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A Noticiação do suicídio e a Ética Jornalística: Análise do
Caso Azoica em Imperatriz–MA¹
Isabela de OLIVEIRA² Jordana Fonseca BARROS³
Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, MA
RESUMO
O presente artigo visa analisar o jornalismo quando de notícias sobre suicídio,
observando como é indicado ao jornalista atuar nestes casos e apontar os erros de
publicação sobre suicídio no site de notícias AndreImprensa.com.br, da cidade de
Imperatriz (MA). Tendo como referência o manual para profissionais da imprensa
produzido pela Comissão de Prevenção de Suicídio da Associação Brasileira de
Psiquiatria de 2009, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e as Diretrizes
Nacionais de Prevenção ao Suicídio de 2006. A análise do texto, baseada nos manuais
acima citados, mostrou que o autor errou na forma como noticiou, sendo pontuadas as
falhas no decorrer do artigo. Concluiu-se que o jornalista tem o dever de atuar na
sociedade de modo a informar e conscientizar, respeitando a dor e o luto das famílias.
PALAVRAS-CHAVE: noticiar; efeito Werther; sensacionalismo; responsabilidade.
1. Considerações Iniciais: O Suicídio no Ocidente e no Brasil
A relação homem e morte é permeada de religiosidade, misticismo, vingança,
punição e conflitos desde que a história possa contar. Entre todas as nuances possíveis
da morte está o suicídio, quando a pessoa finda a própria vida. De acordo com a cultura
de cada povo, varia uma interpretação desta atitude. Serviu como punição, a exemplo de
Sócrates que acusado de não venerar os deuses da cidade e de corromper os jovens de
Atenas fora obrigado a beber Cicuta (veneno produzido a partir da planta cicuta); foi
para os japoneses kamikazes ato heroico na segunda Guerra Mundial.
______________
¹ Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste,
realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. ² Estudante de Graduação 7º. semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e Radialismo da UFMA - MA, email: [email protected]
3 Orientadora do trabalho. Professora Substituta do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e Radialismo da UFMA - MA, email: [email protected]
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No ocidente, durante a idade média, época em que a Igreja Católica controlava
o pensamento europeu e de suas colônias, o suicídio entre as classes menos favorecidas
era fortemente repudiado;
O suicídio do nobre, qualquer que fosse a causa, era considerado
corajoso, honroso e respeitável. Já o suicídio dos rústicos era
reprimido severamente, considerado covarde e egoísta. Os cadáveres dos camponeses e artesãos suicidas passavam por suplícios públicos
(corpos arrastados por animais até a forca ou fogueira, mutilação dos
corpos, exibição dos corpos nus em praça pública etc.), eram-lhes vetados os rituais funerários, o sepultamento em terras sagradas e os
bens eram confiscados (MENDES, 2011, online).
Esta atitude com os corpos era afirmada pela Igreja Católica, na medida em que
o suicida era visto como pecador. Pode-se dizer então que o ocidente durante muito
tempo não tem uma cultura propensa a assentir com a prática suicida e que atua na
forma de reprimi-la, usando a vexação dos corpos como exemplo. Parte desta cultura de
repúdio ao suicídio cria toda uma construção discursiva no sentido de não aceitar o ato e
de não falar sobre.
Esta conduta repercutida durante vários séculos, e se percutindo com a expansão
do cristianismo pelo mundo, culminou num problema de saúde pública a nível global. O
número de casos de suicídios é alto, em grande parte do planeta, e os governos não
sabem que medida tomar. Mesmo em meados de 2016, poucos países têm a prevenção
ao suicídio como prioridade quanto à saúde pública e apenas 28 afirmam ter estratégia
nacional em relação a isto (ONUBR, 2016, online).
Um estudo da BBC Brasil sobre o Mapa da Violência de 2017, produzido pelo
Ministério da Saúde, revelou que em doze anos cresceu em quase 10% o número de
suicídios no país entre jovens de 15 a 29 anos (ESCÓSSIA, 2017, online). Em grande
parte por decorrência de doenças mentais: “De acordo com uma recente revisão de 31
artigos científicos sobre suicídio, mais de 90% das pessoas que se mataram tinham
algum transtorno mental como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e
dependência de álcool ou outras drogas” (TARANTINO, 2014, online).
Com a intenção de guiar os profissionais da saúde sobre como tratar pacientes
com comportamentos autolesivos e autossuicidas e diminuir o número crescente de
casos, foi publicada em 14 agosto de 2006, por meio da portaria n° 1.876, as Diretrizes
Nacionais para Prevenção do Suicídio pelo Ministério da Saúde.
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No preâmbulo do texto normativo estão listados os motivos para a criação do
plano, entre eles: a) “o fenômeno do suicídio é um grave problema de saúde pública,
que afeta toda a sociedade e que pode ser prevenido”; b) “a importância epidemiológica
e a relevância do quadro de co-morbidade e transtornos associados ao suicídio e suas
tentativas, em populações vulneráveis (...)”; c) “o aumento observado na frequência do
comportamento suicida entre jovens entre 15 e 25anos, de ambos os sexos,
escolaridades diversas e em todas as camadas sociais”; d) “a necessidade de promover
estudos e pesquisas na área de Prevenção do Suicídio”.
As diretrizes objetivam desenvolver estratégias de promoção de qualidade de
vida, de sensibilização da sociedade, organizar linha de cuidados integrais, entre outros.
No artigo 2º há o estabelecimento de medidas a serem criadas para a prevenção do
suicídio, como:
II - desenvolver estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde
pública que pode ser prevenido; (...) IV- identificar a prevalência dos
determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas, assim como os fatores protetores e o desenvolvimento de ações intersetoriais de
responsabilidade pública, sem excluir a responsabilidade de toda a
sociedade (...).
Entendido que o suicídio é um problema de saúde pública que acompanha o
homem em toda a sua história, que repudiar o corpo do suicida não é uma forma de
prevenção, que o Brasil considera o suicídio um problema de saúde pública e que é
preciso que seja feito algo a respeito, se faz necessário agora entender como o jornalista
atua nessa dinâmica social de noticiar informando, conscientizando e respeitando.
2.0 Como noticiar um suicídio
Na atual conjectura jurídica do Brasil não se tolera o desrespeito ao corpo já
morto, devido a questões religiosas, visto que o estado é laico e convicções religiosas
não podem afetar a integridade física e moral dos cidadãos. Desta maneira, mesmo que
o assunto seja tabu, o morto é velado e enterrado, como a família desejar. Em relação ao
trabalho do jornalista, observa-se que mortes, em aspectos gerais, não são
necessariamente notícia, já que dizem respeito, a priori, à família enlutada. Contudo,
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cada jornal tem uma agenda diferente, mas esta agenda específica não é permissão para
que se publique, indiscriminadamente, casos de suicídio.
Em outubro de 2009 a Associação Brasileira de Psiquiatria, através de sua
Comissão de Prevenção de Suicídio, publicou um manual para profissionais da
imprensa “Comportamento Suicida: Conhecer para prevenir” que explica as cinco
situações em que geralmente o suicídio vira notícia:
[...] quem morreu é uma figura pública; o suicídio foi precedido de
assassinato, este último perpetrado por quem se matou; atos
terroristas, como nos casos dos homens-bomba; o suicídio provocou
problema que afetou a coletividade (por exemplo, engarrafamento); sensacionalismo criado por maus profissionais. (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2009, p. 09-10)
Ou seja, o suicídio só é notícia quando afeta diretamente a sociedade, deixando
de ser de interesse exclusivo da família. Assim, noticiar suicídio, nas hipóteses
mencionadas, é dever do jornalista, partindo do pressuposto de que este atua como
mediador de informações necessárias à manutenção do convívio social.
De forma a explicar a orientação de não noticiação do suicídio o manual explica
qual a influência dos meios de comunicação e da imprensa num quadro de suicídios:
A percepção de que a imprensa ficcional e não-ficcional pode
influenciar o suicídio é antiga. Goethe veio a público se defender,
pois, aparentemente, uma centena de jovens cometera suicídio após a
publicação de seu livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, em 1774. Alguns estavam vestidos ao estilo da personagem principal do livro,
ou adotaram o mesmo método de suicídio, ou o livro foi encontrado
no local da morte. Nesse romance o protagonista se apaixona por uma mulher que não está ao seu alcance, e decide tirar a própria vida. Este
fenômeno originou o termo “Efeito Werther”, usado na literatura
médica para designar a imitação de suicídios (idem, p.20).
A teoria do “Efeito Werther” não é totalmente aceita pelos estudiosos, havendo
variedade de estudos sobre a real aplicação ou não desta teoria. Exemplo de estudioso
que, em parte, desacredita a teoria é o sociólogo Durkheim. Ele explica que o suicídio
não é contagioso, mas dependendo do meio social é algo comum a várias pessoas, desde
que também seja comum a vida e o sofrimento delas:
A ideia não nasce num indivíduo em particular para dele se difundir
para os outros: é elaborada pelo conjunto do grupo que, colocado
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inteiro numa situação desesperada, devota-se coletivamente à morte. (...) Talvez não haja nenhum fenômeno mais facilmente contagioso
(DURKHEIM, 2000, p.143).
Em outros termos, o sociólogo afirma que não há contágio, mas que há
influência, já que havendo uma má noticiação de suicídio pode haver também uma má
interpretação por pessoas que vivam em semelhante situação à do suicida, a levando a
crer que a mesma atitude lhe seria tão vantajosa quanto. Considerando, neste estudo,
com base no posicionamento do retromencionado manual para profissionais da
imprensa, a possibilidade do “Efeito Werther”, cuida-se que ao publicar casos de
suicídio é preciso construir uma:
(...) reportagem discreta, cuidadosa com parentes e amigos enlutados,
sem detalhismo exagerado do método suicida, notadamente quando o falecido era celebridade, ou pessoa muito estimada localmente. (...)
quando pertinente, seria melhor relatar uma história de sofrimento e
investigar a possível contribuição de um transtorno mental no desenlace fatal. (…) É bom esclarecer que, embora um transtorno
mental seja um fator de risco relevante para o suicídio, isso não
significa que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que a maioria dos
doentes (em especial os que têm depressão) se matem. Isso visa a evitar pânico desnecessário em pessoas acometidas por transtornos
mentais (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2009,
p. 20).
3.0 Caso Azóica
No dia 08 de junho de 2015 foi encontrada morta em sua casa a jovem
Whezzany D’Àvila Soares, posteriormente se constatou através dos laudos periciais que
a causa da morte foi suicídio. No mesmo dia a notícia se repercutiu nas redes sociais,
principalmente porque a foto do corpo sem vida da jovem, mais conhecida como Azóica,
ter sido compartilhada via WhatsApp.
Em análise às cinco situações que o suicídio geralmente vira notícia ,abordadas
pelo manual para profissionais da imprensa e expostas no tópico anterior, e comparando
ao caso Azóica, observa-se que, em apertada hipótese, se poderia caracterizar o fato
como na primeira das cinco hipóteses “quem morreu é uma figura pública”, já que ela
fora vocalista de banda de rock da cidade, relativamente conhecida, por algum tempo.
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No mesmo dia em que o corpo fora encontrado, André Gomes, jornalista, dono
do site de notícias André Imprensa, publica um texto pequeno sobre o caso, tão
repercutido na cidade, com o título: “Jovem se suicída por motivos fúteis” (SIC). Pelo
título da matéria já é possível identificar a falta de respeito com a dor de Azóica, que
sofria de depressão, e com a família em luto.
Como subtítulo: “A banalização da vida e das inseguranças faz pessoas tirarem
suas vidas, e até mesmo tiram a vida de outra pessoa” (SIC). Continua:
A vocalista Whezzany Davilla Soares popularmente conhecida como Zoica28 anos recorreu ao suicídio, às informações que foram
passadas para nossa redação é que, em estado depressivo ela já tinha
recorrido ao suicídio por três vezes, mas foi impedida, desta vez não
teve quem a impedisse sua fraqueza e ela concretizou tirando sua vida. O motivo aparente não existe razão nem motivos para que ela
recorresse ao suicídio, não a motivo para a pessoa tire sua própria
vida, é um momento de depressão. As pessoas devem frequentar uma igreja pelo menos uma vez ao mês para tirar os maus pensamentos
(SIC).
De partida, já se pode afirmar que o caso em questão não se caracteriza como
uma hipótese de noticiação devido ao fato de Azóica ser uma figura pública. Mas se
enquadra na última das cinco hipóteses de noticiação elencadas pelo manual, qual seja:
“sensacionalismo criado por maus profissionais”.
O texto publicado por Gomes em seu site foi bastante criticado por estudantes de
jornalismo da cidade, via facebook, mas não houve nenhuma retratação do mesmo à
família, à sociedade ou aos jornalistas e estudantes de jornalismo. Ressaltado aqui que a
jovem em questão cursara por algum tempo o referido curso de jornalismo na cidade.
3.1 Análise
O objetivo do manual para profissionais da imprensa elaborado pela Associação
Brasileira de Psiquiatria era ajudar os profissionais da comunicação a elaborar textos
informativos, cumprindo assim seu papel social, mas com consciência, cidadania e,
principalmente, conhecimento de causa, de forma a trabalhar na sociedade o suicídio
não mais como tabu, ajudando na prevenção de futuros possíveis casos.
Desta forma, o manual reserva um capítulo com orientações básicas de como
seria um texto informador e conscientizador, ao mesmo tempo. “Como Noticiar”, vai
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das páginas 20 a 23. A partir das instruções lá contidas, foram verificados os seguintes
erros:
a) Usou a palavra suicídio;
b) Chamada dramática para causar impressão;
c) Simplificou o suicídio a uma causa única como explicações de primeira hora;
d) Não relatou no texto as características da depressão, seu impacto sobre o
indivíduo ou endereços onde obter ajuda;
e) Considerou as tentativas anteriores como "fraqueza";
f) Não descreveu a história de Azóica com a depressão como triste ou se ela
fazia tratamento;
g) Não escreveu se é possível um tratamento para este tipo de transtorno mental;
h) Forneceu endereço da casa de Azóica, onde aconteceu a morte;
i) Publicou fotos da falecida e prints de postagens do Facebook;
j) Não conscientizou sobre a prevenção ao suicídio.
Assente a esta análise, depreende-se que o texto redigido por André Gomes não
se enquadra nos padrões de publicações jornalísticas, não segue as diretrizes do manual
de comportamento suicida para profissionais da imprensa, e, como será analisado no
próximo tópico, fere o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Ainda, vai de
encontro aos direitos humanos, já que não tratou com dignidade a pessoa de Whezzany,
afetando também a família, pois depois da morte é direito desta que a imagem do
falecido seja resguardada, tal como a honra e integridade do corpo, que se violados
abrem prerrogativa para um processo judicial e pedido de indenização por danos morais.
4.0 Ética e Jornalismo
“A palavra ética é de origem grega derivada de ethos, que diz respeito aos
costumes, aos hábitos dos homens. (...) lida com a compreensão das noções e dos
princípios que sustentam as bases da moralidade social e da vida individual” (RIBEIRO,
2011, online). É a partir desta compreensão de ética que a sociedade formula códigos de
ética para as diferentes profissões, cargos e situações, estipulando o que é correto e o
que não é, talhando para cada grupo social específico suas regras e limitações. De
maneira tal, que as ações sejam padronizadas num ritmo em que não desrespeitem,
agridam ou firam algum direito alheio.
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Os jornalistas brasileiros devem, destarte, seguir um conjunto de regras
específicas a seu trabalho e suas ações do dia-a-dia, é o Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros, publicado em 2007 pela Federação Nacional dos Jornalistas. Contém neste
código os direitos, deveres, forma de conduta e responsabilidade dos jornalistas na
prática de seu trabalho, também inclui possíveis sanções aos desvios às regras ali
presentes.
O artigo 2° afirma que o direito à informação é um direito fundamental e que
não pode ser impedido, complementando no inciso III que: “a liberdade de imprensa,
direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a
responsabilidade social inerente à profissão”, reafirmando no artigo 10º que “A opinião
manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade”. A
responsabilidade de que fala o inciso III e o artigo 10º é resultado do entendimento de
que a imprensa, a mídia e os meios de comunicação são importante fator de
desenvolvimento social e discursivo, na medida em que leva às pessoas conhecimento e
informação sobre os acontecimentos no mundo.
Esta responsabilidade também é pautada em uma das teorias da comunicação, a
teoria do agendamento que estuda a influência das pautas jornalísticas nos assuntos
cotidianos dos espectadores da notícia.
Na verdade, a teoria do agendamento demonstra que a mídia pode ter
efeitos directos (não mediados) sobre as pessoas, tendo,
nomeadamente, o poder de “dizer” às pessoas sobre o que pensar
(Cohen, 1963: 120). De facto, como explicam MacCombs e Shaw (1977: 7), retomando uma tese que, de resto, já tinha sido trabalhada
por autores como Walter Lippmanno(1922), os meios de
comunicação, ao contribuírem para o estabelecimento das agendas que preocupam cidadãos e políticos (e mesmo os outros meios), têm
o poder de concorrerem para modelar as representações que se fazem
da realidade (SIC) (SOUSA, 2008, p. 8).
Isto posto, ao produzir ou co-produzir uma notícia, deve o jornalista atentar para
seus deveres enquanto agente de comunicação e formador de opiniões. Perceber quais
tipos de reação seu trabalho produzirá, se a repercussão afetará os personagens da
notícia, se a opinião pública sobre o fato mudará a partir das informações por ele
divulgadas e, principalmente, como pode usar aquele espaço social para conscientizar,
respeitar e promover a inclusão e tolerância.
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5.0 Ética e Noticiação de Suicídio
Em 2013 a Direção Geral da Saúde de Portugal publicou um Plano Nacional de
Prevenção ao Suicídio que visa atuar na diminuição de suicídios entre 2013 e 2017. O
plano é dividido em duas fases, cada fase com várias ações determinadas. Quanto ao
mundo da comunicação, que aqui interessa, aduz: “Sensibilizar os média para a
necessidade de aplicação dos princípios definidos para a informação/descrição de
comportamentos autolesivos e autossuicidas; (...) Aumentar a informação e educação
em saúde mental” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p.4).
As determinações do plano do governo de Portugal envolvendo os meios de
comunicação apenas confirmam o importante papel destes na sociedade e sua latente
influência na formação de consciência. É possível então verificar que uma notícia
elaborada de forma sensacionalista produz impactos na sociedade, já que não é fe it a
para informar, reproduzindo estigmas sociais e tabus; tratando um assunto que precisa
de debates democráticos com força de dogma, sem respeitar às divergências do tema.
Entretanto, quando a notícia deixa de ser o relato e passa a ser a maneira, ou a roupagem com que é apresentada – rápida, sem
apuração rigorosa, feérica, fantasiosa, vestida para chocar, exagerada,
apelando para as sensações, o assombro, a admiração ou a repulsão do consumidor -, deixa de ser notícia, falseando a imagem da realidade.
Ressalta-se nuances de poucas relevâncias, apenas garantidores de
emoções, e contribui-se para reforçar mitos e crendices (JORGE, 2008,
p. 78).
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros afirma no artigo 6° inciso VIII que
é dever do jornalista “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem
do cidadão”. No artigo 7° reitera que não pode o jornalista “usar o jornalismo para
incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime” (inciso V). Assevera no artigo 11°
que não pode o jornalista divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou
contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.
Ainda:
Art.12. O jornalista deve: I – ressalvadas as especificidades da
assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos,
o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de
acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas; II –
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buscar provas que fundamentem as informações de interesse público; III – tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas
informações que divulgar (...).
Observadas as regras expostas do Código de Ética e aplicando-as ao texto
publicado por André Gomes pode-se listar que:
a) não escreveu com a responsabilidade de um jornalista;
b) não respeitou a intimidade, privacidade, honra e imagem da jovem;
c) usou o jornalismo para incitar a intolerância, caracterizando os motivos do
suicídio como “fúteis”;
d) publicou texto de caráter sensacionalista contrário aos valores humanos;
e) não ouviu pessoas que pudessem enriquecer a divulgação dos fatos;
f) não tratou com respeito Azóica.
A partir desses erros cometidos por Gomes, caso ele seja inscrito no Sindicato
dos Jornalistas, poderia este sofrer as penalidades administrativas listadas no artigo 17°,
que são: observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato.
Apesar dos vários comentários de leitores, estudantes de jornalismo e amigos da vítima
na página da notícia sobre a errônea posição do autor, ao que se sabe sobre o caso,
nenhuma medida administrativa foi adotada, e o site André Imprensa continua
funcionando normalmente, sem nenhuma retratação à família de Azoica ou aos leitores.
6.0 Considerações Finais
O suicídio é uma situação corriqueira, em questão de números, mas continua a
ser abafado pela sociedade, à medida que traz a tona uma torrente de outros assuntos
ainda mais delicados, como transtornos mentais. É preciso que o assunto seja trabalhado
nos media, mas é preciso também que seja feito da forma correta, respeitado os direitos
humanos, os sentimentos das famílias que perdem seus entes e observado como aquela
informação afetará a vida de pessoas com tendências suicidas.
Logo, devem as empresas jornalísticas se esforçarem para, através da
informação, ensinar e educar, conscientizando seus leitores sobre assuntos considerados
e que precisam ser discutidos. É importante que esses media deem informações precisas
sobre temas que são motivos de preocupação das nações em geral, como o suicídio o é.
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Esta preocupação mundial em relação ao tema teve relevo nas discussões
relativas à saúde, educação e informação depois de pesquisa da OMS, publicada em
outubro de 2002, que constatou que morte causada por autolesão era o motivo número
um de causa de morte por violência no mundo (CHRISTANTE, 2010), considerando,
então, o suicídio um problema de saúde pública.
Desde então várias pesquisas e métodos de intervenção são estudados, numa
tentativa de diminuir esses números, já que o suicídio é evitável. As Diretrizes
Nacionais para Prevenção do Suicídio (2007) visam justamente esta prevenção,
estabelecendo no artigo 2°, caput, que “o Ministério da Saúde, as Secretarias de Estado
de Saúde, as Secretarias Municipais de Saúde, as instituições acadêmicas, as
organizações da sociedade civil, os organismos governamentais e não-governamentais”
devem “fomentar e executar projetos estratégicos fundamentados em estudos de custo-
efetividade, eficácia e qualidade, bem como em processos de organização da rede de
atenção e intervenções nos casos de tentativa de suicídio” (inciso V).
Desta forma, o jornalista deve optar pelos ganchos que tratem o assunto de
forma subjetiva, não o isolando à apenas um caso.
Mostrar como suicídio é freqüente, e como uma parcela de óbitos
poderia ser evitada. Recentes avanços no tratamento de transtornos mentais. Histórias de pessoas para as quais a ajuda certa na hora certa
evitou o suicídio. Pessoas que, por estarem padecendo de um
transtorno mental, tentaram o suicídio e que hoje vivem com qualidade de vida. Entrevistar profissionais de saúde mental para que
a questão seja retratada de forma menos individualista. Mitos e
verdades sobre o suicídio. Sinais de alerta de que uma pessoa está sob
risco de suicídio e o que fazer para ajudá-la. Estratégias de prevenção, descrevendo experiências capazes de diminuir o número de óbitos por
suicídio (SIC) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA,
2009, p. 22-23).
Ou seja: fazer parâmetros, mostrar dados, explicar os sintomas pré-suicídio,
lugares que oferecem tratamento, elucidar as medidas governamentais de prevenção ao
suicídio, ONG’s e grupos de apoio para quem precisa de ajuda. Fazendo isso, mais que
atuar como informante, o jornalista atuará de forma sensata, trabalhando valores
humanos e ajudando a construir uma sociedade com mais tolerância, diálogo, e atenção
aos depressivos, incutindo-lhes mais força de viver.
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REFERÊNCIAS
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