a pena da lapidação no irã

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A Pena da Lapidao no Ir: O Caso Sakineh AshtaniRodrigo Freitas Palma O Ir um dos redutos do mundo onde ainda se encontra prevista a aplicao da lapidao, ou seja, o apedrejamento at a morte. A fatdica punio destina-se represso daqueles crimes considerados mais graves pelo universo religioso do Isl. O adultrio, como se sabe, aparece com muita evidncia nesta lista. Curiosamente, no Alcoro, a fonte por excelncia da Sharia (Lei Islmica) no h, propriamente, qualquer referncia ao castigo em questo. Portanto, a existncia da referida pena explica-se to somente em funo das diferentes interpretaes proclamadas pelas muitas escolas legais muulmanas ao estudarem as chamadas hadith, conjunto de provrbios e feitos atribudos pela tradio, figura do prprio Profeta Maom. No preciso dizer que pairam diversas controvrsias sobre o assunto at mesmo entre os doutores do Isl (ulems). Na terra de Ahmadinejad, a ttulo ilustrativo, essa forma cruel e degradante de condenao parte de um roteiro dramtico que continua a ceifar vidas. Recentemente veio baila, com muita nfase na mdia, o caso de Sakineh Mohammadi Astiani, uma senhora de 43 anos acusada de ter cometido adultrio, pasmem, aps a morte do marido! Mas no s isso. O sistema jurdico iraniano permite outras esquisitices de mesmo gnero. Prova maior disso que h tambm entre os persas uma curiosssima modalidade de matrimnio em que o homem, sob o pretexto de se entregar de modo luxuriante a novas aventuras sexuais, mediante o pagamento de determinada quantia devidamente ajustada entre as partes envolvidas no negcio, digo enlace nupcial e, objetivando satisfazer seus desejos carnais, se mantm casado unicamente por alguns dias ou, qui, segundo alvitre, at mesmo por algumas horas. Destarte, pode-se notar que, de maneira bastante cnica, trata-se de legalizar a prostituio. Mas no se preocupe quanto a isso meu caro leitor: tudo ocorre dentro do mais restrito imprio da legalidade. Ora, esta apenas mais uma excentricidade do moderninho direito de famlia iraniano. Fato que a condenao de Sakineh gerou grande comoo no mundo todo e se traduziu na organizao de diversas manifestaes, inclusive no Brasil, a favor da preservao de sua vida. E esta realidade no poderia ser de todo modo diferente, afinal, o trgico acontecimento em tela tornou-se um captulo importante que, como uma lupa, acaba por denunciar a longa histria de luta das corajosas mulheres persas contra todas as formas de opresso lamentavelmente reinantes naquele pas do Oriente. As sistemticas formas de subjugao s quais nos reportamos assumiram cores vivas no ano de 1979, quando eclodiu no Ir a clebre Revoluo Islmica de Khomeini. Os ortodoxos lderes xiitas que passariam a controlar um Estado cada vez mais teocrtico trataram, desde pronto, de estabelecer um longo rol de leis severas restringindo a liberdade e os direitos histricos conquistados pelas mulheres ainda sob o regime do X Reza Pahlevi. O objetivo dos aiatols era o

de se posicionar incisivamente contra a crescente influncia do Ocidente no estilo de vida das pessoas, julgada pelo destempero do radicalismo dos aiatols, como perniciosa aos bons costumes. s mulheres, desde logo, foi imposto novamente o uso do hijab, uma espcie de leno que lhes permitia apenas mostrar o rosto. Igualmente, as mudanas que tiveram lugar a partir de 1967 no campo do direito de famlia iraniano foram revistas por Khomeini, especialmente, aquelas que reclamavam a necessidade de maior formalidade para a consumao do divrcio, em detrimento do mero repdio marital permitido pela Sharia. A guarda dos filhos, como era de se esperar de um universo machista e preconceituoso, voltou a ser estipulada de modo a favorecer as condies do homem. Todavia, vale aqui o registro, sabe-se que as mulheres persas jamais se intimidaram, nem mesmo quando se deparavam com o espectro sombrio da face de Khomeini estampada nos cartazes e outdoors espalhados pelas ruas da capital. Proibidas de usar maquiagem, certo dia, elas ousaram faz-lo mesmo assim para o horror dos carolas locais. Na atualidade, escritoras da estirpe de Azar Nafisi, militante poltica e defensora dos Direitos Humanos, no se cansam, oportunamente, de desnudar a hipocrisia de uma sociedade fundada no medo. Para a chateao de Ahmadinejad, no preciso dizer que ela optou por viver na Amrica, no obstante o cultivo do amor ptria um dia deixada para trs. O ttulo de seu bestseller - Lendo Lolita em Teer - j d o tom do tamanho da encrenca que Nafisi enfrentaria se permanecesse em solo persa. A destemida professora universitria, em meio ao caos instaurado pela revoluo promoveu entre suas compatriotas uma anlise de clssicos da literatura proibidos pelas autoridades xiitas. Recentemente, este smbolo da intelectualidade feminina forjada em meio ao fogo persa esteve no Brasil para divulgar seus escritos. Seja bem-vinda! Por aqui, pelo menos durante o agora, a censura e o veto a uma imprensa livre so apenas parte de um projeto inacabado. Esperamos, sinceramente, que eles nunca logrem o xito, do contrrio, talvez sejamos colegas in the Land of Freedom, onde eu e outros tantos nos lembraremos, de forma nostlgica e ufanista, daquela perdida terra de palmeiras onde canta o sabi. Enquanto escrevo estas linhas ganham fora na internet campanhas de protesto que visam salvar a vida de Sakineh. Convido todos a assinarem as listagens disponveis no ambiente virtual. As vozes de adeso ressoam por todos os confins da Terra. Porm, o grito mais comovente o das crianas que se obrigam a viver longe de sua amada me. Elas imploram a manuteno das manifestaes de repdio deciso da Justia Iraniana. Os interlocutores do governo de Ahmadinejad, que no entendem porque as pessoas hostilizam tamanha insanidade, se esforam para convencer os habitantes deste belo planeta azul que o Ir apenas uma vtima de compls gestados no Ocidente. Nisto, pelo menos, eles te razo, uma vez que uma eventual oposio ideolgica orquestrada no ambiente dos aiatols certamente redundaria em massacres.Postado em 04 de Novembro de 2010. Rodrigo Freitas Palma advogado, especialista em Relaes Internacionais, em Direito Militar e Mestre em Cincias da Religio. Professor de Direito em Braslia. ([email protected]) www.rodrigopalma.net