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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE A NOVA GEOGRAFIA DO COCO: REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS FORTALEZA CEARÁ 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE

A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL

E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE

A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL

E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial para

obtenção do grau de mestre em Geografia.

Orientadora: Profa. Dra. Denise Elias.

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Cavalcante, Leandro Vieira.

A nova geografia do coco: reestruturação

produtiva, territorialização do capital e dinâmicas

socioespaciais [recurso eletrônico] / Leandro

Vieira Cavalcante. – 2015. 1 CD-ROM: il.; 4 ¾ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do

trabalho acadêmico com 298 folhas, acondicionado em

caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e

Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em

Geografia, Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Análise geoambiental e

ordenação de territórios nas regiões semiáridas e

litorâneas.

Orientação: Prof.ª Ph.D. Denise de Souza Elias.

1. Produção de coco. 2. Reestruturação produtiva

da agricultura. 3. Dinâmicas socioespaciais. 4.

Territorialização do capital. I. Título.

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LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE

A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL

E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial

para obtenção do grau de mestre em

Geografia.

Área de Concentração: Análise geoambiental

e ordenação de territórios nas regiões

semiáridas e litorâneas.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Profa. Dra. Denise Elias (Orientadora)

Universidade Estadual do Ceará – UECE

________________________________________________

Profa. Dra. Aldiva Sales Diniz

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UEVA

________________________________________________

Prof. Dr. Juscelino Eudâmidas Bezerra

Universidade de Brasília – UNB

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Aos produtores de coco do Ceará, que muito me ensinaram.

Sem a ajuda deles a consecução deste trabalho não teria sido possível.

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AGRADECIMENTOS

É impossível chegar ao final de um trabalho como este sem ter contado com a ajuda, direta ou

indireta, de inúmeras pessoas. Ninguém faz nada sozinho nesta vida, sobretudo um mestrado,

permeado de questões e desafios os quais não teríamos condições de resolver se não fosse o

auxílio recebido ao longo de todo o decorrer do curso e de redação da dissertação. Esse auxílio

partiu de diferentes pessoas e se deu de diversos modos, contribuindo sobremaneira para

chegarmos até aqui. Desse modo, faço questão de agradecer:

À minha mãe Julia e às minhas irmãs Juliana e Tatiana, que juntas tiveram uma participação

importante na formação da pessoa que hoje sou. Obrigado por serem, sempre, o meu porto

seguro, obrigado pelo apoio incondicional e por toda a ajuda durante o mestrado. Ao meu pai

Erivan, em memória, por nos ter mostrado que a honestidade é sempre o melhor caminho, e à

toda minha família, em especial as tias Aldina e Geruza.

Aos colegas de turma da graduação em Geografia, em especial às amigas Patrícia Fernandes e

Michelle Alves, pelo companheirismo e amizade verdadeira, pelas acolhidas e conversas

afáveis, por todos os momentos que vivenciamos juntos. Ainda às amigas Denise Nayara e

Josiane do Nascimento, e aos amigos Samuel Pereira, Rafaela Costa, Nívia Magalhães, Helena

Faustino, Bruno Régis, Paulo Servilio, William Carneiro, Marlus Almeida, entre outros, que

estiveram comigo durante toda a graduação.

Aos bons professores que tive na graduação, por todos os ensinamentos: Cristiane França,

Otávio Lemos, Alexandre Sabino, Luciana Freire, Elton Benevides, Daniel Figueiredo e

Eluziane Mendes. À professora Mariana Fernandes, em especial, pela parceria em vários

momentos, por ter me despertado para a Geografia Agrária, e ainda por me fazer perceber que

a construção de uma outra Geografia, para além da utopia, é verdadeiramente possível. À

professora Cláudia Grangeiro, pela gentileza e profissionalismo, como também pela sua

responsabilidade e compromisso moral com o curso de Geografia.

Aos colegas de turma do mestrado, em especial aos amigos Evelize Teixeira, Débora Freire,

Adriana Martins, Rafaela Martins, Rafael Brito e Leandro Almeida, por toda a ajuda, pelo

companheirismo e pelos ensinamentos, como também aos amigos Júnia de Cássia, Sarah

Bezerra, Otávio Barra, Graziela Gonçalves, Jáder Lima, Washington Bezerra e Luciano de

Paula, pelos aconselhamentos e por, juntos com os demais, terem contribuído para o bom

andamento do curso.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE: Otávio Lemos,

Cláudia Grangeiro, José Meneleu e Marcos Nogueira, por terem me mostrado possíveis formas

de apreensão do mundo que nos cerca. Aos professores Edilson Pereira Júnior, com o qual

realizei meu estágio docente, e Denise Bomtempo, responsável pelo seminário do mestrado,

pelo profissionalismo e compromisso. À professora Lúcia Brito, então coordenadora do

PropGeo, e ao professor José Borzacchiello, da UFC.

À equipe do Laboratório de Estudos Agrários (LEA), coordenado pela professora Denise Elias,

do qual faço parte desde a iniciação científica, onde aprendi grande parte do que sei de

metodologia da pesquisa científica e do contexto rural brasileiro. Aos amigos Elane Bezerra,

Érica Pinheiro, Edivania Marques e Sidney da Silva, pela amizade sincera e por todas as

inúmeras ajudas. Aos queridos Edna Couto, Lucenir Jerônimo, Iara Gomes, André Felipe,

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Priscila Romcy, Rodrigo Queiroz, Luís Guilherme, Cícero Araújo, Beatriz Farias, Fábio

Siqueira e Thainá Ramos, pelos momentos compartilhados.

Às amigas Camila Dutra, Bruna Nogueira, Kassia Kiss e Gilda Rodrigues, também do LEA,

por toda a ajuda e pelo companheirismo. Cada uma delas, à sua maneira, esteve ao meu lado

em diversas ocasiões e, juntas, deram uma grande contribuição no sentido de avançar na

construção da dissertação. Elas ainda me mostraram, acima de tudo, que a verdadeira amizade

sobrepõe os muros da universidade e as paredes do laboratório, e que é possível nutri-la apesar

da distância e dos muitos desafios aos quais somos expostos todos os dias.

À professora Denise Elias, em especial, pela orientação deste trabalho. Agradeço também pela

seriedade, profissionalismo e dedicação. Pelo rigor metodológico e pelo compromisso com a

pesquisa. Pela confiança em mim depositada desde a iniciação científica, permitindo-me ir

muito além do que eu poderia imaginar. Por me fazer acreditar que tudo é possível e que

devemos sempre sentir saudades do futuro, necessitando apenas de coragem para enfrentá-lo e

para aproveitar o que está por vir. Ao professor Renato Pequeno, pela atenção.

Ao professor Juscelino Bezerra (UECE/UNB), pela importante contribuição no exame de

qualificação, na defesa e em diversas outras ocasiões, e à professora Aldiva Sales (UEVA), pelo

auxílio prestado no exame de qualificação e na defesa. Ainda às professoras Denise Bomtempo

(UECE), Maria do Céu (UFC), Eliane Tomiasi (UEL), Alexandrina Luz (UFS), Rosa Ester

Rossini (USP) e Darlene Aparecida (UNESP), pelas contribuições em alguns momentos de

contato e diálogo.

Aos colegas e amigos que fiz pelos corredores do bloco G e pelo PropGeo: Tereza Vasconcelos,

Victa Andrade, Kailton Jonathan, Ana Lívia Mourão, Heron Freire, Cristiane França, Vanessa

Silva, Glauciana Teles, Yara Castro, Diego Salvador, Rose Maia, entre outros. Às pessoas que

trabalham na UECE, por todas as ajudas: Júlia Oliveira e Adriana (do PropGeo), Abu e Rogério

(da Xerox Central), Neide e Ester (da Ester Lanches), Seu Francisco e Aparecida (do setor de

limpeza), Paulo e Val (da coordenação em Geografia).

Aos amigos Danilo Alcantara, em especial, pelo companheirismo e cumplicidade, pelas

palavras amigas, pelo apoio em momentos difíceis e pela amizade sincera, e Marcos Rodrigues,

também pelo companheirismo e cumplicidade, pelos sonhos compartilhados e pelas conquistas

comemoradas conjuntamente. Aos queridos Cláudio Smalley e Aline Sulzbacher, pela amizade

e pelos debates geográficos.

Às pessoas com as quais convivi na França, onde fiz um mestrado na Université Paris 1 e onde

as ajudas se somaram. Inicialmente aos professores Eve-Anne Bühler e Pierre Gautreau, pela

orientação do mémoire e sobretudo pelos conselhos, sugestões e críticas, que muito colaboraram

para o meu crescimento pessoal e acadêmico. Também à Evelyne Mesclier e Vildan Dogan (do

Institut de Recherche pour le Développement), pela acolhida e gentileza. Ainda aos professores

Jean-Louis Chaléard, Christine Raimond e Thierry Sanjuan, pelos importantes ensinamentos.

Aos amigos e companheiros de turma do master, através dos quais pude conhecer tantas

histórias e tantas geografias e me deparar com a diversidade existente no mundo. Às amigas

Patricia Llanos e Flora Rigo, em especial, pelo carinho, pela parceira e pela amizade sempre

sincera, e ao amigo Octavio Mendoza, pelo companheirismo e ajuda nos mapas. Aos amigos

Qi Yang, Melis Eren, Fabien Langeau, Camille Laurent, Vanessa Serykore, David Espinosa,

Ngakoutou Mbangnoudji, Tchaba Patouani, Celia Auquier, Robert Vargas, Carolina

Hernandez, Jenifer Suárez e Linda Marti.

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À família francesa que me acolheu em Paris, em especial, pela carinhosa e gentil acolhida,

proporcionando-me viver bons e importantes momentos. À Micheline Lecomte, de todo o

coração, pelo acolhimento, amizade e conversas afáveis; aos seus filhos Fabrice, Pascalle,

Pascal e Marie, pela hospitalidade e gentileza; e à amiga Laure Haumont, por ter dividido sua

família comigo e por toda a ajuda desde o início. Aos amigos e companheiros de vida parisiense:

Julia Sillo, Thania Alvarez, Sisco Henry e Diea Khemiri, pela amizade.

A todos aqueles que gentilmente me receberam durante os trabalhos de campo, que foram

substanciais para o desenrolar desta pesquisa. Em particular Cícero Araújo, por te me recebido

em sua casa, César Augusto, pelas corridas de moto-táxi, seu Edilson, dona Teresinha, Nivardo,

Romildo, Erandir e seu Zé Maria, pela disponibilidade, dona Euzimar, José Wagner e seu

Venâncio, pelos exemplos de força e superação, dona Ana e seu Val Íris, pelo acolhimento e

pelos exemplos que me levaram a continuar acreditando no futuro. E de entrevista em

entrevista, a partir do contato com o desconhecido, aprendi que o mundo é muito maior e muito

mais fascinante do que imaginamos. Sou muito grato por isso.

Aos funcionários dos seguintes órgãos públicos, pela ajuda: Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Embrapa Agroindústria Tropical,

Central de Abastecimento do Ceará e Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará. Às

pessoas que atuam nos seguintes estabelecimentos visitados durante os trabalhos de campo,

pela disponibilidade: Secretarias Municipais de Agricultura e Sindicatos dos Trabalhadores

Rurais de Paraipaba, Trairi, Amontada, Itapipoca, Itarema e Acaraú, unidades da Ematerce,

empresas agrícolas e agroindustriais, associações e centros comunitários.

À Simone Pinho, pela revisão ortográfica da dissertação, e à Ariana Tabosa, pela correção do

résumé. À professora Valéria Sales, bem como aos meus ex-alunos e colegas do Colégio

Estadual Jenny Gomes, pelo encorajamento.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão

das bolsas de iniciação científica e de mestrado, que me permitiram custear a realização desta

pesquisa, e pelo investimento na formação técnico-científica do país.

Por fim, a Deus, por ter me dado força, coragem, determinação e sabedoria, por ter me mostrado

que todo esforço vale a pena se realmente acreditarmos que somos capazes e que podemos ir

muito além. A conclusão deste mestrado é uma prova disso.

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Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo:

Raiva e tenacidade, Ciência e indignação,

A iniciativa rápida, a longa reflexão,

A fria paciência e a infinita perseverança,

A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto:

Somente as lições da realidade podem nos ensinar a transformar a realidade.

(Bertolt Brecht, em The Didactic Play of Baden).

Devemos, então, nos lembrar de que se o real é o verdadeiro,

o possível é sempre maior que o real e o futuro mais amplo do que o existe.

O presente é o real, o atual que se esvai e sobre ele, como sobre o passado, não temos

qualquer força. O futuro é que constitui o domínio da vontade e é sobre ele que devemos

centrar nosso esforço, de modo a tornar possível e eficaz a nossa ação.

(Milton Santos, em Metamorfoses do Espaço Habitado).

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RESUMO

O objetivo principal deste trabalho é compreender como se organiza a nova geografia do coco,

evidenciada a partir de uma reestruturação produtiva que atinge nacionalmente esse setor há

aproximadamente duas décadas e que provoca o desenrolar de novas e importantes dinâmicas

socioespaciais. Enquanto em períodos anteriores não existia um cultivo intensivo de coco no

país, uma vez que era produzido sobretudo em comunidades litorâneas e em pequenas

quantidades sob os moldes do extrativismo, atualmente observamos o desenvolvimento de um

novo modelo de produção do fruto em virtude da reestruturação produtiva em curso. Esse

processo pode ser caracterizado, entre outros, pela incorporação de novas tecnologias ao cultivo

de coco, pela expansão dos cultivos de coqueiro geneticamente modificado, pela popularização

e internacionalização do consumo de água de coco, pela dispersão espacial da produção de coco

e sua consequente especialização territorial, pelo aumento da quantidade produzida e da área

plantada com o fruto e pela consolidação de seu setor agroindustrial. Tudo isso vem acarretando

uma série de implicações no uso e ocupação do espaço agrícola e na organização das relações

sociais de produção do fruto, a exemplo do que é observado nos municípios que cultivam coco

no Ceará. Com efeito, esta pesquisa se dedica a analisar os principais rebatimentos

socioespaciais advindos com a reestruturação produtiva do setor do coco em território cearense,

focando principalmente na configuração dos espaços nos quais esse processo se materializa e

na atuação dos agentes aí inseridos, visando apresentar o desenvolvimento dessa nova geografia

do coco. Para tanto, baseamo-nos em uma metodologia constituída basicamente por um

levantamento bibliográfico acerca da temática, pela organização de um banco de dados

contendo diversos indicadores qualitativos e quantitativos, pela elaboração de uma hemeroteca

e pela realização de trabalhos de campo em alguns dos mais importantes municípios cearenses

produtores de coco. A partir da consecução desta pesquisa concluiu-se que, ao ter seu sistema

produtivo modificado e ao passar a ser produzido em novos espaços, o moderno cultivo do fruto

induziu o desenrolar de dinâmicas anteriormente não observadas, alterando a forma e o

conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando atender a expansão e a consolidação da

produção intensiva de coco. A materialização dessa reestruturação produtiva mostrou

especialmente quanto esse processo pode ser excludente e conservador, colaborando para

acentuar ainda mais o caráter desigual de acumulação do capital, agora também observado com

um maior vigor no cultivo de coco, que não ficou à margem da territorialização do grande

capital no campo e que trouxe uma série de rebatimentos negativos ao espaço e à sociedade, a

exemplo da seletiva modernização do processo produtivo, da monopolização da produção e da

comercialização do fruto e da expansão da concentração fundiária, implicações que nos ajudam

a revelar o que há realmente por trás da nova geografia do coco no Brasil.

Palavras-chave: Produção de coco. Reestruturação produtiva da agricultura. Dinâmicas

socioespaciais. Territorialização do capital.

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RÉSUMÉ

L’objectif principal de cette étude est de comprendre comment s’organise la nouvelle

géographie de la noix de coco, observée à partir d’un processus de restructuration productive

qui affecte ce secteur à l’échelle nationale il y a deux décennies environ et qui provoque le

développement de nouvelles et importantes dynamiques socio-spatiales. Alors qu’auparavant il

n’y avait pas une culture intensive de la noix de coco dans le pays, une fois que le fruit était

produit principalement dans les communautés côtières et en petites quantités sur le modèle de

l’extractivisme, aujourd’hui on observe le développement d’un nouveau modèle de production

en raison de la restructuration productive en cours. Ce processus peut être caractérisé, parmi

d’autres, par l’incorporation des nouvelles technologies dans la culture de noix de coco;

l’expansion des plantations de cocotiers génétiquement modifiés; la vulgarisation et

l’internationalisation de la consommation de l’eau de noix de coco; la dispersion spatiale de la

production de noix de coco et sa conséquente spécialisation territoriale; l’augmentation de la

quantité produite et la surface cultivée avec le fruit; la consolidation du secteur agro-industriel.

Tout cela a entraîné des répercussions directes sur l’utilisation et l’occupation des espaces

agricoles et l’organisation des rapports sociaux de production du fruit, semblables à ce qui est

observé dans les municipalités qui cultivent la noix de coco au Ceará. En effet, cette recherche

est consacrée à analyser les principales répercussions socio-spatiales découlant de la

restructuration productive du secteur de la noix de coco sur le territoire de l’Etat du Ceará, en

se concentrant principalement sur la configuration des espaces dans lesquels ce processus est

matérialisée et sur l’actuation des agents là insérés, avec l’objectif de présenter le

développement de cette nouvelle géographie de la noix de coco. Pour cela, nous nous appuyons

sur une méthodologie composée essentiellement d’une revue de la littérature sur le thème,

l’organisation d’une base de données contenant plusieurs indicateurs qualitatifs et quantitatifs,

l’organisation d’une hémérothèque et la réalisation des travaux sur le terrain dans certaines

municipalités les plus importantes dans la production de noix de coco au Ceará. A partir de

cette recherche, on a pu observer qu’avec la modification de son système productif et à partir

de la réalisation de la culture dans des nouveaux espaces, la moderne production de noix de

coco a conduit au dénouement d’une série de dynamiques pas observés avant, qui ont contribué

pour le changement de la forme et du contenu spatiales, réorganisés afin de répondre à

l’expansion et la consolidation de la production intensive du fruit. La matérialisation de la

restructuration productive a démontré surtout comment ce processus peut être exclusif et

conservateur, contribuant à accentuer le caractère inégal de l'accumulation du capital dans

l’espace rural. Maintenant aussi observé avec plus de force dans la production de noix de coco,

qui n’est resté pas à la marge de la territorialisation du capital, apportant une série de nouvelles

conséquences tel comme le sélectif processus de modernisation productive, la monopolisation

de la production et commercialisation du fruit et l’expansion de la concentration foncier,

implications qui nous aident à révéler ce qui est vraiment derrière la nouvelle géographie de la

noix de coco au Brésil.

Mots-clés : Production de noix de coco. Restructuration productive de l’agriculture.

Dynamiques socio-spatiales. Territorialisation du capital.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

1 PROPOSIÇÕES TEÓRICAS E PERCURSO METODOLÓGICO 20

1.1 PRODUÇÃO DE COCO – OBJETO DE PESQUISA GEOGRÁFICO? 20

1.2 O DEBATE TEÓRICO E AS NOÇÕES FUNDAMENTAIS 27

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA 37

1.3.1 Levantamento de informações e de bibliografias 44

1.3.2 Trabalhos de campo e realização de entrevistas 48

2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SETOR DO COCO 54

2.1 O COCO NO BRASIL E SUA ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA 54

2.1.1 Produção mundial de coco e o lugar do Brasil 54

2.1.2 Geo-história e periodização da produção brasileira de coco 59

2.1.3 O atual contexto produtivo do coco 66

2.2 O NOVO TEMPO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE COCO 69

2.2.1 O que há de novo na produção de coco no Brasil? 69

2.2.2 A modernização do processo produtivo do coco 74

2.2.3 O papel da pesquisa científica na reestruturação do setor 81

2.3 CONSUMO DE ÁGUA DE COCO E SETOR AGROINDUSTRIAL 86

2.3.1 Popularização e internacionalização do consumo de água de coco 87

2.3.2 Desenvolvimento e atuação das agroindústrias do coco 95

2.4 A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA PRODUÇÃO DE COCO 101

2.4.1 Dinâmica das produções regionais e estaduais de coco 101

2.4.2 As especializações territoriais produtivas de coco 110

3 O COCO NO CEARÁ: CONFIGURAÇÕES PRODUTIVAS E ESPACIAIS 115

3.1 O CONTEXTO DA PRODUÇÃO DE COCO NO CEARÁ 115

3.1.1 Atual organização produtiva do coco 115

3.1.2 As bases da modernização da produção de coco 120

3.2 A ESPACIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CEARENSE DE COCO 125

3.2.1 Distribuição espacial da produção cearense 126

3.2.2 A configuração dos espaços de produção de coco 133

3.3 O COCO NO PERÍMETRO IRRIGADO CURU-PARAIPABA 152

3.3.1 Paraipaba, a capital cearense do coco verde 153

3.3.2 Organização e histórico produtivo do Curu-Paraipaba 154

3.3.3 Difusão e territorialização da produção de coco 160

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4 O CONTEXTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO 166

Os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco 166

4.1 A DIVERSIDADE DE PRODUTORES DE COCO 167

4.1.2 Uma proposta de tipologia para os produtores de coco do Curu-Paraipaba 170

4.2 A CONFIGURAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DO COCO 183

4.3 INTERMEDIÁRIOS: ENTRE A PRODUÇÃO E O CONSUMO 191

4.4 A ORGANIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS DO COCO 197

5 OS LIMITES DE UMA REESTRUTURAÇÃO CONSERVADORA 214

O contexto da reestruturação conservadora do setor do coco 214

5.1 O SELETIVO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO 219

5.1.1 O controle da difusão do uso das inovações 219

5.1.2 A ciência que atende apenas os grandes produtores 224

5.2 MONOPOLIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO 229

5.2.1 O embate entre produtores e atravessadores 230

5.2.2 As estratégias e as formas de atuação das agroindústrias 237

5.2.3 Duplo monopólio e sujeição da renda da terra 243

5.3 CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E CONFLITOS POR TERRA 246

5.3.1 Agronegócio do coco e concentração fundiária 247

5.3.2 Os conflitos por terra: a Ducoco em território Tremembé 261

CONSIDERAÇÕES FINAIS 270

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 276

APÊNDICES 292

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14

INTRODUÇÃO

Sobretudo a partir de meados da década de 1970, a agricultura brasileira passa a receber,

com mais intensidade, influência direta da tecnologia, da ciência e da informação, signos do

atual período histórico chamado por Santos (1996, 2009) de técnico-científico-informacional,

que tem na globalização da produção e do consumo um de seus pilares fundamentais, conforme

indica Elias (2003, 2007). Desde essa década, é visível a intensificação de um processo de

reestruturação produtiva da agricultura nacional, responsável por modernizar e reorganizar o

cultivo de diversos gêneros agrícolas, notadamente aqueles voltados para atender importantes

parcelas do mercado consumidor, seja ele nacional e/ou internacional, alterando sobremaneira

a configuração e o conteúdo de seus circuitos espaciais produtivos.

Em virtude desse processo de reestruturação produtiva da agricultura (ELIAS, 2003),

sob forte mediação do poder estatal em parceria com a iniciativa privada, o Brasil se consolidou

como um dos maiores produtores e exportadores mundiais de gêneros agrícolas, com destaque

para o café, açúcar, soja, suco de laranja, milho, algodão e frutas como banana, melão, mamão

e manga, que tiveram seus processos produtivos modernizados, abrindo margem para o

desenvolvimento de uma agricultura de caráter mais científico, como ilustra Santos (2003),

elevando os índices de produtividade do campo e transformando o país, de acordo com Tonneau

e Sabourin (2009), na “grande potência agrícola” de nosso tempo, ocupando atualmente uma

posição privilegiada na configuração produtiva mundial.

Recentemente, essa reestruturação do setor agrícola brasileiro passou a atingir também

produtos considerados mais “tradicionais”, cultivados regionalmente e que até bem pouco

tempo atrás não despertavam o interesse do grande capital, a exemplo dos cultivos de caju,

coco, açaí, graviola, acerola, entre outros, inaugurando um novo modelo de produção para tais

frutas e contribuindo sobremaneira na reconfiguração dos usos dos espaços nos quais elas são

cultivadas. Desse modo, segundo Fabrini (2008, p. 36), nota-se que “o campo brasileiro está

em constante transformação e consequentemente, a cada momento, são acrescentados novos

conteúdos que pedem à ciência, interpretação”, cabendo a realização de novos estudos que

deem conta do entendimento dos inúmeros processos que agem remodelando os espaços rurais

e os cultivos agrícolas, conforme propõe Jean (2003).

É nesse contexto que se insere a atual organização produtiva do coco no Brasil. Desde

meados de 1990, a produção desse fruto vem mudando consideravelmente, sendo realizada

desde então sob os moldes da agricultura de mercado e da agricultura científica, indicando a

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15

conformação de uma importante reestruturação produtiva do setor do coco1. Infere-se que

anteriormente não existia um cultivo de coco realmente estruturado no país, uma vez que o fruto

era produzido sobretudo em comunidades litorâneas e em pequenas quantidades sob os moldes

do extrativismo. Hoje, no entanto, observa-se a configuração de um novo modelo de produção,

responsável por levar ao desenrolar de dinâmicas das mais diversas, conforme pretendemos

destacar e analisar ao longo de toda a dissertação, no intuito de melhor apreender os

rebatimentos desse processo em curso.

A partir dessa reestruturação produtiva nota-se a difusão de uma nova maneira de se

produzir coco no Brasil, caracterizada especialmente pela utilização de modernos insumos,

implementos e técnicas de cultivo, pela utilização intensiva de capital e tecnologia, pelo

aumento considerável da produção, da produtividade, da área plantada e do consumo de coco e

seus derivados, pela reconfiguração completa do seu circuito espacial produtivo, entre outros,

dando origem a uma nova geografia do coco no país, significativamente distinta da já existente.

Com isso há uma importante modificação na organização e no uso dos novos espaços que

passam a se especializar no cultivo do fruto, alterando também a maneira como se processam

as relações sociais associadas à produção de coco.

Com efeito, justificando a escolha da temática aqui apresentada, consideramos que

somente através de um estudo mais aprofundado é que será possível apontar os rebatimentos

advindos desse novo sistema de produção do coco no Brasil a partir da reestruturação produtiva

que atinge o setor. Nesse sentido, e segundo aponta Ramos (2003, p. 376), apenas através de

uma análise mais atenta é que podemos revelar que

[...] por trás da aparente similaridade na paisagem de um mesmo cultivo, em

tempos e lugares diversos, há um novo sistema de produção. Por trás de uma

paisagem rural há novas dinâmicas espaciais, há uma outra organização

produtiva que na maioria das vezes não são perceptíveis num primeiro

momento.

Diante desse entendimento, acredita-se que a reestruturação produtiva do setor do coco

no país pode ser verdadeiramente apreendida somente a partir de uma análise precisa e in loco

da configuração dos espaços de produção do fruto, visando compreender sobretudo como eles

se comportam diante do novo momento do cultivo de coco, responsável por modificar

sobremaneira os usos e a organização espacial. Assim, no intuito de explicar como se processa

essa reestruturação produtiva do setor do coco, é necessário investigar especialmente a forma e

o conteúdo dos espaços onde ela se materializa, tendo em vista que a forma e o conteúdo

1 Estamos considerando o “setor do coco” como algo que remete conjuntamente à sua produção agrícola, ao seu

processamento industrial, à sua comercialização, à sua distribuição e ao seu consumo.

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espaciais (SANTOS, 2009) são importantes categorias que nos permitem compreender os

rebatimentos advindos com essa reestruturação.

Para tanto, e com o objetivo de fornecer uma validade empírica capaz de demonstrar

com mais veemência o comportamento dos processos em curso, escolhemos tomar o Estado do

Ceará enquanto estudo de caso. O Ceará se destaca no cenário nacional como um dos mais

importantes produtores de coco, possuindo uma considerável área plantada com coqueiros e

uma grande quantidade produzida com o fruto, contando ainda com diversas empresas agrícolas

e agroindustriais especializadas no seu cultivo e processamento industrial, apresentando

também um circuito espacial produtivo de coco altamente dinâmico, que passa a ser

reorganizado em virtude da recente mutação observada nesse setor.

Existem determinados espaços no Ceará onde é possível vislumbrarmos o desenrolar de

diversas dinâmicas diretamente associadas a reestruturação produtiva em curso, sendo

importante, pois, tomar o território cearense enquanto o recorte espacial da presente pesquisa,

até mesmo para melhor entendermos o que acontece com a produção brasileira. Desse modo,

realizamos um estudo panorâmico, no intuito de abarcar, em partes, a compreensão da

reorganização do setor do coco no Brasil, e ao mesmo tempo partimos para um estudo que foca

no particular, analisando o novo comportamento desse setor no Ceará. Assim, pretendemos

fazer uma exposição centrada na análise conjunta da nova geografia do coco no Brasil, de um

modo geral, e no Ceará, mais especificamente.

Depois de apresentados os recortes temático e espacial da pesquisa, se faz importante

indicar as questões centrais que orientam o desenvolvimento da nossa investigação, as quais

seriam: como se organiza a nova geografia cearense do coco diante da reestruturação produtiva

que atinge nacionalmente esse setor e quais são as principais dinâmicas socioespaciais

resultantes desse processo? A partir dessa perspectiva, o objetivo principal deste trabalho é

compreender a organização da nova geografia do coco no Ceará, atentando para a reestruturação

produtiva que vem dinamizando o setor e para seus principais rebatimentos socioespaciais.

Nesse sentido, nossos objetivos específicos são:

a) caracterizar a reestruturação produtiva do setor do coco do Brasil e evidenciar suas

implicações na organização da produção cearense;

b) compreender como se dá a mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola

e na organização das relações sociais associadas à reconfiguração do setor do coco;

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c) analisar a distribuição espacial do cultivo de coco no Ceará e compreender como estão

organizados os seus espaços de produção;

d) indicar quem são os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco no Ceará

e perceber de que maneira eles são inseridos nesse contexto de reestruturação produtiva;

e) apresentar alguns dos mais importantes conflitos e implicações advindas com a

materialização desse processo de reestruturação produtiva do setor.

Enquanto recorte temporal, considera-se a década de 1990 como o início da

reestruturação pela qual passa o setor do coco. Dessa forma, nossa investigação está

concentrada especialmente nas duas últimas décadas, de 1990 a 2010, estendendo-se até 2014,

quando finalizamos a pesquisa. Destaca-se que centrar a análise a partir da década de 1990 é

extremamente importante para compreender não somente para a configuração da produção de

coco, e sim o comportamento geral das atividades agrícolas realizadas no Brasil. Elias (2007) e

Frederico (2010) tomam essa década como o marco da entrada definitiva da agricultura

brasileira no período técnico-científico-informacional, quando os eventos característicos de tal

período atingiram o campo de maneira a reestruturar as relações técnicas, econômicas, sociais,

culturais, políticas e espaciais até então existentes.

Do ponto de vista teórico, nossa pesquisa alicerçou-se sobretudo nos trabalhos dos

geógrafos Milton Santos e Denise Elias. Em Santos (1985, 1986, 1994, 1996, 2003, 2008abc,

2009) encontramos um importante arcabouço baseado na elucidação de uma teoria geográfica

que tem por objetivo a tentativa de compreensão do espaço, o qual foi fundamental para um

melhor entendimento das discussões relacionadas à produção e à organização desse espaço,

especialmente a partir de uma série de noções, conceitos e categorias de análise desenvolvidas

por esse autor e que nos foram indispensáveis para a apreensão e análise das dinâmicas

socioespaciais resultantes da reestruturação produtiva do setor do coco.

Já em Elias (2002ab, 2003, 2005, 2006, 2007, 2009, 2012, 2013) nos deparamos com

uma teoria que tem por objetivo principal compreender a reestruturação produtiva da agricultura

e seus rebatimentos econômicos e socioespaciais, que agem reorganizando diversos cultivos

agrícolas e dinamizando espaços e relações sociais de produção por todo o país, que foi

fundamental para ampliar o entendimento de como a nova geografia do coco se insere nesse

contexto maior de reestruturação produtiva da agricultura. Dessa forma, recorreu-se a esses dois

autores e às ideias por eles lançadas em distintos momentos ao longo de toda a dissertação.

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Cabe destacar que a pesquisa aqui apresentada não teve início apenas quando da nossa

entrada no mestrado, haja vista que desde 2011 estudamos o contexto produtivo do coco,

incialmente com o intuito de concluirmos nosso trabalho de conclusão de curso, que teve como

objetivo principal a análise dos circuitos espaciais da produção do fruto em seis municípios do

litoral oeste cearense. Com essa pesquisa inicial, nos deparamos com diversas dinâmicas

associadas ao setor do coco como um todo – setor esse que vinha passando por inúmeras

transformações, as quais não foram contempladas na monografia. Concluído esse trabalho2,

passamos a nos dedicar à proposta que, depois de muitas lapidações, resultou na dissertação.

Já outra atividade que contribuiu para o atual estágio da investigação ora apresentada

foi a elaboração de um relatório de pesquisa, o mémoire3 – realizado em função de um master

(semelhante a um mestrado) que fizemos na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, na França,

no período de 2013 a 2014 –, no qual expusemos o contexto de reestruturação produtiva do

setor do coco no Brasil e analisamos seus rebatimentos em um perímetro irrigado cearense.

Assim, a realização desses dois trabalhos (a monografia e o mémoire) nos permitiu avançar na

compreensão do contexto produtivo do coco e nos possibilitou inclusive perceber as mudanças

pelas quais ele passa, já que estamos trabalhando com o mesmo objeto de estudo há mais de

quatro anos. No entanto, esse estudo pôde ser consideravelmente aprofundado somente a partir

da realização da pesquisa do mestrado, que foi de março de 2013 a abril de 2015.

A exposição dos resultados desta pesquisa, aqui apresentados em formato de

dissertação, foi dividida em cinco capítulos, interligados entre si. No primeiro deles, tratamos

de fornecer elementos que justificam a existência de uma verdadeira “geografia do coco”,

indicando o que faz da produção desse fruto um objeto de estudo da Geografia. Aqui são

apresentados ainda os principais pressupostos teóricos considerados para dar suporte à

pesquisa. Os procedimentos metodológicos também são indicados nesse capítulo, no intuito de

expor detalhadamente todo o percurso de consecução do nosso trabalho de investigação.

Já no segundo capítulo a organização socioespacial e produtiva do coco no Brasil é

evidenciada, onde indicamos algumas características que perpassam seu sistema produtivo e o

histórico dessa produção no país. São apresentados também os mais importantes elementos que

caracterizam a reestruturação do setor, destacando principalmente a modernização do seu

processo produtivo, a popularização e internacionalização do consumo de água de coco e a

2 Que teve como título “Os circuitos espaciais e os círculos de cooperação da produção de coco no Litoral Oeste

do Ceará” (CAVALCANTE, 2012), realizado sob a orientação da professora Denise Elias. 3 Que teve como título “La restructuration de la production de noix de coco au Brésil: enjeux et défis. Le cas des

nouvelles dynamiques socio-spatiales du Périmètre Irrigué Curu-Paraipaba” (CAVALCANTE, 2014), realizado

sob a orientação dos professores Pierre Gautreau e Eve-Anne Bühler.

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atuação do setor agroindustrial. Em seguida focamos na organização espacial da produção de

coco no país, onde caracterizamos as dinâmicas referentes às produções regionais e estaduais e

abordamos a formação de novos espaços que se especializam nesse cultivo.

O terceiro capítulo é dedicado à apresentação do contexto produtivo e espacial do coco

no Ceará, onde apontamos a organização do cultivo do fruto aí realizado e as bases da sua

modernização. Ressaltamos ainda a questão da espacialização da produção cearense de coco,

caracterizando a distribuição espacial desse cultivo e os espaços nos quais essa produção é

realizada, dando um destaque a um importante perímetro irrigado especializado no cultivo de

coco. No quarto capítulo abordamos as relações sociais de produção de coco no Ceará e

identificamos os principais agentes que integram o seu circuito espacial produtivo, focalizando

na organização dos produtores, trabalhadores, intermediários e agroindústrias e em suas

particulares formas de atuação, especialmente em virtude de suas novas funções evidenciadas

a partir da materialização da reestruturação produtiva.

Por fim, no quinto capítulo analisamos o caráter conservador dessa reestruturação

produtiva do setor do coco, apresentando seus principais limites. Dedicamos uma atenção

especial ao seletivo processo de modernização da produção, discutindo o controle do uso e da

posse das inovações e o acesso à pesquisa científica. Outro ponto destacado é a questão da

monopolização da produção e da comercialização do coco, evidenciada a partir das formas de

atuação dos atravessadores e das agroindústrias. São mostrados ainda a relação entre a produção

de coco e a expansão da concentração fundiária nas regiões onde esse cultivo é realizado e o

acirramento dos conflitos por terra. A partir da leitura desses capítulos, acreditamos que seja

possível a apreensão da nova geografia do coco.

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Capítulo 1

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS E PERCURSO METODOLÓGICO

Partindo do princípio de que não há pesquisa científica sem teoria e sem metodologia,

procuramos neste capítulo apresentar as proposições teóricas e o percurso metodológico de

nosso estudo, antes de adentrar mais a fundo a produção de coco, objeto maior de nossa

investigação. Explanamos, inicialmente, acerca do objeto de pesquisa geográfico, visando

justificar o porquê de se trabalhar a produção de coco sob o viés da Geografia e indicando

elementos que comprovem a existência de uma verdadeira “geografia do coco”. Além disso,

apresentamos as principais noções que estamos considerando ao longo da dissertação, que nos

dão um importante suporte teórico. Na sequência, dedicamo-nos a indicar como a pesquisa foi

realizada, evidenciando os procedimentos metodológicos tomados no decorrer desse processo,

atentando para a construção de uma matriz analítica associada a uma busca bibliográfica, de

dados e de informações.

1.1 PRODUÇÃO DE COCO – OBJETO DE PESQUISA GEOGRÁFICO?

“Mas o que o coco tem a ver com a Geografia?”. Essa foi a pergunta que mais ouvimos

quando da realização de nossos trabalhos de campo e que nos levou a pensar o porquê de o coco

(e todo seu circuito espacial produtivo) poder ser considerado, de fato, um objeto de estudo

geográfico. Entretanto, antes de entrarmos nessa questão, é preciso discutir primeiramente qual

a natureza do objeto de pesquisa da ciência geográfica e o que torna os fenômenos ocorridos

em um dado espaço passíveis de investigação por parte dos geógrafos. Nesse sentido, será que

podemos falar da existência de um objeto geográfico? É o que pergunta Santos (2009) em A

natureza do espaço. E se esse objeto geográfico realmente existe, então o que seria ele?

O referido autor atesta que assim como em outras disciplinas é comum se falar da

existência de “um objeto social ou um objeto antropológico, entende-se que, numa disciplina

geográfica sequiosa de autonomia – e de legitimidade epistemológica – também se queira

afirmar a existência de um objeto próprio” (SANTOS, 2009, p. 72). Com isso, pode-se

considerar que há algo inerente à ciência geográfica e que é perfeitamente passível de se tornar

seu objeto de estudo. Desse modo, e de acordo com Lévy e Lussault (2013, p. 734), em

Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétés, “o geógrafo apreende o espaço a

partir da criação de objetos geográficos, que tornam possíveis seu trabalho de investigação”.

De acordo com Santos (2009, p. 72), “os objetos que interessam à Geografia não são

apenas objetos móveis, mas também imóveis, tal uma cidade, uma barragem, uma estrada de

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rodagem, um porto, uma floresta, uma plantação, um lago, uma montanha. Tudo isso são

objetos geográficos”. Dentro dessa perspectiva, Lévy e Lussault (2013, p. 734) também

acrescentam que “a cidade é um objeto geográfico, o urbano é um outro, assim como o finage,

o terroir, o rio, o sistema produtivo local, enfim, todas as unidades que compõem o espaço e a

espacialidade, em quaisquer que sejam as escalas”. Nesse sentido, infere-se que todo e qualquer

elemento inserido no espaço pode ser considerado enquanto um objeto geográfico.

Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda

herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou.

Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem

e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os casos uma

exterioridade (SANTOS, 2009, p. 72-73).

O desafio seria, então, transformar esses objetos geográficos em objetos de estudo da

ciência geográfica. Por exemplo, uma plantação não é, por si só, um objeto de pesquisa da

Geografia – uma ciência regida por métodos e investigações que lhes são particularidades. É

toda uma série de dinâmicas associadas a essa plantação que lhe confere um teor passível de

ser considerado como um objeto de estudo geográfico. E o mesmo vale para o coco. A priori,

considera-se que não é o coco em si, o fruto oriundo do coqueiro, que é o objeto da investigação

geográfica, mas sim as inúmeras dinâmicas que estão intimamente relacionadas a todas as

etapas que perpassam seu movimento produtivo.

Desse modo, o coco, sempre associado ao seu circuito espacial produtivo, pode sim ser

considerado como um objeto de pesquisa da Geografia, não pelo fato de esse fruto ser produzido

em um determinado espaço, mas sobretudo em virtude de sua produção estar permeada de

dinâmicas intrinsecamente ligadas a questões de ordens socioespaciais, que podem ser

analisadas e apreendidas a partir de métodos inerentes às pesquisas geográficas. Acrescenta-se

ainda que, de acordo com Lévy e Lussault (2013, p. 734), é o modo como fazemos as perguntas

e pensamos a problemática da pesquisa que vai dar o tom geográfico ao estudo, questões essas

que têm por objetivo transformar os objetos em “problemas geográficos”.

Esse seria então o verdadeiro sentido do “pensar geograficamente” a que se refere Stock

(2006), onde até mesmo a produção de coco pode se tornar um objeto de pesquisa geográfico,

uma vez que, como já dizia Cosgrove (1998), “a geografia está em toda parte”. Cabendo, assim,

aos geógrafos apenas dispor de um tal “olhar geográfico”, metamorfoseado em olhar espacial,

conforme aponta Hissa (2002), e possuir as ferramentas necessárias para apreender os

fenômenos geográficos expressos socioespacialmente. Nesse sentido, Santos (2009, p. 77, grifo

do autor) já dava o tom do debate ao afirmar que somente “a partir do entendimento que

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tivermos do que deve ser o objeto da disciplina geográfica [é que] ficamos em condições de

tratar, geograficamente, os objetos encontrados”.

Nesse sentido, é perfeitamente possível trabalharmos a produção de coco a partir de uma

perspectiva geográfica, que inclusive há tempos é objeto de estudos realizados por geógrafos,

entre os quais destacamos os apresentados por Santos (1941) e Pedrosa (1947), estudos

pioneiros realizados na Geografia acerca do contexto produtivo do coco. Esses artigos foram

publicados nos primeiros volumes da Revista Brasileira de Geografia, editada pelo IBGE, como

parte do projeto “Tipos e Aspectos do Brasil”, que vinha apresentando um grande panorama

geográfico e cultural do país. Neles os autores caracterizaram, respectivamente, a produção de

coco no litoral nordestino e os trabalhadores que faziam a colheita do fruto.

Além desses artigos, destacam-se também as seguintes publicações: o artigo de Simões

(1954), no qual ela apresenta a distribuição espacial do cultivo do fruto na Bahia; a importante

obra A terra e o homem no Nordeste, de Andrade (1964), onde a produção de coco ganha um

relativo destaque, especialmente quando o autor analisa como o seu cultivo se difundiu nessa

região, quais as utilidades do coqueiro e dos frutos e como se processavam as relações de

trabalho nos coqueirais; o artigo também de Andrade (1968), onde ele realiza uma breve análise

da produção de coco em Alagoas; a dissertação de França (1988) e a tese de Costa (1998), que

apresentam as características e as dinâmicas inseridas no cultivo do fruto realizado em Sergipe.

Fora essas publicações, poucos são outros trabalhos realizados por geógrafos acerca da

produção de coco, o que não nos impede de pensar na existência de uma peculiar “geografia do

coco”, que merece ser debatida e analisada com mais vigor, a fim de que se possa aprofundar o

conhecimento acerca das principais dinâmicas que permeiam o seu circuito espacial produtivo.

E esse seria, também, um dos objetivos do presente trabalho, que é dar uma contribuição ao

entendimento de parte dessas dinâmicas inerentes à produção desse fruto, que muitas vezes

passam despercebidas aos olhos de diversos pesquisadores, mas que são igualmente

importantes para a compreensão do processo de uso e organização do espaço rural brasileiro.

Desse modo, e a partir das proposições lançadas especialmente por Castro (1937, p. 23),

quando diz que “dentro do estudo da alimentação, formam-se, assim, especializações orientadas

para o seu estudo fisiológico, sua expressão sociológica, sua repercussão nos domínios da

antropologia, suas aplicações terapêuticas”, e por Freyre (1971, s.p.), ao assegurar que “todo

produto que seja, sob critério antropológico, à base de um complexo sociocultural de vida e de

convivência humana, é susceptível de servir de objeto a uma sociologia especializada no seu

estudo”, encontramos os fundamentos que justificam a existência de uma “geografia dos

alimentos”, uma “geografia dos produtos agrícolas”, e até mesmo de uma “geografia do coco”.

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Desse modo, se todo produto tem uma história, uma antropologia4 e uma sociologia que lhe são

próprias, por que não também uma geografia5 que lhe seja particular?

Observando os estudos realizados pela Geografia Agrária, nota-se que é recorrente o

desenvolvimento de trabalhos que dão um especial destaque à conotação geográfica da

agricultura e dos produtos agrícolas. As obras organizadas por Elias e Pequeno (2006),

Bernardes e Ferreira Filho (2006), Charvet (2008), Marafon e Pessoa (2008), Bernardes e Aracri

(2010), Ferreira et al. (2011), Guibert e Jean (2011), Costa e Lisboa (2012), Nahum et al. (2014)

e Wizniewsky e David (2015), por exemplo, retratam muito bem esse debate, ao analisarem a

intrínseca relação entre a atividade agrícola e as inúmeras dinâmicas socioespaciais dela

resultantes. Além desses trabalhos, há vários outros que se dedicam a apreender a

geograficidade da produção agrícola, indicando a existência de um vasto campo de pesquisa6.

Com isso, percebe-se que dentro da Geografia Agrária existe um importante pluralismo

temático, teórico e metodológico7, que realiza desde estudos centrados na análise do espaço a

partir do desenvolvimento das atividades agrícolas e da modernização agropecuária, a aqueles

ligados à reprodução das relações sociais de produção, ao aprofundamento do modo de

produção capitalista no campo, à luta pela conquista e permanência na terra, à relação campo-

cidade, entre outros temas. Nesse sentido, em virtude desse pluralismo temático e teórico, nosso

estudo foi pensado, inicialmente, sob o viés da Geografia Agrária, entretanto recebeu fortes

aportes advindos principalmente da Geografia Econômica, assim como da Geografia Regional,

das Indústrias, da População e dos Serviços.

Assim, e de um modo geral, tomamos essa “geografia do coco” enquanto algo que

engloba elementos de diversas subdivisões da ciência geográfica, com o intuito de apreender

nosso objeto de estudo como um todo e não calcado apenas em aspectos meramente produtivos.

Entretanto, diante das nossas próprias limitações e a fim de alcançar os objetivos propostos com

este trabalho, concentraremos nossa análise especialmente na geografia da produção de coco,

enquanto atividade agrícola, assim como nas geografias da produção industrial e da

comercialização, tentando perceber suas principais nuances e articulações estabelecidas entre

espaços e agentes, não abrindo mão de apresentar ainda as geografias da distribuição e do

consumo do fruto, mesmo que parcialmente.

4 Lody (2011), em Coco: comida, cultura e patrimônio, apresenta uma antropologia do fruto, destacando

características da produção e do consumo de coco pelo mundo. 5 A partir da leitura de Paulino (2012), na obra Por uma geografia dos camponeses, fica claro que é possível

construir uma “geografia” de qualquer que seja o objeto, sendo obrigatório, no entanto, sempre considerar as

variáveis derivadas da intrínseca relação entre espaço, sociedade e tempo. 6 A exemplo que retrata Rieutort (2011) ao analisar o caso da Geografia Rural francesa. 7 Ideia compartilhada por autores como Andrade (1995), Bray (2007), Suzuki (2007) e Ferreira (2011).

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Retomando nossa questão inicial: mas o que o coco tem a ver com a Geografia e quais

são os elementos que caracterizam o estudo da geografia do coco? Para responder a essas

perguntas é necessário atentarmos para a importância que a discussão em torno da noção de

espaço geográfico adquire para a compreensão dos processos inseridos especialmente no

cultivo de coco, tendo em vista que todo ato de produção agrícola é, ao mesmo tempo, um ato

de produção do espaço8, conforme aponta Santos (2008), tornando-se, pois, dois atos

indissociáveis, já que “não há produção que não seja produção do espaço” (SANTOS, 1994, p.

88)9. Nesse sentido, é preciso ficar claro que todo o movimento produtivo do coco é também

um fator que leva à (re)produção e à (re)organização do espaço10.

Esse movimento produtivo do coco vai originar espaços que lhe são bastante

particulares. Retomando a ideia de “instâncias produtivas” apresentada por Santos (1985), que

juntas nos dariam uma melhor compreensão do próprio espaço, entendido pelo autor como algo

uno, total e indivisível, vislumbramos a existência de no mínimo quatro instâncias ligadas à

produção: o espaço da produção propriamente dita, o da circulação, o da distribuição e o do

consumo, mutuamente interligados e interdependentes. Essas instâncias também são

observadas nessa geografia do coco, uma vez que desde a concepção e produção agrícola,

passando pelo processamento industrial, comercialização, circulação, distribuição e consumo

do fruto, observamos um processo constante de (re)produção e (re)organização do espaço.

Assim, sempre que nos referirmos aos “espaços de produção de coco”, por exemplo,

estaremos implicitamente considerando tais espaços como algo socialmente construídos e onde

se dão o desenrolar das relações sociais, considerando ainda seu histórico processo de produção

e seu permanente movimento de reprodução. Pensar nos “espaços de produção de coco” é ir

muito além da dimensão produtiva e abarcar de uma vez só as dimensões espacial e social, ou,

em uma só palavra, socioespaciais. É nesse sentido que pretendemos prosseguir na análise da

geografia do coco, abarcando sempre que possível seus aspectos produtivos conjuntamente com

os aspectos socioespaciais.

Isso nos levaria a uma questão de ordem eminentemente geográfica, pois compreender

como se organiza a geografia do coco é ir para além desse aspecto produtivo, é ver como o

espaço e a sociedade são inseridos nesse movimento específico que remete à produção do fruto.

8 “Produzir significa tirar da natureza os elementos indispensáveis à reprodução da vida. A produção, pois, supõe

uma intermediação entre o homem e natureza, através das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados para

o exercício desse intermédio” (SANTOS, 2008, p. 202). 9 O autor aborda essa questão em diversas obras, mas especialmente em Santos (2008), sobretudo no capítulo O

espaço total de nossos dias. 10 De acordo com Chaleard e Charvet (2004, p. 23), “os agricultores não produzem apenas gêneros agrícolas, eles

produzem também paisagens agrárias”, produzem, portanto, espaço.

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Analisar essa geografia do coco, entre outras coisas, é identificar e perceber como se organizam

os fixos e fluxos11 relacionados ao seu circuito espacial produtivo; é compreender como se dão

as interações entre seus espaços de produção, distribuição, circulação e consumo; é analisar de

que maneira o global dinamiza o local, e vice-versa, e interfere na produção do fruto; é

compreender o papel de cada um dos agentes inseridos em seu circuito espacial produtivo e

analisar como eles se relacionam entre si; é atentar para o uso e gestão do território por parte

dessa produção e dos agentes que a dinamizam.

Além disso, e grosso modo, quando se analisa a geografia do coco se está diretamente

trabalhando com seu circuito espacial produtivo, que é importante para indicar as inúmeras

escalas pelas quais perpassam a produção do fruto, unindo em um só movimento todas as

instâncias produtivas relacionadas ao setor, espacialmente dispersas. Diversos são os geógrafos,

como M. Oliveira (2002), Elias (2003), Xavier (2003), Bernardes (2006), Castillo e Frederico

(2010), Arroyo (2012), Bomtempo (2012) e Frederico (2014), entre outros, que apontam que a

melhor maneira de se apreender a dimensão geográfica de uma dada produção é tomando como

ponto de partida uma análise centrada no seu “circuito espacial produtivo” (ou da produção),

noção apresentada algumas vezes por Santos (1986, 1994, 1996)12.

De acordo com Castillo e Frederico (2010, p. 463), essa noção enfatiza, ao msmo tempo,

“a centralidade da circulação (circuito) no encadeamento das diversas etapas da produção; a

condição do espaço (espacial) como variável ativa na reprodução social; e o enfoque centrado

no ramo, ou seja, na atividade produtiva dominante (produtivo)”. Esses autores indicam

também que “os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de matéria (fluxos

materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção,

distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente”

(CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465).

Assim, de um modo geral, podemos entender um circuito espacial produtivo como tudo

aquilo que está direta ou indiretamente relacionado à produção propriamente dita de um produto

qualquer até chegar ao seu consumidor final, passando pela distribuição e pela comercialização,

além de envolver uma série de outras etapas e processos incluídos nesse movimento constante

de produção-distribuição-comercialização-consumo, sempre articulado aos “círculos de

11 Para Santos (1994), o espaço seria formado pela junção de fixos, que são os próprios instrumentos de trabalho

e as forças produtivas, e de fluxos, que são o movimento, a circulação. Ainda segundo o autor, “as categorias

clássicas, isto é, a produção propriamente dita, a circulação, a distribuição e o consumo, podem ser estudados

através desses dois elementos: fixos e fluxos” (SANTOS, 1994, p. 77). 12 Santos (1986) vai se referir à existência de três tipos de circuitos: circuitos de ramos, circuitos de firmas e

circuitos territoriais (ou espaciais).

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cooperação” (SANTOS, 1994, 1996), que vão garantir a transferência de informações, capitais,

ordens, financiamentos e tecnologias.

Segundo Santos (1994), o simples ato de entender a configuração dos circuitos espaciais

de uma dada produção possibilita o entendimento do movimento das mercadorias no espaço,

visto que para apreender o funcionamento desse espaço é indispensável captar tal movimento

(SANTOS; SILVEIRA, 2003). Ainda de acordo com o autor, “como os circuitos produtivos se

dão, no espaço, de forma desagregada, embora não desarticulada”, a importância que o processo

de produção-distribuição-comercialização-consumo tem, “a cada momento histórico e para

cada caso particular, ajuda a compreender a organização do espaço” (SANTOS, 1985, p. 03).

Assim, o movimento das mercadorias no espaço já seria um importante indicador que auxilia

na compreensão desse próprio espaço13.

Atualmente, as diversas relações e as trocas que se dão no interior das instâncias

produtivas não se organizam mais de forma somente local, regional e/ou nacional, e sim de uma

forma global. Por essa razão, segundo Santos (1994, p. 49), não podemos mais falar em circuitos

regionais da produção, onde com “a crescente especialização regional, com os inúmeros fluxos

de todos os tipos, intensidades e direções, temos que falar de circuitos espaciais da produção”.

Além disso, com a crescente desconcentração espacial produtiva, tanto agrícola como

industrial, os mercados consumidores estão se distanciando cada vez mais dos principais

centros produtores, impondo a existência de meios que interliguem os espaços da produção aos

espaços do consumo, geograficamente dispersos.

Como a localização das diversas etapas do processo produtivo (produção

propriamente dita, circulação, distribuição, consumo) pode doravante ser

dissociada e autônoma, aumentam as necessidades de complementação entre

lugares, gerando circuitos produtivos e fluxos cuja natureza, direção,

intensidade e força variam segundo os produtores, segundo as formas

produtivas, segundo a organização do espaço preexistente e os impulsos

políticos (SANTOS, 1996, p. 128).

Dessa maneira, o uso dessa noção possibilita a compreensão de como o espaço é

produzido e organizado pelo cultivo de coco. E é nesse sentido que pretendemos seguir nossa

análise, tomando todo o setor do coco como um objeto de estudo geográfico e procurando

abarcar os mais significativos processos observados com o desenrolar da nova geografia desse

fruto, marcada por uma reestruturação produtiva responsável por gerar novas e importantes

dinâmicas socioespaciais, que serão analisadas à luz da Geografia.

13 Isso nos levaria, ainda, a apreender o “uso diferenciado de cada território por parte das empresas, das instituições,

dos indivíduos e permitem compreender a hierarquia dos lugares desde a escala regional até a escala mundial”

(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 144).

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Por essa razão, pensar essa geografia do coco nos leva, antes de mais nada, a pensar a

própria Geografia, tomada aqui enquanto uma ciência encarregada do estudo da relação entre

espaço e sociedade. A produção de coco é nosso ponto de partida e o tema central que guia

nossa reflexão e análise, entretanto nossa discussão não gira em torno exclusivamente dela e de

seu circuito espacial produtivo, e sim desse espaço e dessa sociedade, objetos maiores e fruto

das constantes inquietações dos geógrafos. Conforme veremos, é o espaço e a sociedade que

dão a tônica ao nosso estudo, mas que só serão apreendidos a partir do vislumbramento da

peculiar geografia do coco.

1.2 O DEBATE TEÓRICO E AS NOÇÕES FUNDAMENTAIS

Ao apresentar e analisar essa geografia do coco é indispensável atentarmos para uma

discussão teórica que fundamente o desenrolar da nossa pesquisa. Segundo assegura Sposito

(2004, p. 65), todo método de análise “contém suas próprias leis, sua base ideológica, suas

categorias para a elaboração dos vários conceitos e teorias que nos permitirão realizar nossa

leitura científica do mundo”. Destacamos que por mais elementos empíricos que apresentemos,

nossa análise só será completa se eles estiverem ancorados em um sólido debate teórico que

consiga auxiliar na compreensão da realidade que está sendo objeto de investigação.

Assim, consideramos que todo estudo empírico deve estar ancorado em uma discussão

teórica pertinente que possibilite avançar na exposição das ideias e na compreensão dos

processos em curso. Desse modo, ao longo da dissertação recorremos a diversos autores14 que

nos fornecem importantes concepções teóricas que são fundamentais para nos auxiliar no

desenvolvimento de nossa problemática. Por esse motivo, sempre que necessário, tais autores

e as ideias por eles lançadas são postos em evidência a fim de dar um suporte teórico à nossa

análise empírica, levando a um melhor entendimento da mesma.

Além disso, para compreendermos o novo momento da geografia do coco no Brasil é

fundamental considerar noções muito mais amplas e que nos ajudam a melhor apreender as

principais mutações observadas no setor do coco. Para tanto, a fim de abarcar uma maior

complexidade e levantar questões teóricas mais apropriadas, nossa reflexão gira basicamente

em torno de três noções principais – reestruturação produtiva, territorialização do capital e

dinâmicas socioespaciais –, sendo importante melhor defini-las no intuito de se evitarem

equívocos e interpretações errôneas aos quais realmente estamos nos referindo.

14 Tais autores são majoritariamente geógrafos, além de alguns sociólogos, economistas e agrônomos, entre outros.

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Nesse sentido, é necessário refletir inicialmente sobre as discussões em torno da noção

de “reestruturação produtiva”, tomando as considerações lançadas por Soja (1988, 1993) como

uma das principais referências15. Em linhas gerais, o autor (1993) entende a reestruturação

como uma “mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente

diferentes da vida social, econômica e política” (p. 193), implicando “fluxo e transição, posturas

ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e mudança” (p.

194). Assim, a reestruturação deve ser entendida enquanto um processo, devendo ser tomada

como sinônimo de reorganização e de reajustamentos.

Destaca-se que essa reestruturação é, antes de tudo, uma reestruturação capitalista

(SOJA, 1993), aparecendo como uma luta contra a rigidez do sistema capitalista (BENKO,

2002), como uma forma de ajustamento desse sistema de produção às novas necessidades

impostas pelo mercado globalizado de bens e serviços e pelo atual período histórico, marcado

por um regime de acumulação flexível do capital (HARVEY, 1992). Regime esse caracterizado

por uma flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de

consumo, e ainda pelo surgimento de novos setores de produção, segundo aponta Harvey

(1992), conforme observamos atualmente em diversas partes do mundo16.

Quando essa reestruturação capitalista se expressa no plano produtivo, capaz de implicar

profundas modificações na maneira como se organiza uma determinada produção, estamos

diante de uma “reestruturação produtiva”, definida por Gomes (2011) como um processo de

mudança espacial, social, tecnológica e organizacional, reconfigurando tudo o que está sendo

produzido. A autora explica também que essa reestruturação implica sempre uma mélange e

uma tensão entre o velho e o novo, entre as formas já previamente instaladas no espaço e os

elementos advindos com esse processo, como também indica Soja (1988)17. Dessa forma,

apesar de dotar novos conteúdos ao espaço, a reestruturação produtiva não consegue eliminar

as rugosidades18 advindas de tempos anteriores e nem eliminar as relações sociais de produção

já estabelecidas, mas sim reorganizá-las.

15 Soja (1988) assevera que passamos por três tipos de reestruturação: a ontológica (estabelecida pela relação entre

o espaço, o tempo e o ser), a social (ou produtiva, atrelada a uma reestruturação espacial do capitalismo) e a cultural

(ligada à desconstrução e à reconstituição da modernidade). 16 Autores como Thomaz Júnior (2004), Leite (2005), Gomes (2011) e Hespanhol (2013) asseguram que no Brasil

tal reestruturação produtiva é observada desde meados do final da década de 1970, mas que esse processo se

intensificou somente a partir dos anos 1990, assegurado por uma política neoliberal de crescimento econômico,

acarretando transformações em diversas parcelas do território nacional, no processo produtivo de inúmeros

produtos e setores e na organização do trabalho urbano e rural. 17 Para Soja (1988, p. 07), “a reestruturação está enraizada em uma crise e em um conflito competitivo entre o

velho e o novo, entre a ordem herdada e a ordem proposta. Não se trata de um processo mecanicista ou automático”. 18 Entendidas enquanto heranças de tempos antigos, produzidas em um determinado período, mas que continuam

incorporadas ao espaço (SANTOS, 2008).

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Alves (2008) alerta, entretanto, que a reestruturação produtiva não envolve apenas a

produção propriamente dita, ultrapassando o processo produtivo em si e atingindo diversos

setores, inserindo em uma mesma lógica uma série de diferentes espaços e agentes. Já Benko

(2002) destaca que o regime de acumulação flexível, capaz de levar a uma reestruturação das

atividades produtivas, induz a uma reorganização do espaço e da sociedade, não atingindo

apenas a dimensão econômica, mas influenciando também as dimensões espacial e social. De

acordo com Alves (2008, p. 09), “ao restringir o processo de reestruturação produtiva apenas à

sua dimensão econômica propriamente dita, oculta-se, hoje, mais do que nunca, traços

essenciais da restruturação capitalista”.

Assim, ao dar uma nova configuração ao espaço e à sociedade, a reestruturação

produtiva surge enquanto fenômeno socioespacial (GOMES, 2011). Portanto, essa

reestruturação implica mudança e reordenamento das diversas relações inseridas em um dado

setor, sendo capaz de acarretar modificações na organização dos processos produtivos e das

relações sociais de produção, promovendo reajustamentos nas dimensões sociais, econômicas

e políticas e trazendo rebatimentos diretos na configuração espacial (SOJA, 1988). Dessa

maneira, quando analisamos a reestruturação produtiva de um determinado setor, como o do

coco, deve-se atentar também para suas implicações socioespaciais e não apenas para aspectos

unicamente produtivos19.

Conforme já indicado, esse processo de reestruturação atinge e reorganiza diversos

setores, entre eles o agrícola. Quando essa reestruturação se materializa na agricultura, por

exemplo, estamos diante do que Elias (2003) denomina de “reestruturação produtiva da

agricultura”. Analisando o caso brasileiro, a pesquisadora considera que através desse processo

foi possível intensificar o modo de produção capitalista no campo, modernizar a produção

agrícola e reorganizar as tradicionais formas de comercialização, distribuição e consumo. A

autora destaca também que atualmente a agricultura brasileira não escapa da nova ordem

econômica e se realiza de forma globalizada, “se não na sua produção propriamente, na sua

circulação, distribuição ou seu consumo, mostrando-se uma das atividades mais contagiadas

pela revolução tecnológica” (ELIAS, 2003, p. 59).

Elias (2003) evidencia que muito embora desde o século XVI a atividade agrícola

brasileira apresente crescente processo de internacionalização, somente em meados do século

XX é que se conhece uma ação contínua de reestruturação e globalização, processos esses

19 Nesse sentido, como sugere Gomes (2011), caberia à Geografia analisar tal processo de reestruturação produtiva

sempre no intuito de perceber seus impactos na dinâmica espacial, mostrando suas implicações territoriais e seus

reflexos na sociedade.

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aprofundados e consolidados nestes primeiros anos do século XXI, quando assistimos a uma

considerável inserção de tecnologia, ciência e informação no processo produtivo agrícola,

culminando em uma reestruturação da agricultura do país e possibilitando novos e importantes

usos do território nacional. Enquanto outrora se tratava apenas de uma internacionalização, com

a exportação da produção agrícola cultivada nos moldes do plantation, Elias (2003, p. 36)

destaca ainda que hoje podemos falar de um “processo mundial de produção e de tudo o mais

que lhe dá sustentação: mundialização do mercado, do capital, das firmas, do consumo, dos

gostos e, até mesmo, da mais-valia e dos modelos de vida social”.

A reestruturação produtiva da agricultura, conforme aponta Elias (2003, 2006, 2007,

2012), caracteriza-se em especial pelos seguintes processos, entre outros: introdução de

modernos insumos e implementos no processo produtivo agrícola, modernizando a produção;

readequação dos principais circuitos espaciais produtivos; consolidação de grandes empresas

agrícolas e agroindustriais; integração de capitais comerciais, financeiros, industriais e

agrícolas; surgimento de novos espaços especializados no desenvolvimento de uma agricultura

científica e de mercado. Destaca-se que essa reestruturação produtiva pela qual passa a

agricultura atinge tanto a base técnica quanto a econômica e a social, exercendo profundos

impactos sobre os espaços rurais, que passam por um acelerado processo de reorganização,

mostrando-se extremamente abertos à forma capitalista de produzir (ELIAS, 2006).

Elias (2003), ancorada em Delgado (1985) e Graziano da Silva (1998), considera que

um dos principais fatores responsáveis pelo desencadeamento da reestruturação da agricultura

nacional foi a mudança da base técnica do processo de produção agrícola, chamado por muitos

de “modernização da agricultura”20. Essa mudança significa que a reprodução ampliada do setor

agrícola passa a depender cada vez menos da dotação de recursos naturais utilizados como

insumos e cada vez mais dos meios de produção gerados em setores especializados da indústria

(DELGADO, 1985), contribuindo para ampliar a dependência da agricultura ao setor industrial.

A esse respeito, Graziano da Silva (2003) afirma que uma série de inovações responsáveis pela

mudança da base técnica da produção do país passaram a adiantar substancialmente o processo

produtivo agrícola, levando, dessa forma, a “um novo uso do tempo e um novo uso da terra”

(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 118).

20 É importante pontuar que os processos de “reestruturação produtiva da agricultura” e de “modernização da

agricultura”, apesar de complementares, retratam momentos diferentes e não devem ser entendidos enquanto

sinônimos. A reestruturação produtiva da agricultura vai muito além de uma simples modernização do processo

produtivo agrícola, com a substituição da base técnica aí utilizada, expandindo-se também para a comercialização,

a distribuição e o consumo dos produtos, reorganizando o setor produtivo por inteiro, e não somente o agrícola.

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Essa reestruturação produtiva da agricultura foi fortemente impulsionada em um

primeiro momento pelos governos ditatoriais (de 1964 a 1985), continuada pelos governantes

neoliberais que vieram em seguida (de 1985 a 2002) e reafirmada nos mandatos de Lula e Dilma

(a partir de 2003). São evidentes os resultados das sucessivas ações empreendidas pelo Estado,

sempre associado aos interesses do capital privado representado por importantes empresas

agrícolas e agroindustriais, na tentativa de reestruturar a agricultura nacional, tornando-a mais

dinâmica, rentável e competitiva, a ponto até mesmo de conseguir transformar o Brasil no “país

do capitalismo agrário”, nos termos de Roux (2012). Para Gonçalves Neto (1997) e Elias

(2003), coube ao Estado brasileiro adequar a produção e o território à reprodução do capital na

agricultura do país, funcionando como o principal maestro das transformações necessárias para

levar a uma reestruturação produtiva do setor (ELIAS, 2003, p. 65).

Tal reestruturação da agricultura nacional ocasionou profundos impactos no espaço

agrícola brasileiro, remodelando suas dinâmicas produtivas e sociais. Conforme denotam

estudos realizados por todo o país, nos espaços onde essa reestruturação do setor se materializa

com mais intensidade notamos, além de outros processos, o acirrar das especializações

produtivas, com a substituição de antigos cultivos, notadamente os voltados para a subsistência,

por cultivos mais rentáveis e inseridos em uma agricultura de mercado. Observamos também a

inserção cada vez maior de novos produtores nesse contexto, seja mediante a utilização do

pacote técnico recém-difundido seja pela in/direta vinculação aos circuitos globalizados da

produção e do consumo. Nota-se, ainda, o aumento do poderio de grandes empresas agrícolas

e agroindustriais, instaladas principalmente nas regiões de expansão do modelo produtivo

chamado de agronegócio21, um dos retratos do atual momento agrícola do país.

Em linhas gerais, esse movimento orquestrado pelo Estado e pelo capital privado no

intuito de inserir a agricultura no contexto da reestruturação produtiva significou, antes de mais

nada, a territorialização da racionalidade capitalista no campo, abrindo margem para o

desenvolvimento da agricultura de mercado e promovendo rebatimentos que atingiram

seletivamente espaços, produções e produtores com o único objetivo de ampliar o potencial

agrícola do país e difundir a lógica de produção empresarial por todos os setores, tornando-os

capazes de responder às exigências de um crescente mercado consumidor, seja ele interno e/ou

externo. A partir daí, e cada vez mais, o que, quando, como e onde produzir passaram a ser

21 Estamos entendendo aqui o “agronegócio” enquanto um setor produtivo (ideologicamente) altamente rentável,

organizado a partir de uma grande integração de capitais, sejam eles agrícolas, industriais, comerciais ou

financeiros, e que se processa em rede com os diversos setores econômicos e de acordo com os preceitos da

agricultura científica e de mercado. Sobre o agronegócio no Brasil ver, entre outros, Oliveira (2004), Castillo

(2005), Elias e Pequeno (2006), Bernardes e Ferreira Filho (2006) e Fernandes (2008).

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ações impostas aos produtores pelos agentes hegemônicos detentores de capital22,

transformando também o meio rural no espaço da racionalidade capitalista (SANTOS, 1996).

A esse respeito, Martins (1995, p. 160) destaca que a tendência do capital é de

justamente “dominar tudo, subordinar todos os setores e ramos da produção e, pouco a pouco,

ele o faz”. E isso se dá até mesmo em setores que anteriormente não eram muito visados por

esse capital, a exemplo do cultivo de diversas frutas tropicais, como caju, coco, açaí, graviola,

acerola, maracujá e goiaba, entre outras. Além disso, infere-se que, para Martine (1991), não

foi só a base técnica da produção agrícola que foi alterada em virtude da utilização intensiva

em capital, mas também a composição dos produtos agrícolas e os processos de produção.

Assim, aos poucos, o capital vai dominando todos os setores e controlando todas as atividades

associadas ao seu circuito espacial produtivo.

A reestruturação produtiva da agricultura brasileira, além de se processar de maneira

espacialmente seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006), vem privilegiando somente

alguns gêneros agrícolas, que passam por uma modernização de seus processos produtivos e

que são reorganizados com a finalidade de auferir uma maior rentabilidade ao capital,

culminando em uma reconfiguração de seus circuitos espaciais de produção e círculos de

cooperação, implicando novos usos do território, remodelando as dinâmicas socioespaciais

precedentes e envolvendo uma quantidade cada vez maior de novos processos e agentes. Entre

esses gêneros agrícolas que p assaram a ter seus processos produtivos reestruturados destacam-

se especialmente aqueles inseridos nos setores de grãos e da fruticultura.

A fruticultura é tomada por Cavalcanti (1997, 2009) como um dos segmentos mais

dinâmicos e competitivos do setor agrícola, uma vez que, para Ramos (2006, p. 161), as frutas

“encerram novas oportunidades no cenário do agronegócio em razão do aumento da demanda

mundial por produtos com baixas calorias, de fácil preparo e consumo, rico em vitaminas, sais

minerais, fibras e proteínas. Esta é a justificativa para a expansão das negociações com frutas

frescas no mercado mundial”. Assim, por esses motivos, o cultivo de diversas frutas foi, pouco

a pouco, despertando a atenção do grande capital e hoje já está completamente contagiado pela

racionalidade do presente período histórico, compondo uma importante fatia na balança

comercial brasileira (BEZERRA, 2012).

É em todo esse contexto que se insere a reestruturação produtiva do setor do coco no

Brasil, cujas características apresentaremos nos próximos capítulos, sendo diretamente

22 Notadamente grandes empresas e redes agrícolas, de produção de insumos, agroindustriais, de distribuição e de

varejo, com forte atuação nacional e internacional, conforme asseguram Silveira (2005), Elias (2006), Frederico

(2010) e Bezerra (2012), entre outros autores.

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influenciada pelos mesmos processos que dinamizam o setor agrícola mundial e a economia

brasileira. Desse modo, deve ficar claro que o novo momento pelo qual passa a produção de

coco não é algo que se dá de maneira isolada no contexto nacional. Devemos, pois, entender

esse processo como um desdobramento da reestruturação produtiva da agricultura brasileira,

que por sua vez é diretamente influenciada pelo regime de acumulação flexível característico

da economia globalizada.

Assim, ao analisar a reestruturação produtiva do setor do coco deve-se atentar para os

inúmeros e importantes elementos que agem regulando os mais diversos setores produtivos.

Além disso, sempre que nos referirmos a essa reestruturação estaremos evocando o conjunto de

processos responsáveis por dinamizar todo o circuito espacial produtivo do fruto, e não apenas

sua produção agrícola. Dessa forma, e de um modo geral, podemos entender a reestruturação

produtiva do setor do coco como o conjunto de processos capazes de reorganizar todo o seu

circuito produtivo, invadindo até mesmo as dimensões espaciais e sociais e trazendo fortes

rebatimentos socioespaciais, uma vez que ela não se expressa apenas no plano produtivo, a

partir do que ressalta Alves (2008), como já indicamos anteriormente.

E dentre os desdobramentos intrinsicamente ligados a essa reestruturação da agricultura

brasileira está a territorialização do capital no setor agrícola. Conforme destaca Elias (2007, p.

49), o novo modelo econômico da produção agropecuária observado no país “oferece novas

possibilidades para a acumulação ampliada do capital no setor e viabiliza significativa

intensificação do capitalismo no campo”. Nesse sentido, a reestruturação produtiva da

agricultura e a territorialização do capital no campo, e por sua vez na produção agrícola, são

processos que se materializam conjuntamente. Se entendemos a reestruturação produtiva da

agricultura enquanto uma forma de ajustamento do capital com o intuito de tornar esse setor

mais dinâmico e competitivo, a territorialização desse capital aparece enquanto uma

consequência altamente previsível.

São inúmeras as maneiras pelas quais o capital se territorializa no campo e na atividade

agrícola, e uma delas é aquela apresentada por Oliveira (2001, 2002). Para o autor, essa

territorialização do capital acontece quando se dá o assalariamento e/ou o recrutamento dos

trabalhadores rurais, por mediação de empresas agrícolas e agroindustriais instaladas no campo.

Dessa maneira, o capital se territorializaria a partir do momento que levasse à sujeição formal

do trabalhador, conforme revelam as proposições lançadas por Martins (1995), processo que se

dá especialmente a partir do assalariamento desses trabalhadores. Ainda de acordo com Oliveira

(2001, 2002), associado ao processo de territorialização do capital está o de monopolização do

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território, que, segundo o autor, ocorre quando há um controle da renda da terra pelo capital,

mormente no momento da comercialização das mercadorias.

Acerca disso, Paulino (2007, p. 344) acrescenta que a territorialização do capital é um

processo “pelo qual o capital se instala na agricultura e, mediante o controle da terra, seja por

meio da compra ou do arrendamento, bem como da contratação de trabalhadores assalariados,

realiza a sua produção”. A autora considera ainda que o controle da produção agrícola por

proprietários fundiários “tem assegurado a extração da renda e do lucro, com emprego de força

de trabalho contratada” (PAULINO, 2012, p. 114). Nesse sentido, os referidos autores tomam

a territorialização do capital especialmente a partir da propriedade privada da terra e através do

assalariamento no campo. Com isso, de qualquer modo, acirra-se consideravelmente a expansão

das relações capitalistas de produção no campo, segundo asseguram Elias e Pequeno (2010).

Através desses exemplos, além de outros que podem ser evidenciados, percebe-se que há

um controle do território pelo capital, que se territorializa e passa a ditar seu conjunto de regras

e imposições23. Destaca-se que o território deve ser entendido sempre enquanto “apropriação

(num sentido mais simbólico) e domínio (num enfoque mais concreto, político-econômico) de

um espaço socialmente partilhado”, ou ainda como “uma construção histórica e, portanto,

social, a partir das relações de poder (concreto e simbólico) que envolvem, concomitantemente,

sociedade e espaço geográfico” (HAESBAERT; LIMONAD, 2007, p. 42)24. Nesse sentido,

segundo ainda afirmam os autores citados, o processo de territorialização indica a

materialização da apropriação e dominação, concreta ou simbólica, de um determinado espaço,

agora já metamorfoseado em território25.

Assim, o capital, ao se territorializar no campo, passa a se apropriar e dominar

determinadas parcelas do espaço, utilizando-as de acordo com as suas necessidades, implicando

um embate direto com os anseios das populações lá existentes e um controle quase que irrestrito

das etapas que compõem os circuitos espaciais produtivos agrícolas. Esse processo pode ser

visualizado com mais intensidade, por exemplo, em determinados cultivos fortemente

contagiados pela racionalidade do capital, como a soja, o milho e o algodão, mas também o

coco, que não escapou de ser inserido no permanente movimento de reajustamento capitalista

evidenciado a partir da reestruturação produtiva.

23 Por essa razão, o território é percebido enquanto um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de

poder, conforme propõe Souza (2006). 24 Ideia apresentada inicialmente em Raffestin (1980). 25 Para Haesbaert (2008, p. 22), “enquanto continuum dentro de um processo de dominação e/ou apropriação, o

território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também e,

sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos sujeitos envolvidos [...]”.

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Nesse ínterim, observa-se que a territorialização do capital no setor do coco é um

processo também em curso, e isso pode ser observado de diferentes maneiras, conforme

explanaremos ao longo da dissertação. Cabe apenas destacar que a partir da territorialização do

capital nesse setor o modo como o coco vinha sendo produzido no Brasil foi profundamente

modificado, promovendo inúmeros rebatimentos. Tal processo ocorre especialmente porque,

como assegura Santos (2009, p. 304), “o campo modernizado é incluído em uma lógica

competitiva que acelera a entrada da racionalidade [do capital] em todos os aspectos da

atividade produtiva”.

Essa territorialização do capital no campo, diretamente associada à reestruturação

produtiva da agricultura nacional, provoca o desenrolar de novas “dinâmicas socioespaciais”,

que podem ser observadas nos mais diversos rincões do país e a partir de inúmeras perspectivas.

Tais novas dinâmicas socioespaciais são originadas no momento que o espaço e a sociedade

têm suas características modificadas, passando a ser dotados de novos e importantes conteúdos

e atributos. Dessa forma, o termo “dinâmica”, como o próprio nome indica, está relacionado a

mudança e a transformação, ou, como sugerem Lévy e Lussault (2013, p. 305), está fortemente

relacionado a movimento.

Associado a isso, o termo “socioespacial” indica, por sua vez, uma relação uníssona

entre o espacial e o social, entre espaço e sociedade, impreterivelmente. Assim, estamos

considerando que existem significativas unidades e descontinuidades socioespaciais, inseridas

em um contexto geográfico definido, com base em inter-relações específicas entre espaço e

sociedade, conforme sugere Méo (1985, p. 664)26, como também assevera Soja (1988, 1993)

ao atestar a existência de uma dialética socioespacial, em uma imbricação contínua e

contraditória entre espaço e sociedade. Nesse sentido, Catalão (2011, p. 179), em um debate

acerca dessa abordagem socioespacial, afirma que “utilizar apenas espacial já traz em si um

conteúdo social atrelado, ao passo que o termo socioespacial pode ser admitido em referência

às relações sociais e ao espaço social”, se referindo ao mesmo tempo a essas duas outras noções.

“Mas o que queremos dizer quando falamos de espaço?”, pergunta-se Méo (2000). Essa

discussão nos leva até mesmo a uma reflexão mais profunda do que seria a própria “natureza

do espaço geográfico” (SANTOS, 2009), objeto de investigação de geógrafos das mais diversas

correntes teóricas, filosóficas e epistemológicas, nas quais não nos deteremos aqui. Remete-nos

também ao debate em torno da relação espaço-sociedade e de como podemos apreendê-la,

relação essa analisada por autores como Lefebvre (2000), Santos (1985, 2008, 2009) e Méo

26 Méo (1985) vai se referir a essa relação entre espaço e sociedade especialmente quando discute a noção de

“formação socioespacial”, entendida por ele como a expressão máxima das interações entre o espacial e o social.

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(1991), entre outros, que tomam o espaço enquanto uma construção social, fruto do trabalho

humano e um produto histórico. Esses autores veem ainda o espaço como algo diferente da

sociedade, porém intrinsicamente a ela relacionado.

De acordo com Santos (1985), o espaço não seria apenas formado pelos objetos

geográficos, naturais e/ou artificiais; o espaço é tudo isso mais a sociedade. O autor acrescenta

também que para analisar o espaço é necessário apreender sua relação com a sociedade, pois é

ela que dita a compreensão dos efeitos dos processos que se dão desde a produção ao uso e

organização do espaço. Ainda segundo Santos (1985, 2008), esse espaço não tem nenhuma

capacidade explicativa por si só, sendo, portanto, indispensável considerar a dimensão social

que lhe dá vida. Assim, “o espaço impõe sua própria realidade; por isso a sociedade não pode

operar fora dele. Consequentemente, para estudar o espaço, cumpre apreender sua relação com

a sociedade” (SANTOS, 1985, p. 49).

O espaço que nos interessa é o espaço social, já que a essência do espaço é social

(LEFEBVRE, 2000; SANTOS, 2008), uma vez que ele é constantemente (re)produzido pelas

relações sociais. Para Lefebvre (2000), cada sociedade produz um espaço que lhe é particular,

o seu próprio espaço, e dessa forma, ainda segundo o referido autor, o espaço (social) seria

então um produto (social). Esse espaço social, que “corresponde à imbricação dos lugares e das

relações sociais que lhes são associadas” (MEO, 2000, p. 39, grifo nosso), é indispensável para

a realização das atividades humanas, sejam elas sociais, culturais, políticas e/ou econômicas, já

que ele é o lugar de morada do homem, de vida, de produção e de trabalho. Sendo assim, “o

espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e

do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante

dos nossos olhos” (SANTOS, 2008, p. 153).

Ainda segundo Santos (2009, p. 109), “o espaço é a síntese, sempre provisória, entre o

conteúdo social e as formas espaciais”, isto é, o espaço é forma e conteúdo, “formado por um

conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de

ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (p.

63). De acordo com o autor, esses sistemas de objetos e sistemas de ações interagem, onde de

um lado “os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o

sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É

assim que o espaço encontra sua dinâmica e se transforma” (SANTOS, 2009, p. 63). E ao se

transformar, mudam-se os conteúdos desse espaço, mudam-se seus sistemas de objetos e ações,

mudam-se, portanto, as dinâmicas socioespaciais que lhe caracterizavam.

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Diante disso, o que seriam, na realidade, essas dinâmicas socioespaciais e como elas

podem ser observadas e apreendidas? Por dinâmicas socioespaciais estamos entendendo o

conjunto de relações que perpassam a organização espacial e as relações sociais, ou então as

formas espaciais e os conteúdos sociais. Pensar em tais dinâmicas é considerar, portanto, essa

interação – contínua e contraditória – entre espaço e sociedade. São as dinâmicas socioespaciais

que vão ser responsáveis por garantir uma certa geograficidade aos estudos (geográficos), já

que estaremos considerando todo o movimento observado no espaço, todas as relações aí

expressas. Por essa razão, a maioria dos estudos realizados pela Geografia, notadamente a

Geografia Humana, está se referindo a dinâmicas socioespaciais, mesmo que indiretamente.

Nesse sentido, a partir do momento que algo leva a uma nova configuração do espaço

estamos diante de novas dinâmicas que se expressam socioespacialmente. Toda modificação

gerada no espaço implica, obrigatoriamente, mudança nesse espaço e, por conseguinte, na

sociedade. Assim, retomamos Santos (2008, p. 205) quando ele diz que “as novas atividades

exigem um lugar no espaço e impõem uma nova arrumação para as coisas, uma disposição

diferente para os objetos geográficos, uma organização do espaço diferente daquela que antes

existia”27, indicando a existência de um novo conteúdo presente no espaço, já que ele é recriado

continuadamente, não existindo um espaço imutável (SANTOS, 2009).

No nosso caso específico, estamos analisando como uma dada atividade econômica (a

produção de coco) é capaz de dinamizar ao mesmo tempo o espaço e a sociedade, a ponto de

promover dinâmicas socioespaciais que lhes são próprias, particulares. A nova configuração do

setor do coco impõe uma nova organização espacial, implicando também uma nova organização

social, trazendo rebatimentos em todas as escalas de análise. Diante do apresentado, deve ficar

claro que as dinâmicas socioespaciais originadas a partir da reestruturação e da territorialização

do capital no setor do coco expressam o modo como o espaço e a sociedade se comportam em

face da materialização de todos esses processos. E é nesse sentido que iremos prosseguir na

análise da nova geografia do coco e de suas principais dinâmicas socioespaciais, originadas a

partir da reestruturação produtiva e da territorialização do capital no setor.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Nossos objetivos só puderam ser vislumbrados a partir da realização de um estudo

fundamentado em sólidas bases metodológicas, indispensáveis para o desenrolar desta e de

qualquer que seja a pesquisa. Assim, só foi possível analisar e compreender o novo momento

27 Entretanto, destacamos que isso também se aplica às antigas atividades, que continuam se desenvolvendo e

levando a um reordenamento dos usos do espaço.

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da produção brasileira de coco e seus rebatimentos diretos na organização socioespacial da

produção cearense após mobilizarmos os elementos necessários que auxiliaram no desenrolar

da pesquisa. Dessa forma, se faz importante indicar quais foram nossos procedimentos

metodológicos tomados ao longo da consecução deste trabalho.

A respeito dessa importância de se atentar para questões de ordem metodológicas,

Campenhoudt e Quivy (2013), em Manuel de recherche en sciences sociales, destacam que é

“fundamental que antes de tudo o pesquisador seja capaz de conceber e executar um dispositivo

de elucidação do real, ou seja, no seu senso mais largo, um método de trabalho” (p. 07, grifo

nosso). Em outras palavras, os autores sugerem que por trás de todo estudo deve existir um

importante esforço de compreensão da realidade a qual está sendo analisada, especialmente a

partir de um “método de trabalho” suficientemente capaz de fornecer ao pesquisador os

elementos necessários para atingir os objetivos de sua investigação.

Gumuchian e Marois (2000), em uma obra inteiramente dedicada aos procedimentos da

pesquisa em Geografia, Initiation à la recherche en Géographie, também ressaltam essa

importância do método e da metodologia28 para a construção do conhecimento geográfico. De

acordo com os autores, “[...] a compreensão da realidade (ou de uma parte dela) supõe uma

escolha do ponto de vista teórico ou filosófico. Essa escolha influencia a estratégia da pesquisa

e as etapas a concluir” (p. 77). Inúmeros são, pois, os métodos que podem ser acionados,

dependendo sempre dos objetivos da pesquisa e das próprias motivações teórico-filosóficas do

pesquisador. E seja qual for esse método, é imprescindível que seja considerada a intrínseca

relação entre espaço e sociedade, conforme assegura Santos (1985) em Espaço e Método.

Ainda acerca da noção de método, Santos (2009, p. 77) considera que a partir dele é que

podemos construir um “[...] sistema intelectual que permita, analiticamente, abordar uma

realidade, a partir de um ponto de vista”, não sendo um dado a priori, mas uma construção, no

sentido em que a própria realidade social é intelectualmente construída através dos tempos

(SANTOS, 2009). Dentro dessa perspectiva, Sposito (2004, p. 23) acrescenta também que o

método deve ser tomado enquanto um “instrumento intelectual e racional que possibilite a

apreensão da realidade objetiva pelo investigador, quando este pretende fazer uma leitura dessa

realidade e estabelecer verdades científicas para a sua interpretação”.

28 Cabe salientar que, de acordo com F. Alves (2008), o método nada mais é do que um instrumento organizado

que procura atingir resultados, estando diretamente ligado a uma teoria que o fundamenta e a procedimentos

metodológicos que facilitem a sua operacionalização. Dessa forma, a metodologia deve ser entendida como um

componente inerente ao método, enquanto procedimentos tomados pelo pesquisador no intuito de guiar uma

determinada investigação.

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Desse modo, e partindo da compreensão de que não basta apenas saber o que será

pesquisado, é imprescindível preocupar-se com o como pesquisar, segundo sugere Sposito

(2004), as questões de método e metodológicas aparecem como basilares para o

desenvolvimento de qualquer que seja o estudo. Assim, o método deve ser visto enquanto um

instrumento fundamental no intuito de auxiliar no conhecimento do objeto estudado, uma vez

que “que vai nortear a delimitação do tema/problema, possibilitando ao cientista selecionar o

que é, e o que não é, importante a ser estudado” (FABRINI, 2005, p. 12). É através do método,

com o auxílio dos procedimentos metodológicos, que conseguimos nos organizar, da melhor

maneira possível, no intuito de apreender a realidade a qual estamos considerando.

Nesse sentido, nosso método de análise está centrado na identificação de importantes

processos observados em virtude da reestruturação produtiva do setor do coco, tema que norteia

todo o desenrolar deste trabalho. Destaca-se que estamos tomando os “processos” enquanto

uma categoria que indica uma “ação contínua, desenvolvendo-se em direção a um resultado

qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança” (SANTOS, 1985, p. 50)29.

A compreensão de como se organizam tais processos e o entendimento de como eles evoluem,

tanto no tempo quanto no espaço, possibilita, sobremaneira, uma melhor apreensão do novo

momento pelo qual passa o setor do coco, sobretudo em razão da grande quantidade de

elementos que podem ser mobilizados ao mesmo tempo a fim de caracterizar esses processos.

A esse respeito, Santos (1985, p. 14) considera que quando analisamos um certo

processo, ou um dado espaço, “se nós cogitamos apenas um dos seus elementos, da natureza

desses elementos ou das possíveis classes desses elementos, não ultrapassamos o domínio da

abstração”. Assim, a compreensão do todo pressupõe a análise das particularidades que o

compõem (SANTOS, 2009). Ainda segundo Santos (1985, p. 14), “é somente a relação que

existe entre as coisas que nos permite realmente conhecê-las e defini-las. Fatos isolados são

abstrações e o que lhes dá concretude é a relação que mantém entre si”. Nessa lógica, é

fundamental atentar para os principais processos que configuram e dinamizam a reestruturação

produtiva do setor do coco, no intuito de ampliar a compreensão de sua nova geografia.

Silveira (2010, p. 75) considera que “estamos face a novos problemas de método que

indicam a necessidade de abandonar as abordagens mais preocupadas com os limites e adotar

aquelas mais orientadas a entender os processos”. Para a autora, no atual período histórico

presenciamos a emergência de novos paradigmas que nos levam também a novos problemas de

29 Santos (1985) apresenta quatro categorias de análise indispensáveis para a elaboração de um método

eminentemente geográfico. Além de processo, o autor, assim como Lefebvre (2000), considera ainda as categorias

de estrutura, função e forma.

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método e que abrem caminho para uma “epistemologia dos processos” (SILVEIRA, 2006). Já

Lévy (2000, p. 334) afirma que “há pouca contestação sobre a existência de mutações no espaço

das sociedades”, restando, no entanto, identificar e analisar os processos que indiquem essas

mutações. É dentro dessa perspectiva centrada na apreensão dos processos que se baseia nosso

principal método de análise, aqui apresentado.

Na nossa pesquisa estamos considerando três processos principais diretamente inseridos

ao contexto da reestruturação produtiva do setor do coco, nos quais centraremos nossa análise

com o objetivo de melhor compreender os seus mais significativos desdobramentos. Os

processos que estamos considerando são: i) reconfiguração do circuito espacial produtivo do

coco; ii) mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco; iii)

reorganização das relações sociais de produção de coco. Na sequência, descrevemos as

características de cada um deles, cuja elucidação permite avançar no desenrolar da pesquisa,

tanto do ponto de vista operacional quanto analítico.

i) Reconfiguração do circuito espacial produtivo do coco

Com a reestruturação produtiva do setor do coco observa-se um intenso processo de

modernização da produção do fruto, com uma substituição dos sistemas técnicos anteriormente

utilizados e com a difusão de novos e modernos insumos, equipamentos e práticas agronômicas,

responsáveis por alavancar a produtividade dos coqueiros. Além de reorganizar a produção

agrícola do fruto, essa reestruturação também atinge as etapas de processamento industrial, com

o desenvolvimento de novas técnicas e novos subprodutos e com o surgimento de empresas

agroindustriais que passam a se especializar no processamento do coco. Nota-se, ainda, uma

reorganização do consumo desse fruto, seja in natura seja processado, abrindo margem para a

inserção do setor do coco nos circuitos globalizados da produção e do consumo. Com isso,

assiste-se a uma significativa reconfiguração do circuito espacial produtivo do coco no país, a

qual analisaremos com mais vigor no capítulo 2.

ii) Mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco

Um dos importantes processos observados com a reestruturação produtiva do setor do

coco é a mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola associado ao cultivo do fruto.

Notam-se alterações nas dinâmicas de organização dos espaços de produção de coco, que

passam a ser readequados com o intento de fomentar o desenvolvimento dessa atividade. Além

disso, com a reestruturação em curso acentua-se a dispersão espacial do cultivo do fruto por

todas as regiões do país, associada ao acirramento da especialização territorial produtiva,

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acarretando significativas alterações na configuração espacial das principais regiões de

produção do fruto. Modifica-se, ainda, a participação de empresas agrícolas e agroindustriais

inseridas no setor, alterando, por exemplo, a estrutura fundiária nas áreas de cultivo de coco.

Tudo isso acaba alterando a forma de uso e ocupação do espaço agrícola, conforme

apresentaremos em partes dos capítulos 2, 3 e 5.

iii) Reorganização das relações sociais de produção de coco

A reestruturação produtiva do setor do coco é responsável também por promover uma

reorganização das relações sociais de produção diretamente inseridas ao seu circuito espacial

produtivo. Percebe-se que há uma importante reorganização das atividades realizadas pelos

produtores do fruto, que passaram a ser inseridos nesse contexto de reestruturação e que tiveram

de se adaptar a esse novo momento da produção de coco. Nota-se que as relações de trabalho,

tanto o trabalho familiar como as formas de trabalho temporário e assalariado, também foram

alteradas com a emergência desse novo tempo da produção de coco. Observa-se, ainda, que

grandes e médias empresas agrícolas e agroindustriais passam cada vez mais a regular o setor,

controlando as etapas de produção, processamento e distribuição de coco, associadas a uma

modificação das formas de comercialização e de atuação dos agentes que dinamizam essa

atividade. Esse conjunto de fatores favorece uma reorganização das relações de sociais de

produção, como abordaremos com mais ênfase nos capítulos 4 e 5.

A partir da compreensão dos processos indicados, temos elementos necessários para

responder à nossa questão central – como se organiza a nova geografia do coco diante da

reestruturação produtiva que atinge o setor? – e para atingir os objetivos propostos com o

trabalho. É importante destacar que todos os procedimentos metodológicos tomados na

pesquisa foram pensados e estruturados a partir da indicação desses três processos, assim como

a organização e subdivisão dos capítulos da dissertação. Dessa forma, são esses processos que

dão a sustentação necessária ao percurso da nossa investigação.

E como apreender cada um dos três processos e as dinâmicas que os caracterizam? Após

identificá-los, partimos para a construção de uma matriz analítica, uma ferramenta que

possibilita uma visão total da pesquisa e que permite realizar uma articulação entre os distintos

processos. Ressalta-se que foi a partir da indicação desses processos que chegamos ao formato

em que essa matriz se encontra, isto é, o ponto de partida foi identificar e selecionar esses

processos. Tomamos a construção dessa matriz analítica como um importante recurso

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Reestruturação produtiva do setor

do coco

Principais processos

Subprocessos

Indicadores

metodológico, haja vista que ela é utilizada para organizar todos os componentes de uma

investigação científica, tal qual propõe Elias (2013).

Essa autora acrescenta ainda que “seu objetivo maior é tentar organizar, de maneira

encadeada, os procedimentos de método e metodologia a serem usados para a construção da

pesquisa” (ELIAS, 2013, p. 205). Destacamos que a utilização desse recurso metodológico

centrado na elaboração de uma matriz analítica no intuito de auxiliar na operacionalização de

uma pesquisa científica vem sendo largamente empregada pelos membros do Grupo de

Pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização (GLOBAU/CNPq)30, que vêm, nestes

últimos dez anos, realizando esforços no sentido de aprofundar a utilização dessa metodologia

em suas pesquisas, muitas das quais relacionadas às áreas de Geografia Agrária, Geografia

Econômica, Geografia Urbana e Planejamento Urbano-Regional31.

A matriz analítica que está sendo considerada em nosso trabalho é composta pelo tema

central da pesquisa – reestruturação produtiva do setor do coco –, pelos três processos já

evidenciados, pelos subprocessos associados a cada um dos processos principais e pelos

indicadores do comportamento desses subprocessos e, por sua vez, do tema central. Observa-

se que todos os componentes da nossa matriz analítica estão profundamente interligados, onde

cada processo se liga a seus respectivos subprocessos, que estão ligados aos seus indicadores.

Apresentamos abaixo o modelo de organização dessa matriz (figura 01).

Figura 01 – Organização da matriz analítica.

Elaboração: Cavalcante, 2014. Adaptado de Elias (2013).

30 Coordenado pela professora Denise Elias, e que conta com alunos de iniciação científica, mestrandos,

doutorandos, professores e pesquisadores entre seus membros. 31 Nos trabalhos elaborados por Elias e Pequeno (2010), Pereira Júnior (2011), Bezerra (2012), Elias (2013) e

Dutra (2013), assim como em outros, é possível termos uma noção das diferentes formas de organização e

operacionalização dessa matriz analítica.

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Subprocessos

Subprocessos

Subprocessos

Assim, cada um dos três processos indicados pode ser apreendido a partir de uma série

de subprocessos que são fundamentais para explicar a organização de tais processos,

possibilitando melhor analisá-los e apreendê-los. Dessa forma, são esses subprocessos que, de

fato, explicam o comportamento dos processos, já que é através deles que podemos observar

mais precisamente os rebatimentos da reestruturação produtiva do setor do coco. Esses

subprocessos representativos de cada um de seus respectivos processos são:

i) Reconfiguração do circuito espacial produtivo de coco

Modernização do processo produtivo do coco

Inserção da pesquisa agrícola e da assistência técnica especializada

Popularização e internacionalização do consumo de água de coco

Reorganização do setor industrial e consolidação de empresas agroindustriais

ii) Mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco

Dispersão espacial da produção de coco pelo país

Especialização territorial produtiva centrada no cultivo de coco

Reorganização e readequação dos espaços de produção de coco

Expansão de empresas agrícolas e reconfiguração da estrutura fundiária

iii) Reorganização das relações sociais de produção de coco

Reorganização das atividades realizadas pelos produtores de coco

Evolução e reconfiguração do mercado e das relações de trabalho

Evolução das formas de comercialização e controle da produção de coco

Participação de empresas agroindustriais na regulação do setor

O comportamento desses 12 subprocessos é observado a partir de uma série de

indicadores, que foram levantados visando demonstrar a organização e evolução de cada um

deles e de seus respectivos processos. Esses indicadores foram previamente organizados e

analisados e compõem o banco de dados de nossa pesquisa32, que apresenta todas as

informações que foram necessárias para prosseguirmos na análise. No apêndice 01 podemos

visualizar como está organizada a matriz analítica com todos os processos, subprocessos e

indicadores, bem como suas fontes de comprovação e seus respectivos recortes espaciais e

temporais. Além da elaboração dessa matriz, foi importante também atentar para outros

procedimentos metodológicos, apresentados na sequência.

32 Destaca-se que, por vezes, esses indicadores fogem do aspecto meramente quantitativo, não sendo representados

através de números, mas sim de outros tipos de informações de caráter qualitativo.

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1.3.1 Levantamento de informações e de bibliografias

Na nossa pesquisa privilegiamos trabalhar com informações ao mesmo tempo

quantitativas e qualitativas, muito diferentes entre si, porém complementares, como mostram

Minayo e Sanches (1993) e Gumuchian e Marois (2000). Assim, foi fundamental considerar os

indicadores quantitativos, que nos deram uma certa precisão dos fenômenos e uma

possibilidade de compreendermos sua evolução no tempo e no espaço, como também os

indicadores qualitativos, que nos proporcionaram uma melhor noção de como se comportam

atualmente os processos em curso. Todas essas informações puderam ser levantadas de

diferentes maneiras, seja através de consulta a plataformas de dados divulgados por órgãos

oficiais de pesquisa, da realização de entrevistas durante os trabalhos de campo seja por meio

de pesquisas realizadas na internet.

Os indicadores quantitativos foram levantados de acordo com o que consta na matriz

analítica e organizados primeiramente em planilhas do Excel, e em seguida foram analisados e

expostos em cartogramas, tabelas, quadros e gráficos, muitos dos quais incorporados ao corpo

do texto da dissertação33. A esses indicadores quantitativos foram agregados os indicadores

qualitativos a partir do momento em que eles iam sendo levantados, sobretudo no decorrer dos

trabalhos de campo. Esse conjunto de dados e informações contribuiu enormemente para o

entendimento dos processos e de seus respectivos subprocessos.

Esses indicadores quantitativos trabalhados foram obtidos em importantes órgãos e

instituições de pesquisa, principalmente no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE)34, a partir de consulta às bases de dados da Produção Agrícola Municipal (PAM),

acessada online através do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). Ainda do

IBGE consultamos seus Censos Agropecuários de 1985, 1995-1996 e 2006 e o Levantamento

Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), obtido diretamente com o próprio órgão. A

importância de se trabalhar com os dados do IBGE resultou da necessidade de apresentarmos

indicadores nas mais diversas escalas, abrangendo municípios, Estados e regiões de todo o país,

o que possibilitou uma importante caracterização da produção nacional de coco.

Além do IBGE, outros órgãos nos forneceram uma gama muito grande de informações,

a saber: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), a partir de dados

33 Desse modo, nem todos os indicadores levantados e analisados foram utilizados na redação da dissertação.

Muitos deles serviram apenas para nos indicar uma apresentação do setor do coco e conhecer algumas de suas

principais particularidades. 34 O IBGE é o maior e mais importante órgão responsável pelo levantamento e pela divulgação de informações

acerca do mundo rural brasileiro, notadamente sobre a agricultura, conforme afirma Rodrigues (2007).

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fornecidos pelo Serviço de Monitoramento da Produção dos Perímetros Irrigados (SMPPI),

levantamento esse obtido junto ao próprio órgão; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior (MDIC), a partir das informações fornecidas pela Secretaria de Comércio

Exterior (SECEX) especialmente através do programa online Alice Web; Ministério do

Trabalho e Emprego (MTE), através de consulta aos dados divulgados online pela Relação

Anual de Informações Sociais (RAIS).

Além desses órgãos, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

(FAO), através do programa FAOSTAT, também serviu como uma importante fonte de

informações. Já diversos outros dados foram obtidos junto à Companhia Nacional de

Abastecimento (Conab), através do portal do Programa Brasileiro de Modernização do Mercado

Hortifrutigranjeiro (Prohort); à Central de Abastecimento do Ceará (CEASA-CE), através de

consulta às informações da Unidade de Informação de Mercado Agrícola (Unsima); e à

Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (ABIR),

através de consulta aos relatórios anuais da entidade.

Após o levantamento e a organização dos indicadores quantitativos partimos para uma

primeira análise das informações, dando origem a uma preliminar caracterização do objeto35.

A propósito disso, Campenhoudt e Quivy (2013) ressaltam que de nada adianta levantar todo

tipo de informações se elas não serão analisadas posteriormente. Os autores acrescentam ainda

que todo método de obtenção de dados requer, indispensavelmente, um método de análise

desses dados. Sobre a importância de ser realizada essa primeira análise quantitativa, Salvador

(2012, p. 101) também destaca que os dados quantitativos devem ser utilizados especialmente

[...] no desencadeamento de análises qualitativas da realidade. Essa utilização,

geralmente, ocorre em fases iniciais da pesquisa, sendo, desse modo, um “a

priori”, devendo ser aprofundada por um processo de observação e análise

detalhada do real (pesquisa de campo), o que, muitas vezes, pode colocar em

xeque vários dos dados estatísticos coletados.

Com essa caracterização do objeto, realizada a partir da análise dos indicadores

quantitativos, fizemos uma primeira aproximação com o objeto estudado, identificando os

principais elementos que permitiram traçar um perfil geral, mesmo que não completo, do setor

produtivo do coco. Através da análise desses indicadores, muitas das nossas questões

previamente levantadas puderam ser respondidas, mas, por outro lado, inúmeras novas questões

foram formuladas a partir das inquietações surgidas no decorrer da análise dos dados.

Entretanto, destaca-se que o desenrolar dessa atividade de levantamento e análise dos

dados apresentou algumas limitações típicas de pesquisas de cunho mais estatístico, conforme

35 A caracterização do objeto se trata da própria análise dos indicadores quantitativos.

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apontam Campenhoudt e Quivy (2013). Dentre essas limitações destacamos a ausência de

dados anteriores a 1990 divulgados pela PAM/IBGE, que impossibilitou ampliar o recorte

temporal da pesquisa, além também da divergência de metodologias adotadas pelo IBGE para

indicar uma mesma variável36, da mudança de metodologia para obtenção e divulgação de

dados de um Censo Agropecuário para outro e da divergência de metodologias adotadas entre

IBGE, FAO e DNOCS, fatores esses que tornaram impossível realizar uma comparação entre

as variáveis indicadas segundo diferentes fontes e órgãos.

Uma outra atividade também fundamental para a aquisição de informações, qualitativas

e/ou quantitativas, foi a organização de uma hemeroteca agregando várias reportagens

jornalísticas obtidas em sites de jornais, revistas, portais de notícias, blogs, órgãos públicos etc.

Essa atividade consistiu, basicamente, em organizar um acervo de reportagens divulgadas pela

mídia, contendo informações relevantes para o desenvolvimento da pesquisa, de modo a

possibilitar uma atualização cotidiana acerca dos principais acontecimentos que nacionalmente

se davam no setor do coco.

Nossa busca de matérias jornalísticas para a construção da hemeroteca se concentrou

especialmente no site de notícias Google News, onde acompanhamos diariamente todo o

conjunto de notícias que foram divulgadas na internet acerca da produção, do mercado e do

consumo de coco no país37. Além desse site, nossa busca também se deu com mais intensidade

nos sites dos dois maiores jornais de circulação diária do Estado do Ceará – o Diário do

Nordeste e O Povo, que periodicamente publicam matérias sobre a produção cearense de coco

–, assim como nos sites de importantes revistas vinculadas em nível nacional, a exemplo da

Globo Rural e da Dinheiro Rural, de jornais como o Valor Econômico e de portais de notícias

relacionadas ao setor agrícola, como o Portal do Agronegócio e o UOL Economia.

Desse levantamento de notícias organizamos um acervo jornalístico, que contém um

pouco mais de 200 reportagens sobre o setor do coco no país. Todas essas matérias levantadas

foram lidas e fichadas, e nelas encontramos diversas informações essenciais para compreender

a organização do circuito espacial da produção do fruto, bem como de seus círculos de

cooperação. A organização dessa hemeroteca foi importante para conseguirmos informações

que seriam difíceis de serem obtidas em campo, especialmente sobre as empresas agrícolas e

36 Por exemplo, a variável “produção de coco”, para um mesmo município e durante um mesmo ano, apresenta

informações distintas se analisarmos os dados divulgados pela PAM, LSPA e Censo Agropecuário, apesar de todas

serem bases de dados alimentadas pelo IBGE. 37 Através de um recurso conhecido como Google Alerta, via Google News, diariamente recebíamos

automaticamente em nosso e-mail o conjunto de reportagens publicadas referentes ao setor do coco. Dessa

maneira, a organização da hemeroteca foi uma atividade que perdurou durante toda a realização da pesquisa.

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agroindustriais, como também foi relevante para identificar os principais agentes que integram

o setor do coco, tanto no Brasil quanto no Ceará.

Além do levantamento e da análise dos indicadores e da organização da hemeroteca,

foram indispensáveis a realização de um levantamento de textos científicos/acadêmicos e a

construção de um banco bibliográfico, atividades essas pensadas visando melhor organizar as

obras que foram fundamentais para o suporte teórico, e por vezes também empírico, da nossa

pesquisa. No decorrer da busca bibliográfica levantamos livros, teses, dissertações,

monografias, artigos, relatórios e periódicos científicos que tratavam de assuntos pertinentes ao

nosso estudo38. Durante o levantamento bibliográfico utilizamos palavras-chave, além de

conceitos e categorias de análise, para facilitar e orientar a busca pelas obras.

Esse levantamento bibliográfico foi realizado em dois diferentes momentos. No

primeiro momento, realizamos uma extensa busca de material bibliográfico na internet, que se

concentrou basicamente nos seguintes sites: Google Scholar39; periódicos da CAPES (nas áreas

de Geografia, Economia, Sociologia e Agronomia); portal Domínio Público; currículos Lattes

dos pesquisadores que trabalham com temas próximos ao nosso; diretórios de grupos de

pesquisa do CNPq; banco de teses e dissertações de diversas universidades brasileiras,

especialmente da USP, UNICAMP, UNESP e UFRJ; principais programas de pós-graduação

em Geografia de todo o Brasil; programas de pós-graduação em História, Sociologia, Economia

e Agronomia existentes no Ceará; portais das unidades da Embrapa; portais de revistas

francesas Revues, Persée e Cairn; portal Theses.fr.

Em outro momento, visando complementar o levantamento, realizamos uma busca

bibliográfica nas principais bibliotecas da cidade de Fortaleza, tais como a biblioteca da

Universidade Estadual do Ceará (UECE), da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Banco

do Nordeste do Brasil (BNB), do IBGE, do DNOCS e da Embrapa Agroindústria Tropical.

Além dessas, foi realizado um levantamento bibliográfico em algumas importantes bibliotecas

de Paris, tais como a biblioteca do Institut de Géographie, da Université Paris 1 Panthéon-

Sorbonne (Centre Pierre Mendes France), da Université Paris 8 Saint-Denis, do Institut des

Hautes Études de l’Amérique Latine e do AgroParisTech. Foi ainda realizada uma busca nas

bibliotecas municipais de Paraipaba e de Itapipoca, no Ceará.

38 A maioria dos textos levantados é de autoria de pesquisadores brasileiros, havendo ainda alguns outros de autoria

de pesquisadores francófonos. Além disso, nossa busca bibliográfica privilegiou trabalhos especialmente de

geógrafos, mas também de sociólogos, economistas e agrônomos, entre outros. 39 Através do Google Alerta, via Google Acadêmico, diariamente recebíamos automaticamente em nosso e-mail

todas as publicações relacionadas ao setor do coco. Dessa maneira, assim como a hemeroteca, o levantamento de

parte da bibliografia foi uma atividade que perdurou durante toda a realização da pesquisa.

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De posse de todos os textos que compõem o nosso banco bibliográfico, partimos para a

análise prévia do material e a escolha das obras cuja leitura fosse indispensável. Para cada obra

lida e fichada foi montada uma planilha (as fichas de leitura), na qual registramos as principais

palavras-chave e as principais ideias lançadas pelos autores, com o objetivo de facilitar a

consulta de tais obras em momentos posteriores. A grande maioria das obras lidas diz respeito

à teoria e método em Geografia, à configuração econômica mundial e brasileira, à

reestruturação produtiva da agricultura e ao circuito espacial da produção de coco.

Destacamos que uma das principais dificuldades encontradas durante a busca

bibliográfica foi a relativa escassez de obras acerca do contexto produtivo do coco no Brasil e

no Ceará, com exceção dos textos publicados pela Embrapa, em sua maioria de cunho

basicamente agronômico. Desse modo, o conhecimento acerca da produção cearense de coco,

por exemplo, só foi possível a partir da análise dos indicadores, da organização da hemeroteca

e da realização de entrevistas durante os trabalhos de campo, apresentados na sequência.

1.3.2 Trabalhos de campo e realização de entrevistas

Uma outra atividade fundamental para o pleno desenvolvimento da pesquisa, além das

já apresentadas, foi a realização dos trabalhos de campo e, consequentemente, das entrevistas

com os diferentes agentes direta/indiretamente inseridos no setor produtivo do coco. Através

do campo, nossas perspectivas acerca da pesquisa puderam ser bastante ampliadas, já que

passamos a ter um contanto consideravelmente maior, e por vezes diário, com nosso objeto de

estudo, especialmente após adentrar nos “espaços de produção de coco” e observar todas suas

nuances e particularidades. Assim, destaca-se que a realização dos trabalhos de campo foi uma

atividade de grande importância, já que através deles foi possível levantar o restante das

informações necessárias para a análise dos processos, especialmente a partir da observação in

loco das atividades relacionadas ao circuito espacial produtivo do coco.

Foi durante o trabalho de campo que nossa percepção enquanto geógrafo esteve mais

apurada, uma vez que é em campo onde percebemos como se dá a realidade empírica e em que

medida o referencial teórico adotado é o mais apropriado, como indica Lacoste (2006). Além

disso, para Claval (2013, p. 08), “o campo não serve somente para autenticar as informações

mobilizadas pelos geógrafos; ele permite apreender os elementos que escapam ao viajante

comum, […] que escapam aos outros”. Em vista disso, a intenção do trabalho de campo foi

justamente ir além de meras observações descompromissadas com a realidade que se

apresentava diante de nossos olhos e partir para uma análise mais aprofundada dessa realidade.

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Claval (2013) destaca também que durante o trabalho de campo uma simples observação

não é suficiente para explicar a realidade socioespacial, haja vista que o pesquisador,

especialmente aquele que estuda o contexto rural, deve, além de uma série de outras coisas,

[...] interagir com as pessoas, visitar os estabelecimentos agrícolas, inventariar

os equipamentos agrícolas e seus usos, conhecer o mercado de trabalho e seus

ritmos, investigar a utilização de todas as partes de uma fazenda; ele deve se

interessar às pequenas empresas industriais que impulsionam alguns espaços

rurais [...] (CLAVAL, 2013, p. 10).

Partindo dessa compreensão, e conhecendo a importância da realização dessa atividade

para o enriquecimento da pesquisa geográfica, até mesmo para validá-la e buscar outras formas

de entendimento da realidade, realizamos nossos trabalhos de campo visando prosseguir na

análise dos processos os quais estamos considerando. Esses trabalhos de campo se deram entre

fevereiro e maio de 2014. Dentre todos os municípios produtores de coco no Ceará, nossas

atividades se concentraram em Paraipaba, Trairi, Itarema, Itapipoca, Acaraú e Amontada,

localizados no litoral oeste cearense (imagem 01) e, de longe, os mais representativos no que

tange à reestruturação produtiva em curso.

Após realização de levantamentos e pesquisas a priori40, percebemos que o conjunto

desses seis municípios formam a principal região contínua de cultivo de coco do Estado do

Ceará, abrigando não apenas inúmeros estabelecimentos produtores do fruto, como também

uma série de empresas agroindustriais, de pesquisa agrícola e extensão rural associadas ao setor,

diversos estabelecimentos de compra e venda de coco, entre outras instâncias produtivas que

agem dinamizando o circuito espacial produtivo do fruto em tal região. Além desses

municípios, importantes atividades foram realizadas na cidade de Fortaleza, onde localizam-se

determinadas instituições públicas e privadas que atuam direta/indiretamente na regulação do

setor do coco, assim como as sedes de algumas empresas.

Durante os quatro meses de trabalho de campo realizamos visitas técnicas e entrevistas

em diversos locais, como, por exemplo: fazendas, sítios e lotes agrícolas produtores de coco;

empresas agrícolas e agroindustriais de coco; secretarias de agricultura e sindicatos de

trabalhadores rurais; empresas de pesquisa agropecuária e de extensão rural; associações

comunitárias e cooperativas; assentamentos rurais e perímetros irrigados; pontos de revenda,

distribuição e armazenamento de coco; mercados públicos; pontos comerciais de revenda de

insumos; órgãos públicos federais, estaduais e municipais.

40 A exemplo de nossa monografia, onde analisamos de forma detalhada a organização do circuito espacial

produtivo do coco em tais municípios (CAVALCANTE, 2012).

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Imagem 01 – Localização dos municípios nos quais realizamos os trabalhos de campo.

Organização: Cavalcante e Mendoza, 2015. Base cartográfica: IBGE, 2010.

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Cabe destacar que já tínhamos um importante conhecimento acerca da região em análise

em virtude da consecução de nossa pesquisa de monografia. Os trabalhos de campo realizados

nesse período ocorreram entre agosto de 2011 e abril de 2012, com diversas idas e vindas a

campo nos mesmos municípios considerados para a pesquisa do mestrado. Nesses primeiros

trabalhos de campo foram realizadas 75 entrevistas41 e visitadas aproximadamente 70 unidades

produtivas relacionadas ao setor do coco, assim como órgãos públicos e instituições. Inúmeras

foram as vezes que tivemos que recorrer às informações obtidas entre 2011/2012 para

aprofundar a compreensão dos processos aqui analisados.

Durante nossos trabalhos de campo realizados em 2014, o principal método de obtenção

de dados foi a realização de entrevistas semiestruturadas, que nos permitiu retirar dos nossos

interlocutores informações muito ricas e bastante contextualizadas, com um elevado grau de

profundidade. Nesse método de entrevista estava em nossas mãos uma série de questões-guias,

relativamente abertas, que nos davam a possibilidade de ir dialogando com o entrevistado.

Realizamos previamente um total de 15 diferentes modelos de entrevistas, utilizados de acordo

com o agente que estávamos entrevistando. A título de informação, no apêndice 02 consta o

modelo da entrevista realizada com os produtores de coco.

No decorrer desse processo foi importante deixar o entrevistado falar abertamente,

usando as palavras que desejava e na ordem que lhe era conveniente, conforme sugerem

Campenhoudt e Quivy (2013), e fazíamos apenas um esforço para direcionar a entrevista.

Através desse recurso, as informações obtidas foram muito além das esperadas, uma vez que

nossas intervenções iam no sentido de instigar o entrevistado a falar e a refletir sobre suas

próprias práticas e sobre a configuração do setor do coco de uma maneira mais ampla. Todos

os depoimentos foram previamente analisados e as principais informações repassadas estão

incorporadas ao corpo do texto da dissertação, de maneira indireta e/ou por vezes através da

transcrição direta da fala.

Durante os quatro meses de trabalho de campo, de fevereiro a maio, realizamos um total

de 128 entrevistas42 com os mais diversos agentes, desde pequenos produtores familiares a

grandes empresários inseridos no setor do agronegócio, passando por secretários de agricultura,

diretores de agroindústrias, empresas rurais, de pesquisa agrícola e de extensão rural,

presidentes de sindicatos rurais, atravessadores, trabalhadores rurais, revendedores de insumos,

pesquisadores, gestores públicos, atacadistas, políticos, líderes comunitários, entre outros.

41 No retorno a campo em 2014, pudemos rever algumas das mesmas pessoas entrevistadas anteriormente e lhes

perguntar o que mudou nesse período de pouco mais de três anos, no intuito de perceber a evolução da geografia

do coco e a participação dos agentes envolvidos. 42 Se somarmos essas 128 entrevistas com as 75 do período da monografia, temos um total de 203 entrevistas

realizadas entre 2011 e 2014.

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Abaixo consta um quadro com a discriminação das 128 entrevistas de acordo com os

diferentes agentes entrevistados, subdivididos em produtores de coco, intermediários,

representantes de empresas, representantes de órgãos e instituições e outros. Somente em

Paraipaba realizamos um total de 58 entrevistas43, além de 10 em Itapipoca, 12 em Itarema, 11

em Amontada, 14 em Trairi, 14 em Acaraú e 8 em Fortaleza44.

Quadro 01 – Discriminação dos agentes entrevistados durante os trabalhos de campo.

Agentes Total de

entrevistas

Produtores de coco 66

Intermediários 18

Representantes de empresas 20

Representantes de órgãos e instituições 20

Outros 4

Organização: Cavalcante, 2014.

O processo de seleção dos produtores entrevistados, de longe o maior número de agentes

que colaboraram com a pesquisa, foi dividido em dois momentos distintos. No início, em cada

município, tais produtores eram escolhidos ao acaso; apenas chegávamos a eles e

perguntávamos se poderiam participar da pesquisa, não fazendo distinção alguma entre os

mesmos. No entanto, no decorrer das entrevistas percebemos que as respostas se repetiam em

demasiado, razão pela qual começamos a selecionar mais rigorosamente os entrevistados. Essa

seleção foi feita tomando como base uma amostragem que contemplasse as mais diversas

tipologias desses produtores; por esse motivo, conseguimos entrevistar uma quantidade x de

pequenos, médios e grandes produtores, por exemplo. Dessa maneira, conseguimos entrevistar

grupos de produtores os mais diversos.

Tais produtores, assim como os outros agentes, nos contaram suas histórias de vida e

compartilharam conosco fatos e depoimentos que foram muito além do tema da produção do

fruto em si, o que foi importante para perceber o contexto no qual eles estavam inseridos.

Concordamos aqui com Queiroz (1988) quando ela diz que essas histórias de vida são uma

ferramenta muito valiosa justamente por cruzar ao mesmo tempo a vida individual do sujeito

com seu contexto social. A autora destaca ainda que a história de vida, como qualquer outro

procedimento empregado na obtenção de informações, é um instrumento de análise e não o

produto final da pesquisa, uma vez que através das entrevistas se recolhe um material que

necessita ser analisado posteriormente (QUEIROZ, 1988).

43 Destacamos que esse importante número de entrevistas realizadas em Paraipaba se deu em virtude da realização

de nossa pesquisa apresentada na Université Paris 1. 44 Realizamos ainda uma entrevista, via e-mail, com o presidente do Sindicato Nacional dos Produtores de Coco.

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Após a realização dessas entrevistas, partimos para a análise e interpretação das mesmas,

no intuito de resgatar os principais processos que estamos considerando com vistas a construir

um quadro geral da nova geografia do coco no Ceará. Associamos, sempre que possível, as

falas dos entrevistados a cada um dos processos e dos subprocessos que compõem a nossa

matriz analítica, metodologia essa que facilitou a compreensão de como se dá a reestruturação

do setor e todos seus principais rebatimentos. Seguimos aqui as recomendações propostas por

Campenhoudt e Quivy (2013), quando nos dizem que todo método de entrevista deve sempre

vir relacionado a um outro método de análise de conteúdo.

Foi fundamental, além disso, a organização de um banco fotográfico, recurso importante

para representar a realidade observada durante os trabalhos de campo. A esse respeito, Marshall

(2009, p. 02) afirma que a “abordagem fotográfica merece ser levada em conta pela quantidade

de informações úteis que ela permite identificar, pela profundidade de perspectivas que ela

oferece para a interpretação e pela riqueza de extrapolações subjetivas que ela possibilita”,

contribuindo sobremaneira para a análise geográfica. Algumas dessas fotos estão inseridas ao

longo de toda a dissertação, e elas devem ser entendidas enquanto um elemento que compõe o

texto e não apenas como meras imagens dispostas aleatoriamente.

Há de se ressaltar que somente após a realização do trabalho de campo é que foi possível

ver de perto como se configura a nova geografia do coco, ao participarmos de diversas

atividades nas diferentes instâncias produtivas do fruto e ao interagirmos com aqueles agentes

que realmente “dão vida aos coqueirais” cearenses. Nesse sentido, não foi à toa que Calbérac

(2010, p. 133) afirmou categoricamente que “a Geografia, é feita, antes de mais nada, em

campo”. Claval (2013, p. 05) considera também que “sem a experiência do campo, o geógrafo

deixa escapar uma parte essencial da realidade que ele pretende apreender”, visto que só é

possível compreendê-la melhor através do contato direto com essa realidade, entretanto,

obviamente, sem desconsiderar as atividades de levantamento e análise de dados e de leitura de

textos realizadas ao longo de todo o processo investigativo.

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Capítulo 2

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SETOR DO COCO

Neste capítulo apresentamos e analisamos os principais processos observados em decorrência

da reestruturação produtiva pela qual passa o setor do coco no Brasil há pouco mais de duas

décadas. Primeiramente, indicamos como a produção brasileira desse fruto está organizada e

vem evoluindo. Em seguida tecemos comentários acerca do novo tempo do cultivo do coco no

país, relatando as principais modificações observadas no setor, indo da modernização produtiva

e passando pelo processamento industrial e consumo do fruto, etapas dotadas de novas e

importantes características. Por fim, evidenciamos alguns rebatimentos espaciais advindos

dessa reestruturação produtiva, analisando a sua distribuição pelo país.

2.1 O COCO NO BRASIL E SUA ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA

O Brasil é um dos mais importantes produtores mundiais de coco e tem esse fruto (bem

como o coqueiro) como um dos principais símbolos nacionais, sinônimo da tropicalidade que

caracteriza o país mundo afora, segundo assegura Lody (2011). Entretanto, antes que isso

pudesse acontecer, os produtores brasileiros tiveram de se adaptar, aos poucos, às exigências

que o cultivo de coco impunha, além também de descobrir todas as potencialidades que a

exploração dos coqueiros poderia oferecer, após várias tentativas de domesticação desse fruto

exótico. Hoje o coco é visto como um produto com alta valoração econômica e amplamente

cultivado em todo o país. Nesse sentido, é importante caracterizar esse cultivo e perceber sua

evolução para compreendermos as características que a produção do fruto apresenta atualmente.

2.1.1 Produção mundial de coco e o lugar do Brasil

O coco é o fruto do coqueiro (Cocos nucifera), uma árvore originária de ilhas de clima

tropical localizadas ao longo dos oceanos Pacífico e Índico, tendo o Sudeste Asiático como

principal referência de centro de origem e diversidade, estendendo-se posteriormente para o Sul

da Ásia, a América Latina, o Caribe e a África Tropical, segundo afirmam Bondar (1939),

Labouisse (2004) e Martins e Jesus Júnior (2011). Desse modo, infere-se que o coqueiro é uma

planta estritamente tropical, cultivado especialmente ao longo da faixa litorânea das baixas

latitudes do planeta, onde são encontradas as condições edafoclimáticas (solo e clima) ideais

para o pleno desenvolvimento das árvores e para a maturação dos frutos.

Conforme demonstram Fontes et al. (2002), em todo o mundo existem três variedades

diferentes de coqueiro: gigante, anão e híbrido (imagem 02). O coqueiro gigante (também

chamado de coqueiro da praia) é cultivado principalmente em moldes extensivos, já que é a

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variedade mais resistente e a que menos exige cuidados, produzindo frutos entre o quinto e o

sétimo ano após o plantio, chegando a uma altura de 30 metros e possuindo um período de

produção que dura por volta de 60 anos, com colheitas realizadas normalmente a cada três

meses. De acordo com Gerbaud (2011), cerca de 95% dos coqueirais do mundo pertencem ao

grupo do coqueiro gigante, sobretudo em virtude da não obrigação de serem realizados os tratos

culturais e em razão dos baixíssimos custos despendidos na manutenção do coqueiral.

Já o coqueiro anão (também conhecido como coqueiro d’água) é cultivado de forma

intensiva, o que requer cuidados constantes e irrigação diária, chegando a produzir frutos entre

o segundo e terceiro ano após o plantio, não passando dos 12 metros de altura e possuindo uma

vida útil de em média 40 anos, com colheitas comumente realizadas a cada mês. Por fim, o

coqueiro híbrido, cruzamento genético entre as variedades gigante e anão, que começa a

produzir os frutos após o terceiro ano de plantio, chegando a atingir 20 metros de altura e

possuindo uma vida útil de 50 anos, em geral, possibilitando uma colheita também mensal e

apresentando uma produtividade maior do que as outras duas variedades.

Imagem 02 – Variedades de coqueiro.

Coqueiro Gigante Coqueiro Anão Coqueiro Híbrido

Fonte: Cavalcante, 2014.

O coqueiro, e com ele o coco, é responsável por garantir a sobrevivência de milhares de

produtores nas regiões onde é cultivado, que viram no fruto uma maneira de se inserirem na

economia mercantil e assegurar a sobrevivência de suas famílias, já que é desse cultivo que eles

retiram a maior parte de seus rendimentos anuais, conforme indica Labouisse (2004). Destaca-

se que, segundo Gerbaud (2011, p. 33), “le cocotier est essentiellement une culture de

paysannat”, ou seja, o coqueiro é essencialmente uma cultura camponesa. De acordo com

informações apresentadas por Siqueira et al. (2002), Hebert et al. (2007) e Gerbaud (2011),

constata-se que cerca de 96% da produção mundial de coco é proveniente de pequenos

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produtores, que cultivam o fruto em áreas que raramente passam dos 4 hectares, onde são

plantadas no máximo 100 árvores45, cultivadas em sua maioria de maneira extensiva.

Durante seus trabalhos de campo e a partir de entrevistas realizadas com produtores de

coco, Caillon (2011, p. 14) sempre repetia a mesma pergunta: “para que serve o coqueiro?”, e

recebia também sempre a mesma resposta: “o coqueiro quer dizer dinheiro”, já que

especialmente a copra (ou a popular “carne” do coco, normalmente vendida ralada) representa

a primeira fonte de renda monetária para as populações rurais que habitam as remotas ilhas do

Pacífico (LAMANDA, 2004). Apesar de realizada sob moldes extensivos, essa produção de

coco do Pacífico visa fortemente atender ao mercado de óleo e de coco ralado. Assim, diversos

são os países da Oceania e do Sudeste Asiático que têm a maior parte de suas economias

centradas inteiramente na produção e exportação de coco e seus derivados.

Entretanto, a importância do coqueiro e dos produtos dele originados vai muito além da

atividade econômica, conforme destacam Labouisse (2004) e Gerbaud (2011). Nota-se que o

coqueiro tem quatro funções principais: a alimentar (sobretudo o fruto – o coco, que serve para

o preparo de vários pratos), a doméstica (destinada à confecção de artesanato e à construção de

casas e barcos, por exemplo), a ritualística (usada em cerimônias religiosas realizadas no

Sudeste Asiático e na Oceania) e a mercantil (concretizada com a venda do coco ralado, além

do óleo e da água). Além dessas, Caillon (2008, 2011) acrescenta ainda que o coqueiro também

tem importantes funções sociais, místicas, simbólicas, medicinais e culturais.

Por essa razão, Gerbaud (2011, p. 45) classifica o coqueiro como “a árvore dos cem usos

ou a árvore da vida”, uma vez que todas as partes que o compõem são inteiramente aproveitadas

e possuem diferentes finalidades. As raízes são utilizadas para fazer chás, usados para tratar

diversas doenças, e para a feitura de cestos. O caule é usado para a fabricação de casas, móveis,

barcos, pontes, e ainda muito usado como lenha, entre outras finalidades. As folhas são

aproveitadas na cobertura de casas, barracas de praias, quiosques, na compostagem orgânica,

na confecção de cercas e no artesanato para a fabricação de vários utensílios.

Porém, a parte do coqueiro que oferece mais opções de uso são seus frutos, que possuem

o maior valor agregado, com uma considerável aceitação em um mercado constantemente

aquecido. Cada uma das estruturas botânicas do coco, indo da casca ao miolo do fruto, tem suas

próprias finalidades e são usadas de diferentes formas. Percebe-se que o coco pode ser utilizado

de quatro grandes maneiras: para suprir a alimentação humana, para fabricar o artesanato, para

atender as necessidades específicas da indústria de cosméticos e produtos de limpeza e para

45 Segundo Hebert et al. (2007, p. 10), “o coqueiro é uma cultura de pequenos camponeses, geralmente pobres,

que são confrontados com diversas dificuldades: o débil custo do coco, o envelhecimento das plantações, os riscos

de doenças mortais [das árvores] e as dificuldades de reconversão [com a substituição das árvores mais velhas]”.

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servir como subproduto de determinados ramos de outras indústrias mais especializadas, como

a indústria civil. Neste trabalho destacaremos apenas as especificidades dos usos do coco

servindo para a alimentação humana46, já que são eles os responsáveis por movimentar o

circuito espacial produtivo desse fruto.

Gerbaud (2011) assegura que o coco é a sexta fruta mais cultivada no mundo, e isso em

aproximadamente 90 países. Entretanto, analisando a distribuição espacial da produção mundial

de coco, percebemos que o seu cultivo se dá com mais intensidade em pouquíssimos países,

sobretudo naqueles localizados no Sul-Sudeste Asiático, na Oceania e na América Latina, que

concentram a quase totalidade da quantidade produzida no globo. Segundo dados da FAO, em

2010 apenas nove países concentravam 90% da produção mundial de coco, comprovando a

concentração geográfica do cultivo do fruto. Esses principais países produtores de coco são, por

ordem de quantidade produzida em 2010: Indonésia, Filipinas, Índia, Brasil, Sri Lanka,

Tailândia, Papua-Nova Guiné, Vietnã e México.

Nesse contexto da configuração mundial da produção de coco, destaca-se que em 2010

a Indonésia concentrava sozinha 30% do coco produzido no mundo, seguida das Filipinas e da

Índia, controlando respectivamente 25,8% e 18% da produção (tabela 01). Juntos, esses três

países concentravam 74% do coco cultivado no planeta. Em seguida aparece o Brasil com 4,7%

da produção mundial, o que aparentemente não parece ser muito, mas já é o suficiente para

colocar o país no quarto lugar no ranking da produção do fruto no mundo. Mas se analisarmos

apenas o contexto americano, o Brasil já concentra mais da metade da produção de coco do

continente, com 56% da quantidade total produzida, despontando como o mais importante

produtor regional do fruto, seguido de longe pelo México.

Tabela 01 – Produção mundial de coco (em toneladas), por países. 1970 – 2010.

1970 1990 2010 % em 2010

Indonésia 6.260.000 12.120.000 18.000.000 30,0

Filipinas 5.686.160 11.941.960 15.510.283 25,8

Índia 4.514.000 7.230.000 10.840.000 18,0

Brasil 426.887 477.372 2.843.453 4,7

Sri Lanka 1.928.000 1.924.000 1.990.440 3,3

Tailândia 713.000 1.426.300 1.298.147 2,2

Papua-Nova Guiné 705.000 644.000 1.210.000 2,0

Vietnã 118.500 894.419 1.162.200 1,9

México 811.157 1.063.600 1.156.800 1,9

MUNDO 26.318.803 43.468.901 60.099.178 100

Fonte: FAO. Elaboração: Cavalcante, 2013.

46 Esses usos estão diretamente relacionados com o estado de maturação dos frutos e com o período de colheita

dos mesmos. O coco verde, normalmente colhido dos coqueiros anão e híbrido, é destinado sobretudo para o

fornecimento de água. Já o coco seco, comumente colhido do coqueiro gigante, é o fruto utilizado para a produção

de coco ralado, óleo de coco e leite de coco.

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De um modo geral, e conforme apontam os dados da FAO (tabela 01), nota-se que entre

os nove maiores produtores mundiais o aumento da produção de coco é constante, com exceção

da Tailândia, que apresentou um decréscimo em 2010, e do Sri Lanka, que mantém a sua

quantidade produzida sempre constante. Quando se observam as variações da produção nesses

países verifica-se que entre 1970 e 2010 houve um aumento considerável da quantidade

produzida sobretudo na Indonésia, nas Filipinas, na Índia e no Brasil, respectivamente os atuais

quatro mais importantes produtores mundiais (tabela 02). Porém, ao analisar a variação relativa,

percebe-se que o maior aumento proporcional entre os anos 1970 e 2010 foi observado no

Vietnã e logo em seguida no Brasil, que, dentre os principais países produtores de coco, teve o

segundo maior aumento na quantidade produzida com o fruto (566%).

Tabela 02 – Produção mundial de coco (em toneladas), por países.

Variações absoluta e relativa (em %). 1970 – 2010.

Variação Absoluta Variação Relativa

1970-1990 1990-2010 1970-2010 1970-1990 1990-2010 1970-2010

Indonésia 5.860.000 5.880.000 11.740.000 93,61 48,51 187,54

Filipinas 6.255.800 3.568.323 9.824.123 110,02 29,88 172,77

Índia 2.716.000 3.610.000 6.326.000 60,17 49,93 140,14

Brasil 50.485 2.366.081 2.416.566 11,83 495,65 566,09

Sri Lanka -4.000 66.440 62.440 -0,21 3,45 3,24

Tailândia 713.300 -128.153 585.147 100,04 -8,98 82,07

Papua-Nova Guiné -61.000 566.000 505.000 -8,65 87,89 71,63

Vietnã 775.919 267.781 1.043.700 654,78 29,94 880,76

México 252.443 93.200 345.643 31,12 8,76 42,61

MUNDO 17.150.098 16.630.277 33.780.375 65,16 38,26 128,35

Fonte: FAO. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Analisando os dados da variação relativa da quantidade produzida (tabela 02),

percebemos que somente nas últimas duas décadas, de 1990 a 2010, o Brasil apresentou um

aumento considerável de quase 500%, de longe o maior índice alcançado pelo grupo dos

principais produtores, indicando um importante acréscimo em sua produção, justificando, em

parte, nossa ideia de reestruturação produtiva do setor do fruto no país. Além disso, infere-se

que esse processo se dá apenas no contexto brasileiro, uma vez que os índices de crescimento

da produção dos outros países não apontam que grandes mudanças estejam se dando em seus

cultivos, com exceção apenas do Vietnã.

Aliás, a participação do Brasil nessa configuração mundial do cultivo de coco foi

fortemente alterada nestes últimos 20 anos. Ainda de acordo com os dados da FAO, em 1990 o

país ocupava apenas a décima colocação do ranking mundial, com uma produção que não

passava das 500 mil toneladas, enquanto em 2010, ocupando já o quarto lugar nesse ranking, a

produção brasileira chegou perto de 3 milhões de toneladas, ultrapassando países com um

importante histórico no cultivo de coco, como o Sri Lanka, a Tailândia e o México. Apenas essa

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mudança do contexto mundial da produção do fruto, por exemplo, com uma alteração da

participação desempenhada pelo Brasil, indica que modificações substanciais estão se dando

no processo produtivo do fruto no país.

2.1.2 Geo-história e periodização da produção brasileira de coco

Todo e qualquer cultivo tem uma história e uma geografia que lhe são particulares e que

evoluem de acordo com o próprio movimento da economia local/mundial na qual está inserido.

Nessa lógica, a produção brasileira de coco não se tornou o que ela é hoje da noite para o dia:

foi preciso o desenrolar de inúmeros processos para dotar o cultivo do fruto no país das

características as quais possui atualmente. Por esse motivo é importante apresentar a evolução

da produção brasileira de coco, uma vez que a reconstituição histórica de uma atividade

produtiva nos ajuda a ter uma melhor compreensão de como ela está organizada em períodos

mais recentes, já que em tempos diferentes um determinado cultivo dificilmente possuirá as

mesmas características, conforme assegura Santos (2008).

O coco, em virtude de não ser um produto genuinamente brasileiro, teve de ser

importado de outros países até que a produção nacional se consolidasse. Bondar (1939) e

Siqueira et al. (2002) afirmam que não havia coqueiros em nossas praias quando aqui chegaram

os primeiros portugueses em 1500, e que foram eles os responsáveis pela introdução dos

cultivares no território que viria a ser o Brasil. Para Andrade (1987, p. 87), o coqueiro,

introduzido inicialmente no Nordeste brasileiro nos tempos coloniais pelos portugueses, “[...]

adaptou-se de tal forma à nossa faixa litorânea que, ao observador menos informado, dá a

impressão de ser uma planta nativa”.

Destaca-se que as primeiras mudas de coqueiro gigante foram introduzidas no Brasil

pelos portugueses somente em 1553, quando houve um plantio de algumas mudas no atual

Estado da Bahia, conforme relatam Bondar (1939), Andrade (1964) e Siqueira et al. (2002). Já

as primeiras mudas de coqueiro anão começaram a ser plantadas no Brasil somente em 1925,

há menos de cem anos, como também afirma Bondar (1939), e as variedades de coqueiro

híbrido só começaram a ser cultivadas no país por volta de 1951, segundo apontam Siqueira et

al. (2002). Os plantios dessas três variedades de coqueiro no país foram realizados

primeiramente na região Nordeste, com destaque sobretudo para os coqueiros gigantes.

Costa (1999) assevera que o plantio e a exploração de coco no Brasil coincidem com o

próprio processo de ocupação territorial nordestino, visto que foi nessa região onde as primeiras

mudas começaram a ser cultivadas e onde a produção mais se consolidou. O autor aponta ainda

que a presença dos coqueiros gigantes marcou para sempre a paisagem do litoral do Nordeste,

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e que seu cultivo se deu desde os primórdios através de “práticas estritamente extrativistas aos

moldes não-capitalistas, isolada territorialmente e ocupando espaços agrícolas marginais”

(COSTA, 1999, p. 11). Até bem pouco tempo atrás falar em produção de coco no Brasil era o

mesmo que falar em produção de coco no Nordeste, em razão da quase exclusiva concentração

de coqueirais nessa região47, constatação que aos poucos vem sendo alterada.

Em A terra e o homem no Nordeste, Andrade (1964, p. 126) já revelava que nas praias

nordestinas o coqueiral dominava inteiramente a paisagem, “sendo visto a grande distância

cobrindo com a sua sombra as habitações dos pescadores, os apetrechos e redes de pescar

quando expostos ao vento”. O autor se refere até mesmo à existência de uma certa

“promiscuidade” resultante da imbricação entre as comunidades e os coqueirais (imagem 03),

que se misturavam de tal forma que era difícil de saber se eram as casas que estavam em meio

aos coqueiros ou se eram os coqueiros que estavam sendo cultivados entre as casas. Nessas

comunidades o mar fornecia o peixe, e a terra sobretudo o coco, além do feijão e da mandioca,

muitas vezes cultivados entre os próprios coqueiros, revelando a existência de um sistema

agrícola bastante peculiar e característico dessa região do país.

Imagem 03 – Comunidade de pescadores do litoral do Nordeste localizada em meio aos coqueirais.

Fonte: Mesquita (1961).

O coqueiro foi inicialmente cultivado no Brasil e, por um longo tempo, apenas por

agricultores pobres, formados basicamente por caboclos, caiçaras e índios que povoavam o

47 Destaca-se que ainda é muito comum em todo o Nordeste o cultivo de um a cinco coqueiros nos quintais de

casas, sítios e chácaras, visando exclusivamente o próprio consumo, seja de água ou de coco ralado, e isso acontece

também nas grandes metrópoles e não somente nas pequenas cidades. É por isso que Andrade (1964) vai se referir

ao coqueiro como uma planta de “fundo de quintal”, sendo facilmente encontrada nos quintais nordestinos.

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litoral nordestino. Muitos desses agricultores trabalhavam em terras arrendadas e/ou devolutas,

e viam no cultivo de coco uma forma de garantir a alimentação e a posse dessas terras (MOTA

et al., 1995). Assim, a produção de coco no Brasil nasceu enquanto uma atividade praticada por

camponeses, especialmente por proporcionar uma produção permanente e por não exigir

praticamente nenhum cuidado com as árvores, que além disso permitia a prática de

consorciação e criação de animais, garantindo a subsistência das famílias que o cultivavam.

De acordo com Mota et al. (1995, p. 14), foi “nesta lógica que gradativamente as

pequenas propriedades amplia[ra]m o cultivo do coqueiro em suas áreas, o explorando, em sua

maioria, de forma extrativista”. Aos poucos o cultivo de coco no Brasil foi se expandindo,

passando a ser produzido também por grandes produtores e seguindo em direção a outras

regiões do país, atestando ainda a expansão da comercialização dos frutos e de seus

subprodutos, alavancando consideravelmente a produção. De uma atividade praticada

exclusivamente por agricultores pobres, o cultivo do fruto passou a despertar o interesse de

outros produtores mais abastados e do crescente mercado consumidor, favorecendo o início de

cultivos com o caráter meramente comercial e não apenas visando a subsistência.

Essa produção de coco no Brasil pode ser subdivida em determinados períodos,

temporalmente identificados. Acerca da importância de traçarmos periodizações no intuito de

facilitar a compreensão de uma determinada história, Silveira (1999, p. 66) considera que “uma

periodização se impõe como regra de método fundamental, pois permite distinguir pedaços

correntes de tempo nos quais um novo arranjo territorial revela uma modernização material e

organizacional”. Santos e Silveira (2003, p. 20) acrescentam que as periodizações se

caracterizam por “extensões diversas de formas de usos, marcadas por manifestações

particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem a princípios gerais [...]”.

Assim, e de um modo geral, podemos subdividir a produção de coco no Brasil em quatro

períodos distintos, tal qual propõem Costa e Gebara (2001) para o contexto mundial. Esses

períodos, entendidos por Santos e Silveira (2003, p. 24) enquanto “pedaços de tempo definidos

por características que interagem e asseguram o movimento do todo”, revelam as

especificidades do cultivo do fruto no decorrer da história e sobretudo como elas foram

evoluindo. Destaca-se que esses quatro períodos não apresentam uma rigidez em suas datas e

em suas características principais. Chegamos a essa proposta de periodização sobretudo com

base na leitura da bibliografia levantada48, que apresenta algumas informações acerca da

evolução do cultivo do coco no país.

48 Sousa (1587), Salvador (1627), Kidder (1845), Bondar (1939), Santos (1941), Pedrosa (1947), Simões (1954),

Mesquita (1961), Andrade (1964), Mota et al. (1995), Costa (1999), Siqueira et al. (2002) e Koster (2003).

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O primeiro período de produção de coco no Brasil, que vai de 1553 até meados de 1800,

é representado pela fase exclusivamente extrativista, quando apenas eram plantadas as árvores

e colhidos os frutos dos coqueiros gigantes, sem a utilização de quaisquer instrumentos técnicos

e/ou a realização de tratos culturais. Os coqueiros eram cultivados de forma aleatória e iam

sendo plantados ao longo das faixas de praia. Além disso, nesse primeiro período foi importante

o processo de adaptação das populações às potencialidades que poderiam ser usufruídas dos

coqueiros, que, em um momento inicial, eram utilizados apenas para fornecer os frutos,

consumidos in natura, isto é, não processados.

Em 1587, quando é publicado o primeiro registro do cultivo de coco em terras

brasileiras, fica nítida a recente introdução dos coqueiros no país, os quais, apesar de apresentar

uma excelente produtividade, não despertavam muito o interesse da população local, como

afirma Sousa (1587, p. 168). Décadas depois, Salvador (1627, s.p.) escrevia que “[...] cultivam-

se palmares de cocos grandes, e colhem-se muitos, principalmente à vista do mar, mas só os

comem, e lhes bebem a água, que tem dentro seus mais proveitos, que tiram na Índia”. Observa-

se que apesar de fornecer alimento, ainda não se conheciam todas as utilidades do coqueiro,

que continuava sendo visto como uma atividade exclusivamente extrativista e que visava apenas

a subsistência das populações praianas que o cultivavam, não havendo qualquer

comercialização dos frutos e muito menos uma agregação de valor a eles.

Num segundo período, que vai de 1800 até meados da década de 1930, houve uma

considerável intervenção do homem no processo produtivo do coco. Os coqueiros continuavam

sendo produzidos ancorados em práticas extrativistas, mas com cultivos já realizados também

em moldes semiextensivos, em que havia uma relativa preocupação com a produtividade das

árvores, e os produtores já aplicavam adubos orgânicos e realizavam a poda dos coqueiros e a

capina do local onde eles eram cultivados. Nesse período começam a ser utilizadas as primeiras

inovações técnicas associadas ao processo produtivo do coco, como exemplo o uso de enxadas

para a realização da capina, de facões para a poda e de foices para a colheita.

Koster (2003) destacava que em 1816 as terras arenosas do litoral onde se plantava o

coqueiro seriam, sem ele, desvalorizadas e inúteis, uma vez que “a renda dos coqueirais as

tornam [as terras] valiosas. Os terrenos ocupados por essas plantações dão uma renda segura

aos seus proprietários que os cultivam sem dificuldades quando para as demais culturas muitos

esforços são exigidos” (KOSTER, 2003, p. 459). O coqueiro aparece, dessa forma, enquanto

uma fonte de renda, servindo não apenas para a alimentação e aparecendo pela primeira vez

como uma atividade econômica com relativa importância para as populações pobres que o

cultivavam. Ainda segundo Koster (2003), o coqueiro já era amplamente aproveitado por esses

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agricultores que o cultivavam, conhecedores das finalidades do aproveitamento das árvores e

dos frutos, consumidos também de maneira prensada, fornecendo óleo e leite.

A partir desse segundo período é que o cultivo de coco passa a adquirir um caráter de

produção voltada também para o mercado, ainda que fosse um mercado basicamente local e

regional e ainda que o fruto continuasse a ser considerado atividade de subsistência, sendo

comercializado apenas o seu excedente, de acordo com Mota et al. (1995). Ao perceber o coco

enquanto uma atividade rentável, as primeiras grandes fazendas produtoras começam a surgir

no Brasil49 de maneira especial a partir do século XX, uma vez que o fruto passa a despertar a

atenção de grandes produtores, iniciando uma considerável expansão de propriedades

cultivadas com coqueiros, especialmente em direção aos tabuleiros litorâneos nordestinos,

conforme asseguram Andrade (1987) e Mota et al. (1995).

O terceiro período, que vai de meados de 1930 a 1990, marcou a consolidação do cultivo

e do consumo de coco no Brasil. A produção do fruto já era reconhecida em todo o país por seu

“intrínseco valor econômico”, como se refere Pedrosa (1947), e o consumo de seus

subprodutos, como o leite e o coco ralado, anteriormente limitados apenas ao Nordeste, já havia

se expandido para outras regiões. Esse período pode ser subdivido em dois momentos: no

primeiro se dá a expansão do cultivo de coco e a difusão de inovações técnicas, enquanto no

segundo ocorre a consolidação dessa produção, com a participação cada vez maior da ciência

ditando o processo produtivo do fruto, como observado atualmente.

Andrade (1987, p. 87) destacava que ainda na década de 1970 o coqueiro era explorado

“por grandes e médios proprietários que raramente limpa[va]m e aduba[va]m o coqueiral,

limitando-se quase sempre a desfrutá-lo”. E o autor acrescenta que somente a “racionalização

da cultura poderia provocar aumento da produtividade, melhorando as condições econômicas

dos proprietários e oferecendo maior produção”. Mas é após o início dos anos 1980 que se

observa uma relativa expansão da utilização de insumos químicos e orgânicos nos coqueiros,

ligada à aplicação de pesticidas, ao desenvolvimento de sistemas de irrigação e à utilização de

implementos agrícolas, associados a novas técnicas de cultivo. Entretanto, a racionalização do

cultivo de coco vai se dar com mais intensidade somente a partir dos anos 1990.

De acordo com Mota et al. (1995) e Costa (1999), na década de 1970 já havia um

importante parque industrial composto por pequenas e médias fábricas que processavam coco,

localizadas sobretudo em Sergipe, pioneiro nessa atividade. Essas fábricas comercializavam

seus produtos (leite e coco ralado) basicamente para o Centro-Sul do país, estimulando a

49 Entretanto, apesar de já ser cultivado com uma atenção maior, na década de 1930 ainda era baixíssimo o índice

de produtividade dos coqueiros brasileiros, segundo aponta Bondar (1939).

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expansão de novas áreas de cultivo com coqueiros. Em décadas seguintes se observou por todo

o Brasil a consolidação de um setor agroindustrial do coco, com destaque especial para o grande

crescimento das empresas Sococo, fundada em 1966 em Alagoas, e Ducoco, fundada em 1982

no Ceará, atualmente as principais empresas do setor.

Ainda nesse período, começou a esboçar-se o desenvolvimento dos primeiros estudos

relacionados ao setor do coco, concentrados na Embrapa de Sergipe, estudos esses que visavam

basicamente o cruzamento entre diferentes variedades de coqueiros, a produção e o

fornecimento de mudas, o parecer de primeiras recomendações técnicas etc, conforme apontam

Mota et al. (1995). Mas é especialmente após 1980 que se observa o avanço de pesquisas na

área de melhoramento genético do coqueiro, visando ampliar a produtividade do mesmo,

revolucionando o setor e transformando as pesquisas com coco em um negócio altamente

rentável. Foi também nessa época que se iniciou a expansão dos cultivos de coqueiros anão e

híbrido por todo o território nacional.

Assim, nota-se que a arquitetura do atual período da produção de coco no país foi traçada

no decorrer das décadas de 1930 a 1990. Podemos entender esse período como o marco na

transição entre dois distintos modelos produtivos, caracterizados por uma inserção cada vez

maior da técnica, ciência e informação ao processo produtivo do coco, como visto no quarto e

atual período, iniciado por volta de 1990. É somente nesse último período que há um

crescimento considerável da produtividade das árvores, em virtude da disseminação de novas e

modernas técnicas associadas ao processo produtivo do fruto. O grande diferencial desse

período vai ser justamente a utilização da ciência e da informação a serviço do cultivo de coco,

em que a biotecnologia passa a assumir um papel importante. Explanaremos acerca das

principais características desse último período somente no subcapítulo seguinte, onde

analisaremos as mais significativas transformações evidenciadas no setor do coco após os anos

1990, a partir da reestruturação produtiva em curso.

Por fim, deve-se atentar para o fato de que esse atual período da produção de coco não

se dá de maneira homogênea pelo país, dado que apenas algumas parcelas do território nacional

e alguns produtores foram inseridos nesse novo momento do cultivo do fruto, uma vez que,

conforme ressaltam Santos e Silveira (2003, p. 140), “como em todos os períodos, o novo não

é completamente difundido no território”. Além disso, a emergência de um novo momento não

elimina por completo as características do anterior, coexistindo, assim, diferentes períodos ao

mesmo tempo. Organizamos na página seguinte um quadro com as principais características

dos períodos de produção de coco no Brasil (quadro 02), muitas das quais que não constam na

descrição aqui apresentada, mas que são indicadas na bibliografia consultada.

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Quadro 02 – Principais características dos períodos de produção de coco no Brasil.

Fontes: Souza (1587), Salvador (1627), Kidder (1845), Bondar (1939), Santos (1941), Pedrosa (1947), Simões (1954), Mesquita (1961), Andrade (1964),

França (1988), Mota et al. (1995), Costa (1999), Siqueira et al. (2002) e Koster (2003). Elaboração: Cavalcante, 2014.

Períodos Tipo de cultivo Inovações técnicas Produtores Produtos e consumo Áreas produtoras

Primeiro Período

(1553-1800)

Produção meramente

extrativista e

exclusivamente de

coqueiros gigantes.

Sem a realização de

tratos culturais.

Sem a utilização de

inovações técnicas.

Cultivo realizado

por comunidades

litorâneas.

Produção em

pequenas

quantidades.

Consumo do coco in

natura, tanto verde

quanto seco. Sem

comercialização dos

frutos.

Basicamente o litoral

da Bahia, com cultivos

se expandindo para o

litoral de Sergipe,

Alagoas e

Pernambuco.

Segundo Período

(1800-1930)

Cultivo semiextensivo,

exclusivamente de

coqueiros gigantes.

Começam a ser

realizados os primeiros

tratos culturais.

Utilização das

primeiras inovações

técnicas. Início da

adubação dos

coqueiros.

Cultivo realizado

sobretudo por

agricultores pobres,

mas que já

despertava o

interesse de

grandes produtores.

Consumo de coco in

natura e também

processado, como óleo

e leite.

Comercialização

regional dos frutos.

Todo o litoral do

Nordeste, seguindo em

direção ao litoral do

Norte e do Sudeste.

Terceiro Período

(1930-1990)

Cultivo semiextensivo

e intensivo,

principalmente de

coqueiro gigante.

Introdução do cultivo

de coqueiro anão e

híbrido.

Utilização de

inovações técnicas,

como insumos e

implementos.

Desenvolvimento de

pesquisas do setor do

coco.

Cultivo realizado

por pequenos e

grandes produtores.

Expansão do consumo

de coco in natura e

derivados. Expansão

do setor agroindustrial.

Comercialização

realizada em todo o

país.

Litoral e determinadas

áreas do interior do

Nordeste, além do

Pará, Espírito Santo e

Rio de Janeiro.

Quarto período

(1990-Atualmente)

Cultivo semiextensivo

e intensivo. Expansão

dos cultivos de

coqueiro anão e

híbrido.

Utilização de

inovações técnicas,

como insumos e

implementos. Ciência

e informação à serviço

da produção.

Cultivo realizado

por pequenos e

grandes produtores.

Expansão de

grandes empresas

agrícolas de

produção de coco.

Expansão do consumo

de água de coco.

Consolidação do setor

agroindustrial. Início

da exportação de água

de coco.

Todas as cinco grandes

regiões do país.

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66

2.1.3 O atual contexto produtivo do coco no Brasil

Antes de apresentarmos os principais processos que marcam o atual período de produção

de coco no Brasil, em decorrência da reestruturação produtiva, é importante indicar as

principais variáveis que caracterizam atualmente o contexto produtivo do fruto no país. A partir

da análise de alguns indicadores quantitativos, divulgados pelo IBGE, é possível vislumbrar um

pequeno perfil desse setor, considerando a evolução da produção, da área plantada e da

produtividade, além da conjuntura acerca da estrutura fundiária, do perfil dos produtores e da

comercialização dos frutos, conforme destacamos na sequência.

Analisando os dados da Produção Agrícola Municipal (tabelas 03 e 04), nota-se que de

1990 a 2010 a produção de coco no Brasil obteve um aumento considerável, por volta de 158%,

como já apontavam os dados da FAO50. A área plantada com coqueiros também acompanhou

o aumento da produção do fruto, porém mais modestamente, tendo um crescimento de

aproximadamente 28%, o que demonstra que há uma expansão do cultivo de coqueiros em

território brasileiro. Associada ao aumento da área plantada e da quantidade produzida, a

produtividade também obteve um crescimento importante, duplicando em apenas 20 anos,

indicando uma significativa modernização do processo produtivo do fruto.

Tabela 03 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em

mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Área plantada 215.652 266.577 276.934

Quant. produzida 734.418 1.301.411 1.895.635

Produtividade 3,41 4,88 6,85

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 04 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em

mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Essa produção de coco no Brasil é realizada nos mais diversos estabelecimentos. De

acordo com o último Censo Agropecuário, divulgado pelo IBGE em 2006 (tabelas 05 e 06),

havia no Brasil aproximadamente 43 mil estabelecimentos que produziam coco, destacando-se

a significativa participação de pequenas propriedades nesse total. Mais de 74% deles possuíam

50 Como a FAO e o IBGE adotam metodologias diferentes, os dados por eles indicados não são os mesmos.

Variação Absoluta Variação Relativa

1990 -

2000

2000 -

2010

1990 -

2010

1990 -

2000

2000 -

2010

1990 -

2010

Área plantada 50.925 10.357 61.282 23,61 3,89 28,42

Quant. produzida 566.993 594.224 1.161.217 77,20 43,57 158,11

Produtividade 1,48 1,96 3,44 43,35 40,21 101,00

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até 10 hectares, indicando que a produção do fruto no país se dava principalmente em pequenas

propriedades. Além disso, verifica-se que são esses pequenos estabelecimentos que ocupavam

mais da metade da área total cultivada com coqueiros.

A análise dos dados relativos à estrutura fundiária também revela quão desigual é a

distribuição de terras entre os produtores de coco no Brasil. Em 2006, 74% dos

estabelecimentos ocupavam apenas 53% da área total cultivada com o fruto, produzindo 39%

do coco do país. Enquanto isso, outros 2,27% dos estabelecimentos somavam 35% da área total,

demonstrando a concentração de uma parte importante das terras nas mãos de poucos

produtores51. Supõe-se que essa concentração esteja sendo acirrada, particularmente em virtude

dos crescentes interesse e aquisição de terras por novos (e grandes) produtores.

Tabela 05 – Brasil. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos

(em unidades), área total (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos). 2006.

Total

Menos de

10 ha

De 10 a

100 ha

Mais de

100 ha

Sem

declaração

Estabelecimentos 43.673 32.500 924 64 10.185

Área total 125.571 66.680 24.157 20.563 14.171

Quantidade produzida 867.763 339.036 341.054 187.674 -

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 06 – Brasil. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos

estabelecimentos, área total e quantidade produzida. Proporção (em %). 2006.

Menos de 10 ha De 10 a 100 ha Mais de 100 ha

Estabelecimentos 74,42 2,12 0,15

Área total 53,10 19,24 16,38

Quantidade produzida 39,07 39,30 21,63

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013. Obs: A soma total do número de estabelecimentos e da área total não chegará aos 100%, uma vez que foram

desconsiderados os estabelecimentos sem declaração.

Desse modo, percebe-se que a produção de coco no país é realizada, sobretudo, por

pequenos produtores, que ocupam grande parte dos estabelecimentos e da área cultivada com

coqueiros, além de responder por uma produção significativa. Uma tipologia importante desses

produtores de coco é a subdivisão apresentada pelo IBGE, no Censo Agropecuário de 2006,

que os divide entre agricultores familiares e não familiares, tomando como base a força de

trabalho empregada e a área cultivada. De todos os produtores de coco no Brasil, 73% deles

estavam inseridos em estabelecimentos de agricultura familiar – o que corresponde a 32 mil

propriedades –, comprovando, dessa forma, que a produção de coco no país era realizada

51 Ressaltamos que em Censos anteriores a 2006 o IBGE não trabalhava com essa variável de estrutura fundiária

relacionada à produção de coco, impossibilitando perceber a sua evolução ao longo dos anos.

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especialmente por pequenos produtores, característica que ainda prevalece apesar das recentes

transformações observadas no setor.

E depois de produzidos, os frutos passam por uma primeira comercialização. Ao analisar

os dados que indicam esse primeiro destino do coco depois de colhido, divulgados pelo Censo

Agropecuário, nota-se o importante papel exercido pelas agroindústrias e pelos intermediários

nesse processo, tanto em 1985 como em 200652 (tabela 07). Em 1985, cerca de 80% do coco

produzido era comercializado pelos intermediários, e essa porcentagem passa dos 90% se

acrescentarmos as indústrias, enquanto somente por volta de 8% era destinado às cooperativas

e diretamente aos consumidores. Em 2006 vemos uma ligeira redução da participação dos

intermediários e um consequente aumento do papel das indústrias, que passaram a controlar

cada vez mais a comercialização dos frutos. Apesar disso, em 2006 os capitais comercial e

industrial controlaram juntos 94% de todo o coco comercializado no país.

Tabela 07 – Brasil. Primeiro destino da produção de coco, por quantidade vendida

(em mil frutos) e proporção (%). 1985 – 2006.

Mil frutos Proporção

1985 2006 1985 2006

Total comercializado 419.175 826.704 100 100

Vendida/entregue à cooperativa 1.665 4.245 0,40 0,51

Vendida à indústria 41.991 160.458 10,02 19,41

Vendida ao intermediário 342.255 617.863 81,65 74,74

Venda direta ao consumidor 33.264 44.138 7,94 5,34

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Nesse sentido, e resumindo as informações aqui destacadas, percebe-se que a produção

brasileira de coco apresenta as seguintes características: quantidade produzida, área plantada e

produtividade crescentes; cultivo realizado principalmente em pequenas propriedades e

predominantemente por agricultores familiares; produção e comercialização dos frutos

controladas pelo capital comercial e industrial. Destaca-se, ademais, que o foco da produção

nacional é abastecer o aquecido mercado interno, grande consumidor tanto de coco seco quanto

verde, não existindo um importante dinamismo do setor de exportações53, dado o consumo

interno da grande maioria da produção. Esses são apenas alguns dos elementos de fundo que

contribuem para a caracterização da nova geografia do coco no Brasil.

52 Por divergências de metodologias adotadas pelo IBGE para a obtenção dos dados desses Censos Agropecuários,

não é possível realizarmos uma comparação entre os dois períodos considerados para análise. 53 Ao analisar os dados divulgados pela SECEX/MDIC podemos confirmar essa informação, uma vez que as

exportações brasileiras desse fruto (in natura) são ínfimas.

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2.2 O NOVO TEMPO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE COCO

É válido afirmar que a produção brasileira de coco, especialmente após os anos 1990, já

não é mais a mesma, uma vez que a partir desse período ela passa a ser realizada com mais

intensidade sob os moldes da agricultura científica e inserida no contexto da agricultura de

mercado, contrapondo-se a uma produção mais tradicional e de caráter de subsistência, que

caracterizava praticamente todo o setor até o final do século passado, como visto anteriormente.

Foi somente a partir da reestruturação produtiva pela qual passa o setor do coco que se puderam

edificar as bases para uma verdadeira reviravolta no cultivo desse fruto no país, dotando-o de

atributos até então não observados. Essa atual configuração, advinda com a reestruturação

produtiva, deu origem ao que estamos chamando de “nova geografia do coco”.

Nota-se, de um modo geral, que o cultivo desse fruto deixa de ser realizado quase que

exclusivamente por comunidades litorâneas localizadas no Nordeste do país e em pequenas

quantidades sem a utilização de quaisquer insumos, passando a ser cultivado em larga escala

em todas as grandes regiões e a receber importantes aportes de capital, ciência e tecnologia,

levando ao desenvolvimento de uma nova maneira de se produzir coco, ampliando a quantidade

produzida e a produtividade (tabelas 03 e 04, já apresentadas). Nesse sentido, na sequência

apresentamos algumas das características dessa nova configuração do cultivo do fruto no país,

atentando para as novas variedades cultivadas, para a emergência do agronegócio do coco e

para a modernização do processo produtivo aliada à pesquisa científica agrícola.

2.2.1 O que há de novo na produção de coco?

Nestes pouco mais de 20 anos de materialização do processo de reestruturação do setor

do coco estamos diante de um novo tempo do cultivo brasileiro do fruto. Para Elias (2003),

Bernardes (2010) e Frederico (2010), esse novo tempo que se instala na agricultura do país, e

não somente no cultivo de coco, é marcado principalmente pela presença de objetos técnicos

recentes, que permitem uma maior velocidade das ações, seja na produção, no trabalho, na

indústria, na circulação, na distribuição ou no consumo, levando a novas formas de uso e

organização espaciais. O que vemos hoje, e cada vez mais, é um “campo que acolhe o capital

novo e o difunde rapidamente com tudo o que ele acarreta, isto é, novas formas tecnológicas,

novas formas organizacionais, novas formas ocupacionais, que aí rapidamente se instalam”

(SANTOS, 1996, p. 142).

Salienta-se que a chegada do novo sempre remete a modificações, uma vez que “quando

uma variável se introduz num lugar, ela muda as relações preexistentes e estabelece outras.

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Todo o lugar muda” (SANTOS, 1994, p. 99). Ainda de acordo com Santos (1985), o novo está

quase sempre ligado a inovações, enquanto o velho é tudo aquilo que já existia antes da chegada

desse novo, e portanto não deve ser visto como sinônimo de atraso, mas sim como algo

representativo de um tempo que já passou, de algo que coexiste com um conteúdo mais novo

em relação ao que já existia anteriormente. Dessa forma, há uma coexistência mútua entre o

novo e o velho, a exemplo do que é observado na produção de coco.

Atualmente podemos perceber a existência de dois modelos produtivos completamente

distintos no Brasil: um centrado no cultivo de coqueiro gigante e outro no cultivo de coqueiros

anão e híbrido. Assim, destaca-se que a reestruturação produtiva não atinge toda a produção de

coco no Brasil com a mesma intensidade, processando-se de maneira diferenciada quanto ao

cultivo dessas diferentes variedades de coqueiro. Percebe-se que o cultivo de coqueiro gigante

é o menos incorporado ao contexto de reestruturação produtiva, uma vez que, em geral, sua

produção ainda se dá fortemente baseada em moldes extensivos e semiextensivos, com uma

rarefeita utilização de inovações técnico-científicas e agronômicas, sem realização de adubação,

pulverização e irrigação, salvo algumas exceções encontradas em grandes fazendas que

cultivam essa variedade (foto 01).

Além disso, observa-se nestes últimos anos uma crescente redução do cultivo de

coqueiro gigante no Brasil, e isso pode ser justificado, entre outros fatores, pelo longo tempo

de espera para o início da produção dos frutos, por volta de cinco anos, pela dificuldade em se

colher esses frutos – já secos (foto 02), voltados para a produção de coco ralado, sobretudo –,

e pela idade avançada dos coqueirais brasileiros, acarretando uma produtividade menor.

Associada a isso está a proliferação de pragas nos coqueiros, os quais, por não receber os

cuidados necessários, acabam ficando altamente susceptíveis e não resistindo. De acordo com

Fontes (2010, s.p.), os “atuais plantios encontram-se em sua maioria abandonados, com

produtores desestimulados, em função não somente dos baixos preços do coco seco, como

também, da falta de políticas governamentais de incentivo à cultura”.

O cultivo dessa variedade, concentrado quase que exclusivamente no litoral da região

Nordeste, lida ainda com uma forte concorrência do mercado externo, em virtude das

importações de coco seco realizadas por empresas brasileiras, que adquirem o produto por um

preço irrisório em países da Ásia, inviabilizando por completo a rentabilidade da produção

interna do fruto. Outro fator que explica a redução do cultivo de coqueiro gigante no Brasil é a

saturação do mercado de coco ralado e leite de coco. Ainda segundo argumenta Fontes (2010),

se nada for feito para reestruturar esse cultivo, teremos que nos acostumar com as imagens dos

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coqueirais apenas como formadores da paisagem cênica do nosso litoral, preservados apenas

em resorts e condomínios, ou restritos a pequenos plantios54.

Foto 01 – Cultivo de coqueiro gigante em Trairi/CE. Foto 02 – Produção de coco seco em Amontada/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Por outro lado, há uma expansão de áreas cultivadas com coqueiro anão e híbrido, que

são a representação mais fiel da reestruturação produtiva do setor. Quando nos referimos ao

contexto atual do fruto no Brasil estamos falando basicamente do cultivo dessas duas

variedades, em ampla expansão por todo território nacional, passando a ocupar até mesmo áreas

não tradicionais no cultivo de coco, conforme indicam Fontes et al. (2002) e Martins e Jesus

Júnior (2011). Motivados pelo mercado aquecido de coco verde no país (foto 03), os produtores

estão investindo cada vez mais no cultivo dessas variedades (foto 04), com uma utilização

intensiva de tecnologia, ciência e informação.

Dessa maneira, a modernização da produção de coco é uma realidade apenas para os

cultivos de coqueiro anão e híbrido. Foram essas as variedades mais contagiadas pela

reestruturação produtiva e as que mais absorveram as inovações advindas com a agricultura

científica. Além disso, destaca-se que é também nas áreas de cultivo de coqueiro anão e híbrido

onde o capital encontrou meios mais favoráveis de se difundir e de se territorializar, uma vez

que foram essas as áreas elencadas pelo agronegócio para alavancar a quantidade produzida do

fruto, impulsionada pelo aumento considerável do consumo de água de coco, favorecendo a

inserção desse produto nos circuitos globalizados da produção e do consumo.

Assim, percebe-se que, conforme aponta Santos (1994, p. 98), “o novo não chega em

todos os lugares e quando chega não é ao mesmo momento; por isso, o novo nem sempre chega

quando é absolutamente novo”. Desse modo, devemos entender a recente modernização da

produção de coco como algo setorialmente concentrado, já que somente os cultivos de

54 No entanto, apesar de uma certa estagnação, deve-se ficar claro que o cultivo de coqueiro gigante ainda persiste

em inúmeros locais do litoral nordestino, servindo como fonte de renda para centenas de comunidades.

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coqueiros anão e híbrido foram inseridos nesse contexto. O capital preferiu intencionalmente

atuar no cultivo dessas duas variedades em detrimento do coqueiro gigante, visto que o retorno

financeiro e a renda auferida são infinitamente maiores.

Foto 03 – Produção de coco verde em Acaraú/CE. Foto 04 – Cultivo de coqueiro anão em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Além dessa expansão dos cultivos de coqueiro anão e híbrido, chama atenção também

a difusão do modelo produtivo do agronegócio pelos coqueirais do país, ancorada no ideário de

se perceber a produção de coco enquanto atividade econômica de enorme potencial de

crescimento, denotando o avanço da agricultura de mercado no cultivo desse fruto, onde a

acumulação de capital passa a ser a palavra de ordem, segundo asseguram Bühler e Oliveira

(2012). A propagação desse ideário pode ser facilmente observada, por exemplo, quando se

conversa com algumas pessoas-chave que atuam no setor com a finalidade de compreender o

atual momento do cultivo de coco no país, como presidentes e diretores de algumas empresas

e representantes do poder público.

De um modo geral, há uma grande euforia do setor especialmente em torno do que vem

sendo chamado de “agronegócio do coco”, termo inclusive já utilizado pela mídia e por alguns

pesquisadores, a exemplo de Fontenele (2005). Um dos relatos mais significativos que ouvimos

que comprovam essa euforia do setor, além de outros, foi em uma entrevista55 com o diretor de

agronegócios da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (ADECE)56. Segundo ele,

Atualmente o coco é um grande negócio, eu estou enfatizando a questão do

“atualmente”. Na verdade, ele atualmente está um grande negócio. Esperamos

que ele continue a ser um grande negócio! Mas por que que ele está um grande

negócio e ainda não é um grande negócio? Ele está se transformando num

grande negócio, muitos investimentos ainda precisam ser feitos. Antigamente,

há uns 20 anos, nem mesmo se podia considerar a produção de coco como

uma atividade econômica, quadro muito diferente do observado atualmente.

55 Entrevista realizada em fevereiro de 2014, na sede do órgão, em Fortaleza. 56 Ligado do Governo do Estado do Ceará, esse órgão é responsável por fomentar o desenvolvimento econômico

cearense, especialmente a partir de atração de empresas e investimentos.

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O agronegócio do coco é uma realidade por todo o país, e isso tem tudo para

se firmar ainda mais. Tem muita gente grande de olho no coco!

Pesquisadores da Embrapa, por exemplo, já publicam relatórios onde são ressaltados os

benefícios do tal agronegócio do coco verde, um setor que “tem grande importância, seja na

geração de divisas, emprego, renda ou alimentação” (MATTOS et al., 2006, p. 03). E há ainda

aqueles que consideram o coco como a grande aposta do setor agrícola brasileiro como um

todo, conforme relataram alguns empresários e produtores entrevistados. Em reportagem

publicada pela Revista Globo Rural57, o proprietário de uma importante empresa do coco chega

a dizer que tem grandes esperanças de que esse fruto se transforme dentro de 20 anos em uma

commodity, tendo seu preço cotado nas bolsas de valores pelo mundo, tal qual a soja, o milho

e o algodão, acreditando ser o coco “a bola da vez” do agronegócio brasileiro.

Como exemplo de empresas agrícolas que hoje atuam produzindo coco no Brasil e

disseminando o ideário de desenvolvimento centrado na difusão e territorialização do

agronegócio, podemos citar entre as principais: Sococo (no Pará), Ducoco, Cohibra e Unique

(no Ceará), Aurantiaca (na Bahia), Kero Coco e Queiroz Galvão (em Pernambuco) e Coco do

Vale (na Paraíba). Essas empresas, que cultivam exclusivamente as variedades anã e/ou híbrida,

estão entre os principais agentes que propagam a expansão do agronegócio do coco no país,

contribuindo para acentuar ainda mais o avanço do grande capital na produção do fruto, que

passa a regular uma parte importante de tudo o que acontece nesse setor.

Dentre todas essas empresas citadas, o caso da Sococo chega a ser emblemático e digno

de nota, pois configura-se como um dos mais significativos exemplos do evidente processo de

territorialização do capital no cultivo do fruto, especialmente em virtude das enormes

proporções do investimento empreendido por essa empresa. Fundada em 1966 em Alagoas,

hoje a Sococo é a principal empresa agrícola e agroindustrial do setor de coco do Brasil, além

de ser também uma das mais antigas. Já contando com uma unidade industrial instalada em

Maceió (AL), em 1981 a empresa dá início a um grande plantio de coqueiros híbridos no

município de Moju (nordeste do Pará), conforme aponta Siqueira et al. (2002), culminando na

disseminação do primeiro cultivo de coco na Amazônia, mesmo ano em que inaugura sua

segunda unidade industrial, dessa vez em Ananindeua, também no Pará.

Ao implantar suas fazendas no Pará, a Sococo foi a principal grande responsável pela

desconcentração geográfica da produção do fruto em direção à região Norte. Após o início do

primeiro plantio de coqueiros híbridos em Moju, a empresa realizou inúmeras aquisições de

57 Fonte: http://goo.gl/AF4RMv, Revista Globo Rural – “Água de coco faz carreira de sucesso no exterior”, matéria

do dia 28/12/11 e acessada em 30/12/11.

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terra e hoje possui 20 mil hectares, com aproximadamente 6 mil hectares produzindo e o

restante ocupado por floresta nativa. Além disso, em 2007 a empresa adquiriu outras fazendas

em território paraense, dessa vez no município de Santa Isabel, onde realiza um plantio de

coqueiro anão em 2 mil hectares58. Além da grande quantidade de terras ocupadas pela empresa,

um total de 22 mil hectares em plena Floresta Amazônica, o destaque da Sococo vai também

para a quantidade de coqueiros cultivados.

Somente em Moju há aproximadamente um milhão de coqueiros plantados, o que faz

da Sococo a maior empresa agrícola do setor de coco do mundo. Esse cultivo, exclusivamente

de coqueiros híbridos, fornece uma quantidade que vai de 110 a 150 milhões de frutos

produzidos por ano, inteiramente aproveitados em suas unidades industriais. Hoje o proprietário

da empresa se orgulha de possuir essa imensa quantidade de coqueiros e de ser considerado

como o “rei do coco”, conforme relatou em uma reportagem veiculada pela Revista Globo

Rural59, representando um título que auxilia sobremaneira na difusão do ideário

desenvolvimentista do agronegócio, analisado por Bezerra (2009).

Esse exemplo da Sococo, além de vários outros que podem ser evidenciados, revelam

sobretudo a acirrada atuação do grande do capital no cultivo de coco, a partir da difusão do

modelo produtivo do agronegócio, assentado exclusivamente no latifúndio, utilizando

modernos insumos e implementos agrícolas, com um plantio de coqueiros basicamente anões

e/ou híbridos e ainda com expressiva atuação também no setor agroindustrial. Assim, se em

períodos anteriores eram somente os pequenos produtores que cultivavam o fruto, hoje

observamos também uma série de grandes empresas investindo fortemente no setor. Como se

pode perceber, a produção de coco no Brasil já não é mais a mesma, especialmente quando se

observa a difusão e a territorialização do agronegócio latifundiário.

2.2.2 A modernização do processo produtivo do coco

Uma das principais características dessa atual reestruturação pela qual passa o setor

brasileiro de coco é a modernização do seu processo produtivo agrícola, que, além inserir cada

vez mais aportes de tecnologia, ciência e informação ao cultivo do fruto, vem contribuindo para

modificar os conteúdos técnicos do espaço (SANTOS, 2009). A esse respeito, Elias (2003, p.

53) considera que a difusão de novos sistemas técnicos agrícolas contribui fortemente para uma

58 A fonte de todas essas informações é: http://goo.gl/aq8vqR, Revista Globo Rural – “O maior coqueiral do

mundo”, matéria do dia 07/05/13 e acessada em 30/05/13, como também o site http://www.sococo.com.br. 59 Fonte: http://goo.gl/aq8vqR, Revista Globo Rural – “O maior coqueiral do mundo”.

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reestruturação produtiva da agricultura, implicando notáveis metamorfoses nas possibilidades

de uso e ocupação do espaço agrícola.

Nesse sentido, Aracri (2012) assegura que a expansão horizontal (no espaço, com a

incorporação de novas áreas) ou vertical (no tempo, com o aumento da produtividade) da

agricultura não pode ocorrer sem uma consequente difusão de inovações técnicas pelo território.

Em outras palavras, não há reestruturação produtiva da agricultura sem a incorporação de

inovações, sem a introdução de modernos sistemas técnicos agrícolas ao processo produtivo,

responsáveis por modernizá-lo, como também afirma Ramos (2003, 2006)60. Assim, a análise

da difusão de inovações na agricultura é de fundamental importância para a compreensão da

modernização do processo produtivo agrícola e de sua consequente racionalização.

Dentre as principais inovações técnicas associadas à produção de coco no Brasil, o

destaque vai principalmente para os novos métodos de irrigação que vêm sendo utilizados,

como por exemplo as práticas de irrigação localizada e totalmente automatizada, representada

pelo uso dos microaspersores, onde cada coqueiro é irrigado individualmente e recebe uma

quantidade exata de água. Esse método de irrigação por microaspersão é o mais utilizado

atualmente pelos produtores de coco, exclusivamente por aqueles que se dedicam ao cultivo de

coqueiro anão e híbrido, visando a produção de coco verde para o consumo da água de coco. A

irrigação localizada e automatizada vem revolucionando por completo a produção do fruto.

Ressalta-se que até bem pouco tempo atrás os coqueiros não eram comumente irrigados,

ou então eram irrigados por sistemas de sulco e/ou aspersão convencional, o que encarecia os

gastos com água e mão de obra, além de não favorecer o aumento da produtividade. Somente a

partir de estudos desenvolvidos especialmente pela Embrapa, e em razão de iniciativas

pioneiras de empresas privadas do setor, como a Ducoco e a Cohibra, é que se passou a indicar

o uso da microaspersão para a irrigação dos coqueiros, dosando a quantidade de água utilizada,

aumentando a produtividade e reduzindo o desperdício e os gastos.

O desenvolvimento de uma agricultura irrigada na produção de coco, em detrimento da

agricultura de sequeiro – ainda bastante comum no cultivo de coqueiro gigante e totalmente

dependente da água de chuva –, representa, antes de mais nada, uma intervenção direta do

trabalho humano na busca por um aumento de produtividade, levando a uma considerável

racionalização da atividade agrícola. Com a difusão do uso dos microaspersores (fotos 05 e 06),

representantes dessa racionalização, os produtores passaram a irrigar diariamente e ao mesmo

60 Graziano da Silva (2003) afirma que essas inovações podem ser de quatro tipos: mecânicas, físico-químicas,

biológicas e agronômicas.

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tempo cada uma das árvores existentes na propriedade61, bastando para isso ligar as bombas de

irrigação, que fazem todo o trabalho de levar a água para os microaspersores, que em seguida

segue para o solo e para as raízes dos coqueiros.

Fotos 05 e 06 – Coqueiros irrigados por microaspersores, em destaque.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Além da utilização da irrigação, difunde-se o uso de uma série de defensivos, adubos e

fertilizantes dos mais variados tipos, sem os quais a produtividade dos coqueiros é bastante

reduzida, segundo relatos dos produtores. Hoje praticamente todos que cultivam os coqueiros

anão e híbrido realizam a aplicação de defensivos químicos e/ou orgânicos sempre após a

colheita dos frutos e utilizam inseticidas ou então um composto de óleo de algodão com

detergente neutro, visando controlar a proliferação de insetos no coqueiral. Utilizam também

vários tipos de fertilizantes, sobretudo aqueles à base de amônia e ureia, como o NPK62, e de

adubos orgânicos, como folhas do coqueiro, casca de coco triturada, esterco de gado e de

ovelha, penas de galinha, entre outros, com o objetivo de corrigir as deficiências do solo e de,

em alguns casos, reter água.

Diretamente associada ao aumento do uso de microaspersores e a difusão de novos

adubos e fertilizantes está a implementação da técnica de fertirrigação, que garante uma maior

precisão, já que cada coqueiro vai receber uma quantidade predeterminada de fertilizantes

diluídos junto com a água aplicada pelos microaspersores. Com esse método, doses de

nitrogênio e potássio diluídos em água são automaticamente aplicadas de modo individual a

cada um dos coqueiros. Ferreira Neto (2005, p. 25) aponta que são muitas as vantagens em se

utilizar a fertirrigação, mas a principal delas é a “possibilidade de aplicação dos nutrientes

recomendados de forma parcelada”. Desse modo, o uso da fertirrigação pelo produtor de coco

61 De acordo com pesquisadores da Embrapa, estudos indicam que o consumo de água por um coqueiro anão já

adulto varia de 30 a 55 litros/planta/dia (FONTES et al, 2002). 62 Composto à base de nitrogênio, fósforo e potássio.

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proporciona economia de fertilizantes, maior eficiência na aplicação de nitrogênio e potássio e,

consequentemente, aumento na produtividade.

Somada ao sistema de irrigação e insumos químicos e orgânicos, observa-se a difusão

do uso de uma variedade de máquinas que servem de apoio à produção de coco. Esse

maquinário agrícola é utilizado apenas no preparo do terreno e do solo, bem como na

manutenção dos coqueirais, uma vez que o plantio e a colheita são atividades exclusivamente

manuais. Os equipamentos mais utilizados pelos produtores do fruto são: o arado (ou grade),

usado para arar o solo antes do plantio dos coqueiros e também dos produtos que normalmente

são cultivados entre as árvores; a roçadeira, bastante utilizada para fazer o controle das plantas

que crescem em meio às linhas do coqueiral; o trator, empregado para puxar esses equipamentos

(fotos 07 e 08) e para transportar a produção de coco recém-colhida em caçambas.

Foto 07 – Trator acoplado a uma roçadeira. Foto 08 – Trator acoplado a uma caçamba com pulverizador.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Há também produtores que utilizam os seguintes equipamentos, entre outros:

pulverizadores costais e/ou motorizados, para a aplicação de agrotóxico; cavadores, para a

abertura das covas no momento do plantio das mudas; trituradores, para triturar a casca do coco

verde, que em seguida pode ser utilizada como adubo ou vendida para outras empresas do setor;

distribuidores de calcário, para a correção do solo. O uso desse maquinário agrícola é bastante

recente e contribui sobremaneira na redução do tempo de trabalho destinado ao trato dos

coqueiros. Além desse maquinário, podemos incluir ainda as bombas e os motores utilizados

na irrigação, como também uma série de mangueiras, tubos e dutos.

Cultivados atualmente de maneira intensiva, os coqueiros recebem cuidados constantes.

Com isso, os chamados tratos culturais também foram readaptados às novas exigências do setor,

difundindo-se algumas inovações agronômicas que agem modificando as tradicionais formas

de produção de coco. Práticas como a gradagem do solo, a roçagem nas entrelinhas dos

coqueiros e a cobertura do solo com restos de outras produções agrícolas passaram a ser bastante

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difundidas entre os produtores. Entretanto, é a prática de rodapé a mais utilizada, já considerada

como obrigatória entre aqueles que cultivam os coqueiros de maneira intensiva. Fazer o rodapé

significa eliminar, com o auxílio de uma enxada, todas as outras plantas que nascem ao redor

do coqueiro (foto 06, já apresentada), evitando-se a disputa por água e nutrientes, onde em

seguida são aplicados os adubos e fertilizantes.

Já outros produtores preferem fazer o rodapé com cobertura morta, através do depósito

dos restos de outros cultivos ao redor do coqueiro, de modo que a decomposição dessa cobertura

forneça nutrientes ao solo, além de auxiliar na absorção e retenção de água. Além disso, todos

os produtores que cultivam coqueiro anão e híbrido vêm adotando, sem exceção, um sistema

de espaçamento entre as árvores conhecido como triangulação, indicado para melhor distribuir

os coqueiros em uma determinada área, obedecendo-se uma distância mínima entre cada um

deles, que normalmente varia entre 7 e 10 metros, dependendo do tamanho do estabelecimento,

facilitando os tratos culturais e possibilitando a consorciação com outros cultivos,

especialmente de feijão e mandioca (FONTES et al., 2002).

Há também aqueles produtores, com mais recursos, que investem em análises foliar e

de solo em laboratórios especializados, visando determinar as principais deficiências dos

coqueiros e da área onde estão plantados; por vezes são os próprios produtores que fazem a

coleta das folhas e de amostras de solo e as encaminham para esses laboratórios, que

posteriormente enviam os resultados das análises via e-mail. Assim, fica patente que a

racionalidade do capital tornou necessária a existência de formas mais eficazes de produção,

alterando radicalmente as forças produtivas da agricultura, “visto que seus conjuntos técnicos

anteriormente hegemônicos não condiziam com a racionalidade vigente no período

tecnológico” (ELIAS, 2003, p. 60).

Um exemplo bastante elucidativo desse processo é o que é realizado, por exemplo, nas

fazendas da Aurantiaca, holding de capital estadunidense e holandês instalada em 2006 no

município de Conde, litoral norte baiano, já possuindo 6 mil hectares, com 230 mil coqueiros

plantados, onde a meta é chegar aos 450 mil em 2015, conforme consta no seu site63. Utilizando

um dos mais modernos sistemas de rastreabilidade do mundo, essa empresa investe pesado em

agricultura de precisão. Além de ter todos os coqueiros irrigados por microaspersores e

adubados via fertirrigação, uma das inovações implementadas pela Aurantiaca foi a numeração

das árvores com uma placa contendo código de barras (imagem 04), onde mensalmente é

63 Fonte: http://aurantiaca.com.br/

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registrada a quantidade de frutos colhidos, podendo-se assim mensurar e acompanhar a

produtividade desse coqueiro ao longo de vários anos.

Todas as informações sobre quantidade produzida e sobre qualidades do solo e das

árvores são enviadas para um banco de dados, e o conjunto dessas informações é utilizado para

a criação de um mapa geral da fazenda, o que possibilita saber quais são os coqueiros mais

produtivos e quais precisam de uma maior atenção técnica. Para o vice-presidente da

Aurantiaca, em entrevista ao portal iBahia64, esse é um exemplo claro de agricultura de precisão

aplicada à produção de coco, o que ilustra, dessa forma, sua completa racionalização.

Imagem 04 – Coqueiro da empresa Aurantiaca com código de barras.

Fonte: Portal UOL Economia65, 2012.

O vice-presidente da empresa destaca ainda, nessa mesma entrevista, que, com a

utilização dessa tecnologia associada à existência de código de barras nos coqueiros, o

diferencial da Aurantiaca estaria centrado também na rastreabilidade e na certificação da

produção. Para ele, a tecnologia utilizada na produção dos frutos vai servir também para

conectar o produtor ao consumidor final, por meio da rastreabilidade do produto, possibilitando

o conhecimento do processo produtivo do coco e servindo como um meio de controle das

atividades realizadas pelo trabalhador rural, como se pode notar no depoimento abaixo.

Quando você pegar nossos produtos na prateleira do supermercado, vai poder

ver com o celular, por meio do QR Code, a pessoa que cultivou e tomou conta

daquele coco, contando um pouco da história dela (...). Vamos ter as

informações completas do produto desde o cultivo até a prateleira. A gente

quer que o consumidor olhe para esse produto e veja que também faz parte

dessa história, desse processo. Queremos ser um link entre o homem do campo

e consumidor final.

64 Fonte: http://goo.gl/01YjDO, Portal iBahia – “Aurantiaca: coco com código de barras”, matéria do dia 13/12/12

e acessada em 30/11/13. 65 Fonte: http://goo.gl/6IOfUv, Portal Uol – “Fibra de coco produzida na Bahia vira tapete”, matéria do dia

17/09/13 e acessada em 29/03/14.

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Outro exemplo dessa participação da agricultura de precisão66 aplicada à produção de

coco foi relatado pelo fundador/presidente da Cohibra67, uma das referências mundiais quando

se fala de pesquisa voltada para o cultivo do fruto. Para ele, a partir de 2010 vivenciamos o

segundo grande momento da modernização da produção de coco no país, representado pelo

advento da agricultura de precisão, o grande diferencial do setor e o que coloca a produção do

fruto no Brasil séculos à frente da realizada em inúmeros outros países pelo mundo. A Cohibra

é uma das pioneiras nesse processo, que inclusive assessora e testa novas tecnologias em

fazendas de empresas como a Aurantiaca. Ainda segundo o presidente da Cohibra:

A agricultura de precisão na produção de coco significa basicamente ter

parâmetros precisos de controle de irrigação e nutrição. Isso vem sendo feito

em vários lugares através do auxílio dos equipamentos chamados extrator de

solução e tensiômetro. O extrator de solução determina os nutrientes

existentes no solo, já o tensiômetro é utilizado para determinar os níveis ideais

de água existentes no solo e que deverão ser absorvidos pelas plantas. Todo

esse processo é controlado automaticamente e em tempo real, uma vez que

todas as informações ficam disponíveis imediatamente na internet e podem

ser consultadas de qualquer lugar do planeta, favorecendo um controle estrito

de tudo o que é realizado na fazenda. Desse modo, o controle das plantas passa

a ser intensivo através de um sistema completamente automatizado. De posse

dessas informações, são reguladas as quantidades de água e de nutrientes que

serão repassadas a cada um dos coqueiros, via microaspersão associada com

fertirrigação, práticas também 100% automatizadas. Tudo é controlado e

monitorado, do plantio das mudas à produção e colheita dos frutos.

O relato do presidente da Cohibra é um indicativo não só da racionalização do processo

produtivo agrícola do coco, onde “tudo é controlado e monitorado”, como ele próprio se refere,

mas também de uma clara territorialização do capital no campo, uma vez que é esse capital que

passa a controlar todas as atividades produtivas, regulando até mesmo os processos de trabalho,

como observado no depoimento do representante da Aurantiaca, ao salientar que a partir do

rastreamento do coco qualquer pessoa pode ter acesso às informações do trabalhador que o

cultivou, o que assegura um restrito controle de tudo o que ocorre na produção do fruto.

O advento dessa agricultura irrigada, intensiva e de precisão no cultivo de coco revela

que estamos diante também de uma agricultura essencialmente científica. De acordo com

Santos (2003), podemos falar de uma agricultura científica globalizada a partir do momento

que a produção agrícola passa a ter uma referência planetária, sendo influenciada pelas mesmas

leis que regem os outros aspectos da produção econômica. Ainda segundo o autor, “a

66 No final da década de 1990, Castillo (1999, p. 228) já se referia à agricultura de precisão como “um conjunto de

técnicas aplicadas à agricultura com o intuito de racionalizar ao máximo a produção, identificando os diferentes

níveis de produtividade existentes em uma área, tomando como referência as áreas de maior produtividade”. 67 Entrevistado em maio de 2014, na sede da empresa, em Fortaleza.

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competitividade, característica das atividades de caráter planetário, leva a um aprofundamento

da tendência à instalação de uma agricultura científica” (SANTOS, 2003, p. 88-89).

A difusão dessas inovações apresentadas demonstram claramente a crescente

interferência do homem no processo produtivo agrícola, que acaba criando um mundo rural

onde “cada gesto e cada resultado deve ser previsto de modo a assegurar a maior produtividade

e a maior rentabilidade possível” (SANTOS, 2009, p. 304), abrindo caminho, de acordo com

Elias e Pequeno (2010), para a reestruturação do processo produtivo agrícola, para a

territorialização do capital no setor e para a crescente dependência da agricultura ao progresso

técnico-científico de base industrial.

2.2.3 O papel da pesquisa científica na reestruturação do setor

Boa parte dessas inovações só foi possível a partir de investimentos realizados no setor

de pesquisa científica, um forte indutor da modernização da produção agrícola, e em certos

casos também da produção industrial. Segundo Elias (2003), com a pesquisa científica foi

possível reestruturar o conjunto de elementos técnicos empregados na agricultura,

“transformando os tradicionais sistemas agrícolas e abrindo novas e inúmeras possibilidades à

realização da mais-valia mundializada, por meio de um processo de fusão de capitais com os

demais setores econômicos” (p. 60), e contribuindo sobremaneira para a racionalização,

instrumentalização e informatização da agricultura, um setor cada vez mais exigente em capital.

Nesse sentido, e de acordo com Ramos (2003, p. 382), a atuação da ciência na

agricultura “tem colaborado, por exemplo, para o atendimento das exigências de mercado

quanto à padronização dos produtos agrícolas por meio de variedades melhoradas,

uniformizando-se o tamanho, a cor, a forma e o sabor dos produtos”. Dessa forma, a ciência é

colocada a serviço do capital, conforme sugere Arruda (2007), reforçando o controle do

processo produtivo por aqueles que têm acesso aos resultados das pesquisas realizadas com

vistas a um aumento de produtividade e uma redução de custos, a exemplo do que também é

observado na produção nacional de coco.

De acordo com Costa e Gebara (2001), as pesquisas com coco no Brasil podem ser

divididas em dois grandes momentos. O primeiro momento é marcado pelas tentativas de

obtenção de novas variedades de coqueiro anão e por pesquisas que visavam maior eficiência

na aquisição de mudas, mais resistentes e que apresentassem uma melhor produtividade,

atividades essas realizadas por grandes produtores e agrônomos de maneira quase que

individual. Já o segundo momento é marcado pela forte presença do Estado, com uma cerrada

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intervenção iniciada em meados da década de 1980, período em que a Embrapa começa a ter

uma participação expressiva no que tange às pesquisas realizadas com coco, desenvolvendo

uma série de experimentos e incorporando tecnologias ao processo produtivo.

Dentre as várias pesquisas que foram e estão sendo realizadas no setor do coco, de

acordo com o que consta no histórico de estudos desenvolvidos pela Embrapa68, destacamos

aquelas, entre muitas outras, que abordam questões tais como: melhoramento genético das

sementes; análises de composição do solo; medições para se determinar a quantidade de água e

nutrientes que cada coqueiro necessita; análises de eficiência da fertirrigação em coqueiros;

incremento de novos métodos de irrigação; desenvolvimento de novos mecanismos para

controle de pragas; desenvolvimento de variedades de coqueiro híbrido; tratamento de pós-

colheita de coco verde; métodos de extração e envase de água de coco; experimentos para

expandir o tempo de conserva dessa água; desenvolvimento de mecanismos que propiciem um

melhor aproveitamento da casca do coco.

Ainda hoje a Embrapa assume o destaque com pesquisas com coco no Brasil, sobretudo

as unidades Tabuleiros Costeiros e Agroindústria Tropical, liderando e coordenando a maior

parte dos estudos acerca da produção de coco no país, desenvolvendo novas tecnologias e

gerando novas informações que, quando repassadas aos produtores, contribuem para alavancar

a produtividade dos coqueirais, aumentando a quantidade de frutos produzidos. A Embrapa

Tabuleiros Costeiros se destaca pela atuação direta do processo produtivo agrícola do coco,

enquanto a Embrapa Agroindústria Tropical se distingue pelas pesquisas com um

direcionamento maior para o processamento industrial do fruto.

A Embrapa Tabuleiros Costeiros, localizada em Aracaju (SE), em funcionamento desde

1993, foi originada a partir do Centro Nacional de Pesquisa de Coco (CNPCo), criado em 1985

e encarregado até então da coordenação de toda a pesquisa relacionada com o cultivo do fruto

no Brasil, tornando-se ao longo de sua existência o maior e mais importante centro de pesquisa

e difusão de tecnologia relacionada ao cultivo de coco do continente americano (MOTA et al.,

1995). Hoje essa unidade da Embrapa é a mais especializada do país no que se refere à pesquisa

no setor de produção de coco. A Tabuleiro Costeiros possui ainda um destaque internacional

por abrigar o importante Banco Internacional de Germoplasma de Coco para a América Latina

e Caribe, instalado em 2005 com o objetivo de organizar um banco de informações genéticas

de várias variedades diferentes de coqueiro, originadas de diversas partes do mundo.

68 Fonte das informações: https://www.embrapa.br/transferencia-de-tecnologia

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Atualmente há na Embrapa Tabuleiros Costeiros um total de 13 laboratórios de

pesquisa, entre os quais destacamos alguns que realizam projetos relacionados com o cultivo

de coco69: o Laboratório de Entomologia, que desenvolve estudos visando o controle biológico

de pragas que atingem os coqueirais; o Laboratório de Cultura de Tecidos, especializado na

produção in vitro de coco; o Laboratório de Ecofisiologia Vegetal, que pesquisa sobre

germinação da semente, produção de mudas, sistemas de irrigação utilizada, influência dos

fatores edafoclimáticos na produção de coco etc; e o Laboratório de Fertilidade de Solos e

Nutrição de Plantas, referência na análise foliar do coqueiro.

Já a Embrapa Agroindústria Tropical, localizada em Fortaleza (CE) e em funcionamento

também desde 1993, foi originada do antigo Centro Nacional de Pesquisa de Caju e atualmente

desenvolve estudos sobre vários produtos de origem tropical, entre eles o coco. Essa unidade

conta com 12 laboratórios, e em alguns deles é realizada uma série de pesquisas com coco,

como análises de eficiência da fertirrigação em coqueiros, manejos de irrigação,

desenvolvimento de variedades de coqueiro híbrido, tratamento de pós-colheita de coco verde,

conservação da água de coco por métodos combinados, métodos de extração e envase de água

de coco, reaproveitamento da casca de coco verde, fabricação de briquetes com casca de coco,

produção de nanocompositos e de placas de MDF a partir de fibras de coco, entre outras70.

Consideramos essas duas unidades da Embrapa como dois dos mais importantes agentes

responsáveis pela reestruturação do setor de coco no Brasil, atuando diretamente na

modernização dos processos produtivos agrícolas e industriais. O pesquisador responsável pelo

Setor de Processos Agroindustriais da Embrapa Agroindústria Tropical71, quando perguntado

sobre o papel da empresa na modernização do setor, relatou que essa era a missão natural na

Embrapa, ou seja, “estar ao lado do setor produtivo gerando e desenvolvendo tecnologias ou

até mesmo trabalhando uma articulação entre toda a cadeia produtiva, identificando gargalos e

elaborando novos projetos para suprir as necessidades imediatas desse setor”.

Além das pesquisas de responsabilidade da Embrapa, merece destaque também os

estudos desenvolvidos pela Cohibra, empresa privada que concentra suas atividades do litoral

do Ceará, no município de Amontada, e que começou suas pesquisas com o melhoramento

genético de mudas de coqueiro em 1987, quando realizou o plantio de suas primeiras matrizes.

Posteriormente, em 1995, iniciou a produção de mudas de coqueiro híbrido para fins

comerciais, sendo atualmente a maior empresa de pesquisa, produção e venda de híbridos do

69 Fonte das informações: http://www.cpatc.embrapa.br/index.php 70 Fonte das informações: http://www.cnpat.embrapa.br/cnpat/ 71 Entrevistado em fevereiro de 2014, na sede da Embrapa Agroindústria Tropical, em Fortaleza.

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Brasil, conforme informações obtidas com o seu presidente. A Cohibra é ainda a principal

empresa privada do país que atua no ramo de pesquisa agrícola voltada para o cultivo de coco,

possuindo também um relevante destaque internacional.

Essa empresa possui três fazendas instaladas em Amontada, que somadas contam com

uma área produtiva de 1.500 hectares cultivados com mudas e coqueiros. Há ainda, nessa

mesma propriedade, uma estação meteorológica própria, um moderno laboratório de extração

de pólen, duas estufas, uma unidade de apoio a pesquisadores e um escritório central, onde

atuam cerca de 150 trabalhadores formais, entre eles técnicos em irrigação e drenagem, técnicos

em fruticultura irrigada, engenheiros agrônomos, engenheiros químicos e biólogos. A Cohibra

tem também outras duas unidades de produção, uma localizada em Paraipaba (CE) e outra em

Petrolina (PE), e a sua sede empresarial fica em Fortaleza, capital cearense.

O carro-chefe da Cohibra é o desenvolvimento de tecnologias para a produção de mudas

de coqueiro híbrido, geneticamente melhorado e apontado como mais resistentes às pragas.

Nesse sentido, de acordo com Elias (2003), um dos avanços técnicos mais importantes

conseguidos com a biotecnologia foi justamente a produção de híbridos, uma semente

melhorada gerada em laboratório com a utilização da engenharia genética, “constituindo-se um

dos principais signos da modernização da agricultura e um dos insumos industrializados mais

utilizados no processo de mudança da sua base técnica” (ELIAS, 2003, p. 89). Destaca-se que

a variedade de coqueiro híbrido foi a última a ser cultivada no Brasil e sua produção está em

larga expansão por todo o país, motivada especialmente por empresas e grandes produtores

sedentos por uma maior produtividade.

A tecnologia para o melhoramento genético e para a produção de mudas dessa variedade

híbrida é aprimorada pela Cohibra a cada dia. Segundo sua gerente agrícola72, a empresa é a

única instituição do Brasil que possui o certificado de sementes e mudas expedido pelo

Ministério da Agricultura no que se refere à origem genética, procedência e qualidade dessas

sementes e mudas de coqueiro híbrido. Já para o seu proprietário, as pesquisas realizadas pela

Cohibra são tão avançadas – sobretudo no tocante à seleção genética dos cultivares e mudas e

devido à produção completamente automatizada – que a produtividade em suas fazendas chega

a ser uma das maiores do mundo, com uma produção de 250 frutos/ano/coqueiro, enquanto a

média nacional é de apenas 100 frutos.

Além disso, a Cohibra é a maior responsável pela difusão de mudas de coqueiro anão e

híbrido pelo país, atendendo a produtores de praticamente todos os Estados do Brasil,

72 Entrevistada em novembro de 2011, em uma das fazendas da empresa, em Amontada.

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principalmente Ceará, Pará e Sergipe73, além de exportar suas mudas para países como Angola,

Cabo Verde, Jamaica e México. Para o presidente da empresa, “a Cohibra não vende apenas

mudas, ela faz um completo plano de negócios para o coco”, ou seja, além de comercializar as

mudas, a Cohibra faz também um plano de negócios para os seus compradores e um

acompanhamento da sua produção. Atualmente, os maiores empreendimentos do ramo do coco

no Brasil foram montados pela Cohibra, com destaque para empresas agrícolas como Del

Monte, Aurantiaca, Ducoco, Queiroz Galvão, Kero Coco (PepsiCo), Paragro, Unique, Sococo,

Meri Pobo, entre outras, todas clientes da Cohibra.

A produção anual da Cohibra é de 600 mil mudas de coqueiro híbrido74, conforme

informou a gerente agrícola da empresa. Essas mudas já têm compradores certos mesmo antes

de ser plantadas, e, de acordo com o presidente, os pedidos realizados hoje só poderão ser

atendidos em um ano ou mais. Nas fotos abaixo (fotos 09 e 10) podemos ver o campo onde são

plantadas as mudas de coqueiro, tanto híbrido quanto anão. Para a realização de suas pesquisas,

a Cohibra conta com a parceria de alguns órgãos, majoritariamente públicos, entre eles a

Embrapa Tabuleiros Costeiros, a Embrapa Transferência de Tecnologia e a Embrapa

Agroindústria Tropical, que oferecem assistência técnica nas áreas de irrigação, zootecnia,

melhoramento genético e fitossanidade; conta também com o auxílio da Universidade Federal

do Ceará, no tocante às áreas de apicultura e polinização.

Fotos 09 e 10 – Mudas de coqueiro híbrido e anão cultivadas pela Cohibra em Amontada/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2011.

Outro órgão de grande relevância para a produção de coqueiro híbrido no país é o Centre

de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD),

da França, que atua no Brasil desde a década de 1970 em inúmeras pesquisas e projetos de

73 Além desses Estados, a Cohibra já comercializou suas mudas para São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato

Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte, Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Pernambuco. 74 Há na Cohibra 25 mil coqueiros distribuídos nos 1.500 hectares plantados.

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extensão rural, entre eles o desenvolvimento de mudas dessa variedade de coqueiro. Fundado

em 1984 após agregar nove centros de pesquisa agronômica franceses, entre eles o IRHO75, o

CIRAD é atualmente um dos maiores institutos de pesquisa agrícola do mundo, desenvolvendo

seus estudos em mais de 90 países, inclusive o Brasil76. O primeiro parceiro do CIRAD em

nosso país no tocante à produção de coqueiros híbridos foi a empresa Sococo, que na década

de 1980 realizou o plantio dessa variedade em suas fazendas do Pará. Além dessa empresa, o

CIRAD atua também em constante parceria com a Embrapa e a Cohibra, aprimorando a

engenharia genética aplicada à produção de coco.

A atuação dessas empresas citadas e as pesquisas por elas desenvolvidas foram

fundamentais para modernizar o processo produtivo do coco e para impulsionar a reestruturação

produtiva do setor. Essa introdução de inovações e da ciência na produção de coco mostrou-se,

antes de mais nada, como uma necessidade real para a territorialização do grande capital no

processo produtivo do fruto, já que as barreiras naturais que impediam o pleno desenvolvimento

dessa produção tiveram de ser transpostas77 visando dotar esse cultivo de uma maior

racionalidade capaz de impulsionar a produtividade das árvores, elevando a produção de coco

a patamares anteriormente inimagináveis, mas que já é uma realidade para diversos produtores.

Isso colaborou sobremaneira, entre outros, para acentuar a dispersão espacial do cultivo desse

fruto em direção a regiões que até então não possuíam condições edafoclimáticas ideais para

que a produção de coco fosse aí realizada.

2.3 CONSUMO DE ÁGUA DE COCO E SETOR AGROINDUSTRIAL

Diretamente associados à difusão da produção de coco e à modernização e

cientificização do processo produtivo do fruto estão também a expansão do consumo de água

de coco e o desenvolvimento de um setor agroindustrial no Brasil, acirrando ainda mais o

processo de reestruturação do setor. Reestruturação essa que acaba fugindo de aspectos

meramente agrícolas e passa a envolver ainda questões relativas ao mercado, ao consumo e ao

processamento industrial, que fazem com que a nova geografia do coco no país passe a englobar

temas que vão muito além dos já citados anteriormente, exigindo um maior esforço de

apreensão da complexidade dos processos em curso.

75 Institut de Recherches pour les Huiles et Oléagineux, criado em 1941 com o objetivo de pesquisar e desenvolver

novas tecnologias para a produção de oleaginosas, como o coco, em alguns países localizados na África, Ásia,

Oceania e América do Sul. 76 Fonte das informações: http://www.cirad.fr/ 77 Como se refere Graziano da Silva (1998).

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Diante disso, deve-se atentar que para toda e qualquer modificação ocorrida na produção

agrícola, a produção industrial e o comportamento do mercado, por exemplo, também devem

ser investigados, já que a reestruturação produtiva do setor do coco vem conseguindo

reorganizar ao mesmo tempo diversas etapas que perpassam por seu circuito espacial produtivo,

dinamizando cada uma delas simultaneamente. Nesse sentido, verificar como se comporta o

mercado de coco, particularmente da água de coco, é imprescindível para entender a nova

configuração do processamento industrial do fruto, que por sua vez possibilita uma

compreensão maior do que acontece no setor como um todo.

2.3.1 Popularização e internacionalização do consumo de água de coco

Desenha-se um novo padrão alimentar no Brasil neste início de século, acompanhando

uma tendência observada em praticamente todo o mundo, sendo notável uma busca cada vez

maior por produtos naturais, frescos, orgânicos, in natura, com poucas calorias, expandindo

consideravelmente o consumo de frutas, sucos e isotônicos naturais, por exemplo. De acordo

com Bezerra (2012, p. 132), as mudanças nos hábitos alimentares e o maior estímulo ao

consumo de frutas pela população mundial fizeram com que a demanda por esse tipo de produto

aumentasse vertiginosamente. Ainda segundo o autor, esse aumento é nítido, já que nunca se

comercializaram tantas frutas em feiras, supermercados e hipermercados como nas últimas

décadas, especialmente após os anos 2000.

Dentre os produtos que contribuíram para esse aumento do consumo e da

comercialização de frutas no país está o coco, mais precisamente o coco verde. Esse fruto é

apontado por Mota (2003) como o “produto da moda”, e isso se deve ao extraordinário aumento

no consumo da água de coco, um isotônico natural78. Em cima desse produto foi criado todo

um ideário mercadológico vinculado à busca por uma melhor estética corporal, sobretudo

através do consumo de produtos ditos saudáveis, que não engordam e auxiliam no

emagrecimento. Além disso, a associação feita da água de coco ao bom preparo físico e à prática

de esportes, por ser um isotônico natural, por exemplo, representa um forte potencial para a

expansão do seu mercado consumidor79, conforme ressaltam Martins e Jesus Júnior (2011).

Nesse sentido, Cavalcanti, Mota e Silva (2006) apontam que até mesmo ao coco, um

produto tradicional do litoral nordestino, foram agregados novos atributos para dotá-lo de

características adequadas à sua distribuição e ao seu consumo in natura, em atendimento às

78 Que são aquelas bebidas à base de água, sais minerais e carboidratos, ideais para reposição de líquidos perdidos

durante a realização de uma atividade física. 79 O mesmo é observado com a expansão do consumo do óleo de coco.

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exigências de alguns setores de seu agora importante mercado consumidor. Analisando um

contexto muito mais amplo, os autores relatam ainda que “a introdução de novas culturas e a

transformação de produtos tradicionais têm contribuído para a reelaboração e ressignificação

de símbolos da agricultura nordestina, desta vez com frutos tropicais, saudáveis e naturais,

associados ao clima e à beleza da região” (CAVALCANTI, MOTA, SILVA; 2006, p. 121).

Em virtude das investidas do mercado explorando as qualidades nutricionais da água de

coco, seu consumo in natura está em larga expansão por todo o país desde meados dos anos

1990, e seu consumo em caixinhas Tetra Pak notadamente após 2010. De acordo com uma

reportagem publicada no Portal SESC80, foi entre o final dos anos 1980 e começo da década de

1990 que o brasileiro passou a consumir um produto até então típico do verão e associado

somente à ideia de praia, o coco verde, amplamente já consumido no litoral nordestino, tendo

conquistado as praias do Rio de Janeiro e em seguida os principais centros urbanos do restante

do país, sobretudo São Paulo. Ainda de acordo com essa reportagem: “o avanço da bebida sobre

o paladar nacional foi impulsionado por fatores como a facilidade da oferta e a crescente

valorização dos alimentos naturais”.

Já o pesquisador do Setor de Processos Agroindustriais da Embrapa, por nós

entrevistado, dá outra explicação para essa significativa expansão do consumo de água de coco

no Brasil. Segundo ele, tudo começou por volta dos anos 1990, quando

[...] abriu-se o mercado para as indústrias alimentícias importarem coco de

fora do país, mudando toda a característica da indústria local e diminuindo a

demanda interna pelo produto. E os produtores não sabiam mais o que fazer

com o coco seco, daí começaram a vender o coco verde mesmo. Vendiam esse

coco verde na praia e viu-se que esse mercado tinha um grande potencial.

Depois disso o coco verde ganhou todo o Brasil, sendo consumido na forma

in natura em todas as regiões e não mais somente no Nordeste, favorecendo

um aumento incrível do consumo de água de coco, motivando cada vez mais

novos produtores a cultivarem coco verde para o mercado. Mas é nesses

últimos anos que definitivamente a água de coco ganhou o mundo, com a

expansão do seu consumo em caixinhas, muito mais prático para a exportação,

uma vez que elimina o ônus de levar o coco verde junto.

Por todo o país, esse crescente consumo de água de coco é realizado sobretudo in natura,

quando se adquire o coco ainda verde, seja em barracas de praia, quiosques, bares, restaurantes,

supermercados, centrais de distribuição e armazenamento etc. Entretanto, quando não é

consumida in natura, a água de coco é adquirida armazenada em garrafinhas de plástico, em

latinhas de alumínio e em caixinhas de papelão tipo Tetra Pak (imagem 05), ampliando as

possibilidades nas quais pode vir a ser consumida, representando um importante potencial de

80 Fonte: http://goo.gl/bYvZmk, Portal SESC – “Verão movido a água de coco”, matéria do dia 28/04/08 e acessada

em 04/08/11.

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crescimento para um setor em ascendente expansão e abrindo novos canais de comercialização

para esse produto81. O consumo de água de coco envasada, isto é, armazenada em outros

recipientes, cresce de acordo com o aumento da procura e, especialmente, com o

desenvolvimento de novos equipamentos para o envase82 da água nas fábricas e de novas

tecnologias para ampliar o tempo de consumo do produto, conforme assegurou o pesquisador

do Setor de Processos Agroindustriais da Embrapa.

Dentre essas novas tecnologias, descritas pelo pesquisador da Embrapa, destacamos o

desenvolvimento de um extrator mecânico de água de coco de alta resistência e que processa

até 2 mil frutos por hora, desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical no início dos anos

2000 com o intuito de agilizar a operação de extração da água (imagem 06). Tal extrator e

outros equipamentos que vieram em seguida foram responsáveis por aumentar o número de

empresas especializadas na extração e no envase de água de coco, difundindo-se também a

produção armazenada em caixinhas de papelão. Além disso, merece destaque ainda o

desenvolvimento de novas tecnologias visando ampliar a conservação da água de coco por um

tempo muito maior, aumentando seu tempo de prateleira de 8 para até 60 dias, podendo ser

estendido por até um ano, favorecendo a expansão de sua comercialização, inclusive para fora

do país, e inserindo a água de coco brasileira diretamente no mercado internacional.

Imagem 05 – Embalagens de água de coco Imagem 06 – Primeiro extrator mecânico de água

envasada da marca Kero Coco. de coco desenvolvido pela Embrapa.

Fonte: Divulgação Kero Coco, 2014. Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical, 2000.

Analisando esse atual momento do coco no Brasil, representado pela popularização e

consolidação do consumo de coco in natura e pela expansão do consumo de água de coco

envasada, o gerente de Mercados e Projetos da Diretoria de Agronegócios da ADECE, por nós

81 Segundo assegura Carolino (2005). 82 A título de informação, o “envase de água de coco” é definido como todo aquele processo de extração da água

de dentro do coco e um posterior armazenamento dessa água em algum tipo de vasilhame ou qualquer outro

recipiente, exceto garrafas. Caso seja armazenado em garrafas, o processo se chama “engarrafamento”.

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entrevistado, faz um depoimento que ilustra bem essa relação entre demanda, mercado e novas

tecnologias para o setor do coco, como podemos observar abaixo.

O que é que mudou nesses poucos anos que fez o coco passar a ser um bom

negócio e que não era antes? Simplesmente a industrialização da água de coco!

A retirada da água de dentro do coco pela indústria era inviável, e isso por

questões químicas e físicas do próprio produto. O papel da Embrapa foi

fundamental, uma vez que ela desenvolveu uma tecnologia relativamente

simples de extração da água de coco, criando uma máquina para a extração

dessa água evitando o contato com o oxigênio, que levava a oxidação do

produto, mudando a cor e o gosto da água. Isso aí foi a diferença básica que

existe no setor do coco. Uma das outras razões é o aumento do consumo, a

demanda aumentou bastante!

Uma das únicas maneiras de mensurar a expansão do consumo de água de coco envasada

é analisando os dados divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e

Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), que lançou entre os anos de 2003 e 2010 um importante

levantamento do consumo de bebidas não alcoólicas no país. Conforme indicam os dados83

(tabelas 08 e 09), o consumo de água de coco envasada no Brasil passou dos 18 milhões de

litros em 2003 e chegou aos 61 milhões em 2010, um significativo crescimento de quase 235%

em apenas sete anos. Enquanto a previsão para 2012 lançada pela ABIR é que esse consumo

tenha chegado aos 92 milhões de litros, representando um crescimento de mais de 50% se

compararmos com o ano de 2010, indicando que esse consumo continua em expansão.

Tabela 08 – Brasil. Consumo de água de coco envasada (em milhões de litros). 2003 – 2010.

2003 2007 2010

18,49 35,67 61,92

Fonte: ABIR. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Tabela 09 – Brasil. Consumo de água de coco envasada (em milhões de litros).

Variações absoluta e relativa (em %). 2003 – 2010.

Variação Absoluta Variação Relativa

2003-2007 2007-2010 2003-2010 2003-2007 2007-2010 2003-2010

17,18 26,25 43,43 92,92 73,59 234,88

Fonte: ABIR. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Essa expansão do consumo de água de coco envasada é mais considerável ainda quando

observamos os índices obtidos por outras bebidas no período de 2003 a 2010, divulgados

também pela ABIR. Nota-se que apenas o consumo de energéticos (553%), de bebidas à base

de soja (473%) e de guaraná (247%) obteve taxas de crescimento superiores ao consumo da

água de coco (234%), ao passo que campeões de vendas como refrigerantes (34%), suco

concentrado (10%) e água engarrafada (70%) apresentaram taxas de crescimento pouco

83 Salienta-se que os dados divulgados se referem ao consumo de água de coco não in natura, isto é, armazenada

em latinhas, garrafinhas e/ou caixinhas.

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expressivas se compararmos a essas quatro outras bebidas. Com isso, pode-se concluir que o

consumo de água de coco envasada é um dos que mais crescem no país, crescimento superior

até mesmo ao do consumo de refrigerantes.

E a maior participação desse consumo se dá no Sudeste do país. Em 2010, conforme

indicam os dados da ABIR (tabela 10), de toda a água de coco envasada consumida no país

68% foi somente na região Sudeste, sendo mais de 38% apenas do Estado de São Paulo, de

longe o maior mercado consumidor do produto no Brasil. Segundo um ex-diretor de produção

da empresa Ducoco84, isso pode ser explicado pelo fato de que o mercado nordestino ainda é

bastante resistente em começar a consumir a água de coco envasada, dando preferência pelo

seu consumo in natura, diferentemente do observado no Sudeste, que apresenta um importante

potencial de crescimento do consumo desse produto, sobretudo a cidade de São Paulo. Isso

comprova a eficiência das ações de marketing empreendidas pelas empresas do setor, capazes

de incluir a água de coco envasada no cardápio dos brasileiros, até então habituados somente

com o seu consumo in natura.

Tabela 10 – Regiões do Brasil. Consumo de água de coco envasada

(em milhões de litros) e proporção (em %). 2010.

Região Consumo Proporção

Nordeste 2,17 3,5

Sudeste 42,6 68,8

Sul 11,27 18,2

Centro-Oeste 4,71 7,6

Norte 1,18 1,9

BRASIL 61,92 100

Fonte: ABIR. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Diretamente associado à expansão do consumo de água de coco envasada está o

surgimento de dezenas de empresas especializadas na produção e/ou comercialização desse

produto, que inclusive passaram a investir fortemente no setor. A Sococo e a Ducoco, por

exemplo, entraram no mercado de água de coco envasada somente no início dos anos 2000, e

atualmente controlam uma importante fatia desse mercado. Além dessas duas grandes

empresas, destaca-se a paraense Amacoco, fundada em 1995 e adquirida pela multinacional

PepsiCo em 2009, sendo atualmente a líder de vendas de água de coco no mercado nacional,

revendedora da marca Kero Coco (imagem 05, já apresentada), a mais consumida do país.

As principais empresas do setor, Sococo e Ducoco, que tradicionalmente trabalhavam

com leite de coco e coco ralado, passaram a apostar também no mercado da água, inclusive para

84 Entrevistado em março de 2014, em Paraipaba.

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exportação, o que colocou o Brasil na posição de maior produtor mundial da bebida85. Na

Ducoco, por exemplo, segundo seus diretores entrevistados, a água de coco envasada já superou

a produção e as vendas de leite e coco ralado. Já de acordo com o diretor-comercial da Sococo,

“a água de coco agora vale ouro”, e é sem dúvida a grande aposta de expansão do setor,

conforme vemos no depoimento abaixo, veiculado pela Revista Dinheiro Rural86.

Graças à fama de estimulante natural, a água de coco é a nova queridinha do

consumo saudável, disputando a preferência entre os naturebas de todos os

calibres com as bebidas energéticas. Antes descartada como resíduo pela

indústria de alimentos, ela se transformou num produto em ascensão no

mercado, e já faz parte do portfólio de multinacionais como a PepsiCo. Do

coco, a indústria queria apenas a polpa da fruta, para a fabricação de doces,

biscoitos e sorvetes. Quem quisesse beber água de coco tinha de recorrer aos

ambulantes espalhados pelas praias e ruas das cidades. “Essa história ficou no

passado”, diz o diretor-comercial da Sococo, a maior produtora brasileira de

água de coco industrializada. “Agora, a água vale ouro”.

É importante destacar que esse crescente consumo de água de coco envasada não se dá

apenas em terras brasileiras, mas também nos Estados Unidos e em diversos países da Europa,

basicamente nesta última década. Em um levantamento sobre o setor do coco realizado por

Gerbaud (2011, p. 42), o pesquisador, que trabalha no CIRAD, já destacava esse boom no

consumo de água de coco pelo mundo. Segundo ele,

O setor de bebidas à base de coco constitui um mercado que cresce fortemente

nestes últimos anos em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, ele representa

um negócio que movimenta anualmente cerca de 300 milhões de dólares.

Além disso, a água de coco em Tetra Pak conhece um grande sucesso nos

Estados Unidos e nos países anglo-saxões da Europa. Esse setor conhece um

desenvolvimento muito mais importante do que o próprio fruto, especialmente

após eliminados os problemas da sua dificuldade de consumo.

Conforme uma matéria publicada em 2012 no The Wall Street Journal87, de Nova York,

“as vendas de refrigerantes andam mornas nos Estados Unidos e a indústria de bebidas, de olho

no próximo filão, tem aumentado suas apostas numa velha conhecida das praias brasileiras: a

água de coco”. A matéria destaca ainda que “promovida como uma bebida esportiva, natural e

que ajuda a reidratar corpos cansados, a água de coco está chegando a um número cada vez

maior de prateleiras nos EUA, em caixas, latas ou garrafas”. Já segundo o The New York

Times88, em matéria publicada em 2014, “a água de coco parece ter saído da invisibilidade para

85 Fonte: http://goo.gl/AF4RMv, Revista Globo Rural – “Água de coco faz carreira de sucesso no exterior”, matéria

do dia 28/12/11 e acessada em 30/12/11. 86 Fonte: http://goo.gl/U48XUZ, Revista Dinheiro Rural – “Bebida de gente grande”, matéria do dia 20/10/12 e

acessada em 23/11/14. 87 Fonte: http://goo.gl/xoLtAc, The Wall Street Journal – “Refrigerantes perdem o gás e água de coco ganha

espaço”, matéria do dia 12/02/12 e acessada em 14/02/12. 88 Fonte: http://goo.gl/9lWAwW, The New York Times – “Avaliado em US$ 400 milhões, mercado de água de

coco está na mira dos grandes”, matéria do dia 01/08/14 e acessada em 23/11/14.

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os refletores em um piscar de olhos. Agora é possível encontrar a bebida em todo o canto – não

apenas em supermercados e lojas de conveniência, mas também nas propagandas de ônibus

(‘Abra um coco, abra a vida’) e em placas de bares (‘Desintoxique enquanto se intoxica’, dizia

uma placa em Manhattan)”.

A considerável expansão do consumo de água de coco envasada nos Estados Unidos,

além de favorecer as exportações brasileiras do produto, leva ao surgimento de dezenas de

empresas especializadas na sua comercialização e distribuição. Apenas nesse país, por exemplo,

podemos citar quatro dessas empresas, que estão entre as maiores revendedoras de água de coco

do mundo, que são: a Vita Coco, fundada em 2004, a O.N.E. e a Naked, adquiridas entre 2009

e 2010 pela PepsiCo, e a Zico Beverages, adquirida em 2009 pela Coca-Cola Company. A

entrada da PepsiCo e da Coca-Cola no mercado de água de coco já é um importante indicador

para demonstrar o peso que o setor adquire pelo mundo, fazendo com que as duas maiores

companhias de refrigerantes do planeta se voltem também para o mercado de água de coco.

A Vita Coco, maior empresa de revenda de água de coco em caixinha nos Estados

Unidos, assume hoje também o posto de maior empresa do setor no mundo, atuando ainda em

outros 13 países, como França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Holanda, para citar

alguns, conforme indicado no site da empresa89. Nos Estados Unidos, a Vita Coco gere um

negócio que movimenta cada vez mais valores milionários, contando com investidores de peso,

como a cantora Madonna e vários outros astros de Hollywood. Até o começo de 2014, o Brasil

era o principal fornecedor de água de coco para a Vita Coco, notadamente duas empresas

cearenses, a Ducoco e a Paragro, e o produto já saía dos portos do Ceará em direção ao porto

de Nova York com a água dentro das caixinhas com a marca da empresa estadunidense.

De acordo com o The Wall Street Journal, esse mercado altamente concorrido e em forte

expansão no Estados Unidos é majoritariamente controlado pela Vita Coco, seguido pela Coca-

Cola (Zico) e pela PespiCo (ONE e Naked). Já segundo um levantamento realizado pelo The

New York Times, atualmente mais de 200 marcas vendem o produto em todo o mundo. As

empresas que detêm essas marcas usam o marketing como maior aliado na busca por mais

consumidores, sempre atrelando seus produtos ao cuidado com a saúde e os associando a

imagens de praias paradisíacas de algum país dos trópicos, que na maioria das vezes é o Brasil.

Vale destacar que essas empresas não possuem nenhum coqueiro plantado, e seus

fornecedores são oriundos especialmente de países como Indonésia, Tailândia, Brasil, Filipinas

e Vietnã. Somente no Brasil, a Ducoco e a Paragro são as maiores fornecedoras mundiais da

89 Fonte: http://vitacoco.com/

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Vita Coco, que inclusive possui um funcionário que reside e trabalha no litoral cearense visando

acompanhar de perto a atuação das duas empresas brasileiras; enquanto a Sococo é fornecedora

da Naked, empresa da PepsiCo. Algumas dessas empresas estrangeiras, além de comercializar

água de coco, também vendem o produto saborizado (misturado) com suco de frutas, chás, leite

de soja e até mesmo café, visando ampliar seu leque de consumidores.

Com o boom do consumo de água de coco envasada em todo o mundo, as exportações

brasileiras do produto cresceram significativamente. De acordo com os dados da Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX)90, entre 2000 e 2012 as exportações de água de coco pelo Brasil

obtiveram um importante aumento de 278%, isso em apenas dez anos, passando das 8,8 mil

para as 33,4 mil toneladas (tabela 11), com uma tendência de continuidade desse crescimento.

Ainda segundo esses dados, dentre todos os países para os quais o Brasil exporta destacam-se

os Estados Unidos, responsável por adquirir em 2012 aproximadamente 72% do total

exportado, quantidade essa obtida majoritariamente pela Vita Coco.

Tabela 11 – Brasil. Quantidade exportada de água de coco envasada (em quilogramas). 2000 – 2010.

2000 2002 2004 2006 2008 2010

8.830.126 16.483.040 25.967.346 35.122.745 35.644.154 33.422.522

Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Percebe-se, assim, que houve uma internacionalização do mercado e do consumo da

água de coco, que deixou de ser um produto cultivado e adquirido exclusivamente por

comunidades locais para se tornar um produto global e amplamente consumido em diversas

partes do planeta, passando inclusive a despertar a atenção de grandes empresas multinacionais.

Um outro fato que pode provar a internacionalização do consumo desse produto, por exemplo,

é a incorporação da opção da compra de água de coco em grandes redes de fast-food, como

Subway, McDonald’s e Burger King, atingindo um mercado ainda maior e inserindo também

o coco em um sistema alimentar cada vez mais mundializado, nos termos utilizados por Fumey

(2007). Desse modo, e de acordo com Elias (2002a, p. 15), o que podemos perceber ao

visualizar a internacionalização do consumo de água de coco é que

cada vez mais, a produção para o autoconsumo é substituída pela economia

de mercado, em decorrência das demandas urbanas e industriais, com vistas à

produção de mercadorias padronizadas para o consumo de massa globalizado,

aumentando a taxa de internacionalização da agropecuária brasileira, em cujo

processo as multinacionais são os agentes mais poderosos.

90 Ressalta-se que a partir de 2012 a SECEX mudou a metodologia para o levantamento e divulgação dos dados

referentes às exportações de água de coco, motivo pelo qual não tivemos como fazer a compilação dos dados

divulgados depois desse período.

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Em entrevista à Revista Globo Rural, em 2011, o proprietário da Cohibra ilustra muito

bem o atual momento pelo qual passa o setor do coco, ao afirmar que “até bem pouco tempo

atrás, o coco vinha sendo cultivado praticamente da mesma forma como quando chegou ao

Brasil, na época da colonização. Mas isso está mudando radicalmente com o interesse das

empresas multinacionais no negócio”. Dessa forma, a popularização e a internacionalização do

consumo de água de coco marcam de uma vez por todas a entrada do coco brasileiro nos

circuitos globalizados da produção e do consumo e na acirrada divisão internacional do

trabalho, reafirmando a reestruturação produtiva do setor e favorecendo-lhe uma continuidade.

2.3.2 Desenvolvimento e atuação das agroindústrias do coco

Além de atingir fortemente o mercado do coco, a reestruturação produtiva do setor se

induz também uma reorganização do setor agroindustrial do fruto, favorecendo a expansão e a

consolidação de determinadas agroindústrias, altamente especializadas na fabricação de leite e

coco ralado, e mais recentemente também de água de coco. É importante destacar que esse

desenvolvimento do setor agroindustrial vai ter um impacto direto na produção agrícola, já que

comumente o crescimento da demanda por matéria-prima faz com que o número de produtores

aumente, elevando também a quantidade produzida do fruto.

A atividade industrial em larga escala associada ao setor do coco é realizada no Brasil

desde meados da década de 1930, sobretudo a partir da inauguração da Serigy, em Sergipe,

entretanto é somente entre os anos 1960 e 1980 que ela passa a ser incrementada, com o

surgimento das primeiras grandes empresas, conforme asseguram Mota et al. (1995) e Costa

(1999), apresentando uma nova e importante dinamização apenas depois dos anos 2000, a partir

da reestruturação produtiva do setor e com o aumento do consumo de água de coco envasada.

No início observávamos somente uma incipiente produção de leite de coco e coco ralado,

realizada por empresas pequenas, regionalmente concentradas e de caráter meramente artesanal,

contrapondo-se à configuração observada atualmente, onde notamos a existência de empresas

com uma produção altamente diversificada e espacialmente desconcentrada.

Desse modo, a atividade de processamento industrial do coco também passa a ser

alterada em virtude da reestruturação produtiva do setor, já que observamos a multiplicação de

pequenas e médias empresas especializadas na produção e/ou comercialização de derivados do

coco, especialmente da água; a consolidação de grandes empresas no setor, algumas inclusive

com participação de capital internacional; o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos

que auxiliam na produção e no armazenamento dos produtos; a desconcentração espacial das

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unidades de produção agrícola e industrial; o investimento cada vez maior de empresas que

antes somente processavam os frutos, mas que agora passaram também a produzi-los etc.

Com isso, nota-se um grande desenvolvimento do setor, consolidando uma nova

tipologia de empresas: as agroindústrias do coco, responsáveis por dinamizar de uma vez só as

produções agrícola e industrial do fruto. De um modo geral, observa-se hoje a existência de um

setor fortemente articulado e em expansão, caracterizado pela presença de empresas com

características multifuncionais e multilocalizadas (CORRÊA, 1991)91, que desempenham um

importante papel na dinamização do cultivo de coco nos municípios onde estão instaladas suas

unidades de produção e onde se localizam seus fornecedores, influenciando também na

reorganização das dinâmicas socioespaciais historicamente concebidas nesses espaços.

No setor do coco, a produção agrícola e a produção industrial estão intimamente

interligadas, já que uma mesma empresa controla diretamente, na maioria das vezes, essas duas

atividades, diferentemente do que ocorre com inúmeros outros produtos pelo país. Poucos são

os setores onde há uma imbricação tão forte entre o agrícola e o industrial como o setor do coco.

Todas as principais agroindústrias do coco, além de realizar o processamento industrial dos

frutos, também os produzem em suas próprias fazendas, passando a ter um controle completo

do seu circuito espacial produtivo. Algumas dessas empresas nascem agrícolas e somente

depois se tornam também agroindustriais, enquanto em outros casos é o contrário; já outras são

criadas visando a atuação desde o início na produção e no processamento dos frutos.

Após a leitura completa de nossa hemeroteca, de pesquisas na internet, do resgate

histórico e produtivo das principais indústrias de alimentos, da análise da publicação anual da

Revista Exame - Maiores e Melhores, que apresenta um importante panorama do setor

empresarial brasileiro, de consulta aos produtos comercializados pelo Grupo Pão de Açúcar, a

maior rede de supermercados do país92, entre outras fontes, foi possível identificar quais são as

mais importantes agroindústrias do coco do Brasil e traçar um pequeno perfil do setor. Há de

se destacar que existem também empresas que apenas revendem os produtos já processados à

base de coco, adquiridos em empresas especializadas, ou então aquelas que produzem uma

infinidade de outros produtos a ponto de não se especializar exclusivamente no ramo do coco.

Desse modo, de posse de todas as informações, subdividimos as agroindústrias do coco

existentes no país em quatro grandes grupos, cada um deles apresentando características

91 “Uma grande corporação multifuncional e multilocalizada possui, no que se refere a sua espacialidade, não

apenas diversas localizações, mas também intensas e complexas interações espaciais, envolvendo, de um lado,

suas próprias localizações e, de outro, numerosas empresas e grupos” (CORRÊA, 1991, p. 62). 92 De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados.

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bastante particulares e circuitos espaciais produtivos muito específicos, além de se inserirem na

reestruturação produtiva do setor de maneiras também diferenciadas. Esses quatro grupos de

agroindústrias do coco são: a) empresas consolidadas no setor; b) empresas em expansão e com

importantes fatias do mercado; c) empresas regionais e/ou com restrita participação no

mercado; d) empresas locais e/ou domésticas. Essa tipologia foi pensada a partir da importância

das empresas para o setor, da diversidade de produtos trabalhados, da participação no mercado

e das suas áreas geográficas de atuação, sejam elas produtivas (agrícolas/industriais) e/ou de

vendas. Destacaremos aqui apenas os grupos das empresas consolidas e em expansão.

No primeiro grupo estão as empresas consolidas no setor, ou o que podemos chamar de

“gigantes do coco”, representadas pela Sococo e pela Ducoco. Essas duas empresas, que

funcionam simultaneamente como empresas agrícolas e agroindustriais, tiveram uma grande

participação na reestruturação produtiva que atravessa o setor do coco no país, ao introduzir e

difundir uma série de inovações nos processos produtivos agrícola e industrial do fruto,

auxiliando no desenrolar do novo tempo da produção brasileira de coco. Juntas, elas controlam

uma importante parcela do mercado de coco ralado, leite de coco e água de coco, e são

atualmente as duas maiores empresas agrícolas e agroindustriais do coco do Brasil93.

Fundadas em Maceió (AL) em 1966 e em Itapipoca (CE) em 1982, respectivamente, a

Sococo e a Ducoco guardam características bastante semelhantes, ambas possuindo diversas

fazendas de produção de coco, onde são cultivados milhares de coqueiros, e várias unidades

industriais dispersas por todo o país e distantes de seus Estados de origem, o que lhes confere

uma considerável atuação nacional no setor. Além disso, essas duas empresas produzem uma

gama de diferentes tipos de produtos, indo muito além apenas dos derivados do coco, apesar de

continuarem seus líderes de vendas, e são fornecedoras de água de coco para diversas empresas

nacionais e inclusive internacionais94.

A Sococo conta com o maior plantio de coqueiro do Brasil, ocupando mais de 6 mil

hectares, localizados nas cidades de Moju (PA) e Santa Isabel (PA), e com duas unidades

industriais instaladas em Maceió e Ananindeua (PA), como já destacado. A Ducoco, por sua

vez, possui mais de 3 mil hectares plantados distribuídos em sete fazendas localizadas nos

municípios de Itapipoca, Itarema e Camocim, no Ceará, além de unidades industriais em

93 A Sococo e a Ducoco foram as únicas empresas associadas à produção de coco inseridas no ranking das 400

maiores empresas do agronegócio do Brasil nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, de acordo com publicação anual

da Revista Exame - Melhores e Maiores. 94 Só para termos uma noção desse grande negócio de revenda de água de coco, 50% de tudo o que era produzido

pela Sococo em 2012 era revendido à PepsiCo. Fonte: http://goo.gl/fhMwmc, Revista Dinheiro Rural – “Bebida

de gente grande”, matéria do dia 20/10/12 e acessada em 23/11/14.

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Itapipoca e Linhares (ES), e até bem pouco tempo atrás também em Juazeiro (BA), com a sede

administrativa instalada em São Paulo (SP)95. Ambos os empreendimentos possuem também

centrais de distribuição de seus produtos em todas as regiões do país, e adquirem os frutos que

não são produzidos em suas fazendas com produtores e intermediários de praticamente todos

os Estados do Nordeste, e por vezes do Norte e Sudeste, ou até mesmo de países como

Indonésia, Sri Lanka e Vietnã.

Podemos afirmar que estamos diante de empresas realmente nacionais, não apenas pela

abrangência que atingem seus produtos, largamente consumidos sobretudo no Nordeste e

Sudeste, mas sobretudo pela articulação de diferentes espaços e inúmeros fornecedores,

distribuidores e compradores, inserindo-os em um só movimento magistralmente organizado

com o intuito de reduzir custos e aumentar a produção e consequentemente suas participações

no mercado. A Sococo e a Ducoco conseguem, como nenhuma outra empresa o faz, controlar

parte da cadeia produtiva do coco no Brasil, determinando e regulando as atividades necessárias

ao pleno desenvolvimento do setor e introduzindo inovações tanto na parte agrícola quanto na

industrial, interferindo fortemente nos rumos da reestruturação produtiva.

No segundo grupo de empresas agroindustriais do coco se destacam a Kero Coco

(Amacoco/PepsiCo), a Coco do Vale e, até certo ponto, a Aurantiaca. Elas são grandes empresas

que estão apresentando atualmente um acelerado crescimento e/ou que já dominam importantes

fatias do mercado de derivados do coco, e integram essa lista das principais agroindústrias

particularmente por seus volumosos investimentos destinados ao setor de envase e revenda de

água de coco em caixinhas e voltados para a expansão de suas unidades produtivas por todo

país, sejam elas agrícolas e/ou industriais.

A paraense Amacoco foi fundada em 1995 e adquirida em 2009 pela multinacional

estadunidense PepsiCo, conforme já relatamos, passando a ser chamada de Kero Coco. Essa

compra da Amacoco pela PepsiCo significou, antes de mais nada, a ampliação do controle do

capital internacional sobre o mercado brasileiro de água de coco. A empresa é atualmente a

maior revendedora de água de coco no país96, possuindo duas fazendas com cultivo de coqueiro

anão em Petrolina (PE), somando por volta de 430 hectares, e mantendo unidades industriais

em São Mateus (ES), Ananindeua (PA) e Petrolina. A Kero Coco produzia em 2010 apenas

95 Todas as informações sobre as empresas foram retiradas de seus sites: http://www.sococo.com.br/pt/ e

http://www.ducocoalimentos.com.br/. 96 Fonte: http://goo.gl/AcKDdM, Jornal O Estado de São Paulo – “Pepsi compra a líder em água de coco no Brasil”,

matéria do dia 13/08/09 e acessada em 30/11/13.

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99

20% do total processado nas fábricas, adquirindo o restante com outros 490 produtores

localizados em todo o Brasil, especialmente no Espírito Santo, no Pará e em Pernambuco97.

Já a pernambucana/paraibana Coco do Vale produz leite de coco e coco ralado desde

2003, e em 2010 resolveu também investir no setor de água de coco, possuindo fazendas e

unidade industrial em Lucena (PB) e sede administrativa em Recife (PE)98. A participação da

Coco do Vale no mercado do coco cresce a cada dia, o que faz com que a empresa esteja

constantemente investimento na produção e no processamento industrial dos frutos. Por fim, a

Aurantiaca, a mais nova das principais agroindústrias do coco do Brasil, fundada em 2006 no

Conde (BA), atuando primeiro como empresa agrícola, através da Aurantiaca Agrícola, e depois

também como empresa agroindustrial, em 2008, através da Frysk Industrial99. A indústria dessa

holding beneficia 100% dos frutos, produzindo água, leite, farinha e óleo de coco, além de fibras

de coco a partir do reaproveitamento da casca dos frutos.

Essas são as cinco principais agroindústrias do coco no Brasil, responsáveis por implicar

fortes rebatimentos na organização produtiva de diversos municípios e espaços de produção do

fruto pelo país, uma vez que, além de possuir suas unidades agrícolas e industriais, adquirem

grande parte da matéria-prima de que necessitam com inúmeros produtores. Chama atenção

também o fato de essas empresas, em sua maioria, se instalarem por diversos pontos do

território nacional, escolhidos sempre de acordo com os recursos dos quais dispõem, como a

abundância de matéria-prima e os incentivos fiscais cedidos pelo Estado. No quadro a seguir

(quadro 03) agrupamos as informações mais relevantes dessas cinco principais empresas.

Existem também outras empresas agroindustriais que se destacam por sua atuação

regional e/ou por sua restrita participação no mercado, apresentando um pequeno e médio porte

e inserindo seus produtos basicamente nos mercados locais e regionais, com algumas poucas

exceções, onde a maioria delas foi criada apenas nos últimos dez anos, representando o forte

potencial para o crescimento do setor do coco, sobretudo da água. Além dessas grandes e médias

empresas, existem ainda centenas de outras locais e/ou domésticas, caracterizadas por funcionar

em pequenos estabelecimentos, até mesmo dentro das próprias fazendas, baseadas no trabalho

familiar e voltadas para atender exclusivamente os mercados localizados próximos às unidades

de produção ou a outras empresas maiores.

97 Fonte: http://goo.gl/qrG2Gm, Revista Dinheiro Rural – “Kero Coco quer sombra e água fresca”, matéria do dia

23/04/10 e acessada em 30/11/13. 98 Fonte: http://www.cocodovale.net.br/index.php 99 Fonte: http://aurantiaca.com.br/

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100

SOCOCO

Fundação: 1966

Sede administrativa: Maceió (AL)

Unidades de produção agrícola: Moju (PA) e Santa Isabel (PA)

Unidades de produção industrial: Maceió (AL) e Ananindeua (PA)

Marcas próprias: Sococo e Mais Coco

Principais produtos: Coco ralado, leite de coco, água de coco,

sucos à base de soja e doce de coco

DUCOCO

Fundação: 1982

Sede administrativa: São Paulo (SP)

Unidades de produção agrícola: Itapipoca (CE), Camocim (CE) e

Itarema (CE)

Unidades de produção industrial: Itapipoca (CE) e Linhares (ES)

Marcas próprias: Ducoco, Menina e Frutop

Principais produtos: Coco ralado, leite de coco, água de coco, óleo

de coco, gelatinas e sucos

Quadro 03 – Resumo com as características das principais agroindústrias do coco em atuação no Brasil.

Fontes: Sites das empresas apresentadas. Organização: Cavalcante, 2014.

KERO COCO (PepsiCo)

Fundação: 1995 (Amacoco)

Sede administrativa: São Paulo (SP)

Unidade de produção agrícola: Petrolina (PE)

Unidades de produção industrial: Petrolina (PE),

São Matheus (ES) e Ananindeua (PA)

Único produto: Água de coco

COCO DO VALE

Fundação: 2003

Sede administrativa: Recife (PE)

Unidade de produção agrícola: Lucena (PB)

Unidade de produção industrial: Lucena (PB)

Marca própria: Coco do Vale

Principais produtos: Coco ralado, leite de coco

e água de coco

AURANTIACA

Fundação: 2006

Sede administrativa: Salvador (BA)

Unidade de produção agrícola: Conde (BA)

Unidade de produção industrial: Conde (BA)

Marcas próprias: Obrigado! e Fibraz

Principais produtos: Coco ralado, leite de coco,

água de coco e fibra de coco

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Não nos ateremos aqui em apresentar detalhadamente as características de todas essas

agroindústrias do coco, sejam elas grandes ou pequenas, mas cabe ressaltar que cada uma delas

vai apresentar específicos circuitos espaciais produtivos, organizados em rede, com a função de

interligar os espaços de produção, comercialização, distribuição e consumo. Dependendo do

porte de cada uma, seus circuitos espaciais produtivos apresentam conteúdos diferenciados, já

que comumente quanto maior é uma empresa mais articulada e dinâmica ela deve ser, conforme

demonstram estudos de Arroyo (2012) e Bomtempo (2012). Dessa forma, empresas como a

Sococo e a Ducoco, por exemplo, apresentam um circuito espacial produtivo muito mais

abrangente, sobretudo quando consideramos suas exportações.

Ademais, ressalta-se que, de um modo geral, essas empresas agroindustriais do coco

tiveram um papel fundamental na reestruturação produtiva do setor, uma vez que elas

favoreceram o aumento da demanda pelos frutos, levando cada vez mais novos produtores a

investirem na atividade, contribuindo para a reconfiguração dessa nova geografia do coco no

país e para uma maior imbricação entre agricultura e indústria. Assim, fica patente que não

podemos compreender a reestruturação produtiva da agricultura no país sem levarmos em conta

o desenvolvimento e as transformações observadas também no setor industrial, que muitas das

vezes é que vão ditar os processos que se materializam no campo.

2.4 A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA PRODUÇÃO DE COCO

Com a reestruturação produtiva do setor do coco erguem-se as bases para o desenhar de

um novo arranjo espacial relacionado ao cultivo do fruto no Brasil. Percebe-se que, com o

advento dessa nova geografia do coco, a distribuição espacial desse cultivo pelo país foi

bastante alterada, levando ao surgimento de novos espaços produtivos e à reorganização de

tantos outros. Podemos observar isso quando analisamos a participação de cada uma das

grandes regiões nesse contexto, bem como as produções estaduais, que apresentam

características específicas no que tange à inserção in/direta nessa reestruturação produtiva. Ao

indicarmos a nova distribuição da produção do fruto pelo país, é possível também perceber uma

certa tendência à especialização de determinados locais no seu cultivo.

2.4.1 Dinâmica das produções regionais e estaduais de coco

O coco começou a ser cultivado no Brasil somente a partir do século XVI e sua produção

concentrava-se exclusivamente em território baiano, conforme já indicamos. Martins e Jesus

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Júnior (2011, p. 15) asseguram que, a partir da Bahia, “o coqueiro disseminou-se pelo litoral

nordestino, especialmente por ser uma frutífera típica de clima tropical onde encontrou

condições favoráveis para cultivo, e posteriormente acabou se adaptando em outras regiões do

país”. Do litoral do Nordeste, essa produção se difundiu também para os Estados do Pará e do

Espírito Santo, ainda na década de 1980, passando a ser cultivado em escala comercial pela

primeira vez no Norte e no Sudeste. Assim, até o início dos anos 1990 o cultivo de coco se

restringia apenas às regiões Nordeste, Sudeste e Norte, mas ainda continuava sendo produzido

majoritariamente no litoral nordestino.

Esse quadro começou a ser alterado, entretanto, com a reestruturação produtiva do setor,

que vem sendo responsável por uma importante dispersão espacial do cultivo de coco pelas

cinco grandes regiões do país. Depois de já produzido em todo o litoral do Nordeste, no Pará e

no Espírito Santo, o fruto passou a ser cultivado também no interior nordestino e nos outros

Estados do Norte e do Sudeste100, como também no Centro-Oeste, por volta do começo dos

anos 2000, e no Sul, apenas no início da década de 2010. A esse respeito, Cavalcanti, Mota e

Silva (2006, p. 136) afirmam que “largamente cultivado no Nordeste em condições de sequeiro,

principalmente por pequenos produtores, o coco é um produto em ascensão em diferentes

regiões do Brasil”; como também acrescentam Fontes e Wanderley (2006).

Conforme revelam os dados divulgados pelo levantamento da Produção Agrícola

Municipal, do IBGE, apresentados nas tabelas a seguir (tabelas 12, 13 e 14), o Nordeste

continua sendo o principal produtor de coco no Brasil, destacando-se tanto em quantidade de

frutos produzidos quanto em total de área plantada, tendo a produção dobrada em um período

de 20 anos. Todavia os maiores crescimentos foram observados nas outras regiões, sobretudo

quando consideramos a evolução da área plantada no período de 2000 a 2010, que obteve

importante expansão em todas as regiões, especialmente no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com

exceção apenas do Nordeste, onde se observa uma ligeira queda da área plantada em 2010.

Ademais, todas as regiões apresentaram um aumento na quantidade produzida com coco.

Além do Nordeste, a região Norte também se destaca no quesito área plantada com

coqueiros e quantidade produzida. Logo atrás vem o Sudeste, com uma importante área

plantada e em crescente ascensão, sendo uma das regiões que mais teve seu espaço agrícola

ocupado com coqueiros nas últimas duas décadas, apresentando ainda uma produtividade

100 O jornal Folha de São Paulo noticiou essa dispersão da produção em direção ao restante do território nacional

já no início dos anos 2000. De acordo com a reportagem, “típico das praias nordestinas, os coqueiros estão se

proliferando rapidamente no Centro-Sul do país, e mesmo apesar dos altos investimentos que devem ser realizados,

a proximidade com o mercado consumidor acaba compensando esses custos”. Fonte: http://goo.gl/MeEeiC, Folha

de São Paulo – “Coco muda a paisagem do interior do Brasil”, matéria do dia 18/01/02 e acessada em 30/11/13.

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103

excepcional de 14 mil frutos por hectare a cada ano, índice muito superior ao observado no

Nordeste, que é de 5 mil frutos. Em seguida aparecem o Centro-Oeste e o Sul, com uma área

plantada e quantidade produzida ainda irrelevantes se compararmos com as outras regiões, mas

que já apresentam um crescimento importante, demonstrando o caráter nacional que a produção

de coco possui atualmente, não observado em períodos anteriores.

Tabela 12 – Regiões do Brasil. Produção de coco.

Área plantada (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Nordeste Área plantada 199.746 232.426 224.293

Quantidade produzida 619.698 932.960 1.297.528

Norte Área plantada 13.352 18.120 28.493

Quantidade produzida 104.053 162.175 255.048

Sudeste Área plantada 2.551 14.144 20.411

Quantidade produzida 10.646 186.239 300.517

Centro-Oeste Área plantada 3 1.887 3.535

Quantidade produzida 21 20.037 40.260

Sul Área plantada 0 0 202

Quantidade produzida 0 0 2.282

BRASIL Área plantada 215.652 266.577 276.934

Quantidade produzida 734.418 1.301.411 1.895.635

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Os números de variação da produção de coco no Centro-Oeste e no Sul, e também no

Sudeste, chegam a impressionar, uma vez que são regiões onde até há bem pouco tempo era

inviável, tanto física quanto economicamente, cultivar o fruto, mas que agora passaram a

viabilizar esse cultivo devido, sobretudo, às inovações técnico-científicas e agronômicas e à

expansão do mercado de água de coco, associadas à difusão dos cultivos de coqueiro anão e

híbrido101. Tudo isso contribui para que a produção brasileira de coco continue em ascensão,

agora alavancada por todo o país e não mais apenas no Nordeste, modificando tanto a geografia

da produção do fruto como também seu perfil produtivo.

Tabela 13 – Regiões do Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares).

Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Variação Absoluta Variação Relativa

1990-2000 2000-2010 1990-2010 1990-2000 2000-2010 1990-2010

Nordeste 32.680 -8.133 24.547 16,36 -4,07 10,94

Norte 4.768 10.373 15.141 35,71 77,69 53,14

Sudeste 11.593 6.267 17.860 454,45 245,67 87,50

Centro-Oeste 1.884 1.648 3.532 62800,00 54933,33 99,92

Sul 0 202 202 0,00 20200,00 20200,00

BRASIL 50.925 10.357 61.282 23,61 3,89 28,42

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

101 De acordo com Martins e Jesus Júnior (2011, p. 24), o cultivo de coqueiros gigantes ainda é predominante no

Nordeste. Já no Norte, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as principais variedades cultivadas são a anã e a híbrida.

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Tabela 14 – Regiões do Brasil. Quantidade produzida de coco (em mil frutos).

Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Variação Absoluta Variação Relativa

1990-2000 2000-2010 1990-2010 1990-2000 2000-2010 1990-2010

Nordeste 313.262 364.568 677.830 50,55 39,08 109,38

Norte 58.122 92.873 150.995 55,86 57,27 145,11

Sudeste 175.593 114.278 289.871 1649,38 61,36 2722,82

Centro-Oeste 20.016 20.223 40.239 95314,29 100,93 191614,29

Sul 0 2.282 2.282 0 228200,00 228200,00

BRASIL 566.993 594.224 1.161.217 77,20 43,57 158,11

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Apesar dessa dispersão espacial do cultivo de coco pelas outras regiões do país, nota-se

que o Nordeste ainda continua sendo o maior produtor de coco do Brasil, com uma produção

altamente dinâmica, concentrando em 2010 em torno 68% da quantidade produzida com coco

e 81% da área plantada com coqueiros, conforme demonstrado na imagem a seguir (imagem

07). Nesse mesmo período, o Sudeste já era o segundo maior produtor, seguido de perto pelo

Norte, que concentrava a segunda maior área plantada, enquanto as regiões Centro-Oeste e Sul

representavam um ínfimo percentual de 2% da produção nacional. Mesmo com um avanço da

fronteira agrícola do coco pelo país, a maioria considerável da produção ainda se concentra no

litoral nordestino, segundo também ressaltam Martins e Jesus Júnior (2011).

Imagem 07 – Distribuição da quantidade produzida com coco (em mil frutos) e da área plantada com

coqueiros (em hectares), de acordo com as grandes regiões do Brasil. 2010.

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Nota-se, com isso, que o Nordeste deixa de ser a única região produtora de coco no

Brasil, uma vez que se percebe que a participação das outras regiões no cultivo desse fruto foi

bastante alterada. Só para termos uma ideia de como isso mudou, em 1980, conforme apontam

os dados do Censo Agropecuário, essa região controlava sozinha por volta de 93% da produção

Área

plantada

Quantidade

produzida

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nacional do fruto e 95% da área plantada com coqueiros, diferentemente do observado na

atualidade. Ainda no que tange ao Nordeste, Andrade (1993), em um de seus estudos, chegou

a prever que o cultivo de coco nessa região rapidamente desapareceria em função sobretudo do

loteamento de áreas de produção do fruto para o crescimento urbano das cidades102,

especialmente na zona da mata e no litoral leste do Nordeste, o que não ocorreu.

Contrariamente, esse fruto passou a ser cultivado também no interior da região, sobretudo nos

vales dos principais rios, notadamente aqueles que possuem perímetros irrigados, além da

permanência de uma importante produção ainda realizada no litoral (em áreas de planície

litorânea e de tabuleiros costeiros).

Assim como as grandes regiões do Brasil ocupam um papel diferenciado na

configuração espacial da produção de coco, observamos que os indicadores relativos a cada

uma das Unidades da Federação (UFs) também revelam a existência de dinâmicas bem distintas

de uma UF para outra. Em 2010, apenas cinco das 27 UFs ainda não apresentavam uma

produção significativa de coco a ponto de aparecer nas estatísticas oficiais: Roraima, Amapá,

Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por outro lado, todas as demais já são

produtoras de coco, algumas bem recentemente, como é o caso do Mato Grosso, do Tocantins

e do Paraná; já outras com uma produção consolidada há um certo tempo, a exemplo sobretudo

da Bahia, do Ceará e de Sergipe, como também do Pará e do Espírito Santo, respectivamente

os cinco principais produtores do país103.

A Bahia é, historicamente, o principal palco da produção brasileira de coco, como já

indicava Simões (1954). Em todo o extenso litoral do Estado, com 932 quilômetros de extensão,

é possível encontrar vastos coqueirais, majoritariamente da variedade gigante, que garantem

uma produção excepcional, chegando a mais de 500 milhões de frutos em 2010 (PAM/IBGE).

Aí, a mais importante região de produção de coco é o litoral norte baiano, conhecido como

Costa dos Coqueiros, margeado pela Estrada do Coco (BA-099), que abriga algumas das

maiores fazendas com coqueiros do país, configurando-se como um dos principais polos de

cultivo de coco não só do Brasil, mas de todo o continente americano. Recentemente essa

produção começou também a ocupar outros espaços pelo Estado, indo em direção ao interior,

difundindo-se os cultivos de coqueiro anão e híbrido.

Já o Ceará também sempre foi um importante produtor de coco, de acordo com Cuenca

e Nazário (2003). É nesse Estado onde se concentram algumas das principais empresas

102 Discussão essa também realizada por França (1988). 103 Somente Bahia, Ceará, Sergipe, Pará e Espírito Santo concentravam juntos, em 2010, por volta de 74% da

quantidade produzida com coco e de 71% da área plantada com coqueiros no Brasil (PAM/IBGE).

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agrícolas, agroindustriais e de pesquisa agrícola do país. Ao longo do litoral cearense é possível

nos depararmos com inúmeros coqueirais, quase que exclusivamente da variedade gigante,

localizados em meio a faixas de praia, restingas e dunas. Atualmente o cultivo do fruto é

fortemente incrementado em áreas distantes da litorânea, sobretudo nos perímetros irrigados

localizados na região semiárida, contrastando com uma produção largamente realizada no

litoral, especialmente o Oeste, alavancando a quantidade produzida com coco, que praticamente

dobrou entre 1990 e 2010 (PAM/IBGE).

Sergipe, assim como os outros, também é um histórico e importante produtor de coco,

e foi um dos pioneiros nas áreas de pesquisa e de processamento industrial do fruto. Conforme

afirmam França (1988) e Costa (1998), o seu cultivo foi durante séculos uma das principais, e

praticamente únicas, atividades econômicas do Estado, que chegou a ser inclusive o segundo

maior produtor nacional. Entretanto a produção sergipana atravessa uma séria crise iniciada

ainda no final do século passado, motivada pela queda do preço do coco seco e pela idade

avançada dos coqueiros gigantes, com reduzida produtividade e mais suscetíveis às pragas, o

que levou também a uma progressiva redução da área plantada. No entanto, a partir de uma

forte intervenção da Embrapa Tabuleiro Costeiros, aos poucos essa produção vem sendo

reorganizada e melhorada, como demonstra Jesus Junior (2013).

O Pará, sobretudo a partir de pesados investimentos no plantio de coqueiros híbridos

pela Sococo realizados desde o início dos anos 1980, tornou-se também um importante produtor

nacional de coco, conforme destacam Rebello et al. (2003). A ação empreendida pela Sococo,

em parceria com o CIRAD, estimulou uma importante expansão do cultivo de coco no nordeste

paraense, principalmente depois de verificadas as excelentes condições edafoclimáticas para a

realização dessa produção na Floresta Amazônica, que apresenta solos férteis e altos índices

pluviométricos anuais. Assim, em um período de 20 anos, de 1990 a 2010, o Pará viu sua

produção e área plantada mais que duplicar (PAM/IBGE).

Já o Espírito Santo entrou nos anos 2000 como um dos mais importantes produtores

nacionais de coco, desbancando inclusive Estados nordestinos e ocupando hoje a quinta posição

como o maior produtor do país. Entre 1990 e 2010 a área plantada com coqueiros em território

capixaba aumentou cerca de 680%, produção essa realizada sobretudo no litoral norte, enquanto

a quantidade produzida teve um crescimento de 3 mil por cento no mesmo período

(PAM/IBGE). Essa alavancada da participação capixaba na produção do fruto se dá

essencialmente a partir de investimentos na modernização da sua produção104, pela presença de

104 Como também ocorre no cultivo de diversas outras frutas, segundo destaca Lucci (2013).

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importantes agroindústrias e pela proximidade com o mercado consumidor do Sudeste, o maior

trunfo do Espírito Santo, o que o coloca em vantagem sobre os Estados do Nordeste105.

Além desses principais Estados produtores, merece destaque também a recente

alavancada na produção de São Paulo, Mato Grosso, Tocantins, Paraná e Goiás, que apresentam

juntos os maiores e mais significativos índices de crescimento da quantidade produzida, área

plantada e produtividade. Também motivados pelas perspectivas do ramo de água de coco, pela

proximidade com o mercado e pelo desenvolvimento de cultivares de coqueiro anão e híbrido,

aliados às inovações técnico-científicas, os produtores desses Estados investem pesado em

tecnologia e capital para expandir o cultivo do fruto, cuja produção já nasce moderna e inserida

diretamente no contexto do agronegócio. Somente no Paraná, por exemplo, o último a produzir

coco no Brasil, o cultivo do fruto é apontado como uma oportunidade interessante para os

agricultores do noroeste paranaense, região que, de acordo com o Portal do Agronegócio106,

“onde não dá soja, vai de coco”.

Ao analisar os dados da PAM/IBGE indicados a seguir (tabela 15), percebe-se que a

organização produtiva do coco no país foi bastante alterada nos últimos 20 anos. Anteriormente

concentrada nos Estados do Nordeste, com destaque para Bahia, Ceará e Sergipe, e no Pará e

no Espírito Santo, essa produção passa a ser incrementada também em vários outros Estados,

localizados sobretudo no Sudeste e no Centro-Oeste. Em contrapartida, nota-se uma relativa

estagnação do cultivo de coco em alguns Estados nordestinos, principalmente em uma área de

vai do litoral do Rio Grande do Norte ao litoral de Sergipe, com uma grande concentração de

coqueiros gigantes e com uma progressiva redução da área plantada com o fruto.

A partir desses dados, organizamos na imagem apresentada na sequência (imagem 08)

um cartograma representando a distribuição espacial do cultivo de coco no Brasil nos anos de

1990 e 2010. Com a análise desses dados e do cartograma, é possível observar claramente uma

dispersão espacial da produção do fruto, que passa a ser realizada cada vez mais por todo o país,

mas que ainda continua bastante concentrada em alguns poucos locais, apesar dessa dispersão.

Esse é um dos retratos da nova geografia do coco no país, que continuará sendo modificada a

partir dos rumos que tomará a reestruturação produtiva do setor.

105 Conforme relata um distribuidor de coco em entrevista ao jornal O Globo, afirmando que: “o coco capixaba é

melhor, já que chega em dez horas de viagem e o frete não é caro. Quando vem do Nordeste, demora três dias, e

o coco chega bem mais sofrido”. Fonte: http://goo.gl/t9G4Yc, Jornal O Globo – “Nas areis quentes do Rio, o coco

capixaba é rei”, matéria do dia 21/12/14 e acessada em 30/11/14. 106 Fonte: http://goo.gl/GKco81, Portal do Agronegócio – “Onde não dá soja o Paraná vai de coco”, matéria do dia

22/11/11 e acessada em 30/11/13.

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Tabela 15 – Unidades da Federação. Produção de coco. Área plantada (em hectares) e quantidade

produzida (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (de 1990 a 2010). 1990 – 2010.

1990 2000 2010 V. Abs V. Relat

Rondônia Área plantada 2.783 607 268 -2.515 -90,37

Quant. produzida 6.139 4.639 1.550 -4.589 -74,75

Acre Área plantada 37 47 180 143 386,49

Quant. produzida 164 205 931 767 467,68

Amazonas Área plantada 90 281 3.299 3.209 3.565,56

Quant. produzida 523 1.315 8.875 8.352 1.596,94

Pará Área plantada 10.442 17.084 23.960 13.518 129,46

Quant. produzida 97.227 154.957 232.448 135.221 139,08

Tocantins Área plantada 0 101 786 786 786,00

Quant. produzida 0 1.059 11.244 11.244 11.244,00

Maranhão Área plantada 1.729 1.401 2.583 854 49,39

Quant. produzida 6.168 3.705 8.168 2.000 32,43

Piauí Área plantada 479 750 1.268 789 164,72

Quant. produzida 2.654 6.797 14.762 12.108 456,22

Ceará Área plantada 35.431 37.316 44.224 8.793 24,82

Quant. produzida 133.880 193.729 266.263 132.383 98,88

Rio Grande do

Norte

Área plantada 27.122 33.850 22.552 -4.570 -16,85

Quant. produzida 54.478 87.941 62.417 7.939 14,57

Paraíba Área plantada 10.582 10.371 11.454 872 8,24

Quant. produzida 29.407 54.105 63.267 33.860 115,14

Pernambuco Área plantada 12.723 9.486 10.761 -1.962 -15,42

Quant. produzida 38.492 35.643 71.346 32.854 85,35

Alagoas Área plantada 16.177 15.262 12.576 -3.601 -22,26

Quant. produzida 67.050 56.118 55.320 -11.730 -17,49

Sergipe Área plantada 46.939 45.720 41.890 -5.049 -10,76

Quant. produzida 99.053 91.985 253.621 154.568 156,05

Bahia Área plantada 48.564 78.270 76.985 28.421 58,52

Quant. produzida 188.516 402.937 502.364 313.848 166,48

Minas Gerais Área plantada 652 1.584 2.597 1.945 298,31

Quant. produzida 2.875 9.258 39.291 36.416 1.266,64

Espírito Santo Área plantada 1.276 8.895 10.002 8.726 683,86

Quant. produzida 3.669 132.487 149.899 146.230 3.985,55

Rio de Janeiro Área plantada 603 2.462 4.426 3.823 634

Quant. produzida 4.051 34.358 74.077 70.026 1.728,61

São Paulo Área plantada 20 1.203 3.386 3.366 168,30

Quant. produzida 51 10.136 37.250 37.199 72.939,22

Paraná Área plantada 0 0 202 202 202,00

Quant. produzida 0 0 2.282 2.282 2.282,00

Mato Grosso do

Sul

Área plantada 3 126 470 467 15.566,67

Quant. produzida 21 1.576 4.553 4.532 21.580,95

Mato Grosso Área plantada 0 1.631 1.757 1.757 1.757,00

Quant. produzida 0 17.133 20.451 20.451 20.451,00

Goiás Área plantada 0 130 1.308 1.308 1.308,00

Quant. produzida 0 1.328 15.256 15.256 15.256,00

BRASIL Área plantada 215.652 266.577 276.934 61.282 28,42

Quant. produzida 734.418 1.301.411 1.895.635 1.161.217 158,11

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

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109

Imagem 08 – Distribuição espacial produção de coco no Brasil, por Unidades da Federação. 1990 – 2010.

Organização: Cavalcante e Mendoza, 2015. Base cartográfica: IBGE, 2010.

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110

2.4.2 As especializações territoriais produtivas de coco

Com a dispersão espacial da produção evidencia-se a formação de diversas regiões

voltadas para o cultivo de coco ao redor do país, configurando claramente uma especialização

produtiva centrada na produção do fruto. A esse respeito, Santos (1996, p. 54) assegura que

alguns lugares tendem a tornar-se especializados, e “essa especialização se deve mais às

condições técnicas e sociais que aos recursos naturais”, uma vez que “quanto maior a inserção

da ciência e tecnologia, mais um lugar se especializa, mais aumenta o número, intensidade e

qualidade dos fluxos que chegam e saem de uma área” (SANTOS, 1994, p. 51). As

especializações territoriais produtivas, de acordo com Santos e Silveira (2003) e Silveira (2011),

indicam especialmente uma concentração geográfica das atividades que perpassam um

determinado circuito espacial produtivo. Para Ramos (2003, p. 378), “por um lado avolumam-

se os fixos, base da nova organização, e por outro aumenta o dinamismo dos fluxos, revelando

a intensificação das relações mantidas com áreas mais e mais longínquas”.

Como exemplo dessas regiões especializadas na produção de coco no Brasil podemos

citar aquelas onde o cultivo do fruto desponta como uma das principais atividades econômicas

e onde observamos a existência de um circuito espacial produtivo de coco melhor estruturado

e mais dinâmico. Dentre essas regiões107 destacamos, sobretudo: Litoral Norte Baiano, Médio

e Sub-médio São Francisco (entre Bahia e Pernambuco), Alto Piranhas (na Paraíba), Litoral

Oeste Cearense, Nordeste Paraense, Litoral Sul Sergipano, Litoral Norte Capixaba, Recôncavo

Baiano, Litoral Nordeste Potiguar, Litoral Norte Fluminense e Litoral Sul Alagoano.

Nessas regiões, que podem ser formadas por apenas um município ou até mesmo por

um conjunto de vários municípios, observamos a existência de inúmeras fazendas, empresas

agrícolas, empresas agroindustriais e empresas de pesquisa agrícola voltadas para o setor do

coco, além de importantes centros de comercialização, distribuição e escoamento dos frutos,

pontos de comercialização de insumos e órgãos públicos que regulam o setor, para citar alguns

estabelecimentos. A presença desses fixos, entre outros fatores, é que vai induzir essas regiões

a uma certa especialização produtiva, ou então assegurar uma especialização já existente.

Dentre esses fixos, os principais deles e que agem como indutores dessa especialização

são as empresas, sejam elas agrícolas e/ou agroindustriais. Na imagem a seguir (imagem 09)

podemos observar um paralelo entre as principais regiões especializadas na produção de coco

107 Chegamos a tais recortes nos baseando em dados e cartogramas oriundos da PAM (IBGE – 2010). Os recortes

de tais regiões especializadas no cultivo de coco não obedecem às divisões oficiais do IBGE, portanto não se

tratam de mesorregiões e ou de microrregiões, e sim da localização de um conjunto de municípios (ou de apenas

um município) que se configuram enquanto importantes polos da produção de coco no país.

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111

no Brasil e a localização das cinco maiores empresas do setor (já indicadas no subcapítulo

anterior). É visível que há uma relativa justaposição da localização das unidades de produção

agrícola e industrial dessas empresas e as principais regiões de cultivo do fruto no país, com

destaque para o nordeste do Pará e os litorais de Ceará, Bahia, Sergipe e Espírito Santo, que,

além de abrigarem unidades produtivas, são também altamente especializados na produção de

coco, assim como o sub-médio São Francisco, entre Bahia e Pernambuco. Chama atenção

também o Estado de São Paulo, que abriga a sede administrativa de duas das maiores empresas

do setor (Ducoco e Kero Coco).

Imagem 09 – Principais regiões especializadas na produção de coco no Brasil e localização de

unidades das maiores empresas do setor.

Organização: Cavalcante e Mendoza, 2015. Base cartográfica: IBGE, 2010.

No interior do Nordeste, por exemplo, a configuração mais evidente da formação dessas

regiões especializadas no cultivo de coco, além das observadas em seu litoral, pode ser notada

especialmente nos perímetros irrigados públicos federais aí instalados, onde essa produção do

fruto já nasce moderna e inserida no contexto da reestruturação produtiva do setor. Em diversos

perímetros irrigados encontrados nessa região percebe-se uma importante especialização no

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112

cultivo de coco, que passa a ser responsável por dinamizar a economia dos municípios onde

estão inseridos tais perímetros, levando a uma reestruturação produtiva e territorial dos mesmos,

já que anteriormente não havia produção de coco em nenhum perímetro irrigado nordestino.

Ressalta-se que há um total de 71 perímetros irrigados em todo o Nordeste, construídos

e mantidos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) ou pela

Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Todos

esses perímetros possuem dinâmicas socioespaciais e produtivas bastante particulares, sendo

comum o grande cultivo de frutas, a exemplo de banana, melão, manga e uva, muitas delas

voltadas para a exportação e para atender diretamente as necessidades das agroindústrias lá

instaladas. A introdução de novos cultivos nesses perímetros depende, na maioria das vezes,

das motivações dos próprios produtores, que possuem à sua disposição uma rede hídrica já

instalada e lotes com forte potencial agrícola. Há uma rotatividade de produções que chega a

ser bastante intensa, sendo comum a substituição de antigos cultivos por novos.

Recentemente, um dos novos cultivos introduzidos nesses perímetros foi o de coco,

produzido tanto por pequenos quanto por grandes produtores. A difusão desse cultivo nesses

locais contribui sobremaneira para modificar o arranjo espacial da produção do fruto no país,

que começou a ser realizada também no interior nordestino. Esse processo, ainda em curso, já

foi inclusive atestado por alguns pesquisadores, como podemos observar nos relatos abaixo,

que associam a introdução do coco nos perímetros irrigados à expansão do consumo da água.

A produção de coco, tradicional do litoral nordestino, começa a ser

desenvolvida nos perímetros irrigados, com o intuito de comercializar os

frutos ainda verdes (BROGGIO, 1999, p. 227).

A partir de meados dos anos 2000 tem-se notado um aumento da exploração

do coco voltado para atender o mercado de água. Essa tendência tem

deslocado a produção do fruto para áreas não tradicionais, a exemplo dos

perímetros irrigados do Nordeste (SIQUEIRA et al., 2002, p. 06).

No que se refere ao mercado de água de coco, a crescente demanda registrada

nos últimos anos gerou uma grande mudança de cenário da cultura do coqueiro

no Brasil, com a implantação de grandes projetos em perímetros irrigados

utilizando a variedade de coqueiro anão verde (FONTES; WANDERLEY,

2006, p. 12).

De acordo com o coordenador de operações agrícolas do DNOCS108, a introdução do

cultivo de coco nesses perímetros irrigados alterou fortemente a “vocação agrícola relacionada

a cada um deles”, que inicialmente não foram criados no intuito de produzir tal fruto. Além

disso, o representante do DNOCS destaca que o motivo básico para a expansão e consolidação

108 Entrevistado em fevereiro de 2014, na sede nacional do DNOCS, em Fortaleza.

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da produção de coco nos perímetros está diretamente vinculado à grande disponibilidade hídrica

e à possibilidade de instalação de sistemas de irrigação, fatores cruciais para o desenvolvimento

do coqueiro anão visando a produção de coco verde, atrelado à grande expansão nacional e

internacional do mercado e do consumo de água de coco.

Dentre os perímetros irrigados nordestinos que vêm se especializando no cultivo de coco

destacamos aqueles inseridos nos vales dos rios São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco

(localizados na região de Juazeiro/Petrolina e de Rodelas/Petrolândia), Piranhas, na Paraíba, e

Curu e Acaraú, no Ceará. É basicamente nesses locais onde se materializam com mais

intensidade os processos advindos com a reestruturação produtiva do setor, uma vez que é

sobretudo aí onde se difundem as principais inovações técnico-científicas e agronômicas e se

expandem os fixos e fluxos relacionados ao circuito espacial produtivo do fruto.

Essa difusão e consequente especialização da produção de coco em direção aos

perímetros irrigados nordestinos pode ser comprovada ao analisarmos os dados divulgados pelo

Serviço de Monitoramento da Produção dos Perímetros Irrigados (SMPPI), do DNOCS. Como

se pode observar na tabela abaixo (tabela 16), entre os anos de 2000 e 2012 o cultivo do fruto

nesses perímetros teve um importante aumento, tendo a área plantada com coqueiros

apresentado um acréscimo de 77% e a quantidade produzida de quase 80%. Conforme informou

o gerente do DNOCS entrevistado, foi no início dos anos 1990 que os perímetros nordestinos

começaram a esboçar uma considerável produção de coco, se expandindo com mais intensidade

depois dos anos 2000 e que atualmente ainda continua em acelerado crescimento.

Tabela 16 – Perímetros irrigados geridos pelo DNOCS. Área plantada com coqueiros (em hectares) e

quantidade produzida de coco (em unidades). Variações absoluta e relativa (em %). 2000 – 2012.

2000 2012 Variação absoluta Variação relativa

Área plantada 3.379 6.007 2.628 77,77

Quant. produzida 38.361.533 68.702.110 30.340.577 79,09

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Desses perímetros geridos pelo DNOCS o destaque vai para o Curu-Paraipaba, o Curu-

Pentecoste, o Araras Norte e o Baixo Acaraú, localizados no Ceará, e para o São Gonçalo,

localizado em Souza, na Paraíba. Inclusive, o perímetro irrigado São Gonçalo foi o pioneiro na

produção de coco no interior nordestino e rapidamente transformou o município de Souza em

uma referência nacional no cultivo de coqueiro anão, como demonstra Lucena (2010). A título

de informação, o coco é atualmente o cultivo que ocupa a segunda maior área plantada se

tomarmos a área completa de todos os perímetros do DNOCS, representando 15% da área total

cultivada, atrás apenas do cultivo de banana. O coco já é também o principal produto cultivado

nos perímetros do Ceará e da Paraíba, ocupando a maior área plantada em ambos Estados.

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Já dentre os perímetros geridos pela Codesvaf, de acordo com o próprio órgão, o

destaque vai para o Apolônio Sales, o Barreiras e o Icó Mandantes, localizados no município

pernambucano de Petrolândia, para o Curará, localizado em Juazeiro, e para o Rodelas,

localizado no município de mesmo nome, ambos na Bahia. Além desses cinco, destaca-se

também, mas com uma menor participação da produção de coco, os perímetros Senador Nilo

Coelho (Casa Nova/BA e Petrolina/PE), Formoso (Bom Jesus da Lapa/BA), Maniçoba

(Juazeiro/BA) e São Desidério/Barreiras Sul (localizado já no oeste baiano), além do

Cotiguiba/Pindoba, instalado no Platô de Neópolis (SE). Percebe-se que a produção de coco

continua em larga expansão especialmente na região do Vale do São Francisco, conforme

indicou uma reportagem do portal G1/Petrolina109, sobretudo no perímetro Senador Nilo

Coelho, que em 2014 já possuía 2.262 hectares plantados com coqueiros.

Desse modo, constata-se que muitos dos perímetros irrigados instalados no Nordeste,

construídos pelo DNOCS ou pela Codevasf, estão ficando especializados no cultivo de coqueiro

anão e na produção de coco verde, modificando sobremaneira a estrutura produtiva de tais

espaços. A produção de coco realizada nesses perímetros, cada vez mais especializada e

altamente exigente em capital e tecnologia, contribui fortemente para a dinamização da

produção nordestina, que encontrou no Sertão um novo espaço passível de expandir o cultivo

do fruto, graças à presença da irrigação. Se anteriormente era no litoral nordestino que se

produzia todo o coco da região, agora esse fruto já é cultivado também no Sertão, que assume

a liderança no cultivo de coqueiro anão, indicando uma importante alteração na geografia do

coco no Nordeste, e por sua vez no Brasil.

***

Depois dessa apresentação de algumas das mais relevantes dinâmicas que caracterizam

a reestruturação do setor do coco no Brasil, podemos nos perguntar, por exemplo, como o

Estado do Ceará é inserido nesse processo, e ainda quais os principais rebatimentos diretos

dessa reestruturação produtiva na configuração dos espaços de produção de coco aí encontrados

e na organização dos agentes que compõem seu circuito espacial produtivo, os quais serão

analisados nos capítulos seguintes. Destacamos que essa contextualização da produção

brasileira é fundamental para melhor compreender como a produção cearense se insere nesse

contexto maior de reestruturação produtiva, já que não conseguiríamos apreender o local sem

levar em consideração o global que o dinamiza, segundo afirma Dimitrova (2005).

109 Fonte: http://goo.gl/Zn1UDW, Portal G1/Petrolina – “Produção de coco cresce no Vale do São Francisco”,

matéria do dia 27/10/14 e acessada em 20/12/14.

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Capítulo 3

O COCO NO CEARÁ: CONFIGURAÇÕES PRODUTIVAS E ESPACIAIS

Neste capítulo analisamos as principais características que dizem respeito à configuração

produtiva do coco no Ceará, onde incialmente indicamos o atual contexto do cultivo do fruto e

explanamos acerca da sua modernização. Na sequência evidenciamos a organização espacial

da produção cearense, focando nos arranjos espaciais desse cultivo e na sua distribuição

segundo os maiores municípios produtores, destacando os rebatimentos da reestruturação

produtiva na sua configuração espacial, sobretudo quando apresentamos detalhadamente os

distintos espaços de produção do fruto e as características que permeiam o cultivo do fruto em

cada um deles. Por fim, concentramos nossa análise na difusão e territorialização da produção

de coco em um perímetro irrigado que assume a liderança no seu cultivo.

3.1 O CONTEXTO DA PRODUÇÃO DE COCO NO CEARÁ

A produção de coco realizada no Estado do Ceará está diretamente inserida no contexto

da reestruturação produtiva que dinamiza o setor em todo o país. Com isso, percebe-se que a

configuração básica da produção cearense está sendo alterada nestas últimas décadas, em

virtude especialmente da materialização dos principais processos que caracterizam essa

reestruturação. Desse modo, nota-se uma nova organização produtiva desse cultivo, a partir da

sua modernização, associada a uma dinamização dos espaços de produção do fruto, que

contribuíram para reorganizar a geografia do coco também no Ceará, dotada de novas e

importantes características não observadas anteriormente.

3.1.1 Atual organização produtiva do coco

A organização da produção cearense de coco se assemelha muito à própria organização

da produção brasileira, uma vez que também no Ceará há um aumento considerável da

quantidade produzida e da área plantada com o fruto. Assim, analisando os dados divulgados

pela PAM/IBGE (tabelas 17 e 18), percebe-se que de 1990 a 2010 a produção cearense de coco

praticamente dobrou, chegando a um aumento de 99%, enquanto a área plantada cresceu quase

25% e a produtividade 60%. Esses indicadores demonstram que o cultivo do fruto no Ceará

teve um importante impulso nestas últimas duas décadas110, apontando ainda para uma

produtividade em ascensão. Salienta-se que em 2010 o Ceará já concentrava 14% da produção

110 Infere-se que coco já é a terceira fruta mais cultivada no Ceará, atrás apenas da castanha de caju e da banana.

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nacional e 16% da área plantada no país, configurando-se como o segundo principal produtor

de coco, atrás apenas da Bahia.

Tabela 17 – Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em mil

frutos) e produtividade (mil frutos/ha/ano). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Área plantada 35.431 37.316 44.224

Quantidade produzida 133.880 193.729 266.263

Produtividade 3,78 5,19 6,02

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 18 – Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em mil

frutos) e produtividade (mil frutos/ha/ano). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Variação Absoluta Variação Relativa

1990 -

2000

2000 -

2010

1990 -

2010

1990 -

2000

2000 -

2010

1990 -

2010

Área plantada 1.885 6.908 8.793 5,32 19,50 24,82

Quant. produzida 59.849 72.534 132.383 44,70 37,44 98,88

Produtividade 1,41 0,83 2,24 37,39 15,97 59,34

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Como tais dados se referem à produção total de coco, não há como fazer uma distinção

entre os cultivos de coqueiro anão, híbrido e gigante, e entre as produções de coco verde e seco.

Mas a partir da realização dos trabalhos de campo, notamos que há uma certa estagnação do

cultivo de coqueiro gigante diante de uma acentuada expansão das outras duas variedades,

fazendo com que haja um aumento da área total plantada. Merece destaque ainda o crescimento

da produtividade, uma vez que já se produz por volta de 6 mil frutos por hectare ao ano, em

razão especialmente da difusão do uso de inovações ao processo produtivo do fruto pelo Ceará,

que garantem a continuidade da modernização dessa produção.

Ainda nesse contexto, outra variável importante que merece ser analisada é a distinção

entre essa produção de coco verde e a de coco seco, tomando como base os dados divulgados

pelo Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA/IBGE)111. Esses dados mostram

que a quantidade produzida com coco seco obteve um aumento entre 2002 e 2012, algo em

torno dos 15%, enquanto a quantidade produzida com coco verde aumentou cerca de 70% no

mesmo período (tabelas 19 e 20). Isso indica que o cultivo de coco verde teve um incremento

significativo nestes últimos anos no Ceará, sobretudo quando observamos o considerável

aumento da sua área plantada em relação à área cultivada com coco seco. Como a maioria dos

111 Há de se destacar que a metodologia utilizada pela PAM e pelo LSPA não é a mesma; por esse motivo, os

resultados podem ser diferentes de acordo com cada levantamento. Além disso, os anos divulgados por esses

levantamentos também não são os mesmos.

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frutos ainda verdes são advindos de coqueiros anão e híbrido, conclui-se que são essas as

variedades em expansão em território cearense.

Tabela 19 – Ceará. Produção de coco, por tipo de produto. Área plantada com coqueiros (em hectares)

e quantidade produzida de coco (em mil frutos). 2002 – 2012.

Coco verde Coco seco

2002 2012 2002 2012

Área plantada 8.651 12.745 35.333 35.441

Quant. produzida 70.817 120.135 131.549 151.925

Fonte: IBGE/LSPA. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 20 – Ceará. Produção de coco, por tipo de produto. Área plantada com coqueiros (em hectares)

e quantidade produzida de coco (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (em %). 2002 – 2012.

Coco verde Coco seco

Variação

absoluta

Variação

relativa

Variação

absoluta

Variação

relativa

Área plantada 4.094 47,32 108 0,31

Quant. produzida 49.318 69,64 20.376 15,49

Fonte: IBGE/LSPA. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Associada a essa organização produtiva do coco no Ceará está a estrutura fundiária das

propriedades que cultivam o fruto. Observa-se que, de um modo geral, essas propriedades se

caracterizam por apresentar um pequeno porte, ancoradas no minifúndio. Conforme consta no

Censo Agropecuário de 2006, 88% dos mais de 3 mil estabelecimentos que produziam coco no

Ceará possuíam até 10 hectares, enquanto os estabelecimentos que tinham mais de 10 hectares

não passavam dos 3% (tabelas 21 e 22). Além disso, as pequenas unidades de produção

ocupavam quase a metade da área cultivada e produziam 60% do coco cearense, o que não

impede que a participação das médias e grandes propriedades também seja importante.

Tabela 21 – Ceará. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos

(em unidades), área total (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos). 2006.

Total

Menos de

10 ha

De 10 a

100 ha

Mais de

100 ha

Sem

declaração

Estabelecimentos 3.611 3.197 78 11 325

Área total 12.626 5.741 2.204 2.018 2.663

Quantidade produzida 61.486 37.425 12.588 9.632 1.841

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 22 – Ceará. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos,

área total e quantidade produzida. Proporção (em %). 2006.

Menos de 10 ha De 10 a 100 ha Mais de 100 ha

Estabelecimentos 88,54 2,16 0,30

Área total 45,47 17,46 15,98

Quantidade produzida 60,87 20,47 15,67

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013. Obs: A soma total do número de estabelecimentos e da área total não chegará aos 100%, uma vez que foram

desconsiderados os estabelecimentos sem declaração.

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Em 2006, conforme demostram esses dados, havia apenas 89 estabelecimentos com

mais de 10 hectares produzindo coco, mas que já ocupavam 33% do total de terras cultivadas

com o fruto. A partir da reestruturação produtiva do setor, a expectativa é que esse número

tenha aumentado, haja vista que cresce a quantidade de novas fazendas que passaram a produzir

coco no Ceará, como percebemos nos trabalhos de campo. No capítulo 5, item 5.3,

aprofundaremos essa questão, onde demonstramos como a expansão do cultivo do fruto é

responsável por agravar a concentração fundiária cearense. Além disso, acompanhando também

a média nacional, o Ceará tinha, em 2006, 73% de seus estabelecimentos produtores de coco

inseridos na categoria de agricultura familiar.

Outra variável importante para a compreender a organização produtiva do coco no Ceará

é a forma de comercialização dos frutos. No que tange à primeira destinação da produção, o

que se constata é muito semelhante ao observado nacionalmente. Conforme indicam os dados

do Censo Agropecuário (tabela 23), em 1985 os intermediários controlavam expressivos 90%

de todo o coco comercializado no Ceará, diante da atuação reduzida dos outros agentes

inseridos no circuito espacial da produção do fruto, especialmente as cooperativas, as indústrias

e os consumidores finais.

Já em 2006 conseguimos observar uma importante mudança na comercialização de coco

no Estado (tabela 23), onde o controle dessa atividade pelos intermediários passa para os 62%,

em detrimento do aumento da participação das indústrias, controlando quase 35%, o que pode

ser justificado pela expansão do número de agroindústrias do coco instaladas em território

cearense nas últimas décadas. No entanto, no Ceará, o capital comercial continua no comando

do mercado do fruto, agora aliado ao capital industrial, já que 97% do todo o coco

comercializado se deu via intermediários e/ou agroindústrias, revelando a dependência dos

produtores diante desses agentes, conforme melhor analisaremos no capítulo 5, item 5.2.

Tabela 23 – Ceará. Primeiro destino da produção de coco, por quantidade

comercializada (em mil frutos) e proporção (%). 1985 – 2006.

Mil frutos Proporção

1985 2006 1985 2006

Total comercializado 29.564 59.498 100 100

Vendida/entregue à cooperativa 876 25 2,96 0,04

Vendida à indústria 769 20.757 2,60 34,89

Vendida ao intermediário 26.855 37.063 90,84 62,29

Venda direta ao consumidor 1.064 1.653 3,60 2,78

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Uma parte significativa do coco produzido no Ceará segue em direção às diversas

agroindústrias aí instaladas e à cidade de Fortaleza. No entanto, quando não é consumido no

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próprio Ceará, esse fruto, seja ele verde seja seco, tem como foco principal os mercados do

Nordeste e do Centro-Sul do país, principalmente os Estados de São Paulo, Piauí, Maranhão,

Paraná, Minas Gerais, Goiás, Sergipe e Rio Grande do Norte, que foram os mais citados pelos

produtores e intermediários que entrevistamos. Essa informação pôde ser confirmada ao

analisarmos os dados divulgados pelo Prohort/CONAB, que contabiliza a produção

comercializada em algumas Centrais de Abastecimento (CEASAs) do país, indicando a origem

de todos os produtos e a quantidade adquirida por cada uma das CEASAs.

De acordo com essa fonte de dados, entre 2010 e 2015 foram comercializadas 47 mil

toneladas do coco advindo do Ceará nas diversas centrais de abastecimento distribuídas pelo

país. Desse total, 32% foram comercializadas na CEASA do próprio Ceará, localizada em

Maracanaú, na Grande Fortaleza, enquanto 49% foram adquiridas em São Paulo e 16% em

Minas Gerais. Destaca-se que a importância de São Paulo – que adquiriu praticamente a metade

da produção de cearense de coco distribuída pelas centrais de abastecimento – para o mercado

do fruto no país é tão grande, que é aí onde são cotados os preços do coco comercializados por

todo o Brasil, como nos informaram os atravessadores entrevistados.

Além desses destinos, um pequeno percentual da produção de coco e seus subprodutos

é exportado, já que o foco principal é abastecer o mercado nacional. Semelhante ao que ocorre

no contexto nacional, as exportações de coco verde e seco pelo Ceará são inconstantes e com

pouca representatividade, ao contrário do observado com a água de coco, que em um período

de 10 anos teve suas exportações acrescidas aproximadamente 780% (tabelas 24 e 25). Isso se

deve, sobretudo, ao considerável aumento da participação de grandes empresas produtoras e

revendedoras de água de coco envasada, que investem pesado na sua exportação. Com isso, o

Ceará assume a ponta das exportações nacionais desse produto, uma vez que em 2010 o Estado

exportava 46% de toda a água de coco envasada que saía do Brasil, segundo os dados

divulgados pela SECEX/MDIC.

Tabela 24 – Ceará. Quantidade exportada de água de coco (em quilogramas). 2002 – 2012.

2002 2004 2006 2008 2010 2012

3.271.803 5.795.252 9.033.430 11.102.398 15.634.484 28.739.648

Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Tabela 25 – Ceará. Quantidade exportada de água de coco (em quilogramas). Variações absoluta e

relativa (em %). 2002 – 2012.

Variação Absoluta Variação Relativa

25.467.845 778,40

Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.

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Ainda de acordo com os dados da SECEX/MDIC, em 2002 a água de coco envasada era

destinada somente para 5 países112, enquanto em 2010 foi encaminhada para 15 países113,

notadamente países da Europa e da América do Norte, indicando uma importante expansão do

setor, como se pode comprovar ao analisar os dados apresentados. As exportações cearenses de

água de coco se destinaram especialmente para os Estados Unidos, país que importou, em 2010,

84% de toda água de coco exportada pelo Ceará, somando mais de 13 mil toneladas, adquiridas

majoritariamente pela empresa Vita Coco, que depois revende esse produto para diversos países

europeus. Depois dos Estados Unidos, os maiores importares da água de coco cearense em 2010

foram Reino Unido, Alemanha, Canadá e Portugal.

De um modo geral, esse é o quadro que caracteriza a produção cearense de coco, que,

como percebemos, é bastante dinâmica e difícil de ser apreendida exclusivamente a partir da

análise de indicadores quantitativos, necessitando, pois, da incorporação de novos elementos

qualitativos, apresentados na sequência do capítulo. Além disso, fica evidente que o cultivo do

fruto no Ceará não foge àquelas mesmas características que compõem o perfil da produção de

coco no Brasil, nem no que tange ao comportamento das variáveis apresentadas e nem quanto

ao modo como a reestruturação produtiva do setor se processa.

3.1.2 As bases da modernização da produção de coco

A presença de coqueirais é um elemento inerente às paisagens que compõem o litoral

do Ceará, com seus 573 quilômetros de extensão, avistados a uma longa distância e

incorporados às praias, às dunas e às falésias que caracterizam essa porção do território

cearense. A esse respeito, Lima (2002) destaca que as comunidades aí instaladas historicamente

sempre tiveram uma relação bastante intrínseca com esses coqueirais, que servem ainda hoje

como fonte de alimento e renda e fornece matéria-prima para a construção de casas e para a

confecção de artesanato e jangadas, por exemplo.

Entretanto, essa característica dos coqueirais funcionando basicamente como um

identificador da paisagem comumente associada ao litoral do Ceará vem sendo bastante alterada

nestas últimas décadas. Ao ser inserida no contexto da reestruturação produtiva, a produção

cearense de coco passa a ser modificada, observando-se a entrada de uma racionalidade

capitalista no cultivo dos frutos, a disseminação de coqueiros anão e híbrido e a ocupação de

112 Estados Unidos, Portugal, Venezuela, Cabo Verde e Holanda. 113 Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Portugal, França, Áustria, Holanda, Suíça, Cabo Verde,

Austrália, Argentina e Chile.

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novos espaços distantes da histórica região de produção de coco – os litorais. Além disso, o

foco desse cultivo também muda, passando do coco seco para o coco verde.

De uma produção, até meados do século passado, marcada exclusivamente pelo seu

caráter semiextensivo e em certos casos extrativista, notamos atualmente o desenvolvimento de

um novo modelo de produção de coco. O cultivo de coqueiro gigante no Ceará, a exemplo do

que ocorre no Brasil, está lentamente sendo inserido no processo de modernização produtiva e

continua sendo cultivado da mesma forma que o era há dezenas de anos, diferentemente do

observado com os cultivos de coqueiro anão e híbrido, que já se iniciam modernos, servidos

por eficientes sistemas de irrigação e por insumos das mais diversas naturezas. Com isso, o

coco no Ceará deixa de ser apenas sinônimo de extrativismo e se torna, efetivamente, uma

atividade intensiva e capaz de proporcionar aos seus produtores uma considerável rentabilidade.

A partir da realização dos trabalhos de campo em seis municípios que se destacam no

cultivo de coco (Paraipaba, Trairi, Itapipoca, Amontada, Itarema e Acaraú) e de entrevistas com

os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do fruto, visualizamos de perto a consecução

dessa moderna produção de coco no Ceará e ouvimos relatos que evidenciam a reestruturação

produtiva do setor em território cearense. No entanto, ressalta-se desde já que esse processo não

se dá de maneira homogênea, opondo os produtores que historicamente cultivam coqueiro

gigante para a produção de coco seco aos que passaram a cultivar coqueiros anão e híbrido para

a produção de coco verde.

É nos espaços onde predominam os cultivos de coqueiro anão e híbrido que se observa

nitidamente como está organizada a moderna produção de coco no Ceará. Esse cultivo, que visa

basicamente suprir as demandas do mercado de coco verde, já se inicia sob os auspícios da

reestruturação produtiva do setor. É em torno dessa produção de coco verde que são instalados

os sistemas de irrigação automatizada e é aplicada toda uma sorte de adubos e fertilizantes, os

quais garantem uma grande produtividade e uma menor redução das perdas, índices esses que

não são obtidos por aqueles que continuam cultivando coqueiro gigante.

De acordo com os produtores entrevistados, quando se iniciou a moderna produção de

coco verde em larga escala no Ceará, ainda no início dos anos 1990, já se utilizavam inúmeros

insumos, mas o investimento realizado era ínfimo se comparado com o que é feito hoje em dia.

Atualmente, esses produtores pioneiros e os que passaram a se dedicar ao cultivo de coco

necessitam realizar investimentos muito maiores, no intuito de aumentar a produtividade e

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ampliar seu mercado, cada vez mais competitivo114. Assim, apenas os altos investimentos em

capital e tecnologia empreendidos por parte de alguns produtores já servem para nos indicam

as proporções que tomou o (agro)negócio do coco, especialmente a partir do início dos anos

2010, com o advento da agricultura de precisão no cultivo do fruto.

Segundo um grande produtor de Paraipaba, por nós entrevistado, a produtividade

aumentou bastante desde quando passou a produzir coco, e isso se dá em virtude da

intensificação do uso de adubos, agrotóxicos e sistemas de irrigação; ainda de acordo com esse

produtor: “hoje a produção de coco é sinônimo de tecnologia”. Outro relato, agora do

proprietário da maior empresa de insumos agrícolas de todo litoral oeste cearense e que também

é produtor de coco115, nos ajuda a entender o desenvolvimento do setor e a modernização do

processo produtivo do fruto:

Hoje os produtores de coco estão gastando mais e investindo pesado no

coqueiral, não é como antes. Agora eles utilizam vários tipos de fertilizantes,

adubos e defensivos. Fazem a pulverização mecanizada das árvores, compram

tratores, grades e roçadeiras. Tudo é irrigado, ninguém encontra mais um

produtor que não tenha um microaspersor no pé do seu coqueiro; pra mim a

irrigação automatizada é a melhor expressão dessa nova produção de coco.

Os produtores já sabem o que fazer, estão sempre aprimorando os tratos

culturais, que significa que estão cuidando mais do coqueiral, fazendo sempre

a pulverização, o roçamento, a poda das árvores, comprando mudas

selecionadas. Tanto os produtores quanto os trabalhadores estão se

especializando nesse negócio. (....) E essa modernização pode ser observada

diariamente, todo dia aparece alguma coisa nova. Nunca teve tanta tecnologia

associada ao processo produtivo do coco, e a tendência é tudo ficar cada vez

mais tecnificado; e isso é sinônimo de mais produção, de uma maior

produtividade. Hoje os produtores estão procurando se informar, muitos deles

estão fazendo análises de solo, das folhas e até da água, investindo na

contração de técnicos agrícolas e de agrônomos, e tudo isso com o objetivo de

corrigir as deficiências naturais que impedem o aumento da produtividade.

Essa crescente introdução de “sistemas técnicos agrícolas” (ELIAS, 2003) mais

eficientes no cultivo de coco é apontada inclusive pelo Censo Agropecuário de 1995, se

comparado com os dados divulgados em 1985116, os quais indicam que nesse ano apenas 286

estabelecimentos irrigavam e adubavam os coqueiros no Ceará, enquanto em 1995 esse valor

chega aos 1.781, representando um aumento significativo de 522%. Ainda de acordo com o

Censo, em 1985 apenas 110 estabelecimentos irrigavam, adubavam e utilizavam agrotóxicos

na produção, ao passo que em 1995 já eram 854. Tais dados comprovam especialmente o

114 Por esse motivo, Arranz (2002, p. 31) vai afirmar que “[...] o termo ‘produtivismo’ é igualmente associado ao

processo de inserção do setor agrícola na economia global, através da concorrência de mercados e da

competitividade”. 115 Entrevistado em março de 2014, em Paraipaba. 116 No Censo de 2006 tal variável não foi apresentada, impossibilitando a análise da evolução do uso de inovações

associadas ao cultivo de coco.

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crescimento na utilização desses novos sistemas técnicos, responsáveis por elevar a quantidade

produzida com coco a outros patamares.

É importante ressaltar que a expansão do cultivo desse fruto no Ceará e essa difusão do

uso de novas tecnologias associadas ao seu processo produtivo se deram diante de uma

completa ausência de políticas públicas específicas para promover a reestruturação do setor, ao

contrário do que ocorreu em outros Estados do país, como Espírito Santo e Rio de Janeiro,

segundo apresenta Souza (2005). Nesse sentido, o governo estadual cearense não atuou

diretamente de nenhuma forma na dinamização do cultivo do fruto, exceto com a construção

de infraestruturas hídricas e viárias (ELIAS, 2005), as quais não atendem exclusivamente os

produtores de coco117. Desde o início até hoje não foi desenvolvido nenhum tipo de programa

pelo Governo do Estado com o intuito de realizar quaisquer atividades voltadas para atender as

necessidades do setor do coco, nem mesmo em extensão rural e em financiamento agrícola118.

Apesar disso, o Ceará aparece como um dos principais pontos de difusão nacional do

uso de novas tecnologias na produção de coco, em virtude sobretudo da presença e da forte

atuação das empresas Ducoco, Cohibra e Embrapa Agroindústria Tropical. Segundo nos foi

informado, a Ducoco foi a primeira empresa do país a utilizar o sistema de irrigação

automatizada, em 1999, seguida pela Cohibra e por alguns produtores de Paraipaba, que

importaram essa tecnologia de Israel e contaram com o auxílio de técnicos israelenses para a

implantação de tal sistema. O mesmo se pode dizer do uso da fertirrigação, adaptada para o

cultivo do fruto primeiramente pela Ducoco, Cohibra e Embrapa, depois difundida para o

restante do país. De acordo com o presidente da Cohibra, comprovando esse processo,

Há 20 anos não existia tecnologia para a produção de coco no Brasil, e uma

das pioneiras na utilização e difusão dessas tecnologias foi a Cohibra, em

parceria com a Ducoco. O primeiro grande diferencial na produção de coco

foi justamente a difusão da irrigação nos coqueiros; antigamente ninguém

pensava que um dia os coqueiros poderiam ser irrigados. E do Ceará essa

tecnologia pôde ser incorporada em vários outros lugares do país.

A disseminação dos coqueiros híbridos pelo Brasil também começou, de certa forma,

pelo Ceará. Enquanto o cultivo dessa variedade continuava centralizado no Pará através da

Sococo, no Ceará a sua produção já estava em larga expansão nas fazendas da Ducoco (foto 11)

e da Cohibra, que inclusive se tornou a primeira empresa do país a investir na produção de

mudas para serem comercializadas para outros locais. Segundo o presidente dessa última

117 Diferentemente do observado em outros cultivos, a exemplo do de castanha de caju (CUNHA, 2002) e de outras

frutas como melão, mamão e banana (ELIAS, 2002ab), realizados por intermédio de uma forte intervenção do

governo estadual. 118 A única exceção é o Banco do Nordeste (BNB), do governo federal, que concede importantes empréstimos aos

produtores de coco, além do Banco do Brasil.

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empresa, foi do Ceará que saíram os híbridos que estão atualmente sendo cultivados em São

Paulo e Mato Grosso, por exemplo. Além disso, foi também no Ceará onde se observou a

formação de um dos primeiros espaços a se especializarem no cultivo de coqueiro anão, o

perímetro irrigado de Paraipaba (foto 12), no mesmo período em que se deu a expansão da

produção de coco nos perímetros instalados em Souza (PB) e em Petrolândia e Petrolina (PE).

Foto 11 – Cultivo de coqueiro híbrido em Foto 12 – Cultivo de coqueiro anão no

uma das fazendas da Ducoco em Itapipoca/CE. perímetro irrigado de Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2012.

Além da atuação pioneira dessas empresas e de alguns produtores na modernização e

consequente completa reestruturação do setor do coco no Ceará, outro agente que desempenhou

um papel fundamental nesse processo chama-se Tasso Jereissati, um dos maiores e mais

influentes empresários do Estado, que atua em negócios que vão desde empresas de

telecomunicações, participações em bancos, administração de shoppings até empreendimentos

agropecuários. Esse empresário e político, que governou o Ceará por três mandatos, durante 12

anos (entre 1987 e 2002)119, teve uma atuação direta para desencadear o início da moderna

produção cearense de coco em território cearense.

A atuação de Tasso no negócio do coco começou em 1980, antes mesmo de ser

governador, quando o Grupo Jereissati cria a Frutop, empresa do ramo de alimentos que

produzia coco ralado e leite de coco, revendidos através da marca Menina, conforme descreve

Sampaio Filho (1985). Ainda segundo esse autor, em 1982 foi implantada no município

cearense de Itapipoca a empresa agrícola Agropecuária Arvoredo, de posse do empresário.

Anos depois ele também compraria uma grande fazenda no município de Itarema. A ideia de

se implantar fazendas produtoras de coco estava centrada no objetivo de garantir uma

119 Durante esse período, o governo de Tasso Jereissati foi responsável por fazer pesados investimentos visando

viabilizar a modernização da agricultura cearense e a construção de infraestruturas de apoio ao agronegócio,

elencado por ele como um dos principais vetores de desenvolvimento da economia do Ceará, conforme asseguram

Elias (2002ab, 2005), Monte (2008) e Araújo (2010), entre outros.

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autossuficiência à unidade agroindustrial, fornecendo-lhe matéria-prima sem interrupções. E a

variedade escolhida por Tasso para ser cultivada em terras cearenses foi o coqueiro híbrido,

contando com uma importante e constante assessoria de técnicos do então instituto francês

IRHO (atual CIRAD) em suas fazendas, conforme também aponta Sampaio Filho (1985).

Com isso, Tasso Jereissati criou o que parece ter sido a primeira empresa agroindustrial

do coco do Ceará, inaugurando também uma das primeiras empresas agrícolas a investir no

cultivo do fruto, e isso no mesmo ano em que a Ducoco iniciou suas atividades, em 1982. O

empresário continuou nesse negócio do coco até 1997, quando vendeu a unidade industrial da

Frutop (localizada em Maracanaú) e a marca Menina para a Ducoco, como também suas

fazendas produtoras de coco localizadas em Itapipoca, já que as fazendas de Itarema tinham

sido vendidas para a referida empresa ainda na década de 1980. Dessa maneira, esse ex-

governador teve uma forte atuação no início desse ideário produtivista no cultivo do fruto,

auxiliando no desenvolvimento do que viria a ser o atual agronegócio do coco.

Além de Tasso, outro político que também investiu no negócio do coco foi Adauto

Bezerra, militar que governou o Ceará de 1975 a 1978. Bezerra inaugurou a empresa

agroindustrial Cocos do Ceará (Cocesa) no ano de 1986 em Maracanaú, investindo ainda no

cultivo de coqueiros híbridos no município de Camocim. Esse negócio durou até 1994, quando

tanto a unidade industrial quanto as fazendas foram adquiridas também pela Ducoco, como

informou um dos diretores da empresa. A partir dessas aquisições de unidades industriais e

fazendas, a Ducoco pôde se consolidar como a principal empresa do ramo do coco do Estado.

Desse modo, no decorrer dos anos 1980 estavam lançadas as bases para o

desenvolvimento da moderna produção de coco no Ceará, que envolveu a atuação direta de

políticos, como Tasso e Adauto, e de empresas, como Cohibra e Ducoco, com investimentos

realizados tanto na produção agrícola quanto no processamento industrial dos frutos.

Entretanto, foi apenas no início dos anos 1990 que essa produção começou a se expandir por

todo o Estado, ainda hoje em expansão, já que é crescente o número de novos produtores que

passam a cultivar o fruto. O número de fazendas, sítios e lotes agrícolas cultivados com

coqueiro anão e híbrido não para de crescer, e com ele aumenta a procura por insumos de um

lado e por mercados consumidores de outro, dinamizando a geografia cearense do coco.

3.2 A ESPACIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO CEARENSE DE COCO

A compreensão de como se espacializa uma dada produção é fundamental para melhor

entender como ela está organizada e como se configura sua geografia particular. Desse modo,

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conhecer a espacialização120 da produção cearense de coco se faz importante para percebermos

como ela está distribuída no Estado e atentarmos para suas principais características, a fim de

melhor apreender como a reestruturação produtiva do setor é capaz de reorganizá-la. De um

modo geral, podemos afirmar que esse processo alterou a configuração espacial do cultivo do

fruto em território cearense. Nota-se que aos poucos o coco passa a ocupar novos espaços no

Ceará, onde encontramos uma produção moderna, intensiva e altamente especializada, visando

produzir sobretudo coco verde.

3.2.1 Distribuição espacial da produção cearense

A atual configuração espacial da produção cearense de coco pode ser duplamente

diferenciada. Grosso modo, observa-se a existência de dois arranjos espaciais completamente

distintos entre si no que tange ao cultivo do fruto no Ceará, um localizado no litoral e outro no

interior. Ambos representam um híbrido entre o tradicional e o moderno, entre os antigos

espaços de produção do fruto e os novos, entre aqueles onde é cultivado o coqueiro gigante e

aqueles onde se cultivam as outras duas variedades. Um híbrido ainda entre o cultivo de

coqueiros de maneira semiextensiva, baseado em uma agricultura de sequeiro, e o cultivo

realizado de maneira intensiva, baseado em uma agricultura irrigada, completamente inserido

no contexto da reestruturação produtiva do setor.

O primeiro desses arranjos espaciais de produção de coco começou a se formar quando

as primeiras mudas de coqueiros foram plantadas em território cearense. Caracterizado

predominantemente pelo cultivo da variedade gigante, esse arranjo espacial abrange uma área

que se estende de leste a oeste do litoral do Ceará, historicamente uma importante região

produtora de coco. No entanto, se antes o coqueiro era sinônimo exclusivo de litoral, isso passa

a ser alterado por influência direta da reestruturação produtiva, dando origem a um novo arranjo

espacial de produção de coco, localizado no interior cearense e distinto do já existente.

Esse segundo grande arranjo espacial do cultivo do fruto começou a se formar a partir

da dispersão do cultivo de coqueiros anão e híbrido por todo o território cearense, que deu

origem a uma nova organização espacial da produção de coco, dinamizando um conjunto de

espaços e municípios em várias regiões do Ceará, que passaram a se especializar nesse cultivo.

E um dos principais fatores que levou à formação desse novo arranjo espacial foi a difusão da

agricultura irrigada e de sistemas técnicos associados à irrigação, responsáveis por garantir a

120 Estamos chamando de “espacialização produtiva” a distribuição de uma dada produção em um determinado

espaço.

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sobrevivência dos coqueiros no hostil ambiente do semiárido nordestino, caracterizado

especialmente pela escassez hídrica associada à irregularidade pluviométrica.

Alguns depoimentos dão conta dessa importância da irrigação na nova configuração

espacial do coco no Ceará. De acordo com o presidente da Cohibra, por exemplo, em entrevista

divulgada pelo jornal Diário do Nordeste121 em 2013, “o grande gargalo que temos hoje é a falta

de áreas irrigadas”122. Isso ocorre porque a moderna produção de coco no Ceará não resiste sem

irrigação, e o mesmo se pode dizer do novo arranjo espacial produtivo do fruto. Quando

perguntado se o coco ainda poderia continuar se expandindo pelo Estado, o diretor de

agronegócios da ADECE nos respondeu:

O coco ainda vai sim continuar se expandindo pelo Ceará, claro! Nós temos

áreas irrigadas ainda passíveis para a realização do plantio desse fruto. O

coqueiro anão irrigado pode ser plantado em qualquer lugar, basta ter água!

Onde tem irrigação nós podemos plantar e ter uma alta produtividade. Hoje a

única questão que impede o coco de se expandir ainda mais pelo Ceará é a

água, que ainda é um fator limitante. Uma coisa é certa, a produção de coco

só vai se expandir para onde tiver água.

Dessa forma, e de um modo geral, o que podemos constatar é que a produção, antes

concentrada exclusivamente no litoral, passa a ser realizada também em diversas outras áreas,

necessitando apenas da irrigação para poder ser efetivada. Dentre essas áreas de importante

incremento na produção de coco nestas últimas décadas destacamos o interior dos municípios

litorâneos, onde é possível cultivar o fruto em uma distância aproximada de até 20 quilômetros

do litoral (em áreas de tabuleiro), e os vales dos rios Curu e Acaraú, que abrigam grandes

projetos de irrigação, públicos e particulares. Além dessas, citamos ainda o Planalto da Ibiapaba

e o Vale do Jaguaribe, áreas de recente expansão do cultivo do fruto. São essas as áreas

(evidenciadas na imagem 10) que compõem o novo arranjo espacial produtivo do coco no

Ceará, todas elas apresentando uma grande disponibilidade hídrica e condições para a

implementação de sistemas de irrigação, basicamente a microaspersão.

Assim, além de promover essa dispersão espacial produtiva, a reestruturação do setor

levou a uma nova concentração do cultivo do fruto, promovendo especializações territoriais

centradas na sua produção, como a observada em uma região contínua que abrange seis

municípios, na qual realizamos nossos trabalhos de campo. Essa importante e contínua região

de produção de coco (imagem 10) é formada pelos municípios de Acaraú, Amontada, Itarema,

121 Fonte: http://goo.gl/S04Dzr, jornal Diário do Nordeste – “Falta de áreas irrigadas é gargalo”, matéria do dia

10/11/13 e acessada em 11/11/13. 122 É importante destacar que essas áreas irrigadas não se resumem somente aos perímetros irrigados, uma vez que

os próprios produtores do fruto estão perfurando poços profundos e instalando os equipamentos para a captação

da água e irrigação dos coqueiros.

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Itapipoca, Paraipaba e Trairi, e abrange espaços de cultivo de todas as variedades de coqueiro.

Ela é a região mais dinâmica no que se refere ao cultivo do fruto no Ceará, concentrando 56%

da área plantada com coqueiros de todo o Estado e em torno de 46% do coco produzido

(IBGE/PAM, 2010). Nessa região podemos perceber a existência de um completo e dinâmico

circuito espacial produtivo, conforme demonstramos em Cavalcante (2012), onde o cultivo do

coco é uma das principais atividades econômicas desses seis municípios que a compõem,

garantindo a sobrevivência de centenas de produtores.

Imagem 10 – Configuração espacial da produção de coco no Ceará.

Organização: Cavalcante e Mendoza, 2015. Base cartográfica: IBGE, 2010.

Em virtude da dispersão espacial produtiva do fruto, atualmente dos 184 municípios

cearenses 172 são produtores de coco, conforme indicam os dados da PAM/IBGE, revelando a

importância desse cultivo no Estado. Apesar disso, essa produção se dá com mais intensidade

em alguns poucos municípios. Como se pode observar na tabela a seguir (tabela 26), somente

10 deles concentravam em 2010 aproximadamente 71% da área plantada com coqueiros e 64%

da produção total de coco no Ceará, demonstrando o peso de tais municípios na configuração

produtiva do fruto no Estado. Assim, nota-se que, apesar da dispersão da produção, ela continua

espacialmente concentrada, sobretudo em Trairi, Acaraú, Itarema, Paraipaba, Itapipoca,

Beberibe, Pentecoste, Amontada, Camocim e Cascavel.

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Tabela 26 – Participação dos maiores municípios produtores de coco em relação ao total produzido no

Ceará (em %). Quantidade produzida (em mil frutos), área plantada (em hectares)

e ranking diante dos demais municípios. 2010.

Quantidade

produzida Ranking

Área

plantada Ranking

Trairi 12,05 1° 16,13 1°

Acaraú 8,59 2° 11,33 3°

Itarema 8,23 3° 12,42 2°

Paraipaba 6,31 4° 3,08 11°

Itapipoca 5,58 5° 8,31 4°

Beberibe 5,42 6° 5,31 5°

Pentecoste 5,01 7° 2,92 12°

Amontada 4,98 8° 5,05 6°

Camocim 3,96 9° 3,13 10°

Cascavel 3,95 10° 3,72 7°

TOTAL 64,08 - 71,40 -

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Analisando a evolução da quantidade produzida e da área plantada desses 10 principais

municípios produtores de coco do Ceará entre os anos de 1990 e 2010, de acordo com os dados

da PAM/IBGE (tabelas 27 e 28), percebe-se que há um decréscimo apenas em Amontada e

Itapipoca, indicando que enquanto vários municípios são incorporados ao contexto da

reestruturação produtiva, outros vêm encontrando inúmeras dificuldades de manter os

coqueirais, seja pela falta de investimentos seja pela ausência de perspectivas para continuar na

atividade. Em contrapartida, outros municípios litorâneos apresentaram um importante

crescimento na produção e na área plantada, a exemplo de Beberibe e Camocim, onde o cultivo

de coco está largamente sendo incrementado, fazendo com que as quantidades produzidas com

o fruto apresentassem crescimentos de 501% e 370%, respectivamente. E o mesmo se pode

dizer de Cascavel, com um acréscimo um pouco menor que o dos demais municípios.

Além desses, um importante destaque na produção de coco no Ceará vai para os

municípios de Trairi e de Itarema, que concentram as maiores áreas plantadas do Estado e onde

há uma produção bastante diversificada, tanto de coqueiro anão quanto de gigante. Em apenas

duas décadas, a produção de coco dobrou em Trairi e triplicou em Itarema. O diferencial desses

dois municípios é que sua produção não se concentra apenas nas proximidades do litoral, uma

vez que muitas das fazendas aí encontradas se localizam no interior e não cultivam somente

coqueiro gigante. Além de venderem os frutos para os mercados estadual e nacional, esses

municípios destinam uma parte considerável da produção de coco seco e verde para as

agroindústrias aí instaladas, que alavancam a dinamização do setor.

Já Paraipaba e Pentecoste, localizados do Vale do Curu, chamam atenção por apresentar,

de longe, os maiores índices de crescimento da quantidade produzida e da área plantada. Num

período de apenas 20 anos, a produção de coco em Paraipaba cresceu significativos 1.877%,

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enquanto em Pentecoste esse aumento foi ainda maior, de 4.837% (tabelas 27 e 28). Isso se

justifica sobretudo por esses dois municípios abrigarem grandes perímetros irrigados, que desde

os anos 1990 passaram a cultivar coco verde, tendo à sua disposição eficientes sistemas de

distribuição de água e modernos sistemas técnicos difundidos com a modernização da produção

do fruto. Além disso, ambos apresentam uma produtividade de cerca de 12 mil frutos por

hectare ao ano, índice muito acima das médias nacional e estadual, respectivamente de 6,85 e

6,02 mil frutos anuais para cada hectare cultivado.

Em Acaraú a produção de coco também está sendo bastante incrementada nestes últimos

20 anos, tendo aumentado 205%. Além de cultivos distribuídos por todo o seu litoral e interior,

esse município se destaca ainda por abrigar um importante perímetro irrigado, onde o cultivo

do fruto encontra-se em acelerado crescimento. Fora esses 10 principais produtores, outro que

merece destaque é Varjota, localizado no Vale do Acaraú e que também abriga um perímetro

irrigado especializado na produção de coco, fazendo com que a quantidade produzida por esse

município apresentasse entre 1990 e 2010 um incremento importante e uma produtividade anual

que já passa dos 21 mil frutos por hectare.

Tabela 27 – Principais municípios produtores de coco do Ceará. Área plantada com coqueiros (em

hectares) e quantidade produzida de coco (em mil frutos). 1990 – 2010.

1990 2000 2010

Acaraú Área plantada 1.500 4.500 5.010

Quantidade produzida 7.500 22.500 22.881

Amontada Área plantada 2.500 1.980 2.235

Quantidade produzida 12.500 11.484 13.263

Beberibe Área plantada 1.000 2.255 2.348

Quantidade produzida 2.400 7.015 14.431

Camocim Área plantada 640 1.216 1.382

Quantidade produzida 2.240 8.018 10.548

Cascavel Área plantada 740 1.561 1.646

Quantidade produzida 5.600 7.025 10.514

Itapipoca Área plantada 5.000 3.200 3.675

Quantidade produzida 17.400 18.560 14.860

Itarema Área plantada 2.000 4.500 5.493

Quantidade produzida 7.500 22.500 21.902

Paraipaba Área plantada 170 1.100 1.362

Quantidade produzida 850 10.185 16.806

Pentecoste Área plantada 54 305 1.293

Quantidade produzida 270 1.464 13.331

Trairi Área plantada 4.000 6.500 7.132

Quantidade produzida 16.000 37.700 32.074

CEARÁ Área plantada 35.431 37.316 44.224

Quantidade produzida 133.880 193.729 266.263

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

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Tabela 28 – Principais municípios produtores de coco do Ceará. Área plantada (em hectares) e

quantidade produzida (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.

Variação

Absoluta

Variação

Relativa

Acaraú Área plantada 3.510 234,00

Quant. produzida 15.381 205,08

Amontada Área plantada -265 -10,60

Quant. produzida 763 6,10

Beberibe Área plantada 1.348 134,80

Quant. produzida 12.031 501,29

Camocim Área plantada 742 115,94

Quant. produzida 8.308 370,89

Cascavel Área plantada 906 122,43

Quant. produzida 4.914 87,75

Itapipoca Área plantada -1.325 -26,50

Quant. produzida -2.540 -14,60

Itarema Área plantada 3.493 174,65

Quant. produzida 14.402 192,03

Paraipaba Área plantada 1.192 701,18

Quant. produzida 15.956 1.877,18

Pentecoste Área plantada 1.239 2.294,44

Quant. produzida 13.061 4.837,41

Trairi Área plantada 3.132 78,30

Quant. produzida 16.074 100,46

CEARÁ Área plantada 8.793 24,82

Quant. produzida 132.383 98,88

Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Nos cartogramas apresentados a seguir (imagem 11), podemos observar a distribuição

espacial do cultivo de coco no Estado do Ceará nos anos de 1990 e 2010, onde é possível notar

que mais municípios passaram a produzir o fruto, indicando uma importante dispersão espacial

do seu cultivo, que contribui sobremaneira para desconcentrar a produção antigamente realizada

com mais intensidade apenas no litoral. Apesar disso, essa produção ainda continua

espacialmente concentrada nos municípios litorâneos. O cartograma de 2010 indica sobretudo

a atual configuração espacial da produção do fruto no Ceará, que continuará sendo modificada

em virtude do atual dinamismo observado no setor. Destaca-se que toda essa produção de coco

é realizada em diferentes espaços, os quais apresentamos na sequência.

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Imagem 11 – Distribuição espacial da produção de coco no Ceará, por municípios. 1990 – 2010.

Organização: Cavalcante e Mendoza, 2015. Base cartográfica: IBGE, 2010.

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3.2.2 A configuração dos espaços de produção de coco

Nos municípios nos quais realizamos os trabalhos de campo notamos a existência de

distintos espaços de produção de coco – os espaços da produção propriamente dita, como se

refere Santos (1985). Neles é realizada uma parte importante das atividades associadas ao seu

circuito espacial produtivo, as quais não se restringem apenas à produção agrícola do fruto em

si, passando também pela comercialização, pelas relações de trabalho, pela incorporação das

novas tecnologias, pela reorganização fundiária, entre outras, que garantem o desenrolar de uma

série de dinâmicas socioespaciais e produtivas associadas ao cultivo de coco em tais espaços.

Ainda conforme assegura Santos (1985, p. 61), é nesses espaços da produção

propriamente dita onde podemos perceber como um determinado território é intencionalmente

organizado por uma fração da sociedade para o exercício de uma forma particular de produção,

dinamizando-o por completo. No que se refere à produção cearense de coco, vários são os

exemplos desses espaços, que se localizam basicamente nas áreas próximas ao litoral, no

interior dos municípios litorâneos e nos perímetros irrigados, distribuídos em fazendas, sítios,

assentamentos e lotes agrícolas, facilmente encontrados nos seis municípios que compõem a

principal região do cultivo do fruto no Ceará123. É importante caracterizar cada um desses

espaços visando compreender sobretudo os rebatimentos da reestruturação produtiva nas suas

formas de organização, tanto territoriais quanto produtivas.

a) Os espaços de produção de coco localizados nas áreas próximas ao litoral

Dentre os principais espaços de produção de coco localizados nas áreas próximas ao

litoral destacam-se sítios, fazendas e assentamentos, todos eles passíveis de ser encontrados nas

comunidades que compõem o litoral cearense. De um modo geral, podemos afirmar que a

produção de coco realizada nessas comunidades não representa o moderno cultivo do fruto

realizado no Ceará. Em tais espaços é nítido que a reestruturação produtiva do setor ainda não

se materializou concretamente, ou então não foi suficiente para reorganizar o conjunto das

atividades aí realizadas, centradas em sua maioria no cultivo semiextensivo de coqueiro gigante.

Isso se dá sobretudo porque no litoral a produção de coco tem uma outra dimensão, que

vai além do aspecto meramente produtivo, podendo ser caracterizada pelo teor cultural que ela

representa. Os coqueiros são um símbolo da cultura e da resistência das comunidades litorâneas

do Ceará, e por isso mesmo eles são dotados de um significado bastante particular para os

123 De acordo com os dados do Censo de 2006, dos 3.611 estabelecimentos que produziam coco em todo o Ceará,

2.168 deles estavam localizados apenas nos seis municípios em análise, o que representa 60% do total.

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agricultores que aí residem. Inclusive, os coqueiros têm também uma representação familiar e

afetiva, já que funcionam como uma herança que os mais velhos deixam para os mais novos124,

conforme ressaltou um produtor entrevistado: “tudo o que tenho na vida é meu pedaço de chão

e os coqueiros que meus pais me deixaram; e são esses mesmos coqueiros, além de outros que

eu plantei, que eu vou deixar para os meus filhos”.

Muitas das comunidades localizadas no litoral cearense se encontram em meio aos

coqueirais, praias e dunas, a exemplo das visitadas durante os trabalhos de campo – Almofala

(em Itarema), Maceió (em Itapipoca) e Caetanos de Cima (em Amontada), essa última

identificada na imagem abaixo, onde é possível perceber a disposição dos coqueirais e dos

campos de dunas. Nessas comunidades, formadas em sua maioria por pescadores e agricultores,

o coqueiro (e o coco) é utilizado de inúmeras maneiras, tais como no artesanato e na construção

de casas e jangadas, sendo também amplamente consumido na alimentação local, de forte

influência indígena. Em tais comunidades os coqueiros estão por toda parte, onde há uma

imbricação entre os espaços de produção e os espaços de moradia e de lazer.

Imagem 12 – Disposição do coqueiral e das dunas na comunidade

dos Caetanos de Cima, em Amontada/CE.

Fonte: Google Earth, 2014.

Tais coqueiros são inclusive utilizados como prova de ocupação e demarcação do

território, onde comumente, segundo Lima (2002, p. 173), “o dono do pé de coqueiro é também

o dono da terra”. A autora destaca ainda que a extensão da terra nessas comunidades tem sido,

historicamente, apropriada coletivamente, e a sua posse é demarcada pelo que já há na terra,

especialmente os coqueiros (LIMA, 2002, p. 87), que passam a ser utilizados como um

124 Como ocorre em vários outros lugares do mundo, conforme assegura Caillon (2008).

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legitimador dessa posse. De acordo com um produtor dos Caetanos de Cima, essa prática é

muito comum e são inúmeros os casos em que os moradores comprovam o tempo de

apropriação da terra a partir da presença dos coqueiros, uma vez que quanto mais altas forem

as árvores, indicando sua idade, maior é o tempo de uso daquele território. Esse mesmo produtor

relatou que é comum encontrar coqueiros marcados com as iniciais do seu dono, para garantir

a posse do terreno onde eles estão plantados e/ou então a posse das árvores, no caso de estarem

em um terreno coletivo e dividido entre várias pessoas.

De um modo geral, a produção de coco é por excelência uma das principais atividades

econômicas praticadas do litoral cearense. Nas comunidades aí localizadas, bem como em

algumas encontradas já no interior dos municípios litorâneos, o que mantém as famílias é a

produção de coco. Conforme informaram os produtores, nenhum dos outros cultivos

proporcionam um rendimento tão bom quanto o observado com a venda do coco seco, cuja

colheita é realizada em média quatro vezes ao ano, diferentemente da mandioca e da castanha

de caju, colhidas somente uma vez por ano, e do feijão e do milho, produzidos especialmente

para o consumo, sendo comercializado apenas o excedente. Apesar de também ser consumidos

quase que diariamente, os frutos colhidos, em sua grande maioria, abastecem o mercado de

coco seco, sendo revendidos via atravessadores.

Assim, as quatro colheitas anuais de coco garantem a sobrevivência das famílias que o

produzem, fornecendo uma renda suficiente para suprir os meses nos quais a colheita não é

realizada. Mesmo cultivando uma série de outros produtos (sobretudo mandioca, feijão e

milho)125, os produtores relatam que a principal atividade rentável que existe nessas

comunidades é o cultivo do fruto; um desses produtores diz: “a agricultura por aqui é fraca

demais, o que dá mesmo lucro é a venda do coco”, e afirma ainda: “o peixe está para o pescador

como o coco está para o agricultor; é da venda do coco que todos nós sobrevivemos”.

Com isso, a maioria dos produtores que cultivam coco nesses espaços localizados

próximos ao litoral podem ser facilmente identificados enquanto camponeses. Para Paulino

(2012, p. 140), “é amplamente reconhecido que uma das características que diferenciam

unidades camponesas das demais é o caráter pessoal [e comunitário] permeando o conjunto de

suas relações”, como visto em tais espaços de produção de coco. A autora acrescenta ainda que

“o universo camponês é regido por um código avesso à lógica impessoal do mundo governado

pelas cifras oriundas das trocas”, onde o que está em questão é a reprodução da unidade familiar,

125 Cultivados principalmente nas entrelinhas dos coqueiros, através de consorciamento.

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responsável pela continuidade da atividade, e não a acumulação de capital, conforme observado

em outros espaços de produção do fruto, distantes do litoral.

Nessas comunidades que produzem coco é função de toda a família zelar pelo coqueiral

e pela continuidade da produção do fruto, até mesmo porque os coqueiros são transmitidos de

geração em geração. Comumente quem faz grande parte do trabalho é o chefe da família,

representado pela figura do patriarca, com algumas exceções, sendo de sua responsabilidade

realizar os tratos culturais e manter as áreas do cultivo do fruto. Somente é recrutado trabalho

acessório quando são necessárias a realização da colheita e a retirada da casca desses frutos,

que em alguns casos já são adquiridos descascados pelos atravessadores. Essa organização do

trabalho familiar também reafirma o caráter camponês desses produtores, a partir do que ainda

indica Paulino (2012).

Com um predomínio quase que absoluto de coqueiros gigantes nesses espaços

localizados próximos ao litoral, os produtores os cultivam de maneira semiextensiva e, por

vezes, quase que extrativista, com uma rarefeita aplicação de adubos e com os tratos culturais

realizados esporadicamente, como a limpeza do coqueiral e da copa dos coqueiros. Como são

mais resistentes à escassez hídrica e aos ataques de pragas, essas árvores não são irrigadas e

nem contam com a aplicação de agrotóxicos, o que implica diretamente uma progressiva

redução do seu potencial produtivo. Entretanto, conforme informaram os produtores

entrevistados nas três comunidades visitadas, isso, aos poucos, vem mudando.

Segundo eles, é notável o crescente aumento do interesse em “cuidar melhor” dos

coqueiros, o que significa uma intensificação dos tratos culturais e uma utilização cada vez

maior de insumos. Ainda de acordo com esses produtores, nos últimos cinco anos, após baixos

índices de produtividade, eles começaram a adubar os coqueiros, prática anteriormente não

muito comum, além de fazer o coroamento das árvores e arar o solo a cada ano, o que faz a

produção aumentar. Um desses entrevistados revela: “de primeiro não se cuidava do coqueiro,

eles eram deixados à própria sorte, mas agora todo mundo tá cuidando, botando adubo sempre

que dá... a gente já sabe que quanto mais cuidar do coqueiro mais frutos ele vai nos dar, por

isso estamos investindo mais”.

Essa e várias outras características do cultivo de coco realizado nos espaços produtivos

localizados próximos ao litoral foram observadas in loco nas três comunidades visitadas. Uma

delas, a comunidade dos Caetanos de Cima, um assentamento situado em Amontada,

caracteriza-se por ser um local com uma considerável concentração de coqueiros, o que garante

grande parte da renda das famílias aí assentadas. De acordo com os produtores entrevistados,

quem não é pescador, não tem um emprego fixo ou aposentadoria e nem recebe o Bolsa Família,

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vive exclusivamente da venda do coco e da agricultura de subsistência. Nos Caetanos, existem

cultivos somente para completar as necessidades alimentares da família, o que não é o caso do

coco, já que ele é cultivado com o objetivo claro de atender o mercado.

Os coqueiros também são importantes por permitirem a prática do consorciamento com

outros produtos, a exemplo de graviola, ata (fruta do conde), acerola, murici, banana, cana-de-

açúcar, batata-doce, mamão e seriguela, além da própria mandioca, do feijão e do milho, que

dividem o mesmo espaço nos cercados existentes na comunidade, porém com uma

predominância absoluta dos coqueiros gigantes (fotos 13 e 14). Além do cultivo dessa

variedade, o de coqueiro anão vem se expandindo bastante, conforme relataram os produtores,

uma vez que a procura por coco verde os fez investir também em plantios de anão, com a

intenção de comercializar os seus frutos, atualmente consumidos apenas na comunidade e por

turistas nas barracas de praia, o que contribui para a diversificação da produção do fruto.

Fotos 13 e 14 – Cultivo de coqueiro gigante na comunidade dos Caetanos de Cima, em Amontada/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Já na comunidade do Maceió, um outro assentamento, localizado em Itapipoca, o plantio

de coqueiros, além de representar uma segurança financeira para os seus produtores, é sinônimo

de resistência e de luta pela terra, visto que antigamente, há uns 30 anos, esse cultivo era

proibido no território que hoje abriga esse assentamento, pertencente a um grande fazendeiro,

que alegava que, se se plantassem coqueiros, essas árvores no futuro poderiam servir para

legitimar a posse da terra daqueles que a exploravam. E foi justamente por causa do cultivo de

coco que o assentamento surgiu, como uma forma de barrar a expansão das fazendas de

propriedade do ex-governador Tasso Jereissati, conforme relataram os produtores entrevistados

e a partir da leitura de Rodrigues (2000), haja vista que essas fazendas se localizavam nos

arredores do atual espaço ocupado pelo assentamento e se expandiam para áreas ocupadas pelos

camponeses do Maceió, que se mobilizaram e conseguiram a demarcação de seus territórios.

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Assim como nos Caetanos, no Maceió os coqueiros estão por toda a comunidade (foto

15) e representam a principal fonte de renda das famílias, ao lado da farinha de mandioca. Todos

da comunidade possuem os seus próprios coqueiros, majoritariamente da variedade gigante,

cultivados de forma semiextensiva, objetivando a produção de coco seco, que, além de

comercializados, são amplamente consumidos pelos produtores. O trabalho de Cajado (2013)

mostra ainda que no Maceió o cultivo de coco tem uma relação bastante intrínseca com a

produção de feijão, milho e mandioca, cultivados entre os coqueiros, e ainda com a atividade

pesqueira, em razão da utilização de pedaços de coco seco como isca para atrair as lagostas,

indicando a importância que o fruto tem para o bom desempenho em outras atividades que

chegam a ser complementares.

Enquanto que em Almofala, localizada em Itarema, mais precisamente na comunidade

indígena dos Tremembé126, o coqueiro representa uma forma de preservar as tradições dos

antepassados, responsáveis por difundirem a produção e o consumo de coco. De acordo com o

líder indígena entrevistado, que também é produtor do fruto, todos na comunidade têm seus

próprios coqueiros, que além de fornecer coco para o consumo, abastecem também os

atravessadores inseridos no negócio da venda de coco seco. Esse produtor conta ainda que o

modo de cultivar o fruto não mudou muito com o tempo, mas que o coroamento e a adubação

passaram a ser realizados pelo menos uma vez por ano. Apesar da grande concentração de

coqueiro gigante (foto 16), o cultivo de coqueiro anão cresce significativamente.

Foto 15 – Cultivo de coqueiro gigante na Foto 16 – Cultivo de coqueiro gigante na

comunidade do Maceió, em Itapipoca/CE. comunidade de Almofala, em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Assim, de um modo geral, percebe-se que a importância do coco e dos coqueiros para

as comunidades do litoral pouco tem a ver com o contexto da reestruturação produtiva a qual

126 Essa comunidade sofre com ameaças de grandes fazendas que produzem coco dentro das terras indígenas, como

veremos no capítulo 5.

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estamos analisando. Além disso, apesar de esses frutos também serem produzidos para atender

o mercado, a dimensão que permeia o seu cultivo foge à lógica meramente produtivista que visa

o lucro a qualquer custo, característica nitidamente observada em outros espaços de produção

de coco. É tanto que as dinâmicas que permeiam o circuito espacial produtivo desse fruto ainda

conseguem preservar relações não propriamente capitalistas em certos momentos, a exemplo

do que foi observado nos Caetanos, onde encontramos uma proprietária de um pequeno

comércio que troca as mercadorias por coco, o qual acaba funcionando como uma moeda que

substitui, de certa forma, o dinheiro.

b) Os espaços de produção de coco localizados no interior dos municípios litorâneos

No interior dos seis municípios analisados há uma pluralidade de tipos de espaços de

produção de coco, continuando a ser os mais comuns os sítios, as fazendas e os assentamentos,

além dos perímetros irrigados, que representam um espaço à parte. A grande maioria desses

estabelecimentos surgiu apenas nos últimos 20 anos, conforme informaram seus proprietários,

em virtude da dispersão do cultivo de coqueiros gigantes anteriormente concentrado nas

comunidades litorâneas e devido ao considerável aumento da demanda por coco verde, que fez

com que surgissem áreas de cultivo de coqueiro anão e híbrido para suprir essa demanda.

Em todos os seis municípios a presença de coqueiros já é corriqueira no litoral.

Entretanto, o interior desses municípios também está, aos poucos, sendo tomado por coqueiros,

cultivados até uns 20 quilômetros de distância da costa, em uma unidade geoambiental

conhecida como tabuleiros pré-litorâneos, que, além de ser influenciada pelo regime

pluviométrico da planície litorânea, apresenta solos arenosos propícios ao desenvolvimento das

árvores. Nessa área, as três variedades de coqueiro são abundantemente encontradas, contudo

com uma significativa expansão e predominância dos cultivos das variedades anã e híbrida.

A visão do coqueiro como integrante da cultura local passa a ser completamente

modificada à medida que nos afastamos do litoral. O cultivo de coco começa a atender

majoritariamente as necessidades do mercado, havendo uma progressiva redução do consumo

do fruto, visto agora apenas enquanto atividade econômica, com exceção do observado em

alguns sítios, onde o coqueiro continua possuindo uma espécie de “valor sentimental”. Para a

maioria dos outros produtores que foram entrevistados, porém, o “coqueiro é sinônimo de

lucro”, nada mais do que isso. Assim, fica visível a dualidade existente entre a produção

realizada no litoral e a praticada no interior, já que os objetivos são completamente distintos e

a acumulação de capital pesa mais do que a reprodução das famílias em muitos casos.

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Os coqueirais já marcam fortemente a paisagem do interior desses municípios, o que

chega a surpreender os visitantes não habituados a ver uma grande concentração de coqueiros

distante do litoral. Em Trairi, por exemplo, essas árvores estão por todos os lados. De acordo

com o secretário de agricultura desse município, esse fruto é o principal produto agrícola local

e chega a ser um dos únicos que não visa somente a subsistência dos produtores, já que a sua

produção é praticamente toda comercializada. Ainda de acordo com esse secretário, o coco é

também o único produto agrícola cultivado em Trairi que não se insere completamente na

categoria de agricultura de sequeiro, uma vez que os novos plantios de coqueiro anão e híbrido

são praticamente todos irrigados por microaspersores.

Adjetivado como o “ouro da terra”, o coco em Trairi assume um papel muito importante,

garantindo o sustento de inúmeras famílias, que trabalham tanto na produção agrícola quanto

no processamento industrial e na comercialização dos frutos. Trairi é hoje o principal produtor

de coco do Ceará, e o oitavo maior do Brasil, devido à grande concentração de sítios e fazendas

que cultivam o fruto, sobretudo aquelas que se localizam nos arredores da sede do município.

Também de acordo com o secretário de agricultura: “os novos plantios de coqueiro vêm

aumentando bastante, uma vez que muitos produtores estão abandonando os antigos plantios,

como o de caju, e se dedicando inteiramente ao cultivo de coco”.

Já em Itarema, os coqueiros também estão por todo o município, sendo cultivados de

maneira semiextensiva no litoral e de maneira intensiva no interior, local onde observamos uma

expansão dos cultivos de anão e híbrido, especialmente em grandes fazendas recém-instaladas.

Além disso, a área urbana da cidade é completamente cercada por essas fazendas de coco,

encontradas em quaisquer que sejam as direções, como observado na foto 17, a seguir. Assim

como observado em Trairi, a produção do fruto em Itarema é uma das únicas que é irrigada, e

que, de acordo com o secretário de agricultura, é a atividade agrícola de maior importância do

município, que possui uma produção agropecuária não muito diversificada.

Em Acaraú observamos um contexto de produção de coco bastante heterogêneo, onde é

possível encontrar desde fazendas que atuam nos moldes do agronegócio, muitas delas com

enormes proporções, até comunidades camponesas com pequenos sítios e também

assentamentos estaduais e um perímetro irrigado federal. Talvez Acaraú seja o município que

melhor representa a atual configuração socioespacial e produtiva do coco no Ceará, em virtude

da diversidade de locais que cultivam o fruto (foto 18). Os novos e modernos plantios só tiveram

início depois dos anos 2000, e no perímetro irrigado somente depois dos anos 2010, fazendo

desse município um dos que mais foram atingidos pela reestruturação produtiva.

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De acordo com o secretário de agricultura de Acaraú, à medida que o coco se expande

pelo município observa-se uma redução de outros cultivos, como o de caju, representando o

desenrolar de uma importante reconversão da produção agrícola local. Os produtores de caju

estão indo para o coco sobretudo pelo fraco rendimento advindo da venda de castanha diante

do crescimento da demanda por coco verde. E segundo o presidente do sindicato dos

trabalhadores rurais de Acaraú, o cultivo de coco é atualmente uma das mais importantes fontes

de emprego e renda do município, gerando o maior número de empregos no campo, posto

anteriormente ocupado pela produção de castanha.

Foto 17 – Produção de coco realizada Foto 18 – Presença de fazendas de coco às margens

dentro da zona urbana de Itarema/CE. da rodovia que corta o município de Acaraú/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

A maneira como o coco é produzido nos seis municípios vai depender dos espaços onde

essa produção é realizada, fazendas ou sítios, que se distinguem especialmente no que tange à

área cultivada, aos sistemas técnicos utilizados e ao objetivo principal da produção. As

fazendas, grosso modo, possuem a partir de 50 hectares e muitas delas passam dos 1.000

hectares cultivados com coqueiros, diferentemente dos sítios, que ocupam uma área média de

até 10 hectares. Os sistemas técnicos encontrados nas fazendas são muito mais modernos e

utilizados constantemente, e a produção aí realizada tem a finalidade de atender o mercado e

não é consumida pelos produtores, diferentemente do observado nos sítios.

Durante os trabalhos de campo constatamos que os seis municípios possuem inúmeras

fazendas, que chegam a ocupar juntas milhares de hectares plantados com coqueiros. Podemos

afirmar que elas são fruto direto da reestruturação produtiva do setor, uma vez que surgiram em

sua maioria apenas nos últimos 20 anos e visam basicamente a produção de coco verde. É

também em tais fazendas onde se difunde primeiramente o novo pacote técnico-científico

utilizado para modernizar o processo produtivo do coco. Essas fazendas são responsáveis ainda

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por introduzir uma lógica empresarial no cultivo dos frutos, já que o aumento da produtividade

e dos lucros são seus objetivos principais.

Após visitarmos 12 fazendas e entrevistarmos grandes produtores, é possível indicar

algumas características comuns a todas elas, objetivando compreender como o coco é aí

cultivado e quais as principais relações que permeiam essa produção. De um modo geral, seus

proprietários atuam em outros ramos, não propriamente agrícolas, e o cultivo de coco não é a

única atividade por eles realizada, visto como mais uma possibilidade de ampliação de seus

rendimentos. No entanto, comumente nessas fazendas são cultivados apenas coqueiros, quase

nunca consorciados com outros cultivos menores, ao contrário do que ocorre nos outros espaços

de produção do fruto.

Cada uma das fazendas cultiva a partir de mil coqueiros, podendo chegar facilmente a

200 ou 300 mil pés, em sua maioria das variedades anão e híbrida; todavia, em algumas dessas

fazendas ainda há um importante cultivo de coqueiro gigante, mas que progressivamente está

sendo substituído por variedades mais produtivas. Devido ao grande número de unidades de

coqueiro cultivados, a quantidade de coco produzida em cada fazenda também é muito grande,

chegando a 200 mil frutos por mês, quase sempre coco verde, mas dependendo do

comportamento do mercado privilegia-se também o coco seco. Nas maiores fazendas a

produção normalmente chega a 6 milhões de frutos por ano.

As inovações utilizadas no processo produtivo do coco são amplamente difundidas

nessas fazendas. Todos os coqueiros são irrigados, por vezes até mesmo os gigantes, e em várias

fazendas é possível encontrar o sistema de fertirrigação; além disso, a utilização de insumos

químicos e orgânicos é corriqueira em todas elas. O uso e a posse de máquinas agrícolas também

são comuns, sendo as mais encontradas os tratores, os arados, as grades e os pulverizadores

motorizados. O diferencial dessas fazendas é a utilização da mão de obra de técnicos agrícolas

para vistoriar o coqueiral, atividade realizada a cada mês ou semestre, como também a

realização de análises de solo e foliar em laboratórios especializados.

Na maioria das vezes, os proprietários de tais fazendas não moram nos munícipios onde

elas estão instaladas, ou não moram dentro de suas propriedades, de modo que as atividades

relacionadas à produção dos frutos ficam a cargo dos administradores rurais ou dos moradores,

responsáveis por gerir a fazenda e prestar contas com os seus proprietários ao final de cada mês.

A fazenda pode até ser caracterizada como um empreendimento familiar, mas não é a família

quem realiza as principais atividades, diferentemente do observado nas comunidades litorâneas,

nos sítios e nos assentamentos. Quem realiza o trabalho são funcionários contratados, diaristas

e/ou assalariados, que se encarregam de todo o processo produtivo.

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Já nos sítios, a maneira como o coco é produzido e as relações sociais que permeiam

essa atividade se assemelham muito com o observado nas comunidades litorâneas,

diferenciando-se bastante da produção realizada nas fazendas. De acordo com o observado em

seis sítios visitados em Trairi e a partir de entrevistas realizadas com pequenos produtores,

percebemos que a maioria deles começou cultivando coqueiro gigante e só recentemente passou

a cultivar também o anão (foto 19). Em uma área que dificilmente ultrapassa 10 hectares, há

uma grande concentração de coqueiros dividindo o mesmo espaço com os outros cultivos,

sobretudo feijão, milho e mandioca (foto 20), e com a criação de pequenos animais. Esses

produtos são consumidos pela própria família e/ou doados aos vizinhos, indicando que se trata

de uma produção essencialmente camponesa.

Foto 19 – Plantio de coqueiros Foto 20 – Coqueiros e cultivos diversos

gigantes em um sítio em Trairi/CE. produzidos em um sítio em Trairi/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2014.

Contudo, apenas o coco é comercializado, seja seco ou verde, fornecendo os maiores

rendimentos para as famílias que o produz, conforme relatou um produtor: “Não é fácil viver

só da agricultura [milho, feijão, mandioca]... o que segura mesmo é a venda do coco. O coco é

sinal de garantia de alguma coisa, diferente dos outros cultivos, que andam muito fracos. É o

coqueiro que mantém as famílias, e é dele de onde vem a única renda que a gente tem no ano,

fora as ajudas do governo. Quem tem coqueiro tem até crédito no comércio, porque sempre tem

uma produçãozinha, sempre a gente tem algum dinheiro”. E toda essa produção é revendida

exclusivamente via atravessadores.

O cultivo de coqueiro nesses sítios é uma mescla de modos semiextensivo e intensivo

de produção, dependendo sempre das condições financeiras de seus produtores. A adubação

orgânica é realizada anualmente, podendo o esterco ser produzido até mesmo no próprio sítio,

reduzindo gastos. Já a posse de máquinas agrícolas é restrita, utilizadas somente por meio do

aluguel de tal maquinário. A irrigação, a pulverização e a adubação química são observadas

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apenas nos coqueiros anões, isso quando são realizadas, já que não são todos os produtores que

dispõem de renda extra para investir no coqueiral.

Nos seis sítios visitados, além de outros observados à distância, os produtores moravam

dentro do estabelecimento, dividindo-o entre espaço de moradia e espaço de trabalho. Nesses

sítios, a família é a responsável por desempenhar todas as atividades, e ao patriarca ou ao filho

mais velho é delegada a função de manter o coqueiral, recrutando diaristas somente quando o

trabalho aumenta, como na aplicação dos adubos e na limpa dos coqueiros, ou então na colheita

dos frutos, quando não são os atravessadores que a realizam. Infere-se que a produção de coco

em sítios se expande na mesma proporção que é ampliada nas fazendas, visto que também os

pequenos produtores já se deram conta da grande rentabilidade proporcionada por esse cultivo.

Outro exemplo de espaços de produção de coco localizados no interior dos municípios

litorâneos são os assentamentos, encontrados sobretudo em Itarema, Acaraú, Itapipoca e

Amontada. Grosso modo, eles possuem as mesmas características dos assentamentos

encontrados ao longo do litoral, entretanto sem quaisquer ligações com o mar, e têm os

coqueiros ocupando espaços predeterminados, e não dispostos aleatoriamente, como

identificado nas comunidades litorâneas. Esses assentamentos começaram a produzir coco

porque viram no fruto a melhor possibilidade de realizar uma atividade que oferecesse um

retorno capaz de compensar os gastos com a sua produção, não observado nos demais cultivos.

Em Acaraú, por exemplo, todos os assentamentos aí localizados produzem coco,

conforme informou o representante dos assentamentos na secretaria de agricultura do

município, que indicou ainda que o cultivo de coqueiros começou no início dos anos 2000, a

partir de financiamentos obtidos através do Pronaf127 e do projeto do São José, do governo

estadual. O diferencial desses cultivos realizados nos assentamentos é que todos eles são de

coqueiros híbridos e que não visam o consumo dos assentados, e sim a comercialização de coco

seco para as fábricas e/ou os atravessadores da região.

Um desses assentamentos que produzem coco em Acaraú é o Cedro, que existe desde

1998 e conta com 22 famílias assentadas em uma área de 800 hectares, dos quais 30 são

cultivados com 3.200 coqueiros híbridos. De acordo com o presidente da associação que

representa o assentamento, são realizadas cinco colheitas de coco seco por ano, totalizando de

20 a 80 mil frutos por colheita, dependendo do período do ano. A escolha em produzir coco

seco, e não verde, deve-se ao fato de a produção já possuir um comprador certo: o proprietário

de uma agroindústria localizada no município vizinho, Itarema. Os coqueiros são todos

127 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, do Governo Federal, encarregado de conceder

crédito aos produtores rurais.

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irrigados por microaspersores diariamente, são adubados semestralmente e não são

pulverizados, garantindo uma produção 100% orgânica.

O que chama atenção no Cedro, bem como em outros assentamentos de Acaraú, é que

os coqueiros aí cultivados são comunitários, ou seja, a produção de coco é realizada

coletivamente por todos os assentados128, isso porque esse assentamento é dividido em áreas de

uso individual e uso coletivo. Nas áreas de uso individual, que vão de 2 a 5 hectares, são

cultivados milho, feijão e mandioca, para suprir as necessidades da família que os cultiva.

Também existem áreas coletivas e individuais cultivadas com caju. Já na área coletiva, de 30

hectares, é cultivado exclusivamente o coco, tratando-se de uma área na qual todo assentado

trabalha uma vez por semana, onde cada família é responsável por dedicar um dia de trabalho

para realizar as atividades necessárias para manter o coqueiral129.

O presidente da associação informou que desde o começo sempre existiu essa área

coletiva dedicada ao cultivo de coco, e que a compra das mudas, o preparo do terreno e o plantio

foram feitos a partir de empréstimos obtidos via Pronaf, por volta de 2001. Ainda de acordo

com esse entrevistado, o que sustenta hoje o assentamento é a venda do coco, que garante a

compra do adubo, o aluguel das máquinas agrícolas, a manutenção da casa de farinha e da sede

da associação, o reparo nas cercas e nas bombas hidráulicas etc. Assim, o lucro com a venda do

coco é revestido em prol da comunidade, não existindo margem para lucros individuais.

O principal destino do dinheiro obtido com a venda do coco é também o pagamento das

dívidas referentes à aquisição das terras, valor que é repassado ao órgão estadual responsável

pela demarcação do assentamento130. O presidente da associação relata: “Aqui o coco é mais

do que uma atividade econômica, ele representa nossa autonomia e a conquista da terra. É do

coco que sai o dinheiro que garante a sobrevivência do nosso assentamento. Além do mais, aqui

ninguém trabalha para ter lucro, a gente trabalha para alimentar nossas famílias e para pagar a

dívida de aquisição das terras. E isso quem nos possibilita é a produção de coco”. Desse modo,

o pagamento da terra fica condicionado ao mercado do coco, como assevera Oliveira (2005),

explicitando que a produção de coco visa, antes de mais nada, a manutenção e, sobretudo, a

sobrevivência do próprio assentamento.

128 Em um estudo sobre alguns assentamentos localizados em Acaraú, Oliveira (2005) também demonstrou o

caráter coletivo da produção de coco aí realizada, questão abordada ainda em Oliveira e Pereira (2011). 129 Prática comum também no Assentamento Maceió, porém com algumas diferenças. De acordo com Rodrigues

(2005, p. 11), existem no Maceió “campos comunitários” formados pelos cultivos de coqueiro, onde os

camponeses dão semanalmente um dia de trabalho e a produção obtida nesses campos é dividida em partes iguais,

de acordo com a quantidade de famílias que participa do trabalho. 130 O IDACE (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará), semelhante ao INCRA.

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Assim, como vimos, os distintos espaços de produção de coco localizados no interior

dos seis municípios visitados possuem múltiplas dinâmicas, onde são muitas as variáveis que

os diferenciam, entre outras: o tamanho dos estabelecimentos, as variedades cultivadas, as

técnicas utilizadas, o objetivo principal da produção, a organização do trabalho, a

comercialização e o caráter empresarial e/ou familiar da atividade. Contudo, apesar de distintos,

esses espaços são atingidos conjuntamente pelo processo de reestruturação produtiva do setor,

mesmo que com intensidades diferenciadas.

c) Os espaços de produção de coco localizados nos perímetros irrigados

Conforme apresentado no subcapítulo sobre a organização espacial da produção

brasileira de coco, nos últimos anos nota-se uma forte concentração desse cultivo nos

perímetros irrigados nordestinos, e também cearenses131. Desse modo, com a reestruturação do

setor, observamos a emergência desses novos espaços de produção do fruto no Ceará, onde o

cultivo é organizado a partir de lógicas completamente diferentes das observadas no litoral, por

exemplo. É especialmente nesses perímetros irrigados onde o capital vem encontrando meios

mais favoráveis de se difundir e territorializar, e onde observa-se uma intensa difusão de

diversas inovações técnico-científicas e agronômicas associadas ao moderno cultivo de coco.

Com isso, percebe-se que muitos dos perímetros irrigados do Ceará estão se

especializando no cultivo exclusivo de coqueiro anão e na produção de coco verde, alterando

significativamente a forma e o conteúdo desses espaços, dotando-os de novas características

diferentes das observadas até então. Nesses perímetros já é possível encontrar as maiores

concentrações do cultivo de coqueiro anão de todo o Ceará, produzidos nos lotes agrícolas

existentes nesses espaços, assistidos por uma ampla rede de irrigação e que por esse motivo se

transformaram no lócus do cultivo dessa variedade de coqueiro. Além do cultivo exclusivo de

coqueiro anão, a produção desses perímetros visa majoritariamente suprir as necessidades do

amplo mercado de água de coco espalhado pelo país.

Seguindo a tendência nacional, foi somente por volta dos anos 1990 que se iniciou a

produção de coco nesses perímetros, uma vez que até esse período nenhum deles produzia o

fruto em escala comercial. Atualmente, nove perímetros irrigados cearenses já produzem

coco132 e 12 já possuem coqueiros plantados133, somando no ano de 2012 mais de 51 milhões

131 Acerca dos perímetros irrigados cearenses, ver Diniz (2002). 132 São eles: Araras Norte, Baixo Acaraú, Curu-Paraipaba, Curu-Pentecoste, Forquilha, Icó-Lima Campos,

Jaguaruana, Morada Nova e Várzea do Boi. 133 Além dos perímetros cujos coqueiros já estão produzindo, também apresentam plantios os perímetros Ema,

Jaguaribe-Apodi e Tabuleiro de Russas.

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de frutos colhidos e por volta de 4.600 hectares cultivados com coqueiros, conforme apontam

os dados fornecidos pelo Serviço de Monitoramento da Produção dos Perímetros Irrigados

(SMPPI/DNOCS)134. A título de informação, existem 14 perímetros irrigados no Ceará,

construídos e mantidos pelo Governo Federal via DNOCS, sendo possível verificar a existência

de um plantio de coco em 12 deles, anteriormente inexistente.

Ao analisarmos os dados de produção e de área plantada de todos os perímetros irrigados

cearenses, entre os anos de 2000 e 2012, é possível perceber a grande importância do cultivo

do coco nesses espaços, conforme indicado na tabela abaixo (tabela 29). Enquanto em 2000 o

coco ocupava 23% da área plantada nos perímetros irrigados, em 2012 esse índice caiu para

17%, demonstrando uma redução da participação do fruto na área total plantada, que aumentou.

No entanto, mesmo assim o coco já ocupava em 2012 a segunda maior área plantada nos

perímetros do Ceará, atrás somente do cultivo de milho, que preenchia 19% da área total

plantada, tornando-se o fruto mais cultivado nesses espaços, especializados na produção de

mamão, melão e banana, e agora também coco.

Tabela 29 – Perímetros irrigados do Ceará. Área total plantada e área total plantada com coco (em

hectares), e participação do coco no total plantado (em %). 2010 – 2012.

2000 2012

Área total 11.266 25.836

Área coco 2.592 4.606

% coco 23,01 17,83

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Entre 2000 e 2012, a área plantada com coqueiros nos perímetros irrigados cearenses

praticamente dobrou e apresentou um aumento de 77% (tabelas 30 e 31), indicando que os

irrigantes135 estão investindo cada vez mais no cultivo do fruto em detrimento de antigas

plantações, que estão sendo substituídas pela de coco, a exemplo da considerável redução dos

cultivos de cana-de-açúcar, banana e mamão em diversos perímetros, abrindo margem para um

importante processo de reconversão produtiva nesses espaços. Além da expansão da área

plantada, a quantidade produzida com coco também apresentou um aumento nos perímetros, de

52%, com perspectivas de crescimento, uma vez que inúmeros coqueiros ainda não estão em

idade produtiva, atingida normalmente de dois a três anos após realizado o plantio das mudas,

134 Destaca-se que os dados divulgados pelo DNOCS e pelo IBGE não são os mesmos, em virtude de ambos os

órgãos utilizarem metodologias diferentes para a coleta e a divulgação desses dados. Adverte-se, ainda, que o

DNOCS não realizava esse levantamento em períodos anteriores a 2000. 135 Irrigantes são aqueles produtores que estão instalados em perímetros irrigados. Dependendo do perímetro, eles

também podem ser chamados de “colonos”.

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e em virtude do aumento de novos lotes agrícolas que passaram a cultivar coco, conforme

observado nos trabalhos de campo em dois desses perímetros irrigados.

Tabela 30 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade

produzida de coco (em unidades). 2000 – 2012.

2000 2012

Área plantada 2.592 4.606

Quantidade produzida 33.782.320 51.538.950

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Tabela 31 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade

produzida de coco (em unidades). Variações absoluta e relativa (em %). 2000 – 2012.

Variação absoluta Variação relativa

Área plantada 2.013 77,70

Quantidade produzida 17.756.630 52,56

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Dentre os nove perímetros que produzem coco no Ceará, além dos outros três em que a

produção ainda não começou, o destaque vai especialmente para aqueles localizados nos vales

dos rios Curu e Acaraú. Juntos, os perímetros Curu-Paraipaba, Curu-Pentecoste, Araras Norte

e Baixo Acaraú, identificados abaixo (imagem 13), concentravam em 2012 aproximadamente

99,5% do coco produzido por esses espaços no Estado, além de 95,8% da área cultivada com

coqueiros (tabela 32). Nota-se, dessa forma, que a produção de coco de todos os perímetros

irrigados do Ceará se dá basicamente nesses quatro, indicando uma forte especialização

territorial produtiva, configurando-os como importantes locais de cultivo do fruto.

Imagem 13 – Localização dos perímetros irrigados especializados no cultivo de coco no Ceará.

Fonte: Google Earth, 2012. Adaptação: Cavalcante, 2014.

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Desses quatro perímetros, destaca-se o Curu-Paraipaba, principal polo de produção de

coco verde do Ceará e um dos mais importantes do país, concentrando em 2012 mais da metade

de tudo o que foi produzido (61%) e da área plantada (55%) com o fruto dentre todos os

perímetros irrigados cearenses, como indicado na tabela 32. Ressalta-se que em 2000 a

participação do Curu-Paraipaba era muito maior, já que ele concentrava sozinho 82% da área

plantada com coqueiros e 93% da quantidade produzida com coco. Além disso, esse perímetro

foi o primeiro a cultivar coco no Ceará, no final dos anos 1980. Essa participação do Curu-

Paraipaba no total produzido é reduzida à medida que novos perímetros passam a se especializar

no cultivo do fruto, notadamente o Baixo Acaraú, onde essa produção, iniciada somente por

volta de 2005, mais se expande nos últimos anos.

Tabela 32 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade

produzida de coco (em unidades) e proporção em relação ao total do Ceará (em %). 2000 – 2012. 2000 Proporção 2012 Proporção

Araras Norte Área plantada 232 9,0 236 5,14

Quant. produzida 0 - 2.098.240 4,07

Baixo Acaraú Área plantada 0 - 1.302 28,27

Quant. produzida 0 - 12.718.600 24,68

Curu-Paraipaba Área plantada 2.122 81,87 2.533 55,00

Quant. produzida 31.373.730 92,87 31.820.570 61,74

Curu-Pentecoste Área plantada 224 8,7 338 7,36

Quant. produzida 2.336.300 6,92 4.637.210 9,00

Todos os perímetros

do Ceará

Área plantada 2.592 - 4.606 -

Quant. produzida 33.782.320 - 51.538.950 -

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Além disso, é considerável o peso que a produção de coco exerce nesses quatro

perímetros. Analisando apenas a variável área plantada (tabela 33), nota-se que o fruto já ocupa

mais da metade do total cultivado no Curu-Pentecoste e em praticamente toda a área do Curu-

Paraipaba. No Araras Norte, as maiores áreas plantadas são ocupadas pelos cultivos de banana

e mamão, e no Baixo Acaraú a maior parte plantada já é com coco, onde observamos ainda uma

produção importante de banana e mamão. Entretanto, após entrevistarmos os produtores desse

último perímetro, notamos o grande interesse em substituir os outros cultivos exclusivamente

pelo coco devido à alta rentabilidade advinda com a comercialização do fruto, com o foco no

mercado de água de coco, processo esse que já ocorreu no Curu-Paraipaba, quando substituiu-

se a produção de cana-de-açúcar pela de coco.

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Tabela 33 – Perímetros irrigados do Ceará. Área total plantada e área total plantada com coco (em

hectares), e participação do coco no total plantado (em %). 2010 – 2012.

2002 2012

Área

total

Área

coco

%

Coco

Área

total

Área

coco

%

Coco

Araras Norte 488 232 47,54 876 236 27,03

Baixo Acaraú 165 0 0,00 4.887 1.302 26,64

Curu-Paraipaba 2.835 2.122 74,83 3.155 2.533 80,29

Curu-Pentecoste 535 224 41,91 660 338 51,29

Todos os perímetros

do Ceará 11.266 2.592 23,01 25.836 4.606 17,83

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.

Assim, ao se difundir e se territorializar nesses espaços, a produção de coco passa a ditar

importantes modificações, tanto na estrutura produtiva quanto na estrutura espacial de tais

perímetros irrigados, implicando uma refuncionalização de seus usos e uma reorganização das

relações sociais aí estabelecidas. Cada um desses quatro perímetros especializados no cultivo

de coco no Ceará apresenta uma série de dinâmicas que lhes são próprias, com importantes

particularidades inerentes à configuração histórico-geográfica de cada um deles. Por esse

motivo, os processos relacionados à produção do fruto em tais perímetros também apresentam

características relativamente distintas.

Durante os trabalhos de campo realizados nos perímetros Curu-Paraipaba e Baixo

Acaraú136, procurou-se observar as principais dinâmicas inerentes à produção de coco aí

realizada. Nos dois perímetros todos os coqueiros são irrigados por microaspersão, contam com

a aplicação de adubos, orgânicos e químicos, defensivos e fertilizantes, e são assistidos também

por máquinas agrícolas. Os frutos são colhidos mensalmente, na maioria das vezes ainda verdes,

e encaminhados diretamente para seus compradores, sejam eles agroindústrias, atravessadores

e/ou consumidores finais. Além disso, em ambos os perímetros encontramos empresas de

processamento de água de coco.

No Curu-Paraipaba, todos os lotes agrícolas tinham inicialmente um caráter familiar,

não passando dos 4 hectares cada, perímetro onde há uma maior concentração de pequenos

produtores cultivando o fruto, ao passo que no Baixo Acaraú existem tanto lotes familiares, que

chegam aos 8 hectares, quanto lotes empresariais, chegando aos 54 hectares cada137. Por ter

sido o primeiro perímetro irrigado a produzir coco no Ceará, as dinâmicas observadas no Curu-

Paraipaba são muito mais densas e complexas, e por esse motivo as apresentaremos somente

136 Trabalhos de campo que ocorrem em dois momentos, o primeiro deles em 2011 e o segundo em 2014. 137 Destacamos que um único produtor pode adquirir quantos lotes pretender.

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no subcapítulo seguinte, diferentemente do Baixo Acaraú, onde a produção de coco ainda está,

de certa forma, no início, mas já possuindo dinâmicas bastante particulares.

O cultivo de coco se expande progressivamente nesse último perímetro, motivado

especialmente pela maior disponibilidade de terras e de água, em virtude da sua recente

construção, finalizada em 2000. Mas foi somente em 2005 que se passou a cultivar coco nesse

espaço, atividade iniciada por produtores oriundos do Curu-Paraipaba. De acordo com o diretor

da associação que gere o Baixo Acaraú, no começo todos os produtores cultivavam melão para

exportação, depois teve um período de produção de goiaba e agora o principal cultivo realizado

no perímetro é o de coco, além de uma importante produção de banana. Ainda segundo o diretor

entrevistado, foi o mercado aquecido de coco verde que motivou os produtores a investirem

nesse cultivo, além da importante infraestrutura hídrica aí instalada, como vemos na foto 22.

Foto 21 – Plantio de coqueiro anão no Foto 22 – Canal que distribui água no

perímetro irrigado Baixo Acaraú, em Acaraú/CE. perímetro irrigado Baixo Acaraú, em Acaraú/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Ainda de acordo com o citado diretor, e como informaram os produtores entrevistados,

a produção de coco nesse perímetro já nasceu moderna, com o espaçamento correto, a

realização mensal da adubação e da pulverização e a instalação de microaspersores e a

utilização da fertirrigação nos coqueiros. Além disso, muitos são os produtores que contratam

serviços de técnicos agrícolas e realizam semestralmente análises foliar e de solo em

laboratórios especializados. Assim, a produtividade do Baixo Acaraú já chega a ser maior do

que a observada no Curu-Paraipaba, por exemplo, indicando o fortíssimo potencial para ser um

dos novos principais polos da produção de coco verde no Ceará.

Atualmente quem contribui para a difusão da produção de coco no Baixo-Acaraú são

sobretudo os produtores de Mato Grosso, como também alguns do Paraná e de Goiás, além dos

oriundos do perímetro Curu-Paraipaba. Conforme fomos informados durante os trabalhos de

campo, dezenas de produtores mato-grossenses estão chegando no Baixo-Acaraú e comprando

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diversos lotes de uma única vez com o objetivo expresso de cultivar coco; de acordo com um

deles, basicamente todos os novos produtores são de Sapezal e de Tangará da Serra, que ainda

continuam com suas produções de soja, milho e algodão em suas terras de origem, mas que

agora se somam aos cultivos de coco realizados no perímetro irrigado. Assim, aos poucos cada

vez mais grandes produtores investem na produção do fruto no Baixo Acaraú, bem como em

outros perímetros, notadamente aqueles localizados no Vale do Jaguaribe.

Essa migração de grandes produtores oriundos das mais diversas partes do país em

direção aos perímetros irrigados cearenses para cultivar coco indica sobretudo o crescente

interesse que a produção do fruto passou a despertar, contribuindo para acirrar a territorialização

do capital nesse setor, elevando-o a patamares anteriormente inimagináveis, ao ponto de fazer

com que produtores já habituados em atuar com grandes cultivos nos moldes do agronegócio

globalizado também passem a se voltar e a investir fortemente na produção de coco. Com isso,

associado a outros fatores, o que se observa é que cada vez mais o modo de produção capitalista

passa a ditar os rumos do cultivo do fruto, não só no Ceará, como em todo o país.

3.3 O COCO NO PERÍMETRO IRRIGADO CURU-PARAIPABA

De todos os espaços de produção de coco encontrados no Ceará, o principal e mais

especializado deles é, sem sombra de dúvidas, o perímetro irrigado Curu-Paraipaba, localizado

no município de Paraipaba. Como em nenhum outro local, nesse perímetro conseguimos

observar importantes novas dinâmicas resultantes diretamente do processo de reestruturação

produtiva do setor do coco, que encontrou aí as bases ideais para se materializar, sobretudo a

partir da difusão do cultivo de coqueiro anão, da produção de coco verde e da utilização de

microaspersores. Atualmente, falar em moderna produção de coco no Ceará é, antes de mais

nada, falar do Curu-Paraipaba. Esse perímetro só começou a ser um grande espaço de produção

de coco a partir da década de 1990, quando houve uma difusão do cultivo do fruto, levando a

uma reconversão produtiva e a uma posterior significativa especialização.

Assim, ao longo destes mais de 20 anos, o Curu-Paraipaba se tornou um dos principais

polos nacionais de produção de coco verde. Desse modo, somente a partir de uma análise mais

atenta é que podemos perceber como o fruto fez (e ainda faz) desse espaço uma referência

nacional quando o assunto é produção de coco. Para isso, apresentamos na sequência alguns

dos principais elementos que levaram o Curu-Paraipaba a se tornar esse importante espaço de

produção de coco, informações essas obtidas majoritariamente durante a realização do trabalho

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de campo em março de 2014, quando entrevistamos aí 58 agentes138 diretamente inseridos no

circuito espacial produtivo do fruto.

3.3.1 Paraipaba, a capital cearense do coco verde

Antes de apresentar como o coco se difundiu no Curu-Paraipaba, cabe pincelarmos

algumas características da produção realizada no município que sedia esse perímetro. O cultivo

desse fruto é o que mais se destaca em Paraipaba, gerando a maior parte da renda advinda da

agricultura no município e empregando a maior parte dos trabalhadores rurais, como informou

o secretário municipal de agricultura. Diferentemente da maioria dos outros cultivos aí

realizados, como feijão, milho e mandioca, o coco é inteiramente destinado à comercialização.

Além disso, o coqueiro anão, largamente cultivado em Paraipaba, dá uma produção contínua,

uma vez que todo mês (ou até mesmo de 20 em 20 dias) é realizada a colheita e a

comercialização dos frutos.

Por esse motivo, é a produção de coco uma das principais atividades que sustenta a

economia urbana de Paraipaba, conforme revelou o secretário de desenvolvimento econômico

do município, funcionando ainda como um importante termômetro para as vendas no comércio,

segundo nos asseguraram produtores e comerciantes. Por fornecer uma renda mensal aos seus

produtores, sempre há uma quantidade importante de dinheiro advindo da venda do coco em

circulação no centro da cidade, que é gasto na aquisição de alimentos, móveis e

eletrodomésticos, como também insumos. Além disso, o coco chega a funcionar até mesmo

como “moeda de troca”, haja vista que segundo alguns comerciantes entrevistados é comum os

produtores do fruto realizarem compras no comércio e assegurarem o pagamento de acordo

com a próxima colheita do coco.

Além de ser o mais importante cultivo realizado em Paraipaba, o coco atua ainda como

um elemento que caracteriza e marca fortemente a paisagem do município. A partir do momento

em que entramos em Paraipaba, pela rodovia CE-085, deparamo-nos com inúmeros lotes

agrícolas plantados exclusivamente com coqueiros (foto 23), de modo que toda a paisagem é

tomada por coqueirais em quaisquer que sejam as direções. Nenhum outro município do Ceará

apresenta um cultivo de coco tão denso e concentrado como o de Paraipaba. Ainda nesse

sentido, nota-se que a presença dos coqueirais é tão grande que a zona urbana do município é

praticamente toda margeada por coqueiros, basicamente nas direções sul e oeste, e isso se dá

138 Especialmente os produtores de coco instalados no perímetro, muitos deles chamados de “colonos”.

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em razão de a cidade ter sido construída ao lado do perímetro irrigado139, anos depois de sua

inauguração. Em diversos locais apenas uma rua separa os lotes agrícolas da área urbana (foto

24), demonstrando uma intrínseca relação entre o perímetro e a cidade de Paraipaba.

Foto 23 – Cultivo de coqueiro às margens da Foto 24 – Panorama de uma parte da cidade

rodovia que corta o município de Paraipaba/CE. de Paraipaba/CE localizada ao lado do perímetro.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

De acordo com os dados referentes ao cultivo de coco em Paraipaba, divulgados pela

PAM/IBGE e já apresentados no subcapítulo 3.2, esse município se configura como o quarto

maior produtor do fruto no Ceará e o vigésimo do país. Já os dados do LSPA/IBGE indicam

que Paraipaba é o maior produtor de coco verde do Ceará, tendo inclusive ganhado oficialmente

o título de “capital cearense do coco verde”. Segundo o secretário de desenvolvimento

econômico do município, um projeto de lei foi aprovado no começo de 2014 garantindo que

Paraipaba seja oficialmente titulada a capital do coco verde, título esse que fará jus a um selo

de procedência para resguardar a origem dos frutos. E toda essa performance de Paraipaba só é

possível em virtude do dinamismo observado no perímetro irrigado aí instalado.

3.3.2 Organização e histórico produtivo do Curu-Paraipaba

O Curu-Paraipaba foi inaugurado pelo DNOCS em 1975, sendo um dos mais antigos

perímetros irrigados do Nordeste, e ocupa uma área total irrigável de 3.357 hectares,

localizando-se na porção centro-sul do município de Paraipaba, na margem esquerda do Rio

Curu (imagem 14). Esse perímetro tem um arranjo espacial bastante particular, estando divido

em duas etapas: a primeira, entregue no decorrer dos anos 1970 e 1980 e subdividida em seis

comunidades (B, C1, C2, D1, D2 e E), e a segunda, entregue entre as décadas 1980 e 1990 e

139 Tal proximidade vem inclusive limitando o crescimento urbano da cidade de Paraipaba. Para sanar esse

problema, uma das saídas encontradas está sendo a venda dos lotes agrícolas anteriormente cultivados com coco

para a construção de casas, loteamentos e estabelecimentos comerciais.

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subdivida em uma comunidade chamada de GH. Existe ainda uma área à parte, o Centro

Gerencial do DNOCS, onde estão localizados a sede do órgão, a associação que gere o

perímetro, uma agroindústria do ramo do coco e a área de preservação ambiental. Na imagem

abaixo vemos como está organizado esse perímetro.

Imagem 14 – Arranjo espacial do perímetro irrigado Curu-Paraipaba.

Fonte: Google Earth, 2012. Adaptação: Cavalcante, 2014. Legenda: O traçado vermelho indica a área total ocupada pelo perímetro irrigado, já os polígonos azul-escuros

representam cada um dos setores que compõem esse perímetro, enquanto que o polígono marrom representa a

área urbana da cidade de Paraipaba e a linha azul clara indica por onde passa o rio Curu.

No Curu-Paraipaba chama atenção ainda a sua separação entre as áreas de produção e

as áreas de moradia, através da subdivisão de todos os setores em lotes agrícolas, quintais

residenciais e áreas mortas140. Os lotes têm um tamanho médio de 3,6 hectares; já os quintais

apresentam uma área média de 0,4 hectares, sendo compostos pelas casas onde vivem os

produtores e sua família, além dos armazéns, viveiros de animais, hortas e pomares. Na imagem

seguinte (imagem 15) podemos observar melhor essa subdivisão do Curu-Paraipaba em lotes

agrícolas e quintais residenciais, através da qual é possível perceber a grande concentração do

plantio de coqueiros. De acordo com a associação que gere o Curu-Paraipaba, existem

atualmente 807 lotes agrícolas no perímetro, nem todos ocupados.

140 As áreas mortas foram aquelas não divididas inicialmente aos colonos por estarem localizadas ao lado de

rodovias, rio e lagoas, ou então por se tratarem de áreas de preservação ambiental.

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Imagem 15 – Subdivisão do Curu-Paraipaba em lotes agrícolas e quintais residenciais.

Fonte: Google Earth, 2012. Adaptação: Cavalcante, 2014.

Ao longo de seus 40 anos de existência, o perímetro irrigado Curu-Paraipaba apresentou

alguns momentos distintos que marcam seu histórico produtivo, por vezes bastante

diversificado e em outros momentos altamente especializado. Uma série de fatores, tanto

internos quanto externos ao perímetro, agem determinando o que será ou não produzido pelos

irrigantes/colonos. Dentre os principais fatores responsáveis por levar ao desenrolar de

importantes dinâmicas socioespaciais e produtivas que agem dinamizando o Curu-Paraipaba

podemos destacar: a atuação do DNOCS; a rentabilidade do cultivo; o comportamento do

mercado; a adaptação às potencialidades naturais do lote; a sobrevivência e manutenção da

família; e também a conjuntura econômica e política do país.

Logo na inauguração do perímetro, em 1975, 13 famílias o ocuparam e deram início à

exploração dos primeiros lotes, cabendo a elas escolher os produtos a serem cultivados, preparar

a terra e iniciar os plantios. Os colonos mais antigos contaram nas entrevistas que apesar de o

começo ter sido muito difícil, devido à adaptação pela qual tiveram de passar, nunca na história

do perímetro houve uma fartura tão grande de alimentos como a observada no início da

exploração dos lotes, quando a produtividade chegava a impressionar aqueles habituados a

cultivar pequenas roças exclusivamente no período das chuvas.

Os colonos relataram ainda que tudo que se plantava no perímetro nascia, devido à

fertilidade do solo e à grande disponibilidade de água garantida por meio dos canais de

irrigação, e informaram também que no começo da exploração existia uma produção altamente

diversificada. Dentre os produtos primeiramente cultivados destacam-se feijão, milho,

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mandioca, tomate, pimentão, cenoura, cebola, laranja, abacate e maracujá, produção essa

realizada tanto nos lotes quanto nos quintais, além da existência de uma pequena criação de

bois e galinhas nos quintais. Nesse período inicial os colonos e o DNOCS iam testando as

potencialidades naturais do perímetro para ver qual cultivo mais se adaptaria. Há de se destacar

que toda a produção era, obrigatoriamente, comercializada pela cooperativa existente no

perímetro, sempre sob mediação do DNOCS.

Essa fase diversificada, porém, rapidamente daria lugar a monoculturas que possuíam

um maior valor agregado: primeiro a cana-de-açúcar e depois o coco. E foram esses dois

cultivos que marcaram sobremaneira a história produtiva do perímetro irrigado Curu-Paraipaba,

assim como a dos colonos que dele tiram o sustento de suas famílias. Esse histórico produtivo

do perímetro é retratado especialmente por Martins (2008), que descreve alguns elementos

inerentes à especialização produtiva baseada na cana, e por Vasconcelos (2011), Mendes (2011)

e sobretudo Alves (2013), que apresentam importantes elementos relativos à especialização

centrada no cultivo do coco.

A primeira grande mudança observada na estrutura produtiva do perímetro se deu por

pressão da Agrovale, uma grande agroindústria localizada na região do Vale do Curu e

importante produtora de derivados de cana-de-açúcar, contando com o aval e a intermediação

do Estado via DNOCS. Juntos, esses agentes conseguiram mudar a vocação econômica do

Curu-Paraipaba, que passou da policultura, baseada na hortifruticultura, para a monocultura da

cana. Dessa forma, a fase de produção diversificada evidenciada no início perdurou apenas por

uns dois ou três anos. Em 1977 começaram a chegar os novos colonos e todos eles já recebiam

os lotes prontos para o plantio de cana, segundo alguns desses colonos nos relataram.

A Agrovale foi fundada em 1964 e iniciou suas atividades produzindo açúcar. Porém

Martins (2008) assegura que com a inauguração oficial do perímetro irrigado Curu-Paraipaba,

em 1975, os rumos dessa empresa mudaram completamente e sua história passou a ser

associada à própria história do perímetro, marcando o início de uma atuação cerrada e

controladora por parte do DNOCS. O país estava em plena Ditadura Militar e assistia ao início

do Proálcool, um importante programa que impulsionou a produção de álcool à base de cana-

de-açúcar. Nesse período, a Agrovale recebeu um grande financiamento por parte do Governo

e firmou uma parceria com o DNOCS que marcaria por completo os rumos do Curu-Paraipaba.

De acordo com Martins (2008), o contrato firmado entre a Agrovale e o DNOCS

indicava que todos os 522 colonos lá existentes passariam, a partir daquele momento, a ser

fornecedores exclusivos de cana para a empresa, e caso desobedecessem essa norma perderiam

o direito de posse dos lotes e seriam expulsos do perímetro. A partir daí, esse espaço foi

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rapidamente transformado em um imenso e contínuo canavial. Em pouco tempo todos os

colonos começaram a plantar cana visando atender a grande demanda de matéria-prima por

parte da Agrovale, que teve sua produção largamente incrementada devido ao Proálcool e que

encontrou no perímetro a melhor maneira de se consolidar no mercado de álcool, já que ela

tinha à sua disposição cerca de 2.000 hectares irrigados geridos pelo DNOCS.

A atuação desse órgão se dava por meio da cooperativa existente na época, a CIVAC,

responsável pela gestão do negócio com a Agrovale, controlando tanto a produção quanto a

comercialização da cana. Ao longo do ano a cooperativa fornecia insumos aos colonos, que

posteriormente seriam pagos com a renda advinda da venda da cana. Além disso, assim que a

cana era colhida, a produção dos colonos deveria ser repassada à cooperativa, que se

encarregaria de revendê-la à Agrovale. No final das contas, o saldo que chegava às mãos dos

colonos mal dava para pagar as dívidas que iam sendo contraídas ao longo do ano, além de uma

série de impostos que lhes era cobrado.

Essa hegemonia da cana-de-açúcar perdurou somente até o início da década de 1990,

quando se inicia a reconversão produtiva quase que completa para o coco. Dentre os motivos

que impulsionaram essa mudança estão: o enfraquecimento do poder do DNOCS, com o fim

da Ditadura Militar e a entrada do Brasil em um período marcado pelo neoliberalismo e pela

redução da interferência direta do Estado; o fim do Proálcool; o desmantelamento da

cooperativa; a progressiva falência da Agrovale, que encerrou sua atividade definitivamente em

1996; e sobretudo o total descontentamento dos colonos diante do controle da produção e da

não rentabilidade da cana, fatores que os forçaram a investir em outros cultivos mais rentáveis.

Com a falência da Agrovale, os colonos ainda continuaram produzindo cana para a

Ypióca, outra empresa localizada nas proximidades do perímetro e produtora de aguardente,

mas com o tempo todos foram optando pelo coco. Segundo um dos colonos entrevistados:

“pouco a pouco o canavial foi dando lugar ao coqueiral, onde cada vez tinha menos cana e mais

coco”. Dessa forma, aos poucos se dava uma segunda reconversão produtiva no Curu-

Paraipaba, dessa vez passando de uma monocultura para outra. Se antes era a cana que ditava

todas as relações que aí se davam, impulsionando o desenrolar das dinâmicas socioespaciais, o

coco passou a assumir o lugar central na dinamização daquele espaço. Para Vasconcelos (2011,

p. 182), no perímetro “o tempo do coco é o tempo do hoje”.

Essa mudança da cana para o coco é sempre referida pelos colonos como sendo “a

salvação do perímetro, a salvação da própria Paraipaba”. Os colonos entrevistados asseguraram

que com o coco há um rendimento muito maior do que o obtido com a cana, já que agora eles

realizam a colheita dos frutos mensalmente, tendo sempre algum dinheiro para se manterem

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durante o mês. Com o coco também sobra mais espaço no lote para realizarem o cultivo

consorciado com alguns outros produtos nas entrelinhas dos coqueiros. Esses colonos

informaram ainda que com o coco a vida de suas famílias melhorou consideravelmente

comparada à realidade observada na época da cana. De acordo com os funcionários do DNOCS

e da associação que administra o perímetro, até o início de 2014 todos os colonos produziam

coco no Curu-Paraipaba, sem nenhuma exceção.

Foto 25 – Imagem aérea dos lotes agrícolas Foto 26 – Cultivo de coqueiro anão e

ocupados por coqueiros em Paraipaba/CE. produção de coco verde em Paraipaba/CE.

Fonte: Leto Rocha, 2010. Fonte: Cavalcante, 2014.

Todavia, apesar da hegemonia absoluta do cultivo de coco no perímetro, esse produto

não é o único aí cultivado. Diversas foram as ocasiões em que encontramos colonos cultivando

outros produtos além do coco, tendo em vista que é muito a prática do consorciamento nas

entrelinhas que separam os coqueiros. No perímetro, os colonos cultivam especialmente feijão

e mandioca, visando o consumo das famílias e a venda do excedente; além disso, cultivar esses

dois produtos entre os coqueiros ajuda na fixação de nutrientes no solo, reduzindo bastante os

gastos com fertilizantes. Há ainda produtores que fazem o consorciamento também com milho,

capim, mamão, graviola e até mesmo ainda cana-de-açúcar.

Ao analisarmos a tabela seguinte, sobre a composição produtiva do Curu-Paraipaba, a

partir dos dados da SMPPI/DNOCS, percebemos a hegemonia desempenhada pelo coco, que

ocupa em torno de 81% da área total cultivada no perímetro, como também uma certa

expressividade da cana, do feijão e da mandioca, somando 12% da área cultivada, enquanto os

outros cultivos chegam a 7%. Observamos ainda que entre 2000 e 2012 a organização produtiva

do perímetro é praticamente a mesma, uma vez que não notamos grandes alterações, o que

demonstra uma certa estabilidade em seu perfil produtivo mais recente. Podemos afirmar, dessa

forma, que o Curu-Paraipaba é um espaço de produção diversificada, porém especializado

majoritariamente no cultivo de coco.

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Tabela 34 – Composição produtiva do perímetro irrigado Curu-Paraipaba.

Área plantada (em hectares) e quantidade produzida. 2000 – 2012.

2000 2012

Área

plantada

Quantidade

produzida

Área

plantada

Quantidade

produzida

Acerola 28,23 497.210 31,65 485.340

Caju 29,96 20.320 29,91 8.300

Cana-de-açúcar 244,70 7.754.000 186,70 6.193.400

Capim 45,83 305.460 41,06 1.626.000

Coco 2.299,84 28.255.220 2.533,34 31.820.570

Feijão 124,50 76.670 83,70 36.650

Graviola 41,34 205.570 40,20 308.640

Mandioca 58,56 290.790 96,45 385.350

Mamão 20,92 592.990 24,62 827.360

Milho 49,50 38.000 47,00 26.800

Outros* 70,95 - 40,74 -

TOTAL 3.014,33 - 3.155,37 -

Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014. Obs: Todos os valores de quantidade produzida são dados em quilos, exceto o coco, que é mensurado em

unidades. Os outros* cultivos se referem a abacate, abóbora, banana, batata-doce, laranja, limão, goiaba, manga,

maxixe, melancia, pimenta e sapoti, cultivados em quantidades menores.

Nesse sentido, de posse das informações apresentadas, vemos claramente a existência

de três momentos produtivos distintos no perímetro: um primeiro momento, de 1975 a 1977

com uma produção diversificada; um segundo momento, de 1977 a 1990 com a hegemonia da

cana; um terceiro e atual momento, com a hegemonia do coco. Ressaltamos, entretanto, que

essas datas não são temporalmente rígidas, sendo importantes apenas para marcar as grandes

modificações que se deram na estrutura produtiva do perímetro. Além disso, em todos os

momentos marcados por monoculturas notamos o cultivo de outros produtos. O importante é

perceber que o Curu-Paraipaba deixou de ser um espaço especializado no cultivo de cana-de-

açúcar e reorganizou toda sua estrutura produtiva voltada para o cultivo de coco.

3.3.3 Difusão e territorialização da produção de coco

O perímetro irrigado Curu-Paraipaba não se transformou em um espaço especializado

no cultivo de coco da noite para o dia, como vimos. Foram vários os fatores que contribuíram

para, pouco a pouco, transformar o perímetro em um contínuo coqueiral, levando todos os

colonos a investirem no cultivo do fruto. Durante as entrevistas, quando perguntávamos “por

que o coco?”, os produtores prontamente respondiam que não poderia haver produto mais

rentável do que esse, e mesmo apesar de algumas dificuldades encontradas no momento da

comercialização dos frutos, por exemplo, sempre há um mercado cativo para o coco verde.

De acordo com os colonos entrevistados, o coco começou a ser cultivado no perímetro

já por volta de 1982, mesmo no auge da produção de cana, e isso ocorria nos quintais e não nos

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lotes agrícolas. Os colonos contam ainda que quem introduziu o coco no Curu-Paraipaba foram

os técnicos do DNOCS, já que no começo da década de 1980 o órgão distribuiu alguns

coqueiros da variedade anã para cada colono, plantando-os em frente às casas e dentro dos

quintais (fotos 27 e 28). A intenção do órgão com essa distribuição de coqueiros era traçar um

limite preciso entre os quintais e as ruas existentes nas comunidades, uma vez que nessa época

não existiam cercados e muros, além de fomentar uma certa arborização das comunidades.

Fotos 27 e 28 – Quintais do perímetro irrigado Curu-Paraipaba com os antigos coqueiros plantados

pelo DNOCS em frente às casas, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Entrevistamos o primeiro colono a cultivar coco nos lotes agrícolas, que nos contou

como se deu a expansão da produção desse fruto por todo o Curu-Paraipaba. Segundo ele, uns

dois anos após terem sido plantados em frente às casas, os coqueiros do DNOCS começaram a

produzir, dando inúmeros frutos devido à grande fertilidade do solo. Como não se tratava de

um cultivo comercial, esses frutos foram sendo consumidos pelos próprios colonos. Entretanto,

devido a uma elevada produção, nem todos os frutos puderam ser aproveitados, gerando um

enorme excedente. Diz o colono que nesse momento de pico da produção já existiam

atravessadores que compravam as frutas produzidas no perímetro, sobretudo o mamão e a

laranja, e que esses mesmos atravessadores resolveram adquirir também o coco e se

comprometeram a comprar a produção futura. Animado com o negócio, o entrevistado resolveu

tanto investir no cultivo de coco verde como também comprar a produção dos outros colonos e

revender para o atravessador.

A partir daí, percebeu-se a grande rentabilidade do coco e começaram os primeiros

ensaios do cultivo do fruto em escala comercial e não mais para o próprio consumo. A grande

reviravolta na história da produção de coco no perímetro se dá quando esse colono resolve levar

os coqueiros para serem cultivados nos lotes, em pleno período da cana-de-açúcar e ainda com

certa vigilância exercida pelo DNOCS. Aos poucos, ele começou a cultivar pequenas áreas com

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o coco nos lotes, em um espaço anteriormente destinado ao cultivo de cana, e foi expandindo

essa área à medida que percebia que os lucros advindos do coco eram muito superiores aos

obtidos com a cana. Entretanto, segundo consta, o DNOCS foi expressivamente contra o cultivo

de coco nos lotes, alegando que isso colocaria em risco o fornecimento de cana para a Agrovale

e que os coqueiros eram “apenas para enfeitar as ruas”.

Mesmo contra a vontade do DNOCS, diversos colonos foram plantando coco em

pequenos espaços dentro dos lotes, por volta de 1985, encorajados e auxiliados pelo pioneiro

no cultivo do fruto. Esse colono, além de ter sido o primeiro a levar o coco para os lotes e atuar

como o primeiro atravessador do fruto, foi também o maior fornecedor de mudas de coqueiro

anão para o perímetro. Além de produzida nos próprios lotes, a grande maioria das mudas foi

adquirida em outros dois perímetros irrigados, o de Pentecoste (no Ceará), onde havia uma

estação experimental do DNOCS para o cultivo de mudas de cultivos diversos, e o de Souza

(na Paraíba), onde o coco já vinha se expandindo fazia alguns anos.

Em um curto período de tempo todos os colonos do perímetro perceberam a

lucratividade advinda do cultivo de coco, seja a partir de suas pequenas produções realizadas

nos quintais seja a partir da produção já realizada pelo grupo dos colonos que primeiro levou o

cultivo para os lotes. Desse modo, e depois das colheitas iniciais, ocorreu uma verdadeira

revolução agrícola naquele espaço, o que os colonos chamam de “a febre do coco”, dando início

à uma reconversão produtiva do perímetro. Assim, dentro de um período de menos de 10 anos,

o Curu-Paraipaba já estava completamente tomado pelos coqueirais. À medida que chegava ao

fim a hegemonia da cana, o que se observou foi o desenrolar de uma nova configuração

produtiva no perímetro, marcado pelo cultivo do coco, responsável por dinamizar aquele espaço

e transformá-lo completamente.

Como bem sabemos, a produção de coco perdura com um importante dinamismo até os

dias atuais e ainda apresenta um grande potencial de expansão. Isso pode ser comprovado pela

quantidade de lotes ainda não explorados no perímetro, pela falta de interesse e/ou de condições

de mantê-los produzindo, e pela quantidade de lotes recém-plantados com coqueiros (foto 29).

Isso pode ser notado ainda pelo plantio crescente de novos coqueiros ao lado dos coqueiros

mais antigos (foto 30), uma vez que, visando evitar a queda na produção, inúmeros são os

produtores que substituem os antigos coqueiros plantados no início da expansão do coco por

novas árvores, garantindo assim a continuidade da atividade por, no mínimo, mais 20 anos.

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Foto 29 – Lote recém-plantado, margeado Foto 30 – Coqueiro anão recém-plantado ao

por coqueiros em idade produtiva, em Paraipaba/CE. lado de um mais antigo, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

A continuidade da expansão do cultivo de coco no Curu-Paraipaba pode ser comprovada

também pela chegada de “produtores de fora”, que veem o negócio do coco como uma atividade

certa para ampliar seus rendimentos e passam a adquirir lotes para investir no cultivo do fruto,

acirrando ainda mais o quadro fundiário do Curu-Paraipaba e contribuindo para uma mudança

no perfil dos colonos. Além disso, a atuação das agroindústrias também contribui para alavancar

o cultivo de coco no perímetro, a exemplo de duas empresas instaladas em Paraipaba, a Paragro

e a Dicoco, e de outras localizadas no litoral oeste cearense, como a Ducoco, que têm o Curu-

Paraipaba como um importante fornecedor de coco verde.

Assim sendo, após vislumbrar o histórico produtivo do coco no Curu-Paraipaba,

podemos dividir o cultivo do fruto em três momentos distintos. Em um primeiro momento, que

durou até meados dos anos 1990, o que vimos foi um aumento gradual da produção de coco em

detrimento da redução dos outros cultivos, notadamente da cana-de-açúcar, que lentamente

davam lugar ao coco e passavam a assumir um lugar marginal. Já um segundo momento pôde

ser vislumbrado a partir de uma reconversão quase que completa para o coco, quando

absolutamente todos os colonos passaram a cultivar o fruto, e quando foram difundidas as

técnicas de plantio e de irrigação mais modernas e os insumos mais apropriados, coincidindo

como um aquecimento do mercado do coco e com um aparecimento de novos produtores. Esse

segundo momento de adaptação e consolidação do cultivo de coco no perímetro se estendeu até

o final dos anos 2000.

Por fim, o terceiro momento da produção de coco no Curu-Paraipaba é o que ocorre na

atualidade, estando marcado pela especialização do território, da produção e do trabalho. O que

observamos nesse perímetro é que a especialização no cultivo de coco chegou a um nível tão

elevado que sua produção já está completamente enraizada, ou territorializada, influenciando

sobremaneira a organização tanto do espaço quanto das relações sociais. É indiscutível que esse

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perímetro se tornou ao longo desses anos um “território do coco”, uma vez que é a produção

desse fruto que determina os principais acontecimentos que aí se dão, conforme notamos

durante a realização dos trabalhos de campo e com as entrevistas.

Ademais, estamos diante de uma especialização da produção, que pode ser comprovada

pelo fato de todos os produtores cultivarem coco e já conhecerem as técnicas de manejo e os

equipamentos de irrigação e insumos mais indicados, conhecimento esse transmitido de pai

para filho. A expressiva especialização produtiva pode ser observada também devido ao atual

estado de saturação do solo e a uma disseminação e resistência maior das pragas, processos

típicos advindos quando se investe em demasiado em uma monocultura, que contribui para o

esgotamento dos recursos naturais disponíveis (SÁ, 2008).

Associada a essa especialização territorial e produtiva, é visível também uma

especialização do trabalho, onde já notamos claramente a existência de um “mercado de

trabalho do coco”, representado pelos mais diversos tipos de profissionais, sobretudo por

aqueles responsáveis pela limpeza e manutenção do coqueiral, pelo aplicador dos agrotóxicos,

pelos responsáveis pela colheita e carregamento dos frutos e por aqueles que fazem o papel de

administradores e técnicos agrícolas. A existência de todas essas novas funções e o

recrutamento dos trabalhadores acabam contribuindo para acirrar a divisão técnica e social do

trabalho naquele perímetro.

Há de se deixar claro que a entrada do coco no Curu-Paraipaba modificou por completo

as relações que lá se davam e vem impondo muitas outras141. Nesse sentido, para Vasconcelos

(2011, p. 202), “depois que a cana cedeu lugar ao coco, as relações sociais no perímetro tiveram

mudanças substantivas”, dando origem a um sistema produtivo completamente diferente,

alterando a forma e o conteúdo daquele espaço, já que, de acordo com Santos (1996), toda e

qualquer modificação na estrutura produtiva provoca alterações imediatas no uso e na

organização espacial, bem como nas relações sociais de produção. Não nos ateremos a analisar

essas mudanças, mas é preciso tecer alguns breves comentários especialmente acerca da

alteração do perfil inicial dos colonos.

O perímetro foi pensado e planejado inicialmente para assentar exclusivamente um tipo

de produtor, com o objetivo principal de fomentar a sua reprodução familiar, uma vez que a

própria família seria a responsável pela manutenção dos lotes e dos quintais e pelo cultivo de

todos os produtos que seriam ali produzidos. No entanto, essa característica passa a ser

completamente modificada quando os produtores de cana se tornaram produtores de coco,

141 Uma análise mais aprofundada sobre as principais dinâmicas socioespaciais inerentes à produção de coco

realizada no perímetro irrigado Curu-Paraipaba foi por nós apresentada em Cavalcante (2014).

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marcando o desenrolar de novas dinâmicas estabelecidas entre os colonos e os outros agentes

que atuam passaram a atuar (e ainda atuam) naquele espaço. Dessa forma, a passagem para o

coco significou somente um novo momento produtivo do perímetro, mas também um novo

momento das relações sociais de produção estabelecidas entre os colonos.

Assim, a partir de meados dos anos 2000, observa-se o aparecimento de um novo perfil

de usuário daquele espaço, motivado tanto pela “transformação” dos colonos em produtores de

coco142, como também pela chegada de novos produtores ao perímetro, modificando seu

dinamismo produtivo e intensificando a heterogeneidade entre os colonos. Muitos desses novos

produtores estão difundindo uma lógica cada vez mais empresarial no cultivo do coco, que

passa a ser visto como “um investimento, um negócio de alto risco, mas que proporciona

rendimentos consideráveis durante o ano e que vale muito a pena a continuidade dessa

atividade”, como informou um desses produtores. Nota-se com isso que pouco a pouco o Curu-

Paraipaba deixa de ser um perímetro exclusivamente familiar, de caráter camponês, portanto, e

se torna cada vez mais um perímetro empresarial.

Além de uma progressiva alteração do perfil dos usuários do perímetro, notamos ainda

que tem se processado uma mudança na forma de uso e ocupação daquele espaço, observada

quando consideramos a utilização agrícola dos lotes e dos quintais e a composição dos produtos

aí cultivados, indicando que a difusão e a territorialização da produção de coco no Curu-

Paraipaba foi um dos fatores que contribuíram para modificar os seus usos. Dessa forma, nota-

se que a passagem da cana para o coco não representou apenas uma reconversão produtiva e

uma consequente especialização, mas sim uma completa reconfiguração do uso agrícola do

espaço ocupado pelo perímetro e uma nova forma de organização de seus produtores e dos

outros agentes que aí atuam. Esse é apenas um dos exemplos de como a reestruturação produtiva

do setor do coco vem remodelando os espaços de produção do fruto localizados no Ceará.

142 Quando utilizamos a palavra “colonos” estamos nos referindo aos colonos assentados pelo DNOCS. Já a palavra

“produtores” podem se referir a esses colonos, aos seus filhos e aos novos agentes que chegaram ao perímetro.

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Capítulo 4

O CONTEXTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO

Nosso objetivo neste capítulo é apresentar as relações sociais de produção de coco no Ceará.

Para isso, são evidenciadas as principais características inerentes aos mais importantes agentes

inseridos no seu circuito espacial produtivo. Primeiramente apresentamos a diversidade dos

produtores do fruto, destacando especialmente o contexto no qual estão inseridos aqueles que

se localizam no perímetro irrigado Curu-Paraipaba. Em seguida analisamos a configuração dos

trabalhadores que atuam na produção, colheita e comercialização do coco, e na sequência

ressaltamos o papel exercido pelos intermediários que agem comprando e vendendo o fruto.

Por fim, indicamos as características das principais agroindústrias do coco instaladas no Ceará

e averiguamos suas formas de atuação.

- Os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco

A diversidade de espaços de produção de coco, apresentada no capítulo anterior, leva-

nos a pensar também na multiplicidade de agentes que estão diretamente inseridos no circuito

espacial produtivo do fruto, que é formado tanto por espaços quanto por agentes. Assim, a

geografia do coco é feita também de (e por) agentes, cabendo, portanto, analisar as suas formas

de atuação e organização, que são importantes para indicar de que maneira eles estão sendo

inseridos no contexto de reestruturação produtiva. A partir daí é possível vislumbrar as novas

relações sociais de produção de coco, especialmente através da identificação e da caracterização

dos principais agentes que integram seu circuito espacial produtivo.

Estão direta ou indiretamente inseridos nesse circuito espacial produtivo do coco no

Ceará uma infinidade de agentes, que exercem as mais diversas funções, começando pelas

atividades relacionadas aos processos produtivos agrícola e industrial, passando pela

comercialização e distribuição até chegar no consumo final, intercalando num só movimento

diferentes espaços que são articulados no intuito de fomentar a reprodução do setor, somente

possível a partir da articulação desses mais variados agentes. Ao caracterizar esses principais

agentes, sobretudo os produtores, trabalhadores, intermediários e agroindústrias,

conseguiremos reunir elementos que nos levam a perceber como se dá o comportamento das

relações sociais de produção inseridas nessa geografia do coco.

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4.1 A DIVERSIDADE DE PRODUTORES DE COCO

Um dos mais importantes agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco são

os produtores, que estão na base dessa geografia do coco, já que são eles que vão atuar, quase

que diariamente, na realização de diversas atividades centradas no seu cultivo, garantindo a sua

continuidade. São eles os responsáveis por gerir as atividades relacionadas ao processo

produtivo dos frutos, e são, por esse motivo, os primeiramente afetados por quaisquer que sejam

as modificações que venham a acometer esse setor, a exemplo dos rebatimentos da

reestruturação produtiva em curso.

Os produtores se responsabilizam pelas seguintes atividades, entre outras: aquisição das

mudas; plantio dos coqueiros; compra dos adubos e equipamentos agrícolas; controle de pragas

e demais tratos culturais; recrutamento de trabalhadores e de serviços especializados; colheita

e comercialização dos frutos. Assim, além de agir na produção propriamente dita, eles também

atuam fortemente a jusante e a montante do processo produtivo em si. Vale destacar que ser

produtor de coco não implica, necessariamente, que esse agente vá atuar diretamente no cultivo

do fruto, uma vez que ele pode apenas gerir a atividade sem, no entanto, produzir o coco ele

mesmo, serviço que fica a cargo de trabalhadores contratados.

Fotos 31 e 32 – Produtores de coco em seus estabelecimentos agrícolas, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Por esse motivo, muitos são os produtores que cultivam coco no Ceará, distribuídos nos

quase 4 mil estabelecimentos dedicados majoritariamente ao desenvolvimento dessa atividade.

Quem são esses produtores, afinal? Como eles estão organizados? Por que decidiram investir

na produção dos frutos? Quais são os principais rebatimentos da reestruturação produtiva do

setor nas relações estabelecidas entre eles? Essas são perguntas as quais não temos condições

de responder no momento, uma vez que exigem um estudo mais aprofundado para cada uma

delas. Procuramos, entretanto, indicar na sequência alguns elementos capazes de caracterizar,

minimamente, tais produtores.

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Deve ficar claro, antes de mais nada, que estamos diante de produtores que apresentam

características bastante distintas, assim como o setor no qual eles integram. Dessa forma, não

há um único “tipo” de produtor de coco, já que as diferenças existentes entre eles chegam a ser

tão acentuadas a ponto de não nos permitir homogeneizar essa categoria e traçar uma

caracterização que seja comum a todos eles. Durante os trabalhos de campo, ao entrevistarmos

66 produtores, percebemos que eles possuíam “perfis” completamente distintos uns dos outros,

o que nos levou a constatar que estávamos diante de uma categoria bastante heterogênea,

dificultando a indicação de um perfil comum a todos esses produtores.

Atuam cultivando coco no Ceará produtores que são também sitiantes, fazendeiros,

assentados, colonos, moradores, comerciantes, indígenas, industriais, políticos, estrangeiros,

entre outros, que podem ser perfeitamente inseridos em categorias às quais pertencem

camponeses, agricultores familiares, médios produtores, produtores capitalistas, empresários

rurais etc. Deixando de lado os embates que envolvem as calorosas discussões acerca das

características de cada uma dessas categorias, é necessário atentarmos para o fato de que os

produtores do fruto estão inseridos em, no mínimo, uma delas e que todos fazem parte da mesma

multifacetada geografia que representa a produção de coco realizada no país.

Assim, diante dessa polissemia de diferentes tipos de produtores, seria inviável dividi-

los apenas entre dois grandes grupos e inseri-los nas categorias de produtores capitalistas e

camponeses, ou de produtores empresários e familiares. Entendemos que seja qual for a

subdivisão adotada, os produtores rurais do país como um todo não devem ser apreendidos de

maneira unicamente dual. Nesse sentido, estamos de acordo com Wolfer (2010) e Purseigle e

Hervieu (2009), que asseguram não existir um único e homogêneo mundo rural, já que o que

se observam são contextos e realidades completamente diferentes umas das outras, onde até

mesmo em um espaço restrito é possível evidenciar a existência de uma enorme diversidade de

produtores, ideia essa também debatida em trabalhos elaborados por Bühler (2008), Sourisseau

et al. (2012), Hernandez e Phelinas (2012), entre outros autores.

A realidade empírica nos aponta uma infinidade de possibilidades para caracterizar e

agrupar esses produtores rurais, de modo que ao reuni-los em apenas dois grandes grupos

estaríamos fazendo uma generalização e uma homogeneização do setor que não encontram

bases realmente sólidas para sua sustentação. Nesse sentido, conforme assevera Wanderley

(2003), nem mesmo o novo momento pelo qual passa a agricultura brasileira conseguiu

homogeneizar os agentes sociais que nesse setor atuam. E com o coco isso não foi diferente.

Desse modo, é importante procurar apreender os produtores desse fruto a partir de todas as suas

nuances, buscando sempre perceber as diferenças inerentes a cada um desses agentes.

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Essas diferenças entre os produtores de coco podem ser observadas quando analisamos

aspectos relacionados aos planos produtivos, fundiários, técnicos, mercadológicos, laborais e

familiares. Entre as muitas variáveis que os diferenciam destacamos as principais: tamanho e

posse do estabelecimento; quantidade produzida e número de coqueiros plantados; tecnologia

utilizada na produção e acesso às inovações; formas de comercialização e acesso ao mercado;

possibilidades de financiamentos e assistência técnica; mão de obra utilizada e formas de

contrato e pagamento; atividades realizadas pela pessoa que dirige o estabelecimento; e

composição da renda familiar.

Dependendo da variável escolhida, a diversidade de produtores de coco pode ser

percebida de distintas maneiras. Assim, cada variável abrange diferentes tipos de produtores.

Notamos isso, por exemplo, quando analisamos a quantidade de hectares plantados com

coqueiros por cada um deles, que nos revela a existência de produtores que possuem por volta

de 4 hectares e de outros que chegam até mesmo a possuir 2 mil hectares cultivados com coco.

Já quando levamos em conta os sistemas técnicos utilizados, observamos que a sua utilização e

posse não se dão de maneira homogênea, variando de produtor para produtor. Assim, podemos

diferenciar os produtores de coco de inúmeros modos, sempre de acordo com cada variável, o

que atesta o importante processo de diferenciação existente no seio dessa categoria.

A análise de cada uma das variáveis que caracterizam os produtores do fruto permite

perceber ainda as formas de inserção desses agentes na reestruturação produtiva do setor, que

se dá de maneira também diferenciada. Durante os trabalhos de campo foi comum encontrar,

por exemplo, produtores que continuam cultivando coqueiros sob moldes semiextensivos, com

uma rarefeita utilização de insumos e com uma produção que visa somente a aquisição de

suprimentos e a sobrevivência de suas famílias, ao passo que outros produtores mantêm uma

produção altamente moderna e especializada, realizada sob os princípios do agronegócio

globalizado, veem o cultivo de coco apenas como mais um investimento e dispõem de capital

e tecnologia suficientes para incrementar essa produção.

Percebe-se, de um modo geral, que a diversidade de produtores atuando do cultivo do

coco é bastante considerável, cabendo um estudo mais aprofundado no intuito de perceber as

principais nuances inerentes a esses produtores, já que, conforme destaca Chapuis (2011), não

podemos compreender as atividades agrícolas sem levar em conta as pessoas que as produzem.

Visando preencher essa lacuna, no tópico seguinte apresentamos uma breve caracterização dos

produtores de coco que atuam no perímetro irrigado Curu-Paraipaba.

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4.1.2 Uma proposta de tipologia para os produtores de coco do Curu-Paraipaba

Com o intuito de representar a diversidade de agentes que atuam produzindo coco no

Ceará, traçamos uma proposta de tipologia agregando os produtores entrevistados no perímetro

irrigado Curu-Paraipaba, que além de ser o espaço mais especializado na sua produção, é

também o que agrega a maior quantidade de pessoas que cultivam o fruto143. Segundo

informações repassadas pela associação que gerencia o Curu-Paraipaba, existem atualmente

cerca de 600 produtores cultivando coco em todo o perímetro. Tais produtores, diferentemente

de outros, já nasceram inseridos no atual contexto produtivo do coco – que ao passar a ser

cultivado no perímetro modificou por completo a estrutura produtiva e as relações sociais

historicamente lá estabelecidas – e produzem coco verde para atender diretamente as

necessidades do mercado, seja de coco in natura seja de água de coco processada.

Como já abordado no capítulo anterior, a junção de alguns fatores passou a modificar o

perfil dos produtores inseridos no perímetro, anteriormente caracterizados por uma

considerável homogeneidade. Atualmente o que se nota é a coexistência de vários “grupos” de

diferentes produtores no Curu-Paraipaba, que apresenta uma diversidade jamais observada em

toda a sua história. A esse respeito, Wolfer (2010, p. 12) considera que a agricultura, não

importa onde, sempre apresentou uma grande diversidade de formas de exploração e de

diferentes tipos de produtores, que possuem uma coerência interna, técnica, econômica e social

e que demonstram certas capacidades de resistir ou se adaptar à evolução das circunstâncias.

O estudo realizado por Alves (2013) revela que o perímetro irrigado Curu-Paraipaba é

marcado por produtores que apresentam distintas características, já que eles são “mais eficientes

técnica e economicamente que outros” (p. 16)144. Essa foi a principal conclusão do trabalho

desse autor, que constatou que “os resultados decorrentes da análise fatorial e de clusters

possibilitaram rejeitar a hipótese básica de que as pequenas propriedades rurais irrigadas de

produção de coco entrevistadas no Curu-Paraipaba demonstram perfil técnico e econômico

semelhantes” (ALVES, 2013, p. 84)145. E para chegar a esse resultado o pesquisador se baseou

apenas em variáveis relacionadas aos aspectos técnicos e produtivos associados ao cultivo de

coco; caso tivesse considerado outras variáveis ficaria comprovado que esses produtores se

distinguem a partir de muitos outros aspectos.

143 Escolhemos privilegiar os produtores desse perímetro para melhor caracterizá-los em virtude da grande

quantidade de entrevistas realizadas com os mesmos e em razão deles estarem inseridos em um contexto muito

específico, estando todos localizados em um mesmo espaço. 144 O autor também retrata isso em Alves et al. (2014). 145 Carozo (2010) chegou a essa mesma conclusão ao traçar um perfil dos produtores de coco de Piaçabuçu (AL).

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Durante os trabalhos de campo constatamos essa grande diversidade de produtores do

fruto, que se diferenciam a partir de uma série de variáveis que podem ser agrupadas no intuito

de ajudar a traçar uma proposta de tipologia desses produtores, facilitando a compreensão da

diferenciação existente entre eles, conforme pontua Wanderley (2003). Desse modo, de acordo

com Jouve (1986, p. 49), é possível a construção de tipologias tanto de produtores quanto de

estabelecimentos agrícolas em função de preocupações e objetivos particulares, bastando

apenas conhecer os mecanismos responsáveis por suas diferenciações.

Nesse sentido, a partir da análise de todas as informações obtidas durante a realização

de 34 entrevistas com diferentes produtores de coco do Curu-Paraipaba146 e com base na

metodologia apresenta por Bühler (2008) no que diz respeito à construção de tipologias de

produtores rurais147, buscamos realizar um primeiro ensaio sobre uma tipologia desses agentes

no intuito de melhor compreender a sua diversidade e atentar para aspectos que os diferenciem.

Há de se reiterar que esse exercício foi pensado a partir dos produtores encontrados e

entrevistados apenas no perímetro irrigado Curu-Paraipaba, havendo a possibilidade do traçado

de outras tipologias caso a área de abrangência da pesquisa tivesse sido ampliada; nesse sentido,

não temos a pretensão de apresentar uma tipologia que seja representativa de um universo maior

de produtores de coco148.

Assim, o principal objetivo dessa proposta de tipologia aqui apresentada é fugir, de certa

maneira, da visão meramente dual privilegiada para distinguir os produtores rurais, já que leva

em conta uma série de variáveis utilizadas não para homogeneizar esses produtores, mas

sobretudo para indicar as principais diferenças existentes entre eles. Mas, destacamos, trata-se

ainda de uma aproximação do real, o qual se mostra muito mais complexo e que demanda a

realização de outros estudos. No entanto, pareceu-nos válida a inserção de tal proposta de

tipologia, visando, inclusive, colocar o tema para debate e futuras pesquisas.

As variáveis que escolhemos para agrupar esses diferentes tipos de produtores de acordo

com suas características em comum foram: i) quantidade de lotes agrícolas e local de moradia;

ii) produtos cultivados no lote e no quintal; iii) área cultivada com coco, quantidade produzida

e de coqueiros; iv) sistemas técnicos utilizados na produção e formas de acesso à água; v)

146 Essa quantidade de 34 produtores representa aproximadamente 6% do total de produtores de coco encontrados

no perímetro, o que nos possibilita a elaboração de uma primeira tentativa de aproximação de uma tipologia que

agregue tais agentes, que não estão sendo abarcados aqui em sua totalidade. 147 A metodologia utilizada por Bühler (2008), para traçar uma tipologia dos produtores de arroz do sul do Brasil,

consistiu no levantamento de seis variáveis, através das quais foi possível analisar especialmente as conjunturas

socais e produtivas desses produtores, apreendendo a diversidade existente entre eles. 148 Cuidado esse também retratado por autores como Bühler (2008) e Wesz Júnior (2014).

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principais fontes de renda e atividades exercidas pelo responsável pelo lote; vi) organização do

trabalho no cultivo do coco; vii) comercialização dos frutos e acesso ao mercado.

A quantidade de lotes agrícolas e o local de moradia (i) mostram como esses produtores

acederam os lotes, demonstrando o papel que eles têm na configuração produtiva e social do

perímetro a partir do conhecimento da quantidade de lotes que eles exploram e onde eles

moram. Já os produtos cultivados no lote e no quintal (ii) e a área cultivada com coco, a

quantidade produzida e a quantidade de coqueiros (iii) indicam qual a participação de cada

produtor no contexto produtivo do perímetro, revelando se são pequenos ou grandes.

Os sistemas técnicos utilizados na produção e as formas de acesso à água (iv), por sua

vez, mostram de que maneira cada produtor tem acesso aos recursos e meios técnico-científicos

recomendados para a produção intensiva de coco, indicando as formas de inserção desses

produtores na modernização do processo produtivo do fruto, e demonstrando ainda o quanto

eles são dependentes de tais insumos e das formas de distribuição de água pelo DNOCS, órgão

responsável por gerenciar essa distribuição.

As principais fontes de renda e as atividades exercidas pelo responsável pelo lote (v)

permitem analisar de que maneira o produtor garante a sobrevivência de sua família e investigar

qual a participação dela no rendimento total familiar. A partir dessa variável percebe-se qual o

papel da produção de coco na composição da renda da família, quais outras atividades que

porventura são realizadas pelo produtor no sentido de complementar essa renda, qual a

rentabilidade do cultivo de coco e sobretudo qual os rumos dessa atividade.

A organização do trabalho no cultivo do coco (vi) é importante por revelar a participação

do responsável pelo lote no processo de produção agrícola em si, na gestão desse lote e do

coqueiral e na comercialização dos frutos, indicando possíveis divisões sociais e técnicas do

trabalho e a participação da família na produção do coco. Por fim, a comercialização dos frutos

e o acesso ao mercado (vii) indicam de que maneira os produtores são inseridos no mercado do

coco, como eles comercializam os frutos produzidos e como se dá a participação dos outros

agentes responsáveis por essa comercialização, notadamente os atravessadores.

Analisando essas variáveis foi possível reunir os produtores de coco do Curu-Paraipaba

em quatro grupos distintos, a saber: a) produtores cuja renda advinda do coco é insuficiente; b)

produtores cuja maior parte da renda advém do coco; c) produtores cuja renda advém do coco

e de outras atividades igualmente rentáveis; d) produtores cuja renda excepcional advém do

coco. Essa denominação foi pensada a partir do percentual da renda obtida com o coco e com

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173

as demais atividades realizadas por seus produtores149. Evidenciamos também a presença de

uma outra categoria de produtor, o agroindustrial, com funcionamento distinto dos demais. No

quadro abaixo vemos a distribuição da tipologia de produtores observada, demonstrando a

predominância dos produtores cuja maior parte a renda advém do coco.

Quadro 04 – Distribuição dos produtores de coco do perímetro irrigado Curu-Paraipaba.

Na sequência descrevemos algumas das principais características que se referem a cada

um dos cinco grupos de produtores de coco (incluindo o produtor agroindustrial) encontrados

no Curu-Paraipaba, resumidas no quadro apresentado ao final da descrição das tipologias

(quadro 05). Esse conjunto de informações permite evidenciar o quão diferentes são esses

produtores, embora compartilhem características semelhantes de acordo com a variável

analisada. Assim, apesar da diversidade de produtores, é possível agrupá-los a partir de

elementos em comum, sem, no entanto, homogeneizar por completo as diferentes práticas que

os caracterizam. É importante atentar também para as formas de inserção desses produtores no

contexto da reestruturação produtiva, evidenciadas em certos momentos.

a) Grupo de produtores cuja renda advinda do coco é insuficiente

Se enquadram nessa categoria os produtores que possuem principalmente um baixo

rendimento advindo do cultivo do coco, ou então um rendimento que não é suficiente para a

manutenção da família. A forma de obtenção do lote onde atuam se deu especialmente a partir

do falecimento do colono progenitor da família, após a divisão do lote e dos coqueiros entre

todos os filhos herdeiros, cabendo-lhes a manutenção conjunta da área e das árvores. A partir

149 Mantivemos essa denominação, apesar de a renda não ser a principal variável considerada, sobretudo com o

intuito de evitar a utilização de nomes aleatórios e que não fossem representativos do grupo em questão, evitando

chamá-los de Produtor 1 e Produtor 2, por exemplo.

Tipologia Quantidade

Grupo de produtores cuja renda advinda

do coco é insuficiente 6

Grupo de produtores cuja maior parte da

renda advém do coco 14

Grupo de produtores cuja renda advém do

coco e de outras atividades igualmente

rentáveis

9

Grupo de produtores cuja renda

excepcional advém do coco 4

Produtor agroindustrial 1

TOTAL 34

Fonte: Trabalho de campo, 2014.

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dessa divisão, o lote passou a ser explorado apenas por alguns filhos, onde cada um deles é

responsável pelo trabalho e pela venda dos frutos colhidos dos coqueiros que lhes pertencem.

O principal produto cultivado no lote é o coco. Esses produtores realizam sempre um

plantio consorciado de feijão e mandioca nas entrelinhas do coqueiro durante a estação chuvosa

(de janeiro a junho), visando o consumo da família e a venda do excedente; por vezes cultivam

ainda capim, mamão, abóbora, melancia e/ou hortaliças entre as árvores. No quintal, cultivam

coqueiros e uma série de árvores frutíferas e hortaliças, e às vezes possuem uma pequena

criação de galinha e até duas cabeças de vaca. Como o único lote da família é divido entre os

irmãos, exploram apenas uma área média de 0,5 a 2 hectares, onde cultivam entre 75 a 250

coqueiros, que dão uma produção mensal de coco verde que varia entre 1.200 e 3.500 mil frutos.

Esses produtores fazem a aplicação dos adubos químicos e agrotóxicos nos coqueiros a

cada dois meses, já que exploram uma área pequena, e anualmente aplicam adubo orgânico,

quase sempre esterco de vaca. Alugam as máquinas agrícolas (trator, grade e roçadeira) com

outros produtores no perímetro de uma a duas vezes ao ano e/ou fazem todo o trabalho com o

auxílio de uma enxada. Como não dispõem de recursos financeiros suficientes para trocar o

sistema de irrigação utilizado, os coqueiros continuam sendo irrigados por aspersão

convencional e/ou parte deles por microaspersão, mas nunca todos os coqueiros são irrigados

individualmente pelos microaspersores. Além disso, dependem exclusivamente do

fornecimento da água distribuída pelos canais do DNOCS, enfrentando sérios problemas

quando esse fornecimento é suspenso.

Em virtude do número reduzido de coqueiros que possuem, os rendimentos da família

não advêm exclusivamente da venda do coco, levando esses produtores a exercerem diversas

atividades, como diaristas nos lotes dos outros produtores, ou ainda como pedreiros, eletricistas,

motoristas, mecânicos, vendedores, entre outras. Para complementar a renda, vendem também

os produtos cultivados entre os coqueiros e nos quintais. As esposas desses produtores são

donas de casa e responsáveis pelo cultivo dos produtos nos quintais, e os filhos adolescentes

trabalham como diaristas ou na colheita do coco. A família pode contar ainda com a

participação do Bolsa Família e do aposento dos pais já idosos na composição da renda.

Os produtores desse grupo são os próprios responsáveis por todo o trabalho realizado

nos lotes, normalmente contando com a ajuda de algum membro da família, seja um irmão ou

filho. Dificilmente recrutam os serviços de diaristas, seja porque a área explorada é pequena

seja porque os custos para o pagamento de tais profissionais são altos; somente recrutam um

diarista quando é necessária a aplicação dos agrotóxicos. No que tange à comercialização do

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coco produzido, são inteiramente dependentes dos atravessadores, somente acedendo ao

mercado por intermédio desses agentes.

b) Grupo de produtores cuja maior parte da renda advém do coco

É o maior grupo de produtores encontrados no Curu-Paraipaba, aqueles cuja maior parte

da renda comumente advém do cultivo de coco. Esses produtores podem ser tanto os filhos de

colonos que chegaram no perímetro na década de 1970, como os pequenos produtores que

compraram um lote a partir de meados dos anos 2000, apresentando portando duas origens

completamente distintas. Nesse grupo de produtores estão inseridos também aqueles colonos

que foram assentados pelo DNOCS e que atualmente já estão aposentados, com tendência a

repassar o lote para os filhos ou então revende-lo para outros produtores, abandonando por

completo a atividade produtiva do coco.

O principal produto cultivado no lote é o coco, responsável por proporcionar o maior

rendimento da família. Esses produtores sempre fazem um plantio consorciado com feijão e

mandioca, visando o consumo próprio e a venda do excedente. No quintal comumente plantam

coco e uma série de árvores frutíferas e hortaliças, além de possuir uma pequena criação de

galinha e vacas, também destinada ao consumo familiar e à comercialização. Exploram de 3,6

a 4 hectares, que corresponde à área de apenas um lote. Possuem aproximadamente de 400 a

600 coqueiros, plantados no lote e no quintal, que dão uma produção média que varia entre 4 e

10 mil frutos por mês.

Aplicam os adubos químicos e agrotóxicos mensalmente e o adubo orgânico

anualmente. Todos os meses, após a colheita dos frutos, adquirem os insumos indispensáveis

para manter a produtividade dos coqueiros em lojas na própria cidade de Paraipaba. Sempre

que necessitam, alugam máquinas agrícolas com um produtor que as possui, utilizadas para

roçar e gradear o lote. Todos os coqueiros são irrigados por microaspersão, e os produtores

dependem exclusivamente do fornecimento da água via canais do DNOCS, não dispondo de

fontes próprias para o abastecimento hídrico dos coqueirais.

O produtor atua essencialmente como agricultor, trabalhando no lote e dificilmente se

responsabilizando por outras atividades. Apesar de a família viver basicamente da renda do

coco, a participação da esposa na renda familiar também é fundamental, já que além de atuar

como dona de casa e se encarregar do cultivo dos produtos do quintal, pode exercer ainda outras

funções, atuando como professora ou vendedora, por exemplo. A família pode também contar

com o aposento dos pais, que por ventura possam estar morando na mesma casa, e com o Bolsa

Família, dependendo do rendimento familiar.

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176

Nesse grupo, os produtores são os principais responsáveis pela manutenção dos lotes,

mas contam sempre com a ajuda de diaristas e/ou de algum familiar. Esses produtores

costumam recrutar diaristas de uma a três vezes por semana, dependendo dos serviços a ser

realizados no lote, tais como a capina, a adubação, a poda das árvores, a pulverização, a colheita

do feijão e da mandioca etc. Já a comercialização dos frutos é realizada exclusivamente via

atravessadores, responsáveis pela colheita, com o auxílio de seus próprios trabalhadores, e pelo

transporte dos frutos destinados aos consumidores finais.

c) Grupo de produtores cuja renda advém do coco e de outras atividades

Se trata de um grupo diversificado de produtores, cuja característica principal consiste

no acúmulo de outras atividades mais rentáveis associadas ao cultivo do coco. Esses produtores

podem ser tanto os colonos assentados pelo DNOCS, como os seus filhos e os demais que

chegaram no perímetro somente nestas últimas duas décadas. Uma característica comum aos

produtores desse grupo é sempre a posse de mais de um lote, indo de dois a seis lotes, e também

de quintais e áreas mortas. Esses produtores podem morar no quintal da família ou em quintal

próprio não destinado ao plantio de coco.

O principal produto cultivado nos lotes é o coco. Exploram por volta de 8 a 30 hectares

distribuídos nos vários lotes, quintais e áreas mortas de propriedade dos produtores. Possuem

em média 1.000 a 3.200 coqueiros, que dão uma produção mensal de 15 a 40 mil frutos verdes

por mês, dependendo do período do ano e da quantidade de insumos utilizados. Comumente

fazem um plantio consorciado com feijão e mandioca, para consumo próprio, venda do

excedente e/ou fixação de nutrientes no solo. No quintal, esses produtores normalmente

cultivam coco e criam várias cabeças de gado bovino (por volta de 20) e ovino (em torno de

30), visando a venda da carne e especialmente do leite, e em alguns desses quintais há um

pequeno cultivo de árvores frutíferas e hortaliças.

Esses produtores têm um amplo acesso ao pacote técnico-científico disponibilizado para

o cultivo de coco, e a cada mês renovam o estoque de insumos, usufruindo sem muita

dificuldade das benesses advindas com a modernização da produção do fruto. Fazem a

aplicação dos adubos químicos e agrotóxicos mensalmente, e sempre após a colheita dos frutos

adquirem novos insumos. A cada dois meses alugam as máquinas agrícolas com outro produtor

que as possua, não dispondo de maquinário próprio. Esporadicamente recorrem aos serviços de

técnicos agrícolas, que trabalham principalmente nas lojas de insumos de Paraipaba. Um

diferencial desses produtores está relacionado ao acesso à água, uma vez que todos eles

possuem poços profundos e/ou próprios reservatórios que acumulam a água visando suprir a

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carência durante a suspensão do seu fornecimento; além disso, todos os coqueiros plantados

são servidos por um microaspersor.

Devido a uma considerável produção mensal, a mais importante fonte de renda desses

produtores advém do cultivo de coco, vista como a atividade principal da família. Entretanto,

apesar de proporcionar os maiores rendimentos, a produção do fruto não é a única atividade

igualmente rentável desempenhada pelos produtores, que atuam ainda como pecuaristas,

atravessadores (vendendo a própria produção e a de outros produtores) e/ou comerciantes,

ampliando a renda mensal familiar. Há ainda alguns produtores que complementam a renda a

partir do aposento do casal, situação observada quando o produtor já é aposentado.

Nesse grupo, os responsáveis pela exploração direta dos lotes não são os produtores, e

sim os diaristas e algum funcionário de confiança, cabendo aos produtores se responsabilizarem

somente pela gestão do lote e pela comercialização dos frutos. Devido ao grande número de

lotes, esses produtores recrutam semanalmente ou diariamente de dois a oito diaristas para

realizarem as atividades nos lotes. Os produtores possuem ainda em seu quadro de funcionários

um trabalhador fixo responsável por gerir a produção agrícola na sua ausência, cabendo a ele

também recrutar os diaristas e comprar os insumos.

A comercialização dos frutos produzidos é também outro diferencial dessa tipologia de

produtores, já que eles podem vender a produção via atravessadores e/ou encaminhá-la

diretamente para o mercado. Alguns desses produtores dependem exclusivamente da atuação

dos atravessadores, não possuindo outros meios de revender os frutos; por vezes o atravessador

pode ser até mesmo o filho do produtor. Já outros produtores inseridos nesse grupo atuam

também como atravessadores, encaminhando a produção diretamente para as fábricas, para os

mercados atacadistas do país e/ou para os consumidores finais. Esses produtores possuem,

portanto, uma autonomia maior no momento da comercialização.

d) Grupo de produtores cuja renda excepcional advém do coco

Trata-se de um grupo de produtores mais ou menos homogêneo, cuja característica

principal consiste na grande produção dos frutos, que gera uma renda excepcional, e no acúmulo

de atividades; são eles os que mais incorporam os novos aportes advindos com a modernização

produtiva aos seus cultivos. Esses produtores começaram a atuar no perímetro com apenas um

lote, mas após várias aquisições e incorporações possuem atualmente de 8 a 12 lotes, além de

quintais e áreas mortas. Diferentemente do observado nos outros três grupos, tais produtores

moram na cidade de Paraipaba ou na cidade de origem, nunca no próprio perímetro.

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Cultivam basicamente coco nos lotes, nos quintais e nas áreas mortas, que chegam a

medir juntos entre 30 e 50 hectares. Possuem em média 5 a 12 mil coqueiros distribuídos nas

áreas que possuem, dando uma produção que vai de 60 a 120 mil frutos por mês. Por vezes

fazem um plantio consorciado com feijão e mandioca visando exclusivamente a

comercialização e/ou a fixação de nutrientes no solo, nunca o consumo da família. No quintal

comumente plantam coco, e um dos produtores cria 200 cabeças de gado. Não cultivam nenhum

outro produto nos quintais além do coco, diferentemente dos demais grupos.

Fazem a aplicação dos adubos químicos e agrotóxicos mensalmente, e de adubo

orgânico anualmente, e compram os insumos nas lojas de Paraipaba e de Fortaleza ou até

mesmo diretamente com os fabricantes e fornecedores. É o único grupo de produtores que

possui máquinas agrícolas, podendo ainda alugar esse maquinário para outros. Têm amplo

acesso à assistência técnica, contando inclusive com agrônomos no quadro de funcionários, e

fazem análises de solo e foliar em laboratórios especializados. Os coqueiros são todos irrigados

por microaspersão, e muitos deles são adubados através do sistema de fertirrigação. Esses

produtores possuem poços profundos e/ou reservatórios de água em cada um dos lotes,

dispondo de motores para puxar água e garantir o seu abastecimento.

A principal fonte de renda desses produtores é a produção de coco, mas apesar de

proporcionar os maiores rendimentos, não é a única atividade desempenhada pelo produtor.

Citamos exemplos de três produtores específicos. Um deles começou primeiramente apenas na

atividade agrícola e em 1987 abriu uma pequena loja de variedades no centro da cidade; com o

tempo, comprou vários lotes no perímetro e investiu pesado na produção de coco, fazendo

crescer também a sua loja e investindo na criação de gado. Outro produtor, filho de colono,

começou vendendo a produção de coco do pai, em seguida de vizinhos, e após um período já

tinha se transformado em um dos maiores atravessadores do perímetro, tendo resolvido também

investir na produção do fruto e na aquisição de lotes. Já o outro exemplo é de um produtor

espanhol que chegou no perímetro em 2005 e começou adquirindo alguns lotes e investindo na

produção de coco; em 2010 resolve abrir uma loja de insumos, atualmente a maior loja desse

tipo de toda a região. Temos, portanto, produtores que são também comerciantes, pecuaristas e

atravessadores, atividades essas ligadas ao cultivo de coco.

Esses produtores atuam sempre com o auxílio de trabalhadores fixos e permanentes,

cabendo a eles apenas a gestão do lote e a comercialização dos frutos, atividades por vezes

assumidas por funcionários de confiança. Os trabalhadores fixos, que vão de dois a quatro e

que atuam de carteira assinada, geralmente são responsáveis pela administração dos lotes, pelo

recrutamento de diaristas, pelo conserto dos equipamentos de irrigação, pela compra dos

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insumos, pela manutenção do maquinário agrícola, entre outros afazeres, podendo também ser

agrônomos e técnicos agrícolas. Já os trabalhadores temporários variam sempre numa

quantidade de 6 a 15, dependendo das atividades a serem realizadas.

Tais produtores possuem um maior leque de possibilidades para realizar a

comercialização dos frutos, podendo vender através dos atravessadores, direto para as fábricas

e/ou diretamente para os consumidores finais. Um desses produtores comercializa

exclusivamente via atravessadores, não precisando se preocupar com a colheita, o escoamento

e a venda dos frutos. Já outro é também um atravessador, vendendo sua produção e a de outros

produtores diretamente para as empresas Ducoco, Paragro e Adelcoco, ampliando seus

rendimentos, já que comercializa sem a intermediação de outros agentes. Ainda um outro

produtor destina a sua produção para a empresa Ducoco, para atravessadores e para os

consumidores finais, dependendo sempre do valor do coco.

e) Um novo agente entra em cena: o produtor agroindustrial

Inclui esse grupo a empresa Paragro, a agroindústria que exerce uma maior influência

no perímetro, já que se localizada dentro da área do Curu-Paraipaba e consome uma elevada

quantidade de frutos todos os dias, que são adquiridos no próprio perímetro. Devido à

proximidade com os lotes agrícolas, reduzindo os gastos com transporte, e à enorme quantidade

de atravessadores e produtores existentes, a Paragro acaba adquirindo grande parte do coco

verde que ela processa, conforme relataram seus diretores.

A Paragro comprou seu primeiro lote no perímetro em 2012, e desde esse período já

adquiriu 8 lotes, todos voltados exclusivamente para o plantio de coqueiro anão. Em uma área

média de 30 hectares a empresa cultiva 6 mil coqueiros, responsáveis por uma produção de 80

mil frutos por mês. Assim como os produtores do último grupo, a Paragro faz uma ampla

utilização de inovações técnico-científicas, dispondo de máquinas agrícolas, irrigando os

coqueiros através do sistema de microaspersão, associado à prática de fertirrigação, possuindo

ainda técnicos agrícolas e agrônomos à sua disposição.

Diferentemente dos outros grupos de produtores do perímetro, a Paragro é regida por

uma lógica financeira e comercial que não é baseada na produção de coco para a

comercialização, e sim para o próprio consumo, visando ampliar o seu estoque de matéria-

prima. Partindo desse prisma, observa-se a entrada de uma lógica industrial na produção

agrícola do fruto e na aquisição dos lotes no Curu-Paraipaba, uma vez que a Paragro se tornou

a primeira empresa a realizar a compra desses lotes, abrindo um caminho para o desenrolar de

novas dinâmicas socioespaciais e produtivas no perímetro.

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Além dessa atuação direta da Paragro, cabe destacar também a recente chegada de outra

empresa naquele espaço. Trata-se da Cohibra, que em março de 2014 (período de realização do

trabalho de campo) havia comprado um lote e iniciado o plantio de mudas de coqueiro anão

visando a comercialização das mesmas; a Cohibra tem um propósito diferente da Paragro,

investindo apenas no plantio e na comercialização de mudas de coqueiro. A recente chegada

dessas duas empresas no perímetro é um indicador de que novas e importantes mudanças estão

em via de acontecer, mudanças essas marcadas pelo desenvolvimento de uma agricultura de

caráter ainda mais empresarial e com finalidades completamente distintas dos cultivos

realizados pelos outros produtores.

Em resumo, a partir da construção dessa proposta de tipologia fica mais evidente a

diversidade de produtores de coco que atuam no Curu-Paraipaba, indicando também o

comportamento dessa tendência observada em todo o Ceará. Entretanto, há de se ponderar que

são inúmeras as outras formas de caracterização desses produtores, já que estamos diante de

uma importante diversidade teórica e metodológica de ver e analisar as formas de produção e

de organização dos produtores rurais, como asseguram Sourisseau et al. (2012), abrindo

caminho para a elaboração de tantas outras propostas de tipologias, apesar das limitações

encontradas em todas elas, inclusive na tipologia aqui apresentada.

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Quadro 05 – Proposta de tipologia dos produtores de coco do perímetro irrigado Curu-Paraipaba e suas principais características.

Variáveis

Tipologias

Grupo cuja renda

advinda do coco é

insuficiente

Grupo cuja maior parte da

renda advém do coco

Grupo cuja renda advém

do coco e de outras

atividades

Grupo cuja renda

excepcional advém do

coco

Produtor agroindustrial

Quantidade de lotes

e local de moradia

Exploram no máximo 2ha

do único lote da família.

Moram nos quintais que

eram/são dos pais.

Normalmente exploram

apenas um lote e moram no

quintal da família ou em

quintal próprio.

Possuem de 2 a 6 lotes, além

de vários quintais e áreas

mortas. Moram no quintal da

família ou em quintal

próprio não destinado ao

plantio de coco.

Possuem de 8 a 12 lotes,

além de vários quintais e

áreas mortas. Moram na

cidade de Paraipaba ou na

cidade de origem, e não no

perímetro.

Chegou no perímetro em

2012 e já possui 8 lotes.

Produtos cultivados

no lote e quintal

Cultivam no lote

principalmente o coco.

Sempre fazem um plantio

consorciado com feijão e

mandioca. No quintal

plantam coco e uma série

de árvores frutíferas e

hortaliças.

Cultivam no lote

principalmente o coco.

Sempre fazem um plantio

consorciado com feijão e

mandioca. No quintal

comumente plantam coco e

uma série de árvores

frutíferas e hortaliças.

Cultivam no lote

principalmente o coco.

Normalmente fazem um

plantio consorciado com

feijão, mandioca e capim.

No quintal plantam coco e

criam gado bovino, e em

alguns deles cultivam outros

produtos.

Cultivam no lote

principalmente o coco.

Fazem um plantio

consorciado com feijão e

mandioca. No quintal

plantam coco e criam gado.

Não cultivam outros

produtos nos quintais.

Cultiva exclusivamente

coco.

Área cultivada com

coco, quantidade

produzida e de

coqueiros

Exploram em média apenas

de 0,5 a 2ha do lote.

Possuem de 75 a 250

coqueiros, que dão uma

produção que varia entre

1.200 a 3.500 frutos por

mês.

Exploram por volta de 3,6 a

4ha, que correspondem à

área de apenas um lote.

Possuem de 400 a 600

coqueiros, que dão uma

produção de 5 a 10 mil

frutos por mês.

Exploram por volta de 8 a

30ha, distribuídos nos vários

lotes, quintais e áreas

mortas. Possuem em média

1.000 a 3.200 coqueiros, que

dão uma produção que vai

de 15 a 40 mil frutos.

Exploram entre 30 e 50ha,

distribuídos nos lotes,

quintais e áreas mortas.

Possuem em média de 5 a

12 mil coqueiros, que dão

uma produção mensal que

vai de 60 a 120 mil frutos.

Explora por volta de 30ha,

com um plantio de 6 mil

coqueiros, responsáveis

por uma produção média

de 80 mil frutos por mês.

Principais fontes de

renda e atividades

exercidas pelo

responsável pelo

lote

Os rendimentos não advêm

exclusivamente da renda do

coco, em virtude do

número reduzido de

coqueiros que possuem.

Exercem várias outras

atividades para

complementar a renda,

trabalhando como diaristas,

pedreiros, motoristas...

A maior parte da renda da

família advém da venda do

coco. O produtor atua

essencialmente como

agricultor, trabalhando

exclusivamente no lote.

A principal fonte de renda é

a produção de coco, mas,

apesar de a atividade

proporcionar os maiores

rendimentos, não é a única

desempenhada pelo

produtor.

A principal fonte de renda é

a produção de coco, mas,

apesar de a atividade

proporcionar os maiores

rendimentos, não é a única

desempenhada pelo

produtor.

A produção de coco visa

exclusivamente atender as

necessidades da empresa.

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182

(continuação)

Fonte: Trabalho de campo, 2014. Baseado em Bühler (2008). Elaboração: Cavalcante, 2014.

Variáveis

Tipologias

Grupo cuja renda

advinda do coco é

insuficiente

Grupo cuja maior parte da

renda advém do coco

Grupo cuja renda advém

do coco e de outras

atividades

Grupo cuja renda

excepcional advém do

coco

Produtor agroindustrial

Sistemas técnicos

utilizados na

produção e formas

de acesso à água

Fazem a aplicação dos

adubos químicos e

agrotóxicos de dois em dois

meses, e anualmente

aplicam o adubo orgânico.

Alugam as máquinas

agrícolas e/ou fazem todo o

trabalho com o auxílio de

uma enxada. Os coqueiros

são irrigados por aspersão

convencional e/ou parte

deles por microaspersão.

Dependem do fornecimento

da água.

Fazem a aplicação dos

adubos químicos e

agrotóxicos mensalmente, e

anualmente aplicam o adubo

orgânico. Sempre alugam as

máquinas agrícolas. Os

coqueiros são

majoritariamente irrigados

por microaspersão.

Dependem exclusivamente

do fornecimento da água via

canais do DNOCS.

Fazem a aplicação dos

adubos químicos e

agrotóxicos mensalmente, e

anualmente aplicam o adubo

orgânico, por vezes

produzido no próprio

quintal. Sempre alugam as

máquinas agrícolas. Os

coqueiros são

exclusivamente irrigados por

microaspersão. Possuem

poços profundos e/ou

reservatórios de água.

Fazem a aplicação dos

adubos químicos e

agrotóxicos mensalmente, e

anualmente aplicam o

adubo orgânico. Possuem

máquinas agrícolas. Têm

acesso a assistência técnica

e a análises de solo e foliar.

Os coqueiros são

exclusivamente irrigados

por microaspersão.

Possuem poços profundos

e/ou reservatórios de água.

Faz a aplicação dos

adubos químicos e

agrotóxicos mensalmente,

e anualmente aplica o

adubo orgânico. Possui

máquinas agrícolas. Tem

acesso a assistência

técnica e a análises de solo

e foliar. Os coqueiros são

exclusivamente irrigados

por microaspersão e

atendidos por

fertirrigação.

Organização do

trabalho no cultivo

do coco

Fazem todo o trabalho nos

lotes, normalmente com a

ajuda de um membro da

família (irmão e filho) e

dificilmente recrutam os

serviços de diaristas.

Fazem todo o trabalho no

lote, sempre acompanhados

de diaristas e às vezes de

algum outro membro da

família.

Os responsáveis pela

exploração direta dos lotes

são os diaristas e um

trabalhador fixo, cabendo

aos produtores se

responsabilizarem somente

pela gestão do lote e pela

comercialização dos frutos.

Os responsáveis pela

exploração dos lotes são

sempre os trabalhadores

temporários e fixos,

cabendo aos produtores se

responsabilizarem somente

pela gestão do lote e pela

comercialização dos frutos.

Os responsáveis pela

exploração dos lotes são

sempre os trabalhadores

temporários e fixos.

Comercialização

dos frutos e acesso

ao mercado

São inteiramente

dependentes dos

atravessadores para

comercializar os frutos. Só

acedem ao mercado através

dos atravessadores.

São inteiramente

dependentes dos

atravessadores para

comercializar os frutos. Só

acedem ao mercado através

dos atravessadores.

Comercializam os frutos via

atravessadores e/ou

encaminham a produção

diretamente para o mercado.

Possuem um maior leque

de possibilidades para

realizar a comercialização

dos frutos, podendo vender

com atravessadores,

diretamente para as fábricas

ou para os consumidores.

A produção de coco visa

exclusivamente atender as

necessidades da empresa,

não sendo destinada à

comercialização.

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4.2 CONFIGURAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DO COCO

Além dos produtores, outros agentes igualmente importantes para o pleno

desenvolvimento do setor do coco são os inúmeros trabalhadores que aí atuam, tanto na parte

das produções agrícola e industrial, quanto na parte da comercialização e distribuição. Durante

os trabalhos de campo, atestamos a existência de um verdadeiro mercado de trabalho

diretamente associado ao contexto produtivo do coco, altamente dinâmico e em progressiva

expansão, formado por distintos profissionais, que realizam as mais diversas atividades, com

destaque para aquelas associadas à produção e à colheita dos frutos.

Ao analisar a configuração desse mercado de trabalho diretamente vinculado aos

espaços de produção de coco é possível compreender como ele está organizado e qual o perfil

dos trabalhadores inseridos nessa atividade150. Com as informações obtidas nos trabalhos de

campo, nota-se que, de um modo geral, eles são majoritariamente do sexo masculino151 e

possuem uma faixa etária que vai de 16 a 42 anos. Os mais jovens são filhos de agricultores e

normalmente moram na zona urbana do município onde está localizado o estabelecimento em

que trabalham, já os mais velhos são aqueles agricultores que por algum motivo perderam suas

terras e/ou resolveram trabalhar em outros locais para complementar a renda familiar.

Destaca-se que, diferentemente de outras produções agrícolas, a de coco é

completamente dependente do trabalho braçal, uma vez que tanto o plantio como a colheita não

são mecanizadas, assim como as demais etapas associadas ao cultivo do fruto, necessitando

sempre de alguns trabalhadores para realizá-las. Contudo, de acordo com Cavalcanti, Mota e

Silva (2006, p. 138), quando comparada a outras produções agrícolas, constata-se a baixa

exigência de mão de obra por hectare para o cultivo do coqueiro, em virtude do reduzido número

de árvores em cada um dos hectares cultivados.

A intensidade desse trabalho nos coqueirais vai depender diretamente da idade e da

quantidade de coqueiros e da área total cultivada com as árvores. Conforme demonstra Mota

(2003), o período que antecede o plantio até o primeiro ano das árvores é o momento que mais

exige mão de obra, pois diversas atividades são realizadas simultaneamente, como o preparo do

terreno e do solo, a aração, a gradagem, a abertura das covas e o plantio das mudas. Além disso,

quanto maior for a área plantada e a quantidade de coqueiros cultivados mais trabalhadores são

150 Um importante estudo sobre o mercado de trabalho em espaços de produção de coco foi realizado por Mota

(2003), onde são analisadas as relações de trabalho existentes na produção de diversas frutas, especialmente o

coco, cultivadas em perímetros irrigados instalados no Platô de Neópolis (SE). 151 De acordo com Cavalcanti, Mota e Silva (2006, p. 139), “[...] por estar o coqueiro muito associado à conquista

de espaço e à reserva de valor, foi sempre uma atividade muito relacionada aos homens, que o escalavam e

controlavam o comércio dos seus frutos”.

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recrutados para executar essas atividades. Depois do primeiro ano após o plantio, o número de

trabalhadores atuando no cultivo do fruto tende a se estabilizar.

Analisando somente o processo da produção agrícola propriamente dita, é possível notar

que existem variadas funções exercidas pelos mais diversos trabalhadores, muitas das quais

surgidas somente após o advento da reestruturação produtiva do setor, como é o caso das

atividades relacionadas à manutenção dos equipamentos de irrigação e à realização das novas

práticas agronômicas. É possível observar ainda a existência de uma divisão técnica e social do

trabalho ligada à produção de coco, que possui um mercado de trabalho bastante peculiar.

Além de atuar no preparo do terreno e no plantio, os trabalhadores estão envolvidos em

várias atividades, muitas das quais realizadas a cada mês, como limpeza do coqueiral, roçagem,

realização do rodapé do coqueiro, aplicação de fertilizantes e adubos, pulverização, controle de

pragas, poda das folhas dos coqueiros, análise dos nutrientes do solo, instalação e manutenção

dos equipamentos de irrigação, manutenção das cercas, colheita dos frutos, retirada da casca do

coco seco, limpeza dos cachos de coco verde, transporte e armazenamento dos frutos, entre

outras. Todas essas funções vão depender diretamente do foco da produção – coco verde ou

seco – bem como da variedade de coqueiro cultivada, dependendo ainda do período do ano.

Grosso modo, podemos dividir o conjunto dos trabalhadores que atuam na produção de

coco em três grandes grupos, de acordo com as atividades que são desempenhadas e a própria

organização da divisão social e técnica do trabalho. O primeiro desses grupos é composto pelos

trabalhadores diretamente vinculados à produção agrícola, responsáveis pelo processo

produtivo em si. O segundo grupo é formado por profissionais com uma formação técnica

especializada, que exercem funções bastante específicas. Já o terceiro e último grupo é

composto por aqueles trabalhadores que atuam basicamente na colheita, no transporte e no

armazenamento dos frutos.

Os trabalhadores responsáveis pela produção de coco em si, que integram o primeiro

grupo, podem ser tanto o dono do coqueiral e sua família como também os diaristas e os que

trabalham com carteira assinada. Nesse grupo é possível observar uma nítida divisão do

trabalho, segmentado em três atividades principais. A primeira delas é a que diz respeito aos

tratos com os coqueiros (fotos 33 e 34), a exemplo das práticas de limpeza, rodapé152 e aplicação

de adubos e fertilizantes, atividades praticadas sempre por um grande número de trabalhadores.

A segunda atividade refere-se à instalação e manutenção dos equipamentos de irrigação, que

152 Os trabalhadores encarregados de fazer o rodapé dos coqueiros ganham um valor que depende do total de

árvores nas quais eles fazem esse rodapé. Para cada coqueiro trabalhado, estava sendo pago, na época do trabalho

de campo, 50 centavos pelo serviço.

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ficam a cargo de trabalhadores que têm um conhecimento mais específico e que sabem operar

tais equipamentos, com formação técnica na área ou não.

A terceira atividade é a pulverização dos coqueiros (quando são aplicados os

agrotóxicos), que não é realizada por todos os trabalhadores devido aos altos riscos a que eles

são expostos, razão pela qual essa atividade fica a cargo apenas daqueles já bastante experientes

e habituados com o manuseio dos venenos153. Em praticamente todas as entrevistas realizadas

com produtores e trabalhadores, ficava sempre evidente os riscos aos quais eles são submetidos

ao entrar em contato com os agrotóxicos; e muitos deles se recusam a aplicar os venenos em

virtude de já terem apresentado algumas complicações devido à utilização indevida desse tipo

de inovação amplamente difundida pela chamada Revolução Verde e que apenas recentemente

foi incorporada pelos produtores de coco.

Foto 33 – Trabalhador atuando na realização Foto 34 – Trabalhador atuando na limpeza

do rodapé do coqueiro, em Paraipaba/CE. do coqueiral, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

No segundo grupo de trabalhadores que atuam na produção de coco estão os

profissionais especializados e que desempenham papéis específicos. Tais trabalhadores podem

ser administradores rurais, técnicos agrícolas, agrônomos, tratoristas, entre outros profissionais.

São eles os típicos representantes do mercado de trabalho agrícola não-rural, normalmente de

origens e vivências urbanas (ELIAS, 2006), que por vezes passam a ser assalariados

permanentes, desenvolvendo funções previamente determinadas no cultivo de coco,

relacionadas ao controle de pragas e ao acompanhamento da produtividade dos coqueiros, por

exemplo. Durante os trabalhos de campo notamos que somente as grandes fazendas contavam

com a presença permanente de administradores rurais e de técnicos agrícolas ou agrônomos.

153 Os trabalhadores responsáveis pela aplicação dos agrotóxicos recebem um pagamento maior que os outros, já

que o valor é pago em função da quantidade de veneno aplicada.

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Por fim, no terceiro grupo estão os trabalhadores que atuam basicamente na colheita, no

transporte e no armazenamento dos frutos. Aqui o que vai determinar a tarefa de cada é o tipo

de coco que será colhido, o verde ou o seco. Na colheita do coco verde (em um coqueiro anão),

é comum cinco trabalhadores atuarem ao mesmo tempo, um deles se encarregando de cortar o

cacho contendo os frutos com uma espécie de lança/foice e outros dois de segurar os cachos

com a ajuda de um guincho, evitando o impacto dos mesmos com o solo. A partir daí, depois

de colhido o coco, os demais ficam encarregados de fazer a limpeza dos cachos, deixando

somente os frutos, e de transportá-los até o caminhão, por exemplo.

Tais trabalhadores são conhecidos popularmente como “tiradores de coco” e surgiram

apenas a partir da expansão do cultivo de coqueiro anão pelo Ceará, conforme nos foi relatado.

Como visto, tais tiradores de coco se dividem em quatro funções principais no momento da

colheita dos frutos, através de uma distinta divisão técnica do trabalho, dando origem a quatro

personagens distintos, identificados nas fotos 35 e 36: o foiceiro, responsável por cortar os

cachos com coco, o gancheiro, responsável por manusear o guincho para segurar os cachos, o

pelador, incumbido da limpeza dos frutos retirando as hastes que ficam no coco, e o puxador,

encarregado de retirar os cachos do chão e carregá-los até o caminhão154.

Foto 35 – Colheita do coco verde, com destaque para Foto 36 – Colheita do coco verde, com destaque

o trabalho do foiceiro e dos gancheiros, em Paraipaba/CE. para o trabalho do puxador, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Já a colheita do coco seco (em um coqueiro gigante) é realizada por trabalhadores que

sobem no alto dos coqueiros, chamados de subidores ou derrubadores, e cortam os cachos com

o auxílio de um facão, fazendo-os vir ao chão; alguns deles sobem nos coqueiros com uma

espécie de correia amarrada nas pernas e no tronco da árvore, com o auxílio de esporas nos pés

para ajudar a subir nos coqueiros ou então sobem sem auxílio nenhum e se seguram no tronco

154 Esses trabalhadores ganham individualmente em média 60 reais a cada colheita realizada (que pode chegar aos

10 mil frutos por dia). Esse valor depende sempre da quantidade de frutos colhidos por toda a equipe e da função

exercida por cada um deles, já que nem todos ganham o mesmo valor.

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dos coqueiros apenas com os braços e as pernas. Em seguida outros trabalhadores ficam

encarregados de retirar a casca dos frutos, os chamados descascadores (foto 37), enquanto os

demais se encarregam de transportá-los para o caminhão (foto 38). Destaca-se que os

responsáveis pela colheita e por descascar o coco ganham sempre por produção155, o que

depende muito da habilidade e disposição de cada profissional. Na maioria das vezes, todos os

trabalhadores que atuam na colheita do coco, verde ou seco, são recrutados pelos

atravessadores, responsáveis pela revenda desses frutos.

Foto 37 – Trabalhadores responsáveis por Foto 38 – Trabalhadores responsáveis por carregar

descascar o coco seco, em Amontada/CE. o caminhão com coco seco, em Amontada/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Nessa configuração do mercado de trabalho associado à produção de coco podemos

encontrar três distintas formas de atuação dos trabalhadores, no que tange à maneira como são

recrutados. Atuam produzindo o fruto no Ceará concomitantemente trabalhadores assalariados

(que possuem carteira assinada), trabalhadores temporários (representados pelos diaristas) e

trabalhadores familiares (que atuam com conta própria). Tais profissionais exercem, na maioria

das vezes, as mesmas atividades, mas ambos possuem diferentes participações na composição

desse mercado de trabalho do coco.

Nota-se que está em curso atualmente um importante processo de profissionalização da

atividade ligada ao cultivo de coco, e com ele uma grande mudança no perfil desses

trabalhadores, em virtude da reestruturação produtiva que atinge o setor, responsável por

modificar as relações sociais de produção anteriormente predominantes. Com isso, observamos

a expansão e a consolidação de um mercado de trabalho agrícola formal (ELIAS, 2006;

BEZERRA, 2012) associado ao cultivo do fruto, que não existia em larga escala até meados do

final dos anos 2000 e início de 2010, como informado pelos produtores entrevistados, que

155 Na época da realização dos trabalhos de campo, os derrubadores estavam ganhando 1 real por cada coqueiro

colhido, já os descascadores ganhavam 4 reais por cada 100 frutos descascados.

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indicaram ainda que antes desse período praticamente ninguém trabalhava no ramo do coco

com carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados156.

Assim, o assalariamento desses trabalhadores é um processo muito recente, iniciado

basicamente a partir da instalação de grandes fazendas de coco pelo Ceará, que estão investindo

na contratação formal de seus funcionários. Isso se deve diretamente ao advento de uma

produção de coco realizada em moldes empresariais, onde se viu a necessidade da criação de

um mercado de trabalho para poder atuar permanentemente nas atividades relacionadas ao

cultivo dos frutos, além de atender as normas impostas pelo Ministério do Trabalho, que

acompanha e fiscaliza com certa frequência as condições de trabalho nas principais fazendas

de produção de coco, no intuito de evitar a exploração dos trabalhadores.

É em tais fazendas, que geralmente funcionam também como empresas agrícolas157,

onde observamos a existência do trabalho assalariado, não encontrado nos demais espaços de

produção do fruto. Nesse sentido, é evidente a relação entre a expansão de empresas agrícolas

com o aumento da contratação de trabalhadores formais no campo, como demonstra Bezerra

(2012), indicando, acima de tudo, que “o surgimento de uma classe de trabalhadores

assalariados no campo representa a materialização do movimento do capital” (ELIAS, 2006, p.

47), que encontra meios mais favoráveis de se reproduzir a partir do momento em que é capaz

de subjugar diretamente os trabalhadores rurais aos seus ditames.

Entre os estabelecimentos que possuem apenas trabalhadores assalariados, visitados

durante os trabalhos de campo, podemos citar as fazendas Bom (em Trairi) e São Francisco (em

Paraipaba), as empresas agrícolas Iolla, Unique e Adel Coco (em Trairi), Paragro (em

Paraipaba) e Cohibra (em Amontada), que juntas possuíam 265 funcionários com carteira

assinada atuando diretamente na produção de coco, exercendo as mais diversas atividades.

Dentre esses profissionais destacam-se desde os responsáveis pelos tratos culturais no

coqueiral, passando pelos responsáveis pela colheita e pelos agrônomos e técnicos.

Além do observado em tais empresas, talvez o exemplo mais elucidativo desse mercado

de trabalho formal na produção de coco é o evidenciado na Ducoco. Segundo informações não

oficiais obtidas com seus funcionários, atuavam nas sete fazendas dessa empresa por volta de

580 trabalhadores assalariados, o que a torna a maior empregadora do setor em todo o Ceará.

156 Consultamos os dados referentes ao mercado de trabalho formal no Brasil, divulgados pelo Ministério do

Trabalho e Emprego (MTE) através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), no intuito de comprovar

estatisticamente essa evolução no número de trabalhadores assalariados no setor do coco, no entanto as

informações divulgadas estavam muito aquém das obtidas durante os trabalhos de campo. 157 Que são aquelas que possuem CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica).

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De acordo com o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Itapipoca158, em torno de

200 trabalhadores atuavam apenas das fazendas localizadas nesse município. Entrevistamos

também dois ex-funcionários da Ducoco, que informaram que a empresa não contrata

trabalhadores temporários e que nas suas fazendas todos desempenham as mesmas atividades,

dependendo do período produtivo159. Com isso, podemos afirmar, a partir das proposições

lançadas por Oliveira (2001, 2002) e Paulino (2012), que a Ducoco representa, como nenhuma

outra empresa, a materialização concreta na territorialização do capital no setor do coco.

Em contrapartida e contraditoriamente, paralelo ao crescimento do mercado de trabalho

assalariado, vemos também o aumento do trabalho temporário e familiar, que em muitos locais

representam a principal mão de obra responsável pela produção de coco. Segundo Oliveira

(2001, 2007), a existência do trabalho assalariado diante da permanência do trabalho temporário

e familiar ocorre por imposição do próprio desenvolvimento desigual e combinado do modo

capitalista de produção, que só se sustenta através da articulação com as relações de produção

não capitalistas. Desse modo, de um lado observamos a expansão do mercado de trabalho

formal, e de outro a permanência e também a expansão do trabalho temporário e familiar.

Assim, à medida que novos trabalhadores são assalariados, uns tantos outros engrossam

o exército de reserva. Com esses trabalhadores temporários, os donos do coqueiral e/ou os

administradores não firmam nenhum contrato formal; apenas são estabelecidas relações de

contrato verbal, como também o pagamento, acertado verbalmente, gerando uma grande

insegurança. Conforme notamos durante os trabalhos de campo, esses trabalhadores são

camponeses que vendem sua força de trabalho como estratégia de sobrevivência, seja em

virtude de dificuldade de acesso à terra seja pelos rendimentos insuficientes para a

sobrevivência da família (NEVES, 2014)160.

Os principais representantes desse mercado de trabalho temporário que atuam nos

espaços de produção de coco no Ceará são os diaristas, trabalhadores sazonais remunerados ao

final da atividade desenvolvida161. A presença desses profissionais vai depender do tamanho da

área cultivada com coqueiros, do período do ano e das atividades a serem exercidas, que vão

158 Entrevistado em abril de 2014, em Itapipoca. 159 Esses ex-funcionários informaram também que todos os trabalhadores possuem carteira assinada, ganham um

salário mínimo, e a jornada diária de trabalho vai das 6 horas da manhã até às 3 da tarde, com uma hora de almoço,

não fornecido pela empresa. 160 Graziano da Silva (1981, apud Elias, 2006, p. 53) considera que esse tipo de trabalhador agrícola temporário é

fundamentalmente “um proletário, ou seja, um trabalhador desprovido dos meios de produção e, enquanto tal,

obrigado a vender a sua força de trabalho para garantir a subsistência, como é o operário urbano e/ou o trabalhador

rural assalariado permanente”. 161 Além dos diaristas, notamos também a presença dos moradores, que são contratados pelos proprietários das

fazendas e encarregados de gerir todo o estabelecimento, além de passar a morar na própria unidade produtiva

juntamente com a sua família.

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desde a produção à colheita, e podem receber o pagamento pela atividade desempenhada,

dependendo de sua produtividade, ou então através de empreitada, quando o valor é definido

previamente entre trabalhador e empregador.

Na maior parte dos espaços de produção de coco por nós visitados, notamos a

predominância do trabalho temporário tanto em grandes fazendas quanto em pequenas unidades

produtivas, como sítios e lotes agrícolas. Os produtores relataram que de uma a três vezes por

semana é preciso recrutar o trabalho de diaristas, que aplicam os adubos e agrotóxicos, fazem

o roçamento e o coroamento, ficam responsáveis pela limpeza do coqueiral, entre outros

serviços. Os diaristas recebem por volta de 25 a 30 reais por jornada, que por vezes pode ser

até mais do que eles ganhariam como assalariados. Apesar de o trabalho realizado no coqueiral

ser executado por apenas um ou dois homens, as atividades por eles desempenhadas são

corriqueiras, garantindo uma oferta constante de trabalho.

Durante os trabalhos de campo visitamos fazendas que contavam com o trabalho de 15,

30, 50 e até mesmo 100 diaristas, como é o caso da Fazenda Campestre (em Itarema). Quando

perguntado por que isso acontece, o proprietário dessa fazenda respondeu: “assim é melhor, é

bom que não crio nenhum vínculo com os trabalhadores, contrato e descontrado na hora que eu

quiser; trabalhar com os avulsos, esses diaristas, chega até ser mais vantajoso, já que ninguém

é obrigado a pagar os direitos”. A partir desse depoimento, percebe-se que em alguns casos os

grandes produtores têm preferência pelo trabalho dos diaristas, por ser mais cômodo e menos

dispendioso, abrindo mão de assinar a carteira desses trabalhadores.

Os proprietários de muitos estabelecimentos produtores de coco costumam recrutar

somente trabalhadores temporários, mas por vezes isso também pode estar associado à

existência de profissionais assalariados e até do trabalho familiar. Existem fazendas que contam

com seus funcionários fixos, mas que recrutam os serviços de diaristas para a execução de

atividades que exigem um maior esforço físico e/ou são mais demoradas, como a adubação, a

pulverização e a colheita, por exemplo. Existem ainda aqueles produtores que associam o

trabalho dos diaristas com o seu próprio trabalho e/ou de membros de sua família, que são

recrutados sempre que o serviço no coqueiral aumenta.

A existência desse trabalho familiar no cultivo de coco é mais comum apenas nas

pequenas unidades de produção do fruto. Nesses casos, o coqueiral fica sob inteira

responsabilidade do patriarca da família, e a ele são agregados os filhos, sobrinhos, irmãos e

primos. Porém, existem locais onde apenas o dono do coqueiral faz todo o trabalho sozinho, e

apenas quando é necessário conta com a ajuda de algum parente e/ou recruta diaristas. Nesse

sentido, de acordo com Pimentel e Souza Neto (2003, p. 20), a mão de obra familiar nas

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pequenas unidades de produção coco tem uma remuneração que “somente será considerada por

ocasião da venda dos produtos, ou seja, sua utilização não é contabilizada como custo, uma vez

que o salário é definido pela família e não pelo mercado”.

A associação do trabalho familiar com o trabalho temporário é bastante corriqueira,

tendo em vista que quando o produtor percebe que não tem como realizar todas as atividades

sozinho ou com a ajuda de parentes, a melhor saída acaba sendo recrutar os serviços de diaristas,

permitindo até mesmo a reprodução tanto da família dos produtores quanto desses

trabalhadores. Para Paulino (2012), é essa associação entre trabalho temporário e familiar que

garante a sobrevivência de muitos pequenos produtores pelo país, que encontram aí uma forma

de se livrar da proletarização e de continuar desempenhando suas atividades.

Assim, percebe-se que, de um modo geral, com a reestruturação produtiva do setor do

coco mudam não apenas as maneiras de se produzir o fruto, como também as relações de

trabalho associadas ao seu cultivo, com o surgimento de novas atividades que contribuem para

acirrar a divisão técnica e social do trabalho e com uma expansão do mercado de trabalho

assalariado associado à permanência do trabalho temporário e familiar. Desse modo, observar

a composição do mercado de trabalho do coco é importante para o entendimento da

configuração de uma parte das relações sociais de produção do fruto e de seus constantes

reajustamentos, contribuindo também para ampliar o leque de possibilidades de apreensão da

nova geografia do coco no Ceará.

4.3 INTERMEDIÁRIOS: ENTRE A PRODUÇÃO E O CONSUMO

Além dos produtores e dos trabalhadores, outros agentes de grande importância

inseridos no circuito espacial produtivo do coco são os intermediários, principais responsáveis

por efetuar a comercialização e a circulação dos frutos, funcionando como uma ponte de ligação

entre a produção e o consumo. Santos (2008c, p. 226), em um estudo sobre os circuitos da

economia urbana, já indicava que tais intermediários agem “como um elo entre a demanda e a

oferta”, o que lhes garante um papel privilegiado nessa intermediação e, portanto, uma posição

estratégica no abastecimento. Desse modo, e na maioria das vezes, esses agentes articulam, ao

mesmo tempo, os produtores agrícolas e os consumidores finais.

É importante destacar que os intermediários englobam um grupo formado por inúmeros

agentes diferentes, que integram a chamada intermediação mercantil tradicional (MALUF,

1992), formada pelo comércio atacadista, e em alguns casos também pelo varejista. Integram

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esse grupo de intermediários sobretudo os atravessadores, que são aqueles que adquirem os

frutos com os produtores e os revendem em seguida, além também dos distribuidores,

operadores logísticos e proprietários de depósitos e armazéns, incumbidos de escoar e

armazenar toda a produção e fazer com que a mesma chegue aos comerciantes e vendedores.

De todos esses agentes o principal deles é, sem dúvidas, o atravessador, encarregado

direto de chegar até o produtor de coco e adquirir a sua produção, que depois é encaminhada

para os demais agentes inseridos nesse circuito. Por esse motivo, restringiremo-nos a descrever

apenas as principais características dos atravessadores e não as dos demais agentes que atuam

na comercialização, circulação e distribuição dos frutos, o que será feito a partir da realização

de 14 entrevistas com tais atravessadores, que foram muito importantes no sentido de facilitar

a compreensão da forma na qual eles estão organizados e atuam.

De um modo geral, e a partir do que observamos durante os trabalhos de campo, os

atravessadores que atuam na região em análise são também produtores de coco e/ou têm algum

parentesco com esses produtores, que inicialmente resolveram atuar comercializando o fruto

por uma necessidade de ampliar seus rendimentos. Esses atravessadores iniciaram nessa

atividade vendendo sua própria produção (e/ou de algum familiar) e, percebendo a sua

viabilidade, começaram também a comercializar a produção de outros produtores, dando

origem aos atravessadores tal qual conhecemos hoje.

Destaca-se que para atuar como um atravessador é necessário, antes de mais nada, ter

uma grande capacidade de articulação com os outros agentes inseridos no circuito espacial

produtivo do coco, passando pelos produtores e chegando aos distribuidores, atacadistas e

vendedores. Ademais, precisa possuir um importante montante de capital acumulado, para

iniciar o negócio, como também dispor de um pequeno caminhão para realizar a colheita e as

entregas próximas e/ou ter os contatos das empresas de frete para transportar os frutos para

regiões mais longínquas. Desse modo, apenas uma ínfima parcela de produtores se arrisca a

tentar entrar no negócio de compra e venda de coco.

Por esse motivo, e com a total ausência de cooperativas, a maioria desses produtores se

tornam diretamente dependentes dos atravessadores para que seus frutos sejam

comercializados, processo esse que gera uma série de conflitos entre esses dois agentes,

conforme destacaremos apenas no próximo capítulo. Todavia, existem ainda outros produtores

que eliminam o papel do atravessador e comercializam diretamente com as agroindústrias e/ou

com os consumidores finais, reduzindo a participação dos intermediários no controle dessa

atividade. Isso explica por que nem todos os frutos comercializados no Ceará passam,

necessariamente, pela intermediação dos atravessadores.

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Esses importantes agentes não se destacam apenas por adquirir e revender a produção

de coco, mas também por realizar a colheita dos frutos, no caso do coco verde, e por descascá-

los, no caso do coco seco. É de responsabilidade dos atravessadores recrutar um grupo de

trabalhadores que ficam encarregados de colher a produção de coco verde, já que esses frutos

devem ser comercializados e distribuídos no mesmo dia em que são colhidos, devido à sua alta

perecibilidade; desse modo, há não colheita de coco verde que não esteja a cargo dos

atravessadores. Já em se tratando de coco seco, na maioria das vezes são esses agentes os

responsáveis por também recrutar os trabalhadores para descascá-los e transportá-los.

Além disso, os atravessadores são também responsáveis por decidir para quem revender

os frutos e determinar o destino da produção, assim como a maneira como se dará esse

escoamento, excluindo por completo o produtor de participar desse processo. No ato da

negociação e comercialização dos frutos, eles são encarregados ainda por, de certa forma,

controlar os preços que serão repassados aos produtores e determinar quanto cada um deles vai

receber por sua produção, resultando em uma série de embates entre ambos, conforme já

mencionamos. Mesmo assim, hoje são os atravessadores os quase únicos agentes que atuam

nesse processo de comercialização e distribuição dos frutos.

Por esse motivo, os atravessadores podem ser facilmente encontrados nos principais

espaços de produção de coco no Ceará. O perímetro irrigado Curu-Paraipaba, por exemplo, foi

o local onde observamos a maior concentração de atravessadores, quantidade que varia sempre

de acordo com o período do ano e com a demanda de coco verde no mercado nacional, que

pode fazer aumentar a procura pelo fruto e consequentemente ampliar o número de

compradores do produto162. Ressalta-se que esses agentes sempre estiveram presentes naquele

espaço, onde, de acordo com Lima (2005, p. 156), os atravessadores encontrados nos perímetros

irrigados cearenses surgiram inicialmente por uma necessidade dos próprios produtores, que

encontraram nesses atravessadores o único meio possível de vender a sua produção.

Só para termos uma ideia dessa presença efetiva dos atravessadores nos locais onde o

coco é cultivado, estudos demonstram a grande concentração desses agentes em espaços

altamente especializados na produção do fruto, como é o caso do perímetro irrigado Curu-

Paraipaba, onde 91% dos produtores comercializam coco exclusivamente via atravessadores,

conforme aponta Mendes (2011), e do Curu-Pentecoste, com 94% dos produtores negociando

apenas via esses agentes, como indica Lima (2005). Isso também é observado em outros

perímetros fora do Ceará, a exemplo do São Gonçalo (PB), a partir do que apresenta Lucena

162 No período da realização dos trabalhos de campo havia aproximadamente 30 atravessadores atuando no Curu-

Paraipaba, quantidade que facilmente pode chegar a 60 em determinadas épocas do ano.

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(2010), em um estudo centrado na análise da comercialização de coco aí realizada e todas as

dinâmicas que envolvem esse processo.

Durante os trabalhos de campo e com a realização das entrevistas percebemos que os

atravessadores atuam de maneiras diferenciadas, até mesmo porque eles possuem

características bastante distintas uns dos outros, formando um heterogêneo grupo. Assim,

diversos são os modos pelos quais esses atravessadores podem ser distinguidos, tal como foi

observado com os produtores de coco. Dependendo da variável escolhida é possível traçar

diferentes rumos de apreensão das principais características inerentes a tais agentes, entre as

quais estão as formas de atuação, os destinos da produção, os produtos comercializados, os

espaços utilizados para tal fim, a quantidade comercializada e o perfil dos fornecedores.

Levando em conta as formas de atuação dos atravessadores e os destinos da produção

de coco, nota-se que eles podem ser subdivididos em três grandes grupos. Existem

atravessadores com uma restrita atuação, que são aqueles que atuam no espaço limitado da

comunidade onde vivem, vendendo sua própria produção e adquirindo os frutos com parentes

e/ou produtores mais próximos e os revendendo para atravessadores maiores. Essa prática foi

observada especialmente nas comunidades litorâneas de Amontada e Itapipoca, onde os

pequenos produtores vendem para um outro produtor que também atua como atravessador, que

depois repassa essa produção para atravessadores maiores que se encarregam de encaminhá-la

para outros compradores, quase sempre localizados na região Sudeste.

Existem também os atravessadores com uma atuação intermediária, que são aqueles que

adquirem os frutos em distintas comunidades e em vários municípios diferentes, movimentando

uma importante quantidade de coco todos os dias. Eles se caracterizam por possuir um

caminhão próprio e uma equipe de trabalhadores (seja de tiradores/derrubadores ou de

descascadores) sempre a postos para, diariamente, ir até os produtores adquirir os frutos. Esses

atravessadores revendem o coco diretamente para as fábricas, para o mercado atacadista, para

centrais de abastecimento, para pequenos comerciantes e vendedores, ou até mesmo para outros

atravessadores maiores.

Há ainda o grupo dos atravessadores com significativa atuação, que movimentam

diariamente dezenas de toneladas de coco – verde ou seco –, que podem possuir seus próprios

caminhões, inclusive de maior porte, e que enviam a produção para compradores de todo o país.

Esses atravessadores se distinguem dos demais não apenas pela grande quantidade de frutos

comercializada todos os dias, mas por adquiri-los em espaços que vão além dos localizados no

Estado do Ceará, já que, dependendo da grande demanda e da pouca produção estadual, eles

saem em busca de coco em vários outros Estados, notadamente nas regiões Norte e Nordeste.

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São também esses os atravessadores com maior poder de negociação no momento da compra

dos frutos, em virtude da grande quantidade de mercadoria em questão.

Nesse contexto, é evidente a formação uma verdadeira “rede de atravessadores” atuando

no mercado do coco no Ceará, onde uns sempre acabam comprando a produção dos outros.

Dessa forma, esses atravessadores dificilmente atuam sozinhos, havendo uma grande

articulação com os outros que agem nessa mesma atividade, como também com os produtores

e com os compradores e distribuidores. E são esses últimos os responsáveis por chegar até os

atravessadores informando a intenção na compra dos produtos, cabendo a eles adquirir a

quantidade de frutos determinada por tais compradores.

Muitos são os fornecedores de coco para esses atravessadores, indo desde pequenos a

grandes produtores, sem distinção. No entanto, normalmente não há fornecedores fixos,

cabendo aos atravessadores estar sempre em busca de novos produtores dispostos a lhes vender

a sua produção; além disso, também não há um mercado fixo de coco, uma vez que os

compradores finais163 devem sempre estar em contato com os atravessadores. Por vezes chegam

a existir “produtores de confiança”, que normalmente fornecem coco aos atravessadores, como

também “compradores certos”, que adquirem esses frutos; no entanto, não existe nada

assegurado concretamente.

Assim, mesmo não havendo um mercado fixo, há uma tendência de cada atravessador

se consolidar no fornecimento de coco para alguns poucos locais, mas para diferentes

compradores. Por exemplo, existem atravessadores que vendem exclusivamente para Fortaleza,

que abriga o maior mercado de coco verde do Ceará164, já outros vendem apenas para cidades

como Teresina, São Luís e Natal, atuando somente no Nordeste, enquanto outros ainda atuam

apenas vendendo coco para o mercado do Sudeste, representado especialmente pela cidade de

São Paulo. Há atravessadores que comercializam os frutos para as agroindústrias, instaladas ou

não no Ceará, que diariamente adquirem uma grande quantidade de coco (fotos 39 e 40). Ainda

há outros que revendem os frutos tanto para agroindústrias quanto para distribuidores,

dependendo sempre do preço do coco no mercado. Percebe-se, desse modo, que são vários os

locais de destino do coco e que os atravessadores se especializam em atender mercados já

previamente estabelecidos.

163 Que podem ser donos de centrais de distribuição e armazenamento, donos de restaurantes e barracas de praia,

vendedores de coco, representantes de supermercado e agroindústrias, entre outros estabelecimentos. 164 Informação repassada pelo diretor do setor de estatísticas da CEASA/CE, entrevistado em fevereiro de 2014.

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Fotos 39 e 40 – Caminhões carregados com coco verde nos pátios das empresas Paragro (em

Paraipaba/CE) e Edcoco (em Acaraú/CE).

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Além desses fatores, os atravessadores também podem ser diferenciados em razão do

produto que comercializam, o coco verde ou o coco seco. Durante os trabalhos de campo não

encontramos atravessadores que atuavam com esses dois produtos, visto que eles se

especializam na compra e venda de apenas um dos dois tipos de coco, fator que vai determinar

a forma pela qual eles atuam, já que estamos diante de dois mercados completamente distintos.

Os atravessadores de coco verde possuem uma atuação mais rápida e que deve ser mais

eficiente, pois a produção é escoada no mesmo dia em que é colhida, fazendo com que a ligação

com os produtores e compradores seja mais intensa e constante.

Já os atravessadores de coco seco possuem um maior tempo para adquirir a quantidade

de frutos determinada por seus compradores, como também um maior prazo para a sua entrega.

Destaca-se que esse atravessador possui espaços de armazenamento de coco fixados em locais

que funcionam como pontos modais de aquisição e escoamento dos frutos, normalmente

encontrados em regiões com grande expressividade na produção de coco seco. Os

atravessadores levam os frutos, descascados ou não, adquiridos nos espaços de produção até

esses espaços de armazenamento, onde somente depois é realizada a venda e o escoamento, isso

em caminhões quase sempre fretados pelos compradores.

De todos os municípios visitados, notamos a grande quantidade desses espaços de

armazenamento de coco seco principalmente nas áreas urbanas de Trairi e Itarema e na área

litorânea de Itapipoca e Amontada. Municípios especializados na produção de coco verde, como

é o caso de Paraipaba, não contam com esse tipo de estabelecimento. Na sequência podemos

ver algumas fotos desses locais onde os atravessadores armazenam os frutos antes de serem

distribuídos, e podemos notar que se tratam de pontos comerciais de pequeno porte e que

funcionam apenas como um ponto provisório de armazenamento de tais frutos.

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Fotos 41 e 42 – Locais de armazenamento e distribuição de coco seco, em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2011.

Fotos 43 e 44 – Coco seco armazenado em locais específicos antes de

ser transportado aos seus compradores, em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2014.

Dessa forma, e de um modo geral, percebe-se que as atividades de produção e as de

comercialização de coco estão intrinsicamente interligadas, não podendo, portanto, ser

apreendidas em separado, já que a produção pressupõe imediatamente a comercialização desses

frutos, que por sua vez pressupõe o consumo. Pode-se dizer o mesmo dos espaços nos quais

essas atividades são realizadas, que estão também profundamente interligados, visto que, como

assevera Santos (1985), nenhum espaço está isolado dos demais: os espaços de produção,

armazenamento, distribuição, comercialização e consumo fazem parte de uma mesma

totalidade que deve ser apreendida em conjunto. Assim como as relações estabelecidas entre

produtores, trabalhadores, atravessadores e agroindústrias, que se dão pari passu à realização

da produção e da comercialização de coco.

4.4 ORGANIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS DO COCO

Outros agentes de suma importância também inseridos no circuito espacial da produção

de coco no Ceará são as empresas agroindustriais, responsáveis por realizar o processamento

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industrial dos frutos. Com a reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil observamos

uma rápida multiplicação dessa tipologia de empresas, motivada sobretudo pela expansão do

consumo de água de coco envasada, conforme já relatamos no capítulo 2. E esse processo é

também observado com bastante vigor no Ceará, onde estão localizadas algumas das mais

importantes empresas do ramo do coco do país e onde notamos a instalação de novas empresas

a cada ano, que passam também a investir na produção agrícola dos frutos.

Na sequência apresentamos algumas características das sete principais agroindústrias

em atuação no Ceará, a saber: Ducoco, Paragro, Adel Coco, Monteiro Cocos, Edcoco, Itcoco e

Dicoco, localizadas nos seis municípios elencados para a realização dos trabalhos de campo.

Iremos focar nos aspectos históricos, produtivos e comerciais de cada uma delas, esboçando,

mesmo que de maneira não aprofundada, uma breve caracterização de seus circuitos espaciais

produtivos e de suas formas de atuação165. Essas empresas devem ser entendidas, antes de mais

nada, enquanto “organizações, atores coletivos capazes de realizar um fim particular, cujas

ações se dão de forma indissociável dos sistemas técnicos presentes no território”, segundo

afirma Xavier (2003, p. 285).

A Ducoco, como já abordamos em capítulos anteriores166, é a principal empresa em

atuação no setor cearense de coco. Oficialmente fundada em 1982, desde 1979 essa empresa

agrícola vinha investindo na produção dos frutos, que eram revendidos para outras empresas de

alimentos. Mas somente em 1982 é lançada a marca “Ducoco”, e a empresa passou a investir

também no ramo industrial, inaugurando, através de financiamentos oriundos da Sudene e de

outras instituições financeiras, sua primeira indústria, no município de Itapipoca, ainda hoje em

funcionamento. Esse foi o início da história dessa empresa cearense que se tornaria, em pouco

tempo, uma das maiores do país.

Há de se destacar que a Ducoco é um empreendimento familiar, tocado inicialmente por

empresários locais ligados à família Pinheiro, fundadora e administradora da empresa até hoje.

Nossos levantamentos indicam que essa família, além de atuar no ramo agroalimentar, sempre

atuou também em instituições financeiras e que já possuiu alguns bancos ao longo dos anos167.

Entre esses bancos de propriedade de família Pinheiro podemos citar o Banco Central do

165 Os aspectos relacionados à estrutura fundiária e à compra dos frutos por parte dessas empresas serão abordados

apenas no próximo capítulo. 166 Apesar de já termos apresentado várias características inerentes à Ducoco, cabe aqui analisarmos mais afundo

algumas delas, diante da sua importância no contexto produtivo do coco no Ceará. 167 Constatamos que os proprietários da Ducoco são os mesmos proprietários desses bancos ao comparar os nomes

dos fundadores e presidentes tanto da empresa como dos bancos, a partir de levantamentos realizados na internet.

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Nordeste, o Banco Mercantil do Ceará e o Banco Mercantil do Crédito, já extintos, além do

Banco Pine e do Banco Brickell, ainda em atuação.

Passados os primeiros anos de adaptação e inserção no mercado de coco, a década de

1990 representou a fase de expansão e reestruturação da Ducoco, através da aquisição e

incorporação de empresas concorrentes e da desconcentração espacial de suas atividades. Em

1994 foram adquiridas as fazendas e a unidade industrial da Cocesa (Cocos do Ceará), uma

importante empresa do setor e de posse do ex-governador Adauto Bezerra, e já em 1997 foi a

vez da aquisição também das fazendas e da unidade industrial da Menina, a maior empresa

cearense do ramo do coco da época e que pertencia ao então governador Tasso Jereissati, além

da Frutop, produtora de sobremesas, ainda em operação, também de propriedade de Tasso,

adquirida juntamente com a Menina168. Com essas três aquisições a Ducoco conseguiu se firmar

como uma das mais importantes empresas do setor do coco.

Completando essa fase de reestruturação, em 1995 é inaugurada na cidade de São Paulo

a sede administrativa da empresa, até hoje em atividade na região da Avenida Paulista, como

também uma pequena unidade de processamento dos frutos, extinta com a inauguração da plana

industrial de Linhares (ES), em 2007. Além de duas fábricas, hoje a Ducoco conta ainda com

sete fazendas produtoras de coco, localizadas em Itapipoca, Itarema e Camocim. Segundo

informou um diretor de produção da empresa, atualmente 100% dos frutos colhidos nessas

fazendas da Ducoco são secos; já os frutos verdes utilizados na fabricação de seus produtos são

todos adquiridos com inúmeros fornecedores.

Além de adquirir o coco verde com esses fornecedores, sejam eles produtores sejam

atravessadores169, a Ducoco trabalha com empresas parceiras, responsáveis por garantir o

fornecimento de coco ralado e de água de coco, já processada e pronta para o envase. Dentre as

empresas que fornecem água de coco destacam-se a Edcoco, a Dicoco e a Cocar (do RN), e

receberá água de coco também da Litorânea (em instalação em Paraipaba). A Ducoco compra

ainda coco ralado da Adel Coco e da Monteiro Coco, além de toda a produção da Cohibra.

Assim, nota-se que, apesar de atuarem no mesmo segmento e na mesma região, essas empresas

atuam como subsidiárias da Ducoco, que controla tais atividades.

O portfólio dessa empresa conta atualmente com quase 100 produtos distribuídos nas

marcas Ducoco, Menina e Frutop, como leite de coco, coco ralado e água de coco, além de óleo

168 Todas essas informações foram obtidas com o diretor de produção da Ducoco, em entrevista realizada nas

instalações da empresa em Itapipoca, em abril de 2014. 169 A relação da Ducoco com esses produtores e atravessadores que a fornecem coco verde será analisada apenas

no capítulo seguinte, como também a atuação de outras empresas.

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de coco, isotônicos, sucos de frutas acrescidos de água de coco, e também sobremesas em geral,

como gelatinas, pudins, manjares e quindins e, ainda, alguns tipos de chás, o que demonstra que

a produção da empresa vai muito além de produtos oriundos do coco. A Ducoco dominava, em

2007, 40% do mercado de produtos derivados do coco, 20% do mercado de água de coco e 23%

do mercado de sobremesas semiprontas do Brasil170, atuando principalmente nas regiões

Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

De acordo com os diretores de produção entrevistados, atualmente 70% de todo o

faturamento da Ducoco advém apenas da água de coco envasada, seja ela exportada e/ou

consumida no mercado nacional, quantidade que aumenta a cada ano. Esses diretores

informaram ainda que a Ducoco está envasando 150 mil litros de água de coco por dia, sendo

necessárias 12 toneladas de frutos verdes diariamente para atender essa importante demanda.

Por ano, a Ducoco está processando um total aproximado de 40 milhões de frutos (dados de

2013), enquanto em 2003 essa quantidade não passava dos 4 mil.

A agroindústria de Itapipoca171 (foto 45 e imagem 16) é responsável pelo primeiro

processamento de toda a matéria-prima produzida pela Ducoco à base de coco. Na unidade é

processado um total de 360 mil frutos por dia, o que gera, junto com as demais atividades,

aproximadamente 700 empregos diretos, que chegam aos 1.048 se somados os empregos

indiretos e os trabalhadores rurais que atuam nas fazendas, conforme informaram os diretores

da empresa. Devemos ressaltar que essa unidade da Ducoco de Itapipoca é a maior e mais

importante agroindústria localizada na região Norte do Ceará, representando um grande

impacto na economia do município e dessa região.

Foto 45 – Entrada da unidade industrial Imagem 16 – Vista panorâmica da unidade

da Ducoco em Itapipoca/CE. industrial da Ducoco em Itapipoca/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Divulgação Ducoco, 2010.

170 Fonte: http://goo.gl/ea0BgA, Jornal O Povo – “Ducoco investe em modernização”, matéria do dia 24/09/07 e

acessada em 28/08/11. 171 Representantes da secretaria de agricultura de Itapipoca, por nós entrevistados, informaram que a Ducoco

instalou sua unidade industrial nesse município, em 1982, devido aos importantes incentivos fiscais que recebeu,

a presença de uma mão de obra barata e abundante e a grande disponibilidade de matéria-prima.

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Há na Ducoco uma especialização produtiva entre suas unidades fabris, uma vez que a

agroindústria de Itapipoca fabrica somente produtos da marca Ducoco, e a de Linhares das

marcas Menina e Frutop. Além disso, a fabricação dos produtos é segmentada: a unidade de

Itapipoca produz apenas água de coco e leite de coco em caixinha, além de processar todo o

coco ralado, que somente depois é encaminhado para a unidade de Linhares para dar origem

aos outros produtos. Trata-se, portanto, de uma empresa cujo circuito é ao mesmo tempo

funcional e espacial (BENKO, 2006), o que implica diretamente uma redução de custos e uma

maior otimização da produção.

A Ducoco, além de fabricar e vender seus produtos em marcas próprias, fornece ainda

matéria-prima (sobretudo coco ralado) para a fabricação de produtos de algumas outras grandes

empresas, como Nestlé (que produz o chocolate Prestígio), Garoto, Unilever, Danone, Batavo,

Kopenhagen, Hershey’s, Lacta e Bimbo, além de atender grandes redes de varejo para a

fabricação de produtos de marcas próprias (seja leite de coco, água de coco ou coco ralado),

como Carrefour, Atacadão, Walmart e Pão de Açúcar (marca Taeq), segundo informaram seus

diretores. Fornece ainda água de coco envasada para a empresa estadunidense Vita Coco, que

já sai de Itapipoca nas caixinhas com a embalagem da Vita e segue diretamente para o Porto do

Pecém (localizado na Grande Fortaleza), por onde são exportadas.

Visando ter uma atuação em todo o território nacional, a Ducoco possui três centros de

distribuição localizados em Itapipoca, Linhares e Barueri (SP), que distribuem os produtos de

suas fábricas às diversas partes do país, formando uma complexa rede de distribuição, como

mostra C. Oliveira (2010), em um estudo inteiramente dedicado a analisar a logística da

Ducoco. O autor indica ainda que o escoamento da produção da empresa é realizado por mais

de 20 empresas transportadoras, com quem a Ducoco firma contrato em cada Estado, as quais

retiram os produtos em algum dos seus três pontos de distribuição e os encaminham aos pontos

de venda espalhados pelo país.

Durante os trabalhos de campo realizados em dois períodos distintos, evidenciamos o

grande e contínuo fluxo de caminhões dessas transportadoras, como também dos caminhões

dos atravessadores, entrando e saindo diariamente da fábrica da Ducoco em Itapipoca. Nas duas

ocasiões, notamos a presença sobretudo dos caminhões da transportadora capixaba Belmok,

uma das que prestam serviço à empresa. Segundo os moradores que residem próximo a essa

fábrica, é comum se formarem longas filas de caminhões, seja das transportadoras seja dos

fornecedores de coco, na entrada da Ducoco todos os dias, como vemos na foto 46, já sendo um

fato corriqueiro desse local.

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Foto 46 – Fila de caminhões na entrada da fábrica da Ducoco em Itapipoca/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011.

A Ducoco é, ainda, uma das maiores empresas exportadoras de água de coco envasada

do Ceará, ao lado da Paragro. O início da exportação da empresa aconteceu em 2000, quando

foi encaminhado o primeiro carregamento de água de coco em caixinha para Portugal. A partir

daí as exportações se tornaram um dos focos da empresa, que já chegou a exportar para 24

países diferentes, principalmente para os Estados Unidos, além de Portugal, Alemanha, Itália e

Espanha, entre outros172. Assim, além de ser atualmente o principal produto no mercado

nacional, a água de coco é ainda o único produto exportado pela Ducoco, o que lhe garante um

importante faturamento anual e o que fez com que a empresa mudasse toda sua estrutura

produtiva, deixando o coco ralado e o leite de coco em segundo plano.

Essas são algumas das características que fazem da Ducoco a principal empresa do setor

no Ceará, tendo uma grande capacidade de empreender as seguintes ações, entre outras:

embolsar grandes investimentos de instituições financeiras, públicas e privadas; fazer com que

o Estado instale infraestruturas que a beneficiem; movimentar grandes quantidades de matérias-

primas diariamente; empregar centenas de funcionários; gerir unidades produtivas agrícolas e

industriais geograficamente dispersas; controlar a produção de diversos produtores. Ao

executar simultaneamente todas essas atividades a Ducoco influi de maneira crucial na

organização espacial e na regulação territorial das áreas onde atua.

Outra importante empresa do ramo do coco instalada no Ceará é a Paragro (Paraipaba

Agroindustrial), atualmente uma das principais exportadoras de água de coco envasada do país.

A empresa, implantada em 2003, é uma sociedade mista suíço-brasileira173 e está instalada em

uma área dentro do perímetro irrigado Curu-Paraipaba. Conforme relataram dois de seus

diretores174, os proprietários da empresa resolveram instalar a Paragro no município de

Paraipaba por ele abrigar um importante polo de produção de coco verde, garantindo o

172 Fonte: http://ducocoalimentos.com.br/empresa/exportacao. 173 Um dos proprietários da empresa é suíço e o outro é brasileiro. 174 Entrevistados em março de 2014, na sede da empresa, em Paraipaba.

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abastecimento de matéria-prima, e pela proximidade com o porto do Pecém, localizado a

aproximadamente 45 quilômetros da empresa.

As atividades da Paragro começaram com a comercialização de água de coco em

garrafas PET, vendidas apenas no mercado do Nordeste, e com o processamento de água

comercializada em bags175 para algumas empresas do Sudeste, além de uma pequena produção

de leite de coco e coco ralado, que atendia somente mercados próximos. Entretanto, toda a

estrutura organizacional e produtiva da empresa foi alterada a partir do início dos anos 2010,

com o boom do consumo de água de coco em caixinha dentro e fora do país, resultando na

primeira exportação desse produto para os Estados Unidos e no fechamento de um contrato de

fornecimento para a Vita Coco.

Assim, já a partir de 2012 a empresa mudou completamente seu perfil produtivo,

abandonando por completo a produção de leite de coco e de coco ralado e investindo

exclusivamente na produção de água de coco envasada com a tecnologia Tetra Pak, hoje

comercializada também através de uma marca própria, a Nosso Coco. Ainda em 2012, a

empresa abriu uma pequena unidade de coleta de água de coco no município de Petrolândia

(PE), que abriga importantes perímetros irrigados especializados na produção de coco verde,

visando obter um maior leque de opção para a aquisição dos frutos. Foi aberta também uma

unidade de distribuição e representação comercial na cidade de Campinas (SP).

Atualmente, a Paragro, de acordo com seus diretores de produção, envasa uma média

de 130 mil litros de água de coco por dia, o que representa aproximadamente 100 mil frutos. O

que não é produzido e advindo das próprias fazendas é adquirido exclusivamente via

atravessadores, quantidade que representa por volta de 80% de tudo que a empresa consome

diariamente. Para dar conta dessa grande produção diária de água de coco, somente na unidade

industrial de Paraipaba trabalham 230 funcionários176 que atuam em diversas etapas do processo

produtivo, fazendo com que a Paragro se configure como a segunda maior geradora de

empregos no município, atrás somente da Prefeitura, conforme informou o secretário municipal

de desenvolvimento econômico.

A Paragro começou a investir na produção agrícola de coco também a partir de 2012, a

exemplo de praticamente todas as outras empresas que atuam no setor, e hoje já conta com

cinco fazendas localizadas em Paraipaba, adquiridas de um produtor português que atuava na

175 Espécie de tambor ou bolsa, dependendo do caso, onde a água de coco extraída é armazenada e transportada

antes de ser envasada. 176 Desse total, 95% dos trabalhadores são oriundos do próprio município, os outros 5% são funcionários

especializados e com nível superior, originários de cidades como Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro.

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produção de coco orgânico, e alguns lotes agrícolas instalados no perímetro irrigado, com um

cultivo de mais de 20 mil coqueiros, todos anões. A empresa resolveu iniciar suas atividades

no ramo agrícola com a finalidade de ter uma maior estabilidade no fornecimento de matéria-

prima, além de poder iniciar a produção de água de coco orgânica, no intuito de atender novos

nichos de mercado, tanto nacional quanto internacional.

Além de estar investindo na produção agrícola, a Paragro se empenha na conquista de

novos mercados no país, especialmente a partir do lançamento de sua própria marca de água de

coco em caixinha, que atende exclusivamente os mercados das regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Fornece também água de coco para as empresas Native, Organic, Beba Rio e Bioleve, todas do

Estado de São Paulo, fornecendo ainda o produto para a marca do grupo Pão de Açúcar. Tudo

que é adquirido por essas outras empresas já sai da fábrica de Paraipaba nas suas próprias

embalagens e prontas para serem comercializadas.

Entretanto, apesar dos investimentos no mercado interno, o foco de atuação da Paragro

é o externo, como nos foi informado. A empresa é a maior fornecedora nacional de água de

coco para a estadunidense Vita Coco, para onde são destinados em média dois contêineres por

semana. Fornece ainda água de coco para as empresas Coco, Cocowell e Isolabio, amplamente

comercializadas no Canadá e em mais de 20 países da Europa, entre eles Inglaterra, França,

Itália, Alemanha e Rússia. A Paragro abastece também a Kokissimo, do Chile, e a Coco Canada,

do Canadá. Revende ainda sua marca própria no México, país onde a empresa pretende abrir

uma filial futuramente.

Atualmente, de toda a água de coco produzida pela Paragro 90% é exportada, e desse

total aproximadamente 90% segue somente para a Vita Coco, sendo o restante distribuído entre

as demais empresas, como informaram seus diretores. Todos os produtos são exportados pelo

Porto do Pecém (90%), localizado em São Gonçalo do Amarante, e pelo Porto do Mucuripe

(10%), localizado em Fortaleza, e seguem em contêineres refrigerados diretamente para o Porto

de Nova York, maior importador de água de coco envasada pela empresa. Durante os trabalhos

de campo observamos nos arredores da unidade da Paragro, ao mesmo tempo, um grande fluxo

de caminhões carregados com coco verde (foto 47), advindo dos mais diversos locais, e uma

importante movimentação de transportadoras e contêineres (foto 48), seguindo respectivamente

em direção aos mercados localizados no Centro-Sul do país e aos portos cearenses,

demonstrando o movimento que há nos meandros da geografia do coco.

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Foto 47 – Caminhões carregados com coco verde Foto 48 – Contêiner a ser carregado com a água

no pátio da Paragro em Paraipaba/CE. de coco da Paragro em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Desse modo, percebe-se que ao longo de 10 anos a pequena unidade que fabricava e

vendia água de coco no restrito mercado nordestino torna-se uma das principais empresas do

Brasil, com expressiva atuação internacional, que teve, como nenhuma outra, toda a sua

estrutura produtiva modificada por influência direta da reestruturação produtiva do setor do

coco e pelo boom do consumo de água. Com isso, a Paragro contribuiu sobremaneira para a

inserção do coco cearense nos circuitos globalizados da produção e do consumo, incluindo o

município de Paraipaba na acirrada divisão internacional do trabalho.

A Adel Coco, localizada em Trairi, é outra empresa que inclui o grupo das principais

agroindústrias do coco instaladas no Ceará. De acordo com um de seus sócios177, a Adel foi

fundada em 2004, no município de Santo Antônio da Patrulha (RS), onde os seus fundadores

possuíam uma pequena fábrica de doces. Eles resolveram se dedicar integralmente ao mercado

do coco porque viram um importante potencial de crescimento nesse setor, e começaram, aos

poucos, a adquirir coco ralado no Nordeste e em alguns países do Sudeste da Ásia e revendê-lo

para empresas de alimentos do Rio Grande do Sul. Assim, abandonaram definitivamente a

fabricação de doces e se especializaram na venda de coco ralado, abrindo inclusive uma fábrica

em Maragogi (AL), fechada um ano após ser inaugurada.

Os fundadores da Adel instalaram a unidade industrial em Trairi apenas em 2007, e

optaram por esse munícipio devido aos incentivos fiscais que a empresa recebeu do Governo

Estadual e à proximidade com uma grande região de produção de coco seco, o litoral oeste

cearense. A Adel conta hoje com duas unidades industriais178, uma em Trairi e outra em Santo

Antônio da Patrulha, que abriga também uma distribuidora. Todo o processamento industrial

da empresa é realizado na unidade cearense, e no município gaúcho são realizados apenas uma

177 Entrevistado em maio de 2014, no escritório da Adel, em Fortaleza. 178 Em 2011 a Adel chegou a ter também uma fábrica em Neópolis (SE), desativada no ano seguinte.

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parte do empacotamento e a distribuição pelo sul do país. Além disso, a Adel conta com duas

fazendas instaladas em Trairi e com um escritório comercial em Fortaleza.

O carro-chefe da empresa é a produção de coco ralado. Segundo um de seus sócios, a

Adel produz o segundo maior volume de coco ralado em escala industrial do país, atrás somente

da Sococo. O diferencial da Adel é que seu foco está no atacado, fornecendo por ano cerca de

6 milhões de toneladas desse produto para padarias, confeitarias e fábricas de produtos à base

de coco. Assim, a maior renda da empresa advém da venda de coco ralado em grandes

quantidades, cujos pedidos de encomenda são feitos por essas outras empresas. A Adel produz

também leite de coco e água de coco comercializados em marcas próprias, além de óleo de

coco, vendido para empresas de sabão e cosméticos, e fibra de coco, vendida para

estabelecimentos especializados em jardinagem. Para dar conta de toda essa produção, a

empresa conta com 200 funcionários trabalhando na unidade de Trairi.

A Adel atua com quatro marcas próprias: Adel Coco (coco ralado e leite de coco), Super

Coco (coco ralado), Qualicoco (coco ralado e leite de coco) e Vitcoco (água de coco), e é uma

das únicas empresas que vendem água de coco em latinhas de alumínio e não em caixinhas

Tetra Pak. O principal mercado consumidor da Adel está localizado no Centro-Sul do país, e os

seus maiores compradores e consumidores de água e coco ralado são os Estados de São Paulo,

Rio de Janeiro, Goiás e Paraná. Dentre as principais empresas que adquirem coco ralado da

Adel estão: Risato, Flamboyant, Nestlé, Unilever, BR Foods e Bauduco. A Adel fornece ainda

50 toneladas de coco ralado por mês para a Ducoco.

Além de comprar coco com produtores e atravessadores locais179, a Adel investe desde

2011 no próprio cultivo dos frutos. A empresa já possui duas fazendas, que somam ao todo 440

hectares, com 24 mil coqueiros anões plantados, que irão produzir exclusivamente coco verde

para a fabricação de água de coco; uma dessas fazendas está instala nos arredores da unidade

industrial, como vemos na imagem 17, a seguir. Os coqueiros cultivados na Adel são irrigados

por microaspersores e assistidos por fertirrigação, e frequentemente são realizadas análises de

solo e foliar para garantir a produtividade e a qualidade dos frutos. Nessas fazendas atuam 50

funcionários, todos com carteira assinada.

Destacamos que a Adel é uma empresa que já nasceu direcionada para a produção de

coco ralado, mas, devido ao grande potencial do mercado de água de coco, investe também

nesse ramo. É tanto que seus diretores já estão em negociação com algumas empresas

estadunidenses para revender esse produto. E foi por esse motivo que a Adel resolveu investir

179 Destaca-se que 60% do coco ralado processado pela Adel são importados da Indonésia, Sri Lanka e Vietnã, e

o restante é adquirido com fornecedores do Ceará.

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também na produção agrícola, por uma imposição direta do mercado, a exemplo do que ocorre

com todas as principais agroindústrias do coco em atuação no Ceará, modificando a organização

produtiva do coco em Trairi.

Imagem 17 – Unidade de processamento industrial da Adel, ao lado de uma

das suas fazendas com plantio de coqueiro anão, em Trairi/CE.

Fonte: Divulgação Adel Coco, 2013.

Além dessas três grandes empresas, existem no Ceará diversas outras pequenas e médias

empresas agrícolas/agroindustriais que atuam na produção e no processamento do coco. Tais

empresas se destacam por fornecer água de coco e coco ralado para a Ducoco e/ou por

destinarem uma importante quantidade desses produtos para outras indústrias de alimentos, e

para padarias, confeitarias, restaurantes, fábricas de doces, redes de varejo, entre outros

estabelecimentos. Dentre essas empresas destacam-se a Monteiro Cocos, a Edcoco, a Itcoco e

a Dicoco, todas elas com coqueiros plantados e produzindo, possuindo uma atuação regional

bastante considerável180.

A Monteiro Cocos foi instalada em 2008 em Itarema e é de propriedade de uma família

que exerce uma grande influência política no município, além de ser uma das maiores

produtoras de coco da região. De acordo com o fundador da empresa181, desde os anos 2000 ele

trabalha produzindo, comprando e vendendo coco, atuando como atravessador, assim como seu

pai. Já consolidado no ramo da compra e venda de coco, sendo considerado hoje como o maior

atravessador em atuação em Itarema, ele resolveu abrir uma fábrica para processar esse coco e

agregar um maior valor ao produto, surgindo então a Monteiro Cocos. Com isso, o proprietário

da empresa passou a controlar parte do circuito produtivo do coco no município, passando pela

produção, comercialização, processamento industrial e distribuição.

180 Além dessas, existia também a Coconutri, localizada em Amontada, mas que encerrou suas atividades em 2012

em virtude de um grande incêndio que atingiu a fábrica, resultando no óbito de um funcionário. 181 Entrevistado em abril de 2014, na sede da empresa, em Itarema.

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No início de seu funcionamento, a Monteiro produzia unicamente coco ralado (fotos 49

e 50), destinado para empresas como a Serigy, de Sergipe, e para outras instaladas

majoritariamente no Estado de São Paulo. Essa produção exclusiva de coco ralado perdurou até

por volta de 2012, período em que foram retomadas as importações de coco seco pelas grandes

e médias empresas brasileiras, o que acabou inviabilizando a sua produção por empresas

menores. Por esse motivo, a Monteiro optou por trabalhar unicamente com clientes fixos e não

mais atuar no ramo de coco ralado, abrindo mão do lançamento de uma própria marca.

Foto 49 – Processo de lavagem do coco seco Foto 50 – Empacotamento do coco já ralado

que em seguida será ralado, na Monteiro em Itarema/CE. e secado, na Monteiro em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2011.

Hoje a Monteiro trabalha apenas vendendo água de coco seco e a polpa do coco (não

ralada) para a Ducoco, fornecendo em 2013 um milhão de quilos de polpa e 600 mil litros de

água para essa empresa. Além disso, vende flocos de coco para a Pasteuriza, de São Paulo, e

óleo de coco para uma fábrica de sabão, a Indove, de Juazeiro do Norte (CE). Vende também a

ração feita à base de restos da película do coco para fazendas de criação de porcos, e as cascas

do fruto não aproveitadas nas caldeiras da empresa são vendidas para a Ducoco. Atualmente,

está processando uma média de 30 mil frutos por dia, contando com um total de 60 funcionários,

como informou o proprietário da empresa.

Visitamos a Monteiro em duas oportunidades, em 2011 e em 2014, o que nos permitiu

perceber a evolução produtiva dessa empresa, bem como o próprio comportamento do setor

industrial do coco, já que num primeiro momento o seu foco era a produção de coco ralado para

atender o mercado em geral, e hoje é a produção de polpa de coco para atender as necessidades

da Ducoco. Além disso, seguindo a tendência observada em outras empresas, os planos da

Monteiro são investir no processamento de água de coco, que deverá abastecer também a

Ducoco. Desse modo, o que é observado na Monteiro serve de exemplo de como a

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reestruturação produtiva reorganiza também o setor industrial do coco, direcionando o foco da

maioria de suas empresas para a produção de água.

Já a Edcoco foi fundada em 2005 no município cearense de Pindoretama, e foi

transferida em 2012 para Acaraú, mais precisamente para o perímetro irrigado Baixo Acaraú,

onde se localizam a unidade de processamento industrial e os lotes agrícolas da empresa. De

acordo com o seu diretor de produção da empresa182, a Edcoco optou pela transferência da

fábrica para Acaraú em virtude da grande oferta de coco verde disponível no perímetro, o que

resultou em uma considerável redução dos gastos com transporte. Além disso, nesse espaço já

estavam sendo cultivados os lotes agrícolas da empresa.

No início de sua atuação, ainda em Pindoretama, a Edcoco produzia exclusivamente

coco ralado e óleo de coco, comercializados para a Copra (AL) e a Serigy (SE). Até o começo

de 2013, as atividades dessa empresa giravam em torno da produção de coco ralado, óleo de

coco e também de água de coco. Todavia, optou-se por privilegiar somente a produção desse

último produto, em virtude da abertura das importações de coco seco no Brasil, inviabilizando

a continuidade da produção de coco ralado. Assim, atualmente a Edcoco está produzindo apenas

água de coco, e ainda atua vendendo coco seco no mercado nacional, fornecendo a produção

para a Ceagesp, de São Paulo, e para a CEASA, de Fortaleza.

De acordo com seu diretor, a empresa encaminha toda a sua produção de água de coco

para a Ducoco (30%), para a Serigy (20%) e sobretudo para a Sumus Industrial (50%), de

Sergipe. Até os três primeiros meses de 2014, a Edcoco estava fornecendo cerca de 36 toneladas

de água por semana para a Sumus, armazenadas em bags de mil litros em uma câmara fria (foto

52), e 12 toneladas para a Ducoco. Segundo o diretor de produção da empresa, anteriormente

eles já chegaram a encaminhar cerca de 100 toneladas de água por semana para a Ducoco, e o

que explica essa oscilação é a necessidade das empresas compradoras e a capacidade de

produção da Edcoco, ainda bastante reduzida.

Instalada dentro do perímetro irrigado, a empresa possui uma larga disponibilidade de

matéria-prima, onde, além de processar seus próprios frutos, também os adquire com inúmeros

fornecedores, a maioria deles produtores que atuam somente nesse perímetro. No início de 2014

a Edcoco contava com 13 funcionários trabalhando na fábrica e 10 nos lotes agrícolas,

quantidade muito abaixo da observada em 2012, quando ainda produzia coco ralado. A empresa

está avaliando a possibilidade de lançar uma marca própria e envasar a própria produção de

182 Entrevistado em abril de 2014 na sede da empresa, em Acaraú.

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água de coco, que é somente extraída; os principais impedimentos para isso acontecer eram a

obtenção de todo o maquinário e da patente da Tetra Pak.

Foto 51 – Unidade de recebimento, extração Foto 52 – Bags onde é armazenada e transportada

e resfriamento de água de coco da Edcoco em Acaraú/CE. a água de coco da Edcoco, em Acaraú/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

A Edcoco, assim como outras empresas, resolveu investir pesado no negócio do coco,

adquirindo 80 hectares no perímetro irrigado Baixo Acaraú e plantando 10.500 coqueiros

híbridos, com o intuito de expandir sua produção de água de coco. Com isso, nota-se que mais

uma empresa passou também a se dedicar ao rentável negócio do coco. O diretor da Edcoco

afirma: “atividade melhor não poderia existir, estamos conseguindo inacreditáveis um milhão

de reais de lucro por ano; é dinheiro demais... e isso nos motiva a continuar investindo na

aquisição de terras e no plantio de coqueiros”. Esse depoimento ajuda a reforçar a discussão

acerca da difusão cada vez maior de uma lógica empresarial no cultivo dos frutos.

Além das empresas citadas, temos também a Itcoco, instalada em Itarema e em atuação

desde 2008. O seu proprietário informou183 que antes de investir no setor do coco contratou

uma agência para fazer uma pesquisa de mercado e analisar as potencialidades do negócio, que

foram muito positivas. Assim, ele resolveu instalar a unidade de processamento industrial e

iniciar um plantio de coqueiros híbridos. Quando iniciou, a empresa possuía apenas 300 metros

quadrados e contava com 13 funcionários, e hoje a fábrica já passa dos 900 metros e conta com

35 empregados, ainda apresentando potencial para expansão.

A Itcoco, diferentemente das outras empresas, produz somente farinha, óleo e torta de

coco. A farinha é vendida em grandes quantidades para fábricas que atuam no ramo alimentício,

notadamente do setor da panificação, localizadas no Centro-Sul do país. Já o óleo segue para a

empresa Sabão Juá, de Juazeiro do Norte, e a torta é adquirida pelos criadores de porcos da

região. São processados por dia 6 toneladas de frutos, adquiridos com produtores e

183 Entrevistado em abril de 2014, na sede da empresa, em Itarema.

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atravessadores de Itarema, Amontada e Acaraú. Além de atuar no ramo da produção e no

processamento de coco, a Itcoco também é fornecedora de coco seco para representantes na

Ceagesp. Até o final de 2015 a empresa está com planos de começar a produzir/envasar água

de coco para empresas de São Paulo.

Já a Dicoco, instalada em Paraipaba, atua desde 2003184. A empresa possui a unidade

industrial e as fazendas de produção de coco localizadas nas proximidades do perímetro Curu-

Paraipaba, enquanto sua sede, o escritório de vendas e a distribuidora estão localizados em

Caucaia, na Grande Fortaleza. Conforme consta em seu site185, a Dicoco iniciou suas atividades

a partir da realização de pesquisas de mercado, que mostraram a defasagem existente no

mercado de coco ralado, tendo se especializado na sua produção, vendida em grande quantidade

e que atende diversas empresas do setor de alimentos.

Atuando com uma média de 35 funcionários, entre diretos e indiretos186, a Dicoco

produz – além de coco ralado – leite e óleo de coco, distribuídos nas marcas Dikoko, Coco

Super e BrazilUp, que seguem, por encomenda, sobretudo para o Estado de São Paulo. A

Dicoco vem se especializando ainda em extrair água de coco, armazenada em bags e

encaminhada inteiramente para a Ducoco, segundo informaram alguns atravessadores que

atuam como fornecedores de ambas as empresas. O proprietário da Dicoco já possui por volta

de 200 hectares cultivados com coqueiro anão em Paraipaba, e está investindo na aquisição de

novas fazendas e lotes agrícolas no perímetro.

Assim, de um modo geral, percebe-se que essas sete empresas apresentam

características bastante semelhantes, resguardadas as devidas especificidades. Alguns pontos

chamam atenção, como por exemplo o período em que elas foram fundadas, entre 2003 e 2008,

com exceção da Ducoco, indicando que o novo momento do setor do coco pode ter levado à

abertura dessas empresas, bem como ter motivado seus reajustamentos produtivos e

organizacionais, observados recentemente. Além disso, essas empresas passaram a atuar na

produção dos frutos, comprando e incorporando lotes e fazendas, e todas adquirem a matéria-

prima com vários fornecedores, tanto produtores quanto atravessadores.

Merece destaque ainda o fato de essas empresas atuarem em conjunto, atendendo as

demandas sobretudo da Ducoco, que processa uma grande quantidade de frutos todos os dias.

Leva-se em conta também a importância que essas agroindústrias possuem para o

184 Fonte: http://www.dicoco.com.br/pagina/14114/inicial.html. 185 Destacamos que de todas as empresas do ramo de coco em atuação na região em análise, a Dicoco foi a única

na qual não conseguimos realizar uma entrevista com seus diretores/representantes. 186 Informação repassada pelo secretário de desenvolvimento econômico de Paraipaba.

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abastecimento de matéria-prima para outras empresas do setor de alimentos, localizadas

especialmente no Estado de São Paulo. Outro aspecto relevante é a grande quantidade de

trabalhadores atuando nessas empresas, aproximadamente 1.260, o que demonstra o peso delas

nos locais onde estão instaladas, utilizando-se disso no momento de obterem incentivos fiscais.

Abaixo, no quadro 06, apresentamos um resumo com as principais informações concernentes

às essas agroindústrias do coco em atuação na região que estamos considerando para análise.

Quadro 06 – Características das agroindústrias do coco instaladas na região em análise.

Fonte: Trabalhos de campo, 2014. Organização: Cavalcante, 2014.

Além dessas empresas, outro grande estabelecimento que também está investindo

pesado no processamento industrial de seus frutos é a Cohibra, anteriormente dedicada somente

à área de pesquisa e à venda de mudas de coqueiro anão e híbrido, comercializando todos os

seus frutos para a Ducoco. De acordo com o seu proprietário, os planos da Cohibra são de abrir

a maior fábrica de óleo de coco do Brasil, cuja unidade industrial já está sendo construída no

polo industrial do Pecém (em São Gonçalo do Amarante, Grande Fortaleza), com previsão para

começar a funcionar em meados de 2016. Serão construídas ainda três outras fábricas, com

localizações não divulgadas, uma de briquete (espécie de carvão à base de fibra de coco), uma

de substrato/fibra de coco e outra de extração de água de coco, que vai funcionar também em

parceria com a Ducoco, expandindo o número de agroindústrias dessa natureza no Ceará.

Observando a localização dessas oito principais empresas, chama atenção o fato de todas

elas estarem instaladas no litoral oeste cearense, concentração não observada em nenhuma outra

região do Ceará, tampouco do Brasil, comprovando a importância do Litoral Oeste não somente

Nome

fantasia

Ano de

fundação

Principais produtos

de fabricação própria

Principais

destinos da produção

Número de

funcionários

(aprox.)

Ducoco 1982 Coco ralado, leite de

coco e água de coco

Vita Coco, empresas de

alimentos e mercados

do Centro-Sul

700

Paragro 2003 Água de coco

Vita Coco e demais

empresas de revenda de

água de coco

230

Adel Coco 2007 Coco ralado, leite de

coco e água de coco

Empresas de alimentos,

mercados do Centro-

Sul e Ducoco

200

Monteiro

Cocos 2008

Polpa de coco e água

de coco seco

Ducoco, Pasteuriza e

Indove 60

Dicoco 2003 Coco ralado, leite de

coco e água de coco

Ducoco e demais

empresas de alimentos 35

Itcoco 2008 Farinha de coco e óleo

de coco

Empresas de alimentos

e mercados do Centro-

Sul

25

EdCoco 2008 Água de coco Ducoco, Serigy e

Sumus 13

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para a produção agrícola, como também para o processamento industrial do coco, e reafirmando

sua significativa especialização produtiva centrada nesse fruto. No quadro seguinte (quadro 07)

demonstramos a topologia dessas empresas, indicando os locais onde estão instalados seus

fixos, sejam suas unidades administrativas, produtivas agrícolas, produtivas industriais, sejam

de distribuição e de vendas, o que possibilita uma melhor compreensão da organização espacial

dessa tipologia de agroindústria, cujas atuações não se restringem ao Ceará.

Quadro 07 –Topologias das principais agroindústrias do coco do Ceará.

Fonte: Trabalhos de campo, 2014. Organização: Cavalcante, 2014.

Destaca-se, por fim, que essas agroindústrias do coco apresentadas, além de ser alguns

dos agentes mais importantes do circuito espacial produtivo do fruto, agem a partir de lógicas

territoriais que lhes são próprias, de acordo com o que indicam Santos e Silveira (2003)187,

conforme percebemos nos trabalhos de campo e com a realização de entrevistas,

desempenhando um papel fundamental na organização e na regulação espacial (CORRÊA,

1991). Desse modo, devemos entender essas empresas como algumas das principais

representantes da ação do grande capital atuando na produção de coco, já que o território onde

elas se instalam passa a ser organizado e utilizado em função de seus próprios interesses,

interferindo diretamente na organização dos produtores e atravessadores do fruto, por exemplo.

187 Há de se considerar que, para Xavier (2003, p. 283), a “lógica territorial das empresas não está restrita à sua

localização. Ela inclui os fluxos criados em seus circuitos espaciais da produção nas diversas etapas pelas quais

passariam seus produtos”.

Nome da

empresa

Localização

da sede

administrativa

Localização das

unidades industriais

Localização das

unidades agrícolas

Localização dos centros

de distribuição e vendas

Ducoco São Paulo (SP) Itapipoca (CE) e

Linhares (ES)

Itapipoca (CE),

Camocim (CE) e

Itarema (CE)

Itapipoca (CE), Linhares

(ES) e Barueri (SP)

Paragro Paraipaba (CE) Paraipaba (CE) e

Petrolândia (PE) Paraipaba (CE)

Paraipaba (CE) e

Campinas (SP)

Adel Coco Fortaleza (CE)

Trairi (CE) e

Santo Antônio da

Patrulha (RS)

Trairi (CE)

Fortaleza (CE), Trairi

(CE) e Santo Antônio da

Patrulha (RS)

Monteiro

Cocos Itarema (CE) Itarema (CE) Itarema (CE) Itarema (CE)

Dicoco Caucaia (CE) Paraipaba (CE) Paraipaba (CE) Paraipaba (CE)

e Caucaia (CE)

EdCoco Acaraú (CE) Acaraú (CE) Acaraú (CE) Acaraú (CE)

Itcoco Itarema (CE) Itarema (CE) Itarema (CE) Itarema (CE)

Cohibra Fortaleza (CE)

São Gonçalo do

Amarante (CE) – em

instalação

Amontada (CE),

Paraipaba (CE) e

Petrolina (PE)

Amontada (CE) e

Fortaleza (CE)

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Capítulo 5

OS LIMITES DE UMA REESTRUTURAÇÃO CONSERVADORA

Neste capítulo debatemos acerca do caráter conservador em que está ancorada a reestruturação

produtiva do setor do coco, que tem se mostrado prejudicial a uma série de sujeitos. Após

caracterizar a reestruturação conservadora da agricultura brasileira, primeiramente analisamos

a questão do acesso às inovações técnico-científicas e agronômicas advindas com a

modernização produtiva do coco. Na sequência, demonstramos como os capitais comercial e

industrial monopolizam a produção e a comercialização de coco. Por fim, discorremos como a

expansão do cultivo desse fruto contribui para ampliar a concentração fundiária e os conflitos

por terra em território cearense.

- O contexto da reestruturação conservadora do setor do coco

Depois de apresentar algumas características referentes ao contexto da reestruturação

produtiva do setor do coco no Brasil, de um modo geral, e no Ceará, mais especificamente, cabe

nos questionar acerca das principais limitações observadas com a materialização desse

processo. A partir da sua análise, através dos recursos metodológicos que estavam à nossa

disposição, sobretudo com a realização das entrevistas, chegamos à conclusão que tal

reestruturação produtiva se dá de maneira conservadora, já que provocou impactos que vão de

encontro ao ideário de modernização que ela representa, levando-nos a afirmar que estamos

diante de uma “reestruturação conservadora do setor do coco”.

Esse debate pode ser inserido em um contexto muito maior, que nos remete ao processo

de “modernização conservadora”188 da agricultura brasileira, ou ao que podemos traduzir hoje

como “reestruturação conservadora”. Apesar de ter sido amplamente discutido em meados dos

anos 1980 e 1990, como destacam Pires e Ramos (2009), esse debate em torno da modernização

conservadora da agricultura nacional continua atualíssimo, já que praticamente nada mudou, e

em alguns casos, o caráter conservador foi acentuado. A diferença é que agora a agricultura não

continua sendo apenas modernizada, mas também reestruturada, processo que, como vimos no

primeiro capítulo, é muito mais amplo e que provoca inúmeros outros rebatimentos, seja no

espaço e/ou na sociedade.

Assim, notamos um contexto de reestruturação conservadora da agricultura nacional

mais intenso em décadas passadas, mas que também pode ser observado nos dias de hoje, em

188 Noção trabalhada por autores como Delgado (1985, 2001), Martine (1991), Graziano da Silva (2003) e Pires e

Ramos (2009), entre outros.

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uma outra roupagem, justamente por ele preservar as arcaicas estruturas produtivas, como a

concentração fundiária, a exploração de produtores e trabalhadores e a destruição da

biodiversidade, ao mesmo tempo que insere novos e modernos elementos ao campo, como a

mecanização agrícola, a vulgarização do uso de defensivos e adubos, a utilização da

biotecnologia, a expansão do crédito rural, entre outros. Tudo isso culminou na configuração

atual da reestruturação produtiva da agricultura brasileira que, além de conservadora, pode ser

considerada ainda seletiva e excludente.

Assim, o que vemos é uma modernização não inteiramente moderna, uma vez que

preserva traços arcaicos não condizentes com o atual período no qual estamos inseridos,

gerando um contraditório contexto, classificado por Porto-Gonçalves (2004) como moderno-

colonial. Com isso, as velhas práticas vêm se somar aos novos processos, refletindo “um dos

principais traços da sociedade brasileira – a contemporaneidade do atraso e do moderno como

constitutivos de nossa formação histórica [....]” (BRUNO, 2008, p. 83-84). Essa característica

também já foi indicada por Martins (1994, 2014), que atesta para a força do poder do atraso na

lenta história nacional e questiona o que há de realmente moderno em nossa sociedade e em

suas práticas, conservadoras por natureza.

Ademais, essa reestruturação é também conservadora porque nem todos puderam

aproveitar as benesses dela advindas (ALVES, 2001) e porque desde o início visava

expressamente atender os grandes produtores e as grandes empresas comerciais, agrícolas e

agroindustriais (ANDRADE, 1979). De acordo com Elias (2007, p. 56), esse processo é

marcado por seu caráter seletivo, social e espacialmente, já que “manteve intocáveis algumas

estruturas sociais, territoriais e políticas incompatíveis com os fundamentos do verdadeiro

significado do conceito de desenvolvimento”, privilegiando “determinados segmentos sociais

e econômicos, assim como os espaços mais rapidamente suscetíveis a uma reestruturação

sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e do consumo”.

Dessa maneira, atesta-se o esgotamento desse modelo de reestruturação produtiva da

agricultura brasileira, gerador de inúmeras desigualdades que puderam ser acirradas em virtude

do caráter conservador e seletivo no qual esse processo está ancorado, o que leva Pires e Ramos

(2009) a afirmarem categoricamente que ele “foi marcado por uma exclusão autoritária das

classes sociais do acesso [ao] dinheiro, trabalho e terras” (p. 419), bem como do acesso às

inovações técnico-científicas e aos mercados, reforçando “a heterogeneidade da agricultura

nacional, pois ampliou os hiatos existentes entre os produtores” (PIRES; RAMOS, 2009, p.

420) e as distintas regiões do país, segundo argumenta Elias (2006, 2007).

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E é em cima desse caráter conservador que estão ancoradas tanto a reestruturação

produtiva da agricultura brasileira como também a reestruturação produtiva do setor do coco.

De um modo geral, essa última não chegou para todos os produtores do fruto, como pôde ser

visto, por exemplo, a partir do levantamento das características inerentes a cada uma das

tipologias dos produtores do Curu-Paraipaba, que indicam diferentes níveis de inserção nesse

processo, assim como não atingiu igualmente todos os seus espaços de produção, já que foram

privilegiadas apenas as áreas de cultivo de coqueiro anão e híbrido, distantes do litoral.

Notamos, além do mais, que, com a difusão e a territorialização do capital na produção

de coco, resultantes dessa reestruturação produtiva, é crescente a participação de grandes

empresas agrícolas e agroindustriais no cultivo do fruto, determinando todo um conjunto de

imposições aos produtores. Observa-se, com isso, um aumento da dependência desses

produtores ao capital industrial, tanto a montante quanto a jusante, e também aos capitais

financeiro e comercial, ampliando a entrada da racionalidade capitalista no setor de produção

de coco e acirrando toda sorte de desigualdades observadas entre eles.

Está havendo ainda uma consolidação de determinados agentes inseridos no circuito

espacial produtivo de coco, a exemplo das empresas agrícolas, agroindustriais e/ou de pesquisa

científica, como também dos atravessadores e dos atacadistas, ou até mesmo de alguns

produtores do fruto, que agem juntos monopolizando a produção e a comercialização de coco,

além da difusão das inovações técnico-científicas e agronômicas. Destacamos que são esses os

agentes, atuando hegemonicamente no setor, que tiveram, e ainda têm, um papel fundamental

na transformação dos espaços de produção de coco,

[...] tecnificando-os, cientificizando-os, submetendo-os, impondo novas

relações, tentando homogeneizá-los, aproveitando das diferenças em seu

favor, apropriando-se da multiplicidade de formas pré-existentes, imprimindo

um novo tempo a esses [espaços] (BERNARDES, 2010, p. 25).

Todos esses aspectos serão melhor discutidos nos subcapítulos seguintes, que têm por

objetivo analisar algumas das evidências capazes de comprovar que a reestruturação produtiva

do coco se dá fundamentada em práticas conservadoras, acarretando impactos negativos dos

mais diversos. Assim, apresentaremos as principais conflituosidades (BRUNO, 2008) inerentes

à materialização da reestruturação produtiva que atinge o setor do coco no Ceará,

conflituosidades essas muito importantes para serem apenas citadas nas considerações finais,

como ocorre em vários trabalhos que se dedicam a caracterizar a reestruturação produtiva da

agricultura brasileira. Desse modo, não podemos “cair na armadilha dos indicadores de

produtividade”, como já dizia Paulino (2006, p. 16), e negar a existência de uma série de

rebatimentos negativos advindos com essa reestruturação.

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Analisaremos especialmente as questões relativas ao acesso dos produtores às inovações

difundidas com a reestruturação produtiva, ao controle da produção e da comercialização dos

frutos por parte dos atravessadores e das empresas agroindustriais e à intensificação da

concentração fundiária e do uso corporativo do território nas regiões onde o cultivo de coco se

expande. Desse modo, nossa análise circulará em torno do debate referente ao acesso à

tecnologia (e ao capital), ao mercado e à terra (e à água), tripé de toda estrutura produtiva, caso

já estejam embutidas as relações de trabalho, que são também modificadas pela reestruturação

conservadora, bem como o ambiente de um modo geral.

Todavia, além dessas questões, cabe ainda fazer breves considerações acerca do impacto

dessa reestruturação produtiva no mundo do trabalho e no meio ambiente. Essa temática exigiria

uma análise mais aprofundada, a qual não realizaremos no momento, justamente em virtude da

complexidade de questões que permeiam esse universo, as quais expressam algumas das mais

perversas faces da territorialização do capital no campo, comumente ocultadas pelos agentes

hegemônicos, mas que impactam diretamente uma série de sujeitos e espaços.

No que tange aos desafios impostos ao mundo do trabalho (THOMAZ JÚNIOR, 2005),

podemos indicar a continuidade da exploração e subexploração dos trabalhadores que atuam no

setor do coco, especialmente porque alguns deles ganham por produção, o que faz com que eles

desempenhem um esforço muito maior para realizar o máximo possível de atividades, visando

aumentar o valor que lhes será repassado. Além disso, nota-se que a precarização do trabalho

também continua, uma vez que é comum encontrar trabalhadores atuando em condições

insalubres, sobretudo os diaristas, com uma extensa carga horária, sem a utilização de

equipamentos de segurança e, ainda, sem nenhuma garantia financeira, previdenciária e médica.

Além disso, tanto a colheita do coco verde quanto a do coco seco, como também as

atividades relacionadas à produção agrícola, têm seus riscos e expõem os trabalhadores a

constantes acidentes, a exemplo da queda dos frutos na cabeça, de cortes em razão do manuseio

de equipamentos cortantes, do perigo constante de despencar dos coqueiros, da contaminação

devido ao contato frequente com os agrotóxicos, uma vez que não são utilizados equipamentos

de proteção, entre outros, além do próprio esforço realizado para se obter uma produtividade

maior e consequentemente maiores rendimentos. Nesse momento, de acordo com o que

apresenta Bezerra (2012, p. 222), quando tratamos das relações de trabalho “todo o

empreendimento da modernização se desmorona para erigir práticas arcaicas de

superexploração dos trabalhadores”.

Já em relação às implicações ambientais que verificamos in loco nas regiões de

expansão do cultivo de coco no Ceará citamos: o desenfreado desmatamento de áreas de mata

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nativa (vegetação litorânea ou caatinga) para dar lugar aos novos cultivos de coqueiros,

associado às queimadas e às práticas inadequadas de manejo; a poluição, erosão e salinização

dos solos, devido aos incorretos destinos dados à casca do coco e à utilização de uma irrigação

diária e intensiva, que contribui para o seu desgaste. Destacam-se que essas implicações já eram

até esperadas, uma vez que, de acordo com Sá (2002, p. 62), a agricultura por si mesma já se

constitui como “um elemento de alta influência na descaracterização da paisagem e na

diminuição da biodiversidade”.

Outro problema observado foi o uso indiscriminado de agrotóxicos, que causam sérios

problemas tanto para a saúde dos trabalhadores e produtores quanto para a saúde do ambiente,

conforme demonstra um estudo organizado por Rigotto (2011), como também para a saúde dos

consumidores do coco e de seus derivados189. Esses agrotóxicos, normalmente algum tipo de

inseticida, são amplamente utilizados no cultivo do coco verde, ocasionando um

envenenamento das árvores, do solo e da água, além dos próprios trabalhadores, visto que várias

foram as vezes que presenciamos a sua aplicação190 e em nenhuma delas os trabalhadores

usavam roupas especiais e nem havia um controle da dosagem utilizada. Mensalmente os

agrotóxicos são aplicados nos coqueiros, sempre após a colheita dos frutos, e por um período

de 10 dias ainda é possível sentir o cheiro e inalar o produto, tamanha a sua “eficácia”.

Em entrevista aos produtores de coco, poucos foram os que afirmaram que não

utilizavam agrotóxicos em seus cultivos, que são aplicados por profissionais que

constantemente se queixam de problemas de saúde. Isso pode ser comprovado a partir do

trabalho realizado por Lima et al. (2006) com os produtores do fruto no perímetro irrigado

Curu-Paraipaba, onde os pesquisadores constataram que 98% deles utilizavam pelo menos um

tipo de agrotóxico, o que acarretava problemas de saúde de forma contínua, uma vez que 55%

deles já sentiram alguma complicação durante a aplicação da substância e 32% apresentaram

mais de dois sintomas relacionados à intoxicação provocada pela inalação dos agrotóxicos191.

E é nessas condições, além de outras que podem ser indicadas, que está assentada a “moderna”

produção de coco no Ceará, a partir da materialização dessa reestruturação conservadora.

189 Não é demais destacar que ao consumir um coco verde, ou uma caixinha com água de coco, se está consumindo

também uma dosagem significativa de veneno, que pode acarretar ao longo dos anos sérios problemas de saúde.

Risco ao qual são expostos diariamente os produtores e os trabalhadores rurais. 190 Em uma ocasião, enquanto entrevistámos um produtor em meio ao coqueiral, em Paraipaba, a bomba que servia

para a aplicação dos agrotóxicos explodiu, banhando literalmente o trabalhador que a manuseava, bem como a

criança que acompanhava o seu trabalho, exalando um forte cheiro. Nenhum dos dois utilizava equipamentos de

proteção, cena recorrente ao observar a aplicação dos agrotóxicos pelos coqueirais do Ceará. 191 Por esse motivo, já é crescente a substituição dos agrotóxicos por inseticidas ditos “naturais”, à base de óleo de

algodão e detergente neutro.

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5.1 O SELETIVO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

A modernização da produção de coco é um dos principais processos advindos com a

reestruturação produtiva do setor, responsável por modificar completamente o modo como esse

fruto vinha sendo cultivado até então, como já apresentado. A análise de como isso ocorre

facilita sobremaneira a compreensão dos limites dessa reestruturação e do caráter conservador

no qual ela se materializa nos espaços de produção do fruto e junto aos seus produtores, já que

ela nos indica quem, de fato, passou a ter acesso a tudo o que a modernização proporcionou.

Esse entendimento possibilita perceber ainda uma das maneiras encontradas pelo capital

para se territorializar no cultivo do fruto, já que, de acordo com Aracri (2012, p. 31), o processo

de difusão de inovações serve sobremaneira para impulsionar o “controle da produção e do

território, subordinando o espaço agrário à lógica do capital industrial, porém com a

indissociável colaboração dos capitais comerciais e, principalmente, financeiro”. Dessa

maneira, essa difusão de inovações pode ser entendida como uma forma de territorialização do

capital, como também afirma Aracri (2012).

5.1.1 O controle da difusão do uso das inovações

A maioria dos produtores entrevistados realizavam praticamente os mesmos tratos

culturais nos coqueiros e utilizavam basicamente os mesmos insumos e implementos agrícolas:

o sistema de irrigação de grande parte deles é o de microaspersão, os coqueiros são adubados

com produtos químicos e orgânicos a cada semestre e são pulverizados com agrotóxicos a cada

mês, e a área do coqueiral é esporadicamente arada e gradeada. Entretanto, é o modo como os

produtores realizam essas atividades e o acesso que eles têm aos insumos e implementos que

vão indicar de que maneira eles foram inseridos na reestruturação produtiva do setor.

De um modo geral, notamos que a difusão do uso das inovações é observada

principalmente entre os produtores que podem pagar para usufruir das suas benesses. Portanto,

esse processo não se dá de maneira homogênea, revelando seu caráter conservador, que ao

mesmo tempo em que inclui os detentores de capital e dos meios de produção exclui tantos

outros, os quais, sem condições de ter acesso a todas as inovações advindas com a reestruturação

produtiva, continuam à margem da dita modernização.

Analisando a posse do maquinário agrícola mais utilizado pelos produtores de coco,

notadamente tratores, arados e roçadeiras, percebemos que há uma discrepância muito grande

no que se refere à quantidade de máquinas existentes nas propriedades agrícolas. Enquanto uma

gigantesca parcela desses produtores não possui nenhum tipo de equipamento, mesmo os

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utilizando regularmente, uma outra minoria dispõe de diversas máquinas que auxiliam no

adiantamento do processo produtivo do fruto, garantindo-lhes uma autonomia técnica e

produtiva não observada entre aqueles que não as utilizam.

No perímetro irrigado Curu-Paraipaba, por exemplo, apenas três dos 34 produtores

entrevistados possuíam algum maquinário agrícola, conforme destacado com a descrição das

tipologias. Com isso percebe-se que a posse dessas máquinas é extremamente pontual, uma vez

que poucos são os produtores que dispõem de tais equipamentos. Desse modo, nota-se que em

um mesmo espaço e a partir de um mesmo cultivo é possível coexistirem produtores que

dificilmente conseguem adquirir os insumos regularmente e aqueles que possuem diversas

máquinas e que agem monopolizando o uso de tais inovações.

Quando não realizam as atividades manualmente, com o auxílio de uma enxada, esses

produtores que não dispõem de máquinas agrícolas são, de certa forma, obrigados a alugá-las

de quem as possui. Essa prática acaba encarecendo os custos com a manutenção do coqueiral e

reduzindo o lucro com a venda do coco, mas, por outro lado, pode ser até mais rentável, já que

esses produtores não teriam como comprar e manter essas máquinas. O preço do aluguel do

trator com a grade ou com a roçadeira varia de 80 a 130 reais por hora (inclusos os valores do

serviço do tratorista e da gasolina), dependendo da localidade e da demanda por tais serviços.

Além da discrepância observada no que se refere à posse do maquinário agrícola, o

sistema de irrigação utilizado também demonstra o abismo que separa os produtores de coco,

sobretudo os que cultivam coqueiro anão e híbrido. Nos espaços de produção do fruto a

presença dos microaspersores é algo sempre recorrente, entretanto essa não é uma inovação que

está ao alcance de todos. No Curu-Paraipaba, por exemplo, percebemos que a grande maioria

dos produtores entrevistados (um total de 29) utilizava o sistema de irrigação automatizada e

localizada, todavia outros cinco produtores ainda irrigavam os coqueiros por aspersão ou por

aspersão associada à microaspersão.

Um produtor que ainda não instalou o sistema de microaspersão afirmou: “eu ainda uso

o sistema de irrigação por aspersão, mesmo não sendo o mais indicado para o coco. Eu só não

mudei a irrigação porque ainda não consegui juntar dinheiro suficiente para fazer essa

mudança”. Já outro revelou: “está nos meus planos mudar o sistema de irrigação, mas não no

momento, preciso de dinheiro para fazer isso, os gastos são muito altos e o que eu ganho com

a venda do coco é para cobrir outras despesas”. Esses depoimentos se repetiam a cada município

visitado e demonstram que apenas quem tem dinheiro ou uma boa carta de crédito consegue

adquirir os microaspersores.

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O que ocorre é que esse sistema de irrigação por microaspersão exige um alto custo de

instalação e de aquisição dos canos e microaspersores192, e quando é instalado há um aumento

considerável do consumo de água e de energia, elevando os custos de manutenção do coqueiral

e provocando um endividamento dos produtores, especialmente aqueles que não dispõem de

recursos extras para cobrir as despesas com esses serviços. Não é demais destacar que o não

uso da microaspersão reduz consideravelmente a produtividade dos coqueiros e

consequentemente os rendimentos de seus produtores.

O mesmo se pode dizer da implementação da fertirrigação nos coqueiros, uma das

grandes novidades advindas com a modernização, mas que está disponível apenas para uma

pequena parcela de produtores, já que ela exige um alto custo para a sua instalação, sendo

necessária uma análise prévia dos componentes do solo para indicar a carência de nutrientes,

exigindo também um alto consumo de água e de energia. Por esse motivo, a utilização da

fertirrigação é observada somente nas maiores fazendas produtoras de coco, a exemplo da

Ducoco, da Cohibra, da Adel, da Paragro e da Unique, entre outras.

Já no que se diz respeito ao uso dos adubos e fertilizantes, também se observa um caráter

seletivo na difusão desses insumos. Apesar de cultivar coqueiro anão e híbrido, não são todos

os produtores que possuem recursos suficientes para adquirir mensalmente a quantidade

necessária de adubos, o que acaba provocando a redução da produtividade dos coqueiros e

exigindo a realização de um investimento ainda maior para recuperá-los. Essa situação só é

amenizada quando os produtores encontram outras formas de adubar os coqueiros, utilizando,

por exemplo, restos de cobertura morta e esterco de gado.

Tal exigência na utilização de adubos e fertilizantes nos remete a um outro aspecto que

surge camuflado à modernização do processo produtivo do coco, que é a dependência dos

produtores da utilização de tais insumos. Durante as entrevistas, grande parte desses produtores

informou que a modernização da produção tornou obrigatória a utilização de insumos e

implementos agrícolas193. Um produtor assegurou: “hoje a gente tem que botar o adubo e o

veneno, por exemplo, caso contrário o coqueiro não dá coco, nós somos forçados a utilizar esses

produtos para poder garantir a sobrevivência dos coqueiros”, enquanto outro afirmou

192 Atualmente são as lojas de insumos agrícolas, localizadas sobretudo em Paraipaba e Acaraú, que instalam o

sistema de irrigação localizada e automatizada. A Agrocity (em Paraipaba), por exemplo, estava cobrando 4 mil

reais por cada hectare para realizar o serviço. Assim, um pequeno produtor que possui 4 hectares necessita de 16

mil reais para implantar a microaspersão em seu coqueiral, o que para muitos é completamente inviável. 193 Obrigatoriedade essa resultante da excessiva especialização produtiva no cultivo do coco em determinados

locais, que contribuiu para o empobrecimento dos solos.

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categoricamente: “hoje o coqueiro não vive sem veneno e sem adubo, como também não vive

sem a irrigação”.

Os produtores relataram ainda a grande dificuldade para adquirir os insumos devido ao

seu alto custo e, consequentemente, para realizar a manutenção do coqueiral, dificuldade

também relatada por Alves (2013). A aquisição dos adubos, fertilizantes e defensivos obriga os

produtores a disporem de uma importante soma de dinheiro para ter acesso aos insumos

necessários, já que no atual momento no qual a agricultura está inserida não basta apenas ter

terra para produzir, é necessário acima de tudo ter capital para adquirir as inovações disponíveis

para o setor, conforme destaca Martine (1991, p. 19).

A esse respeito, Alves (2001, p. 21) considera que “a grande maioria das tecnologias

exige investimentos e capital de custeio de porte. Quem não tem recursos próprios ou acesso ao

crédito [...] não tem como adotá-las”. A fala de um produtor expressa essa dificuldade: “para

cuidar do coqueiral é preciso ter condições; sem dinheiro a gente não consegue continuar nessa

atividade”. Já outro produtor, na mesma situação, confessa: “conheço muitas pessoas que

resolveram entrar no ramo da produção de coco e hoje tão enfrentando uma dificuldade danada,

já que eles não têm a mínima condição de comprar os insumos a cada mês pra manter o

coqueiral... tudo isso é muito caro!”

Nota-se que essa modernização da produção de coco só se efetiva concretamente para

aqueles que podem pagar pelos novos serviços. Por esse motivo, concordamos com Alves

(2001, p. 22) quando ele destaca que “as barreiras à entrada à inovação tecnológica geram um

perfil dual na nossa agricultura, entre os que entraram no clube da agricultura moderna e os que

estão fora dele. Se todos tivessem as mesmas oportunidades de acesso, nada haveria a objetar”.

A esse respeito, Frederico (2010, p. 129) assevera que a “implantação de objetos técnicos cada

vez mais especializados promove uma seletividade dos agentes que detêm as informações

necessárias para produzi-los e utilizá-los”, e apenas os agentes com “maior acesso ao capital e

à informação conseguem sobreviver [...]”.

A falta desse capital para investir no coqueiral leva alguns produtores a desistirem de

continuar na produção de coco, mesmo apesar do ainda grande potencial de crescimento para o

setor. No Curu-Paraipaba, por exemplo, isso chega a ser um dos principais fatores de abandono

e de venda do lote, como contou um produtor: “o lote está um pouco abandonado, eu não tenho

recursos suficientes para todo mês estar comprando os insumos e pagando os diaristas. Se as

coisas não melhorarem eu vou acabar vendendo o lote, como fizeram outros, já que chega a não

compensar manter ele produzindo”.

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Além disso, com a obrigatoriedade do uso sobretudo dos adubos e fertilizantes, os

produtores são confrontados com uma dependência do uso de tais insumos e,

consequentemente, das empresas fabricantes e das lojas fornecedoras desses produtos. Assim,

a introdução de inovações no cultivo de coco leva a uma maior dependência desses produtores

aos outros agentes inseridos no circuito espacial produtivo do fruto, especialmente dessas

empresas e de seus fornecedores, implicando uma “perda de controle da atividade produtiva”

(FIGUEIREDO; TEIXEIRA, 1989, p. 05).

Além do caráter seletivo da difusão das inovações, outro ponto que merece destaque é

a questão do acesso à água. Esse problema pôde ser notado com mais intensidade no perímetro

irrigado Curu-Paraipaba, onde as formas de obtenção de água podem variar de produtor para

produtor. Em tese, todos os produtores deveriam ter acesso igualitário à água que serve o

perímetro, porém na prática isso não ocorre, uma vez que em janeiro de 2014 o reservatório que

abastece o Curu-Paraipaba atingiu níveis críticos devido a uma grande seca que acomete o

sertão nordestino nos últimos três anos, levando pela primeira vez a uma suspensão completa

do abastecimento de água no perímetro194.

Os produtores sem tantas condições financeiras não tiveram como encontrar outras

maneiras de irrigar o coqueiral e desde o referido período estão contando apenas com a água

das chuvas, o que leva a uma grande perda de produção dos coqueiros e, em alguns casos, à

mortandade de várias árvores195. Isso ocorre ao mesmo tempo que os outros produtores com

um maior capital acumulado vêm comprando bombas e retirando água de lagoas e açudes do

perímetro, ou então cavando poços profundos196 para captar a água do lençol freático e

assegurar a manutenção do coqueiral, acirrando de maneira jamais vista a disputa por água entre

os produtores inseridos no Curu-Paraipaba, como ficou claro durante as entrevistas.

“Atualmente os coqueiros não estão sendo irrigados, pois está faltando água em todo o

perímetro. Quem tem dinheiro cava um poço ou compra uma bomba, quem não tem é obrigado

a esperar pela chuva. Não há nada o que a gente possa fazer”, contou um produtor. Já outro

revelou que quem realmente sofre com o problema de falta de água são aqueles que não podem

pagar por outras formas de abastecimento. Assim, encontramos desde produtores que não

194 Acontecimento com certa repercussão na mídia local e nacional, com inúmeras matérias publicada a esse

respeito, a exemplo da vinculada pelo G1/Ceará, “Seca prejudica produção de coco no Ceará”

(http://goo.gl/zdX2mi), em 25/08/2014, dentre outras. 195 Destaca-se que cada coqueiro anão necessita de uma média de 250 litros de água por dia, a fim de se obter uma

boa produção de coco verde. 196 A título de informação, para se cavar um poço profundo e ainda adquirir a bomba e os canos para puxar e fazer

a distribuição da água o produtor tem que desembolsar inicialmente 16 mil reais, serviço realizado em Paraipaba

pela Agrocity. Entretanto o lucro mínimo de um pequeno produtor, que possui apenas um lote, é de 1.500 reais

por mês, ficando completamente inviável arcar com a despesa.

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estavam irrigando os coqueiros, passando por aqueles que já haviam adquirido os motores e

possuíam poços profundos em atividade197, não enfrentando grandes problemas para conseguir

manter a produção do coco verde.

Esse mesmo problema da falta de água foi observado nos outros municípios visitados,

onde a seca contribui para diferenciar os produtores de coco entre aqueles que podem pagar

para ter o acesso à água e aqueles que têm que esperar pela chuva para encher os seus pequenos

reservatórios e irrigar seus coqueiros, o que favorece um progressivo abandono do coqueiral. A

esse respeito, um produtor de Trairi chegou a afirmar: “quem é pobre não tem como manter

coqueiro anão, eles consomem muita água, e o pequeno produtor não tem condições de furar

poço e instalar os microaspersores... cultivo de coqueiro anão é coisa de rico (sic)”, depoimento

esse que ajuda a comprovar a desigualdade que se esconde por trás da produção de coco.

5.1.2 A ciência que atende apenas os grandes produtores

Após identificar, no capítulo 2, os principais órgãos e empresas responsáveis pela

realização de pesquisas com o coco, colaborando para o progresso técnico-científico do setor,

cabe-nos aqui analisar quem é atendido por essas pesquisas e o seu real impacto. De imediato,

é inegável a importância da agricultura científica para o desenvolvimento da produção de coco

no país, entretanto não são todos os produtores que tiveram condições de aceder a pesquisas

associadas ao cultivo do fruto. Assim, “faz-se necessário, portanto, tomar a ciência como

produção ambígua, que se inscreve em uma sociedade mergulhada em contradições ditadas por

interesses divergentes e inconciliáveis (...)” (PAULINO, 2006, p. 09).

Durante os trabalhos de campo, quando perguntávamos aos produtores se eles tinham

acesso a alguma pesquisa científica relacionada à produção de coco e/ou recebiam a visita de

técnicos especializados, apenas os grandes respondiam que sim, enquanto os pequenos

afirmavam categoricamente que nunca ouviram falar sobre qualquer coisa do tipo,

demonstrando que essas pesquisas e a assistência técnica não são difundidas a todos da mesma

maneira. Isso vai de acordo com o que coloca Santos (2009, p. 243), ao afirmar que o

conhecimento acaba “participando do clássico processo pelo qual, no sistema capitalista, os

detentores de recursos competem vantajosamente com os que deles não dispõem”.

Nesse sentido, analisando a atuação da Embrapa, não mais apenas enquanto produtora

de conhecimento, mas também como difusora desse conhecimento, constata-se que esse órgão

público não desempenha a função principal para a qual está designado, que seria promover o

197 Chegamos a entrevistar um produtor que havia instalado oito poços profundos, em cada um de seus lotes, e

contava ainda com cinco motores que captavam água das poucas lagoas existentes no perímetro.

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desenvolvimento integral da agricultura brasileira. Apesar da grande importância que a

Embrapa teve (e ainda tem) para a reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil,

desenvolvendo pesquisas tanto na produção agrícola quanto industrial, tais pesquisas não

chegaram a todos, sendo adquiridas somente por grandes produtores e empresas.

A Embrapa Agroindústria Tropical, por exemplo, possui uma unidade experimental

instalada no perímetro irrigado Curu-Paraipaba, onde há o coqueiral que serviu de apoio às

pesquisas desenvolvidas pelo órgão, especialmente no que se refere às áreas de irrigação,

controle de pragas e tratamento pós-colheita. Essas pesquisas foram finalizadas por volta de

2007, conforme informou o responsável pela unidade, e nesse local ainda se encontram os

aproximadamente 1.400 coqueiros que deram suporte à realização dos experimentos. De acordo

com um diretor do órgão, os produtores do perímetro irrigado conseguiram incorporar

prontamente as novas tecnologias advindas dessas pesquisas.

Essa informação, entretanto, foi desmentida por absolutamente todos os produtores

entrevistados no perímetro, que foram unânimes em indicar que a Embrapa jamais forneceu

qualquer assistência e que nunca se preocupou em lhes repassar a tecnologia por ela

desenvolvida. Eles informaram ainda que a Embrapa apenas está localizada em uma área dentro

do perímetro irrigado, mas que ela não atende aos produtores que nele cultivam coco. Nota-se,

desse modo, que é uma pesquisa científica, financiada com dinheiro público, que existe, mas

que todavia não é posta em prática junto àqueles que mais necessitam dela.

Diante disso, podemos nos perguntar quem realmente as pesquisas desenvolvidas pelo

órgão atendem. A resposta está nas parcerias firmadas com grandes produtores e empresas

agrícolas. Essa prática funciona da seguinte maneira: os interessados procuram a Embrapa e

informam que estão necessitando de consultorias e assessorias técnicas visando resolver

determinados problemas associados ao cultivo do coco. Em seguida os técnicos são enviados

até essas propriedades para realizar seu trabalho e posteriormente recebem uma determinada

quantia em dinheiro repassada pelos produtores que os contrataram, como forma de pagamento.

Desse modo, a Embrapa passa a desempenhar o papel de empresa extensionista para aqueles

que podem pagar por seus serviços, demonstrando claramente uma “mercantilização da

pesquisa agrícola” (NASCIMENTO JÚNIOR, 2007).

Essa é uma prática comum na produção cearense de coco. Durante os trabalhos de

campo ouvimos relatos de produtores e de empresas que recorrem frequentemente aos serviços

da Embrapa. Na Ducoco, por exemplo, além de contar com a assistência de oito técnicos

agrícolas e três agrônomos, são realizadas também constantes consultorias com pesquisadores

da Embrapa Tabuleiros Costeiros. O mesmo é observado na Cohibra, que inclusive realiza

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estudos em sua unidade de Petrolina com o auxílio da Embrapa Transferência de Tecnologia,

conforme relataram os diretores de ambas as empresas. Além dessas duas empresas, a Paragro

e outros grandes produtores também contam com uma consultoria frequente de pesquisadores

da Embrapa Agroindústria Tropical.

O que ocorre em muitas das vezes é uma parceria do órgão com as empresas privadas,

em que a Embrapa entra com tecnologia e pesquisadores e essas empresas com o espaço físico,

e por vezes também financiamentos. De acordo com o pesquisador da Embrapa Agroindústria

Tropical, por nós entrevistado, o órgão não faz nada sem essas empresas, e que pessoalmente

ele nunca havia feito um projeto sem ter firmado alguma parceria com tais empresas, que na

maioria das vezes é a Ducoco ou a Paragro. A Embrapa também firma parceria com grandes

produtores individuais, a exemplo de uma importante produtora de coco localizada em

Paracuru, em cuja fazenda atualmente são realizados experimentos voltados para o cultivo do

fruto, anteriormente centralizados na unidade instalada em Paraipaba.

Percebe-se, pois, que somente alguns poucos produtores têm acesso às pesquisas

realizadas pela Embrapa, contratando seus serviços de consultoria ou entrando em contato com

suas publicações. Evidenciamos, dessa forma, que as pesquisas relacionadas ao

desenvolvimento de novas tecnologias associadas ao processo produtivo do coco estão a serviço

apenas dos grandes produtores, indicando que a Embrapa é, antes de mais nada, uma empresa

pública que atende interesses privados198. E o mesmo se pode dizer da Cohibra, uma das poucas

que detêm o controle da produção de coqueiro híbrido no país, e a cujas pesquisas apenas têm

acesso aqueles que podem adquirir suas sementes e mudas.

O observado no cultivo do coco corrobora a tese de que a pesquisa científica agrícola

atua como um pilar da reprodução do capital no campo, já que ela é uma própria exigência

desse capital. Para Graziano da Silva (2003, p. 167), a pesquisa agrícola no Brasil fora orientada

para atender “às novas e crescentes demandas dos setores industriais a montante e a jusante da

produção agropecuária e se destinou a fortalecer o domínio do capital no campo”. Ainda

segundo esse autor, “o próprio sistema capitalista internalizou o processo de geração de

conhecimento nos laboratórios das grandes empresas, das universidades e dos institutos de

pesquisas. Com isso, o progresso tecnológico deixou de ser uma variável ‘aleatória’ [...]”

(GRAZIANO DA SILVA, 2003, p. 17).

198 Essa prática de atuar em prol do capital privado também é observada em outros locais e com outros cultivos,

conforme demonstra o estudo realizado por Oliveira (2012), ao analisar a parceria estabelecida entre a Embrapa e

grandes produtores e empresas instaladas no perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi (CE).

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Esse desenvolvimento da agricultura científica na produção de coco exige que os

produtores realizem gastos constantes com análises foliar e de solo em laboratórios

especializados, localizados sobretudo em São Paulo e em Fortaleza, como foi informado

durante as entrevistas. O localizado na capital cearense trata-se de um laboratório de pesquisa

do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará (UFC)199, que realiza análises

foliar e de solo para diversos produtores agrícolas, contanto que paguem por tais serviços. Isso

nos remete a outro aspecto da chamada mercantilização da pesquisa científica, agora praticada

por uma universidade pública que age a serviço de interesses particulares e privados.

Além da pesquisa científica, destacamos também a importância da assistência técnica

no cultivo de coco, uma vez que a presença ou não de técnicos agropecuários, agrônomos e

engenheiros agrônomos pode determinar significativamente a produtividade do coqueiral,

conforme demonstrado por Silva (2009). A assistência técnica a serviço da produção de coco é

necessária por diversos motivos, entre os quais está a necessidade da existência de um

profissional especializado para auxiliar os produtores no controle de pragas, nos métodos de

irrigação e na quantidade correta de fertilizantes que devem ser aplicados no coqueiro.

Essa assistência técnica pode ser fornecida tanto por órgãos públicos como por empresas

privadas, ou ainda pode nem ser fornecida, como normalmente acontece. Durante os trabalhos

de campo notamos que nas pequenas unidades de produção do coco a presença do técnico

agrícola era praticamente inexistente, já que a imensa maioria dos produtores não dispõe de

dinheiro para contratar os serviços de um técnico particular, não contando com esse tipo de

serviço, uma vez que não existe nenhuma instituição pública que preste assistência técnica aos

produtores de coco no Ceará200. Inclusive a total falta desse tipo de assistência estava entre as

principais reclamações dos produtores que entrevistamos.

Por outro lado, quem pode pagar pela consultoria de técnicos especializados dispõe

desse serviço regularmente, contanto com a presença permanente desses profissionais em suas

fazendas e/ou os contratando sempre que há necessidade. Os técnicos agrícolas trabalham

geralmente fazendo uma vistoria no coqueiral e se concentram em resolver problemas

relacionados ao ataque de pragas e à redução acentuada da produtividade dos coqueiros. Essa

199 Somente na UFC existem três programas de pós-graduação especializados no desenvolvimento de pesquisas

também relacionadas à produção de coco, são eles: Engenharia Agrícola, Solos e Nutrição de Plantas, e Fitotecnia. 200 Há no Ceará a Ematerce (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), que presta assistência somente a

uma pequena quantidade de agricultores familiares e assentados. Entrevistamos os diretores desse órgão em três

municípios, e todos afirmaram que a produção de coco não poderia ser incluída na categoria de agricultura familiar,

já que não se trata de um cultivo de subsistência, ou seja, voltada para o próprio consumo de seus produtores.

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assistência técnica a serviço apenas dos grandes produtores pode ser obtida em empresas que

atuam nesse ramo, na Embrapa e/ou em lojas de insumos agrícolas.

Como exemplo dessas lojas que prestam serviços aos seus clientes, citamos a Agrocity,

localizada em Paraipaba, especializada em trabalhar com produtos direcionados ao cultivo de

coco, além de atuar também na instalação de microaspersores e na perfuração de poços

profundos. A Agrocity dispõe de três técnicos agrícolas que fornecem assessoria apenas aos

produtores que são clientes da loja, realizando um trabalho permanente em seus lotes (que são

identificados com uma placa própria, destacada na foto 54) e indicando quais os adubos,

fertilizantes e agrotóxicos apropriados para cada caso específico, que são adquiridos na própria

loja. Desse modo, a Agrocity, entre outros estabelecimentos, atua fortemente na dinamização

do “consumo produtivo agrícola” (ELIAS, 2006) relacionado ao cultivo de coco e na

incorporação de novos aportes tecnológicos à sua produção.

Foto 53 – Outdoor da Agrocity ao lado do Foto 54 – Placa da Agrocity indicando os lotes

perímetro e da entrada da cidade de Paraipaba/CE. que deverão receber assistência, em Paraipaba/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Assim, fica evidente que o papel da ciência na modernização da produção de coco,

representada pela pesquisa científica e extensão rural, foi pensada e planejada visando atender

interesses predeterminados, e que nem de longe coincidem com os anseios dos pequenos

produtores, já que foi estruturada para responder aos interesses do grande capital, como ocorre

com toda a pesquisa agronômica nacional, conforme destaca Graziano da Silva (2003, p. 166).

Isso demonstra especialmente a produção de “uma atividade científica utilitária, de caráter

mercadológico realizada por empresas, universidades e outras instituições públicas e privadas

de pesquisa (...)” (NASCIMENTO JÚNIOR, 2007, p. 123).

Desse modo, as formas de acesso ao progresso técnico, à pesquisa científica e à

assistência técnica expressam o caráter seletivo na modernização produtiva do coco. A fala de

um pequeno produtor de Trairi resume muito bem esse excludente processo:

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A produção de coco tá se modernizando, mas não pra todo mundo, apenas pra

quem tem um alto poder aquisitivo. Quem é rico tem uma produção toda

mecanizada, tem irrigação com microaspersão, tem fertirrigação, tem

pulverização motorizada. Já os pequenos não têm condições de modernizar a

produção, não existe nenhum investimento para isso, falta dinheiro, falta

projetos do governo. Os grandes usam as tecnologias mais avançadas,

enquanto os pequenos continuam fazendo um trato básico.

Dessa maneira, as evidências empíricas observadas durante os trabalhos de campo vão

de acordo com o que já postularam vários autores, referindo-se ao caráter conservador da

reestruturação da agricultura brasileira, a exemplo de Martine (1991), que mostrou que o

pequeno produtor não é, nem de longe, o grande beneficiado com a modernização agrícola, e

de Graziano da Silva (2003, p. 144), que chegou a considerar que esse processo significou “uma

maior subordinação do pequeno produtor ao sistema” (p. 144), ampliando a dependência dos

mesmos. O observado na produção de coco só reitera esse caráter conservador da chamada

“modernização agrícola de prancheta” (MARTINS, 2014), que existe na teoria, mas que na

prática se restringe a uns poucos espaços e produtores.

Assim, sem acesso ao progresso técnico-científico, muitas são as dificuldades

enfrentadas pelos pequenos e médios produtores de coco no Ceará, que poderiam ser sanadas

se houvesse, no mínimo, políticas públicas específicas para o setor, investimentos na difusão

de tecnologias no campo e projetos permanentes de assistência técnica e extensão rural. Além

de não ter acesso a esse progresso técnico-científico, os produtores de coco lidam ainda com a

falta de uma linha crédito específica para o cultivo do fruto, associada à burocratização para

obter financiamentos e empréstimos e às altas taxas de juros e aos baixos prazos para cobrir

essas dívidas, caso o dinheiro seja liberado. Falta, dessa forma, além de políticas públicas

específicas, capital para se investir na produção de coco.

5.2 MONOPOLIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO

É sobretudo no momento da comercialização do coco que percebemos as inter-relações

estabelecidas entre os agentes envolvidos em tal atividade, com destaque especial para os

produtores, atravessadores e agroindústrias. É nesse instante ainda que os diversos interesses

de tais agentes são postos em evidência, já que o que está em jogo é a renda que será auferida

com a venda do coco, que nem sempre é a mesma e depende dos interesses em voga. Por esse

motivo, a comercialização dos frutos pode ocorrer em meio a um contexto de conflito que,

embora às vezes nivelado, expõe as fragilidades dos chamados agentes sujeitados (MORAIS;

LOCATEL, 2012), representados pela maioria dos produtores.

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Assim, dependendo de como esses produtores são inseridos no mercado e do modo

como realizam a venda dos frutos, é possível perceber sua dependência diante de outros agentes

e, sobretudo, identificar em que medida a produção e a comercialização do coco é por eles

controlada. Com isso, nesse momento a materialização da territorialização do capital no setor

do coco mostra-se mais nítida, notadamente quando se observa a monopolização da produção

e da comercialização dos frutos, trazendo rebatimentos diretos na forma de organização das

relações sociais de produção de coco.

5.2.1 O embate entre produtores e atravessadores

Como os atravessadores são os principais agentes responsáveis pela comercialização do

coco, eles exercem um papel preponderante na realização dessa atividade, já que é através deles

que a maior parte da produção do fruto no Ceará é comercializada e escoada, como visto no

capítulo anterior. Desse modo, eles passam a controlar, quase que sozinhos, as etapas de

produção e comercialização do coco, provocando uma reação direta na forma de organização

dos produtores do fruto, geralmente descontentes com a maneira pela qual agem tais

atravessadores, levando ao desenrolar de uma série de embates entre esses dois agentes. Por

esse motivo, os produtores passam a ter uma relação bastante estreita com os atravessadores.

São especialmente os pequenos e médios produtores201 os mais prejudicados com a

atuação dos atravessadores, e isso se dá muito em virtude da quantidade de frutos

comercializada. Tais produtores conseguem colher de 1.200 a 10 mil frutos por mês, no caso

do coco verde, enquanto os grandes produtores obtêm uma produção média mensal que

facilmente passa dos 60 mil frutos. Em razão disso, o poder de barganha desses últimos será

maior do que o dos primeiros, o que permite negociar um melhor preço por seus frutos em

virtude da grande quantidade de matéria-prima202, negociação essa não observada entre os

pequenos e médios produtores, o que demonstra que a dependência aos atravessadores é

relativa, variando principalmente em função da quantidade produzida.

Entre esses grandes produtores não é comum a presença dos atravessadores, com

algumas exceções, já que eles podem também comercializar diretamente com os atacadistas,

com as agroindústrias e/ou com os consumidores finais. Um dos grandes produtores

entrevistados, que comercializava via atravessadores, informou: “não há porque reclamar, já

201 Estamos tomando como critério para essa denominação apenas a variável quantidade produzida. 202 E esse processo é observado com produtores de coco por todo o Nordeste, conforme indicam Fontes et al.

(2002, p. 55), onde a produção do fruto é realizada por produtores que apresentam “uma organização incipiente,

principalmente na comercialização, derivando daí o baixo poder de barganha e vulnerabilidade às imposições dos

intermediários que retêm maior percentual da margem de lucro na comercialização [...]”.

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que sem eles não haveria mercado”, e ainda indicou: “chega a ser até mesmo mais vantajoso

pra mim, já que eu não preciso me preocupar com a colheita e nem com a distribuição da minha

produção. Eu ganho muito mais deixando essas atividades para os atravessadores”. Foi de livre

escolha desse produtor negociar com os atravessadores, sendo até mesmo mais rentável,

situação bem diferente da observada com outros produtores.

Apesar de atuar de maneira completamente distinta, os atravessadores guardam algumas

características em comum no que tange às relações estabelecidas com os produtores e ao

processo de comercialização dos frutos. O que mais chama atenção é o fato de não existir

nenhum tipo de contrato entre atravessador e produtor. Desse modo, há uma flexibilização da

atividade que, por um lado, dota o produtor de uma maior autonomia em escolher para quem

vender seus frutos, mas que, por outro lado, torna-os mais vulneráveis já que não há nada que

assegure o recebimento do pagamento, por exemplo. Tratam-se de relações estritamente verbais

e informais, onde tudo é decidido tomando como base a confiança mútua existente entre os

agentes envolvidos.

Merece destaque ainda o período no qual são realizados os pagamentos aos produtores,

também decididos verbalmente. Grosso modo, não há uma regra que determine o período de

recebimento do pagamento, variando muito do tipo de produto que o atravessador comercializa

(coco verde ou seco) e do acordo estabelecido entre os agentes envolvidos. Na maioria das

vezes, o produtor só recebe depois que o atravessador também recebe, a partir do momento em

que ele consegue revender os frutos, já em outros casos o produtor recebe no ato da colheita do

coco ou até mesmo antes. Normalmente quem também recebe adiantado são os atravessadores

menores, que atuam nas comunidades litorâneas de Itapipoca e Amontada, recebendo dinheiro

dos atravessadores como forma de garantir o fornecimento dos frutos.

Como não há nada previamente definido, essa flexibilidade acaba se refletindo na forma

como os atravessadores chegam até os produtores. No caso do coco verde, por exemplo, e como

observado no Curu-Paraipaba, normalmente são esses atravessadores que agem visitando o

perímetro em busca de lotes propícios para a realização das colheitas. Definido esse local, os

atravessadores se dirigem aos produtores para juntos “negociarem os preços”. Se ambos

estiverem de acordo é realizada a colheita e em seguida o produtor é notificado para receber o

pagamento, que pode ser imediato ou não. Assim, é o atravessador quem dá o preço pelo coco,

faz a colheita, conta os frutos, revende e escoa a produção.

Por esse motivo, a grande maioria dos produtores não tem qualquer conhecimento do

local para onde está sendo escoada a sua produção, perdendo completamente o poder que tem

perante o circuito espacial produtivo do coco, já que seu papel passa a ser restrito e inteiramente

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vinculado à produção agrícola em si. Pimentel e Souza Neto (2003, p. 24), em um estudo sobre

os perímetros irrigados cearenses, consideram que já é esperado que os produtores não tenham

conhecimento do destino da sua produção, “uma vez que o principal canal de comercialização

é o intermediário, que não tem interesse em prestar ao produtor essa informação, minimizando,

assim, o poder de barganha dos produtores no momento da comercialização, além de evitar

qualquer tipo de concorrência”.

É justamente no momento da “negociação dos preços” que os diferentes interesses de

produtores e atravessadores são contrapostos, já que esses últimos têm plena consciência de que

são vitais para os primeiros, na medida em que possuem poucas opções de escolha para quem

comercializar. Assim, os produtores relataram que é comum os atravessadores controlarem os

preços e pagarem um valor abaixo do que, segundo eles, “merecidamente” deveria ser pago, e

que em seguida esse mesmo coco é revendido por um preço muito acima do que foi comprado.

Desse modo, grande parte do lucro acaba ficando todo com o atravessador203.

Os atravessadores explicaram que vários são os fatores que agem influenciando o

mercado do coco, oscilando os preços dos frutos, e que por esse motivo essa “negociação” entre

produtor e atravessador é tão importante. De acordo com esses atravessadores, dentre os

principais fatores que fazem com que o preço do coco verde seja sempre inconstante estão

aqueles de ordem climática, visto que sempre que a temperatura aumenta nos principais centros

consumidores, como Fortaleza e São Paulo, há uma maior demanda por coco e os seus preços

aumentam, da mesma forma que quando chove pouco a produção cai e os preços sobem204. O

mesmo se pode dizer do coco seco, que apresenta picos de demanda, sobretudo no período da

Páscoa, quando há um maior consumo de coco ralado.

Segundo os atravessadores, tudo vai depender dessa lei da oferta e da procura e dos

fatores climáticos, como também do valor dos fretes, o que faz com que os preços do coco não

dependam exclusivamente da vontade desses agentes, tendo em vista que também atuam nesse

processo inúmeros atacadistas, distribuidores, agroindústrias, além de outros, igualmente

importantes para taxar os preços dos frutos. No entanto, a decisão final é sempre dos

atravessadores, porque no momento da comercialização eles incluem a margem de lucro que

irão receber, pouco importando se os produtores receberão um “preço justo” por seus frutos.

Ilustrando esse processo, um atravessador de Paraipaba relatou: “o atravessador sempre ganha

203 Para Lima (2005, p. 128), “toda essa situação leva a uma determinação do preço pelo atravessador visando o

maior lucro possível, ficando os produtores sem alternativa e sem condições de discutir o preço compatível com

os custos da produção”. 204 Durante um mesmo ano, o preço do coco verde pago aos produtores costuma variar de 20 centavos a R$ 1,50.

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o dele, independentemente de dar ou não prejuízo para os produtores; os atravessadores sempre

saem ganhando, senão não teria lógica”.

De todo modo, os maiores prejudicados com esse mercado do coco são os produtores.

Um outro exemplo que pode comprovar isso foi relatado por um produtor de Acaraú. Segundo

ele, houve um período em que toda a produção foi perdida, já que os frutos maduros iam caindo

e ficavam jogados em meio ao coqueiral à espera de compradores, que não apareceram porque

o preço do quilo de coco seco estava tão baixo que não chegava a cobrir nem o custo do frete.

Sem ter para quem vender, devido à falta de interesse dos atravessadores em adquirir a

produção, o coco acabou apodrecendo e os produtores tiveram que queimar os 20 mil frutos,

perdendo toda uma colheita por causa do mercado do coco. Assim, parafraseando Paulino

(2012, p. 260), à mercê do mercado, pouco é o que os produtores podem fazer.

A cada entrevista realizada com os produtores, era possível compreender um pouco

melhor os motivos que levam a um descontentamento generalizado diante das formas de

atuação dos atravessadores. Os produtores queixavam-se principalmente de não poder decidir

os preços nos quais os frutos são comercializados, já que segundo eles: “o produto é meu, mas

não sou eu quem dou o preço; tudo é controlado pelos atravessadores... eles sim, são os que

mais ganham com tudo isso”. Assim, o motivo maior de todo o descontentamento passa a ser o

fato de os atravessadores sempre comprarem o coco por um preço e o revenderem por um preço

muito maior, valor esse que não é repassado para os produtores. No dizer de um deles: “o coco

só tem valor mesmo se for na mão do atravessador”.

Reiterando a insatisfação dos produtores, todos eles foram unânimes ao se questionarem

sobre a destinação dos lucros advindos da produção dos frutos, dificilmente usufruídos de forma

plena por aqueles que os produzem, como pode ser notado no depoimento abaixo.

Tem alguém que ganha muito dinheiro nesse negócio, e esse alguém não é o

produtor. Existem épocas que eu vendo o coco aqui em Paraipaba a 50

centavos, e esse mesmo coco chega a ser vendido em Fortaleza por R$ 2,50.

Às vezes eu me pergunto pra onde foi todo o lucro com a produção do coco,

porque com o produtor é que não ficou. Digo isso porque os atravessadores

sempre têm um lucro maior do que os produtores, sempre foi assim. Não é

justo a gente se matar de trabalhar e vir alguém de fora e ganhar em cima do

que a gente fez, sem nunca ter sequer pisado num coqueiral.

Um exemplo que ilustra esse depoimento foi observado em março de 2014, quando o

coco saía do coqueiral em Paraipaba cotado a R$ 1,00, e chegava a ser revendido nas praias de

Fortaleza por R$ 3,50, ou até mesmo por R$ 5,00 em determinados locais. O que chama atenção

é o fato de Paraipaba e Fortaleza estarem distantes apenas 100 quilômetros uma da outra, o que

não chega a ser suficiente para encarecer o frete, por exemplo. O que ocorre é que o preço dos

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frutos aumenta à medida que passa por todos os intermediários que compõem esse circuito até

chegar aos consumidores. Nas fotos abaixo vemos um produtor que vendia o fruto por R$ 1,00

e o vendedor que o repassava ao consumidor final por R$ 3,50, representando “a distância

abissal existente entre o preço das mercadorias quando em poder dos produtores e ao fim do

circuito, já à disposição dos consumidores finais” (PAULINO, 2012, p. 428).

Foto 55 – Produtor de coco verde em Paraipaba/CE. Foto 56 – Vendedor de coco verde em Fortaleza/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Durante o período dos trabalhos de campo, de um modo geral, entrevistamos

atravessadores de coco verde que estavam comprando o fruto por R$ 1,00 e o revendendo por

até por R$ 1,50, e atravessadores de coco seco que estavam comprando um quilo do fruto já

descascado por R$ 2,20 e o revendendo por R$ 2,80, ou até mesmo por R$ 3,30. Destaca-se

que no valor pago aos produtores já estão descontados o pagamento dos trabalhadores e do

frete, e por vezes até mesmo o ICMS205. De acordo com um dos entrevistados: “sempre existe

uma margem de lucro a mais pra quem é atravessador. No caso do coco verde, o atravessador

ganha um lucro líquido de, no mínimo, 10 centavos por fruto, enquanto o lucro líquido médio

do produtor fica em torno dos 5 centavos”. Desse modo, o atravessador consegue lucrar, em

média, no mínimo 6 mil reais por mês, enquanto o lucro líquido206 de um pequeno produtor

normalmente gira em torno dos 1.500 reais, no máximo.

Assim, há uma ideia generalizada difundida entre os produtores de que apenas quem

“fica rico” nessa atividade são os atravessadores. Os produtores reclamam: “só quem ganha

dinheiro com coco é o atravessador, eles rapidamente ficam ricos por causa do coco, e sempre

às custas dos produtores e dos trabalhadores, claro”. Inconformado com o fato de não ver o

fruto de seu trabalho, um produtor de Paraipaba relatou: “todo atravessador tem carro novo, e

205 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. 206 Já descontados o montante pago pela água e por todos insumos, como também o valor pago aos diaristas, entre

outros custos.

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quem é dono do coqueiral mal tem uma bicicleta”; já outro indicou: “o que se vê é o

atravessador enricando e o produtor ficando cada vez mais pobre”. “Nessa história toda quem

sai ganhando mesmo é o atravessador. Ora, em dois meses o atravessador ganha mais do que o

produtor em um ano”, relatou outro produtor.

Cientes dessa situação e em virtude das constantes reclamações por parte dos

produtores, os atravessadores passam a se recusar a ser chamados por esse nome. Em alguns

locais visitados, ser chamado de “atravessador” soava como algo pejorativo, como sinônimo de

mal pagador e aproveitador, conforme eles próprios informaram. Por essa razão, muitos deles

preferem ser chamados de “corretores de coco”. Segundo esses atravessadores, o adjetivo

“corretor” também serve para designar quem faz a intermediação entre os vendedores e

compradores. No entanto, esse é mais um nome que serve apenas para mascarar a antiga prática

de monopolização da produção e da comercialização.

Essa monopolização se dá sobretudo quando há um controle dos preços e das vias de

comercialização dos frutos. Entretanto, em Itarema notamos a existência de uma outra estratégia

utilizada pelo atravessador para controlar a produção de coco. O atravessador em questão vem,

desde 2007, fornecendo adubo orgânico para 20 produtores de coco seco, que em troca

encaminham-lhe obrigatoriamente os frutos ao final de cada colheita, além de pagar pelos

adubos em produção. “Essa foi a melhor forma encontrada de segurar o produtor, forçando ele

a nos vender a sua produção, já que não tem nenhum contrato entre a gente que faça com que

ele me venda o coco... além também de garantir o pagamento dos insumos”, relatou esse

atravessador, explicando o seu mecanismo de garantir o fornecimento dos frutos ao “segurar o

produtor” e o “forçar” a vender o coco.

Outro motivo de embate entre produtores e atravessadores é o momento da contagem

dos frutos, como observado com mais vigor no perímetro Curu-Paraipaba. Além de realizar a

colheita do coco verde, muitas vezes na ausência dos produtores, é comum os próprios

atravessadores fazerem a contagem dos frutos e somente depois notificar os produtores do total

que foi colhido. No entanto, há relatos de que os atravessadores costumam errar

propositalmente essa contagem, visando obter um lucro maior ainda, forçando os produtores a

acompanharem todo esse processo. De acordo um deles: “tem alguns atravessadores que não

gostam da presença do produtor na hora da contagem, eles pensam que a gente não confia

neles... mas é que às vezes os atravessadores costumam enrolar a gente”.

Desse modo, ao não acompanhar a colheita e a contagem dos frutos, os produtores

entram em uma relação de total dependência dos atravessadores, perdendo por completo o

controle de tudo o que é produzido e comercializado. Aqui vemos claramente o poderio do

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capital comercial, representado por esses atravessadores, atuando na monopolização do circuito

espacial produtivo do coco, passando pela produção, comercialização, distribuição até chegar

no consumo. Como tudo acaba dependendo sempre dos atravessadores, é comum os produtores

se sentirem encurralados e incapazes de decidir os rumos de seu próprio cultivo. Um desses

produtores revela o quanto eles são dependentes: “é uma sujeição (sic) muito grande ter que

vender todo o coco para os atravessadores, eles fazem o que querem e nós não temos escolha

alguma, nós estamos completamente nas mãos deles”.

Os produtores denunciam também a existência de uma espécie de “cartel” entre os

atravessadores, os quais, além de controlar e segurar os preços, também se reúnem entre si para

combinar esses preços. Assim, os produtores acabam ficando sem opção para quem vender os

frutos, sendo obrigados a negociar com qualquer atravessador, já que às vezes os preços acabam

sendo os mesmos. Segundo um produtor: “é comum os atravessadores combinarem os preços

entre si; é tipo um cartel isso que eles fazem... desde sempre quem deu valor no coco foi quem

comprou, e não quem vendeu... eles sempre querem ganhar em cima de nós”. Já de acordo com

os atravessadores, essa prática não existe; o que acontece é que em determinados momentos

eles acabam dando um preço idêntico aos frutos.

Com isso, cai por terra a tese de que os produtores são livres para escolher com quem

negociar a sua produção, pois sempre quem vai intermediar essa relação é algum atravessador.

“Se o produtor não gostar do preço proposto pelo atravessador ele é livre para escolher outro

para vender, mas quase sempre o valor dado por ambos é o mesmo...”, lamenta um produtor de

Trairi. No entanto, esse fato de poder escolher para quem comercializar aparece com uma

estratégia de adaptação dos produtores à hegemonia dos atravessadores, mas que mesmo assim

não é o suficiente para eliminar essa intermediação. A esse respeito, um produtor de Paraipaba

afirmou: “a gente sempre procura aquele atravessador que está dando um melhor preço pelos

frutos, às vezes a diferença é muito pequena, mas já serve para ajudar a melhorar um pouco a

renda. Mas mesmo escolhendo pra quem vender, tudo passa pelos atravessadores”.

Assim, somos confrontados com a ideia de que os atravessadores são um “mal

necessário”, “já que é o jeito vender tudo pra eles, não há nada do que a gente possa fazer... nós

não temos escolha alguma, ou vendemos para os atravessadores ou não vendemos”, lamentaram

os produtores207. Com isso, a existência do atravessador passa a ser uma condição para a própria

continuidade da reprodução desses produtores. No entanto, o problema não é a existência dos

207 Nesse sentido, de acordo com Locatel e Hespanhol (2002, p. 181), “diante da falta de infra-estrutura para a

comercialização [...], o capital comercial, que, em outros casos, se transforma em capital usuário torna-se, para

grande parte dos produtores, a única alternativa para a distribuição da produção no mercado”.

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atravessadores, e sim a lógica na qual o capital comercial costuma atuar. Desse modo, os

produtores são, na verdade, reféns não só dos atravessadores, mas também desse sistema no

qual estão inseridos e de onde não há muitas possibilidades de escapar.

Nesse sentido, Paulino (2012, p. 257) consegue resumir bem a atuação dos

atravessadores, ao indicar que a sua presença efetiva na produção agrícola representa a melhor

“evidência da mediação perversa do capital comercial na produção camponesa”. Já Santos

(2008c, p. 292) aponta que o produtor rural é sempre o mais prejudicado como vendedor e como

comprador, e que a sua fraqueza diante dos intermediários, seja ela qual for, mostra que nesse

processo de compra/venda sempre alguém vai sair perdendo. E além da atuação dos

atravessadores, os produtores de coco têm que lidar ainda com a atuação das agroindústrias.

5.2.2 As estratégias e as formas de atuação das agroindústrias

As agroindústrias cearenses especializadas no processamento industrial do coco também

compram uma grande quantidade de frutos todos os dias, que são adquiridos diretamente com

os produtores e/ou via atravessadores, quando não são advindos de suas próprias fazendas.

Assim, um percentual considerável do coco produzido no Ceará segue em direção a essas

agroindústrias, que possuem um grande número de fornecedores e que necessitam de um

considerável estoque diário de matéria-prima. Por esse motivo, essas empresas também agem

controlando a produção e a comercialização do coco208.

Quando compram diretamente dos produtores, as empresas preferem adquirir os frutos

somente com os grandes, visto que elas fazem uma série de exigências as quais os pequenos e

médios não conseguem cumprir, como manter um determinado padrão de aparência externa do

coco, garantir a qualidade da água e se responsabilizar pela colheita e pelo transporte da

produção. Já no que tange aos atravessadores, não há um perfil predeterminado, e a única

exigência que as empresas fazem é que eles realizem a entrega dos frutos e que estejam sempre

a postos para atender as suas necessidades, uma vez que também não há, na maioria das vezes,

contratos fixos entre atravessadores e empresas.

Cabe destacar que, de acordo com Paulino (2012), a instalação de agroindústrias

obedece a um princípio claro de fusão entre as atividades agrícolas e industriais, de modo que

se tenha o controle tanto da produção da matéria-prima quanto do processamento industrial,

como é observado no caso do coco, por exemplo. A autora acrescenta ainda que “isso permite

208 Como tais empresas apenas adquirem os frutos, a maioria delas não participa e nem acompanha diretamente

seus processos produtivos, diferentemente do observado com agroindústrias de outros setores, que fornecem

insumos e assistência técnica aos seus fornecedores, por exemplo, visando assegurar o fornecimento do produto.

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aos capitalistas o domínio completo sobre o processo produtivo, do qual auferem tanto a renda,

extraída socialmente, quanto o lucro, extraído individualmente dos trabalhadores envolvidos na

produção” (PAULINO, 2012, p. 42), atuando de maneira hegemônica da produção agrícola e

subordinando os produtores rurais às suas necessidades.

O caso da Ducoco ilustra muito bem esse processo. Além de ser a maior e mais

importante agroindústria do coco instalada no Ceará, essa empresa é também a que mais adquire

frutos via produtores e atravessadores, já que 100% do coco verde por ela processado advém

de diversos fornecedores209, como informou o seu gerente de compras de matéria-prima.

Diferentemente das outras empresas do setor, a Ducoco atua somente com fornecedores fixos,

tanto produtores quanto atravessadores, com quem são firmados “termos de responsabilidade”

anuais de fornecimento de coco verde, em quantidades que podem variar de acordo com suas

demandas e com o próprio comportamento do mercado.

Em 2014, a Ducoco atuava com 130 fornecedores ativos, localizados sobretudo no

Ceará. Ainda segundo o gerente de compras de matéria-prima da empresa, em 2013, 95% dos

frutos foram originados de municípios cearenses210, sendo 46% de Pentecoste, 33% de

Paraipaba, 6% de Acaraú, 5% de Paracuru e os outros 10% de Trairi, Apuiarés, Itarema, São

Luís do Curu, Amontada, Uruburetama e Varjota. A empresa acaba privilegiando fornecedores

do Ceará devido à proximidade com os principais polos produtores, o que contribui para a

redução do frete; somente quando o preço do coco está muito alto no mercado estadual é que a

Ducoco dá preferência aos fornecedores externos.

A Ducoco sempre adquiriu seus frutos via atravessadores, que contribuem para fazer a

intermediação entre pequenos e médios produtores e a empresa. Um dos responsáveis por

organizar a produção advinda dos atravessadores justificou a existência desses profissionais

alegando que eles “são um mal necessário, já que possuem o caminhão e têm a função de reunir

o coco de vários produtores. Por esse motivo, o pequeno produtor não seria nada sem o

atravessador... já que a produção de apenas um desses produtores não é o suficiente para

completar uma carrada [um carregamento completo]”. Esses atravessadores são fornecedores

fixos, porém não exclusivos da Ducoco, e têm a obrigação de lhe fornecer coco apenas quando

são solicitados, que pode ser semanalmente ou a cada mês/trimestre.

Desse modo, quem mais fornecem coco para a Ducoco são os pequenos e médios

produtores, por intermédio direto dos atravessadores, conforme relatou o diretor de compras da

209 Já no caso do coco seco, todos os frutos processados pela Ducoco advêm atualmente de suas próprias fazendas. 210 O restante (5%) foi advindo de municípios de outros cinco Estados nordestinos: Souza (PB), Petrolina (PE),

Juazeiro (BA), Parnaíba (PI) e Touros (RN).

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empresa. Segundo ele: “hoje aproximadamente 70% do coco verde processado pela Ducoco

vem dos pequenos produtores, que chega até nós através dos atravessadores. Não seria um

exagero afirmar que é o pequeno produtor que mantém a Ducoco”. Assim, fica evidente que a

segunda maior agroindústria do coco do país é altamente dependente dos pequenos produtores

para continuar existindo. Isso corrobora a tese de Oliveira (2001, 2007) de que os pequenos

produtores são indispensáveis para a reprodução do grande capital211, e que por isso mesmo não

desaparecerão, na medida em que esses pequenos produtores representam uma condição para a

existência de grandes empresas agrícolas e agroindustriais.

Ainda de acordo com o diretor entrevistado: “a empresa tem consciência disso; é tanto

que a nossa política é privilegiar o pequeno produtor, fazendo com que ele fique menos

dependente da atuação dos atravessadores”. Entretanto, não foi isso que ouvimos dos pequenos

produtores entrevistados, que relataram que a Ducoco não tem interesse algum em negociar

diretamente com eles, haja vista que faz uma série de exigências as quais eles não têm condições

de atender. Diferentemente dos grandes produtores que fornecem para a Ducoco, que podem

arcar com os custos do frete e podem atender as exigências no que tange sobretudo às práticas

agrícolas. Outro fator limitante é que a empresa paga apenas pela quantidade de água do coco,

e não pelo fruto, o que pode reduzir os lucros dos produtores.

Os grandes produtores que agem fornecendo coco verde para a Ducoco são obrigados a

seguir o guia de “Boas Práticas Agrícolas”, criado pela empresa com o intuito de ter um maior

controle do processo produtivo dos frutos, o que não é exigido quando a produção é adquirida

via atravessadores. Desse modo, para se tornar um fornecedor fixo da Ducoco, os produtores

têm que seguir uma série de recomendações, listadas em um documento chamado de “Cartilha

de fornecedor de coco verde”, à qual obtivemos acesso, além de responderem um “Questionário

de avaliação”, que serve para avaliar se o produtor está apto ou não a ser tornar um fornecedor

da empresa. Destaca-se que os atravessadores também são obrigados a seguir algumas

“recomendações” caso se tornem fornecedores da Ducoco.

Dentre as recomendações indicadas na “Cartilha de fornecedor de coco verde” estão:

usar somente defensivos químicos permitidos para o cultivo de coco; aplicar os defensivos

atendendo a todas as normas de segurança recomendadas; colher o coco somente 30 dias após

a aplicação dos agrotóxicos; encaminhar o coco para a empresa fora do cacho e completamente

limpo. No “Questionário” estão pontos referentes às seguintes normas, entre outras: realização

de tratos pós-colheita nos frutos; utilização correta dos agrotóxicos; realização de tratos

211 Como também demonstram Marshall, Mesclier e Chaleard (2012) e Paulino (2012), entre outros pesquisadores

que se dedicam ao estudo da relação entre agricultores e agroindústrias.

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culturais como coroamento, roçagem, adubação química e orgânica; utilização de irrigação

localizada; disponibilidade de assistência técnica pública ou particular; utilização de inovações

tecnológicas; não envolvimento do trabalho infantil e/ou forçado. Para ter um controle dessas

atividades, que devem ser seguidas à risca, a Ducoco envia seus técnicos a cada três meses para

vistoriar o coqueiral de seus fornecedores.

Entrevistamos seis grandes produtores que fornecem coco para a Ducoco, três deles de

Paraipaba, dois de Acaraú e um de Itapipoca. Um deles, que inclusive é o maior fornecedor

individual de coco verde para a empresa, informou que teve de assinar esse “termo de

responsabilidade”, com validade de um ano212, comprometendo-se a destinar mensalmente uma

quantidade x de frutos para atingir as cotas estabelecidas pela Ducoco, além de se comprometer

a seguir as normas referentes aos tratos culturais, utilizar somente adubos e agrotóxicos

recomendados, enviar os frutos completamente limpos e manter o “padrão de qualidade

Ducoco”, como também de se responsabilizar inteiramente pela colheita e pelo transporte dos

frutos até a fábrica.

Um desses produtores revelou que é fornecedor de coco verde para a Ducoco há uns 10

anos e costuma encaminhar, em média, três carradas por mês para a empresa, cada uma com

aproximadamente 10 mil frutos, todos eles já lavados e livres de qualquer sujeira. Outro

produtor indicou que para completar a cota semanal da empresa age comprando coco de

produtores menores, atuando, dessa forma, também como atravessador. Ainda de acordo com

esse produtor, ele preferiu ser fornecedor exclusivo da Ducoco em virtude de ter uma segurança

para quem vender seus frutos, não precisando negociar com outros compradores, dedicando-se

inteiramente ao abastecimento dessa empresa.

Já a forma de atuação da Paragro se assemelha muito à da Ducoco, mas com algumas

poucas diferenças. A principal delas é que a Paragro negocia exclusivamente com os

atravessadores, não adquirindo nenhum fruto via produtores. De acordo com os diretores dessa

empresa, a opção de comercializar somente via atravessadores se justifica pelo fato de não

compensar adquirir os frutos de produtores que não têm uma grande produção. A Paragro

prefere também comprar exclusivamente dos atravessadores porque eles agem reunindo a

produção de inúmeros produtores ao mesmo tempo e especialmente porque eles “não reclamam

dos preços”, expressão utilizada pelo diretor da empresa se referindo ao fato de os produtores

tentarem negociar o valor pago pelos frutos.

212 Durante esse período o valor pago pelo coco é sempre o mesmo, decidido previamente, pouco importando o

comportamento do mercado e o período do ano.

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Até mesmo aos atravessadores a Paragro impõe algumas exigências, como garantias da

qualidade da água e da aparência externa dos frutos, sendo comum relatos desses profissionais

que chegaram a perder carradas de coco verde porque os frutos não se enquadravam nas normas

impostas pela empresa. Além disso, a forma de atuação da Paragro é motivo de

descontentamento também entre os produtores inseridos no perímetro irrigado Curu-Paraipaba,

já que, devido à grande disponibilidade de matéria-prima, essa empresa sempre paga um valor

muito baixo pelos frutos, abaixo do valor de mercado, não sendo economicamente viável a

negociação com a empresa nem mesmo para os atravessadores.

Já no caso da Adel, que adquire tanto coco verde quanto coco seco, 20% dos frutos

advém de atravessadores e os outros 80% de produtores, localizados sobretudo em Trairi,

Paraipaba e Itarema, além dos produzidos em suas próprias fazendas, como informou o diretor

da empresa, indicando também que, apesar de preferir negociar diretamente com os produtores,

isso se torna muito difícil devido à pequena quantidade produzida por cada um deles e as

dificuldades enfrentadas para realizarem a entrega dos frutos. Outra limitação indicada por esse

diretor diz respeito ao que se costuma chamar de “leilão do coco”, que é quando há uma redução

na produção levando a uma menor quantidade de frutos no mercado, o que faz com que os

atravessadores e produtores subam os preços do coco213.

Entrevistamos um produtor e um atravessador que fornecem coco seco para a Adel,

localizados em Trairi, que informaram que na maioria das vezes não chega a ser vantajoso

comercializar com essa empresa, “já que ela sempre paga um preço muito abaixo do valor de

mercado”, devido à grande oferta de matéria-prima e de fornecedores interessados em revendê-

la, sendo melhor vender esse coco para São Paulo, por exemplo. Produtores e atravessadores

apontaram ainda que em períodos de pico de produção de coco seco a Adel, além de pagar

pouco, costuma exigir que o peso do coco passe, obrigatoriamente, das 400 gramas, e que ela

costuma devolver os frutos que não se enquadrem nessas características, gerando um grande

prejuízo tanto para quem produz como para quem revende.

A Edcoco, por sua vez, que trabalha somente com coco verde, compra a maior parte dos

frutos diretamente dos próprios produtores, sendo somente 10% adquirido via atravessadores,

como relatou um de seus diretores. Um ponto que conta a favor da Edcoco é que ela está

instalada dentro do perímetro irrigado Baixo Acaraú, que possui majoritariamente médios e

grandes produtores, e que portando retiram uma produção mensal significativa, tanto que essa

empresa compra coco somente de produtores desse perímetro. Além disso, a Edcoco possui seis

213 Sobretudo por essa razão a Adel e a Paragro resolveram investir na produção agrícola de seus frutos, reduzindo

a participação dos atravessadores e produtores no fornecimento da matéria-prima.

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fornecedores fixos, que toda semana lhe vendem seus frutos. Um dos produtores que fornecem

coco para essa empresa assegurou que o principal diferencial é mesmo a questão da localização,

pois o frete fica muito barato.

Ainda no Baixo Acaraú, outro fato merece destaque. Nos foi informado que a PepsiCo

estava começando a instalar um sistema de “parceria” com os produtores aí instalados. Segundo

consta, a PepsiCo só trabalha com “pequenos produtores fidelizados”, localizados em

perímetros irrigados de Petrolina, que são aqueles para os quais essa empresa fornece insumos

e assistência técnica e financeira e que devem pagar por esses serviços em coco verde, para que

se tornem fornecedores fixos e exclusivos de tal empresa. Em virtude do grande potencial de

expansão do cultivo de coco no Baixo Acaraú, a PepsiCo viu aí uma enorme possibilidade de

aumentar a quantidade de “produtores fidelizados”, além dos 300 com os quais atua em

perímetros irrigados do vale do São Francisco.

De um modo geral, percebemos que os grandes produtores que negociam diretamente

com essas empresas, além das outras existentes, possuem uma autonomia que nem de longe é

observada entre os pequenos e médios produtores. Eles são “livres” para negociar com as

agroindústrias e para eliminar a intermediação dos atravessadores, fornecendo ora seus frutos

para a Itcoco e a Monteiro, no caso do coco seco, ora para a Ducoco e a Edcoco, no caso do

coco verde, ora ainda para a Dikoko e a Adel, que adquirem os dois frutos. A Ducoco é a única

das empresas que firma uma espécie de “contrato” com os produtores. Entretanto, o que pode

ser vantajoso para os grandes produtores nem sempre o é para os demais.

Assim, muitos são os produtores que preferem vender seus frutos via atravessadores e

não diretamente para as empresas, como foi relatado durante as entrevistas. Todos esses

produtores foram unânimes em afirmar que as agroindústrias sempre pagam menos do que os

atravessadores, apesar de os frutos serem os mesmos. As empresas chegam a fazer também um

controle inegociável dos preços, “já que elas são o próprio mercado”, conforme assegurou o

diretor da Ducoco, deixando seus fornecedores sem muita escolha. Por esse motivo, de acordo

com um produtor de Paraipaba:

É muito melhor vender para o atravessador do que para as fábricas. Mesmo

com os atravessadores querendo ganhar o deles, com as fábricas é muito pior,

elas não pensam nos produtores, só o lucro importa. As fábricas querem pagar

o mesmo valor pelo coco durante todo o ano; e essa prática de segurar os

preços e de segurar também os produtores não é vantajosa, já que sempre

quem vai sair ganhando são elas.

Desse modo, fica evidente que a prática de “segurar os preços e segurar os produtores”

é recorrente entre as agroindústrias do coco, que, assim como os atravessadores, também

determinam quanto estão dispostas a pagar pelos frutos. Em virtude disso, a renda auferida

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pelos produtores vai depender muito das necessidades dessas empresas, deixando-os

completamente à mercê de suas demandas, reproduzidas por intermédio dos atravessadores.

Assim, as agroindústrias se somam aos atravessadores na monopolização da produção e da

comercialização do fruto, indicando uma imbricação entre capitais industrial e comercial e

especialmente uma menor autonomia dos produtores do fruto.

5.2.3 Duplo monopólio e sujeição da renda da terra

No circuito espacial produtivo do coco, o que percebemos é que os processos de

produção e da comercialização são cada vez menos controlados pelos produtores, que

dependem da imposição de outros agentes para garantir a rentabilidade e a continuidade dessa

atividade. Observa-se uma consolidação da participação de atravessadores e agroindústrias,

que, além de monopolizar a produção e a comercialização, decidem também os rumos desse

circuito espacial produtivo. Por esse motivo, Maluf (1992, p. 48) vai se referir a esses dois

agentes, dentre outros, como a mais clara forma de manifestação do grande capital, detentor da

hegemonia sobre a produção e a circulação dos produtos agrícolas, quaisquer que sejam eles.

Os dados do Censo Agropecuário de 2006 comprovam esse poderio do grande capital

na monopolização da produção e da comercialização de coco. As informações apresentadas na

tabela seguinte (tabela 35) demonstram que o coco vendido diretamente para as indústrias e

para os intermediários chega a representar 100% em praticamente todos os seis municípios

analisados. Só em Paraipaba, por exemplo, 86% do coco aí comercializado foi destinado

primeiramente aos atravessadores, e o restante destinado às indústrias, indicando que 100% do

coco produzido nesse município foi comercializado via capital comercial e industrial. O mesmo

foi observado em Acaraú e Amontada, que têm os atravessadores monopolizando mais da

metade da comercialização dos frutos, que chega a ser totalmente controlada se acrescentarmos

a atuação das agroindústrias.

Já em Itapipoca, ainda conforme esses dados, nota-se que os atravessadores controlam

praticamente todo o mercado do coco, uma vez que 94% dos frutos são por eles adquiridos,

mesmo apesar de a Ducoco estar aí localizada, indicando que nem sempre a existência de uma

agroindústria é sinal de controle irrestrito da produção em um dado município. Em Itarema e

Trairi a maior parte dos frutos é vendida diretamente para as agroindústrias, mas, mesmo assim,

a associação entre capital industrial e comercial leva ao controle de aproximadamente 100% da

comercialização desses frutos.

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Tabela 35 – Principais municípios produtores de coco do Ceará. Primeiro destino da produção de

coco, por quantidade vendida (em mil frutos) e proporção (%). 2006.

Vendida à

cooperativa Prop.

Vendida à

indústria Prop.

Vendida

ao

intermedi

ário

Prop.

Venda

direta ao

consumid

or

Prop.

Acaraú - - 167 20,67 641 79,33 - -

Amontada - - 390 31,15 858 68,53 4 0,32

Itapipoca - - - - 233 94,33 14 5,67

Itarema - - 4.847 71,31 1.946 28,63 4 0,06

Paraipaba - - 3.450 13,59 21.929 86,41 - -

Trairi 15 0,31 2.629 54,57 2.174 45,12 - -

CEARÁ 25 0,04 20.757 34,89 37.063 62,29 1.653 2,78

Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.

Ainda analisando a tabela anterior, outro aspecto que chama atenção é a quase

inexistente atuação das cooperativas e a inexpressiva quantidade de frutos vendidos diretamente

aos consumidores, como em feiras e em mercados, o que deixa os produtores do fruto mais

vulneráveis. Isso indica a falta de articulação entre esses produtores e também a ausência de

uma ação mais eficiente do poder público no intuito de intermediar essa relação e de regular

esse mercado. Desse modo, nota-se ainda que a dependência dos produtores é ampliada devido

à ausência de cooperativas214, que poderiam funcionar como uma alternativa para a

comercialização dos frutos215.

Desse modo, analisando esses dados, a dupla monopolização da produção e da

comercialização de coco pelo capital comercial e industrial fica ainda mais evidente, reforçando

o que os produtores já haviam relatado. A esse respeito, e de acordo com Oliveira (2010, p. 47-

48), “a prática de subjugar os produtores, através do controle da comercialização dos produtos,

tem sido a esfera particular de atuação do capital comercial que, em alguns casos, tem evoluído

para atuação também industrial”. Ainda segundo o autor, essa foi a melhor maneira encontrada

pelo capital para sujeitar a agricultura aos seus ditames. Além disso, “estabelecendo o

monopólio na circulação, o capital subjuga, de um lado, grandes e pequenos agricultores e, de

outro, os consumidores, com seus preços monopolistas” (OLIVEIRA, 2010, p. 23).

Também de acordo com Oliveira (2001, 2010), estaríamos, assim, diante de dois

mecanismos de monopólio do capital: de um lado as agroindústrias monopolizando a produção,

e de outro os atravessadores monopolizando a comercialização e a circulação. Entretanto, no

214 Havia duas cooperativas que comercializavam coco nos municípios visitados, uma em Trairi e outra em

Paraipaba, mas ambas estavam desativadas há vários anos, devido sobretudo a problemas relacionados à gestão

dessas cooperativas e de constantes desentendimentos entre os seus diretores e os cooperados. 215 Nesse sentido, segundo Pimentel e Souza Neto (2003, p. 23), “em razão de não existir uma associação de

produtores [de coco], o preço praticado é sempre inferior ao que poderia ser obtido se os produtores tivessem poder

de barganha”.

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caso do coco, e de uma série de outros produtos agrícolas, essa dupla monopolização se dá

concomitantemente, já que ao controlar a comercialização os atravessadores e as agroindústrias

controlam também a produção, direta e/ou indiretamente. A partir do momento em que esses

agentes determinam como e quando querem adquirir os frutos cultivados pelos produtores, há

um controle do que é produzido, já que essas são decisões não lhes cabem.

Oliveira (2010, p. 21) acrescenta também que “no atual estágio de expansão capitalista

no Brasil, o que assistimos é o predomínio, quase completo, do capital industrial ou comercial

atuando na circulação e sujeitando a renda da terra produzida na agricultura”. Assim,

atravessadores e agroindústrias atuam fortemente na sujeição da renda da terra ao capital,

apropriando-se de grande parte da renda advinda do cultivo de coco e que deveria ser auferida

por seus produtores. Locatel e Hespanhol (2002, p. 176-177) explicam esse processo

assegurando que “o simples desenvolvimento de uma atividade agrícola, por mais vantajosa

que ela seja, não garante ao agricultor se apropriar de toda a renda da terra gerada por essa

atividade”.

Isso se dá porque, ainda segundo os autores, “no processo de circulação da mercadoria,

ocorre a mediação entre as diversas unidades e segmentos de produção, havendo uma

concorrência pelo controle de parte da renda que acaba sendo apropriada por outros agentes”

(LOCATEL; HESPANHOL, 2002, p. 152)216. Para Oliveira (2007, p. 12), essa sujeição da

renda da terra ao capital representa o mecanismo básico de expansão do capital no campo,

deixando os produtores, camponeses ou não, a mercê de suas vontades, como já bem indicava

Martins (1995, p. 177). Oliveira (2007) destaca ainda que a renda da terra da qual estamos

falando, também chamada de renda territorial ou renda fundiária, trata-se do lucro

extraordinário permanente, ou seja, um produto do trabalho excedente, devendo ser entendida

como uma fração da mais-valia.

De acordo com Martins (1995), essa sujeição da renda da terra ao capital se dá quando

o produtor continua proprietário da terra e dos meios de produção, entretanto grande parte da

renda que lhe cabia é auferida por outros agentes, sobretudo no momento da comercialização

da sua produção, seja pelos atravessadores seja pelas agroindústrias. Desse modo, “(...) o capital

não se torna proprietário da terra, mas cria as condições para extrair o excedente econômico, ou

seja, especificamente renda onde ela aparentemente não existe” (MARTINS, 1995, p. 175).

216 Destaca-se que os mecanismos de apropriação da renda de terra pelo capital se dão de inúmeras outras formas,

“(...) como na intermediação do capital comercial, na ação do capital financeiro, no mecanismo de preços

estabelecidos pelas indústrias de insumos e máquinas, enfim, são diversas as situações em que essa transferência

ocorre” (PAULINO, 2012, p. 122).

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Caso o representante desse capital também fosse o proprietário da terra, estaríamos diante de

um outro processo, o de sujeição do trabalho ao capital, conforme acrescenta o citado autor.

Martins (1995, p. 176) assevera também que “é um fato claro que toda a renda

diferencial tem sido sistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulação da

mercadoria de origem agrícola”. Essa renda diferencial só existe quando a terra é posta para

produzir, e pode derivar tanto da fertilidade natural dos solos e da localização das terras como

dos investimentos feitos para melhorar essa fertilidade, conforme aponta Oliveira (2007). Para

Locatel e Hespanhol (2002, 157), esse mecanismo criado pelo capital comercial em associação

ao capital industrial para “para dominar e determinar as relações estabelecidas entre o setor

agrícola e o urbano-industrial” indica especialmente uma forma de territorialização do capital

no campo, como observamos com a produção de coco.

Por tudo isso, podemos afirmar que estamos diante de uma nova produção, mas que vem

acompanhada da velha subordinação, na qual está alicerçada essa conservadora reestruturação

produtiva que acomete o setor do coco, onde notamos que mudaram as práticas produtivas, mas

que os canais de comercialização continuaram os mesmos. Assim, mudaram as formas de

produzir e permaneceram as de comercializar, fazendo com que os novos produtores de coco já

nasçam subordinados ao mercado e tenham sua produção monopolizada por alguns poucos

agentes que detêm o controle do setor. Aliás, essa é uma prática recorrente que acompanha o

desenrolar da reestruturação produtiva da agricultura nacional, conforme demonstra o estudo

de Pinheiro (2014), entre outros, atestando que esse processo é inerente e só se efetiva com a

sujeição da renda da terra ao capital.

Desse modo, fica claro que o verdadeiro “inimigo” dos produtores não é,

necessariamente, o atravessador, como se costuma acreditar, e sim todo o mercado, que não é

favorável a dotar esses produtores de uma maior liberdade no momento da produção e da

comercialização de seus frutos. Por esse motivo, acreditamos que uma tomada de autonomia se

faz necessária não só para garantir a continuidade da produção de coco, mas também para

garantir a sobrevivência de seus produtores. Nesse sentido, de nada adiantam a modernização

da produção de coco e a reestruturação do setor se os produtores do fruto continuam sem poder

decidir o que, para quem e como vão revender o que está sendo produzido.

5.3 CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E CONFLITOS POR TERRA

Um dos rebatimentos observados em razão da expansão da produção de coco no Ceará

é o acirramento da concentração e dos conflitos fundiários, indicando que a terra continua sendo

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um fator primordial para a difusão e territorialização do capital no campo (MOREIRA, 2007),

uma vez que na prática ela é apropriada e comercializada sem quaisquer ressalvas, controlada

por uma parcela ínfima de pessoas que detêm a sua posse, como assegura Paulino (2011). Nesse

sentido, e de acordo com Elias (2006), isso resulta em uma “oligopolização do espaço agrário”,

marcado por um restrito controle das terras no país, agricultáveis ou não, processo esse

acentuado com a reestruturação produtiva da agricultura brasileira.

O que se observa, de um modo geral, é que essa reestruturação produtiva da agricultura,

e seu expoente modelo de produção – o agronegócio –, pressupõe concentração fundiária,

expansão dos latifúndios e conflitos por terra. Para Delgado (1985), a modernização da

agricultura nacional assentou-se na permanência e na expansão dos latifúndios, processo

chamado por Oliveira (2007) de “modernização dos latifúndios”, que, além de assegurar a

permanência desse tipo de estabelecimento no campo, dotou-os de condições técnicas e

financeiras para serem viavelmente produtivos e rentáveis, conforme assevera Fabrini (2008).

Esse autor vai afirmar também que o latifúndio e o agronegócio estão intimamente interligados,

e que a acumulação capitalista advinda da renda fundiária surge como uma dimensão que os

unifica, tornando-os indissociáveis (FABRINI, 2008, p. 43).

Assim como observado em nível nacional, a nova produção de coco também está sendo

pautada na expansão dos latifúndios, que contribui para intensificar a concentração fundiária e

os conflitos por terras nas regiões de expansão desse cultivo, a exemplo do litoral oeste

cearense, como evidenciamos nos trabalhos de campo. Desse modo, a expansão do cultivo de

coco contribui para agravar a já concentrada estrutura fundiária do Ceará217, associada a

conflitos ligados à expropriação de comunidades camponesas já territorializadas e ao uso

corporativo do território por agentes hegemônicos que detêm o controle não só do circuito

espacial produtivo do fruto, como também do próprio território onde atuam.

5.3.1 Agronegócio do coco e concentração fundiária

O surgimento de grandes fazendas dedicadas ao cultivo de coco, sobretudo de coqueiro

anão, é algo muito recente no Ceará, e pode ser considerado como uma das consequências

diretas da reestruturação produtiva que atinge o setor, contribuindo para uma expansão cada

vez maior de novos espaços dedicados a esse cultivo. Dessa forma, assim como observamos o

crescimento no número de sítios, lotes agrícolas e assentamentos especializados na produção

de coco, é notória a grande quantidade de fazendas criadas visando cultivar exclusivamente

217 Acerca da concentrada estrutura fundiária cearense, ver Alencar (2005) e Oliveira (2005).

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esse produto. O diferencial dessas fazendas é que elas já nascem assentadas no latifúndio,

contribuindo para acirrar o quadro de concentração fundiária, de compra e venda de terras e de

disputas por elas.

Durante os trabalhos de campo, visitamos e/ou entrevistamos representantes de 12

dessas fazendas, o que nos possibilitou compreender melhor além da estrutura produtiva desses

estabelecimentos, a sua estrutura fundiária. Foram reveladas as estratégias dos latifundiários

para se inserirem no rentável negócio do coco, que se faz a partir de pesados investimentos em

inovações e novas práticas agronômicas, como também na aquisição de terras, de preferência

com um solo naturalmente fortalecido e com grande disponibilidade hídrica, como é o caso de

praticamente todas as fazendas visitadas. Dentre essas fazendas, muitas das quais funcionando

como empresa agrícola, sobressaem-se a Bom, a Iolla e a Campestre.

A Fazenda Bom, localizada em Trairi, é a maior fazenda contínua de produção de coco

do Ceará e a sua história é digna de nota. Segundo informou seu administrador218, responsável

por gerir todas as atividades da fazenda, a Bom surgiu em 1976 por iniciativa de um grupo

espanhol que resolveu investir no ramo da produção de frutas no Brasil e que desde esse período

passou a cultivar coco, graviola, melão, tomate e mamão, sobretudo. De acordo com um

pequeno produtor que mora ao lado da Fazenda Bom, entre as táticas encontradas pelos

espanhóis para comprar essas terras estavam a grilagem, a expropriação de antigos moradores

e o pagamento irrisório pelas terras.

A Fazenda Bom possui ao todo 2.800 hectares, segundo informações obtidas, divididos

em áreas produtivas (700 ha) e áreas de dunas, lagoas, preservação ambiental e quase 5

quilômetros de praia particular, como podemos ver na imagem 18, a seguir. A propriedade

possui ainda quatro açudes próprios, uma unidade de beneficiamento de água de coco,

atualmente desativada, além de depósitos, armazéns e casas de antigos moradores. Devido ao

seu grande tamanho, que vai muito além da média dos estabelecimentos que produzem coco no

Brasil, a Bom costuma realizar outras atividades nessa área além do cultivo do fruto com o

objetivo de auferir uma renda fundiária ainda maior, a exemplo da locação da praia e das dunas,

como aconteceu em 2009 quando o programa No Limite (da TV Globo) foi aí realizado.

218 Entrevistado em novembro de 2011 e em abril de 2014, na sede da fazenda, em Trairi.

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Imagem 18 – Dimensão da propriedade ocupada pela Fazenda Bom, em Trairi/CE.

Fonte: Google Earth, 2014. Adaptação: Cavalcante, 2015.

Em meados da década de 1990, a Fazenda Bom resolve se especializar apenas na

produção de coco verde, que era comercializada in natura e/ou processada pela própria

empresa, que foi uma das primeiras do Brasil a vender água de coco engarrafada, atividade que

perdurou até 2005. Atualmente, contando com 140 mil coqueiros plantados (fotos 57 e 58), mas

somente 90 mil deles produzindo, a produção da Fazenda Bom se resume apenas ao coco seco,

inteiramente vendido para a Adel. Isso se dá em razão de uma crise pela qual passa a empresa,

que a obrigou a parar de dar manutenção nos coqueiros e a abandonar a produção de coco verde,

além de procurar outros meios para se reestabelecer. Com essa crise, provocada devido a

empréstimos que não foram pagos, em 2005 a Fazenda Bom entrou em falência e foi revendida

para um outro grupo espanhol, formado por investidores que moram na Espanha e visitam Trairi

algumas vezes por ano.

Essa completa falência da Fazenda Bom provocou rebatimentos dos mais diversos,

especialmente entre aqueles que aí trabalhavam. De acordo com o administrador da empresa,

até 2005 havia 200 funcionários e hoje esse número não chega a 20. Entrevistamos três ex-

trabalhadores da Bom, que relataram que praticamente todos os funcionários dispensados em

2005 não receberam até hoje nenhum dos direitos que lhes cabiam. Um desses trabalhadores

declarou: “quando a empresa faliu, muitos empregados foram botados pra fora sem receber

nenhum centavo, até mesmo os que trabalhavam de carteira assinada. Os avulsos [diaristas]

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foram demitidos e esses que nunca vão ganhar nada mesmo, como é o meu caso... passei 30

anos trabalhando como diarista lá e saí com as mãos abanando”.

Atualmente dependendo apenas da venda do coco seco que amadurece nos coqueiros

sem manutenção, a Fazenda Bom investe em dois projetos para reativar a empresa e a produção,

como relatou seu administrador. Um dos projetos consiste em um investimento para revitalizar

os coqueiros e reiniciar a produção de coco verde, além da reativação da fábrica de água de

coco, prevista para começar a funcionar até 2018. Além desses investimentos no setor do coco,

um outro projeto fundamenta-se na geração de energia eólica dentro das terras da Fazenda, com

a construção de um parque com 70 torres, e depende apenas da liberação dos empréstimos para

ser iniciado, o que deve ocorrer até o final de 2015.

Com esses dois projetos, a Bom, além de produtora de coco, vai atuar gerando e

vendendo energia eólica, atividade em larga expansão em Trairi e em todo o litoral cearense, e

vai também arrendar parte de suas terras para a alocação de outra empresa eólica. Inclusive,

nesse município, conforme foi relatado e como pudemos notar, muitas são as fazendas de coco

que estão sendo arrendadas para a alocação de grandes empreendimentos de energia eólica. Isso

demonstra que também a produção de coco pode estar associada a outros empreendimentos,

baseados em atividades não propriamente agrícolas, mas intimamente relacionadas a negócios

fundiários, associados a compra, venda e arrendamento de terras.

Fotos 57 e 58 – Coqueirais da Fazenda Bom em Trairi/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Já a Iolla, instalada também em Trairi, é de propriedade de um empresário de Portugal.

Essa empresa agrícola surgiu em 2001 com um grande cultivo de graviola, chegando a ser

inclusive uma das maiores produtoras desse fruto em todo o mundo, mas que entrou em

decadência devido a inúmeras pragas. Ainda em meados de 2005 a Iolla passa a investir também

na produção de coco verde, adquirindo fazendas para cultivar o fruto, muitas das quais já

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possuíam coqueiros plantados. De acordo com o proprietário da empresa219, o investimento no

negócio do coco em Trairi deu-se principalmente devido ao potencial natural da terra, com

grande disponibilidade hídrica e solos férteis, à importante demanda por coco verde no mercado

interno e por água de coco no mercado externo, e à existência de importantes agroindústrias de

beneficiamento do fruto instaladas na região.

Atualmente a Iolla ocupa uma área total de 1.700 hectares, distribuídos em oito

fazendas. Segundo o seu proprietário, todas essas fazendas foram sendo adquiridas aos poucos,

à medida que o negócio do coco progredia, sendo que três delas foram compradas de

portugueses e uma de um espanhol. Além disso, “a maioria das fazendas tem algum morador,

pra evitar que venham outras pessoas e ocupem as terras”. Desses 1.700 hectares, apenas 511

são cultivados com coqueiros, entre híbridos, anões e gigantes, que somados chegam a

aproximadamente 93 mil árvores, distribuídos em quadro fazendas. Algumas delas estão

identificadas na imagem abaixo, cujas localizações foram repassadas pelo proprietário da

empresa, denotando nitidamente uma fragmentação e um controle do território de Trairi.

Imagem 19 – Localização de algumas das fazendas da Iolla em Trairi/CE.

Fonte: Google Earth, 2015. Adaptação: Cavalcante, 2015.

219 Entrevistado em abril de 2014, no escritório da empresa, em Trairi.

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Desde de 2010 a Iolla enfrenta uma grave crise, deflagrada especialmente devido a

vultuosos empréstimos realizados junto ao BNB e ao BNDES, que não foram pagos, assim

como observado na Fazenda Bom. Em razão disso, a produção de coco foi paralisada e entrou

em decadência, e atualmente a Iolla produz apenas coco seco, revendido para a Adel e para

atravessadores de Trairi. Em seu pico de produtividade, a empresa chegava a produzir um

milhão de frutos por mês, e hoje não produz mais do que 50 mil. Também antes havia 140

trabalhadores na Iolla, e hoje são apenas 17. Para sair dessa crise, o proprietário da empresa

passou a se dedicar a dois projetos distintos.

Um dos projetos consiste na revitalização da produção de coco, completamente

fragilizada, mas que pode ser reestabelecida com maiores investimentos. O proprietário da Iolla

havia arrendado, em 2013, todas as fazendas com coqueiros para um grupo de São Paulo, que

possui pontos de venda de coco na Ceagesp. Esse grupo vem se encarregando de resgatar a

produção, com a utilização de modernos implementos e com o auxílio de técnicos

especializados no seu cultivo. Depois de finalizado esse processo, o grupo paulista vai se tornar

proprietário dos coqueiros e também de todos os frutos, que serão vendidos diretamente na

Ceagesp, e ficarão pagando apenas a renda fundiária ao dono das terras. Além disso, ainda está

em discussão a instalação de uma fábrica de extração de água de coco, que será destinada a

abastecer as grandes empresas que atuam no setor, localizadas no litoral oeste cearense.

O outro projeto empreendido pela Iolla, não para resgatar a produção de coco, mas para

garantir o retorno de seus investimentos na aquisição de terras, trata-se de dois distintos

negócios fundiários: um deles consiste na desativação da fazenda cultivada com graviola, que

soma 174 hectares, que serão transformados em um “loteamento urbano”, e o outro consiste no

arrendamento de duas fazendas, que somam 637 hectares, para empresas de geração de energia

eólica, exatamente como ocorreu na Fazenda Bom. Com isso, ainda restarão 380 hectares de

área com mata nativa à disposição para empreendimentos futuros. Assim, percebe-se que os

grandes produtores de coco, e que por coincidência também são estrangeiros, sempre associam

o cultivo do fruto a rentáveis negócios fundiários.

Diferentemente dessas duas grandes empresas, que passam por crises, a Fazenda

Campestre, em Itarema, vê sua área produtiva com coco crescer a cada ano220. O proprietário

dessa fazenda221, que inclusive é o atual prefeito do município, informou que cultiva coco

gigante desde meados de 1970, passando a investir também no cultivo de coqueiro anão e

220 Essa fazenda já foi objeto de um estudo realizado por Sant’ana (2011), onde a autora demonstra as formas como

o coco é aí cultivado. 221 Entrevistado em novembro de 2012 e em abril de 2014, em Itarema.

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híbrido a partir dos anos 1990, e que hoje já possui 100 mil árvores plantadas em suas sete

fazendas, o que dá uma produção média de 2 milhões e meio de frutos por ano. Esse conjunto

de fazendas, todas elas localizadas nos arredores da zona urbana de Itarema (foto 59), ocupa

uma área total de aproximadamente 1.200 hectares, onde, além de coco, são cultivados

mandioca, cana-de-açúcar e capim e criados ovinos e bovinos entre as linhas dos coqueiros.

Está nos planos desse produtor continuar adquirindo terras: “enquanto estiver vivo, vou

estar comprando fazenda e plantando coco”. O “rei do coco”, como é conhecido esse produtor,

tem uma forma particular de demarcar seu território e de identificar as suas propriedades,

possuindo um portão azul que lhe serve como uma “marca própria” e que indica quais são suas

fazendas, como vemos na foto 60. Além de ser o maior produtor individual de coco em Itarema,

o proprietário da Campestre e toda sua família também participam ativamente da vida política

do município, uma vez que tanto ele quanto seus irmãos, primos e sobrinhos já ocuparam (ou

ocupam) cargos no legislativo e no executivo municipal, transformando a associação entre

política e produção de coco em um negócio promissor.

Aliás, essa associação entre políticos e produção de coco foi algo constantemente

mencionado durante as entrevistas realizadas em quase todos os municípios, sendo mais

evidente em Itarema. A família Monteiro, proprietária da Fazenda Campestre e da Monteiro

Coco, é por excelência uma família de políticos e, coincidentemente ou não, possui algumas

das maiores fazendas de coco em Itarema (de posse do atual prefeito) e até mesmo no município

vizinho de Acaraú (de posse do ex-prefeito itaremense). Além desses políticos, dois ex-prefeitos

de Itarema, pertencentes à família Rios, também possuem diversas fazendas de coco no

município. Já em Amontada, quem possui grandes fazendas cultivadas com esse fruto é um

deputado federal e um ex-prefeito, como relatado nas entrevistas.

Foto 59 – Coqueiral de uma das propriedades Foto 60 – Portão de entrada de uma das propriedades

da Fazenda Campestre, em Itarema/CE. da Fazenda Campestre, em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2011.

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Fora essas três fazendas, dentre as outras que visitamos, destacamos as seguintes:

Cacimbão (Paraipaba), com 85 hectares cultivados com coqueiro anão, instalada por volta dos

anos 2000 e de posse de um atacadista que atua vendendo frutas na CEASA; São Francisco

(Paraipaba), com 75 hectares cultivados com 12 mil coqueiros anões, instalada em 1999 e de

propriedade de empresários do ramo da construção civil de Fortaleza; Nalplius (Acaraú), com

74 hectares cultivados com 10 mil coqueiros anões, instalada em 1998 e de posse de um

comerciante de Fortaleza; Araújo (Acaraú), com 650 hectares, sendo 100 plantados com 15 mil

coqueiros híbridos e anões, instalada em 1995 e de posse de um comerciante local; Chapadão

(Trairi), com 76 hectares, sendo 40 plantados com 20 mil coqueiros anões, de posse de um

empresário de Portugal; Barroso (Itapipoca), com 150 hectares, sendo 30 cultivados com 15 mil

coqueiros anões e híbridos, de propriedade de um comerciante local.

O que chama atenção nessas seis fazendas é o fato de elas terem surgido apenas nas

últimas duas décadas, coincidindo com a expansão da produção e do consumo de coco verde

no Brasil, e de todas cultivarem praticamente coqueiro anão e/ou híbrido. Além disso, nota-se

que os proprietários dessas grandes fazendas não eram, inicialmente, agricultores, e sim

comerciantes e empresários que resolveram investir no promissor negócio do coco. Outro

destaque que deve ser feito, conforme foi relatado durante as entrevistas, é que os proprietários

de tais fazendas só as fundaram a partir de importantes empréstimos adquiridos em bancos

federais222, como o BB e BNDES, mas sobretudo o BNB, que possui uma linha de crédito

exclusiva para grandes produtores rurais, o FNE223.

Além dessas fazendas e empresas agrícolas citadas, temos também as empresas

agrícola-industriais, que igualmente contribuem para acirrar o quadro fundiário do Ceará em

virtude da expansão da produção de coco. Como apresentado no último capítulo, todas as

principais agroindústrias que atuam no processamento industrial desse fruto em território

cearense também agem produzindo coco, muitas delas há pouquíssimos anos. A Adel já possui

440 hectares cultivados com coqueiros, a Paragro aproximadamente 400, a Dicoco por volta de

200, e a Edcoco 80. E está nos planos de todas essas empresas expandirem suas áreas produtivas

com coco verde, como nos foi relatado. Há também a Cohibra, que possui três fazendas,

totalizando 1.500 hectares, sendo 860 cultivados com coqueiros, além de um lote agrícola com

produção de mudas no perímetro Curu-Paraipaba.

222 Desse modo, observa-se que a atuação do Estado na reestruturação produtiva do setor do coco pode ser maior

do que prevíamos, uma vez que essas fazendas só conseguem se expandir, na maioria das vezes, a partir do

financiamento do Governo Federal, via concessão de empréstimos através de bancos estatais. 223 Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste.

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Entretanto, a área cultivada de todas essas empresas juntas não consegue superar a da

Ducoco, que possui 4.000 hectares cultivados com aproximadamente 300 mil coqueiros em três

municípios, tornando-se a maior proprietária de terras plantadas com coco do Ceará. As

fazendas da Ducoco juntas somam 10 mil hectares, muitos dos quais ocupados por áreas de

matas que funcionam como reserva de valor para futuros investimentos. E essa grande

quantidade de terras veio sendo adquirida aos poucos, através da aquisição de terras com antigos

proprietários, a exemplo dos ex-governadores Adauto Bezerra e Tasso Jereissati.

Esses 10 mil hectares de posse da Ducoco estão distribuídos em sete fazendas, cujas

áreas ultrapassam até mesmo os recortes dos municípios onde estão instaladas (Itarema,

Itapipoca e Camocim), estendendo-se também para Amontada e Acaraú. Não nos foram

divulgados os tamanhos exatos de cada uma dessas fazendas e nem onde todas elas se localizam,

mas basta ir aos referidos municípios que rapidamente é possível avistar algumas delas, a

exemplo da indicada na imagem 20, abaixo. Essa era a fazenda que pertencia a Tasso Jereissati,

propriedade que destoa na paisagem devido à grande quantidade de coqueiros plantados,

estando localizada em uma região de grande concentração de assentamentos (a exemplo do

Assentamento Maceió, apresentado no capítulo 3) e de comunidades formadas por pequenos

produtores, inclusive de coco. Já nas imagens seguintes (21 e 22), podemos ter uma noção da

área ocupada por algumas outras fazendas da Ducoco.

Imagem 20 – Dimensão da propriedade ocupada por uma das fazendas da Ducoco em Itapipoca/CE.

Fonte: Google Earth, 2014. Adaptação: Cavalcante, 2015.

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Imagens 21 e 22 – Coqueirais de algumas das fazendas da Ducoco no Ceará.

Fonte: Divulgação Ducoco, 2010. Fonte: Divulgação Ducoco, 2010.

No quadro 08, abaixo, agrupamos características de todas as fazendas/empresas citadas,

que foram também as visitamos e/ou cujos representantes foram entrevistados durante os

trabalhos de campo. O que mais chama atenção é o fato de elas ocuparem uma grande extensão

de terras, estejam produzindo ou não. São aproximadamente 20 mil hectares de posse dessas 15

fazendas/empresas, estando no mínimo 8 mil hectares ocupados por coqueiros. Consideramos

que 20 mil hectares é um número demasiado importante para estar em posse de tão poucos

produtores, que, ao decidir cultivar coco, contribuíram também, e fortemente, para a ampliação

da concentração das terras nas mãos de pouquíssimos agentes, que lucram muito mais com a

renda advinda dessas terras do que propriamente com os frutos que produzem. Cabe ressaltar

que o tamanho médio das propriedades que cultivavam coco no Ceará não passava dos 10

hectares, conforme indicam os dados do Censo de 2006.

Quadro 08 – Aspectos fundiários de algumas das maiores fazendas/empresas

produtoras de coco instaladas no Ceará.

Nome da fazenda/empresa Área total do

estabelecimento

Hectares

plantados com

coqueiros (aprox.)

Ducoco 10.000 4.000

Cohibra 1.500 860

Fazenda Bom 2.800 700

Iolla 1.700 511

Fazenda Campestre 1.200 600

Fazendas Cacimbão, São

Francisco, Nalplius, Araújo,

Chapadão e Barroso

1.110

(no mínimo) 404

Empresas Adel, Paragro,

Dicoco e Edcoco

1.120

(no mínimo) 1.120

TOTAL 19.430 8.195

Fonte: Trabalhos de campo, 2014. Elaboração: Cavalcante, 2015.

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Os dados obtidos com esse nosso levantamento, realizado em 2014 em apenas seis

municípios, ultrapassam até mesmo os dados divulgados pelo Censo Agropecuário de 2006

para todo o Ceará. Como visto no capítulo 3, nesse período a área total ocupada com a produção

de coco em território cearense chegava a 12 mil hectares, e a área total cultivada com coqueiros

por estabelecimentos de mais de 100 hectares chegava apenas a 2 mil hectares, quantidades

essas bastante diferentes da realidade atual. Isso indica que no próximo Censo é provável que

a área ocupada por esses estabelecimentos apresente um crescimento considerável,

comprovando a ampliação da concentração fundiária devido à difusão do agronegócio do coco,

impulsionado por essas grandes fazendas e empresas.

Associada a isso está também a instalação de grandes empresas multinacionais no Ceará,

que passaram a se dedicar ao cultivo do fruto, contribuindo para agravar ainda mais o quadro

fundiário relacionado à sua produção. Dentre essas empresas, que há pouquíssimo tempo

passaram a produzir coco, estão a Del Monte, a Meri Pobo e, especialmente, a Unique, que

enxergaram nesse fruto uma possibilidade de ampliar seus rendimentos, explorando todas as

vantagens (fiscais e estruturais) oferecidas pelos governos estadual e federal na ânsia de atrair

cada vez mais investidores externos.

A Del Monte, dos Estados Unidos, é hoje uma das maiores empresas do setor de frutas

de todo o mundo e possui por volta de 3 mil hectares cultivados com melão e banana em áreas

que vão do Ceará ao Rio Grande do Norte224. Desde 2013 essa empresa está produzindo coco

em suas fazendas em Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, em uma área que já soma 300

hectares, anteriormente destinada ao cultivo de banana225. De acordo com o presidente da

Cohibra, que é quem vem assessorando o empreendimento, a meta da Del Monte é cultivar de

500 a 1.000 hectares com coco nessa região, visando produzir coco verde para atender as

necessidades de empresas de água de coco envasada, nacionais e internacionais.

Já a Meri Pobo, da Áustria, chegou ao Brasil em 2013 e já está com 70 hectares plantados

com coco no perímetro irrigado Tabuleiro de Russas, também no Vale do Jaguaribe, além de

plantios de milho, goiaba e acerola, em uma área total que chega a mil hectares. De acordo com

o presidente da Cohibra, que é quem também está assessorando essa empresa, a meta da Meri

Pobo é adquirir de 10 a 30 mil hectares em todo o país, cultivando-os de acordo com as

potencialidades naturais do local onde suas fazendas serão instaladas. A atuação dessas duas

empresas no Vale do Jaguaribe passa a instigar outras empresas e produtores que começarem a

224 Essa empresa já foi objeto de pesquisa de alguns geógrafos, a exemplo de Freitas (2010) e Albano (2011). 225 Fonte: http://goo.gl/8uXphr, Tribuna do Norte – “Del Monte vai demitir 6,2 mil trabalhadores”, matéria do dia

18/03/14 e acessada em 05/04/14.

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investir também no cultivo de coco, contribuindo para impulsionar ainda mais a produção do

fruto nessa região, que já se destaca como uma grande produtora de melão, mamão e banana.

A Unique, da Inglaterra, por seu turno, chegou ao Brasil em 2012 e se instalou em Trairi,

dedicando-se exclusivamente ao cultivo de coco. Segundo informações prestadas por uma de

suas secretárias226, a Unique faz parte de um grande conglomerado de empresas que atua no

mercado financeiro e em negócios imobiliários, chamado de Liquid Investiments, fundado em

2006. A Liquid é de uma empresa de investimentos, que movimenta capital para setores que

acredita que podem ser altamente rentáveis e que apresentem pouquíssimos riscos227, e que por

esse motivo resolveu investir também no ramo agropecuário, optando por cultivar coco em

território brasileiro e tendo a Unique como a empresa responsável por representar esse

investimento228. A Liquid/Unique possui o escritório central em Londres, um escritório

secundário em Fortaleza e um escritório de apoio em Trairi, bem como suas fazendas.

De acordo com os sócios ingleses que fundaram a Unique229, a grande procura pela água

de coco em inúmeros países pelo mundo os motivou a investir no negócio do fruto e a adquirir

terras em locais com relevante potencial produtivo, como o que foi encontrado no Ceará. Ainda

segundo esses sócios, o município de Trairi foi escolhido por apresentar uma “indústria

agrícola” do coco em expansão, um clima ideal para esse cultivo, uma ampla oferta de água em

todos os períodos do ano, uma relativa segurança na produção e um importante conhecimento

local no cultivo do fruto. No Brasil, a Unique se aliou à maior referência nacional no cultivo de

coco com as tecnologias das mais modernas, a Cohibra (foto 61), que é quem gere a produção

da empresa, prestando assistência técnica em suas fazendas e lhes revendendo mudas de

coqueiro anão e híbrido.

Em 2012 foi adquirida a primeira fazenda da Unique em Trairi, com uma área total de

400 hectares, com coqueiros já produzindo e de propriedade de um produtor espanhol. Em

seguida, a empresa comprou mais 230 hectares e logo depois mais 670, ambas de propriedade

da Iolla, como informou o seu dono. Dessa forma, a Unique está atualmente com 1.200 hectares

em Trairi, nem todos cultivados com coqueiros em idade produtiva (foto 62). De acordo com o

presidente da Cohibra, a meta da Unique é implantar nos próximos anos por volta de 5 mil

226 Entrevistada em abril de 2014, no escritório da Unique, em Trairi. 227 Fonte: http://liquid-investments.com/. 228 De acordo com Bühler e Oliveira (2012), na atual configuração da chamada agricultura empresarial é cada vez

mais comum observarmos a atração de investidores habituados a atuarem no mercado financeiro e que passam a

investir também no mercado agrícola, seja adquirindo terras e/ou investindo na produção propriamente dita. 229 Fonte: http://www.coconutinvestments.com/why-brazil.

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hectares cultivados com coco por todo o Brasil230, sendo o empreendimento de Trairi apenas o

começo de um grande projeto. O que hoje é produzido pela Unique, coco verde e seco, está

sendo revendido para atravessadores e empresas como a Adel e a Dicoco, e muito em breve

seguirá para as fábricas da Cohibra, em instalação.

Foto 61 – Placa indicando a parceria entre Foto 62 – Entrada de uma das fazendas

a Liquid/Unique e a Cohibra, em Amontada/CE. da Unique em Trairi/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

O grande diferencial da Unique, além de utilizar em suas fazendas as tecnologias mais

modernas no que tange à produção de coco no Ceará, sob a assessoria da Cohibra, é a forma de

captação de investimentos e o negócio de venda de terras que há por trás do cultivo dos frutos,

o que chega a ser até mesmo muito assustador, para usar a palavra mais adequada. Esse

empreendimento gerido pela Liquid Investiments se trata, na verdade, de um loteamento

internacional de terras cultivadas com coco. Tal empreendimento funciona da seguinte forma:

a Unique compra as terras, faz o plantio dos coqueiros e os investimentos necessários para

ampliar a sua produtividade, e em seguida faz um loteamento dessas terras e as vendem, via

internet, para pessoas interessadas em investir no negócio, espalhadas por todo o mundo. Assim,

a Unique fica encarregada de se responsabilizar pelo investimento realizado por esses

compradores, que passam a ser também “produtores” de coco.

Tais compradores são chamados pela Unique de “investidores”, e eles não adquirem

propriamente a terra, e sim o direito de exploração dessas terras. São os “investidores” que

garantem a continuidade do empreendimento gerido pela empresa, que desenvolve todos os

artifícios necessários para atraí-los, a partir de campanhas midiáticas na internet. Inclusive, no

site da Unique há inúmeros guias, todos escritos em inglês, que visam a atração de novos

investidores, explicando o que é a produção de coco e o quanto ela pode ser rentável; esses

230 Ainda de acordo com o presidente da Cohibra, muito provavelmente os novos plantios da Unique, bem como

os de outras grandes empresas, serão realizados sobretudo no Estado do Tocantins.

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guias chamam atenção também por enaltecer as potencialidades econômicas do Brasil em

comparação com outros países ditos “emergentes”, além de informar aos investidores um

balanço econômico e político do país, atualizado frequentemente.

Desse modo, com esse negócio encabeçado pela Unique, qualquer pessoa, em qualquer

lugar do planeta, pode se tornar um investidor e um produtor de coco, bastando apenas adquirir

uma parcela de terra administrada pela empresa no Brasil. Conforme nos foi informado, os

hectares da primeira fazenda adquirida em Trairi e de áreas compradas posteriormente, o que

dá em torno de 650 hectares, foram todos divididos e leiloados via internet para todo o mundo,

e os “investidores” que adquirem esses hectares, ao realizar o pagamento, passam a receber

mensalmente a renda advinda da venda dos frutos. Assim, é evidente que a empresa faz um

verdadeiro fracionamento do território brasileiro e põe o uso de suas terras à venda na internet,

à disposição de quaisquer que sejam os interessados.

Dentre os privilégios concedidos aos “investidores” que resolvem se aventurar na

produção de coco no Brasil, está o que a Unique chama da “Plantation Tour”, um evento no

qual esses investidores visitam as fazendas e conhecem Trairi, bem como os laboratórios da

Cohibra em Amontada. Em setembro de 2014 houve a segunda edição do Plantation Tour, que

teve a intenção de demonstrar o progresso das plantações e todas as fases do processo produtivo

do coco. Por um valor de até 3 mil dólares, o casal de investidores tinha o direito de se hospedar

em um hotel de Fortaleza e de realizar uma visita completa às instalações da Unique e da

Cohibra, com o intuito de observar como seus investimentos estavam sendo aplicados. A

empresa também demonstra aos “investidores” quão promissor pode ser esse negócio,

sobretudo em tempos de crise, como vemos no relato abaixo, retirado de um de seus guias.

Não perca esta rara oportunidade de vir ao Brasil e ver nossos projetos

agrícolas, especialmente num momento em que a agricultura global está se

aproximando rapidamente de um ponto de inflexão associado a um aumento

da demanda por parte dos consumidores, ao mesmo tempo com uma

diminuição dos níveis de superfície agrícola disponível, que irá elevar o valor

da produção agrícola, da terra e dos preços dos alimentos.

Por tudo isso, podemos afirmar que a Unique não é apenas mais uma empresa que está

investindo no ramo do coco e que não atua como as outras empresas desse setor. Trata-se de

um grande empreendimento, de nível internacional, que envolve um grande número de pessoas

de várias partes do mundo, que passam a ser diretamente responsáveis pelo que acontece em

Trairi, no Ceará, no Brasil. Muitos investimentos estão sendo feitos – segundo nos foi

informado, o grupo Liquid está injetando aproximadamente 100 milhões de dólares no negócio

do coco no país –, e por isso mesmo podemos nos perguntar se o coco realmente compensa todo

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esse investimento. Acreditamos que esse caso da Unique seja o exemplo mais cabal que

comprova, definitivamente, a materialização da reestruturação produtiva e da territorialização

do capital na produção brasileira de coco.

Assim, nota-se o desenrolar de um outro processo, em curso há alguns anos, que seria a

compra de terras por estrangeiros visando à produção de coco. Conseguimos vislumbrar esse

processo com mais intensidade em Trairi, onde as principais fazendas aí instaladas são de

propriedade de grupos estrangeiros: a Fazenda Bom, de espanhóis, a Iolla e a Fazenda

Chapadão, de portugueses, e a Unique, de ingleses, que juntas somam 5.776 hectares. De acordo

com um produtor desse município: “a produção deles é diferente da dos outros produtores, tudo

é muito mais moderno, é uma produção em larga escala, uma produção que visa diretamente

atender o mercado”. Isso foi observado ainda em Paraipaba, onde também há produtores

sobretudo portugueses e espanhóis cultivando coco nesse município, inclusive no perímetro

irrigado, como também visto em Russas e em Limoeiro do Norte.

Destaca-se que com os novos investimentos citados e com a considerável quantidade de

fazendas/empresas já instaladas, o agronegócio do coco no Ceará tem tudo para continuar em

expansão, consolidando a reestruturação produtiva do setor e fomentando a territorialização do

grande capital no cultivo do fruto. Ainda é cedo para mensurar os rebatimentos provocados no

território com a chegada dessas empresas, entretanto, como sempre ocorre, “tudo que existia

anteriormente à instalação [de] empresas hegemônicas é convidado a adaptar-se às suas formas

de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno preexistente, grandes distorções, inclusive a

quebra da solidariedade social” (SANTOS, 2003, p. 85).

5.3.2 Os conflitos por terra: a Ducoco em território Tremembé

A expansão da produção de coco pelo Ceará contribui também para levar ao desenrolar

de conflitos por terra, demonstrando o poder de atuação do capital no cultivo do fruto,

representado aqui pelas grandes empresas agrícolas e agrícola-industriais do coco, que se

reproduzem também a partir da aquisição de terras. Nota-se, todavia, que esse processo é

observado em todo o país e em vários outros tipos de cultivos, conforme asseguram Fabrini e

Roos (2014), referindo-se aos “conflitos territoriais entre o campesinato e a agronegócio

latifundiário”, sendo cada vez mais evidente essa associação entre agronegócio e latifúndio no

sentido de elevar a quantidade e a intensidade desses conflitos territoriais.

Como a difusão da produção de coco se dá em regiões com forte tradição da agricultura

familiar/camponesa, é comum encontrar casos em que comunidades formadas por camponeses

se veem ameaçadas pelas grandes empresas do setor, que investem pesado na aquisição de terras

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com o intuito de ampliar as suas capacidades produtivas. Tais empresas, a partir do momento

em que se envolvem em conflitos por terras, estão diretamente disputando o território já

ocupado pela população que lá habitava e produzia, onde, além expropriar os antigos

proprietários da terra, passam também a fazer um “uso coorporativo desse território”

(SANTOS; SILVEIRA, 2003), que vai ser organizado unicamente em função das necessidades

dessas empresas.

Dentre os conflitos observados nas regiões de produção de coco, motivados pela ação

devastadora das empresas do setor, citamos os relacionados à Ducoco, que foi uma das que

mais se envolveu em conflitos por terra, especialmente contra comunidades indígenas

localizadas no litoral cearense. Assim, a Ducoco, ao longo de sua “história de sucesso”231, não

deixou de se envolver em uma série de conflitos das mais diversas naturezas. O caso mais

elucidativo desses conflitos é o embate já bastante antigo entre essa empresa e o povo indígena

dos Tremembé de Almofala, em Itarema. Registram-se também conflitos na Lagoa dos

Mineiros e no Assentamento Maceió, em Amontada e Itapipoca, como destaca Pereira (2011).

A presença da Ducoco em território Tremembé já dura mais de 30 anos, uma vez que

esse conflito se desenrola desde meados da década 1980, quando a empresa chega em Itarema

e aí instala uma de suas maiores fazendas, levando à expropriação dos indígenas que há séculos

habitavam no local, segundo afirmam Santos e Oliveira (2012), dando início a uma violenta

disputa pelas terras e a inúmeros processos judiciais que ainda não conseguiram dar fim a tal

impasse. Visitamos a região dos conflitos em duas ocasiões distintas232, quando foi possível ver

de perto a realidade na qual estão inseridos os Tremembé e observar o poderio da Ducoco sobre

as comunidades nas quais vivem os indígenas, especialmente a partir da realização de

entrevistas com lideranças locais, incluindo o cacique.

Esses indígenas da etnia Tremembé estão localizados sobretudo em três municípios

cearenses: Itarema, Itapipoca e Acaraú, que são também alguns dos mais importantes

produtores estaduais de coco. Em Itarema, um dos principais pontos de concentração dos

indígenas é o distrito de Almofala, distribuídos em três comunidades principais: Batedeira,

Varjota e Tapera, ambas localizadas no vale do rio Aracati-Mirim. Somente em Almofala há

aproximadamente 2.500 famílias, que vivem principalmente da pesca e da agricultura e mantêm

pequenos roçados plantados com mandioca, milho e feijão, visando a subsistência, além de uma

importante produção de coco, com o fim de abastecer o mercado (o que inclui a Ducoco). De

231 Termo que consta no site da empresa. 232 Durante os trabalhos de campo realizados em novembro de 2011 e abril de 2014.

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acordo com o antropólogo Messeder (1995), há tempos os Tremembé lutam pela demarcação

de seus territórios e pela manutenção e valorização de suas identidades indígenas.

Conforme assegura a também antropóloga Porto-Alegre (2000), e segundo relataram os

indígenas entrevistados, o conflito entre os Tremembé e a Ducoco teve início em 1979, três

anos antes da criação oficial da empresa. Segundo consta, em 1979 duas fazendas localizadas

nas comunidades Varjota e Tapera foram vendidas aos donos da Ducoco233, fazendas essas

instaladas ao lado da área indígena e utilizadas pela população local para caça, colheita de frutos

e pequenos plantios. Além disso, extensas áreas pertencentes a essas duas comunidades foram

irregularmente incluídas na transação (MESSEDER, 1995), mesmo já ocupadas há séculos

pelos indígenas. Atualmente, a Ducoco tem nessa região um de seus maiores cultivos de

coqueiros, observados nas fotos abaixo.

Fotos 63 e 64 – Coqueiral de uma das fazendas da Ducoco,

localizada ao lado da comunidade dos Tremembé, em Itarema/CE.

Fonte: Cavalcante, 2014. Fonte: Cavalcante, 2014.

Ao se apossar das terras, a Ducoco expulsou imediatamente todas as famílias residentes

na Tapera, sob a alegação de que essa localidade estava incluída na transação comercial.

Segundo o cacique, existem aproximadamente 150 hectares ocupados pela Ducoco, o que não

pode parecer muito, mas já o suficiente para provocar um conflito sem precedentes na história

dessa etnia, e de onde dezenas de famílias retiravam seu sustento antes da invasão pela empresa.

Em entrevista a Messeder (1995, p. 86), um antigo morador que presenciou a chegada da

Ducoco relatou como foi o processo de expulsão das terras da Tapera e a destruição do que já

existia, reafirmando o caráter destrutivo dessa investida:

Aí quando demo fé, o home vendeu a terra, vendeu a terra e, e lá chegou e a

firma [Ducoco] veio, e aí a gente ficou logo assustado e aí ele butou logo na

gente prá acabar com as criação, os cercado e a gente de nada sabia e até que

acabou mermo, cabou tudo, com tudo, tudo, tudo [sic].

233 De acordo com o cacique entrevistado, o primeiro dono de parte dessas fazendas foi Tasso Jereissati, que depois

as vendeu para outros proprietários, que em seguida as revenderam para a Ducoco.

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Porto-Alegre (2000) destaca que, tendo suas moradias destruídas, uma parte dos

habitantes da Tapera foi fixar-se junto aos parentes na Batedeira e na Varjota, enquanto outros

ficaram próximos de onde já estavam, formando um aglomerado precário hoje conhecido como

Vila Ducoco, uma faixa alagadiça de mangue, imprópria para a agricultura, localizada entre o

rio e as cercas colocadas pela empresa. A Vila Ducoco é atualmente um dos principais focos de

resistência dos Tremembé da Tapera, que presenciaram a violenta ocupação de grande parte de

seu território. Esses indígenas ficaram privados das principais fontes de sustento, já que foram

proibidos de caçar, criar animais e plantar nas terras agora de posse da Ducoco, impedidos até

mesmo de atravessar essas terras e chegar a outras localidades onde havia indígenas, o que

ocasionou uma verdadeira fragmentação de seus territórios, “isolando toda a comunidade,

desestruturando a luta e a vivência desses povos”, como relatou o cacique.

Na imagem abaixo (23), podemos observar a região onde se dão as investidas da Ducoco

no território dos Tremembé. As localidades da Varjota e da Tapera ocupavam áreas muito

maiores do que as que ocupam atualmente, sobretudo a Tapera, hoje resumida a um pequeno

núcleo, a Vila Ducoco, formado por 150 famílias. Uma parte importante da área da fazenda da

Ducoco era anteriormente ocupada por esses indígenas.

Imagem 23 – Local onde se dão as investidas da Ducoco em território Tremembé.

Fonte: Google Earth, 2015. Adaptação: Cavalcante, 2015.

Segundo o cacique, no começo eram inúmeras as proibições, e todo e qualquer indígena

era impedido de entrar nas terras, ficando sem pescar, caçar, plantar, pegar lenha e coletar frutos

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dentro das fazendas da Ducoco, onde havia capangas armados para evitar que isso acontecesse.

Passados alguns anos, depois de processos judiciais, os Tremembé obtiveram o direito de entrar

nas fazendas da empresa, tanto para ter acesso ao outro lado da comunidade, como para pescar

em uma lagoa existente dentro desse espaço, em dias e horários predeterminados, pegando uma

quantidade de peixe limitada, e para tirar lenha e colher murici (um fruto) em uma área ainda

não ocupada pelos coqueirais.

Além disso, muitos dos indígenas reunidos na Vila Ducoco, sem ter como plantar e tirar

seu sustento da agricultura, tiveram que se proletarizar e trabalham desde esse período nas

fazendas da Ducoco. Tais trabalhadores recebem “como pagamento quantias irrisórias que mal

contribuem para o sustento doméstico. Além disso, o assalariamento costuma ser apenas

sazonal” (PORTO-ALEGRE; 2000, p. 13), mas há também um grupo de indígenas que trabalha

para a Ducoco de carteira assinada. Alguns desses funcionários atuam como vigias, coibindo a

entrada dos moradores da Vila Ducoco nas terras da empresa, “o que acaba botando índio contra

índio, desestabilizando completamente a luta, já que alguns são a favor da Ducoco, porque ela

lhes dá trabalho”, como assegurou o cacique.

A Ducoco só tentou invadir as terras da comunidade da Varjota em 1982, porém a

ocupação foi impedida pelos indígenas lá residentes, os quais entraram com um processo

judicial contra a empresa (PORTO-ALEGRE, 2000). Os Tremembé da Varjota, desde a

ocupação da Tapera, viram a necessidade de uma organização política mais efetiva, capaz de

responder às pressões sobre seu território, conforme destaca Messeder (1995). O processo

movido contra a Ducoco deu um parecer favorável aos indígenas, que obtiveram em 1984, por

usucapião, a posse de parte das terras que a empresa tentou invadir, sucesso não observado na

Tapera. A luta travada pelos Tremembé da Varjota, agora bem mais articulados, contou com o

apoio de alguns setores da Igreja Católica, entre eles a Comissão Pastoral da Terra.

Desde o início desse conflito, diversas investidas de intimidação aos Tremembé foram

empreendidas pela Ducoco. De acordo com o cacique: “essa é uma briga silenciosa, a empresa

não quer muito alarde não, e por isso mesmo nunca existiram grandes conflitos abertos. Mas,

mesmo assim, sempre ocorreram ameaças de morte, de ambas as partes, inclusive um gerente

da Ducoco já chegou a ser morto pelos indígenas”, um fato isolado e que não representou o

movimento de resistência, como nos foi informado. Já uma das investidas da empresa, por

exemplo, ocorreu na área da Varjota e foi realizada por homens fortemente armados que

rondavam a comunidade. Esse fato, conforme conta Messeder (1995, p. 89),

[...] ocorreu durante o dia e assustou as crianças, que estudavam na escola e

saíram correndo desesperadas; os homens foram chamados às pressas, e

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vieram das roças com foices e enxadas. O pânico foi geral. Um dos líderes

Tremembé aproximou-se do representante da DUCOCO e perguntou-lhe qual

a razão de tantos homens e armas. Segundo ele, era para dar proteção ao trator,

máquina muita cara.

Há atualmente na Ducoco um grupo de homens armados fazendo a “segurança” da

fazenda. Diante de toda essa segurança, um dos líderes Tremembé se pergunta: “Se só tem coco

nas fazendas, porque a gente não pode entrar? O que estão escondendo?”. A Ducoco barra a

maior parte das tentativas de entrada dos Tremembé na fazenda, com algumas poucas exceções,

asseguradas judicialmente. O único modo de chegar à Vila Ducoco, por terra, é passando por

dentro da fazenda da empresa, que antigamente já chegou a proibir a passagem de um caminhão

de alimentos que seguia em direção à comunidade e que teria que passar pelas suas terras.

Apesar disso, conforme assegura Porto-Alegre (2000, p. 11),

Os Tremembé apresentam uma tenaz resistência a sair de suas terras, o que

levou a um confronto permanente com os grandes proprietários e seus

representantes locais. [...] A exacerbação do processo de expulsão já então

estava associada à deflagração da mobilização política da identidade: "Esta

identidade é fundamentalmente ligada ao sentimento de origem no que diz

respeito às terras locais [...].

Em 1986, alguns anos depois da primeira invasão, missionários começaram a visitar as

comunidades dos Tremembé de Almofala e desde esse período contribuem com sua

organização política, auxiliando-os na luta pela demarcação das terras e pela retirada da Ducoco

das terras já invadidas e contribuindo também para preservar as identidades da etnia. No mesmo

ano, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) chegou nas comunidades para um primeiro

reconhecimento do Território dos Tremembé. Porém, somente em 1992 é que foi finalmente

assinada uma portaria pela FUNAI autorizando a criação de um grupo de trabalho de

identificação e delimitação da Terra Indígena Tremembé de Almofala234, totalizando 4.900

hectares, que incluem as áreas da Tapera e da Varjota ocupadas pela Ducoco, tanto as que foram

invadidas como as que foram compradas de antigos moradores.

Em 1993, a proposta de identificação e delimitação da Terra Indígena Tremembé foi

aprovada pela FUNAI, que encaminhou o processo ao Ministério da Justiça. Contudo, no

mesmo ano a Ducoco entrou com ações judiciais contra a FUNAI contestando a demarcação

das terras e pedindo a garantia de sua posse, alegando que os indígenas não teriam tradição

histórica naquela área, conforme aponta uma matéria publicada no Jornal do Commércio235.

234 Fonte: http://goo.gl/Aj8dcV, Instituto Socioambiental, “Tremembé – Mobilização política e situação jurídica

da terra”, matéria de 2005 e acessada em 20/11/14. 235 Fonte: http://goo.gl/LBfwuP, Jornal do Commércio, “Índios disputam terras com indústrias do Ceará”, matéria

do dia 24/09/99 e acessada em 20/11/11.

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Sem terem sido completamente decididas, essas ações se desenrolam lentamente ao longo dos

últimos anos na Justiça, e diversos processos são encaminhados respectivamente pela Ducoco

e pela FUNAI/Tremembé. De acordo com o cacique, já ocorreram três grandes audiências, e a

Ducoco sempre perde e em seguida entra com recurso anulando os resultados; a primeira delas

foi realizada em Recife, e as outras duas em Brasília, tendo sido a última em uma das instâncias

do Supremo Tribunal Federal, onde ficou decidido que a área ocupada pela Ducoco pertence,

de fato e de direito, aos indígenas.

Em tramitação na justiça, o processo de demarcação das terras ainda não foi

completamente finalizado, faltando apenas a conclusão de uma outra perícia antropológica na

área para serem concluídos os trabalhos, já que a primeira perícia foi anulada por pressão da

Ducoco, que alegou a confiabilidade da mesma. Dos 4.900 hectares contestados pelos

Tremembé para serem demarcados, uma parte importante está ocupada pela Ducoco, como

podemos observar na imagem abaixo, divulgada pelo Instituto Socioambiental, através do

projeto “De Olho nas Terras Indígenas”236. No entanto, destaca-se que a comunidade sofre

ameaças de ocupação de seu território por diferentes outros empreendimentos, além da Ducoco,

como por empresas de geração de energia eólica, de criação de camarão em cativeiro e de

investimentos turísticos e imobiliários, muitos dos quais geridos por grupos estrangeiros.

Imagem 24 – Área total contestada pelos Tremembé para ser demarcada.

Fonte: Instituto Socioambiental, 2005.

236 Disponível em http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3979.

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Assim, ainda hoje os Tremembé aguardam pela demarcação de suas terras e resistem,

bravamente, à invasão de terras não ocupadas pela Ducoco, que conta com apoio de diversos

políticos bastante influentes em Itarema, sobretudo da família Monteiro. “Os políticos de

Itarema são todos contra os índios”, indicou o cacique, afirmando que há um interesse político

muito grande na não demarcação das terras. Já os Tremembé contam com o apoio de

pesquisadores de algumas universidades, como das Universidades Federal e Estadual do Ceará,

além da atuação direta da FUNAI, da Igreja Católica/Comissão Pastoral da Terra, das Igrejas

Metodista e Presbiteriana, do Ministério Público, da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da

União e da ONG Conselho Indígena Tremembé de Almofala.

O cacique afirma: “A Ducoco tem plena consciência de que as terras são dos índios e

que uma hora a empresa vai ter que sair; ela não é dona dessas terras, elas são nossas, do povo

Tremembé”. O indígena ainda argumenta: “Um dia nós vamos tomar de volta, isso é certo...

nós vamos recuperar o que é nosso. Moramos aqui desde que nascemos, assim como nossos

avós e bisavós, temos muita história com a terra”. Esse relato demonstra o quanto os indígenas

estão confiantes da recuperação de suas terras. Assim, dessa maneira, a luta dos Tremembé

continua, e não somente pela demarcação de seu território e pela retomada das terras ocupadas

pela Ducoco, mas sobretudo pela preservação de suas identidades.

E além de lidarem com a invasão das terras, os Tremembé também sofrem com a grande

quantidade de agrotóxicos que a Ducoco usa nos coqueirais. Eles temem que o rio que abastece

todas as comunidades, o Aracati-mirim, esteja contaminado com os agrotóxicos usados pela

empresa: “tomamos água do rio! Se o solo é contaminado o rio também é”, afirma um indígena.

Além do risco iminente de contaminação, segundo um dos Tremembé entrevistados, alguns

indígenas que trabalham na Ducoco já chegaram a ficar doentes devido ao contato frequente

com os agrotóxicos aplicados no coqueiral, que contaminam os frutos, os trabalhadores e todo

o ambiente, a exemplo do solo e do lençol freático.

Em matéria publicada no Jornal O Povo237 em 2011, um dirigente da Ducoco, se

referindo ao conflito com os Tremembé, diz que: “A gente tenta a convivência mais amistosa

possível. Somos adversários, não somos inimigos. Temos pontos divergentes e pontos

convergentes”; o dirigente critica ainda o fato dos Tremembé terem muita dificuldade para

compreender que o desenvolvimento local está ligado ao próprio desenvolvimento da empresa.

E à margem do que acontece em Itarema, a Ducoco age como se não houvesse nenhum tipo de

conflito, é tanto que nada a esse respeito foi mencionado nas entrevistas que tivemos com os

237 Fonte: http://goo.gl/7Lmq2j, Jornal O Povo – “Disputa em Almofala 25 anos de conflito”, matéria do dia

19/06/10 e acessada em 20/11/11.

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diretores da empresa. Além disso, a Ducoco assume uma postura contraditória às suas próprias

práticas, levantando falsas bandeiras, como pudemos observar ao analisar o seu perfil no

Facebook, onde são comuns postagens em defesa do meio-ambiente e dos direitos das

comunidades indígenas, a exemplo da indicada abaixo, quando a Ducoco assume a clara

intenção de mudar a sua imagem e aparecer aos seus consumidores como uma empresa

preocupada com a causa indígena, produzindo um discurso que muito lhe favorece.

Imagem 25 – Postagem da Ducoco em virtude das comemorações do Dia do Índio.

Fonte: Divulgação Ducoco, 2013.

Consideramos importante levantar questões como essas que ora apresentamos, que

possibilitam a compreensão de como grandes empresas fazem um uso corporativo do território

e ao mesmo tempo submetem populações inteiras aos seus interesses, pouco importando suas

consequências. Dessa forma, é fundamental termos a consciência que ao adquirir produtos da

Ducoco estaremos contribuindo para que a empresa continue suas investidas no território dos

Tremembé e continue ampliando seu poderio. Acreditamos, portanto, que adquirir produtos

Ducoco é uma das formas de financiar e de assegurar as investidas da empresa.

Por tudo o que foi exposto, fica evidente que a expansão da produção de coco pelo Ceará

pode ser muito prejudicial a uma enorme quantidade de sujeitos, que nada têm a ver com o

processo de reestruturação produtiva do setor, mas que são diretamente impactados,

especialmente pelas empresas que aí agem hegemonicamente, usando o território em função

dos seus próprios fins e exclusivamente em função desses fins, como destaca Santos (2003). O

embate entre a Ducoco e os Tremembé é apenas um dos conflitos envolvendo o poderio

devastador do agronegócio latifundiário sobre comunidades indígenas e camponesas espalhadas

pelo país, que inclusive estão no rastro da expansão do cultivo de coco.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este trabalho procuramos caracterizar e analisar a nova configuração da produção

de coco no Brasil, a partir da reestruturação produtiva que atinge o setor há um pouco mais de

duas décadas, e sobretudo demonstrar e apreender as principais dinâmicas socioespaciais

resultantes desse processo. Ao partirmos para um estudo de caso, focando no contexto

produtivo do coco no Ceará, foi possível compreender mais precisamente os efeitos dessa

reestruturação produtiva e seus rebatimentos no uso e ocupação do espaço e na organização das

relações sociais, dinâmicas essas historicamente concebidas e alteradas a partir da consecução

do novo momento do cultivo do fruto em virtude da reorganização do seu circuito espacial

produtivo, que modificou a geografia do coco no país.

Assim, acreditamos que nossos questionamentos iniciais foram, grosso modo,

prontamente respondidos, resguardadas as devidas especificidades e complexidades de cada um

deles, e cremos que nossos objetivos, tanto o principal quanto os específicos, diretamente

associados a esses questionamentos, foram em grande parte contemplados ao longo da

dissertação. Entretanto, destaca-se que não esgotamos as possibilidades de apreensão da

realidade em curso, que se mostrou altamente imprevisível e reveladora de uma dinâmica difícil

de ser plenamente apreendida, sobretudo em razão da rapidez com que os processos se dão.

Além disso, é importante termos a compreensão de que conseguimos abarcar os

principais processos descritos na nossa metodologia, que aparecem pulverizados em todos os

capítulos, sobretudo nos três últimos. Todavia, nossa análise foi além desses principais

processos, já que novos elementos se mostraram relevantes, para os quais não tínhamos

atentado até a análise prévia das informações levantadas. No mais, não cabe aqui reiterarmos

as grandes conclusões da nossa pesquisa, uma vez que elas foram indicadas no decorrer da

dissertação, mas é preciso tecer alguns comentários em torno de tudo o que já foi destacado,

tentando fazer um apanhado geral das principais informações apresentadas.

De um modo geral, e como vimos, a reestruturação produtiva do setor do coco

significou, antes de mais nada, a emergência de um novo tempo, de um tempo marcado pelo

ritmo do coco. Ao ter seu sistema produtivo modificado e ao passar a ser produzido em novos

espaços, o cultivo do fruto induziu o desenrolar de uma série de novas dinâmicas anteriormente

não observadas, alterando a forma e o conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando

atender a expansão da produção do fruto. Nesse sentido, Santos (1985, p. 68) considera que

“cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria”, e com o coco isso não

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foi diferente, já que o espaço, bem como a sociedade, teve de ser reorganizado em virtude da

consolidação dos processos que marcam a nova geografia do fruto.

Assim, com a chegada do coco, o que existia antes foi chamado a se adaptar ao seu novo

sistema produtivo e à nova racionalidade imposta por esse cultivo, gerando conflitos das mais

diversas naturezas, uma vez que passaram a entrar em choque direto as antigas relações que se

davam nos espaços elencados para a difusão dessa produção com os novos processos resultantes

da reestruturação produtiva do setor. Isso contribuiu, sobremaneira, para a mudança na forma

de uso e ocupação dos espaços agrícolas ocupados pela produção de coco, já que tais espaços

tiveram seus conteúdos alterados em virtude da difusão de uma agricultura de caráter

empresarial e científica, aumentando a artificialidade dos espaços e modificando as relações

sociais que lá se reproduziam.

A materialização dessa reestruturação produtiva mostrou especialmente o quanto esse

processo pode ser excludente e conservador, como vimos no último capítulo, que abordou

questões que versavam sobre os impactos e as limitações do desenrolar dessa reestruturação

produtiva. Esse processo veio acentuar ainda mais o caráter desigual de acumulação do capital

no campo, agora observado com um maior vigor também na produção de coco, que não ficou

à margem da territorialização desse grande capital no espaço agrícola brasileiro, sendo

fortemente incorporada aos circuitos globalizados da produção e do consumo e tendo seu

processo produtivo inteiramente modificado com o objetivo de aumentar os índices de

produtividade e consequentemente os lucros.

Com a modernização do processo produtivo do coco, é latente a considerável ampliação

das desigualdades entre os produtores do fruto, já que nem todos passaram a ter acesso de forma

igualitária às inovações disponíveis para o setor. Observa-se também que uma parcela desses

produtores não pôde sequer cogitar a possibilidade de adquirir tais inovações, correndo o risco

de não conseguir garantir a sua permanência nessa atividade. Além disso, enquanto

anteriormente os coqueiros eram cultivados de forma extensiva, agora eles são altamente

exigentes em capital e tecnologia, levando os produtores a ficarem cada vez mais dependentes

dos insumos advindos da indústria e abrindo margem para acirrar ainda mais a territorialização

do capital no setor, “segundo o qual é a lógica do capital que se impõe a todos os processos”

(TAVARES DOS SANTOS, 1981, p. 109).

A comercialização da produção também se mostrou outro grande desafio para os

pequenos produtores, indicando que somente quem consegue permanecer e lucrar com esse

mercado são aqueles que detêm capital, e por sua vez o controle do setor, como também do

território nos quais eles atuam impondo suas determinações e normas. Esse mercado criou uma

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considerável demanda por coco verde, e se encarregou também de fomentar a criação de novos

produtores do fruto, muitos dos quais que já entram no negócio do coco com o objetivo de

acumular mais e mais capital. A partir dessa reestruturação produtiva, saberes historicamente

construídos foram muitas vezes substituídos por novos modos de produzir o fruto, onde nem

todos os produtores foram inseridos da mesma forma nessa nova lógica de produção de coco.

Os pequenos produtores, sobretudo, acabaram sendo os mais prejudicados com as

imposições desse novo mercado, basicamente de coco verde, tendo que submeter sua produção

às exigências dos atravessadores e das agroindústrias e tendo que concorrer com os sistemas

técnicos agrícolas cada vez mais modernos e de posse somente dos grandes produtores,

evidenciando que nem todos puderam usufruir dessa reestruturação, que modificou as

principais relações observadas ao longo do seu circuito espacial produtivo. Percebemos, assim,

que com esse processo de reestruturação ampliou-se a dependência de inúmeros produtores.

Com isso, o capital, ao aprofundar seu processo de reprodução ampliada nas áreas

produtoras de coco, acabou impondo novas “solidariedades organizacionais” (SANTOS, 2009)

entre os agentes envolvidos no circuito espacial produtivo do fruto, ocasionando uma série de

modificações na maneira como se organiza o seu cultivo e resultando em novas relações sociais

de produção que até então não existiam, acirrando o nivelado embate existente entre produtores,

trabalhadores, atravessadores e agroindústrias, agentes esses que foram os principais

impactados, de distintas maneiras, com o novo momento pelo qual passa o setor do coco.

Desse modo, consideramos que o grande diferencial da nova geografia do coco no país

é especialmente a materialização de uma reestruturação conservadora, caracterizada não só pelo

aumento da dependência e subordinação dos produtores, mas também pelos seguintes fatores,

entre muitos outros: expansão dos conflitos por terra nos espaços de produção do fruto;

agravamento de problemas ambientais relacionados ao uso indiscriminado de agrotóxicos e ao

avanço da monocultura; redução da lógica camponesa de produção em detrimento da expansão

das relações de produção tipicamente capitalistas; ampliação da solidariedade organizacional

em detrimento da orgânica entre os agentes inseridos no setor; permanência da exploração dos

trabalhadores; aumento do poderio de grandes grupos empresariais do ramo do coco;

artificialidade dos espaços e das relações sociais.

Nessa perspectiva, é necessário, portanto, aprofundar essa discussão acerca da

reestruturação produtiva do setor do coco, intentando revelar qual é a real reestruturação pela

qual a produção de coco passa e principalmente descobrir a quem ela verdadeiramente atende,

abrindo margem para que novos estudos sejam iniciados com o fim de analisar esse processo

com mais afinco. Assim, será possível continuar contribuindo para a apreensão de algumas das

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inúmeras nuances do desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, tomando como base

os processos observados a partir da produção de coco, que é um reflexo da reprodução ampliada

do capital no processo produtivo agrícola, regulado cada vez mais por pouquíssimos agentes

que detêm o controle de grande parte dos circuitos espaciais produtivos do país.

Além do caráter conservador dessa reestruturação produtiva, talvez a principal

“descoberta” desta pesquisa tenha sido a constatação da expansão do poderio do grande capital

na produção de coco, e isso foi se mostrando cada vez mais evidente à medida que avançávamos

na análise e interpretação das informações levantadas. Desse modo, podemos dizer que um dos

principais processos que caracterizam a nova geografia do coco no Brasil é sobretudo a

territorialização do capital no setor. Capital esse que pode ser representado pelas empresas

agrícolas, agroindustriais e de pesquisa científica, pelo mercado, pelos intermediários, pelas

empresas de insumos, pelos latifundiários e empreendimentos estrangeiros, entre outros, que

passaram a determinar sobremaneira os rumos do circuito espacial produtivo do fruto.

Assim, notou-se que nem o coco escapou da racionalidade imposta pelo capital, que viu

nesse fruto apenas mais um ramo passível de ser expandido e reestruturado, o que vem

ocorrendo sem muita dificuldade, com um objetivo claro de fomentar a extração de lucro

também desse setor, que anteriormente se encontrava à margem do desenvolvimento de uma

agricultura expressamente capitalista. E isso se dá em todo o setor agrícola de um modo geral,

conforme assegura Santos (2009), ao pontuar que o campo modernizado é inserido em uma

lógica competitiva que acelera a entrada da racionalidade do capital em todos os aspectos da

atividade produtiva, uma vez que a “participação no mundo da competitividade leva ao

aprofundamento das novas relações técnicas e das novas relações capitalistas” (p. 304).

Dessa forma, o setor produtivo de coco, especialmente o verde, teve de ser reestruturado

com a finalidade de fomentar a reprodução e a territorialização do capital. A partir de um certo

momento esse capital (e seus representantes) decidiu que estava na hora de inserir o coco num

circuito onde o único objetivo era auferir lucro a qualquer custo. A reestruturação desse setor

apareceu, pois, como uma estratégia de sobrevivência desse capital, que, não mais vendo

alternativas para o cultivo de coco seco, resolveu investir pesado na produção de coco verde e

em tudo o que ela passou a representar. A atuação do capital foi tão seletiva que o cultivo de

coqueiro gigante foi deixado de lado e abandonado à sua própria sorte, já que hoje ele não está

na mira do mercado, não como antigamente, continuando a ser cultivado majoritariamente por

pequenos produtores estabelecidos em comunidades do litoral nordestino.

Por tudo isso, consideramos que a territorialização do capital não conhece limites, não

respeita espaços, territórios e sujeitos. Será esse o futuro da expansão do cultivo de coco no

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Ceará, ou até mesmo no Brasil? De acordo com alguns elementos apresentados ao longo da

dissertação, tudo indica que sim, que essa será a realidade a ser vislumbrada onde quer que a

reestruturação produtiva do coco chegue. O que virá pela frente ninguém pode prever, mas uma

coisa é certa: o capital continuará fazendo suas escolhas, pouco ou nada importando quais serão

os seus rebatimentos e mesmo enfrentando todo tipo de resistências. O capital sempre faz suas

escolhas, e usa os espaços de acordo, e exclusivamente, em função dessas escolhas e de seus

interesses; e isso é latente ao observarmos a longa história da produção agrícola realizada no

país, não sendo uma exclusividade do coco.

Cabe reiterar que essa reestruturação produtiva não foi pensada, em momento algum,

visando melhorar a vida dos produtores de coco. O objetivo expressamente aberto desse

processo sempre foi a modernização da produção agrícola do fruto e a reorganização de seu

circuito espacial produtivo com a finalidade de atender exclusivamente a demanda por matéria-

prima por parte do mercado consumidor e das empresas hegemônicas do setor. Assim, essa

reestruturação não foi realizada em prol da maioria dos produtores do fruto, mas sim para

fomentar a reprodução do grande capital no seu cultivo. Dessa forma, como sempre acontece,

nem todos os produtores foram convidados a compartilhar do grande banquete do capital, e o

que observamos é que, cada vez mais e em todo lugar, a autonomia desses produtores é posta

em xeque, sendo notável o acirrar da subordinação dos mesmos.

***

Além de tudo o que foi apresentado, devemos, por fim, fazer uma autocrítica e refletir

sobre o papel que poderá vir a ter a pesquisa aqui apresentada, sobretudo na tentativa de dar

voz aos sujeitos sociais diretamente impactados pelos processos destacados anteriormente, e

que continuam resistindo, de diferentes maneiras. A realidade observada parcialmente durante

os trabalhos de campo se mostrou um tanto quanto perversa, isso porque nosso foco estava

voltado apenas para a produção de coco, e caso tivéssemos ampliado nosso olhar, muitos outros

problemas poderiam ter sido revelados. Não podemos, e nem devemos, continuar alheios a tudo

isso. Muitos são os problemas que acometem os produtores de coco, e eles esperam que façamos

algo para resolver esses problemas, o que é altamente compreensível, mas que nos leva a

repensar o nosso papel enquanto geógrafo e pesquisador.

Não foram poucas as vezes em que ouvimos dos produtores entrevistados os seguintes

questionamentos: “E como essa sua pesquisa vai poder me ajudar? Como a minha vida vai

poder melhorar depois dela?”. Porque é isso que é cobrado da Universidade, da pesquisa e dos

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pesquisadores. Entretanto, a pesquisa não tem essa função imediata. Ela nos possibilita

compreender os problemas que há mundo, e esse seria talvez o melhor ponto de partida para,

de fato, nos prepararmos para tentar resolver tais problemas. Pessoalmente cremos que essa

seria uma das principais funções da pesquisa e dos trabalhos que fazemos na Universidade:

ajudar-nos a ter uma tomada de consciência do mundo que nos cerca e, a partir disso, vislumbrar

possibilidades que nos levem a transpor alguns dos problemas que o acometem.

Acreditamos, ainda, que nenhuma pesquisa deve ser imparcial e isenta de

responsabilidades. Devemos, todos, perceber a pesquisa enquanto instrumento político e

emancipatório, tal qual propõe Demo (2006). É para isso que deveria “servir” a pesquisa,

evidenciando nosso real “papel” enquanto pesquisadores e a verdadeira “função” da

Universidade e do conhecimento nela gerado. Dentro disso, a Geografia também passa a ter a

sua “parcela de responsabilidade”, já que ela deve, antes de mais nada, ser usada também como

um instrumento político, um instrumento que nos ajude a perceber e apreender a realidade na

qual estamos todos inseridos, e a partir daí participar ativamente na tentativa de transformar

essa realidade, e com ela o conjunto do espaço e da sociedade. A Geografia também tem seu

caráter emancipatório, porém muitas vezes completamente esquecido.

Consideramos, pois, que a pesquisa já é um começo que pode levar a essa emancipação,

mas não da noite para o dia, e nem no curto período de um mestrado, por exemplo. Obviamente,

não sabemos e nem temos condições de propor soluções para resolver os problemas do mundo,

nem mesmo os que acometem os produtores de coco, aparentemente mais fáceis de serem

resolvidos. Entretanto, temos consciência de que a pesquisa tem um papel importante para isso,

e que em particular a nossa pesquisa, em algum momento e de alguma maneira, poderá ser

utilizada para esses fins. Assim, ao concluir esta dissertação nos conformamos em ter a

compreensão de que o pontapé inicial foi dado, cabendo agora sabermos que passos tomar e

quais direções seguir.

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292

APÊNDICE 01 – Organização da matriz analítica.

1. Reconfiguração do circuito espacial produtivo do coco

Subprocessos Indicadores Recortes espacial e

temporal

Fontes de

comprovação

Modernização do

processo produtivo

do coco

- Tecnologia aplicada na

produção

- Uso de agrotóxicos

- Uso de adubos e

fertilizantes

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará,

municípios cearenses

- 1995 e 2006

- IBGE/ Censo

Agropecuário

- Sistemas técnicos

utilizados

- Periodicidade do uso de

tais insumos

- Evolução das técnicas

agronômicas utilizadas

- Municípios

cearenses

- 1990 e 2010

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

- Produtores de coco

- Uso de sistemas de

irrigação

- Uso de máquinas agrícolas

- Quantidade de máquinas

agrícolas

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará,

municípios cearenses

- 1995 e 2006

- IBGE/ Censo

Agropecuário

- Tipo de irrigação

empregada

- Equipamentos de irrigação

utilizados

- Origem dos equipamentos

- Municípios

cearenses

- 1990 e 2010

- Produtores de coco

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

- Forma de aquisição dos

insumos

- Origem dos insumos

- Fornecedores

- Municípios

cearenses

- 1990 e 2010

- Produtores de coco

- Lojas revendedoras

de insumos

Inserção da

pesquisa agrícola e

da assistência

técnica

especializada

- Utilização de assistência

técnica

- Origem da assistência

técnica

- Brasil, Ceará,

municípios cearenses

- 2006

- IBGE/ Censo

Agropecuário

- Empresas de pesquisa

agrícola que realizam

estudos com o coco

- Pesquisas voltadas para o

setor do coco

- Acesso à pesquisa agrícola

voltada para a produção de

coco

- Acesso à assistência

técnica

- Empresas de extensão

rural que realizam

atividades com produtores

de coco

- Municípios

cearenses

- 1990 e 2010

- Produtores de coco

- Secretarias

Municipais de

Agricultura

- Embrapa

- Ematerce

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

- Consumo de água de coco

envasada

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará

- 2003, 2007 e 2010

- ABIR

- Empresas do ramo de água

de coco

- Hemeroteca

- Embrapa

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293

Popularização e

internacionalização

do consumo de

água de coco

- Mercado de água de coco

controlado por essas

empresas

- Variedades de produtos

- Fornecedores

- Mundo, Brasil,

Unidades da

Federação, Ceará

- 2014

- Produtores de coco

- Empresas

- Exportações de água de

coco

- Destinos das exportações

- Locais de escoamento da

produção

- Empresas exportadoras

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará

- 2002 a 2010

- MDIC/SECEX

Reorganização do

setor industrial e

consolidação de

empresas

agroindustriais

- Pesquisas voltadas para o

processamento industrial do

coco

- Desenvolvimento de novos

produtos

- Municípios

cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Empresas

agroindustriais

- Embrapa

- Hemeroteca

- Empresas que atuam no

setor agroindustrial de coco

- Perfil produtivo e

organizacional das empresas

- Variedade de produtos

- Localização das unidades

de produção agrícola e

industrial

- Quantidade produzida

- Principais fornecedores

- Unidades da

Federação

- 2014

- Empresas

agroindustriais

- Embrapa

- Hemeroteca

2. Mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco

Subprocessos Indicadores Recortes espacial e

temporal

Fontes de

comprovação

Dispersão

espacial da

produção de

coco pelo país

- Área plantada com

coqueiros

- Quantidade produzida com

coco

- Brasil, Grandes

regiões, Unidades da

Federação, Ceará,

municípios cearenses

- 1990, 2000 e 2010

- IBGE/PAM

- Dinâmicas das produções

estaduais de coco

- Localização de empresas

agrícolas e agroindustriais

- Brasil, Unidades da

Federação

- 2014

- Produtores de coco

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

Especialização

territorial

produtiva

centrada no

cultivo de coco

- Produtos cultivados

- Área total plantada

- Área plantada com coco

- Quantidade total produzida

- Quantidade de coco

produzida

- Perímetros irrigados

do Nordeste

- Perímetros irrigados

de Paraipaba e Acaraú

- 2000 e 2012

- DNOCS/SMPPI

- Dinâmica da produção de

coco nos perímetros

- Perfil e organização dos

produtores

- Organização dos lotes

agrícolas

- Perímetros irrigados

de Paraipaba e Acaraú

- 2014

- Gerência do

DNOCS

- Associação dos

irrigantes

- Colonos/Produtores

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294

- Infraestrutura hídrica

existente

Reorganização e

readequação dos

espaços de

produção de

coco

- Localização e tipo do

estabelecimento

- Área total do

estabelecimento

- Área cultivada com coco

- Produtos cultivados

- Variedades e número de

coqueiro cultivados

- Quantidade de coco

produzida

- Origem do proprietário

- Sistemas técnicos utilizados

- Destino da produção

- Municípios cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Bibliografia

levantada

- Secretarias

Municipais de

Agricultura

- Sindicatos dos

trabalhadores rurais

- Hemeroteca

Expansão de

empresas

agrícolas e

reconfiguração

da estrutura

fundiária

- Localização das empresas

agrícolas

- Ano de instalação

- Origem do capital

- Produtos cultivados e

quantidade produzida

- Área total do

estabelecimento

- Hectares cultivados com

coco

- Forma de compra da terra

- Brasil e municípios

cearenses

- 2014

- Prefeituras

- Produtores de coco

- Empresas agrícola

de coco

- Jornais e revistas

- Sites das empresas

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

- Área e número dos

estabelecimentos produtores

de coco, por grupos de área

total

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará.

- 2006

- IBGE/ Censo

Agropecuário

- Conflitos por terra e/ou

água observados nos espaços

de produção de coco

- Motivos e rebatimentos de

tais conflitos

- Agentes envolvidos

- Municípios cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Sindicatos dos

Trabalhadores Rurais

- Secretarias

Municipais de

Agricultura

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

3. Reorganização das relações sociais de produção de coco

Subprocessos Indicadores Recortes espacial e

temporal

Fontes de

comprovação

Reorganização

das atividades

realizadas pelos

produtores de

coco

- Atividades anteriores

realizadas pelos produtores

- Fontes de renda

- Área cultivada com

coqueiros

- Quantidade produzida com

coco

- Relação com os outros

agentes do setor

- Divisão do trabalho familiar

- Municípios cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

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295

- Formas de inserção na

reestruturação produtiva que

atinge o setor

Evolução e

reconfiguração

do mercado e

das relações de

trabalho

- Divisão social do trabalho

- Divisão técnica do trabalho

- Perfil dos trabalhadores

agrícolas rurais e não-rurais

- Atividades exercidas

- Remuneração

- Origem dos trabalhadores

- Trabalho especializado

- Formas de contrato de

trabalho

- Municípios cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Trabalhadores

rurais

- Atravessadores

- Sindicatos dos

trabalhadores rurais

- Hemeroteca

- Perfil dos trabalhadores

- Quantidade de empregos

formais

- Brasil, Unidades da

Federação, Ceará,

municípios cearenses

- 2000 a 2010

-MTE/RAIS

Evolução das

formas de

comercialização

e controle da

produção

- Quantidade comercializada

- Formas de comercialização

- Origem dos fornecedores

- Destino da produção

- Valor cobrado

- Mercado consumidor

- Produtos comercializados

- Pontos de comercialização

- Municípios cearenses

- 2010 e 2014

- Produtores de coco

- Atravessadores

- CEASA/CE

- Perfil dos atravessadores

- Tipos de relações

estabelecidas com os

produtores

- Conflitos existentes

- Municípios cearenses

- 2014

- Produtores de coco

- Atravessadores

- Atravessadores

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

- Produtos exportados pelo

município

- Quantidade de coco verde e

leite de coco e água de coco

exportadas

- Locais por onde a produção

é exportada

- Municípios cearenses

- 2006, 2008, 2010 e

2012

- MDIC/SECEX

Participação de

empresas

agroindustriais

na regulação do

setor

- Ano de instalação

- Origem do capital

- Ramos de atuação

- Perfil produtivo e

organizacional

- Variedade de produtos

- Quantidade produzida

- Localização das unidades

de produção agrícola e

industrial

- Número de funcionários

- Destinos da produção

- Formas de aquisição da

matéria-prima

- Relação com os produtores

- Relação com os

atravessadores

- Municípios cearenses

- 2014

- Prefeituras

Municipais

- Produtores de coco

- Empresas do ramo

do coco

- Atravessadores

- Jornais e revistas

- Sites das empresas

- Bibliografia

levantada

- Hemeroteca

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APÊNDICE 02 – Guia da entrevista semiestruturada realizada com os produtores de

coco.

Universidade Estadual do Ceará

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Guia de entrevista semiestruturada – PRODUTORES

=> Informações sobre a entrevista/entrevistado

Local:

Nome do entrevistado: Cargo/Função:

Contatos:

Área total do estabelecimento: Hectares totais:

Hectares cultivados com coqueiros: Quantidade de coqueiros plantados:

=> Histórico/Produtivo

1. Qual a origem do proprietário do estabelecimento? O estabelecimento existe há quantos

anos?

2. Em quais ramos o estabelecimento atua? Quais são as atividades desempenhadas

anteriormente?

3. Atualmente, quais são todos os produtos cultivados no estabelecimento? Qual a área

destinada para cada produto? Por que cultiva tais produtos?

4. Por que passou a produzir coco? Quais foram as motivações? Quais agentes envolvidos

diretamente nesse processo de introdução na produção de coco?

5. Como se dá o processo produtivo do coco? Como o coco é cultivado?

6. Quais as variedades cultivadas? Onde e como foram adquiridas as mudas?

7. Qual a quantidade produzida com coco? Se produz mais coco verde ou coco seco?

8. O modo como o coco é produzido vem mudando com o tempo? Se sim, quais são essas

mudanças?

=> Insumos/Inovações

9. Quais são todos os insumos (máquinas, adubos, fertilizantes e agroquímicos) utilizados na

produção de coco e qual a função de cada um deles? Desde quando passou a utilizá-los?

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10. Como, onde e com que frequência esses insumos são adquiridos?

11. A produção é irrigada? Se sim, qual o sistema de irrigação utilizado? Por que e desde

quando se utiliza tal sistema? Quais suas principais vantagens?

12. O sistema de irrigação utilizado foi sempre o mesmo? Já tinha experiência no uso de tal

sistema? De onde vem a água utilizada?

13. Como e onde o sistema de irrigação foi adquirido? Quem auxiliou na introdução desse

sistema?

14. Já fez ou faz uso de crédito rural? Se não, por quê? Se sim, qual tipo de crédito, em qual

banco, quais as formas de pagamento, qual prazo para pagar o empréstimo...?

15. Já fez ou faz uso de assistência técnica? Tem acesso a pesquisas agrícolas na área do

coco?

=> Comercialização

16. Como se dá a comercialização do coco produzido? Quais as formas de comercialização?

Qual a quantidade comercializada?

17. Quem controla o processo de comercialização? Há algum tipo de contrato estabelecido

entre os atravessadores, empresas, atacadistas...?

18. Para onde se destina o coco comercializado? Como a produção é escoada?

19. Do decorrer dos anos houve alguma mudança na forma como o coco vinha sendo

comercializado?

=> Agentes

20. Quais tipos de relações existentes entre todos os agentes inseridos no setor do coco? a)

Secretaria de Agricultura; b) Atravessadores; c) Empresas; d) Embrapa/Ematerce.

=> Atividades/Trabalho

21. Qual a porcentagem da renda advinda da produção de coco e com cada uma das outras

atividades?

22. Que mudanças a introdução do cultivo de coco significou na renda e nas atividades

realizadas no estabelecimento?

23. (Caso seja um estabelecimento de caráter familiar) Quais todas as atividades remuneradas

que são realizadas pelos membros da família?

24. Quais são todas as atividades realizadas no processo produtivo do coco? Quem

desempenha cada uma dessas atividades?

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25. Há contratação de mão de obra de fora para a realização de alguma atividade? Se sim,

para quais atividades?

26. (Caso contrate mão de obra de fora) Por que contrata mão de obra de fora? É mão de obra

permanente ou temporária? Quais as formas de contrato e pagamento?

27. Há quantos trabalhadores? Esse número é fixo ou depende do período do ano? Qual a

origem desses trabalhadores?

28. Há demanda de mão de obra especializada? Se sim, de onde vem tal mão de obra e em

qual segmento atua?

29. Com a introdução do cultivo de coco as relações de trabalho que se davam no

estabelecimento foram alteradas? Se sim, quais foram essas alterações?

=> Limites/Perspectivas

30. Quais são as principais dificuldades encontradas na produção de coco e quais suas

possíveis formas de adaptação?

31. Há alguma previsão/necessidade de expansão do estabelecimento e/ou aumentar a área

cultivada com coco?

32. Quais são as principais perspectivas para a produção de coco para os próximos anos?

33. Fazendo um balanço geral, podemos dizer que o setor do coco mudou muito nessas duas

últimas décadas? Se não, por quê? Se sim, quais foram essas mudanças?