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compilações doutrinais
VERBOJURIDICO
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MARÇO 2009
A NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISIVOS
NA ÓPTICA DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA
___________
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA
MESTRE EM DIREITO PELA FACULDADE DIREITO UNIVERSIDADE DE COIMBRA ADVOGADO
2 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
Título: A NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS
NA ÓPTICA DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA
Autor: Pedro António Maia Oliveira Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Advogado
Data de Publicação:
Março de 2009
Classificação:
Direito do Desporto / Direito da Concorrência
Sumário: O artigo que se segue, intitulado “A negociação centralizada de direitos televisivos desportivos na óptica do direito
da concorrência”, versa sobre a temática da venda/gestão centralizada de direitos televisivos de conteúdo desportivo à luz do direito da concorrência. Analisa-se, no fundo, o facto de diversas entidades desportivas criarem ou delegarem numa estrutura comum a transacção dos respectivos direitos televisivos, cuja titularidade lhes pertence. Realça-se, também, a especificidade do fenómeno desportivo, enquanto actividade económica, no que à aplicação do direito da concorrência diz respeito. O presente artigo constitui um excerto de uma dissertação de mestrado, aprovada por unanimidade na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a 19 de Dezembro de 2008, denominada de “Espectáculo desportivo e direito da concorrência: os direitos de transmissão televisiva de acontecimentos desportivos”.
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PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 3
A Negociação Centralizada de Direitos Televisos
Na Óptica do Direito da Concorrência ——
Dr. Pedro António Maia Oliveira
MESTRE EM DIREITO ADVOGADO
Introdução
O tema que se propõe tratar neste artigo versa, basicamente, sobre a relação entre a
gestão e/ou venda centralizada de direitos televisivos de conteúdos desportivos e o direito
da concorrência.
Não se poderá descurar a crescente importância do ponto de vista económico
conseguida pelo fenómeno desportivo, sobretudo nos últimos anos, algo que foi possível,
em grande medida, devido à “invasão” televisiva, ou melhor, ao aumento do interesse
pelos eventos desportivos por parte dos operadores televisivos.
O surgimento de novos emitentes de âmbito privado na área de difusão televisiva,
inclusive, de canais codificados ou por assinatura (pay-tv e pay-per-view) especializada na
transmissão de programas de conteúdo desportivo, levou a que houvesse um evidente
aumento da interpenetração/relacionamento entre o desporto e a televisão. As receitas
provenientes das televisões tornaram-se uma das principais fontes de financiamento do
fenómeno desportivo.
Se o desporto representa actualmente cerca de 3% do comércio mundial, deve-o
essencialmente ao financiamento proveniente dos operadores televisivos que adquirem os
direitos sobre os eventos desportivos aos respectivos titulares.
A televisão, para além do mais, é também responsável pelo facto de, na actual
civilização, o desporto ter uma importância sem paralelo1.
À medida que o desporto foi evoluindo tornou-se num fenómeno mediático, num
negócio, transformando-se, assim, numa indústria, numa actividade económica de relevo,
ou seja, numa área negocial cada vez mais apetecível2.
1 Cfr. JOÃO LEAL AMADO, “Desporto e Direito: Aversão, Indiferença ou Atracção?”, in AAVV, O Desporto Para Além do Óbvio, Instituto do Desporto de Portugal, Lisboa, 2003, p. 81. 2 Cfr. últ. A. e op. cits., p. 82.
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Presentemente, não se poderá contestar o facto de o desporto consistir num fenómeno
altamente comercial e profissionalizado, com a submissão deste a uma lógica empresarial,
como se pode, por exemplo, constatar com o facto de surgirem, neste sector desportivo,
sociedades desportivas, isto é, sociedades por acções, com espírito ou escopo lucrativo e,
algumas vezes, cotadas em bolsas de valores. No fundo, vai-se assistindo ao triunfo da
ideia do desporto como um negócio (sports business)3.
Esta profissionalização ou comercialização do desporto levou a que houvesse uma
maior incidência do fenómeno legislativo (juridificação) sobre ele. Pois, uma vez que se
trata de uma área económica importante, tornou-se imperioso existir sobre ele um conjunto
de regras que o regulassem, ou melhor, que enquadrassem as actividades dos diversos
agentes que gravitam sobre ele. Daí que o fenómeno desportivo, face a todas as
implicações que acarreta, não poderia ser abandonado às instituições desportivas e ao
autogoverno por parte dos órgãos que regem o desporto (federações)4.
Afirma-se, pois, que o sector desportivo está sujeito ao direito nacional e
comunitário, levando-se sempre em linha de conta as especificidades e características
próprias, algo que o ordenamento jurídico (nacional e comunitário) não pode menosprezar,
apesar da sua consideração como uma actividade de natureza económica5.
Uma das várias especificidades prende-se com a dimensão cultural e social do
desporto6. Uma vez que ao lado do desporto profissional existe o desporto amador,
praticado apenas de uma forma lúdica ou recreativa. Ou seja, as regras que impendem
sobre o desporto têm que atender a solidariedade que terá de existir entre o desporto
profissional e o desporto amador, a ideia de formação de jovens atletas e a igualdade de
oportunidades entre os diversos clubes.
Note-se que esta ideia social e cultural do desporto é, ademais das vezes, financiada
pelo desporto profissional, isto é, pelas receitas advindas ou provenientes do desporto
enquanto actividade económica.
Ora, se o desporto, sobretudo o de estrutura profissional, constitui uma actividade
económica, então pode suscitar problemas ao nível do direito da concorrência. Sendo
precisamente os direitos de transmissão sobre eventos desportivos aqueles que suscitam
3 Vide últ. A., op. e loc. cits.; Comissão Europeia, White Paper on Sport, de 11-7-2007, pp. 10 e ss.. 4 Cfr. últ. A. e op. cits., p. 85. 5 Cfr. JOSÉ LUÍS ARNAUT, “Independent European Sport Review”, 2006, pp. 92-108, in www.uefa.com, para maiores desenvolvimentos. 6 Para a Comissão Europeia, in White Paper on Sport, cit., p. 2, “Sport is a growing social and economic phenomenon which makes an important contribution to the european union´s strategic objectives of solidarity and prosperity”.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 5
uma análise mais cuidada neste domínio, já que estes possuem, dentro do fenómeno
desportivo, contornos mais comerciais.
Neste âmbito de análise da relação entre o desporto e o direito da concorrência,
nomeadamente no que concerne aos direitos de difusão televisiva de eventos de cariz
desportivo, há que, também, atender às especificidades do fenómeno desportivo.
Estas, como se poderá observar ao longo da leitura deste artigo, consistem, antes de
mais, na denominada “concorrência desportiva”, isto é, na interdependência entre clubes
ou atletas na organização de uma determinada competição. Outra dessas especificidades ou
características do desporto reside na necessidade de existência de um sistema de
solidariedade entre os diversos clubes, de forma a garantir uma maior competitividade
desportiva, aumentando, assim, a incerteza do resultado ou desfecho de um dado desafio
desportivo, incrementando-se simultaneamente o interesse por parte do público por essa
mesma competição. Em suma, o que se visa defender é principalmente a qualidade do
espectáculo desportivo, que constitui o requisito fundamental para se conseguir atrair
adeptos e patrocinadores7.
Realce-se o crescente interesse que o desporto vem a despertar na sociedade
hodierna, do ponto de vista social, cultural e, fundamentalmente, económico.
Parece, desta forma, ser de todo pertinente fazer uma abordagem da problemática do
fenómeno desportivo, mormente da transacção centralizada dos direitos televisivos que
sobre ele incidem, à luz do direito da concorrência.
Saliente-se que o presente constitui um extracto da dissertação de mestrado intitulada
“Espectáculo desportivo e direito da concorrência: a transmissão televisiva de
acontecimentos desportivos”, defendida a 19 de Dezembro de 2008, merecendo aprovação
unânime por parte do júri que integrou as respectivas provas finais de mestrado.
1. Aplicação das regras de concorrência ao Desporto
A política de defesa da concorrência não exceptua qualquer actividade económica do
seu âmbito de aplicação, sendo, por isso, aplicável a todos os sectores da actividade
económica. Assim, as regras da concorrência aplicam-se ao fenómeno desportivo8 9.
7 Vide Comissão Europeia, White Paper on Sport, cit., pp. 13-14. 8 Actividade económica consiste na actividade que envolva a produção ou a distribuição não gratuita de bens ou de serviços. Cfr. ANTÓNIO ROBALO CORDEIRO, “Breves notas sobre as relações entre o Desporto e o Direito Comunitário”, Desporto & Direito. Revista Jurídica do Desporto, Ano I, Nº 3, Maio - Agosto 2004, p. 541. 9 Diversos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) defendem precisamente que o Desporto dever-se-á submeter ao direito da concorrência, na medida em que constitua uma actividade económica. Como exemplos, existem os seguintes acórdãos: Acórdão Walrave e Koch, de 12 de Dezembro de 1974, Proc. 36/74, Colectânea 1974, p.
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Tendo presente a definição de empresa para efeitos do direito da concorrência, isto é,
qualquer entidade, independentemente do estatuto jurídico que adopte, que ofereça bens ou
serviços num determinado mercado, dever-se-ão considerar como empresas os comités
organizadores de uma prova internacional, bem como os clubes desportivos, de uma forma
mais marcante as SAD10 11.
Para além destes, existem outros agentes desportivos que também deverão ser
considerados empresas, designadamente: as federações internacionais; os fabricantes e
distribuidores de equipamentos desportivos; assim como os próprios atletas, com ou sem
contrato de trabalho desportivo12.
Como melhor se realçará adiante, o desporto não é, apesar de tudo, uma actividade
semelhante a qualquer outra, tendo, pois, as suas próprias especificidades e características,
que face a todas as outras a tornam numa actividade singular13. Por tudo isto, existem
várias situações às quais não se aplicam, na sua plenitude, as normas do direito da
concorrência. Assim, as regras do jogo; as cláusulas de nacionalidade referentes a
encontros entre selecções nacionais; as “quotas nacionais” relativas ao número de clubes
e/ou atletas por país nas competições internacionais; regras de selecção dos atletas,
elaboradas com base em critérios objectivos e não discriminatórios; regras que prevêem
períodos de transferência, desde que proporcionais ao fim prosseguido; regras de
organização do desporto numa base territorial; regras que visam a manutenção da incerteza
do resultado; direitos de exclusividade para uma única competição/época, de duração
necessária à implementação no mercado de um novo produto/serviço; regras que têm como
1405; Acórdão Doná, de 14 de Julho de 1976, Proc. 13/76, Colectânea 1976, p. 1333; Acórdão Bosman, de 15 de Dezembro de 1995, Proc. C-415/93,Colectânea 1995, p. I-5040; Acórdão Lehtonem, de 13 de Abril de 2000, Proc. C-176/96,Colectânea 2000, p. I-2681; Acórdão Deliége, de 11 de Abril de 2000, Procs. Conjuntos nº C-51/96 e C-191/97, Colectânea 2000, p. I-2549. Vide, ainda, Acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 30 de Setembro de 2004, Meca Medina, Proc. T-313/02, Colectânea 2004, p. II-3291. 10 Cfr. ALEXANDRE MIGUEL MESTRE, Desporto e União Europeia: Uma parceria conflituante? Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 129. 11 Os clubes são considerados empresas, por força das muitas actividades que exercem no mercado: venda de direitos de transmissão televisiva dos espectáculos que organizam; exploração de marcas; contratos de publicidade celebrados com empresas especializadas, bem como a venda ao público de ingressos nos recintos desportivos. Neste sentido, vide ANTÓNIO ROBALO CORDEIRO, últ. op. cit., p. 542. 12 Cfr. ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., p. 129. Relativamente às federações, vide, ainda, Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (1ª secção) de 9 de Novembro de 1994, Scottish Football Association c. Comissão, Proc. T-46/92, Colectânea 1994, p. II-1039. Por sua vez, no citado Acórdão Deliége, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias concluiu que a actividade profissional ou semi-profissional de judocas constitui actividade económica se efectuarem uma prestação de trabalho assalariado ou uma prestação de serviços remunerados; e se as actividades exercidas forem reais e efectivas e não de natureza tal que se possam considerar como puramente marginais ou acessórias; não excluindo essa caracterização a simples circunstancia de uma associação ou federação desportiva qualificar unilateralmente como amadores os atletas que dela são membros. 13 Para uma caracterização das especificidades do desporto profissional enquanto actividade económica, vide DIDIER PRIMAULT / ARNAUD ROUGER, “Economíe du sport professionel: entre solidarité et concurrence”, Revue Juridique et Economique du Sport, 1996, nº 39, pp. 33 e ss.. Tal como os referidos autores sustentam, é ao nível do correspondente processo de produção que se situa a verdadeira especificidade do espectáculo desportivo, o qual é marcado por uma dualidade básica: competição desportiva “versus” parceria económica.
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fim último a solidariedade entre clubes pequenos e grandes clubes, entre o desporto
profissional e o desporto amador14. Outras regras que escapam à aplicação do direito da
concorrência prendem-se com as normas relacionadas com a segurança, bem como as
normas anti-doping adoptadas pelo Comité Olímpico Internacional e pelas diversas
federações desportivas15.
Todo este conjunto de situações escapa à aplicação das regras do direito da
concorrência, por serem necessárias ao desenvolvimento estrito da modalidade desportiva,
por serem, no fundo, regras puramente desportivas. Aliás, a própria Comissão Europeia
defende que as disposições comunitárias não se opõem a regulamentações ou práticas do
sector desportivo justificadas por motivos não económicos e que a organização do desporto
é da competência dos Estados-membros e das organizações desportivas16.
Com efeito, a especificidade desportiva verifica-se quando estão em causa regras cuja
natureza é meramente desportiva, ou seja, de conteúdo que unicamente releva ao desporto
em concreto, sem qualquer relevância económica. Não havendo, pois, lugar à aplicação,
nessa medida, do direito comunitário (da concorrência) ao fenómeno desportivo.
2. A especificidade do fenómeno desportivo
Obviamente que, como foi salientado, o desporto é uma actividade económica que
apresenta as suas próprias especificidades, no que respeita à respectiva aplicação das regras
do direito da concorrência17.
Existe, em concreto, uma diferença entre a designada “concorrência desportiva” e a
“concorrência económica”. Toda esta especificidade dificulta a aplicação prática das
normas da concorrência ao desporto, como, muitas vezes, até se sugere que se afaste a sua
aplicação deste sector18.
14 Cfr. MICHAEL BELOFF, “The Sporting exception in EC Competition Law”, in European Current Law – Yearbook 1999, Sweet & Maxwell, London, , October 2000, p. 9. 15 Quanto à compatibilidade de normas anti-doping com os artigos 81º e 82º do Tratado CE, cfr. Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2004, Meca-Medina, cit., pp. II-3291 e ss. 16 MARIO MONTI, ex-comissário, clarificou, num Congresso subordinado ao tema “Governance in Sports”, realizado a 26 e 27 de Fevereiro de 2001, em Bruxelas, que as regras genuinamente desportivas não são, regra geral, objecto de aplicação das normas comunitárias da concorrência. 17 Para maiores desenvolvimentos sobre a especificidade do fenómeno desportivo, vide JOÃO LEAL AMADO, “Futebol Profissional e Futebolistas Profissionais (A peculiar lógica empresarial daquele e o estatuto jurídico deste) ”, Revista Jurídica de Deporte y Entretenimiento, nº 14, Año 2005, pp. 189-198 18 O Comité da Regiões defende que os clubes desportivos não são empresas e que as associações desportivas não são organizações industriais no sentido do direito económico, mas sim associações que desempenham determinadas missões públicas essenciais. Cfr. Parecer sobre o Modelo Europeu do Desporto, de 16 de Setembro de 1999, p. 11.
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É, sem dúvida alguma, difícil aplicar no âmbito desportivo o esquema de raciocínio
que subjaz às regras de protecção da concorrência, quer porque os clubes estão em
concorrência entre si – não apenas quando praticam a mesma modalidade desportiva, mas
também quando praticam modalidades diferentes –, quer porque estão em concorrência
igualmente com qualquer outra empresa de espectáculo e de prestações publicitárias,
compreendendo as empresas de televisão, que são, concomitantemente, as melhores
clientes no mercado de radiodifusão, como se realça adiante.
Outro dos aspectos em que se denota a especificidade desportiva é o facto de os
clubes estarem directamente interessados não apenas na existência contínua de outros
clubes, mas também na saúde financeira dos concorrentes desportivos, o que demonstra
que há aqui uma concorrência singular e paradoxal, pois a par do facto de pretender cada
clube terminar dada competição no cimo da tabela classificativa, por outro lado, tem um
relevante interesse que os outros clubes tenham solidez e bons desempenhos desportivos.
Uma vez que o sucesso de uma competição de cariz desportivo depende do facto de os
clubes possuírem solidez financeira e um naipe de praticantes/jogadores de qualidade.
Existe, pois, entre os vários clubes uma recíproca dependência19.
Por outro lado, o êxito de uma competição desportiva depende muito do interesse que
o público tem em relação à mesma. O respectivo interesse é tão mais elevado quanto maior
for o equilíbrio competitivo entre as equipas que disputam a competição, quanto maior for
a qualidade dos desportistas em confronto e, por conseguinte, quanto maior for a incerteza
do resultado final da contenda.
Mas também não se deverá olvidar que a componente emocional no desporto está
presente de uma forma inequívoca, pois os adeptos de um determinado clube ou selecção
nacional continuam a apoiá-los, independentemente de eventuais maus resultados ou
competições perdidas. Muito embora, o sucesso desportivo seja, muitas vezes,
determinante para despertar um maior apoio por parte dos apaniguados dos respectivos
clubes, o que vem a correlativamente trazer um maior sucesso financeiro. Sem dúvida que
um maior sucesso desportivo está intrinsecamente ligado a um incremento dos resultados
económicos e financeiros de um competidor desportivo, apesar de não existir
necessariamente um nexo causal entre o êxito desportivo e a ligação emocional dos
aficionados de determinado clube desportivo.
19 Cfr. ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, “Jurisprudência crítica. Caso Bosman: liberdade de circulação dos trabalhadores; regras de concorrência aplicáveis às empresas; jogadores profissionais de futebol (anotação) ”, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 37, Janeiro/Dezembro, Lisboa, 1996, p. 245.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 9
Por tudo isto, A. PAPELLARDO e N. PARASIS defendem que « la concurrence se
définit, en règle générale, comme la possibilité, qui s’offre aux consommateurs, d’opérer
un choix entre différents options. Or il nous semble clair que l’événement sportif, lié
comme il est par sa nature même, à un lieu déterminé, n’offre que de possibilités de choix,
dans le sens indiqué. Certes, les consommateurs se déplacent souvent, mais en général,
pour suivre l’équipe préférée ».20
Apesar de tudo o que foi referido, há a salientar o facto de as regras do direito da
concorrência se aplicarem ao sector desportivo, apesar de todas as particularidades e
características próprias desta actividade que foram enunciadas21.
Com efeito, a intenção da Comissão Europeia é a de distinguir e conciliar o mais
possível as regras da concorrência e a existência de uma política desportiva. Por isto é que
os ex-comissários VAN MIERT, M. OREJA e FLYNN definiram, nesta temática, cinco
princípios essenciais, a saber: o da salvaguarda do interesse geral face à protecção dos
interesses privados; a obrigação de actuação da Comissão Europeia nos casos em que haja
interesse comunitário; a aplicação, sempre que possível, da regra “de minimis” em relação
a acordos de importância menor dos quais não resulte uma afectação substancial do
comércio entre Estados-membros; a aplicação dos quatro critérios de autorização previstos
no antigo artigo 85º/nº3 do Tratado CE (agora, artigo 81º/nº3 do mesmo Tratado), tendo
sempre em linha de conta que se devem recusar quaisquer isenções aos acordos que
possam infringir outros dispositivos do Tratado CE, em particular os que consagram a livre
circulação dos desportistas; por fim, a definição dos “mercados relevantes” deve ter em
conta as regras gerais, mas adaptar-se às especificidades de cada desporto22.
Em suma, pode-se concluir que o desporto é uma actividade económica que apresenta
várias especificidades, dada a natureza peculiar e característica do fenómeno desportivo23.
Mas, apesar de tudo, defende-se a aplicação das regras concorrenciais ao desporto, tendo
sempre presente as respectivas especificidades e também a verificação dos cinco princípios
atrás enumerados, de forma a se poder conciliar e equilibrar a especificidade do desporto
com a necessária aplicação a este do direito da concorrência.
20 Vide A. PAPELLARDO / N. PARISIS, «Le Droit du Concurrence et le sport professionnel par équipe : quelques appréciations critiques sur la notion de marché en case en margé de l’affaire Bosman », Revue du Marché Unique Européen, 1/1996, p. 64. 21 Vide Documento interno adoptado pela Comissão Europeia a 24 de Fevereiro de 1999 – «Orientations préliminaires sur l´ application des règles de concurrence au secteur du sport », in http//www. europa. eu.int. 22 Cfr. ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., pp. 131-132. 23 Vide JOÃO LEAL AMADO, últ. op. cit., pp. 189 e ss..
10 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
Será, todavia, útil referir que LAURENCE IDOT defende, por seu turno, uma
aplicação modulada do ordenamento jurídico da concorrência ao desporto24.
3. As transmissões televisivas de acontecimentos desportivos
3.1. Os direitos televisivos sobre eventos desportivos e as regras de concorrência
As transacções de direitos televisivos de índole desportiva entre os respectivos
titulares e os operadores televisivos constituem actualmente, sem dúvida, uma das
principais fontes de receita do fenómeno desportivo25.
Sendo precisamente através deste tipo de receitas que o sector desportivo é encarado
como uma actividade económica, dado o elevado valor que atingem26.
O desporto, como actividade económica que é, de acordo com o Tribunal de Justiça
das Comunidades Europeias (TJCE), deve submeter-se ao direito comunitário, aplicando-
se este ramo do direito a todo o tipo de regulamentações emanadas de entidades de âmbito
desportivo, salvo as que são intrínsecas ao próprio desporto, isto é, regras relacionadas com
a particular natureza ou o particular contexto de certas competições de determinadas
modalidades desportivas.
No âmbito de aplicação das regras do direito comunitário ao desporto, as normas
comunitárias da concorrência assumem particular relevância, devido ao carácter
económico do sector desportivo.
Todavia, no que concerne à problemática da aplicação de regras da concorrência
comunitárias e nacionais à questão da transmissão televisiva de competições desportivas,
dever-se-á recorrer a um método casuístico, isto é, analisar a respectiva aplicabilidade
caso-a-caso, de forma a verificar, “in concreto”, se há ou não violação do direito da
concorrência.
Esta questão da relevância da aplicação do direito da concorrência à negociação de
direitos televisivos de conteúdo desportivo ganhou especial acuidade com o fim do 24 Para o citado autor: « à titre personnel, je considère que le sport, comme tous les outres secteurs économiques, doit âtre soumis aux règles de concurrence et que la prétendue exception sportive ne semble pas du tout justifié. Que l´applicabilité des règles de concurrence ne signifie pas condamnation de tous les accords et tous les pratiques et que l´on peut très bien envisager une application modulée des règles tenant compte des spécificités du secteur. C’est dans l´identification des raisons justifiant cette application modulée qu´il faut, nous-semble-t-il s´orienter ». Vide ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., p. 300. 25 Cfr. últ. A, op.e loc. cits. 26 Vide MASSIMO COCCIA, “Lo Sport in TV e il Diritto Antitrust”, Rivista di Diritto Sportivo, Anno LI, nºs 2-3, Aprile-Giugno / Luglio-Settembre 1999, p. 299.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 11
tradicional monopólio estatal no campo da radiotelevisão, com o correspondente
aparecimento dos canais privados e com o surgimento, também, de canais codificados
(Pay-TV e Pay-per-view TV) de âmbito desportivo27.
O direito da concorrência era algo que se pensava que estaria muito longe e afastado
do campo de jogo, da pista, do pavilhão, ou seja, do local em que se desenrole um evento
desportivo, sendo a partir da questão da negociação direitos de transmissão televisiva sobre
manifestações desportivas que se passou a recorrer ao direito concorrencial, de forma a
aplicá-lo ao fenómeno desportivo28.
Contudo, a relação entre o desporto e o direito “antitrust” não se configura fácil,
podendo ser considerado como um tema/problema relativamente recente. Embora, exista já
um considerável número de casos jurisprudenciais relacionados com a temática do
relacionamento desporto-concorrência, justificada, sobretudo, pelo tratamento da
problemática televisiva29.
Para se poder aferir da aplicação do artigo 81º do Tratado CE e do artigo 4º da Lei
nacional da concorrência no âmbito das transmissões televisivas de desporto, deve-se ter
em atenção que estas disposições aplicam-se, pois, às federações que emitem
regulamentações relativas à transacção dos direitos de transmissão televisiva sobre as
várias competições desportivas.
Devido à estrutura piramidal em que assenta o desporto a nível europeu, essas
regulamentações são emitidas por confederações mundiais, às quais as federações dos
vários países estão vinculadas.
Tais regulamentações podem-se traduzir em acordos entre empresas ou decisões de
associações de empresas, nos termos do citado artigo 81º do Tratado CE (e artigo 4º da Lei
nº 18/2003).
Pode-se considerar associações de empresas, para estes efeitos, as associações de
comércio cujos membros sejam outras associações de comércio. Assim, uma “federação de
associações” constitui uma associação de empresas. Com base nisto, as federações
nacionais configuram uma associação de clubes, logo as federações integram o conceito de
associações de empresas. Mas há que atender que nestas federações estão filiados clubes
amadores, que não exercem qualquer actividade de natureza económica.
27 Cfr. ROBERTO SIMONE, “Diritti Televisivi, Sport e “Siphoning Effect”: Tutela Degli Spettatori o Delle Emitenti En Chiaro?”, Rivista di Diritto Sportivo, Anno XLIX, nº 1, Gennaio-Marzo, 1997, pp. 47-49. 28 Vide ROBERTO PARDOLESI / CRISTOFORO OSTI, “Avvisi di Burasca: Antitrust e Diritti TV Su Manifestazioni Sportive”, Rivista di Diritto Sportivo, Anno XLIII, nº1, Gennaio-Marzo, 1996, p. 3. 29 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 300.
12 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
Deve-se, pois, entender as confederações desportivas como associações de empresas,
visto que são uma soma de clubes. Posto isto, as regras emitidas pelas federações são
“decisões de associações de empresas”, uma vez que traduzem uma vontade colectiva de
várias empresas (clubes) reunidas numa estrutura comum, de modo que todos os seus
membros tenham um comportamento unívoco.
Havendo uma expressa vontade da associação em coordenar o comportamento dos
seus membros relativamente ao mercado.
A afectação do comércio entre Estados-membros, na acepção do artigo 81º Tratado
CE, é um dos requisitos a ter em conta para que se possa verificar a violação desta norma
da concorrência. Neste campo, as regras onde algumas federações nacionais determinam
um sistema de gestão/venda colectiva de direitos televisivos são susceptíveis de afectar a
concorrência entre os participantes dessas competições e, também, entre os próprios
operadores televisivos. Uma vez que, por um lado, os grandes clubes obteriam um maior
volume de receitas se a negociação fosse individual e, por outro, os operadores televisivos
teriam uma maior facilidade de entrada no mercado dos direitos de difusão televisiva sobre
acontecimentos de natureza desportiva.
Todavia, tal centralização poderá ser compatível com as normas da concorrência
inscritas no Tratado CE, desde que se verifiquem cumulativamente os quatro critérios
enunciados no nº 3 do artigo 81º Tratado CE, de modo a que o nº 1 deste artigo legal não
seja aplicado.
Mas esta é uma matéria que, posteriormente, será alvo de uma análise mais
aprofundada.
No que respeita ao artigo 82º Tratado CE (correspondente ao artigo 6º da Lei
nacional da concorrência), há a considerar que uma empresa viola esta norma se ocorrer a
verificação cumulativa de duas condições: a empresa ocupar uma posição dominante no
mercado relevante em causa e, em segundo lugar, essa mesma empresa abusar dessa
posição dominante, agindo de forma anti-concorrencial.
Esta pode-se vislumbrar quando uma dada federação nacional adoptar uma venda
centralizada de direitos televisivos, já que os clubes nela filiados não terão outra opção
senão respeitar tal directriz. Logo, neste caso, as federações detêm um poder económico,
uma posição dominante, pelo que podem, eventualmente, abusar dessa posição dominante
que possuem na organização da respectiva competição e da sua gestão comercial30.
30 Neste sentido, vide M. BELOFF, T. KERR e M. DEMETRIOU, Sports Law, Hart Publishing, Oxford, 1999, p. 153.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 13
Apesar de tudo, é no artigo 81º Tratado CE que reside a maior área de actividade e de
incidência neste domínio da aplicação do direito da concorrência ao fenómeno da
transmissão televisiva de desporto, muito embora não se possa excluir a possibilidade que
o artigo 82º Tratado CE nos traz em relação àqueles casos de não-substituibilidade por
outros produtos ou serviços, sobretudo quando uma federação desportiva goze de um
monopólio, de um poder dominante de fazer as regras desportivas, mas que possuam,
concomitantemente, implicações comerciais directas, o que se verifica mais comummente
no domínio da negociação de direitos televisivos31.
Todavia, como já se referiu, é no artigo 81º Tratado CE que está focada a maior parte
da actividade de controlo, a nível concorrencial, da venda de direitos televisivos.
Neste domínio da aplicação das regras da concorrência ao sector desportivo, mais
propriamente às suas transmissões televisivas, existem três matérias, assuntos importantes
a tratar. O primeiro deles reside na exclusividade dos direitos de transmissão. O segundo
consiste na venda colectiva, na centralização da transacção desses mesmos direitos. Por
fim, o terceiro trata-se daquilo a que se pode denominar de “compra colectiva” de direitos
de difusão televisiva. Estes são os temas, as questões essenciais e mais relevantes, que se
propõe analisar ao longo desta dissertação.
4. A estrutura do mercado de direitos televisivos desportivos
O esquema em que se estrutura qualquer mercado relativo aos correspondentes
direitos televisivos de índole desportiva pode ser delineado de uma forma mais ou menos
semelhante àquela que a seguir será apresentada32.
A estrutura do referido mercado pode, assim, ser dividida em três níveis33.
No primeiro nível colocam-se os produtores do bem objecto do desfrutamento
económico primário, ou seja, os titulares dos direitos televisivos. Estes titulares são, como
adiante se focará, os organizadores dos eventos desportivos objecto da respectiva
transmissão televisiva. Que podem ser, como ocorre em alguns desportos, organizações 31 Cfr. STEPHEN WEATHERILL, “The Sale of Rights to Broadcast Sporting Events under EC Law”, The International Sports Law Journal, 3-4, 2006, pp. 11-12. 32 Para a avaliação dos respectivos efeitos anticoncorrenciais é fundamental realizar uma análise, quer ao mercado a montante (Upstream), isto é, ao mercado de compra e venda de direitos para a televisão de acesso livre, a televisão por assinatura e a televisão de pagamento por visualização (pay-per-view), quer ao mercado a jusante (Downstream), que consiste nos mercados em que os organismos de radiodifusão televisiva concorrem por receitas de publicidade que dependem das taxas de audiência e, no caso das televisões por assinatura ou de pagamento por visualização, do número de assinantes. 33 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., pp. 308 e ss., e R. PARDOLESI / C. OSTI, op. cit., pp. 7-8.
14 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
isoladas ou, então, os próprios clubes, que joguem no seu próprio reduto, visto serem estes
que acarretam e têm a seu cargo os custos inerentes à preparação e realização do evento
competitivo em que participam, que assumem o risco da gestão económica do respectivo
evento e, consequentemente, controlam o acesso do operador televisivo ao estádio ou
recinto onde se verifica a competição alvo de transmissão.
As próprias ligas, isto é, as associações que agrupam os clubes profissionais, podem
ser titulares originárias dos eventos que por elas sejam organizados.
As federações podem também, por sua vez, ser titulares dos direitos relativos a
determinados acontecimentos desportivos, em especial no que concerne aos jogos que
sejam disputados pelas selecções nacionais.
Todavia, as federações e as ligas não são, de um ponto de vista institucional,
realidades semelhantes, pois naquelas fazem parte não apenas os clubes profissionais, mas
todos os clubes de um determinado Estado ou país. Certos países, como são os casos de
Portugal, França ou Espanha, atribuem legislativamente às federações desportivas poderes
públicos, com as inerentes competências regulamentares e administrativas no campo da
respectiva modalidade desportiva. A UEFA, a nível europeu, e a FIFA, a nível mundial,
são, por seu turno, associações privadas de direito suíço, desenvolvendo funções
regulamentares e administrativas no futebol.
Em suma, neste primeiro nível encontram-se aquelas entidades (clubes, ligas e/ou
federações) que representam o lado da oferta no específico mercado dos direitos televisivos
de conteúdo desportivo.
Por sua vez, no segundo nível desta estrutura do mercado podem ser colocados os
emitentes/operadores televisivos, quer os canais livres (públicos ou privados), quer os
canais codificados ou por assinatura (Pay-TV e Pay-per-view). Ou seja, neste nível estão os
emitentes televisivos que, por um lado, adquirem das entidades do primeiro nível os
direitos sobre os eventos desportivos e, por outro lado, produzem a transmissão televisiva.
Estes operadores televisivos são o lado da procura do mercado da compra e venda de
direitos televisivos, constituem, no fundo, as entidades que proporcionam as receitas e o
financiamento aos titulares dos direitos televisivos sobre eventos/competições de natureza
desportiva.
No terceiro nível da estrutura do mercado em questão estão os consumidores. Para os
canais codificados, o consumidor final coincide com o assinante do serviço televisivo
proporcionado pelo mesmo canal, que pode adquirir apenas e só um evento desportivo
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 15
(Pay-per-view) ou, então, uma série de eventos mediante o pagamento de uma determinada
quantia pecuniária.
Por seu lado, nos canais de sinal aberto (de natureza pública ou privada) existe uma
relação de natureza triangular, onde se incluem as empresas que investem na aquisição de
tempo televisivo para promoção publicitaria e os telespectadores, que desfrutam de um
canal livre devido aos anúncios publicitários, ou melhor, às empresas que adquirem esses
espaços publicitários, cujo preço varia em função da audiência do programa televisivo.
Mas há que atentar ao facto de, em última análise, o consumidor pagar o preço da
publicidade, já que o correspondente custo se vai repercutir no preço final dos bens ou
serviços publicitados.
Realce-se ainda que entre o primeiro e o segundo nível, ou seja, entre os titulares dos
direitos de difusão e os operadores televisivos existem, frequentemente, intermediários ou
“brokers”, mais ou menos independentes, os quais adquirem e revendem os respectivos
direitos televisivos sobre acontecimentos desportivos34.35
5. A negociação centralizada de direitos televisivos no sector desportivo
Uma das questões mais importantes neste tema da aplicação do direito da
concorrência às transmissões televisivas de competições, acontecimentos na área
desportiva é, sem dúvida alguma, a venda/gestão centralizada de direitos de difusão sobre
espectáculos desportivos.
Os clubes desportivos podem acordar entre si a possibilidade de venderem
colectivamente alguns ou todos os direitos televisivos, cuja titularidade transmitem para a
Liga, na qual eles estão representados, ou, como acontece nalguns países, à respectiva
federação36.37
Num caso em que isto aconteça, os correspondentes regulamentos ou deliberações da
Liga podem ser encarados como meras decisões de “associações de empresas”, conforme o
34 Vide MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 314. 35 Do ponto de vista dos agentes económicos envolvidos, o mercado em apreciação pode se apresentar como grossista, caso a oferta seja constituída pelos titulares, originários ou substitutos, dos direitos de transmissão televisiva, ou como retalhista, se a oferta for constituída por agências ou intermediários, que adquirem tais direitos não para os emitir, mas para revender. 36 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 314. 37 A existência de um vendedor único pode ocorrer também quando exista um intermediário, que pelo facto haver conseguido reunir nas suas mãos um feixe de direitos adquiridos aos clubes através de negociação individual, comercializa os respectivos direitos no mercado retalhista.
16 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
disposto no artigo 81º/nº1 do Tratado CE e das equivalentes disposições presentes em
todas as leis “antitrust” nacionais38.
Estas práticas comerciais, que advêm da centralização, afectam a concorrência, tanto
do lado dos clubes intervenientes dessas competições desportivas, bem como do lado dos
próprios emitentes/operadores televisivos39. Assim, existe uma restrição da concorrência
entre os clubes competidores, pois, caso contrário, um clube de maior dimensão, isto é, um
clube desportivo com maior número de adeptos, sócios e/ou simpatizantes, como de
potenciais patrocinadores, poderia obter, indubitavelmente, superiores lucros financeiros
do que obtêm num “package deal”.
Por outro lado, sem esta centralização tornar-se-ia mais acessível a entrada no
mercado de novos operadores de televisão, para além daquele que detém os respectivos
direitos numa base de exclusividade40.
A compatibilidade de um sistema de venda/gestão centralizada com as normas da
concorrência pode ser conseguida desde que se verifiquem, num determinado caso
concreto, a existência cumulativa dos quatro requisitos ou critérios enunciados no artigo
81º/nº3 do Tratado CE e das equivalentes normas de concorrência nacionais. Terá, pois,
que ser preenchido um balanço económico para que se verifique a necessária inaplicação
do nº1. Neste caso, conceder-se-á tal isenção se se conseguir demonstrar que através de um
tal sistema, baseado na centralização da alienação de direitos televisivos, se consegue
atingir um mais amplo progresso técnico ou económico no fenómeno desportivo, mas terá
que caber aos respectivos clubes competidores uma parte equitativa do resultado de uma
tal prática centralizadora. Para além de ser mister que os eventuais ganhos de
produtividade daí resultantes se estendam ao consumidor final, isto é, ao telespectador
interessado num determinado programa de carácter competitivo/desportivo41.
Sob outro prisma, também se poderá defender que num caso de gestão colectiva de
direitos de difusão televisiva, as normas associativas que a prevêem impendem
directamente sobre os seus associados (clubes), que não têm outra alternativa que não seja
acatá-las, fazendo com que essas associações detenham, assim, um poder económico que
lhes permite abusar dessa sua posição dominante que efectivamente possuem, quer na
componente organizacional das competições desportivas, quer na exploração económica e
comercial das referidas competições.
38 Cfr. últ. A. e op. cits., p. 316. 39 Vide ALEXANDRE MESTRE, Desporto e União Europeia, cit., p. 133, e STEPHEN WEATHERILL, op. cit., p. 17. 40 Cfr. ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., pp. 133-134. 41 Vide últ. A. e op. cits., p. 134.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 17
Tudo isto pode levar a que, na prática, as associações de clubes (ligas ou federações
nacionais) adoptem e efectivem comportamentos de forma independente relativamente a
outras empresas que operam nos respectivos mercados relevantes, mormente os operadores
televisivos e os clubes. O que leva a que se possa sustentar que, caso ocorra a imposição de
um tal sistema de venda colectiva de direitos televisivos, se está perante um abuso de
posição dominante, interdito pelo artigo 82º do Tratado CE e das correspondentes normas
“antitrust” nacionais42.
Uma análise simplista de toda esta problemática levaria a que se afirmasse que a
melhor das soluções seria a de que os diversos clubes fossem operadores económicos
totalmente independentes uns dos outros e, portanto, em concorrência entre si para a venda
dos direitos televisivos sobre os seus próprios jogos. Efectivamente, esses acordos de
venda colectiva de direitos de difusão televisiva vêm reduzir ou eliminar a concorrência
entre os clubes e, ao diminuir o número de “actores”, de operadores económicos no
mercado do lado da oferta, a tendência será a de inflacionar o preço dos direitos a adquirir
pelos operadores televisivos, que se colocam no lado da procura no respectivo mercado.
Na verdade, se se adoptar a normal apreciação analítica de um qualquer outro sector
produtivo, está-se perante um caso paradigmático de ilegitimidade, nestes acordos de
centralização de venda de direitos televisivos. Tratar-se-ia, pois, de um cartel interdito
pelas normas da concorrência43.
Todavia, o sector desportivo é um sector em tudo particular, que merece algumas
considerações. Desta forma, a realidade é que, numa competição desportiva, um clube
sozinho não pode oferecer um espectáculo, necessita de pelo menos outro para disputar
uma partida. Além disso, ocorre considerar que uma grande parte do interesse dos
consumidores pelos jogos de um campeonato ou de uma taça decorre do facto de nessa
competição estarem inseridos um certo número de equipas, que de forma previamente
organizada vão competindo entre si para no final se conhecer a vencedora. Isto é, uma
grande parte do valor económico das transmissões de tais partidas advém do facto de as
várias equipas estarem incluídas no âmbito de um campeonato ou de uma prova organizada
por uma entidade competente para o efeito (ligas, federações, nacionais ou internacionais).
A prova de uma tal afirmação pode ser vislumbrada através da confrontação entre as
audiências televisivas e a venda de bilhetes relativos a encontros do campeonato ou da taça
com aquelas, notoriamente inferiores, relativas a partidas isoladas ou de carácter particular
42 Cfr. M. BELOFF, T. KERR e M. DEMETRIOU, Sports Law, cit., p. 153, e ROBERTO PARDOLESI / CRISTOFORO OSTI, op. cit., pp. 25-27. 43 Vide MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 136, e STEPHEN WEATHERILL, op. cit., p. 19.
18 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
ou “amigável”. Ou seja, o público interessa-se mais pelo desempenho das suas
equipas/clubes quando integrados numa dada competição (campeonato ou taça) do que
quando apenas compitam de uma forma isolada, isto é, não estando em causa a acumulação
de pontos ou a eliminação de adversários, com vista à vitoria desportiva nessa mesma
competição44.
Para ROBERT BORK, a propósito do carácter específico do desporto face a
quaisquer outros sectores de actividade económica, “some activities can only be carried
out jointly. Perhaps the leading example is league sports”45.
De facto, não se deverá confundir os comportamentos desportivos das sociedades
desportivas profissionais, que são necessariamente concorrenciais, com os comportamentos
económicos, que são coordenados. A isto designa-se de “cooperação necessária”46. Por ora,
sustenta-se que, para além da necessária cooperação entre os diversos clubes para
formarem e organizarem um campeonato, se se obrigar os clubes, por via judicial,
administrativa ou legislativa, a venderem os seus direitos televisivos de que são titulares de
uma forma separada, tal pode vir a ser encarado como que uma expropriação parcial dessa
mesma cooperação, que se revela na criação e organização de uma determinada
competição regular, com a necessária centralização da exploração comercial da mesma por
parte de uma única entidade agregadora dos vários clubes competidores.47
Contudo, importa precisar que esta “cooperação necessária”, isto é, a centralização da
transacção de direitos de teledifusão, apenas terá coerência se efectivamente todos os
clubes integrantes da Liga estiverem de acordo nessa gestão colectiva e, sobretudo, se se
demonstrar que a repartição dos lucros resultantes da venda colectiva é efectuada de uma
forma equitativa entre os diversos clubes nela integrados. De tal forma que os clubes
possam sustentar e demonstrar que o equilíbrio, resultante dessa repartição das receitas
provenientes da transacção dos direitos televisivos, contribui para o concomitante
desempenho desportivo e competitivo, de modo a aumentar a incerteza dos resultados das
competições e, também, para melhorar a qualidade do produto em benefício e no interesse
dos respectivos consumidores finais48.
Posto isto, mencione-se que esta centralização da gestão ou venda de direitos
televisivos sobre conteúdos essencialmente desportivos acarreta, sob o ponto de vista do
44 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., pp. 317-318. 45 Vide últ. A. e op. cits., p. 317, nota 51. 46 Ibidem, p. 319. 47 Ibidem, p. 319. 48 Ibidem, p. 323.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 19
direito da concorrência e das suas normas, um conjunto de vantagens e desvantagens, que
convém salientar.
Assim, as vantagens da efectivação de um tal sistema residem numa eventual redução
de custos na negociação dos correspondentes direitos televisivos, obtendo-se elevados
ganhos de eficiência49. Pois, deste modo, os clubes, ao delegarem na sua estrutura
associativa tal negociação, não terão de individualmente e cada um deles de negociar com
os vários operadores televisivos qual a melhor oferta, com vista a optimizarem os seus
lucros. Por outro lado, conseguem-se, com este tipo de sistema, vender jogos com menos
interesse para o público, beneficiando-se os clubes de menor dimensão e projecção social
ou mediática, obtendo, assim, maiores receitas com a alienação destes direitos televisivos.
Bem como a possibilidade de comercializar os encontros de uma competição como um só
produto, o que vem a agradar aos telespectadores que pretendem acompanhar da respectiva
prova e não apenas os desafios disputados por uma determinada equipa.
Quanto às desvantagens de um tal sistema centralizado, elas podem ser de vária
ordem. Assim, existe a possibilidade efectiva da ocorrência de uma cartelização, interdita
pelo nº1 do artigo 81º do Tratado CE e das correspondentes normas nacionais da
concorrência. Outro perigo para a normal e sã concorrência decorrente desta espécie de
sistema, ora analisado, pode advir da potencial existência de contratos coligados (“tying”),
onde se poderá verificar a possibilidade de se subordinar a celebração dos contratos à
aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua
natureza, ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses
contratos, tudo isto nos termos da alínea e’/nº1/artigo 81º do Tratado CE. Para além, por
fim, de haver a hipótese de existir um limite à produção (artigo 81º/nº1/alínea b’ do
Tratado CE), uma vez que um determinado operador televisivo ao adquirir, em exclusivo,
de uma entidade todos ou alguns dos jogos da respectiva competição, pode não ter espaço
televisivo para os emitir a todos, ficando alguns fora da programação televisiva, o que vem
a prejudicar os interessados nos referidos jogos, isto é, os telespectadores potenciais
consumidores deste tipo de produto televisivo.
Tudo isto pode também descambar e resultar, como já foi aduzido e realçado, num
possível e hipotético reforço da posição da empresa, do lado da oferta, que detém o
exclusivo de vender os direitos televisivos sobre a competição por si organizada,
originando um potencial abuso de posição dominante, conforme o disposto no artigo 82º
49 Mediante um «ponto de venda único» (one stop shop), em vez de diversas negociações separadas, o que vem a que se consiga uma maior eficiência económica.
20 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
do Tratado CE e correspondentes normas nacionais (artigo 6º da Lei da Concorrência
portuguesa)50.
Diversos são os casos em que esta questão da centralização da gestão/venda de
direitos televisivos foi analisada. Convém, pois, para ilustrar tudo o que anteriormente foi
destacado e focado, mencionar e escalpelizar esses casos e decisões atinentes a esta
problemática, ora em análise.
Assim, e posto isto, um dos casos mais significativos em toda esta temática é o caso
das transmissões televisivas das competições futebolísticas na Alemanha. Neste, a
autoridade da concorrência alemã interveio numa questão relacionada com a gestão
centralizada, por parte da Federação Alemã de Futebol (DFB), de direitos televisivos
relativos aos encontros internos dos clubes alemães participantes em taças europeias. Em
1994, o “Bundeskartellamt” estatui que a titularidade originária da exclusividade dos
direitos televisivos pertence aos clubes que organizam no seu próprio reduto o encontro
desportivo. Como consequência, de acordo com o artigo 1º da Lei alemã da concorrência
(Gesetz gegen Wettbewerbscharänkugen (GWB)), as normas, regulamentos ou deliberações
emanadas da respectiva federação, que impõe a centralização dos direitos televisivos na
sua alçada, são consideradas como decisões de uma associação de empresas, portanto
consideradas ilegítimas.
Em 1998, todavia, o Tribunal de Frankfurt julgou que, nesta situação, existia como
que uma espécie de contitularidade dos direitos televisivos entre o organizador do evento e
a federação desportiva, quando a prestação da mesma federação contribua, de uma forma
essencial, para a criação e valorização comercial do produto, que corresponde à própria
manifestação desportiva. De salientar que tudo isto teve como motivo a organização de um
campeonato de motociclismo51.
A DFB, para defender a centralização da venda de direitos televisivos, invocou, por
seu turno, perante a Comissão Europeia, após uma notificação, que a mesma não se
enquadraria no objecto do antigo artigo 85º/1 do Tratado CE, uma vez que os
consumidores, ou seja, numa primeira fase, os operadores de televisão, e, numa fase
ulterior, os telespectadores, estão interessados, de uma forma vincada, na projecção e
protecção do funcionamento de um campeonato.
Acrescentando, também, que não existia qualquer tipo de violação do direito da
concorrência, a nível comunitário52.
50 Vide ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., pp. 134-135. 51 Vide MASSIMO COCCIA, op. cit., pp. 304-305. 52 Caso IV/37.214, DFB, JO C 6, de 9 de Janeiro de 1999, pp. 10 e ss..
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 21
Numa apreciação preliminar, a Comissão Europeia concluiu que a venda exclusiva de
direitos de transmissão pela Liga de Clubes Alemã (DFB) era susceptível de provocar
restrições ao nível da concorrência entre os clubes/empresas da primeira e segundas
divisões de futebol masculino na Alemanha (Bundesliga e 2. Bundesliga), na acepção do
actual artigo 81º do Tratado CE.
O referido órgão comunitário considera que os compromissos entretanto propostos
pela Liga de Clubes parecem restabelecer a concorrência entre a Liga e os clubes, ao nível
da comercialização dos direitos relativos aos campeonatos de primeira e segunda divisões,
e permitem a introdução de novos produtos, particularmente com a marca dos clubes. Os
mesmos compromissos reduzem também o âmbito e a duração de futuros contratos de
comercialização e introduzem um procedimento de comercialização transparente e não
discriminatório. Para além de melhorarem o acesso ao conteúdo para as cadeias de
televisão e rádio e para os novos operadores no sector dos meios de comunicação social e
de assegurarem a disponibilização de um maior número de direitos no mercado,
contribuindo, deste modo, para a inovação e para reduzir a tendência no sentido da
concentração dos mercados dos meios de comunicação social.
Concluindo, assim, não existirem motivos para uma acção por parte da mesma
instituição, nos termos do nº1/artigo 9º do Regulamento (CE) nº1/2003 do Conselho.
Estes mencionados compromissos vinculam a citada Liga de Clubes de futebol
Alemã até 30 de Junho de 200953.
Por sua vez, na Holanda, como já foi focado, a negociação dos direitos televisivos
sobre as partidas de futebol do campeonato holandês pertence, de uma forma centralizada,
à respectiva federação desportiva, a KNVB. O Supremo Tribunal de Amesterdão veio a
afirmar que a titularidade originária dos direitos televisivos em meteria de futebol pertence
ao clube que joga em casa, isto é, no seu próprio recinto desportivo54.
Em Inglaterra, o “Office of Fair Trading”, um dos dois órgãos administrativos
britânicos que tutelam a concorrência, decide em 1996 em remeter a questão relativa ao
acordo entre a “Premier League” e as cadeias televisivas BSkyB e BBC para o “Restritive
Pratices Court”, argumentando que a venda colectiva de direitos televisivos, por parte da
Liga inglesa de futebol, podia fazer aumentar os preços dos mesmos direitos e reduzir a
escolha para os consumidores, para além de contribuir para reforçar a posição dominante
da BSkyB no mercado da Pay-TV.
53 Decisão da Comissão de 19 de Janeiro de 2005, JO L 134, de 27 de Maio de 2005, p. 46. 54 Acórdão do Supremo Tribunal de Amesterdão, de 8 de Novembro de 1996, citado in A.-M. WACHTMEISTER, op. cit., p. 19.
22 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
O “Restritive Pratices Court”, com a sentença de 28 de Julho de 1999, não acolheu,
contudo, a posição defendida pelo “Office of Fair Trading” e julgou que aqueles acordos
para a venda colectiva de direitos televisivos da “Premier League”, por serem restritivos,
não são, todavia, irrazoáveis e deverão ser declarados como não contrários ao interesse
público. Para este tribunal, o campeonato inglês é um produto unitário do grupo de equipas
reunidas na “Premier League”. Tal grupo, no caso de uma venda individual de direitos
televisivos, sofria um corte nos seus recursos financeiros e, portanto, da qualidade dos
jogadores das equipas desse campeonato face aos campeonatos nacionais dos outros países,
com prejuízo dos interesses dos consumidores britânicos. Além disso, a redistribuição
equitativa dos proveitos entre os vários clubes favorece o equilíbrio competitivo, o que faz
aumentar o interesse dos consumidores pelo produto em causa. Este sistema centralizado
permite, ainda, na opinião deste tribunal inglês, que a sua gestão seja menos custosa, ao
reduzir os “custos transversais”, sendo mais simples e controlada relativamente a um
sistema em que cada um dos clubes negoceia os seus direitos televisivos. Aliás, os clubes
integrantes do campeonato de futebol inglês preferem um tal sistema centralizado em
comparação com um outro sistema em que cada um deles receberia os seus próprios
proveitos, provenientes da alienação dos respectivos direitos televisivos, para depois os
colocar num pote, com vista a uma posterior redistribuição55.
Mais recentemente, a Premier League inglesa, que vendia pacotes de direitos de
direitos de transmissão por conta dos clubes às empresas de televisão da Grã-Bretanha e da
Irlanda, numa base exclusiva, foi alvo de uma investigação por parte da Comissão
Europeia. Deste modo, os clubes ficavam impedidos de venderem os seus direitos, mesmo
aqueles que não estavam incluídos nos pacotes. Dos compromissos que entretanto vieram a
ser impostos pelo referido órgão comunitário destaque-se: a criação de seis pacotes de
jogos equilibrados, representativos do conjunto da primeira divisão, não sendo um só
comprador autorizado a adquirir mais de cinco; as regras de organização dos leiloes serão
monitorizadas por uma entidade independente; por fim, maior abertura na comercialização
dos direitos multimédia e no reconhecimento dos direitos de difusão dos clubes56.
Até agora têm-se vindo a analisar casos, sobretudo, relacionados com o futebol, mas
a centralização da transacção de direitos televisivos verifica-se também noutros desportos,
como é o caso do campeonato do Mundo de Fórmula157.
55 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., pp. 306-307 e 318. 56 Cfr. CAROLINA CUNHA, op. cit., p. 27. 57 Vide ALEXANDRE MESTRE, últ. op. cit., pp. 162-164.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 23
A Comissão Europeia, a partir de 1994, iniciou uma investigação à organização e
funcionamento da Fórmula1, relativamente aos direitos comerciais sobre a competição
organizada pela FIA (Federação Internacional Automobilística).
Entre as regras emitidas por esta Federação e suas filiais (FOA e ISC) destacam-se as
seguintes: a participação no campeonato de Fórmula1 dependia de as equipas aceitarem a
venda colectiva dos direitos televisivos feita pela FOA, todos os anos, com cerca de 60
operadores televisivos espelhados por todo o Mundo, numa base territorial. O operador
televisivo do país organizador do respectivo Grande Prémio, com o qual a FOA acordara a
transmissão, em exclusivo, tinha as incumbências da filmagem e o tornar acessível aos
operadores de todos os outros países do sinal de imagem do evento automobilístico.
Para além de sobre esse operador pender a obrigação de transmitir tudo aquilo que se
considere conexo com tal acontecimento, quando este se realizasse no seu país, sem ter a
possibilidade de renunciar isto.
Previam, ainda, alguns acordos um desconto de 33% no preço a pagar pelo operador
televisivo caso este não transmitisse qualquer outra prova automobilista, que não fosse
organizada pela FIA.
Face a tudo isto, a Comissão Europeia, após uma investigação por esta encetada,
concluiu que existia um evidente conflito de interesses entre o poder da FIA de
regulamentar o respectivo desporto e a gestão dos seus interesses comerciais, sobretudo no
que concerne os direitos de âmbito televisivo.
Existia, pois, todo um quadro que era inaceitável do ponto de vista das normas da
concorrência, o que levou a que a FIA fosse notificada para terminar com o notório abuso
da posição dominante, que efectivamente detinha.
Por isto, a FIA acordou em ceder os direitos televisivos da Fórmula1 por um período
de 100 anos, para, assim, se evitar a concentração da organização da prova e dos
respectivos interesses de âmbito comercial nessa mesma federação. Tudo para evitar a
existência dos proclamados conflitos de interesses.
Acordou-se, por parte da FOA, em limitar a duração dos contratos de transmissão
televisiva em sinal aberto para três e cinco anos, consoante os operadores televisivos
fossem ou não os organizadores dos eventos, para além de aceitar suprimir todas as regras
que penalizassem os difusores caso transmitissem outras provas automobilísticas não
organizadas pela FIA58.
58 Em 13 de Junho de 2001 foi publicada a Comunicação apresentada pela Comissão sobre a sua posição favorável aos novos acordos, in JO C 169, p. 5.
24 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
Propositadamente, deixou-se para o final a análise daquele caso que merece uma
maior atenção, por ser aquele que, eventualmente, terá uma maior projecção mediática e
por estar em causa aquela que é considerada a prova rainha das competições europeias por
equipas organizada pela UEFA, que é a “Champions League”, onde está presente a nata, a
elite dos clubes de futebol da Europa59.
A UEFA detém, sem dúvida, um monopólio de facto sobre o mercado de direitos
televisivos, pois é ela a única entidade organizadora das competições europeias de futebol
e é, simultaneamente, aquela entidade que fica com os proveitos resultantes da negociação
dos mesmos direitos televisivos e dos acordos de patrocínio dos jogos da Liga dos
Campeões.
A UEFA solicitou um pedido de isenção, nos termos do nº3/artigo 81º do Tratado
CE, à Comissão Europeia, com vista à sua aplicação aos regulamentos relativos à
“Champions League”, de forma a obter o correspondente certificado negativo.
Invocando, para isso, todos os seguintes argumentos: a regulamentação da
“Champions League” prevê a redistribuição de grande parte das receitas pelos clubes
participantes, à parte de pequenos montantes destinados ao orçamento geral, a questões
administrativas e a medidas de apoio financeiro à formação e educação de jovens
futebolistas; outro argumento foi o de que a competição teve como criadora a própria
UEFA, com um formato distinto das identidades específicas de cada clube participante. Tal
identidade só foi possível pela centralização dos direitos comerciais, que redunda num
produto distinto que é apresentado a patrocinadores, operadores televisivos e espectadores;
a UEFA suporta os riscos financeiros decorrentes da garantida atribuição de um montante
pela participação nessa competição europeia de clubes, independentemente das receitas e
proveitos alcançados. Pelo que, a centralização contribui e reforça a solidariedade entre os
diversos clubes participantes, quer sejam mais ou menos fortes social e financeiramente;
por outro lado, existe uma clara maximização da racionalização da distribuição dos direitos
comerciais, uma vez que é realizada através de uma centralização que beneficia de forma
evidente os consumidores, que, desta forma, dispõem de um grande e variado número de
clubes de futebol a competir ao mais alto nível.
Em 2001, a Comissão Europeia enviou à UEFA uma comunicação contendo um
conjunto de objecções, que consistem, por exemplo, no facto de que uma exclusividade
durante um período relativamente longo (de vários anos) poderia ser encarada como
violador do direito da concorrência. Indicando, também, que o sistema deveria melhorar
59 Caso IV/37.398, JO C 99, 10 de Abril de 1999, p. 23.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 25
em relação à cobertura dos principais eventos futebolísticos europeus, para que o público
do desporto europeu beneficie de uma maior cobertura.
A referida instituição comunitária alerta para que os custos de acesso aos direitos
televisivos relativos aos jogos de futebol dessa competição estejam em patamares
razoáveis. Pois, se a UEFA aliena todos os direitos de difusão televisiva a preços elevados
apenas os maiores grupos mediáticos, ou seja, as cadeias de televisão com maior poderio
financeiro teriam a possibilidade de adquirir e, consequentemente, transmitir o pacote dos
direitos televisivos, o que vem a restringir a procura, por parte dos operadores televisivos,
dos mencionados direitos.
Havendo, claramente, o perigo do entrave na utilização das novas tecnologias, pois as
partes podem estar renitentes em enveredarem pelas novas modalidades de transmissão do
futebol, fruto de um eventual défice de concorrência.
Deste modo, o facto de a UEFA vender todos os direitos de transmissão televisiva da
suprareferida competição europeia de futebol num único pacote a uma entidade difusora,
de uma forma exclusiva e por períodos de até quatro anos, para além de que nem todos os
jogos seriam transmitidos em directo pela televisão, seria algo que poderia violar o direito
da concorrência.
O sistema centralizado da transacção de direitos pela UEFA possuía, desta forma, o
efeito negativo de restringir a concorrência entre canais/operadores televisivos.
Devido a todo este conjunto de objecções que foi levantado pela Comissão Europeia,
a UEFA veio a propor um renovado sistema de venda em conjunto, de forma a satisfazer as
preocupações do órgão comunitário, e que vigora desde a época 2003/2004. Assim, este
novo sistema consiste, essencialmente, no seguinte: a UEFA continua a comercializar de
forma centralizada os direitos de transmissão directa pela televisão dos encontros de terça e
quartas-feiras à noite. Os principais direitos serão repartidos em dois pacotes de direitos
distintos (os pacotes de “ouro” e “prata”), dando aos canais televisivos vencedores o direito
de escolher os dois melhores jogos. A UEFA, inicialmente, terá o direito exclusivo à venda
dos direitos remanescentes de transmissão em directo dos jogos da Liga dos Campeões,
contudo, se a UEFA não conseguir vender este pacote de direitos de “bronze” dentro de
determinado período, os clubes participantes terão a possibilidade de poder comercializar,
eles próprios, os desafios.
O novo sistema de venda vem a proporcionar igualmente oportunidades aos novos
operadores de meios de comunicação social, como a Internet e serviços de telefone móvel,
através da tecnologia UMTS; para além de que os clubes têm o privilégio de ter o direito a
26 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
explorar os direitos de transmissão televisiva em diferido e utilizar o respectivo conteúdo
em termos de arquivo, de forma a poder produzir vídeos, proporcionando, deste modo, aos
seus adeptos uma oferta de melhor qualidade e mais diversificada. Por fim, a UEFA
comprometeu-se a não vender por um período superior a três anos, através de concurso
público, os seus direitos de difusão televisiva, o que vem a permitir que todos os
operadores televisivos interessados apresentem a sua proposta.
Este novo sistema vem, assim, possibilitar que os clubes possam alienar,
transaccionar os direitos de transmissão directa a canais de sinal aberto, sempre que não
exista uma oferta razoável da parte de um canal de sinal codificado ou por assinatura.
A Comissão Europeia tomou, com base no que se acaba de expor, uma decisão final
no sentido de isentar, entre 13 de Maio de 2002 e 31 de Julho de 2009, o novo sistema de
venda conjunta, pela UEFA, dos direitos de transmissão sobre a Liga dos Campeões, nos
termos do nº3/artigo 81º do Tratado CE. Permite-se, deste modo, que a UEFA continue a
negociar os referidos direitos de difusão sobre a mencionada competição futebolística60.
MARIO MONTI, comissário da concorrência, à época, salienta: “Este resultado
positivo mostra que a comercialização dos direitos de transmissão de futebol pode ser
tornada compatível com as regras da concorrência da União Europeia, sem pôr em causa a
sua venda através de um organismo central, em benefício de todos os interessados neste
desporto”61.
Depois desta exposição e análise de casos relativos à centralização da venda de
direitos televisivos no sector desportivo, saliente-se, em jeito de conclusão, que este
sistema de venda em conjunto numa base exclusiva pode ter como efeito a restrição da
concorrência, uma vez que, potencialmente, reduz a oferta e limita a concorrência pelos
preços. Além de poder vir a reforçar a posição das empresas de televisão marcadamente
estabelecidas no mercado, já que são as únicas a dispor de capacidade financeira para
ganhar os concursos relativos à aquisição dos correspondentes direitos televisivos.
Todavia, apesar de tudo o que foi realçado, ter-se-á que atender à especificidade, às
características próprias do fenómeno desportivo e à própria “concorrência desportiva”. O
que vem a revelar que o espectáculo desportivo pode retirar dessa centralização dos
direitos um importante contributo62. Sobretudo, se de tal sistema colectivo resultar um
conjunto de receitas para posterior redistribuição entre os clubes mais ricos e os mais
pobres, participantes na competição desportiva, algo que vem a assegurar, 60 Decisão da Comissão de 23 de Julho de 2003, JO L 291, de 8 de Novembro de 2003, pp. 25 e ss.. 61 Vide Comunicado da Comissão nº IP/03/1105 de 24 de Julho de 2003. 62 Vide, quanto à especificidade desportiva neste domínio, JOSÉ LUÍS ARNAUT, op. cit., pp. 42-45 e 105-106.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 27
indubitavelmente, um maior equilíbrio de forças em competição e a aumentar, de forma
inequívoca, a tão almejada incerteza dos resultados finais, que constitui o verdadeiro ponto
de interesse do público pelo fenómeno desportivo63. Aliás, esta ideia de redistribuição das
receitas, bem como o assegurar dos necessários mecanismos de solidariedade, é uma forma
de atenuar o desequilíbrio financeiro entre os vários clubes competidores.
Nas Conclusões do Conselho Europeu de Nice afirma-se, de forma expressa, no
ponto 15, o contributo de um tal sistema de redistribuição de proveitos como forma de
cimentar a solidariedade financeira entre desportistas profissionais e amadores, na
formação dos jovens e na promoção de actividades desportivas para a população em geral.
Aconselha-se as organizações e os Estados-membros a estabelecerem fundos de
mutualização, de forma a permitir que as receitas dos direitos televisivos beneficiem a
prática desportiva.
Se, à primeira vista, a centralização encerra efeitos anti-concorrenciais, por afectar o
preço que os operadores televisivos estão na disposição de pagar, assim como o de vedar o
acesso ao mercado das novas tecnologias. Porém, destaque-se a possibilidade de existirem
casos onde o sistema centralizado ou colectivo de venda de direitos de difusão não viola as
necessárias normas/regras da concorrência. Tal sucederá, por exemplo, quando estejam e
se encontrem cumpridas as condições cumulativas referidas no nº3/artigo 81º do Tratado
CE, e nas equivalentes normas presentes nas diversas legislações de âmbito nacional de
protecção da concorrência. Assim, sendo o desporto um conteúdo essencial para a televisão
e particularmente para os canais por assinatura, tal disposição permite que a Comissão
Europeia isente alguns acordos restritivos se estes contribuírem para “melhorar a produção
ou distribuição dos produtos ou para promover o progresso económico, contanto que aos
utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí resultante”. Ou seja, para efeitos
da centralização da alienação de direitos de transmissão televisiva sobre acontecimentos de
carácter desportivo, existirá uma inaplicabilidade do nº1/artigo 81º do Tratado CE, por
força do nº3, se se demonstrar, inequivocamente, que tal sistema é benéfico para uma
melhoria da produção ou da distribuição do produto em questão, incrementando o
progresso do sector desportivo, técnica e economicamente, desde que aos clubes se atribua
uma parte significativa dos proveitos dele resultante. Tendo que existir, em tudo isto, um
evidente nexo de causalidade entre a centralização da venda e o progresso para o desporto
em geral e para os clubes competidores em particular64. Não se poderá, neste caso, também
63 Cfr. MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 333. 64 A Comissão Europeia defende: “The application of competition provisions of the EC Treaty to the selling of media rights of sport events takes into account a number of specific characteristics in this area. Sport media rights are
28 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
esquecer o consumidor final do produto, pois é imperioso que tais ganhos de produtividade
se repercutam no consumidor, no telespectador interessado no respectivo evento
desportivo, a ser transmitido pela televisão.
Em suma, tal sistema centralizado, para que possa ser beneficiado com uma isenção
(nº3/artigo 81º Tratado CE), terá forçosamente de respeitar os interesses das estações
televisivas, dos clubes, dos adeptos e dos consumidores do produto objecto de uma
transmissão via televisão.
5.1. Análise do sistema de transacção centralizada de direitos televisivos sobre
eventos desportivos nos Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos, a Lei mais importante e fundamental do direito “antitrust” é o
Sherman Act. Esta lei proíbe e interdiz dois tipos de condutas. A sua primeira secção
proíbe todo o acordo entre empresas que possa restringir a concorrência, enquanto que a
segunda secção proíbe a monopolização, isto é, a aquisição ou a intenção de adquirir o
poder de mercado, por meios distintos ao que se possa considerar como uma actuação lícita
entre empresas65.
Em relação ao tema deste artigo, isto é, a aplicação do direito da concorrência às
transacções de direitos de transmissão televisiva sobre acontecimentos de natureza
desportiva, a realidade dos Estados Unidos apresenta claras particularidades face à situação
vigente na Europa, sobretudo no seio da União Europeia.
Assim, nos Estados Unidos, o Sports Broadcasting Act, de 1961 e de 1966, concedeu
ao desporto profissional um estatuto derrogatório relativamente à aplicação do Sherman
Act, de forma a permitir a uma liga de clubes comercializar os direitos de difusão televisiva
sobre a correspondente competição desportiva, em representação dos clubes nela
integrantes. Confere, pois, uma isenção, por via legal, à comercialização face ao direito
“antitrust”, isentando a aplicação deste ramo de direito à transacção daquela espécie de
direitos de difusão televisiva66.
A Sports Broadcasting Act (15 U.S.C. §1291, et seq.) essencialmente consiste em
duas diferentes e distintas disposições, a primeira decretada em 1961 e a segunda em 1966. sometimes sold collectively by a sport association on behalf of individual clubs (as opposed to clubs marketing the rights individually). While joint selling of media rights raises competition concerns, the Comission has accepted it under certain conditions. Collective selling can be important for the redistribution of income and can thus be a tool of achieving greater solidarity within sports”. Vide Comissão, White Paper on Sport, cit., p. 17. 65 Cfr. ALFONSO RINCÓN GARCIA LOY GORRI, “La Regulación por las Ligas Americanas de las conductas de los Equipos bajo la optica del Derecho Antitrust”, Revista Jurídica del Deporte y Entretenimiento, nº 17, Año 2006, p. 262. 66 Cfr. ALEXANDRE MESTRE, Desporto e União Europeia, cit., p. 146.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 29
A primeira destas disposições, que isenta alguns acordos que visam a reunião dos clubes
profissionais de futebol americano, basebol, basquetebol ou hóquei no gelo, de forma a
venderem os seus direitos televisivos em pacote, foi aprovada como resposta a uma decisão
judicial que envolveu a NFL (National Football League)67.
Este Sports Broadcasting Act isenta os acordos entre os clubes membros das ligas
profissionais de “baseball”, “basketball”, “football” ou “hockey” para centralizar, reunir
os seus direitos televisivos, de forma a vendê-los em pacote aos emitentes televisivos.
As razões que levaram o Congresso Americano a emanar esta Lei em 1961 foram,
sobretudo, a de assegurar aos clubes mais débeis uma possibilidade de entrarem no
mercado televisivo de uma forma relativamente equivalente a qualquer dos clubes mais
fortes e, também, a de contribuir, deste modo, para manter a elevada qualidade do produto,
para agrado dos consumidores, assegurando-se o equilíbrio competitivo entre os vários
clubes, incrementando-se a incerteza do resultado final de cada competição de carácter
desportivo68.
No fundo, o que esteve na origem desta lei americana, no que diz respeito à isenção
da aplicação das normas “antitrust” face aos acordos estabelecidos entre os vários clubes
membros de uma das previstas ligas profissionais, com vista a uma venda centralizada dos
direitos de teledifusão desportiva, foi o de assegurar a existência de uma efectiva
solidariedade entre os clubes mais fortes e os clubes financeiramente menos apetrechados,
visando-se, assim, conseguir um maior e mais amplo equilíbrio desportivo e competitivo69.
A segunda disposição do Sports Broadcasting Act foi aprovada, por sua vez, para
permitir a fusão da AFL (American Football League) e da NFL (National Football League)
numa única liga, que opera com a última designação, ou seja, NFL.
Conclui-se, desta forma, que as realidades entre os Estados Unidos e a União
Europeia são diferentes, no que respeita à aplicação das regras de concorrência à
comercialização de direitos televisivos sobre eventos desportivos, nomeadamente no que
concerne ao tema da venda/gestão centralizada dos referidos direitos. Enquanto nos
Estados Unidos existe uma lei que previamente determina uma isenção, no domínio
concorrencial, em relação aos acordos entre clubes, que decidem enveredar pelo sistema
centralizado de negociação de direitos, na Europa, existe, como se mencionou, o artigo
81º/nº3 do Tratado CE, que permite, verificados, de forma cumulativa, os respectivos
requisitos e condições, a Comissão Europeia conceder uma isenção casuística a 67 Vide MICHAEL J. COZZILIO / MARK S. LEVINSTEIN, Sports Law, Cases and Materials, cit., p. 279. 68 Vide MASSIMO COCCIA, op. cit., p. 324. 69 Cfr. últ. A. e op. cits., p. 324.
30 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
determinado acordo que estabelece um tal tipo de sistema. Contudo, toda esta situação é
algo incerta, pois depende sempre da avaliação por parte do referido órgão comunitário.
Coloca-se, pois, a questão de, tendo-se em conta as características e especificidades
próprias do fenómeno/sector desportivo, saber se não seria preferível a União Europeia
adoptar, quanto a esta temática da negociação centralizada de direitos de transmissão
televisiva sobre competições profissionais desportivas, um sistema próximo do adoptado
nos Estados Unidos70.
Na verdade, reconhece-se que a concepção do Desporto na Europa é distinta da dos
Estados Unidos, mas o carácter económico, bem como a importância das receitas
provenientes deste tipo de transacções, é semelhante nestas duas zonas geográficas.
Até por razões de certeza e segurança jurídicas, quer para as ligas, quer para os
próprios clubes, televisões, bem como telespectadores ou consumidores, um sistema
similar ao norte-americano seria algo de positivo e a considerar seriamente pelos órgãos
responsáveis da União Europeia.
70 Neste sentido, vide JOSÉ LUÍS ARNAUT, Independent European Sport Review, cit., p. 103, que afirma: “We already proposed that would be appropriate to adopt a block exemption regulation in relation to the central marketing of media rights...It would be desirable to establish a commonly accepted and secure legal precedent across Europe in relation to this matter.”.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 31
Conclusão
A negociação centralizada de direitos televisivos é, no essencial, uma opção
comercial, não constituindo qualquer elemento essencial ou obrigatório da organização de
uma competição desportiva.
Um tal sistema centralizado pode desencadear um reforço da posição de domínio por
parte da estrutura que tem o exclusivo de negociar os direitos televisivos, em representação
dos vários participantes de uma determinada competição desportiva, havendo a
probabilidade de vir a descambar num eventual abuso de posição dominante, algo que é
interdito pelas normas comunitárias e nacionais da concorrência.
As vantagens deste tipo de sistema podem ser atestadas pelo facto de se observar que
através dele se vendem jogos com pouco interesse para a maioria do público, o que vem a
ser benéfico para aqueles clubes de menor dimensão desportiva e social, quer pelo facto de
poder, neste sistema centralizado, existir uma redução de custos de negociação dos direitos
televisivos, devido aos respectivos ganhos de eficiência.
Por outro lado, para além da existência de um eventual abuso de posição dominante,
observam-se perigos/riscos para o direito da concorrência decorrentes da centralização,
entre eles destacam-se: a cartelização; a possibilidade de ocorrerem contratos coligados
(“tying”) e uma potencial limitação da produção, visto que os adquirentes de todos os
direitos televisivos sobre uma certa competição podem não ter espaço para os emitir na sua
totalidade, para além que, como parece óbvio, numa perspectiva de racionalidade
económica, apenas poderão ter interesse em transmitir para o público aqueles jogos que
despertam um maior entusiasmo desportivo e mediático, uma vez que são estes que atraem
um maior índice de audiência.
Contudo, apesar de poder ser considerada como ilegítima face ao direito da
concorrência, esta forma de venda de direitos televisivos pode ser aceite, desde que
casuisticamente se verifique que tal visa solidificar a solidariedade entre os clubes, maiores
e menos grandes, isto é, que consiga garantir o equilíbrio da distribuição das receitas
resultantes da venda entre os vários clubes componentes de determinada competição
desportiva, de modo a difundir o espectáculo desportivo, para que haja o necessário
equilíbrio competitivo e a respectiva incerteza do resultado final, que constitui o
verdadeiro motivo de atractividade e interesse de qualquer acontecimento de cariz
desportivo.
32 : NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS VERBOJURIDICO
Isto apesar de a negociação individual desta espécie de direitos televisivos ser mais
conforme com as regras de concorrência e de encerrar várias vantagens para os seus
titulares, que são, no fundo, os clubes desportivos, sobretudo para aqueles clubes que
detêm uma projecção desportiva maior, ou seja, aqueles que possuem uma massa adepta
mais numerosa, bem como um poderio financeiro mais substancial relativamente aos seus
mais directos competidores. Os grandes clubes, sobretudo, conseguem, deste modo, um
maior volume de receitas provenientes dos operadores televisivos, uma vez que os
telespectadores são atraídos quando estes intervêm, o que faz com que as respectivas
audiências televisivas aumentem, o que vem a beneficiar os canais de sinal aberto, pois
concomitantemente as receitas provenientes da publicidade aumentam, bem como o
número de assinantes aumenta quando os canais de acesso condicionado ou por assinatura
detêm os direitos de exclusividade da transmissão de eventos desportivos em que
participem os clubes com maior relevo desportivo.
Julga-se que seria importante, por razões que se prendem com a certeza e segurança
jurídicas, a adopção de uma “block exemption regulation”, no quadro comunitário,
relativamente a esta questão da venda centralizada de direitos mediáticos via televisão
sobre espectáculos desportivos.
PEDRO ANTÓNIO MAIA OLIVEIRA NEGOCIAÇÃO CENTRALIZADA DE DIREITOS TELEVISOS : 33
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