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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
FLÁVIO DE PAULA
A PRÁTICA DE REESCRITA NA ESCOLA: A PRODUÇÃO DE TEXTO
COMO PROCESSO DISCURSIVO
DOURADOS
2013
FLÁVIO DE PAULA
A PRÁTICA DE REESCRITA NA ESCOLA: A PRODUÇÃO DE TEXTO
COMO PROCESSO DISCURSIVO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Letras-Habilitação Português/Espanhol da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul -
Unidade de Dourados (UEMS), como requisito
parcial para obtenção do grau de Licenciado em
Letras.
Orientadora Profª. Dra. Silvane Aparecida de
Freitas.
DOURADOS
2013
P347p Paula, Flávio de
A prática de reescrita na escola e o texto como processo
discursivo/Flávio de Paula. Dourados,MS: UEMS, 2013.
44p. ; 30cm.
Monografia (Graduação) – Letras/Espanhol – UEMS,
2013.
Orientadora: Profª. Drª. Silvane A. de Freitas Martins.
1.Textos na escola.I. Título.
CDD 20.ed. 372.607
FLÁVIO DE PAULA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
CURSO DE LETRAS HABILITAÇÃO PORTUGUÊS/ ESPANHOL
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
A PRÁTICA DE REESCRITA NA ESCOLA: A PRODUÇÃO DE TEXTO
COMO PROCESSO DISCURSIVO
APROVADO EM : ___________/ ___________/ 2013
________________________________________________________
Orientador: Profª. Dra. Silvane A. de Freitas
UEMS/ Dourados
____________________________ ______________________________
Profª. MSc. Elma Corrêa Scarabelli Profª. Marlucia Francisca de Oliveira
UEMS/DOURADOS UEMS/DOURADOS
À minha mãe Conceição Bazílio de Paula e ao meu pai Valdecir Ortiz
de Paula pelo apoio incondicional...
Minha total e sincera gratidão, primeiramente, a Deus pela força e
iluminação; aos meus pais que compreenderam meus isolamentos,
minhas noites em claro; aos meus amigos da faculdade e de fora dela
que de uma forma ou de outra foram essenciais na minha caminhada
até aqui; à minha orientadora Silvane A. de Freitas que aceitou
pacientemente a me mostrar caminhos...
RESUMO
Este trabalho foi constituído com o objetivo de entender como a concepção de linguagem
vista como processo enunciativo-discursivo pode contribuir para um ensino mais significativo
de língua portuguesa; buscou-se ainda verificar a validade da prática de reescrita nas aulas de
leitura e produção de texto na escola conciliando, assim, teoria e prática, compreendendo
também a construção textual como processo. Utilizamos como embasamento teórico os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e estudos feitos por Geraldi (1996)
(1997) (2006), Travaglia 2003, Antunes (2003), Bakhtin (2003) entre outros, buscando seguir
o entendimento de língua e linguagem como discursivas e históricas. Para o corpus da
pesquisa foram selecionados dois textos dentre trinta produções elaboradas por alunos de uma
turma de 9º ano da Escola Estadual João Paulo dos Reis Veloso, na cidade de Dourados – MS,
a partir de uma proposta de artigo de opinião que aplicamos à turma enquanto bolsistas do
PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). Pudemos constatar que
mediante a reescrita textual é possível que o aluno passe a refletir sobre o próprio texto,
considerando os aspectos linguísticos e discursivos que possibilitam melhor dizer o que se
tem a dizer; isso se constata nas mudanças consideráveis presentes entre uma versão e outra
do texto. Desse modo, esta pesquisa pode contribuir na reflexão sobre como fazer um ensino
de língua portuguesa que cumpra com o papel de formar alunos cidadãos capazes de produzir
textos orais e escritos adequados ao campo social em que estão inseridos.
Palavras-chave: ensino de língua portuguesa; produção de texto; reescrita de texto;
RESUMEN
Este trabajo se realizó con el intento de entender como la concepción acerca del lenguaje
como proceso enunciativo-discursivo contribuye para una enseñanza más significativa de
lengua portuguesa; se buscó aún verificar la pertinencia de la práctica de reescribir textos en
las clases de lectura y producción de textos en la escuela reanudando, así, teoría y práctica,
comprendiendo también la construcción textual como proceso. Para ello utilizamos como
aporte teórico los Parámetros Curriculares Nacionales de Lengua Portuguesa y estudios
realizados por Geraldi (1996) (1997) (2006), Travaglia 2003, Antunes (2003), Bakhtin (2003)
entre otros, buscando seguir el entendimiento de lengua y lenguaje como discursivos e
históricos. Los objetos de pesquisa fueron dos textos elegidos entre treinta producciones
elaboradas por alumnos del 9º año de la Escuela Estadual João Paulo dos Reis Veloso,
ubicada en Dourados – MS, a partir de una propuesta de escribir artículo do opinión que
hicimos a esos alumnos, mientras actuábamos como becarios del PIBID (Programa
Institucional de Beca de Iniciación a la Docencia). Percibimos que al reescribir el texto el
alumno puede reflexionar sobre su propio texto, llevando en cuenta los aspectos lingüísticos y
discursivos que posibilitan mejor decir lo que tiene para decir; ello se percibe en los cambios
presentes entre una versión y otra del texto. Esta investigación puede contribuir en la reflexión
sobre cómo hacer una enseñanza de lengua portuguesa que cumpla con el papel de formar
alumnos ciudadanos capaces de producir textos orales y escritos adecuados al ámbito social
en que están inseridos.
Palabras clave: enseñanza de lengua portuguesa; producción de texto; reescrita de texto.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB UMA ÓTICA ENUNCIATIVO-
DISCURSIVA 13
1.1 O que se pretende com a disciplina de língua portuguesa na escola? 14
1.2 A concepção de linguagem determina o modo como se ensina 16
2. O TEXTO COMO UNIDADE BÁSICA PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
(LÍNGUA PORTUGUESA) 20
2.1 A produção escrita na escola: o texto como processo 22
3. A PRÁTICA DE REESCRITA: O TEXTO ‘EM’ PROCESSO 26
3.1 Análise do Corpus 26
3.1.1 Primeira versão do texto do Aluno 1 28
3.1.2 Segunda versão do texto do Aluno 1 29
3.1.3 Primeira versão do texto do Aluno 2 31
3.1.4 Segunda versão do texto do Aluno 2 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS 34
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 36
ANEXOS 38
INTRODUÇÃO
O ensino de Língua Portuguesa tem passado por mudanças estruturais e teóricas. Na
atualidade, os estudos realizados nas áreas de Linguística, Sociolinguística, Linguística
Textual, Análise do Discurso e outras áreas tem sido importantes para a mudança de rumo nas
práticas de ensino.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam um ensino de Língua Portuguesa
voltado para o estudo do texto, numa perspectiva discursiva e interdisciplinar. O
desenvolvimento da competência linguístico-discursiva do aluno passa a ser motivo basilar
para o trabalho em sala de aula, uma vez que a escola busca prepará-lo para atuar na
sociedade de modo que ele saiba se posicionar como sujeito e possa adequar sua linguagem
conforme a situação a que é exposto. Essa adequação da linguagem/discurso se dá mediante
os gêneros discursivos, relativamente estáveis, com os quais nos deparamos no dia a dia e nas
diversas esferas da sociedade.
A escola, por meio da aula de Língua Portuguesa, tem como meta propiciar ao aluno
o contato com os mais variados gêneros discursivos, seja por intermédio da leitura, seja pela
atividade de escrita e reescrita de textos. Essa atividade deve ser compreendida como um
processo que envolve a capacidade de autoavaliação da escrita para atingir o propósito de
comunicar da maneira mais inteligível possível.
Nesse sentido, temos como objetivo central, nesta pesquisa, destacar e entender a
importância de se conceber a linguagem como processo discursivo no ensino de Língua
Portuguesa e o texto como atividade enunciativo-discursiva que não deve ser produzido para a
escola e sim na escola. Isso implica uma mudança de postura do professor de Língua
Portuguesa que deve buscar estabelecer um ambiente diferenciado, propiciando condições
para que a sala de aula se torne um laboratório de produção de texto, onde o aluno
experimente, no sentido estrito da palavra, as diversas possibilidades de uso da linguagem.
Visamos discutir sobre um ensino/estudo de Língua Portuguesa em que se busquem
práticas significativas de linguagem na sala de aula para, a partir daí, dedicar-se ao estudo
metalinguístico. Para tanto objetivamos: 1) refletir sobre a integração entre teoria e prática nas
aulas de língua portuguesa, especificamente na prática de produção textual; 2) verificar a
relevância da reescrita na construção da competência linguístico-discursiva do aluno em que
se possibilite pensar sobre a língua em uso.
11
A pesquisa foi motivada a partir das observações e práticas realizadas enquanto
bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) – programa
desenvolvido pela CAPES em parceria com as universidades para promover e incentivar a
docência, bem como fomentar a relação entre teoria e prática no período correspondente à
graduação –, quando foi possível pensar, enquanto acadêmico, a prática de ensino de Língua
Portuguesa numa escola Pública de Dourados, especificamente, na Escola Estadual Ministro
João Paulo dos Reis Veloso.
Como, nessa escola, as aulas de leitura e produção de texto foram incumbidas aos
bolsistas do PIBID, foi possível trabalhar com a prática de produção de textos, planejando as
aulas, ministrando-as e corrigindo as produções textuais.
O gênero discursivo trabalhado em sala de aula foi o artigo de opinião, que
possibilita ao aluno manifestar-se como sujeito de sua linguagem de modo mais explícito.
Uma produção desse gênero é o corpus utilizado para ser analisado neste trabalho.
Foram avaliados trinta textos produzidos por uma turma de alunos no 9º ano da escola
supracitada e escolhidas duas delas para comparar suas versões.
Buscamos verificar o nível de informatividade do texto, o modo como o discurso foi
colocado, a relação entre título e texto e, sobretudo, quais foram as mudanças havidas entre
uma versão e outra do texto que foi analisado em duas versões: a primeira versão e a segunda
versão.
No primeiro capítulo, buscamos abordar sobre o ensino de Língua Portuguesa sob
uma ótica enunciativo-discursiva. Embasamo-nos em estudiosos como Travaglia (2003),
Geraldi (1996) (1997) (2006), Martins (2002), entre outros, para destacarmos a importância
de um ensino de língua que se paute em práticas significativas em sala de aula, que busque
conciliar as novas teorias com as práticas realizadas em âmbito escolar.
No segundo capítulo, tratamos sobre o texto como unidade básica de ensino de
língua materna. Seguimos os pressupostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e a visão
discursiva do texto. Textos que são manifestação dos discursos que circulam na sociedade.
Cada âmbito social ou de atividade humana possui um gênero discursivo relativamente
estável que possui características de conteúdo, estilo e estrutura composicional que o definem.
Como os campos de atuação humana são muitos, também são muitos os gêneros discursivos.
Assim sendo, a produção textual não pode estar desvinculada do contexto social e o texto
deve ser concebido como processo e resultado de discursos.
No terceiro e último capítulo, fizemos uma breve abordagem acerca do gênero artigo
de opinião e temos como mote a análise de duas produções textuais de dois alunos.
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Verificamos que ambos os textos sofreram consideráveis alterações na segunda versão,
demonstrando que a prática de reescrita possibilita pensar sobre a língua em uso. Ao ler o
próprio texto o aluno avalia e busca novas formas de dizer o que havia dito na primeira
versão.
Mediante o que foi visto e dito, neste trabalho, se pode afirmar que não há mais valia
o estudo de língua portuguesa isolado de práticas significativas de produção de linguagem. Ao
entendermos que o ensino de língua portuguesa, na escola, precisa de uma mudança radical
em que se conciliem os estudos realizados na área e a prática em sala de aula, consideramos
que este trabalho fornece um contributo considerável para que essa mudança almejada se
concretize.
O estudo de língua portuguesa terá mudança significativa e qualitativa se
entendermos que não se produz linguagem fora do mundo, da realidade, do contexto sócio-
histórico. Desse modo, as aulas de leitura e produção de texto devem ser encaradas também
como crucial para um ensino-estudo de língua portuguesa se realizadas a partir de uma
concepção discursiva de língua e linguagem, dando ênfase ao processo para obter resultados
de qualidade, mediante a prática de reescrita e análise linguística. Isso tudo se faz possível se
o texto for compreendido como construto linguístico-discursivo, histórico e se constrói
inserido em processo significativo.
1. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB UMA ÓTICA ENUNCIATIVO-
DISCURSIVA
Neste capítulo, pretendemos fazer uma reflexão sobre o ensino de língua portuguesa,
a partir do que tratam os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa;
embasamo-nos ainda em considerações de estudiosos que postulam um ensino de língua
materna pautado na concepção de linguagem como processo discursivo.
Há de se levar em conta que o ato de educar não está desvencilhado de uma postura
política. Somos seres políticos e agimos politicamente conforme a situação, contexto e
interlocutor. No ensino, isso não poderia ser diferente. Conforme Martins (2002, p. 20-21),
[...] A escolha de nossa prática pedagógica está vinculada à maneira de vermos o
mundo, de concebermos a sociedade e de querermos contribuir: ou para a
perpetuação da ideologia dominante, ou para a busca de transformação dessa
sociedade. Por isso, o nosso fazer pedagógico será sempre uma eterna escolha: um
Isto ou Aquilo.
Cabe salientar, consoante a essa autora, que a concepção que se tem acerca de
ensino/aprendizagem, de língua e avaliação, norteará o trabalho do professor. Embora perante
a situação que se encontra a escola como um todo – aqui escola está no singular, mas se refere
ao sistema escolar em si, em seu sentido mais amplo – há certa impressão de que o professor
está com as mãos atadas. A pior das hipóteses seria o professor estar com a mente amarrada,
engessada, quem sabe pelo sistema, quem sabe pela ausência de uma utopia. Utopia não em
sentido pejorativo de sonho inalcançável, mas de esperança em fazer acontecer um trabalho
significativo para professores e alunos.
A prática de um ensino significativo e humanístico ainda se depara com aquela
antiga visão de que o professor é o detentor da luz do conhecimento e o aluno, aquele que não
tem essa luz. Seria então o professor o lume do qual o aluno recebe pequenas chamas?
Diríamos de antemão que esse modo de ver professor e aluno já não cabe nesse novo
tempo. Em se tratando de ensino de língua materna, seria um erro afirmar que o aluno chega à
escola não sabendo falar a língua por trazer de casa alguns usos diferentes do que é
considerado padrão. Como é que a criança se comunica com os pais e amigos? Em que
língua? Ora, sabemos que a criança quando chegam à escola domina muito bem a sua língua
materna, sabe se comunicar com a família e os amigos, mesmo que apresente algumas
características comuns à fala infantil que, ao decorrer do tempo serão substituídas conforme
melhore sua articulação e assimile novas formas, novas palavras e novos significados.
14
Nessa mesma linha de pensamento, Santos (2007, p. 90-91) argumenta que
O modelo de aprendizagem que embasa as necessidades de nosso tempo não é mais
o modelo tradicional que acredita que o aluno deve receber informações prontas e
ter, como única tarefa, repeti-las na íntegra. A promoção da aprendizagem
significativa se fundamenta num modelo dinâmico, no qual o aluno é levado em
conta, com todos os seus saberes e interconexões mentais. A verdadeira
aprendizagem se dá quando o aluno (re)constrói o conhecimento e forma conceitos
sólidos sobre o mundo, o que vai possibilitá-lo agir e reagir diante da realidade.
Cremos, com convicção e com o respaldo do mundo que nos cerca, que não há mais
espaço para a repetição automática, para a falta de contextualização e para a
aprendizagem que não seja significativa.
Caberia, ainda, seguindo esse raciocínio, fazer as mesmas perguntas que Geraldi
(2006) faz em relação ao ensino: para quê ensinamos o que ensinamos e para quê as crianças
aprendem o que aprendem?
A resposta ao “para quê”, talvez, seja a resposta que ambos, professor e aluno,
buscam e precisam responder para fundamentar e dar significação a sua prática. O professor
como aquele que tem o trabalho de mediar o processo de ensino/aprendizagem do aluno e,
este, também como sujeito de sua aprendizagem.
Assim, assevera Martins (2002, p. 22), “professor e aluno não podem ser vistos
apenas como aquele que ensina e aquele que aprende. Eles são sujeitos históricos. São
produtores de linguagem” (grifos da autora). É na linguagem e pela linguagem que ambos se
constituem sujeitos.
Em se tratando do ensino de português “nada do que se realiza na sala de aula deixa
de estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos
linguísticos são percebidos e tudo, consequentemente, se decide” (ANTUNES, 2003, p. 39).
Daí a importância de se pensar a conciliação entre teoria-prática-teoria, conforme postula
Martins (2002). Tal postura implica na mudança de perspectiva do profissional da educação.
1.1 O que se pretende com a disciplina de Língua Portuguesa na escola?
Muito se tem falado a respeito da função da escola e que, esta, deve propiciar ao
aluno integrar-se na sociedade e ter um posicionamento crítico acerca do mundo em que vive;
noutras palavras, capacitar o estudante para atuar conscientemente na sociedade conforme a
situação e o campo social do qual ele faz parte. Essa atuação, embora sejam amplas as
possibilidades, se dá principalmente pelo uso da linguagem majoritariamente manifestada pela
língua na modalidade escrita e padrão.
15
Partindo de nossa experiência e embasando-nos em Geraldi (2006), pensemos: se
perguntarmos aos alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, se eles sabem para quê se
estuda português, a grande maioria responderá que não sabe e que não gosta. O professor, por
sua vez, dirá que é necessário para aprender a falar e escrever bem (assim vagamente
definido).
Sendo as principais atividades das aulas de língua portuguesa, a classificação
gramatical e análise sintática com exercícios maçantes, exaustivos e repetitivos, porque está
no conteúdo a ser seguido, o uso efetivo da linguagem fica relegado ao que muitos chamariam
“enrolação”, por incrível que pareça. Partindo-se desta realidade, qualquer um se sentiria
desmotivado, porque tudo o que não faz sentido, não é verdadeiramente significativo, tem sua
aprendizagem forçosamente difícil ou inócua.
Há de se destacar as tentativas dos órgãos governamentais em buscar novas
orientações para inovar o ensino mediante novas práticas. Dentre eles, citemos os PCN1, que
segundo Antunes (2003), “privilegiam a dimensão interacional e discursiva da língua e
definem o domínio dessa língua como uma das condições para a plena participação do
indivíduo em seu meio social”.
Esse domínio da língua perpassa por um fator que não se pode relegar: o domínio da
modalidade padrão. A esse respeito, Possenti (1996, p. 17) argumenta que o objetivo da
escola é ensinar o português padrão e criar condições para que ele seja aprendido. Uma tese
contrária baseia-se no preconceito que preconiza a dificuldade de aprender o padrão,
sobretudo, pelos alunos oriundos das camadas sociais menos privilegiadas que, em tese,
estariam alheias ao produto cultural dominante em que o português padrão predomina. Quanto
a isso, entretanto, poderíamos contrapor a crescente política inclusiva dos governos na
tentativa de diminuir as desigualdades sociais, o acesso à internet e o vasto domínio da
televisão e do rádio; “lugares” onde a modalidade padrão se evidencia predominantemente.
Diríamos que a escola precisa considerar os diversos modos que a língua se
apresenta. Seria mais nobre e mais eficaz estudar e conduzir os alunos no processo de
constituição e construção da linguagem segundo o contexto e o interlocutor. Ou seja, estudar
as formas de apresentação da linguagem que se dá mediante textos inseridos em diferentes
esferas discursivas. Quanto mais contato o aluno tiver com os diferentes textos, sejam orais ou
escritos, que circulam nos meios de comunicação social, melhor ele estará capacitado para
usar eficazmente a língua, mais ele estará ampliando sua competência discursiva.
1 Parâmetros Curriculares Nacionais
16
Basicamente na mesma linha de pensamento, Travaglia (2003) entende que o ensino
de língua materna se justifica, sobretudo, pelo objetivo de desenvolver a competência
comunicativo-discursiva dos usuários da língua; essa competência diz respeito à capacidade
do falante em utilizar a língua adequadamente nas diferentes situações discursivas.
O foco das concepções aqui referenciadas não é a abolição do ensino gramatical na
escola, mas uma abordagem distinta de ensino da língua de um modo mais significativo.
Trabalhar-se-ia a linguagem em seu princípio enunciativo-discursivo questionando seus usos,
seus significados e os elementos linguísticos presentes nos textos que modalizam o discurso.
Nesse sentido, Possenti (2006) argumenta que dominar efetiva e ativamente uma língua
dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica.
O fim último de ensinar língua portuguesa na escola seria então tornar o aluno sujeito
de sua linguagem, produzindo textos significativos e, conforme ele é envolvido nesse
processo possa entender que produzir linguagem, produzir texto é parte de um processo de
leitura, releitura, escrita e reescrita para dizer o que se quer dizer de maneira coerente,
cumprindo a contento o ato de comunicar. Quando ele entender e fizer parte desse processo,
as aulas de língua portuguesa e, por conseguinte, o professor terá cumprido seu papel. Forma-
se, assim, um ciclo de significação.
1.2 A concepção de linguagem determina o modo como se ensina
Para Travaglia (2003), a maneira como se entende a natureza da língua altera o modo
como se estrutura o trabalho com a língua em se tratando de ensino; a concepção que se tem
sobre a linguagem tem a mesma importância quanto à postura que o professor adota em
relação à educação. “Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova
metodologia, mas principalmente um “novo conteúdo” de ensino” (GERALDI, 2006, p. 45).
Nas palavras de Antunes (2003, p. 39), “Toda atividade pedagógica de ensino de português
tem subjacente, de forma explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de
língua.” (grifo da autora).
É o repertório teórico que o professor possui que determina o modo como ele
desenvolve sua prática em sala de aula. Aquela famosa frase de que “na teoria é tudo fácil e
lindo, mas na prática é outra coisa” perde sua valia se levarmos em conta o que foi exposto.
Forçosamente, cabe pensar que é o aparente distanciamento entre teoria e prática a causa de
uma prática de ensino não eficiente. Teoria e prática devem caminhar juntas e, segundo os
17
autores mencionados anteriormente, a concepção teórica que se tem acerca da língua e da
linguagem embasa a práxis.
No viés do exposto no parágrafo anterior, é pertinente mencionar a dicotomia que há
entre ensino de língua e ensino de metalinguagem, sendo que este último é o que mais está
presente nas aulas de língua portuguesa desde a educação inicial, uma vez que as aulas de
língua portuguesa objetivam propiciar o domínio do dialeto padrão apenas. (GERALDI,
2006).
Geraldi (2006) assevera que optar pelo ensino da língua que considere as relações
humanas por ela mediadas exige entender a linguagem como processo de interação, seguindo
a perspectiva de que na escola deve-se oportunizar o acesso do aluno às diferentes
manifestações e expressão da linguagem. Isto implica ser reconsiderado o que se ensina para
compreender melhor o para quê se ensina.
O estado caótico do ensino de língua portuguesa, referido por Geraldi (Ibidem),
reside no fato de se ensinar metalinguagem de análise da variante padrão sem que o aluno
esteja habituado a ela. Acrescentaríamos ao pensamento desse autor que, na atualidade, os
alunos estão habituados a uma língua e linguagem que flui e acompanha a evolução
tecnológica, como se pode ver nos escritos das redes sociais e mensagens de texto em que se
abrevia quase tudo. O aluno então não estaria acostumado a uma língua severamente
resistente às mudanças.
O que mais acontece nas aulas de língua portuguesa é a ênfase ao ensino
metalinguístico sem que se destine tempo hábil para verdadeiras e significativas atividades de
linguagem. Essas atividades significativas de linguagem devem extrapolar a comum
metodologia de repetição mecânica de análise sintática e classificação gramatical.
Não postulamos nem pretendemos abolir o ensino de metalinguagem ou o estudo
sintático. O que buscamos é conceber que, antes dos exercícios forçosos e maçantes de
classificação gramatical, ou seja, o reconhecimento de classes de palavras e de funções
sintáticas em frases isoladas ou retiradas de texto com o intuito de fazer gramática
contextualizada, mas destituída de significação real, é preciso abordar a língua e a linguagem,
visando a uma comunicação efetiva e interativa, refletindo sobre a construção da linguagem e
seus efeitos de sentido. Embora essa proposta pareça um tanto abstrata e de difícil execução,
deve ser o ponto de partida para um estudo-ensino da língua que almeja, em longo prazo,
tornar o aluno linguístico-discursivamente competente.
Travaglia (2003, p.21-23) e Geraldi (2006, p.41) apresentam três concepções de
linguagem que norteiam o ensino de língua: uma que vê a linguagem como expressão do
18
pensamento, outra como instrumento de comunicação e outra como forma e processo de
interação.
A linguagem como expressão do pensamento: é a concepção que embasa os
estudos tradicionais. A expressão acontece no interior da mente e sua
exteriorização é uma tradução. O pensamento e a linguagem seguem regras de
organização lógica. Quem não se expressa bem é porque não pensa. (Gramática
Tradicional)
A linguagem como instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à
teoria da comunicação que vê a língua como um código (composto por signos
que se combinam conforme regras) capaz de transmitir ao receptor uma
mensagem. O código deve ser dominado pelos falantes que devem utilizá-lo de
maneira semelhante e preestabelecida, convencionada para que ocorra
efetivamente a comunicação. Não é considerado o momento ou a situação em que
se produz a fala. (Estruturalismo e transformacioalismo)
A linguagem como forma ou processo de interação: nesta perspectiva a
linguagem é vista como um lugar de interação humana, pois o indivíduo não
apenas traduz ou exterioriza um pensamento, mas age, com sua fala, com seu
discurso sobre o interlocutor. A linguagem ocorre num processo interativo de
produção de sentido entre os interlocutores em um contexto sócio-histórico e
ideológico. (Linguística da enunciação)
Neste texto monográfico, levamos em conta a terceira concepção por acreditarmos
que a língua não deve ser considerada isoladamente das suas condições de produção e uso.
Seu estudo e ensino “não pode deixar de considerar – como se não fossem pertinentes – as
diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e
complexas instituições de uma dada formação social” (GERALDI, 1996, p. 28). A língua é
produto histórico, é condição de produção da história, marcada pelo uso e pelo espaço social
desse uso. Daí a importância de ser encarada não como mero código a ser memorizado, mas
ação entre interlocutores.
A definição de linguagem presente nos PCN corrobora com o que vem sendo dito.
Nesse documento, entende-se a linguagem como “uma forma de ação interindividual
orientada por uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas
práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos da
sua história” (BRASIL, 1997, p. 22).
Conforme essa perspectiva, o mesmo documento define a língua como
19
[...] um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o
mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também
os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu
meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas. (BRASIL, 1997, p.
22).
Nesse viés, é possível afirmar que o domínio da língua está estreitamente ligado com
a possibilidade de que haja plena participação social, pois é por meio dela que o homem se
comunica, acede a informações, expressa seus pensamentos, produz conhecimento. Em suma,
se constitui como sujeito.
A possibilidade de ter acesso a essas diferentes linguagens está na escola, que deve
propiciar ao aluno as condições necessárias para que ele se aproprie da maior quantidade
possível de informação e coloque em uso os conhecimentos linguísticos que, na escola,
aprende a aprimorar.
Assim sendo, o ensino de língua deve focar não mais no ensino vazio de
metalinguagem e classificação gramatical, mas em atividades de leitura de textos, prática de
produção de textos e prática de análise linguística. Esse modo de pensar o ensino de língua
portuguesa é possível se a linguagem for compreendida como enunciativo-discursiva e que ela
se manifesta sempre em forma de textos.
2. O TEXTO COMO UNIDADE BÁSICA PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
(LÍNGUA PORTUGUESA)
Comecemos este novo capítulo já tratando sobre o objeto que buscamos explorar: o
texto. Embora reconheçamos que existem textos orais e escritos, verbais e não verbais,
abordaremos especificamente o texto escrito.
Texto é um todo cujas partes ou frases relacionam-se entre si de modo coerente e
com sentido; é marcado por dois espaços brancos constituídos respectivamente pelo momento
anterior e posterior à palavra (ao texto); é produzido por um sujeito em tempo e espaço
determinados, configurando-se pela sua historicidade (SAVIOLI e FIORIN, 1996, p.14-17).
Grosso modo, texto não é um emaranhado de frases isoladas. Insere-se num contexto
historicamente marcado por variedades discursivas.
Segundo Costa Val (1999, p. 3), texto é uma “ocorrência linguística falada ou escrita,
de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”. Com essa
afirmação, a autora diz que um texto será bem compreendido se avaliado sob o aspecto
pragmático que corresponde à sua atuação informacional e comunicativa, o aspecto
semântico-conceitual que denota a sua coerência e o formal que diz respeito à coesão textual.
Partindo do que essa autora postula, o texto não se resume ao ato de falar e escrever, mas se
estende aos acontecimentos sócio-histórico-culturais nos quais o produtor e o leitor estão
inseridos ou que, de certo modo, ouviram ou viram.
Para Cardoso (1999), texto é discurso verbalizado, ou seja, os discursos são lidos e
ouvidos mediante os textos. Ao mesmo tempo em que um discurso constitui-se por uma
pluralidade de textos, um texto possui também em sua composição, estilo e forma, vários
discursos. Neste último caso, observemos a questão da intertextualidade e das referências
externas presentes nos textos, nas quais autor e leitor se embasam para formar uma “cadeia”
significativa. O autor reúne os discursos aos que ele teve acesso e os dispõe no texto.
Conforme Travaglia (2003), discurso são as atividades comunicativas de um locutor
em situação de comunicação determinada, na qual estão envolvidos: o conjunto de enunciados
produzidos por ele e seu interlocutor e o evento de sua enunciação. Assim, o texto é “[...] o
resultado, o produto concreto da atividade comunicativa que se faz seguindo regras e
princípios discursivos sócio-historicamente estabelecidos que têm de ser considerados” (Idem,
p. 67). Sintetizando, texto é um todo coerente de qualquer extensão em que o discurso se
manifesta e este, por sua vez, resulta de uma construção sócio-histórica.
21
Na perspectiva apresentada pelos PCN, o ensino da língua materna teria de se pautar
no estudo do texto, pois
Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é possível
tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem
a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva, que
é questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o
texto, mas isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações
didáticas específicas que o exijam. (BRASIL, 1997, p. 29).
Sendo o texto unidade de ensino e os gêneros discursivos objeto de ensino, a prática
de produção de texto assume papel relevante. Por conseguinte, a opção de tratar a produção de
textos mediante o trabalho com os gêneros discursivos pode fazer como que o processo de
produzir e compreender textos seja mais satisfatório, uma vez que, ao incluir aspectos de
enunciação e discurso, permite considerar a situação de produção de determinado discursos.
(BARBOSA, 2000).
Para Bakhtin (2003), todos os campos em que o ser humano atua estão ligados ao uso
da linguagem e a língua se manifesta em forma de enunciados que refletem as condições e as
finalidades de cada campo de atuação. Cada campo de atuação manifesta seus enunciados
conforme o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. Esses elementos estão
atrelados ao enunciado e cada campo de atuação humana produz seus enunciados
relativamente estáveis, denominados gêneros do discurso.
Trabalhar a produção textual nessa perspectiva, considerando que os textos são
produzidos e publicados em diferentes setores sociais, conforme as necessidades e exigências
concernentes aos discursos ali vigentes possibilitará que se faça da sala de aula um laboratório
de produção de textos, de reflexão sobre língua e linguagem e os modos formais, estilísticos
com que se manifestam.
Na esteira desse pensamento, Geraldi entende a produção de textos, sejam orais ou
escritos, como
[...] ponto de partida (e de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da
língua. [...] Sobretudo, é porque no texto que a língua – objeto de estudos – se revela
em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer
enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio
processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões. (1997, p.
135).
A escrita, como atividade discursiva em que, a priori, o autor se prontifica a expor
seu modo de pensar e sua experiência sobre e com o mundo, é, ao mesmo tempo, elemento
22
fundamental de registro e expressão de informações e conhecimentos. Nesse processo, a
escola, especificamente, a disciplina de Língua Portuguesa, tem como incumbência a
preparação efetiva do aluno para que ele possa exercer de maneira eficaz sua condição de
cidadão manifestando-se também por meio da escrita de forma crítica e consciente. Essa
manifestação escrita, assim como na oralidade, não acontece por acaso, sem um fim e sem um
interlocutor, pois os textos orais e escritos são produzidos mediante uma dinâmica de
interação e é nessa interação que o sujeito se constitui.
O ensino de língua portuguesa tende mais para o estudo do texto que “[...] terá como
objetivo central, na pedagogia de língua materna, suscitar no aluno a exploração desses
recursos para a obtenção de uma melhor adequação às circunstâncias que determinam a
especificidade tipológica dos discursos”. (FREITAS, 2010, p. 156).
Consoante a essa asseveração, “é de suma importância que os professores da área de
Língua Portuguesa assumam seu verdadeiro papel, que é o de propiciar condições para que os
alunos saibam fazer uso adequado de nossa língua conforme a situação sócio-interativa”.
(Idem, 2010, p. 154).
2.1 A produção escrita na escola: o texto como processo
Comecemos este subitem fazendo alguns questionamentos que a experiência como
aluno e a leitura das reflexões de Geraldi (2006) nos inspiram: Quem não se lembra das
famosas redações sobre datas comemorativas ou retorno das férias? Quem não se lembra de
quando pegou seu texto de volta e o percebeu cheio de manchas vermelhas, “sangrando” pelos
“erros” cometidos? Fatídico fato ainda comum em muitas “aulas de produção de texto”. Os
sinais de inadequações ainda são a única resposta que o texto merece?
Se fizermos um apelo à memória é o que mais encontraremos. Textos e mais textos
escritos por escrever, por valer nota. Quiçá a melhor nota era e é o objetivo ao escrever na
escola, conforme a escola e para a escola. Escrever de novo para quê? Para quem? Escrever
sobre o que não se quer dizer nada?
A esse respeito Antunes (2003) constata que ainda há na escola uma escrita artificial
e inexpressiva, destituída de valor interacional e que não exercita aspectos relevantes da
língua, dando prioridade a exercícios descontextualizados de criar listas de palavras e frases
soltas sem relação alguma com a intencionalidade e o sentido com que as pessoas dizem o que
têm a dizer.
23
Conforme Geraldi (2006), a prática de redação na escola tem sido um martírio para
alunos e professores. O professor se frustra ao ver textos mal redigidos, aos quais havia feito
correções, sugestões. Os alunos não releem o texto e muitas vezes, simplesmente atiram-no ao
cesto de lixo. Podemos dizer que não há mais lugar para atividades em sala de aula que não
sejam significativas. Provavelmente o modo de tratar o estudo da língua a partir de frases
isoladas seja um dos motivos de encontrarmos textos de alunos que têm sua coerência global
comprometida pela falta de relação entre suas partes.
Entendemos que os PCN de Língua Portuguesa propõem, assim como os teóricos
aqui referenciados, entre outros, que defendem um ensino de língua numa perspectiva
enunciativo-discursiva é, a partir do texto, aprender os fenômenos linguístico-gramaticais que
possibilitam uma comunicação efetiva e eficaz. “Ou seja, o texto é que vai conduzindo nossa
análise e em função dele é que vamos recorrendo às determinações gramaticais, aos sentidos
das palavras, ao conhecimento que temos da experiência.” (ANTUNES, 2003, p. 110).
Assim, o estudo da palavra e da frase só terá valor em atividades didáticas
específicas que o exijam, porém sempre de forma significativa, aplicáveis ao texto e em
função do desenvolvimento linguístico-discursivo do aluno.
Compreender o ensino de língua a partir dessas concepções é entender também a
aprendizagem, ou seja, a produção de texto como processo, pois quando falamos, realizamos
um processo mental de escolha das melhores palavras para verbalizar do modo mais claro
possível o que queremos dizer. Quando escrevemos, esse processo se torna ainda mais
complexo.
É preciso mudar o modo como se produz texto na escola, mediante projetos como
jornais, blogs etc. No entanto, juntamente a isso é necessário também vincular às aulas de
produção de texto escrito, a produção de texto oral que pode ser uma discussão sobre o tema a
ser abordado na hora de escrever; acrescente-se a essa asseveração a leitura de textos que
falem sobre o tema, preferencialmente, de acordo com o gênero discursivo estudado.
Tudo isso engloba a necessidade de que “o professor de Língua Portuguesa, para
preparar suas aulas de redação, deve compreendê-la como um processo de retextualização
para, então, buscar estratégias que possibilitem ao estudante escrever, ler e reescrever seu
texto, num processo contínuo de autoaprendizagem” (MARQUESI, 2013, p. 136).
Nesse processo de leitura, escrita e reescrita do próprio texto o aluno poderá mais
significativamente entender o próprio processo de construção do discurso. Um aluno escritor
competente seria, na esteira da mesma autora, aquele que, ao ler o seu texto e, segundo outras
24
leituras que tenha feito, construa sentidos e seja capaz de retirar, acrescentar elementos ao
texto, tornando-o mais adequado ao meio que deverá ser publicado (ainda que virtualmente).
No processo de verificação do próprio texto, é possível, mediante a tutoria do
professor em sala de aula, aplicar o que Geraldi (1997) chama de prática de Análise
Linguística. Esta prática refere-se ao “conjunto de atividades que tomam uma das
características da linguagem como objeto: o fato de ela remeter a si própria” (p.189). Desse
modo, dentro da prática de Análise Linguística o autor coloca as atividades epilinguísticas e
metalinguísticas. À luz deste autor buscaremos entender melhor o que são essas atividades.
As atividades epilinguísticas possibilitam refletir sobre a linguagem e os diferentes
modos de dizer, de expressar; essa reflexão visa o uso destes recursos expressivos na
funcionalidade das atividades linguísticas que estão inseridos e engajados.
Citemos como exemplo de atividades epilinguísticas, pensar, a partir do texto do
aluno, sobre a substituição de palavras repetidas em demasia no texto de modo que o
significado a que se objetiva permaneça o mesmo. Inclusive citemos a própria repetição de
palavras que pode ser um recurso estilístico, principalmente em texto poético. Pensamos que o
recurso estilístico de repetir palavras é mais adequado ao texto poético, pois, um texto formal
cheio de palavras repetidas, ainda que se queira atingir algum objetivo forçosamente seu autor
será julgado não muito apto. Essa última afirmação evidencia o caráter social da linguagem e
consequentemente daquilo que ela produz. Isso tudo pensando no efeito de sentido que se
pode produzir.
Às atividades metalinguísticas cabe a
[...] reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de
noções com as quais se torna possível categorizar tais recursos. Assim, estas
atividades produzem uma linguagem (a metalinguagem) mais ou menos coerente
que permite falar sobre a linguagem, seu funcionamento, as configurações textuais e,
no interior destas, o léxico, as estruturas morfossintáticas e entonacionais
(GERALDI, 1997, p. 190-91).
Esse seria o caso do estudo dos fenômenos gramaticais, suas nomenclaturas e suas
funções. Tudo isso antecedido por atividades epilinguísticas. Se tomarmos o exemplo sobre a
substituição das palavras repetidas no texto, na atividade metalinguística se daria nome a esse
processo: o uso da sinonímia.
O fato é que, na Análise Linguística se possibilita refletir sobre os recursos que o
autor utiliza para dizer o que quer dizer e como o quer, utilizando elementos textuais sejam de
pontuação, referenciação, regência, ordem estrutural, ordem sintática entre outros. Esses são
alguns elementos que se podem abordar numa Análise Linguística a partir do texto do aluno
25
tornando o estudo mais significativo, uma vez que busca envolver de fato o aluno no processo
de aprendizagem. Em contrapartida, numa Análise Linguística, não significa tomar como
objeto todos os elementos de uma só vez.
Suassuna (2013) atenta para as situações didáticas de discussão e reelaboração
coletiva de textos que se constituem em alternativa à prática tradicional de ensino gramatical.
O professor, principal interlocutor dos alunos, deverá fazer perguntas aos textos (aos alunos)
motivadas principalmente pelos problemas neles encontrados. A partir dessas perguntas o
aluno passaria a pensar sobre o próprio texto e buscar novas versões para seu texto mediante o
uso de estratégias linguístico-discursivas diversas.
De acordo com a mesma autora, o diálogo do professor com o texto do aluno é mais
produtivo do que uma mera ação corretiva. Por meio dessa metodologia o aluno se torna leitor
crítico do próprio texto.
O retorno da produção do aluno é indispensável. Ao ler, escrever, reler e reescrever
ele busca cumprir o propósito de sua escrita que é interagir e intercompreender. Ele passa a
ver a produção textual como um processo do qual ele é o “carro chefe” que tem um professor
como ajudante de caminhada, na procura dos melhores meios e caminhos para melhor dizer o
que tem a dizer.
Trabalhar a produção textual como processo pode ser ainda mais eficaz na tentativa
de orientar o aluno no seu também processo de aprendizagem. O texto como processo implica
leitura de outros textos, escrita, leitura e releitura do próprio texto e reescrita. Ao trabalhar
dessa forma o aluno passa a ter voz e tem sua voz devolvida no ato da reescrita. “A devolução
da palavra ao aluno faz deste o condutor de seu processo de aprendizagem, assumindo-se
como tal” (GERALDI, 1997, p. 160).
Todo esse processo ao qual nos referimos requer tempo. Comumente, nas aulas de produção
textual se tem a ideia real e capitalista de “produzir”. O aluno tem de escrever como pré-
requisito para ter uma nota de participação. Algumas falas que se ouvem é que o aluno deve
escrever rápido, uma vez que não se pode “perder tempo”, porque o professor tem que passar
o conteúdo que seria a gramática pela gramática (no sentido mais tradicional, repetitivo e
classificatório possível).
Diante do exposto até aqui, podemos afirmar que “[...] é nas questões de produção e
compreensão de textos, e de suas funções sociais, que se deve centrar o estudo relevante e
produtivo da língua” (ANTUNES, 2003, p. 111). Dessa forma, acreditamos estar trabalhando
para um ensino verdadeiramente significativo.
3. A PRÁTICA DE REESCRITA: O TEXTO ‘EM’ PROCESSO
Antes de começarmos a verificar os resultados da prática de reescrita em sala de aula,
façamos uma contextualização a respeito das produções textuais que aqui serão analisadas.
Trata-se de uma produção textual feita por uma turma de alunos de 9º ano da Escola
Estadual Ministro João Paulo dos Reis Veloso, na cidade de Dourados – MS. Nesta escola, as
atividades de leitura e produção de texto foram incumbidas aos alunos bolsistas do PIBID2
(Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência), acadêmicos do curso de Letras
Habilitação Português/Espanhol da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, entre 2012
e 20133.
Não menos importante, para darmos sequência a esta pesquisa, é dizer que fizemos
parte desse programa e fomos os responsáveis pela elaboração das aulas4 de leitura e
produção de texto que originaram as produções que aqui serão cotejadas – fato que tornaria o
trabalho mais árduo se fôssemos analisar a própria prática, pois, se corre o risco de destacar
apenas elementos positivos –. No entanto, as observações serão feitas em torno dos textos dos
alunos para verificar os aspectos relevantes à prática de reescrita, sua eficácia ou não, se
houve mudança significativa entre a primeira e a segunda versão do mesmo texto.
Embora não se pretenda fazer um discurso apologético da nossa prática enquanto
professores, é um risco que vamos correr. Mesmo que se queira ser o mais imparcial possível
tendo como objeto apenas os textos, ao sermos os interlocutores e avaliadores desses textos
em sala de aula, ao verificar e avaliar os resultados se estará avaliando também a nossa prática
enquanto professores. Porém, vale repetir que o que se almeja é apenas cotejar os textos.
3.1 Análise do Corpus
Comecemos falando brevemente sobre o gênero discursivo artigo de opinião –
gênero integrante do corpus – para contextualizarmos o que foi feito.
2 O PIBID é um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) cujo
objetivo é fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em
nível superior e para melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira.
3 O trabalho foi realizado com alunos do 6º ano 9º ano do Ensino Fundamental no período vespertino. Dentre as
principais atividades está o auxílio à professora na aula destinada para leitura e produção de texto que ocorria em
dois dias da semana. No caso do 9º ano, fonte dos textos analisados trabalhou-se apenas um dia na semana com
uma hora destinada a essa atividade, normalmente devendo seguir o cronograma da professora que repassava a
exigência de agilidade nas aulas de produção de texto devido ao conteúdo que precisava ser passado. 4 As aulas não serão detalhadas neste trabalho por não ser o foco.
27
Segundo Rodrigues (2000), o artigo de opinião é um gênero da esfera jornalística
impressa e multimídia (veiculado pela Internet). Encontra-se nos jornais comumente nas
páginas junto aos editoriais e é escrito por pessoas de fora da instituição que podem ser
colaboradores do jornal e ocupam papel de destaque na sociedade (autoridades políticas,
religiosas, médicos, escritores, advogados etc.). Ao escrever, apresentam seu ponto de vista
sobre determinado fato ou assunto da atualidade, de grande repercussão, normalmente
polêmico – o assunto ser polêmico não vem a ser uma regra fixa nos artigos de opinião, mas
é uma característica bastante comum. (grifo nosso)
Para a mesma autora o trabalho com o artigo de opinião na escola ou seu ensino-
aprendizagem
[...] justifica-se pela sua relevância sociodiscursiva, dada sua importância como um
dos instrumentos para a promoção da efetiva participação social do aluno-cidadão,
um dos objetivos gerais do Ensino Fundamental, bem como pelo resgate da função
social da escrita. Sua relevância destaca-se ainda pela sua dimensão pedagógica,
quer dizer, pela função que pode desempenhar no desenvolvimento de conteúdos
específicos da área de Língua Portuguesa.
Um dos objetivos da área de Língua Portuguesa para prática de produção de textos
escritos é o ensino do modo de produção do “discurso argumentativo”: os processos
de argumentação, modos de composição textual, unidades lingüísticas, entre outros
aspectos, que constituem especificamente nos diferentes gêneros. [...]
Sendo que a escrita tem uma função social como a autora salienta, seguindo a mesma
perspectiva, embasamos o nosso trabalho em sala de aula e, na hora de fazer a avaliação,
embora tenhamos verificado também aspectos ortográficos, optamos essencialmente por
verificar o desenvolvimento do trabalho discursivo, com o sentido geral do texto.
Buscamos motivar os alunos a escreverem no intuito de, devido à exiguidade do
tempo e inviabilidade financeira, fixar alguns dos textos no mural da escola cumprindo,
assim, um dos objetivos do texto, conforme assevera Geraldi (1997) que o texto tem como
finalidade ser publicado, pois não há autor que escreva sem considerar a existência de um
outro; o texto é, então, segundo o mesmo autor, “produto de uma atividade discursiva onde
alguém diz algo a alguém” (p.98). Desse modo, justifica-se mais claramente a importância de
se trabalhar com artigo de opinião.
Feita essa pequena abordagem acerca do gênero passemos agora a verificar os
textos5. Considerando-se que a totalidade das 30 produções ou atingiram parcialmente ou
totalmente às características do gênero, foram escolhidas 2 produções para cotejar os textos e
verificar os resultados da prática de reescrita.
5 Os textos podem ser consultados na íntegra conforme anexo. Na análise serão utilizados trechos a título de
exemplificação.
28
3.1.1 Primeira versão do texto do Aluno 1
No que tange à superestrutura6 textual o aluno alcançou o que se esperava, que é,
pelo menos a exposição de argumentos em torno de uma tese; ele constrói uma sequência de
argumentos que defenderiam sua tese.
Quanto ao tema proposto, ele se posiciona favoravelmente já deixando isso claro no
primeiro parágrafo que constituiria a tese do texto a ser defendida. Coloca como argumento
primeiro que “muitos jovens estam matando, roubando e traficando eles não querem nem
saber porquê?”. A escrita do aluno apresenta equívocos ortográficos como se pode notar no
verbo estar (estam) conjugado na terceira pessoa plural do presente do indicativo. Esse
fenômeno denota uma marca de oralidade que pode ser uma relação que ele tenha feito com
outros verbos que na sua pronúncia ocorre uma transformação em que o m grafado em verbos
como “entram” e “sentam” [ẽtrãw] e [sẽtãw] se torna uma semivogal (w) semelhante ao que
ocorre em “estão” [estãw], na pronúncia do português falado no Brasil. Existem outros
aspectos referentes à ortografia que não estão de acordo com a norma, no entanto, não é o
nosso principal foco.
O construto textual geral, devido a alguns aspectos coesivos como concordância
verbal, falta de pontuação e paragrafação, é um tanto difícil de ler, mas com atenção se pode
entender o que o aluno quis dizer. A ideia principal que ele defende é a validade da redução
da maioridade penal para 16 anos, uma vez que os adolescentes a essa idade são usados por
maiores para praticar atos ilícitos e aqueles, protegidos pela legislação, são apenas levados a
uma unidade de detenção socioeducativa (UNEI) e sabem que não terão maiores problemas.
Para o aluno, a solução seria reduzir a maioridade penal porque “eles vai ter (terão)
uma condena(ção) maior aí já vai pro cadeião lá eles aprendem a se respeitar, a dar valor a (à)
liberdade que temos aqui fora”. Nesse argumento, o aluno coloca que ao sofrer uma
condenação maior, o infrator aprenderia a dar valor à liberdade. Nesse ponto, ele rompe uma
sequência de verbos na terceira pessoa e coloca um (temos) na primeira pessoa plural. Isso
pode indicar uma marca de aproximação do leitor ao sentido de valorizar a liberdade, algo que
ele o faz.
6 “A superestrutura é uma estrutura global que é característica de um tipo de texto. É uma espécie de esquema
(modelo cognitivo global) formal e abstrato, de caráter convencional e, portanto, dependente da cultura.
Normalmente envolve uma sequência esquemática e características de linguagem, de recursos retóricos ou
estilísticos”. (TRAVAGLIA, 1991, p. 1291)
29
Percebemos que o texto está dividido em dois parágrafos somente. Essa forma de
construção é muito comum em textos escolares; às vezes ocorrem escritas de quase todo o
texto em um parágrafo apenas. Sabemos que um texto dissertativo argumentativo tem como
característica estar dividido entre introdução (um parágrafo), desenvolvimento (um ou mais
parágrafos) e conclusão (um parágrafo). Isto implica que nesse texto faltaria uma adequação.
O título que o aluno escolhe, talvez por se tratar de artigo de opinião, é “A minha
opinião”. Título recorrente em alguns textos. Quiçá isto seja herança dos textos “Minhas
férias”. O título, embora seja vago, marca a subjetividade opinativa presente no pronome
“minha”. Fato que significa um posicionamento marcado e subjetivo do sujeito quanto ao
tema proposto. Não obstante, foi-lhe pedido construir um título mais adequado ao texto, algo
que referisse ao que está escrito e que chamasse a atenção, como é uma característica dos
títulos de artigo de opinião.
O final do texto, a parte conclusiva, ficou sem sentido e dúbio como se pode notar
em “se reduzir para 16, vai melhorar bem o nosso mundo do crime”. Aqui ocorre uma
incoerência. Se ele se posiciona a favor da redução da maioridade penal, como pode fazer
parte do mundo do crime? Com isso levantamos uma questão importante: o tempo de
produção textual foi demasiado curto o que provavelmente tenha diminuído a chance de o
aluno ler o próprio texto. Vejamos o que acontece na reescrita.
3.1.2 Segunda versão do texto do Aluno 1
Ao comparar a primeira e a segunda versão notamos uma mudança brusca na
superfície do texto. O aluno escreve apenas um parágrafo. Poderíamos dizer que houve outra
inadequação quanto à estrutura de superfície do gênero. Ocorre, pelo que se pode notar, um
resumo do primeiro texto.
Nesse resumo que o aluno faz, há mudança significativa no modo como ele escreve.
Por mais que esteja escrito em um só parágrafo, podemos notar que o início do texto ele
escreve diferente, seleciona outras palavras. O aluno utiliza também, um recurso
argumentativo que é fazer pergunta. Após a declaração inicial, em que afirma enfaticamente
sua posição favorável à redução da maioridade penal com o uso do advérbio “sim” ao lado do
verbo “deve”, ele escreve: “[...] Por que? muitas pessoas estão fazendo desses adolescentes
como armas para traficar, assautar e matar”.
Ao cotejar o início dos textos percebemos que, no primeiro, ele coloca os jovens
como sujeitos que roubam, traficam e matam. No segundo, ele usa o pronome anafórico
30
“desses” que determina o nome “adolescentes”. Constatamos que ele fez referência ao que
havia dito no primeiro texto, como se fosse uma sequência do que estava escrito e dado como
sabido pelo interlocutor, o professor. Mas verificamos também que ele sabe o uso da
concordância nominal, um fator positivo e comumente não observado nas “correções”.
Seria mais interessante, ao avaliar o texto de um aluno, verificar os desvios, mas
também valorizar os acertos. São os desvios que precisam ser trabalhados. Possenti (1996)
defende que se não ocorrem problemas não há porque trabalhar com eles. Neste caso, para
este aluno, não seria necessário tomar tempo com exercícios de concordância nominal, por
exemplo, a não ser que em outros casos ele se equivoque. O mais importante seria então, caso
os problemas de referenciação ocorram em mais textos, trabalhar-se-ia com este recurso
linguístico de coesão. A esse respeito sabemos que, caso ocorram problemas coesivos, o
significado do texto pode ficar comprometido.
No âmbito informacional, as duas versões não trazem grande quantidade de
informações. Ainda mais importante que a quantidade é a qualidade da progressão que se dá
ao assunto abordado no texto. O aluno precisa progredir também neste quesito.
Provavelmente, mais momentos de leitura em sala de aula poderia conferir a esse aluno a
oportunidade de ampliar seu campo de visão sobre o assunto, caso os textos tratem sobre o
mesmo tema. Sem embargo, as atividades de leitura devem propiciar a leitura de vários textos,
de variados tipos e gêneros e conteúdos. Dessa forma se trabalha também numa perspectiva
interdisciplinar e possibilita ao aluno estabelecer relações ao produzir seus textos.
Consideremos, ainda, que estabelecer relações entre assuntos é um importantíssimo processo
de construção de sentido, tanto para o escritor quanto para o leitor: a intertextualidade.
O título atribuído ao texto foi modificado para “A maioridade penal” significando,
quiçá, o assunto a ser abordado. Não cabe aqui fazer juízo valorativo quanto ao melhor título
que deveria ser atribuído ao texto. Ao que parece, a reescrita surtiu efeitos positivos. É
possível, embora tenha sido escrito em um só parágrafo, que a conclusão que ele dá ao texto é
bem melhor à que foi desenvolvida na escrita anterior. Fazendo referência à prática de crimes
cometidos por adolescentes que são aliciados por adultos o aluno escreve: “se a maioridade
penal ficasse de 16 anos isso não ia acabar mais conserteza nossa cidade iria melhorar
bastante”.
Levando em conta a construção de sentido ele faz uma modificação importante. Se
na conclusão anterior ele dá a entender que faz parte do crime, na segunda versão ele coloca a
redução da maioridade penal como fonte de mudança na sociedade (em relação ao crime).
Quanto à questão gramatical e ortográfica percebemos que, o aluno, primeiro escreve o verbo
31
ir no sentido de futuro, mas conjugado no pretérito imperfeito do indicativo “ia”; mais adiante
ele faz o uso adequado no futuro do pretérito “iria” – um fator comparativo importante no
próprio texto –. A falta de vírgula entre a oração subordinada adverbial condicional e a
adversativa iniciada pela conjunção “mas”, confundida novamente devido à influência da
pronúncia com a grafia do advérbio quantitativo “mais”, seria outro objeto de análise
linguística; acrescenta-se ainda a grafia da locução adverbial afirmativa “com certeza” que,
além de estar grafado junto, o aluno substitui o c pelo s – grafia muito comum, aliás em
alguns textos escolares –. Neste último caso, poderia se trabalhar juntamente à grafia, a classe
de palavra e principalmente a função dela no texto e sua possível substituição da locução pelo
“certamente”.
Provavelmente, mais mudanças importantes teriam ocorrido se houvesse uma
terceira reescrita; atividade esta que traria mais benefícios para a aprendizagem do aluno e,
provavelmente, o texto estaria mais bem escrito e com maior informatividade.
3.1.3 Primeira versão do texto do Aluno 2 (aluna)
De antemão, neste texto, podemos observar que, quanto à superestrutura, houve
adequação mais satisfatória em relação ao gênero proposto. Isso se pode perceber ao
observarmos a organização do texto e a forma como o discurso é construído. Esses são fatores
importantes e positivos que contribuem para o desenvolvimento do texto e de sua
inteligibilidade.
Comecemos pelo título do texto que parece ser interessante e faz um convite ao leitor
para refletir sobre o assunto e, provavelmente a ler o que está sendo dito sobre o mote: “A
maioridade penal reduzida, resolveria?”.
No primeiro parágrafo, a aluna faz uma contextualização a respeito do tema que ela
aborda no texto. Esta é uma característica comum presente nos artigos de opinião. Ela não
deixa evidente, no primeiro parágrafo, sua posição em relação ao assunto. Uma análise mais
criteriosa diria que ela tende a ser favorável à redução da maioridade penal. Vejamos:
Hoje em dia a maioria dos crimes são cometidos por jovens menores de 18, e como a
maioridade aqui no Brasil é de 18 anos, esses jovens cometem delitos e vão para a UNEI
para cumprir medidas sócio-educativas. Ao sair da UNEI a maioria desses jovens voltam e se
aprofundam mais na vida do crime.
Aparentemente a autora estaria a favor da redução da maioridade penal, mas ela vai
construindo argumentos que levam à conclusão de que a maioridade penal não resolveria a
32
delinquência juvenil. Ela sugere a aprovação da pena de morte como meio para inibir a prática
de crimes. Essa sugestão demonstra um senso comum em se tratando de legislação, pois, a
pena de morte não se aplica a todos os delitos.
A aluna-autora tenta trazer o leitor para a defesa de sua tese de que não se deve reduzir
a maioridade penal: “Agora, imagine esses jovens indo para esses presídios ao (aos) 16 anos?
Se juntando com criminosos mais experientes?”. O questionamento é uma estratégia
argumentativa que ela lança mão para aproximar-se do leitor.
Ainda que o texto esteja conforme a proposta, é possível melhorá-lo. Vejamos sua
segunda versão.
3.1.4 Segunda versão do texto do Aluno 2 (aluna)
A mudança é bastante significativa principalmente no modo como ela aborda o tema e
na extensão do texto. O primeiro parágrafo já apresenta inclusive uma mudança de
perspectiva. Se na primeira versão ela coloca que a maioria dos crimes são cometidos por
menores, na segunda versão, ela adota outra postura enunciativa. Observemos:
“Atualmente no Brasil, estão ocorrendo crimes constantes envolvendo menores, e
como nesse país a maioridade é de dezoito anos, esses jovens não respondem pelo(s) seus
atos”.
Constatamos que até a forma de contextualizar é substituída por “atualmente”.
Percebemos que a aluna faz bem a referenciação com o uso de “nesse” e “esses” para referir-
se ao Brasil e aos menores respectivamente. Ao escrever o numeral, na segunda versão, ela
opta pela escrita por extenso do número.
A partir das orientações em sala, ao ler o texto, a aluna decide modificá-lo para torná-
lo melhor, e o faz acrescentando mais argumentos, dentre eles o uso de exemplificação
presente nos parágrafos 1, 2 e 3.
De modo mais efetivo, desenvolve uma técnica de fazer o leitor pensar e seguir seu
raciocínio. Ela o faz já com o título que opta por não modificar. E no parágrafo final, ela
convida o leitor a pensar (Agora pense) e faz perguntas: “Reduzir a maioridade penal,
resolveria? Ou o jeito seria a pena de morte?”. O modo como ela coloca o verbo no
condicional implica também uma modalização do discurso que, se dá não de forma coercitiva
ou de argumentum ad báculum, mas de maneira convidativa a uma reflexão. No entanto, ela
deixa claro que a pena de morte poderia ser uma solução melhor que a redução da maioridade
penal.
33
Na segunda versão, ela mantém seu posicionamento e melhora a maneira de dizer,
acrescenta argumentos, usa outras palavras. Em suma, fez por si mesma, a análise linguística
do seu texto. Um fato mais que positivo e principal para se alcançar o objetivo da disciplina
de língua portuguesa, como já mencionado em páginas anteriores: formar um aluno-cidadão
que seja capaz de observar o mundo a sua volta de modo crítico e, no caso do texto, capaz de
também ler de forma crítica sua produção.
No âmbito informacional, a segunda versão tem maior completude, pois a aluna-autora
apresenta novos elementos que reforçam seus argumentos e lhe dão mais propriedade.
Poderíamos aprofundar mais acerca dos aspectos discursivos presentes nos textos,
inclusive em possíveis diferenças de estilo entre homem e mulher na hora de escrever. No
entanto, isso necessitaria maior tempo e abordagens que optamos abordar em um trabalho
posterior.
Devemos considerar, a partir do exposto, a validade de se pensar o texto como
processo e a necessidade de incutir esse pensamento também nos alunos. Assim,
consideramos também a validade da prática de reescrita e Análise Linguística em sala de aula,
pois, mesmo o texto com mais ou menos problemas pode passar por um processo de
reestruturação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como podemos constatar, a partir do que foi exposto, o ato de educar é um ato
político. O professor não está isento de ensinar a partir de suas concepções sobre
aprendizagem. No ensino de língua portuguesa, a concepção que o professor tem acerca de
língua e linguagem vai amparar sua prática em sala de aula.
Vimos ainda que os PCN de Língua Portuguesa orientam um ensino mediante o
estudo do texto numa perspectiva discursiva, uma vez que, considerando o texto e a
linguagem como atividade discursiva é possível levar em conta os sujeitos e as situações
históricas de produção do discurso. Esse ensino do texto, numa perspectiva discursiva, se dá
mediante o estudo dos gêneros discursivos. A escola deve prover ao aluno o contato com as
diferentes manifestações discursivas para que ele possa preparar-se já na escola a atuar na
sociedade de maneira crítica e adequada às situações a que é exposto.
Para Bakhtin (2003), os gêneros do discurso são diversos e infinitos devido a que
“são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada como
dessas atividades é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à
medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo”. Para cada campo de
atividade humana existe um gênero do discurso relativamente estável que possui um conteúdo
temático, um estilo e uma construção composicional que o identifica.
É com a finalidade de preparar os alunos a cada campo de atuação humana em que
ele for atuar que se deve trabalhar com os gêneros do discurso e, por conseguinte, numa
perspectiva discursiva de linguagem.
As aulas de leitura e produção de texto não podem ser substituídas pelas aulas de
classificação gramatical, mas estas devem inserir-se nas atividades de produção significativa
de linguagem, por meio da prática de Análise Linguística. Assim, não se exclui o estudo
metalinguístico, mas se dá a ele um novo sentido, uma nova forma.
O texto como atividade discursiva, como vimos nos textos analisados, tem na
incompletude uma de suas características fundamentais. Incompletude no sentido de sempre
poder ser melhorado, receber ou retirar informações.
Será na prática de reescrita que o aluno terá a oportunidade de se habituar a ler o
próprio texto e também analisá-lo, avaliá-lo. Desse modo, não só o professor será responsável
pela avaliação do texto, marcando as inadequações. O aluno precisa estar inserido nesse
contexto para que ambos, professor e aluno possam ter consciência de que o texto é resultado
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de um processo que deve ser antecedido por leituras, discussões, escrita, leitura, releitura e
reescrita.
Verificamos que é válida a prática de reescrita, pois foram constatadas mudanças
importantes entre uma versão e outra dos textos analisados. Entendemos que se houvesse
outra reescrita provavelmente haveria outras mudanças que tornariam os textos mais coerentes
e coesos, entretanto, não dispúnhamos de tempo suficiente. Desse modo, enfatizamos a
necessidade de entender que para produzir bons textos requer tempo. Se o aluno tiver tempo
suficiente desde a primeira escrita para pesquisar, ler o próprio texto antes de entregá-lo, a
produção textual terá cada vez menos inadequações do ponto de vista gramatical e também
discursivo.
É preciso fazer da aula de língua portuguesa um laboratório significativo de
produção de textos, de linguagem. Produzir textos não mais deve ser encarado como castigo,
como mero instrumento de avaliação para atribuir nota. Produzir textos deve ter o intuito de
estudar a língua de maneira significativa, principalmente, inseridos em projetos que envolvam
os alunos em práticas também significativas, como a elaboração de jornais, saraus etc.
Pensar o ensino de língua portuguesa como língua materna, numa visão discursiva,
pode ser o caminho para trazer mudanças importantes no cenário educacional brasileiro. Em
vez de produzir poemas para ter nota, o aluno poderia aprender a enxergar a poesia, senti-la.
Na verdade, ele poderia voltar a vê-la se retirasse a venda que a escola, muitas vezes, coloca
sobre seus olhos.
Consideremos também, a título de palavras (quase)finais que a reescrita faz parte da
vida de todo escritor. Neste texto monográfico, por exemplo, quantas palavras e frases foram
substituídas, apagadas, reinventadas para melhor construir o significado do que aqui se
propunha. Reescrever não significa mudar tudo – ainda que às vezes seja preciso –; tem mais
valor o ato de reescrever quando se aprende a dizer e fazer diferente para ser coerente.
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ANEXOS
PRIMEIRA VERSÃO DO TEXTO DO ALUNO 1
SEGUNDA VERSÃO DO TEXTO DO ALUNO 1
PRIMEIRA VERSÃO DO TEXTO 1 DO ALUNO 2
TRANSCRIÇÃO DA PRIMEIRA VERSÃO DO TEXTO 1 DO ALUNO 2
A maioridade penal reduzida, resolveria?
Hoje em dia a maioria dos crimes são cometidos por jovens menores de 18 anos, e
como a maioridade aqui no Brasil é de 18 anos, esses jovens cometem delitos e vão para a
UNEI para cumprir medidas sócio-educativas. Ao sair da UNEI a maioria desses jovens
voltam e se aprofundam mais na vida do crime.
No presídio, há pessoas que são maiores de idade, pessoas “vividas” e com mais
prática no crime. Já na UNEI, só há jovens que estão começando a vida, sem muita prática.
Agora, imagine esses jovens indo para esses presídios ao 16 anos? Se juntando com
criminosos mais experientes? Eles iriam aprender mais coisas e mais cedo.
A maioridade penal não resolveria a delinquência desses jovens, só pioraria mais
ainda, porque após cumprirem sua pena sairiam de um presídio com mais experiência e
orientações dos mais velhos. Ou seja, mais crimes com pessoas mais jovens ocorreriam. O
jeito seria a pena de morte, pois ficariam assustados e talvez não cometeriam nenhum delito.
SEGUNDA VERSÃO DO TEXTO DO ALUNO 2