)183
Os artistas, são, afinal, especialistas capazes de conceber e executar for-
mas consideradas belas através do uso de meios visuais adequados e codificados atra-
vés da atribuição de determinado significado simbólico em ocorrências estruturais com-
plexas, fazendo apelo a certa subtileza emocional, cuja informação precisa de ser des-
codificada pelo espectador de modo a permitir a partilha de estados de alma entre autor
e observador. Mas esta capacidade de saber ver e interpretar necessita de ser educada
(Csikszentmihalyi, 1990). Culturalmente, no ocidente, não se dá, ainda, muita importân-
cia à riqueza de experiências agradáveis que se podem obter através da visão. À luz de
uma visão economicista baseada na produtividade, a iliteracia visual não se constitui
como um problema social e, no entanto, contribui para o manifesto empobrecimento cul-
tural, com evidente redução da qualidade de vida numa sociedade mais e mais assente
, se a invenção da prensa móvel por Johan-
nes Guttenberg, no século XV, teve como consequência a aquisição da literacia verbal,
então a invenção da máquina fotográfica com o desenvolvimento contínuo e colateral
nas mais diversas formas, conduz inevitavelmente à necessidade da literacia visual e à
consequente necessidade educativa específica, que peca por atraso, no entender
daquela autora. Com a mediatização massificada – mass media – sem pedir licença,
nem através de qualquer sufragação, somos invadidos por imagens a que urge dar sig-
nificação crítica. Naturalmente, tal significação e consequente descodificação apenas
pode decorrer de conveniente cultura visual que por sua vez pode e deve ser outorgada
no local reservado pela sociedade – a escola – uma escola suficientemente sensível
para perceber que a sua razão de ser está, justamente, no desenvolvimento pró-activo
de competências que ajudem as crianças e os jovens a viver de modo mais pleno e
integrado no mundo que habitam. E, se por hipótese na pré-história os jovens eram ins-
truídos na melhor técnica para caçar bisontes e, deste modo, contribuir para a sobrevi-
vência, própria e tribal, tal educação era, certamente, feita através dos melhores concei-
tos, das melhores experiências, do melhor conhecimento, à época, para que pudesse
tornar-se significativamente efectivo. Então, nos nossos dias é indispensável apetrechar
a geração futura com os melhores instrumentos visando, não apenas a mera sobrevi-
vência, mas a vivência o mais plena possível, através de experiências tão gratificantes
quanto possível e, ao serem adquiridas e testadas em meio escolar, mais fácil e segu-
ramente serão implementadas ao longo da vida.
183 Dondis. Donis A. A Primer of Visual Literacy. Massachusetts: The MIT Press, 1974.
166
na utilização da imagem nas situações mais banais do seu dia-a-dia – «se o valor de
uma sociedade se mede pela capacidade de desenvolver o total das potencialidades
dos seus membros, então a produção da beleza visual e a aprendizagem da sua fruição
devem tornar-se pontos cruciais para a sociedade como um todo» (Csikszentmihalyi,
1990).
Como também já vimos em item anterior deste capítulo, o benefício que a
experiência estética traz depende da convicção de cada um sobre o que é o bem ou o
bom. Se considerarmos o summum bonum que nos conduz à Cidade do Deus Supremo,
então, a arte aproximará a nossa alma de Deus. Se a nossa inclinação for no sentido de
acreditar que da sublimação das pulsões sexuais resultam actividades socialmente acei-
tes e valorizadas, então a experiência estética é uma magnífica forma de sublimação
(Csikszentmihalyi, 1990).
Já para Arnheim (1997), a eficácia do ensino artístico assenta no conheci-
mento do que é e para que serve a arte. E a actividade artística não é, nem uma fuga
neurótica da vida, nem a substituição agradável de algo que desejamos, mas não
podemos ter. A actividade artística é uma forma franca e saudável de enfrentar a vida,
perscrutando e compreendendo o mundo interior e o mundo exterior do homem e, neste
último caso, através dos sentidos e, fundamentalmente, através da visão. O pensamento
quer da criança, quer do homem primitivo, permitido que seja estabelecer um certo para-
lelismo em termos de desenvolvimento humano, é um pensamento visual. E é neste
pressuposto, seguindo este autor, que se baseia a arte e a educação artística, mesmo
quando se recorre a concepções abstractas mais elaboradas há a procura da revelação
sensorial.
Considera, aliás, Arnheim, que existindo, embora, duas formas de expres-
são visual: as figurações ligadas à representação do mundo que nos rodeia, como pai-
sagens, objectos ou, pessoas e as formas não representativas ligadas às varias abs-
tracções, alguns investigadores do campo da psicologia e mesmo alguns artistas defen-
diam ser através das formas abstractas que se atingia a realização da auto-expressão.
Tal suposição partia do princípio que a forma mais fiel e directa de representar o incons-
ciente era através da abstracção. Em primeiro lugar Arnheim responde contrapondo que
tal como assinala Freud, «o inconsciente só se pode manifestar indirectamente, tanto
por acção exterior como por experiência consciente» (Arnheim, 1997). Conclui o psicó-
logo, ainda no mesmo parágrafo, que «as experiências conscientes no sonho, no pen-
samento, na recordação ou na observação» correspondem a conteúdos relacionados
com o mundo em que vivemos: pessoas, árvores, animais e não «registos mecânicos
167
dos estímulos externos», respondendo, então, à percepção dos objectos externos atra-
vés de reacções que incorporam características indissociáveis do próprio eu: «sentimen-
tos, necessidades e atitudes pessoais», reconhecendo-se, concomitantemente, a si e ao
mundo que o rodeia, na forma singular como apreende esse mesmo mundo e como,
singularmente, se vê e expressa, ou usando abstracções, ou figurações, ambas dignas
de credibilidade e reconhecimento artístico e intelectivo. Devendo, por isso, o papel do
professor de arte ser no sentido de promover o desenvolvimento da sensibilidade de
cada aluno no sentido de perceber qual o seu papel na vida, mais do que fazer a apren-
dizagem de técnicas artísticas e da sucessão dos acontecimentos ao longo da história
da arte, importa ter a noção da diferença «entre ser mero espectador e desempenhar
coisas, ser afectado por elas, comovido por elas, modificado pelas forças inerentes a
tudo o que damos ou recebemos» (Arnheim, 1997). É, por outras palavras, a tal dupla
vantagem referida, anteriormente, por Edwards (1999) fazendo jus à vontade de ver de
forma consciente despertando os sentidos, em especial a visão, para níveis mais eleva-
dos de sensibilidade, a que se acrescentam novas formas de ver – passos incontorná-
veis da alfabetização visual através do desenho – que passam pelo desenvolvimento de
aptidões para ver e desenhar função da relação que se estabelece com os objectos
através da visão e que comporta a perspectiva e a proporção. Este “aprender a ver”, na
opinião desta autora, é uma aptidão que se adquire, em termos de aprendizagem, tal
como as regras da gramática de uma língua, aplicadas à leitura e à escrita (Edwards,
1999).
Assim, esta alfabetização visual através do desenho, encontra eco, como
nos diz Renaud d’Enfert184
184 D’Enfert, Renaud . L’enseignement du dessin en France
, sobretudo, nos métodos de aprendizagem do desenho
linear, cuja prática remonta às experiências pedagógicas de Johann Heinrich Pestalozzi,
descritas em várias das suas obras e inscrevendo-se numa visão de educação global,
em que o conhecimento se adquire a partir da percepção sensitiva da natureza, com
especial ênfase para as sensações visuais, apreendendo a identificação e denominação
dos objectos através da ligação forma – nome. Mas, como reconhece d’Enfert, servindo-
se do saber repetidamente transmitido por Pestalozzi ao longo de toda a sua obra publi-
cada, como por exemplo “Como Gertrudes educava os seus filhos”, o conhecimento dos
objectos não pode resultar apenas das impressões sensoriais, pois pode ser pouco dis-
ciplinada e, eventualmente, confusa, produzindo efeitos cognitivos limitados e lentos.
Desta feita, o estudo da forma deve assentar na “arte de medir”, através da comparação
de tamanhos entre formas, e posterior representação no desenho, partindo sempre do
rigor da medição, por meio de divisões específicas, das figuras geométricas elementa-
168
res. Tal método, através do exercício de medir permitiria o fácil reconhecimento das for-
mas, transformando uma aptidão perceptiva frágil, naquilo que o próprio Pestalozzi
designa por “l’art de la perception sensible”, pela elevação das competências sensoriais
baseadas em regras de observação precisas, conducentes a julgamentos mais rectos
por força da recolha de informação das diferentes formas. Através da observação visual
dos comprimentos e inclinações, os alunos deste pedagogo de referência, eram insta-
dos a traçar conjuntos de figuras elementares, enquadradas no chamado desenho linear
– “Linearzeichnungkunst” e que tinham como objectivo servir como medida de referên-
cia, mas também, a perceber a informação adquirida pela observação e identificação
dos objectos pela respectiva denominação e pela própria forma. Esta exercitação pro-
gressiva, das formas geométricas aos motivos ornamentais, mais que um fim em si de
ensino do desenho, constituía-se como um meio, distinto do ensino académico tradicio-
nal, de levar as crianças, também, a aprenderem a escrever. Esta abordagem foi tão
longe quanto, por força da repetição exaustiva, alunos da escola pestalozziana conse-
guiam chegar ao virtuosismo supremo da execução rigorosa/perfeita de traçados de
figuras geométricas sem o auxílio de régua ou compasso.
O método advogado por Montessori herda, na sua essência, os princípios
também defendidos por Pestalozzi, quando preconiza o desenvolvimento de aptidões
manuais através da execução de desenho geométrico apetrechando o olhar para a
apreciação da «proporção harmónica das figuras geométricas» (Montessori, 2004)185
185 Montessori, Maria. The Advanced Montessori Method – II. The Clio Montessori Series volume 13. Oxford: Clio Press,
2004
, a
que se juntam, entre outras, as incontáveis observações de desenhos, ou o hábito da
observação (de um minuto) de objectos naturais. Nesta metodologia global de educação
concomitante do olho e da mão e do treino de observação e execução intensas, preten-
de-se chegar a um ponto de mestria mecânica que deixará a mente livre para produzir
criativamente, como consagração da manifestação arrebatadora da inteligência humana
que o acto de desenhar constitui. Ainda dentro desta lógica, a capacidade para ver a
realidade na forma, na cor, na proporção, cultivando a mestria do movimento manual,
desenvolvendo um tecnicismo mecanizado será a única forma de atingir a liberdade
mental propiciadora da criação artística (Montessori, 2004). A filosofia que preside a esta
escola, aliás, assenta na consideração do desenho como forma de satisfazer a expres-
são, tal como acontece com a linguagem e qualquer esforço de aperfeiçoamento, quer
num caso, quer no outro, resultarão da necessidade de dar corpo ao pensamento.
169
Tal como o caminho para a literacia verbal tem sido longo e sinuoso, outro
resultado não poderia ser esperado para a literacia visual (Dondis, 1974, p. 182). No
entanto, encontramo-nos aqui perante um paradoxo cuja solução não é fácil, pois, parte-
se, numa primeira instância, que todos, à excepção dos cegos, podem ver, podendo
parecer abstruso querer ensinar aquilo que já sabemos. No entanto, a literacia visual, ou
se quisermos, a alfabetização visual, vai mais longe que o simples acto de ver ou produ-
zir mensagens visuais. A alfabetização visual pressupõe a compreensão dos modos de
ver e o estabelecimento de um significado cuja abrangência e previsibilidade correspon-
dam a determinada convenção tão universal quanto possível. Para se chegar a este
ponto é preciso, de acordo com Dondis, contornar três aspectos fundamentais:
• o inatismo das faculdades visuais do organismo humano;
• a programação das aptidões intuitivas para tomar decisões visuais
dentro do que se possa considerar o bom senso (senso comum);
• as preferências pessoais e o próprio sentido estético.
170
5.5. UTILIDADE PEDAGÓGICA DO DESENHO
Num tempo em que as “Novas Tecnologias da Informação e da Comunica-
ção” se apropriam transversalmente dos curricula a um ritmo verdadeiramente avas-
salador, pode-se questionar a pertinência da utilidade do ensino do Desenho, aliás, tal
como se poderá questionar a pertinência da utilidade do cálculo, da escrita ou da leitura,
como formas prevalentes de ensino e, portanto, como instrumentos privilegiados de
desenvolvimento cognitivo das nossas crianças e jovens.
Não queremos, de todo em todo, adoptar uma atitude de rejeição da emer-
gência de novas formas de conhecimento, como descreve Platão no seu Fedro, quando
Theuth, inventor da escrita, descreve o seu invento ao rei Ammon e este argumenta que
tal invenção reprimirá a memória de quem fizer confiança em caracteres exteriores a
eles próprios, constituindo-se num elixir não de memória, mas de recordações, ofere-
cendo a aparência da sabedoria, pois, sem qualquer instrução poderão ler muito, fican-
do com a sensação de muito saberem, quando na sua maioria continuarão ignorantes e
rudes (Molina, 2002,).186
Norman (2002)
Tentaremos, antes, perceber até que ponto, na sucessiva e veloz emergên-
cia de paradigmas sócio-culturais, continua actual o ensino desta tecnologia artística,
quer no processo educativo global, quer no âmbito mais restrito do ensino artístico, mas
também, como factor de desenvolvimento das capacidades estético-visuais, ou ainda,
como catalisador da criatividade e de novas formas de ver, perceber e lidar com o mun-
do que nos rodeia.
187
186 Molina, Juan José Gómez (Coord.). Máquinas e Herramientas de Dibujo. Madrid: Cátedra, 2002. 187 Norman, Donald A. The Design of everyday things.Illinois: Basic Books, 2002
observa que se a tecnologia avança rapidamente, as pes-
soas mudam muito devagar. Naturalmente que a tecnologia existe para servir as pes-
soas e importa enfatizar a forma como o ser humano interactua com os objectos, con-
dicionada pela biologia, pela psicologia, pela sociedade e pela cultura. Como reconhece
o autor, se a biologia e a psicologia, à escala histórica, quase que mantêm a imutabili-
dade, a sociedade e a cultura mudam muito lentamente, os objectos do nosso dia-a-dia,
têm um tempo de vida bastante razoável, ao passo que a tecnologia de ponta muda a
uma velocidade vertiginosa. Será, talvez, nesta diferença de velocidade das mudanças
171
dos diversos factores que fazem o nosso quotidiano que podemos encontrar, também, a
pertinência da actualidade do ensino do desenho.
Num outro ponto desta obra, (Norman, 2002,), adverte-nos para a falta de
previsão do ser humano face aos avanços tecnológicos. O que não pode diminuir a
necessidade de sensibilidade para a mudança. Assim, as mudanças de estilo da escrita,
função dos instrumentos usados para o efeito ao longo do tempo e estudadas pelo
autor, concluindo que nos tempos em que se usava a pena de ganso sobre pergaminho,
impunha-se que as frases fossem pensadas antes da escrita, de que resultava uma
retórica de longas e belas frases; com o advento de meios mais acessíveis a escrita tor-
nou-se mais rápida, pois também era mais fácil qualquer correcção, passando a prati-
car-se um estilo mais próximo do discurso falado, perdendo em beleza literária, mas
ganhando em eficácia comunicacional.
A evolução tecnológica dos instrumentos de escrita à mão, exigindo mais à
memória e levando o pensamento a antecipar-se ao registo, permitiu uma escrita mais
elaborada. Na fase do uso das máquinas de escrever e com o recurso ao chamado
ditado, estabelece-se um equilíbrio entre pensamento e escrita, ainda que o autor do
ditado sem outro apoio senão a sua memória, pudesse incorrer num estilo epistolar um
tanto errante, mais coloquial e menos estruturado, próximo do discurso falado. A gene-
ralização dos editores de texto nos computadores pessoais introduz novas mudanças
estilísticas: ajuda do corrector ortográfico, poupança de tempo no planeamento e estru-
turação da tarefa. Mas, o campo de visão do monitor limita a quantidade de texto que é
possível ler, ao contrário do que acontece com um manuscrito ou outro texto impresso
que permite uma leitura mais global, no monitor apenas podemos ler pouco mais de vin-
te linhas de cada vez, trazendo consequências, em particular, ao nível da reorganização
e estruturação do texto e, como refere o autor, a correcção incide tendencialmente ape-
nas sobre a parte visível do texto, permitindo a ocorrência de repetições ou outros lap-
sos que num texto manuscrito dificilmente ocorreriam.
Embora possa parecer presunçoso no âmbito desta dissertação, estamos
convencidos que as questões levantadas por Norman, para o texto escrito, podem ser
extrapoladas para a arte, em geral, e para o desenho, em particular.
Como referem Edmond Couchot e Norbert Hillaire em L’Art Numerique188
188 Couchot, Edmond e Hillaire, Norbert. L’Art Numerique. Paris: Éditions Flammarion, 2003
, o
papel da arte sempre foi mais do que o de se deixar, simplesmente, sustentar pela evo-
172
lução tecnológica. Ainda que technae tenha sido, como já referimos, o primeiro signifi-
cado para arte, a relação entre arte e tecnologia nem sempre tem sido pacífica, sobretu-
do, no que ao papel do Desenho diz respeito, disciplina que acaba, de um modo, ou de
outro, por ser a que primeiro é colocada em questão e, por mais contraditório que possa
parecer, eventualmente devido à sua própria especificidade apoiada, por um lado, na
versatilidade relacionada com a utilização dos meios mais diversos – dos mais simples
aos mais sofisticados e, por outro lado, a ligação imanente com o uso da mão, resultado
da postura erecta possibilitadora da libertação dos membros anteriores para a manipu-
lação de objectos e o consequente desenvolvimento das aptidões ligadas à manualida-
de e que constituem uma das características que melhor podem distinguir o ser humano.
Se é verdade que o advento da fotografia teve como principal consequência
a autonomização da pintura no universo da arte, não é menos verdade que a invenção
da televisão e consequente disseminação massiva de imagens, transformou a generali-
dade da humanidade numa sociedade rendida à força da imagem. A melhor forma de
caracterizar o século vinte será, talvez, dizer que foi o século da imagem. Com particular
destaque a partir da segunda metade do século passado, com a difusão exponencial da
difusão de imagens televisivas, cinematográficas e informatizadas, fomos assistindo a
uma progressiva e concomitante transformação dos universos sociológicos.
Betty Edwards dá uma resposta directa à questão da utilidade pedagógica
do desenho, em particular, quando reforça a ideia defendida por outros autores, da liga-
ção entre o desenho e a visão, dando destaque, por exemplo, à opinião de Maurice
Grosser em “The Painter’s Eye”, 1951, assegurando que o pintor desenha com os olhos,
não com as mãos, podendo desenhar tudo o que consiga ver claramente. Este ver claro
para poder desenhar é o que verdadeiramente importa, na opinião de Grosser. A reite-
ração da ligação íntima entre o ver e o desenhar passa a ser ilustrada por Edwards, a
partir do texto de Frederick Franck em “The Zen of Seeing” de 1973, que refere a neces-
sidade de desenhar, evocando a sabedoria chinesa: “as dez mil coisas” que o rodeiam,
de modo a verdadeiramente ver, sentindo-se plenamente desperto para a vida. O dese-
nho é a disciplina através da qual consegue redescobrir o mundo. Franck confessa ter
aprendido não ter verdadeiramente visto o que ainda não desenhou e quando começa a
desenhar, como que por milagre, qualquer motivo vulgar, transforma-se, ao seu olhar,
numa coisa extraordinária.
Socorrendo-nos, ainda, de Edwards e da sua descrição da possibilidade de
atingir uma ligeira alteração do estado de consciência que transporta os artistas, mas
que pode ser apreendida por qualquer um e, uma vez adquirida tal competência que
173
permite desenhar é sempre possível, conscientemente, fazer o controlo da mudança
mental requerida para atingir o modo intuitivo, subjectivo, apaixonado, holístico, calmo,
sem pressão do tempo, embora, à luz da nossa cultura, alvo de desdém, considerado
fraco, também negligenciado pelo sistema de ensino que privilegia, muito particular-
mente, as prestações verbais, racionais, temporais (Edwards, 1999)
Tempos houve em que se considerava importante na apreciação do bom
exercício de qualquer actividade artística ou mesmo de qualquer ofício, a presença con-
comitante da genialidade e do bom gosto, da força e da elegância, do esforço e da pre-
cisão, da correcção e da liberdade, qualidades, como enfatiza Enfert, estão particular-
mente adaptadas ao ensino do desenho, educando o gesto dos operários, tal como era
concebido nas chamadas escolas centrais da França Pós-Revolução, aliando o olhar à
mão e desenvolvendo o juízo crítico do ponto de vista estético. O ensino do desenho
desde a fundação da Academia Real de Pintura e Escultura em Paris, em 1648, até aos
nossos dias, tem tido um papel, inexoravelmente, ideológico e filosófico, seja em Fran-
ça, como nos ensina Enfert (2003)
.
189
Partindo do princípio da justeza da necessidade do ensino do desenho,
Mossi (1999)
, em que a discussão se colocava por exemplo,
entre o ensino da figura ou da geometria, de acordo com a correlação da ideologia
social vigente, quer em qualquer outro local, independentemente do tipo de organização
social ou cultural, como também nos diz Gombrich. O maior ou menor relevo, o maior ou
menor interesse por esta ou aquela vertente, desde a educação do gesto e do gosto, à
autodisciplina, ao auto-governo, ou ao desenvolvimento da criatividade, dependerão,
tão-somente das forças ideológicas prevalentes na sociedade em causa, tal como o
reconhecimento implícito ou explícito decorrerão da aceitação das virtudes, que o ensino
do desenho possa trazer para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, ou ao
contrário, do receio, tal como acontecia em Platão, que o ensino de tal disciplina pudes-
se concorrer para uma qualquer derrocada da ordem social.
190
189 Enfert, Renaud D’. L’enseignement du dessin en France. Paris : Belin, 2003 190 Mossi, Alberto Facundo. El dibujo, enseñanza aprendizage. Valencia: SPUPV, 1999
aponta sete pressupostos que tornam pertinente e demonstram a utili-
dade do ensino desta tecnologia: i) desenvolvimento da percepção, implicando o pro-
cesso metodológico-afectivo; ii) aprender a ver, implicando o processo sensitivo; iii)
aprender a observar, implicando o processo cognitivo; iv) aprender a representar, impli-
cando o processo experimental; v) aprender o reforço do representado, implicando o
processo proactivo; vi) desenvolver a criatividade, implicando o processo criativo; vii)
aprender a ser, implicando o processo ontológico-integral.
174
Molina191
Widlöcher
faz notar que, nomeadamente, para a aprendizagem, do desenho,
cada um dos elementos que tornam possível a leitura e a compreensão da forma no seu
todo decorre da necessidade de sentido que a informação deve apresentar. Socorre-se
do filósofo Savater para reforçara a ideia de atribuição de significação à informação que
se recolhe da interacção com a realidade que nos envolve, sendo de considerar três
níveis de compreensão:
«a) a informação que nos é apresentada pelos acontecimentos e pelos
mecanismos primários do que acontece;
b) O conhecimento ponderado da informação recebida hierarquiza a impor-
tância significativa procurando princípios gerais para a sua ordenação;
c) A sabedoria que vincula o conhecimento com as opções vitais ou valores
que podemos escolher, procurando instituir uma vida melhor, de acordo com o que
sabemos» (Molina, 2003).
A relação entre a informação recolhida do mundo envolvente e a represen-
tação, em particular, pelo desenho, deve ser como reafirma Molina (2003), «comprome-
tido com o acto de viver, capaz de imaginar o acto de ver através das determinações
precisas das formas, num sistema de referenciais mutáveis, dando corpo àqueles outros
desenhos através de cujas leis reconstruíram pacientemente um mundo ilusório feito de
verdades e aparências.»
192
191 Molina, J. J. G. El Manual de Dibujo. Madrid: Cátedra, 2003 192 Widlöcher, Daniel. L’interpretation des dessins d’enfants . Wabre : Mardaga, 1998, p 234 – 250
reforça a ideia da importância pedagógica do desenho enquan-
to actividade desenvolvida espontaneamente desde os primeiros anos de vida do ser
humano, apontando duas questões primordiais: a utilização do desenho integrada na
metodologia geral da educação e o papel da educação no desenvolvimento da activi-
dade gráfica dos alunos, que o autor sintetiza do seguinte modo: a pedagogia pelo
desenho e a pedagogia do desenho.
175
5.5.1 O Processo Educativo Global
A questão da pedagogia pelo desenho levantada por Widlöcher centra-se
em tentar perceber se o desenho pode ajudar no desenvolvimento de aptidões e na
aquisição de conhecimento, ou se deverá, apenas, ser englobado na chamada pedago-
gia lúdica e desempenhando um papel semelhante à improvisação dramática, evocan-
do, neste campo, as reservas que Luquet manifesta sobre o “ensino agradável”. Como
já vimos anteriormente, reforça a ideia que uma das funções do ensino compreende o
desenvolvimento do sentido de observação e de ajudar na recolha de novos conheci-
mentos a partir de dados experimentais, orais ou escritos.
Widlöcher corrobora a opinião de Luquet193
No 1º Ciclo do Ensino Básico o desenho poderia servir, não apenas como
ilustração, mas como expressão de determinadas matérias. Embora, como conse-
quência natural do desenvolvimento humano, também já referenciado anteriormente, a
propósito da questão levantada por Gardner e da chamada curva de desenvolvimento
em U, em que se dá a primazia à narrativa literária através da utilização preferencial da
leitura e da escrita, não se pode descurar a utilidade do esquema explicativo e do dese-
nho narrativo, num ensino que se socorre cada vez mais da imagem para se tornar efec-
tivo, indo, aliás, ao encontro da própria sociedade da imagem em que mais e mais mer-
gulhamos. Contraditoriamente, o ensino académico ao invés de incentivar o desenho de
observação propiciador da descoberta, das realidades, dos sentidos, das funções,
socorre-se de fórmulas que evitam ver a realidade objectual circundante, fazendo uso de
sobre a vantagem do desenho
para desenvolver a capacidade de observação, desde tenra idade, pois desperta a aten-
ção para pormenores que de outro modo escapariam à criança, perspectivando a
supremacia do realismo intelectual sobre a perspectiva visual, correspondendo a uma
dissecação da realidade, através do desenho, produtora do conhecimento da realidade
que cerca a criança e que pode ser comparável ao uso da linguagem nos adultos. Nesta
fase precoce do desenvolvimento humano o papel do registo gráfico está mais próximo
da descrição escrita e, por isso, mais própria do trabalho do escritor do que da descrição
pictórica característica do trabalho do pintor, longe, portanto, das preocupações de efei-
tos visuais e de questões de claro-escuro, ou afins. Antes de desenvolver capacidades
narrativas e descritivas verbais, a criança encontra no desenho uma forma de expressão
e registo da descoberta do mundo, actividade que a criança continuará no jardim-de-
infância para ilustrar as histórias que ouve, ou os passeios que faça.
193 Luquet, G. H. Le Dessin Enfantin, Paris : Alcan, 1927.
176
artifícios que dispensam a observação intercessora do conhecimento Este paradigma
pedagógico não dá, assim, crédito, à opinião de Arno Stern sobre o assunto, que Widlö-
cher cita: “o desenho de observação deveria ser praticado tão profusamente quanto as
outras técnicas da educação artística”
Widlöcher estabelece uma relação estreita entre o desenho de observação e
a composição escrita, cabendo ao educador encorajar a expressão gráfica, tal como o
fará para a expressão oral ou escrita. Acrescenta que para que se verifique o desen-
volvimento global através do ensino, importa realçar o desenvolvimento da expressão
pela imagem que antecipa, impele e incrementa a expressão plumativa. O autor acusa
como principal responsável pela indigência da expressão que denomina literária, o
desenvolvimento passivo da recolha de imagem e texto, em prejuízo da expressão acti-
va, pois a criança que não desenha não aprende a ver, diminuindo, também, a pos-
sibilidade de desenvolvimento do processo criativo estendido às expressões oral e escri-
ta, mas a todo o conjunto curricular oferta de escola.
Thomas e Silk (1990)194
Thomas e Silk (1990) pretendem ir um pouco mais longe quando defendem
que ao benefício da experiência visual resultante da fruição de imagens feitas por tercei-
ros, há um acréscimo de benefícios para a criança quando é ela própria a desenhar.
Esses benefícios são de duas ordens, por um lado, verifica-se um efeito de ajuda no
desenvolvimento cognitivo geral e, por outro lado, ajuda a resolver problemas específi-
cos, que é o mesmo que dizer que ajuda a pensar. De acordo com as investigadoras
aqui citadas, embora reconheçam a dificuldade no estabelecimento de uma relação ine-
quívoca causa-efeito, acreditam ser possível determinar a verificação do primeiro bene-
fício ao nível dos desempenhos escolares em crianças, com consequente incremento da
reafirmam, com base em vários estudos sobre o
desenho infantil, que tal tarefa corresponde a uma realização complexa que compreen-
de uso cognitivo considerável, levando ao reconhecimento que o desenho enquanto
manifestação intelectual facilita a produção do pensamento. Como conferem as autoras,
e nós também já o referimos, Arnheim, reconhece a imagem como um meio facilitador
do pensamento, uma vez que a natureza deste é fundamentalmente perceptual, acei-
tando que a maior parte do pensamento envolve imagens. Tal facto implica para que se
verifique uma boa experiência visual, que seja fundamental a intervenção educativa,
como reitera Arnheim (1997).
194 Thomas, Glyn V. e Silk, Angèle M. J. . An Introduction to the Psychology of Children’s Drawings. Hertfordshire: Har-
vester Wheatsheaf, 1990
177
inteligência. A possibilidade de ocorrência do segundo benefício será semelhante à
sugestão que a escrita ajuda a sedimentar o pensamento, nomeadamente, em adultos.
Partindo do pressuposto, que a escrita é mais que a simples expressão de significados
verbais, à luz do próprio estruturalismo e, de forma ainda mais acentuada, no pós-
estruturalismo, podendo-se constituir como uma parte importante do processo de elabo-
ração do pensamento, facilitando a codificação verbal de ideias e informação, então o
desenho pode facilitar o pensamento que resulte de ideias codificadas através de ima-
gens.
Como lembram aquelas autoras, quem se dedique às engenharias ou às
artes, socorre-se, frequentemente, de esquiços, esboços ou mesmo desenhos para pla-
nearem e projectarem as suas obras, aliás, recorrendo a S. Y. Edgerton Jr, reafirmam a
evidência histórica, que muitas descobertas científicas e invenções técnicas se socor-
rem das aptidões para o desenho dos seus autores.
Howard Gardner ao relacionar a arte com o desenvolvimento humano, refere
que «o estudo sistemático do desenvolvimento humano começou há, aproximadamente,
dois séculos», destacando nessa pesquisa publicações de investigadores como Charles
Darwin, no século XIX, culminando no início do século XX com estudos de Gesell «em
que foram criados cronogramas para o aparecimento de uma ampla variedade de capa-
cidades humanas» (Gardner, 1997)195
Ainda de acordo com este autor, Piaget, também psicólogo do desenvolvi-
mento, apresenta já uma opinião diversa de Freud, em cujos escritos sobre as mudan-
ças da concepção infantil nas mais diversas áreas, alterna preocupações epistemo-
lógicas – relacionadas com o espaço e a causalidade, «com preocupações metafísicas –
moralidade e sonhos», mas tendo sempre como pano de fundo o seu interesse pelos
processos mentais relacionados com o pensamento científico, numa abordagem cogniti-
va do desenvolvimento, consignada numa série de estádios cronologicamente diferen-
ciados (Gardner, 1997). Muitos outros investigadores da área da psicologia do desen-
volvimento procuraram a conciliação da cognição com a afectividade. «Essas tentativas
. Apesar de Gardner, à luz da psicologia do
desenvolvimento, apontar algumas lacunas na teoria psicanalítica desenvolvida por
Freud, reconhece a importância do seu contributo «para elucidar o desenvolvimento da
vida “afectiva”, “emocional” ou de “sentimento” do indivíduo, particularmente, a relação
entre a experiência inicial e o carácter posterior e a relação entre a experiência psicos-
sexual e os processos cognitivos». (Gardner,1997).
195 Gardner, Howard. As Artes e o Desenvolvimento Humano, 1994.
178
sugerem que é mais provável conseguirmos a integração do afecto e da cognição se
buscarmos as actividades em que o sentir e o saber são reconhecidos como estando
entrelaçados, como as artes. Na minha opinião, qualquer análise psicológica das artes e
do artista pressupõe uma visão integrada do desenvolvimento humano.» (Gardner,
1994). Os estudos psicológicos sobre as questões estéticas realçam ora a obra em si,
ora a temática, ora o artista criador, ora, ainda, a audiência. No âmbito deste trabalho,
interessa-nos, sobretudo, discutir a vertente humana intrínseca à educação artística e
estética, também encarada como educação de comunicação e, por conseguinte, envol-
vendo o emissor e o receptor… a enfatização do emissor de acordo com uma orientação
psicológica centrada no artista, relacionada, especialmente, na prolixidade imaginativa.
Investigações recentes e significativas, próximas desta visão definem a criação artística
“como a capacidade humana de pensar divergentemente, de gerar novos usos para os
objectos, de combinar ou justapor duas noções, imagens ou habilidades previamente
existentes” (Gardner, 1997).
Seguindo a tese de Gardner, que concorda com Guilford, se é verdade que
todas as pessoas têm, pelo menos, traços desta capacidade, não é menos verdade que
os génios criativos a possuem em muito maior grau. Este autor levanta a questão da
confusão que se pode estabelecer em relação à criatividade artística e à científica, insis-
tindo na necessidade de reconhecer as diferenças e semelhanças dos produtos dos
artistas e dos produtos dos cientistas, nomeadamente através de processos que permi-
tam medir o potencial criativo. Howard Gardner aponta, ainda, o filósofo Cassirer e, em
especial, a sua seguidora Susanne Langer, que dão destaque a uma outra capacidade
mental, exclusivamente humana, e que consiste no emprego de formas simbólicas.
Defendem que o conhecimento humano não pode ser separado da capacidade de abs-
tracção, capturando e transmitindo o seu conteúdo através de sistemas simbólicos
expressos através de estruturas de linguagens formais ou naturais, ou da música, ou da
pintura.
Assim, as artes, têm a sua génese e evolução na construção da primeira
categorização generalizada que o homem primitivo faz a partir da sua experiência e
consegue, deste modo, transformar nos alicerces da sua linguagem, enriquecida com
mitos e rituais, numa tentativa de controlar os elementos presentes em cada nova expe-
riência, dando significado à vida privada e social, a partir da relação da consciência
colectiva com os objectos materiais. Também a ciência nasce da capacidade de conhe-
cer e simbolizar, mas procura modelos explicativos passíveis de serem expressos em
linguagens traduzíveis, segundo Langer, simbolismo “discursivo”, comparável ao sim-
179
bolismo “apresentacional” próprio dos produtos artísticos, que não pode ser traduzido
em termos de outros símbolos, devendo ser apreendida no seu todo, na sua forma origi-
nal. “As formas de arte tendem a ser apresentacionais, transmitindo o conhecimento do
artista da vida e do sentimento, ou, mais precisamente, a sua compreensão das formas
de sentimentos”. (Gardner, 1997)
Como observa Betty Edwards, corroborando, aliás, outros estudos, na fase
da vida correspondente ao fim da infância e início da adolescência, de um modo geral,
os alunos não aprendem a desenhar, face a uma forte relutância e auto-exigência que
não conseguem contornar, a que se acrescenta a acção dos professores com o intuito
de diminuírem a angústia que esta atitude de resistência provoca, dificilmente voltarão a
tentar aprender a desenhar em fases subsequentes da vida.
De acordo com Edwards196
• Fase das garatujas/rabiscos – em que provavelmente a forma circu-
lar será a mais comum correspondendo ao movimento resultante da
conjunção: ombro, braço, pulso, mão e dedos.
, uma forma de contornar este desconforto para o
desenho e que se prolonga ao longo da vida, consiste em perceber as etapas do desen-
volvimento gráfico-visual desde a infância à adolescência, dando particular relevo ao sis-
tema simbólico patente no desenho infantil e que se repercute nas aptidões artísticas na
adultícia e que a autora destaca do seguinte modo:
• Fase simbólica – resulta da aprendizagem construída através dos
rabiscos, a que a criança acrescenta a carga simbólica do ambiente
que a rodeia e a impressiona, correspondendo à primeira experiên-
cia/descoberta estético-artística, usando quase invariavelmente a
forma circular básica, a que acrescenta elementos complementares.
• Desenhos que contam histórias – os desenhos contam histórias e as
formas básicas sofrem ajustamentos para a adequação ao signi-
ficado que a criança quer expressar, nomeadamente, através da
diferenciação de medidas e proporções de acordo com o grau de
importância intrínseca. Expressão de sentimentos através do dese-
nho, dando forma a emoções imateriais.
• A paisagem – apetrechada com o conhecimento de um conjunto sufi-
ciente para construir uma paisagem, por tentativa e erro, repetem
incessantemente a mesma paisagem. Céu e chão limitam o papel, 196 Edwards, Betty. The New Drawing on the Right Side of the Brain
180
mais que o próprio horizonte, e uma certa versão estereotipada de
casa, são alguns dos exemplos de realização gráfica deste período.
• Fase da complexidade – procura de maior pormenorização, tentando
alcançar maior realismo, em detrimento das preocupações composi-
tivas da fase anterior, as preocupações de similitude sobrepõem-se
às da organização espacial; nos países de cultura ocidental é possí-
vel observar uma diferenciação temática de acordo com o género.
• Fase do realismo – exigência passional pelo realismo, representando
tal como a imagem é sugerida pela impressão na retina, devendo ser
feito um esforço para ultrapassar o paradoxo entre o que parece e o
que é, o conflito entre este processo ilógico e o conhecimento con-
ceptual e verbal. Faz aqui sentido a célebre frase de Picasso sobre a
mentira da pintura que nos diz a verdade. Edwards estabelece esta
necessidade de representar realisticamente, pois há uma tentativa
de aprender a ver e é neste esforço de aprendizagem que tem cabi-
mento, voltamos a referi-lo, o papel da educação dando resposta aos
anseios da criança para ver e desenvolver as suas aptidões para o
desenho.
Esta abordagem das diferentes fases do desenvolvimento gráfico, desde a
infância aos primeiros anos da adolescência, segundo o ponto de vista de Edwards,
procura ser uma forma de resposta à questão que ela própria lança sobre qual a razão
que leva alguém a ver tão claramente algo que seja capaz de o desenhar.
No processo de aquisição de um sistema simbólico, resultante da experiên-
cia, ou do conhecimento, e que vamos incorporando na memória, porque memorizado e
imanente ao próprio ser humano, pode, em qualquer momento, ser utilizado, para dese-
nhar ora paisagens que guardamos da nossa infância, ora rostos, ora quaisquer outros
motivos caros à pessoa, numa premissa dicotómica que de acordo, ainda, com
Edwards, se refere à crença ou não crença naquilo que se pensa ver, pois, nomeada-
mente, para esta autora, uma das questões relacionadas com a visão advém da capaci-
dade do cérebro para alterar a informação visual com o intuito de estabelecer um parale-
lismo entre a informação recebida e as concepções prévias (pré-conceitos), ou as cren-
ças individuais: componentes a que damos importância tendemos a vê-las maiores do
que na realidade são e, o inverso, para componentes a que damos pouco relevo, ten-
demos a vê-los menores do que na realidade são. Um outro efeito “perverso” entre o
181
que sabemos e o que vemos da realidade envolvente resulta da avaliação da proporção
em função da distância.
Considerando o que a experiência e os conceitos verbais memorizados
transformados em percepções visuais nos ensinaram em relação à aparente diminuição
das formas com a distância, tal como se constitui num dos princípios básicos da pers-
pectiva cónica ou central, se por ventura, alterarmos os pressupostos da relação entre
proporção e distância, mantendo, por exemplo, o mesmo tamanho a distâncias diferen-
tes, o nosso cérebro tende a ler a forma mais distante como muito maior que a mais
próxima, mesmo quando o observador tenha procedido a uma medida de verificação da
igualdade dos tamanhos. Este será, entre tantos, um dos exemplos em que a acção
educativa fará todo o sentido, em particular para advertir os estudantes menos avisados
para os “enganos perceptivos”, ou ilusões ópticas contidos, também, em certas repre-
sentações (Edwards, 1999, figs, pp. 164 e 165), à semelhança do que acontece com a
nossa própria imagem num espelho, aparentando uma escala de 1:1, quando na reali-
dade nos diz que a escala será 2:1.
Nas sociedades ocidentais tem vindo a cair em desuso o valor artístico da
caligrafia, valor assente em métodos de ensino específicos e muito próximos de alguns
métodos de ensino do próprio desenho, levando Edwards (1999) a questionar se a bela
caligrafia não será uma forma de arte que se foi perdendo em favor de formas de escrita
mais expeditas e mecânicas. Ao conteúdo e riqueza estilística da mensagem, passível
de suscitar emoções muito belas, acrescia a beleza material da própria escrita, que em
conjugação com a natureza do próprio suporte, da sua textura, quiçá, odor, ofereciam
toda uma envolvência sensitiva, que as novas tecnologias se têm encarregado, também,
de fazer decair a par de outras tradições, não apenas vitorianas.
Aliás, outra coisa não desejando que não seja a evolução do sistema educa-
tivo, acompanhando as rápidas mudanças tecnológicas e, por arrastamento, as menos
rápidas mudanças sociais, teremos de comungar do parecer de Ramos do Ó quando
diz: «a sedimentação histórica de um discurso coerente quer sobre o estatuto científico
da pedagogia quer sobre os fins do acto educativo moderno deve ser entendida no qua-
dro geral da secularização da moral e da expansão do princípio político do self-
government»197
197 Ó, Jorge Ramos do (2006). Os terrenos disciplinares da alma e do self-government no primeiro mapa das ciên-
cias da educação (1879-1911). Sísifo. Revista de ciências da educação, 1, pp. 127-138. http://sisifo.fpce.ul.pt (Con-
sulta em 10 de Agosto de 2008),
, cuja quota-parte, acreditamos, possa ser desempenhada e desenvolvi-
182
da no seio do processo educativo global, através do exercício do desenho, enquanto
tecnologia artística e educativa possibilitadora, como já vimos, entre outras, de aptidões
facilitadoras de autonomia criativa e de cidadania plena.
5.5.2. O Desenho como factor de desenvolvimento das capacida-
des estético-visuais
Já vimos que a educação desempenha um papel fulcral no desenvolvimento
do ser humano, contribuindo, entre outros aspectos, de forma decisiva para a sua auto-
nomização, para o desenvolvimento do seu sentido crítico, para a mobilização do pro-
cesso criativo propiciador da resolução de problemas nas mais diversas áreas da activi-
dade humana e, assim, facilitador da integração social tão plena quanto possível.
Também já percebemos que a educação artística, nomeadamente, através
do ensino do desenho, ajuda à concretização das metas educativas, tornando-as, ainda,
mais efectivas e mais globais, ao apetrechar cada um de nós com aptidões que facilitam
a nossa compreensão do mundo que nos rodeia, levando-nos a ver de um modo dife-
rente, percebendo como se organiza cada um dos elementos constitutivos de determi-
nada forma e, deste modo, sendo capazes de dar significação à informação recolhida,
somos também capazes de incrementar e melhorar a qualidade do conhecimento e,
num processo dialéctico, tornar a educação mais significativa.
No que ao desenho diz respeito compreendemos, até aqui, fundamental-
mente, a sua importância no processo educativo global, interessa-nos, agora, perceber
as suas implicações no desenvolvimento das capacidades estético-visuais.
No paradigma estético-artístico contemporâneo, como explica Edwards
(1999)198
198 Edwards, Betty. The new drawing in the right side of the brain .
, nem sempre são requeridas competências de desenho e a sensibilidade esté-
tica pode ter sido desenvolvida por outros meios que não os tradicionalmente proporcio-
nados pelos métodos básicos de ensino das escolas de arte. Reconhecendo que esta
falta de aptidão para o desenho não será tão generalizada como por vezes a arte expos-
ta parece fazer supor Edwards aconselha os seus jovens alunos a não recearem a
aprendizagem do desenho representativo, pois, adquirindo competências em desenho,
a aptidão básica para a arte, não sofrerão qualquer bloqueio criativo e não terão, neces-
183
sariamente, que ser produtores de arte pedante ou enfadonha figurativa, tal como nada
garante que, de modo inverso, não produzissem má arte abstracta. Para esta autora há
uma certeza, desenvolver as aptidões para o desenho nunca se constituirá num empeci-
lho, antes serão sempre uma mais-valia. Por outro lado, aprender a desenhar bem,
repete a autora, ajuda a ver daquela forma especial - epifânica - própria dos artistas,
independentemente do estilo que se escolha para expressar as emoções propiciadas
pela experiência do ver mais clara e profundamente, intensificando a sensibilidade esté-
tica. Se os meios de expressão visual, em particular, o desenho, intensificam o sentido
da visão, então para que tal propriedade se não perca, convém que nos dediquemos
continuadamente, como qualquer atleta, à prática do desenho, exercitando, concomitan-
temente, a visão de um modo cada vez mais aprofundado e sensível.
Há indícios da ligação da linguagem com o desenho, expostos por Edwards
(1986)199
Edwards na sua tese sublinha, também, tal como a aprendizagem e o uso
da leitura e da escrita não se destinam apenas à produção de peças de fino recorte lite-
rário, a educação da visão e a aprendizagem do desenho não têm, necessariamente, de
do seguinte modo: a experiência da visão através do desenho pode ser utili-
zada para fazer a clarificação do conceito de insight – a lógica racional analítica depen-
de do treino de competências verbais e numéricas, mas não das aptidões nem lógicas,
nem analíticas, por isso, fará sentido o treino prévio das competências perceptivas com
o intuito de desenvolver o processo criativo.
Esta exploração do paralelismo entre a linguagem e o desenho feita por
Edwards, torna-se ainda mais explícita quando é dado o exemplo de alguém que nunca
aprendeu a ler ou a escrever, mas que, no entanto, usa a linguagem na forma oral, para
comunicar com os outros, expressando os seus sentimentos, mostrando ao falar
«humor, flexibilidade e compreensão» (Edwards,1987). Contudo, é-lhe vedado o acesso
a textos escritos e à própria escrita, condicionando, por um lado, o acréscimo de conhe-
cimento e por outro, limitando a produção e a estruturação do próprio pensamento. Do
mesmo modo, alguém que não tenha educado a visão através do desenho, poderá ter
um sentido da visão apuradíssimo, poderá ter uma percepção visual muito forte, mas
nunca conseguirá ver do mesmo modo de alguém que aprendeu a ver através do dese-
nho, para lá da fronteira do imediatamente visível e perceptível, tal como não conseguirá
estruturar o pensamento da forma única que a percepção visual através do desenho
permite.
199 Edwards, Betty. Drawing on the Artist Within. 1987
184
ser exclusivas da produção artística. As aptidões perceptivas e verbais, antes de mais,
são importantes porque ajudam, repete-se, a estruturar o pensamento.
A autora questiona-se, portanto, sobre o modo como as aptidões verbais e
perceptivas se inter-relacionam de forma a participarem no processo criativo.
Como hipótese de trabalho, começa por fazer a separação de duas das
fases menos “misteriosas” do processo criativo: a saturação e a verificação. A saturação
correspondendo à recolha de informação, familiar aos estudantes que ao longo dos
anos vão procedendo a tal tarefa de modo tendencialmente mais proficiente sobre os
pormenores, factos e procedimentos alvo dos seus estudos. A verificação, também é
sobejamente conhecida, em particular, nos sistemas de ensino ocidentais, orientados
para o estabelecimento da demonstração conclusiva sobre as mais variadas matérias.
Além disso, estas duas fases ocorrem num ambiente de pensamento consciente, ple-
namente desperto, lógico e analítico, relacionado com a observação e a denominação
dos objectos e da realidade.
O pomo da discórdia pode estar contido nas fases da criatividade que para
Edwards encerram algum mistério (Edwards, 1987), pois, podem escapar ao enten-
dimento humano – o primeiro insight (ou revelação), incubação e iluminação – que
poderão ocorrer no inconsciente ou subconsciente, mais próximos dos conceitos de
imaginação e intuição e da forma de observar as coisas que Edwards apelida de manei-
ra de ver dos artistas e que, como já referimos anteriormente, passa pela passagem
para um estado de ligeira alteração da consciência, propiciador de uma forma de ver
única, caracterizado pela perda da noção do tempo, pela sensação de prazer, desem-
penhando a tarefa sem enfado, atingindo um estado próximo da revelação mística e que
mais não são, como também já vimos, alguns dos aspectos que constituem a chamada
experiência óptima ou experiência de fluxo, e que pode ser atingida/ facilitada pelo
desenho, entre muitas outras actividades desenvolvidas pelo ser humano.
Nesta experiência de fluxo estará a chave “heurística” da gramática lógico-
visual que permitirá compreender a estrutura das formas que compreendem a realidade
que nos circunscreve e onde se inclui a representação artística, mormente, através do
desenho. O papel da educação e dos educadores tem de passar pelo desenvolvimento
da globalidade das potencialidades do aluno, de acordo com as suas características,
185
integrando as competências verbais, simbólicas, lógicas, espaciais, relacionais e holísti-
cas (Edwards, 1999).200
A aprendizagem do desenho deve permitir ao aluno desenvolver todas as
capacidades que lhe permitam responder ao seu projecto, sobretudo, em correlação
com o seu projecto de vida, os seus pontos de vista e as suas convicções adquiridas e
pertinentes para a sua fase de desenvolvimento. A aprendizagem não poderá ser redu-
zida, para Molina201, à simples reprodução de modelos formais dominantes, antes impor-
ta incutir a necessidade de novas pesquisas construtoras de conhecimento e conducen-
tes, inclusivamente, à inovação técnica pessoal. Molina baseia a sua ideia do que seja o
desenho na definição de Bruce Nauman, que segundo ele acompanha toda a teoria do
desenho desde o Renascimento aos nossos dias: “desenhar corresponde a pensar”.
Racionalização que adquire corpo na conjugação da excelência perceptiva com o virtuo-
sismo manual, face à atribuição de significação estética da fracção espacio-temporal em
que se encontre o executante, condicionado, necessariamente, pelo modelo de ensino a
que esteja sujeito Se o método de ensino pode ser significativo no tipo de aprendizagem
que se faça, parece que todos confinam, afinal, na necessidade da educação do olhar,
independentemente do pendor mais emotivo ou mais objectivo do modo de desenhar,
«desenhando-se o que se observa e observa-se da mesma maneira que se desenha»
(Molina, 2003)202
Concluímos com a afirmação do próprio Speed: «devemos deplorar a
cegueira visual da maioria da população, quando a natureza se encarrega de oferecer
.
Releve-se que as capacidades estético-visuais desenvolvidas pelo desenho,
são o porto seguro onde chegam, como vimos, todos os autores que teorizaram sobre o
desenho. No entanto, os modos de ver diferem de geração para geração, de cultura
para cultura, de modelo para modelo, de acordo com a prevalência estético-cultural de
cada sociedade e do próprio momento que a mesma sociedade atravesse.
Molina, cita Harold Speed a respeito da relação entre o mundo visual e a
beleza, (Molina, 2003), «o mundo visível é como uma maravilhosa peça de roupa que,
de vez em quando, deixa ver um pouco mais, a verdade íntima que reside em todas as
coisas».
200 Edwards, Betty. The new drawing in the right side of the brain, 1999 201 Molina. Las lecciones del dibujo. 2003, 202 Molina, El Manual del Dibujo. 2003
186
às suas retinas, mesmo na pior das espeluncas, um festival de cor e forma, fonte cons-
tante de prazer para quem o souber ver», adiantando que «é privilégio do artista mostrar
quão maravilhoso e belo é este festival de cores e formas, levando as pessoas à como-
ção perante o seu trabalho e encorajando-as a poderem ver de igual modo o mundo à
sua volta. Este é o melhor argumento a favor da integração da arte na educação: ensi-
nar as pessoas a ver» (Speed, 1917).203
5.5.3. O desenvolvimento das potencialidades criativas em domínios não artísti-
cos
Aprendemos ao longo deste trabalho, com vários autores, mas sobretudo,
com Enfert que o papel do ensino do Desenho, para além da formação artística, tout
court, de arquitectos, pintores e escultores, tem correspondido à necessidade de respos-
ta de formação de operários especializados a quem lhes eram ministradas algumas
bases de educação estética, a educação do gosto, a par de princípios técnico-artísticos
relacionados com o desenvolvimento de aptidões manuais, intimamente ligadas a apti-
dões perceptivo-visuais, servindo as necessidades das mais diversas indústrias, desde
a área da ornamentação até ao mobiliário.
Com o fim da revolução industrial e consequente mudança de paradigma,
particularmente, sociocultural, mas também, com a incorporação das novas tecnologias
da comunicação no nosso quotidiano, parece fazer sentido que um novo olhar se dete-
nha sobre o papel do desenho na nossa vida, independentemente do relevo que tem
como tecnologia artística autónoma, com reconhecimento crescente na sociedade oci-
dental, bem como forma de estruturação e sedimentação do pensamento projectivo para
a substantivação de obra artística nas mais variadas tecnologias.
O relevo do ensino-aprendizagem do desenho nos nossos dias, para além
do supra-citado campo artístico, deve focar-se, dado o seu carácter único, na contribui-
ção para o desenvolvimento de competências do processo criativo em domínios não
artísticos. Tal contributo deve, em primeira instância, ser ministrado, no quadro do sis-
tema de ensino, nas aulas das áreas da arte-educação, como diz Arnheim, local privile-
giado para, com o bom senso de um bom e fiel «jardineiro, observar, ajuizar/avaliar e
203 Speed, Harold. The Practice & Science of Drawing. 1917
187
ajudar sempre que haja necessidade de ajuda»204
Concordando, em certa medida, com Arnheim está, como verificámos, a
tese de Edwards
, tirando partido do equipamento bio-
lógico que nos integra – a visão – que à luz da evolução tem o propósito de nos orientar
no ambiente que nos rodeia, facilitando a nossa própria sobrevivência. A visão não se
pode limitar à mera reprodução mecânica, pressupõe a ligação íntima à implantação
mental da memória e à formação dos conceitos.
205
A descoberta do mundo que nos rodeia e a aquisição do conhecimento que
nos permite lidar com ele tão proficientemente quanto possível, pluralizando a frequên-
cia das experiências óptimas poderá ser acometido à educação e aos educadores que
terão como um dos papeis a desempenhar junto dos jovens alunos, ajudar a descobrir a
heurética da globalidade lógico-visual, integrando no desenvolvimento do processo cria-
que reitera a necessidade de aprendizagem do desenho como parte
da educação da visão, em igualdade de importância com o ensino-aprendizagem da lei-
tura e escrita, como factores de estruturação do pensamento. Aliás, nesta linha de pen-
samento, e também já o fizemos notar no ponto antecedente, Edwards, faz o levanta-
mento do modo como as aptidões verbais e perceptivas, no todo que constitui o ser
humano, se organizam de maneira a participarem no processo criativo.
Assim, a demonstração da autora, passa pela divisão das fases do processo
criativo em duas categorias: uma que corresponde ao pensamento consciente, lógico e
analítico, relacionado com a observação e a conceptualização, correspondendo às fases
mais objectivas do processo criativo: a saturação e a verificação; a segunda categoria,
mais próxima da subjectividade do pensamento subconsciente ou mesmo inconsciente,
envolvendo a imaginação e a intuição, englobando as fases da revelação, incubação e
culminando na iluminação, apesar de encerrarem uma certa aura de mistério, são a
chave da conclusão feliz do processo criativo e pela sua natureza e com o devido treino
pode ser conseguida, como também já estudámos, quer deliberadamente, quer serendi-
picamente, constituindo a tal ligeira alteração do estado de consciência, conducente a
uma percepção visual peculiar, um dedicação tão profunda, entusiasmada e gozosa na
tarefa, que leva à perda da noção de tempo, ausência de cansaço ou enfado, caracterís-
ticas da experiência de fluxo e caminho para a felicidade tangível como objectivo primei-
ro da humanidade.
204 Arnheim, Rudolf. Thoughts on Art Education. 1991 205 Edwards, Betty. Drawing on the artists within. 1987
188
tivo, as competências verbais, simbólicas, lógicas, espaciais, relacionais e holísticas
(Edwards, 1999).206
Fryer
207 revela, com base em várias pesquisas, que o ensino-aprendizagem
da criatividade ajuda as pessoas a saírem de um estado de estagnação em direcção ao
progresso e isto é tanto mais importante quanto, num mundo em constante e acelerada
mudança a criatividade desempenha o papel único de fazer com que a realidade faça
sentido e que possa ser estabelecido o «equilíbrio entre o caos e a estagnação» (Fryer,
1996). Esta necessidade de ordenação é um estado a que se aspira universalmente e
que muitas vezes se alcança, como nota Arnheim208
Em suma, e socorrendo-nos, em particular, da abordagem de Edwards
(Edwards, 1987) ao defender a visibilidade dos pensamentos, em especial através do
desenho - forma de linguagem, imbuída de uma gramática simbólica - é passível de
intervir, no processo criativo, com a mesma respeitabilidade da linguagem escrita, ou da
linguagem oral, possibilitando o desenvolvimento das aptidões necessárias para a feliz e
proficiente intervenção nos mais diversos domínios das actividades humanas contribuin-
do, incontornavelmente, para o desejável acréscimo de qualidade de vida da humanida-
de, nesta Terra que nos suporta e abriga, como resultado, por ventura, da capacidade
de cada um de nós descobrir, ou ser levado a descobrir a verdade possível do caminho
. São cada vez mais as organiza-
ções empresariais que pretendem manter um status de modernidade que levam muito a
sério a investigação e o desenvolvimento da criatividade, como aptidão essencial para
desenvolverem novos mercados, reestruturarem a resposta a novas exigências e procu-
rarem novas oportunidades.
Ainda para Fryer, a preparação do futuro das crianças e jovens passa pela
formação baseada na criatividade, vista na sua globalidade, como um amplo espectro
de resolução de problemas, competências de práticas comunicacionais, competências
para aceder à informação, bem como aquisição de experiências que ajudem a pensar
com base em analogias, ou o encorajamento para a realização de actividades de imagi-
nação, entre outras. Existem, segundo Fryer, alguns facilitadores das capacidades de
resolução criativa de problemas, como sejam: as aptidões para trabalhar em equipa;
qualidades pessoais como sinceridade, entusiasmo, optimismo, flexibilidade e esponta-
neidade; características cognitivas relacionadas com a abertura a ideias inovadoras.
206 Edwards, Betty. The new drawing in the right side of the brain, 1999 207 Fryer, Marilyn. Creative teaching and learning. 1996 208 Arnheim, Rudolf. Para uma psicologia da arte. 1997
189
que pretende trilhar, num desígnio a que não nos podemos furtar, mas com vantagem
manifesta em relação às gerações que nos antecederam, levando na bagagem instru-
mentos/aptidões que nos capacitam a compreender e viver melhor no mundo que nos
cerca.
190
REFLEXÕES FINAIS
Segundo Janson209
• o sujeito emissor, o sujeito receptor, ligados por um sistema de codi-
ficação simbólico-linguístico;
, a utilização das mãos e o pensamento – para fazer
utensílios, associando a forma com a função, poderão marcar o início da história da
arte.Mas, marcarão, sobretudo, o processo cognitivo que preside à elaboração artística,
particularmente sob a forma de registos gráficos, como será o caso das gravuras e pin-
turas rupestres.
A origem mítica do desenho retomada por Alberti a partir de Plínio, remete-
nos para o desenho do contorno do apaixonado, feito pela filha do ceramista Butades de
Sicyone, que ao preservar a memória do amado, ilustra o papel do desenho como abs-
tracção da realidade percepcionada pelos sentidos, em que o cérebro humano permite a
identificação da representação bidimensional como substituto do modelo tridimensional.
Importa aqui considerar que a palavra Desenho lato-sensu, comporta e deli-
mita o próprio conceito, essência e existência, manifestando-se, usualmente, através de
um objecto. Não um objecto qualquer, capaz de ser explicado pelas quatro causas aris-
totélicas próprias da objectualidade – a causa motora, a causa formal, a causa material
e a causa final ou teleológica. Trata-se, antes de um objecto artístico, ou, se quisermos,
de um objecto estético, ou, ainda, de um objecto de comunicação, a que acrescem, em
concomitância:
• os materiais/utensílios utilizados em consonância com a metodologia
escolhida;
• o suporte,
• o registo;
• o tema.
O objecto artístico é um objecto de comunicação - Enquanto objecto de comuni-
cação poético-artística reflecte e é reflexo do mundo interior de quem o produz, mas
também, do mundo exterior que os circunscreve e, onde se incluem, obviamente, os lei-
209 Janson, H. W. – História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.
191
tores/receptores que os sabem saborear. O objecto artístico é uma janela aberta à exci-
tação dos sentidos, no prazer da plena fruição ao encontro de silhuetas, de cores, de
tons e de matizes em registos-motores ronronando sílabas doces em cada marca liber-
tada no acto criativo.
Uma vez que todo o processo de comunicação se fundamenta num sistema de
significação, é necessário identificar a estrutura elementar da comunicação. Mesmo que
a relação de significação represente uma convenção cultural, podem, no entanto, haver
processos de comunicação, aparentemente desprovidos de qualquer convenção signifi-
cante, nos quais ocorrem, apenas, passagens ou estímulos de sinais. Quando um índice
se torna um ponto de partida de um processo de significação, ele deixa de ser, apenas,
o resultado final de um processo comunicativo. Associado ao código, ocorrem pelo
menos quatro fenómenos diferentes: i) uma série de sinais, regulados por leis combina-
tórias, que constituem um sistema sintáctico; ii) uma série de conteúdos de uma possí-
vel comunicação, que constituem um sistema semântico; iii) uma série de possíveis res-
postas comportamentais por parte do destinatário, independentes do sistema semântico;
iv) uma regra que associa alguns elementos do sistema sintáctico a alguns elementos
do sistema semântico ou às respostas comportamentais. Essa regra estabelece que
uma dada série de sinais sintácticos se refere a uma dada segmentação do sistema
semântico; ou que tanto a unidade do sistema semântico quanto à do sistema sintáctico,
uma vez associadas, correspondem a uma dada resposta; ou que uma dada série de
sinais corresponde a uma dada resposta mesmo não se supondo que seja assinalada
alguma unidade do sistema semântico.
Se o desenho enquanto forma de conhecimento, é afectividade, isto é,
depende do significado que lhe atribuímos, importa gerar em quem produz objectos de
carácter artístico, quer nos próprios artistas, quer nos alunos que frequentam disciplinas
de âmbito artístico nos diversos níveis de ensino, quer em qualquer outra pessoa que
não esteja ligada à actividade artística e já não frequente a educação formal, a ideia da
construção dos significados, mas também, da simbologia, que lhes permitam desenvol-
ver instrumentos de avaliação consciente da realidade que os envolve na sociedade em
que se situam. As razões substantivas que levam a pessoa a produzir um objecto de
arte, à semelhança do que se passa com todas as acções levadas a cabo pelo homem,
resultam, tal como refere Miranda dos Santos, de quatro níveis de actividade relaciona-
dos com a afectividade. Assim, após a recepção da informação, actividade eminente-
mente cognitiva, o indivíduo faz a respectiva apreciação, isto é, a atribuição de significa-
ção, selecciona, decide e, finalmente, age em consciência plena, justamente, fundamen-
192
tado na atribuição de uma determinada significação. A Informação possui dois sentidos
fundamentais: a quantidade de informação que pode ser transmitida e a quantidade pre-
cisa de informação seleccionada que de facto foi transmitida. Nesse sentido, ela pode
ser conotada como a passagem, através de um canal, tanto de sinais que não possuem
função comunicativa, constituem apenas estímulos, como de sinais com função comuni-
cativa, isto é, que foram codificados como veículos de algumas unidades de conteúdo,
sendo assim, objecto de estudo da engenharia da transmissão da informação relativos a
processos pelos quais são transmitidos unidades de informação, não significantes
(puros sinais ou estímulos) e significantes (com finalidades comunicativas).
Importa, por isso, considerar o desenho, nas suas várias vertentes, como
aquisição técnica a par da aquisição intelectual, enquanto forma de conhecimento,
enquanto manifestação de actividade humana, forma de expressão, representação
peculiar do mundo que nos cerca, do mundo que, eventualmente, nos “impressiona”; o
porquê, o como e o para quê em tempos, culturas e lugares distintos. Interessa, tam-
bém, perceber que a afectividade é uma das mais importantes manifestações da mente
humana e, por conseguinte, condicionador da actividade humana; que o cérebro é a fon-
te do conhecimento; que este resulta da percepção do mundo de sensações em que
vivemos, e que tais sensações resultam das emoções. O que nos pode levar a pensar
que a afectividade é, também, racional, isto é, um acto cognitivo. Assim, podemos esta-
belecer a relação entre o desenho e a afectividade: o desenho, pertencendo, também,
então, ao domínio do afectivo, é uma actividade racional, é consciente e não feita de
acasos e, por isso, é uma actividade passível de ser aprendida e ensina como qualquer
outro domínio da vida humana. Como em qualquer outro processo educativo, o ensino
do desenho sedimenta-se e organiza-se de acordo com princípios e metodologias vali-
dadas ao longo dos tempos, em particular a partir do aparecimento das academias e
assunção social do desenho como actividade intelectual diversa do fazer mecânico.
Num tempo em que surgem com toda a pertinência investigações inequívo-
cas no sentido da valorização da emoção como contributo fulcral, como aliada inaliená-
vel do pensamento racionalizado, a escola parece, ainda, na prática, entorpecida na sua
actuação junto dos jovens alunos que a frequentam, parecendo não encontrar resposta
positiva e efectiva para o dictat legislativo, inovador é certo, mas sem reformulação con-
sentânea das estruturas edificadas, dos espaços lectivos e envolventes, mas também,
dos próprios curricula respondendo ao pós-modernismo psicossociocultural emergente,
em que, a par das competências cognitivas baseadas na inteligência formal, lógico-
matemática e linguística, de conformação social, importa apetrechar os futuros cidadãos
com ferramentas apropriadas ao bom desempenho pessoal e social, favorecendo a
193
auto-motivação para o desenvolvimento contínuo, para a auto-estima, para a criativida-
de, para a autonomia, para a necessidade de um despertar sensorial que faça apelo às
pulsões e às necessidades profundas do ser e que favoreça um conhecimento e reco-
nhecimento de si mesmo, para a auto-satisfação, enfim para o sucesso pessoal e social
conducente a uma sociedade mais justa, mais equilibrada, mais digna, livre e democrá-
tica.
Será, talvez, pelo recurso à prática do desenho, como linguagem, como
conhecimento e como meio de expressão que o ser humano poderá realizar a conquista
de si próprio. O objectivo continuará a ser o desenvolvimento da criatividade mais do
que a criação, o homem mais do que o artista, o cidadão mais do que o especialista. A
expressividade estará em íntima relação com o completo desenvolvimento do indivíduo,
causa e consequência da criatividade, da fantasia, da imaginação e da inventividade. A
relação intima entre o pensado e o feito.
Na escola não se ensina, ainda, a gerir as emoções. Na escola a criativida-
de ocupa, ainda, um lugar de somenos importância. E, no entanto, há autores que
defendem ser os artistas, entre outros grupos sociais, aqueles que, de um modo geral,
conseguem manter um nível de auto-satisfação e auto-estima, porquanto ao substanti-
varem na pedra, ou na tela as suas emoções, em criatividade, imaginação e fantasia,
ganham alento para produzir mais e mais, sobretudo, na busca do prazer anteriormente
experimentado, num processo de “bola de neve”.
Parece, pois, premente, aproveitar o legado das disciplinas da área das
expressões, em particular o desenho, para permitir incutir nos nossos alunos a auto-
motivação, a auto-estima, trazidas pela criatividade e que conduzam a situações de
aprendizagem que levem ao sucesso educativo real. Considerando que somos indiví-
duos em desenvolvimento permanente, baseados, é certo, nomeadamente, na carga
genética de que, também, somos feitos e nos diferencia dos demais, e do percurso que
escolhemos em cada momento, fruto mais da representação que fazemos do mundo
que nos cerca do que da própria realidade – “os meus olhos são uns olhos e é com
esses olhos uns que eu vejo no mundo escolhos, onde outros com outros olhos não
vêem escolhos nenhuns...” como tão bem diz António Gedeão.
Nesta ordem de ideias, facilmente se perceberá que alguém que se dedique
à produção de objectos artísticos, mas também, alguém que se dedique a fomentar a
produção de objectos de expressão, que se dedique a activar o desenvolvimento cogni-
tivo, a activar o desenvolvimento psicológico, a activar o desenvolvimento integral dos
nossos jovens concidadãos, através das mais diversas formas de expressividade, não
poderá deixar de ter em linha de conta que, com muito maior peso que a actividade
cognitiva baseada no registo da informação, urge, buscar a resposta no mundo da afec-
194
tividade. Afectividade em sentido amplo, naturalmente, não, apenas, na empatia desejá-
vel entre quem coabita um espaço comum, entre quem urde convivências, cumplicida-
des... afectividade, mais no sentido de deixar que os olhos vejam, aprendam, que o
coração se sobressalte, se excite, pelo prazer, pela beleza que nos envolve, enfim, pela
sensação, o tal “facto psicofisiológico provocado pela excitação dos sentidos”... e
depois, porque viu, porque sentiu, então que faça, deixando-se docemente guiar pelo
cavalo alado que dá pelo nome de Fantasia, montado na sela da Criatividade e segu-
rando as rédeas da Inventividade, voando ligeiro pelos campos da Imaginação.
E, deste modo, a partir do manancial imenso que o desenho nos permite,
alcançarmos tão frequente e intensamente, quanto possível, experiências de fluxo, que
nos ajudem a melhor lidar com o mundo exterior, repleto de sinais e símbolos que preci-
samos de saber descodificar, mas também, e não menos importante, a lidar melhor com
o mundo interior, por vezes intrincado e contraditório, que nos caracteriza.
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