a nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações (guerreiro ramos) -...
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Nesta obra, Guerreiro Ramos realiza profunda avaliação da concepção do mercado como ente psico-sociológico e de seus efeitos sobre a vida humana. Ao longo desta obra, ele contrapõe ao modelo de análise dos sistemas sociais centrados no mercado um novo modelo de delineamento organizacional de múltiplos centros. Argumenta que hoje a sociedade centrada no mercado está demonstrando suas limitações e sua influência desfiguradora da vida humana como um todo. É necessário, pois, pensar numa vida humana associada multicêntrica, onde o enclave econômico seja apenas um dos enclaves possíveis ao homem.TRANSCRIPT
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RESENHA
Ramos, A. Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989
Em seu livro “A Nova Ciência das Organizações: uma reconceituação da
riqueza das nações” (1981), Guerreiro Ramos realiza profunda
avaliação da concepção do mercado como ente psico-sociológico e de
seus efeitos sobre a vida humana. Ao longo desta obra, ele contrapõe ao
modelo de análise dos sistemas sociais centrados no mercado um novo
modelo de delineamento organizacional de múltiplos centros.
Argumenta que hoje a sociedade centrada no mercado está
demonstrando suas limitações e sua influência desfiguradora da vida
humana como um todo. É necessário, pois, pensar numa vida humana
associada multicêntrica, onde o enclave econômico seja apenas um dos
enclaves possíveis ao homem.
Em suma, Guerreiro Ramos parte do pressuposto de que o momento em
que vivemos, a crise da subjetividade, a crise dos governos, a crise da
sociedade civil (em seus múltiplos aspectos) configura um contexto de
chamamento à reflexão a respeito dos valores que estruturam o
paradigma da modernidade. A teoria da delimitação dos sistemas
sociais é adequada a essa tarefa, constituindo-se em um corpo
conceitual que pode proporcionar categorias de análise atuais e
objetivas aplicáveis ao presente.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAESCOLA DE ADMINISTRAÇÃONúcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGADisciplina: Estudos OrganizacionaisAluno: Adalene Torres Barreto SalesAluno Especial / Turma 2004.1
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A idéia que perpassa toda a obra de Ramos é a retomada da concepção
grega da multidimensionalidade constitutiva do ser humano. Dotado de
uma força – a razão – que lhe permite ordenar a vida em sua psique.
Dissecando conceitos, explicitando suas relações e datando sua origem,
prática essencialmente epistemológica, Ramos parte da análise de duas
teorias/formas de associação humana: 1) teoria formal da vida humana
associada; 2) teoria substantiva da vida humana associada. Herdeiras,
respectivamente, das noções de racionalidade instrumental e de
racionalidade substantiva. Ele toma como referencial discursivo a
distinção feita por M. Weber entre racionalidade instrumental e
racionalidade substantiva, e na análise da sociedade centrada no
mercado de Karl Polanyi.
Para o autor, a razão é constituída de duas dimensões: a) instrumental
(zweckrationalität) – voltada para o cálculo das conseqüências; b)
substancial (wertrationalität)– direcionada a elaborar valores
associados à própria vida.
São desses dois pólos que Ramos parte para culminar, no capítulo 7, na
sua Teoria da Delimitação dos Sistemas Sociais. Na TEORIA FORMAL DA
VIDA ASSOCIADA DA VIDA HUMANA, os conceitos são apenas instrumentos
convencionais de linguagem que descrevem procedimentos
operacionais, e os critérios de ordenação da associação humana são
dados socialmente. Enquanto que na TEORIA SUBSTANTIVA DA VIDA
ASSOCIADA DA VIDA HUMANA, os critérios de ordenação são racionais,
evidentes por si mesmos e independem de qualquer processo de
socialização. Eles são derivados do e no processo de realidade.
O pensamento moderno foi o responsável por reduzir a razão (fruto do
intelecto da civilização grega) ao seu aspecto meramente formal: ela é
um mero instrumento de cálculo. Como todos os acontecimentos da
história são imbricados e a mudança de qualquer paradigma gera
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mudanças na vida humana em geral, o pensamento moderno ao tomar a
razão na sua dimensão de cálculo, reduziu a existência humana apenas
a essa dimensão. O paradigma econômico e o arranjo da vida humana
em torno das relações de mercado, marca a exclusão (ou, no mínimo,
redução, menosprezo) da razão substantiva da vida ocidental.. Essa
razão grega tornou-se, então, uma categoria filosófica, metafísica, não
faz parte da dimensão humana da sociedade centrada no mercado.
Ramos, no entanto, demonstra que a crise do coletivo e do indivíduo
característica desse momento no momento ocidental reclama a
retomada da concepção de multidimensionalidade do ser humano,
própria dos gregos, e esquecida pelos ocidentais modernos.
A multidimensionalidade da natureza humana requer que as outras
dimensões do ser humano encontrem espaços para se expressarem.
Numa sociedade centrada no mercado, onde os valores econômicos
invadem os domicílios e as relações particulares, é necessário que se
pense em enclaves sociais multidimensionais: espaços, tempos, modos
de relação quer permitam que o moderno homem mutilado – detentor
de emprego – possa satisfazer a natureza humana como todo.
Para os gregos, a multidimensionalidade da natureza humana firma-se
no tripé: razão, convivialidade e aporte físico. O ordenamento do
indivíduo e o da sociedade deve tomar esses pontos ideais como
princípios.
Antes de propor uma nova abordagem à teoria das organizações,
Guerreiro Ramos tece uma crítica impiedosa as teorias vigentes que,
fundamentadas na lógica do mercado, cria dispositivos para legitimar
suas práticas de política cognitiva que estabelece a crença que os
valores de mercado são únicos e enobrecedores. Elas esquecem que
existe uma tensão inerente a natureza humana entre a satisfação
individual e a convivialidade. Diz mais: qualquer teoria organizacional
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que prometa equacionar essa tensão dentro dos limites organizacionais
é uma falácia e encaminha o ser humano para um processo de
despersonalização sem volta.
Sendo assim, buscando restaurar a multidimensionalidade do ser
humano, o autor propõe, em sua Teoria da Delimitação dos Sistemas
Sociais, a diferenciação de espaços e a “criação” de enclaves sociais
que correspondam a cada uma das dimensões citadas, e satisfaça as
necessidades individuais e de coletividade próprias da natureza
humana. Assim, seguindo a proposta de modelo ideal concebida por
Weber (1944), ele propõe: o espaço político - lugar legítimo da
expressão da razão; o espaço social - lugar de expressão da
convivialidade; e o físico - que corresponde ao espaço da economia ou
de mercado. Vale ressaltar, que cada um desses espaços deve ter seus
limites na existência humana. À multidimensionalidade do ser humano
corresponde a multidimensionalidade dos espaços. À sociedade
unicêntrica – centro: mercado - opõe-se uma sociedade multicêntrica.
Essa sociedade ordenada pela razão (substantiva), multicêntrica, com
espaços sociais devidamente delimitados, que permita a expressão da
multifacetada natureza humana, Ramos definiu como o paradigma
paraeconômico (em oposição ao paradigma econômico, excessivamente
unidimensionalizador do indivíduo e da coletividade). Na paraeconomia
podem existir múltiplos critérios substantivos de vida pessoal e uma
variedade de padrões de relações interpessoais. Nessa concepção, o ser
humano será maximizador da utilidade apenas contigencialmente
(incidentalmente), devendo ocupar-se com o ordenamento da sua
existência conforme suas próprias necessidades de auto-atualização.
O paradigma paraeconômico, conforme proposto por Guerreiro Ramos,
possui quatro dimensões principais que combinadas irão definir
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algumas categorias limitadoras dos sistemas sociais que visam
maximizar a atualização pessoal.
Estas quatro dimensões correspondem ao imperativo da natureza
humana de satisfazer suas “necessidades” individuais (orientação
individual), suas necessidades de convivialidade (orientação
comunitária), suas necessidades de liberdade (ausência de normas), e
de um número mínimo de prescrições que possam orientá-la nas suas
relações com o mundo (prescrições de normas).
As categorias delimitadoras (anomia, motim, isolado e economia) são
arranjos extremos entre essas dimensões que indicam os limites
constitutivos dos arranjos de equilíbrio, que são a isonomia e a
fenonomia.
Assim, temos:
Anomia: combinação extrema entre orientação
individual e ausência de normas.
Motim: combinação extrema entre orientação coletiva
e ausência de normas/.
Isolado: combinação extrema entre orientação
individual e prescrição de normas.
Economia: combinação extrema entre orientação
coletiva e prescrição de normas.
Isonomia: é o espaço para o exercício mais igualitário
da vivência, próprio da ocupação que não tenha o
rendimento econômico como fim em si mesmo. Aqui, o
trabalho pode associar-se a ocupação e permitirem a
atualização pessoal, já que aqui a escolha é pessoal.
Fenonomia: oportunidade para o exercício da
realização pessoal. É um estado de busca permanente de
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significado para a vida. É uma oportunidade de realizar algo
que preencha a lacuna do sentido da existência.
Pergunta-se: Guerreiro Ramos ao delimitar os espaços sociais opera
mais um reducionismo? Seria um atestado de loucura depois de operar
uma crítica tão meticulosa ao reducionismo do paradigma econômico,
incorrer no mesmo erro apontado. Ao contrário, esses espaços sociais
perpassam a existência humana como um todo, não estão isolados, eles
se tangenciam, se articulam, exercem influência uns sobre os outros e,
sobretudo, impõe limites mutuamente.
A teoria da delimitação dos sistemas sociais, ao criar espaços
substantivos – espaços em que a razão em seu sentido pleno pode ser
exercida – proporciona oportunidades para a criatividade e a
possibilidade de reequilíbrio do ser humano. Citando o autor: “[...]
Deveriam tais organizações (organizações econômicas) ficar
circunscritas a um enclave, como parte de uma sociedade multicêntrica
provida de muitos cenários para propósitos autocompensadores [...].”
(p.191)
Repensar as formas de organização, de “ajuntamento”, criando espaços
cada vez mais produtivos (não no sentido da razão de cálculo), mais
criativos, possibilitadores de engendrar processos de humanização,
retirando da “borda” populações enormes expulsas (por diversas
razões) da sociedade de mercado, é uma atitude política (no sentido
grego) e ecologicamente corretas.
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