a obra cena musical independente em uma perspectiva gonzo
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Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais de Bernardo Biagioni, Felipe Canêdo, Henrique Duarte e Lucas Sallum.TRANSCRIPT
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Faculdade de Comunicação e Artes
Centro de Pesquisa em Comunicação
Habilitação: Comunicação Social
Orientador: Sandra Tosta
Supervisor: Eduardo Jesus
A Obra: Cena Musical Independente em uma
perspectiva Gonzo
Nome Matrícula Telefone E-mail
Bernardo Costa
de Faria Biagioni
346734 (31) 9744-3286 [email protected]
Felipe Canêdo
Figueiredo
335281 (31) 8466-8573 [email protected]
Henrique Duarte
Vieira
341036 (31) 9984-5316 [email protected]
Lucas Sallum
Castro Silva
344436 (31) 8817-7531 [email protected]
Bernardo Biagioni
Felipe Canêdo
Henrique Duarte Vieira
Lucas Sallum
A OBRA: CENA MUSICAL INDEPENDENTE EM UMA
PERSPECTIVA GONZO
Trabalho apresentado à disciplina Projeto Experimental III,
da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.
Orientador: Sandra Tosta
Belo Horizonte
2011
Bernardo Costa de Faria Biagioni
Felipe Canêdo Figueiredo
Henrique Duarte Vieira
Lucas Sallum
A Obra: Cena Musical Independente em uma
perspectiva Gonzo
Trabalho apresentado à disciplina
Projeto Experimental III, da Faculdade
de Comunicação e Artes da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.
______________________________________________________
Sandra Pereira Tosta (Orientadora) – PUC Minas
Belo Horizonte, 06 de junho de 2011.
DEDICATÓRIA
A Dylan, Plant, Page, Morrison, Waits, Young, Gallagher,
Gallagher, Lennon, Mccartney, Strummer, Hendrix, Ramone,
Ramone, Ramone, Hornby, Kerouac, Bukowsky, Takeda, Buarque,
Ginsberg, Burroughs, Jagger, Richards, Watters, Johnson, Jackson,
Veloso, Nicholson, Costelo, Bertolucci, Rimbaud, Baudalaire, Berry,
Bowie, Clapton, Leminsky, Meldas, Abreu, Pop, Wolf, Cash, Zé,
Scorcese, Reed, Rotten, Vicious, Tarantino, Rocha, Thompson,
Bangs, Carlos, Dias, Dias, Lee, Casablanca, Maçã/Apple, Gaye,
Wood, Wats, Setzer, Ventania, Jazzbo, Belchior, Maia, Daltrey,
Moon, Townshed, Tosh, Marley, e....
AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente à nossa orientadora Sandra Tosta. Ao
professor Chico Braga pela orientação inicial. Aos professores Kika e Serelle,
por enfiar contracultura na nossa cabeça. Aos donos d‟A Obra Claudão,
Marcelinho, Lino e aos demais funcionários por nos possibilitarem a realização
deste projeto. Ao professor Eduardo Jesus, pela ajuda com as referências. À
produtora de vídeos Brokolis do Brasil, à produtora Cambalhota Filmes, à
Eduardo Zunzaren, por disponibilizarem a nós seus equipamentos de video
sem custo algum e à André de Marco Paoliello pelo seu tempo e talento na
captura das imagens de depoimento.
“Quando aquela porta se abir
Eu já não sei
O que vai ser”
Nova Chance - Radiotape
RESUMO
A pesquisa buscou retratar e desvendar os meandros da cena musical
independente de Belo Horizonte, a partir da perspectiva do estabelecimento A
Obra, localizado na região da Savassi, na capital mineira. Entrevistas em
profundidade e pesquisas bibliográficas e documentais foram os meios
utilizados na busca por atingir o objetivo de se discutir a importância e o valor
do local em questão para a cena independente nacional. Durante o projeto,
buscou-se relatar o quanto os eventos, festivais e shows que acontecem n‟A
Obra, além das relações pessoais e institucionais que contribuem das mais
diversas maneiras na produção, difusão e consumo da cadeia do universo do
mundo da música em Minas Gerais e que envolvem de alguma forma o
estabelecimento. Finalmente, foi realizada também uma pesquisa sobre
Jornalismo Gonzo e sobre as áreas de contato entre os campos do jornalismo
e da literatura, para que essa escola do jornalismo pudesse servir como
inspiração e alvo quando se fosse retratar A Obra.
SUMÁRIO
1 A PRIMEIRA VISITA ..................................................................................... 8
1.1 Introdução ............................................................................................. 12
2. JORNALISMO E LITERATURA ................................................................... 14 2.1 Todas as musas e a musa plebéia do jornalismo .............................. 14 2.2 Da mistura entre as técnicas literárias e o não ficcionalismo jornalístico surge o novo! .......................................................................... 18 2.3 A Realidade não passa de uma opinião .............................................. 20
3. A HISTÓRIA ................................................................................................. 25 3.1 Uma Obra em construção .................................................................... 25
3.2 A Era Melda .......................................................................................... 27 3.3 Abrir um bar .......................................................................................... 30
3.4 A obra d’A Obra .................................................................................... 32 3.5 A Inauguração ....................................................................................... 33
3.6 OMB Entra em Cena ............................................................................. 37 3.7 Crise e Retomada.................................................................................. 37
4 CONSTRUINDO A OBRA ............................................................................. 44 4.1 Quem somos, para onde vamos ..................................................... 44
4.2 Movimento Punk. O pai. ....................................................................... 47 4.3 Indústria Cultural. A mãe. .................................................................... 52
5 A CENA ......................................................................................................... 57 5.1 Um estranho no ninho ..................................................................... 57
5.2 O Nascimento da Cena ......................................................................... 63 5.3 A Cena Cultural Independente ............................................................. 64
5.4 A Rede ................................................................................................... 66
6 CONCLUSÃO ................................................................................................ 72 6.1 A Obra .................................................................................................... 72 6.2 O Jornalismo Gonzo e a Obra.............................................................. 73
6.3 A Indústria Cultural, o punk, e a cena ................................................. 74
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1 A PRIMEIRA VISITA
Um cigarro aceso descansava no cinzeiro de latão sobre a mesa de
plástico amarela do bar. Sua fumaça subia serpentando em meio àquele
ambiente barulhento onde as pessoas falavam alto, já deviam estar
alegres e sentindo os efeitos do álcool. Acho que passava da meia-noite.
No copo lagoinha à minha direita repousava um líquido
amarelado que o garçom do lugar chamou de “pinga da roça”, no copo à
minha esquerda meio cheio, cerveja semi-quente.
Estávamos sentados em uma mesa na calçada, bem na esquina
da Avenida do Contorno com a Rua Professor Moraes. De onde eu
estava, dava para ver a grade cinza que nos separava dos carros que
passavam na Contorno e duas mocinhas que pareciam namoradas e
riam muito e gesticulavam sobre uma história de Porto Seguro sentadas
de frente para mim, na mesa ao lado à nossa.
Quando nosso amigo designer chegou gritando, decidimos que era
hora de executarmos nosso ritual dos sábados à noite e de partir em
busca de alguma fuzarca para que esquecêssemos os problemas da
semana. Chamamos o garçom, que era nosso amigo, e pedimos: cinco
cachaças, cinco pasteis, um maço de cigarros de palha e a conta.
Quando a bebida chegou, fizemos um brinde barulhento à vida e
viramos tudo de uma vez. A dose era bem grande: quase um copo
lagoinha cheio, de modo que todos fizemos caretas e o Lucas fez aquele
drama que ele sempre faz, levando a mão à boca e ficando mudo
durante quase um minuto enquanto riamos dele. Dividimos a conta e
comemos os pasteis, depois disso era hora de partir para “o crime”:
acendemos os cigarros no isqueiro que ficava preso à parede de azulejos
por uma corrente, compramos um chiclete de melancia e descemos a
rua como se fôssemos uma gangue de cidadãos subterrâneos. Adilson
sempre dizia que o chiclete cheiroso atraia as “gatinhas”.
Esta era a noite em que iam me levar para conhecer pela primeira
vez a tal boate “A Obra”. Já havia ouvido casos interessantes sobre o
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recinto, como quando um dos meus amigos fora parar na casa de uma
mocinha que de manhã saiu e o deixou preso, ou quando um outro
amigo nosso tirou a roupa lá dentro, porque disse que estava muito
calor. Eu tinha a impressão de que a boate era freqüentada por pessoas
estranhas.
Enquanto descíamos a Professor Moraes em nossas calças jeans
apertadas, camisetas de banda e sapatos de couro - discutíamos quem
estava presente uma vez quando roubamos uma placa de trânsito
enorme e levamos para a casa do Rodney:
- O Diniz tava sim!
- Não! O Fred que tava, até que ele baixou as calças e saiu
correndo ali.
- Ah, é mesmo... Mas quem ajudou a carregar a placa?
- Não sei...
Quando chegamos a uma distância de um quarteirão do posto de
gasolina da Rua Rio Grande do Norte, na esquina com Avenida Getúlio
Vargas, comecei a ver os tipos que estariam presentes nessa noite
esquisita. Um sujeito de uns 40 anos, óculos pesados de armação preta
e cabelos amarelos tinha a nítida cara de alguém que havia acabado de
descobrir a penicilina e me lembrava fatalmente o excêntrico
publicitário Andy Warhol. Uma menina bem masculina conversava com
ele – parecia um menininho em trajes infantis – suas madeixas
escorridas naquele corte de cabelo curto fluido na cara a provia um ar
de lolita fatal. Naquela hora acho que a última (e enorme) dose de
cachaça já devia estar quase absorvida pelo meu fígado. Eu via tudo
com uma estranha sensação de filme em câmera lenta.
Passamos direto no posto enquanto eu fitava uma dúzia de
pessoas que deviam ter saído diretamente de filmes dos anos 80 e 90 e
entramos direto em uma fila. Nem tive tempo de apreciar a fachada da
boate e já estávamos quase entrando naquele portal debaixo de um
toldo amarelado escrito “A Obra – Bar dançante”. Pensei: “que diabos é
um bar dançante” e preenchi uma cartela de entrada enquanto o
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Henrique provocava o segurança puxando sua gravata e rindo da sua
cara.
A entrada tinha um ar soturno. De fora você via aquela calçada de
pedrinhas portuguesas escuras em frente a uma gráfica e aquele pé
direito alto com grandes pilastras de concreto. O mesmo tipo de vidro
que separava a entrada da gráfica - indo do chão ao teto - era o que
também nos dividia daquele universo estranho do bar dançante. A
impressão que eu tive era a de que ali poderia ser a acolhida que eu
imaginava para amantes do estilo de vida rock’n’roll concretizado em
minha cabeça por uma vasta bibliografia adolescente de discos, livros e
filmes, como por exemplo Definitely Maybe1, Clube dos Corações
Solitários2, e Quase Famosos3. Sempre senti falta de um lugar assim,
mas nunca soube.
Uma porta enorme, preta e com uma imagem de um sujeito punk
– que percebi depois, era de Niro, no filme Taxi Driver - guardava o
portal para o mistério d’A Obra, de lá pra dentro, as pessoas se
transformavam em animais da noite: o rock e o ambiente sinistro
libertavam os demônios que a cidade de Belo Horizonte guardava em
cada uma delas. A decoração era bastante rústica e muito
provavelmente inspirada em uma construção – fato que eu confirmaria
depois.
A primeira música que ouvi lá dentro foi Rock This Town da
banda de rockabilly do guitarrista Bryan Setzer da década de 1980. As
pessoas gingavam como se estivéssemos em uma casa noturna dos
anos 1950 sem o menor constrangimento. Os cabelos esvoaçando e um
lado para o outro, os braços balançando e os sapatos se arrastando no
piso de concreto. Eu não acreditava que existia um lugar em Belo
Horizonte, bem no olho da Savassi, que tocasse músicas como essa. Até
então, na verdade, eu achava que ninguém mais a conhecia. E muito
1 Definitely Maybe: disco lançado pela banda Oasis em 1995.
2 Clube dos Corações Solitários: livro de literatura pop escrito por André Takeda.
3 Quase Famosos: filme dirigido por Cameron Crowe, lançado em 2000.
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menos, acreditava que alguém em BH além de mim poderia gostar de
Stray Cats.
Não posso negar que senti uma apreensão, me senti um peixe fora
d’água em meio àquela confusão toda. O barman abriu duas cervejas e
jogou uma tampinha na cara do Bernardo, que me trouxe uma. Depois
disso só me lembro da ressaca que tive no dia seguinte, e que voltei pra
casa a pé cantando Johnny Cash a plenos pulmões com o Lucas
enquanto o sol nascia. Imagino que a noite tenha sido boa...
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1.1 Introdução
O estabelecimento “A Obra - Bar Dançante” é uma casa noturna de Belo
Horizonte, Minas Gerais, localizada na região da Savassi, na zona sul da
cidade. Há 14 anos o bar se mantém atuante em um mercado muito
competitivo que exige inovações constantes e uma forte dinâmica de interação
com os públicos que movimentam o cenário cultural mineiro.
O presente trabalho se propõe a investigar quais interações seriam
estas, como elas se estabelecem e, principalmente, como A Obra se mantém
ocupando um espaço importante na cena cultural independente do Brasil há
tanto tempo. Sendo assim, buscamos entender os processos de interação
comunicacional que se estabelecem como diálogos, entre o público e a casa e
dentro da cena musical independente brasileira através de entrevistas, e
discussões atuais sobre cenas independentes e redes de práticas musicais.
Para isso, procuramos entender historicamente o desenvolvimento do
diálogo d‟A Obra com os membros da cadeia produtiva da música
independente por meio de entrevistas com os sócios fundadores do bar.
Tivemos um interesse especial em garimpar as formas de interação que se
estabelecem a partir d‟A Obra, como também as que a envolvem ou
simplesmente as relações que surgem de lá, ou literalmente lá dentro.
A partir de uma base teórica e de uma pesquisa bibliográfica e
documental, nosso estudo de campo e nossas entrevistas em profundidade,
acreditamos que conseguimos capturar a essência desse movimento elástico e
maleável que acontece na cena cultural mineira atualmente.
A Obra se configura de uma maneira singular no cenário das
casas noturnas de Belo Horizonte. Com características próprias, conseguiu se
firmar em um mercado volátil sem grandes mudanças de estrutura. O local em
estudo está direcionado a um ambiente urbano que busca levar à capital
mineira culturas e hábitos que vão além de raízes locais e que se relacionam
com estilos de vida, consumo e costumes que são atrelados a uma cultura
alternativa e de escala global.
Inseridos neste contexto urbano, observamos um culto ao local que
transcende a simples configuração de espaço de entretenimento noturno.
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Observamos também, a falta de material que relata e documenta a evolução da
cena independente de Belo Horizonte nos últimos 20 anos.
Finalmente, faz-se necessário justificar a escolha do Jornalismo
Gonzo como prisma e lente para relatar o que acontece na cena cultural
independente mineira. O Gonzo, assim como o Novo Jornalismo, foi uma voz
que representou as ânsias e as problemáticas de uma geração como o
jornalismo tradicional não poderia. Além disso, ele teve uma capacidade de
diálogo impactante no público que ela representava, muito maior do que teria o
jornalismo tradicional.
O universo desconexo, dinâmico e aloprado de uma casa noturna que se
inspira no movimento Punk é certamente um cenário interessante para
experimentações Gonzo. Assim como no momento de ascensão do movimento
Punk, podemos traçar um paralelo com o momento atual onde as cenas
independentes se consolidam e crescem de forma anárquica sem que as
pessoas que participam desse crescimento tenham muita noção de onde essa
expansão vai os levar.
Assim, buscamos representar a cena cultural independente
mineira através da perspectiva do Jornalismo Gonzo, sempre nos atentando
para tentarmos averiguar nossos questionamentos motrizes: qual o segredo da
longevidade d‟A Obra, e como ela se impõe como sede e berço da cena
musical independente belo-horizontina.
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2. JORNALISMO E LITERATURA
2.1 Todas as musas e a musa plebéia do jornalismo
A fronteira que divide literatura e jornalismo é relativa, e cada vez mais
relativizada. As duas atividades - não só por terem como instrumento
fundamental as estratégias discursivas e a palavra em si - têm múltiplas linhas
de contato e diversos tipos de relações.
Existe um receio antigo de compreender o jornalismo como gênero
literário, e por isso Trotsky¹ - autor que não tem muitos méritos literários, mas
que viveu como poucos a experiência de ser jornalista através de suas
incursões pela Europa (DEUTSCHER, 2005), durante sua participação no
jornal revolucionário de Lênin em Londres, o Iskra. E como fundador do
famigerado jornal do PCUS, Pravda – destaca-o das outras “musas”, em uma
metáfora onde o jornalismo seria uma “musa plebéia”, já que não tem a si o
reconhecimento ligado à arte da literatura, uma “musa” amoldada e por direito:
“Todas as musas, inclusive a musa plebéia do jornalismo, apesar de apresentar
os flancos sólidos, encontram dificuldades para viver em tempo de revolução.”
(TROTSKY, 1977, p.17)
Contudo, apesar de ressalvas de setores de estatura nas duas áreas, a
relativização da fronteira entre jornalismo e literatura se concretiza de muitas
formas e com razoável freqüência. Ela acontece através dos romances-
reportagens, do articulismo criativo, e das experiências do Novo Jornalismo e
do Jornalismo Gonzo, caracterizando, muitas vezes e indissociavelmente
interseções dos dois campos e passeando sobre territórios intermediários
(VÁSQUES MEDEL, 2002).
A relação entre literatura e jornalismo conhece um primeiro momento de esplendor com a aparição das revistas culturais do século XVIII, estreita-se ao longo do século XIX e constitui um dos capítulos fundamentais da cultura do século XX. (GUTIERREZ
apud CASTRO; GALENO, 2002, p. 23)
O jornalista Tom Wolfe, um dos precursores do Novo Jornalismo –
escola que protagonizou a intensificação da relação entre Jornalismo e
Literatura no século XX – descreve que os jornalistas da sua geração tinham
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grande admiração pela literatura e pelo status que emanava dela. Segundo ele,
no cenário das redações de jornais dos anos 1960, o sonho de escrever um
romance era comum, e ninguém imaginava que de uma tentativa de
reverenciar a literatura como forma de homenagem, poderia nascer algo
inovador como o que estaria por vir. Nem que desta experiência surgiria um
gênero que protagonizaria a cena da criação literária nos anos subseqüentes.
E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa idéia nova, quente o bastante para inflamar o ego, começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance. Como um romance, se é que me entendem. Era a mais sincera forma de homenagem a O Romance e àqueles grandes, os romancistas, claro. Nem mesmo os jornalistas pioneiros nessa direção duvidavam sequer por um momento de que o romancista era o artista literário dominante, agora e sempre. Tudo o que pediam era o privilégio de se vestir como ele... até o dia em que eles próprios chegassem à ousadia de ir para a cabana e tentar para valer... Eram sonhadores, claro, mas uma coisa eles nunca sonharam. Nunca sonharam com a ironia que vinha vindo. Nunca desconfiaram nem por um minuto que o trabalho que fariam ao longo dos dez anos seguintes, como jornalistas, roubaria do romance o lugar de principal acontecimento da literatura. (WOLFE, 2005, p. 19)
Devido às várias superfícies de contato e à intensa relação entre o
Jornalismo e a Literatura, muitas vezes, a linha que separa os dois é construída
a partir da diferenciação entre factual e ficcional. Moacyr Scliar, conhecido
escritor e cronista brasileiro afirma no artigo “Jornalismo e literatura: a fértil
convivência” (2002), que há sim uma fronteira entre jornalismo e ficção, mas
ressalva que “ela é uma fronteira permeável e permite uma útil e amável
convivência”.
É comum conceituar-se os dois campos a partir de uma diferença: a
matéria constitutiva do jornalismo sendo o real, e a da literatura sendo o
fantástico, como, por exemplo, descreve Reynaldo Damásio em texto da
Revista Entre Livros. Segundo ele: “o jornalismo lida com a apresentação
objetiva dos fatos, e a literatura seria o campo da pura invenção, em que o real
pode ser um mero pretexto, ou nem isso” (DAMAZIO, 2005, p. 07).
A literatura, como explica Vásquez Medel, por constituição, se orienta
para o que é importante e a informação jornalística para o que é urgente. Por
assim dizer, o jornalismo se preocupa mais com o quotidiano enquanto a
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literatura se preocupa mais com a história. Contudo, o jornalismo se coloca
como importante fonte para historiadores e escritores, e, além disso, em casos
como romances-reportagens e nas experiências do Novo Jornalismo e do
Gonzo Jornalismo, ele se utiliza técnicas literárias e passa a se preocupar com
temas menos corriqueiros e mais longevos.
O processo histórico de institucionalização de ambas as estratégias
discursivas em questão abarca muitas coincidências e interações mútuas, que
confirmam um passado de influências recíprocas. Tal fato ressalta a dificuldade
em delimitar-se claramente os dois campos.
Resulta inegável a influência de pautas de escritura e modelos literários para a construção de determinados discursos jornalísticos, não é de menor importância a presença do jornalismo (com seus temas, recursos, procedimentos, e técnicas) na criação literária (especialmente no século XX), sem esquecer o fato de que as figuras do escritor e do jornalista (sobretudo de opinião) às vezes coincidem
com a mesma pessoa. (VÁSQUEZ MEDEL, apud CASTRO; GALENO, 2002, p. 15)
Muito se discute sobre a factualidade do jornalismo e a ficcionalidade da
literatura. E o próprio jornalismo - com seu modelo tipificado através do tripé:
neutralidade, transparência e verdade, com sua exigência de objetividade, com
sua construção histórica que resultou em editorias direcionadoras de público e
que favorecem a rotulação de notícias – constitui-se como expressão teórica e
técnica submetida ao procedimento da construção de narrativas que relatam
acontecimentos e, por conseguinte, existe submetido às categorias narrativas
(SATO, apud CASTRO; Gustavo de; GALENO, Alex, 2002, p. 32). Ele se
constitui como atividade simbólica, como qualquer outra atividade discursiva, e,
portanto, está debelado pelas seduções e subjetividades inerentes ao discurso.
O mundo “real”, objeto do jornalismo factual, é uma esfera de componentes
cognoscíveis, que é, e independe da atividade de algum sujeito para existir. Tal
esfera, em constante mutação, constitui a chamada realidade, com a qual deve
lidar a atividade jornalística. E a linguagem - que entremeia o mundo e a leitura
que o repórter faz dele - como afirma Nanami Sato, quando tenta representar o
real “funciona como mediadora da relação dialética, entre sujeito e mundo real
em contínua mudança”.
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A representação, inata ao fazer jornalístico, é uma forma de substituição,
reprodução, e figuração. Ela acontece por meio de signos, e se relaciona com o
mundo representado de maneira complexa. “Numa visão dualista do signo,
pode-se dizer que a representação se dissolve no signo”, afirma Nanami Sato,
podendo, portanto, até encobrir a realidade. “Em vez de revelar o real, pode-se
dizer que a representação, ao dar-lhe suporte, substitui a totalidade e a
encarna, em vez de remeter a ela.” (SATO apud CASTRO; GALENO, 2002, p.
31).
A representação em uma notícia, onde o “real” é captado por um
indivíduo e relatado através da linguagem, pode ser compreendida pelo leitor
(espectador, ouvinte ou o que seja) de maneira a distorcer o “real” e não
corresponder ao factual que motivou a construção da notícia.
A imposição da objetividade, ao exigir do jornalista que apague suas
marcas pessoais quando relata um acontecimento em terceira-pessoa, cria
uma ilusão de autonomia, como se houvesse de alguma forma a “existência
independente da linguagem” (SATO, 2002). Aparência e realidade, fato e
agente, substância e atributo se misturam O efeito dessa objetividade e dessa
impessoalidade “faz confundir a história enquanto processo, com o
acontecimento enquanto espetáculo” (BACCEGA apud CASTRO; GALENO,
2002, p.31). Alguns recortes do processo histórico são apresentados como se
constituíssem a totalidade dele. Assim, mistura-se a urgência do dia-a-dia
tratada pelo jornalismo com a importância da história tratada pela literatura de
maneira a distorcer as duas coisas. A presentificação do texto, que faz com
que o leitor sinta que a notícia está acontecendo no momento em que ela está
sendo lida, constitui mais uma deformidade do jornalismo.
O periodismo, como empreendimento, necessita de um esquema
industrial de captação de notícias (ainda mais em tempos imediatistas de
webjornalismo); isso faz com que ele dependa muito das fontes, que podem
apresentar posições estereotipadas e até ter relações clientelistas com
determinados veículos. A consulta a especialistas, que freqüentemente têm
pouco espaço para aprofundar suas idéias nos veículos de comunicação,
constitui também um esvaziamento de conteúdos e mais estereotipagem, como
afirma Pierre Bourdieu em sua conhecida Sociologia Crítica do Jornalismo
(BOURDIEU, 1997).
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Finalmente, a própria ordenação dos acontecimentos, de forma a
estabelecer uma narrativa constitui uma distorção da realidade.
Seguir a cronologia do acontecimento constitui fórmula de consumo fácil, já que cria “ilusão cronológica” com tempo ficcional gradativo. A seleção dos momentos substitui o real por um real representado e traduz valoração do que se considera como momentos significativos”
(SATO apud CASTRO; GALENO, 2002, p.32)
Portanto – como não nos deixam negar os romances-reportagens, ou
até mesmo o realismo fantástico de Garcia Marquez, que tem um pé na
realidade – pode-se dizer que: nem o jornalismo é 100% factual, nem é 100%
ficcional a literatura. A realidade é fluida e o discurso não consegue dar conta
inteiramente dela. O jornalismo, como toda criação humana, é errático e refém
da narrativa.
2.2 Da mistura entre as técnicas literárias e o não ficcionalismo
jornalístico surge o novo!
O Novo Jornalismo não poderia ter surgido em outra época, senão na
explosão cultural e comportamental dos loucos anos 1960 dos Estados Unidos.
As técnicas jornalísticas da época já não podiam dar conta de um universo de
drogas, experiências psicodélicas, do rock ganhando as massas, das roupas
coloridas e da guerra contra a Guerra do Vietnã. Para entender essa geração
era preciso mais tato, mais pessoalidade, mais envolvimento. O
distanciamento, a observação, a não-participação eram princípios
questionáveis para aqueles que queriam entender o que estava acontecendo
nos corredores das faculdades ou nas praias da Califórnia ou mesmo nos
movimentos de Ken Kesey, um dos coordenadores do Teste do Ácido que
rodou a América no meio da década.
Escrevi O teste do ácido do refresco elétrico e fiquei esperando os romances que, tinha certeza, iam jorrar da experiência psicodélica... mas eles também nunca apareceram. Descobri depois que os editores também esperavam por isso. Praticamente choravam por romances dos novos autores, que deviam estar por aí em algum
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lugar, novos autores que escreveriam os grandes romances da vida hippie e da vida do campus, dos movimentos radicais ou da Guerra do Vietnã, da maconha ou do sexo, da militância negra ou dos grupos de encontro, ou do torvelinho todo ao mesmo tempo. Eles esperam, e tudo que conseguiram foi o Príncipe da Alienação. (WOLFE, 2005, p.52)
De uma hora para a outra jornalistas obscuros de todo o país tinham na
mão uma oportunidade única de virar o jogo contra os romancistas ficcionistas
– uma classe que tinha muito mais prestígio entre os americanos letrados. A
realidade estava revirando a ficção. Até então “se um jornalista aspirava a
status literário, o melhor a fazer era ter o bom senso e a coragem de
abandonar a imprensa popular e tentar entrar para a grande liga”, relata Wolfe.
E no entanto, a verdade estava muito mais interessante do que a fantasia.
Existia curiosidade, vontade de conhecer e de entender tudo aquilo que estava
engatinhando da Califórnia para o mundo. “Os Novos Jornalistas tinham só
para si os loucos obscenos barulhentos cobiçosos mau-luxuriosos empapados
de drogas anos 60 da América com sua cara de bezerro de ouro”. (WOLFE,
2005, p.53)
Um dos primeiros jornalistas a entender que essa revolução estava
acontecendo na literatura americana foi Tom Wolfe. Ao seu lado, estavam
pessoas como Trumam Capote e Gay Talese. Eles começaram a perceber que
a realidade contada segundo algumas técnicas aplicadas nos romances de
ficção, resultaria em uma nova forma não só de se contar histórias, mas como
também de se fazer jornalismo. Nenhum deles cunhou o termo Novo
Jornalismo, mas todos sabiam que reportar o mundo daquela maneira –
bebendo na literatura, nos diálogos de cena-a-cena, na observação
participativa – era uma maneira completamente nova de se fazer notícia.
Contudo, mesmo com todo o frenesi em cima de obras que destacassem
o movimento hippie dos anos 1960, o livro de Wolfe que mais reflete sobre o
período, O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, nunca foi um best seller. Na
obra, ele conta, minuciosamente, a jornada psicodélica do escritor Ken Kesey,
autor de Um estranho no ninho, que viajou com uma trupe por todo o Estados
Unidos para distribuir LSD – droga que logo seria proibida pelo governo
americano.
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Wolfe faz o relato embasado em alguns dos princípios básicos do Novo
Jornalismo, a começar pela apuração minuciosa, pelo relato de detalhes e pela
observação participativa. Paralelamente a isso, o jornalista ainda emprega
palavras em caixa-alta em momentos específicos do texto, como também se
utiliza de dúzias de dois pontos (:) para destacar momentos de loucura, de
intensidade, de algo que está além do que seria compreensível para o leitor
comum.
2.3 A Realidade não passa de uma opinião
O Jornalismo Gonzo não é um simples subproduto do Novo Jornalismo,
é a radicalização e adaptação da inovação deste estilo à personalidade
conflituosa e pujante do homem que o inventou.
Mas, nesse ano (1966), a Medalha de Honra de melhor de todos os escritores freelances foi para um jornalismo obscuro da Califórnia chamado Hunter Thompson, que rodou com os Hell's Angels durante dezoito meses – como repórter, e não como membro, o que teria sido mais seguro – a fim de escrever Hell's Angels: medo e delírio sobre duas rodas. (WOLFE, p. 46, 2005)
Uma das principais influências de Tom Wolfe é o jornalista sombrio e
taciturno Hunter S. Thompson, responsável pelo surgimento do Gonzo.
Enquanto Trumam Capote repaginava o jornalismo escrevendo um livro sobre
uma chacina no meio-oeste americano, entrevistando famílias, suspeitos e
criminosos, Hunter mergulhou de vez no seu objeto de estudo – ou a sua
“pauta” - e encarou a ideia de passar 18 meses na estrada com a gangue de
motoqueiros mais perigosa do mundo. Desse período saiu o primeiro grande
texto Gonzo de Thompson, que aliava não só técnicas de literatura, como
também uma análise sociológica e filosófica do grupo em questão.
Se o Novo Jornalismo conseguia ir além da superfície por conta das
técnicas de literatura e da subjetividade iminente, o Gonzo Jornalismo, de
Hunter Thompson, regogizava no fundo escuro do poço, longe da luz,
iluminado apenas pelo envolvimento completo do autor com a sua obra. Nesse
21
ponto, Thompson pode ser mais comparado ao poeta francês Arthur Rimbaud
do que a qualquer outro jornalista. Ao contrário do Novo Jornalismo, no Gonzo,
dificilmente é possível se dividir o texto jornalístico do seu autor. Em muitos
momentos, inclusive, fica a dúvida do foco de uma reportagem: os sentimentos
do jornalista ou o fato.
Entre os rótulos rotineiramente impingidos ao Gonzo, estacam-se, via de regra, as críticas que tem por objetivo a sua desqualificação como um gênero pertencente ao universo jornalístico. A princípio, isto acontece porque as principais características do Gonzo - proximidade entre repórter e fato, interação entre repórter e acontecimento e a sempre destacada “distorção” do conteúdo noticioso, a partir da experiência do repórter - vão de encontro à idéia de imparcialidade e à noção de objetividade, promessas paulatinamente apontadas como requisitos essenciais à estrutura do jornalismo, que são garantidas pelo tripé neutralidade, transparência e verdade, ausente da base conceitual do Gonzo. (SANTOS, 2009, p.8)
Assim como o Novo Jornalismo, o Gonzo só tomou formas – e ganhou
legitimidade – por conta do contexto histórico em que está inserido. Em um
período de grandes transformações culturais, do movimento hippie ganhando
às massas, da loucura iminente, um jornalista como Hunter Thompson não só
tinha mais propriedade para desfilar sobre tais assuntos, como também
arrancava uma certa “credibilidade” da sociedade. Hunter era um hippie no
meio do movimento psicodélico. E era um hippie com uma máquina de
escrever na mão, um olhar ácido sobre a sociedade americana, e com sede de
ver todo este universo entrar em colapso, ebulir e romper com as estruturas
tradicionais do jornalismo, da sociedade e da política como um todo.
Nesse ponto, com a credibilidade que tinha entre os malucos
americanos dos anos 1960 – que, segundo Tom Wolfe, era “toda a sociedade
americana” - Hunter ficou livre para fazer seus relatos sempre em primeira
pessoa, inventar personagens, cenas e acontecimentos importantes, mesmo
que isso envolvesse o então presidente Richard Nixon e sua família sendo
vistos em uma tribo de canibais no meio do Havaí.
Thompson admite que muitas das histórias descritas em seus artigos nunca aconteceram. Seu estilo de escrever, de caráter extremamente confessional (principalmente pelo uso obrigatório do narrador na primeira pessoa) e fazendo uso de uma linguagem clara e direta, faz com que o leitor acredite que os fatos que estão sendo
22
expostos correspondam exatamente ao que aconteceu, ainda que muitas das situações que fazem parte de sua obra pareçam inacreditáveis. Por outro lado, o estilo de vida exagerado e fanfarrão de Thompson lhe confere uma aura de legitimidade quando ele fala sobre personagens bizarras ou situações extremas (CZARNOBAI, 2002, p.35)
Fato é que Hunter Thompson foi um dos primeiros notáveis jornalistas a
trazer o obscuro para a luz. Poucos jornalistas no período estavam andando às
margens da sociedade como ele, transformando motoqueiros selvagens em
estrelas, hippies em libertadores, jornalistas bêbados em esperanças de uma
sociedade perdida, que crescia à deriva no meio do proclamado Sonho
Americano que invadia as Américas por meio de tecnologias fúteis e baratas.
Hunter – ao lado de Norman Mailer, sobretudo – foi quem percebeu que
o fim da Segunda Guerra Mundial não deixou os americanos felizes ou
satisfeitos, como se esperava com a vitória dos Aliados. Muito pelo contrário. O
fim da guerra criou uma geração descrente, desesperançosa, que não teve
outra saída senão investir todas as economias em geladeiras, microondas,
televisores e uma série de produtos supérfluos que chegavam nos portos com
a promessa de “resolver todos os problemas”. E, sob essa ótica, Hunter trouxe
à tona a sua própria descrença em relação à sociedade americana, produzindo
textos e mais textos que condenavam os políticos – sobretudo o presidente
Richard Nixon – e os veteranos de guerra que faziam filas nas portas dos
cassinos de Las Vegas com a promessa de ganhar mais dinheiro, ser mais
feliz, e realizar os sonhos da família. É nesse momento que sai a obra mais
famosa de Thompson, o livro Medo e Delírio em Las Vegas, que conta sobre os
dias em que esteve na cidade no deserto ao lado de seu advogado, com um
porta-malas cheio de drogas, para mergulhar de vez no “aclamado Sonho
Americano”.
Lembranças estranhas nesta noite nervosa em Las Vegas. Cinco anos depois? Seis? Parece uma vida inteira, ou no mínimo uma Grande Era – o tipo de auge que nunca mais volta. San Francisco na metade dos anos 60 era um lugar muito especial para estar, em um tempo muito especial para viver. Talvez tenha significado algo. Talvez não, no fim das contas... mas nenhuma explicação, nenhuma combinação de palavras, músicas ou lembranças é comparável à sensação de saber que você esteve lá, que viveu naquela parte do mundo durante aquele momento. Seja lá o que isso tenha significado... (THOMSPON, 2007, p. 73)
23
A Timothy Leary - famoso psicanalista americano, referência da
contracultura dos anos 1960 e guru do LSD - atribui-se a frase: a realidade não
passa de uma opinião. E o Jornalismo Gonzo, com toda a pecha de drogado
que lhe é atribuída, é senão a concretização radical desta filosofia na técnica
jornalística.
Se o jornalismo com toda a sua pretensão de ser a verdade, não dava
conta de atingir as almas e os corações naqueles coloridos anos – se ele não
era de fato a realidade, e se ela não passava de uma opinião, porque não
relatá-la de um ponto de vista que despertava a simpatia dos leitores e que
fosse de quem estava lá, como ele mesmo disse, naquele lugar e tempos
especiais.
Talvez uma das contribuições mais importantes do Jornalismo Gonzo –
e de seu criador Hunter S. Thompson - tenha sido escancarar o óbvio: não
existe objetividade em jornalismo. Seja na escolha das fontes, do
enquadramento da foto, da disposição da matéria no jornal, sempre existirá no
processo da notícia uma série de escolhas que envolvam o lado subjetivo do
repórter, do editor ou mesmo do dono do jornal. “Não existe objetividade em
jornalismo”, já diria o recomendado Manual do jornal Folha de S. Paulo (2001,
p.45).
No Jornalismo Gonzo o que conta é o sentimento, as sensações e as
percepções do jornalista que está por trás da reportagem. E ele não tem
nenhuma razão para esconder isso. Nem por isto, pode-se dizer que o
Jornalismo Gonzo não é jornalismo, apenas por romper com o tripé:
neutralidade, transparência e verdade e também com a utopia da
imparcialidade. Simplesmente por ser subjetivo, o Gonzo, não poderia ser
considerado uma narrativa completamente subjetiva e desprovida de
objetividade.
Não há como considerarmos, em nosso entendimento, que a sempre célere condensação de narrativa, descrição e dissertação a que Thompson nos submete esteja situada de forma diametralmente oposta à objetividade. Utilizando-nos da pecha de drogado que é reputada a Thompson, tracemos um paralelo: um sujeito alucinado só é capaz de concretizar uma ação por vez, sem maiores elucubrações. Precisa ser, necessariamente, o mais vertical possível passo a passo, ainda que estes se reúnam atabalhoadamente no fim das contas. (SILVA, 2009, p.09)
24
Nesse ponto, em um mundo onde alegadamente as metanarrativas
estão falidas (LYOTARD, 1998), faz sentido cada vez mais a ascensão das
narrativas fragmentadas, muitas vezes individuais, como o Gonzo. Num mundo
onde a internet deixa tudo mais transparente, com mais fácil acesso, surge a
idéia de que o gênero poderia ser uma das “salvações” para o jornalismo
impresso. Uma vez fundamentando em sentimentos colocados em primeira
pessoa, o Gonzo consegue deixar a reportagem mais próxima do leitor comum,
sobretudo aquele que gosta de histórias, que quer se envolver, conhecer a
fundo um bar, uma cidade ou qualquer que seja o assunto em questão.
25
3. A HISTÓRIA
3.1 Uma Obra em construção
Em agosto de 1983, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
começou um processo de unificação de sua estrutura em torno do campus
situado na região da Pampulha, afastado do centro de Belo Horizonte. A FALE,
Faculdade de Letras, tornou-se a primeira da área de Humanas a ser
transferida, deixando o antigo prédio da FAFICH (Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas) no Bairro Santo Antônio, na região centro-sul, onde o curso
funcionava desde 1968 e mudando-se para um novo prédio na Pampulha,
próximo do estádio de futebol Governador Magalhães Pinto, o mineirão.
Foi neste local e nesta época que um grupo de estudantes de Letras que
compartilhavam gostos musicais semelhantes como o punk rock norte-
americano e inglês, o rock brasileiro da época e o reggae – e alguns outros
amigos que apenas frequentavam o Diretório Acadêmico para jogar sinuca -,
resolveram montar uma banda de rock. Segundo Cláudio Viera Rocha, o
Claudão Pilha, um dos protagonistas desta história, tudo começou quando, em
meados de 1985, um de seus amigos, Mário de Freitas Jr, conhecido como
Marão, contou que havia comprado uma guitarra, apelidada à época de “pau
com corda” devido à sua baixa qualidade. Logo Frederico Ozaman Arreguy
Maia, o Fredão, que era irmão do antigo proprietário do instrumento,
respondeu dizendo que tinha uma bateria em seu apartamento. Claudão
imediatamente se pronunciou dizendo ser um guitarrista. “Tocava nada, tocava
um violãozinho que eu tinha aprendido em uma daquelas revistas que vendiam
em banca de jornal”, conta rindo. Outro amigo e estudante de Letras, Marcelo
Crocco Rodrigues, o Marcelinho, não tocava nenhum instrumento, mas
também manifestou interesse em entrar para a futura banda.
No primeiro ensaio, Claudão, que originalmente seria guitarrista,
assumiu a bateria, pois ninguém mais sabia tocar o instrumento. Os ensaios
aconteciam no apartamento onde residia Mairão, no bairro Anchieta. O grupo
foi batizado de “Os Pilhas”.
26
Os ex-integrantes contam que o som da banda era uma espécie de
punk-reggae e que os ensaios chegavam a durar seis horas. Nenhuma música
de outro artista era tocada, apenas composições improvisadas que tinham sua
execução estendida por até uma hora e meia.
Foram apenas seis ensaios até o primeiro show, que aconteceu na
Faculdade de Letras e foi microfonado com um rudimentar equipamento para
palestras: “a gente botou uma mesa, uma cadeira e um microfone em cima da
cadeira e tocou atrás dela”, relembra Marcelinho. Durante essa apresentação,
estava presente uma outra turma de amigos que também tinha uma banda, à
época chamada de “Bento Boys” (Bento era o nome do vocalista) e de
“Caubilly,”, “porque era como se fosse Cauby Peixoto cantado em rockabilly”
conta Claudão, sem esconder um certo sorriso nostálgico de deboche.
Após algumas apresentações, a banda chegava ao fim. Os amigos do
Bento Boys/Caubilly haviam trocado o nome para “Os Meldas” e tinham um
show marcado também na Faculdade de Letras, porém não tinham um
baterista. Foi quando Claudão, Marcelinho e alguns outros remanescentes dos
Pilhas entraram para a banda, e então eles se apresentaram como “Os Pi lhas
de Meldas” num show que contou com a abertura da banda “Pozo Alto”, embriã
do conjunto Skank. O grupo mineiro de maior sucesso na década de 90, que já
vendeu mais de cinco milhões e meio de disco no país.
Figura 1: Frame de vídeo de show dos Pilhas realizado no Hospital Raul Soares, 1989. Fonte: Arquivo pessoal de André Burian (disponível em : <www.youtube.com>)
27
3.2 A Era Melda
Os Meldas foram uma banda de punk rock caracterizada pela ironia e
sarcasmo em suas letras, que existiu oficialmente de 1988 até 1997. No dia 22
de abril de 2011 eles realizaram um show surpresa durante as comemorações
dos dez anos do Primeiro Campeonato Mineiro de Surf, tradicional festival
realizado pela A Obra.
Durante os anos de 1990 os Meldas seguiram com certa regularidade no
meio alternativo do estado e do país. Em 1994, três músicas foram lançadas
em uma coletânea de bandas da cidade de San Antonie, no Texas, EUA. Sobre
essa época, Claudão disse “Eu morei nessa cidade um tempo e lá eu conheci
um cara que tinha uma gravadora. Ele lançou uma coletânea apenas com
bandas da cidade, mas incluiu três músicas dos Meldas”.1 Com o lançamento
no Brasil, e também com a produção de um video clipe da música “Cigarro
(Rock do Saci)” (composta por Demétrius), que teve veiculação nacional na
MTV Brasil - única referência musical na televisão àquela época - os Meldas
gozaram de certa expressividade, incluindo um fã-clube no interior do estado,
chamado de “Putameldas”. A banda ainda denominava a “Família Melda”, que
eram os amigos que acompanhavam-na em todos os shows, chamados de
“Parameldas”.
Porém, a falta de espaços para realizar as apresentações era um
problema constante: “toda vez a gente tocava no circuito universitário ou então
em bares sem nenhuma estrutura. Enfim, só tinha esses lugares pra gente
tocar e nada na zona sul. E todo mundo morava na zona sul”.2 Também,
segundo eles, havia uma exclusão por parte de algumas iniciativas
independentes que ocorriam devido à postura punk da banda. Um exemplo foi
a exclusão da banda do BHRIF, em 1994, que recebeu bandas independentes
de sete estados brasileiros e atrações internacionais importantes, como a
banda norte-americana Fugazi.
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
28
Figura 2: "Os Meldas" no Bar do Chumba Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Pilha. Crédito: Eduardo Memória
Rodrigo James, jornalista musical de Belo Horizonte, escreveu sobre o
evento: “Quem estava lá, tem hoje certeza que sem o BHRIF a cena
belorizontina não teria encontrado seu caminho e se desenvolvido a ponto de
chegarmos aos dias de hoje falando dela insistentemente em espaços como
este”1. Algum tempo depois, surgia o Bar Dançante A Obra, no coração da
Savassi, que, como seus proprietários costumam dizer, foi criada simplesmente
porque eles queriam um espaço onde sua banda – Os Meldas – pudessem
tocar. Deu no que deu e dez anos depois é reconhecida pelos quatro cantos do
país (2007).
1 JAMES, Rodrigo em http://programaaltofalante.uol.com.br/Coluna/Exibe/79/BHRIF/. Acesso
em 20 fev. 2011.
29
Figura 3: Flyer BHRIF Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Pilha
30
3.3 Abrir um bar
Durante sua estadia nos EUA, Claudão trabalhou um ano em um bar
que funcionava da seguinte maneira: existia um caderno em cima do balcão,
onde qualquer pessoa podia escrever o nome de sua banda, o estilo e um
telefone de contato. Algum tempo depois os proprietários ligavam para esta
pessoa avisando qual era a data do show.
O irmão de Marcelinho, conhecido com Dú, era proprietário de um bar
chamado Canibals, localizado na rua Alagoas, na Savassi, região centro-sul da
cidade. Era um bar onde se tocava rock mas não aconteciam shows (apenas
uma única apresentação dos Meldas em uma festa de ano novo).
Foi então que Marcelinho propôs a Claudão abrir um bar parecido com o
Canibals, que havia fechado há pouco tempo. Claudão resolveu ir além e
buscar uma referência no bar norte americano que havia trabalhado.
Influenciados pela falta de locais para apresentar com sua banda e
insatisfeitos com seus rumos profissionais, Claudão e Marcelinho resolveram
abrir um bar. A primeira ideia, segundo Claudão, era “vamos botar um dia para
as bandas novas, até a gente morrer”.1 Uma outra referência, segundo
Marcelinho, foi o bar de música mineira Cabaré Mineiro:
Eles tinham um projeto lá que era a Segunda Sem Lei, mas era aberto apenas para música popular e não para o rock. Então foi inspiração até pelo nome. A gente começou na terça, chamava Terça Sem Lei. A gente abria de terça a domingo. Depois fechou o domingo, depois fechou a terça, e a gente passou a terça para Quarta Sem Lei”. Um outro amigo, Francisco Robério de Abreu, o Bentivi, entrou na sociedade.
2
Ainda sem um projeto definido, Claudão conta que, em uma tarde,
tomando cerveja no Bar do Pelé, localizado no bairro Santo Antônio, um amigo
arquiteto conhecido com “Fêr” (Benedito Fernando Moreira), sugeriu que se
montasse o bar apenas com material de construção. Descapitalizados, os
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
31
sócios não teriam gastos com acabamento, além de o material ser de baixo
custo, ideia prontamente aceita por eles.
Paralelamente os Meldas continuavam tocando, gozando da
repercussão do clipe veiculado na emissora MTV. Era a primavera do ano de
1996, quando uma longa busca por um local para o bar se iniciou. Consenso
para ambos, o bar deveria se localizar na região sul de Belo Horizonte: era a
região dos bares que eles frequentavam, como o Canibals, o Nirvana, o
Complexo B, o Blue Bar e o Trincheira. Segundo Claudão, “eram bares que
tocavam rock‟n‟roll, e assim, tocavam novidade. Quando apareceu o Echo &
The Bunnymen, tocou nesses botecos pela primeira vez. Quando apareceu Joy
Division, tocou nesses botecos a primeira vez.”.1 No final dos anos 80
funcionou também, no teatro do ICBEU- Instituto Cultural Brasil Estados
Unidos, tradicional centro de línguas localizado à Rua da Bahia, um videoclube.
Marcelinho lembra que: “era o cara que montou a primeira videolocadora de
rock‟n‟roll, de som alternativo, que era a Video Boy. E ele fazia uma noite em
que exibia os vídeos lá. Foi lá a primeira vez que eu vi vídeos de Joy Division,
Echo & The Bunnymen, Ramones e Cramps”. E completa: “tudo acontecia na
mesma região”. Bem próximo ao ICBEU, o Diretório Central dos Estudantes da
UFMG abrigava os ensaios da banda Sexo Explícito, referência da época, e
shows de diversos artistas nacionais. “Nós queríamos abrir na região porque a
gente queria estar dentro do circuito da galera. Queria que a galera saísse dos
butecos de tarde e fosse beber no nosso bar dançante à noite. Dançar, beber e
fazer shows madrugada adentro”.2
Alguns locais, buscados principalmente nos classificados de jornais,
foram visitados: um imóvel na Rua Carandaí, bairro Funcionários, e outro na
Avenida Uruguai, bairro Sion; porém a proximidade de prédios residenciais era
um problema, já que não existia verba para uma obra de revestimento acústico.
Em novembro de 1996, após mais de seis meses de procura, Marcelinho
encontrou um anúncio de um espaço no subsolo em um prédio comercial nos
classificados, com trezentos metros quadrados, localizado à rua Rio Grande do
Norte, próximo à esquina da Avenida Getúlio Vargas, região da Savassi.
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
32
Anteriormente, o lugar funcionava como uma pista de autorama, e antes, como
a primeira concessionária de veículos importados da cidade, onde alguns
veículos eram estacionados.
Quando avisaram o proprietário do imóvel, também proprietário de todo
o prédio, que eles o alugariam para montar um bar no subsolo, obtiveram
imediatamente uma resposta negativa. Ele não acreditava que um bar poderia
funcionar naquele local. Passados dois meses de insistência por parte de
Marcelinho, o dono, sem conseguir outro locador, cedeu e alugou para os
sócios, mesmo sendo contra à ideia do bar.
3.4 A obra d’A Obra
No mesmo dia em que alugaram a loja, na última semana de janeiro de
1997, Claudão e Marcelinho começaram a colocar em prática o projeto criado
pelo amigo e arquiteto Fêr. Foram juntos ao depósito comprar o material
necessário e imediatamente começaram uma reforma, trabalhando, ambos,
como serventes de um único pedreiro contratado.
Pouco tempo depois, Bentivi, outro sócio que tinha entrado com o
capital, decidiu sair da sociedade. Bento, que era vocalista dos Meldas,
conseguiu dinheiro emprestado e se tornou sócio.
Na época os aventureiros e serventes-de-pedreiro Claudão e Marcelinho
dividiam um apartamento próximo do local, na rua Pernambuco e Marcelinho
ficava o dia todo na reforma, enquanto Claudão trabalhava meio horário como
coordenador de uma rede de escolas de inglês, e o resto do dia com o sócio.
“Eu e Marcelinho ficamos seis meses trabalhando de servente de pedreiro,
marceneiro, lixador, soldador, e até demos tiro de arma com pólvora para fincar
prego no concreto”.
Aproximadamente dois meses antes da inauguração, em abril de 1997,
Girlei Santos, o Gil e Sebastião Pereira, o Tião, ambos garçons do Bar do Pelé,
que Os Meldas frequentavam, foram contratados e também ajudaram na etapa
final da reforma.
33
Faltando menos de um mês para a abertura, o futuro bar ainda não tinha
um nome definido. Eles rejeitavam o nome “Construção”, pois temiam uma
associação com o álbum de Chico Buarque, uma referência musical oposta à
planejada, além de acharem muito óbvio. Foi voltando para a casa,
caminhando após a reforma, que Marcelinho sugeriu para Claudão o nome “A
Obra”. Além do sentido literal, a expressão popular “obrar” é muito utilizada no
interior de Minas Gerais para o ato de defecar, criando um paralelo com o
nome da banda Os Meldas.
3.5 A Inauguração
No dia vinte e dois de junho de 1997, A Obra abriu suas portas em um
coquetel para convidados: os membros da “Família Melda”, outros amigos,
produtores e jornalistas. “Os caras que sempre tinham amarrado as coisas pra
gente, a gente fez questão de chamar”1, conta Marcelinho.
Um dia depois ocorreu a abertura para o público com show da banda
Estrume‟n‟tal, e segundo Marcelinho, “não existia qualquer controle da portaria,
mais de quatrocentas pessoas devem ter entrado em um local que cabem
duzentas e cinquenta”.2 Claudão recorda que “nessa época os Meldas já
estavam acabando, o Bento já não queria cantar mais, já não ia nos ensaios.
Só que a gente marcava o ensaio dos Meldas, aí ia todo mundo pro boteco do
lado do estúdio, ficava bebendo cerveja lá. Uma hora a galera da parte
instrumental da banda ia para o estúdio aquecer. A gente ficava tocando as
mesmas músicas dos Meldas sem vocal”3. Percebendo o fim da banda,
Claudão fez uma proposta aos quatro membros que não cantavam: “vamos
fazer uma banda nós quatro, só de música instrumental, daí surgiu o
Estrume‟n‟tal”.4 O primeiro show na Obra não contou com nenhuma estrutura
de palco, sendo realizado com equipamentos de som dos próprios músicos.
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
3 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
4 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
34
Inicialmente, o bar tinha mesas feitas de lascas de madeira (retiradas
depois de alguns anos para melhorar a circulação de pessoas), e o balcão era
feito de tapumes de obra. Dez capacetes utilizados em construção, além de
diversas caixas e ferramentas antigas, máscaras e relógios de bomba de
acetileno, faziam parte da decoração - todos recolhidos do galpão de uma
indústria de maquinaria que havia falido na época. As pilastras também eram
madeirites e as lâmpadas não tinham qualquer luminária, os fios ficavam
expostos.
Lino (Marcelino Rodrigues da Silva), que tocava no Estrume‟n‟tal, e era
proprietário dos equipamentos de som que estavam no local, foi o primeiro
produtor da casa. Nos primeiros anos, Marcelinho, Claudão e Bento se
revezaram em diversas funções: caixa, office boy, estoque, gerente e Dj. Gil e
Tião trabalhavam no balcão.
A Obra funcionou bem durante todo o ano de 1997, e em 1998, após
seis meses apenas como um bar com dj‟s, abrindo todos os dias, exceto às
segundas-feiras, Marcelinho e Lino foram até São Paulo para comprar o
equipamento de som que viabilizaria os shows no local.
35
Figura 4: Nota do jornal Estado de Minas de 25 de junho de 1997 Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Pilha
36
Figura 5: Matéria do Jornal O Tempo de Novembro de 1998 Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Pilha
37
3.6 OMB Entra em Cena
Foram meses realizando shows de bandas independentes e de musicas
autorais, um espaço até então inédito para a música da cidade. Em março de
1999, A Obra foi autuada, multada e proibida pela Ordem dos Músicos do
Brasil (OMB) de continuar realizando shows de músicos que não eram filiados
à instituição. A OMB sustenta que essa norma foi baseada na Lei Federal n0
3.857, de 22/12/60 - que cria a entidade para disciplinar o exercício da
profissão de músico – e também na Portaria n0 3.346, de 30/12/86, do
Ministério do Trabalho, que regulamenta a lei.
Após consultas a advogados, os sócios decidiram entrar na Justiça
alegando que existia um grave erro de interpretação da lei. Ela estava ferindo a
liberdade de expressão, pois a OMB existia para disciplinar o exercício da
profissão de músico, e não o exercício da música, que pode ser feito
amadoristicamente.
Nestas condições, A Obra entrou com um Mandato de Segurança
pedindo que músicos não filiados à OMB pudessem realizar shows no local,
além de uma liminar para os shows continuarem acontecendo enquanto o
processo ocorresse. A liminar foi negada, porém, em março de 2002, a Justiça
deu ganho de causa à Obra. Segundo a Sentença, a OMB não tem autoridade
para multar a casa, nem músicos amadores, podendo exercer tal ação somente
a músicos profissionais.
Logo após a decisão, a Terça-Sem-Lei foi transferida para as quartas-
feiras, onde se mantêm recebendo novos artistas há quase dez anos.
3.7 Crise e Retomada
O desgaste da batalha judicial contra a Ordem dos Músicos teve
impactos sérios para a casa. Após um excelente ano de abertura, o bar deu
prejuízo por aproximadamente três anos. “Eu ganhava bem, relativamente,
para os padrões da época, pela idade que eu tinha e formação”, conta
38
Claudão. “Eu pegava o meu salário no fim do mês e separava assim: aluguel
do apartamento que eu divida com o Marcelinho e supermercado. O resto todo
eu pegava e botava na Obra. Nós três fizemos isso por anos”. Neste período,
Lino deixou a função de produtor para se tornar sócio e assumir a parte
burocrática e administrativa.
Observando essa crise, três jovens frequentadores resolveram se
mobilizar para ajudar a movimentar o lugar. Aniston de Oliveira, o Nest, Daniel
Albinati, o dj Danihell e Jamille Ferreira. Eles realizaram uma reunião com os
três sócios e se colocaram à disposição para ajudar, principalmente na área de
comunicação, onde estavam detectando falhas na promoção e na divulgação
d‟A Obra. Juntos, os três desenvolveram um trabalho de assessoria de
imprensa, programação visual do ambiente, criação de novas festas e
reestruturação da programação. O primeiro website e o newsletter entraram no
ar.
Outras iniciativas, como a realização de um festival para angariar fundos
para a atualização dos equipamentos de som, também ocorreram. Toda a
renda da bilheteria foi repassada aos sócios para a aquisição de amplificadores
e da mesa de som.
Figura 6: Nest pintando a decoração atual da Obra. 2004. Fonte: Arquivo pessoal de Cláudio Pilha
39
A partir de 2002, A Obra voltou a prosperar. A casa abrigou apresentações
nacionais e internacionais de bandas expressivas no circuito independente,
além de novos grupos da cidade de diversos estilos, como punk rock, heavy
metal, hardcore, ska e indie rock. Festas com estilos musicais variados também
marcaram a programação com noites específicas voltadas para black music,
rock, samba, eletrônico etc.
Atentos ao fluxo do trabalho, os sócios criaram novas funções para
melhorar a produtividade. O garçom Gil virou gerente, enquanto Tião se tornou
o chefe do balcão. O primeiro escritório foi montado criando a estrutura que
existe hoje, que conta com: um estagiário de comunicação que trabalha como
auxiliar de produção, um auxiliar administrativo e um office boy. Enquanto isso,
Claudão e Marcelinho ficaram responsáveis por definir as estratégias de
funcionamento do local, e pelos eventos de maior porte, como o Festival
Primeiro Campeonato Mineiro de Surf que, desde 2001, recebe bandas de
surfmusic de todo o país durante o feriado da Semana Santa, em abril.
40
Figura 7: Cartaz do Quarto Primeiro Campeonato Mineiro de Surfe, realizado em 2005. Os modelos são (da dir. para a esq.) o garçom Tião, o gerente Gil e o garçom Francis, que trabalham n‟A Obra. Fonte: Divulgação A Obra
41
3.8 As Principais Festas d’A Obra Bar Dançante.
- FUNK-SE
Festa comandada pelos DJ's Fausto, Deivid e Alex C. acontece mensalmente,
geralmente nas sextas a casa lota pra curtir os estilos soul, 70's funk, rap,
reggae, black Brasil. Um diferencial é que todas as faixas são tocadas em vinil.
- LET’S DANCE
Festa comandada pelos Dj‟s Playmobil & Spectreman, acontece um sábado por
mês, tendo um público variado que lota a casa para curtir músicas dos anos 80.
- WANNABE
Comandada pelos DJ‟s Cris Foxcat e Buddy Holly, acontece uma sexta do
mês, a cada dois meses, tendo como estilo músicas indie, pop e rock
- EU NÃO PRESTO, MAS EU TE AMO
Comandada pelos DJ‟s Capitão ingrato, Ingridi Gabrielli, M Lousada,
Hamburger Leviano e Lobo Solitário, acontece especialmente ao domingos de
dois em dois meses e tem com estilo músicas brega, “dor de cotovelo” e love
songs nacionais e internacionais.
- CABEÇA DINOSSAURO
Comandada pelos DJ‟s Claudão Pilha e Seu Muniz e Gil radiola acontece uma
vez por mês no sábado, com grande publica que enche a casa para prestigiar
músicas dos anos 80.
- RRRRRRROCK !
Comandada pelos DJ‟s Gabriel Thomaz (Autoramas), acontece sábados nos
quais o DJ Gabriel Thomaz se encontra em BH, com grande público o
prestigiado músico discoteca músicas nos estilos New Wave, Surf, Hot Rod,
BubbleGum e sucesso do rock.
42
- HITS
Comandada pelos DJ‟s Seu Muniz e Buddy Holly, a festa rola um sábado por
mês no qual são discotecados hits e singles de todos os tempos.
- A FELSTA
Comandada pelos DJ‟s Marcelimelda, Gil Radiola, Capitão Insano e Drury‟s,
acontece um sábado por mês com o caráter eclético de fazer o grande público
dançar ao som de tudo que é bom, um pouco.
- BAD GIRLS Tonight
Comandada pelas DJ‟s Vivi Kalil e Djú, a festa acontece sextas-feiras com uma
periodicidade de dois em dois / três em três meses, apresentando os melhores
sucessos de todas as décadas.
- SPIN OFF
Encabeçada pelos DJ‟s Bulls e Lakers, a festa acontece à cada dois meses
em uma sexta do mês, lotando a casa com músicas dos anos 90
- SHOUT
Comandada pelos Djs B, Gil Radiola e Kaff , a festa que acontece normalmente
as sextas, a cada três meses, apresenta músicas referentes ao anos 70, 80 e
90.
- NO TECH
Comandada pelos DJ‟s Navim7 e Cris Foxcat, a festa que tem como
característica hits, 80‟s, 90‟s, indie, pop e rock, acontece sábados, uma vez por
m~es, a cada dois meses.
- INDIE ROCK TONIGHT
Encabeçada pelos DJ‟Seu Muniz e Buddy Holly, acontece uma sexta do mês,
de quatro em quatro meses, agraciando o público com música Indie Rock,
Rock Alternativo e Hits Indies.
43
- 100% COMPACTOS
Comandada pelos DJ‟S Luiz PF, Danilo Kowalsky e Fausto, a festa acontece
em uma sexta do mês, a cada 2/3 meses e tem como característica única
discotecagem variada em compactos.
44
4 CONSTRUINDO A OBRA
4.1 Quem somos, para onde vamos
The Smiths estourando seco no teto d'Aobra e aqui estou eu,
louco e desacompanhado, um filete de alma ensandecida brilhando no
andar debaixo da Rua Rio Grande do Norte, uma identidade em conflito
acompanhando os tropeços e angústias cantadas por Morrisey. Take me
out, tonight. Cause I want to see people, I want to see light (Me leve para
sair esta noite. Porque eu quero ver pessoas, eu quero ver luzes). Mas
não foi Morreisey quem me tirou de casa. Foi Clash.
É que existem poucas coisas no mundo que conseguem aliviar a
tensão que existe em mim. A tensão de ser jovem, no olho deste século
perdido, no epicentro de um universo em colapso de valores, crenças e
certezas. Pode parecer estranho, mas me incomoda e me excita a
imprevisibilidade do mundo, o excesso de informação, a colagem que é a
pós-modernidade, o vazio existencial que acompanha cada gole de
cerveja que rasga o meu fígado, fere o estômago, deturpa a consciência.
Eu preciso sair todas as noites - e beber duas ou quatro cervejas -
para ver se me encontro um pouco. Encontrar o 'eu' apaixonado que
existe dentro de mim numa noite de frio e desapontamento, olhando
para todas estas outras tantas almas que dançam Smiths comigo sem
saber que tudo que mais quero é chegar mais perto, agarrar aquela
garota de cabelos curtos pelos cabelos, encostar ela na parede do
banheiro só para sentirmos a respiração um do outro respirando.
Somos todos assim, pois. Nós, jovens. Cantamos Clash bem alto é
para podermos disfarçar o medo e a angústia que existe dentro de nós,
a fúria e a vontade quase animalesca de colocar alguns preceitos da
sociedade para baixo; poder fumar mais, beber mais, foder mais e viver
um pouco menos da hipocrisia que respira para cima dos dois lances de
escada que nos separam do mundo real.
E aqui estão todas as tribos, todas as cores e todos os grupos
etimológicos que continuam desafiando os percalços noite. Passam os
45
dias, os anos, as madrugadas atravessadas no álcool, e só ficam em pé
àqueles que resistem a fumaça do cigarro, ao barulho equivocado da
distorção da guitarra, ao estremecimento do grave, a desestruturação
de uma vida de conforto e segurança. Passam os dias e restam apenas
os Gonzos, apelido irlandês carinhoso para “os últimos homens em pé”
de qualquer pub que se preze.
E somos, sim, todos Gonzos. Dançamos juntos, jornalistas,
produtores, agitadores culturais da cidade, membros de bandas
fracassadas, professores que ainda não cansaram de aprender com a
vida, bêbados desiludidos de uma possível nova geração perdida.
Dançamos juntos para ver se conseguimos levantar nos ombros uma
cadeia produtiva de música e, então, alimentar um Movimento,
qualquer que seja o Movimento, construindo nas conversas
desencontradas no balcão os alicerces da Cena Independente de Música
que engatinha em bares esfumaçados espalhados pelo Brasil.
E lá, do lado de fora, para além dos dois lances de escada,
ninguém consegue apontar os dedos para nós. Não andamos em grupo,
não temos uniforme, não seguimos uma linha de raciocínio unilateral e
coerente. Não agora. Não no século XXI, onde os jovens do campo e das
cidadelas interioranas ganharam as grandes cidades desfazendo as
tribos, expandindo o vocabulário juvenil de gírias e ampliando a noção
de objetivos e metas para uma carreira de dinheiro e sucesso.
Sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a hibridação cultural. O que significa para as culturas latino-americanas que países que no começo do século tinha aproximadamente 10% de sua população nas cidades concentrem agora 60 ou 70% nas aglomerações urbanas? (CANCLINI, 1997, p.285)
Não é simples delimitar o que tenho em comum com as outras
dezenas de corpos que se espremem no balcão do bar para pegar uma
bebida esta noite. Quer dizer, é claro que somos todos apaixonados
pelos preceitos básicos do punk, a paixão pela transgressão e pela
contestação, pelo sujo e escancarado, pela sinceridade que respira o
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mundo quando tudo que se escuta é o disco London Calling rodando a
75 rotações por minuto em uma vitrola velha e trôpega.
London calling to the underworld
Come out of the cupboard all you boys and girls London calling now don't look at us
All that phony Beatlemania has bitten the dust (CLASH, 1979)
E é isso. Londres está chamando por que é de lá vem Clash,
Beatles, Rolling Stones, Smiths e outros tantos nomes que, durante
anos, enfiaram perversão, angústia, rebeldia sem causa nós nossos
ouvidos joviais e desprovidos de discernimento para encarar de frente
os mistérios do planeta.
O que veio primeiro? A música ou a miséria? As pessoas se preocupam com crianças brincando com armas, vendo vídeos violentos, como se a cultura da violência fosse consumí-las. Mas ninguém se preocupa se escutam milhares de canções sobre sofrimentos, rejeição, dor, miséria e perda. Eu ouvia música pop porque era infeliz ? Ou era infeliz porque ouvia música pop? (HORNBY, 1995, p.10)
Se hoje estamos aqui - vagabundos e iluminados - pode ter
certeza que a culpa é do rock 'n' roll, do punk, da moda, da cultura, das
poesias perdidas de Patti Smith, Lou Reed e David Bowie. Não sabemos
- ou, na verdade, tentamos esconder de nós mesmos - mas somos filhos
de pais separados, que até hoje flertam um com o outro. O pai, o
movimento punk. A mãe, a Indústria Cultural. É isso, A Obra!
47
4.2 Movimento Punk. O pai.
Impossível dissociar o Movimento Punk de sua ideologia motriz, o
chamado “Do it yourself” (Faça você mesmo). Em um tempo marcado por
shows de rock que lotavam estádios, pelo distanciamento entre o artista e seu
público e, sobretudo, pela glamourização da figura do rockstar, este movimento
inicialmente musical rompeu com os paradigmas da época e ganhou o mundo
a partir de alguns poucos bares pequenos, sujos e esfumaçados espalhados
por Nova Iorque.
Foi no final dos anos 1960 que as coisas começaram a mudar.
Progressivamente, o rock „n‟ roll perdia a essência de sua contestação e
subversão para, então, estampar capas de revistas e alavancar massas de fãs
por onde passavam. Qualquer aparição dos Beatles, do Rolling Stones e, mais
tarde, do Led Zeppelin e Pink Floyd, significaria um grande evento para
programas televisivos e coberturas jornalísticas mais preocupadas com a
celebrização dos artistas.
A partir da primeira metade da década de 1970, contudo, começa a se
perceber uma movimentação contrária em algumas casas escuras e sombrias.
Inicialmente na mão de grupos como Velvet Underground (liderada pelo poeta
Lou Reed), MC5 e Iggy Pop com o The Stooges, o Movimento Punk ganhou a
mídia não por conta da habilidade musical de seus personagens, ou por conta
de uma renovação profunda da música então vigente. Era, na verdade, uma
mais nova forma de contestação e subversão da juventude. Prezava pelo
impacto, pelo estranhamento, pela explosão de uma angústia contida, por uma
vontade jovem e animalesca de poder tornar as coisas simplesmente mais
divertidas.
(…) o punk não é só o visual, só a música crassa. É (...) uma crítica e um ataque frontal a uma sociedade exploradora, estagnada e estagnante nos seus próprios vícios. Os punks não querem mais esperar o tão prometido fim do mundo. Eles querem o apocalipse agora, em 1976 (BIVAR, 1983, p. 49)
Não era nada muito combinado, estudado ou planejado. A rebeldia que
existia entre os punks e o desapego com as normas impostas pela sociedade
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não permitiam que eles se proclamassem líderes de qualquer que fosse o
movimento. Nesse primeiro momento, eles não queriam compromissos ou
bandeiras. Só queriam terminar o dia com alguns dólares no bolso, uma nova
jaqueta de couro (de repente), e uma garota para poder levar para um quarto
de hotel barato.
E é daí que surge o Ramones, em 1974. Com músicas curtas e cruas,
camisetas pretas, jeans surrados e tênis Allstars, o quarteto formado por Joey
Ramone, Johnny, Dee Dee e Marky, foi quem melhor traduziu o espírito de
uma geração de jovens revoltosos. Enquanto os shows do The Stooges, de
Iggy Pop, eram marcados por brigas e confusões monstruosas entre o público
e a banda, as apresentações do Ramones - quase sempre vazias e rápidas -
tiravam de casa algumas figuras sombrias de Nova Iorque para dançar, se
relacionar e, aos poucos, começar a discutir uma certa cena que estava se
formando.
Fui vê-los no CBGB's e consegui um lugar na frente sem nenhum problema. Acho que ninguém lotava aquilo naqueles tempos. E eles entraram, e me apaixonei por eles. Achei que estavam fazendo a coisa certa. Era a banda perfeita. Eram rápidos, e eu gostava de rapidez. Quartetos de Beethoven devem ser lentos. Rock & roll tem que ser rápido. Me apresentei para eles depois e disse: 'Adorei
vocês, serei empresário de vocês' (FIELDS apud MACCAIN, Gillian. Mecneil, Legs; 1974, p.264 )
Inevitavelmente, sobretudo a partir do aparecimento do Ramones, uma
cena estava mesmo se formando. Além do quarteto, não era difícil esbarrar
com panfletos marginais espalhados pelas ruas da cidade chamando para
shows de bandas como New York Dolls, Television e MC5, de Detroit. Por mais
que fossem seguidores da máxima do comediante norte-americano Groucho
Marx, "Eu não aceito entrar em um clube que me aceite como sócio", de uma
hora para a outra os punks começaram a andar em bando, e a ser
reconhecidos na rua.
Já não era mais um movimento exclusivamente musical. A "moda punk",
inicialmente marginal e desenvolvida pelos próprios membros de bandas e fãs,
se baseava principalmente na contestação e no choque. Quanto mais piercings
visíveis, melhor. Quanto maior o moicano (corte de cabelo), maior a afronta
49
perante a sociedade conservadora e neoliberal que girava a economia da
América.
Há de se notar, contudo, que toda essa contestação podia ter uma
explicação racional. Até 1974, a Guerra do Vietnã ainda estava em curso, o
presidente republicano Richard Nixon, inimigo número um da Geração Hippie,
ainda governava a nação, e centenas de cidadãos americanos continuavam
defendendo com as próprias vidas ideais pouco amigáveis no continente
asiático. Diferentemente dos hippies, que propagaram a “paz” e o “amor” como
contestação durante a década de 1960, os punks tinham essa maneira peculiar
de contestar e de se fazerem notados: músicas rápidas e barulhentas, visual
chocante e, segundo Abramo (1994), eram ainda completamente “distópicos”.
A relação com a filosofia anarquista, que defende a eliminação de todas as
formas de governo, só iria invadir o movimento a partir dos anos 1980.
E eles estavam se multiplicando e já não tinham mais para onde ir. O
primeiro bar a aceitá-los e a oferecer espaço para apresentações de Lou Reed,
Velvet Underground e The New York Dolls, o Max‟s Kansas City, aberto em
1965, já não comportava a quantidade de punks, darks e freaks que se
enfileiravam até a esquina da 214 Park Avenue South, em Manhattan.
Em 1973, o então músico de jazz Hilly Kristal abriu as portas do CBGB
OMFUG ("Country, Bluegrass, and Blues and Other Music For Uplifting
Gormandizers" cuja tradução livre quer dizer "Country, Bluegrass, Blues e
Outras Músicas Para Glutões de Classe”), também em Manhattan. A ideia
inicial era que o bar contemplasse, de fato, apresentações de bandas de
country e blues. Porém, sabendo do sucesso de público do Max‟s Kansas City,
Hilly resolveu investir e reunir as bandas que estavam surgindo em todas as
esquinas de Nova Iorque. Em menos de cinco anos, o bar sujo, feio e apertado,
cedeu espaço para nomes importantes como Television, Richard Hell, Johnny
Thunders & The Heartbreakers, Blondie, The Dead Boys e, claro, The
Ramones.
Era basicamente o que faltava para a “cena” tomar mais formas: um
lugar. Um berço.
Tanto é que foi exatamente do CBGB‟s que o movimento punk começou
a ganhar o mundo. Entre 1972 e 1974, o empresário inglês Malcolm McLaren
esteve desbravando cada um dos bares, becos e ruelas que se falava em
50
“punk” em Nova Iorque, chegando a se tornar produtor do New York Dolls. Sua
inspiração maior, porém, acabou sendo Richard Hell, baixista do Television, um
garoto magro, de vinte e poucos anos, que andava para cima e para baixo
usando uma camiseta com os dizeres que melhor traduziam a essência da
afronta do punk, da música, e de todo o movimento: “Mate-me por favor”. A
frase acabou se tornando título da “Bibilia do Movimento Punk”, o livro Please
Kill Me, dos jornalistas Legs McNeil e Gillian McCain, lançado pela editora
Penguin Books em 1997.
Achei Richard Hell simplesmente incrível. De novo, eu acabava comprando a ideia de mais uma vítima da moda. (...) E esse visual, a imagem desse cara, aquele cabelo todo espetado, tudo nele - não há duvidas de que levei aquilo pra Londres. Ao ser inspirado por essa imagem, eu queria imitá-la e transformá-la em algo mais inglês. (MALCOLM, 1974, p.259)
E, de fato, Malcolm transformou Richard Hell - e toda a Cena que viu em
Nova Iorque - em algo mais inglês. De volta a Londres, em 1975, o empresário
reassumiu o controle de sua loja de roupas e tendências Let it Rock e, de
dentro do estabelecimento, deu o pontapé inicial para a formação do Sex
Pistols, uma das bandas mais importantes da história da música.
Malcolm não teve muita dificuldade para conseguir seu objetivo. E, além
do mais, ele sabia exatamente do que precisava para transportar a cena de
Nova Iorque para Londres. Steve Jones (guitarrista) e Paul Cook (baterista)
eram grandes frequentadores da Let it Rock, que, depois de 1975, mudou de
nome para “SEX”. O baixista Glen Matlock era funcionário da SEX. Johnny
Rotten, o vocalista, foi selecionado depois de passar por um teste rápido
cantando músicas da Jukebox da loja.
A banda estava completa. Porém, ainda era necessário um ingrediente
especial. Faltava mais subversão e choque. Mais rebeldia e descompostura.
Faltava um “Richard Hell inglês”, nas palavras de Malcolm. E esse Richard Hell
inglês começou a atender pelo nome de Sid Vicious, no começo de 1977,
quando foi incorporado à banda no lugar de Glen Matlock.
O Sex Pistols - e Malcolm - abriram as portas do Movimento Punk na
Inglaterra. Entre o final da década de 1970 e o começo de 1980, dezenas de
bandas começaram a fazer filas em bares londrinos sujos e enfumaçados - a
51
exemplo do Max Kansa‟s City e CBGB‟s, de Nova Iorque. Algumas das
primeiras foram Buzzcocks, formada em 1975, em Manchester, e o The Clash,
em 1976.
Diferementemente da cena novaiorquina, que acabou sendo
caracterizada como fruto de uma “Blank Generation (Geração Vazia)”, por
conta de seu distopismo, a cena londrina assumiu um viés muito mais
politizado. Enquanto o punk americano se baseava sobretudo na diversão para
compor suas letras, o vocalista do The Clash, Joe Strummer, despejava críticas
e afrontas à monarquia e aristrocracia inglesa. E todas as demais bandas
punks inglesas que estavam surgindo, muitas vezes sem conhecimento de
causa, começaram a assumir signos e bandeiras polarizadas.
E, de repente, sem nenhuma transição, sem ninguém dizer nada, surge um movimento, e estão usando suásticas e não tem a ver com aquilo; é uma roupa e é uma agressão. Tem a ver com alguma coisa completamente diferente - tem a ver como encenação e tática de choque. Meio que percebi isto institivamente, mas não tive como articular por muito tempo. Só há alguns anos que de fato consegui sentar e escrever uma análise. Mas é isto que fez a coisa ser tão interessante, você não sabia escrever uma análise, você não sabia que porra estava acontecendo, estava acontecendo muito rápido. (HARRON, 1976, p.32)
O Movimento Punk, agora midiático e expansivo, não demorou a ganhar
o mundo depois de ser notícia nos principais jornais sensacionalistas da
Inglaterra. Isso porque os shows de bandas como Buzzcocks e Clash, no
começo vazios e frequentado apenas por conhecidos, a partir de 1977
começaram a se tornar cada vez maiores, mais agressivos, panfletários,
subversivos e perigosos.
E inspiradores. Tão inspiradores que foi questão de meses até o
Movimento começar a ganhar a Europa e o mundo. De Ramones e Sex Pistols
surgiram Ratos de Porão e Inocentes. De camisetas cortadas e jeans rasgadas
surgiram inúmeras marcas de roupas. De Max Kansa‟s City, CBGB‟s e SEX
nasceram os shows punks do bairro Vila Carolina, em São Paulo, e centenas
de festas, como a que tirou de casa hoje para chegar aqui n‟A Obra, em Belo
Horizonte.
O punk não podia ter encontrado no Brasil um cenário mais propício
para florescer. No final dos anos 1970 ainda estávamos submetidos à Ditadura
52
Militar e às censuras dos generais. E, além do mais, assim como acontecia lá
fora, o nosso rock „n roll estava chato e monótono. Discos do Ramones e Sex
Pistols eram tão raros como importantes para aprendermos a gritar e a rebelar
contra as imposições do regime totalitário vigente. "A gente se correspondia
por carta com punks de outros países e percebia que em cada lugar o
movimento tinha uma característica. Diferente de hoje: as bandas cantam igual
na Inglaterra ou em Nova York", conta Clemente, vocalista da banda Inocentes,
no documentário Botinada (2006), dirigido pelo jornalista Gastão Moreira.
O Punk encontrou em cada país uma razão específica para existir. Aqui
foi a ditadura e a angústia dos trabalhadores informais do ABC paulista, que
ainda não tinham encontrado uma maneira de serem notados pela sociedade.
E, assustadoramente, começou a ganhar todo o Brasil. Assim como Nova
Iorque, agora era possível encontrar nas ruas de São Paulo - ou de Brasília -
jovens com moicanos, piercings e roupas feitas por eles mesmos. Ativistas
culturais abriram casas com o dinheiro que não tinham. “Do it yourself”. Era o
início de mais uma luta pela emancipação da juventude, que queria mais
liberdade, mais direitos e, claro, mais diversão.
O Punk agora tinha berços, filhos, um jeito de se vestir e até de se
relacionar. Por conta de tudo isso, acabou sendo catapultado por um amor
maior. Uma mulher. A mãe. A Indústria Cultural.
4.3 Indústria Cultural. A mãe.
Não é de hoje que esta mãe, a Indústria Cultural, começou a se
apropriar de movimentos culturais novos, expressivos, e que se envolviam
intimamente com os hábitos e interesses do universo dos jovens para fazer um
mercado. Antes de se relacionar com o Punk, a indústria já tinha investido todo
o seu poder para cima do Rock „n‟ roll, um gênero musical que, assim como o
Punk, carregava também todo um estilo de vida, uma maneira de se vestir, de
se relacionar, e de se posicionar diante das imposições da sociedade norte-
americana do pós-guerra.
53
Por mais contestadores que fossem os dois movimentos, tanto o início
do Rock „n‟ Roll, na década de 1950, como o Punk, na década de 1970, ambos
foram subvertidos pela Industrial Cultural, que tornou as suas expressões - por
mais legítimas que fossem - em algo mercadológico. Contudo, contrariando a
lógica de ADORNO (1985, p.127), de que a Indústria Cultural “aniquila” e
“nivela” os seus produtos culturais, a partir da concepção do capitalismo
cognitivo, esses tentáculos da Industrial Cultural podem deixar de ser algo
“destrutivo” para se tornar algo “produtivo” (COCCO, 2003, p.28), sobretudo se
considerarmos a ampliação, a divulgação e a fomentação de uma “cena” que
antes seria restrita a um período da história em particular.
Quer dizer, se hoje estou aqui, bêbado e cantando Smiths dentro
d‟Aobra, é porque a mesma Industria Cultural que aniquilou a subversão do
Rock „n roll, também legitimou e abriu espaço para que um mercado de música,
moda, boates e festas punks existissem para além da Nova Iorque dos anos
1970.
Contudo, antes que se faça uma análise do impacto da Indústria Cultural
no Movimento Punk, é necessário que voltemos duas décadas antes, quando,
nas palavras do historiador (Hobsbawn, 1995, p.321), “passou a existir uma
cultura jovem global”, que, diretamente dos Estados Unidos, acabou por ditar
os hábitos de consumo de jovens espalhados por todos os cantos do planeta.
Conforme listado por Brandão & Duarte (1995, p.20), “só a partir do
surgimento do Rock‟n Roll é que, efetivamente se notará a caracterização de
uma „cultura jovem‟”. O rock, com letras que iam da obscenidade à angústia, do
amor desventurado ao abandono completo, abriu as portas para que os jovens
americanos pudessem se fazer notados no meio da onda de consumismo que
invadiu os Estados Unidos na década de 1950, logo após a Segunda Guerra
Mundial. Os jovens agora usavam jeans e camisetas básicas, penteavam os
seus cabelos de maneira extravagante, e, assim como o gênero, eram tidos
como “rebeldes sem causa”.
O Rock „n Roll era tentador porque era novo, sujo e cuspia nos padrões
de vida vigentes. Talvez sua maior contribuição tenha sido conseguir libertar os
jovens de planos e objetivos seguros de vidas, a exemplos de seus pais, que
consumiam bestializados os produtos supérfluos que o capitalismo lhes enfiava
goela abaixo. Os jovens não queriam novos televisores ou gadgets
54
multifuncionais. Ouvindo rock „n roll bem alto, agora soava muito melhor largar
tudo para trás e pegar a rota 66, sentido oeste, sentido Califórnia.
E não era só a música que inspirava essa ruptura recém-descoberta.
Quando se pega a literatura como estudo, logo esbarramos em On the Road,
de Jack Kerouac, publicado pela primeira vez no final da década de 1950. O
livro conta a história do alter-ego de Kerouac, Sal Paradise, que cruza os
Estados Unidos pela rota 66 escrevendo sobre uma geração perdida, em busca
de uma resposta que o conforte, ao lado de seu fiél companheiro Neal
Cassady.
Ou então no cinema. Juventude Transviada (Rebel Without a Cause), de
1955, talvez tenha sido o primeiro filme a retratar com fidelidade a angústia
desta mesma geração perdida, que encontrou na estrada, nos carros e no rock
„n roll uma maneira de tentar calar a dor que podia ser a existência. “De revelar
para a cultura ocidental dos anos 50 do século XX para cá algo ainda pouco
explicitado e discutido: a imagem da juventude como rebelde, contestadora e
inconsequente” (TOSTA; PEREIRA, 2009, p.205).
Como se pode notar, além de ser um retrato perfeito do que era o jovem
norte-americano do pós-guerra, o Rock „n roll - e todas as expressões
artististicas que ele veio influenciar - era também um mercado promissor,
rentável e com múltiplas possibilidades de ser explorado pela Indústria Cultural.
Esta cultura tornou-se “objeto de exportação” dos EUA (...). A partir dali, este país experimentaria um surto de êxitos econômicos que culminariam num nível de consumo inédito em sua história. (...) Os norte-americanos, em geral passaram a viver esse novo estilo de vida consumista que acabou sendo “exportado” para outros países e imortalizado através da indústria do cinema em filmes que preconizavam o “american way of life”. O Rock‟n Roll, com este rápido internacionalismo decretado pela indústria fonográfica norte-americana acabou se somando a esse estilo de vida novo, mas desta vez, voltado aos jovens. Configurado desta maneira, chegou a inúmeras partes do mundo não só como uma música, mas como um padrão de comportamento juvenil típico de uma sociedade desenvolvida e consumista (RAMOS, 2009, pg.3)
Estabelecida esta dominação da cultura americana como uma “cultura
global”, agora era importante que a Indústria continuasse lançando novos
produtos, novos filmes, novos artistas e, mais do que tudo, novos movimentos
culturais. E, sabendo do esgotamento de valores e da superexposição que
acometeu o Rock „n‟ Roll a partir da década de 1960, o Movimento Punk surge
55
não só como uma salvação para uma nova geração de jovens, mas representa
também um novo mercado em potencial a ser explorado pela Industria Cultural.
Embora a principal gravadora de bandas punks, a Sire Records, tenha
surgido em 1966, é só a partir de meados dos anos 1970, quando a Indústria
Cultural começa a se apropriar do Movimento Punk para fazer um mercado, é
que ela vai experimentar um crescimento mais significativo. Isso comprova a
concepção de ADORNO (1985, pg.126) de que “o entretenimento e os
elementos da indústria cultural já existiam muito tempo antes dela (A Indústria
Cultural)”. Entre 1970 e 1980, a gravadora lançou álbuns importantes de
bandas como Ramones, Blondie, Television, The Dead Boys e Talking Heads.
E, a medida que essa ala da indústria fonográfica, voltada para o
universo dos jovens, experimentava um período de crescimento (logo no
começo dos anos 1980, a Sire assina contrato com ninguém menos do que
Madonna), junto com os discos exportados para os grandes centros urbanos do
mundo também seguia uma nova maneira de se vestir, de falar, de se fazer
ouvido, e de se aproveitar a vida. Basicamente, formava-se progressivamente
em escala global um novo perfil de consumidor: o Punk.
Embora anárquico e revoltoso contra qualquer forma de controle e
domínio das organizações, esse “Punk” é incorporado à lógica do mercado a
partir do momento em que passa a usufruir dos produtos da Indústria Cultural,
comprando discos, camisetas de bandas, pôsteres, revistas, documentários em
DVD e ingressos para shows e festas que toquem The Smiths bem alto. A
indústria se apropria dessas aspirações ideólogicas (sobretudo a rebeldia),
para desenvolver uma linha de produtos que atenda a demanda que surge
junto às letras rápidas e obscenas do gênero.
A indústria cultural pode ser ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. (ADORNO, 1985, pg.126)
Contrariando toda essa rebeldia e descrença do Punk com as
organizações e a Cultura de Massa - neste momento representada pelo Rock
„n‟ Roll - esse pensamento de ADORNO nos atenta para uma questão peculiar.
Por mais que a Indústria Cultural tenha o poder de “aniquilar” e “nivelar” um
56
movimento cultural, também é compreensível que ela possa desenvolver e
“aperfeiçoar” este mesmo movimento - sobretudo se considerarmos que é de
interesse da Industria que os seus produtos perdurem no mercado.
Assim sendo, é digno pensar que a Industria Cultural, ao mesmo tempo
em que subvertou o Punk como mercadoria - exatamente como já tinha feito
com o Rock „n‟ Roll - foi quem também promulgou e espalhou a semente da
ideologia do movimento para os quatro cantos do planeta. Ao mesmo tempo
em que as primeiras bandas punks inspiraram o surgimento de milhões de
outros grupos pelo mundo, o sucesso das primeiras casas do gênero também
incentivaram a abertura de outras tantas nas mais diversas cidades do globo.
O Pai, o Movimento Punk, embora subversivo e explosivo, precisou de
uma mulher, a Mãe Indústria Cultural, para poder espalhar seus frutos. E essa
mãe, como todas as boas mães da História, tentou escolher uma melhor
maneira de colocar os seus filhos no mundo.
E é graças aos dois que hoje estou aqui, bêbado, cantando The Clash
errado debaixo da terra, na Rua Rio Grande do Norte com Getúlio Vargas.
Embora AObra tenha surgido quase três décadas depois que o Movimento
Punk começou a se alastrar pelo mundo, foi esta a movimentação cultural que
me tirou de casa para exorcizar os meus demônios internos, as minhas
angústias e os meus anseios, que agora são atropeladas pelo vocal rouco de
Joe Strummer. Foi esta a movimentação cultural que fez o Cláudio Pilha
acreditar que seria possível abrir uma casa noturna rentável e de qualidade em
Belo Horizonte.
Contudo, diferentemente das casas punks de Nova Iorque - que
involuntariamente serviram de “ninho” para que jornalistas e ativistas
discutissem e fomentassem uma cena cultural em ascenção - Claudio Pilha
tinha um outro cenário diante de si, antes até de nomear este ambiente. Um
cenário de músicos independentes, com músicas autorais brilhantes, e que
raramente conseguiam tocar em algum canto da cidade, já que a maioria dos
bares só cediam espaço para bandas covers.
Claudio Pilha sabia que precisava apenas de um lugar. Um berço. E
talvez desconfiasse o que é que iria acontecer daí para frente.
57
5 A CENA
5.1 Um estranho no ninho
Havia prometido a mim mesmo que não voltaria n’A Obra depois
daquela vez em que - após ter saído de lá ensandecido na mais alva luz
do dia - fui dormir na grama do Parque Municipal e acabei perdendo a
chave de casa. Mas eu não tinha aula cedo na manhã seguinte, e era
dia daquele tal show da banda alemã que tocava ska. Não resisti. Além
disso, a gatinha do 3º período tinha prometido que iria. Foi inevitável.
Desci correndo da faculdade, e nem tive tempo de passar em
casa. Eu tinha de encontrar o Felipe e acabei pegando aquele ônibus
azul lotado das 06:30 da tarde. Um inferno. Foi a conta de comer um
sanduiche, deixar minha mochila na casa do Rodney e depois descer a
pé para ajudar – ou atrapalhar – o pessoal que ia receber a banda.
A passagem de som prometeu. O som dos caras era animado, e
enquanto eles brigavam hilariamente com o gerente mal-humorado da
Obra sobre alguma coisa com o microfone do saxofone, eu já mandava a
segunda cerveja para dentro. O clima era daqueles dias que não
acabam. Uma coisa veio seguida da outra e quando vi estávamos
jantando num restaurante na própria Rua Rio Grande do Norte, com a
banda alemã, os donos da Obra, uns dois jornalistas, alguns daqueles
animais sedentos por adrenalina que se autodenominam produtores
culturais, duas mocinhas bastante interessantes e eu e o Felipe - que
estávamos lá nos sentindo como peixes-fora d’água em meio àquela
balbúrdia. Mas afinal, quem não se sentiria?
Durante o jantar conversei um bocado com o baterista (no meu
inglês macarrônico), e o cara era bastante gente boa. Ele tinha uma
longa barbichinha loira-grisália toda trançada com gominhas de cabelo
coloridas. Vestia uma calça jeans preta comum e surrada, uma camisa
preta lisa, mas o seu cabelo espetado e suas tatuagens que cobriam
todo o seu braço direito não deixavam dúvidas: ele era da banda.
Hermann me contou a trajetória da mais recente tournée underground
58
do grupo, que havia passado por lugares como África do Sul, toda a
costa oeste dos Estados Unidos, Romênia, Bulgária, Croácia, Rússia, e
até o Japão. Isso sem contar Itália, França, Inglaterra, toda a
Alemanha, Portugal, Espanha e até a Suiça. E agora estava no Brasil
por duas semanas, depois seguia para a Argentina, Uruguai, Chile e
Peru... Ele me disse que tocar na América do Sul era muito legal - great
vibe, afirmou sorrindo - mas contou que as casas aqui pagam pouco, e
que isso era complicado para bandas independentes européias ou
americanas, que passam apertado em meio a euros e dólares. Gostei do
sujeito.
Virei uma cachaça e fui fumar um com os alemães antes do show.
O vocalista me pediu um cigarro de músico. Foi realmente uma situação
surreal. Nós cinco ou seis descendo a rua naquela calçadinha de pedras
portuguesas às 11:00 horas da noite, conversando em inglês com os
caras de uma banda alemã de um tipo de música jamaicano sobre as
mulheres brasileiras, enquanto caminhávamos lentamente como se
fossemos o grupo mais normal e despreocupado de pessoas no mundo.
Tive a impressão de que a imagem de De Niro sorria no canto-da-
boca para mim enquanto abri aquela porta soturna d’A Obra e desci a
escada bem devagar, me sentindo completamente funk neurótico, entre
os milhares de pensamentos que pairavam em minha cabeça atordoada.
Entrei e logo vi um sujeitinho chato com a camisa-xadrez-mais-
apertada-que-já-vi-em-toda-minha-vida. Ela dava um tônus na
protuberância que habitava sua região estomacal, era como se sua
barriga estivesse estranhamente dentro de uma embalagem a vácuo. Me
senti sem ar. Cumprimentei-o com meu sorriso mais falso, ele
conversava com outro sujeito que vestia uma camisa menos justa, isso
me acalmou. Então tentei participar sobriamente da discussão que
acontecia:
- Belo Horizonte não tem espaço-público! Disse animadamente o da
barriga. As pessoas não convivem. Não é verdade!? Concluiu olhando
para mim.
- É verdade. Acenei com a cabeça.
59
- As pessoas aqui são carentes de eventos na rua. Você faz qualquer
merdinha aberta, o negócio lota e vira micareta!
- É foda, cara... Puta-que-o-pariu, é foda... Lamentou meu amigo
barrigudo.
- É complicado. E a prefeitura não ajuda, né cara? Concordei e sai
andando, fingindo olhar alguma coisa no meu Iphone.
O rapaz da camisa xadrez era responsável por um dito coletivo,
que organizava alguns dos eventos mais interessantes da cena
independente de Belo Horizonte. Enquanto fui buscar uma cerveja, o
Rodney passou e bateu com as costas da mão nas minhas partes. Me
encolhi e gemi bem alto:
- Aaaii, Seu filho da puta!... Chegou agora?
- Cheguei... Tava terminando a arte de um flyer pra uma festa da
arquitetura, que vai ter semana que vem. Chama “Lady Gaga é o
caralho”, vai ser bem massa!
- Hahah! Gostei do nome. Aqui, esse cara de xadrez é muito chato, como
ele chama mesmo?
- Não sei. É o do coletivo, né? Ele tem problemas...
- “Coletivos descentralizado que visam promover a contracultura”. Eu
disse ironizando.
- Isso é maior balela... Vamos ali conversar com aquelas “chucas” do
design?
- Vai lá, só vou ali no banheiro e já colo nas babes. Sai e me embrenhei
na fila caótica que prontamente se bagunçava na frente dos banheiros.
Passei pelo corredor e fui satisfazer minhas necessidades
fisiológicas naquele muquifo sujo e simples, digno de qualquer bar que
tenha alguma pretensão de ser punk. Não havia nenhum espelho no
sanitário masculino, os azulejos eram cor de burro-quando-foge e vários
deles estavam quebrados nas beiradas. O mictório era de alumínio,
corria por toda a parede que devia ter uns 2,30 metros. Ao lado dele
estava a modesta pia que quase ninguém usava. E no canto havia uma
cabine com uma privada de verdade, cercada por uma porta de madeira
pintada de preto.
60
Enquanto olhava para o teto e deixava meus fluidos escorrerem
mictório abaixo, refleti: essa coisa desses coletivos de contracultura
enlatada e blá-blá-blá, contrariando discursos hegemônicos e disputando
a superestrutura, deve ter um pé lá em Gramsci. Mas naquele momento
só conseguia imaginar a figura do Wander Wildner como patrono daquele
universo obscuro. Gramsci não. Coletivos são uma coisa meio hippie do
século XXI: são contestatórias apenas na rebeldia sem calça de se
resignar a desafiar o eixo da indústria cultural mais comercial e vil. Eles
buscam promover uma cultura dita independente... Mas afinal, será que
a gatinha do 3º período ia me dar bolo assim? Liguei para ela e nada...
Depois disso, o baterista alemão passou por mim e me piscou o
olho de forma simpática enquanto abraçava uma garota e dizia alguma
coisa em seu ouvido. À minha volta eu avistava toda sorte de seres
fantásticos da noite: indies, que eram aqueles de calças apertadas e
cabelos de estilo cotonete; hypes, que usavam tênis coloridos e óculos
mirabolantes; tuxas, que eram aquelas mocinhas lésbicas famintas de
toda sorte de estilos; gays, geralmente escandalosos e espalhafatosos;
gatinhas da Obra, que por definição tinham cabelo curto, usavam
roupas de bolinhas e sapatinhos estilo Minnie Mouse; e todos os tipos
de pessoas desajustadas que iriam assistir a um show de ska alemão
na Obra numa quarta-feira à noite.
Os entusiastas da cultura notívaga da Obra eram geralmente
arquitetos, designers, jornalistas, biólogos, publicitários, e até
advogados e engenheiros, mas, às 11:40h, todos estavam devidamente
convertidos em suas versões obreiras.
O Joe era um cara que trabalhava como programador de
computadores de dia, e tinha uma banda de powerpop à noite. Ele era
um moreno de cabelo raspado, que andava com sapatos e camiseta de
botões no estilo sou-do-escritório-mas-sou-legal (ou gordinho-happyhour,
se preferir), e chamava todo mundo de Joe. “Não guardo nome de
marmanjos”, dizia. Eu e ele nos conhecíamos da noite há algumas
primaveras. Algum dia remoto devemos ter começado a conversar ali
mesmo na Obra sobre alguma futilidade, e desde então mantínhamos
61
um certo contato quando nos víamos por lá. A essa altura ele já devia
saber meu nome, eu acho.
- Faaala Joe! Ele gritou, animado quando me viu.
- Faala Joe! Respondi efusivamente. E a banda, como está? Faz tempo
que vocês não tocam aqui, hein?
- É cara, estamos meio parados. Mas eu estou com um projeto novo aí,
com os caras daquele eletrônico meio piradão que tocou aqui semana
passada, saca?
- É mesmo? Eletrônico, Joe?
- É mermão. Ele disse coçando o olho. Está na moda isso aí.
Chama “O Museu do Inhotim não é tão Legal” o projeto. Sou eu na
bateria, o Raul nas aparelhagens eletrônicas e o Tarantino na guitarra e
vocal. Mas quase não tem vocal!
- Porra, bem louco hein!
- Ééé Joe...
A música que estava tocando era Head On do Jesus and Mary
Chain - provavelmente a melhor banda genuinamente dos anos 80 - e as
pessoas já estavam se deixando levar pelo torvelinho dos sentimentos
obscuros que a Obra desperta nos seres vadios que se aventuram
naquele porão soturno depois da meia noite. O DJ, Gil Radiola, abaixou
de maneira levemente brusca a música enquanto os alemães falavam
inglês com um sotaque peculiar nos microfones. Lembrei que o Legião
Urbana tinha gravado essa música no Acústico MTV, mas isso não era
digno de ser comentado com ninguém.
Em aproximadamente um minuto o ambiente se transformou em
uma animadíssima festa jamaico-alemã regida pelo naipe de metais
vívido da banda, que dava uma pitada bem cubana no som apressado
do ska. As pessoas agora se agitavam aos pulinhos de um lado para o
outro acompanhando o ritmo marcado da bateria. O calor lá dentro
parecia que estávamos à beira de um vulcão fazendo qualquer tipo de
ritual bizarro para algum Deus obscuro. O teto começou a lentamente
se transformar em um teto de sauna: eu podia jurar que via gotas se
formando naquela superfície.
62
Terminei a garrafa de cerveja e fui ao banheiro molhar minhas
madeixas. Voltei revigorado e peguei mais uma gelada no caminho para
a multidão encaixotada que lotava a Obra e fazia aquele lugar tremer
como se fosse uma caixinha de fósforo.
Um sujeito de camisa do Bob Marley e dread-locks não parava de
esbarrar em mim enquanto dançava. Dei uma golada na cerveja e me
juntei a ele. Pulávamos e dançávamos livremente, e ríamos da situação
toda. A banda era muito boa. Logo-logo fiquei amigo de uma simpática
garotinha loira de cabelos curtos e sapatos de estilo Minnie Mouse. O
resto é história...
63
5.2 O Nascimento da Cena
O surgimento d‟AObra está diretamente relacionado ao começo das
discussões sobre “Música Independente” em Belo Horizonte. Antes mesmo de
essa expressão ganhar um destaque amplo na mídia, Cláudio Pilha, Marcelo
Crocco, Marcelino Rodrigues, Mário de Freitas e tantos outros já se
enquadravam como tal, “artistas independentes”, uma vez que, desde a década
de 1980, eles nunca tiveram nenhum vínculo com gravadoras, produtores ou
quaisquer formas de mediadores para poder desenvolver o Radiola
Soundsystem, os Meldas e, mais tarde, a banda Enstrume‟n‟tal.
Eles eram iniciantes em um mercado que mal existia. Entre meados da
década de 1980 e o começo dos anos 1990, o Brasil enfrentava uma crise
econômica e política, decorrente do desgaste da Ditadura Militar então vigente.
Embora o regime estivesse finalmente chegando ao fim - e sobrassem motivos
para se comemorar o fato - já não existia mais tanto dinheiro circulando nas
poucas indústrias fonográficas então existentes - o que as obrigou a filtrar
ainda mais o já seleto número de artistas que trabalhavam (VICENTE, 2005,
pg.6)
Os músicos independentes não eram uma novidade no universo da
música. Mesmo no Brasil, podemos encontrar associações como a APID -
Associação dos Produtores Independentes de Discos - fundada em 1982, com
o objetivo de divulgar e fomentar essa movimentação recém surgida no
mercado da música. Contudo, “foi só nos anos 90 que essa cena mostrou-se
vigorosa o suficiente para substituir a grande indústria nas tarefas de
prospecção, formação e gravação de novos artistas” (VICENTE, 2005, pg.7)
Isso porque o mercado independente de música - onde o artista acaba
compondo todas as partes da cadeia produtiva, desde a produção até a
discussão de como o disco será distribuído - era a única resposta cabível para
um mercado controlado pela indústria fonográfica, que, embora enfraquecida,
ainda não tinha sido realmente abalada como foi a partir do final dos anos
1990, com a difusão e ampliação do uso da internet no mundo.
64
Os artistas independentes estavam aumentando e não tinham aonde
tocar, já que a maioria dos bares do Brasil, e mais precisamente de Belo
Horizonte, segundo Cláudio Pilha, “só ofereciam espaço para bandas covers”.
AObra surge exatamente da necessidade de um espaço para que a banda de
Claudio Pilha, Os Meldas, tivessem um lugar para fazer os seus shows. A
abertura da casa, em 1997, significou não só um palco fixo para a banda, como
também o nascimento de um espaço que poderia fomentar - e promover
discussões - de uma cena que estava engatinhando.
A partir dos anos 2000, a internet passou a exercer um papel
fundamental para o desenvolvimento desta cena. É que, além de tornar o
acesso a programação mais fácil para os frequentadores da casa, agora esses
mesmos frequentadores podiam se relacionar mais intimamente com as
bandas, acessando as suas páginas, recomendando aos amigos, e
conhecendo mais a fundo o trabalho independente por trás dos shows que,
antes, assistiam de uma forma mais passiva.
Naturalmente, a rede de pessoas que desde sempre frequentou o bar
dançante, e a produção e difusão de conteúdo originada de lá, em fanzines,
jornais e blogs, constitui uma cena musical que é local, mas também regional,
nacional e até internacional. Ao longo de seus 14 anos de existência, AObra
chegou a promover centenas de shows de bandas gringas, favorecendo um
diálogo constante entre a música independente brasileira com aquela que está
sendo produzida ao redor do mundo.
5.3 A Cena Cultural Independente
Dentre os frequentadores que alimentam a rede de práticas musicais
que envolvem o A Obra, cabe incluir não só os que vão ao bar se relacionar,
ouvir músicas e se divertir, mas também os próprios músicos, os produtores
culturais, os membros de coletivos de incentivo à cultura, jornalistas, designers
e toda a sorte de gente que se envolve na cadeia produtiva e social que
permeia a cena.
65
O que caracteriza uma cena musical é uma série objetiva e subjetiva de
aspectos, dependendo obviamente da conceituação utilizada. Jeder Janotti
Junior e Victor de Almeida Pires definem o conceito assim:
“As cenas seriam a materialização das expressões musicais no tecido urbano, a partir da criação de um mercado segmentado, onde as lógicas produtivas e criativas atuam na formação de um circuito cultural próprio – envolvendo bandas, público, jornalistas, produtores culturais e outros atores sociais que fazem parte do processo – e disputam espaço com outras práticas musicais” (JANOTTI JÚNIOR; ALMEIDA PIRES, 2011, p.17)
As práticas musicais - caracterizando um conjunto de práticas “sociais,
econômicas, tecnológicas e estéticas ligadas aos modos como a música se faz
presente nos espaços urbanos” (JANOTTI JÚNIOR; ALMEIDA PIRES, 2011,
p.11) - são, no espaço d‟A Obra, o motor da cena independente local que ela
propulsiona e sedia. Ao mesmo tempo, essa cena é alimentada por relações
virtuais e interlocais, uma vez que ela transcende o espaço físico para ganhar
discussões mais consistentes em blogs específicos, ou mesmo em mídias
sociais como o Twitter, o Facebook ou o Orkut.
Essa cena virtual unifica vontades e tendências, e através da rede faz
com que bandas de determinado estilo atinjam determinados públicos e se
tornem até mesmo referências quase anônimas e famosas dentre certos nichos
de pessoas. Isso porque, com a ampliação e a difusão da internet, o mercado
da música digital, baseado no download de discos e músicas, favoreceu o
surgimento de um mercado segmentado, onde mesmo artistas menores
conseguem dialogar com o seu público determinado. (ANDERSON, 2006). É o
fenômeno conhecido como “Cauda Longa”, que surge da necessidade de
reduzir os custos da produção e distribuição de discos e, com isso, permite que
apenas poucas pessoas tenham acesso direto aos discos e as bandas.
As cenas virtuais, contudo, tendem a ser unificantes e unificadoras, e
transformam conjuntos locais em sucessos. Em Belo Horizonte, por exemplo,
bandas como The Dead Lovers Twisted Hearts e Graveola e o Lixo Polifônico,
embora independentes e com pouca circulação de discos no mercado, acabam
conquistando certo renome e prestígio nas redes sociais em que participam.
Acredita-se que, “ao contrário das cenas translocais, os participantes da
cena virtual formam uma única cena através da Internet” (BENNET &
66
PETERSON apud JANOTTI JÚNIOR; ALMEIDA PIRES, 2011, p.14). Já as
cenas translocais se estabelecem como pólos mas se comunicam através da
rede, tendo em vista as dificuldades e os custos que existem para que as
bandas possam circular pelo país para fazer shows.
5.4 A Rede
As articulações em rede baseadas em interesses comuns e
desvinculadas de uma matriz política ou econômica não são sinais dos novos
tempos, como disse Hakim Bey:
“OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma „rede de informações‟ que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam “comunidades internacionais”, mini-sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre”. (2001, p.9)
Porém, na atualidade, estas articulações ganham novas configurações,
através do livre fluxo informacional em meio virtual, possibilitando a criação de
associações coletivas translocais que estão extremamente conectadas.
Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN), criada em
2005, nasceu com o objetivo de organizar os muitos festivais dedicados à
música independente que ocorrem pelo país, como o Jambolada, em
Uberlândia, ou o Bananada, em Goiânia. A dificuldade da mobilidade das
bandas no Brasil com o baixo orçamento que vivem inclusive foi um dos
motivos que suscitou que surgissem as associações e coletivos de incentivo à
cultura, que hoje promovem uma série de festas n‟A Obra.
O bar dançante participa da ABRAFIM com o Primeiro Campeonato
Mineiro de Surf, que é realizado anualmente no mês de abril. Outros trinta e um
eventos fazem parte da associação, que estima a circulação de mais de
67
seiscentas bandas anualmente, gerando três mil empregos fixos e temporários.
(www.abrafin.com.br/sobre.php). Como destacou Micael Herschmann:
Outro caso que chama a atenção no Brasil hoje é o boom dos festivais indies. Com um perfil distinto dos festivais e concertos de música ao vivo promovidos pelas majors com grandes empresas nacionais e transnacionais, vem crescendo significativamente o número de festivais independentes no Brasil. Estes eventos estão organizados por iniciativa de coletivos de artistas, associações, pequenas gravadoras e/ou produtoras, que mobilizam mais de 300 mil pessoas em cerca de cinco dezenas de festivais regulares por ano que, em geral, são realizados fora das grandes capitais (p.32, 2010)
Os coletivos culturais também são outra forma de rede que têm se
prosperado pelo país sem uma formula ou receita que os defina precisamente,
até porque eles são multiplos e diversos, tendo em comum o interesse pela
cultura e a promoção de eventos culturais. Segundo o site do Coletivo Pegada,
a organização surgiu em Belo Horizonte a partir de um e-mail enviado à
diversas pessoas ligadas à cultura na cidade. “Em outubro de 2008, uma
equipe de músicos, jornalistas, designers e produtores que vinham discutindo
fervorosamente os novos rumos da música independente em BH, iniciam,
então, as atividades do coletivo Pegada, desde o princípio integrado à rede do
Circuito Fora do Eixo.” 1
O Circuito, inicialmente formado por uma parceria entre produtores
culturais de quatro cidades marginais ao eixo Rio-São Paulo - o principal
núcleo econômico e político do país - Cuiabá (MT), Rio Branco (AC),
Uberlândia (MG) e Londrina (PR), o Circuito visa “estimular a circulação de
bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos
nesta rota desde então batizada de „Circuito Fora do Eixo‟”. Cinco anos depois,
a associação está presente em vinte e cinco das vinte e sete unidades
federativas do Brasil. (www.foradoeixo.org.br/institucional).
A Obra é participante como ponto parceiro do Fora do Eixo, ou seja, é
uma das casas de show onde acontecem os eventos promovidos pelos
coletivos locais, chamados de Pontos Fora do Eixo.
O principal evento do Circuito Fora do Eixo é o Festival Grito Rock, que
acontece no período do carnaval e semanas próximas. Considerado pelo seus
1 Em <http://coletivopegada.org. Acesso em 30 abr. 2011.
68
organizadores o maior festival integrado da América Latina - em 2011 ocorreu
em mais de 70 cidades do Brasil, além de Argentina, Bolívia, Costa Rica, El
Salvador, Honduras e até Nova York, EUA (www.gritorock.com.br) - ele
apresenta um modelo de produção totalmente descentralizado, onde os
produtores locais assumem toda a organização, seguindo um manual fornecido
pelo Circuito Fora do Eixo. Em Belo Horizonte é organizado pelo Coletivo
Pegada, que promove seletivas para as bandas locais e curadoria interna para
bandas de outras cidades e estados.
A Associação Brasileira de Casas de Shows Independentes, também é
um exemplo de como funciona formalmente a rede de práticas musicais d‟A
Obra que foi uma das fundadoras e ocupou por um ano a presidência da
entidade. A Associação foi articulada em 2007 no Goiana Noise Festival - um
dos mais duradouros e tradicionais festivais, que ocorre anualmente desde
1995 - e foi fundada e oficializada em Belo Horizonte em março de 2008. Ela
busca fortalecer a integração entre casas de shows, que assim como A Obra,
são alimentadas por novas bandas, dj‟s, produtores e coletivos locais. Sobre
isso, Bruno Nogueira relata:
Por hora, podemos perceber que existe uma camada intermediária de produção na música brasileira, esse “mercado independente”, que difere de artistas consagrados como Roberto Carlos e Claudia Leitte e, mesmo assim, consegue um retorno maior para novos artistas, através de um circuito de festivais e casas de shows que promovem sua circulação (p.15, 2009).
69
Figura 8: Cartaz do Festival Grito Rock 2011 Fonte: Coletivo Pegada
70
Durante toda a história do bar dançante, a cola de sapateiro que teve o
poder de unificar e manter unido esse universo desconexo de ideias e
aspirações foi a música. E é através da música que as relações sociais, os
eventos, os padrões de consumo e estéticos são consolidados e
permanentemente abalados naquele ambiente da Rua Rio Grande do Norte,
número 1168. As práticas musicais ali são, nada mais, nada menos, do que os
tijolos o cimento e os pedreiros da obra.
O fluxo de pessoas frequentadoras, os coletivos que frequentam e
promovem eventos, os diversos DJs e as múltiplas bandas (locais, de outros
estados e internacionais) que se apresentam no espaço fazem girar a roda de
práticas musicais que faz do estabelecimento o QG da cena musical
independente mineira.
Segundo Cláudio Vieira Rocha, o Claudão, sócio da Obra, a rotatividade
de pessoas, DJs e bandas lá é impressionante.
“Na real velho, vamos fazer uma conta simples. Vamos imaginar que, obviamente, isso é um chute. Mas vamos dar um chute só pra dar efeito de conta. 11 anos de shows na obra. 11 anos são 52 semanas, quarta e quinta, são 104 semanas vezes 4 porque dois na quarta e dois na quinta... 2288!”
1
Ele conta que há muito tempo, quando vai dar entrevista, fala que a
Obra já passou dos 6000 shows. “Não necessariamente shows diferentes”, diz.
“O Estrumental tocou lá 50 vezes, então eu conto 50 shows. Porque teve show,
teve gente.”, explica.
Segundo Claudão, vários DJs também passam pela casa toda semana.
“Se você for contar que cada show tem pelo menos um DJ discotecando no fim de semana tem festa que tem dois e tem festa que tem cinco e tal e coisa, você tem que pegar... quantos djs? Dois dj‟s na sexta, dois dj‟s no sábado, um na quarta e um na quinta. Então são seis por semana, no mínimo... já deve ter passado 10.000 apresentações de Dj‟s.”
2
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
71
Finalmente, Claudão comemora que mais de 100.000 pessoas já
entraram no apertado espaço d‟A Obra. “É gente pra caralho! Já passou de
100.000 malucos, há dois anos atrás! Hoje em dia a gente já fala de 120.000
numa casa de lotação pra 200 pessoas” (VIEIRA ROCHA, 2011).
72
6 CONCLUSÃO
6.1 A Obra
No dia 22 de junho de 1997 nascia o bar dançante A obra. A
inauguração foi um sucesso. O ambiente estava decorado com materiais de
construção, diversas ferramentas, relógios de bomba de água e capacetes de
construção dependurados nas paredes. A primeira festa, só para convidados,
garantiu um bom lançamento na imprensa como relatou Claudão:
foi um dos dias mais legais da minha vida. No dia que a gente abriu, teve um coquetel pra convidados, lotou, embucetou de gente, a gente chamou todo mundo, todo mundo que era amigo da gente, todo mundo que participou de alguma maneira, que foi em show dos Meldas, chamamos tudo quanto era jornalista do cacete, os caras que sempre tinham amarrado as coisas pra gente, a gente fez questão de “não, seu filho da puta, vamo lá, toma um convite pra inauguração, vai ter chopp de graça, otário!”. Aí cara, no dia seguinte, saiu uma puta matéria no jornal.
1
No dia 23 de junho aconteceu a primeira festa aberta ao público n‟A
Obra, com show da banda Estrume‟n‟tal. Claudão conta que não faziam idéia
de como controlar a portaria, e que então abriram as portas do bar. “Deixamos
todo mundo entrar, e aí, assim, teve uma hora que tinha quase 400 pessoas lá
dentro, estava intransitável.”2
O bar funcionou durante seis meses apenas com apresentações de DJ,
abrindo todos os dias, menos segunda-feira. E foi só em meados de 1998 que
os donos da Obra adquiriram um equipamento de som para performances ao
vivo de bandas. Em março de 1999 a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB)
autuou o estabelecimento, multando o bar e proibindo-o de sediar shows.
Somente em março de 2002 – portanto três anos depois – a justiça deu
ganho de causa à Obra, que então voltou a ter bandas na programação. Esse
período em que ficou proibida de sediar apresentações de músicos ao vivo foi
uma fase complicada na história do bar. Mas a decisão judicial que dava ganho
de causa à Obra e alguns amigos dos donos foram a redenção do
1 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
2 Entrevista gravada no escritório d‟ A Obra, dia 14 set. 2010.
73
estabelecimento que renasceu poderosamente e começou a se consolidar
como o berço da cena independente de Belo Horizonte.
6.2 O Jornalismo Gonzo e a Obra
O Gonzo, por ser uma poderosa voz da cultura dos anos 1960 e 1970
que cantava sempre afinada com a baderna da época - apesar dos desafios
impostos ao jornalismo pela geração dos beatnicks, hispsters, hippies, Hell‟s
Angels, Panteras Negras, e toda a gama de malucos e maluquices que
afloraram com o Flower Power, com a revolução sexual, e com a emancipação
das mulheres -, não poderia não ser a referência, a técnica e a inspiração para
relatar esse universo fértil e caótico que é o bar dançante A Obra e a cena
independente de Belo Horizonte.
Ao longo da pesquisa pudemos nos certificar, cada vez mais, de que o
Gonzo era a lente ideal para que pudéssemos capturar a essência do que é
estar no berço e no bagunçado escritório central da cena independente de Belo
Horizonte. Tanto a pesquisa sobre a história da Obra, como a pesquisa sobre o
Jornalismo Gonzo em si nos deram argumentos para que pudéssemos casar
agradavelmente as duas coisas.
O universo caótico, desconexo e instigante da Obra e da cena
independente, a convicção de que, como nos primórdios do movimento punk, o
local freqüentado por músicos, artistas, jornalistas e outros agitadores da
cultura em geral: excêntricos e irrequietos como os daquela época, deveria ser
retratado de forma dinâmica, sensorial e sentimental como fez Hunter S.
Thompson e seu contemporâneo mais novo Lester Bangs1 capturando de
forma excepcional a essência de um tempo e de uma geração, nos fez crer
cada vez mais na verdade do Gonzo: a realidade como opinião.
1 Famoso e controverso crítico musical estado-unidense: “Santo beatnik, Lester. Crítico maldito,
louco gênio do jornalismo gonzo, viveu velozmente de arte e de amor, encarnou o espírito do rock'n'roll, morreu jovem e pobre, etc. etc.” como o descreve Wu Ming no prefácio do livro Reações Psicóticas.
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O rock – quase o mesmo de Bob Dylan, citado por Hunther Thompson
em sua obra prima Medo e Delírio em Las Vegas - as pessoas, os costumes,
as drogas (inclua-se aí o álcool), as vestimentas, e a maluquice são elementos
que figuram em diversas matérias Gonzo. A contracultura formadora d‟A Obra
e um pé inegável nas décadas de 1960, 1970 e 1980 também são elementos
que favorecem à descrição monumental do Gonzo na Obra.
Além disso, o cenário barulhento de pessoas esquisitas, vestidas das
mais diversas formas, em noites intermináveis de bebedeira, num porão
obscuro no coração da cena cultural independente de Belo Horizonte,
configuram o cenário e o contexto ideal para a prática do Jornalismo Gonzo.
Em outras palavras, não haveria melhor lugar para se fazer matérias Gonzo
nessa época em Minas Gerais.
6.3 A Indústria Cultural, o punk, e a cena
A constituição híbrida da Obra é fundamental para garantir seu título de
sede da cena cultual independente mineira. O bar, sendo, como dissemos
antes, filho de pais separados (o punk seu pai, e a indústria cultural sua mãe) -
e pais que, contrariando as aparências, convivem bem – configura um local
interessante para que floresçam relações, amizades e projetos que circulam e
dão vida às práticas musicais no estado. A Obra é um meio muito bom para
que a mensagem dos desajustados que não replicam simplesmente os padrões
do mainstream e do status quo se propague.
A filosofia herdada do punk “do it yourself” (faça você mesmo) aliada à
própria estética do lugar, às figuras dos fundadores do bar, à banda punk Os
Meldas, a um espírito transgressor e chocante que ainda paira sobre as
cabeças ébrias nas madrugadas intermináveis dentro do porão localizado na
badalada região da Savassi em Belo Horizonte, é sem dúvida não só força
motriz e propulsora do sucesso d‟A Obra, mas também um dos pilares de sua
existência.
Lá não apenas bandas das mais diversas escolas musicais se
apresentam livremente como não acontece em outras casas da capital mineira,
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mas também a participação efetiva de coletivos, festivais e de produtores
culturais que produzem eventos e festas são o groove que mantém o bar
dançante seguindo sempre em frente no melhor estilo punk do século XXI,
superando o “faça você mesmo” e consolidando a filosofia do Do it together
(faça junto) como dita a cartilha da cultura independente desse início de século
XXI.
A indústria cultural - midiática, massiva e tentaculosa como uma mãe
super influente e zelosa - reina n‟A Obra como algumas mães costumam reinar
na vida de seus filhos enquanto pensam que sabem e controlam tudo de suas
vidas. E A Obra, como um bom filho e herdeiro do movimento punk anarquista,
consegue em alguns pontos subverter temporariamente a lógica poderosa da
indústria cultural e algumas vezes impinge criar Zonas Autônomas Temporárias
de curtíssima duração em que todos são livres e balizam todos os seus atos
pelo princípio organizacional da música, como sonhou Hakin Bey (BEY, Hakin).
Mesmo assim, se faz inegável a influência e a presença de produtos da
indústria cultural pautando e replicando padrões e comportamentos massivos e
consumistas no ambiente d‟A Obra. A festa brega “Eu não presto, mas eu te
amo”, que geralmente conta com pessoas fantasiadas e tem um repertório que
vai de Roberto Carlos a Reginaldo Rossi e Sidney Magal, é exemplo disso.
A efervescente cena cultural independente mineira hoje é uma forte rede
inflamável que pega fogo de tempos em tempos. A Obra é a faísca, que
incendiou o gás que pairava na atmosfera há 14 anos. E como no começo do
movimento punk: efervescente, irrequieto, e transgressor - o bar CBGB´s servia
como espaço para interação de todo aquele universo que emergia dos
corações jovens e rebeldes, hoje A Obra é a sede de um movimento que
começa a tomar as ruas e que já produziu e fomentou muita coisa, ou que
apenas presenciou as conversas iniciais propulsoras de incontáveis produtos
culturais mineiros.
O segredo da longevidade d‟A Obra reside na sua constituição genética
que mistura o Punk e a Indústria Cultural e cria a atmosfera ideal para o
florescimento da cena cultural independente mineira quando faltava apenas um
lugar para que as idéias se tornassem concretas. O segredo d‟A Obra reside
em seu nome: a eterna construção de um espaço para mentes borbulhantes
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experimentarem. Poucas casas noturnas são tão antigas como A Obra em Belo
Horizonte, e não é à toa, concluímos.
Ao final de uma bela festa libertária e desregrada no porão mais quente
da cidade - quando a luz do sol invade nossas pálpebras e nos recorda que a
realidade enfadonha da vida cotidiana persiste e ganhou mais uma batalha
bem brigada por nós – podemos concluir que A Obra não é o ator de toda essa
mágica que acontece ao seu redor, ela é apenas o palco.
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