a predominância da soberania dos vereditos frente ao fim do protesto por novo júri

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 O FIM DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 11.689/2008 Suênya M. Mourão Batista 1 Resumo: Com este trabalho busca-se fazer uma breve análise acerca do derradeiro fim do protesto por novo júri no ordenamento jurídico brasileiro materializado pela Lei n° 11.689/08 e diante da presente controvérsia acerca da retroatividade do referido diploma legal, defender-se-á a impossibilidade de interposição do citado recurso contra condenações por crimes praticados antes da vigência da lei supracitada por se tratar de lei processual de aplicação imediata e sobretudo, para que seja resguardada a soberania dos vereditos. Palavras-chave: protesto por novo júri; irretroativida de; soberania dos vereditos 1 CONSIDERÕES INICIAIS O Tribunal do Júri é uma instituição tradicional no ordenamento jurídico  brasileiro. Ele surgiu como lei em 1822 e ganhou  status constitucional com a Constitu ição do Impér io de 1824. Ao Júri era atribu ída comp etê ncia para julg ar tan to ações penai s quanto cíveis. Somente com a Constituição de 1891 este Tribunal foi erigido ao nível de garantia individual. A atual Carta Magna não só o manteve no rol das garantias fundamentais, mas ta mb ém cu id ou de to rn á-l o in ta ng ív el ao el ev á-l o à condição de cláusula pé tr ea . A Cons ti tu ão Cidadã reconhec e o Tribunal do ri, da nd o- lh e a co mp etência pa ra o  jul game nto dos crimes dolosos cont ra a vida ,e atri buin do-lh e alg uns princ ípi os como a  plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. A soberania dos vereditos, aspecto essencial do Júri, somente veio estar plenamente resguardada recentemente com o advento da Lei 11.689/2008 que baniu do nosso ordenamento o Protesto por Novo Júri. O Código de Processo Penal de 1832, trouxe ao cenário jurídico a figura recursal do Protesto por Novo Júri, este tinha o objetivo de conceder à defesa um meio de  provocar segunda apreciação de condenações às penas de morte e às galés perpétuas. Tendo em vista a gravidade das referidas sanções, concedeu-se ao réu uma nova oportunidade de  ju lg ame nto . Pos te riorme nte , fo i admitido par a pen as não o gra ve s, co mo no caso de 1  Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Agostinho, pós-graduanda em Direito Público e Privado pela Escola Superior da Magistratura do Piauí - ESMEPI

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O FIM DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI

11.689/2008

Suênya M. Mourão Batista1

Resumo: Com este trabalho busca-se fazer uma breve análise acerca do derradeiro fim do protesto por novo júri no ordenamento jurídico brasileiro materializado pela Lei n° 11.689/08 e diante da presentecontrovérsia acerca da retroatividade do referido diploma legal, defender-se-á a impossibilidade deinterposição do citado recurso contra condenações por crimes praticados antes da vigência da leisupracitada por se tratar de lei processual de aplicação imediata e sobretudo, para que seja resguardadaa soberania dos vereditos.

Palavras-chave: protesto por novo júri; irretroatividade; soberania dos vereditos

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Tribunal do Júri é uma instituição tradicional no ordenamento jurídico

 brasileiro. Ele surgiu como lei em 1822 e ganhou status constitucional com a Constituição doImpério de 1824. Ao Júri era atribuída competência para julgar tanto ações penais quanto

cíveis. Somente com a Constituição de 1891 este Tribunal foi erigido ao nível de garantia

individual. A atual Carta Magna não só o manteve no rol das garantias fundamentais, mas

também cuidou de torná-lo intangível ao elevá-lo à condição de cláusula pétrea. A

Constituição Cidadã reconhece o Tribunal do Júri, dando-lhe a competência para o

  julgamento dos crimes dolosos contra a vida,e atribuindo-lhe alguns princípios como a

 plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. A soberania dos vereditos,

aspecto essencial do Júri, somente veio estar plenamente resguardada recentemente com o

advento da Lei 11.689/2008 que baniu do nosso ordenamento o Protesto por Novo Júri.

O Código de Processo Penal de 1832, trouxe ao cenário jurídico a figura

recursal do Protesto por Novo Júri, este tinha o objetivo de conceder à defesa um meio de

 provocar segunda apreciação de condenações às penas de morte e às galés perpétuas. Tendo

em vista a gravidade das referidas sanções, concedeu-se ao réu uma nova oportunidade de

  julgamento. Posteriormente, foi admitido para penas não tão graves, como no caso de1 Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Agostinho, pós-graduanda em Direito Público e Privado pela Escola

Superior da Magistratura do Piauí - ESMEPI

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condenação a trinta (Dec. N. 3.084, de 1898) ou vinte e quatro anos ( Dec.-Lei n. 167, de

1938).

Em seguida o recurso passou a ser regulamentado pelos artigos 607 e 608 do Códigode Processo Penal, tendo como fundamento a quantidade de pena imposta. Cumpre registrar 

que o recurso sob análise aplicava-se apenas quando a sentença condenatória, vinculada à

instituição do júri, fosse de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, sendo

desnecessária qualquer motivação (CPP, art. 607, caput ).

O recurso sempre foi alvo de críticas pois a admissibilidade do mesmo ligava-se tão

somente à gravidade da sanção imposta e não a um possível erro no julgamento. Depreende-se

também que tal meio recursal era específico apenas a uma parte dos acusados, ou seja, àqueles

que se enquadrassem na sanção prevista no dispositivo legal supracitado. Enfim, o legislador 

 pretendia rescindir imotivadamente a decisão emanada do tribunal do júri a fim de conceder 

ao réu nova chance de julgamento.

Com o advento da Lei 11.689/08, mais precisamente de seu artigo 4º, o duvidoso

recurso foi abolido do ordenamento jurídico brasileiro, fato este que contou com a aprovação

e a simpatia de grande parte da doutrina pátria. Embora ainda existissem alguns defensores damanutenção do protesto por novo júri, crê-se que a decisão de suprimi-lo do cenário jurídico

 brasileiro foi acertada, afinal, a segunda apreciação de condenações produzidas no âmbito do

Tribunal do Júri ,onde as penas aplicadas não são as mais elevadas do Código Penal, parece

algo que beira ao exagero.

René Ariel Dotti (1994, p.281), responsável pela elaboração do anteprojeto da lei em

comento, assim explicava as razões que levaram à extinção do citado meio recursal:

Trata-se de uma imposição dos tempos modernos e da necessidade de seaplicar a pena justa ao caso concreto. Historicamente o protesto seimpunha em face do sistema criminal do Império cominar as penas demorte e galés perpétuas, justificando a revisão obrigatória do julgamento.

 Nos tempos modernos a supressão já foi sustentada por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do tribunal popular: o magistrado MagarinosTorres que, presidindo durante tantos anos o Conselho de Sentença,averbou este recurso de supérfluo e inconveniente. Quanto ao aspecto da

 pena justa, forçoso é reconhecer que embora condenados por homicídiocom mais de uma qualificadora, muitos réus são beneficiados com a penade reclusão inferior a 20 anos. Tal estratégia tem o claro objetivo de

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impedir o novo Júri que se realizará mediante o simples protesto, semnecessidade do processo chegar ao tribunal de apelação. Procura-se, comesse expediente, fugir dos ônus de um novo julgamento, com a fatigantereencenação da vida e da morte dos personagens do fato delituoso.

  No entanto, após a abolição do recurso surgiram também questões acerca da

retroatividade da lei em comento: ela alcança condenações por crimes ocorridos antes de sua

vigência? A questão ganhou força principalmente após o julgamento do casal Nardoni em

março de 2010, que teve amplo envolvimento da mídia e grande comoção pública.

Condenados a penas superiores a 20 (vinte) anos de reclusão, os acusados protestaram por 

novo júri, ao fundamento de que o fato delituoso a eles imputado ocorreu antes da entrada em

vigor da Lei n.º 11.689/08. Têm eles realmente direito a novo júri apenas em decorrência da

quantidade de pena fixada na sentença?

O tema é controverso e ainda não se tem entendimento solidificado na doutrina e na

 jurisprudência. Enfrentando o debate e apegando-se ao princípio da soberania dos vereditos,

defender-se-á no presente trabalho a impossibilidade de interposição do protesto por novo júri

contra condenações por crimes praticados antes da vigência da Lei n.º 11.689/08.

2 AMPLA DEFESA X SOBERANIA DOS VEREDITOS?

O principal fundamento apresentado para a existência do protesto por novo júri era o

de possibilitar sem formalidades o reexame da causa quando aplicadas as penas de morte ou

de prisão perpétua, face a gravidade de tais sanções. Hoje, diante da abolição de tais sanções,

com a única exceção da pena de morte para os crimes militares em tempo de guerra, háevidente desnecessidade da utilização de tal meio recursal, tendo em vista que o mesmo

afastava a credibilidade dos julgamentos efetuados pelo Tribunal do Júri.

Quer-se, desse modo, concluir este tópico no sentido de que, mediante análise

sistemática, torna-se difícil não aceitar que o protesto por novo júri violava sim a garantia

constitucional da soberania dos vereditos (CF, art. 5°, inc. XXXVIII, c), uma vez que, após

decisão dos jurados, e por conta de elevada dosimetria da pena ,simplesmente rescindia-se os

efeitos da vontade dos jurados.

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No entanto, não se pode incentivar posicionamento no sentido de que haja oposição

entre a soberania dos vereditos e a ampla defesa, ou mesmo o duplo grau de jurisdição, uma

vez que a supressão do recurso não está relacionada com os princípios da ampla defesa e do

duplo grau de jurisdição. O condenado pela prática de delito doloso contra a vida dispõe de

vários outros meios para insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal do Júri

(apelação, habeas corpus e revisão criminal). Não era o protesto por novo júri o único meio

de impugnação. Era, sim, um recurso ultrapassado, que atentava contra o princípio da

soberania dos vereditos e não encontrava guarida na doutrina nacional, tendo sido em boa

hora excluído da legislação.

Em relação à suposta garantia do duplo grau de jurisdição, é necessário relembrar que o protesto por novo júri não é dirigido ao Tribunal. É o próprio juiz presidente quem

analisa e julga o recurso, sendo interposto de juízo a quo para juízo a quo. Assim sendo, não

há que se falar em garantia do duplo grau de jurisdição. Ademais, a extinção do protesto por 

novo júri não afeta em nada eventual duplo grau de jurisdição referente às demais decisões do

 júri, eis que mantida a possibilidade de apelação das decisões, nas hipóteses descritas no art.

593, inc. III, do CPP.

 No que se refere ao princípio da ampla defesa, deve-se ressaltar que o referido

 princípio não assegura uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo, conforme

adverte Mougenot Bonfim (2006, p.43), "mas, ao contrário, que esta se produza pelos meios e

elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado por lei". Se a nova

legislação extinguir um recurso, deixa de existir a oportunidade de impugnar a decisão

daquela forma – embora outras incontáveis formas de impugnação continuem a existir –, sem

que isso atinja a relação entre o ius puniendi e o ius libertatis. De mais a mais, no protesto por 

novo júri não há uma absolvição imediata do acusado. Apenas se rescinde o julgamento

anterior, para que o acusado seja submetido novamente a julgamento, por outros jurados. Não

há garantia de que será absolvido ou um afastamento automático do ius puniendi.

A plenitude de defesa, quanto ao mérito da decisão, superada a fase de plenário, e em

sobrevindo sentença condenatória, cabe ser exercida nos casos em que a decisão dos jurados

for manifestamente contrária à prova dos autos, mediante interposição do recurso de apelação

(CPP, art. 593, inc. III, d ). Tal recurso efetivamente é amplo pois todos os acusados,independentemente da pena recebida, a ele têm direito. E caso a decisão dos jurados viole

concretamente a prova dos autos isto deve, de fato, ser revisto e modificado, haja vista

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também que a soberania dos veredictos não é tão soberana assim a ponto de se confundir com

arbítrio e, portanto, fonte de injustiças manifestas.

 Numa breve análise pode-se admitir que não seria resguardar a ampla defesa arealização automática de novo julgamento, apenas e tão somente em razão da pena aplicada,

 já que seria admitir que para aqueles que não tiveram direito ao protesto por novo júri, em

razão da pena aplicada e não propriamente da decisão dos jurados, a defesa não teria sido tão

 plena assim. Isto bem demonstra a ausência de razoabilidade na permanência do instituto do

 protesto por novo júri em nosso ordenamento jurídico, efeito, pois, de sua eliminação.

Antes mesmo da condenação, o direito à plenitude de defesa foi devidamente

oportunizado por ocasião dos debates em plenário e isto para todos os acusados. Logo, o novo

sistema permite garantir a plena igualdade de direitos entre todos os acusados e a plena

igualdade de efeitos para todas as decisões condenatórias oriundas do corpo de jurados, salvo

a hipótese já asseverada de decisão manifestamente contrária à prova dos autos,

independentemente da pena aplicada pelo magistrado.

Tais efeitos acham-se em conformidade com o texto constitucional, na medida em

que garante a igualdade, entre todos os acusados, do direito ao contraditório e ampla defesa, bem como garante a igualdade aos efeitos das decisões do Conselho de Sentença, sem

 prejuízo de que a plenitude de defesa se complete por meio do recurso de apelação, obtendo-

se o direito ao duplo grau de jurisdição, perfazendo assim a garantia constitucional do devido

 processo legal e justo.

3 DA APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 11.689/2008

Damásio Evangelista de Jesus (apud  Fernando Capez, 2010, on line) concebe a

questão temporal da Lei 11.689/2008 como de natureza polêmica, indicando a existência de

três correntes:

1.ª – a norma do art. 607 do CPP é de natureza penal e, por isso,

ultra-ativa (mais benéfica), aplicando-se aos réus condenados a 20 ou mais anos de reclusão

 por delitos da competência do Júri, cometidos antes da vigência da Lei n.º 11.689/2008, mais

gravosa e irretroativa (“novatio legis em pejus”; parágrafo único do art. 2.º do CP). Para essa

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orientação, réus processados por homicídio ou outro delito cometido antes da Lei

11.689/2008, se condenados, na vigência da nova regra extintiva, na quantidade fixada pela

norma, terão direito a um segundo julgamento.

2.ª – o art. 4.º da Lei n. 11.689/2008 contém norma processual

 penal, sendo, por isso, de aplicação imediata, de maneira que, por exemplo, réus processados

 por homicídio cometido antes da Lei 11.689/2008, se condenados a 20 ou mais anos de

reclusão, ainda que na vigência da nova regra extintiva, não terão direito a um segundo

 julgamento.

3.ª – estamos em face de norma mista, penal e processual penal,

 prevalecendo sua natureza de Direito Material (Penal): o art. 4.º da Lei 11.689/2008 éirretroativo; o art. 607 do CPP, ultra-ativo. Solução: réus condenados a 20 ou mais anos de

reclusão por homicídio (ou crime diverso, mas da competência do Júri), cometido antes da Lei

11.689/2008, julgados na vigência da nova regra extintiva, terão direito a um segundo

 julgamento.

Entende o honrado doutrinador que é prescindível a discussão acerca da natureza

 penal, processual penal ou híbrida das normas sob crivo de aplicação. A não permissão do

 protesto por novo júri, decorrente da adoção da 2ª. Corrente, fere o princípio constitucional da

amplitude de defesa. Assevera que não é constitucional que o Estado reduza a plenitude de

defesa, diminuindo a sua amplitude com a exclusão de um recurso, alterando, assim, as regras

do jogo em prejuízo do réu.

O tema ganhou relevo também em virtude do Brasil ter ratificado a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art.

8.º, II, h, que todo acusado de delito tem ‘direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal

superior’, e tendo-se em vista o estatuído no § 2.º, do art. 5.º, da CF/88, segundo o qual ‘os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte’. Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos de Nova York que no seu art. 14, V, estatui que ‘toda pessoa declarada culpada por 

um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância

superior, em conformidade com a lei’. Assim, referidos documentos serviram para embasar 

correntes doutrinárias que afirmam que os arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal, a par 

de serem normas processuais, inseriam-se também no âmbito do Direito Material por 

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constituírem garantia ao duplo grau de jurisdição. Nestas condições, ditas normas não são

 puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais.

 No entanto, tem ganhado ênfase no cenário jurídico nacional a corrente que se posiciona no sentido de que a norma que trata do protesto por novo júri possui natureza

 processual penal. As normas penais são aquelas que afetam, ainda que indiretamente, o ius

 puniendi estatal. Por sua vez, as normas processuais são as que dizem respeito ao início

(oferecimento, denúncia), desenvolvimento (prazos) e fim do processo (sentença), sem

atingir, ainda que indiretamente, o ius puniendi. Assim, para que possa falar em norma penal,

deve-se vislumbrar a alteração da situação de direito material do indivíduo frente ao poder 

 punitivo estatal. Quanto às normas mistas, seriam aquelas que tratariam de aspectos penais e processuais penais ao mesmo tempo.

 Neste sentido, valemos da lição de Espínola Filho (2000, p.180):

Assim, são normas de direito material penal todas as que atribuemvirtualmente ao Estado o poder punitivo, ou dão a órgãos do próprioEstado ou a particulares o poder de disposição do conteúdo material do

 processo, isto é, da pretensão punitiva, ou da pena: faculdade de queixa,

ação, remissão, anistia, indulto, graça, prescrição, condenação condicionaletc. São, ao invés, normas de direito processual todas, mas somente as queregulam, de modo geral, o início, o desenvolvimento e o fim do processo,estabelecem as garantias jurisdicionais da execução dos julgados, indicama forma, pela qual as partes podem valer-se das suas faculdadesdispositivas do conteúdo material do processo, atribuem a órgãos doEstado ou aos particulares o poder de disposição do conteúdo formal do

 processo, ou seja, das meras formas processuais.

Como era esperado, a abolição do protesto por novo júri trouxe amplas discussões

 principalmente no que tange à sua retroatividade. O julgamento do casal Nardoni instigou

ainda mais os debates, pois os acusados protestaram por novo júri alegando que o fato

delituoso a eles imputado ocorreu antes da entrada em vigor da Lei 11.689/08. O tema tem

gerado controvérsias na doutrina nacional, enfrentando o debate, tem-se de um lado a posição

liderada pelo professor Luiz Flávio Gomes defendendo a alegação do casal Nardoni e de

outro lado aqueles que não mais admitem o recurso, tenha o delito sido praticado antes ou

depois da Lei 11.689/08, corrente esta encabeçada pelo mestre Guilherme de Souza Nucci.

A corrente liderada pelo professor Luiz Flávio Gomes (2008, p.261) , defende a possibilidade de manejo do protesto por novo júri aos crimes perpetrados antes da entrada em

vigor da nova lei, ou seja, crimes ocorridos até 08.08.2008 ainda admitirão o recurso abolido.

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Trata-se de uma posição benéfica ao réu posto que vê assegurada sua possibilidade recursal,

existente na data do delito. De tal sorte que, condenado a pena igual ou superior a 20 anos,

  pela prática de um crime cometido à época em que existia o protesto – e desde que

 preenchidos os requisitos legais elencados nos revogados arts. 607 e 608 do CPP – deve ser 

admitido o recurso.

Estes doutrinadores entendem que pensar de forma diversa implicaria em restringir o

direito de recurso do réu, em clara afronta à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição. No

mesmo sentido é a conclusão do Procurador de Justiça no Estado da Bahia, Rômulo de

Andrade Moreira (2010, on line), que escreveu valioso e recomendado artigo sobre o tema:

Diante do exposto, entendemos que os dispositivos revogados e que tratavamda possibilidade do protesto por novo júri terão incidência em relaçãoàqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada emvigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º da Lei deIntrodução ao Código de Processo Penal e no art. 2º, do Código Penal.

Dessa forma, como o crime supostamente praticado pela casal Nardoni ocorreu no

dia 29 de março de 2008, a citada corrente entende que ambos fazem jus ao protesto por novo

 júri, ou seja, devem ser levados a novo julgamento pelo Tribunal Popular.

Em que pese o respeito pelas opiniões acima citadas, a razão parece estar com

aqueles que não mais admitem o recurso, tenha o delito sido praticado antes ou depois da Lei

11.689/08. Entrando em vigor, as normas processuais têm sua incidência regulada pelo art. 2º

do CPP, segundo o qual “a lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo dos atos

realizados sob a vigência da lei anterior”. Isso significa que o legislador pátrio adotou o

 princípio da aplicação imediata das normas processuais: o ato processual será regulado pela

lei que estiver em vigor no dia em que ele for praticado (tempus regit actum).

Logo,a norma que trata do protesto por novo júri possui natureza processual penal.

As normas penais são aquelas que afetam, ainda que indiretamente, o ius puniendi estatal,

criando-o (norma penal incriminadora), ampliando-o (aumenta o prazo prescricional, o prazo

 para aplicação do ius puniendi) ou extinguindo-o (causa extintiva da punibilidade, abolitio

criminis etc.). Por sua vez, as normas processuais são as que dizem respeito ao início

(oferecimento, denúncia), desenvolvimento (prazos) e fim do processo (sentença), sem

atingir, ainda que indiretamente, o ius puniendi. Assim, para que possa falar em norma penal,

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deve-se vislumbrar a alteração da situação de direito material do indivíduo frente ao poder 

 punitivo estatal.

As normas de natureza processual aplicam-se aos processos em andamento, aindaque o fato tenha sido cometido antes de sua entrada em vigor e mesmo que sua aplicação se

dê em prejuízo do agente. É que a sua aplicação no tempo não se encontra regida pelo art. 5º,

XL, da CF, o qual proíbe a lei de retroagir para prejudicar o acusado. Tal dispositivo

constitucional não está se referindo à lei processual, que tem incidência imediata, mas tão-

somente à penal.

A lei processual não se interessa pela data em que o fato foi praticado. Pouco importa

se cometido antes ou depois de sua entrada em vigor, pois ela retroage e o alcança, ainda que

mais severa, ou seja, mesmo que prejudique a situação do agente. Incide imediatamente sobre

o processo, alcançando-o na fase em que se encontrar. O ato processual é regido pela lei

 processual que estiver em vigor naquele dia, ainda que seja mais gravosa do que a anterior e

mesmo que o fato que deu ensejo ao processo tenha sido cometido antes de sua vigência.

Pode-se dizer que da aplicação do princípio do tempus regit actum derivam dois

efeitos:

a) Os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior são considerados válidos e

não são atingidos pela nova lei processual, a qual só vige dali em diante;

 b) As normas processuais têm aplicação imediata, pouco importando se o fato que deu

origem ao processo é anterior à sua entrada em vigor.

Além disso,diz-se que as normas reguladoras do protesto por novo júri tinham

conteúdo genuinamente processual, sem reflexos na órbita penal, pois apenas dispunham

sobre um recurso. Não versavam sobre o  status liberdade do réu (sua admissibilidade não

implicava a soltura ou a permanência do réu na prisão), tampouco sobre causas de extinção da

  punibilidade (prescrição, decadência, abolitio criminis e outras). Dessa forma, ante o

conteúdo estritamente processual das normas que o disciplinavam, a legislação que revogou o

 protesto por novo júri tem aplicabilidade imediata, é dizer, aplica-se a todos os processos em

curso, independentemente de quando ocorreu o delito, nos termos do artigo 2º do Código de

Processo Penal.

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O mestre Guilherme de Souza Nucci (2008,p.906) também se posicionou sobre o

tema:

As normas que o regiam (arts. 607 e 608, CPP) tinham conteúdotipicamente processual, sem qualquer ponto de contato com o direitomaterial. Portanto, jamais, poderão ser consideradas normas

  processuais penais materiais. Disciplinavam a existência de umrecurso, benéfico à defesa (como outros ainda perduram: embargosinfringentes e de nulidade), que concedia uma segunda chance par oréu condenado a uma pena igual ou superior a vinte anos. Nãoimplicava em soltura ou prisão do acusado, nem tampouco invadia ocampo da punibilidade.

(...)

Ora, o protesto por novo júri não provocava a extinção da punibilidade, nem afetava a liberdade do réu. Constituía, apenas, emnova chance para ser julgado pelo Tribunal do Júri. Um direito decaráter processual, mas não penal.

(...)

O Procurador da República Andrey Borges de Mendonça (2010, on line) também

defende a abolição do instituto do arcabouço jurídico pátrio, aduzindo que a partir da entrada

em vigor da Lei 11.689/08 não é mais possível sua utilização:

Diante destas considerações, entendemos que a partir de 9 de agostode 2008 não será mais possível a utilização do protesto por novo júri,que está sepultado definitivamente, seja o crime praticado antes oudepois desta data. Ou seja, independentemente da data do fatocriminoso, para a interposição do protesto por novo júri seránecessário verificar a data da publicação da decisão condenatória. Sefor anterior a 9 de agosto de 2008, será possível se valer do recursomencionado (obedecendo, é claro, aos requisitos de admissibilidadedo referido recurso). Se a decisão condenatória for proferida após 9 deagosto de 2008, não terá cabimento o protesto por novo júri.

Corroborando, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também está se

inclinado a não mais admitir o recurso:

HABEAS CORPUS. PROTESTO POR NOVO JÚRI. Alegação deque ao tempo do crime ainda vigia dispositivo legal permitindo orecurso. Entendimento de que o novo preceito não se aplica ao caso,

frente ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, por setratar de norma de conteúdo material ligada à ampla defesa.Inadmissibilidade do pleito. Inteligência do artigo 2°, do CPP, que

  prevê a imediata aplicação da lei processual penal. Ampla defesa

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garantida, inclusive porque previsto recurso de apelação na leivigente. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada.

HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. Sentença condenatória. Alegação

de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Pleitos deanulação do julgamento, reconhecimento da ocorrência de crimecontinuado e redução da pena imposta, ante a menoridade relativa do

 paciente na data dos fatos. Impossibilidade de exame da matéria nasede restrita do writ constitucional. Apelação interposta pela Defesa,sede em que serão apreciados os pedidos. Pleito alternativo derecebimento do presente habeas corpus como protesto por novo júri.Inadmissibilidade. Instituto abolido pela Lei n° 11.689/08. Ausênciade constrangimento ilegal. Ordem denegada.

 Nesta senda, entende-se que a norma que extingue ou cria um recurso é tipicamente

 processual. Realmente, a existência ou não de um recurso não irá alterar a situação material

do acusado, não permitirá que o Estado aplique ou deixe de aplicar o seu direito de punir ou,

ainda, não sujeitará o acusado a qualquer sanção. Apenas será uma alteração do direito de

ação – do qual o recurso retira a sua natureza, por ser seu prolongamento – sem qualquer 

reflexo no direito de punir. Assim sendo, não se tem dúvidas em asseverar que as normas que

tratam de recursos são tipicamente processuais. Justamente por isto, sua disciplina

intertemporal é a prevista no art. 2.º do CPP.

 Não bastasse, a teoria de que os recursos possuem natureza predominantemente

material também não suporta uma análise mais detida. Partindo do pressuposto de que a

norma penal benéfica deve retroagir, inclusive alcançando a coisa julgada em caso de

condenação (como ocorre com a abolitio criminis), pensemos na hipótese inversa, em que se

cria um novo recurso, favorável ao acusado, que não era previsto na legislação anterior. Caso

se entenda que as normas que tratam de recursos seriam predominantemente penais e, portanto, retroativas na hipótese, seria necessário reabrir todos os processos em que houve

condenação transitada em julgado para que os acusados pudessem se valer do recurso criado.

Esta conclusão seria conseqüência lógica daquela premissa (normas referentes a recurso

seriam penais), pois ninguém discute que as normas penais benéficas não possuem limites

 para a sua retroatividade, sequer na coisa julgada. O absurdo dessa conclusão já demonstra

que é falaciosa a premissa de que as normas que tratam de recursos seriam normas penais ou

 preponderantemente penais .

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Para dar segurança na análise do tema, vejamos como tem se manifestado a

 jurisprudência sobre o assunto. O STF não possui, ainda, jurisprudência sobre a questão.

Porém, há uma decisão monocrática, em que o Ministro Eros Grau afirmou que "é essencial

ressaltar que o protesto por novo júri é modalidade de recurso que não mais existe no Código

de Processo Penal em vigor, desde a reforma de 2008 (Lei nº 11.689, de 09/06/2008)"

Por sua vez, o STJ já decidiu se tratar de norma processual, de aplicação imediata, de

sorte que as decisões proferidas após a entrada em vigor da Lei 11.689/2008 não se sujeitam

mais ao protesto. Vejamos a ementa:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. REVISÃOCRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO ETENTADO. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADEDELITIVA. JULGAMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N.º11.689/2008. PROTESTO POR NOVO JÚRI. NOVOJULGAMENTO. 1. O Ministério Público Federal suscitou preliminar de prejudicialidade do recurso em face da superveniência da Lei n.º11.689/2008, que extinguiu o protesto por novo júri. 2. Arecorribilidade se submete à legislação vigente na data em que adecisão foi publicada, consoante o art. 2.º do Código de Processo

Penal. Incidência do princípio tempus regit actum. 3. O fato de a leinova ter suprimido o recurso de protesto por novo júri não afasta odireito à recorribilidade subsistente pela lei anterior. Preliminar rejeitada. 4. O acórdão em análise foi publicado antes da vigência daLei n.º 11.689/2008 que, em seu art. 4.º, revogou expressamente oCapítulo IV do Título II do Livro III, do Código de Processo Penal,extinguindo o protesto por novo júri. Dessa forma, subsiste o direito àinterposição do mencionado recurso, em virtude do reconhecimentode crime continuado com pena superior a 20 anos. Precedentes destaCorte. 5. Com a revogação do § 1.º do art. 607 do Código de ProcessoPenal pela Lei n.º 263/48, é possível o protesto por novo júri quando anova pena é fixada em sede de revisão criminal. 6. Recurso provido

 para determinar a submissão do Recorrente a um novo julgamento  perante o Tribunal do Júri. (REsp 1094482/RJ, Rel. MinistraLAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe03/11/2009).

Dessa forma, encontra-se claramente comprovada a irretroatividade da Lei

11.689/2008, por tratar-se de norma eminentemente processual de aplicação imediata. Essa

 posição tem ganhado força por ser defendida por grande parte dos doutrinadores criminais do

 país, além de constantes decisões jurisprudenciais no mesmo sentido.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar que, certamente, uma das mais bem-vindas alterações trazidas pelo

advento da Lei 11.689/2008 foi a supressão do protesto por novo júri. Cuidava-se de recurso

especial, privativo da defesa, admissível quando a sentença condenatória alcançasse 20 anos

ou mais de reclusão por um único crime. Poderia ser utilizado uma única vez. Pode-se dizer 

que tal meio recursal foi a bom tempo extirpado de nosso ordenamento jurídico. Instituto

criado em tempos longínquos, nos quais o acusado poderia padecer penas gravíssimas como o

desterro, as galés, ou mesmo a pena capital, não mais se justificava a sua permanência nos

dias de hoje, em que as penas impostas aos condenados em processos de competência do júri

não mais se encontram entre as mais elevadas previstas no Código Penal.

O protesto por novo júri era um recurso que levava a um prolongamento demasiado

do processo, sem que houvesse uma justificativa razoável para tanto, pois a razão de sua

criação não existia há muitos anos. Ainda mais após o STF vedar o cumprimento da pena emregime totalmente fechado, mesmo para os crimes hediondos, a norma ficou ainda mais sem

sentido. Não bastasse, em situações mais graves, era como se o primeiro julgamento não

tivesse qualquer valor, uma verdadeira encenação. Perdiam-se muitas vezes dias e dias de

 julgamentos para que a decisão – que era perfeitamente válida - fosse cassada, pelo simples

fato de ter sido imposta ao réu pena superior a 20 anos, sem qualquer outra justificativa

razoável, bastando o mero preenchimento dos requisitos indicados na Lei.

Ressalte-se que a supressão do recurso não está relacionada com os princípios da

ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. O condenado pela prática de delito doloso contra

a vida dispõe de outros meios para insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal do Júri

(apelação, habeas corpus e revisão criminal). Não era o protesto por novo júri o único meio

de impugnação.

Diante das considerações tecidas neste trabalho chega-se ao entendimento de que a

extinção do protesto por novo júri trata-se de norma de natureza processual, pelo fato damesma extinguir um recurso utilizado automaticamente pela defesa, e por tratar-se de um

recurso, a norma em destaque não altera a situação material do acusado, o qual ao cometer o

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crime sabia dos riscos da sua decisão diante da pena, não retirando do estado o seu direito de

 punir ou não punir, a norma em comento apenas alterou o direito de ação recursal quase que

obrigatório, do qual o recurso retira a natureza do seu prolongamento, sem qualquer 

interferência no direito de punir estatal. E por não haver interferência no direito de punir,

mostra-se evidente que a extinção do protesto por novo júri, trata-se de recurso e por isso é

que sua disciplina intertemporal é prevista no art. 2º, do código processo penal que diz “a lei

 processual   penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a

vigência da lei anterior ”.

Por todo o exposto, entendemos que com o advento da Lei 11.689 que entrou em

vigor no dia 9 de agosto de 2008, não será mais possível a aplicação do protesto por novo júri,

sendo este extinto definitivamente, independente da data do fato criminoso, para a

interposição do protesto por novo júri, no qual será imprescindível a verificação da data da

sentença condenatória, se a mesma ocorreu antes da entrada em vigor da Lei 11.689/2008,

será admissível se valer do recurso em comento, no entanto, se a decisão for preferida a partir 

da entrada em vigor da nova lei, não terá cabimento o protesto por novo júri. Isto não quer 

dizer que o direito constitucional da ampla defesa e da garantia da possibilidade de revisão

dos julgados por juiz ou tribunal superior esteja sendo atingido, pois a defesa pode apelar e pedir a anulação do julgamento do tribunal do júri se por ventura forem violados direitos

constitucionais fundamentais.

Frente às divergências acerca da retroatividade da Lei 11.689/08 pode-se concluir 

que é irrelevante a data da ocorrência do delito (antes ou depois da entrada em vigor da Lei

11.689/08), de forma que andou bem o magistrado paulista em não admiti-lo contra a decisão

que condenou o casal Nardoni a penas privativas de liberdade superiores a 20 (vinte) anos dereclusão.

O advento, pois, do novo sistema processual penal, que já não mais admite o protesto

  por novo júri, ao ser analisada a possibilidade ou não de aplicação do instituto

retroativamente, alcançando fatos ocorridos sob a égide do sistema anterior, implica a

necessidade de se interpretar a lei conforme os fundamentos constitucionais e realidade fática,

  para se concluir pela inexistência de qualquer violação ao devido processo legal,

especialmente as garantias do contraditório e ampla defesa, como também para garantir a

validade e eficácia do direito constitucional à igualdade entre todos os acusados, e igualdade

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de efeitos de qualquer decisão dos jurados, assegurando-se, pois, plenamente, o direito

constitucional da soberania dos veredictos.

Portanto, sem prejuízo do adequado entendimento quanto à aplicação imediata da lei  processual penal, já bem argumentado  , os valores constitucionais devem ser bem

interpretados para que a resposta seja consentânea com a busca do devido processo

constitucional, que se pretende seja justo.

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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Constituição Federal. Brasília(DF): Saraiva; 2008

BRASIL. Código de Processo Penal. São Paulo(SP): Saraiva; 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 14ª edição,

2007, págs.50-55.

CAPEZ,Fernando; JÙNIOR, Nadir de Campos. Caso Nardoni: inaplicabilidade da

ultra-atividade do protesto por novo júri em razão da pena imposta aos

sentenciados. Disponível em Acesso em: 02 de julho de 2010.

DOTTI, René Ariel. Anteprojeto do Júri. Revista dos Tribunais, v. 702,abr.1994,p.281.

ESSADO, Tiago Cintra. Protesto por novo júri: enfoque finalístico Disponível em: <

{http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14659 }>. Acesso em: 02 de julho de 2010.

FILHO, Espínola . Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Campinas:

Bookseller, v.1, 2000, p.180.

GOMES, Luiz Flávio et alli. Comentários às reformas do Código de Processo Penal

e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.261.

MENDONÇA, Andrey Borges de. O protesto por novo júri e o casal Nardoni. Um

estudo sobre a aplicação da lei processual penal no tempo. Disponível em :<>

Acesso em: 02 de julho de 2010.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Casal Nardoni tem direito de protestar por novo júri. Disponível em< > Acesso em: 02 de julho de 2010.

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 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 2008, pág. 906

TJSP, Habeas Corpus n.º 990.09.257545-7, Rel. Pinheiro Franco, 5ª Câmara de DireitoCriminal, julgado em 17/12/2009, publicado em 15/01/2010, Disponível em: <> Acesso

em: 03 de julho de 2010.

TJSP, Habeas Corpus n.º 990.09.254052-1, Rel. Tristão Ribeiro, 5ª Câmara de Direito

Criminal, julgado em 12/11/2009, publicado em 10/12/2009, Disponível em: <> Acesso

em: 03 de julho de 2010.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI

ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO PIAUÍ – ESMEPI

CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA 2010

ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO

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O FIM DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A APLICAÇÃO IMEDIATA

DA

LEI 11.689/2008

SUÊNYA M. MOURÃO BATISTA

TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

Suênya M. Mourão Batista

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O FIM DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI

11.689/2008

Artigo Científico apresentado como requisito  para obtenção do título de Especialista emDireito Público pela Escola Superior deMagistratura do Piauí – ESMEPI/ UFPI.

Orientador:

Prof. MSc. José James Gomes Pereira

Universidade Federal do Piauí – UFPI

Escola Superior da Magistratura do Piauí – ESMEPI

SETEMBRO - 2010

Suênya M. Mourão Batista

O FIM DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A APLICAÇÃO IMEDIATA

DA

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LEI 11.689/2008

FOLHA DE APROVAÇÃO

 _________________________________________ 

Prof. MSc. José James Gomes Pereira

TERESINA

2010

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................ 5

2 AMPLA DEFESA X SOBERANIA DOS VEREDITOS? ........................................... 7

3 DA APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI 11.689/2008 ................................................... 8

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 13

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 16

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