a presenÇa dos contos de fadas nos processos...
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ROSANA AURICCHIO
A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS FORMATIVOS DAS PROFESSORAS DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO 2012
ROSANA AURICCHIO
A PRESENÇA DOS CONTOS DE FADAS NOS PROCESSOS FORMATIVOS DAS PROFESSORAS DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, como requisito exigido para a obtenção do título de mestre sob a orientação do Prof. Dr. Julio Gomes Almeida.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
São Paulo
2012
Ficha Elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
A928p
Auricchio, Rosana. A presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de educação infantil. / Rosana Auricchio. --- São Paulo, 2012. 326 p.; anexos. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo - Orientador: Prof. Dr. Julio Gomes Almeida. 1. Narração de histórias. 2. Contador de histórias. 3. Formação de professores. 4. Trajetória de vida. I. Almeida, Julio Gomes. II. Título.
CDD 370
ROSANA AURICCHIO
A Presença dos Contos de Fadas nos Processos Formativos das Professoras de Educação Infantil
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade
Cidade de São Paulo, como requisito
exigido para obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Educação Data da Defesa: 23/05/2012 Resultado: ___________________
BANCA EXAMINADORA:
Profº Dr. Julio Gomes Almeida ____________________________ Universidade Cidade de São Paulo
Profª Dra. Ecleide Cunico Furlanetto ____________________________ Universidade Cidade de São Paulo
Profº Dr. Carlos Bauer de Souza ____________________________
Universidade Nove de Julho
IN MEMORIAN
Agradeço a meus pais, Aniello e Palmyra, por todo amor, incentivo, noites mal dormidas, puxões de orelha, que me ajudaram a construir minha identidade pessoal e profissional. Ensinaram-me a agradecer o que eu sou, o que tenho e que, muitas vezes, é mais que mereço.
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado a meu filho Leonam, que é a razão
da minha vida, é a pessoa que me incentiva com seu olhar, com
seu sorriso e com sua confiança. É a pessoa que sempre me
apoiou, mesmo tendo de ficar, muitas vezes, sem minha
presença por estar me dedicando integralmente ao lado
profissional. Filho te amo muito.
É dedicado a minha irmã Eliana, que me deu força para
continuar nesta trajetória pessoal e profissional. Que dedicou
muito de seu tempo para me ouvir, para ler o que escrevi e me
amparar nos momentos de desânimo e ansiedade. Irmã, você
vive em meu coração.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao querido Professor e Orientador Júlio Gomes
Almeida por toda paciência, compreensão, profissionalismo e
carinho dispensado a mim e a meus colegas de sala.
Agradeço ao amigo Aparecido Diniz, pelos infindáveis
domingos de leitura, revisão e formatação da pesquisa, além do
apoio incondicional.
Agradeço ao Cláudio, meu companheiro e cúmplice há dez
anos, que me transmite segurança em suas ações e
pensamentos e apoia minhas decisões mesmo precipitadas ou
repentinas. Que dedicou muito de seu tempo para ler e reler
esta dissertação.
Agradeço às professoras do CEI Mário Caldana que
participaram junto comigo desta pesquisa. Que me ensinaram e
me ensinam diariamente que a educação vale a pena e que a
criança pequena nos ensina muito e transforma nossa prática.
Deixo aqui registrada minha admiração por este grupo de
professoras que conquistaram seu espaço junto à Educação
percorrendo uma trajetória de lutas, conquistas e vitórias
fazendo historia ao lado da historia da Educação Infantil,
inovando e influenciando não só a minha prática como também
das futuras educadoras.
Agradeço ao amigo Domingos Fernandes que dedicou seu
tempo para ler o que escrevia, reescrevia e deu opiniões
sinceras sobre mudanças que deveriam ser realizadas.
Agradeço a Lady e ao Zeca, pela companhia e pela alegria
compartilhada durante esta pesquisa e a minha vida.
Agradeço a diretora Sônia Maria Scapolan Ito, pelo
incentivo dado à minha pesquisa permitindo que eu realizasse
os encontros com as professoras do CEI Mário Caldana e
apoiando todas as possibilidades e oportunidades para ampliar
minha formação docente.
Agradeço a todos os professores da UNICID pelo carinho,
respeito, comprometimento comigo e pelo conhecimento
compartilhado.
Há um significado mais profundo nos contos de fadas que me
contaram na infância do que na verdade que a vida ensina.
Schiller (2006), poeta alemão.
‘
RESUMO
AURICCHIO, Rosana. A presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de Educação Infantil. São Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo.
Esta pesquisa teve como objeto de estudo a presença dos contos de fadas nos processos formativos das professoras de um Centro de Educação Infantil da rede municipal de São Paulo. O objetivo foi compreender como os contos de fadas se manifestaram nas práticas e nos discursos destas professoras. O motivo para a realização desta pesquisa relaciona-se com minha atividade enquanto professora que atua em um Centro de Educação Infantil, preocupada com o como e com o que se oferece às crianças pequenas em termos de histórias. Para a realização da pesquisa optei pela abordagem qualitativa e como procedimento de coleta de dados utilizei a análise bibliográfica e documental complementada pelo relato da minha própria experiência e de colegas que atuam como professoras no Centro de Educação Infantil Capitão Mário Caldana, nos encontros de formação, sobre a presença dos contos de fadas em suas histórias de vida e atuação profissional. Percebi com a pesquisa que a expressão contos de fadas designa diferentes narrativas, entre as que emergiram na pesquisa como parte dos processos formativos das professoras destacaram-se além dos contos de fadas, os “causos”, as historias bíblicas, os contos folclóricos, etc. Além disso, foi possível perceber que muitas das narrativas trabalhadas nas escolas, são adaptações feitas pela indústria cultural, escolhidas mais pela facilidade de acesso do que como resultado de uma discussão pedagógica.
Palavras chave: narrativas, contos de fadas, historias de vida, formação de professores.
ABSTRACT
AURICCHIO, Rosana. The presence of fairy tales in the process of training teachers of kindergarten. São Paulo: 2011. Thesis (MA) - City University of São Paulo. This research had as its object of study, the presence of fairy tales in the formative processes of the teachers of an Early Childhood Center in the Municipality of São Paulo. The objective was to understand how fairy tales were manifested in the practices and discourse of these teachers. The reason for this research relates to my work as a teacher who works in an Early Childhood Center, concerned with how and with what is offered to young children in terms of stories. For the research I opted for a qualitative approach to data collection procedure used to analyze literature and documents supplemented by reports from my own experience and from colleagues who work as teachers in Early Childhood Center Captain Mario Caldana in training meetings, about the presence of fairy tales in their life stories and professional performance. I realized through research that the term means different fairy tales stories, among which emerged as part of the formative process of the teachers stood out beyond the fairy tales, the "stories", the biblical stories, folk tales, etc. Furthermore, it was revealed that many of the stories worked in schools, are adaptations made by the cultural industry, chosen more for ease of access than as a result of a pedagogical discussion. Keywords: stories, fairy tales, stories of life, teacher training.
ABREVIATURAS
ACT – Auxiliar Contratada Temporária.
ADI – Auxiliar de Desenvolvimento Infantil.
CEI – Centro de Educação Infantil.
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
EXPOTEC – Exposição de Tecnologia.
FEBEM - Fundação do Bem Estar do Menor.
FTD - Frère Theophane Durand.
FUVEST – Fundação Universitária para o Vestibular.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas.
INSA – Instituto Nossa Senhora Auxiliadora.
OMEP – Organização Mundial de Educação Pré Escolar.
PEA – Programa Especial de Ação.
PUC – Pontifícia Universidade Católica.
SAS – Secretaria de Assistência Social.
SESI – Serviço Social da Indústria.
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
UNICEF – United Nations Children’s Fund
UNICID – Universidade Cidade de São Paulo.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14
1. UMA HISTORIA AINDA NÃO CONTADA........................................................... 20
1.1. Escola, o início................................................................................................. 23
1.2. Contos de fadas X Realidade adolescente...................................................... 31
1.3. O verdadeiro caminho começa: destino professora........................................ 34
1.4. Da teoria à prática: distante, mas paralela...................................................... 37
1.5. Momentos charneiras...................................................................................... 39
1.6. Educar, crianças de diferentes idades – a realização do sonho...................... 44
2. UM CONTO NADA DE FADAS – UMA HISTORIA DE LUTA E CONQUISTA.......................................................................................................... 58
2.1. Cuidar: a bandeira da creche...........................................................................59
2.2. A creche no contexto histórico......................................................................... 61
2.3. Mudança de rumo – a trajetória da formação.................................................. 65
2.4. CEI Capitão PM Mário Caldana – um lugar de muitas possibilidades.............68
3. OS CONTOS DE FADAS REFLETINDO HISTORIAS DE VIDA..................... 76
3.1. Contos de fadas - lições e segredos............................................................... 77
3.2. Quem conta um conto... Perrault, La Fontaine, Grimm, Andersen…………... 79
3.3. Origem das fadas............................................................................................. 81
3.4. O poder da realidade – a fantástica imaginação............................................. 82
3.5. Mito – herói e divino....................................................................................... 85
3.6. Contos de fadas – muitas historias uma só magia.......................................... 87
3.7. Historias de vida – o individual que modifica o coletivo.................................. 92
3.8. Aprender a viver – depois ensinar................................................................... 94
3.9. A indústria cultural – fábrica de sonho e consumo.......................................... 97
4. DIFERENTES HISTORIAS, MUITAS DESCOBERTAS................................ 102
4.1. A utilização dos encontros de formação no cotidiano.................................... 107
4.2. As narrativas no Centro de Educação Infantil Mário Caldana....................... 110
4.3. A Família e a Infância.................................................................................... 115
4.4. Narrativas na formação das professoras....................................................... 126
4.5. Folclore e formação....................................................................................... 136
4.6. A Televisão e a formação docente.................................................................138
4.7. Os contos clássicos e a formação................................................................. 141
4.8. Formação docente......................................................................................... 144
4.9. A escola......................................................................................................... 149
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 160
ANEXOS............................................................................................................... 167
14
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta dados de uma pesquisa que procura identificar a
presença dos contos de fadas no imaginário das professoras de Educação Infantil
que atuam na rede pública municipal de São Paulo. O estudo deste tema remete
a experiências importantes de minha história de vida, ou como afirma Josso, a
momentos charneiras, que foram construídos em meio a essas histórias. Por isso
trata-se de um tema com grande relevância pessoal. Essa relevância estende-se
a outros educadores, uma vez que o conhecimento disponibilizado no campo da
formação de professores tem potencial para atingir grande quantidade de
pessoas. Espero contribuir, de certa forma, com as futuras pedagogas, elucidando
uma prática pedagógica modificada a cada nova fase da Educação, a cada novo
conhecimento adquirido, a cada nova fase da vida.
O interesse por estudar esse tema surgiu a partir da reflexão sobre
algumas das práticas que organizaram o cotidiano do educador que atua na
Educação Infantil, especificamente aquelas práticas relacionadas ao
desenvolvimento no campo da linguagem verbal. A discussão destas práticas está
presente nos horários de trabalho coletivo, nas reuniões pedagógicas, nas
formações feitas fora do ambiente escolar, enfim, nos diversos momentos em que
paramos para planejar ou avaliar o nosso trabalho com as crianças pequenas.
Esses momentos de trocas são muito ricos entre os educadores e muitas vezes
nos fazem voltar no tempo, ao nosso tempo de criança e encontrar pessoas com
as quais convivemos e vivemos momentos importantes, inesquecíveis. E foi em
uma destas voltas ao passado que relembrei os contos de fadas. Afinal,
educadores como Bettelheim (2009) reconhecem a importância dos contos de
fadas na formação da criança e refletindo sobre essa situação surgiu o desejo de
descobrir qual a importância dos contos de fadas na formação das professoras de
Educação Infantil, que trabalham com o imaginário da criança pequena
diariamente.
O psicanalista Bruno Bettelheim (2009) afirma com propriedade que:
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Os contos de fadas tem um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro. Mais importante ainda: sua forma e estrutura sugerem à criança imagens com as quais ela poderá estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida. (BETTELHEIM, 2009, p.14)
A leitura de contos infantis leva a criança a uma fantasia saudável, que a
capacitará a uma vida adulta mais consistente, permitindo que enfrente os
desafios do cotidiano. No livro Creches: Crianças, faz de conta & Cia (2001, p.49),
as autoras Oliveira e Ferreira comentam a respeito da ação em uma situação
imaginária.
A ação em uma situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas pelo significado da situação, as regras nela embutidas, os papéis por ela possibilitados. (OLIVEIRA; FERREIRA, 2001, p.49)
O desenvolvimento da pesquisa colocou uma questão inicial: o que se
quer dizer quando se fala em contos de fadas? Iremos refletir ao longo desta
pesquisa sobre os contos de fadas, os clássicos e aqueles contos adaptados pela
indústria cultural.
O desejo de ser professora me acompanha desde pequena, não sabia o
motivo, mas gostava de colocar minha irmã recém-nascida entre as bonecas e
contar historias como havia aprendido e, às vezes, fazendo algumas adaptações
ao texto, vivenciando o maravilhoso mundo do faz de conta.
Em minha casa, os “causos” do dia a dia tornavam-se aventuras e eram
compartilhados. Livros eram ofertados por meus pais e avós, historias eram lidas
a qualquer momento do dia. O momento de ouvir história era um tempo de muita
emoção e expectativa, de imaginação solta. Hoje percebo essas emoções nos
olhos e gestos das crianças nos momentos de contação de histórias. De fato
trata-se de um momento mágico, onde a imaginação transporta as crianças para
lugares maravilhosos. Refletindo sobre estas situações surgiu outra questão: para
onde vai nossa imaginação quando nos tornamos adultos?
Segundo Alliaud (2009), em suas biografias, os professores referem:
marcas, pegadas, exemplos a seguir ou não, modelos e contra modelos como
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uma experiência que lhes proporcionou uma estadia longa nas instituições
escolares.
A passagem por algumas dessas instituições não me roubou a capacidade
de imaginar, porém me trouxe a capacidade de desejar imaginar junto e talvez
seja este desejo que me conduziu ao objeto de minha pesquisa.
Para Ferry (2004), o trabalho em grupo favorece a expressão individual de
aspirações e dificuldades e a troca cooperativa entre os participantes. Inúmeras
vezes, nós, professores, falamos de teorias, de alunos, de falta de recursos, mas
não temos um espaço para falar do professor enquanto pessoa, que tem vida
própria fora do espaço escolar, tem uma família e tem sonhos como qualquer
pessoa.
Conforme afirma Nóvoa (1992), “não é possível separar o eu pessoal do
eu profissional”. Na busca de significados para a construção de sua identidade
profissional, o indivíduo interpreta suas ações individuais e coletivas. Enquanto
relata sua historia de vida, o docente revela seus anseios e expectativas diante de
sua profissão e de sua própria vida.
As colegas têm manifestado confiança para expressar suas ideias e narrar
suas experiências de vida, participando ativamente das discussões e
manifestando vontade de continuar no grupo investigativo. Para algumas a volta
ao passado reflete um pouco do que o presente significa, de como se tornou um
docente totalmente diferente dos modelos que teve em sua infância ou muito
semelhante a elas. Tornou-se claro, nesta pesquisa, que as matrizes pedagógicas
que estas professoras trazem foram construídas nos encontros que fizeram no
seu percurso formativo e que elas influenciam de maneira direta sua vida pessoal
e profissional. Neste sentido, a pesquisa tem proporcionado reflexão sobre o
conceito de matrizes pedagógicas, assim nomeadas por Furlanetto (2008), por
meio do qual os professores descobrem um “professor interno”, composto por
dimensões conscientes e inconscientes que se revelam no seu fazer docente
como arquivos existenciais que contem imagens, conteúdos coletivos e pessoais.
Nos relatos autobiográficos, a influência percebida pelos professores não só recai em uma pessoa: surgem exemplos opostos que seguem paralelamente. Há os que se deve tomar como exemplo e aprender e outros dos quais se deve diferenciar.
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Estreitamente relacionados com modelos vividos durante a infância e a juventude, há casos em que os professores principiantes expressam o que querem ser ou não ser, tomando como parâmetro os professores que foram encontrando em sua volta na escola. Serão novamente os professores de nível primário as referências mais próximas que possibilitaram ir delineando, projetando ou provando certas ações ligadas com os aspectos mais específicos de sua prática profissional. (ALLIAUD, 2009, p.51 – 53)
Muitas professoras que, como eu, trouxeram a formação do Curso de
Magistério ou de Pedagogia, possuíam a teoria, mas não a prática com a criança
pequena em uma realidade de creche. Naturalmente, houve o impacto da teoria
desvinculada da prática, de reações e ações que não estavam nos livros.
Segundo Tardif (2009), a escola não é apenas um espaço físico, mas
também um espaço social que define como o trabalho dos professores é repartido
e realizado, planejado, remunerado e visto por outros. Neste contexto, fica claro
como é difícil compartilhar ideias envolvendo pessoas tão diferentes, vindas de
diversas formações pessoais e profissionais que ao mesmo tempo narram
experiências de vida tão parecidas e que se fundem num espaço comum, com
objetivos comuns que acompanham as crianças em sua trajetória de vida além
dos muros da escola. Em outra perspectiva, o trabalho docente é um trabalho
solitário visto que o professor fecha a porta da sala de aula, ficando afastado do
olhar dos colegas que vivenciam a mesma situação. Ao mesmo tempo em que
conquista uma relativa autonomia fica vulnerável a julgamentos de quem não está
participando do processo de ensinar e aprender.
O professor, mesmo solitário lida com uma coletividade de alunos que
apresentam características semelhantes e diferentes as quais condicionam seu
trabalho docente, pois são seres humanos. São seres sociais definidos por sua
situação econômica, seus valores, suas crenças e seus interesses particulares
que lhe são transmitidos pela família. Por isso, o professor deve sair de seu
mundo fechado, escondido e partilhar esta experiência inusitada e única com os
pais que conhecem seu filho em outro ambiente que não o escolar. Desta forma,
acredito que o trabalho docente seria mais valorizado pela família e pela própria
sociedade. O professor mesmo sendo o mediador ensina e aprende com quem
até então era um mero receptor de conteúdo e não um transformador, um ser
criativo, livre e responsável por seus atos e suas escolhas.
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Pereira (1995), afirma com muita propriedade que cada tempo tem seus
heróis, tem os autores da moda, tem as palavras de ordem, os emblemas. Os
professores, por estarem em constante formação e transformação, acabam
olhando sua própria prática a partir das ideias, princípios e valores éticos, morais
e formadores destes intelectuais. Formação esta entendida como um crescimento
pessoal que interfere no ambiente, no coletivo e no aprendizado individual.
Formação esta que mescla o real e o imaginário na historia de vida das pessoas
envolvidas neste processo.
O fantástico e a ficção constituem a realidade tanto nas historias, contos,
anedotas do dia a dia das pessoas nos diferentes lugares das cidades. De acordo
com Maffesoli (2001): “Por mais distantes que pensemos estar da magia, ainda
mal nos separamos dela.”
Introduzir a ficção na vida real, cotidiana é uma forma de resistência. Uma
resistência a imposições exteriores, sociais. A ficção estrutura uma forma de
existência dupla. A duplicidade é um dos fatores essenciais da criação de um
tempo e de um espaço fantástico em nosso cotidiano. Morin (1997) afirma que
“cotidiano e fantástico são a mesma coisa com dupla face”.
A dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro, apresento a
minha historia de vida no campo pessoal e profissional. No segundo, relato a
historia da creche, a transformação em Centro de Educação Infantil e especifico a
historia do CEI Mário Caldana. No terceiro, relaciono os contos de fadas e as
historias de vida. No quarto, escrevo sobre pesquisa (conceito, abordagem,
técnica e utilização do grupo focal) e a pesquisa realizada na unidade
educacional. No quinto, faço a análise dos dados coletados durante a pesquisa.
Para a realização da pesquisa recorri a uma abordagem qualitativa e como
procedimento de coleta de dados a análise bibliográfica e documental,
completada pelo relato da minha própria experiência e pelo trabalho de campo por
meio do grupo focal. A pesquisa foi realizada em um Centro de Educação Infantil
da rede pública municipal no qual atuo como professora.
Os dados iniciais da pesquisa tem me levado a perceber que a formação
acadêmica contribui muito para abrir novos horizontes, demonstrar o que foi
pensado e vivido por diversos educadores em diferentes épocas, mas ela não
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esgota as necessidades apresentadas no dia a dia na instituição escolar. O
imaginário se faz cada vez mais presente e necessário no cotidiano das pessoas
para uma leitura de mundo diferenciada, otimista e esperançosa na resolução de
problemas e dificuldades do dia a dia. A vivência, a experiência de vida e as
experiências compartilhadas são fundamentais para a transformação constante
da minha prática docente, do meu olhar enquanto educador crítico e reflexivo, o
qual muitas vezes me vejo multifacetada diante das exigências sociais.
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1. UMA HISTORIA AINDA NÃO CONTADA
“[...] O sonho é assim uma exigência ou
uma condição que se vem fazendo
permanente na historia que fazemos e que
nos faz e re - faz.”
(FREIRE,1992, p.99)
Este capítulo narra a minha historia de vida e sua relação com os
contos de fadas. Comento fatos relevantes que ocorreram antes de meu
nascimento até os dias atuais e que auxiliaram em minha formação como pessoa
e como profissional. Ele está articulado ao meu objeto de pesquisa que é
descobrir a presença dos contos de fadas na historia de vida de professoras de
Educação Infantil como eu.
O cotidiano humano é sobremaneira, marcado pela troca de experiências, pelas narrativas que ouvimos e que falamos pelas formas como contamos as historias vividas. Daí a emergência e a utilização, cada vez mais expressivas, das autobiografias e das biografias educativas em contextos de pesquisas na área educacional. (Souza, 2006, p. 136)
A historia que vou narrar neste momento, me foi contada por meus pais e
avós. A minha historia é real e os contos de fadas estão presentes nela, talvez um
pouco misturados e ao mesmo tempo criando ou escrevendo uma nova historia.
Ao resgatar a minha história de vida, tenho a expectativa de que essa trajetória possa fundamentar coerentemente meu pensar como educadora e minha prática como gestora. Entendo que esse caminho implica buscar, recordar momentos positivos e negativos, alegres e tristes, em um processo árduo de ir ao passado com o pensar e o olhar de hoje, em um exercício constante de reflexão, que visa a formação do sujeito aprendente (JOSSO, 2004, p. 21).
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Neste sentido, para entender minha historia é necessário que eu inicie
com a historia do casamento de meus pais. Na década de 1960, apesar do
momento turbulento que o Brasil enfrentava, vivenciando a ditadura militar que
acarretava insegurança, desemprego e a violência crescente, uma união estável,
tranqüila e duradoura deu início a uma verdadeira historia de contos de fadas, de
príncipes e princesas.. Eram pessoas maduras, seguras, que estavam com a
vida, mais ou menos, estruturada e sabiam o que queriam. Transmitindo
confiança para que tomasse minhas decisões, inclusive a de ser professora.
Desta maneira, sempre que falava em ser professora, meus pais me
incentivavam. Quando decidi fazer o Magistério, meus pais me disseram que não
me preocupasse em trabalhar e sim em estudar e custearam vários cursos de
aperfeiçoamento além da escola particular. Minha família se encontrava sempre
ao meu lado. Meus pais nunca tentaram mudar minha decisão ou vocação: ser
professora.
O conceito de experiência formadora implica uma articulação conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação, articulação que se objetiva numa representação e numa competência. Os cenários e contextos que são descortinados através da narrativa de si inscrevem-se em experiências individuais e coletivas, a partir dos diferentes seres socioculturais e psicossomáticos que somos. (JOSSO, 2002, p.35)
Continuando minha historia, como em todos os contos de fadas, neste
casamento também houve uma bruxa, não era uma madrasta e sim uma das
irmãs do noivo. Os anos foram se passando, a felicidade e o companheirismo
estavam presentes no cotidiano de ambos. Da união consolidada, nasceu em
vinte de outubro de 1963, uma menina que não era alva como a neve, mas
morena, muito chorona e cabeluda. Neste momento começava minha história.
Primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha de uma família italiana formada de
sete filhos. Recebi toda atenção e carinho tanto do lado paterno quanto do lado
materno. Fui muito mimada, pois era considerada a princesa da família. Segundo
relatos de meus familiares, tinha tudo que queria, na hora que desejasse, sendo
protegida por eles. O conceito de princesa foi construído baseado nas historias
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que eram contadas, pessoa bela, bondosa, altruísta e sonhadora. Ao longo de
minha historia, com o contato com a realidade, percebi que as princesas tinham
uma vida comum, de muito trabalho e dissabores. O que as tornava mais
próximas das pessoas como eu que tem momentos bons e ruins, porém luta para
realizar os sonhos.
Como qualquer bebê, não deixei meus pais dormirem durante os
primeiros meses. Até que um dia meu pai colocou na vitrola um disco de historia.
Para ele, eu dormia porque havia uma pessoa falando comigo à noite toda, já que
a agulha da vitrola voltava para o início do vinil quando este terminava. Para meu
avô Mario, eu estava decorando a historia. Ainda em tempo, preciso dizer que
tudo o que acontecia na vida de meu avô se transformava em uma aventura, em
um “causo”. Meu avô não tinha referência de família. Segundo ele, veio do Rio
Grande do Sul, da cidade de Uruguaiana, acompanhando um circo e não
conheceu seus pais. O Gaúcho, como era conhecido cresceu sozinho, lutou pela
vida, mas não perdeu a alegria e a esperança. Trabalhava como eletricista da
Light e adorava dançar. Teve dois filhos e uma esposa muito a frente de seu
tempo. Minha avó Palmyra era muito inteligente, perspicaz, sabia viver e
comandava a casa como uma verdadeira matriarca, com pulso forte e muito
carinho.
Em 1964, muitos preparativos para a festa de meu primeiro ano de vida. O
tema da festa era a Branca de Neve, minha princesa favorita. Talvez naquela
época gostasse dela por viver rodeada por bichinhos e com anões extremamente
divertidos e diferentes. As fotografias retratavam o vestuário, os carros e até o
mobiliário da época.
Em 1965, já caminhava e falava bastante, realizava tarefas com maior
autonomia e brincava com todos os brinquedos da moda: bicicleta, bonecas da
Estrela e o que eu mais gostava: jogar bola! Mencionei a Fábrica de Brinquedos
Estrela, pois, meu tio trabalhava nela e conseguia qualquer brinquedo com
descontos muito grandes. Isso significava que todas as bonecas que eram
lançadas, eu tinha antes mesmo de chegarem às lojas. Apesar de brincar muito
de faz de conta, gostava de jogar bola com os meninos da vila. Minha avó se
preocupava muito, ela queria que eu me portasse como uma mocinha, mas eu
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não era desta forma. Sempre fui arteira e gostava de brincar na rua, não era
briguenta, mas gostava de movimento e de conversar. Continuava filha única e
pedia para a fada uma irmãzinha. Se ela deu um menino de verdade para o
Gepeto, poderia me dar uma irmã de verdade para que pudesse brincar comigo e
com todos aqueles brinquedos.
Segundo Souza (2006), o relato de formação nos faz compreender os
modos como se concebe o passado, o presente e as dimensões experienciais da
memoria de escolarização e de formação. E afirma neste sentido que:
Entender as afinidades entre narrativas (auto)biográficas no processo de formação e auto formação é fundamental para relacioná-las com os processos constituintes da aprendizagem docente. Desta forma, as implicações pessoais e as marcas construídas na trajetória individual/coletiva, expressas nos relatos escritos, revelam aprendizagens da formação e sobre a profissão. A memória é escrita num tempo, um tempo que permite deslocamento sobre as experiências. Tempo e memória que possibilitam conexões com as lembranças e os esquecimentos de si, dos lugares, das pessoas e das dimensões existenciais do sujeito narrador. (SOUZA, 2006, p.4)
Esta narrativa foi possível, pois fatos de minha infância ganharam
significados e foram (re)significados durante minha trajetória individual e
profissional. Em 1966, ingressei no Jardim da Infância, em período integral. Minha
mãe tinha uma loja de roupas infantis e as professoras do Jardim da Infância,
localizada na Rua Catumbi, passavam na porta e me viam brincando na loja. Um
dia uma das professoras conversou com minha mãe e perguntou se ela me
deixaria frequentar o Jardim da Infância. Minha mãe concordou e uma professora
me levava de manhã para a escola e a outra me trazia à tarde para a loja.
1.1. Escola, o início
Comecei a frequentar o jardim da infância com três anos. Naquela época
não havia muito espaço para criança tão pequena. Não estava matriculada, não
tinha idade para isso. Era frequentadora, mas muito interessada em aprender e
fazer amizades. Hoje em dia, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA,
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1988) dispõe em seus artigos a garantia da permanência da criança na escola e
possibilita o contato com outras crianças, outras culturas e situações
desafiadoras.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA,1988,p.43)
Minha entrada no Jardim da Infância pode ser considerada um momento charneira, ou seja, um divisor de águas segundo Josso (2002).
Extrair da vivência momentos marcantes significa identificar os percursos (auto) formativos, porque houve um aprendizado, uma experiência. O paradigma experiencial entende que só há aprendizagem, quando ocorre mudança de referenciais e a formação docente é uma construção que ocorre nos espaços e tempos da história da vida em formação, que contribui para a compreensão do processo de construção do conhecimento de si e do mundo humano. (JOSSO, 2002, p.32)
Minha primeira professora, uma pessoa apaixonada pela educação infantil,
foi Dona Irene P. Barra Grosche. Uma profissional que trabalhava com as crianças
e os pais. Uma professora muito à frente de seu tempo, com ideias avançadas e
inovadoras. Tenho certeza que foi um de meus modelos de docente. Ela
organizava as festas da unidade onde todos participavam. Os pais ajudavam na
compra de materiais e no que fosse necessário como: contar historia, ensaiar a
bandinha e até tomar conta das crianças no parque. Convidava ex-alunos para
participarem das festividades, entregava os “diplominhas” ao final do ano e
narrava o período em que as crianças frequentaram o Jardim da Infância e o que
fizeram depois de saírem de lá. Contava historias como ninguém, os objetos
utilizados por ela se transformavam em princesas, bruxas, duendes, etc. Seu
fazer pedagógico tinha uma intencionalidade, a escola não era um depósito de
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crianças, mas um espaço de aprendizagem, de compartilhar ideias e
experiências.
Furlanetto (2007, p.6) afirma que a ausência de respostas, cria espaços
reflexivos que nos mantem em movimento de busca. Furlanetto (2007, p.10) cita o
educador Gómez (1995) que salienta que...
[...]o professor intervém num meio ecológico complexo, num cenário psicológico, vivo e mutável, definido pela interação simultânea de múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema, o professor enfrenta problemas de natureza prioritariamente prática, que, quer se refiram a situações individuais de aprendizagem ou formas de comportamentos de grupos, requerem um tratamento singular, na medida em que se encontram fortemente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria historia da turma enquanto grupo social. (Gómez, 1995, p. 102)
Em relação à mudança do modelo da escola, Lapassade (1983, p.14)
citado por Almeida (2008) afirma que já existe instituição cuja função é manter a
ordem, organizar o aprendizado e a produção, considerando horários, ritmos,
normas de trabalho, sistema de controle, estatutos e papéis sociais.
Voltando à professora Dona Irene, conhecer o aluno e sua família era
fundamental. Perceber as intervenções realizadas entre as crianças era muito
importante para planejar suas ações e os conteúdos não serem ministrados e sim
explorados. Gostava de dialogar muito com os alunos e analisar as respostas e o
que havia por trás daquelas falas, mesmo que aparentemente sem sentido.
Em 1967, nasceu minha irmã, Eliana, depois de muitos pedidos feitos a
meus pais e à Fada Azul, fada que transformou o boneco de madeira, Pinóquio,
em menino de verdade. Pinóquio, personagem de Carlos Collodi (1880), cuja
primeira aparição foi em 1883, no romance As Aventuras de Pinóquio. Esta era a
fada que mais pedidos atendia. Posso dizer que foi outro momento charneira
(Josso, 2002), uma passagem entre duas etapas de minha vida, um
acontecimento que articulou a filha única à irmã responsável, segundo o meu
ponto de vista. Mesmo com muitas crianças ao meu redor, queria alguém para
compartilhar minhas experiências, minhas aventuras, enfim a minha vida. Não
houve ciúme e sim um novo sentido com a chegada de um bebê em nossas
vidas. Tinha novidades para contar para minha professora e para meus
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coleguinhas do Jardim da Infância. Com a chegada de minha irmã Eliana, talvez
tenha descoberto minha vocação ou minha profissão, queria ser uma professora
como Dona Irene. Ela sabia de todas as coisas, mesmo aquelas que não
perguntávamos.
Nossa primeira percepção do mundo e de nós passa pela consciência. A imaginação e suas formas em ação nos relatos de vida e no trabalho autobiográfico nos colocam progressivamente no tempo. O ser de imaginação é muito fortemente ligado ao ser de sensibilidades (JOSSO, 2009, p.128-129)
Segundo Bettelheim (2009, p.11), para que uma historia realmente prenda
a atenção da criança, deve entretê-la e despertar a sua curiosidade. Para
enriquecer a sua vida deve estimular-lhe a imaginação.
Mesmo sem saber a fundamentação teórica, sentava minha irmã entre as
bonecas, pegava minha lousa e “dava aula para ela”. Era a minha brincadeira
predileta. Enquanto falava, cantava e contava historias ampliava meu repertório, o
que me permitiu maior desenvoltura, mesmo depois de formada, quando iniciei
minha atuação em sala de aula.
Para que uma historia realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Contudo, para enriquecer a sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar em harmonia com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades, mas, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. (BETTELHEIM, 2009, p.11)
Minha família sempre soube que eu seria professora ou uma educadora
muito exigente. Exigente no sentido de querer as coisas certas, de ser
perfeccionista para comigo. Eu queria transmitir tudo que sabia para eles. Nesta
fase de minha vida já contava as historias do Pinóquio, da Chapeuzinho
Vermelho, da Cinderela e a preferida, da Branca de Neve. Em minha casa sempre
teve muitos livros de historias e eu lia as imagens coloridas com postura de leitora
e ar de professora.
Em 1969, conclui o Jardim da Infância, onde vivi momentos marcantes de
minha vida e onde aprendi a conviver em sociedade. A entrega do diploma foi
uma solenidade inesquecível, já que meu primo, na época servindo na
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Aeronáutica, em Barbacena, participou da mesma entregando os diplomas. Ele
era um príncipe, pois foi na formatura fardado e segurava nas mãos o quepe.
Uma pessoa muito querida pela professora, pois tinha sido seu aluno e ao mesmo
tempo uma pessoa importante para tantas crianças que não tinham a
oportunidade de ver de perto um futuro aviador. Naquela época o diploma
significava o término bem sucedido de uma etapa escolar. Porém, nos dias atuais,
com o comércio de diplomas, o mesmo perdeu o significado para a maioria das
pessoas, servindo apenas como forma de obter promoção profissional. .
Em 1970, mudei da creche municipal para o SESI (Serviço Social da
Indústria), para cursar o Pré-Primário. Minha professora Dona Maria Helena era
muito ativa e gostava de cantar, contar historias de assustar e decorar nossas
atividades. A sala era numerosa, mas as atividades eram diferenciadas e
distribuídas nos grupos de trabalho, incentivando os alunos a aprenderem as
primeiras letras. Nesta fase meu principal objetivo era ensinar minha avó materna
a escrever o próprio nome. Achava muito importante escrever o nome para saber
se comunicar com as outras pessoas, pensava muito na identidade, mas também
na singularidade.
Segundo Hall (2009), a percepção da identidade como fixa e contínua
cede espaço para uma nova concepção de sujeito com identidade inacabada,
fragmentada, aberta e contraditória. Esta ideia sobre identidade também foi
contemplada nas pesquisas de Josso (2007) :
Trabalhar as questões da identidade, expressões de nossa existencialidade, através da análise e da interpretação das historias de vida escritas, permite colocar em evidência a pluralidade, a fragilidade e a mobilidade de nossas identidades ao longo da vida. Às constatações que questionam a representação convencional de uma identidade, que se poderia definir num dado momento graças à sua estabilidade conquistada, e que se desconstruiria pelo jogo dos deslocamentos sociais, pela evolução dos valores de referência e das referências socioculturais. (JOSSO, 2007, p. 415)
Minha avó faleceu no ano seguinte, mas consegui cumprir meu objetivo,
minha missão prematura de ensinar a pessoa a descobrir e ler o mundo. Em
1971, entrei na 1ª série do Ensino Primário. Uma série que deveria ser marcante e
decisiva, pois seria o início do meu estudo, da minha formação propriamente dita.
Mas não tenho lembranças da minha professora, aliás, nem me lembro do nome
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dela. Não foi uma professora com significado em minha vida e nem sei dizer o
porquê.
“As historias de formação são, sem sombra de dúvida, uma das mediações possíveis para redescobrirmos essas dimensões esquecidas, para mostrar como é que elas continuam a estar vivas dentro de nós, como alimentam o nosso ganhar forma, para as reinvestirmos conscientemente como tantas outras vias possíveis de interpretação da significação da nossa existência e da direção que entendemos dar à nossa busca de uma arte de viver em ligação e partilha.” (JOSSO, 2004)
Talvez esta falta de significado em minha vida, do esquecimento deste
período deve-se ao distanciamento da professora detentora do poder pelo saber e
de nós, alunos, seres sem luz, necessitados de conhecimento. Naquele momento,
seria importante uma escola com um atendimento de qualidade. Para acontecer
isso seria necessário de acordo com Nunes e Pereira (1996), outro professor,
outra escola, outra concepção de conhecimento, reinventado no fluxo da
instituição, da historia e da vida. Há que se compreender o professor e o aluno
como sujeitos produtores da historia e da cultura inseridos na linguagem.
Sei que na sala de aula a decoração era composta de letras e sílabas e
que minha cartilha foi “Caminho Suave”, como de toda a minha geração. A partir
da repetição, acreditava-se que o aluno se apropriava do conteúdo e
consequentemente do conhecimento. Fazia muitas cópias do mesmo texto, das
mesmas palavras, mas não havia mais historias e nem alegria na sala de aula.
Será que este conhecimento era realmente significativo? Será que aprendíamos?
Será que o conteúdo ministrado tinha um objetivo, uma intencionalidade?
Segundo Nunes e Pereira (1996), o conhecimento deve ser compreendido
como um processo dinâmico em constante transformação, como modo múltiplo de
criar e recriar o mundo incorpore também à política, os valores, a ética, a beleza,
o mito.
Uma lembrança muito forte era o hasteamento da bandeira ao som do
Hino Nacional. Tive a oportunidade de hastear a bandeira uma vez e meus pais
fotografaram o evento com muito orgulho. O ensino no SESI (Serviço Social da
Indústria) era muito conteudista e era valorizada a nota dos alunos para a
continuidade ou não da professora na escola.
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Devido ao falecimento de minha avó materna, tivemos de mudar de casa
e eu mudar de escola no término do ano. Em 1972, nossa vida transformou-se
totalmente. Mudamos para um sobrado próximo ao Largo São José do Belém.
Meu pai continuava contando historias para minha irmã e para mim. Minha mãe
apoiava, mas não era contadora de historias. Nesta época, meu pai arrumou um
emprego de assistente jurídico da firma SIAN ÚTIL e minha mãe, em sociedade
com minha madrinha ganharam a concorrência de uma cantina escolar em uma
escola estadual no bairro do Belém, chamada Escola Estadual de 1º e 2º graus
Amadeu Amaral onde cursei da 2ª até a 8ª série e tive a certeza de minha futura
profissão. Como eu ajudava a minha mãe na cantina, o contato e o convívio com
os professores da escola era maior. Acompanhava os eventos e ouvia as historias
dos funcionários, fazendo minha opção profissional definir-se.
Meu pai viajava pelo Brasil todo e voltava para casa nos finais de
semana. Na volta contava os fatos da viagem e como era importante conhecer
nosso país. Ele economizava para que nas férias pudesse levar a mim ou minha
irmã nas viagens com ele. Conhecemos pessoas muito interessantes e com
historias de vida extremamente curiosas e pitorescas. Essas historias eram
contadas por meu pai em minha casa e reproduzidas por mim na escola, pois
despertava o interesse de meus colegas. Uma dessas historia foi quando meu pai
viajou para o Amazonas, na época da construção da Transamazônica e teve a
oportunidade de conhecer índios daquela região. Não entendia o que eles diziam
e nem eles o meu pai, mas ele comprou colares e artefatos de madeira
produzidos na tribo, sendo que um dos artefatos era uma carranca com a
caricatura do cacique para ser pendurada na corrente e espantar os maus
espíritos. Era muito colorida e tinha um índio com cara de muito, muito bravo.
Levei para a escola e contei a historia, ficamos com medo porque aprendemos
sobre os indígenas, mas não sabíamos o que eram os “maus espíritos”.
Hoje compreendo que conhecer nossa cultura, nossa identidade cultural
é de suma importância e, às vezes, não temos valorizado ou não damos
oportunidade para que nossos alunos a conheça. Segundo a Conferência Mundial
sobre Políticas Culturais, promovida pela United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization (UNESCO), 1982, citada por Candau (1997) relata que:
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[...] a identidade cultural é uma riqueza estimulante que amplia as possibilidades de florescimento da espécie humana, incentivando cada povo ou cada grupo a nutrir-se de seu passado, a acolher as contribuições compatíveis com suas características próprias, dando assim continuidade ao processo de criação própria. (CANDAU, 1997, p. 239)
Voltando a minha trajetória, lembro que Ana Maria Tamone, minha
professora da 2ª série, era excelente. Trazia novidades e participava junto aos
alunos de todo e qualquer concurso cultural que aparecesse. Tivemos o concurso
pelo aniversário do bairro do Belém. Meus pais valorizando sempre o estudo, o
conhecimento, me ajudaram na pesquisa. Tiramos diversas fotos do bairro,
fizemos várias entrevistas e meu pai datilografou todo o trabalho. No dia
estipulado, entregamos o trabalho elaborado pela Família Auricchio.
No dia da premiação, meu trabalho recebeu uma medalha, que para
minha família, significou nosso esforço e dedicação na realização do mesmo.
Meus pais disseram que com este trabalho a família ficou ainda mais unida e
teríamos historias para contar para nossos filhos e netos. Neste momento, meus
pais continuaram defendendo valores e concepções que nos foram transmitidas.
Reforçaram que em toda situação de conflito, existe um aprendizado e que escola
e sociedade são lugares de mudança. Para que estas aconteçam é necessário
cultivar a esperança de um espaço justo e igualitário.
Silva (2005), concretiza a importância da esperança no cotidiano escolar.
A educação é por definição uma obra de mudança, de movimento de uma dada situação a outra diferente, mediante um determinado caminho; a paralisia burocrática não apenas prejudica o trabalho educativo, mas o impede. [...] O ponto nodal de toda mudança na educação passa pela mudança na unidade escolar, lugar onde se concretiza o esforço global de ensino e aprendizagem. Para tanto, há que criar condições para que essa grande aliada de qualquer mudança, a esperança humana, possa encontrar espaço para manifestar-se e viver. (SILVA, 2005, p. 55 – 56)
Em 1973, minha professora era Dona Cláudia, uma pessoa fiel a escola
tradicional. Havia desfile de Sete de Setembro, com bandas, fanfarras e pelotão
de bandeiras. Escolas públicas e privadas da 5ª Delegacia de Ensino reuniam-se
no Largo São José do Belém para o evento cívico que contava com a presença
de vereadores, deputados e representantes da Câmara Municipal. Neste ano, os
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estudantes representaram os estados brasileiros e seu folclore. Personagens
folclóricos desfilaram em meio a bandeiras e muita pompa. As lendas foram
trabalhadas em sala de aula e os personagens reverenciados pela professora.
Não conhecia muitos deles, pois meus personagens prediletos eram os de contos
de fadas. Mesmo assim pesquisei e aprendi a importância dos mesmos para a
memória do povo.
Antes de continuar meu relato, preciso contar que minha irmã e eu
brincávamos de princesa com as roupas de minha mãe. Gostávamos de robes de
cetim, pois eram cumpridos e arrastavam no chão. Digo isto para demonstrar o
meu maior contato com os contos de fadas e não com os contos folclóricos.
Em 1974, cursava a 4ª série com a Professora Neide Leda Porrino,
professora da Escola Estadual de 1º e 2º Graus Amadeu Amaral e do Colégio
Dante Aleguieri, aprendi muito com ela e sem dúvida foi meu modelo de
educadora durante vários anos. Ela ministrava o mesmo conteúdo nas duas
escolas e exigia o máximo de seus alunos, incentivando o conhecimento através
de medalhas para os melhores alunos. Sem fazer comparações com o nível
socioeconômico das famílias.
Foi dada à pesquisa “Brasil de nossos dias”. Meu pai, em suas viagens,
comprava cartões postais de todos os estados para contar onde esteve e
descrever os lugares. Meu trabalho mostrava o Brasil todo através de postais
coloridos e atualizados. Montei um belíssimo trabalho manuscrito e este sim foi
encaminhado a 5ª Delegacia de Ensino, onde ficou arquivado na biblioteca como
fonte de pesquisa para os demais estudantes. Para minha família, a glória não foi
uma medalha ou um troféu e sim um elogio escrito pela professora, em folha
avulsa, parabenizando o incentivo e o apoio da família no trabalho realizado.
Bilhete este que meu pai guardou em sua carteira e que me foi dado pouco antes
de seu falecimento.
1.2. Contos de fadas X Realidade adolescente
De 1975 a 1978, cursando da 5ª a 8ª séries, participei da Diretoria do
Centro Cívico onde organizávamos vários eventos e estávamos presentes nas
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reuniões representando os demais alunos e levando suas reivindicações. Nesta
fase da minha vida, esqueci um pouco dos contos de fadas e comecei com os
namoricos.
Substituía as professoras até a 4ª série do 1º grau. A Diretora Dona Amélia
Saldiva, dizia a minha mãe que eu tinha potencial e seria uma ótima professora.
Cantava, contava historias, naquela época com gestos e dramatizações e ainda
ensinava um pouco de Língua Portuguesa, minha disciplina predileta.
Afirma Furlanetto (2007, p.6) que ao longo dos anos de trabalho foi
compreendendo que aprender assusta, porque rompe, desloca, une e, sobretudo
transmuta. “Viver é perigoso”, já nos dizia Guimarães Rosa (1956) e aprender,
também, exige ousadia, desapego, coragem de entregar-se aos caminhos.
Não sabia se ia dar certo ou não como “professora”, mas gostava de
desafios e aprender o que as crianças me ensinavam, pois, naquele tempo
também era uma criança.
Neste período, comecei a participar da catequese ajudando na Missa das
Crianças, tocava violão e era catequista. Tia Corina, uma revolucionária
educadora, trouxe os gestos e as histórias para a igreja, atraindo assim a atenção
das crianças para a doutrina católica. Foi o primeiro curso que fiz como
catequista, incentivando ainda mais minha opção profissional.
Mais do que depressa, adotamos na Igreja São José do Belém, a missa
cantada e historiada. Para isso estendemos uma cortina no altar que tampava o
santo padroeiro. Os grupos mais conservadores da igreja tentaram boicotar a
inovação, mas vinham pessoas de várias paróquias para visitar e conferir nossa
missa diferenciada, que estava mexendo com os valores religiosos de uma
comunidade. As historias eram bíblicas, mas partiam de fatos relacionados ao dia
a dia. Eram interessantes, engraçadas e tinham um fundo moral. Passávamos a
semana desenhando as transparências. Minha irmã, sempre me acompanhando,
fazia as leituras durante a missa e tinha um grupo de crianças menores que
faziam a pré catequese.
Em 1978, fiz quinze anos, e era o auge da discoteca. Minha festa tinha
mais de trezentas pessoas, quase todos os colegas de escola, colegas da minha
irmã, colegas da igreja e alguns familiares. Como diriam hoje em dia, foi o evento
33
social do ano, patrocinado com a maior felicidade por meus pais. Naquele
momento me senti uma princesa, estava usando vestido longo, tinha mais quinze
meninas com seus príncipes para dançar a valsa. Eu namorava naquela época
com um menino muito bonzinho e que minha família gostava muito. Porém não foi
com o Paulo que dancei e sim com meu primo Wilson, aquele que me entregou o
diploma no Jardim da Infância. Nossa relação sempre foi muito forte, é como se
ele fosse o irmão que nunca tive, protetor e verdadeiro.
Comecei a fazer cursos para aprender a contar histórias com entonação
de voz, suspense e alegria. O primeiro curso que fiz por ironia do destino foi
Didática do Folclore. Aprendi a valorizar as lendas, seus personagens e a
crendice popular. Percebi que além dos contos de fadas, outros contos poderiam
chamar a atenção das crianças, como na experiência com os contos bíblicos.
Como minha mãe continuava com a cantina, eu passava um período
estudando e no outro atendia o balcão. Uma professora muito habilidosa,
chamada Vera Lúcia, do Pré-Primário, pedia minha ajuda na decoração das
festinhas e me ensinava às técnicas de pintura e a confeccionar os enfeites. Eu
adorava, pois aprendia na prática com a experiência dela.
Uma professora que também incentivou minha carreira foi Dona Maria
Helena, professora da classe especial da escola. Esta classe, hoje em dia, seria
formada por alunos portadores de necessidades especiais. Foi ela quem me deu
o primeiro modelo para desenhos de festa junina e me disse que apostava muito
em mim e em minha “vocação” para professora. Muito católica; para ela ser
professora era uma vocação, um sacerdócio.
Silva (2008) descreve uma nova concepção de professor.
[...] o educador vê acrescido ao seu anterior trabalho de mediador para o conhecimento o de formador de identidades, o que implica em transmitir significados, valores e propostas de vida. Enfim, há de se superar a mera informação para atingir-se a formação. (Silva, 2008, p. 23)
Neste mesmo ano foi minha formatura da 8ª série. Na igreja montamos
um coral com as crianças da catequese e elas cantaram na formatura da escola
Amadeu Amaral com a regência da minha mãe; meus pais sempre participaram
de nossas vidas, minha e de minha irmã. Recebi o diploma das mãos da
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professora Maria Helena e foi como se ela estivesse entregando o diploma para
uma colega de profissão. Fiquei muito feliz e com uma responsabilidade muito
grande, não decepcionar as pessoas que acreditavam em meu talento, que
diziam que era nato. Senti-me como Peter Pan que se recusava a crescer, mas
tinha um mundo para organizar. A Terra do Nunca seria a próxima etapa de
minha vida.
1.3. O verdadeiro caminho começa: destino professora
Em 1979, entrei para cursar o Magistério no Instituto Nossa Senhora
Auxiliadora, uma escola particular, tradicional e de freiras salesianas.
Chorei muito no meu 1º Magistério; não queria aquela escola com
pessoas totalmente diferentes de mim. Sempre fui muito comunicativa e
inovadora. Com o passar do tempo, expus minhas ideias, comecei a tocar violão
nas festas de Nossa Senhora Auxiliadora e fiquei conhecida no colégio.
Lembro-me que nesta época tive muitas indagações, desilusões, ilusões,
construções, desconstruções, saberes e não saberes.
Sobre este aspecto Furlanetto (2007) comenta a existência de um
professor multifacetado, que não exerce sua docência pautada, somente, em
alguns princípios teóricos ou procedimentos técnicos.
Deparamo-nos com um sujeito mergulhado em vivencias e conflitos que exigem dele respostas desconhecidas e soluções, muitas vezes, impensadas. As certezas, a maneira correta de proceder e as respostas vão cedendo lugar à incerteza, aos dilemas, às diferenças e à necessidade de soluções singulares. (FURLANETTO, 2007, p. 11-12)
Em 1980, no 2º Magistério, comecei a estagiar. O estágio deveria ser de
observação, porém meu estágio de seis meses foi na Fundação do Bem Estar do
Menor (FEBEM) - Tatuapé, supervisionado pela Irmã Maria José, uma freira que
ministrava aulas de Português. Era uma pessoa muito tranquila, falava baixo, mas
extremamente politizada e resolvia qualquer tipo de problema pelo amor ou pela
dor, como diz o ditado popular. Todas as historias e músicas que eu conhecia não
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tinham sentido naquele momento, naquele ambiente. As teorias aprendidas até
então não eram colocadas em prática e os meninos, que possuíam família, não
contavam com ela. Narravam historias de abandono, de discriminação, de
violência, de impunidade. Durante as conversas entravam inspetores para chamar
alguns meninos para lavar os banheiros ou fazer outras atividades. Não
respeitavam o momento de diálogo e reflexão dos garotos, um momento em que
eram acolhidos e ouvidos. Um belo dia, a freira e eu fomos escoltadas para fora
da unidade por seguranças. Nossa presença não era mais bem vinda, segundo
relato dos seguranças os meninos estavam se apegando muito a nós e não era
bom para sua autoestima, para sua conduta. Percebia, neste momento, a
distância cada vez maior entre teoria e prática. O que fazer em uma situação
desta? Como administrar o conflito para evitar o confronto? Os cursos de
formação docente estavam preparados para dar aos alunos subsídios práticos
para resolver um desafio como este?
O desafio das situações educativas se encontra na imaginação de formas de aprendizagem que vão surpreendendo o aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de transformar a vivência proposta em experiência analisada, no decorrer da situação educativa. Os professores devem cultivar o seu imaginário e a sua capacidade de imaginação, para se tornarem “bons educadores”, ajustados, por um lado, à formação pessoal (existencial) dos alunos e, por outro, aos recursos que eles precisam na sociedade em que vivem. (JOSSO, 2009)
Escrevemos vários relatórios, mas não conseguimos voltar à unidade
para continuar nosso trabalho efetivamente pedagógico. De acordo com Paulo
Freire, partíamos da realidade dos meninos, de suas reflexões e críticas para
planejar o próximo encontro. Não estávamos lá para incutir uma educação
bancária, mas uma educação para a vida, talvez até ajudar a formar cidadãos
críticos, não somente no papel, mas na prática do dia a dia.
Em 1981, no 3º Magistério, fiz estágio de 1ª a 4ª séries na rede pública e
privada. Tive uma ampla visão do ensino ministrado naquele momento. Um
ensino que valorizava o conteúdo, sendo o aluno um mero receptor e o professor
o conhecedor, o detentor de todo o saber. Nos eventos, os alunos dançavam e
falavam todos iguais. Os pais, assim como eu, achavam lindo, todos realizando os
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gestos como a professora ordenou, ou seja, ensaiou. Percebi a diferença do
ensino público e privado e lembrei-me da minha professora Neide para quem esta
diferença ocorreria, mas que ela repudiava com veemência. Na escola pública,
várias crianças se destacavam, mas eram encobertas pela indisciplina e pela falta
de vontade de aprender dos demais.
Neste ano, em meu estagio, comecei a montar as pastas de atividades
motoras, de datas comemorativas, de músicas e de historias. Adorava fazer estas
tarefas, não via a hora de meus futuros alunos estarem executando atividades
confeccionadas por mim. Seria lindo pendurar os desenhos mimeografados, todos
iguaizinhos, pois a pintura deveria ser direcionada para que os pais recebessem
belas pastas para guardar e acompanhar o desenvolvimento artístico dos filhos.
Um período de transição implica olhar para o passado, preservar e rejeitar o que existia considerar desejos e possiblidades, pois as pessoas tendem a ficar suspensas entre o passado e o futuro, buscando reorganizar-se para um novo tempo. Esses momentos são de crises e oportunidades. O adulto, ao findar um curso preparatório para a docência, era considerado preparado para exercer sua profissão, como se estivesse pronto para lidar com os problemas que sua profissão iria propor-lhe. A Educação é um processo sem fim que solicita tempos e espaços adequados para ocorrer. (FURLANETTO, 2007, p.18-20)
Em 1982, fiz a especialização nos estudos da Pré-Escola no 4º
Magistério, ainda no mesmo colégio de freiras. Não acreditava em estágios
assinados pela diretora sem necessidade de fazer e muito menos naquele em que
ficava sentada olhando a professora e relatando. Fiz estágio aos domingos, na
Casa Aberta, um projeto para atender a comunidade belenense dando reforço
pedagógico, fazendo brincadeiras, confeccionando peças de artesanato e o
melhor de tudo contando historias. As crianças chegavam por volta de catorze
horas e iam embora às dezessete horas. O colégio tinha uma ótima infraestrutura
e tínhamos uma equipe de jovens que realizavam atividades atraentes e
significativas. Não era obrigatória a presença, mas a cada domingo mais e mais
crianças chegavam e o projeto cresceu. Fizemos exposições e várias
apresentações para a comunidade.
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Neste mesmo ano, minha irmã completou quinze anos e fomos à Disney
como presente de aniversário. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de
vivenciar os contos de fadas de maneira real, de entrar em um castelo e tirar
fotografias com os personagens de minha infância. Das historias que conhecia,
dos livros que meu pai comprava da Editora Vecchi. Livros que traziam historias
originais dos Irmãos Grimm (1964), como As Aventuras do Pequeno Polegar e
Branca de Neve e as historias de Perrault (1964), como Cinderela, Chapeuzinho
Vermelho, O Gato de Botas e a Bela Adormecida no Bosque.
Segundo Maffesoli (2001):
O fantástico e a ficção não tem outro sentido: organizar o espaço vital tornar o cotidiano aceitável. As historias de vampiros, de fantasmas e outras criações excepcionais, transmitem uma visão de mundo normalizada e homogeneizada ou traduzem a angústia coletiva do tempo que passa. (MAFFESOLI, 2001, p. 100)
No final do ano, prestei o vestibular para Pedagogia e passei na 1ª fase
da Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST) e na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no período matutino. Meus pais
estavam muito satisfeitos e deixaram a escolha para mim. Não fiz a 2ª fase da
FUVEST, fui para a PUC-SP tentar encontrar e vivenciar os ensinamentos de
Paulo Freire, tão lido e reverenciado em meu magistério.
1.4. Da teoria à prática: distante, mas paralela
Em 1983, fui chamada para lecionar como substituta no Amadeu Amaral.
Foram anos puxados, estudava muito e trabalhava período integral, mas estava
fazendo o que sempre esperei, colocando em prática o que vivenciara em minha
vida escolar.
De 1983 a 1998, trabalhei no Instituto Nossa Senhora Auxiliadora (INSA),
lugar onde chorei muito e aprendi muito com as diferentes historias de vida.
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Por ser uma escola tradicional no bairro, por ser uma escola de freiras, o
ensino era tradicional e as aulas também. Tínhamos uma porção de cadernos
para utilizar, livros didáticos para cumprir e diversas avaliações para corrigir.
No início de minha docência, como havia estudado lá, fazia tudo como me
fora ensinado. As crianças em ordem crescente na fila, em silêncio, em sala de
aula escolhia o lugar de cada aluno seguindo as necessidades passadas pelas
irmãs: óculos, dispersão, problemas familiares na frente. As aulas eram
planejadas no final de semana, pois nossa freira coordenadora vistava os
semanários e dava sugestões para aqueles que não estivessem de acordo.
As festas de Nossa Senhora Auxiliadora eram o maior evento do colégio e
o melhor. Professores, funcionários, alunos e famílias se uniam para rezar em
uma missa realizada no pátio e havia apresentações de ginástica rítmica
realizadas pelos alunos. A comunidade belenense era convidada para o evento,
assim como diretoras e coordenadoras de outras escolas salesianas.
De 1983 a 1986, também lecionei na Escola Estadual Amadeu Amaral.
No primeiro ano, minha sala era de 1ª série com alunos de diferentes faixas
etárias e com ritmos de trabalho muito diversificados. Tenho certeza que não me
sai muito bem; não conseguia ensinar crianças sentadas em fileiras A, B, C, D,
separadas pelo nível de conhecimento, de aprendizado que apresentavam.
Algumas crianças estavam mais interessadas na merenda do que no conteúdo.
Elas gostavam muito quando contava historias de minha infância e dos
contos de fadas. Pelas historias me aproximava da realidade das crianças e
utilizava os contos de fadas para transmitir o que eu considerava certo ou errado,
bom ou mau. Elas narravam o dia a dia e seus problemas quando chegavam em
casa. Pais separados, violência doméstica, privações eram as historias que eu
ouvia, me perguntava como eu ensinaria o conteúdo se não era isso que as
interessavam?
No segundo ano, tive uma 2ª série e tentei trabalhar o conteúdo como
minhas professoras da 2ª e da 4ª séries trabalhavam. Tentei dar o mesmo
conteúdo que dava na escola particular e as crianças responderam bem. Os pais
ajudavam muito, enviavam tudo o que era solicitado. Queriam que as crianças
aprendessem e confiavam em minha proposta de trabalho de igualdade e
39
valorização da escola pública. Proposta que foi explicada à eles na primeira
reunião de pais, relembrando a professora Neide (citada anteriormente) que fez
um belíssimo trabalho com alunos das escolas pública e privada.
No terceiro ano que estava ainda como Auxiliar Contratada Temporária
(ACT), foi o ingresso das crianças da Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM)
na escola estadual. Estava com uma sala de Pré-Escola com crianças da FEBEM
e da comunidade. Foi um ano difícil, pois tinha que tentar conter a agressão física
entre eles e as crianças da comunidade.
No final do ano, as crianças tiveram uma formatura digna de qualquer
cidadão. A comunidade aceitou os “pequenos infratores” como eram designados.
Fizeram até o juramento com o uso da beca, que eles não conheciam. Eles foram
incluídos e se incluíram na escola, perceberam e mostraram que não existe
diferença e sim maneiras diferenciadas de agir e pensar.
Em 1985, casei-me. Mas nossa historia de vida era muito diferente e com
o passar do tempo percebi que as diferenças ou a falta de alguns valores
dificultavam nosso relacionamento.
Em 1986, foi minha formatura em Pedagogia no Palácio do Governo. Foi
um evento cheio de pompa e circunstância. Meu patrono foi Paulo Freire, um
amigo de todas as sextas-feiras na PUC-SP e nosso paraninfo foi o educador
Moacir Gadotty. Educadores que influenciaram e influenciam a carreira de
diversos profissionais, comprometidos com a Educação verdadeiramente para a
Liberdade. Durante o curso de Pedagogia tive contato com diversas pessoas
vindas de diferentes e interessantes realidades.
1.5. Momentos charneiras
Em 1988, nasceu o amor de minha vida, meu filho Leonam. Um meninão
que modificou toda minha vida e me fez lutar por meus ideais. Até hoje, o Lê me
acompanha em todos os projetos e apoia minhas ideias.
Com o nascimento do Leonam tornei-me uma pessoa mais segura e
guerreira, queria ver meu filho bem e poder dar-lhe tudo que eu sempre tive
40
principalmente carinho, amor e o estudo. Minha família apoiou minha decisão e
lutou junto comigo para que não faltasse nada a ele.
Voltando a minha historia profissional, nos primeiros dez anos trabalhei
conforme os ensinamentos. Percebi que era uma professora autoritária, que
cumpria rigorosamente as orientações sem questionar nada. O que havia
acontecido com aquela garota questionadora e inconformada com regras
impostas? Talvez o medo de perder o emprego e não ter como sustentar meu
filho tornara-se maior que minhas convicções e minhas crenças.
Em 1993, comecei a ousar trabalhar em grupo. Os alunos eram
convidados a sair das carteiras e sentarem no chão para a realização de
trabalhos e atividades. No início recebi muitas reclamações da direção, pois os
alunos saiam com o uniforme sujo e havia barulho na sala de aula. Argumentei
várias vezes que era bom para a socialização das crianças, para que elas
pudessem trocar ideias e compartilhar pensamentos e sentimentos. Neste período
lia muito sobre projetos e aulas diferenciadas e participativas. A inovação estava
presente em mim e era mais forte que eu.
De 1988 a 1998, trabalhei somente um período e fiquei no Instituto Nossa
Senhora Auxiliadora (INSA) onde meu salário era maior e era o lugar onde me
sentia em casa. Dediquei-me de corpo e alma a esta escola e principalmente às
crianças. Realizei vários projetos de leitura e escrita de livros. Os contos de fadas
tinham presença constante em minha sala de aula, continuava utilizando-os para
transmitir valores e também falar sobre as diferentes culturas e sociedades. Além
dos contos originais, as crianças tinham contato com as diferentes adaptações
para poder compará-las. No INSA, trabalhei com livros paradidáticos, livros
didáticos, valorizando o conteúdo até 1990.
Em 1990, com a mudança da direção e da coordenação principalmente, o
enfoque começou a ser outro. Entramos na era das Atividades Diferenciadas e
dos Projetos. Tínhamos vários cursos de formação e aperfeiçoamento. As festas
de Nossa Senhora Auxiliadora eram as mais marcantes do ano para os alunos,
pois tinham uma participação efetiva. O colégio tinha uma nova “cara”, tinha
autonomia, tinha particularidades até então esquecidas ou massificadas para
todos os colégios da ordem.
41
Inventamos a Festa da Caneta, um evento na metade do ano, onde as
crianças da 2ª série passavam a utilizar caneta nos cadernos. Os pais compravam
uma caneta bem bonita e durante uma apresentação de música e dança dentro
de um contexto de contos de fadas ofereciam a caneta ao filho marcando uma
nova etapa em sua vida escolar. Era uma forma de trazer os pais mais vezes para
a escola.
A coordenadora não era freira e vinha com ideias de liberdade com
responsabilidade, de comprometimento sem opressão. Foram anos excelentes
em que alunos e professores aprendiam mutuamente e não existia os seus e os
meus alunos. Mas esta alegria durou até 1996, ano em que a coordenadora foi
demitida e em seu lugar a diretora colocou sua irmã que não tinha o mínimo de
experiência no primário.
Em 1998, minha mãe faleceu em outubro e em dezembro sai do Instituto
Nossa Senhora Auxiliadora (INSA), escola que trabalhava há quinze anos. Uma
professora, chamada Regina, pediu meu currículo e em uma semana depois
estava empregada novamente. Mudanças significativas que me fizeram repensar
conceitos e valorizar momentos que até então eram normais ou sem relevância.
Para compreender o efeito desta mudança nas historias de vidas Dominicé (2006)
indaga:
Quantos adultos não tiveram de aprender a ‘refazer sua vida’ enquanto imaginavam ter efetuado escolhas maduras e definitivas. A fragilidade do emprego, os conflitos relacionais, uma saúde defeituosa constituem alguns exemplos de perturbações que habitam a historia de vida. Quando essas situações se tornam sem saída, é preciso renunciar e recriar, aceitar perder, para poder refazer. Aqueles que viveram essas metamorfoses sabem o que lhes custaram. (DOMINICÉ, 2006, p.349)
De 1999 a 2004, trabalhei no Colégio Latino Americano, no bairro da
Penha. Os diretores eram rígidos e exigiam bastante do professor, por outro lado,
eram humanos e valorizavam a família.
A diretora, rubricava o semanário, caderno que trazia o planejamento de
atividades e conteúdos da semana, e dava sugestões de atividades e de
festividades. Como eu já estava acostumada com esta prática não me importava.
Achava normal acompanhar meu trabalho, mas para quem trabalhava naquela
42
escola há mais tempo e não tinha este tipo de controle, não aceitava muito bem a
nova orientação. A coordenadora rubricava os cadernos dos alunos e cobrava
atitudes dos professores na intervenção junto às crianças.
Como sempre acreditei que os pais deveriam participar da vida escolar de
seus filhos, investi neste projeto. Depois de longas conversas com a direção,
consegui que os pais ajudassem nas atividades diferenciadas e em grupo. Minha
primeira oportunidade de aproximação foi a Festa Junina. Depois da dança
tradicional das crianças, os pais foram convidados a dançar com os filhos a
quadrilha. Tive a honra de dançar com meu pai, que estava prestigiando a festa
juntamente com meu filho que fotografou a quadrilha mais divertida que a escola
tinha visto. Foi uma experiência fantástica para eles e para nós do corpo docente.
Percebemos que se os pais fossem convidados, participariam da vida escolar dos
filhos com maior frequência e interesse e não somente nas reuniões para falar de
notas e indisciplina.
Em 2000, realizei um grande sonho, levar meu filho para a Disney. Minha
irmã, o Leonam e eu ficamos no mundo de magia e encantamento. Parecia que
estávamos participando das historias, ficamos mais de quarenta minutos sentados
em frente de uma das casas esperando a Branca de Neve e os Sete Anões
aparecerem para tirarmos fotografias com eles. A Disney é um lugar, em minha
opinião, onde os adultos se transformam em crianças e aproveitam como as
crianças a permanência em uma terra mágica e fantástica.
Em 2001, a mantenedora assumiu novamente a direção e as coisas
começaram a mudar. Dona Ivani, com uma experiência pedagógica infinita,
transformou a sala de aula tradicional em cantos montessorianos, o que facilitou o
acesso das crianças no manuseio dos materiais pedagógicos.
De acordo com seu pensamento e formação, incentivava o trabalho com
projetos e as atividades utilizando diversos ambientes fora da sala de aula. O
colégio tinha um bosque maravilhoso para trabalhar com as crianças, os
conteúdos de animais e plantas. As aulas de Ciências eram práticas e em lugar
extremamente agradável.
Fizemos o Projeto Monteiro Lobato, no qual as crianças leram sobre o
autor, pesquisaram os personagens famosos e contei diversas historias do Sítio
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do Picapau Amarelo. O Projeto Profissões valorizou as diversas atividades
profissionais e trouxe para a escola pais que contavam como escolheram sua
profissão e se estavam realizados fazendo o que haviam escolhido.
O mais interessante projeto daquele ano foi a Festa da Caneta que havia
trazido da outra escola. A festa nesta escola foi baseada na festa do livro da 1ª
série. No primeiro ano, a direção não apostou muito no êxito da mesma. A partir
do segundo ano, o evento tomou vulto. Os pais participaram ativamente. A Festa
da Caneta foi tão bem acolhida que a direção a incluiu no calendário escolar.
Em 2002, com minha família tranquila e o meu lado profissional também,
conheci uma pessoa extraordinária, que mudou minha vida amorosa. Até aquela
oportunidade não tinha encontrado uma pessoa companheira, carinhosa, disposta
a tudo. Numa ironia do destino, meu caminho cruzou-se ao de Cláudio. Pessoas
tão diferentes que acabaram unindo-se num laço de amor, respeito e amizade.
Em 2003, com a aproximação do final do ano, comecei a pensar no tema
da festa, minha irmã escreveu um texto no qual os personagens de contos de
fadas ajudavam uma criança a procurar sua caneta. Esta havia sido levada pelo
Capitão Gancho, que não sabia escrever. O menino percorreu a floresta e
encontrou diversos personagens como: Mogli, Peter Pan, Robin Hood, etc. No
castelo encontrou princesas, príncipes e até os anões. No mar encontrou a
pequena Sereia e seus companheiros e na fábrica de brinquedos toda a magia de
Gepeto e Pinóquio. As três fadas da Bela Adormecida eram mães que
participaram da dramatização com alegria e entusiasmo.
O pai de um aluno desenhou e confeccionou todo cenário. Meu filho
gravou vídeos com canções de diversos desenhos que foram cantadas pelas
crianças e pelos adultos. Os pais ficaram encantados e consegui realizar um
sonho. Resgatar os contos de fadas nos pais para atingir cada vez mais os filhos.
O colégio também saiu na frente na questão da inclusão social, tivemos
várias palestras e cursos referentes aos tipos de necessidades especiais, a
importância da inclusão e da não exclusão. Tive a oportunidade de conhecer o
Laramara que faz um trabalho excelente para os portadores de necessidades
visuais, incluindo-os socialmente e o mais importante culturalmente. As pessoas
saiam dos cursos sensibilizadas e ao mesmo tempo preocupadas com a falta de
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preparo e formação do professor para receber e realmente não excluir estas
crianças.
Em 2004, tive uma aluna com Síndrome de Down e um aluno psicótico,
cada um em um período, pois dobrava período no Colégio Latino Americano.
Passava atividades diferenciadas e as próprias crianças me ajudavam tanto na
parte pedagógica como na parte de higiene e alimentação.
O menino me preocupava bastante. Não sabia qual seria a atitude dele
comigo e com as demais crianças. Foi um ano difícil e percebi que apesar dos
cursos, não estava preparada para a inclusão e nem a escola tinha infraestrutura
para receber alunos inclusivos. Percebi a falha na formação docente que se
preocupava com as crianças ditas normais e as teorias mais adequadas a este
tipo de clientela e nem sequer mencionava as síndromes e as patologias que
eram encontradas constantemente nas salas de aula.
À vontade e a facilidade do trabalho com projetos aumentava em minha
prática docente um desejo de conhecer mais, de explorar e aplicar esta inovação
tão esperada.
1.6. Educar, crianças de diferentes idades – a realização do sonho
Em agosto de 2004, ingressei na Prefeitura de São Paulo, no cargo de
Professora de Desenvolvimento Infantil, no berçário do CEI Vereador José
Bustamante. Vi-me apavorada, pois nunca tinha passado por este tipo de
experiência. Sempre trabalhei com crianças maiores, não sabia o que era um CEI.
Prestei o concurso porque minhas colegas de trabalho insistiram para que eu
fizesse a prova. Chegando à unidade, a coordenadora me disse que eu era
professora do berçário e que as contratadas me ajudariam. Foi uma fase de
transição na Prefeitura de São Paulo. Nós, professoras efetivas, entravamos na
unidade e as contratadas tinham de sair. Pessoas que estavam há muito tempo
eram substituídas por recém chegadas, sem experiência e com um diploma na
mão. Tiravam o emprego de quem realmente precisava e sabia cuidar das
crianças.
45
Após alguns dias, chegou para ocupar a outra vaga do berçário a
professora Maria da Penha Miranda, minha melhor amiga, ensinou-me o
necessário e o essencial do trabalho em berçário. Aprendi a rotina daquelas
crianças tão pequenas e enfrentamos juntas as grandes dificuldades encontradas
na estrutura estabelecida naquela unidade. A falta de material e de vivência de
creche das professoras que estavam chegando acabou por unir o grupo que ao
longo dos meses tornou-se uma equipe. Tivemos de aprender juntas para não
desistir de nossa função. Nossas teorias não valiam tanto naquele momento
quanto a prática das professoras mais antigas. A falta de funcionário e de material
também eram fatores que dificultavam nosso trabalho docente.
Cada dia ficava mais surpresa com aqueles pequeninos, não precisava de
carteira, de caderno para chamar a atenção deles. Ficávamos seis horas com as
crianças desenvolvendo atividades práticas do dia a dia delas.
Separávamos várias sucatas para contar historia. O mais interessante é
que as crianças não viam os objetos e sim os personagens. Percebi que a
imaginação era o ponto chave do mundo dos pequenos e era nele que eu,
acostumada com conteúdos difíceis e complexos, deveria adentrar.
Compreendi a importância do banho para a aproximação com o bebê,
além é claro da higiene. A hora da alimentação era um excelente momento de
aprendizado e de vivência. Tirávamos as crianças dos cadeirões e as
colocávamos nas mesinhas para se socializarem com as outras crianças. Era
durante as refeições que elas trocavam ideias e experiências. Viam como os
outros seguravam as canequinhas e os talheres, como levavam o prato para jogar
o resto de comida no lixo e colocar o prato na bacia para ser lavado. Na sala de
aula reconheciam seus pertences e tentavam vestir-se ou despir-se sozinhos.
Fiquei muito surpresa, pois não imaginava que crianças tão pequenas
pudessem e quisessem ser autônomas. Crianças tão pequenas reproduzissem
historias e reconhecessem os personagens e suas características. Que
soubessem cantar músicas e organizar a sala. Estava realmente encantada com
a Educação Infantil e o princípio de autonomia trabalhado no Centro de Educação
Infantil (CEI).
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No final de 2004, sai do Colégio Latino Americano, pois a diretora queria
exclusividade. Naquele momento minha estabilidade profissional era muito
importante e estava gostando do meu novo desafio no CEI. Minha grande alegria
foi a formatura de meu filho na 8ª série do Ensino Fundamental. Senti como se
parte de minha missão estivesse cumprida. Ele ficou lindo de “ smoke”, parecia
um príncipe de verdade. Neste momento não poderia ser mais uma princesa e
sim rainha devido a minha idade e experiência de vida. Meu pai, nesta época
estava muito doente, mas não deixou de prestigiar o neto em seu primeiro baile.
Minha irmã, madrinha e fada madrinha, de meu filho dançou a valsa com ele. Foi
maravilhoso ver nossa família reunida para comemorar uma etapa importante da
vida de meu filho, que cresceu sem que nós percebêssemos, pois sempre foi um
menino tranquilo e muito companheiro.
No início de 2005, fui chamada pela Escola e Faculdade João XXIII. A
coordenadora me explicou o funcionamento da escola, disse que minhas
referências eram boas e que precisava de alguém com a minha experiência para
ampliar e inovar o trabalho pedagógico desenvolvido naquela instituição. No dia
seguinte, iniciei meu trabalho na 2ª e 3ª série daquela escola. Encontrei a
receptividade das professoras que trabalhavam há mais de quinze anos naquela
unidade.
O ano foi maravilhoso. Ninguém tinha medo de demissão, o ambiente era
tranqüilo e as crianças saiam ganhando. O corpo docente era muito unido,
desenvolvíamos as atividades e os projetos juntos. O trabalho era coerente e
coeso. A coordenadora deu-nos carta branca para realizarmos nossos projetos,
pois acreditava que as crianças aprendiam mesmo fora da sala de aula.
Depois de quase dez anos sem fazer cursos de extensão, voltei a estudar
com o apoio de minha família e de Cláudio que achavam que a sala de aula
estava pequena para minhas ideias e aspirações. Cursei Supervisão Escolar na
Universidade de Araras durante seis meses. Foi excelente a convivência com
estudantes mais novos. Minha professora conheceu Piaget, era uma senhorinha
com uma história de vida emocionante e uma carreira brilhante na educação.
Falava que aos setenta e cinco anos não conseguia ficar em casa. Sentia-se bem
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na faculdade e que tinha muito a aprender. Seu conhecimento e sua vivência
eram invejáveis.
Em 2006, me removi para trabalhar no Centro de Educação Infantil
Penha, próximo ao metrô Vila Matilde. Fui atribuída ao mini grupo que atende
crianças de até três anos. A organização deste CEI era impressionante. A direção
e a coordenação eram presentes e comprometidas com a Educação Infantil. A
professora Assunta e eu, desenvolvemos diversos projetos durante o ano. Nossos
projetos mais significativos foram do salão de beleza e da cozinha. As crianças
participaram ativamente de atividades de seu dia a dia. Tiramos várias fotos e
aprendemos que esta poderia ser uma forma de registro e de revisitar os
registros. O olhar do outro, através da fotografia, ampliou o meu, pois durante a
atividade não nos atentamos a detalhes que depois foram observados e puderam
nos auxiliar na reavaliação da atividade como um processo.
Na Escola João XXIII, as crianças juntamente com as famílias
desenvolveram vários projetos. Os projetos foram valorizados pela direção e
divulgados no jornal da escola. Fizemos o Projeto Crianças Famosas onde as
crianças pesquisaram a vida e a carreira de vários músicos e pintores que tiveram
seu talento aflorado e descoberto desde muito cedo. Conhecemos Mozart,
Leonardo da Vinci, Schumann entre outros. As crianças caracterizadas
expuseram a vida e a obra destes gênios e também seus próprios talentos
artísticos.
Em um dos cursos promovidos pela Editora Frère Theophane Durand
(FTD), no mês de agosto, conheci pessoalmente o escritor Fernando Carraro que
tinha preocupação com o meio ambiente e os valores éticos e morais. Na época,
estava lendo com os alunos o livro “O Catador de Papel” que narrava a historia de
vida de moradores de rua. Contei a ele o projeto que estava desenvolvendo e o
autor me disse que iria visitar a escola e ver como as crianças estavam reagindo
frente à realidade diferente relatada no livro. Pensei que fosse brincadeira, mas,
mesmo assim, deixei meu nome e o endereço da escola com ele. Depois de uma
semana, foi agendada uma data para a visita de Fernando Carraro.
Não acreditei que uma pessoa tão ocupada, tivesse tempo de visitar o
trabalho de um grupo de alunos. Os pais foram convidados para assistir a
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dramatização e apoiaram integralmente o projeto. Os elogios tecidos pelo autor às
crianças e à professora emocionaram a todos os presentes. Foi uma experiência
inesquecível para quem acredita no poder dos projetos e no processo de ensino e
aprendizagem.
Em outubro deste mesmo ano, iniciei uma Pós-Graduação em Docência
do Ensino Superior Tecnológica. Minha família mais uma vez estava ao meu lado.
Minha irmã sempre me compra um caderno quando vou iniciar um curso. Ela
escolhe o caderno mais bonito que encontra, sempre com personagens de contos
de fadas. Para incentivar meus estudos, o Cláudio almoçou todos os sábados na
Faculdade comigo e com meus colegas. Os almoços eram divertidos e nos
aproximávamos cada vez mais, conhecendo assim a historia de vida de cada um
e de como chegaram até o curso. Com a pós, novos horizontes se abriram em
minha carreira e comecei a visualizar a educação de maneira diferente. Percebi
que a cada fase que passava, me transformava ou me reconstruía como uma
nova professora, ou melhor, queria ser educadora. Conheci pessoas vindas
novamente de diversas profissões, a diferença é que todos queriam lecionar e
colocar em prática os ensinamentos recebidos ou transmitidos nos cursos de
graduação.
Em 2007, continuei no CEI Penha como volante, isto é, não tinha uma
sala fixa. No início do ano juntei-me a uma Professora de Desenvolvimento Infantil
(PDI) readaptada e a uma Agente de Apoio, para montarmos um projeto utilizando
a biblioteca: Projeto Biblioteca Itinerante. A prefeitura havia enviado mais de
trezentos livros para a unidade. Separamos e catalogamos os livros. Fizemos a
divulgação da biblioteca para os pais. No início foi difícil, pois os pais pensavam
que estivéssemos vendendo livros e não queriam nem parar para conversar.
Depois entenderam e participaram do projeto. As crianças retiravam os livros em
dois dias da semana e ficavam com os livros no final de semana em casa. As
professoras assim como os pais eram responsáveis pela preservação do livro e
pela contação de historia.
As crianças chamavam os pais para escolherem os livros e cobravam dos
mesmos a carteirinha da biblioteca. Alguns pais foram contar historias no CEI e
utilizaram caixas de historias confeccionadas pelas educadoras da unidade. O
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trabalho demorou, mas rendeu muitos frutos. Nosso aprendizado foi imenso. Pais,
professores e crianças apoiaram a ideia e incentivaram nosso projeto.
Hermantina, uma agente de apoio com uma vivência inigualável na
creche, uma pessoa que entrou no CEI quando este pertencia a Assistência
Social, onde o cuidar era mais importante que o educar, teve a chance de
transformar seu cargo e estudar para ser professora, mas sempre disse que a
melhor escola era a vida e que poderia ser mais útil do seu jeito de tratar as
crianças e auxiliar as professoras. Em sua visão para ser professor é necessário
um curso de formação, é necessário ler muito, ter um diploma, mas para ser
educadora é necessária à experiência, ter uma historia de vida significativa para si
e para o outro e estar aberto para se reconstruir sempre diante dos desafios
impostos pela sociedade e pela cultura.
Em 2007, nosso projeto de leitura continuava no CEI Penha. Tínhamos
mais de oitenta frequentadores assíduos na Biblioteca Itinerante. Decidimos
inscrever nosso projeto no concurso da Câmara Municipal, Prêmio Paulo Freire
de Qualidade do Ensino Municipal, recebemos menção honrosa, porém todos se
sentiram premiados, foi um esforço conjunto para que o Projeto Biblioteca
Itinerante – Leve esta Ideia para casa, desse bons frutos e estimulasse um
momento de leitura, de encontro entre pais e filhos.
Na Escola João XXIII, meu ano começou excelente. Ganhei de presente
uma sala com crianças questionadoras, ativas e o mais importante com pais
participativos. Os pais estavam à disposição. A direção já havia me dado carta
branca para a realização de projetos e a entrada dos pais na escola. Neste ano
conheci a tia Célia, que me acompanha até hoje. Adotei como tia, disposta a tudo
para ver as crianças felizes. O Leonardo, seu sobrinho, tem orgulho de vêr como
a Célia auxilia nos projetos e é querida pelas famílias e pelas professoras. O
Projeto Recreio Cantado uniu crianças de todas as salas para apresentarem
canções trabalhadas em sala de aula. Tivemos total apoio da diretora Conceição.
Mas o projeto fundamental deste ano em minha sala foi o Projeto Sítio do
Picapau Amarelo. Lemos sobre o autor e seus diversos personagens, visitamos o
sítio e conferimos o que pesquisamos. Confeccionamos bonecos dos
personagens usando material reutilizável. Neste projeto além do apoio dos pais,
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ingressou em nossa equipe a tia Sandra, uma inspetora de alunos, que fez o
Magistério e que tem muita habilidade artística para realizar trabalhos manuais e
muito jeito com o público infantil. O Projeto Monteiro Lobato durou o ano todo e
teve seu ponto máximo na Exposição de Tecnologia (EXPOTEC), uma exposição
de tecnologia na qual os alunos caracterizados expuseram toda sua vivência no
mundo mágico e real de Monteiro Lobato. Contamos principalmente com a
participação dos pais que também vieram caracterizados de personagens para
engrandecer e valorizar o trabalho dos filhos. Senti-me uma educadora realizada,
pois meu sonho de trabalhar com projetos e ter a participação da família dos
alunos estavam realizados. Fui à mediadora de um trabalho significativo e
carregado de muitos valores humanos.
No segundo semestre deste mesmo ano, fui contratada para lecionar
Antropologia Cultural na Faculdade Drummond, no curso de Administração de
Empresas. Fiquei felicíssima e meu pai que acompanhou a trajetória da menina
que dava aula para as bonecas, estava muito orgulhoso e me dizia para ir em
frente, porque eu era competente e amava o que fazia. Notei que aqueles
meninos crescidos precisavam de apoio e carinho como minhas crianças do CEI e
do Fundamental I. Eles solicitavam atenção, respeito e o mais importante alguém
que se interessasse pela defasagem de conteúdo deles e resgatasse alguns
conteúdos fundamentais para que pudessem prosseguir sua jornada.
O processo de formação torna-se uma longa busca de si em um mundo que demanda uma forte consistência pessoal para enfrentar os desafios que cada um deve encarar na sociedade atual. Essa experimentação existencial irá de certo surpreender, particularmente em contextos de conformidade social, porque ela favorecerá trajetórias insólitas e opções aparentemente contraditórias. (DOMINICÉ, 2006, p.328)
Esses alunos traziam historias de vidas diversificadas, concepções
diferentes, porém objetivos comuns: frequentar e concluir o Ensino Superior para
ter chance de promoção no emprego ou para ascender socialmente perante a
família, principalmente no caso de pessoas que estão afastadas da escola há
muito tempo. Tinha uma sala com oitenta jovens e como fazia com minhas
crianças, tentava chamá-los pelo nome. Logicamente que eu trocava o nome da
maioria, mas acertava o nome de alguns. Para eles, a identificação fez muita
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diferença. Eles não se sentiam um número, mas uma pessoa valorizada e
conhecida, diferenciada. Começaram a me chamar de professorinha. No início
pensei que fosse por minha estatura baixa, mas descobri que era por estar
próxima a eles, como a professora do Fundamental, havíamos criado um laço
afetivo iniciado pela valorização da identidade desses jovens. Neste momento não
sabia quem era o mestre e quem era o aprendiz, pois eles me mostraram o
caminho que deveria seguir para ter êxito no Ensino Superior: a liberdade de
escolha, o comprometimento com o grupo e a responsabilidade pelas atitudes
tomadas.
As matrizes pedagógicas podem ser compreendidas como nichos, nos quais são gestados e guardados os registros sensoriais, emocionais, cognitivos e simbólicos vividos pelos sujeitos ao tramitarem nos intersubjetivos, em que se constela o arquétipo do Mestre-aprendiz. Alguns professores e alunos, ao se sentirem em uma relação pedagógica na qual este arquétipo esta constelado, caracterizam-se como momento mágico, pois ele não ativa somente as dimensões racionais dos sujeitos envolvidos, mas os embarca por inteiro, tocando as instâncias mais profundas do ser. O sujeito pode participar dessa vivência como aprendiz ou como mestre> Ao experimentar a polaridade aprendiz está, simultaneamente, absorvendo Maneiras de vivenciar a polaridade mestre (FURLANETTO, 2008, p.198).
Em 2008, iniciamos o Projeto Caixa de Historia. As crianças escolhiam
um livro e confeccionavam caixas de historia com a família que depois iam até a
escola contar a historia para a classe de seu filho. Já na confecção, as crianças
vinham cheias de novidades, pois contavam que os pais desligavam a televisão
para ficar um tempo somente com elas.
Os que foram contar historia na escola relataram que a experiência foi
impagável, a criança ficava extremamente feliz por ter a família na escola e os
coleguinhas comentavam durante vários dias a participação daquela família e
reproduziam a historia. Uma das historias mais marcantes foi a contada pelo
Leonardo e tia Célia, O Leão e o Ratinho. Eles contaram a historia e depois
fizeram um baile com músicas relacionadas a historia. Outra historia interessante
foi a contada pela Catarina e sua mãe Lílian, a historia de uma abelhinha.
Fizemos a integração escola pública e escola privada. As crianças da
Escola João XXIII foram contar historias para as crianças do CEI Penha. Os
bebês ficaram encantados com as caixas coloridas e os personagens ganharam
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vida na voz de crianças um pouco maiores. Foi uma experiência gratificante para
as crianças que tiveram a possibilidade de mostrar seu trabalho fora da escola e
conhecer crianças tão pequenas que prestaram atenção e entenderam suas
historias.
De volta a Escola João XXIII, as crianças tiveram historias para contar
durante uma semana e queriam saber quando voltaríamos no CEI. As demais
crianças da escola quando viam a chegada de caixas de papelão queriam saber
onde seria a historia, quem iria contar. Combinamos com as professoras e as
crianças contaram as historias em diversas salas. Foi muito interessante. Durante
este ano a prioridade foram as historias, os contos de fadas, o folclore ou livros
utilizados como paradidáticos.
Sempre com o apoio da direção, montamos uma oficina pedagógica com
as caixas de historia e contávamos com a participação das escolinhas parceiras
da Escola João XXIII. Algumas famílias foram contar historias para as professoras
das diversas escolas. Depois as professoras confeccionavam caixas de historia
em equipe e apresentavam a historia para as demais. Senti meu trabalho
frutificando e minhas ideias colaborando para a formação de novos profissionais.
A Revista Atividades e Experiências do Sistema Positivo incentivou nosso
trabalho publicando uma matéria sobre o projeto, valorizando as caixinhas que
ganharam sentido real partindo da criatividade e da imaginação das crianças.
Na faculdade montamos seminários referentes à Cultura Brasileira e um
dos quesitos da avaliação era a criatividade. Os meninos utilizaram data show,
vieram caracterizados, trouxeram convidados para falar, organizaram debates e
trouxeram até um grupo de uma cidade do interior paulista que cantava músicas
evangélicas para participar do seminário sobre religião. Foi fantástico o empenho
dos meninos, dos meus garotos que eram nomeados e se sentiam cidadãos
participativos e reflexivos, não se conformavam com qualquer tipo de aula ou
conteúdo.
Em 2009, me removi para o CEI Capitão PM Mário Caldana, onde fui bem
acolhida, todos sabiam que eu vinha de outro CEI contra minha vontade e que eu
era professora universitária. Frequentemente escutava o que eu fazia no CEI, se
poderia estar somente na faculdade. Minha resposta sempre foi que tinha e tenho
53
muito à aprender com as pessoas que têm tanta experiência com criança
pequena e que eu só tinha a teoria. Queria combinar a teoria com a prática,
precisaria delas para me ensinar como fazer isso, mas esse ensinamento seria
através de vivência, de conversa, de contar como elas conseguiram ensinar
durante vários anos sem ter fundamentação teórica, sem saber o certo e o errado
na ação pedagógica.
Como eu digo sempre estava adaptada a nova realidade em duas horas.
Encontrei professoras novas como eu na prefeitura e que tinham vontade de
trabalhar com projetos e o mais impressionante, realizavam atividades
diferenciadas com contos de fadas. Neste CEI a contação de historia era o carro
chefe, era uma prática constante das professoras dos dois períodos. Conheci
também professoras com mais de vinte anos naquele CEI, que eu chamo
carinhosamente de dinossauros. A Márcia e a Sueli têm narrativas de vida
incríveis e suas experiências é significativa para a historia do CEI e das crianças.
São professoras que entraram na unidade quando a creche ainda pertencia a
Secretaria do Bem Estar Social e sua principal função era cuidar de crianças.
Vindas de outras profissões tiveram de aprender com a vivência como cuidar de
crianças tão pequenas, com pouco ou nenhum material pedagógico. Atualmente,
dizem que trabalhar no CEI ficou fácil. A quantidade de material enviado pela
prefeitura é grande, elas receberam formação docente e cursos de atualização.
Sabem como e porque utilizar uma atividade ou outra e como conduzir as famílias
que frequentam o CEI.
A experiência destas professoras que me encantam e ao mesmo tempo
me instigam a investigar como e porque elas se tornaram professoras e
continuam exercendo esta profissão.
Durante o ano de 2009 desenvolvemos um projeto de leitura que
mostrava as diversas possibilidades de trabalhar a leitura com crianças pequenas.
O projeto tinha o título de Quem Aumenta um Ponto, Inventa um Conto... Todas
as crianças do CEI participaram das atividades, houve contação de historia no
parque utilizando tecidos e fantasias, no refeitório através de dramatização, na
sala utilizando caixas de historia, avental de historia, fantoches e o livro gigante
confeccionado por duas professoras (Edina e Silvia). Apresentamos este projeto à
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Diretoria Regional da Penha e as demais professoras ficaram encantadas como
as crianças reagiram bem a leitura e as atividades propostas.
Prosseguimos com o projeto durante todo o ano, trabalhamos historias
clássicas dos contos de fadas como: Branca de Neve e os sete anões, O patinho
feio, Pinóquio, João e Maria, Chapeuzinho Vermelho e Os Três Porquinhos. Para
finalizar o projeto convidamos o escritor Ivan Fortunato (2008), autor do livro
“Caminhos de Fortuna” para nos fazer uma visita e assistir a dramatização de seu
livro preparada pelas professoras juntamente com as crianças. Ele aceitou e toda
equipe do CEI Capitão PM Mário Caldana ajudou a transformar o refeitório em um
enorme picadeiro, a roupa do palhaço Fortuna foi confeccionada e o livro
desenhado em diversas cenas como se fossem vários quadros. O autor ficou
emocionado ao ver crianças tão pequenas identificando seu personagem e os
fatos marcantes que ocorreram durante o livro. A professora Silvia, ficou idêntica
ao palhaço Fortuna e levou alegria para as crianças e para as famílias que foram
recepcionadas na hora da saída pelo palhaço. Foi um momento inesquecível para
todos os funcionários da unidade.
A escola vale mais por aquilo que possibilita do que por aquilo que tem a intenção de proporcionar. No tempo de escola, como em todos os tempos, existem coisas boas e outras necessárias. A escola organiza-se apenas para as coisas necessárias. Quero pensar em uma escola onde as coisas boas sejam necessárias e, além de ocupar um tempo e um espaço em sua organização, também onere o seu orçamento. (ALMEIDA, 2008, p.133)
Na faculdade continuava o trabalho de identidade com meus meninos. Fui
chamada para ministrar as disciplinas de Seminário de Pesquisa e Metodologia
Científica. Fui convidada para ser tutora em outra unidade da Faculdade
Drummond, na Ponte Rasa. Uma turma que estava iniciando e que possuía
características semelhantes as da turma da unidade Penha. Continuei meu
trabalho como tutora de sala, com a mesma turma que recebi em 2008. Agora
estávamos mais integrados e formávamos uma equipe, onde um auxiliava o outro,
onde não nos conformávamos com algumas teorias e conteúdos ministrados por
professores tradicionais que não estavam abertos à mudanças. Os trabalhos de
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pesquisa realizados por eles melhoraram muito de qualidade e de teor
acadêmico.
O estágio foi uma vivência única para este grupo, o qual a maioria não
trabalhava com educação, porém perceberam que caminho seguir para não
repetir erros ocorridos em seus processos formativos e que vieram à tona com a
experiência de analisar a prática docente.
Percebo que a cada ano, a cada nova etapa, a cada novo desafio me
reconstruo como ser humano e como docente. Aquela Rosana que começou sua
carreira timidamente em 1983, não fora substituída e nem esquecida, mas está
em um processo constante de formação, construindo significados novos para sua
vida e sua prática docente, já que ambas estão fortemente e afetivamente
interligadas.
Em 2010, continuei trabalhando no CEI Capitão PM Mário Caldana. Desta
vez procurei me aproximar das professoras do período da manhã, pois
trabalhamos na mesma unidade e vivenciamos experiências semelhantes, já que
convivemos com as mesmas crianças. Fui aceita no grupo e nosso trabalho
transcorreu em paz. Substitui por duas vezes a diretora da unidade devido ao seu
período de férias e tive a oportunidade de vivenciar o outro lado da escola, o lado
administrativo.
Minhas funções na faculdade continuaram as mesmas. Meus alunos de
Pedagogia progredindo no desafio da educação e os meninos de Administração
entendendo que a postura acadêmica deve ser diferente da postura do Ensino
Médio, que o aprendizado deve ser construído por eles e não transmitidos e
incutidos em sua mente pelo professor. A pesquisa deve ser uma constante na
vida deles.
A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria
e prática, o que demonstra a interdependência entre ambas.
O que interessa agora interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes fundamentais à prática educativo-critica ou progressista e que , por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática formadora. É preciso, sobretudo, e ai já vai uma desses saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também de produção
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do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção. (FREIRE, 2008, p. 22)
Neste ano iniciei meus estudos no Programa de Mestrado da
Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), na linha de sujeito, formação e
aprendizagem. Encontrei pessoas interessantes e de diferentes áreas de atuação.
Quando expus meu projeto de pesquisa, alguns acharam muito curioso o tema e
outros não entenderam o que minha proposta tinha a ver com educação ainda
para escrever uma dissertação de mestrado. O tema escolhido por mim e
respeitado pelo meu orientador foi A Presença dos Contos de Fadas nos
Processos Formativos dos Professores. Com o passar do tempo meus colegas
de sala encontravam artigos, livros ou bibliografias sobre os contos de fadas,
traziam e me perguntavam sobre o projeto. O conteúdo das aulas estava
adequado a minha formação, lia alguns autores e me encontrava no texto.
Modifiquei muito alguns valores e concepções que tinha antes de minha postura
como pesquisadora.
Escrevi o artigo denominado Professor - autor de sua própria historia que
foi publicado no livro Educação por Excelência, incentivado pelo Prof. Jair. O
encontro com o Prof. Jair Militão da Silva após vinte e cinco anos me deixou muito
feliz. Este professor me deu aula no curso de graduação e sempre foi muito
querido e fiel a seus ideais em relação à educação para todos. Foi uma
experiência emocionante ver meu nome escrito em um livro sobre educação.
Fiquei triste por meu pai, que sempre foi presença viva em minha trajetória na
educação, ter falecido em abril, antes do lançamento do livro. Ele teria ficado
orgulhoso em ver como meus horizontes foram ampliados incentivados por suas
convicções e saberes em relação a formação da pessoa e do cidadão crítico
reflexivo.
No mês de outubro tive a oportunidade de viajar para Portugal para
participar do II Seminário de Capacitação Docente Internacional realizado pelo
Instituto Piaget de Almada e de Vila Nova de Gaia. Sempre apoiada por minha
família me preparei para a viagem. Aproveitei ao máximo tanto o conteúdo do
seminário quanto o convívio com uma nova realidade e costumes. O Seminário
falou sobre inclusão, um tema que senti muita falta no passado quando trabalhei
57
sem preparo com alunos inclusivos. Voltei cheia de idéias e querendo saber mais
sobre inclusão, já que todos nós temos de ser incluídos em algum momento de
nossa vida.
Nos encontros de orientação, optamos como metodologia a pesquisa
qualitativa utilizando como instrumento de coleta de dados a análise bibliográfica
e documental, completada por minha história de vida e pela realização de um
grupo focal envolvendo professoras do Centro de Educação Infantil (CEI). Desta
forma, o memorial relata as mudanças que ocorreram tanto em minha vida
pessoal quanto profissional e como o encantamento dos contos de fadas
influenciou neste processo. Mesmo quando as historias utilizadas eram as que a
indústria cultural oferecia, já que a maioria das crianças, conhece seus
personagens favoritos através de filmes de animação.
Cabe a nós apresentarmos às novas gerações os livros originais para que
cada um possa compará-los e aprender com eles.
No próximo capítulo conheceremos um pouco da historia do Centro de
Educação Infantil, antiga creche, seus desafios, conquistas e lutas para acolher
crianças que necessitavam e necessitam de cuidado e de vivenciar experiências
para construir seu aprendizado. É significativo também ressaltar a situação
familiar da época, a qual cada vez mais mulheres assumiam o sustento da família
e consequentemente a responsabilidade de criar os filhos sozinhas. Gerando uma
nova composição social e familiar, abrindo assim um novo campo de trabalho, as
mulheres “crecheiras”.
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2. Um conto nada de fada – uma história de luta e conquista
“O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito das ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”.
(FREIRE,1999, p.85)
O objetivo deste capítulo é apresentar um breve histórico do atendimento
às crianças pequenas, contextualizar os momentos históricos pelos quais a
creche passou até se transformar em Centro de Educação Infantil. Com a
apresentação desta história pretendo delinear o contexto onde está inserido o
Centro de Educação Infantil PM Capitão Mário Caldana, cenário onde atuam as
educadoras que participaram desta pesquisa. Conhecer um pouco dessa história
é fundamental para o desenvolvimento do trabalho que é realizado por
professoras vindas de diversas profissões, com diferentes experiências de vida e
que mesmo ao longo dos anos não perderam a concepção de criança e de
Educação Infantil. Pareceu-me importante também apresentar esta unidade e
refletir sobre vários aspectos em relação a currículo, concepções, atividades
práticas e teóricas utilizadas nesta faixa etária.
Serão apresentados aspectos da historia das creches no Brasil, das
creches em São Paulo e do Centro de Educação Infantil pesquisado pelas autoras
Zilma de Moraes Oliveira (1989) e Gilda Rizzo (2002), além do relato da diretora
Sonia Maria Scapolan Ito, a Constituição Brasileira de 1988, o Projeto Pedagógico
da unidade educacional onde a pesquisa foi realizada e documentos oficiais
publicados pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
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2.1. Cuidar: a bandeira da creche
Assim como minha historia de vida, a creche teve sua historia inserida em
um contexto histórico e cultural. Neste momento é de fundamental importância
conhecer um pouco da trajetória desta instituição, de suas propostas e da
concepção de educação e criança pequena das pessoas envolvidas neste
processo.
O atendimento de crianças em creches, até o início do século não se distinguia do atendimento dado em asilos e internatos. A clientela, em sua maioria era de mães solteiras que não tinham como criar seus filhos, gerando, assim sentimentos de pecado ou de culpa. O atendimento institucional a essas crianças era considerado caridade, um favor. (OLIVEIRA, 2001, p. 17 – 23)
No Brasil, segundo Kishimoto e Vieira (1988), as primeiras creches
instaladas no início da República confundem-se com asilos infantis em razão do
seu atendimento quase que exclusivo às crianças órfãs, em regime de internato,
ao invés de proteger os filhos de operários durante o período de trabalho. Apesar
de existir algumas diferenças entre os asilos infantis e as primeiras creches
instaladas no Brasil, os dois tipos de instituições se confundem por atender
crianças órfãs em regime de internato, crianças carentes e por restringir suas
atividades à assistência médica, sanitária, de guarda e cuidados.
Enquanto na Europa, destaca Kramer (1982), as creches já existiam
desde o século XVIII, os jardins de infância desde o século XIX, no Brasil ambos
surgiram enquanto instituições somente no século XX.
Entre os anos 1930 à 1980 teremos uma fase determinada por um
acentuado intervencionismo por parte de um Estado balizado por valores
ancorados nas noções de pátria e civismo que se manifestará na administração e
nos programas de atenção à infância.
Os discursos oficiais dos anos 30 anos 80 relacionaram a assistência médico-pedagógica à criança ao desenvolvimento da nação. O intervencionismo proposto vai se manifestar nos anos 30 através da criação de estabelecimentos assistenciais, oficiais e de práticas variadas. (KRAMER, 1982, p.78)
60
Nos anos 1960 e 1970, temos a regulamentação dos direitos da mulher e
iniciativas de programas de assistência à criança menor de sete anos e a criação
de agências internacionais, tais como a Organização Mundial da Educação Pré
Escolar (OMEP), o United Nations Children´s Fund (UNICEF) e a United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Com seu caráter
assistencial elas influenciaram as políticas de atendimento à infância e de
combate à pobreza que passam a ser reconhecidos por esses órgãos como
ameaças ao desenvolvimento do país, a educação da infância será um meio de
superação do subdesenvolvimento e aceleração do progresso (ROSEMBERG,
1984, p. 73- 79).
Com a Lei n. 9394/96 de Diretrizes e Bases (LDB), consagrada à
educação infantil, pela primeira vez a creche enquanto instituição será pensada
como parte integrante do sistema de ensino, configurando-se num campo de
análise e atuação dos órgãos públicos de educação. Não obstante, a inclusão da
creche na legislação como instituição de educação infantil não será traduzida na
garantia plena da criança pequena como um sujeito de direitos.
Segundo Torres (1996), mede-se a qualidade da educação pré escolar
pelo desempenho alcançado posteriormente na escola, negando-se o avanço das
teorias do desenvolvimento infantil, a primeira infância volta a ser vista como pré
etapa. E se considerarmos às crianças de 0-3 anos que não são pré-escolares,
estas não serão merecedoras de atendimento.
Assim, as creches, por exemplo, estiveram durante muito tempo vinculadas à instituições filantrópicas ou órgãos de assistência e bem-estar social, e não aos órgãos educacionais. O jardim de infância foi à primeira instituição pública de atendimento à criança criada no Brasil. Os primeiros jardins de infância brasileiros receberam forte influência de Friederich Froebel, que preconizava o desenvolvimento de um trabalho sistemático com as crianças pequenas, fundamentado em jogos e brincadeiras, seguindo uma minuciosa rotina de atividades que tinham, sobretudo, um caráter disciplinador, visando promover uma boa formação moral. Um dos primeiros jardins de infância implantados no país foi criado no ano de 1896, como anexo à antiga Escola Normal do Estado, Caetano de Campos, localizada na cidade de São Paulo. (KUHLMAN Jr., 1998, p.30).
O atendimento das crianças nas creches modificou-se e ainda tem muito
a melhorar. A criança pequena necessita de cuidados especiais relativos à:
61
segurança, higiene, alimentação, afeto e educação. A creche existe para suprir
estas necessidades na ausência da família. Porém, não devemos nos esquecer
que a família é a base da educação.
2.2. A creche no contexto histórico Segundo Faria (1999), com a finalidade de atender aos filhos dos
trabalhadores, foram criados no ano de 1935 os primeiros Parques Infantis de
caráter municipal, distribuídos em bairros de grande concentração de operários na
cidade de São Paulo. Estes parques estavam ligados ao Departamento de Cultura
do município de São Paulo, tendo Mário de Andrade como principal idealizador,
além de diretor. Nesse período, os parques atendiam à crianças de 3 à 6 anos e
também às de 7 à 12 anos, sendo que essas últimas frequentavam a instituição
em período oposto àquele em que frequentavam a escola regular. O atendimento
oferecido à faixa etária de 7 à 12 anos tinha o intuito de assistir, educar e recrear
as crianças. A partir da década de 1940, os parques infantis difundiram-se pelo
Brasil.
De acordo com Oliveira (2001), com a implantação da industrialização no
país, na segunda metade do século passado, aumentou a demanda de mulheres,
sem importar seu estado civil, para trabalhar nas fábricas. As mulheres que eram
mães tiveram de solucionar um problema até então novo: quem cuidaria de seus
filhos. Algumas pagavam para as vizinhas “olharem” as crianças.
Com a chegada dos imigrantes europeus no início deste século, a
questão do atendimento aos filhos das operárias obteve um novo tratamento, pois
os mesmos eram absorvidos como mão de obra nas fabricas. Começaram a se
organizar, na década de vinte, nos centros urbanos mais industrializados do país
em movimentos de protesto contra as condições de trabalho nas fábricas e
reivindicavam, como prioridade, creches para seus filhos.
Os donos das fábricas, procurando diminuir a força dos movimentos
operários e ter o controle dos mesmos dentro e fora das indústrias, foram
concedendo benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus
62
operários. Vilas operárias, clubes e algumas creches e escolas maternais vão
sendo criadas. O fato dos filhos das operárias estarem sendo atendidos em
creches e escolas maternais montadas pelas fábricas, fazia com que as operárias
trabalhassem mais satisfeitas e produzissem mais. Para os empresários o
empreendimento passou a ser vantajoso.
Estas poucas conquistas se realizaram através de muitos conflitos.
Mulheres que eram criadas para serem donas de casa, só trabalhavam devido às
necessidades econômicas. Por isso, as creches eram vistas como um paliativo,
um “mal necessário”.
Nas décadas de 1930, 1940, 1950 as poucas creches que existiam foram
da indústria e eram de responsabilidade de entidades filantrópicas e mantidas por
doações de famílias ricas da região ou por ajuda governamental. As creches
eram defendidas por médicos e sanitaristas preocupados com as condições de
higiene da população mais pobre, pois as crianças destas famílias eram vítimas
de frequentes infecções.
No início, a luta por creche tinha como objetivo: a assistência, a
alimentação, a higiene e a segurança física das crianças. Por outro lado a
educação, o desenvolvimento intelectual e afetivo não eram valorizados.
Procurando regulamentar as difíceis relações entre patrões e empregados, o
presidente Getúlio Vargas criou, em 1943, uma legislação específica, a C.L.T.
(Consolidação das Leis de Trabalho). Esta lei determinou a organização de
berçários pelas empresas para abrigar os filhos das operárias durante o período
de amamentação, abrindo espaço para outras entidades realizarem essa tarefa
através de convênios. O poder público não fiscalizou a oferta de berçários pelas
empresas e esta conquista não foi efetivada na prática. Poucas creches e
berçários foram organizados na época.
Na segunda metade da década de 70, observa-se o estabelecimento de uma nova política de atendimento as reivindicações populares. Nos grandes centros urbanos, a cobrança por creches se intensificou e adquiriu novo caráter social, saiu do paternalismo estatal e empresarial para se tornar um direito do trabalhador. Os resultados dos movimentos pelas creches e dos movimentos feministas foram um aumento do número de creches organizadas, mantidas e geridas diretamente pelo Poder Público e uma participação maior das mães no trabalho desenvolvido nas creches. (OLIVEIRA, 2001, p.21)
63
A própria Constituição de 1988 reflete o movimento recente de repensar
as funções sociais da creche. Ela reconhece a creche como uma instituição
educativa, “um direito da criança, uma opção da família e um dever do Estado”.
Tal concepção se contrapõe a visão da creche ser uma dádiva, um favor prestado
a criança com funções assistencialistas e de substituição da família pelo contrário,
a criança tem direito ao convívio familiar.
A creche tem sido cada vez mais procurada por um grande número de
famílias de diferentes camadas sociais, tendo por objetivo garantir um
atendimento de qualidade, o qual atende às necessidades da criança de acordo
com a legislação e à concepção de infância e o desenvolvimento integral da
criança.
Enfim, hoje, não se aceita mais creche como sinônimo de depósito ou de estacionamento de crianças. Creche é coisa séria. Qualquer que seja o nome adotado pela instituição que cuida de crianças pequeninas, ela tem de se constituir em espaços montados de tal forma que se transformem em ambientes especiais de criar crianças, oferecendo a elas tudo de que precisam para se desenvolverem integral e harmoniosamente, física e psicologicamente, atendendo às suas necessidades físicas, biológicas, sociais, intelectuais e afetivas de forma integrada. (RIZZO, 2002, p.45)
A oferta de atendimento à criança, até a década de 1970, deu-se de
maneira muito tímida e, em geral, não contemplava a criança menor de três anos.
Mas, em função do grande processo de industrialização que abarcava
principalmente São Paulo, e também com a progressiva inserção feminina no
mercado de trabalho, configurou-se a necessidade de implantação de instituições
que oferecessem número de vagas suficiente para atender à demanda de
crianças cujas mães dedicavam-se a atividades fora do lar. Em virtude da
absorção da mão-de-obra feminina pelo crescente mercado de trabalho e devido
à dificuldade de obtenção de ajuda familiar ou comunitária, é reiterada a
necessidade de implantação de atendimento a crianças na faixa etária de zero a
três anos.
Segundo Oliveira; Ferreira (1989), durante o período pós segunda guerra
e com as oportunidades trazidas pela Revolução Industrial, as famílias de baixa
renda, cujas mães trabalhavam fora de casa, deixavam suas crianças em creches
64
mantidas por entidades filantrópicas, parques infantis que ofereciam atendimento
em período integral e, somente no final desse período, algumas poucas classes
de pré-escola estadual ofereciam atendimento em período parcial.
Em 1973, a rede de creches na cidade de São Paulo era composta por
trinta e oito creches particulares, doze creches de administração indireta e cinco
de administração direta. Ainda assim, a expansão da rede de creches foi feita de
forma precária, não atendendo à demanda por esse tipo de serviço.
De um modo geral, as propostas do Estado para atendimento à infância
estavam baseadas no estabelecimento de convênios com entidades filantrópicas
e particulares, na manutenção do atendimento indireto e na implantação de
programas como as “mães crecheiras”, afastando-se, desse modo, da criação e
gerenciamento direto de instituições para o atendimento da infância e,
principalmente, transferindo para a sociedade civil uma responsabilidade
inquestionavelmente estatal. A falta de clareza com relação às metas e a não
definição de políticas de atendimento à infância provocam nos órgãos
responsáveis por esse tipo de atendimento uma situação de constante indefinição
e incerteza. Com isso, os problemas vividos pelas famílias de classes
economicamente desfavorecidas apenas avolumavam-se e tornavam-se cada vez
mais visíveis.
Assim, muitas mães de crianças com idades entre quatro e seis anos
preferiam matricular seus filhos em creches, que já sofriam pressão pelo aumento
do número de vagas por mães de crianças entre zero e três anos.
Em meio a esse cenário de reivindicações, estrutura-se o Movimento de
Luta por Creches, criado por parcelas da população que necessitava desse tipo
de serviço. Esse movimento vigorou no município de São Paulo de 1978 a 1982 e
desempenhou importante papel na reivindicação pela expansão das vagas em
creches, apontando essa instituição como uma necessidade da sociedade e
indicando como responsabilidade do Estado sua criação e manutenção.
A política governamental de atendimento à infância baseava-se na
expansão quantitativa e na redução de custos. Em função do escasso
planejamento, bem como do não estabelecimento de metas e propostas de
atendimento à infância, a qualidade do serviço prestado ficou prejudicada e, com
65
isso, as crianças mais pobres representavam aquelas mais mal atendidas e as
creches, em vez de compensar as desigualdades, acabavam por reforçá-las.
(OLIVEIRA; FERREIRA, 1989, p. 45). As soluções para a precariedade das
instituições e insuficiência de atendimentos começaram a ser esboçadas à partir
da Constituição Federal de 1988, que reconhecia à infância o direito à educação.
2.3. Mudança de rumo – a trajetória da formação
No final do século XX, a Prefeitura do Município de São Paulo atendeu a
uma determinação legal e promoveu a formação para as Auxiliares de
Desenvolvimento Infantil (ADI) que estavam na rede municipal, pois o dinheiro
investido seria menor do que contratar novos profissionais. A partir desta medida,
às educadoras das creches diretas tiveram a oportunidade de estudar e construir
seu conhecimento. O curso ADI Magistério, teve como base a prática do dia a dia
das professoras das creches. Com a implantação do Programa Interdisciplinar
ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) Magistério, a turma um de educadoras
elaborou registros de prática que foram organizados em forma de livro e contaram
a nova identidade do Centro de Educação Infantil (CEI) antiga creche e das
pajens que se tornaram Auxiliares de Desenvolvimento Infantil. Esta trajetória foi
lenta e repleta de obstáculos, mas significativa para este grupo de professoras
que pode observar e vivenciar os benefícios trazidos às crianças.
Os relatos das professoras, apurados por Guilherme e Ferreira (2004),
refletem que a formação do professor pode construir novas formas de (re)
significar seu trabalho no CEI, criando um ambiente de crescimento e
aperfeiçoamento contínuo. O conhecimento das teorias levou-as a examinar o
contexto concreto que as crianças viviam, exigindo assim, uma formação ampla,
pois o professor, segundo elas, deveria ser um eterno aprendiz.
A proposta deste grupo era realizar encontros de formação sistemáticos
para educadores focados na cultura da infância, retomando o conceito de
Qualidade Social da Educação, que requer a participação e o esforço de todos.
Segundo a Prefeitura Municipal de São Paulo, representada pela Secretaria
66
Municipal de Educação, o sucesso desta nova proposta dependia principalmente
dos professores, pois presidia a ideia da construção de um projeto educativo
como um processo inacabado, provisório e historicamente contextualizado,
demandando reflexões e debates constantes com todas as pessoas envolvidas e
interessadas.
Buscar a formação é fundamental para o educador, para que ele perceba
seu papel de mediador das situações cotidianas das crianças. O educador
necessita unir teoria e prática de forma coerente e integrada, reconhecendo e
avaliando as etapas do desenvolvimento das crianças.
Os Centros de Educação Infantil (CEIs) deveriam proporcionar condições
para todos os profissionais participarem de diferentes momentos de formação,
pois os verdadeiros educadores estão sempre em formação.
Com a oportunidade de estudar, estas professoras que já possuíam uma
prática pedagógica ainda não fundamentada, puderam compreender porque
trabalhavam certas atividades, porque contavam algumas historias e qual a
importância de seu trabalho para o desenvolvimento integral da criança pequena.
Através de análises de episódios e de estudos bibliográficos, oferecidos
no Curso de ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) Magistério, as educadoras
que trabalhavam nas creches e optaram em participar deste curso de formação,
observaram experiências práticas e ensino teórico que possibilitaram formar
atitudes e conhecimentos dos modos de organização do trabalho pedagógico,
fundamentando a educação e o desenvolvimento psicológico das crianças,
construindo desta forma sua identidade. Os temas mais discutidos pelo grupo
foram: agressividade, sexualidade, racismo e preconceito. (Oliveira, 2001)
No início de 2001, as creches começaram a receber professores de
Educação Infantil, havendo um enorme choque de práticas pedagógicas, entre
educadores e professores. O professor com uma visão escolarizante da classe e
o educador com um olhar mais voltado à alimentação e à higiene da criança, ou
seja, um olhar de cuidar. Não podemos esquecer que a concepção de Educação
Infantil tem como objetivo um trabalho indissociado entre o cuidar e o educar. A
tarefa propõe uma redefinição dos dois termos, mediando assim o
desenvolvimento sociocultural da criança desde seu nascimento.
67
As creches foram criadas como uma medida provisória. Contribuíram com
fatores como alimentação, higiene e segurança física, mas o desenvolvimento
cultural era pouco valorizado. Trabalhava-se, então, em um local educacional que
era tratado como um “depósito de criança”.
De acordo com Rosemberg (1991), o atendimento à criança pequena
ficou determinado por seu pertencimento social, o que definiu uma dupla trajetória
que pode ser caracterizada como:
[...] uma, mais frequentemente denominada creche, geralmente vinculada às instâncias da assistência, localizadas nas regiões mais pobres da cidade oferecendo um atendimento de pior qualidade, sendo frequentado principalmente por crianças pobres e negras; a outra mais frequentemente denominada pré escola ( ou escola de educação infantil) vinculadas às instâncias da educação e que mesmo apresentando, por vezes, padrões de qualidade insatisfatórios, por sua localização geográfica tende a acolher uma população infantil mais heterogênea no plano econômico e racial. (ROSEMBERG 1991, p. 2-3)
Segundo Oliveira (2001), para abolir o sentido de depósito de criança foi
necessário melhorar a qualidade de trabalho do educador e o entrosamento entre
a família, os docentes e a própria criança.
Com a Declaração dos Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a criança passa a ser concebida como um ser social. Está
estabelecido no sétimo princípio que a criança tem direito à educação:
[...] para desenvolver as suas aptidões, sua capacidade para emitir juízo, seus sentimentos, e seu senso de responsabilidade moral e social. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. (ECA, 1988, p.17)
Os educadores que participaram do curso de capacitação para as
auxiliares de desenvolvimento infantil, aprenderam a atrair a criança para
atividades que estimulassem seu interesse e sua atenção, outros prazeres e
novas possibilidades de lazer. Estes profissionais colocaram em prática, nas
68
unidades que trabalhavam, o que aprendiam com os professores e demais
colegas que apresentavam sua experiência no cotidiano da creche.
A criança começou a liberar sua imaginação em um ambiente
aconchegante e interessante, como, por exemplo, o planejamento de cantos
como: de livros e leitura, para que entrassem no mundo de faz de conta; de
pintura, para que extravasassem suas ansiedades; e de desenho, onde
pudessem mostrar seus traços e criações. As mudanças na formação dos
educadores refletiram um ambiente educativo de qualidade e não mais um
depósito.
2.4. CEI Capitão PM Mário Caldana – um lugar de muitas possibilidades
O Centro de Educação Infantil Capitão PM Mário Caldana foi inaugurado
em agosto de 1988 e iniciou seu funcionamento em vinte e um de setembro do
mesmo ano. Nessa época o órgão responsável era a Secretaria do Bem Estar
Social. O terreno foi cedido por um morador do bairro Chácara Cruzeiro do Sul, o
qual foi homenageado tendo seu nome na unidade escolar.
Em 1988 e 1989, a diretora era uma freira indicada, com formação de
Assistente Social. Tendo como maior preocupação o cuidar, pois era a proposta
implantada pela Prefeitura Municipal de São Paulo. De 1989 a 1991, a diretora
era outra Assistente Social, que deixou a creche para trabalhar em um Hospital de
Hermelino Matarazzo.
De abril a novembro de 1991, uma pedagoga efetiva era a responsável
pela direção. Em dezembro, chega à unidade uma diretora de creche admitida,
comissionada, com formação em psicologia, Sonia Maria Scapolan Ito. Diretora
até hoje da unidade e a pessoa que informou os dados históricos que são
relatados neste trecho e que foram retirados de registros arquivados na unidade.
Em 1992, direção e coordenação iniciaram a escrita de registros,
concepções de criança e educador, indicadores. Neste momento já havia as
69
supervisões coletivas mensais, atualmente chamadas de paradas pedagógicas.
Com o aumento e o interesse nos registros, surgiu a necessidade de encontros
intermediários quinzenais, com as professoras do mesmo módulo, objetivando
elevar a autoestima e valorizar o profissional para competências e maior clareza
de suas atribuições e concepções.
Segundo a ideologia do CEI Capitão PM Mário Caldana, apresentada em
seu Projeto Pedagógico da unidade, a criança é concebida como um ser criativo,
questionador, observador, falante, tem personalidade, sabe escolher o que quer,
adaptada às mudanças com facilidade, dinâmica, flexível, é ouvida na medida do
possível, demonstra em certos momentos autonomia, necessita de cuidados
primários de higiene, alimentação e sono. É construtora de cultura, estabelece
vínculos, tem necessidades de interagir com o adulto e com outras crianças e tem
conflitos. É um sujeito de direitos, ativa e capaz de criar vínculos. É produtora de
conhecimento, tem fantasias e poder de imaginação.
Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças
serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus
profissionais.
A concepção de quem é a criança e o olhar que temos sobre a infância
são construções sócio históricas, contextualizadas em relação ao tempo, ao
espaço e à cultura, variando conforme condições sócio econômicas, gênero, etnia
e etc. Podemos então falar da existência de múltiplas formas de ser criança e de
diferentes visões sobre a infância. Partindo destes princípios, o próximo passo é
contextualizar a visão de criança e de infância que estamos revelando em nossa
unidade através da forma como estamos pensando e organizando o currículo, o
tempo e o espaço, as relações, garantindo seu desenvolvimento afetivo, social e
cognitivo e sua aprendizagem.
A educadora infantil, de acordo com as próprias educadoras do CEI
Capitão PM Mário Caldana, devem ser comprometidas com a prática e melhoria
das condições pedagógicas; atenta, cuidadosa, deve demonstrar interesse pelo
que faz, dedicada, disposta a ajudar, verdadeira, autocritica, pesquisadora,
transformadora, humanista, responsável, cooperativa, afetiva, ética, participativa,
70
conhecedora das teorias do desenvolvimento infantil, envolvida, mobilizadora, não
ser impulsiva, equilibrada emocionalmente. O educar e o cuidar tem sentidos
indissociáveis e com significados particulares na educação infantil. O
desenvolvimento infantil se dá de forma conjunta e recíproca, ocorrendo nas
diversas situações em que a criança se envolve, particularmente naquelas em
que ela é cuidada e educada.
Educar e cuidar são ações integradas. Ao educar, cuidamos e ao cuidar,
precisamos ter claro o caráter educativo da ação. O espaço na Educação Infantil:
não existe isolado do ambiente e constitui uma variável decisiva da proposta
pedagógica; planeja-lo é uma ação necessária e deve ser feita por todos que
atuam direta ou indiretamente com as crianças. As concepções que as
educadoras tem a respeito da criança, desenvolvimento e aprendizagem vão
influir na organização do ambiente e na seleção dos objetivos da ação educativa.
Organização do tempo e do espaço: pensar e planejar o cotidiano é uma
ação necessária e um exercício fundamental para traduzir para o concreto os
princípios de uma educação que pretende respeitar os Direitos das crianças,
buscando coerência entre o discurso e a pratica. Ao organizarmos as atividades,
os espaços, os materiais, os tempos, as interações sociais temos que integrar
cuidado e educação no trabalho coletivo com as crianças, respeitando os ritmos
individuais, superando as “esperas” das atividades cotidianas.
Espaço coletivo e privilegiado de vivencia da infância (0 a 6 anos), a
unidade de Educação Infantil, contribui para a construção da identidade social e
cultural das crianças, fortalecendo o caráter integrado do cuidar e do educar,
entendendo que todo cuidado educa e que toda educação cuida. Não objetiva a
antecipação ou preparação para o ensino fundamental, nem tampouco a
compensação de carências, mas, sobretudo, constitui-se como espaço coletivo de
relações múltiplas entre crianças e adultos.
Segundo a diretora Sonia Maria Scapolan Ito, a Secretaria Municipal de
Educação ampliou as Políticas Públicas dando ênfase a formação do professor e
abastecendo as creches de materiais, principalmente brinquedos de qualidade.
71
Os registros eram feitos, conforme consta na unidade, relatando
planejamento, atividade, concepções, supervisões coletivas e eventos, na época
as datas comemorativas tinham especial importância, eram os temas geradores.
O planejamento era realizado pela pedagoga em conversa com os professores. O
Plano de Trabalho era direcionado pela pedagoga utilizando temas geradores e
as educadoras faziam o planejamento semanal em formulário próprio. Os
professores dos dois turnos tinham a visão da rotina diária. Podiam planejar
atividades que atendessem às necessidades das crianças, integrassem os
planejamentos e diversificassem as atividades. Este tipo de prática tinha como
objetivo a gestão do tempo e a visualização da sequencia didática das atividades
A Prefeitura do Município de São Paulo dava a formação central mensal.
A direção e a coordenação para complementar a formação faziam cursos de
aperfeiçoamento e atualização.
A Pedagoga veio para a unidade com dez anos de experiência em
creche, com as crianças maiores. A Diretora, por sua vez, tinha experiência com
crianças pequenas. O trabalho de ambas somaram esforços para atender as
crianças integralmente. A Diretora não entrou em conflito com a concepção da
Secretaria Municipal de Educação porque já fazia trabalhos comunitários. O
Educar e o Cuidar eram indissociáveis naquela época como nos dias atuais.
Em outubro de 1996, foi inaugurada a Brinquedoteca. Uma conquista
delineada através de pesquisas, visita à brinquedoteca da Universidade de São
Paulo (USP), planejamento estruturado, supervisão coletiva revisitando o tema. É
imprescindível comentar que foi realizada uma campanha de brinquedos, mesmo
usados e em bom estado para o inicio deste desafio: a montagem, ainda que
tímida, da brinquedoteca.
O planejamento era estruturado contendo os seguintes temas: o Eu, a
Família, a Comunidade, datas comemorativas e ecologia. Havia a avaliação do
planejamento realizada pelas próprias professoras. A proposta para o ano
seguinte era realizada sempre coletivamente com a ajuda das crianças. Eram
registrados informes e orientações. A Confraternização dos funcionários sempre
72
foi um momento muito planejado, preparado e de extrema relevância para a
direção, que acredita no ser humano e em suas habilidades e potencialidades.
A Diretora Sonia Maria ficou sozinha na direção e na coordenação de
1998 a 2003. Em 1998, deu-se a efetivação da diretora como Diretora de
Equipamento Social, ainda na Secretaria da Família e do Bem Estar Social. O
trabalho pedagógico prosseguiu com o planejamento e registro da diretora. A
mesma opinava e sugeria para as professoras atividades, exercícios motores e a
utilização de materiais de forma diversificada. Um marco importantíssimo ocorrido
neste ano foi à reorganização das creches, na gestão de Mário Covas.
Em 1999, foi instituído que julho era o mês das brincadeiras. Além de
serem trabalhados outros temas havia o resgate das brincadeiras. As mesmas
eram planejadas de acordo com a faixa etária e a necessidade da criança. No
planejamento, a diretora, escrevia recados para as professoras, lembretes de
alguns cuidados essenciais com as crianças.
Em 2000, iniciou o estudo do referencial curricular volume 4, o qual dava
ênfase principalmente ao movimento. A partir de março, a direção organizou
mensalmente um trio de professoras que conversavam e organizavam o Plano de
Trabalho para as demais. Este sistema funcionava em forma de rodízio.
O Plano de Trabalho teve o perfil dos referenciais teóricos, ou seja,
documentos oficiais impressos e enviados pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
As professoras utilizavam a bibliografia e a pesquisa para realizar a Parada
Pedagógica. Na pesquisa eram elencadas sugestões de atividades por faixa
etária, o que chamamos hoje de expectativas de aprendizagem sempre focadas
em um tema gerador.
Na Parada Pedagógica, os cursos realizados davam subsídios para a
montagem da mesma, o conhecimento era compartilhado e havia o trabalho
coletivo com os painéis. A adaptação era fundamentada, além da prática havia
um pouco de teoria.
73
Com advento do ADI Magistério, no qual os educadores tinham como
objetivos: obter a formação na Modalidade Normal, em Nível Médio, conquistar
uma valorização profissional e ajudar a promover a qualidade do atendimento
ofertado às crianças de zero a seis anos (ADI Magistério, Boletim Informativo,
2004), houve o (re) significado da ação das professoras, valorizando as novas
aprendizagens, a mudança no olhar sobre as crianças e o reconhecimento do
profissional adquirido ao longo dos anos. Houve a troca da postura doméstica
para a postura técnica.
Em 2004, com a chegada da coordenadora pedagógica efetiva, iniciou-se
o horário coletivo de formação. Fora respeitado o limite de cada professora em
fazer os registros no Diário de Bordo (caderno onde é registrado os avanços das
crianças diariamente), escrever as atas de formação e lidar com o receio das
profissionais em escrever, em expor suas ideias, interações e intenções. A
Direção não deixou de acompanhar o trabalho pedagógico e o desenvolvimento
dos registros.
Entre 2004 e 2008, o Horário de Formação previa cinco horas com
criança e uma hora de estudo. Em 2007, foi instituído o caderno de memórias,
sendo resgatadas historias e eventos da unidade com o auxilio das famílias. O
Horário Coletivo denominado Projeto Especial de Ação (PEA) teve seu início no
ano de 2008 com material mais teórico e fundamentação de práticas.
Apenas um adendo, o trabalho com a família sempre esteve presente
nesta unidade. No início formou-se uma Comissão de Pais que auxiliavam na
realização de eventos e reuniões. Secretaria de Assistência Social (SAS) também
promovia reuniões bimestrais com os professores e mensais com os pais,
efetuando palestras em Assembleias Gerais. Em 1996, concretizou-se no CEI
(Centro de Educação Infantil) a Associação Comunitária Creche, o que
atualmente corresponde ao Conselho de Escola e Associação de Pais e Mestres
juntos.
Atualmente, esta unidade atende a cento e vinte crianças, na faixa etária
de um ano e meio à quatro anos, conta com profissionais capacitados para
74
exercer sua função e comprometimento para realizar suas atividades junto às
crianças. A Equipe Gestora está sempre presente, assim como as famílias.
O Trabalho Pedagógico segue as normas da Secretaria Municipal de
Educação, sendo o Projeto Especial de Ação (PEA) um projeto permanente e
essencial na unidade para garantir o aperfeiçoamento e a atualização dos
professores, além da reflexão constante de suas práticas pedagógicas, agora
teorizadas e fundamentadas por teóricos renomados e que realmente tem um
trabalho efetivo junto à formação de professores e à Educação Infantil.
Conhecendo um pouco desta historia e da realidade do Centro de
Educação Infantil (antiga creche) decidi pesquisar sobre a presença dos Contos
de Fadas na historia de vida destas professoras que até então eram conhecidas
como “tias da creche”, com caráter assistencialista, ou seja, onde o cuidar
imperava sobre o educar.
“As historias tem a força e possibilidade de enriquecer e contribuir para o
bom caráter de um indivíduo”, afirma a contadora de historia Penélope Brito, da
P&B Contação de Historia em entrevista para a Revista Pedagógica – Creche.
(2011, p.16)
No CEI (Centro de Educação Infantil), segundo as professoras, o trabalho
com historias tem um significado especial, pois contribui para a formação integral
da criança. Elas são utilizadas no aprendizado para garantir uma sensibilidade
literária influindo na formação cultural, intelectual e emocional.
A contação de historia é tão antiga quanto a nossa historia. O ato de
compartilhar seja ao redor de uma fogueira ou encenando em palco, seja
contando a historia ou lendo o livro. Nem sempre as historias devem estar
prontas, permitindo assim a interatividade com as crianças. A historia deve ser
clara, interessante, adequada para a faixa etária dos ouvintes e despertar a
emoção até de quem a conta. As crianças ouvem as historias, porém cada uma
reage de uma forma diferente em relação ao que foi contado de acordo com suas
experiências de vida.
Discutiremos a seguir a relevância dos contos de fadas em diferentes
momentos das diversas historias de vida destas profissionais que utilizam os
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contos de fadas como instrumento de trabalho. Um grande desafio é descobrir
quando os contos de fadas realmente tiveram significado ou não na vida deste
grupo de professoras e como influenciou em sua profissão.
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3. Os Contos de Fadas refletindo Historias de Vida
“Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer.”
(FREIRE, 1983, p. 16)
Neste capítulo pretendo apresentar a relação entre os Contos de Fadas e
as Historias de Vida. Com esta afirmação não quero generalizar de forma alguma
que todas as pessoas são influenciadas pelas historias, porém estarei relatando
justamente sobre aquelas que se deixam ou deixaram em algum momento de sua
vida que os contos de fadas minimizassem ou abrissem caminhos ou novas
oportunidades para a resolução de algumas situações problemáticas.
Para elaborar este capítulo, pesquisei alguns autores que discorrem sobre
Contos de Fadas como: Nelly Novaes Coelho (2009), Bruno Bettelheim (2009),
Eliana Gagliardi (2001), Heloísa Amaral (2001), Vladimir Propp (1997) e Marie-
Louise Von Franz (2008) e alguns que escrevem a respeito de Historias de Vida
como: Marie-Christine Josso (2004), Dorisdaia Humerez (1998), Ecleide Cunico
Furlanetto (2007), Maria Imaculada Macioti (1988), Eliseu Clementino de
Souza(2004), António Nóvoa (2000), Maria da Conceição Moita (2000) e Walter
Benjamin (1978) e tentei associar estes temas.
Algumas definições fizeram-se necessárias para o melhor entendimento e
desenvolvimento deste tema. Em minha opinião, eles estão extremamente
relacionados, pois passamos por diferentes etapas em nossas vidas que vemos
refletidas nos contos de fadas, porque eles foram escritos para resolver ou
amenizar nossas angústias e contemplar nossas alegrias.
Em diversas fases de minha vida utilizei e utilizo os Contos de Fadas
para exemplificar situações, perceber ensinamentos ou a sensibilidade externada
através deles. Como muitas vezes utilizei os mesmos para debater o preconceito,
o fantástico e o real, o que estava contido além do “felizes para sempre”. Tenho
certeza que para desenvolver esta dissertação este “link” é fundamental, pois
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cada pessoa traz em sua historia de vida muitas historias que se confundem entre
o real e o imaginário.
Muitos são os contos de fadas, assim como muitas são as historias de
vida. Comecei a refletir se as pessoas comparavam ou identificavam suas
historias com personagens fantásticos, mágicos e não me vi sozinha nesta
reflexão.
3.1. Contos de fadas - lições e segredos
As historias estão presentes em todas as sociedades. Sejam elas de que
natureza for, encantam adultos e crianças através do tempo, seja de forma oral ou
escrita, em prosa ou em verso. O importante é que tenha um ensinamento, uma
lição de vida ou um valor em suas entrelinhas que podem ser interpretados de
maneira coletiva ou individualmente.
De acordo com o autor Pelayo (2008):
Gênero tão antigo como a imaginação humana é o relato de casos fabulosos, seja para recrear com sua mera narração, seja para tirar deles um ensinamento salutar. A parábola, a fábula, os contos de fadas e outras formas de símbolo didático são narrações mais ou menos simples e germes do conto. Todas tem em suas origens mais remotas certo caráter mítico e transcendental, cujo sentido foi-se perdendo com a passagem dos tempos, ficando apenas a mera envoltura poética e episódica. (PELAYO, 2008, p.15)
Coelho (2009) apresenta no glossário de seu livro O Conto de Fadas:
símbolos, mitos e arquétipos, conceitos essenciais para quem quer conhecer os
diversos gêneros de narrativas:
ALEGORIA: narrativa que tem significado completo de dois níveis: no do argumento narrado e em seu significado figurado, simbólico ( cujo entendimento pode variar de leitor para leitor). ARQUÉTIPO: segundo Jung (2002), arquétipos correspondem a modelos de pensamento e ação, preexistentes na alma humana (“inconsciente coletivo”). Manifestam-se como estruturas psíquicas quase universais, espécie de consciência coletiva, e se exprimem por uma linguagem simbólica de grande poder energético que une o universal ao individual. Os arquétipos pertencem ao mundo dos Mitos ou dos deuses.
78
CULTURA MÁGICA: é atribuída aos povos orientais (especialmente árabes e hindus), em oposição à dos ocidentais – a cultura fáustica. Esta última compreende o universo e o homem como que regidos por uma energia racional, rotulada de vontade ou razão. Na primeira, a mágica, tudo depende de um destino inevitável, de acontecer sem razão lógica, atribuído a uma força suprema que decide a vida dos homens e de todos os demais seres do Universo. Na cultura mágica, tudo acontece e repete-se ciclicamente, independente de causas racionais ou lógicas, por vezes como se tudo já estivesse predeterminado e, por outras, como se as forças mágicas decidissem-no ao acaso. FÁBULA: forma narrativa breve que visa dar uma lição aos homens. Suas personagens são animais falantes que se comportam como humanos. Nela, as situações narradas denunciam sempre erros de comportamento, que resultam na exploração do homem pelo homem. Desde os tempos arcaicos, a fábula foi dos gêneros narrativos mais difundidos em todas as sociedades. HISTORIA: narração verdadeira de acontecimentos ou situações significativas para conhecimento e evolução dos tempos, das culturas, das civilizações, das nações. Não é mera exposição de fatos, mas resulta de uma indagação inteligente e crítica dos fenômenos que tem por fim o conhecimento da verdade. LENDA: narrativa anônima de matéria supostamente histórica ou verdadeira, guardada pela tradição (oral ou escrita). Todos os folclores estão repletos de lendas, que tentam explicar de maneira mágica os mistérios da vida e do Universo. MITO: narrativas primordiais que, sob forma alegórica, explicam de maneira intuitiva, religiosa, poética ou mágica os fenômenos da vida humana em face da Natureza, da Divindade ou do próprio Homem. PARÁBOLA: narrativa breve, alegórica, de uma situação vivida por seres humanos e animais, da qual se deduz, por comparação, um ensinamento moral. Tem na Bíblia um de seus registros mais ricos. (COELHO, 2009, p.133 – 143)
Os contos de fadas e os contos maravilhosos tem diferenças
fundamentais quando se observam em suas raízes. Coelho (2009), traz a
seguinte diferenciação:
O conto maravilhoso tem raízes orientais e gira em torno de uma problemática material/social/sensorial – busca de riquezas; a conquista do poder; a satisfação do corpo – ligada basicamente à realização socioeconômica do indivíduo em seu meio. Exemplo: Aladim e a Lâmpada Maravilhosa; O Gato de Botas; O Pescador e o Gênio; Simbad, o Marujo. Quanto aos contos de fadas de raízes celtas, giram em torno de uma problemática espiritual/ ética/ existencial, ligada à realização interior do indivíduo, basicamente por intermédio do Amor. [...] tendo como motivo central o encontro do Cavaleiro com a Amada [...]. Exemplos: Rapunzel, O Pássaro Azul, A Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sete Anões, a Bela e a Fera.
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Há ainda os contos exemplares, nos quais se misturam as duas problemáticas: a social e a existencial. Câmara Cascudo chama-os de “contos de encantamento”, de que são exemplos: Chapeuzinho Vermelho, O Pequeno Polegar, João e Maria.(COELHO, 2009, p.85)
3.2. Quem conta um conto... Perrault, La Fontaine, Grimm, Andersen...
Os livros que tem resistido ao tempo são os que possuem uma essência de verdade, capaz de satisfazer a inquietação humana, por mais que os séculos passem. (MEIRELES, 2003, p.30)
Assim, como diz Cecília Meireles (2003), os contos de fadas são livros
eternos. Aos autores: Perrault, La Fontaine, Irmãos Grimm e Andersen são
atribuídos os primeiros contos infantis de que se tem registro.
Perrault, escritor francês do século XVII, publica em 1697 os Contos da
Mãe Gansa, que constava de oito historias populares a saber: A Bela Adormecida
no Bosque; Chapeuzinho Vermelho; O Barba Azul; O Gato de Botas; As Fadas;
Cinderela ou A Gata Borralheira; Henrique do Topete e O Pequeno Polegar.
A França desta época (século XVII) vivia um esplendido momento de progresso e transformações político culturais, enquanto o Brasil era ainda uma simples colônia, culturalmente atrasada e continuamente disputada pelos holandeses, franceses e outros atraídos por nossas riquezas naturais. (COELHO, 2009, p.27- 28)
La Fontaine, intelectual francês, dedicou-se a escrita das fábulas baseado
na Antiguidade Greco romana, na bíblia, narrativas orientais e medievais. Sua
obra: Fábulas de La Fontaine, que popularizou fábulas como: O Lobo e o
Cordeiro; O Leão e o Rato; A Cigarra e a Formiga; A Raposa e as uvas; Perrette,
A leiteira e o pote de leite; que denunciavam as intrigas da corte de Luís XIV.
No século XVIII, na Alemanha, a literatura infantil inicia a sua expansão
pela Europa e as Américas com os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm). Dentre as
centenas de testemunhos guardados na memória do povo formou-se o que hoje é
conhecido como Literatura Clássica Infantil; os mais conhecidos são: A Bela
Adormecida; Branca de Neve e os Sete Anões; Chapeuzinho Vermelho; A Gata
80
Borralheira; O Ganso de Ouro; Os Sete Corvos; Os Músicos de Bremem; A
Guardadora de Gansos; João e Maria; O Pequeno Polegar; As Três Fiandeiras e
O Príncipe Sapo.
Influenciados pelo ideário cristão que se consolidava na época romântica e cedendo á polêmica levantada por alguns intelectuais, contra a crueldade de certos contos, os Grimm, na segunda edição da coletânea, retiraram episódios de demasiada violência ou maldade, principalmente aqueles que eram praticados contra a criança. (COELHO, 2009, p.29)
No século XIX, o dinamarquês, Hans Christian Andersen dedica seu
trabalho para as crianças através da linguagem religiosa e romântica. Por esta
razão, são contos tristes ou de finais trágicos. Os mais conhecidos: O Patinho
Feio, Os Sapatinhos Vermelhos, O Soldadinho de Chumbo, A Pequena
Vendedora de Fósforos, A Roupa Nova do Imperador, Nicolau Grande e Nicolau
Pequeno e A Rainha de Neve.
[...] Entre os diversos valores ideológicos consagrados pelo Romantismo e facilmente identificáveis nas historias desse autor, destacam-se:
1. Defesa dos direitos iguais, pela anulação das diferenças de classe (A Pastora e o Limpador de Chaminés). 2. Valorização do individuo por suas qualidades próprias e não por seus privilégios ou atributos sociais ( O Patinho Feio, A Pequena Vendedora de Fósforos).
3. Ânsia de expansão do EU, pela necessidade de conhecimento de novos horizontes e da aceitação de seu Eu pelo outro (O Sapo, O Pinheirinho, A Sereiazinha).
4. Consciência da precariedade da vida, da contingência dos seres e das situações (O Soldadinho de Chumbo, O Homem da Neve).
5. Crença na superioridade das coisas naturais em relação às artificiais (O Rouxinol e o Imperador).
6. Incentivo à fraternidade e à caridade cristãs; à resignação e à paciência com as duras provas da vida (Os Cisnes Selvagens e Os Sapatinhos Vermelhos).
7. Sátira às burlas e às mentiras usadas pelos homens para enganarem uns aos outros (Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, A Roupa Nova do Imperador).
8. Condenação da arrogância, do orgulho, da maldade contra os fracos e os animais e, principalmente, contra a ambição de riquezas
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e poder (A Menina que Pisou no Pão, Nicolau Grande e Nicolau Pequeno, Os Cisnes Selvagens).
9. Valorização da obediência, da pureza, da modéstia, da paciência, da submissão, da religiosidade como virtudes básicas da mulher (patente em todos os contos, confirmando o ideal feminino consagrado pela tradição: pura/impura, bruxa/fada, mãe/madrasta...). (COELHO, 2009, p.31-32)
Todas estas formas de narrativa tem sua relevância, sua importância
pessoal, social e cultural, porém no caso desta pesquisa vamos nos ater aos
contos de fadas clássicos e os modificados pela indústria cultural que veremos
mais adiante.
3.3. Origem das fadas
Seres em forma de mulheres belíssimas, com poderes de ajudar a
humanidade quando nenhuma outra solução se fazia possível, sempre ligadas às
forças da natureza, foi na água que as fadas surgiram entre os celtas; povo que
primeiro descreveu estas fantásticas criaturas.
Os celtas eram pastores que viviam na região da Boêmia e Baviera em
princípio e depois se espalharam por toda a Europa, tendo sua maior
concentração na Irlanda. Eram governados pelos druidas (sacerdotes), cultivavam
as armas (“Espada do rei Arthur”) e lhes atribuíam poderes mágicos.
Após a fusão com a doutrina cristã e em virtude de seu culto as mulheres
(druidesas e fadas), esse povo passou a cultuar á Virgem Maria. Todavia, quando
essas mulheres representam o mal passam a ser conhecidas como bruxas.
[...] Se há personagem que, apesar do correr dos tempos e da mudança de costumes, continua mantendo seu poder de atração sobre adultos e crianças, essa é a Fada. (COELHO, 2009, p.78)
Coelho (2009) afirma que as fadas são criaturas que pertencem aos
quatro reinos da natureza e define cada tipo de fada de acordo com o elemento
que representa.
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As fadas do ar dividem-se em: sílfides ou fadas das nuvens, criaturas altamente desenvolvidas, que vivem nas nuvens e que evoluíram da terra, da água e da experiência do fogo, sendo por isso, dotadas de inteligência elevada. Há também as fadas do vento e das tempestades, espíritos dotados de poderosa energia, que giram por cima das florestas e ao redor dos altos picos das montanhas. As fadas da terra dividem-se em espíritos de superfície e do subsolo: fadas dos jardins ou bosques (as de superfície) e gnomos ou fadas dos rochedos (as do subsolo ou reino mineral). As fadas do fogo ou salamandras habitam a região do subsolo vulcânico e estão relacionadas com o relâmpago e as fogueiras acima do solo. Tem mais forças do que as fadas dos jardins, mas ficam mais distantes da humanidade do que estas. As fadas das águas ou ondinas habitam as profundezas das águas e uma de suas principais tarefas é retirar energia do sol para transmiti-la à água. Há ainda aquelas que vivem junto às praias e marés: são pequeninas, alegres e mais conhecidas como bebês d’água. (COELHO, 2009, p.87)
Há mais mistérios em nosso mundo do que certezas, saber decidir sobre
a verdade ou inverdade sobre as fadas depende da interpretação, da vivência e
experiência de cada indivíduo.
3.4. O poder da realidade – a fantástica imaginação
Pesquisando os Contos de Fadas, li um pensamento de Câmara Cascudo
que é a epígrafe do livro da escritora Nelly Novaes Coelho (2001, p.5), O Conto
de Fadas e revela que este material literário contém informações do contexto
sócio histórico cultural de um determinado grupo que cresce ouvindo historias,
criando heróis e elaborando sonhos.
De todos os materiais de estudo, o conto popular maravilhoso é justamente o mais amplo e mais expressivo (...) revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões, julgamentos. Para todos nós é o primeiro leite intelectual. Os primeiros heróis, as primeiras cismas, os primeiros sonhos, os movimentos de solidariedade, amor, ódio, compaixão, vem com as historias fabulosas, ouvidas na infância. (CASCUDO, 2000, apud. Coelho, 2001, p.5)
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Cascudo (1984) comenta que os sentimentos também podem ser
revelados ou manifestados com o estímulo deste leite intelectual, ou seja, dos
contos infantis. Este autor fora menino enfermo, seus brinquedos não poderiam
lhe proporcionar exercícios, mas vida sedentária. Filho único de pais ricos, foi
criado com dedicação e temor da difteria. Tal condição conduziu Cascudo muito
cedo ao mundo dos livros e da leitura, sua diversão predileta. Em casa, lia
revistas, álbuns de gravuras, viagens, curiosidades, desenhos, livros de historias
infantis cheios de magia, cavernas de dragões, princesas e cavaleiros valentes
que misturavam suas vozes às das amas narradoras.
Como escritor, Luís da Câmara Cascudo foi motivado por dois impulsos
originários. Um mais acadêmico/formal outro mais contaminado pela subjetividade
e pela criação. O aprofundamento na leitura da obra permite entrever que esse
diálogo se encontra presente na construção da escritura de seus textos,
denunciando sua emoção e sensibilidade, intuição e conhecimento.
De acordo com Cascudo (1984), conduzido à margem da ciência por
registrar a história cultural, principalmente, através do imaginário das lendas e
superstições, dos mitos e ”causos”; se baseava, sobremodo, nos depoimentos
orais como fonte de dados e exercia suas funções de historiador sem o rigor do
argumento crítico das fontes históricas e do estilo científico preestabelecido, o que
demonstrava tanto na escrita quanto na fala. Impunha-se confortávelmente em tal
posição, afirmando que descobriu a tempo o perigo de se filiar a uma corrente ou
a um pesquisador, o que implicava em aceitar também os defeitos dele. Por isso,
a melhor escola era a liberdade.
Certamente, há muitas maneiras de ver as coisas, e nem todos seguem a mesma direção. Se muitos permanecem ainda aferrolhados na ordem racional, outros já abrem largas janelas para a ordem do imaginário, para obras elaboradas com outro teor criativo, sem por isso desprezarem a razão. O imaginário, de fato, teve baixo crédito durante muito tempo entre os cientistas, embora a cientificidade seja a parte emersa do iceberg profundo da não cientificidade, e o homem não se defina somente pela técnica e pela razão. Define-se também pelo imaginário e pela afetividade, o que possibilita acessar um pensamento mítico simbólico/ lógico-racional, construtor de um pensamento complexo, “um pensamento que relaciona o que, tendo origens diversas e múltiplas, forma um tecido único e inseparável: complexus”. (MORIN, 1994, p. 176)
84
Este pensamento é compartilhado com Bettelheim (2009, p.9), que afirma
que a sabedoria é construída por meio de pequenos passos a partir do começo
mais irracional. Na idade adulta é que podemos ter uma compreensão inteligente
do significado de nossa existência neste mundo obtida a partir de nossa
experiência.
Em cada momento da existência, embora sejamos uma totalidade, manifesta-se apenas uma parte de nós como desdobramento das múltiplas determinações a que estamos sujeitos. Compareço como mãe diante de meu filho, como professor diante do aluno, tornando-se impossível expressar a nossa totalidade, mas, estamos sempre nos apresentando como representantes de nós mesmos. O mesmo se dá com os outros que interagem conosco. Neste processo, vamos pontualmente construindo a historia de vida. (HUMEREZ, 1998, p.33)
O educador e terapeuta Bettelheim (2009), trabalhava com crianças
gravemente perturbadas e o desafio assumido era restituir um significado a vida
de seus pacientes, dessas crianças. Detectou que o elemento fundamental é o
impacto que os pais e as outras pessoas que cuidam da criança exercem, depois
vem à herança cultural e percebeu que a literatura canaliza melhor este tipo de
informação. Percebi que esta afirmativa está de acordo com minha historia de
vida, pois os fatos foram ocorrendo na mesma sequência citada pelo autor. Meus
pais e meus avós apresentaram os contos de fadas e deram ênfase aos
personagens apontando atitudes positivas e negativas em diferentes situações.
Quando iniciei minha vida cultural, indo ao cinema e ao teatro ficou ainda mais
evidente aqueles ensinamentos dados por meus familiares e o que a sociedade
aceitava como parâmetros de regras e normas sociais. Já entendia que não podia
pegar o que não fosse meu (Rapunzel), que não podia mentir (Pinóquio), que o
bom sempre vence o mau (Chapeuzinho Vermelho), que trabalhando você
consegue o que quer (Os Três Porquinhos) e outras lições ligadas às historias
infantis.
As narrativas ganham sentido e potencializam-se como processo de formação e de conhecimento, porque tem na experiência sua base existencial. Desta forma, as narrativas constituem – se como singulares num projeto formativo, porque se assentam na transação entre diversas experiências e aprendizagens individual/coletiva. (SOUZA, 2004, p.19)
85
Bettelheim (2009) ficou decepcionado com a literatura oferecida. Esta se
destinava ao ensino de habilidades sem se importar com o significado. A
aquisição de habilidades fica sem valor quando o que se aprende não acrescenta
nada de importante à vida da pessoa.
Uma historia verdadeiramente significativa é aquela que prende a atenção
da criança e desperta a sua curiosidade. Para enriquecer a sua vida deve
estimular-lhe a imaginação, relacionando todos os aspectos de sua
personalidade, promovendo a confiança da criança em si mesma e em seu futuro.
Segundo Coelho e Propp (1997), citados por Gagliardi e Amaral (2001),
os homens contam historias, de alguma maneira, desde épocas muito remotas.
As primeiras historias ficaram conhecidas como mitos, há duas fontes que nos
levam a essa conclusão: as sociedades ágrafas de nossa época, em que os mitos
assumem funções fundamentais para a conservação da cultura e da vida desses
povos e o conjunto das antigas civilizações, que transmitiram seus mitos pela
tradição oral e só foram registrados a partir do momento em que a escrita se
difundiu entre eles.
3.5. Mito – herói e divino
De acordo com Gagliardi e Amaral (2001), os mitos são historias
sagradas para explicar as origens do mundo, transmitir a sabedoria coletiva,
conservar a tradição, os costumes e moral próprio que preservam a identidade de
um povo.
Segundo Bettelheim (2009), algumas historias folclóricas e de fadas se
desenvolveram a partir dos mitos e foram incorporadas a eles. Ambas as formas
registraram a experiência acumulada de uma determinada sociedade para
relembrar a sabedoria passada e transmiti-la às futuras gerações. O autor traça
semelhanças entre mitos e contos de fadas.
Os mitos e os contos de fadas tem muito em comum. Mas, nos mitos, muito mais do que nas historias de fadas, o herói civilizador se apresenta ao ouvinte como uma personagem que, tanto quanto possível, ele deve emular em sua própria vida. Um mito, tal como uma historia de fadas, pode expressar um conflito interior de forma simbólica e sugerir como
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pode ser resolvido. O mito apresenta seu tema de modo majestoso; transmite uma força espiritual; e o divino está presente e é vivenciado na forma de heróis sobre humanos que fazem solicitações constantes aos simples mortais. (BETTELHEIM, 2009, p.37)
Segundo Propp (1997), nas sociedades em que os rituais foram
abandonados há muito tempo, os mitos também foram deixando de ter sua função
primitiva, a preservação de um povo, de uma sociedade. Os rituais modificaram-
se restando somente à parte das narrativas míticas, que se transformaram em
outras formas de narrativa, entre elas os contos de fadas. Esses contos relatam à
trajetória de heróis e heroínas, de forma semelhante ao que acontece nos rituais,
enfrentam provações (obstáculos, enigmas, tarefas impossíveis), recebem ajudas
mágicas (elementos para vencerem as provações). Os protagonistas
transformam-se em pessoas adultas, capazes de retornar ao lar, prontas para
assumir uma nova fase de suas vidas.
Franz (2008, p. 33) afirma que “o mito é uma produção cultural” e acredita
que grandes mitos podem decair com as civilizações e os temos básicos podem
sobreviver como contos de fadas. Afirma que o mito:
[...] apresenta conjuntos de expressões culturais conscientes, que facilitam sua interpretação, pois nele certas ideias são expressas de maneira mais explícita. Pode-se dizer que a estrutura básica ou que os elementos arquetípicos de um mito são construídos numa expressão formal, que se liga ao consciente coletivo cultural da nação na qual se originou e que, de certa maneira, está mais próximo da consciência e do material histórico conhecido. (FRANZ, 2008, p.34)
Coelho (2009) sintetiza três conceitos de fundamental importância para
esta pesquisa. Ao mesmo tempo em que estão separados, estão interligados.
Mitos nascem na esfera do sagrado; arquétipos correspondem à esfera humana e símbolos pertencem à esfera da linguagem, pela qual mitos e arquétipos são nomeados e passam a existir como verdade a ser difundida entre os homens e transmitida através dos tempos. (COELHO, 2009, p.91)
Não poderia deixar de mencionar neste tópico, que comentamos sobre
arquétipos, o psiquiatra Jung (2002), fundador da psicologia analítica ou
junguiana, que definiu arquétipos de modo claro e funcional.
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Os arquétipos são sistemas de prontidão que são ao mesmo tempo imagens e emoções. São hereditários como a estrutura do cérebro. Na verdade é o aspecto psíquico do cérebro. Constituem, por um lado, um preconceito instintivo muito forte e, por outro lado, são os mais eficientes auxiliares das adaptações instintivas. Propriamente falando, são a parte tônica da psique – se assim podemos falar – aquela parte através da qual a psique está vinculada a natureza, ou pelo menos em que seus vínculos com a terra e o mundo aparecem claramente. Os arquétipos são formas típicas de comportamento que, ao se tornarem conscientes, assumem o aspecto de representações, como tudo o que se torna conteúdo da consciência. Os arquétipos são anteriores à consciência e, provavelmente, são eles que formam os dominantes estruturais da psique em geral, assemelhando-se ao sistema axial dos cristais que existe em potência na água-mãe, mas não é diretamente perceptível pela observação. Do ponto de vista empírico, contudo, o arquétipo jamais se forma no interior da vida orgânica em geral. Ele aparece, ao mesmo tempo que a vida. “Dei o nome de arquétipos a esses padrões, valendo-me de uma expressão de Santo Agostinho: Arquétipo significa um “Typos” (impressão, marca-impressão), um agrupamento definido de caracteres arcaicos, que, em forma e significado, encerra motivos mitológicos, os quais surgem em forma pura nos contos de fadas, nos mitos, nas lendas e no folclore. (JUNG, 2002, p.87)
Os mitos são narrativas que formam um universo que demonstra as
fronteiras entre o conhecido e o mistério, o consciente e o inconsciente, o real e o
imaginário.
3.6. Contos de fadas – muitas historias uma só magia
Bettheleim (2009) afirma que os contos de fadas enquanto diverte a
criança, esclarece-a sobre si e favorece o desenvolvimento de sua personalidade.
São ímpares como obras de arte acessível à criança. Cada pessoa interpreta o
conto de fadas de acordo com o momento de sua vida, por isso o mesmo conto
pode ter diferentes significados.
Gagliardi e Amaral (2001), afirmam em seus estudos que além de se
transformarem em contos de fadas, as primeiras narrativas foram tomando formas
de saga, epopeia e lenda. O conjunto de narrativas foi, a princípio, transmitido
oralmente pelos contadores de historias por meio das gerações. Os contos de
fadas são historias abertas que desencadeiam outras historias, admitem diversas
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interpretações entre aqueles que contam e aqueles que ouvem, por sofrerem a
influência da historia e dos lugares onde são contados.
Segundo Franz (2008), o valor dos contos de fadas para a investigação
científica do inconsciente é superior a qualquer outro material. Eles são
especialmente importantes quando se analisam pessoas de diversos lugares do
mundo.
Eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa. Nesta forma pura, as imagens arquetípicas fornecem-nos as melhores pistas para compreensão dos processos que se passam na psique coletiva. Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado, atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fadas existe um material cultural consciente muito menos específico e, consequentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique. (FRANZ, 2008, p.9)
Gagliardi e Amaral (2001), sintetizam uma análise sobre a composição do
conto de fadas baseados nos estudos sobre a obra do folclorista russo Vladimir
Propp (1997):
1. Há uma situação inicial de tranquilidade. 2. Aparece um elemento desestabilizador, que pode ser uma proibição ou uma perda para o (a) herói/heroína.
3. O (a) herói/heroína pode sair de casa ou continuar vivendo nela com restrições ou castigos impostos por seus antagonistas.
4. O (a) herói/heroína recebe um objeto mágico ou a ajuda de um ser mágico em algum momento da historia.
5. Ao longo da historia, o (a) herói/heroína passa por muitas provações, que podem ser desde a execução de trabalhos pesados, até desafios propostos por outras personagens que aparecem ao longo da historia. Esses desafios podem levar o herói/heroína a um enfrentamento direto com seu (sua) antagonista.
6. As ações da historia podem realizar-se num só espaço ou acontecerem em vários espaços diferentes, lugares distantes do lar do (a) protagonista.
7. Muitas vezes o (a) herói/heroína tem que se disfarçar; outras vezes ele/ela é transformado (a) em outro ser.
8. Ao longo da trama, o (a) herói/heroína disfarçado(a) ou transformado(a) é reconhecido(a).
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9. O (a) antagonista é desmascarado(a) ou castigado(a).
10. No final acontece um desenlace: há uma reparação do dano feito ao (à) herói/heroína, que pode casar-se com a filha/filho do rei ou receber qualquer outro tipo de recompensa. (GAGLIARDI e AMARAL, 2001, p.13)
Esses elementos aparecem em muitos contos de fadas. O mesmo ocorre
ao distinguir-se as várias funções das personagens na estrutura dos contos de
fadas. Propp (1972), reconhece a essencialidade dos contos de fadas como
expressão da vida. Ele afirma: “Não há duvida de que o conto encontra,
geralmente, sua fonte na vida”. (PROPP, 1972, p.14)
Assim sendo, Coelho (2009) nota a identidade existente entre as funções
apontadas e as constantes básicas do viver humano:
1. Situação de crise ou mudança: é natural que na vida real todo ser humano viva contínuas situações de mudança ou de crise, pois do nascimento à morte passamos por muitas transformações, desafios e provas; 2. Desígnio: todo ser humano tem (ou deve ter) suas aspirações, seu ideal, seu desígnio a ser atingido na vida, em busca de sua auto realização;
3. Viagem: basicamente, a luta pela auto- realização trava-se fora de casa, no corpo a corpo do eu com o mundo exterior, com outros;
4. Obstáculos: são as inevitáveis dificuldades que se interpõem entre o eu e seu caminho para a auto-realização.
5. Mediação: são os auxílios que, via de regra, o eu recebe para poder avançar em seus caminhos;
6. Conquista: este deveria ser o desenlace feliz para a auto-realização desejada pelo eu, como acontece sempre nos contos de fadas e deveria acontecer também na vida real. (COELHO, 2009, p.119-120)
Os contos transformam-se de acordo com a historia do tempo em que são
contados, o que permite reconhecê-los e nomeá-los como contos de fadas.
Os contadores e escritores atuais de contos de fadas, embora mantenham a essência daquilo que contam ou escrevem, modificam suas historias a partir de sua experiência de vida, do que ouvem veem e sentem. Os ouvintes ou leitores das narrativas transmitidas também participam da continua reconstrução das historias, interpretando-as a partir de seus conhecimentos, de sua historia de vida, quando vão
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recontá-las. A cada recontar o conto transforma-se, ganha novos elementos, novo modo de dizer, novo significado. (GAGLIARDI e AMARAL, 2001, p.11)
Na época das sociedades artesanais, segundo Benjamin (1985), as
práticas de trabalho favoreciam um estado mental de esquecimento de si, que
propiciava a memorização das historias ouvidas, mesmo porque elas se repetiam
tal quais os movimentos tediosos de fiar e tecer. Neste tipo de sociedade havia
dois tipos de narradores: os que permaneciam vivendo a vida toda em seus
lugares de origem e aqueles que viajavam trazendo historias de outras partes do
mundo. Essa junção de saberes aperfeiçoou a arte de narrar e difundiu as
narrativas pelo mundo todo.
A força das narrativas orais tradicionais, entre as quais está o conto de fadas, deve-se a uma série de fatores: eram historias concisas, que evitavam explicações, deixando um espaço para interpretações; eram fáceis de memorizar; transmitiam saberes práticos e conselhos preciosos para a vida do ouvinte. Este aconselhamento não tinha a pretensão de ser uma resposta, mas de ser uma sugestão possível de ser utilizada em razão da experiência de vida partilhada entre narrador e ouvintes. A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das historias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. [...] “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e comisso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair de seu país e que conhece suas historias e tradições. (BENJAMIN, 1985, p.199)
Segundo Benjamin (1985), o que interessa ao pesquisador no relato de
historia de vida é apreender e compreender a vida conforme ela é relatada e
interpretada pelo próprio autor. Por meio do estudo da vida das pessoas é
possível penetrar em sua trajetória histórica e entender a dinâmica das relações
estabelecidas ao longo de sua existência, ou seja, de seu cotidiano. Este
entendido como o momento concreto, definido pelo tempo e espaço. As historias
de vida estão enquadradas no contexto em que se desenvolvem projetando assim
um conjunto de significações.
É impossível identificar o caminho percorrido pelos contos de fadas em
seu processo de difusão pelo mundo, porém demonstra uma possível origem
comum, as narrativas orais transmitidas de geração a geração.
91
Bettelheim (2009), acredita que nada é tão enriquecedor e satisfatório,
seja para criança, seja para o adulto, do que o conto de fadas popular. Os contos
de fadas pouco ensinam sobre as condições da vida na sociedade moderna de
massa, no entanto, pode-se aprender sobre os problemas íntimos dos seres
humanos e sobre as soluções corretas para suas dificuldades em qualquer
sociedade.
Tentou entender a razão pela quais essas historias tem tanto êxito no
enriquecimento da vida interior da criança e constatou que esses contos
começam no ponto em que a criança efetivamente se acha em seu ser
psicológico e emocional. Falam de suas graves pressões interiores de modo que
ela compreende e oferecem exemplos para soluções temporárias e/ou
permanentes.
Os contos de fadas tem um valor inigualável, pois oferecem novas
dimensões à imaginação da criança que ela não descobriria por si só de modo tão
verdadeiro. Sua forma e estrutura sugerem imagens com as quais a criança pode
estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.
O trabalho autobiográfico possibilita a descoberta de aspectos decisivos da vida pessoal presentes na interioridade e na relação com o mundo, que de outra forma permaneceriam ocultos e, em muitos casos, desconhecidos. Esse caminho de apropriação de si é também estimulado pela troca realizada entre os pares que ajuda a aprofundar e compreender melhor os aspectos importantes da trajetória formativa. Verifica-se assim a presença de “dispositivos de formação baseados na explicitação e troca de experiências, instituindo processos de comunicação e aprendizagem entre pares e a reversibilidade de papéis entre todos os implicados no processo educativo, ou seja, todos aprendem com todos”. (CANÁRIO, 2005, p.12)
Neste sentido é que pretendo relacionar os contos de fadas às historias
de vida, pois algumas pesquisas procuram compreender a existência humana, o
que significa que tornam o ser humano como sujeito que faz a historia ao mesmo
tempo em que se constrói através dela.
O processo de socialização acontece em uma sociedade perpassada pela desigualdade social, onde são criados os hábitos de classe que vão aparecer nas relações familiares entre os membros, determinando comportamentos específicos quanto à idade, ao sexo, à posição no grupo familiar, entre outros. (HUMEREZ, 1998, p.32)
92
3.7. Historias de vida – o individual que modifica o coletivo
Após o nascimento somos resgatados pelo grupo familiar e vamos
interiorizando papéis, valores e atitudes num movimento que nos insere em nossa
cultura.
Segundo Josso (2004), os relatos de vida escritos, centrados sobre a
perspectiva das experiências formadoras e fundadoras de nossas identidades em
evolução, de nossas ideias e crenças meio estabilizadas, de nossos hábitos de
vida e de ser com relação a nós mesmos, aos outros e ao meio humano e natural,
tem a particularidade de ser territórios por vezes tangíveis e invisíveis, ou seja,
simbólicos, nos quais se exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de
uma existencialidade evolutiva.
A historia de vida narrada é assim, uma mediação de conhecimento de si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor oportunidades de tomada de consciência sobre seus diferentes registros de expressão e de representações de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a formação. (JOSSO, 2008, p.27)
A mudança estrutural na forma do homem conceber a si e a sua relação
com o mundo traz implicações importantes para o campo da Educação. Para
Brandão (2005), tornam-se necessários encontrar instrumentos formativos que
favoreçam a descoberta e a apropriação de si num contexto multifacetado e
contraditório, de forma a promover a capacidade de discernimento e ação.
O processo de formação torna-se uma longa busca de si em um mundo que demanda uma forte consistência pessoal para enfrentar os desafios que cada um deve encarar na sociedade atual. Essa experimentação existencial irá de certo surpreender, particularmente em contextos de conformidade social, porque ela favorecerá trajetórias insólitas e opções aparentemente contraditórias. (DOMINICÉ, 2006, p. 345)
Para Macioti (1988), citado por Humerez (1998, p.34),no relato de historia
de vida, o testemunho individual está diretamente condicionado às experiências
vividas e que expressa a realidade sócio histórica.
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Cipriani (1988), citado por Humerez (1998, p.34), ressalta que a historia
de vida é a possibilidade de ver se desenvolver as diversas biografias individuais
sobre um terreno partilhado em nível social.
Segundo Moita (2000), a abordagem biográfica ou os relatos de historias
de vida tem as potencialidades do dialogo entre o individual e o sociocultural.
Assim como Josso (2004), Moita (2000) afirma que esse diálogo introduz
necessariamente uma reflexão sobre a articulação entre essas duas realidades e
a “tomada de consciência de co-habitações de significados múltiplos num mesmo
vivido”.
[...] Só uma historia de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma. Só uma historia de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos. Numa historia de vida podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços do cotidiano. (MOITA, 2000, p.116-117)
O desenvolvimento da abordagem biográfica tem especificidades de
ordem metodológica e de ordem epistemológica. Moita (2000) faz o levantamento
de alguns pressupostos que confirmam esta afirmação.
1.O “saber” que se procura é de tipo compreensivo, hermenêutico, profundamente enraizado nos discursos dos narradores. O conhecimento dos processos de formação pertence antes de mais àqueles que se formam. [...] O papel do investigador é fazer emergir o(s) sentido(s) que cada pessoa pode encontrar nas relações entre as várias dimensões de sua vida. 2.O tipo de enfoque deste trabalho exclui a formulação de hipóteses a serem sujeitas a verificação, uma vez que não se procura a relação entre as variáveis. Torna-se fundamental a definição de eixos de pesquisa que explicitem e delimitem o campo da investigação.
3.O quadro de análise interpretativo das historias de vida é elaborado de um modo coerente com o objeto de pesquisa e o “corpus” biográfico recolhido. O problema é ordenar, compreender sem violentar, sem sobre impor um esquema preestabelecido.
4.Cada historia de vida, cada percurso, cada processo de formação é único. Tentar elaborar conclusões generalizáveis seria absurdo. Como refere Dominicé (1985): “Neste caso, a verdade não cabe na generalização. Existe uma singularidade de cada historia de vida, que
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não permite que se considere como verdadeira toda a generalização que não tenha em conta essa singularidade”.
5.Neste processo de pesquisa impõe-se a criação de condições de uma efetiva implicação de todos os participantes. Gaulejac (1989) escreve que a qualidade do material produzido depende do grau de implicação de cada participante, do desejo e capacidade de fazer memória da sua vida para a encontrar, exprimir e analisar.
6.O tipo de relação a manter com os narradores é caracterizado pela colaboração, pela partilha, pela escuta empática, por uma atitude que reflete uma situação de paridade. Essa atitude não é estratégica para obter mais facilmente “informações” ou para ganhar a confiança dos implicados, mas decorre de um posicionamento de princípio. 7.A participação contem um caráter necessariamente formativo em relação a todas as pessoas nele implicadas. Embora se situe claramente no domínio da investigação, é oportunidade formativa pelas características da metodologia pela qual optou. A apropriação que cada pessoa faz do seu patrimônio existencial através de uma dinâmica de compreensão retrospectiva é um fator de formação. Para o investigador, um certo vaivém da emergência dos processos de formação conduz a um questionamento sobre os seus próprios processos formativos. (MOITA, 2000, p.117-118)
3.8. Aprender a viver – depois ensinar
Segundo Josso (2004), as historias de vida vem ocupando lugar de
destaque na pesquisa nos últimos vinte anos. No âmbito educacional, a relação
entre as historias de vida e o saber tem se firmado como importante instrumento
para os estudos deste tema.
De acordo com Nóvoa (2000), apesar de todas as fragilidades e
ambiguidades, é inegável que as historias de vida tem dado origem a práticas e
reflexões estimulantes [...] fertilizadas pelo recurso a uma grande variedade
conceitual e metodológica.
O movimento de experiências de vida e dos estudos (auto) biográficos
produzidos no âmbito da profissão docente, nasceu da vontade de se produzir um
outro tipo de conhecimento, mais próximo da realidade educativa e do cotidiano
dos professores.
Produzir outro conhecimento sobre os professores para compreendê-los
como pessoas e como profissionais, para descrever e para mudar as práticas
educativas é um desafio muito grande. Dominicé (1990) escreve:
95
A vida é o lugar da educação e a historia de vida o terreno no qual se constrói a formação. Por isso, a prática da educação define o espaço de toda reflexão teórica. O trabalho do investigador e dos participantes num grupo biográfico não é da mesma natureza, na medida em que ele possui mais instrumentos de análise e uma maior experiência de investigação. Mas trata-se do mesmo objeto de trabalho. Dito doutro modo, o saber sobre a formação provém da própria reflexão daqueles que se formam. É possível especular sobre a formação e propor orientações teóricas ou fórmulas pedagógicas que não estão em relação com os contextos organizacionais ou pessoais. No entanto, a análise dos processos de formação, entendidos numa perspectiva de aprendizagem e de mudança, não se pode fazer sem uma referência explícita ao modo como um adulto viveu as situações concretas do seu próprio percurso educativo. (DOMINICÉ, 1990, p.167)
Não podemos deixar de mencionar o processo da construção de
identidades. É um processo que necessita de tempo, um tempo para assimilar as
mudanças, perceber as inovações e refazer identidades. Nóvoa (2000) define
com muita clareza e precisão a palavra identidade.
A identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. (NÓVOA, 2000, p.16)
Moita (2000), afirma que ninguém se forma no vazio e acrescenta que
formar-se:
[...] supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a singularidade da sua historia e sobretudo o modo singular como age, reage e interage com os seus contextos. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido em que é um processo de formação. (MOITA, 2000, p.115)
Nóvoa (2000), sugere uma forma de compreender os aspectos que são
objetos de uma maior atenção em relação à investigação, a formação e a
investigação formação do professor. Os professores são encarados como
“objetos” da investigação, como “sujeitos” da formação e como “atores” da
investigação formação. O autor agrupou este estudo em nove tipos que serão
descritos abaixo:
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1. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus pessoa (do professor): estes estudos tomam como referência a pessoa do professor, exprimem-se numa perspectiva sociológica: baseadas em metodologias de “historia oral” ou em “memórias escritas”; numa perspectiva psicológica mais preocupada com os problemas de saúde mental e de stress ou com fases e etapas da vida pessoal dos professores.
2. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus práticas (dos professores): este tipo de estudo procura compreender as práticas pedagógicas a partir das narrativas e descrições dos professores. 3. Objetivos essencialmente teóricos, relacionados com a investigação versus profissão (de professor): estudos sobre os ciclos de vida profissional dos professores e as (auto)biografias dos professores para produzir um conhecimento renovado sobre a profissão docente. 4. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus pessoa (do professor): incluem-se nesta categoria práticas de formação de professores, que se organizam à volta da problemática do desenvolvimento pessoal, de experiências que valorizam as dinâmicas de auto formação, a partir da análise de materiais tão distintos como o “curriculum vitae” ou as biografias profissionais, nas tendências para (re)centrar a formação de professores na pessoa do professor. 5. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus práticas (dos professores): trata-se de dispositivos que procuram rememorar as práticas dos professores, através de estratégias várias (narrativas orais, relatos escritos, etc.), tendo como objetivo produzir uma reflexão auto formadora. 6. Objetivos essencialmente práticos, relacionados com a formação versus profissão ( de professor): importa considerar neste item as iniciativas de caráter mais institucional, que se tem vindo a desenvolver no âmbito da formação de professores: experiências realizadas no contexto da formação inicial, os primeiros anos de exercício profissional, etc. 7. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus pessoa (do professor): há um conjunto de iniciativas em que os profissionais são chamados a desempenhar, simultaneamente, o papel de “objetos” e de “sujeitos” da investigação. 8. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus práticas (dos professores): evocam-se as experiências autobiográficas que tem como fulcro a mudança das práticas dos professores. 9. Objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a investigação formação versus profissão (de professor): utilização das abordagens biográficas que aponta no sentido da transformação da profissão docente. Os professores se assumirem como profissionais dotados de largas margens de autonomia; dar voz aos professores; redação de diários e desenvolvimento profissional; a responsabilidade da mudança; as identidades profissionais. (NÓVOA, 2000, p.21-23)
97
3.9. A indústria cultural – fábrica de sonho e consumo
Os contos de fadas de hoje sofreram modificações durante os séculos.
Encontrar o original de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, é muito difícil, muito
raro. Deparamo-nos com versões diferentes de um mesmo conto em uma mesma
cultura ou em culturas diferentes.
Segundo Gonçalves (1998), alguns contos de fadas tiveram sua versão
modificada pela localização ou pelos estúdios Disney:
[...] a “Cinderela” dos irmãos Grimm perde “um sapatinho de seda bordado de ouro”, já a versão de Perrault é intitulada “Borralheira ou Sapatinho de Vidro”, os sapatinhos de vidro mais lindos do mundo. “Chapeuzinho Vermelho” nas versões mais antigas era conhecida como “Capinha Vermelha”. “Branca de Neve” que ficou conhecida como “Branca de Neve e os Sete Anões” por obra dos estúdios Disney, na Itália era “A moça de leite e sangue”, porque na Itália raramente neva e as três gotas de sangue do dedo da rainha caem no leite, no mármore ou mesmo no queijo branco. Na versão russa, não são sete anões que habitam a casinha da floresta e sim sete cavaleiros; e a historia se chama “O Conto da Princesa Morta”. (GONÇALVES, 1998, p.37)
Todas essas diferenças são fruto das modificações sociais, morais e
culturais pelas quais cada sociedade e em um nível mais amplo a humanidade
tem passado desde se surgimento. Cada historia passa por adaptações, criam
detalhes e particularidades de acordo com a cultura de seu país.
Em um artigo publicado na revista Movendo Ideias (2003), um grupo
contendo jornalista (Costa), socióloga (Palheta) e assistentes sociais (Mendes e
Loureiro) revisou as ideias de Adorno e Horkheimer (1985) e fez comentários
relevantes sobre a indústria cultural.
Horkheimer e Adorno foram dois teóricos que defenderam que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto fundamental sobre a natureza da cultura e da ideologia nas sociedades modernas. Na concepção deles, a análise da ideologia não pode mais se limitar ao estudo das doutrinas políticas, mas deve ser ampliada para abranger as diferentes formas simbólicas que circulam no mundo social, ou seja, a estruturação das relações na sociedade, a forma como se produz e se intensificam a massificação do indivíduo. Não obstante, a cultura é o instrumento que desenvolve e assegura formas de controle das concepções sociais e das ideologias estruturadas na sociedade capitalista. (COSTA, PALHETA, MENDES, LOUREIRO, 2003, p.13)
98
Segundo os autores citados anteriormente, compreender e possuir uma
posição que seja crítica e analítica desse processo de massificação dado pela
cultura é mais do que roteiro teórico, é antes de tudo, uma referência que supera
a gama de problemas culturais vividos no século XX. Um dos caminhos a ser
seguido é o da Escola de Frankfurt*, e com ela um de seus teóricos Theodor
Adorno, que possui uma produção relevante nesta temática, mas nesse contexto
não podemos deixar de citar Walter Benjamin que produz reflexões sobre a
técnica de reprodução da obra de arte, no caso particular, o cinema,
compreendendo os resultados sociais e políticos dessa massificação, o que
Adorno estabelecerá como indústria cultural.
Walter Benjamin, possui uma teoria materialista da arte, cujo
desenvolvimento do estudo aponta para compreensão das causas e dos
resultados da aura (ambiente de acontecimento exterior) que envolve a obra de
arte, tratada enquanto objeto individualizado e único. A expansão do que é único
é dado através da técnica de reprodução que estabelece a dissolução da aura
original, portanto, irá romper com as restrições dos pequenos ciclos, dos
pequenos grupos sociais.
Poder-se-ia resumir todas essas falhas, recorrendo à noção de aura, e dizer: Na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de arte é a sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, sua significação vai além do terreno da arte. Seria impossível dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução separam o objeto reproduzido do âmbito da tradição. Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer à visão e à audição em quaisquer circunstâncias, conferem-lhe atualidade permanente. Esses dois processos conduzem a um abalo considerável na realidade transmitida – a um abalo de tradição, que constitui a contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua renovação atua. Estão em estreita correlação com os movimentos de massa hoje produzidos. Seu agente mais eficaz é o cinema. Mesmo considerado sob forma mais positiva – e até precisamente sob essa forma – não se pode apreender a significação social do cinema, caso seja negligenciado o seu aspecto destrutivo e catártico: a liquidação do elemento tradicional dentro da herança cultural. (Benjamin, 1983, p.8)
Adorno e Horkheimer (1985) definem indústria cultural como:
[...] o conjunto de meios de comunicação como, o cinema, o rádio, a televisão, os jornais e as revistas, que formam um sistema poderoso para gerar lucros e por serem mais acessíveis às massas, exercem um
99
tipo de manipulação e controle social, ou seja, ela não só edifica a mercantilização da cultura, como também é legitimada pela demanda desses produtos. (Horkheimer, 1985, p.57)
Segundo os sociólogos citados acima esses produtos passaram por uma
hierarquização quanto à qualidade, no sentido de privilegiar uma quantificação
dos procedimentos estatístico dos consumidores. Tolhendo a preferência da
massa e instaurando o poder da técnica sobre o homem, a indústria cultural cria
condições favoráveis para a implantação de seu comércio. O valor de uso é
absorvido pelo valor de troca em vez de prazer estético, o que se busca é
conquistar prestígio e não propriamente ter uma experiência do objeto. O filme
sonoro e a televisão podem criar a ilusão de um mundo que não é o que a nossa
consciência espontaneamente pode perceber, mas uma realidade
cinematográfica que interessa ao sistema econômico e político no qual se insere a
indústria cultural. Pela cultura de massa, o homem é subordinado ao progresso da
técnica e esta destrói, fragmenta-o em sua subjetividade para dar lugar a razão
instrumental, ou seja, a razão é reduzida a instrumentalidade. A indústria cultural
mostra a regressão do esclarecimento na ideologia, que encontra no cinema e no
rádio sua expressão mais influente, à medida que eles não passam de um
negócio rentável aos seus dirigentes. O esclarecimento como mistificação das
massas consiste, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e
difusão. Os autores mostram que, a despeito de sua postura aparentemente
democrática e liberal, a cultura massificada realiza impiedosamente os ditames de
um sistema de dominação econômica que necessita, entretanto, de uma
concordância das pessoas para a legitimação de sua existência.
De acordo com o artigo da Revista Movendo Ideias (2003), citado
anteriormente, Horkheimer e Adorno (1985) utilizam o termo “indústria cultural”
para se referirem à mercantilização das formas culturais ocasionadas pelo
surgimento das indústrias de entretenimento na Europa e nos Estados Unidos no
final do século XIX e início do século XX. Esses teóricos discutiram os filmes, o
rádio, a televisão, a música popular, as revistas e os jornais argumentando que o
surgimento das indústrias de entretenimento como empresas capitalistas
resultaram na padronização e na racionalização das formas culturais, e esse
processo, por sua vez, atrofiou a capacidade do indivíduo de pensar e agir de
100
uma maneira crítica e autônoma. A indústria cultural através dos meios de
comunicação como no caso do cinema, faz com que os indivíduos percebam de
forma ilusória a reprodução mecânica dos filmes refletida na vida real. É como se
a vida dentro da tela se tornasse um prolongamento da vida real. Atualmente,
segundo Adorno (1985), o consumidor de filme tem sua imaginação e
espontaneidade paralisadas pelos efeitos dessa máquina, que produz velozmente
os fatos diante dos seus olhos. As pessoas são modeladas de acordo com o
estabelecido pela indústria cultural.
A indústria cultural usa da técnica e dos melhores recursos para envolver o
consumidor, levando até eles uma arte mais acessível de conteúdo oco, repetido
e muitas vezes abandonado.
A arte contemporânea, ao destruir a aura da obra, em virtude da difusão
em série, proporciona o valor de exposição. Esse fato, não é visto por Benjamin
(1984) como algo prejudicial, pois isso facilitava a proximidade da obra com as
massas. O autor projetou uma visão positiva da cultura de massa, no sentido de
que esta poderia ser uma fonte de emancipação, libertando o homem moderno
das opressões do capital.
Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua produção (…) Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar o “semelhante no mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no momento único. (BENJAMIM, 1984, p.170)
Benjamin (1984) faz uma observação em relação ao cinema no tópico
intitulado: Camundongo Mickey. Ele aborda qual seria o potencial crítico do filme
em demonstrar a realidade, colocando a câmera como um instrumento para
desvelar o meio social, trazendo aos homens os mistérios de um mundo que lhe
era familiar.
O cinema introduziu uma brecha na velha verdade de Heráclito segundo a qual o mundo dos homens acordados é comum, o dos que dormem é privado. E o fez pelo menos pela descrição do mundo onírico que pela criação de personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey, que hoje percorre o mundo inteiro. Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas consequências, engendrou nas massas, percebemos que essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de massa através de certos filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de
101
fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso. [...] os filmes grotescos, dos Estados Unidos, e os filmes de Disney, produzem uma explosão terapêutica do inconsciente. Seu percursor foi o excêntrico. Nos novos espaços de liberdade abertos pelo filme, ele foi o primeiro a sentir-se em casa. (BENJAMIN, 1985, p. 190)
Segundo Junior (2007), as análises de Walter Benjamin (1984/1985) foram
fundamentais para reconhecer que os novos recursos poderiam sim ampliar a
expressão artística, possibilitando novas linguagens e experiências, concedendo,
portanto, novas funções para a arte e, do mesmo modo atualizando o conceito de
arte na contemporaneidade.
Para finalizar estas reflexões, gostaria de fazer uma citação que resume o
que acredito ser a relação entre contos de fadas e historias de vida. A fantasia, a
magia são, em minha opinião, elementos essenciais à vida do ser humano e
necessitam ser cultivados desde a infância para que a maioria de nossas historias
tenham “finais felizes”, tenham esperança e razão pelo que lutar.
É simplesmente fascinante o caminhar em meio a essa floresta de arquétipos que são os contos de fadas e descobrir os mil e um significados do rei, de heróis, princesas, sapos e rãs encantados, cabelos, anéis, madrastas, ilhas, gigantes e anões, fadas, bruxas, rainhas estéreis, concepções mágicas e outros. Mas não podemos esquecer que na vida real não existem fadas nem madrinhas que venham realizar por magia aquilo que temos vontade de fazer. Há, na vida, um trabalho a ser realizado, uma luta a ser empreendida por todos nós. E, nesse sentido, a literatura cumpre um papel. Pela imaginação, varinha de condão capaz de revelar o homem a si mesmo, a literatura vai lhe desvendando mundos que enriquecem seu viver. O objetivo último da literatura é a experiência humana, o convívio com ela. (COELHO, 2009, p.124)
No próximo capítulo relatarei o conceito de pesquisa, a importância da
abordagem qualitativa e o grupo focal como instrumento de coleta de dados. Fez -
se necessário todos esses elementos para que eu tivesse embasamento teórico
para realizar o trabalho nos moldes acadêmicos, perceber como age um
pesquisador, suas dificuldades e desafios.
102
4. Diferentes historias, muitas descobertas...
“Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e porque me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. ”(FREIRE, 2008, p. 29)
Neste capitulo apresento e analiso os dados colhidos junto aos
professores do Centro de Educação Infantil Mário Caldana, vinculado à rede
municipal de ensino e no qual atuo como professora desde 2009. O propósito
inicial era utilizar como instrumento de coleta de dados o grupo focal, porém no
processo de constituição do grupo todas as professoras aceitaram o meu convite
para participar da pesquisa e acabei optando por acolher a todas. Assim, aquilo
que eu pretendia um grupo focal acabou sendo constituído por vinte e uma
pessoas e, considerando o número adequado para constituição do grupo focal,
conforme indicação de Gatti (2005), decidi chamar de encontros de formação as
reuniões realizadas em função da coleta de dados para a pesquisa.
A definição parece adequada porque os encontros aconteceram no tempo
e espaço de formação das professoras e, sobretudo, porque se constituíram em
verdadeiros espaços de reflexão sobre os processos formativos vivenciados pelas
professoras desde a infância até a vida adulta, no exercício da profissão. Embora
não tenha utilizado o grupo focal como instrumento de coleta de dados, vou
apresentar uma breve reflexão sobre ele na medida em que o grupo focal foi
muito estudado por mim, pois o considerei como o instrumento mais adequado
para a realização da pesquisa, porém denominei o instrumento utilizado como
encontros de formação, em função do número de participantes ir além dos
considerados adequados por Gatti (2005):
[...] Visando abordar questões com maior profundidade, pela interação grupal, cada grupo focal não pode ser grande, mas também não pode ser excessivamente pequeno, ficando sua dimensão preferencialmente entre seis e doze pessoas. Em geral, para projetos de pesquisa, o ideal é não trabalhar com mais de dez participantes. (GATTI, 2005, p.22)
103
Como vimos um grupo com vinte e uma pessoas ultrapassa o limite
aceitável para o grupo focal. Sobretudo, considerando que os encontros tinham a
duração de uma hora cada, não foram garantidos, ao longo dos mesmos, alguns
aspectos do grupo focal, pois limitava a participação das professoras, as
oportunidades de trocas de ideias e o aprofundamento no tratamento do tema.
Neste sentido, pareceu-me conveniente chamar os encontros realizados
com o objetivo de coletar os dados da pesquisa de encontros de formação. Foram
encontros importantes nos quais todos puderam participar. Mesmo aqueles que,
por falta de espaço ou timidez, não expuseram suas ideias, foi possível perceber
o envolvimento com o processo.
Um aspecto importante que gostaria de destacar no desenvolvimento da
pesquisa, uma vez que muito acrescentou em minha formação, foi, enquanto
pesquisadora, à reflexão que este trabalho possibilitou sobre a própria noção de
pesquisa e dos instrumentos de coleta de dados.
Em diversos momentos do meu processo formativo ouvi falar em
pesquisa qualitativa, quantitativa ou em pesquisas que se estruturam por meio de
recursos destas duas abordagens, mas a experiência em decidir que abordagem
utilizar foi, para mim, bastante enriquecedora.
A pesquisa, como afirma Gatti (2007) tem diferentes conotações na vida
cotidiana das pessoas e na escola. Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter
conhecimento sobre alguma coisa. Com essa definição assim tão ampla,
podemos dizer que estamos sempre pesquisando em nossa vida de todo dia, toda
vez que buscamos alguma informação ou nos debruçamos na solução de algum
problema, colhendo para isso elementos que consideramos importantes para
esclarecer nossas dúvidas, aumentar nosso conhecimento ou fazer uma escolha.
Na pesquisa, segundo Gatti (2007) os dados com os quais trabalhamos
são muito importantes. Eles se apresentam de diversas maneiras: depoimentos,
entrevistas, diálogos, discussões, observações, etc. O momento histórico, o
contexto, as teorias e métodos, as técnicas que o pesquisador escolhe para
trabalhar determinam os conhecimentos.
Segundo Severino (2007), é preferível usar a terminologia abordagem
qualitativa ao invés do vocábulo pesquisa, com esta designação aborda-se mais
104
os fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades
metodológicas.
Qualquer trabalho de pesquisa exige do pesquisador um envolvimento tão grande que a investigação passa a fazer parte de sua vida, a temática deve ser vivenciada por ele e lhe dizer respeito. O trabalho de pesquisa e reflexão deve ser pessoal, autônomo, criativo e rigoroso. A abordagem qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Os pesquisadores valem-se de amostras reduzidas, os dados são analisados em seu conteúdo psicossocial e os instrumentos de coleta não são estruturados. (SEVERINO, 2007, p.119)
Richardson (1999), afirma que a abordagem qualitativa “pode ser
caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e
características situacionais apresentadas pelos entrevistados”.
Para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa:
[...] responde a questões particulares, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO,2002, p.22)
Borgan (In: Triviños, 1987, p. 128-130) aponta as seguintes
características em relação à pesquisa qualitativa:
a)ter ambiente natural como fonte direta de dados;
b)ser descritiva;
c)analisar intuitivamente os dados;
d)preocupar-se com o processo e não só com o resultado e o produto;
e)enfatizar o significado. (BORGAN, 1987, p. 128-130)
Devido às características citadas acima é que posso afirmar que esta
pesquisa tem uma abordagem qualitativa porque descreveu as historias de vidas
contadas pelas professoras, identificou quais os significados das falas na vida
pessoal e profissional das mesmas e como chegaram a certas reflexões durante
sua trajetória.
105
A pesquisa qualitativa pode empregar vários métodos e técnicas. A
escolha depende do tipo de investigação. Segundo Gatti (2005), a técnica do
grupo focal vem sendo muito utilizada nas abordagens qualitativas.
A seleção dos participantes segue alguns critérios conforme o problema a ser estudado. Os participantes devem ter alguma vivência em relação ao tema a ser discutido, de forma que sua participação traga elementos ligados a suas experiências cotidianas. (GATTI, 2005, p.7)
Os participantes desta pesquisa não tinham a vivência de ser professora,
de sala de aula, porque trabalhavam em outras áreas. Porém, trouxeram
elementos ligados às próprias experiências vividas na infância com a família e no
início de sua carreira docente.
Segundo a definição de Powell e Single (1996, p.449) citado por Gatti
(2005, p.7) um grupo focal é:
Um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal. (POWELL e SINGLE, 1996, p.449)
Nos anos 1970 e 1980, o grupo como fonte de informação em pesquisa
foi comum em áreas como comunicação, na avaliação de materiais ou de
serviços, em processos de pesquisa – ação ou pesquisa – intervenção.
Houve uma redescoberta do grupo focal nos anos 1980 com o objetivo de
adaptar essa técnica ao uso na investigação cientifica. Ele é um bom instrumento
de levantamento de dados para pesquisas em ciências sociais e humanas, porém
a escolha de seu uso tem de ser criteriosa e coerente com os propósitos da
pesquisa.
No caso desta pesquisa, penso que a escolha inicial do grupo focal se
deu em razão dos estudos sobre a pesquisa em educação terem revelado que o
tema do trabalho seria melhor tratado por meio da abordagem qualitativa e entre
os instrumentos utilizados de coleta de dados hoje utilizados na realização deste
tipo de pesquisa, o grupo focal emergiu como o mais adequado.
É essencial na condução do grupo focal que o facilitador ou moderador
deva cuidar para que o grupo não seja dirigido ou conduzido por ele; deva fazer
106
os encaminhamentos necessários que facilitem as trocas e que mantenha os
objetivos do trabalho.
É muito importante neste instrumento de pesquisa que o moderador tenha
em mente qual é a sua função no momento.
Fazer a discussão fluir entre os participantes e sua função, lembrando que não esta realizando uma entrevista com um grupo, mas criando condições para que este se situe, explique seus pontos de vista, analise, infira, faça criticas, abra perspectivas diante da problemática para o qual foi convidado a conversar coletivamente. (KITZINGER, 1994, p.9)
O fundamental é a interação do grupo e essa interação será estudada
pelo pesquisador diante de seus objetivos. O interesse deve ser como as pessoas
pensam e porque pensam desta forma, ou seja, porque pensam o que pensam. O
grupo focal fornece ao pesquisador uma grande quantidade de informações em
um período de tempo curto.
A autora ainda cita aspectos relevantes trazidos pelas interações ocorridas
nos grupos focais ressaltadas por Kitzinger (1994, p.116), por meio das interações
podemos:
Clarear atitudes, prioridades, linguagem e referenciais de compreensão dos participantes; Encorajar uma grande variedade de comunicações entre os membros do grupo, incidindo em variados processos e formas de compreensão; Ajudar a identificar as normas do grupo; Oferecer insight sobre a relação entre funcionamento do grupo e processos sociais na articulação de informação. Encorajar uma conversão aberta sobre os tópicos embaraçosos para as pessoas; Facilitar a expressão de ideias e de experiências que podem ficar pouco desenvolvidas em entrevista individual. (GATTI, 2005, p.10)
Segundo a autora, o trabalho com grupos focais permite compreender
práticas do nosso dia a adia, ações e reações a fatos e acontecimentos,
comportamentos e atitudes, construção da realidade por determinados grupos
sociais. Além de obter perspectivas diferentes para a mesma situação, permite
compartilhar ideias a respeito do cotidiano e compreender a maneira como um
indivíduo é influenciado pelos demais.
Esta técnica pode servir para fundamentar hipóteses ou verificar
tendências, para testar ideias, planos ou propostas, busca o aperfeiçoamento e o
107
aprofundamento da compreensão a partir de dados provenientes de outras
técnicas.
Porém esta técnica é limitada devido ao pequeno número de participantes
e a forma de seleção dos participantes. O facilitador deve manter o foco no
assunto, criando–se um clima aberto para as discussões. Os participantes devem
sentir- se seguros para explanar suas opiniões.
A interação grupal muitas vezes surpreende e coloca novas formas de
entendimento que dão suporte a novas inferências sobre o problema estudado. A
adesão dos participantes deve ser voluntária. Os participantes devem estar
motivados para aderir ao processo e ao tema.
Krueger e Casey (2000, p.25) citados por Gatti (2005, p.14) afirmam que
não se deve utilizar o grupo focal quando se deseja que as pessoas cheguem a
um consenso, quando se quer que o grupo seja educativo, quando se busca
informações delicadas que não podem ser partilhadas com o grupo ou que podem
ser ofensivas para algum participante.
4.1. A utilização dos encontros de formação no cotidiano
As reflexões sobre a abordagem qualitativa em função da realização
desta pesquisa levaram-me a considerar o grupo focal o instrumento de coleta de
dados mais adequado, contudo o processo desenvolvido na escola levou-me a
redefinir o instrumento uma vez que não foi possível garantir os critérios da
constituição do grupo focal.
Os dados de minha historia de vida foram coletados com pessoas que
participaram e participam dela. Levei a ideia de realizar a pesquisa para o grupo
de professoras que trabalham comigo no Centro de Educação Infantil Mário
Caldana. A diretora autorizou que a pesquisa fosse realizada na unidade.
A sala dos professores tomou outra forma, transformou–se em um
espaço de reflexões, lembranças e exposição de fatos individuais que
influenciaram no coletivo. Nossa maior dificuldade foi adequar o horário para que
estes encontros fossem realizados. Cada professora envolvida dedicou um pouco
108
de seu tempo para participar dos encontros de formação. Realizamos cinco
encontros, com duração de uma hora cada, nos horários de formação.
Outra dificuldade foi o número de participantes. Como não ocorreram
desistências e eu optei por não excluir ninguém, fizemos a pesquisa com um
grupo grande. Não foi realizada uma entrevista coletiva, pois cada professora
falou de sua experiência, de sua vivência em relação aos contos de fadas, tendo
liberdade para expor aspectos que julgassem relevantes ou necessários para que
sua historia fosse contada. As participantes interagiram de forma dinâmica à
medida que narrativas em comum eram descritas durante os relatos.
O tema foi apresentado e de imediato uma das professoras abriu o
encontro com seu relato de vida. Foi um relato emocionante. Embora tenha
certeza de ter escolhido o instrumento de coleta de dados correto, o grupo não se
configurava mais como um grupo focal, devido ao número de participantes.
Entretanto, os encontros de formação possibilitaram a revelação de informações
importantes sobre o tema.
O grupo percebeu que a emoção apareceu por diversas vezes, pois o
resgate de nossa historia nos faz revisitar nosso passado, relembrar nossas
perdas e reviver nossas alegrias.
À medida que o tempo foi passando ficou mais tranquilo fazer a relação
da vivência daquele grupo com as historias que ouviam na infância. A partir da
discussão do conceito de contos de fadas, começou a emergir, entre as
professoras, que suas historias não eram contos de fadas e sim “causos” como
veremos a seguir:
Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. (Professora Noelina)
Algumas comentaram sobre as adaptações dos mesmos e não da leitura
dos clássicos originais. Essa citação problematiza a noção de contos de fadas,
geralmente utilizada na escola como sinônimo de diversas historias que ouvimos
e contamos. Surge, então, a necessidade de diferenciar os contos clássicos e as
109
situações para fins pedagógicos, como é o caso das versões de Perrault escritas
em um determinado contexto político na França:
Em 1695, aos 62 anos, perdeu seu posto como secretário. Idoso, resolveu registrar as histórias que ouvia de sua mãe e nos salões parisienses. O livro, publicado em 11 de janeiro de 1697, quando contava quase 70 anos, recebeu o nome de Histórias ou contos do tempo passado com moralidades, mas também era chamado de "Contos da Velha" e "Contos da Cegonha", ficando, afinal, conhecido como "Contos da mamãe gansa". A publicação rompeu os limites literários da época e alcançou públicos de todos os cantos do planeta, além de marcar um novo gênero da literatura, o conto de fadas. Foi, ao fazer isto, o primeiro a dar acabamento literário a esses tipos de histórias, antes apenas contadas entre as damas dos salões parisienses. (ALMEIDA, 2006, p.31)
E as adaptações feitas com os objetivos comerciais pela indústria cultural,
como é o caso daquelas realizadas pelos estúdios Disney e Maurício de Sousa.
Neste momento poderíamos citar Calvino (1993), quando afirma que ler
pela primeira vez um grande clássico na idade adulta é um prazer extraordinário,
diferente.
Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los. (CALVINO, 1993, p.10)
O melhor momento para ler os clássicos é quando estamos preparados
para entendê-los, para refletirmos sobre a historia.
Assim, como o folclore que é divulgado e difundido em diversas partes de
nosso país, adaptando historias do interior e lendas transmitidas por gerações.
Osmar Barbosa (2000) escreveu a introdução da obra de Câmara Cascudo (2000)
intitulada “Lendas brasileiras” e revelou que os contos populares do Brasil:
[...] tem sabor de uma fruta do mato, o cheiro agreste da flor mais viçosa, a fantasia colorida com as tintas da nossa selva, o encanto de um primitivismo tropical. Então, com o crescer das atividades folcloristas descobrem-se horizontes cujas cores a literatura tanto necessita, já que as letras irão dourar uma civilização de que se deve orgulhar um povo aguerrido e batalhador. (BARBOSA, 2000, p.7)
110
As pessoas relembraram historias que marcaram a infância, que tiveram
um significado diferente, especial em sua historia de vida. A presença da escola
na formação ou na informação dessas pessoas. O fator tempo influenciando na
relação familiar, afetiva e por que não dizer cognitiva das mesmas.
O relato da Professora Silvia demonstrou a relevância dos contos nas
historias de vida:
Marcou-me muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim (2009) que falava da historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida. Que era a mãe e o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque minha mãe morreu e eu tinha quatro anos. Minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma. Quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia. Quando eu já estava na faculdade fui estudar o livro dos contos de fadas. (Professora Silvia)
Em um dado momento, sem intenção, refleti como minha historia de vida
havia sido diferente daquelas que ouvia e que, muitas vezes, entendi certas
atitudes e valores de algumas profissionais. Como o grupo foi rico para nossa
formação como ser humano e como profissional.
Escutamos várias historias, relatos tristes e alegres, a imaginação
mesclada com a ficção. O imaginário revelando uma realidade concreta do grupo.
Pessoas que lutaram para que a Educação fosse de qualidade, que contemplasse
a criança como um ser integral, digno de direito e de deveres.
As categorias selecionadas para apreciação foram: 1- Família, 2- Infância, 3-
Contos de fadas, 4- A formação docente e 5- A escola.
4.2. As narrativas no Centro de Educação Infantil Mário Caldana
111
As professoras chegaram para o primeiro encontro com receio ou dúvida
de como o mesmo seria como se daria o desenvolvimento e a participação de
cada uma.
A postura, o tom de voz e até mesmo a maneira de falar se modificou.
Aos poucos, as professoras perceberam que elas deveriam ser fiéis aos relatos,
naturais, transparentes, detalhistas e acima de tudo boas ouvintes. Esta afirmativa
pode ser evidenciada pelos relatos de algumas professoras que demonstraram a
postura de ouvinte e ao mesmo tempo a interação que houve no grupo de
formação:
Com certeza o caso que a Tereza acabou de falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia! (Professora Maria Edlene) Então, eu não tive os contos na infância. Meu relato é completamente diferente da Silvia e da Paula porque a minha família é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência com adultos e os adultos somente em correria. (Professora Dulcinéia)
Nos demais encontros, elas pareceram mais tranquilas. Umas falavam
mais que as outras, porém, notei que todas estavam participando a seu modo. Há
professoras muito tímidas, outras com historias de vida difíceis ou extremamente
marcantes, outras ainda não se sentiam à vontade para compartilhar sua vivência.
Cada uma há seu tempo foi relatando sua historia de vida com emoção, riqueza
de detalhes, alegria pela recordação e tristeza pelas perdas que tiveram durante o
percurso.
Segundo Gatti (2005) nos primeiros momentos, deixa-se claro que:
[...] todas as ideias e opiniões interessam, que não há certo ou errado, bom ou mau argumento ou posicionamento, que se espera mesmo que surjam diferentes pontos de vista, que não se está em busca de consensos. Os participantes devem sentir-se livres para compartilhar seus pontos de vista, mesmo que divirjam do que os outros disseram. A discussão é totalmente aberta em torno da questão proposta, e todo e qualquer tipo de reflexão e contribuição é importante para a pesquisa. (GATTI, 2005, p.29)
112
O tema Contos de Fadas é muito presente no Centro de Educação Infantil
Capitão PM Mário Caldana. Porém, as professoras, na maioria das vezes, utilizam
adaptações da indústria cultural ao invés dos contos originais devido à facilidade
de acesso a essas adaptações. A indústria cultural, facilitando o acesso a suas
adaptações em muitos casos leva os educadores a utilizarem estas versões no
lugar dos clássicos. [...] à faixa etária das crianças (de zero a três anos).
Pude perceber também que o conceito de contos de fadas é usado para
nomear diversos gêneros literários como: contos maravilhosos, historias
folclóricas, lendas e mitos. Há uma prática diária de contar ou ler historias,
apresentadas com diversas versões e materiais variados. A escolha do material é
exclusiva do professor, assim como a escolha da historia e a maneira de contá-la.
No primeiro encontro, algumas professoras falaram sobre a família, a
infância, a escola, o início da formação docente e a relação com as historias.
Devido o grupo ser grande, no segundo encontro, o assunto teve
prosseguimento. Porém, acrescentaram a importância da Literatura Infantil
Brasileira e o seu maior escritor, Monteiro Lobato. Discutiram alguns personagens
de adaptações de Contos de Fadas recentes que estão sendo veiculado pela
mídia, como a “Princesa e o Sapo” que é uma adaptação do texto original “O
Príncipe Sapo” e o que os mesmos ensinam. Quem não havia dado seu relato,
falou e as interações começaram a acontecer. Interações, no sentido, de
questionamentos, perguntas, curiosidades sobre as historias de vida
apresentadas.
Josso (2004) fundamenta a formação baseada na descoberta e na
valorização da singularidade do sujeito. Traz a formação experiencial como um
dos conceitos chave das histórias de vida em formação, destacando a importância
da narrativa neste percurso, pois ela permite explicitar a singularidade e perceber
o caráter processual da formação e da vida, articulando as diferentes dimensões
de nós mesmos, em busca de uma sabedoria de vida.
No terceiro encontro, o relato teve como foco a historia que mais
representava a vida da professora naquele momento tanto no enfoque pessoal
quanto profissional. Demonstrando uma identificação entre as historias contadas
ou lidas e a realidade vivida por essas professoras, mesmo sem ter os contos de
113
fadas presentes na infância. Evidenciando assim, a importância do momento
lúdico em cada fase da existência.
No quarto encontro, o relato sobre as historias de vida e o conto de fadas
continuou, porém, as professoras falaram da chegada ao Centro de Educação
Infantil, da diferença com as escolas convencionais e sobre a passagem da
creche, da Assistência Social para a Educação. A mudança causada às práticas
pedagógicas e a fundamentação teórica das mesmas. Essa passagem não foi
tranquila, porém com o auxílio do curso de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil
compatível com o Magistério, estas educadoras construíram o próprio
conhecimento e revisitaram suas práticas pedagógicas:
O ADI Magistério abriu as portas de diversas coisas E o que deu para perceber principalmente, quem cursou ADI Magistério tem um olhar diferente. (Professora Sueli)
Ao comentar sobre a presença da leitura no Centro de Educação Infantil
Mário Caldana, as professoras lembraram-se da formação que tiveram no curso
de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil oferecido pela prefeitura em parceria com
a Universidade de São Paulo:
O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de madeira. Você já fazia o som para a criança. Com o ADI Magistério, conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar muito mais em cima da própria prática. (Professora Noelina)
As falas anteriores, como a seguinte, apontaram para os ganhos da
Educação Infantil, em termos de melhoria na qualidade do atendimento às
crianças, com a mudança desta etapa da formação das professoras para a
educação.
Eu acho que o ADI Magistério foi muito gratificante. (Professora Walkíria)
No quinto encontro, o relato foi sobre a formação docente, as mudanças
que o Programa do ADI Magistério proporcionou às cuidadoras que melhoraram a
atuação profissional enquanto educadoras. Neste sentido, o curso contribuiu para
que as profissionais passassem a refletir sobre suas práticas de cuidado e
114
educação, pois o que se espera de quem trabalha com Educação Infantil é que
seja bom cuidador e bom educador. Entenderam a importância da teoria para
complementar a prática e que a formação continuada é essencial para todos os
profissionais da Educação. As professoras que fizeram o curso de ADI Magistério
consideram sua formação suficiente e complementar à sua prática pedagógica:
Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. (Professora Noelina)
Surgiu algo neste relato bem interessante, que foi o impacto da mudança
no cotidiano dos profissionais que atuavam no Centro de Educação Infantil.
Verificou-se uma disputa entre aqueles que já estavam e aqueles que chegaram.
Houve na fala acima um destaque à dicotomia teoria e prática. Na visão da
professora, os novos profissionais que chegaram com formação universitária
eram teóricos e os que já estavam na unidade eram práticos.
A Faculdade em si, não sabe o que é Educação Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você tinha condições de fazer na sala de aula. (Professora Terezinha)
Aqui também é reiterada a oposição que reflete uma questão básica que
se instalou no cotidiano das creches com a mudança para a educação. A chegada
do professor com diploma universitário tirou da zona de conforto os profissionais
que estavam instalados na creche. Neste sentido, a fala revelou também uma
tentativa do próprio interesse, muito presente em processos como o de atribuição
de salas. Para analisar estes encontros, utilizarei categorias que emergiram dos
próprios relatos. Estas categorias são: 1- Família, 2- Infância, 3- Contos de fadas,
4- A formação docente e 5- A escola que ajudarão a explicitar alguns conceitos,
115
concepções e crenças que permearam os encontros. Para melhor visualização
dos dados, foram utilizados quadros comparativos, que se encontram em anexo
nesta pesquisa.
4.3. A Família e a Infância
Nas discussões sobre contos de fadas, duas categorias apareceram
bastante: a família e a infância. E foi em função desse grupo de referência e desta
fase da vida que as pessoas lembraram-se das historias que fizeram parte de seu
processo formativo, como veremos nas falas a seguir:
E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. (Professora Silvia)
Como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou é relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo. (Professora Marcia de Fátima)
Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. (Professora Paula)
As falas mostraram que diversas narrativas fizeram parte da infância das
professoras e que a escolha destas narrativas estiveram relacionada com a
condição de existência da família ou mesmo de suas opções religiosas. Esteve
também relacionado à condição familiar, o fato de não ter tido acesso a estas
historias na infância, como mostrou o trecho a seguir:
Na minha infância eu não tive historia. Minha mãe trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó. Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro-me do bicho papão, que eles falavam nada de historia. (Professora Ana Maria)
116
A falta de tempo e a correria foram desculpas muito comuns quando não
se cuidava da educação dos filhos, contudo foi possível observar que algumas
famílias, em contexto semelhante, oportunizaram as crianças acesso às
narrativas. Foi possível inferir que contar historia se relaciona com a tradição
familiar e onde se tem essa tradição se consegue tempo e onde não se tem se
usa a falta de tempo como desculpa.
E neste contexto pode ser entendida a atitude de alguns pais que
alegaram falta de tempo para não contar historias, segundo relatos das filhas,
pode ser lido como uma justificativa para a falta de hábito de leitura que deve ser
cultivado em todas as fases da vida.
Segundo Silva (2005, p. 84), a pessoa para existir precisa relacionar-se e
o ambiente fundamental e primeiro para que isto aconteça é o grupo familiar. A
necessidade de um grupo de referência onde ocorram relações diretas de ajuda
mútua, amparo e trocas afetivas, cognitivas, valorativas é radical para a vida da
pessoa.
Ao analisar algumas falas, constatei que os pais trabalhavam muito e não
tinham tempo para contar historias para os filhos ou alegavam falta de tempo.
Um trecho do relato da Professora Maria Edlene nos coloca frente a esta
situação:
Meu pai e minha mãe trabalhavam muito. Então, eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de sentar, contar historia pra gente e a gente, eu e meus irmãos buscávamos sozinhos.
Desta fala valeu destacar um aspecto muito presente na escola que é a
crítica aos pais que não acompanham seus filhos com a frequência que a escola
deseja. Embora, alguns educadores, tenham experimentado essa realidade de
pais ausentes, que alegavam falta de tempo, devido ao trabalho, nem sempre os
educadores lembram-se desse fato na relação com as famílias e seus alunos.
Outros relatos interessantes são os das Professoras Sueli e Dulcineia
referentes ao seu modo de vida:
117
Era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite. Minha mãe nunca teve o hábito e também não dava tempo. A hora que a gente deitava para dormir não tinha como. (Professora Sueli)
Já a Professora Dulcineia, sendo a única criança da casa teve a criação
de uma pessoa expropriada dos direitos da infância em função de conviver
apenas com adultos. É um fato frequente em situações como a das grandes
cidades, onde as crianças não podem brincar na rua e tem que conviver apenas
com as pessoas da casa.
Neste sentido destaca-se a importância do acesso à educação infantil,
para que direitos como o de viver e conviver com outras crianças sejam
garantidos. Teve lembrança de alguma leitura, mas não a presença dos contos de
fadas em sua infância:
A minha família é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência com adultos e os adultos somente em correria. Lembrança de uma leitura ou outra eu tenho. (Professora Dulcineia)
Naquela época, algumas não entendiam a ausência dos pais, porém
tinham de aceitar. Atualmente, com o avanço tecnológico, as crianças tem a
presença dos pais de maneira virtual, fazendo parte do cotidiano da sociedade
moderna. As crianças da educação infantil também acompanham o ritmo de vida
dos pais e reconhecem que para sobreviver, comprar as coisas que precisam, os
pais necessitam trabalhar cada vez mais. Hoje, com as experiências vividas
durante sua trajetória e a formação que tiveram no antigo curso de magistério, as
professoras puderam construir seu conhecimento e entenderam a dificuldade dos
pais na época da infância. Outras perceberam depois de adultas a falta que
fizeram os pais nesta tarefa de contadores de historia:
A Tereza conta muita historia para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei assim, se futuramente tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente, que fala que os pais não contavam historia por falta de tempo. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia! (Professora Maria Edlene)
118
. Contar historia faz parte da tradição oral da historia de nossa civilização.
Porém, no caso de algumas educadoras, essa tradição não era real. Assim, para
que esta situação não se perpetuasse, tornaram-se contadoras de historias para
seus filhos. Como observamos nos relatos das Professoras Eliana e Edina que
expressaram com clareza a experiência vivida e deixaram registrado que a leitura
é um hábito:
Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia. Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele. (Professora Eliana)
O hábito da leitura deveria ser construído e incentivado tanto na família
quanto na escola. Para tanto, poderíamos utilizar as narrativas como material
inicial de introdução à leitura:
Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era eu que ia. (Professora Edina)
Remeto-me a minha historia e relembro o esforço de meus pais, que
também trabalhavam muito para me incluir no mundo letrado, ter conhecimento
das narrativas, de onde tiravam a função pedagógica das mesmas e
ensinamentos que julgavam ser importante a vida. Não sei se era correto ou não,
mas tenho os narrativos presentes em minha trajetória, graças ao estímulo de
meus pais.
A descrição da Professora Norma nos contou justamente como foi
importante o incentivo da família durante as diferentes fases da vida:
Bom, eu tive conhecimento com historias desde muito novinha. Não era assim, contos de fadas. Meu pai gostava muito de contar historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu. Mas ele contava historias de Saci Pererê, de Fantasmas, de coisas assim. Ele adorava contar essas coisas pra gente. Esse estímulo que ele me deu, eu me tornei leitora muito cedo. Eu me lembro que aos doze anos, eu ganhava livros de historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas historinhas assim e eu me tornei leitora por isso. Meu pai incentivava muito a leitura, incentivava muito o estudo. Acho que por ele não ter tido oportunidade de ter estudado, ele fazia isso com a gente. (Professora Norma)
119
Esta fala revelou que diferentes historias fizeram parte do percurso
formativo das professoras e não apenas os contos de fadas. Isso foi uma
revelação, que ampliou o horizonte da pesquisa. Antes minha proposta era
apenas verificar a presença dos contos fadas, porém encontrei a presença de
outras narrativas. Outro aspecto dessa fala que se mostrou fundamental foi à
leitura incentivada por uma pessoa analfabeta que percebeu a importância do ato
de ler.
Algumas professoras foram criadas com a presença da madrasta. Porém,
estas não se mostravam ruins como nos contos de fadas, muitas vezes
auxiliavam na educação e formação destas crianças:
Nenhuma coletânea de histórias dá tanta importância às madrastas quanto os contos de fadas. Foram eles a grande manifestação social que revelaram as polaridades, as ambiguidades e os estigmas sociais. Como as bruxas, as madrastas são as responsáveis por todo o sofrimento moral, emocional e físico dos heróis e heroínas dos contos de fadas. Não há madrastas boas, assim como, com raríssimas exceções, as fadas são capazes de qualquer ato maléfico contra os heróis. Por mais que os contos de fadas se passem na terra do nunca e suas imagens sejam fantásticas e irreais, eles se prestam a reproduzir os conflitos humanos como ninguém. Utilizando imagens sobrenaturais, cheias de detalhes, os contos de fadas falam ao inconsciente permitindo que nossas fantasias sejam vividas e elaboradas. (GONÇALVES, 1998, p.35)
Para ilustrar esta observação leremos os relatos de duas educadoras as
Professoras Silvia e Tereza que tiveram experiências diferenciadas em relação a
convivência com a madrasta.
No relato da Professora Tereza, observamos que a citação acima
realmente retratou a realidade de algumas pessoas. O novo casamento do pai,
devido o falecimento da mãe, muitas vezes, transforma a vida da criança. Neste
caso, ela sentiu-se sacrificada devido ser a filha mais velha, além da vontade de
ser branca como as irmãs, conforme divulgado por ela. Ficou evidente que viver
com a madrasta, em alguns casos, como nos contos, remete ao preconceito, a
exploração e, muitas vezes, à submissão devido a cor da pele:
Eu vou falar um pouco da minha infância. Lá atrás, fui criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas de meu pai, três eram filhas de minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha. Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo que acontecia de errado era comigo. Tudo era
120
eu. Eu já tinha um complexo terrível, por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta. (Professora Tereza)
No segundo relato, da Professora Silvia, percebemos que a madrasta não
ocupou o papel como destinado nos contos de fadas. A professora comentou que
gostava da ideia de ter madrasta e por ironia conviveu com duas. Não foi sentido
por ela nenhuma mudança em relação ao comportamento do pai com a vinda da
madrasta, pelo contrário, ele começou até a contar mais historias:
Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia. (Professora Silvia)
Esta fala é fantástica. Identificar-se com a madrasta poderia ser uma
estratégia de sobrevivência até que o príncipe chegasse. Os contos de fadas
permitiram fugir da realidade por meio da imaginação, permitiram compreender o
que vivia. O próprio fato de o pai começar a contar historia após a morte da mãe é
emblemático.
A Professora Walkiria teve uma historia um pouco diferente com a perda
da mãe, foi criada pela tia e teve de seguir o cotidiano da casa:
Olha, eu não tive muito contato com historia porque a minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia. Então, eles não tinham o hábito de contar historia. Então assim, não que assustava de noite, tipo assim, é que vinha o fantasma, punha o lençol, aquela brincadeira assim. Mas historia, sentar e contar eu não tive. (Professora Walkíria)
Percebi também que na maioria dos relatos, quando as historias eram
contadas na infância, fazia-se presente a figura do pai ou dos avós, raramente as
mães contavam historias devido aos afazeres do lar. Esta afirmativa indicou que
as mulheres e mães cumpriam uma jornada dupla de trabalho, um fenômeno
urbano, em detrimento a momentos mais estritos com seus filhos. Porém, tivemos
relatos de professoras vindas do interior, aonde uma parte da família, pais e
filhos, vão para a roça e a outra fica em casa, cuidando dos afazeres domésticos:
121
Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias. Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando. Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele chegava cansado à noite, tomava banho, mas era ele que dava atenção. (Professora Maria Lúcia)
Neste caso, a professora relacionou a contação de historia com a atenção
recebida do pai. Será que um dos aspectos que fazem com que a criança goste
de historia é sentir-se olhada, vista, protegida? Será que as historias ajudam a
repensar dúvidas e medos?
O avô citado na narrativa abaixo, além de contar historias, procurava
estimular a postura leitora da neta. Este avô preparava um cenário especial para
o evento e abria a possibilidade de escolha entre diversos recursos existentes na
casa:
Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita historinha pra gente. Máquina de slide, Cd, disquinho e ele punha muito pra gente. A gente ficava lá no quarto dele assistindo. Ele apagava tudo, fechava tudo. Eu acho que isso também influenciou eu gostar de ler, de escrever, de contar historias de contos de fadas. (Professora Paula)
No caso da Professora Sueli, as historias eram diferentes das habituais
devido à cultura dos avós. Essa miscigenação trouxe historias de índios e
africanos, ao invés de príncipes e princesas:
A maior parte da minha infância eu passei com os meus avós. E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. (Professora Sueli)
Outros avós, contavam “causos”, que eram tão reais que provocavam
reações de medo, alegria e que influenciam até na vida adulta daquelas crianças.
O relato da Professora Noelina nos traz a morte como exemplo:
Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. Pra mim está sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha
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aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz apagada de jeito nenhum. (Professora Noelina)
Meu interesse era estudar os contos de fadas nas historias de vida das
professoras pesquisadas, mas emergiram outras narrativas que revelaram a
riqueza que é o Brasil em termos culturais. Cascudo (1967) coloca o folclore ao
lado da cultura letrada, afirmando serem eles os dois lados de nossa cultura que
se complementam, nos definem e caracterizam nossa vida mental:
Nascemos e vivemos mergulhados na cultura da nossa família. Dos amigos, das relações mais contínuas e íntimas, do nosso mundo afetuoso. O outro lado da cultura (cultura, fórmula aquisitiva de técnicas, e não sinônimo de civilização) é a escola, a universidade, bibliotecas, especializações, o currículo profissional, contatos com os grupos e entidades eruditas e que determinam vocabulário e exercício mental diversos do vivido habitualmente. Vivem, numa coexistência harmônica e permanente, as duas forças de nossa vida mental. Potências de incalculável projeção em nós mesmos, o folclore e a cultura letrada, oficial, indispensável, espécie de língua geral para o intercâmbio natural dos níveis da necessidade social. (CASCUDO, 1967, p.18).
O mágico, descrito por Cascudo (1967), nem sempre foi bem aproveitado
pelas famílias nas relações com as crianças. Como foi dito anteriormente, as
condições e concepções de cada família interferiram na maneira como a infância
foi vivida, se como um tempo de “relações mais contínuas e íntimas do nosso
mundo afetuoso” ou como tempo de sofrimento. A fala a seguir foi de uma
professora que viveu em uma família de militares e mostrou como foi crescer
neste ambiente:
Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não sabia nem escrever e meu pai era militar. Então ele era muito duro com agente, muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você tinha que fazer as coisas que ele mandava. Então, a gente tinha medo dele. Então, historia assim nenhuma. A gente teve, nem eu, nem minhas irmãs. (Professora Maria Aparecida)
A Professora Dione também atribuiu a dureza do pai à profissão, porém
um tio assumiu o papel de contador de historia. Mesmo sendo historias de
123
assustar as crianças adoravam ficar com ele. O carinho e o afeto tornaram-se
fatores fundamentais para aqueles sobrinhos:
Meu pai também era militar. Eu acho que é característica de militar. Meu pai era muito durão, mas eu tinha um tio nosso que contava. Eu lembro que ele reunia todos os sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava ouvir. Ele, ele inventava a historia e contava. E todo mundo, a criançada adorava, estava todo mundo sempre em volta dele pra ele contar historia. (Professora Dione)
De acordo com Bettelheim (2007) uma criança, por exemplo, que, a partir
das historias de fadas:
[...] aprendeu a acreditar que o que de início parecia uma personagem repulsiva e ameaçadora pode magicamente se transformar num amigo extremamente adjuvante, está pronta a acreditar que uma criança desconhecida que encontra e teme pode também ser transformada de uma ameaça numa companhia agradável. A crença “na verdade” do conto de fadas lhe dá coragem para não se afastar devido à maneira como esse estranho lhe surge inicialmente. Relembrando como o herói de muitos contos de fadas conseguiu ser bem-sucedida na vida porque ousou se tornar amigo de uma personagem aparentemente desagradável, a criança acredita que pode efetuar a mesma magia. (BETTELHEIM, 2007, p. 73-74)
A substituição dos pais na contação de historias por outros familiares
também foi observada nas narrativas, apresentando diferentes situações que
justificaram, nesta atividade, a ausência dos mesmos.
Talvez esta situação nos remetesse a uma reflexão: a ausência dos pais
ou a presença de parentes na contação de historias nos revelou que nem todo pai
ou mãe sabe ou gosta dessa prática. Poderia ser que na família quem gosta de
fazer isto é um tio ou outro parente próximo, porém há um problema que pode ser
detectado em nossa sociedade: não há mais encontros de família. Então, onde as
crianças encontrariam esses “parentes contadores de historias”?
Como na família, na escola, nem todos gostam de contar historias e
talvez a escola pudesse obter sucesso se aproveitasse os professores com
talento de contar historia para incentivar os pequenos leitores ou ouvintes dos
diversos gêneros de narrativas.
Eu tive bastante contato, não leituras de historias, leitura de contos de fadas porque na realidade, naquela época, os livros eram muito caros, muito difíceis de conseguir. Então, assim, principalmente eu lembro
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muito quando chovia. A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar historias. (Professora Terezinha)
A necessidade de ajudar nas despesas da casa nos deparou com o
trabalho infantil fazendo com que os contos de fadas não tivessem espaço na
dura realidade que emergia de algumas historias de vida.
Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos, então, não tive infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte. Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi. (Professora Edina)
Esta fala apresentou uma situação bastante presente na realidade
brasileira e dos demais países pobres. A necessidade de trabalhar cedo, na
maioria das vezes, obrigaram as pessoas a antecipar sua entrada no mundo do
trabalho, não tiveram também acesso à escola e hoje vivem excluídos de boa
parte dos bens produzidos socialmente, muitos inclusive, dependendo dos
chamados “benefícios sociais” que alavancam candidaturas politicas.
Outro tipo de narrativa presente na historia de vida das professoras foram
as narrativas bíblicas, evidenciando a presença da religião. Famílias diferentes
com narrativas diferentes, em que a presença da religião norteava a vida e a
infância das educadoras conforme o relato abaixo:
Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. Eu acho que a igreja... (Professora Paula)
No caso da Professora Maria Edlene, a igreja proporcionava um espaço
para reproduzir as historias de diferentes maneiras. Ela expressou sua
preferência e contou como transferiu este aprendizado para outras pessoas:
125
Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei como era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as mesmas historias que ela falava pra gente. A historia de Davi, a historia de Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças. O engraçado é que eles contavam em casa, contavam direitinho e depois a mãe vinha me perguntar. Eu achei engraçado, achei interessante e a mãe queria saber da historia. (Professora Maria Edlene)
A Professora Edina ouvia as historias bíblicas e transformava os
personagens em heróis. Talvez tenha descoberto sua profissão ou vocação neste
momento:
Ouvia. Isso tudo que a Paula teve, eu tive. Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E acabei sendo professora. (Professora Edina)
Perpetuaram as historias ao longo do tempo, os valores transmitidos
pelas gerações, foram verificados em uma das famílias demonstrando o carinho e
o afeto entre as descendências:
Minha mãe contava muita historia, que nem o pai da Norma. Principalmente, de terror, Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos. E hoje, todas as historias que ela contou pra mim, ela contava pros meus filhos. Eu não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus filhos. (Maria da Penha)
Em famílias muito numerosas, como as que conhecemos nos
depoimentos, os irmãos mais velhos é que cuidavam dos menores, assim fazendo
o papel de pais e de educadores. Esta situação também é uma realidade em
sociedade como a nossa, em que o estado não dá conta do cuidado e educação
das crianças, cujos pais precisam trabalhar e os irmãos mais velhos assumem
126
esse papel tendo, muitas vezes, que deixar a escola para isso. O relato a seguir
evidenciou esta condição:
Minha infância, como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através deles. Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos. Eu, quando criança, tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas piadinhas, me sentia como o Patinho Feio. (Professora Marcia de Fátima)
Raramente os pais da Professora Maria Edlene conseguiam contar
historias devido o trabalho, porém ao contar falavam de fatos ocorridos com eles
no passado, historias de vida e não contos de fadas que não faziam parte de sua
cultura ou de seu modo de vida:
O mais velho lia gibis, quando a minha mãe não estava cansada, ela ainda conseguia contar historias, mas não assim, de contos, ela contava historia assim do passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, assim, meu pai conta historia muito forte, que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança. (Maria Edlene)
Este tópico revelou as diversas historias de vida influenciada pela família,
que refletiram na infância e ainda trazem recordações e diferentes significados
para a vida adulta. Demonstrou ainda a presença de diferentes narrativas no
processo formativo das educadoras. Essas narrativas estão relacionadas com sua
origem territorial, rural ou urbana, credo religioso, condição social, etc. Reforçou a
ideia de que há no Brasil grande diversidade cultural e apontou a enorme
importância que os educadores precisam ter a respeito das historias que
compõem o universo de cada um.
4.4. Narrativas na formação das professoras
Ao tentar entender a presença dos contos de fadas nos processos
formativos das professoras, deparei-me com uma realidade, que, em certo
sentido, conhecia, mas cuja conceituação ainda não tinha emergido como uma
127
necessidade minha. A expressão contos de fadas de repente deixou de dar conta
de tudo àquilo que as professoras pesquisadas ouviram na infância.
Ao referirem-se à expressão contos de fadas, as professoras mostraram
visões diferentes sobre esse tipo de narrativa:
Eu não tive esse negócio de contos de fadas na minha vida, eu sonhava porque eu ouvia falar. Acho que todo mundo sonha com o príncipe. (Professora Edina)
Mesmo sem contato com os contos de fadas na infância, o relato abaixo
mostrou o encantamento pelo personagem e revelou a contadora de historia.
Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Essa historia do Lobo Mau, essa historia eu acho que é contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir. (Professora Maria Aparecida)
A narrativa da professora, a seguir, demonstrou que ela desejava uma
explicação do contexto, o que era e de onde vinha. Isso pode ser feito nos cursos
de formação. Um bom exemplo de contação de historia é Chicó, personagem do
Auto da Compadecida, de Suassuna (2005), quando alguém solicita alguma
resposta que ele não sabe explicar, responde: “não sei só sei que foi assim”.
E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde vinha esse Lobo Mau. (Professora Tereza)
Há pessoas que adaptaram os contos de fadas: professores, pais e a
indústria cultural. Os contos de fadas ou narrativas, como toda a obra de arte,
historicamente foi manipulada para fins educativos ou comerciais. As adaptações
podem melhorar ou piorar essas narrativas, depende de quem patrocinou ou de
quem os analisou:
128
É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra encontrou o príncipe que gostou dela. Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro. (Professora Sueli)
Esta fala evidenciou o conto de fadas como uma obra aberta, segundo
Eco, isto é, passível de interpretações diferentes. Com a ideia de “obra aberta”
Eco (2005), aponta para a tensão entre fidelidade e liberdade interpretativa:
As obras de arte teriam como característica a ambiguidade e a auto reflexibilidade, de tal maneira que, ainda que tomando uma forma fechada como um organismo equilibrado, “é também aberta, isto é, passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração em sua irreproduzível singularidade”. (ECO, 2005, p. 40)
As historias sempre passam valores. As historias clássicas permitem às
crianças um processo de elaboração que contribui com o seu desenvolvimento
intelectual, as adaptações geralmente para atingirem objetivos mais imediatos
buscam destacar os valores que desejam impor às crianças. Desta forma o
potencial da historia é reduzido:
Sabe o que é legal no Shrek, pensando no estudo, porque o Shrek mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem eles se divertindo, tem isso também, eles serem felizes para sempre sem ter o dinheiro ou ser bonito. (Professora Paula)
Historias deste tipo, geralmente, buscaram intertextualidade com os
clássicos e acabou mostrando para as pessoas apenas aquilo que elas queriam
ouvir, uma espécie de consolo diante da exclusão social em função da pessoa
129
não se enquadrar no padrão de beleza estabelecido. Os feios também poderiam
ser felizes e divertidos.
Os contos de fadas sempre trabalharam valores que deveriam organizar a
vida e também preparar para os percalços dela como mostrou a fala seguinte:
E o bom desse conto “A Princesa e o Sapo” é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. Tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a gente era criança, a gente não entendia. E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. (Professora Maria Edlene)
De fato, perda e morte são dois percalços da vida muito trabalhados nas
narrativas que fazem parte de cada cultura. Nas sociedades mais simples, a
transmissão de valores para a vida e a preparação para enfrentar seus desafios
era feito na família, na escola e na rua, quando ainda se podia brincar nas ruas.
Hoje esses espaços passam por grandes dificuldades em função da crise
de valores presentes na sociedade e vem ficando apenas para a escola a tarefa
de transmissão desses valores, sobretudo nos ambientes mais precários e de alta
vulnerabilidade social. Ao refletir sobre a educação na metrópole, Silva (2008) faz
referência a esta situação:
O educador vê acrescido ao seu anterior trabalho de mediador para o conhecimento o de formador de identidade, o que implica em transmitir significados, valores e propostas de vida. Enfim, há de se superar a mera informação para atingir-se a formação. (SILVA, 2008, p.23)
As narrativas, de maneira geral, apresentaram a disputa entre o bem e o
mal. Nas narrativas das professoras foi possível observar personagens
identificadas com o mal. Neste caso, os personagens que representavam o mal
mais citado foram:
a) O homem do saco:
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Era só o homem do saco, não tinha bruxa ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar. Era mais folclore que os avós falavam. (Professora Walkíra)
Embora certas personagens representem o mal na historia, as crianças
podem gostar delas, como mostrou a fala seguinte, onde a professora revelou sua
paixão pela bruxa:
Na contação de historia, eu vou apresentar uma personagem, que é a bruxa, pois eu sou apaixonada pelos vilões. A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. Eu lembro até que quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha cabeça, será que a bruxa morava ali. Eu também tinha no meu quarto os anões, todos os anões com a Branca de Neve e a bruxa como madrasta e a bruxa transformada como aquela velhinha. Eu adoro representá-la na contação de historias para as crianças e ser a bruxa pra mim é o máximo, porque eu sinto que aquele prazer do meu imaginário, você também sente a me ver como bruxa? (Professora Silvia)
Eis aqui um mistério, por que as crianças gostam de historias que causam
medo? E não são as crianças apenas, há adultos que vão à parques participar de
sessões cuja finalidade exclusiva é assustar, como é o caso das noites do Terror
do Play Center ou Hopi Hari:
. O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem. Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer. (Professora Dione)
Segundo Furlanetto (2007), os monstros representam papéis importantes
nas historias de vida e nos ajudam a transpor o medo:
Os monstros aparecem e ao dialogarmos com Chevalier e Gheerbrant (1998) para ampliar este símbolo, vemos que eles assumem o papel de guardiões do tesouro. Representam as dificuldades, os desafios que devem ser enfrentados e superados para se ter acesso a um tesouro material ou espiritual. O monstro apresenta-se para provocar a dominação do medo, a capacidade para enfrentar desafios, o heroísmo. (FURLANETTO, 2007, p.64-65)
131
A Professora Simone em sua prática diária vivenciou este fato, afirmando
que as crianças gostam da sensação do medo:
A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. (Professora Simone)
Segundo Silva (2005, p.82), a capacidade de perseguir valores demonstra
ser o homem dotado da possiblidade de transcender o dado imediato. Este
homem é capaz de distinguir entre um bem e um mal e entre bens equivalentes
entre si. Nos relatos abaixo, as educadoras comentaram seus medos e o
encantamento pelo mistério:
Minha mãe contava muita historia, que nem o pai da Norma. Principalmente, de terror, principalmente quando era Semana Santa, pra gente, principalmente as historias das saídas. Que a gente não podia sair na Sexta-feira Santa na rua e a gente era assim, porque a gente também era muito pobre e não tinha luz. (Professora Maria da Penha)
As historias de medo estiveram presentes na formação das professoras e
elas notaram a fascinação das crianças por esse tipo de narrativa:
E também historias de assombrar. A gente tinha o homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos. Então, era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com você. Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo. (Professora Sueli)
Olha que coisa assustadora ser abordado pelo vulto da noite. E essa era
uma ameaça a quem fizesse travessura e, sobretudo, desrespeitasse os mais
velhos. A fala a seguir mostrou o uso educativo destas narrativas e seus
personagens:
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Criança era criança e acabou. Elas tinham que ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a gente sentisse das historias era o momento que você estava perto. Era o momento que você tinha a tia perto, você tinha o pai perto. Então, pra você não tinha problema que você ia ter medo, mas pelo menos eles estavam perto de você. (Professora Terezinha)
Mas será que nesta expressão da professora “criança era criança e
acabou”, ser criança era o que entendemos hoje por ser criança? A frase seguinte
permitiu inferir que a criança tinha que ficar em um lugar que, sobretudo, não
atrapalhasse os adultos. Por que a proteção de quem estava perto dependia do
comportamento da criança.
. Para Kehl (2006, p.17), as crianças procuram o medo. As historias infantis
incluem sempre elementos assustadores que ensinam os pequenos a conhecer e
enfrentar o medo. Curiosos e excitados, os pequenos exigem que os adultos
repitam várias vezes as passagens mais amedrontadoras das narrativas:
O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem. Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer. (Professora Dione)
Por outra ótica, as professoras envolvidas fizeram a relação dos contos
de fadas com momentos atuais de sua vida, tanto no âmbito pessoal como no
profissional. As historias citadas foram:
a) Peter Pan:
Atualmente eu acho que eu me encaixo nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque minha vida teve uns altos e baixos, realmente ficou meio complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha, é porque eu era casada, tinha meu marido, veio a minha separação e ficou tudo nas minhas costas. (Professora Ana Maria)
Mesmo na idade adulta, as historias ajudaram a compreender a vida.
Esse é um aspecto interessante das narrativas, ajudar a entender a vida. Quando
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se é criança esse processo talvez se revista de magia. Na idade adulta, de
realismo, entender a vida pareceu ser um dos valores das narrativas.
Neste processo de utilizar as historias para entender a própria vida, as
pessoas também fizeram suas leituras das historias, como foi o caso da narrativa
a seguir, onde a professora considerou Chapeuzinho Vermelho como alguém
medrosa e que gostava de ajudar os outros.
b) Chapeuzinho Vermelho:
Eu me vejo como Chapeuzinho Vermelho, porque eu gosto de ajudar todo mundo, mas ao mesmo tempo eu sou muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. (Professora Maria Aparecida)
O mesmo pode ser visto na fala seguinte. A personagem ajudou a
compreender a vida, sempre marcando as perdas e as decepções, no caso dos
adultos.
No caso das crianças, a identificação com o lado mais difícil da vida,
parece ter pouco espaço porque a fantasia é o que as mobiliza:
c) A Princesa e o Sapo:
Eu sou a Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Aí encontrei o sapo que virou príncipe. Eu acho a nossa historia um pouco parecida, eu trago a historia da Tiana porque também houve muitas perdas na minha família e teve isso também na historia. (Professora Maria Edlene)
A concepção de Furlanetto (2007, p. 48) no tocante à retomada da
trajetória de vida, das ações e escolhas de cada pessoa também teve espaço em
um dos relatos feitos pelas educadoras:
O educador, ao entrar em contato com sua trajetória, está de certa forma buscando, em sua vida, em suas experiências, o que Jung buscava nos sonhos de seus pacientes: tomar consciência do plano que vem permeando suas ações. Ao retomar sua historia de vida, percebe que ela
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não é um conjunto de ações e escolhas desconexas, mas que existe um projeto sendo desenvolvido. Não significa uma volta saudosa ao passado, mas uma apropriação da vida para dela participar de forma mais consciente. (FURLANETTO, 2007, p.48)
Durante um dos encontros, as professoras se detiveram na análise da
historia “A Princesa e o Sapo” por apresentar em seu conteúdo uma princesa
negra, discutindo assim o racismo e outras questões de moral e ética pela
interpretação desse conto. Procuraram buscar outros elementos para,
posteriormente, utilizá-los nas atividades com as crianças. O diálogo foi transcrito
na íntegra para que nenhum detalhe fosse omitido:
Professora Márcia Polessi – Então, a gente está aqui numa época muito valiosa. Temos a mídia e a informática. Professora Eliana - Em relação aos contos de fadas, o que você acha Sueli, da “Princesa e o Sapo”, que trouxe a princesa negra? Professora Sueli – Ótimo! Professora Eliana – Você encara como preconceito ou valorização do negro? Professora Sueli – Não, eu encaro, não digo valorização, mas eu acho por que as princesas só tinham que ser branquinhas e loirinhas? Professora Márcia Polessi – Por que não incluir aí a oriental? Professora Edlene – Tem a Mulan. Legal Sueli! Só que eu estava lendo uma reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar, trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar princesa. Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado, eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra e ela é linda? Professora Sueli – Então, pra mim, eu entendo assim, que nem você falou até a autocrítica desse americano. Só que eu acho assim. É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou dela. É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele a conheceu, que ela falava muito em
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trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele. Professora Sueli – Então, quer dizer, independente dela ser negra e pobre, ela ensinou valores pra ele. Que um príncipe branco e rico não tinha, nunca teve, nunca aprendeu. Você entra naquela historia, que nem a gente fala, aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral, que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá pra ele, ele nunca vai dar valor moral. Professora Edlene – E o bom desse conto é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. E a gente se volta quando a gente era criança, a gente não entendia. Professora Sueli – E através desse conto de fada, o que a pessoa faz, você consegue mostrar valores, perdas, quer dizer ensinar que você... Professora Márcia Polessi – Respeito. Professora Sueli – Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro. Professora Edlene – E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado. Professora Sueli – Mas porque na historia do conto de fada, o “Way” já não via a morte com medo, ele já via a morte... Professora Edlene – Ele era apaixonado. Professora Sueli – Eu vou encontrar a Evangeline, aquilo ali pra ele, se ele morresse estava tudo bem, porque ele falava assim. Que ele tinha sempre aquela esperança que do outro lado ele ia encontrar e outros problemas que a gente não consegue. Professora Márcia Polessi – E a gente também trabalha a religião e o respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também. É muito bom esse conto. Professora Sueli – E isso que eu estou falando, às vezes, a pessoa vê o conto e como fala? Professora Edlene – Não vai além. Professora Sueli – Não vai além, não se aprofunda você tem que ler e se aprofundar e conseguir. Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em um conto só quantas coisas pra trabalhar. Professora Edlene – E ainda se a gente for ver tem mais coisa nesse conto.
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As professoras falaram de contos de fadas, ainda confundindo este
conceito, comentaram especialmente do desenho animado “A Princesa e o Sapo”,
porém sendo uma produção dos estúdios Disney, faz parte da indústria cultural e
foi adaptado para ser veiculado na mídia. No caso desta adaptação, a palavra
perda assumiu um papel bem diferente do tradicional, a perda pode ser alcançar
um objetivo inatingível em que a esperança não deixa de existir.
4.5. Folclore e formação
O folclore brasileiro traz elementos variados da cultura popular. Foram,
algumas vezes, esquecidos pelos contadores de historia ou pelas professoras nas
atividades. Entretanto, muitas das educadoras ouvidas, cresceram em cidades
pequenas, no interior do Brasil. Pudemos, então, perceber a importância do
folclore em sua infância, já que os personagens que participaram delas de forma
real foram: o Saci Pererê, o Lobisomem, o Lampião e seu bando entre outros. O
imaginário mesclou-se ao real para transformar-se em historia, em lenda.
O folclore brasileiro também apareceu na formação das professoras. Ao
falarem também das narrativas que marcaram suas vidas, aparecem referências a
personagens do folclore que se misturam a personagens da vida real que
passaram a fazer parte do folclore, como é o caso de Lampião, citado na fala
seguinte:
a) Lampião:
Isso é verdade, o meu pai, ele contava uma historia pra gente que ele vivenciou. Ele disse que ele tinha oito anos e enquanto o meu avô chegava da roça com a minha avó, ele ficou numa pedra esperando eles chegarem, que ele não queria ficar lá dentro sozinho. Aí, de repente, apareceu Lampião e toda a sua tropa. Nossa, a gente viajava com ele contando isso! Todo dia eu pedia e ele contava. E o engraçado que ele contava vivenciando como se ele fosse e ele imitava o tom da voz, tudo ele imitava até o barulho dos cavalos chegando. Aí ele falava assim que o, que o Lampião chegou na casa dessa mulher e perguntou pra ela, se ela tinha alimento pra dar pra todo mundo e se ela tinha preparado o almoço que desse pra todo mundo. E tinha que ter. Aí meu pai falou que todos se sentaram entorno da casa da mulher muito
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pobre e foram comer. Quando, de repente, um da tropa do Lampião falou assim: Tá muito salgado esse feijão! Aí Lampião mandou a mulher buscar e perguntou pra ela quanto punhado de sal ela tinha colocado no feijão. Ela falou que tinha colocado a medida de uma mão. Aí, então, o Lampião falou: Então agora a senhora vai lá buscar três cabaças, que era aquela de medir feijão, e pega três cabaças de sal e traz porque ele vai comer tudo. Meu pai falava como se o Lampião fosse um campeão, imagine, mas ele falava isso. Aí o que o Lampião fez, acabou fazendo o homem comer as três cabaças. O homem morreu na hora, ficou muito inchado, muito feio. Aí, na hora, meu pai ficou com medo, ficou assustado. Aí, ele chamou meu pai, falou pra ele não se assustar. Mas falou assim que era pra aprender que se tinham chegado até ali e aquela mulher tinha preparado de bom coração a comida pra todos tinha que comer calado, não tinha que reclamar. (Professora Maria Edlene)
b) Lobisomem: é uma figura do folclore que apareceu entre as
narrativas que fizeram parte da infância das professoras. O relato a seguir
falou de uma historia muito ouvida pelas crianças de algumas regiões do
Brasil, sobretudo da Região Nordeste:
Uma noite, diz que toda semana sumia galinha do vizinho, sumia, sumia, sumia e o meu avô ficou esperando pra saber aquela noite porque que sumia a galinha do vizinho. E diz que um dia apareceu um cachorro muito grande e meu avô foi pra cima do cachorro. Bateu no cachorro, pôs fogo no cachorro e no dia seguinte, o vizinho apareceu todo machucado e queimado. E eles deduziram, naquela época, que o cachorro, que o vizinho era o lobisomem. (Professora Maria da Penha)
c) Saci Pererê: é outra personagem presente em nossa cultura e suas
conhecidas peripécias são também citadas na fala seguinte:
Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto que ele imaginava. E ele naquele pó do rodamoinho que aparecia o Saci. E ele dizia que o Saci montava o cavalo, fazia trança no rabo do cavalo e ele falava de um jeito que parece que ele mesmo tava acreditando. Então, a gente ficava assim muito empolgada e fazendo aquelas criações na cabeça da gente mesmo. (Professora Norma)
O desenvolvimento da Indústria Cultural proporcionou a difusão e a
popularização dos contos de fadas, isso é, promoveu adaptações para adequá-los
aos diferentes mercados. Alcançando todos os tipos de público, os que tem
acesso à leitura ou não. Os desenhos e filmes animados não excluíram a leitura
dos clássicos, já que são veiculados na televisão e no cinema em diferentes
138
versões. Os educadores deveriam promover o acesso aos clássicos de modo a
levar às crianças a conhecerem os mesmos e a entenderem o processo de
manipulação.
4.6. A Televisão e a formação docente
A pesquisa revelou que vivemos em uma sociedade onde as mídias –
enquanto veículo de indústria cultural – exerce cada vez mais o papel de
mediadora entre as narrativas e as crianças. Essa situação tem trazido perdas e
ganhos. Essa mediação das novas tecnologias nos processos formativos
apareceu na fala das professoras, como veremos a seguir:
Depois, quando eu já estava um pouco maiorzinha, lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e o Vagabundo”. Um livro que não tinha praticamente ilustração nenhuma, só a capa com um pequeno desenho da Dama e o Vagabundo. Assim, a cada mudança de capítulo, eu queria muito aprender a ler pra poder ler aquele livrinho que foi o meu primeiro livrinho. Demorei pra ler porque eram muitas letras, foi um livro que guardei com muito carinho. Depois, quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo. (professora Silvia)
A presença da indústria cultural nos processos formativos das professoras
se fez notar nas falas da professora Silvia citada anteriormente e também na fala
da professora colocada a seguir:
Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro, não foram através de leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu conto de fadas preferido, assistia todos, mas Cinderela era o que mais gostava. E aí assim, eu por conta, buscava livro em biblioteca emprestado pra ler. Na minha infância, na verdade adolescência, o que mais me marcou foi o vídeo da “Cinderela”. (Professora Paula)
Dentre os meios de comunicação, a televisão apareceu nas falas das
professoras como principal mediadora entre elas e os contos de fadas.
Em uma cidade marcada pela violência e em que as crianças precisam
ficar em casas fechadas, a televisão passou a ser um meio de garantir que as
crianças não atrapalhassem os afazeres daqueles que delas quando não estão na
139
escola. Essa situação apareceu de maneira expressiva na fala das professoras
como veremos nos trechos seguintes:
Eu não lembro quando eu era criança de algum professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de fadas através da televisão. Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar historias, nenhum, nenhum. (Professora Eliana)
A televisão que por um lado substituiu o velho hábito das famílias de contar
historias, por outro, acabou levando às crianças a escaparem de certas práticas
autoritárias de determinados pais como mostrou a fala a seguir:
.
Quando a gente lia alguma coisa que ele não gostava, a gente lia escondida debaixo do lençol. Na hora de dormir, a gente acendia uma lanterninha e começava a ler debaixo da coberta pra ele não ver. Mas na minha cabeça, eu sempre tive vontade de ler. Acho que por ser privada disso, eu tenho vontade de conhecer, a gente lia Manchete. A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 1969, foi mais ou menos quando a minha mãe adquiriu um aparelho de tevê. Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. (Professora Edina)
Valeu destacar a presença da tevê Cultura neste processo. Por ser uma
emissora estatal e ter assumido uma linha de produzir ou reproduzir programas
educativos, a tevê Cultura apareceu como uma alternativa para aqueles que não
podiam ficar sem a televisão e que desejavam para seus filhos programas menos
voltados para o consumismo:
E assim, ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito. Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava: fantoche, a historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles passavam. (Professora Maria da Penha)
Essa presença da tevê Cultura na formação das professoras foi uma
descoberta importante da pesquisa. É importante destacar que as mídias nem
sempre são ruins e que dependendo dos objetivos de quem faz pode oferecer
bons programas, como mostrou a fala seguinte:
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É ele fazia a criança viajar pra outro universo. O universo da imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor, entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio. (Professora Sueli)
Frequentemente, se faz uma crítica generalizada à televisão, mas pelo
que experimentaram as professoras, a presença da televisão nem sempre é
prejudicial. É possível se fazer programas que contribuem para o
desenvolvimento da criança a partir do uso da imaginação.
Outro meio de comunicação citado pelas professoras em seus processos
formativos foi o gibi, tendo contribuído inclusive para o processo de alfabetização:
Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e escrevia tudo, eu tenho uma tia que é pedagoga, que ela não acreditava. Então, ela ficava forçando eu tentar ler as coisas e eu lia praticamente tudo. Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar. (Professora Paula)
A professora Márcia também destacou a presença do gibi em sua vida,
inclusive atribuiu à leitura deste veiculo a sua rápida alfabetização:
.
A minha historia acho que é diferente de todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim. Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo). E olha já faz um tempinho e ele vinha com gibis pra mim e pro meu irmão. Do Cebolinha pra mim e pro meu irmão acho que era do Cascão que vendia separadamente. E eu dizia: - Olha mamãe! Eu sei ler. Olha pegou o coelhinho do Sansão. A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco contato e eu me lembro que isso foi marcante. Que um gibi que a gente não dá valor, que começou a me alfabetizar. (Professora Márcia Polessi)
Como vemos, a mídia quer por meio da televisão ou de outros veículos,
marcou presença como mediadora entre as narrativas e a formação das
professoras.
141
4.7. Os contos clássicos e a formação
Os contos clássicos, motivo inicial deste trabalho, inspiraram não só a
minha infância como a de outras colegas. A fala a seguir mostrou a presença
também destes contos na formação das professoras:
E também assim, eu tinha um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu sempre lia, né. Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos. (Professora Maria da Penha)
A identificação com princesas, fadas, príncipes e heróis, participaram da
infância e da adolescência de algumas educadoras:
Tinha esses projetos de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos. Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade, uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula. Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. E eu tinha muito interesse pelos clássicos. (Professora Cecília)
Em sua fala, a professora destacou a importância do envolvimento do
educador com os projetos de leitura no sentido de envolver os alunos.
A professora que tem um projeto, tem alternativas e possibilidades como
observaremos na fala seguinte:
Busquei vários portadores da mesma historia: livros diversos, DVDs, historias só falada. A gente acabou construindo o gigante, o pente do gigante. A gente trabalhou o tridimensional com eles e eles sempre trabalhando junto e uma coisa que eu achei que iria ser simples, que era o trabalho da horta partindo de “João e o Pé de Feijão” se tornou uma coisa muito mais grandiosa. Foi fazer o gigante, foi esmiuçar cada vez mais a historia. Ver que existiam versões diferentes para a mesma historia, tinha historia que o gigante era bem malvado e tinha historia que o gigante não era tão malvado. Foi muito legal porque foi um conto de fadas que eu tenho certeza que marcou não só a minha vida, mas marcou a vida dos meus alunos. Tudo pela leitura. (Professora Paula)
Ao discutir os contos de fadas, valeu destacar que as professoras falaram
muito em Monteiro Lobato, autor que dedicou parte de sua vida à literatura para
criança, buscando construir um universo infantil ambientado na realidade
142
brasileira. Segundo Lobato (1948): "Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro
sonhamos, depois fazemos." Contista, ensaísta e tradutor, Monteiro Lobato,
tornou-se também editor, passando a editar livros também no Brasil e implantou
uma série de renovações nos livros didáticos e infantis. Este notável escritor é
bastante conhecido entre as crianças, pois se dedicou a um estilo de escrita com
linguagem simples onde realidade e fantasia estão lado a lado. Este autor foi
mencionado por várias educadoras tanto na infância quanto na docência:
Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã. A gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Ficava uma na ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Pica-pau à tarde inteira, passava na Globo. Não lembro que canal e a gente ficava assistindo. Meu pai chegava às três horas, almoçava e a gente almoçava junto com ele, porque sentia o cheiro maravilhoso. Então, a gente almoçava e nessa, eu queria saber por que contos de fadas só é aquele que no caso é internacional. Não é daqui e por que a Emília traz a imaginação? A Emília é uma boneca que fala, uma boneca costurada pela avó pro neto. Como os nossos avós e a criança usa a imaginação? E os contos de fadas faz isso? Só que ele é internacional e a Emília é brasileira. Por que não pode ser a Emília, contos de fadas também. (Professora Márcia de Fátima)
As historias do Sítio do Pica-pau Amarelo e seus personagens, foram
lembradas pelas educadoras ao falarem dos contos de fadas, revelando o valor
que reconhecem na obra deste autor:
Aí, no caso, seria assim, vamos supor, a literatura em si não reconhece o Sítio do Pica-pau, só porque... Ele é brasileiro e vê ele como uma historia folclórica e não como conto de fada. Porque na verdade ele vem como se fosse um conto popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional, porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o Sítio do Pica-pau Amarelo? (Professora Sueli)
Monteiro Lobato relatou nossa cultura, nossas paisagens, lugares reais
onde as crianças poderiam encontrar vários personagens folclóricos:
Eu estava aqui pensando que uma coisa que me identificava um pouco comigo é a historia que envolve a Narizinho, o Visconde de Sabugosa, o Saci Pererê. Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia
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Anastácia, conversar com a Narizinho, ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo. Porém, a realidade não é estar dentro do Sítio do Pica-pau Amarelo. Porém, a realidade é outra, a minha realidade não é estar dentro do Sitio do Pica-pau Amarelo. Eu estou bem fora, mas eu me identifico, hoje me identifico um pouco com a história do Sítio do Pica-pau de Monteiro Lobato. Que é uma coisa que lá atrás que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá atrás quando eu estava na sala de aula eu me lembro, eu fiz uma dinâmica, com o grupo de crianças da minha sala, crianças de cinco anos na época em que eu levei as crianças para o sitio numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi junto com as crianças e eu não me esqueço desse episódio. (Professora Tereza)
As professoras compararam a obra de Monteiro Lobato com os contos de
fadas pelo fato de ambas trabalharem a imaginação, o que permitiu a
identificação dos pequenos, tornando as historia possíveis, reais:
Então, mas só que eu falo assim, em questão de contos de fadas e folclore também trabalha a imaginação. Por que, existe o príncipe? Então, eu estou falando a comparação, porque na minha infância como eu já havia falado não tinha contos de fada, não tinha historia da Chapeuzinho Vermelho. Não tinha historia dos outros, Branca de Neve, os padrões, o que é contos de fadas pra todo mundo, é esse aí, pronto e acabou. O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do Pica-pau Amarelo, porque me fazia imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e tinha os sapos, todas as personagens de uma historia de contos de fadas. (Professora Márcia de Fátima)
Através do relato da Professora Norma, verificou-se o quanto foi
importante à descoberta do papel das historias em sua vida e no seu trabalho. E o
arrependimento por não ter registrado as historias que o pai contava, já que
muitas se perderam com o passar do tempo.
Então, pena que a historia entrou tão tarde em minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante vinte e dois anos e a historia entrou tão tarde. É muito enriquecedor trabalhar com historia. Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: - Você viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os registros. Foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu Deus! Essas historias dariam pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa ideia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar. (Professora Norma)
A vida cotidiana, marcada pela rotina, muitas vezes, nos faz duvidar da
presença dos contos de fadas. A vida é um constante ir e vir, um fluir e refluir,
144
pode ser que a ideia de “um final feliz” seja ideológica. Porém, os finais felizes,
para algumas pessoas, existem, mas tem que conviver com o trabalho, os
afazeres domésticos, as dívidas, o trânsito.
Duas professoras, no quinto encontro, refletiram sobre este assunto:
A vida não é só Conto de Fadas. (Professora Maria Lúcia)
É um Conto de Fadas, só que todos tem que trabalhar, todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre. (Professora Sueli)
Um ponto importante da pesquisa foi perceber que retomar a própria
historia é um aspecto importante no processo de formação das professoras e que
estes momentos de revisitação do vivido, precisam ser constantemente
retomados.
Essa situação encaminhou para a reflexão sobre algumas ações de
formação identificadas no desenvolvimento da pesquisa e que serão
apresentadas no próximo tópico.
4.8. Formação docente
A questão da formação tem sido tema frequente nos diversos espaços
onde se fala da atuação docente. Embora muito se fale em formação do
professor, pouco se tem conseguido em termos de construção uma definição
deste conceito que seja aceita por todos.
Nas falas das professoras que participaram da pesquisa também
apareceram diferentes visões do que seja formação e cada uma destas visões
parece relacionar-se com a prática desenvolvida individualmente em sala de aula.
Para entender o conceito formação, utilizei o citado por Furlanetto (2007)
para designar os significados desta palavra:
Há dois caminhos contidos na própria palavra. O primeiro deles pode emergir da ideia de forma. Nessa perspectiva, pode-se pensar em formação como um processo de “enformar” o professor, um processo mais comprometido com o reprimir, com o imprimir [...]. Por outro lado, o mesmo conceito pode nos remeter a palavra forma. Resgatando esse
145
novo significado, podendo pensar em um movimento de formação que permita ao professor buscar os próprios contornos, aqueles que possibilitem sua expressão. (FURLANETTO, 2007, p.25)
A formação docente seguiu um processo diferente na vida de cada
educadora. Algumas sentiram essa “vocação” desde muito cedo, como no meu
caso, outras tentaram outras profissões e depois se depararam com a docência.
A fala da professora a seguir, expressou sua “vocação” para ser
professora:
Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E acabei sendo professora. Eu já fazia curso desde pequena pra ser professora. (Professora Edina)
O relato da professora a seguir demonstrou que ela trabalhava em outra
profissão, mas teve de optar entre ficar mais tempo com o filho pequeno ou
abraçar uma carreira que exigisse mais horas de trabalho fora de casa:
Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na Helena Rubbinstein de consultora de beleza. Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém... Certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu tinha que pensar nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme porque você vai voltar. (Professora Noelina)
Os relatos, principalmente do quarto e quinto encontros do grupo de
formação apontaram para uma dificuldade que ainda atualmente encontramos. Os
professores entraram e entram na sala sem experiência, assim como em todas as
profissões, porém, neste caso, lidam com crianças pequenas que necessitam de
muita atenção e cuidados especiais. Na maioria dos casos, os professores de
Educação Infantil tinham a vivência de cuidar dos filhos ou sobrinhos, porém
perceberam a diferença de função quando estavam na gestão de uma sala com
crianças de diferentes procedências.
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Podemos fazer um paralelo entre o médico e o professor no sentido do
estágio supervisionado. O médico, na residência, tem o acompanhamento de
professores e não atendem pacientes sem orientação do preceptor. Os casos
clínicos são discutidos com os residentes e explicado o porquê de um
procedimento ou outro.
O nosso estágio supervisionado é bem diferente da residência médica. As
unidades e sistemas de ensino não se prepararam para atender o estagiário e o
estágio acaba sendo uma maneira de complementar a carga horária sem custo ou
com menos custo para a instituição de ensino.
Neste sentido, a pesquisa apontou para a necessidade de se repensar o
estágio, de se pensar uma forma de incentivo às escolas para que elaborem
projetos educacionais que envolvam estagiários.
No caso das professoras que entraram na Prefeitura Municipal de São
Paulo na década de 1980, em seus depoimentos afirmaram que vieram de
diversas profissões, porém sem noção da profissão docente. O mais
impressionante é que foram pessoas que chegaram à Educação Infantil por
diferentes motivos, mesmo sem nunca ter a intenção de ser professora.
Essa situação revelou que pessoas sem qualificação profissional ou
formação cuidavam e educavam crianças pequenas mesmo não conhecendo as
teorias e sem ter práticas pedagógicas para trabalhar com as crianças. A carreira
do magistério parecia mais fácil, mais tranquila e que qualquer pessoa poderia
desenvolver a atividade docente.
A Professora Tereza procurou a prefeitura por causa do salário que era
bem melhor do que o que recebia como recepcionista:
Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo. Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já perguntava: - Como que faz pra entrar na prefeitura? Como que faz? Tamanha era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança. Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, me mandaram fazer a provinha de ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei, mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do filho do outro. Eu não tinha noção de nada.[...] Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças começaram a chegar e nós estávamos aqui, doidas pra tomar conta das crianças. Era um tomar conta das crianças que nem mãe.
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Olhava a cabeça se tinha piolho, se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda, naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo. Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo, da Chapeuzinho Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção, não havia uma reflexão, não havia nada disso.(Professora Tereza)
Esta fala mostrou um pouco do significado da transferência das creches da
assistência social para a educação. Hoje, para assumir uma sala de aula, em
qualquer escola legalizada, precisa ser professor, precisa ter formação como
professor. É possível questionar a qualidade da formação inicial, mas ela precisa
existir.
A Professora Walkíria era telefonista e estudava à noite. Ela foi avisada do
concurso e mesmo sem experiência com criança ela tentou:
Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e estudava à noite. A minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me arrisquei e fui. Não sabia nada de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer. Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos. Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança. Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não. (Professora Walkíria)
Valeu destacar nesta fala algo que também está nas demais, as
professoras são de origem pobre, entraram na educação porque parecia ser uma
área que exigia menos. Essa situação faz com que a docência, sobretudo na
escola pública, seja cada vez mais definida como uma profissão de ascensão.
As falas de todas destacaram o fato de terem começado a lidar com
crianças sem ter noção sobre o que era esse serviço, como reitera o trecho
seguinte:
148
Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós fomos pra lá e eu entrei no estágio. Eram dezoito crianças pra gente, foi que nem pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer só que naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar banho e ia pra mesa. Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças. Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei já era meio período. Então, em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho. Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o banho também foi tirando, foi diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche, era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança. (Professora Maria da Penha)
A definição da educação básica a partir dos zero ano criou instrumentos
legais para que esta questão fosse superada, isto é, instituiu a exigência de
formação específica para o exercício da profissão docente. Contudo os cursos de
formação continuam precários, os estágios como atividades de faz de conta e que
pouco de positivo acrescentam aos estudantes.
A mesma professora apontou a importância do curso ADI Magistério, no
sentido de melhorar essa situação, proporcionando aos professores instrumentos
para atuarem com as crianças pequenas.
Com o tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós aprendemos a importância de contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado. Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a criança almoçou, jantou e acabou o dia. Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI Magistério, a importância
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de um desenho com grafite, qual a importância de desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele desenho. Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e eles contavam pra gente o que significava o desenho e a gente passou a ouvir as crianças também nesse sentido. Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também foram chegando pra escola e a gente foi aprendendo, mas no começo foi muito difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar a gente. (Professora Maria da Penha)
Valeu ressaltar que este curso, contudo, foi concebido e oferecido para
suprir essa necessidade de formação inicial daqueles profissionais que
trabalhavam com as crianças, quando estas eram ainda atendidas pela
assistência social.
4.9. A escola
O grupo familiar, durante um bom tempo, era o responsável pela
educação dos filhos. Essa era uma crença tão arraigada, que até hoje ainda é
frequente a expressão: “A educação vem de casa!” ou “Filho de peixe, peixinho
é!” entre outras que expressam essa concepção que atribui à família toda a
responsabilidade pela educação.
A constituição de 1988, no seu artigo 205, ampliou o universo de
responsáveis pela educação das crianças e envolveu também o estado e a
sociedade, sendo que colocou o estado como primeiro responsável.
Essa situação tem colocado para a escola cada vez mais a
responsabilidade de cuidar e educar as crianças. Uma das ferramentas com a
qual a escola contou são as narrativas que antes não eram valorizadas na escola
fundamental, como se pode perceber na fala a seguir:
Ah, eu também, na minha infância, a minha mãe teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com os filhos e contar pra mim não teve isso não. Só comecei a ter contato com historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era importante, eu lia muito, gostava de ler, mas na infância em si não tive contato nenhum. (Professora Ana Maria)
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Durante muito tempo a escola foi um espaço destinado à elite, que ouvia
historias de seus pais e empregados, sobretudo dos empregados que iam para a
escola aprender a ler, escrever e contar. Não se atribuía à escola à função de
inserir as crianças pequenas na cultura porque isso era feita pela família.
As creches eram destinadas a atender crianças, cujos pais trabalhavam e
não tinham com quem deixar. As falas das professoras deixaram bem claras essa
situação.
Assim, ouvir historia na escola não era uma realidade, como mostrou a
fala da professora Sueli:
Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de fadas. (Professora Sueli)
Na escola, as crianças, muitas vezes, vivem experiências que deixam
marcas profundas, uma vez que, o professor por distinção ou no cumprimento das
atividades diárias pode elevar o profissional e deixar de observar às necessidades
individuais dos alunos, que, muitas vezes, podem ser resolvidas com um gesto de
carinho ou um pouco mais de atenção:
Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito. (Professora Edina)
Para o professor, às vezes, o que é um problema ou uma situação simples
e fácil de resolver, para a criança é um “momento charneira”, um momento que
ela nunca vai esquecer porque foi significativo, nem sempre positivo, porém
marcante em sua historia de vida. É um momento de grande preocupação e
sofrimento e a atenção ou desprezo recebido nunca serão esquecidos, como
mostrou o trecho seguinte:
151
Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria. Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. (Professora Terezinha)
A postura autoritária de alguns professores afastaram o aluno que se
amedrontou diante dele, não esclarecendo as dúvidas ou questionando os
ensinamentos e, sobretudo, não considerando suas angústias ou esperanças:
Nós viemos de uma educação que o professor falava: - Pinta aqui desenha uma casa. (Professora Simone)
Entretanto, outros educadores cativaram seus alunos sendo
simplesmente acolhedores e carinhosos:
Cursei de novo a 1ª série e tive uma professora excelente, que me deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava, não sei se tem hoje, à sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha projetos de leitura e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. (Professora Cecília)
As crianças, muitas vezes, tem contato com historias somente na escola,
devido ao ritmo de vida imposto às famílias. É muito importante que a escola
insira a leitura em seu currículo, sobretudo a leitura dos textos originais, antes das
intervenções da indústria cultural. Essa é uma maneira de garantir o acesso à
cultura por uma via lúdica e que estimula a imaginação a entrar em um mundo de
possiblidades.
A fala seguinte mostrou a escola como esse espaço de encontro com a
fantasia imaginativa:
Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância meus pais não contavam. Mas para as crianças hoje, eu trabalho contos com diversas literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida. Já fui direto com sete anos pro primeiro ano. Então, as historias que eu ouvia, já eram historias que estavam
152
embutidas nos livros didáticos. Eu me encantava porque eu era criança. (Professora Dulcineia)
Um exemplo curioso vivido pela Professora Terezinha, demonstrou que a
criança tenta solucionar os problemas apresentados nas historias tendo como
norte a sua realidade:
Eu contei a historia do João e Maria e a criança levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria os deixou na floresta? Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia, por que ele não os trouxe para a creche? (Professora Terezinha)
Essa é a importância dos textos originais, permitir o exercício do
pensamento. Diferentemente dos textos adaptados onde outros já pensaram e
ofereceram apenas suas conclusões.
As historias podem ser um bom instrumento para a aproximação entre as
crianças e a professora, como mostrou a fala seguinte:
É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia, não mencionando o nome da criança. A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema. Mesmo, às vezes, brigas em casa e ele vem triste. (Professora Norma)
A Professora Paula observou o aumento da presença de diferentes
classes sociais convivendo na mesma sala, na escola pública. Fazendo com que
o professor se depare com uma nova realidade e, portanto exposto a novos
desafios. A escola pública não é somente para a criança pobre, para a família que
precisa trabalhar, mas sim é direito de toda criança independentemente de sua
posição social:
Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não
153
tem dinheiro e cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro. (Professora Paula)
Essa fala colocou de maneira bem clara o grande desafio da escola, que
é promover a convivência produtiva entre os diferentes. Essa é uma demanda
posta para todas as escolas e, sobretudo, para aquelas que se situam no contexto
metropolitano.
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Considerações finais
Este trabalho apresenta dados de uma pesquisa que procurou identificar
a presença dos contos de fadas nos processos formativos que marcaram as
historias de vida das professoras de Educação Infantil que atuam na rede pública
municipal de São Paulo. O estudo deste tema remeteu a experiências importantes
de minha história de vida, ou como afirma Josso (2002), a “momentos charneiras”,
que foram construídos em meio a essas histórias. Por isso tratou-se de um tema
com grande relevância pessoal.
Fazendo meu memorial pude resgatar historias de minha infância,
adolescência, fase adulta e profissional e perceber quantas pessoas são
significativas em minha vida, quantas pessoas passam pela nossa vida e sem
deixar marcas. Como a família, no meu caso, foi e é fundamental tanto no aspecto
pessoal quanto profissional. Quanto aprendi com eles, quantas perdas, quanta
saudade, quantos momentos alegres e inesquecíveis.
Creio que o estudo será também relevante para outros educadores, uma
vez que o conhecimento disponibilizado no campo da formação de professores
tem potencial para atingir grande quantidade de pessoas. Conheci diversas
historias de vida que foram construídas através de famílias não nucleares e que
tiveram de se adaptar a nova realidade. No caso, a perda da mãe precocemente
fez com que estas historias fossem fortes, representativas e tivessem outro rumo,
outro final.
O interesse por estudar esse tema surgiu a partir da reflexão sobre
algumas das práticas que organizavam o meu cotidiano enquanto educador que
atua na Educação Infantil, especificamente aquelas relacionadas ao
desenvolvimento no campo da linguagem. Espero contribuir, de certa forma, com
as futuras pedagogas, relatando uma prática pedagógica que se modificou a cada
nova fase da Educação, a cada novo conhecimento adquirido, a cada nova fase
da vida.
Em relação aos procedimentos metodológicos os dados foram coletados
nos encontros com os professores, nos horários de trabalho coletivo [...], e,
sobretudo, se constituíram em verdadeiros espaços de reflexão sobre os
155
processos formativos vivenciados pelas professoras desde a infância até a vida
adulta, no exercício da profissão.
Um aspecto importante que gostaria de destacar no desenvolvimento da
pesquisa, uma vez que muito acrescentou em minha formação, foi, enquanto
pesquisadora, à reflexão que este trabalho possibilitou sobre a própria noção de
pesquisa e dos instrumentos de coleta de dados. Em diversos momentos do meu
processo formativo ouvi falar em pesquisa qualitativa, quantitativa ou em
pesquisas que se estruturam por meio de recursos destas duas abordagens, mas
a experiência em decidir que abordagem utilizar foi, para mim, muito
enriquecedora.
A pesquisa evidenciou que, muitas vezes, na escola, se usa a expressão
contos de fadas para nomear diferentes historias e que além dos contos de fadas
fazem parte da historia de vida das professoras: os causos, as historias bíblicas,
as fábulas, os contos folclóricos e assim por diante.
Os “causos” dos genitores e progenitores embalavam a infância dessas
educadoras que além de gostarem das narrativas, apreciavam os momentos que
permaneciam ao lado da família. Apesar de alguns pais alegarem falta de tempo,
sempre um parente próximo se dispunha a assumir o papel de contador de
historias, um avô que preparava cenários como o da Professora Paula, um tio
como o da Professora Dione que reunia a criançada para contar historias de dar
medo e até uma tia Maria como da Professora Terezinha que fazia mingau de
fubá doce para que a historia ficasse ainda melhor.
Professoras como Maria Lúcia, que morava no interior e à noite tinha o
hábito de sentar-se ao redor da fogueira para brincar e ouvir historias, Noelina
que brincava na rua de casinha e de boneca, Simone que relatou que não
gostava de brincar de boneca, gostava de empinar pipa, jogar bola, andar de
bicicleta, brincar de correr na rua, era moleca mesmo e Sueli que registrou que
vivia a maioria do tempo com os avós e que apesar de ser dentro de São Paulo,
era em um terreno enorme, como se fosse um sítio. Quer dizer, tudo que
acontecia lá era muito parecido com o que acontecia à boneca Emília do Sítio do
Pica Pau Amarelo. Com estes exemplos é possível compreender que estas
professoras são do tempo que ainda podia se brincar na rua e não ser controlado
156
pela mídia televisiva ou pela internet, que o faz de conta, a criatividade e a
inocência eram fatores predominantes no universo infantil.
A tevê Cultura, presente em muitos relatos, divulgou as narrativas infantis
e o folclore brasileiro, valorizando nossa cultura, nosso país. O escritor Monteiro
Lobato foi reverenciado pelas educadoras, que, muitas vezes, sentiram-se
personagens do famoso Sítio do Pica Pau Amarelo.
Conheci pensadores como Adorno e Hokerheim (1985), que me fizeram
refletir sobre a indústria cultural. Sou realmente fruto desta indústria e neste
momento concordo com Benjamin (1984/1985) quanto à liberdade e a
massificação da arte. Não conheço a intencionalidade dos estúdios Disney e
Mauricio de Sousa, contudo os efeitos desta indústria cultural é a banalização dos
contos clássicos por meio de adaptações que as relacionam à produtos. Não
posso deixar de mencionar que estas duas empresas movimentam a indústria e o
comércio com produtos facilmente encontrados e irresistíveis.
Não estou de modo algum desprezando os clássicos, que foram tão
presentes nas historias contadas por meu pai, porém a mídia atinge de modo
direto a criança e o adulto. O professor pode aproveitar para trabalhar de forma
pedagógica alguns conceitos e fazer algumas reflexões com as crianças e com os
próprios docentes de seu local de trabalho, não necessariamente em uma escola.
Contudo, geralmente, as adaptações são escolhidas pelo acesso ser mais fácil e
sem um critério pedagógico discutido e decidido coletivamente.
Além da historia da “Princesa e o Sapo”, que foi citada e interpretada por
diversas educadoras, comentaria sobre a relevância de Toy Story que tenta
ensinar a cuidar dos brinquedos, a importância dos mesmos para as crianças e
tenta salientar a relação de amizade, respeito e confiança que deve haver entre o
grupo de pessoas, no caso de brinquedos.
Shrek mostra que a aparência não exprime o caráter da pessoa, mistura os
contos de fadas para nos mostrar que também no reino da fantasia a
cumplicidade é fundamental. Que o bem está sempre com o bem e o mal se alia
ao mal. Que pessoas diferentes podem encontrar-se em lugares inusitados e
terem uma vida “feliz para sempre”, sendo que este significa enquanto durar o
relação de respeito e afeto.
157
Pocahontas que mostra a diferença cultural entre os povos. Os indígenas
que tinham como ouro a natureza e os ingleses que para alcançar o ouro teriam
que devastar a floresta.
Conheci autores como Josso (2004), Furlanetto (2007) e Souza (2004) que
comprovaram o valor das narrativas de historias de vida para os estudos
acadêmicos, científicos e para nós enquanto seres humanos que convivemos em
uma sociedade multifacetada.
Recordaria os “causos” contados na infância de algumas professoras: o de
Lampião, o da Mãozinha, o do Lobisomem que demonstraram tanta riqueza de
detalhes em relação à nossa cultura e ao nosso povo. Trazendo em loco o
escritor Câmara Cascudo (1984) como folclorista inesquecível que influenciou e
continua influenciando gerações.
Durante a formação destas professoras percebemos que elas ingressaram
na carreira docente vindas de diferentes áreas e por diferentes motivos: para
cuidar do filho, para ser efetiva no trabalho, para ter segurança, etc. é notório
também que as historias estavam esquecidas em sua mente ou que ainda não
tinham percebido a importância das mesmas para a criança. Segundo relatos, as
educadoras, no início, utilizavam as historias para acalmar as crianças, não
contavam os clássicos e sim historias modificadas pela indústria cultural, com
objetivos pedagógicos ou comerciais.
Com o passar do tempo, perceberam que o conto, a narrativa é um
aproximar, é conhecer as historias de vida ocultas. O universo infantil deve ser
povoado de historias para ajudar a trabalhar a realidade, não que as historias
mascarem a vida, mas amenizam as angústias, as frustrações, as perdas.
As crianças podem ouvir historias em casa, com a família ou na escola,
coma as professoras, identificando-se com as personagens dos livros infantis, ou
seja, adaptações dos clássicos, contadas ou lidas e, muitas vezes,
transformando-as em experiências de vida. O final da historia pode ou não ser
feliz, no entanto, toda historia deixa marcas, ensinamentos, refletem o modo de
vida da pessoa e da sociedade em um contexto histórico.
As perdas familiares, fazendo com que crianças cresçam rapidamente e
tenham outra visão do mundo, outra leitura da vida. Os desafios enfrentados na
158
escola, local que a convivência deveria ser tranquila e que o aprendizado se daria
em todos os ambientes e por todas as pessoas envolvidas neste processo de
aprender e ensinar.
A pesquisa também foi interessante conhecer suas nuances, a visão de
autores como Gatti (2005), Goldenberg (2002) e Severino (2007) e a importância
da mesma na vida cotidiana e na vida acadêmica. A seleção de autores é muito
difícil, pois não conhecemos, enquanto pesquisadores iniciantes, muitos deles,
quando começamos a ler percebemos que o conteúdo é muito mais amplo do que
aparentava. Há textos excelentes e que não devem ser esquecidos, há autores
consagrados e há aqueles que serão um dia por apresentarem ideias coerentes.
Pretendo continuar meus estudos acadêmicos em relação à presença dos
contos de fadas na Educação Infantil, pois percebi que tenho muito a aprender e a
explorar sobre este tema. Tenho interesse em saber como as narrativas são
vistas pelas crianças em outros países e que narrativas são estas. Não foi
possível estudá-las nesta pesquisa sobretudo porque o tempo em que dispomos
para realizar o mestrado é curto e o tema é muito amplo.
Concordo com as ideias de Bettelheim (2009), uma vez que considero as
narrativas extremamente relevantes em cada fase de nossa vida. A fantasia
versus a realidade, a simbologia da madrasta má, a necessidade de magia na
criança e a aquisição de autonomia, escape e consolo.
Para finalizar este trabalho gostaria de deixar registrado que aprendi que
pela experiência de cada pessoa, pela historia de vida que ela traz podemos
entender algumas atitudes e comportamentos; que a família e a infância ajudam a
definir valores que serão utilizados durante toda a vida; que, muitas vezes, ser
professor, é ter uma profissão mais rápida, fácil e com campo maior de trabalho.
Por isso, como já foi relatado anteriormente nos encontros de formação, a
docência pode ser um desejo que as crianças alimentam desde a infância ou
pode ser a decisão de uma historia de vida adulta resultado da própria
sobrevivência. Porém, muitos professores esquecem que foram crianças, que se
encantaram com os educadores que transcenderam os limites da sala de aula.
Por isso, a formação docente, a capacitação do professor tem de ser constante
159
para que ele se torne um pesquisador, não somente enquanto está na graduação,
mas durante sua trajetória de vida.
160
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167
ANEXOS
Diferentes historias, muitas descobertas...
Este trabalho de pesquisa utilizou como instrumento de coleta de dados o
grupo focal e foi realizado no Centro de Educação Infantil Capitão PM Mário
Caldana, uma vez por semana, em cinco encontros com duração de sessenta
minutos cada um. Teve como tema Os Contos de Fadas e contou com a
participação das seguintes Professoras de Educação Infantil:
1-Ana Maria de Vicente
2-Cecília Tinte
3-Dione Aguillar Crespi
4-Dulcinéia Melhado Bessas
5-Edina Alvina de Souza
6-Eliana dos Reis Nogueira da Costa
7-Márcia de Fátima Batista Gomes Vieira
8-Márcia Polessi
9-Maria Aparecida Braga de Campos
10-Maria da Penha Santos Teixeira
11-Maria Edlene da Silva Rodrigues Nascimento
12-Maria Lúcia Olinda de Araújo
13-Noelina Messias Gabriel
14-Norma Miquelina Munhoz Mamprim
15-Paula de Moura Cerqueira
16-Silvia Miranda Netto de Moraes
17-Simone Machado de Paula
18-Sueli Corrêa de Paula
19-Tereza Pereira de Carvalho
20-Terezinha Augusto de Almeida Cardoso
21-Walkíria Ribeiro de Souza da Silva Rodrigues
168
A transcrição fiel dos cinco encontros foi escrita na íntegra e os relatos
compõem um CD anexo neste trabalho. Os depoimentos foram espontâneos e
autorizados por todas as professoras participantes. Não houve corte ou
montagem de relatos.
1º Encontro
Professora Silvia - A lembrança mais antiga que eu tenho de contato
com contos de fada, era a historinha que minha mãe contava pra mim. Minha mãe
morreu e eu tinha quatro anos. Então, eu era bem pequenininha e uma historia
que me marcou muito foi “João e Maria” pela historia dos doces e tudo o mais.
Era, acho, a historia que minha mãe mais contava. Depois, quando eu já estava
um pouco maiorzinha, lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e
o Vagabundo”. Um livro que não tinha praticamente ilustração nenhuma, só a
capa com um pequeno desenho da Dama e o Vagabundo. Assim, a cada
mudança de capítulo, eu queria muito aprender a ler pra poder ler aquele livrinho
que foi o meu primeiro livrinho. Demorei pra ler porque eram muitas letras, foi um
livro que guardei com muito carinho. Depois, quando eu já estava adulta sempre
continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e
livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo. Depois, quando eu
já estava na faculdade, fui estudar que tinha o livro dos contos de fadas. Eu li um
capítulo que me marcou muito, que foi o que falava exatamente das mensagens
que as pessoas contam tradicionalmente. Os contos que tem a mensagem que as
pessoas querem passar.
E me marcou muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe
contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da
historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida, né. Que era a mãe e
o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque
a minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Foi uma
historia que me marcou muito, porque ela sempre contava esta historia pra mim.
Então, esta foi uma historia marcante pra mim de conto de fadas. Nunca mais
pude esquecer (não posso chorar). Eu até parei.
169
Professora Paula - Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde
pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e
escrevia tudo, eu tenho uma tia que é pedagoga, que ela não acreditava. Então,
ela ficava forçando eu tentar ler as coisas e eu lia praticamente tudo. Não foi com
contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei
de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e
copiar.
Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro, não foram através de
leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu
conto de fadas preferido, assistia todos, mas Cinderela era o que mais gostava. E
aí assim, eu por conta, buscava livro em biblioteca emprestado pra ler. Na minha
infância, na verdade adolescência, o que mais me marcou foi o vídeo da
“Cinderela”. Mas a historia de “João e o Pé de Feijão” marcou muito minha vida
profissional. Eu fui trabalhar essa historia com o primeiro estágio aqui do CEI,
voltada, pensando no feijão, na horta e o que chamou a atenção das crianças foi
o gigante. Eu acabei fazendo um trabalho com as crianças.
Busquei vários portadores da mesma historia: livros diversos, DVDs,
historias só falada e a gente acabou construindo o gigante, o pente do gigante. A
gente trabalhou o tridimensional com eles e eles sempre trabalhando junto e uma
coisa que eu achei que iria ser simples, que era o trabalho da horta partindo de
“João e o Pé de Feijão” se tornou uma coisa muito mais grandiosa. Foi fazer o
gigante, foi esmiuçar cada vez mais a historia. Ver que existiam versões
diferentes para a mesma historia, tinha historia que o gigante era bem malvado e
tinha historia que o gigante não era tão malvado.
Então, pra mim, foi muito marcante a historia do “João e o Pé de Feijão”.
Infelizmente os registros que eu tinha dessa experiência ficaram na escola e
acabaram sendo perdidos aqui na escola. Mas assim, foi uma experiência que
marcou muito e que foi muito gratificante. Foi muito legal porque foi um conto de
fadas que eu tenho certeza que marcou não só a minha vida, mas marcou a vida
dos meus alunos. Tudo pela leitura.
Professora Dulcinéia - Então, eu não tive os contos na infância. Meu
relato é completamente diferente da Silvia e da Paula porque a minha família é
170
sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive a convivência
com adultos e os adultos somente em correria. Lembrança de uma leitura ou
outra eu tenho. Mas não tenho de uma específica, leitura eu vim a ter na escola,
mas eram leituras mais impostas, mas nem por isso eu deixo, hoje, como
professora de contar os contos. De levar os contos pras crianças e assim eu não
tenho essa dificuldade, nem um bloqueio. Por conta de não ter tido uma infância
de contar os contos. Mas os contos você sabe que encanta as crianças, que
aquele faz de conta todo, faz muito bem para os pequenos.
Professora Maria Lúcia - Bom, a historia que eu me lembro e que
marcou a minha vida. Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a
fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias.
Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando e eu comecei
a conhecer mais aqui.
Quando eu comecei a estudar, eu trabalhei no CEI e comecei a gostar
dos contos de fadas, Branca de Neve e outros.
Professora Maria Edlene - Eu também, a minha historia é quase
parecida com a da Néia, porque meu pai e minha mãe trabalhavam muito. Então,
eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de
sentar, contar historia pra gente e a gente, eu e meus irmãos buscávamos
sozinhos. Então, o mais velho lia gibis. Quando a minha mãe não estava cansada,
ela ainda conseguia contar historias, mas não de contos. Ela contava historia do
passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, meu pai conta historia muito forte,
que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança. Então, ele contava toda
essa historia pra gente, mas isso não me travou em nada. Inclusive eu amo, é
uma área que eu gosto. Eu conto muito pras minhas crianças, pros meus alunos,
pra minha filha e jamais também travou ou causou algum problema de não gostar
ou de não me interessar, muito pelo contrário. Eu gosto e até compreendi porque
eles não contavam. Não dava tempo, a correria, eles trabalhavam muito, mas de
alguma forma eles conseguiam estar também contando historias pra gente e hoje
eu faço esse trabalho junto com os meus alunos porque eu gosto. E é um trabalho
que a gente acaba levando cada um pra outro mundo. Enquanto a gente está
171
contando historia, não só as crianças estão viajando, o professor também viaja
muito. E essa é minha experiência.
Professora Márcia de Fátima - Eu, bom, é também na minha infância,
como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através
deles. Mas, como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive
acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou. É relatos de vidas passadas,
experiência do meu pai e da minha mãe. Tanto que eles também não tiveram
acesso ao estudo, só até a 4ª série e a 3ª série, mas eles contavam a experiência
de vida deles, que ajuda muito. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito
bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo e
eu fui gostar realmente de contos de fadas depois que o meu filho nasceu.
Nem no magistério eu gostava muito. Depois que meu filho nasceu eu
tive contato mais com contos de fadas através do Matheus. A partir disso sempre
contei, sempre comprei livro de contos de fadas, de folclore, não só de contos de
fadas, mas gibi igual à Paula falou e acesso a leitura a gente sempre tem.
Professora Márcia Polessi - A minha historia acho que é diferente de
todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha
que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim.
Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também
gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo). E olha já faz um
tempinho e ele vinha com gibis pra mim e pro meu irmão. Do Cebolinha pra mim e
pro meu irmão acho que era do Cascão que vendia separadamente. E eu dizia: -
Olha mamãe! Eu sei ler. Olha pegou o coelhinho do Sansão.
A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou
porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco
contato e eu me lembro que isso foi marcante. Que um gibi, gente. Que a gente
não dá valor, que começou a alfabetizar a gente. E agora, como professora de
Educação Infantil, eu não perco a oportunidade de disponibilizar a revista, os
livrinhos porque isto é uma coisa muito gostosa de trabalhar, é uma coisa que
marca a gente.
Professora Cecília - Bom, é difícil falar sobre a leitura porque quando eu
era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a ler e a
172
escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema (choro). É que é difícil
porque mexe com o emocional, meus pais também estudaram até a 4ª série. Não
tinha muito estímulo em casa, mas depois que eu fui, retornar a cursar a 1ª série
novamente, tanto que tive que até, a irmã me encaminhou pra eu ir para o
psicólogo.
A psicóloga me incentivava através de jogos, brincadeiras, mas ela
contava historias também. Depois, quando eu me adaptei, cursei de novo a 1ª
série, tive uma professora excelente, que deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma
professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava,
não sei se tem hoje, sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha esses projetos
de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos.
Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade,
uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula.
Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa.
E eu tinha muito interesse pelos clássicos. Tanto que quando eu iniciei com
Educação Infantil, que é a turma que eu mais gosto, mais me identifico até hoje,
trabalhei com o Fundamental. Eu gosto da minha profissão, mas pra trabalhar
com Educação Infantil, eu trabalhei muito, trabalhei com maternal. Com a idade
que eu estou trabalhando agora. Eu iniciei minha carreira trabalhando com
crianças de três anos e eu adorava. Assim, contar os clássicos, através de
fantoches, através de historinhas. E eles gostavam muito, eles tinham muito
interesse pela leitura e eu peço desculpa por ter me emocionado, porque mexeu
muito com meu emocional, porque é uma situação que foi difícil pra mim. Mas a
partir do momento que eu comecei a ler mesmo, a ser alfabetizada, eu me
dediquei bastante nos estudos e eu não parei mais. Continuo até hoje, tenho
muito interesse em estudar, porque tudo é um aprendizado. E a gente dando
aula, a gente aprende muito com a experiência, com a troca com os outros
profissionais, que a gente está interagindo.
Professora Eliana - Eu não lembro quando eu era criança de algum
professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de
fadas através da televisão. Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar
173
historias, nenhum, nenhum. Minha avó fazia as orações dela, ela era evangélica,
historinhas mesmo... nada.
Professora Paula - Eu além de ouvir historias, eu sempre participei
porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então,
historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde
pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a
mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele. Eu acho que a igreja...
Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita
historinha pra gente. Máquina de slide, Cdzinho, disquinho e ele punha muito pra
gente. A gente ficava lá no quarto dele assistindo. Ele apagava tudo, fechava
tudo. Eu acho que isso também influenciou eu gostar de ler, de escrever, de
contar historias de contos de fadas. As historias da Bíblia são reais, mas não
deixam de ter um fundo de fantasia, pra gente que não viveu. Você tem que
imaginar como era.
Professora Eliana - Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais
nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia.
Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele.
Professora Márcia de Fátima – Você se interessou quando seu filho
nasceu?
Professora Eliana – É, quando meu filho nasceu.
Professora Márcia de Fátima – E na sua profissão? Você conta?
Professora Eliana – Conto bastante. Na minha profissão eu conto
bastante.
Professora Silvia - Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava
muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu
lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas
madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de
Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e
segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia.
Professora Cecília – Imaginando que ia casar com o príncipe.
Professora Márcia de Fátima – Mas quando vocês contam a historia,
vocês inventam ou só através de livros?
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Professora Eliana – Os dois. Cantando, inventando, contando historias
através de livros, lendo, inventar também...
Professora Paula - Porque você acaba tendo que trabalhar a historia,
pela historia. O conto de fadas, pelo conto de fadas. A criança te dá o prazer de
trabalhar a historia para desenvolver qualquer outra coisa que tenha na historia.
Tem aquela historia que a criança pede pra você contar, tem vários tipos
de momentos de historias. Tem hora, hora que você tem que inventar de acordo
com o que você vai estar trabalhando.
Professora Eliana - Eu gosto de contar historias que tenham bruxas,
fadas, mas assim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu
vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da
minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam. Forçar e comer coisas que eu
não queria, às vezes, você estava com vontade de brincar e ela não deixava.
Uma vez eu fui comer um cacho de uva lá no quintal e ela falava não pode porque
você vai almoçar agora. Quando criança eu não tinha nem noção, aí depois que
cresce...
Professora Silvia – Agora, na contação de historia, eu vou apresentar
uma personagem, que eu sou apaixonada pelos vilões. A bruxa exerce um
encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte. Eu lembro até que
quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E
todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha
cabeça, será que a bruxa morava ali. Eu também tinha no meu quarto os anões,
todos os anões com a Branca de Neve e a bruxa como madrasta e a bruxa
transformada como aquela velhinha. Eu adoro representá-la na contação de
historias para as crianças e ser a bruxa pra mim é o máximo, porque eu sinto que
aquele prazer do meu imaginário, você também sente ao me ver como bruxa?
Nossa! Eu adoro, eles também.
Professora Maria Edlene - Agora a Paula falando da experiência dela na
igreja, eu lembrei que quando eu tinha uns oito anos de idade, minha mãe
começou a ir na igreja. Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos
oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se
chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu
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casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava
interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu
achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei, como
era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as
mesmas historias que ela falava pra gente. A historia de Davi, a historia de
Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças. O engraçado é que
eles contavam em casa, contavam direitinho e depois a mãe vinha me perguntar.
Eu achei engraçado, achei interessante e a mãe queria saber da historia.
Professora Edina - Pra ser sincera, eu nasci dentro da igreja. Eu era
daquela que quando sai da barriga da minha mãe, já saiu bem. A minha mãe se
batizou na igreja evangélica, ela estava grávida de mim. Então, praticamente eu
me batizei junto com a minha mãe.
A minha infância, eu não me recordo muita coisa. Da minha infância,
principalmente da época de escola, porque a gente vivia muito de viagem. Meu
pai chegava pra São Paulo, passava um tempo e depois voltava pra terra dele.
Ele não conseguia fixar num lugar, era que nem cigano. Então, praticamente na
minha infância eu passei aqui na Zona Leste, como referência aqui na Buenos
Aires, na Vila Buenos Aires perto do Carrefour, perto do Extra. Aqui eu cresci e fiz
tudo e não saía da igreja também. Fui crescendo dentro da igreja, meu pai era
muito rígido com esse negócio de leitura.
Professora Paula- Você não ouvia historia lá na igreja?
Professora Edina - Ouvia. Isso tudo que a Paula teve, eu tive. Tive meus
heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava
demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos.
Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora! Vai ser professora! E
acabei sendo professora.
Eu já fazia curso desde pequena pra ser professora.
Professora Paula-Tem curso de capacitação dentro da igreja.
Professora Edina - Eu não tive esse negócio de contos de fadas na
minha vida. Eu sonhava porque eu ouvia falar. Eu ouvia, mas eu não tive. Eu não
tive nada disso. Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui
trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos. Então, não tive
176
infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com
os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte. Meu pai era muito
severo com a gente. Eu não tinha liberdade de sair, saia só junto com a igreja.
Quando a gente lia alguma coisa que ele não gostava, a gente lia escondido
debaixo do lençol. Na hora de dormir, a gente acendia uma lanterninha e
começava a ler debaixo da coberta pra ele não ver. Mas na minha cabeça, eu
sempre tive vontade de ler. Acho que por ser privada disso, eu tenho vontade de
conhecer, a gente lia Manchete.
A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 69, foi mais
ou menos quando a minha mãe adquiriu um aparelho de tevê. Na escola eu não
me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da
professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de
uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito, a professora de
matemática.
Como eu já tinha falado pra vocês, eu vivia muito assim. Então, eu não
tinha ponto. Cada escola que eu chegava era nova pra mim, meu pai era cigano
neste sentido. Até quando minha mãe conseguiu se fixar em algum lugar. “Eu não
saio, daqui ninguém me tira.” Tanto que aqui as igrejas da Zona Leste, todas eu
passei, todas eu conheço. Meu pai era evangelista, tipo evangelista, pastor e ele
saía das igrejas e a gente saía atrás, porque tinha que ir junto com os pais. Então,
a minha infância foi isso. Eu conheço toda a Zona Leste, todas as igrejas,
conheço todo mundo. E foi, conheci a parte da leitura mais na faculdade e quando
meus filhos começaram a estudar, que eu ajudava eles a estudar. Foi quando eu
comecei a correr atrás de biblioteca. Por isso, eu gosto de sebo, porque eu gosto
de procurar, de ver historias diferentes. Eu gosto, eu tenho em casa muito livro,
assim de sebo. Eu também, naquela época, não podia adquirir muito livro novo.
Então, eu ia nas bibliotecas e pedia emprestado. Tanto que meu cartãozinho aqui
da Penha até... tão velhinho que ficou. Depois a meninada da Penha era tudo
conhecido da igreja, ficava mais fácil pra trazer livro.
Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a
estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era
eu que ia. Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu
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não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu
esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi. De alguma
maneira eu vivi, mas de alguma maneira pelo meu pai ser muito severo com a
gente e era só nessa época, com as meninas. Ele segurava tanto a gente com
medo... Eu bloqueei toda essa parte, mas procuro hoje na minha vida, procuro
passar pras minhas crianças tudo àquilo que eu não tive. Historias, eu procuro
sempre novidades pra trazer pra eles. Eu procuro o fundo da historia, eu não dou
uma historia por dar, porque eu acho bonita a historia.
Eu não sei se porque na igreja tem um fundo de moral em tudo que a
gente aprende, fora o cristão a gente também aprende um fundo de moral. Então,
eu procuro também fazer isso com as crianças. Tanto que quando eu dava aula
no fundamental, uma sala terrível, que você nem imagina. Uma sala terrível que
só parando e falando: - Só Deus, pra ter misericórdia!
Vocês já viram aquelas salas de filme, era mais ou menos assim. Era a 4ª
série e não tinha jeito com aquela turma. Tinha uma inspetora de aluno lá, que ela
sempre tinha a Bíblia dela lá. Ela era católica, tenho que deixar bem claro que ela
não era evangélica. Ela tinha a Bíblia dela lá embaixo e eu pra acalmar aqueles
alunos, que eu não tinha mais, eu não sabia mais o que fazer, eu falava: - Vai lá,
vai buscar a Bíblia da tia Ivonete lá embaixo.
Eu contava, eu pegava uma criança da sala que tinha um nome da Bíblia
e começava a contar a historia daquela personagem da Bíblia pra eles e mostrar
o fim. Eles prestavam atenção, o único momento que eles paravam um pouco pra
prestar atenção. Infelizmente, depois eu saí, nem sei o que aconteceu com essa
turma. Pode ser que eles nem se lembrem dessa situação. Mas, então, esses
pequenos detalhes eu procuro passar. Eu sou uma pessoa muito reflexiva até
demais, porque quando o tempo está assim, eu fico assim junto com o tempo. Eu
não tenho muita coisa pra falar.
Acho que todo mundo sonha com o príncipe.
Professora Tereza – Eu gostaria de falar um pouco sobre a minha
experiência, como eu conheci os contos de fadas. Bom, eu vim de uma família
pobre, humilde, aonde não se falava em contos de fadas. A primeira vez, com oito
ou nove anos, me deram um livro que se chamava “O Gato de Botas”. Eu fiquei
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tão encantada de ver aquelas ilustrações, aquelas figuras que eu tinha vontade de
entrar no livro. Mas assim, eu fiquei muito tempo com aquele livro, mas depois
aquele livro se perdeu.
E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de
fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do
Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me
falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde
vinha esse Lobo Mau. Bom, o tempo passou, passou, passou e eu entrei na
creche.
Quando eu entrei na creche, eu me deparei com essas questões, primeiro
dos livrinhos de historias infantis, que nada mais era do que os contos de fadas.
Aí eu fui me adaptando a uma nova realidade. Um contato mais direto com o livro
e me apropriando de algumas coisas que até então era desconhecido pra mim.
Professora Maria Edlene - Mas nem na escola?
Professora Tereza - Nem na escola. Eu não me lembro de que nem na
escola eu tive essa. Eu não me lembro mesmo. Aí, bom, voltando. Eu cheguei na
creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia
muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um
conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas. A historia da
Branca de Neve, a historia da Rapunzel, a historia da Chapeuzinho Vermelho.
O tempo passou, passou e cada vez mais eu fui aprendendo sobre os
contos de fadas. Hoje, eu tenho um netinho de dois anos. Eu entendo a
importância de ler e de ensinar o que é contos de fadas. Tanto é que eu me
disponho a ler com ele todas as noites a historia da Chapeuzinho Vermelho, do
Coelhinho da Toca, do Tatu. Mas sempre eu estou reforçando a historia dos
contos de fadas na vida da criança.
Assim como é importante na vida do meu neto, eu creio que seja
importante na vida de qualquer criança. Como as nossas crianças são
privilegiadas dentro da creche, que todas as salas tem um projeto que fala dos
contos de fadas. Pelo menos uma vez por semana as crianças tem esse contato,
que eu até então eu não tive esse privilegio. Então, o meu contato com os contos
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de fadas é muito rico hoje. Mas lá pra trás, no passado, eu quase não conheci
nada. É isso.
Professora Norma - Bom, eu tive conhecimento com historias desde
muito novinha. Não era assim, contos de fadas. Meu pai gostava muito de contar
historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu.
Mas ele contava historias de Saci Pererê, de Fantasmas, de coisas assim. Ele
adorava contar essas coisas pra gente. Esse estímulo que ele me deu, eu me
tornei leitora muito cedo. Eu me lembro que aos doze anos, eu ganhava livros de
historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas
historinhas assim e eu me tornei leitora por isso.
Meu pai incentivava muito a leitura, incentivava muito o estudo. Acho que
por ele não ter tido oportunidade de ter estudado, ele fazia isso com a gente.
Então, só que durante a minha jornada na escola alfabetizando, eu não usei
muitos livros de historia. Eu usei muito música pra alfabetizar. Mas devido ao
próprio sistema nós não pegávamos livros de historia.
Professora Maria Edlene – Por quê?
Professora Norma - Era coisa do próprio sistema, do planejamento, a
gente não tinha esse acesso a livros de historia. Nós líamos livros e dávamos
livros sim, mas não era livro de Esopo, estes livros de conto, de historia, que eu
acho que seria importantíssimo ainda. Ainda alfabetizar, usar essa técnica pras
crianças até os adultos gostam dessas historias. Eu voltei novamente a viver essa
nova etapa da minha vida.
Quando eu vim trabalhar no CEI, aqui no Centro de Educação Infantil.
Quando nós voltamos novamente a ler livros de historias, que eu também acho de
muita importância ler livros de historias. Eu acho que levar a criança a criar essa
imaginação, a vivenciar essa fantasia, que eu acho necessária. E pena que eu
não usei isso na alfabetização, usei música, mas era devido ao próprio
planejamento. A gente não usava livro de historia. Então, essa foi a minha
experiência e agora tenha assim, um carinho muito grande por livros de historias.
Eu sou avó também e eu sempre contei muitas historias pros meus netos.
Inclusive hoje eu até participo da vida deles e todos eles se tornaram muito
180
leitores. Hoje, em casa, todos lêem muito. Foi o incentivo que começou do meu
pai, uma pessoa que não tinha estudo nenhum, mas sabia contar historias.
Professora Maria Edlene - Com certeza o caso que a Tereza acabou de
falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando
sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa
dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles
não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia!
Professora Tereza - E é isso que eu quero deixar, o que eu quero deixar
pro meu neto é isso. Que um dia ele cresça e conte pros filhos o que eu fazia com
ele, coisa que eu não fiz com os meus filhos.
Professora Maria Edlene – O bom, Tereza, é que apesar da gente não
ter recebido isso, isso não influenciou, em nenhum momento influenciou. Eu até
conto, eu gosto, até parece que eu vivi e vivenciei tudo isso.
Professora Tereza – E falando desse assunto é uma coisa assim, eu to
pensando que é uma coisa que me emociona muito. De repente, eu voltei lá,
quando eu era pequena e a minha madrasta fazia aquelas bonecas de pano,
aquelas bruxinhas feias, mas que eram bonitas pra mim. É que assim, é
complicado você falar hoje daquilo que você, que eu não tive oportunidade de
viver quando eu tinha oito anos. Nunca eu ouço tantas pessoas falar: - A minha
avó contava historias, minha avó.
Minha mãe, eu não tive mãe, fui criada pela minha madrasta, já é uma
perda muito grande. Agora, quando eu falo de contos de fadas, eu fico pensando:
- Nossa! Quanta coisa que eu não pude vivenciar quando eu era criança. O que
eu não quero que os meus netos deixem de vivenciar que é esta questão de
inspirar, é esta questão de ser um indivíduo tipo leitor futuramente.
Professora Maria Edlene – E no imaginário?
Professora Tereza – No imaginário, fazer essa viagem fantástica. Que eu
me lembro quando eu atuava em sala de aula. Eu tinha um trabalho que eu fazia
assim, eu mandava as crianças deitar no colchonete e eu ia contando uma
historia e levando a criança a imaginação. E ele ia e ele viajava e eu viajava junto.
No final tinha criança até que dormia, de tanto que sonhava, que eu conduzia.
Isso nunca fizeram comigo.
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Professora Norma – Eu só sinto também de não ter registrado nada,
porque muitas das historias que meu pai contava eu até esqueci. Porque aquela
época eu não sabia dar a importância que eu dou agora. Então, nada foi
registrado. O que é uma pena!
Professora Maria Edlene – É, é verdade. E assim, eu acho que os
contos, ele faz a criança ser um adulto pensador, reflexivo e imaginar o imediato.
Por exemplo: na contação ele viaja, ele vai para o mundo mágico. Quando ele é
adulto, ele tem mais facilidade de criar um projeto assim, de imaginar, de sonhar
pra você ver como é rico a contação de historia.
Penha, como você conheceu a contação de historia, como participou na
sua vida? Divida conosco.
Professora Maria da Penha – Bom, com a minha mãe, minha mãe
contava muita historia, que nem a mãe da Norma. Principalmente, de terror,
principalmente quando era Semana Santa, pra gente, principalmente as historias
das saídas. Que a gente não podia sair na Sexta-feira Santa na rua e a gente era
assim, porque a gente também era muito pobre e não tinha luz. E era nessa hora
assim, que a minha mãe contava as historias de terror. E também assim, eu tinha
um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha
assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu
sempre lia, né. Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe
sempre passou também pros meus filhos. E hoje todas as historias que ela contou
pra mim, ela contava pros meus filhos.
Tinha uma historia do Lobo Mau, que ela morava aqui na Penha, ela
sempre morou aqui na Penha. Uma noite, diz que toda semana sumia galinha do
vizinho, sumia, sumia, sumia e o meu avô ficou esperando pra saber aquela noite
porque que sumia a galinha do vizinho. E diz que um dia apareceu um cachorro
muito grande e meu avô foi pra cima do cachorro. Bateu no cachorro, pôs fogo no
cachorro e no dia seguinte, o vizinho apareceu todo machucado e queimado. E
eles deduziram, naquela época, que o cachorro, que o vizinho era o lobisomem. E
essa historia ela repassou pro meu filho e o meu filho tinha que contar uma
historia na escola. Ele contou justamente esta, que ela repassou pra ele. E assim,
ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito
182
desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito.
Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do
canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias
eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava, né: fantoche, a
historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles
passavam. Então, eu tenho assim, não tenho uma formação em historia, mas
tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram
pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus
filhos.
Hoje, eu já tenho diferente, vejo de uma maneira diferente é mais livro. As
bonecas não é que nem a gente. A gente aprendeu ali, tipo na imaginação
mesmo, como era os lobisomens, como era essas historinhas. Hoje é folclore,
folclore, mas pra gente não, não saía à noite de medo da lua cheia, de aparecer o
cachorro, né. De virar uma bruxa. Hoje não, as crianças já sabem que isso tudo é
fantasia.
Professora Norma - Na época que meu pai contava historia não tinha
televisão, não tinha televisão.
Professora Maria Edlene - É.
Professora Norma - Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele
contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto
que ele imaginava. E ele naquele pó do rodamoinho que aparecia o Saci. E ele
dizia que o Saci montava o cavalo, fazia trança no rabo do cavalo e ele falava de
um jeito que parece que ele mesmo tava acreditando. Então, a gente ficava assim
muito empolgada e fazendo aquelas criações na cabeça da gente mesmo.
Professora Maria da Penha - Outro dia eu estava em casa assistindo
televisão e por um acaso eu coloquei no canal dois e estava anunciando “Os Três
Porquinhos”, eu fiquei parada pra saber o que ia acontecer e de repente,
começou a historia dos “Três Porquinhos”. E eu fiquei ali do começo até o fim,
como se não tivesse quarenta e sete anos, porque uma carência que faz parte da
minha vida. Eu assistir aquele, aquele filme dos Três Porquinhos e observei o
anúncio da próxima historia, que com certeza, se eu me lembrar eu não vou
perder.
183
Professora Maria Edlene – Isso é verdade, o meu pai, ele contava uma
historia pra gente que ele vivenciou. Ele disse que ele tinha oito anos e enquanto
o meu avô chegava da roça com a minha avó, ele ficou numa pedra esperando
eles chegarem, que ele não queria ficar lá dentro sozinho. Aí, de repente,
apareceu Lampião e toda a sua tropa. Nossa, a gente viajava com ele contando
isso! Todo dia eu pedia e ele contava. E o engraçado que ele contava vivenciando
como se ele fosse e ele imitava o tom da voz, tudo ele imitava até o barulho dos
cavalos chegando.
Professora Norma – É verdade.
Professora Maria Edlene – Aí ele falava assim que o, que o Lampião
chegou na casa dessa mulher e perguntou pra ela, se ela tinha alimento pra dar
pra todo mundo e se ela tinha preparado o almoço que desse pra todo mundo. E
tinha que ter. Aí meu pai falou que todos se sentaram entorno da casa da mulher
muito pobre e foram comer. Quando, de repente, um da tropa do Lampião falou
assim: Tá muito salgado esse feijão! Aí Lampião mandou a mulher buscar e
perguntou pra ela quanto punhado de sal ela tinha colocado no feijão. Ela falou
que tinha colocado a medida de uma mão. Aí, então, o Lampião falou: Então
agora a senhora vai lá buscar três cabaças, que era aquela de medir feijão, e
pega três cabaças de sal e traz porque ele vai comer tudo. Meu pai falava como
se o Lampião fosse um campeão, imagine, mas ele falava isso. Aí o que o
Lampião fez, acabou fazendo o homem comer as três cabaças. O homem morreu
na hora, ficou muito inchado, muito feio. Aí, na hora, meu pai ficou com medo,
ficou assustado. Aí, ele chamou meu pai, falou pra ele não se assustar. Mas falou
assim que era pra aprender que se tinham chegado até ali e aquela mulher tinha
preparado de bom coração a comida pra todos tinha que comer calado, não tinha
que reclamar.
Professora Márcia de Fátima – Eu tava contando pra Rosana no
caminho que assim, a minha infância, eh! Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima
terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos.
Professora Márcia Polessi - Tinha tevê em casa? (risos)
184
Professora Márcia de Fátima – Tevê eu tenho. Então, eu quando
criança eu tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas
piadinhas, entendeu? Quando era criança.
Professora Edina - Essa piadinha!
Professora Márcia de Fátima – Eu me sentia o Patinho Feio, como o
Patinho Feio. Então, como eu não queria ser diferente de ninguém e na minha
época, assim, a maioria tinha alunos. Eu estudei em escola da prefeitura. Minha
mãe pegava, tinha alunas, tinha meninas que faziam balé, fazia isso. Então, eu
era a única diferente, no caso eu me sentia o Patinho Feio.
Então, pra não ser o Patinho Feio, não ser motivo de chacota, de
piadinhas. Eu evitava falar de mim e da minha família, entendeu. Mas eu amo
todos. Eu sou a caçula, eu sou tratada, sou bajulada por todos, entendeu. Sou
bajulada por todos, tanto eu, meu filho, né.
Se eu choro, todo mundo liga pra mim pra saber porque eu to chorando.
Se eu dou risada também todo mundo liga, mesmo o que mora lá em Rio Preto,
longe, mas sempre está presente.
Os meus sobrinhos, todos, é ligado a mim, todo mundo. Eu chego em
casa seis horas da tarde. Seis e vinte o telefone não para até meia noite que são
minhas irmãs, meus irmãos, meus pais e até meus sobrinhos tão ligando. Então,
eu sentia vergonha disso, depois na minha primeira série, como a Cecília falou,
ela teve medo. Eu tive uma professora, o nome dela é Marli, não foi a melhor
professora.
Professora Maria Edlene - Era CDF.
Professora Márcia de Fátima – Não foi a melhor professora, eu lembro
dela, do cabelo dela, das unhas, o que me chamava mais atenção era as unhas.
A unha dela era enorme, ela pegava a criança pelo rosto, eu me lembro dessa
cena até hoje. A menina era gordinha, fortinha, sabe aquela criança terrível, ela
pegava a criança pelo rosto e saía puxando. Então, a cena da minha professora,
a melhor professora da primeira série, aquela que todo mundo fala da professora
da primeira série, eu não tive isso, a minha professora foi a bruxa, o monstro.
Professora Cecília – A minha também.
185
Professora Márcia de Fátima – Além de eu me sentir o Patinho Feio, eu
tinha aquela professora bruxa e depois logo em seguida, eu tive um professor, um
professor homem que chamava Pedro. Ele era terrível, eu tinha medo, todo
mundo tinha medo. Eu sempre fui muito tímida, eu tinha vergonha de falar. Até
hoje eu sou tímida. Eu sou tímida, pra outras coisas não, mas assim, quando eu
pego amizade eu não tenho, mas eu sou tímida, muito tímida.
Professora Edina - Na sua época tinha violência, que hoje está em
voga? O professor era poderoso?
Professora Márcia Polessi - Tinha sim, o professor era autoritário.
Professora Maria Edlene - Tinha uma época que os pais sabiam que
tinha.
Professora Márcia Polessi - Sabiam e deixavam. A palmatória.
Professora Maria Edlene - Palmatória, minha mãe passou.
Professora Márcia de Fátima - Eu vou contar uma historia que a irmã
falou pra eu contar. Eu vou contar, mas não tire sarro de mim, que na época foi
um trauma. É assim, por causa desse trauma de professor eu não podia deixar
nada sem fazer, a lição, então eu tive medo. Na prova caiu pra fazer um animal
de quatro patas. Eu tinha medo, não deixem nada em branco, façam a lição. Por
causa disso eu desenhei uma mesa. Até hoje é motivo de sarro na minha casa,
entendeu. Só que a pessoa, que eu, no caso, quando eu fiz, eu não pensei que a
cadeira, a mesa era o animal. Eu pensei que eram as quatro patinhas e não podia
deixar em branco, entendeu? Só que os meus irmãos, eles tiram sarro, tudo eles
brincam. A semana passada, o Pedro, meu sobrinho, veio falando, aí eu
conversei com ele. E ele disse: Nossa tia, isso dava medo, o professor dava
medo. Eu falei: É! Um menino de seis anos entendeu, aí, até hoje eu sou motivo
de, eles dão risada, mas vocês não sabem o medo que eu tive. Eu tenho trauma
de professor até hoje. Eu tenho respeito por professor, eu não consigo nem na
faculdade chamar o professor pelo nome.
Professora Edina - Você nunca conversou com seus pais sobre esse
medo que você tinha?
Professora Márcia de Fátima - Já. Não, não naquele momento. Não
tinha coragem! Minha mãe, minha mãe sempre foi aberta comigo, apesar dela ter
186
setenta e cinco anos e o meu pai ter setenta e nove. Eles nunca foram assim de,
nunca apanhei, nem meus irmãos. A gente sempre foi através da conversa e
como eu falei, eles não tinham estudo, mas, eu tinha medo, e não era desse
assunto que eu ia falar. Falava pra ela que eu tinha medo do professor, ela sabia
como que era, mas naquela época, o professor pra mãe era o que tinha razão,
entendeu?
Então, eu falando e não acho que era a mesma coisa porque o professor
tinha razão, né. O professor, esse Pedro que eu falei também. Ele, eu não
conversava, os moleques fazendo bagunça, como eu sentava no meio, envolta só
tinha moleque, ele me colocou, me colocou atrás da porta. Eu tenho trauma disso.
Na faculdade eu chamava os professores. Não, Márcia, pode me chamar pelo
nome. Não, você é meu professor. Não tinha amizade com professor da
faculdade. Eu ia, mostrava meus trabalhos, fazia tudo e eu via pessoas tendo
amizades com professores e eu não tinha. Eu conversava a respeito da disciplina.
Então, naquela época eu me sentia um Patinho Feio. O Magistério eu fiz no
CEFAN lá em Arthur Alvim e no primeiro semestre do primeiro ano, uma colega
minha me disse: - Márcia, você é burra. O seu QI é abaixo de zero e aquilo lá,
naquela época foi o fim. Eu parei pra pensar e eu falei não sou e eu vou mostrar
pra ela. Eu peço desculpa por estar chorando, porque é uma coisa que emociona.
Professora Maria Lúcia - Eu também já fui chamada de burra. Eu não
queria fazer mais nada. Eu perdi o tesão pelas coisas.
Professora Márcia de Fátima – Eu também trabalhei numa escola
particular, a dona da escola também me chamou de burra.
Professora Cecília - Ninguém é burra. Todo mundo é capaz.
Professora Maria Lúcia - A gente pode ter menos habilidade pra umas
coisas e mais pra outras.
Professora Márcia de Fátima – Nessa escola eu sofri muito. Até meu
filho ela rejeitou. Eu coloquei na minha cabeça, eu não trabalho mais em escola
particular. E como se diz, mexeu com o meu filho, mexeu comigo. Eu tirei meu
filho de lá, eu nunca mais quero escola particular, eu vou fazer qualquer outra
coisa, mas escola particular não. Eu não quero nunca mais. Levava presente pros
filhos.
187
Professora Maria Edlene – Ficava bajulando.
Professora Márcia de Fátima – Eu não fazia isso, não faço isso nem
aqui, nem em lugar nenhum. Por isso, que eu detesto que falem pra mim que eu
sou puxa saco. Eu trato todo mundo igual. E lá não. Eu venho pra trabalhar, eu
não venho pra puxar o saco de ninguém. E os pais adoravam isso, gostavam de
mim, tanto que eu saí, elas me mandaram embora por telefone, eu não sabia. Os
pais me adoravam: Márcia você vai ficar com o meu filho o ano que vem? Olha,
eu não sei! Vai depender da atribuição e tal e em dezembro, em janeiro, um dia
antes da reunião eu liguei pra escola e perguntei qual o horário da reunião. Não,
Márcia, já que você me ligou, você não faz parte do quadro de funcionários. Só
que eu tive de cumprir o aviso prévio. Cumpri o aviso prévio e nesse mesmo
momento os pais fizeram uma reunião pra eu voltar, porque eu falei, eu não sei
por que elas me mandaram embora. Todo dia ela subia e falava os pais tão
reclamando de você, os pais tão reclamando de você, te chamaram até de burra.
Eu cheguei na mãe que ela falou que me chamou de burra e a mãe falou:
Imagina! E a mãe era vizinha minha e eu conheço os irmãos dela desde criança e
a gente tinha contato. E ela falou que essa mulher me chamou de burra e eu
conversei com ela e ela falou que não. Depois que eu cumpri o aviso prévio elas
queriam de volta porque eu sei trabalhar. Também me dei muito bem com o
infantil e eu falei pra ela que não. Que se ela tivesse feito de uma maneira
diferente poderia até, assim considerar. Eu tentar trabalhar, mas assim não, eu
abri mão de outras escolas por causa dela, porque era perto da minha casa. Eu
tava com o meu filho e só porque o meu filho, meu filho sempre voltou. Adora
folclore, tinha livros de folclore, onde eu tinha que comprar um livro de folclore pra
ele e foi na Semana Cultural. Ela pegou, pediu emprestado os livros que tavam
com a professora dele e ela falou assim: -É do Matheus, pedi pra Márcia. Não, se
é do Matheus eu não quero.
Professora Cecília – Credo!
Professora Márcia de Fátima – Então, isso chegou aos meus ouvidos e
eu disse que a partir de amanhã eu pagava a mensalidade e ainda eu era a única
professora que pagava mensalidade. E falei pra ela assim que no ano que vem
ele ia sair da escola e ele sentia isso na pele. E ele mal ia pra escola, foi um aluno
188
muito bem, excelente, mas ele mal ia pra escola porque eu não queria que ele
sofresse. Mas eu consegui tudo e depois que eu sai teve o Eco futuro e a minha
aluna da época que eu trabalhava lá, ganhou o concurso. Foi premiada, deu briga
com ela de novo por causa dessa premiação. O Eco futuro exigia a minha
presença porque eu era ex-funcionária. Só que quando eu cheguei lá no hotel,
aqui em São Paulo, a representante do Eco futuro, foi uma ex-supervisora minha
lá na Paulista. Quando ela chegou e me viu, ela começou a me tratar e essa
mulher fez de tudo e conseguiu ir. Essa dona Alessandra, conseguiu ir no
Congresso lá e a minha sorte é que essa mulher me conhecia. Ela tava até com
medo de eu fazer barraco, porque eu briguei com a Alessandra, briguei com a
Sandra por causa dessa mulher. Aí chegando lá, ela ficou revoltada porque a
mulher me conhecia.
Professora Cecília – Então, essa diretora foi uma bruxa, no seu
caminho?
Professora Márcia de Fátima – Foi, foi.
Professora Cecília – Mais alguém encontrou com bruxas ou o que
representa essa bruxa?
Professora Maria Lúcia – Tem pessoa muito má, que quer acabar com a
vida, com os sonhos da gente. Deixa a gente assim pra baixo de pano de chão.
Professora Márcia de Fátima – Ela me humilhava todo dia, me
humilhava todo dia.
Professora Márcia Polessi – É a pessoa não profissional, a pessoa não
profissional, ela se torna uma bruxa. Eu acho que a ética, né. A ética em primeiro
lugar.
Professora Márcia de Fátima – A inveja.
Professora Márcia Polessi – É a inveja! Mas isso, isso não pode
misturar no seu campo profissional.
Professora Márcia de Fátima – Mas ela misturou, ela misturou.
Professora Cecília – Não quer ver a felicidade dos outros.
Professora Maria Lúcia – Lá onde a Rafaela estudou também, ela falava
que tinha uma mulher que pagava trezentos reais pra ela e só faltava bater nela.
189
Humilhava. Ela falou que ia denunciar, ela falou eu pago pra escola e quem vai se
ferrar é você. Aí ela foi embora de lá.
Professora Márcia Polessi – Vocês querem escutar a minha historia? A
minha historia começou em 1988, eu caí no Bem Estar, na Secretaria do Bem
Estar Social de paraquedas. Eu estava há um ano desempregada e eu precisava
ajudar a minha família. A minha família sempre foi assim, não somos pobres, mas
somos de uma família mediana. Papai sempre incentivou os filhos a trabalharem,
assim você quer uma roupa nova, você vai trabalhar para comprar.
Aí eu fui fazer um teste que era na DRE – Penha e me deparei com uma
pessoa muito gente fina. Muito legal, a dona Alice. Aí ela olhou pra mim e falou
assim: Nossa! Você quer ser professora?
E na época eu só tinha o Nível Médio. Aí eu peguei, aquela pergunta pra
ela foi pertinente, porque eu me assustei, fui fazer pra ser secretária, ser auxiliar,
né. Aí ela falou: A gente tá pagando tanto. Na época me interessou que era
melhorzinho o preço, assim o valor, como fala?
Professora Cecília – O salário.
Professora Márcia Polessi – Aí eu falei assim: O que tem que ter? E ela
falou: Não, nada. Você tem que ter o Nível Médio. Aí tá bom. Eu tenho. É aí eu
falei: Tá bom, vamos fazer. Aí era ano de política. Você sabe gente, era 1988 pra
cá era só com padrinho, né. Era só com padrinho. Eu fiz, eu, minha cunhada e
uma coleguinha minha da mesma rua. A minha cunhada já entrou como
professora nesse equipamento que eu tô agora. E eu como pajem, depois que
veio ADI, né. Não me lembro se era pajem, não já era ADI, minto já era ADI e
nisso com o Sr. Jânio Quadros, foi uma sorte, porque eu entrei, fiquei três meses
sem receber, não fiquei tudo isso, acho que fiquei dois meses sem receber. Eu
queria aquela calça, aquele tênis, eu queria um dinheiro pra mim.
Professora Cecília – Quantos anos você tinha?
Professora Márcia Polessi – Eu tinha dezenove anos. Aí o seu Jânio
Quadros veio, né. Ele estava como, né, na prefeitura como prefeito e o pessoal
ganhava muito mal e ele falou assim: - Eu vou dar um aumento bom. Nossa, eu
peguei, comprei sofá pra minha casa, comprei estante, fiquei muito feliz, comprei
minha calça. Só que quando eu assumi sala, porque eu vim num equipamento
190
novo, aqui era novo, não tinha nada. A gente que pintou parede, a gente tinha que
lavar chão, enfeitar, por aqueles bonequinhos na parede com chupetinha tal. E o
equipamento não tava pronto, precisava o seu Gianotti inaugurar. Pra inaugurar,
né, a agenda dele tava muito cheia. Então, o que eles fizeram, eles puseram os
funcionários que tava aqui, em CEI, creche, perto do ponto que tinha e eu fui
parar na Vila Salete, você sabe na Vila Salete já tinha sete anos de CEI. E eu
ingênua, caí com uma profissional chamada Maria, eu entrei na sala, criança de
seis anos. Gente, sem experiência nenhuma.
Trinta e duas crianças. Ela falou assim: Fica aqui só um pouquinho que eu
já venho. Esse pouquinho gente...
Professora Paula - Demorou.
Professora Márcia Polessi - Foi o dia todo.
Professora Eliana - Foi o dia todo.
Professora Paula - Prova de fogo.
Professora Márcia Polessi - Eu vi aqueles cabelinhos, eu vi um senhor e
eu falei: Por favor, dá pra chamar a funcionária Maria? Olha ele deu uma saidinha
com a diretora. As crianças jogando tudo. Aí eu falei: Ah! Meu Deus, o que eu vou
fazer? Passou, passou, veio uma outra funcionária que me ajudou. Entreguei a
criança, cheguei em casa e falei: Mãe, não quero. Aí ela: Não, você quer sim,
porque você tem que ajudar, não sei o que. Não, não tá bem, fui uma semana
assim, empurrada e nesse CEI é, ficaram comigo, uma colega minha Vera e a
assistente de direção que seria a Farani. Aí eu comentei com a Farani que eu não
ia mais, que eu ia passar aquela semana e que eu não ia mais. Que aquilo não
era pra mim, gente imagina. Aí a Farani me tranquilizou que só ia ficar uma
semana naquele CEI Salete, porque o nosso equipamento já tava pronto, que a
gente ia lá pra inaugurar. Aí eu falei: Tá bem! Aí voltamos pra cá, né,
inauguramos e aí foi entrando criança de pouquinho em pouquinho por vez e eu
na época era a minha primeira sala.
Eu peguei um grupo maior, então, foi entrando em uma semana uma
,outra semana mais uma criança. Então, acho que isso amenizou o impacto. Aí,
na época era a professora. A diretora era uma freira, muito gente fina, a dona
Neusa. Você sai pro parque, olha o parque que grande pra essas crianças. Olha o
191
espaço que vocês tem e aí o vizinho vendo assim a nossa. Porque não tinha
brinquedo, não tinha nada, porque era no começo. A Prefeitura não tinha feito a
compra, tinha dado salários altos pros funcionários. Então, a Prefeitura tava...
Então, os vizinhos aí do lado, vieram dar doações: carrinhos, motocas,
enfim... A gente ficou aqui praticamente uns cinco meses sem o pedagógico,
podemos falar que era o pedagógico naquela época. Aí veio a dona Maria da
Graça, que deu umas pinceladas no que a gente deveria fazer com as crianças,
que ela era professora, não era pedagoga. Depois que ela formou a pedagogia.
Ela era professora e a gente tinha a parada todo mês, a gente tinha parada pra
Reunião Pedagógica. Aí vinha um pessoal, as técnicas e orientava a gente a fazer
isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de
historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca
tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia. O que me pegou? Foi à
necessidade, a sobrevivência porque eu vi uma sala pegando fogo e tinha três
livrinhos em cima do balcão. Não tinha nem prateleira de historia, já tinha dado
parque, já tinha dado motinha, já tinha dado carrinho pra aquelas crianças e elas
pegando fogo.
Olha o livrinho da Branca de Neve, quem que conhece a Branca de Neve
e eles pararam. Aí eu falei: Vamos sentar! Mas nós não sentamos em roda, nós
sentamos assim, era a lousa sem colchonete, sem nada. Foi assim de sopetão.
Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança,
sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que
acalmava a criança. E foi indo, foi indo, foi indo.
Bom, isso de 88 pra cá muitas coisas mudaram. Ou você estuda ou está
fora da prefeitura. Chegou isso nos nossos ouvidos. Ou você quer continuar ou
você tá fora. Quem quer, mas em um primeiro momento na prefeitura, você
estuda, estuda ou não te pago nada. Então, vamos atrás, né. Até antes de fazer
pedagogia, eu falei: Será que é isso que eu quero? Será que é isso mesmo, mas
se eu já to aqui há quinze anos, eu vou perder esse tempo de casa, quinze anos.
Vamos fazer e eu gostei.
Eu gostei da pedagogia. Lá, a partir de então, a gente ta vendo o
processo que nem agora.
192
Professora Paula – Olha Márcia, eu nunca comentei com você, mas eu
já comentei com outras pessoas que eu te admiro porque você foi atrás. Você foi
uma das poucas pessoas aqui dentro que foi atrás.
Professora Márcia Polessi – Então, Paula. Mas a gente pode falar assim
que é amor, foi por amor ou foi por precisão?
Professora Paula – Tanto faz, mas você foi atrás, independente de ser
por amor ou por necessidade, você foi atrás.
Professora Silvia – Você foi uma das primeiras.
Professora Márcia Polessi – Fui, fui a primeira a fazer Pedagogia, mas
eu fiquei em dúvida.
Professora Paula – Mas a dúvida é normal.
Professora Márcia Polessi – Porque antes disso, nós pegamos dois
anos de Maluf, dois anos de Pitta. Sabe o que que ele falou pro funcionário? São
todas mal amadas da prefeitura.
Professora Paula – Falou pras professoras.
Professora Silvia – Ele não dava valor pras professoras.
Professora Márcia Polessi – São mal amadas, gente isso não se fala
com ninguém. Nós “tamo” em CEI, a gente ainda não é bem vista não. Eles nem
fala em CEI, eles fala creche, entendeu! Olha o preconceito que tem ainda?
Professora Paula – Eu não to criticando quem não fez, porque às vezes a
pessoa ainda não fez porque não tinha condições, não é isso, mas se todo mundo
fosse atrás como você foi, entendeu, independente de ser por amor ou por
necessidade, se a maioria tivesse ido atrás, talvez o quadro hoje tivesse
diferente porque as pessoas iam poder lutar por uma coisa que conquistaram.
Professora Márcia Polessi – Eu não sei se ia estar diferente porque o
CEI tem muitas pessoas que já tem muita idade. Isso só vai mudar a visão
quando as pessoas se aposentarem.
Professora Paula – Mas agora elas tem muita idade, mas há dez anos
atrás.
Professora Márcia Polessi – Não, não tinha.
Professora Paula – Há dez anos atrás não tinha. Se elas tivessem a
postura de ser professor, mesmo não sendo da Educação.
193
Professora Márcia Polessi – Mas Paula, você não acha que a prefeitura
também não foi errada, estuda, estuda ou não te pago nada. Sendo que mãe, que
mãe solteira que tem três filhos pra sustentar não tinha possibilidade também.
Professora Paula – Desculpa. A prefeitura pagou o meu estudo?
Professora Márcia Polessi – Nem o meu, mas pagou o da Sueli.
Professora Paula – Então, mas porque você ficou esperando? E se a
prefeitura não tivesse pago?
Professora Márcia Polessi – Não fazia.
Professora Paula – Então, aí que tá. Você foi atrás. É isso que eu to
falando da minha admiração. A Prefeitura não pagou meu estudo, meu irmão
ficou dois anos parado sem estudar, porque ele não conseguiu um crédito
educativo, porque meu pai tinha um apartamento.
Professora Márcia Polessi – É verdade, não dão.
Professora Paula – Meu pai é desempregado, minha mãe é
desempregada. Entendeu, não é você esperar os outros te darem é você ir atrás.
É isso que faz a diferença. Eu fui atrás. Nessa época que eu estudava, só eu
trabalhava em casa, não ganhava nem salário mínimo. Você entendeu o que é a
minha admiração, que eu falo de você e de outras pessoas que foram atrás
independente do motivo foram atrás. Acho que é assim que tem que ser. Você
tem que ir atrás. Se você vai atrás você valoriza mais. Se você tem esforço, se
você não ganhou de mão beijada, você valoriza mais, você valoriza muito mais.
Professora Márcia Polessi – Só que é.
Professora Paula – Não tô criticando quem ganhou o curso, eu tô te
elogiando.
Professora Márcia de Fátima – Então, Paula. Entrando nesse assunto
eu fazia o CEFAN e o CEFAN na época era remunerado, era um salário mínimo,
né. Na época e muita gente lá no CEFAN. Essa menina mesmo que, que falou
isso pra mim, a maioria das meninas usavam aquele dinheiro pra outras coisas.
Porque é uso pra parte pedagógica, pro estudo. Eu não, eu acrescentava na
minha passagem, comprava um livro quando conseguia e valorizava, entendeu. E
eu mostrei pra mim, principalmente pra mim e pra aquela menina que eu não era
burra. E engraçado que na Paulista, eu trabalhei na CONTAX de operadora de
194
telemarketing, aí me revoltei. Eu queria mudar de profissão, né. Eu tenho que ver
novos caminhos porque eu não sei se é isso que eu quero. Depois de muito
tempo trabalhando na Educação, eu quero ver. E lá na Paulista eu dei de cara
com essa menina e ela veio e me abraçou, me beijou. Márcia que saudade! E eu
até esqueci de comentar, eu comentei com a Rosana, eu fui tão burra na época
quando ela falou, que a minha burrice acho que superou ela. No final do quarto
ano a gente tem que entregar o estágio. Eu fiz todos os estágios. Eu ia, as
professoras fechavam a porta na minha cara no estado. Fechavam a porta na
minha cara. Essa estagiária eu não quero na minha sala, senta lá que eu assino.
Eu sentava em uma mesa na sala dos professores e assinava.
No Henrique Pegada eu fui super bem tratada, porque já me conheciam.
Então, fiz o estágio não deixavam eu entrar, não precisa entrar, eu assino. Mas se
você quiser entrar, você fica à vontade. Eu fiz o meu estágio, fui todos os dias.
Essa menina chegou no final do ano, mostrou a ficha de estágio pro professor,
quando foi entregar pro diretor da escola assinar, o diretor falou assim: Não essa
menina não fez o estágio. Ela falsificou a assinatura dos professores, entendeu.
Todos os estágios dela foi falsificados. Então, ela reprovou por causa do estágio.
Ela era uma ótima aluna, aluna que fazia a sobrancelha na hora da explicação,
mas as notas dela era melhor.
Professora Edina – Tem gente assim, né. Engraçado!
Professora Márcia de Fátima – Só que ela foi reprovada por causa
disso. Então, a minha burrice passou pra ela, entendeu. Aí foi que mostrou quem
era.
Professora Maria Aparecida – Eu nunca tive quase, eu não tive quase
não, eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância.
Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não
sabia nem escrever e meu pai era militar. Então ele era muito duro com agente,
muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a
grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você
tinha que fazer as coisas que ele mandava.
Então, a gente tinha medo dele. Então, historia assim nenhuma. A gente
teve, nem eu, nem minhas irmãs.
195
Professora Ana Maria – Ah, eu também, na minha infância, a minha mãe
teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com
os filhos e contar pra mim não teve isso não. Só comecei a ter contato com
historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era
importante, eu lia muito, gostava de ler, mas na infância em si não tive contato
nenhum.
Professora Dione – Eu também com os meus pais, meu pai também era
militar. Eu acho que é característica de militar. Meu pai era muito durão, mas eu
tinha um tio nosso que contava assim. Eu lembro que ele reunia todos os
sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava
ouvir.
Ele, ele inventava a historia e contava. E todo mundo, a criançada
adorava, tava todo mundo sempre em volta dele pra ele contar historia. Aí meu
segundo contato foi trabalhando, né. No estado era professora de Língua
Portuguesa. Eu comecei trabalhar historias com livros de leitura e uns textos de
historia.
Professora Terezinha – Eu tive bastante contato, não leituras de
historias, leitura de contos de fadas porque na realidade, naquela época, os livros
eram muito caros, muito difíceis de conseguir. Então, assim, principalmente eu
lembro muito quando chovia. A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da
minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá
doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar
historias.
Historia da Branca de Neve, do Chapeuzinho Vermelho, né. Até hoje eu
tenho isso na minha mente. Principalmente quando chove, às vezes, até hoje eu
lembro dessa época que ela sentava todo mundo na cama e contava. E tanto é
que hoje em dia eu não tenho contato com as minhas tias, cada um foi pra um
lado. Casou e tudo, mas com ela, eu sempre me lembro no Natal, sempre me
lembro no aniversario dela de ta ligando, porque eu tinha nela uma mãezona, né.
A minha mãe era muito rústica, ela tinha problema de bebida. Então, ela não tinha
isso, então, assim, quando ela não bebia, né, ela ainda, eu lembro, ela dava de
196
mamar pra um e contava historias pra gente. Mas era mais contos folclóricos de
um homem não sei de onde que tinha virado lobisomem.
Professora Dione – Saci Pererê.
Professora Terezinha – Saci Pererê, se a criança fizesse arte, o Saci
Pererê vinha, buscava a criança, né. Eu lembro muito de uma que ela contava
que a criança era muito malvada com a mãe. E a criança batia na mãe, tudo. E
essa criança foi enterrada e quando ela foi enterrada a mãozinha dela ficou pra
fora. Então, eu sempre me lembro dessa historia. Então, a mãozinha dela ficou
pra fora porque ela batia na mãe dela quando ela era pequena. Então, eu tive
bastante contato de historias. Contei também muito pros meus filhos, aí com livros
mesmo. Deitava assim à noite, eu contava muitas historias pros meus filhos. Era a
Bíblia, a gente tem muito costume de ler a Bíblia, hoje já nem tanto porque com o
computador quase não deixa as crianças sentarem juntas. Eu acabo lendo
sozinha, mas quando os meus filhos eram mais novos, eu sempre lia a Bíblia
junto com eles.
Professora Walkíria – Olha, eu não tive muito contato com historia
porque a minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia. Então,
eles não tinham o hábito de contar historia. Então assim, não que assustava de
noite, tipo assim, é que vinha o fantasma, punha o lençol, aquela brincadeira
assim. Mas historia, sentar e contar eu não tive. Comecei a ter relação com
historia quando eu tive meus filhos, porque aí eu começava a contar pra eles
antes de dormir, tal. Mas pra mim mesma, na infância eu não tive não. Só depois
quando eu fui estudando.
Professora Maria da Penha – E vocês, por exemplo, esperavam o
príncipe encantado?
Professora Walkíria – Com certeza!
Professora Maria Aparecida – Eu não!
Professora Maria da Penha – Não?
Professora Maria Aparecida – Não, eu nunca tive essa ilusão assim.
Professora Terezinha – Eu tinha essa ilusão. E quando eu tive meu
primeiro namorado que foi o meu marido, eu achava que ele era o príncipe
encantado. Quando ele foi embora, foi uma desilusão tão grande pra mim, muito
197
grande mesmo. Sabe foi assim como se o príncipe encantado fosse realmente
uma coisa de historia, ele não existisse. Que eu achava que eu tinha achado ele,
mas ele não era meu, ele era de outra.
Professora Maria da Penha – E a visão da bruxa? Vocês tinham uma
visão de bruxa, quando vocês eram pequenas.
Professora Walkíria – Não, era só o homem do saco, não tinha bruxa
ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar.
Professora Terezinha – O Lobisomem tinha muito Lobisomem, Saci
Pererê.
Professora Walkíria – Era mais folclore que os avós falavam.
Professora Ana Maria – Que eram as historias que davam medo.
Professora Maria da Penha – E você Noelina, como foram os contos de
fadas? Quem contava historia pra você?
Professora Noelina – Eu não tive historia não, a minha avó contava
muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje,
assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa.
Pra mim ta sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha
aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz
apagada de jeito nenhum.
Professora Tereza – É trauma.
Professora Noelina – É sim.
Professora Maria da Penha – E como vocês começaram a contar
historias pras crianças de vocês? Por que vocês contam historia?
Professora Walkíria – Ah! Porque a gente estudou e aprendeu que teria
que ta contando, fala da imaginação.
Professora Maria da Penha – Mas você acha importante essa hora de
contar historia?
Professora Walkíria – Eu acho. Agora eu sei que é importante. Eu vejo
pelo Erick, que ele chega contando, ele quer pegar os livros.
Professora Noelina – Tem criança que fica, né. Eles contam né.
Professora Dione – Quando eles gostam.
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Professora Walkíria – E ele faz igualzinho à professora faz. Ele pega o
livro, senta, cala a boca que eu vou te contar. Então, sabe é muito importante.
Professora Noelina – Porque no berçário quando a gente conta historia,
eu e a Simone, sempre mesmo antes de ter essa observação de criança, a gente
colocava cada um pra ler a historia. E o Erick aprendeu, desde o berçário, ele já
passava a folha e contava.
Professora Walkíria – O Pinóquio ele gravou, ele gravou a historinha do
Pinóquio. Pode perguntar pra ele, que ele conta.
Professora Ana Maria – E o lobo mau? Que que vocês me contam do
lobo mau?
Professora Dione – É uma das historias que eles mais gostam, eles não
cansam. Toda vez que você passa eles pedem.
Professora Noelina – Eles imitam na sala. O Breno fala pras crianças:
Eu sou o Lobo Mau!
Professora Walkíria – Tem alguns que cantam. Eles gostam, né?
Professora Noelina – Começa a cantar, aí faz aquela fila, quando você
vê a sala toda já ta envolvida, né.
Professora Maria Aparecida – Essa historia, essa historia eu acho que é
contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir.
Professora Noelina – E quando nós fomos contar a historia do
Chapeuzinho Amarelo. A Giovanna falava: Não é esse, tia. Não é esse. Porque
ela conhece o Chapeuzinho Vermelho. Não era amarelo, era vermelho. Que
coisa, né?
Professora Simone – Eu lembro a gente na máquina de costura até dez,
onze horas da noite. Assim eu lembro um pouco da infância, de alguém contando
historia pra mim. Era meu bisavô que contava, minha bisavó que contava as
historias da guerra. Não historia pra criança mesmo, historia da vida dela. E ela
quando foi ter o meu avô, o pai do meu pai, ela escutava os tiros da guerra. Na
hora do parto, ela ficou com muito medo. E meu vô contava do Curupira, do Saci
Pererê, coisas do folclore mesmo.
199
Professora Terezinha – Acho que Lobisomem, naquela época aparecia
muito por causa da quaresma. Porque, então, se você saísse à noite, se fosse
pro baile, se se pintasse. Então, pode ter certeza que ele vinha, o Lobisomem.
Professora Noelina – Eu escutei tanta historia. A minha mãe nasceu na
revolta. Era tanta coisa que ela falava dessa revolta. Que esqueceram ela na
rede, que voltaram pra buscar ela. O pessoal já tava tomando conta da casa e ela
contando aquilo. Ia me deixando apavorada, parecia que eu tava participando
daquele momento também, vê como é interessante. A gente pequena...
Professora Terezinha – E como marca, né?
Professora Noelina - É e eram duas pessoas, eu e meu irmão. Ali, ela
sozinha, contava aquilo pra gente.
Professora Dione – Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês.
É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se ela vai
lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra
ela.
Professora Terezinha – É que nem o menino Gustavo, né? Que ele
gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro
que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay
um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que
marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa
muito mais da historia.
Ela aparece mais na historia. Então, provavelmente foi isso que chamou
a atenção dele. Não o fato dele em si, da roupa, não dele gostar da roupa de
mulher. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e tem pessoas que ficam, né,
tipo podando ele, porque eles acham que esse aí não sei não.
Professora Dione – Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia
da bruxa dá prazer.
Professora Simone – A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de
Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles
querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. E
nós como criança também, nós lembramos de que: das historias de Lobisomem,
de Bruxa, do Curupira, do Saci Pererê.
200
Professora Terezinha – Mas eu acho também que antigamente, hoje a
gente ainda tem essa mentalidade de dá atenção pro meu filho. Preciso sentar
com o meu filho. Antigamente nossos pais não tinham essa visão.
Professora Noelina – Não tinha.
Professora Terezinha – Criança era criança e acabou. Elas tinham que
ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a
gente sentisse das historias era o momento que você tava perto. Era o momento
que você tinha a tia perto, você tinha o pai perto. Então, pra você não tinha
problema que você ia ter medo, mas pelo menos eles estavam perto de você.
Porque eu acho que na realidade, que eu me lembre, eram os únicos
momentos que eu ficava perto da minha mãe ou da minha tia. Se tivesse adulto
conversando, ela só olhava, você já saía de lado, você nunca tava junto.
Professora Noelina – Só o olhar você já entendia o que queria dizer.
Professora Terezinha – Era pra você ta se afastando, que não era lugar
pra você.
2º Encontro
Professora Maria Edlene - Sueli, fale como você conheceu os contos de
fadas? Se na sua infância seus pais contavam, como era?
Professora Sueli – A maior parte da minha infância eu passei com os
meus avós. E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela
contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com
contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem
maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas
contados no livro. O que eu aprendi eram eles contando pra ensinar a gente o que
era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.
Ah! Você quer ficar que nem um menininho que conta mentira e o nariz
cresce? Assim, mas não, exatamente a historia como a gente foi aprender depois
de grandinha.
Professora Dulcinéia – Sueli, eles contavam essas historias indígenas,
mas e as historias de princesas, príncipes?
201
Professora Sueli – Tinha princesas e príncipes, mas indígenas. Um
príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Mas
como as tribos eram rivais, eles não, não aceitavam o relacionamento deles. Por
causa disso, eles fizeram um pacto, é bem parecido com a historia que conta de
Ceci e Peri. Só que eu não me lembro mais. Mas minha avó colocava os nomes,
mesmo da tribo. E eles fizeram um pacto de sangue e que os dois entraram na
lagoa, entraram no rio grande e de mãos juntas morreram afogados.
Professora Dulcinéia – Que bonito!
Professora Sueli – Era as historias que eu ouvia. Eram bem diferentes,
eu falei que são bem diferentes as minhas historias.
Professora Márcia Polessi – Interessante!
Professora Sueli – E também historias de assombrar. A gente tinha o
homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô nunca
falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que
fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com
os adultos. Então,era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com
você.
Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você
já tinha medo. Mas não era aquela coisa de assombração, o homem monstro, o
homem não sei o que, não tinha.
Professora Márcia Polessi – Su e na sua época de escola, contavam
historia pra você?
Professora Sueli – Muito pouco. Na minha época de escola eu tive um
professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo
contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era
aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de
fadas, só na 4ª série mesmo.
Professora Dulcinéia – E mesmo sem ter tido a vivência, você contava
pras suas crianças como educadora?
Professora Sueli – Se eu contava? Não, eu contava, mesmo sem ter tido
a vivência, porque que nem diz, eu aprendi a apreciar os contos de fadas já
grandinha. Eu já estava alcançando os dez, onze anos. Quando eu fui começar a
202
ler mesmo os livrinhos de contos de fadas. A historia de Branca de Neve,
Cinderela eu já estava entre, entre os dez e os onze anos, quando eu fui
aprender.
Professora Dulcinéia – Que tinha contos?
Professora Sueli – Que tinha contos, porque até aí não eram contos de
fadas, era historia como qualquer outra, não se via como contos. E eu também
tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também
não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas,
era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim
conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada.
Professora Maria Edlene – E a televisão ajudava? Ajuda hoje? Ou
ajudava na época pra você entender alguma coisa?
Professora Sueli – Naquela época, televisão acho que não passava
muito contos de fadas.
Professora Márcia Polessi – Só a Emília, sítio do Pica-pau Amarelo, Vila
Sésamo. Sueli se lembra da Vila Sésamo?
Professora Sueli – Não, mas aí não.
Professora Márcia Polessi – Toppo Gigio.
Professora Sueli – Mas aí eram programas infantis não direcionados a
contos de fadas.
Professora Maria Edlene – Fazia a criança viajar?
Professora Sueli – É ele fazia a criança viajar pra outro universo. O
universo da imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor,
entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele
programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais,
porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando
você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela
e o Pinóquio.
Professora Márcia Polessi - Chapeuzinho Vermelho.
Professora Sueli – E Chapeuzinho Vermelho, quer dizer quem soubesse
esses quatro, já sabia todos os contos de fada. Raramente você ouvia alguém
falar João e o Pé de Feijão, era raro. Rapunzel ou Os Três Ursinhos que era a
203
menininha dos cachinhos dourados, raramente você ouvia contar. Quer dizer,
quem conhecia essas historias, já estava bem mais a frente que as outras
pessoas, principalmente quem...
Professora Márcia Polessi – Quem tinha vitrola naquela época, porque
saiu primeiro em vitrola.
Professora Sueli – Ah! Sim!
Professora Márcia Polessi – Depois saiu em livro. Quando tinha vitrola,
tinha quem não tinha.
Professora Sueli – Eu, na verdade assim, de ouvir historia, eu fui ouvir
historia, eu já ia fazer uns onze, devia ter de onze pra doze anos. Porque a minha
mãe me deu uma vitrolinha e ganhou no Baú, o Silvio Santos contando historia.
Professora Márcia Polessi – Isso, isso mesmo!
Professora Sueli – Você punha o disquinho e escutava várias vezes a
mesma coisa.
Professora Cecília – E tinha sempre a moral da historia?
Professora Sueli – Ah?
Professora Cecília – Tinha sempre a moral da historia no final? A
explicação.
Professora Sueli – É ele contava toda a historia e tinha a moral da
historia. Sempre assim, tá vendo a importância de você não contar mentira, você
ser sempre educado, não confiar em estranhos. Sempre tinha uma moral de
historia, que era pra quem estava ouvindo fixar aquilo. Sempre tinha essa, essa,
essa coisa de ficar preste atenção no que eu estou falando, guarde bem o que eu
estou te informando.
Professora Márcia de Fátima – Sueli, você falou do Sítio do Pica-pau
Amarelo. Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã. A
gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Ficava uma na
ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Pica-pau à tarde
inteira, passava na Globo. Não lembro que canal e a gente ficava assistindo. Meu
pai chegava às três horas, almoçava e a gente almoçava junto com ele, porque
sentia o cheiro maravilhoso. Então, a gente almoçava e nessa, eu queria saber
por que contos de fadas só é aquele que no caso é internacional. Não é daqui e
204
por que a Emília traz a imaginação? A Emília é uma boneca que fala, uma boneca
costurada pela avó pro neto. Como os nossos avós e a criança usa a
imaginação? E os contos de fadas faz isso?
Só que ele é internacional e a Emília é brasileira. Por que não pode ser a
Emília, contos de fadas também. Por que na minha época eu não tinha Barbie, eu
não tive bonecas. A minha boneca, minha irmã fazia de pano. Aquela magrelinha,
o cabelinho costuradinho, o olhinho e aquilo lá era a minha Barbie. E eu
imaginava que era uma Emília, entendeu. Eu fazia o quê? As caixinhas de fósforo
eu fazia a casinha. Então, eu imaginava tudo isso. Porque comparava a minha
boneca de pano com a Emília. Só que não era colorida. Não pode ser um conto
de fadas?
Professora Dulcinéia – Então, a Emília, ela trabalha o folclore, que é o
nosso folclore brasileiro, o folclore nacional. E o que ela traz? Ela traz os
personagens do próprio folclore?
Professora Márcia de Fátima – Então, mas só que eu falo assim, em
questão de ser contos de fadas e folclore também trabalha a imaginação. Por
que, existe o príncipe?
Professora Dulcinéia – Existe.
Professora Márcia de Fátima – Pra todo mundo?
Professora Dulcinéia – Existe nos contos.
Professora Márcia Polessi – A rainha existe.
Professora Márcia de Fátima – Na Emília também tem.
Professora Márcia Polessi – Tem o Príncipe Escamado.
Professora Márcia de Fátima – Então, eu estou falando a comparação,
porque na minha infância como eu já havia falado não tinha contos de fada, não
tinha historia da Chapeuzinho Vermelho. Não tinha historia dos outros, Branca de
Neve, os padrões, o que é contos de fadas pra todo mundo, é esse aí, pronto e
acabou.
O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do
Picapau Amarelo, porque me fazia imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e
tinha os sapos, todos os personagens de uma historia de contos de fadas. Eu
fazendo essa comparação, entendeu?
205
Professora Sueli – Aí, no caso, seria assim, vamos supor, a literatura em
si não reconhece o Sítio do Pica-pau, só porque...
Professora Márcia Polessi – Ele é brasileiro.
Professora Sueli – Ele é brasileiro e vê ele como uma historia folclórica e
não como conto de fada.
Professora Márcia Polessi – Mas reconhece Walt Disney, porque a
mídia...
Professora Sueli – Porque na verdade, pelo que eu entendi seria assim,
o Sítio do Pica-pau sairia de um conto folclórico e se tornaria...
Professora Márcia de Fátima – No caso um conto popular.
Professora Sueli - Porque na verdade ele vem como se fosse um conto
popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de
um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser, né?
Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional,
porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o
Sítio do Pica-pau Amarelo?
Professora Maria Edlene – Mas falta à literatura aprimorar mais e dar
valor também.
Professora Márcia Polessi – Eu acho que não é a literatura, a mídia, a
mídia ajuda muito. É a mídia gente, a mídia levantou Walt Disney, a mídia, a
mídia levanta e derruba.
Professora Sueli – E se colocassem...
Professora Maria Edlene – Se o povo brasileiro quisesse...
Professora Sueli – E se transformasse o Sítio do Pica-pau Amarelo num
desenho animado, pode ter certeza que ele vai pegar, como pega a Cinderela ou
uma Branca de Neve.
Professora Dulcinéia – Márcia, você já conta às historias do Sítio, está
contando da Emília? Você gostaria de ter sido algum personagem do Sítio do
Picapau?
Professora Márcia de Fátima – Não.
Professora Márcia Polessi – A Cuca!
Professora Dulcinéia – Nas suas brincadeiras...
206
Professora Márcia de Fátima – Eu tinha vontade de ser a Narizinho, que
eu adorava a Narizinho e a Emília pelas travessuras. Que ela poderia, que eu não
podia no momento fazer. Igual se subir na árvore, na minha casa não tinha
árvore, eu tinha que ficar dentro de casa. Não podia sair na rua, que minha mãe
não deixava, entendeu?
Como eu falei, por ser a caçula e tinha uma irmã um ano mais velha,
então, a gente vivia juntas. A gente não saía na rua. Então, a gente imaginava as
brincadeiras que a Emília fazia de pular, de correr, de imaginar de estar em um
lugar diferente. Era esse momento que eu queria ser ela e também a Narizinho
que eu adorava o Pedrinho.
Professora Márcia Polessi – Ah! Eu queria ser a Cuca, por medo em
todo mundo, saía na rua e falava: Eu sou a Cuca! Sempre tive esse lado
macabro.
Professora Maria Edlene – De querer ser a Cuca, as bruxas?
Professora Márcia Polessi – O Saci, sumir com as coisas, esconder.
Professora Sueli – Eu, já ao contrário, quando eu consegui aprender a
ouvir a historia do Sítio do Pica-pau, eu já me via a Emília. Porque eu era o
contrário. Eu falava que ela fazia tudo o que eu fazia. Então, muitas vezes eu
falava: Ah! Não tem graça. Essa boneca, essa boneca faz tudo que eu faço,
entendeu? Porque era assim, eu vivia como eu falei a maioria do tempo com
meus avós, que apesar de ser dentro de São Paulo, era um terreno enorme, que
era como se fosse um sítio. E sempre teve muitas árvores frutíferas e muitos
animais. Quer dizer, tudo aquilo que passava que a Emília estava fazendo na
televisão. Ai que boneca chata! Ela sobe na árvore, eu também subi!
Professora Cecília – Você já tinha vivenciado.
Professora Sueli – Entendeu? Eu falava assim: ela está correndo dentro
do rio, eu também corri, então, quer dizer...
Professora Cecília Ela estava te imitando.
Professora Sueli - É, no meu ver, ela estava imitando o que eu fazia. Eu
tinha um primo que falava assim: “Olha lá, vem ver a Sueli na televisão!”, que era
a Emília e eu falava: Vó eu não gosto dela, porque ela está fazendo à mesma
coisa que eu fiz. Pois agora vou pegar um sapo e eu quero ver se essa boneca
207
vai pegar, até aí eu não tinha aquela, aquela compreensão de dizer assim: ela
está interpretando o que foi escrito pra ela fazer e mais parecia uma coisa. No dia
que eu subia na árvore, quando nós parávamos de tarde pra assistir televisão. A
boneca subia na árvore. Então, aquilo dava a impressão que ela tinha visto o que
eu estava fazendo e estava me imitando. Aí minha avó falava assim: Isso é só
televisão, menina. Aí eu falei: Pois eu vou pegar um sapo.
Eu fui num poço que tinha lá perto, peguei um raio de um sapo, coloquei
ele dentro de uma caixinha de sapato, corri pra frente da televisão e fiquei
esperando. Agora eu quero ver se ela vai pegar o sapo também, quer dizer,
porque eu sempre entendi assim. Mas é que nem eu estava explicando, eu
assistia o Sítio do Pica-pau Amarelo como se, como se tivesse assistindo
qualquer coisa, a gente não via como um conto de fadas, você estava assistindo.
Professora Dulcinéia – E Sueli, você falou da Emília, da identificação, da
imitação. E a sua avó, a sua avó também pra você era como uma figura de Dona
Benta.
Professora Sueli – Sim, sim porque minha avó adorava fazer bolinhos,
vivia com um avental e adorava quando a gente falava que precisava fazer
comidinha pra brincar de casinha. Ela sempre dava um jeito, ela fritava ovo, fazia
farofa e falava: Pode ir buscar as suas panelas. Então, ela punha a farofa dentro
das panelinhas, pra gente levar até aonde a gente estava brincando nos caixotes.
Ela colocava pra gente brincar de comer. A gente brincava de casinha, mas não
era de imaginação. A gente tinha as comidinhas mesmo, porque a minha avó
dava, ela misturava farinha de mandioca com açúcar pra fazer coisinha doce. A
gente sempre comia comida mesmo nas brincadeiras de casinha, não imaginava.
Professora Maria Edlene – Sueli, e assim, porque a gente como
educador não acaba contando a historia da Emília pras crianças e acaba
contando outros contos?
Professora Sueli – Por quê?
Professor Márcia Polessi – Bom, aqui já teve no CEI um movimento de
contação de historia da Emília, que em 1989 – 90, não é, Sueli? Se não me falha
a memória nós dramatizamos sim, trabalhamos a historia do Sítio do Pica-pau
Amarelo. E no final do projeto, que a gente nem sabia que era projeto nós fizemos
208
um teatro com danças, vestimos as crianças com sabugo, tingimos lençóis. A
gente fez.
Professora Maria Edlene – Não, mas eu acho assim...
Professora Márcia Polessi – Um tumulto aqui no CEI.
Professora Maria Edlene – Porque veja a historia da Branca de Neve, se
você for contar pras suas crianças você vai contar daquele jeito que é a historia
mesmo. Eu também, mas a da Emília tem só um padrão?
Professora Márcia Polessi – Não, não tem padrão, porque ela não tem
fim.
Professora Maria Edlene – Eu acho que talvez seja por isso.
Professora Sueli – Que nem a Branca de Neve, os outros contos de
fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de CEI, é
bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas.
Professora Cecília – Sim, porque ele faz parte.
Professora Sueli – Ele faz parte do conto de fada, mas é assim, vamos
supor, acaba que nem no nosso caso. Aqui já recebemos dois mil livros, já teve
um ano que chegamos a receber mil livros, não tinha um do Sítio do Pica-pau
Amarelo.
Professora Márcia Polessi – Verdade!
Professora Sueli – Agora, tinha cinco ou seis exemplares de Branca de
Neve, de Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, quer dizer...
Professora Márcia Polessi – Os três porquinhos...
Professora Maria Edlene – Talvez seja por isso, porque eles tem só
aquela historia, tem começo, meio e fim.
Professora Márcia Polessi – O Sítio não tem fim.
Professora Maria Edlene – São várias etapas, várias historias.
Professora Sueli – Só que coisa que poderia ser assim trabalhada e
resolvida, nós também temos historias aqui. Por que o Chapeuzinho é vermelho?
Por que é verde? Por que é amarelo? Por que é abóbora? Por que é Lobo Mau?
Vamos supor, na historia, você está contando a historia, depois assim, o Lobo não
é mais mau, o Lobo é bonzinho. Quer dizer que foi tema que era a diversificação.
209
Professora Maria Edlene – Já vi historia da Chapéu que ela tentava
educar o Lobo. No final ela que ficava má e o Lobo ficava bonzinho.
Professora Sueli – Você vê, mas de certa forma ela já teve umas
modificações, diversificaram assim o tipo...
Professora Maria Edlene – Ninguém fez isso, ninguém se preocupou em
fazer isso.
Professora Sueli – Então fica uma historia assim, sem ter fim, porque se
fossemos se basear na primeira historia do Sítio do Pica-pau que Monteiro Lobato
criou, o que ia acontecer? Você conseguiria ficar focada naquelas, mas acontece
que o Sítio do Pica-pau, acho que ele logo que entrou na televisão, ele foi
mudando historias, historias e historias, ninguém sabe direito dizer qual é a
historia original.
Professora Maria Edlene – O que falo das travessuras da Emília e o que
a gente lembra.
Professora Márcia de Fátima – Por que os nossos pais nunca contavam
historias do Sítio?
Professora Márcia Polessi – Eu vou falar por mim, os meus estavam
sempre trabalhando.
Professora Maria Edlene – E porque não conheciam.
Professora Márcia Polessi – E sempre trabalhando, porque o horário
que passava, quem estava em casa? O seu pai chegava às três horas, quando
terminava ia almoçar e aí?
Professora Sueli – No meu caso, que nem eu falei, o ambiente que eu
vivia era diferente. As historias que eu ouvia também e depois quando eu passei a
morar constantemente, na época de escola, com o meu pai e com a minha mãe.
Aí era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite e que nem
dizem, eu não tive, não tinha. Minha mãe nunca teve o hábito assim e também
não dava tempo. A hora que a gente deitasse para dormir não tinha como. Aquilo
foi passando, quer dizer, vamos supor, a minha mãe foi parar pra pegar um livro
de contos de fadas pra ler, o dia que eu peguei na biblioteca o livro. Levei pra
casa e mostrei pra minha mãe, que era a historia. É por isso que eu falo da
historia do Pinóquio, que é a que pra mim ficou mais marcada assim. Porque eu já
210
ouvia ela quando eu era criança. Era a historia de ler. De Pinóquio “nossa, sua
avó falava uns pedaços dessa historia de Pinóquio pra mim”, mas nessas alturas
eu estava entrando quase com treze anos de idade. Eu já estava bem dizer quase
passando da fase, já tinha saído da fase infantil e entrando na adolescência.
Professora Maria Edlene – Acho que as crianças hoje em dia tem sorte.
Professora Márcia Polessi – Nasceram numa época boa, né?
Professora Sueli – É uma época que tantos pais se interessam em
contar.
Professora Maria Edlene – Tem mais opções.
Professora Márcia Polessi – A globalização no caso. Porque antes não
tinha computador e televisão, não tinha DVD, não tinha nada. Rádio se vocês
pensarem bem gente. Rádio e televisão o pessoal que tinha e a gente. A gente
mora num bairro médio. O rádio foi surgir em 1960 que é isso. A televisão se não
me engano em 1950. Não é, o que você tinha notícias no rádio, naquela época,
era sobre a guerra, Segunda Guerra Mundial. Num ia entrar nos contos de fadas,
o mundo era militar. O Brasil estava na época do militar, aonde que o militar ia dar
vazão pros contos de fadas, me fala?
Professora Maria Edlene – Imagina!
Professora Márcia Polessi – Então, a gente está aqui numa época muito
valiosa. Temos a mídia e temos a informática.
Professora Eliana - Em relação aos contos de fadas, o que você acha
Sueli, da “Princesa e o Sapo”, que trouxe a princesa negra?
Professora Sueli – Ótimo!
Professora Eliana – Você encara como preconceito ou valorização do
negro?
Professora Sueli – Não, eu encaro, não digo valorização, mas eu acho
por que as princesas só tinham que ser branquinhas e loirinhas?
Professora Márcia Polessi – Por que não incluir aí a oriental?
Professora Maria Edlene – Tem a Mulan.
Professora Cecília – É o estereótipo?
Professora Sueli - É o estereótipo.
211
Professora Maria Edlene – Legal Sueli! Só que eu estava lendo uma
reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra
sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar,
trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já
tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que
nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar
princesa.
Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado,
eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra e ela é linda?
Professora Eliana – Eu conheço uma historia que a menina era
empregada da minha irmã, ela era branquinha, loirinha. Era uma graça, ela era lá
do Rio Grande do Sul, só que vivia aqui com a minha irmã. Os pais dela tinham
morrido, não tinha ninguém. Então, ela vivia aqui com a minha irmã. E a irmã
falou assim: Tenho uma pessoa que quer que more na casa dela, pra você
trabalhar lá. E ela falou: Eu aceito. Aí ela trabalhou na casa da minha irmã como
empregada. Fazia de tudo, depois ela foi embora pra casa da irmã, lá no Rio
Grande do Sul e lá ela depois conheceu um fazendeiro. Casou com ele e virou a
princesa! E ela ainda convidou a minha irmã pra ir lá, passar um dia lá na casa
dela.
Professora Sueli – Então, pra mim, eu entendo assim, que nem você
falou até a autocrítica desse americano. Só que eu acho assim. É você ver os
dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que
nem tudo você consegue com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você
lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da
princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi
a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando
independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou
dela.
Independente de valores, nesse ponto eu acho que independente de
estereótipo, independente de valores, classe social, ele não se importou se ela
era pobre, se ela era negra. Foi dela que ele gostou. Então, eu acho assim que
são tipos de valores que você, somente a gente que está na área de Educação
212
Infantil aponta pra criança que há diferenças. Não é porque aquele é branco e
você é negro, que ele é melhor que você ou que você é melhor que ele. Todos
são iguais e é aquela coisa, ele tem condições melhores que você, você vai
aprender com o tempo que tem que ir a luta pra alcançar seu objetivo.
Lá na frente que você também pode ter o que ele tem e aprender que
principalmente na criança, que eu não tenho que invejar o outro. Eu tenho é que
demonstrar pra ele que eu sou tão capaz quanto ele. Eu não preciso invejar do
que ele tem. Então, quer dizer que a partir do momento que o professor de
Educação Infantil, você começa a ensinar a criança, você consegue fazer com
que a criança começa aprender aquilo, que o colega dele é igual a ele
independente se ele é negro, se ele é índio.
Professora Maria Edlene – É como você falou existe dois lados da
historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem
caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele
já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em
nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor
bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele.
Professora Sueli – Então, quer dizer, independente dela ser negra e
pobre, ela ensinou valores pra ele. Que um príncipe branco e rico não tinha,
nunca teve, nunca aprendeu.
Professora Eliana – Eu achei muito engraçado.
Professora Sueli – Você entra naquela historia, que nem a gente fala,
aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá
valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral,
que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá
pra ele, ele nunca vai dar valor moral. E qual é o papel do educador? Formar a
criança para que a criança tenha valores morais, porque o que mais está faltando
no adolescente hoje em dia, em muitos, principalmente, o que está se reparando
hoje em dia na mídia são valores morais, principalmente em adolescentes de
classe média alta, que é aquele que tudo que ele quer, o pai dele dá.
Professora Cecília – Mas é culpa da família.
Professora Sueli – Ele nunca fala não pra ele. É a família mesmo.
213
Professora Cecília – Quando fala não um dia na vida.
Professora Sueli – Ele é capaz de matar o próprio pai.
Professora Maria Edlene – E o bom desse conto é que tem tanta coisa.
Eu acho um dos contos melhores. Além disso, do príncipe que eu acabei de falar,
tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra
gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a
gente era criança, a gente não entendia.
Quando minha avó morreu, que eu era criança e ela lá no caixão e foram
colocar ela lá embaixo e era engraçado. Que eu falava pra minha mãe: Mas vão
colocar ela aí embaixo, ela vai morrer sufocada. Então, quer dizer, eu não sabia,
eu não entendia o que era. Meu pai, minha mãe não tinha tempo e talvez se eles
me explicassem ela foi embora, ela morreu, não tem outra forma de trabalhar pra
criança entender isso e hoje tem.
Professora Sueli – E através desse conto de fada, o que a pessoa faz,
você consegue mostrar valores, perdas, quer dizer ensinar que você...
Professora Márcia Polessi – Respeito.
Professora Sueli – Que você ganha, que você perde, que isso faz parte
do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em
cima de valores e respeito para com o outro.
Professora Maria Edlene – E o engraçado é que mostra que a morte não
é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele
vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado.
Professora Sueli – Mas porque na historia do conto de fada, o “Way” já
não via a morte com medo, ele já via a morte...
Professora Maria Edlene – Ele era apaixonado.
Professora Sueli – Eu vou encontrar a Evangeline, aquilo ali pra ele, se
ele morresse estava tudo bem, porque ele falava assim. Que ele tinha sempre
aquela esperança que do outro lado que ele ia encontrar e outros problemas que
a gente não consegue.
Professora Márcia Polessi – E a gente também trabalha a religião e o
respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também.
É muito bom esse conto.
214
Professora Sueli – E isso que eu estou falando, às vezes, a pessoa vê o
conto e como fala?
Professora Maria Edlene – Não vai além.
Professora Sueli – Não vai além, não se aprofunda você tem que ler e se
aprofundar e conseguir. Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em
um conto só quantas coisas pra trabalhar.
Professora Maria Edlene – E ainda se a gente for ver tem mais coisa
nesse conto.
Professora Sueli – E se você for se basear, vamos fazer uma
comparação da historia do príncipe e da princesa baseado em cima do da Branca
de Neve, onde que você encontra maiores valores? Quem sabe o conto da
Branca de Neve, você quase não vai encontrar. Você primeiro vai encontrar que
ela é boazinha, que ela está sofrendo na mão da madrasta.
Professora Maria Edlene – Valoriza muito a beleza.
Professora Sueli – É porque ela é linda, linda, linda. Ela é muito linda e
ta, ta, ta. E demonstra o quê? Que a madrasta tem inveja. E eu acho assim é uma
coisa trabalhada assim, que se você não trabalhar bem a cabeça da criança, uma
menina no meio da escola que se vê como a Márcia. É linda como a Márcia é
linda, não sabe que é inveja, birra com a Márcia, porque a professora falou que a
Márcia é linda. Então, você que vai trabalhar o conto de Branca de Neve, quer
dizer o único que vê Branca de Neve numa boa são os sete anões. Eles não
queriam saber dela, da onde que ela veio, quem era ela. Eles demonstraram a
bondade, é o outro lado. Eles demonstram a bondade à hora que eles aceitam ela
na casa uma estranha na casa. Independente, eles não queriam saber se ela era
princesa, da onde que ela veio.
Professora Cecília – Eles só pensam em ajudar.
Professora Márcia Polessi – Ela limpou a casa gente.
Professora Eliana – Ela organizou.
Professora Sueli – Ela sabia fazer comidinha.
Professora Cecília – Eles trabalhavam bastante chegavam do serviço e
achavam tudo arrumado.
215
3º Encontro
Professora Paula - Bom, minha vida profissional no momento me fez
lembrar. Eu até li ontem pras crianças foi a historia dos três porquinhos, porque
desde que eu pensei em cursar pedagogia e ser professora. O meu objetivo
sempre foi trabalhar na EMEI. É um lugar que desenvolve um trabalho legal com
às crianças, é uma faixa etária que eu gosto de trabalhar e a primeira vez que eu
comecei a trabalhar mesmo foi em escola particular. E na escola particular a
gente é muito podada, não era muito, mas éramos. Seguimos algumas coisas
que, às vezes, você não concorda, mas é o seu emprego e você tem que
respeitar a linha pedagógica da escola. Então, era mais ou menos como o
porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso,
entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não
podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então, a primeira casa
que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha
passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um
pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu
achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, eu já procurei
tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu
aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a
oportunidade e consegui. Então, é a segunda casinha que está sendo derrubada,
mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom
que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista.
Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que
era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa
etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas
coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os
desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai tá
sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou
ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu
caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem
sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em
216
busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar
atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra
casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente
poder se refugiar.
Professora Sueli – Paula, e na sua vida pessoal, qual é a historia do seu
momento?
Professora Paula – A historia do meu momento, não sei, eu não parei
pra pensar nisso.
Professora Márcia Polessi – Casamento.
Professora Eliana – Que conto?
Professora Paula – Não sei qual seria a personagem.
Professora Maria Edlene – No conto já seria o fim, o casamento.
Professora Paula – Ah! Ficar felizes para sempre mesmo. Sim, mas é
que está na parte que ainda não chegou no casamento, mas está chegando. Eu
gosto muito da historia da Cinderela, dos contos de fadas a historia da Cinderela
é a que eu mais me identifico, que eu gosto sim. Eu sempre gostei mais, mas não
sei relacionar a historia da minha vida, a historia é muito fora da nossa realidade.
Então, mas é uma historia que eu gosto, toda vez que alguém me pergunta de
um conto de fadas que eu gosto, particularmente eu digo, Cinderela.
Professora Maria Edlene – Mas a Cinderela, acaba que trazendo, até
que não é tão fora assim, porque acho que todo mundo espera um noivo, fica a
espera, sonha.
Professora Márcia – Por que você está olhando pra mim?
Professora Sueli – Porque você está esperando o seu príncipe.
Professora Márcia – O meu príncipe, como a Edina fala, já virou o quê?
Professora Edina – Sapo.
Professora Márcia – Sapo?
Professora Eliana – Então ele ainda não virou príncipe.
Professora Edina - É um sapo que ainda vai virar príncipe.
Professora Márcia – Vou começar a beijar todos os sapos que eu
encontrar.
217
Professora Sueli – Eu só posso afirmar que eu não tenho contos de
fadas.
Professora Maria Edlene – Não! Por quê?
Professora Sueli – Porque eu era a Emília. Porque a boneca Emília me
imitava. Ela me imitava! E a Cecília?
Professora Cecília – Não tenho nada a declarar.
Professora Márcia – Hein, Cê e você?
Professora Cecília – Não tem nada em relação aos contos de fadas.
Professora Maria Edlene – É real!
Professora Cecília – Eu realizei os meus sonhos, eu estou em busca dos
meus sonhos e tenho muitos sonhos pra se concretizar ainda. Também já
encontrei meu príncipe encantado, já me decepcionei muito. Ainda bem que eu
não casei com pessoas que iam me fazer sofrer. E ele entrou na minha vida só
pra acrescentar. Então, tudo o que eu consegui, tudo que eu batalhei, eu tive
apoio dele. Tudo, então, eu agradeço.
Professora Márcia – Com que historia se encaixa?
Professora Cecília – É eu acho que eu fui um pouco de Cinderela
também. Eu nunca tive muito incentivo dos meus pais, por não ter condições de
ter bancado estudo e nos incentivado. Eles sempre me incentivaram a estudar,
mas eles não tinham condições de pagar uma faculdade. Eu sempre comparava a
minha prima que tinha melhores condições que eu, melhores brinquedos, viajava.
Então, quando a gente é criança, a gente percebe as diferenças.
Então, a gente sonha também em tá no lugar, de ter os mesmos
privilégios que no caso a minha prima tinha. Desde pequenininha a educação dela
foi diferente, sempre estudou nos melhores colégios, meu tio sempre
proporcionou cursos pra ela, até quando ela se formou na faculdade. No meu
caso já fui como se fosse Cinderela.
Professora Paula – Eu também fui bolsista no colégio, na faculdade.
Professora Cecília – Então, eu comecei desde muito nova a trabalhar e
comecei a trabalhar. E o meu primeiro emprego não foi em escola, comecei a
trabalhar em um shopping que abriu perto da minha casa. Eu tinha uns quinze
anos. Eu fiquei entre quinze e dezesseis anos, eu estava terminando o segundo
218
grau. A minha prima trabalhava numa escola, ela fez magistério. Ela trabalhava
numa escola, ela começou como professora em uma escola particular. Ela me
indicou pra trabalhar com criança, mas eu pensar em ser professora, sem ter
experiência. Eu topei o desafio. Comecei a trabalhar com mini maternal, crianças
de dois anos. E com a experiência do dia a dia, eu fui pegando amor, carinho pelo
ambiente de trabalho. Sonhava em estar no lugar das professoras. Porque eu
observava a experiência delas, porque eu estava mais como auxiliar, mas eu
pensava assim comigo, um dia você é capaz de chegar no lugar delas. Então, pra
isso eu tenho que batalhar, tenho que estudar, só que na época eu ganhava um
salário mínimo. Não tinha nem como eu estudar e era meio período, só que eu
trabalhava. Só que eu falei mais pra frente eu vou.
Professora Paula – Ela não era estagiária, era estadiária.
Professora Cecília – Eu me lembro do passado, essa minha prima era
professora e eu era aluna dela nas brincadeiras de faz de conta.
Professora Sueli – Então, na verdade baseado no conto, nos contos de
fadas, você e a Paula se sentiam o Patinho Feio.
Professora Paula – Eu nunca me senti Patinho Feio, verdade.
Professora Cecília – Em certas ocasiões eu sentia, eu me sentia o
Patinho Feio.
Professora Sueli – O Patinho Feio no sentido assim...
Professora Paula – Meus pais sempre me incentivaram a ir pra frente,
não é porque eu tinha menos que eu era pior.
Professora Cecília – Então, até hoje eu tenho que vencer a minha
insegurança, até hoje eu sou muito insegura.
Professora Sueli – Então, de certa forma, você traz da infância aquele
negócio, a sua prima podia tudo. Ela tinha tudo e você via a diferença, eu estou
falando nesse sentido.
Professora Cecília – Foi mais fácil pra ela progredir do que pra mim, no
caso.
Professora Sueli – Então, você conseguiu tudo com esforço, mas no
momento você era o patinho.
Professora Cecília – E um pouco de Cinderela.
219
Professora Sueli – Sim, são historias assim.
Professora Cecília – Eu também já sonhei em ter um príncipe
encantado, já quebrei muito à cara assim, com relacionamento, já sofri muito.
Professora Sueli – É isso também.
Professora Cecília – E assim, quando eu menos esperava, eu encontrei
a pessoa certa.
Professora Sueli – E são os contos de fadas que a gente vai mudando.
Você primeiro é uma, você se vê em uma historia daqui a pouco você se vê em
outra.
Professora Cecília – Mas eu sempre pensei em progredir. Eu fiquei três
anos na particular, mas sempre prestando concurso. Uma hora eu consigo e tudo
foi acrescentando na minha vida, aos poucos.
Professora Paula – Tudo é batalha. Acho que a gente vai valorizar não
que quem tenha mais fácil não valorize, mas quem luta pra conseguir as coisas
valoriza as coisas muito mais. Eu vejo pelo pessoal que eu cresci junto, quem
hoje trabalha na profissão que escolheu, por exemplo, foram pessoas que mesmo
que tinham dinheiro, os pais não davam tudo. Foram pessoas que foram atrás,
batalhar. Então, eu vejo isso, muitas pessoas que eu cresci junto, que os pais
deram tudo, muito inteligente, hoje não sabem nem o que fazer da vida. Eu acho
que quando a gente batalha, independente da condição financeira, mas no
sentido de batalhar.
Professora Cecília – De batalhar mesmo.
Professora Sueli – De ir atrás dos objetivos.
Professora Paula – Acho que é mais neste sentido.
Professora Maria Edlene – Sueli. E você continua sendo a Emília? Você
se sente como a Emília?
Professora Sueli – Eu acho, que em certos momentos sim. Em certos
momentos ainda me sinto a Emília, mas só que agora já passou daquela fase da
infância. Eu não me sinto mais imitada. Porque até aí, na infância, como eu disse
anteriormente eu achava que a boneca me imitava. Ela está fazendo tudo o que
eu faço.
Professora Paula – Eu amava a Emília. É por isso que eu gosto de você.
220
Professora Sueli – Então, então eu achava que ela imitava as coisas que
eu fazia, quer dizer eu fazia durante. Vamos supor no período da manhã, quando
chegava de tarde que eu ia assistir, ela estava fazendo a mesma coisa que eu
estava fazendo. Então, mas hoje eu já vejo... me sinto a Emília várias vezes. Mas
uma Emília um pouco mais consciente, mais do mesmo jeito daquela Emília.
Professora Eliana – Que faz travessura.
Professora Sueli – Eu não digo de fazer travessuras, mas aquela
personalidade de conversar com todo mundo. Eu converso com todo mundo, eu
brigo com todo mundo quando é necessário, ou seja, é aquele jeito bem da
boneca Emília mesmo. Fica brava agora e daqui a pouco já não está mais. Se
tiver que fazer cara feia eu faço cara feia e pronto. Depois, amanhã já não estou
de cara feia e aquilo, me comparando à boneca é o mesmo jeito que todo mundo
via a boneca. Aquela boneca com ares birrento, tinhosa e ao mesmo tempo,
conseguia cativar todo mundo.
Eu acho que eu ainda continuo assim, eu brigo e daqui a pouco está tudo
bem, mas eu acho que eu ainda continuo um pouco de Emília.
Professora Edina – Oh, gente! A minha historia tem um pouco a ver com
a da Cecília. Eu não parei ainda pra analisar se tem a ver com contos de fadas.
Vocês até podem me ajudar. Também o meu começo não foi fácil, mas eu
sempre me joguei e eu tenho tido muita sorte. Todo lugar que eu trabalho, as
pessoas me acolhem e eu acolho elas também. Porque se você não se dá, você
não recebe. E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a
trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu
não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim
e eu tentava. É por isso que eu estou falando a minha historia deve ser parecida
com a da Fiona, que estava lá no castelo presa e quando se soltou...
Professora Maria Edlene – Encontrou com o Shrek.
Professora Márcia – O Shrek que soltou ela.
Professora Paula – Seu Benê.
Professora Edina – Já tentei fazer outras coisas, trabalhar com pessoas,
já trabalhei com pessoas, trabalhei na polícia civil. Fui policial civil algum tempo,
depois pro Magistério. Saí da polícia não foi porque não gostei, gostei demais de
221
trabalhar, mas saí devido à criança, filho. Então, achei que era prioridade naquele
momento. Mas, depois, quando eu entrei na escola pra trabalhar com magistério
mesmo, acho que na secretaria mesmo eu já comecei, porque eu lidava com
criança, com as pessoas que chegavam e depois a própria escola me acolheu
quando eu fui mesmo fazer a faculdade. Eles me jogaram numa sala lá e
disseram: - Agora você vai! E toda vez que eu chego nessa escola eu sou
referência pra eles.
Esta aqui era a secretária, agora como ela tá. Eles fazem sempre assim
pra mim. É gente muito legal, eu não sei que conto de fadas é esse. Mas eu
sempre pensei como a Cecília. Se eu quero, porque eu não vou conseguir. Acho
que todo mundo pode conseguir.
Professora Cecília – Todo mundo é capaz.
Professora Edina – É capaz de conseguir aquilo que você quer
realmente você quer. E outra coisa, quando você consegue realizar o que você
tem dentro do coração , é a parte melhor. Que aquele que está lá em cima vai
olhar não essa daqui vai realizar. Quando eu era pequena, todo mundo falava,
você vai ser professora e eu fiquei com aquilo na minha cabeça.
Professora Paula – Falam que o meu é genético, porque a avó e a outra
avó eram, todas as tias são. Então, não tem jeito, não tinha escapatória, a mãe
também.
Professora Edina – Mas assim, nasci pra lecionar mesmo. Eu gosto de
fazer as coisas pras crianças. Sofro com eles e isso não é bom pra mim. Se tem
um chorando, agora choro junto. Acho que a idade vai chegando e a gente
começa a sentir mais essas coisas.
Mas agora a psicóloga do nosso grupo pode informar muito bem pra
gente onde que eu me encaixo mais.
Professora Sueli – Mas, você acha que o estudo não mudou o seu modo
de agir e de ser?
Professora Edina – Mudou, mudou assim pra melhor, eu acho. Abriu
mais a minha... Eu começo a enxergar melhor, tanto que eu falei pra vocês que
eu esqueço.
Professora Márcia – A Dorothy, a Dorothy do Nemo.
222
Professora Edina – E eu tenho esse negócio de esquecer as coisas ruins
que acontecem comigo. Então, eu sempre estou procurando as coisas boas,
quando é ruim, eles falam, mas aconteceu isso tal dia. Então, eu não me lembro,
agora eu não sei se isso é bom ou é ruim. Pra mim deve ser bom.
Professora Sueli – Então, você se sente como uma Fada Madrinha para
aquelas pessoas que você ajuda? Que você vê que precisa de sua ajuda.
Professora Edina – Não tirar dos ricos por que ... mas, eu tiro mesmo de
mim, de casa, das coisas já que eu tenho, ou então...
Professora Sueli – Então, você pode ser considerada uma Fada
Madrinha que nem do conto do Pinóquio. Aquela Fada Madrinha que procura
sempre ajudar.
Professora Edina – Eu sempre pensava, eu vou conseguir, eu vou em
frente quando todo mundo ganhava uma boneca e eu não ganhava, eu falava: -
Não tem problema, eu vou ganhar essa. Eu mereço essa, a minha mãe pode me
dar essa. Então, eu sempre pensava assim, um dia eu vou estudar, eu vou
conseguir as coisas.
Professora Cecília – Por esforço!
Professora Edina – É, e consegui, dentro da medida que eu preciso, que
eu quero isso, só isso e vou conseguir. Tem que ter força de vontade.
Professora Paula – Na minha historia, eu estava pensando, vocês
falaram do casamento. Acho que tem mais a ver com a Bela e a Fera, não que
meu namorado seja uma fera, mas é porque ele sofreu muito quando a gente se
conheceu. A ex-mulher dele foi embora, traiu ele fora daqui, tirou praticamente
tudo dele, entendeu? Então, eu vejo mais assim, que eu cheguei na vida dele,
que nem a Bela quando chega na vida da Fera, é pra dar, sabe, uma outra cor,
que é assim, ele estava muito revoltado com tudo. Ele tinha perdido a mulher, ele
tinha perdido o carro, ele tinha pego dinheiro dos pais emprestado pra ele poder ir
e ela nunca mandou um real pra ele.
Então, tinha horas, tinha dias, que eu não sabia o que falar, o que fazer.
Tinha que estar perto dele só e é o que muitas vezes a Bela faz. Ela está perto da
Fera.
Professora Márcia – Ela acalma.
223
Professora Paula – Ela mostra pra Fera, ela não faz com a Fera. Então,
um pouco é essa relação que eu sinto. Assim, dele ter acalmado muito. Ele vivia,
a boca dele vivia estourando com afta, dava afta na garganta enorme e isso já faz
mais de oito meses que ele não tem. Então, eu não sou a mulher perfeita, mas eu
acho que eu cheguei na vida dele pra acalmar.
Professora Sueli – No momento certo, que ele estava precisando.
Professora Paula – Estava, porque ele estava passando por uma
situação muito, muito complicada. Até a menina voltar tudo, eles resolverem tudo,
ele ficava muito e ela chamava Paula também. Eu falo pra ele: - Deus te falou que
era Paula. A primeira que apareceu você casou, não soube esperar.
A Paula do mal foi embora. Eu vejo mais ou menos assim, que ele me
ajudou bastante também. Me fez crescer em muita coisa, mas assim, nesse
aspecto de estar chegando, da gente ter se encontrado. O engraçado é que a
irmã dele namora com o meu irmão. Então, foi tudo muito rápido pros quatro, até
uniu um pouco eu e meu irmão. Meu irmão é um pouco frio tal e acabou ficando
mais junto.
Acho que sim, na questão que vocês falaram do casamento, eu vejo mais
essa questão de ter chegado na vida dele, não foi à toa. Deus colocou um na vida
do outro. Ele pra me completar e eu pra completar ele. E pra ele poder sair
daquela coisa que estava consumindo ele por dentro e, às vezes, pai e mãe não
entendem porque eles já estão em outra etapa da vida.
Professora Sueli - Então, mas no seu caso, seria você a Bela, que
encontra a Fera que você, você acaba passando, mostrando o conceito de que
independente do que a pessoa, a aparência da pessoa ou o que ela é, as coisas
podem mudar. A essência da pessoa você consegue buscar.
Professora Paula – É muito mais importante que a aparência da pessoa.
Professora Sueli – Exatamente, quer dizer, é aquela tal historia da Bela
e a Fera. Ela não se importa com a aparência, ela vai buscar algo que ele tem
atrás da aparência dele, no íntimo dele. Por isso, que a gente, às vezes, tem as
identificações, que a gente fala que vai buscar algo.
Professora Maria Edlene – Não, e esse conto de fadas é lindo mesmo.
Mas como a Sueli está falando, a primeira vez ela se assusta. Ela tem aquela
224
impressão assustadora. Depois, ela vai conhecendo ele, se apaixona sem ele
ainda ter ficado príncipe. Voltando pra sua historia, no final acaba a rosa parando
de murchar, porque no desenho a rosa vai murchando, murchando e depois
quando eles se encontram...
Professora Paula – Eu acho legal que ela fala pras pessoas. No começo
as pessoas achavam estranho que eu tinha o mesmo nome da ex-mulher dele,
achavam muito estranho. Tinha gente que tentava fazer referência. Mas ela é alta,
é gorda, é japonesa, não tem nada a ver comigo. E hoje em dia ele fala que as
pessoas questionam porque ele vai casar de novo. Além disso, ele é mais novo
que eu três anos, que ele ainda é novo e ele fala, porque a gente namora há um
ano e meio. O tempo que a gente namora, ele conquistou muito mais coisa que o
tempo que ele foi casado. Então, a gente vê a conquista que a gente está tendo
junto de tanta coisa. Então, eu acho que isso não tem dinheiro que pague. Não é
só conquista financeira, a gente comprou apartamento e tal, é a conquista de
amizade, é a conquista de relacionamento, é a conquista de vitória. Tudo isso
conta, eu acho que esse conto de fadas da Bela e a Fera tem muito a ver comigo.
Professora Sueli – E a sua historia Edlene?
Professora Maria Edlene - Eu falei ontem. Eu sou a Tiana. Eu sou a
Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre
trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Encontrei o sapo
que virou príncipe, que é ao contrário. Que não era o sapo e que também, igual
ao conto de fadas que a Tiana conhece o nome do príncipe no conto. Me ajudem,
que eu esqueci agora, mas depois eu lembro e ele, da mesma forma, que ele era
de um jeito e depois que ele conheceu a Tiana ele mudou muito. Eu acho a nossa
historia um pouco parecida. Eu trago a historia da Tiana porque também houve
muitas perdas na minha família e teve isso também na historia. Não dá pra
continuar. (choro)
Professora Sueli – Você tem uma amiga como ela? Como a Tiana?
Professora Maria Edlene – Tenho, tenho. Ela queria porque queria casar
e é engraçado porque assim, é minha irmã. E ela é como a amiga da Tiana, que
sempre queria casar primeiro, queria casar primeiro, queria encontrar o príncipe e
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acabou primeiro, eu no caso, casando e ela está esperando também. Só que não
dançou igual a é Dorothy? Dorothy, uma coisa assim, é o nome dela, Doty?
Professora Eliana - É Doty!
Professora Maria Edlene - Igual à Doty, só que a Doty ainda no final
encontra o irmão do príncipe de três anos, começa a dançar e fala que vai
esperar. Então, quem sabe no futuro a Doty já encontrou, que seria a minha irmã,
né? Que seria o príncipe dela.
Professora Paula – Fala pra ela que, às vezes, o príncipe está disfarçado
de Fera.
Professora Maria Edlene - Pode ser!
Professora Paula – Você está procurando o príncipe? Talvez eu tivesse
procurando até hoje em compensação a Fera.
Professora Sueli - É mais fácil você encontrar o sapo.
Professora Cecília - Você beija e vira príncipe.
Professora Maria Edlene - É verdade!
Professora Paula - Sabe por que, o bom da Fera, é que ela mostra o que
ela é de verdade. Ela não vive de aparência. Às vezes, é melhor achar a Fera,
que o Príncipe.
Professora Maria Edlene - Quando eu falo, o meu noivo, no caso
quando a gente namorava é que eu queria encontrar uma pessoa de um jeito e
ele era de outra forma e por nos conhecermos ele acabou ficando como eu. É que
como eu sempre cresci na igreja, minha mãe, meus pais queriam também um
noivo da igreja e ele era diferente. Ele não era da igreja. Então, é isso que eu falo,
mas acabou a gente se conhecendo melhor e ele vindo, né, pra igreja. Eu falo que
hoje ele acaba sendo até mais assíduo que eu na igreja e ele acabou tendo as
mesmas convicções que as minhas. Então, eu falo nisso porque no conto da
Princesa e o Sapo é quase assim porque a Tiana é de um jeito e ele de outro. Ela
acaba trazendo ele com amor, com carinho, com o jeito dela acaba trazendo ele
pra ela. Depois os dois constroem, trabalham, constroem tudo junto. Eu trago
muito porque o Cleber me ajuda muito, meu sapo, ele me ajuda muito. Ele é
companheiro. A gente conquista junto. Então, graças a Deus, pelo meu sapo.
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Professora Sueli – A Bela também conquistou ele pela simpatia dela e a
gente vê isso em você também.
Professora Paula – É a gente conversava muito porque ele estava
passando pelos problemas. A gente conversava muito, de tanto conversar, a
gente foi se conhecendo, conhecendo e ele falou: - Quer sair comigo? E aí dois
dias depois a gente estava namorando, foi rápido o noivado.
Professora Sueli – Edlene e a sua menina, ela se acha quem?
Professora Maria Edlene – Ela briga comigo porque ela quer ser a Tiana
e ela fica questionando porque ela quer ser. - Mãe, eu quero ser assim, mãe eu
quero ser negra como você. Eu quero ser da sua cor, por que eu não sou? Não,
eu sou a Tiana e você vai ser a Doty.
Professora Márcia – Maria Lúcia, a sua formação em Pedagogia mudou
a sua historia de vida.
Professora Maria Lúcia – Com certeza, mudou bastante. Eu vim do meio
do mato, porque vocês não tem noção de como é. Eu cheguei aqui, trabalhei, sofri
bastante. Eu vim quase que fugida, porque a minha mãe brigava muito comigo.
Veio eu e um amigo, a minha vizinha que tinha uma vendinha na cidade que a
gente ia, porque a gente tinha barraca na feira. Eu ia, ajudar a minha mãe. De
vez em quando, eu dava uma fugidinha e ia lá na casa da vizinha. Um dia ela
falou: - Você quer ir embora? - Eu quero sim, é o meu sonho porque minha mãe é
muito chata e eu trabalho muito.
Ela me ajudou a pagar a passagem. Veio eu e o filho dela. - Olha minha
filha mora lá em São Paulo, em Santa Cecília, chegando lá você procura. Me deu
o endereço, aí eu liguei. Ela era casada com o Mohamed, que era um cara lá da
Índia, não sei de onde. Ruim que só ele, batia nela grávida todo dia. Todo dia eu
ia com ela pra casa, todo dia. Fiquei um tempão lá com ela. Eu pegava, ela me
dava um dinheirinho, eu punha num envelope e mandava pra minha mãe.
Cheguei aqui, trabalhei, trabalhei em casa de família, morei sozinha, com amiga
não dava certo.
Professora Eliana - Sua mãe sabia?
Professora Maria Lúcia - Sabia, porque eu escrevia pra ela. Mandava o
dinheiro todinho pra ela, não comprava uma calcinha pra mim. – Mãe, estou aqui,
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estou bem. Mentira, sofri pra caramba. Cheguei aqui, comecei a fazer supletivo,
estudei, estudei pra caramba à noite. Trabalhava o dia e estudava à noite. Depois
eu conheci o meu primeiro marido, casei e fui morar com a minha sogra também.
Não foi muito bom. Trouxe a minha irmã do norte pra morar comigo.
Professora Paula – Ainda bem que eu comprei apartamento, meu Deus,
não ter que morar com mãe e sogra.
Professora Maria Lúcia – A minha irmã ficou com o meu marido, veio
tomar conta do Roberto, tomou conta do marido também. Eu separei e comecei a
estudar. Estudava escondido também porque ele não gostava que eu estudasse.
Professora Paula – Sabe uma coisa que me marcou, rapidinho. Eu
lembro que você contou que você estava com um barrigão, grávida e que o
traficante pedia seus negócios.
Professora Maria Lúcia – Deixa passar, porque senão ele vai roubar.
Professora Paula – Ela estava grávida, foi uma coisa que me marcou
muito. Outra pessoa teria desistido no seu lugar.
Professora Maria Lúcia – Eu fui estudar na 6ª série. Ele foi pedir pra
minha mãe chorando pra eu não estudar. O pai dele tinha um monte de casas,
que ia me dar uma. Ah! Tá bom. Me separei, a primeira coisa que eu fiz foi sair
da casa que a gente morava. Larguei tudo lá, meus móveis. A gente morava
numa casa grande, com tudo do bom e do melhor. Fui embora, conheci o Tomé,
que tinha levado chifre também. Vamos juntar os trapos? E eu falei: Vamos. Ele
me deu a maior força. Fiz o Magistério, fiquei grávida de gêmeos. A primeira vez
que saí com ele já fiquei grávida. Ele falou: - Vai estudar, que eu olho as
crianças. Eu fui fazer Magistério e eu peguei gosto pelo estudo. Um colega meu,
que arrumou serviço pra mim na prefeitura que ele falou: - Nossa! Você é tão
legal. Você cuida tão bem das crianças! Que eu cuidava de criança quando eu
não tinha nada pra fazer. Me arrumou, mandou eu, me deu uma carta pra eu ir
falar com Antônio Aurelinho. Saí de lá, nem sei mais quem é. São Miguel, aí eu fui
lá, ele me arrumou. Você quer trabalhar de quê? De qualquer coisa pra mim está
bom. Você não quer na Câmara, eu vou te arrumar lá de secretaria. Eu disse não,
eu tenho vergonha, não sei trabalhar assim.
228
Eu falei: - Eu quero cuidar de crianças. E ele falou: - Está bom. - Então,
vai em creche. Eu comecei trabalhar. Aí ele falou: - Depois você faz o concurso e
passa que é melhor, porque a gente não sabe daqui a uns anos, as coisas podem
mudar. - Não, eu quero ir embora, quero voltar pra Bahia. Aí fui, nem liguei pra
fazer o concurso.
Professora Márcia - Lúcia, qual a historia que você se identifica?
Professora Maria Lúcia - Eu sempre achei alguém que me ajudava.
Então, eu realizei meu sonho, que eu achava impossível. Eu vou ser alguém na
vida. Impossível. E hoje eu sou pedagoga. Oi que chique! Então, pra mim, dos
meus irmãos, a única que é formada é eu. Tem duas que estão fazendo letras,
mas estão pra terminar. A minha mãe fala: -Nossa você venceu.
Professora Paula – Ainda bem que ela fugiu.
Professora Maria Lúcia – É, minha mãe, fala hoje em dia, ainda bem
que você fugiu.
Professora Sueli – Pra você o estudo, a formação, o seu trabalho te
ampliou os horizontes e te deu, não é uma estabilidade, te deu uma segurança,
que você não tinha.
Professora Maria Lúcia – Eu sempre fui desconfiada, eu não confiava
em qualquer um, às pessoas acham que eu sou metida. Não é, eu não confio em
qualquer um porque eu sofri muito. Depois que eu fui traída, eu não confio em
mais ninguém, mesmo sendo minha amiga se eu vejo mentir em alguma coisa,
dói muito, é difícil eu confiar em alguém.
Professora Márcia – E você se acha super mãezona?
Professora Maria Lúcia – Ah! Eu acho porque tudo que ela me pede eu
dou, pelos meus filhos, pelo meu marido tudo que eu posso fazer. Então, o que eu
não tive, eu quero que eles tenham. Eles tendo eu fico feliz.
Professora Edina – A Lúcia contou uma historia que ela fugiu de casa. A
minha mãe não fugiu de carro, o meu pai chegou com um cavalo. Ela montou no
cavalo e foi embora com o meu pai com treze anos. Até hoje eu falo pra ela que o
pai dela queria matar o meu pai. Ela ficou escondida. Ela é branca, branca,
branca, pra casar ela teve que aumentar a idade. Eu estou escrevendo a vida
dela e quando chega nessa parte eu falo: - Mãe, vou colocar aqui que você subiu
229
no cavalo e fugiu. Ela não gosta que eu falo essa historia, ela não gosta porque
hoje eles tão separados.
Professora Maria Edlene – E ela nem conhecia ele nem nada?
Professora Edina – Conhecia, porque ele era empregado do pai,
entendeu. Ele era empregado da fazenda.
Professora Paula – Parece historia de novela.
Professora Edina – Era empregado da fazenda e ela era uma menina
bonitinha, minha mãe era muito bonita. Aquela menina de cabelo comprido tudo.
Acho que ele se encantou, meu pai conversou com ela. Passou a conversa nela e
ela caiu na dele. Coitada! Ela tinha de tudo, ela tinha de tudo, não precisava sair
fugida.
Professora Eliana – Mas era o príncipe.
Professora Márcia - É o amor.
Professora Edina - De aparência eu sou mais parecida com o meu pai.
Não saí da cor, mas um pouquinho e eu estou escrevendo a historia e eu falo pra
ela. Gostei muito dessa parte aqui de subir no cavalo. É igual a historia de fada, o
conto de fadas. Ela... não, não põe essa parte. Ela não gosta que eu ponha essa
parte. Mas é, acho interessante, quando vocês falam de, quando você falou de
fugir de casa, ainda existe isso até hoje.
Professora Cecília – Com a cara e a coragem.
Professora Maria Edlene – E hoje a gente fala em mudar, você ajudar
alguém a mudar ou a pessoa ajudar você a mudar. Traz um pouco no conto de
fadas do Shrek e da Fiona, porque ela que era a princesa, linda de um jeito e
quando conheceu o amor se transformou.
Professora Paula – É, a beleza está nos olhos de quem vê.
Professora Maria Edlene – Não, é verdade! Um se encontrando com o
outro e formando um só.
Professora Sueli – É exatamente. Se a gente for analisar bem, porque a
gente não para muito para analisar essas situações.
Professora Márcia – Não, a gente não para, o cotidiano sufoca a gente.
Professora Sueli – Só que assim a gente que trabalha na área de
Educação, de certa forma, quando a gente vê esses novos filminhos que
230
aparecem na mídia, que nós já discutimos porque que os contos brasileiros não
são contos de fadas, só faz parte da literatura infantil. Não como conto de fada,
você vê, a gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e
com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um
com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você
foi Chapeuzinho, outra hora você até é o Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda
você vai mudando as fases nos contos de fadas. Digamos, às vezes, eu acho
assim, a gente acaba tendo um privilégio. Da gente ligar diretamente com a
Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o
porque, mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia
a dia da gente.
Professora Paula – Sabe o que é legal no Shrek, pensando no estudo?
Porque o Shrek mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois
como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados
como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem
eles se divertindo, tem isso também. Eles serem felizes para sempre sem ter que
ter o dinheiro ou de ser bonito.
Professora Márcia – Foge um pouco do padrão.
Professora Paula – Depende do relacionamento ir bem, o dia a dia da
gente é isso também. Não é só a gente ter o dinheiro, quanta gente que tem
dinheiro, que se suicida. É ter a companhia de pessoas que te fazem bem.
Professora Márcia de Fátima - Que é o importante.
Professora Paula – Que você ri, que você, quando eu pedia pra Deus
alguém na minha vida. Eu nunca pedi um homem bonito, um cara elegante, eu
pedia alguém que me fizesse ri, porque o que adiantava eu estar do lado de um
cara com dinheiro, um cara isso, um cara aquilo. E eu não estar feliz, num poder
contar uma piada e a vida não é assim, tem coisas muito mais importantes que
dinheiro e a beleza e o Shrek relata bem isso. Eles vivem lá no pântano e vivem
felizes lá.
Professora Maria Edlene - Fugiu do padrão, de que princesa tem que
ser bonita e o príncipe tem que ser perfeito, lindo.
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Professora Sueli – Essas historias quando você passa na formação
para as crianças, você passa o quê? Independente de beleza, você vai mostrar
também todos os conceitos. Independente de beleza, independente de condição
social, você tem que estar sempre em busca do seu objetivo.
Professora Paula – Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura
de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem
dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo
mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão
entendendo que é direito da criança. Não é pra quem não tem dinheiro e cada vez
mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.
Professora Sueli – Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do
lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o
outro está com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Eu acho que é
o papel do professor, que faz o que, antes de tudo ensinar pra criança os valores
morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima,
lá na frente a criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes,
filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele
vai defender, porque o pai dele tem dinheiro. Ele vai aprender que não, meu pai
tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errada, eu vou ter que pagar. Eu acho
que se você desde pequeno começar a explicar para a criança que é importante
valorizar aquilo que tem.
Professora Edina - Ontem eu falei pra Márcia, eu vou deixar essas
roupas em cima de uma mesa pra peça, a primeira a entrar foi a Nicolly. - Eu vou
ser a Maria. Quem falou pra ela que era a Maria, pois ela fez eu amarrar, vestir. A
Vitória quis o pano azul, eu coloquei na Vitória, a Nicolly foi lá logo e já pegou a
boneca de Jesus. Eu acho interessante, as crianças pegam mesmo tudo que a
gente passa.
Professora Sueli – Eu acho que nessa fase, eu acho que tudo que a
gente passar, eu, como educador passar tudo que for melhor pra criança porque
ela vai carregar pro resto da vida, porque, às vezes, em casa ela já não tem.
Então, como educador você procura sugerir aquilo que ela não tem em casa.
232
Professora Paula – Nossa! Como você está bonita, que roupa bonita.
Tem criança que você olha e fala: - Meu que gracinha. Tem criança que não, não
é nem o outro que tem aquela roupa bonita pra ficar em casa, mas você elogia, a
criança fica tão feliz. Depois você fala: - Vamos escolher uma roupinha? Qual
você quer? As meninas geralmente escolhem um vestidinho: -Nossa! Que roupa
linda! A gente troca, arruma o cabelo. Eu não sei arrumar o cabelo direito, mas vá
lá no espelho: - Olha como você ficou bonita! Porque é aquilo que ela tem, ela
tem que se sentir bonita e de bem com o que ela tem. Eu tenho que valorizar
aquela criança como ela é. Então, o que a gente procura fazer, aquela criança
que tem uma roupinha surrada e outra que tem uma roupa da Lilica Repilica,
elogiar e colocar a criança com a auto estima elevada.
Professora Sueli – Exatamente.
Professora Eliana – Porque a criança percebe.
Professora Terezinha – Eu hoje me vejo na historia da Bela Adormecida,
porque eu estou precisando tanto dormir, sabe não dormir de sono, dormir pra
descansar mesmo. Sabe como ela. Ela com quinze anos, descansou de tudo. E
todo mundo tomava conta dela. Na realidade, eu tenho que tomar conta de todo
mundo. Pior, eu estou cansada disso. É que eu estou com o meu pai internado e
eles ficam: - Terezinha. Que eu perguntei pro médico, - Terezinha pode dar
comida pro pai? Sabe, quando eu chego do hospital, onze horas da noite a minha
tia liga, a minha avó liga, meu tio liga, a minha tia liga, a minha prima liga. Então,
é tudo. Então, tem hora que eu falo para o Donizete: - Eu precisava sumir porque
as pessoas iam ter que se virar. Elas iam ter que se virar. Então, tudo: - Olha, eu
preciso comprar móveis, aonde eu vou?
- Onde você acha que eu vou? - Vamos na vinte e cinco comigo? É que
eu vou fazer a festa do meu marido. - Você me ajuda? - Você faz não sei o que?
É tudo.
Então, eu estava pensando de ser a Bela Adormecida. O povo cuidar um
pouco de mim. Chegar uma hora pra eu dormir e todo mundo se virar sozinho.
Professora Maria Aparecida - Eu me vejo como Chapeuzinho
Vermelho, porque eu gosto de ajudar todo mundo. Mas ao mesmo tempo eu sou
muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. Eu tenho, eu sou insegura,
233
e na historia do Chapeuzinho Vermelho, ela obedeceu à mamãe e foi lá levar a
comida pra vovó. Depois foi lá, obedeceu o Lobo Mau pro caminho ser mais curto.
E eu sou assim, eu sou uma pessoa que luta muito contra os meus medos. Medo
de tudo, às vezes, eu tenho e eu estou passando uma fase muito difícil de uns
dias pra cá na minha vida. Porque eu estou quase perdendo o meu apartamento.
Eu estou sem dormir, estou assim muito mal. Então, eu acho que na minha vida,
num todo eu seria Chapeuzinho Vermelho, é isso.
Professora Simone – Eu, eu mesmo que você quer que fale? Eu não
sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi
como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu
gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro. Então,
eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Pica-
pau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava
de sítio. Eu só não era a bruxa, mas do resto eu era tudo, das crianças. E eu
gostava muito do sítio, mas nos contos de fadas eu não me encaixo.
Professora Tereza – Qual o personagem?
Professora Simone – Uma hora eu era a Emília, outra hora eu era o
Pedrinho, outras vezes eu era a outra menina, a Narizinho. E assim por diante. E
quando aparecia o príncipe na historia eu nunca era a Narizinho. Eu era a Emília
ou o Pedrinho. Eu brincava de sítio, mas eu nunca fazia a mocinha da historia.
Professora Tereza – E tem um por quê?
Professora Simone – Não sei, eu acho que tem a ver até com o tipo de
brincadeira que eu gostava. Eu não gostava de brincar de boneca, gostava de
empinar pipa, jogar bola, andar de bicicleta, brincar de correr na rua. Eu não
gostava de brincar fechada, de casinha, de panelinha, nunca. Era moleca mesmo.
Professora Noelina – Bom, na minha época, não tinha muito assim
televisão. A televisão chegou na minha casa, eu já tinha quatorze para quinze
anos. Assim, eu sempre fui de brincar de boneca, casinha, entendeu? Não tinha
esse negócio de contar historia, era mais “causo”. No entanto, é o que eu já falei,
eu tenho medo do escuro, eu não durmo no escuro. Meus pés se ficar de fora,
descoberto, eu não durmo. Eu vou cobrir o pé da criança porque eu acho que ela
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vai ter medo como eu tenho medo. Não gosto de pé descoberto, pra mim alguém
vem pegar, entendeu?
Professora Simone – E hoje? Qual historia é parecida com a sua?
Professora Tereza – Então, eu estou aqui tentando lembrar uma historia
de contos de fadas que eu possa identificar. Não vejo assim, contos de príncipe,
contos de fadas e essas coisas.
Mas assim ouvindo um pouco assim o que a Simone falou. Eu estava aqui
pensando que uma coisa que me identificava um pouco comigo é a historia que
envolve a Narizinho, o Visconde de Sabugosa, o Saci Pererê.
Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões
na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é
irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo
biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia Anastácia, conversar com a Narizinho,
ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo.
Porém, a realidade não é estar dentro do Sítio do Pica-pau Amarelo.
Porém, a realidade é outra, a minha realidade não é estar dentro do Sitio do Pica-
pau Amarelo. Eu estou bem fora, mas eu me identifico, hoje me identifico um
pouco com a história do Sítio do Pica-pau de Monteiro Lobato. Que é uma coisa
que lá atrás que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá atrás quando eu
estava na sala de aula eu me lembro. Eu fiz uma dinâmica, com o grupo de
crianças da minha sala, crianças de cinco anos na época em que eu levei as
crianças para o sitio numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi
junto com as crianças e eu não me esqueço desse episódio.
E eu falava: - Olha, o Visconde está chegando, a Dona Anastácia está
trazendo bolinho e no final desta dinâmica com as crianças muitos dormiam,
muitos acordavam e eu voltava para a realidade. Mas isso hoje, no presente, é
muito forte pra mim. A realidade do Pica-pau Amarelo, embora eu sabia que ele
não é a minha realidade, mas é uma viagem.
Então, eu vou falar assim um pouco da minha infância. Lá atrás, fui
criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas
de meu pai, três era filha da minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha.
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Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo
que acontecia de errado era comigo.
Tudo era eu, tudo era eu, tudo era eu. Eu já tinha um complexo terrível,
por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta.
Então, eu me via sempre como a neguinha do nariz escorrendo, de
vestido rasgado, do cabelo duro, toda funhanhada e as minhas irmãs todas de
cabelo liso, brancas e mais novas. Tanto é que até hoje eu não sou muito
chegada a essa questão do negro. Essa questão do negro é hoje uma questão
muito forte. As minhas filhas falam pra mim: - Mas nós somos negras. Mas eu não
sou negra. Mas as minhas filhas são negras. Eu sei que no fundo, no fundo eu
sou negra, mas na minha cabeça eu, eu sou morena, negra eu não sou.
Professora Terezinha - E quando você escuta a historia da Cinderela,
você não se lembra da sua infância?
Professora Tereza - Não lembro, quando eu escuto a historia da
Cinderela. Eu não me lembro da minha infância, porque eu não ouvia a Cinderela
quando eu era pequena. Quando eu era criança eu não ouvia historia nenhuma.
Eu só vivi de boneca de pano que a minha madrasta fazia pra mim,
aquelas bruxinhas de tecido. Aquilo era minha boneca, aquilo era uma historia,
não tinha uma historia, nunca ninguém contou uma historia pra mim.
4º Encontro
Professora Paula – Bom, a nossa entrada no CEI se deu no ano de
2004, logo depois dele ter passado pra Educação. Nossa entrada foi um pouco
tumultuada porque tinha o pessoal contratado e a gente chegou meio que pra tirar
a vaga entre aspas dele. Eles viram a gente com maus olhos, mesmo a gente não
querendo que eles saíssem. Inclusive minha mãe era contratada naquela época e
eu sabia o que ela estava passando. As outras pessoas, não tinha só mulher e
então, a gente foi bem mal recebida e também as professoras que já eram do
CEI, mais que ainda não eram professoras nós chegamos meio como, meio como
que uma ameaça porque nesse ano a gente escolheu salas antes delas pelo fato
da gente já ser professora, umas poucas ADIs já tinham transformado o cargo.
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Então, foi um ano difícil, foi um ano de muitas mudanças para quem já estava. O
pessoal contratado olhando a gente com maus olhos e a gente querendo
trabalhar com cargo novo, um mundo novo.
Então, foi bem complicado o que a gente via muito é que era muito
assistencialismo. Então, era a preocupação só com o banho, com a criança estar
arrumada e com o cabelo penteado pra ir embora. A criança ter comido ou não e
a questão pedagógica a gente não via muito forte não. Então, a gente tinha que
mostrar a importância da parte pedagógica também. Então, as crianças, às vezes,
você via que elas estavam ávidas por ouvir uma história, por ter uma atividade
direcionada, dirigida com intencionalidade e não só cuidar.
Ainda até hoje, em 2010, nesses seis anos, a gente vê muito ainda a
coisa voltada para o cuidar. Ah! Tenho que dar banho, tenho que trocar. Tem é
importante sim, mas, às vezes, a parte pedagógica fica importante só no papel.
Você tem que registrar, você tem que montar portifólio, você tem que colocar o
registro diário, o registro individual e a coisa acontecer mesmo, às vezes, fica
complicado porque você tem que dar banho, você tem que dar comida, trocar a
criança e a atividade pedagógica acaba ficando por fora. No meu ponto de vista,
banho, cortar unha, cabelo é obrigação de pai e mãe.
A gente tem que cuidar também, mas a primeira obrigação é de pai e mãe
e não nossa. Eu acho que se tivesse uma visão mais pedagógica das coisas, isso
caminharia de outra forma. Caminharia assim, o banho é necessário, o banho é
importante quando a criança precisa dentro da escola. Então, não é negar o
banho. Um atendimento individualizado, especializado de higiene e saúde, mas
se tira muito a obrigação dos pais e a obrigação do professor do cuidar e educar,
acaba ficando só no cuidar e o educar acaba ficando muitas vezes em segundo
plano.
E eu tenho certeza que os professores acabam ficando frustrados com
isso, porque não é bom você estudar, se preparar pra poder trabalhar com a
criança e chegar num lugar e você ser meio que um assistente de enfermagem.
Você dá banho, penteia o cabelo e quando a gente chegou com essa visão há
seis anos, eu acho que isso incomodou um pouco porque é relativamente
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simples. Você só cuidar, fazer as atividades mecânicas de banho e alimentação,
fazer essas atividades com intencionalidade pedagógica é outra questão.
Então, tudo isso foi difícil pra gente. Então, selecionar um livrinho de
historia que fale sobre as verduras e os legumes pras crianças aprenderem a
gostar de legumes e verduras, isso é uma coisa. Você chegar e falar: Você tem
que comer legumes e verduras é outra, bem mais fácil, bem mais simples.
Então, foi um período difícil, um período de adaptação pra todo mundo.
Tinha muito diretor de equipamento social transformando cargo, muito diretor de
escola que nunca tinha entrado num CEI, muito coordenador pedagógico a
mesma coisa. A gente pegou um período difícil, de muitas transições dentro do
CEI, entre o SAS e a Educação Infantil. Mas eu tenho certeza que bons
coordenadores, bons diretores surgirão dessa leva, que saberão entender a
historia do CEI.
O que o CEI passou, o que o professor passa em sala de aula. Então, ter
uma visão diferenciada do que é estar em uma sala de aula de um CEI com
crianças de zero a três anos. No meu caso agora, eu que estou encerrando minha
jornada no CEI indo pra EMEI, transformei meu cargo. Um dos motivos é estar
descontente com o meu trabalho pedagógico aqui. Eu não consigo realizar ele do
jeito que eu gosto plenamente. Por falta de tempo, pelo cuidar ser excessivo e eu
não poder trabalhar o educar, fazer as crianças caminharem mais pra uma
educação pra cidadania, terem mais oportunidades de leitura, mesmo sendo
pequenininhos, de escrita. Então, acho que é isso.
Professora Ana Maria – Bom, a minha historia quando eu cheguei aqui
na prefeitura no ano passado, eu tinha me inscrito, me chamaram e eu fiquei
muito feliz, por quê? Porque eu trabalhava, eu sempre trabalhei na área da
Educação. Eu trabalhei uns dezessete anos com escolinha particular. Então, eu
sempre adorei criança, eu sempre me identifiquei com criança. A dona vendeu a
escolinha e eu fiquei sem escola.
Eu comecei a trabalhar em outras áreas que não tinha nada a ver comigo.
Trabalhei com transporte escolar, mas não era o que eu gostava de fazer,
trabalhei porque eu precisava. Depois, quando me chamaram aqui eu fiquei muito
feliz. Então, quando eu entrei aqui, sabia o porquê de contar historia, porque eu já
238
tinha trabalhado isso com criança na escolinha que eu trabalhava. A gente
contava bastante historia. As crianças gostavam, interagiam muito e se
desenvolviam muito bem.
Professora Sueli – E você viu, você sentiu diferença entre o que você
passava pras crianças na escola particular e agora no CEI?
Professora Ana Maria – Há muita diferença. Aqui eu aprendi muita coisa
diferente do que eu fazia na escola particular. Não em relação às historias porque
lá também contava historias, mas em relação à aprendizagem. Muito papel, muita
escrita. Na prefeitura, as crianças mais tem recreação. Lá eles exigiam mais
escrita, papel, pintar, tem que mostrar pros pais o que a gente fazia com as
crianças. Aqui a criança já aprende brincando, com a recreação, com historias. Já
é bem diferente.
Professora Sueli – E na sua vida tanto profissional ou na vida social,
você se encaixa em algum conto?
Professora Ana Maria – É assim, atualmente eu acho que eu me encaixo
nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque minha vida nunca teve
assim.
Professora Sueli – Uns altos e baixos.
Professora Ana Maria – É uns altos e baixos, realmente ficou meio
complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha. É porque eu
era casada, tinha meu marido, veio a minha separação, ficou tudo nas minhas
costas. Meu ex-marido não participava de nada. Eu voltei pra casa dos meus pais
e eu tive também que abraçar meu pai e minha mãe, porque eles também são
pessoas idosas.
Esse ano pra mim foi meio difícil porque a minha mãe teve muito doente
e eu tive que assumir a casa toda, tudo. O meu pai tem oitenta e poucos anos, já
é uma pessoa idosa. Minha mãe também setenta, é idosa, tem problemas e
também ficou muito doente. Então, eu fiquei com responsabilidade de tudo: de
filho, de pai, de escola, de trabalhar fora. Então, pra mim ficou um pouco
sobrecarregado e eu não sabia se eu estava preparada pra assumir tudo isso
assim.
239
Professora Sueli - Mas você acha que todos esses problemas te
fortaleceram profissionalmente?
Professora Ana Maria - Me fortaleceu muito, bastante. Eu aprendi muito.
Eu acho que também desenvolvi muita coisa diferente na minha vida e que antes
eu não fazia e fui. E tive que fazer porque a necessidade me obrigou.
Professora Sueli – É porque, às vezes, tem mulheres, que geralmente
fica meio acomodada no sentido que ela se forma e de repente nunca exerce a
profissão, porque fica direcionada a marido e filhos, e fica de certa forma, às
vezes, até meio frustrada porque ela não segue em frente aquilo que fez.
Professora Ana Maria - A bem da verdade, eu sempre trabalhei, eu
nunca fiquei, dependi assim, o que foi bom, foi isso. Se eu tivesse ficado
acomodada depois de casada, eu acho que teria sido pra mim muito mais difícil.
Eu sempre trabalhei fora, mesmo casada. Eu sempre ajudei, sempre desenvolvi
meu trabalho fora do lar. É que acarretou muita coisa pra mim sozinha, que eu
não estava envolvida antes. Ficou mais difícil pra mim, mas eu aprendi muito.
Eu acho que valeu a pena, a gente aprende com o sofrimento e com as
coisas que a gente precisa passar na vida. Então, isso é uma aprendizagem, é de
certa forma foi difícil pra mim, muito. Eu perdi meu apartamento, foi muito
complicado.
Professora Sueli – Aparecem perdas que a gente não está esperando.
Professora Ana Maria - Mas foi bom, foi bom de certa forma porque eu
aprendi muito.
Professora Sueli – E então, você consegue, são todos esses valores que
você aprende, que você consegue transmitir pra criança, mesmo sendo crianças
pequenas ainda, você consegue passar pras crianças alguns valores?
Professora Ana Maria – Ah! Eu procuro passar tudo isso, porque eu
acho que pra mim foi uma lição. E tudo que eu faço, eu faço com amor aqui,
entendeu. Porque eu acho que essas crianças são umas crianças, às vezes, um
pouco carentes, precisam do apoio e do carinho da gente, da atenção, da
dedicação do professor. Então, eu acho que é importante trabalhar isso com eles
sobre valores.
240
Professora Sueli – Porque na verdade, a maioria das crianças aqui, às
vezes, não são. Temos crianças carentes, mas temos crianças de uma vida social
que a gente pode dizer até que razoável. Mas elas são carentes de atenção e o
papel nosso como educador é procurar dar atenção e procurar dar pra criança o
que for de melhor pra ela.
Professora Ana Maria – O que for melhor. Hoje eu agradeço muito a
Deus, por ter me dado essa oportunidade de trabalhar aqui. Eu dou muito valor a
esse trabalho.
Professora Sueli – É porque a gente na verdade, todo mundo que
desempenha um serviço como educador tem que fazer porque gosta. Porque se
fizer só pensando em interesse financeiro ela não consegue passar nada. Você
não consegue passar pra uma criança e eu acho que o papel nosso aqui, como
educadora, é passar pra criança antes de tudo uma segurança, transmitir
segurança.
Professora Dione – Bom, agora sou eu. Aqui na Prefeitura, na verdade
eu sou professora já há muito tempo. Inclusive aposentada, mas faltavam uns
quatro anos pra aposentadoria do Estado, quando eu entrei na Prefeitura. Assim,
na verdade eu entrei sem esperar, por uma brincadeira. Surgiu esse concurso e
eu comentei com uma professora do Estado: - Vamos tentar mudar? Porque
como eu trabalhava só com adultos, principalmente supletivo e adolescentes.
Eu falei: - Eu quero mudar, vamos mudar. Vamos fazer esse concurso. Eu
passei. Inclusive eu passei e ela não. Mas eu fiquei muito insegura na hora de
assumir, porque quando eu escutava a coordenadora falar. Era coordenadora do
Estado e de um CEI. São nove bebês pra uma professora, eu me senti muito
insegura. Eu achei que eu não era capaz de assumir nove bebês sozinha. Eu
achei que era muito trabalho e eu fiquei muito insegura. Tanto é que eu tive
alguns entraves pra conseguir, tive que entrar na justiça por causa de alguns
problemas que eu tive. Mas a hora que eu assumi, eu adorei. Era uma realidade
totalmente diferente, eu estava com bebês e estava com aluno mais velho que eu.
Era muito diversificado, mas pra mim foi uma novidade que eu adorei. Como eu
era professora de Língua Portuguesa, eu já tinha um contato com leitura.
241
Lógico que eu gostava muito, mas tinha feito um trabalho legal há uns
anos anteriores, emprestando livros meus mesmos paradidáticos para as crianças
lerem. Mas ultimamente estava muito difícil trabalhar com leitura. As crianças
estavam muito rebeldes e estava difícil o trabalho mesmo.
Então, quando você dá uma leitura, a todo instante você tinha que
interromper porque uma criança brigava com outra, porque entrava criança de
outra sala na sua sala e você não conseguia concluir. Dar uma aula legal mesmo
de leitura e isso estava me deixando mesmo muito frustrada.
Quando eu entrei no CEI, e isso foi verdade, a minha irmã até hoje fala,
você parece boba de tanto falar nisso. Que eu percebi que as crianças, os
pequenininhos gostavam tanto de historia e quando eu chegava na porta da sala
com um livrinho de historia, eu não precisava falar nada, todos iam sentar porque
sabiam que era hora da historia.
Eles adoravam. Isso me dava uma alegria, uma satisfação muito grande.
Professora Sueli – É porque você já pegou uma fase, de certa forma, as
crianças já estavam mais habituadas a historia no sentido de que já tinham visto
livros, já tinham folheado.
Professora Dione – Ah! Sim, sim.
Professora Sueli – Então, aquilo já tinha despertado um interesse pela
leitura, quer dizer, eles poderiam não, mas sabiam que aquele livrinho tinha
alguma coisa de interessante pra ele.
Professora Dione – Sim. E o que eu percebi foi que, na verdade as
crianças, os pequenininhos tinham muito mais interesse que os grandes. Eu acho
que eu estava formando os pequenininhos pra futuramente não acontecer o que
estava acontecendo no Estado. Deles não estarem tendo interesse, foi uma
alegria muito grande.
Tanto é que é o trabalho que eu mais me identifico, com as crianças é
realmente contar historias. E eu to procurando tentar um curso de contadora de
historia. Estou atrás e é que eu fiz esse trabalho esse ano com a historia do
Pinóquio.
242
Corri o CEI inteiro com o Pinóquio. E é uma satisfação muito grande e eu
entro na sala, eles me reconhecem como a tia do Pinóquio, da historia do
Pinóquio. Então, eu entro, eles me pedem: Vai contar a historia do Pinóquio?
Professora Sueli – Eles já associaram você.
Professora Dione – Já.
Professora Sueli – E você acha que assim, com todas essas mudanças
que teve na sua vida profissional, o CEI mostrou algum lado seu, que estava
escondido?
Professora Ana Maria – Na verdade, acho que não estava escondido, a
parte maternal, que eu sempre, eu sempre procurei trabalhar a historia com meus
filhos. Sempre dei, embora o meu filho não goste muito de leitura. Já a minha filha
ao contrário adora, os livrinhos dela, estão por aqui.
Ela tinha ciúmes tremendo quando eu falei pra ela: Deixa eu levar pras
crianças. Então, eu acho que aflorou um pouco essa coisa maternal.
Professora Sueli – Depois de muito tempo, você demonstrar o hábito da
leitura pra criança.
Professora Dione – Pro pequenininho. Que pra mim é uma satisfação
muito grande mesmo. Eu me sinto recompensada.
Professora Sueli – E assim no conto, nos contos, tem algum
personagem assim, que você se identifica?
Professora Dione – Não, já tive pensando, a Rosana já tinha feito essa
pergunta. Eu não consegui me identificar nos contos que eu leio, que me veio à
memória. Eu não consigo me identificar em nenhum conto.
Professora Sueli – Eu posso te dar uma sugestão?
Professora Dione – Como? Pode ser que eu não consiga me enxergar e
você consiga.
Professora Sueli – De repente é assim, dar uma sugestão. Você pode
lembrar a Mamãe Ursa que contava historia. Na historia dos cachinhos dourados,
que contava a historia, porque ela sempre gostava de contar uma historia.
Como você adora contar historia, que nem você disse que se identifica
mais na parte da leitura. A Mamãe Ursa gostava de contar historia, quer dizer o
243
papel dela era aquela mamãe que deixava de fazer o que ela estava fazendo pra
sentar numa cadeira, pra eles poderem ouvir uma historia.
Professora Ana Maria – Eu contava pra minha filha. Ela adorava historia,
tem vários livrinhos. Eu até trouxe uns aqui, tem várias coleções e toda noite eu
tenho que contar uma historia pra ela ou ela lê uma historia pra mim ou eu leio pra
ela.
Professora Sueli – Então, mas você concorda que essas historinhas,
esses contos que você conta pra criança na infância, ela leva pro resto da vida.
Ela sempre vai se lembrar?
Professora Dione – Com certeza.
Professora Sueli – Como a gente também se lembra, se o pai não teve
tempo de contar.
Professora Ana Maria – Na minha infância eu não tive. Minha mãe
trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó.
Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não
me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro
do bicho papão, que eles falavam nada de.
Professora Sueli – Contar uma historia, você entra na mesma
porcentagem da maioria de hoje em dia. Que tão todas formadas, formando
crianças pra ter gosto pela leitura e que na verdade só foi conhecer a leitura bem
depois, porque os pais não tiveram tempo. A maioria está sempre falando: Meu
pai trabalhava muito, não tinha tempo.
Professora Dione – Então, mas eu acho que ainda hoje, embora tenha
mudado muito. Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que hoje
também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais
divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa
função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.
Professora Sueli – É como já foi dito, nós já comentamos em outro
encontro, apesar de ser mais acessível os livros hoje em dia, é que nem você
falou, muitos não vão ter condições. Eles não tem o hábito e não conseguem
encontrar um tempo e de dizer este tempo é pra mim dar uma atenção mais
244
dirigida para o meu filho. Então, quer dizer, o papel nosso, como educadora é
começar a introduzir.
Professora Dione – Embora a gente não substitua esse hábito dos pais.
Professora Sueli – Não substitui, mas você vai ter sempre de uma
dessas crianças que vai dizer: - Olha meu pai e minha mãe não tiveram tempo de
contar, mas eu tive uma professora que me contava história, ou pode dizer eu tive
uma professora que me contava, eu tive uma professora que contava a história do
Pinóquio. Ela contava hoje e contava no outro dia, até que eu aprendi a historia
do Pinóquio, quer dizer, eu acho que são pontos na parte da educação
principalmente das crianças menores da área de CEI, que vai ficar focada, quer
dizer de certa forma a gente não vai redimir essa falta dele dizer o meu pai não
me contou história, mas ele vai também ter uma parte boa de dizer mas eu tive
professores que se interessavam em me mostrar a história, são paralelos
diferentes mas que pro crescimento de criança é importante.
Professora Ana Maria - Com certeza.
Professora Norma - Eu vou começar contando do meu tempo de criança,
como eu já falei das histórias que meu pai contava, eram histórias fantásticas
sobre o Saci Pererê, sobre esses protetores das matas. Naquela época eu
achava engraçado e, às vezes, achava assim que o meu pai era um pouco bobo
de estar contando aquilo. Só que eu não tinha ideia da riqueza que poderia ter
levado comigo. Não tinha ideia, era muito criança, mas ele contava assim e eu vivi
muitas histórias. Parece que era verdade, sabe, ele falava de uma maneira. E
outra coisa também, que eu vim aprender depois são os trava línguas que o meu
pai fazia com a gente.
E o meu pai era analfabeto, ele aprendeu a escrever ali comigo. Agora,
quando eu vim pra prefeitura, como eu vim. Eu me aposentei em uma escola,
Dom João, na direção. Escola estadual, mas antes eu alfabetizei. Mas nós não
tínhamos o hábito de contar historias na escola. Era próprio do sistema. Eu
incentivava muito a criança a escrever, a contar as coisas dela e tudo.
Mas não existia esse hábito de contar historia, que seria ótimo. Mas não
tinha não. Tinha todo um sistema já para alfabetizar, tinha cartilhas da Emília
Ferrero. Começou a aparecer as experiências, nós começamos a trabalhar de
245
maneira diferente, mas sem orientação. Então, ficamos muito perdidas, mas a
historia não estava em pauta. Mas quando eu me aposentei, quis vir trabalhar,
porque eu nunca quis ficar em casa.
Eu decidi que eu ia trabalhar. Eu pedi licença à prêmio e férias no
trabalho que eu estava. Pedi aposentadoria e já me inscrevi na prefeitura.
Comecei a trabalhar como contratada e depois que eu fiz o concurso pra trabalhar
como efetiva.
Professora Maria Edlene – Você ficou quanto tempo ainda como
contratada?
Professora Norma – Contratada? Três anos depois.
Professora Maria Edlene – É que naquela época podia, hoje são só dois
anos.
Professora Norma – Três anos quebrados, você pode ir renovando, mas
vai quebrando o contrato. Nas primeiras EMEIs que eu trabalhei, eu também não
percebi muita historia. Não se contava historia e tinha todo um trabalho já
desenvolvido pelas coordenadoras. Então, a gente era muito orientada, já tinha
um trabalho feito. Foi quando eu prestei concurso e vim trabalhar nos CEIs,
Centro de Educação Infantil, que tinha passado de creche para a Educação.
Então, estava tendo uma das transições.
As primeiras vezes que eu cheguei eu falava muito. É claro que nós
continuávamos sendo professora, mas de uma maneira diferente. Eu falava muito
como professora e, às vezes, eu falava para as crianças. Elas olhavam pra mim
com aquelas carinhas, o que ela está falando? O que aconteceu?
Eu acho que aprendi muito com as crianças também. Eu voltei a cantar,
eu sempre cantei muito com as crianças. Voltei a cantar, voltei a fazer roda e tudo
isso. O contar historia, só que bem diferente de quando eu contava historias para
os meus filhos e pros meus netos.
Eu tive muita convivência com a minha neta e contei, cantava muitas
canções pra ela e contava historias falando do fantástico, da beleza, do bonito.
Mas nunca como quando eu vim trabalhar na prefeitura, que eu comecei a
perceber o quanto a gente podia tirar da historia, trabalhar com intencionalidade.
246
Desenvolver a linguagem, o pensamento lógico, o fazer com que a criança crie
mesmo matemática contando os personagens.
Uma linguagem mais culta, falando palavras que eles ainda não
conhecem e que eles vão criando hábito de falar, ensinando pra eles que na
historia a gente pode criar, falando de absurdos, de voar, de viajar. Então, a
historia pra mim, me acrescentou não só pra criança, acrescentou muito pra mim
também.
Eu achei que com as historias eu consegui fazer um trabalho com a
criança em outras ideias. A intenção que eu tinha, por exemplo, em matemática,
em oralidade e pra desenvolver a criança, com a historia eu conseguia muito
mais. Por quê? Porque a gente está levando a criança a brincar, a exploração do
ambiente e tudo. A historia, pra mim, veio me enriquecer muito nesses anos de
prefeitura.
Professora Edlene – Por que Norma, às vezes, a gente não sabe. Você
falando eu estava pensando. A gente não sabe o mundo de cada criança. Na
historia, eles saem um pouco daquela vida sofrida.
Professora Norma – É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas
de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que
condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia,
não mencionando o nome da criança.
A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema.
Mesmo, às vezes, brigas em casa e ela vem triste, porque a mãe qualquer coisa.
Então, a gente contando uma historia, a criança acaba vendo aquela historia. Ela
vai falar do problema e vai conseguir problematizar.
Professora Cecília – Consegue trabalhar um problema.
Professora Norma – Então, pena que a historia entrou tão tarde em
minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante
vinte e dois anos e a historia entrou assim, tão tarde.
É muito enriquecedor trabalhar com historia. A historia foi muito bonita e
foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu
Deus! Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: Você
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viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os
registros, nada.
Essas historias daria pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa
ideia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver
com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar.
Era isso, acho que o que eu tinha que falar era isso.
Professora Maria Edlene – Bom, eu vou contar da minha experiência de
quando eu cheguei ao CEI. O CEI direto, eu já vinha de uma unidade indireta. De
um CEI conveniado. Lá a gente já tinha muito essa vivência de contação de
historia.
Eu só fui de uma época. Como eu já tinha falado, eu já existia, mas os
meus pais não tinham tempo, só trabalhavam. Quando tinha tempo, meu pai
contava uma historia que ele tinha vivenciado, meu avô tinha vivenciado. Por ser
analfabeto, ele contava como eu falei, historia de Lampião, as historias da época.
Historias como eles falavam mal assombrada, essas coisas e muita cantiga. Meu
pai também cantava muito pra gente. Ele tinha mais essa preocupação que a
minha mãe. Ela ficava mais na parte do cuidar, elas trabalhava muito. Os dois
trabalhavam muito. A gente acabava ficando com meu irmão mais velho, que
acabou aprendendo a ler sozinho com os gibis e é assim a minha vivência de
contação de historia.
Eu fui aprendendo sozinha, eu fui reconhecendo e vendo historias bem
depois. Acho que nem na escola a professora tinha esse hábito. Eu não aprendi
na escola, já tinha Norma, acho que já era pra ter um pouco essa vivência dos
professores contarem. Mas eu não tive essa experiência, mas eu vim, ouvi e
aprendi. Eu já tinha bem uns quinze anos. Tarde, né? Só que eu já me apaixonei.
Já amava, já vi outro mundo e já entrei, ingressei no Magistério com essa noção.
Era engraçado que ninguém me ensinou, mas parece que eu ia sozinha,
que eu já ia. Aquilo me encantava e eu gosto. Então, lá no CEI indireto, todos os
professores eram meio que induzidos a trabalhar com contos de fadas durante o
ano inteiro. Com projetos variados, por exemplo: dramatização, quando não dos
professores, a gente chamava as crianças pra dramatizar.
248
A gente trabalhava em sala e depois colocava no pátio. Então, tinha muito
esse trabalho de contação de historia. Também veio minha filha, que acho que foi
o que mais me encantou, porque eu até falo que ela vai ter outra vivência. Mais
tarde ela não vai falar o que eu falei dos meus pais, que eu não tive essa
experiência. Acho que se tiver um trabalho assim, ela vai contar diferente.
Professora Norma – É, hoje a minha neta fala pra mim que ela é
apaixonada por história por minha causa tem uma coisa também que me veio a
memória, na minha casa não eram leitores. A minha mãe não lia, meu também
não, mas devido às histórias que ele me contou, eu me tornei leitora. Que eu me
lembro, que quando eu fiz doze anos, meus tios me deram um livro de histórias
porque eu gostava de ler e eu me tornei muito leitora, eu lia muito.
Professora Cecília – Eu acho que em relação a mim, o que me
despertou mais a leitura, não foi nem o fato dos meus pais contarem histórias, foi
na escola que eu aprendi, foi de observar o meu pai ler jornal. Apesar dele ter
concluído até a 4ª série, porque na época era mais difícil concluir, porque sempre
trabalhou, desde os quinze anos. Ele teve uma infância difícil porque a mãe dele
faleceu quando ele era novo e sempre teve que trabalhar desde cedo. Então, não
teve tempo de completar os estudos, mas ele sempre foi muito inteligente porque
ele até hoje as pessoas se admiram porque ele conhece de tudo, apesar dele
nunca ter feito faculdade. Qualquer assunto que você perguntar para ele: politica,
esporte, cultura, ele sabe. Então, isso de observar, de eu estar observando este
gosto pela leitura, é que desenvolveu o gosto de eu observar ele lendo o jornal.
Professora Norma - É e o que as histórias podem falar do valor pra
gente. O meu pai foi uma pessoa que a família deixou ele aqui com quinze anos.
Foi todo mundo embora pra Espanha e ele ficou sozinho. Ele não era pra ser a
pessoa que ele era. Então, ele ensinou muito, eu vim perceber isso depois.
Quando a gente é criança, a gente não percebe, pelas histórias que ele contava,
pela maneira que ele tratava. Quando tinha qualquer festa, Dia das Mães, que ele
pegava um dinheiro escondido e ia com a gente para comprar presente. Minha
mãe, às vezes, ainda falava é bobagem, mas era o jeito dele.
Eu falo, às vezes, como é que ele conseguiu ser uma pessoa assim.
Professora Maria Edlene – Engraçado, se ele não teve essa experiência.
249
Professora Norma - Ele não teve, foi uma pessoa muito sofrida. Teve
padrasto muito ruim. Inclusive, foi a causa dele ter ficado aqui no Brasil, os outros
foram embora e ele se tornou uma pessoa para os filhos assim.
Professora Cecília - Minha mãe também, ela teve pouca oportunidade de
estudo, porque a minha avó teve oito filhos e desses oito tem a minha mãe e mais
uma irmã que é caçula. A minha avó é professora em Maceió, numa cidadezinha
de Maceió. Ela alfabetizava, trabalhava com o prefeito. Antigamente, não tinha
nem concurso.
Professora Maria Edlene - Não era só conhecer e pronto.
Professora Cecília - Era uma pessoa, que tem respeito até hoje na
cidade dela. Escreveram até um livro, colocaram o nome dela, que ela
alfabetizou. Então, no caso, a minha avó trabalhava bastante também na roça. No
caso, quando a minha mãe nasceu pelo fato dos meus tios também trabalharem
bastante e serem mais velhos, quando minha mãe nasceu ela teve que ajudar nos
afazeres domésticos. Ela teve que ajudar muito a minha avó, ela teve assim uma
vida muito sofrida e quando eles vieram pra São Paulo, vieram todos os irmãos, a
família toda. A minha mãe casou muito cedo e parou de trabalhar porque meu pai
não quis deixar ela trabalhar fora. Quando era solteira, ela até trabalhou em
alguns lugares, só que teve que parar de trabalhar pra cuidar dos filhos, casou
tudo.
Só que até hoje ela sente. Ela é uma pessoa muito ativa, ela é uma
pessoa meio que frustrada por não ter trabalhado fora. E o meu pai também tem
uma história muito carente, porque ele perdeu a mãe dele com quinze anos.
Então, a irmã que cuidou dele. Então, ele tem, de certa forma, uma carência,
casou com a minha mãe, assim teve mais conforto. E ele não deixou a minha mãe
trabalhar, acho que justamente por isso, pelas dificuldades, que eles não
passaram essa parte de ensinar entendeu, de incentivar.
Professora Maria Edlene – É engraçado, imagine, porque sua avó era
alfabetizadora. Era o caso do meu avô, ele era o único professor da região, no
sertão nordestino e o meu pai não teve interesse nenhum, não queria. Meu avô
falava, que ele fugia, corria, meu avô saia correndo atrás dele nas plantações e
ele não queria de jeito nenhum. Ele achava e ele falava pra gente, que ele achava
250
que aquilo não ia ajudar em nada. Ele falava isso: O que eu já tinha e o que eu já
sabia, eu ia aprender com a vida. Ele era muito assim, falava que não conseguia
se concentrar e nem conseguia ficar numa cadeira, nem num banco aprendendo
nada.
Professora Norma - Eu sou mais velha que vocês, bem mais velha.
Então, as mulheres da minha época não eram pra estudar, eram pra fazer corte e
costura, casar e ter filho. Na verdade eu consegui ser uma vencedora, inclusive,
na minha família, eu sou a única mulher que trabalha fora.
Professora Cecília - O que me entristece é que mesmo quando a minha
mãe teve o meu irmão mais novo, na época, ele tinha uns três, quatro anos de
idade, não lembro. Abriu um shopping perto de casa, não sei se vocês ouviram
falar do Shopping Arthur Alvim, pertinho da minha casa. Não deu certo, acabou
falindo. Ela conseguiu emprego no Habbib’s, até hoje permanece o restaurante. O
shopping faliu, mas o restaurante está lá.
Só que na época ela ficou super contente, ela conseguiu como auxiliar
de cozinha, e hoje ela ia ser uma das chefes de cozinha. Ela cozinha super bem,
ela é super ativa. A minha mãe ficou super empolgada só que meu pai ficou com
ciúmes e jogou que o meu irmão estava ficando doente, estava sentindo falta dela
e ela acabou desistindo.
Então, voltando a minha infância, a minha mãe teve três filhos. Eu fui à
segunda tenho dois irmãos, tenho um mais velho, só que pelo fato da minha mãe
viver em função da família e dos afazeres domésticos se apegou muito com os
filhos. Quando eu nasci, por eu ser a única filha mulher, ela sempre foi aquela
mãe, até hoje ela é, super protetora. Só que assim, sem noção mesmo, não foi
proposital, ela me retraiu. Ela me sufocava muito, sabe então, aquela mãe super
protetora que tem medo que eu saia na rua.
Desde pequena, só tinha medo que me sequestrassem, entendeu. A
família toda ficava me bajulando, porque eu era um bebê assim, não estou
querendo me gabar, eu era uma criança muito bonita, que chamava muito
atenção. Mas na minha infância eu não gostava disso, isso me retraía, as
pessoas ao redor me paparicavam e só realçando a minha beleza. Eu não queria
isso, eu queria mostrar que eu tinha muito mais a oferecer, que não só beleza.
251
Então, todo mundo ficava me sufocando, entendeu. Isso atrapalhou até pra eu
formar a minha personalidade.
Eu cresci com insegurança, eu cresci uma criança tímida, eu tive
dificuldade de aprendizagem na escola e minha mãe me mimava muito, me dava
de tudo, tudo era muito fácil pra mim. Apesar das dificuldades financeiras, ela
fazia de tudo pra me agradar. Quando comecei a estudar na EMEI, eu peguei
uma professora, minha primeira professora era muito rígida, muito brava. Então,
pra mim toda criança sofre com a adaptação, porque está acostumada com o
amparo da família. De repente, começo a estudar, pego uma professora que é
bem rígida, completamente diferente da minha mãe, outra personalidade. Eu me
assustei, então, eu chorava, eu era muito manhosa. Eu chorava muito, eu não
queria ir para a escola e a minha mãe pra reforçar mais ainda, ela deixava eu
faltar na escola, entendeu.
Ela reforçava mais ainda a minha insegurança, entendeu. Tanto que
quando eu estava na primeira série que foi a fase de alfabetizar. Eu também
peguei uma professora enérgica, rígida. Na época, foram mudando as leis, mas
as professoras davam castigos, tinha que ser aquela disciplina, que as crianças
não podiam se mexer. Queriam controlar tudo, a criança não tinha muita
liberdade. Então, eu entrei em contradição do que eu vivia em casa, totalmente
oposto, as regras tudo. E ninguém ficava me bajulando, eu estava acostumada
com todo mundo me protegendo, me dando as coisas na minha mão, facilitando
as coisas pro meu lado. Só que aí eu cresci, sem ter autonomia, sabe, insegura,
tímida, medrosa, envergonhada, desconfiada e isso atrapalhou porque foi
formando a minha personalidade. Porque chega uma idade com seis ou sete
anos, que não tem como voltar atrás foi à maneira que minha mãe criou, me criou
de uma forma errônea, não que ela tenha feito por maldade, proposital, foi por
falta de conhecimento mesmo. Foi inocentemente mesmo, eu não me culpo, quer
dizer, eu não culpo a minha mãe por causa disso. Porque foi por falta de
conhecimento que ela agiu daquela maneira. Então, com o passar do tempo, na
adolescência, eu jamais pensei em ser professora, eu não tinha assim. Eu não
nasci com dom de ser professora, apesar da minha avó ter sido professora, a
minha prima também que se formou primeira professora na família, que fez
252
magistério, só que eu era muito apegada a minha prima. Tanto que nas
brincadeiras de infância, a minha prima era sempre a professora e eu a aluna.
Professora Márcia Polessi - Eu era a professora e as bonecas eram as
alunas.
Professora Cecília - Ela dava bronca, reunia às crianças, as primas, a
família, as amiguinhas e ela era aquela professora enérgica, dava bronca,
colocava de castigo, dava atividade.
Professora Maria Edlene - É porque ela estava repetindo o que ela via
com a professora dela.
Professora Cecília - É, eu estava aprendendo com ela, como aluna, mas
jamais passou na minha cabeça: Um dia eu vou querer ser professora. Tanto que
com o passar do tempo, na minha adolescência, quando eu estava começando o
Ensino Médio, eu participava muito na igreja, na comunidade católica. No caso,
eu me batizei, fiz a primeira comunhão e participava de grupo de jovens. Eu
conheci um rapaz que gostava muito de fazer teatro, como todo mundo me
cobrava isso, até nas festas de família, que eu era muito quieta, que eu não me
comunicava, que eu não me entrosava com o pessoal. Vinha essa cobrança
interna, eu não queria ser diferente, eu queria mostrar do que eu era capaz. Sobre
me expressar, que eu era inteligente, eu tinha que por pra fora todo aquele
sentimento.
Eu me cobrava demais, eu tinha que mudar aquele meu jeito de ser e que
eu podia ser capaz. Teve essa oportunidade, inclusive o teatro, não sei se você
conhece é o TUSP, o teatro da USP que fica na Rua do Mackenzie que era o
antigo Centro Cultural Maria Antônia. Você tem conhecimento, inclusive foi à
antiga Faculdade de Filosofia da USP. Então, lá abriu inscrição pra pessoa sem
experiência.
Professora Norma - Você foi fazer?
Professora Cecília - E ele estudava no Mackenzie esse meu amigo. Me
convidou, eu me interessei. Vai ser interessante pra mim porque se eu começar a
fazer teatro vai ser uma forma de vencer essa timidez. Eu topei o desafio e eu
fazendo teatro, melhorou muito como pessoa. Só que na época eu tive
empecilhos porque eu estava ensaiando pra peça de teatro que eles iam passar
253
por uma reforma. Eles iam montar mesmo um teatro, só que foi aberto também
festivais de teatro pra outras turmas de outras cidades se reunirem e
apresentarem as peças. E por pertencer ao governo, a USP, no caso, eu ia ter
que ficar vários dias, uma temporada. A USP ia oferecer até pra quem quisesse
participar do festival hospedagem, porque iam vir pessoas de fora pra concorrer
nos festivais. Só que na época meus pais ficaram enciumados porque eu era de
menor. Não deu pra eu dar continuidade, depois com o tempo eu estava
terminando o Ensino Médio.
A minha prima, essa minha prima já estava trabalhando como professora.
Inclusive ela trabalhava, na escola que era na rua da minha casa, praticamente do
lado. Ela trabalhava como professora, tinha feito só o Magistério, aí falou que
precisava de uma pessoa pra ser auxiliar das crianças. Só que até o momento, eu
fiquei preocupada porque eu não tinha formação, não tinha experiência com
criança. Gostava de criança, nas reuniões de família, eu sempre gostava de
criança, mas jamais pensei que eu pudesse, tivesse dom de trabalhar com
criança.
Abriu essa oportunidade, na época eu estava sem trabalhar, porque o
meu primeiro no emprego aos quinze anos foi justamente nesse shopping que
abriu perto de casa. Eu trabalhei em algumas lojas e depois acabei desistindo. Na
época eu estava precisando de um dinheirinho pra eu poder, porque assim meus
pais não tinham condições de que se eu quisesse um tênis, uma roupa era difícil
deles comprarem pelo salário que o meu pai tinha.
Ele é aposentado, mas ele continua trabalhando e ainda na minha família
nenhum filho casou. Então, tem muita despesa até hoje. Então, um dinheirinho a
mais pra eu poder comprar uma roupa, passar no shopping ainda mais na fase da
adolescência você tem vontade. Eu topei o desafio, era pra trabalhar meio
período. Inicialmente, eu comecei a trabalhar com crianças de dois anos de idade,
eu não sabia trocar as fraldas. Eu aprendi de observar o dia a dia, vendo as
professoras na prática, pedia ajuda e eu fui me esforçando. Só que eu criei aquele
ambiente. Eu criei amor, eu criei um vínculo e eu ficava observando as
professoras na sala de aula que estavam com as turmas com as crianças. Era
uma escolinha infantil, não tinha nem Ensino Fundamental, mas eu via nas salas
254
de aula que eu queria desenvolver na sala de aula aquilo que elas estavam
desenvolvendo com as crianças de outras idades também. Eu ficava admirando,
um dia eu quero chegar lá onde elas estão. Só que eu sei que eu tinha que
estudar, eu sei que eu tenho que batalhar muito, que eu tenho muito a aprender
ainda e na época eu ganhava um salário mínimo. Não tinha nem como pagar uma
faculdade, mas eu fui perseverante. Eu falei vou trabalhar, vou correr atrás, vou
ver se dá pra eu fazer Magistério. Só que em 97, eu estava terminando o Ensino
Médio. Eu até pensei em fazer na mesma escola o Magistério, só que na época,
essa mesma escola que eu estudei, inclusive aqui na Penha, tinha extinguido o
Curso de Magistério.
Eu fui procurar informação e as únicas escolas que ainda tinham o
Magistério, era o CEFAN, mas só que eu teria que estudar o dia todo. Tinha que
deixar de trabalhar. No caso, eu estava gostando de trabalhar, eu estava
adquirindo experiência com as crianças. Então, eu falei: - Eu não quero largar de
trabalhar pra ter que estudar o dia inteiro.
O que eu pensei, futuramente quando eu tiver condições, eu vou direto
na faculdade. Só que eu não tinha condições. Eu ganhava salário mínimo,
trabalhava meio período. Mesmo assim, pelo fato da minha prima trabalhar lá,
estava tendo praticamente um cargo de confiança, apesar de não ter formação
como professora. Ela até me abriu a possibilidade de continuar lá. Mesmo sem a
formação, só que eu tive que esperar dois anos pra eu poder entrar na faculdade.
Eu tive que conversar com o meu pai, a minha mãe também convenceu
ele. Mesmo na dificuldade, ele me ajudou, no início, me ajudou bastante. Só que
mesmo com esse salário mínimo, eu colocava e juntava. Eu não comprava nada
pra mim.
Eu juntava esse salário, que era pouco, com o que meu pai me ajudava
na época, o vale transporte e eu fui com a cara e a coragem. Só que nesse início,
no primeiro ano de Pedagogia, antes de eu ingressar em 96/97, eu tinha voltado a
fazer curso de teatro só que não era no TUSP.
Eu comecei a fazer no SESI, é teatro amador, mas mesmo assim nesse
percurso eu fiz dois anos de teatro. Eu não desisti do teatro mesmo dando aula.
Só que pela faculdade eu não tive tempo mais de fazer o teatro. Eu comecei a me
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dedicar nos estudos mesmo, tanto que o professor falou assim: - Mas justo agora
que você vai pra turma especial? Porque eu apresentei a peça de teatro, fiz o
maior sucesso, todo mundo gostou. Minha nota no certificado tinha melhorado e
eu ia pro grupo especial, mas justamente agora.
Eu falei: - Não posso, eu vou estudar agora. Eu vou fazer Pedagogia, eu
quero seguir, eu quero ser professora. Eu quero seguir na área que eu estou
atuando agora.
Eu preciso da faculdade porque se eu não estudar, eu não vou poder ser
mais professora ou uma coisa ou outra. Você tem até na sua família. E você sabe
que viver de teatro é difícil, eu sempre fui pé no chão. Eu tenho que ter uma
estabilidade, porque eu voltei a fazer teatro por hobby. Eu nunca pensei assim, eu
vou fazer teatro como profissão, vou me especializar nisso, porque é complicado
pra você atuar, pra você se estabilizar nessa área e tem muita coisa errada
também.
Professora Norma – E como você veio para a Prefeitura?
Professora Cecília – Então, eu trabalhei bastante tempo na escola
particular. Nessa mesma escola eu trabalhei durante quase treze anos, quer
dizer, no contrato está treze anos. Eu fiquei quase dez anos nessa, mudei pra
outra e fiquei três anos.
Eu, de certa forma, por essa escola particular ser próxima à minha
residência, eu me acomodei na mesma escola. Poderia justamente, pela minha
insegurança, ter tentado outras oportunidades melhores, mesmo sendo na
particular. Pela experiência que eu adquiri, tanto na Educação Infantil como no
Ensino Fundamental. Claro que se eu for analisar agora, o que eu gostei mais de
trabalhar foi com a Educação Infantil, pelo fato de eu ter tido mais experiência
com a Educação Infantil e por eu ter começado a gostar mais e ter me
identificado.
Professora Maria Edlene – E lá, você já tinha a vivência da contação de
historia com eles?
Professora Cecília – Sim, eu já tinha essa prática porque eu observava o
trabalho das professoras desde o momento que eu iniciei e pelo fato de eu gostar,
de eu ter feito teatro, de explorar esse mundo da fantasia. Eu até na hora de
256
contar as historias, eu tinha muita facilidade, porque tinha os personagens. Eu me
incorporava nos personagens. Era como se eu tivesse representado, como se eu
estivesse num palco contando as historinhas para as crianças e eu imaginava.
Ah! Um dia eu vou fazer teatro, mas eu quero fazer teatro infantil, peça
infantil, até hoje eu tenho esse sonho de um dia voltar a estudar teatro, porque foi
um dom que despertou em mim, um talento.
Eu tinha facilidade pra decorar texto e todo mundo falava, como você
consegue? Você é tão tímida, pra mim eu me escondia atrás do personagem, não
era mais eu, entendeu. Tanto que até quando eu fui apresentar. Eu fiz a pós
graduação, quando eu fui apresentar o TCC, eu tive que apresentar sozinha,
defender a tese sozinha. Eu tive muita dificuldade e até agora pra eu falar em
público eu tenho muita dificuldade.
Mas já se eu estou incorporando o personagem, já ao contrário, não sou
eu, entendeu. Eu estou me escondendo atrás de um personagem. Então, eu
tenho mais facilidade. Então, eu fui trilhando pra atuar como professora adquiri
experiência com o Ensino Fundamental. Eu dei aula para o Ensino fundamental
uns três anos. Tive mais dificuldade, justamente pelo fato de como fui educada,
principalmente porque no Ensino Fundamental era muito carinhosa com as
crianças. As crianças confundiam com liberdade. Então, eu queria agradar
sempre. Então, eu não tinha aquele pulso firme, não sabia impor limites pra
criança. Eu facilitava tudo pra criança. Então, o que gerava? Gerava indisciplina.
Então, as crianças confundiam aquele carinho todo com liberdade. Então, logo de
começo encarar o Ensino Fundamental foi muito difícil, foi um desafio enorme e já
com as crianças pequenas eu já tive mais facilidade, porque eles necessitavam
mais.
Eles dependem mais do carinho e da atenção da gente. Claro, que com o
passar do tempo, eu comecei a ser mais enérgica, a ter uma dose de equilíbrio.
Eu nunca perdi a ternura, porque eu acho que a criança pra desenvolver, ela tem
que ter afetividade, mas ao mesmo tempo você tem que impor limites. Você tem
que ser firme com elas e a cada dia que passa, a cada ano que atuo como
professora, eu vou me aprimorando com as experiências, com os erros. Isso eu
acho que é com todas as professoras.
257
A gente vai tentando melhorar cada dia mais escutando, trabalhando. Eu
tive muita decepção amorosa também, graças a Deus eu encontrei a pessoa
certa. Na minha vida acrescentou, me motivou a estudar, tanto que eu conheci ele
em 2007, eu estava iniciando o curso de pós graduação. Eu tive minhas
dificuldades, eu achava que o curso estava difícil. Meu namorado falou: - Não,
você tem que ir atrás, você é capaz. Isso vai te acrescentar lá na frente. As
minhas colegas falavam: - Olha, tenta um concurso público, uma hora você
consegue passar. Eu estou tentando desde 2006. E eu falava: - Mas é muito
difícil, eu ficava admirada com as minhas colegas que estudaram comigo.
Vocês são muito inteligentes, acho que eu não vou chegar no mesmo
patamar de vocês. Acho que é impossível, eu estudo tanto e não consigo. Eu me
esforço tanto e as minhas colegas: - Não, não desiste. Meu namorado, minha
família: - Não, você tem que tentar algo melhor. Você não pode ficar só na
particular, porque a particular infelizmente, você trabalha muito. Você se esforça
tanto, mas você não é recompensada. Não pelo valor, questão financeira, mas é
claro que você tem que fazer o que gosta, mas você tem que ter retorno também.
Mas você também não pode ser explorada e eu fui muito explorada. Eu fui
muito judiada na escola particular. Acho que se for conversar com todos os
professores que passaram na particular, sem dúvida a escola pública,
principalmente agora, atualmente ela tem plano de carreira. Ela facilita tudo que
você for estudar, você tem evolução funcional. Então, você está se atualizando
sempre e isso facilita até pra sua prática em relação às crianças.
Então, eu sempre procurei progredir mesmo diante das dificuldades. Eu
sempre fui uma guerreira, batalhadora. Então, eu sempre fui atrás, meu
namorado, minha família sempre me incentivaram e eu consegui.
Professora Norma – Pra você foi fácil, porque o teatro te deu esse...
Professora Cecília – Essa bagagem toda.
Professora Norma – Essa bagagem.
Professora Cecília – Isso, inclusive eu até contei nos outros
depoimentos, deve até estar registrado com a Rosana, que quando eu estava no
Ensino Fundamental, eu tinha uma professora que tinha uma sala de leitura, tinha
uma professora que era excelente. Era uma ou duas vezes por semana a gente
258
ia, tinha uma programação. A professora levava a gente nessa sala e contava
historias. Essa professora que ficava na sala de leitura e a gente levava os
livrinhos pra casa. Empréstimos na biblioteca e a gente escolhia o que a gente
mais gostava mesmo.
Então, isso foi desenvolvendo o gosto pelos estudos, pela leitura. Eu
sempre gostei de estudar, de correr atrás e minha família sempre me motivou
também, meu namorado e até no concurso também. Em 2007, teve concurso, fiz
cursinho preparatório, estudava todo final de semana, dava aula, dobrava período
na particular. Dava aula pras duas turmas de Ensino Fundamental, ainda fazia
pós graduação. Foi muita coisa na minha cabeça, muita preocupação. Levava
serviço pra casa, por isso que eu não consegui passar. Não por falta de
capacidade, todo mundo é capaz, mas porque eu não tinha tempo de administrar
o meu tempo pros estudos, porque concurso público está cada vez mais
concorrido. Eles colocam uma bibliografia imensa e nem tudo o que você estuda
vai cair na prova. Sem contar o nervoso e até que graças a Deus eu consegui
passar no concurso público para trabalhar na creche e eu estou gostando da
experiência, tem sido riquíssima pra mim.
Professora Tereza – Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha
um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo.
Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já
perguntava: - Como que faz pra entrar na prefeitura? Como que faz? Tamanha
era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir
inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança.
Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, mandaram eu fazer a provinha de
ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei,
mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do
filho do outro. Eu não tinha noção de nada.
Bom, aí eu fui chamada na prefeitura. Quando eu cheguei no prédio, o
prédio tinha acabado de ser inaugurado. Estava vazio, não tinha nada, nem
ninguém. Éramos eu e outras companheiras que chegamos juntas. A nossa maior
ansiedade, isso tudo aconteceu em 88. Então, eu e as minhas companheiras que
259
também entraram na mesma situação que eu, queríamos saber aonde estavam
as crianças. Quando que elas iam chegar.
Mas primeiro tinha que chegar os móveis, primeiro tinha que chegar as
coisas da cozinha. Era muito devagar, quase parando. Nós chegamos na creche
mais ou menos em abril e ela só foi funcionar depois do meio do ano, porque teve
uma série de ajustes pra isso acontecer.
Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças
começaram a chegar e nós estávamos aqui, doidas pra tomar conta das crianças.
Era um tomar conta das crianças que nem mãe. Olhava a cabeça se tinha piolho,
se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda,
naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso
no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse
cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo.
Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas
vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente
não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo da Chapeuzinho
Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção , não havia uma
reflexão, não havia nada disso.
Contar por contar pra acalmar as crianças. Então, esse contato com a
historia era uma coisa como se fosse qualquer outra coisa, não fazia tanta
importância. Não tinha essa questão do faz de conta, era aquilo que a gente sabia
a nível de alguém já ter contado porque não era uma coisa lida. Não tinha livro,
não tinha gibi, não tinha nada.
O que a gente fazia. Eu pelo menos contava como alguém já me contou
uma vez. Era uma vez a Chapeuzinho Vermelho que a mamãe mandou levar a
cestinha para o Lobo Mau. Mas na verdade existe mais coisa dentro dessa
historia. Ao longo dos anos é que eu fui observar que não era aquela historia do
jeito que eu contava. A historia da Chapeuzinho Vermelho é mais ampla. Ela é
cheia de intenções, mas enfim, isso a gente aprendeu com o tempo.
Professora Noelina – Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha
trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na
Helena Rubbinstein de consultora de beleza.
260
Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de
mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém...
Um certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma
água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu
tinha que pensar nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não
Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme
porque você vai voltar.
Eu não vou voltar, eu vou entregar esse uniforme. Só que aí, eu prestei o
concurso e queria essa creche e não consegui. Fui lá pro CEI Penha, trabalhei lá,
só que lá quando eu cheguei, me colocaram no Jardim. Nossa! No primeiro dia eu
fiquei mal, queria até nunca mais voltar porque tinha criança maior que eu e as
meninas você tinha que trançar o cabelo. Eu nunca tinha pego o cabelo daquele
jeito, tive que pegar aquelas crianças amoadinhas.
Meu Deus, fiquei apavorada. Com o passar do tempo, eu fiquei lá. Tinha
uma professora que ela vinha pegar as crianças pra fazer caderno, eu ficava com
o restante que não fazia caderno. Tinha uma professora que chamava Renata
que levava os outros pro refeitório pra ela dar os cadernos. Depois ela mandava
as crianças pra mim novamente.
Teve uma época que estava precisando uma professora aqui. Que a
professora gestante ia sair de licença. Fizeram a reunião, a supervisora foi lá,
queria saber quem morava próximo. As meninas falaram: - Não, você não vai.
Queriam fazer reunião que não era pra mim vir. Não, você não vai. Que eu já
estava bem, interagindo com o grupo. O grupo não queria que eu viesse e eu vim.
No final da historia, acabei ficando aqui. E estou aqui até hoje. Entrei em
doze de maio de 88. Estou aqui até hoje, essas historias se a gente contar, não é
muito assim como hoje. Nós estudamos, aprendemos como que é o contar
historia.
Antigamente, era uma coisa mais light, era mais o cuidar. Hoje não, com a
formação que nós obtivemos, aprendemos bastante coisa, foi um grande avanço.
Professora Walkíria – Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e
estudava à noite. Eu não tive muito contato com a historia, porque não tive quem
contava, porque era eu e meu irmão e nós brincávamos à noite, quando apagava
261
a luz. Mas brincava com gestos com a mão, no escuro, de assombração. Contava
e a gente brincava, mais duas primas que eu tinha, que era filha de criação.
Então, a gente brincava de historia assim. O meu avô, às vezes, contava
aquelas historias antigas de assombração.
Depois a minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra
entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me arrisquei e fui. Não sabia nada
de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma
sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer.
Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu
fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos.
Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei
com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as
crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar
uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já
trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança.
Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui
aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o
outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não.
Professora Maria da Penha – Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse
CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que
estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui
parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os
enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós
fomos pra lá e eu entrei no estágio. Eram dezoito crianças pra gente, foi que nem
pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer, só que
naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior
parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar
banho e ia pra mesa.
Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela
época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o
conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as
262
crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era
muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças.
Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar
conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei já era meio período. Então,
em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho.
Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já
liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o banho também foi tirando, foi
diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais
fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche,
era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca
de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra
saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança.
Com o tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da
gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós aprendemos a importância de
contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI
Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles
queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui
e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado.
Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a
criança almoçou, jantou e acabou o dia.
Professora Walkíria – Melhor que na faculdade, que tinha o lençol e a
gente ia contar atrás do lençol pras outras professoras.
Professora Maria da Penha – Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI
Magistério, a importância de um desenho com grafite, qual a importância de
desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele
desenho.
Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e
eles contavam pra gente o que significava o desenho e a gente passou a ouvir as
crianças também nesse sentido.
Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também
foram chegando pra escola e a gente foi aprendendo, mas no começo foi muito
difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por
263
causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu
estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar
a gente.
Professora Noelina - Vocês já foram criança. Saber cuidar de sobrinho
pra eles estava bom. Eu mesma saí em dois lugares, aqui na Penha e lá em São
Miguel. Eu mesma tive que ir lá desistir e ficar só com o da Penha.
Professora Maria da Penha - Pra eles estava bom, quando eu entrei,
quando nós entramos ainda tinha gente trabalhando oito horas. Depois foi
diminuindo a carga horária, que foi ficando mais difícil ainda e também era mais
selecionado. A creche não era pra todas as crianças, era só pra mãe que
precisava também ficou mais difícil, porque todo mundo tinha acesso a creche,
mas era como se fosse um depósito de criança, tinha muita falta de professor.
Professora Noelina - Eu assumi duas salas.
Professora Maria da Penha - A gente chegou a trabalhar na cozinha. Eu
fiquei uma semana aqui já, fiquei uma semana na cozinha fazendo almoço pras
crianças.
Professora Walkíria - Lavava banheiro, lavava sala. No carnaval a gente
vinha pra cá, pra lavar não tinha jeito. Lavar sala, banheiro.
Professora Noelina - Tudo a gente fazia.
Professora Maria da Penha - Então, o bem estar da criança entre aspas
ficou muito a desejar. Hoje tem a cozinha terceirizada, vamos falar, também não é
um mar de rosas, mas é melhor do que quando a gente entrou. Do que há vinte e
dois anos atrás. Teve uma boa evolução. E nós também, hoje somos professoras,
naquela época era pajem. Depois foi mudando, mudando e hoje somos
professoras. A prática que nós temos, foi muito maior que tudo isso. Do que a
faculdade, o ADI Magistério,... Tinha enfermeira, hoje eu tenho que dar remédio,
tenho que ver se a dose é muito grande ou muito pequena.
Professora Walkíria - Quando o PAS entrou, vieram várias enfermeiras
pra cá, tumultuou bastante.
Professora Noelina - As enfermeiras que nunca tinham trabalhado com
criança, vieram pra cá ficar na sala de aula com a gente.
264
Professora Maria da Penha - Antes a gente tinha que pegar o piolho.
Recebia uma tolha e um pente fino. Puxa o piolho, quantos piolhos nós já não
pegamos nesta creche.
Professora Noelina - E a entrada que tinha que fazer a triagem do
piolho. No CEI Penha, peguei aqui no começo, cada dia era uma professora
nenhuma professora queria ir pra triagem.
Professora Maria da Penha – Hoje não, você comunica a direção, a
direção faz um encaminhamento, vai pro médico e o médico vai tratar do seu
piolho. O bem estar foi uma fase muito dura na creche. Hoje em dia, depois de
vinte e dois anos, eu ainda me preocupo com aquela criança que tem piolho. Hoje
eu vejo professora atual, que já entrou no CEI, que já não tem essa preocupação.
De pentear o cabelo, da minha criança ir embora descabelada, sem roupa. Hoje
em dia o que eu percebo nos CEIs é muito papel. A gente escreve muito, escreve,
escreve e deixa um pouquinho do cuidar de antigamente da criança. Tem
crianças que não precisam desse cuidar, mas tem outras que são necessitadas e
que precisam desse acompanhamento.
Professora Noelina – O cuidar e o educar tem que ser juntos.
Professora Maria da Penha – Hoje em dia nos CEIs o educar está lá na
frente e o cuidar vem muito atrás. A gente sente essa diferença, não que os
recursos não ficaram melhores, ficaram sim, mas a prática deixa hoje muito a
desejar.
5º Encontro
Professora Márcia de Fátima – Então, eu comecei quando eu estava no
ensino, que era antigamente o Ensino Fundamental, no antigo Fundamental que
era?
Professora Cecília - Primário.
Professora Márcia de Fátima – Não.
Professora Sueli - Ginásio.
Professora Márcia de Fátima – Ginásio, era o ginásio. Eu fiz até a 8º
série na escola municipal. Chegava no Ensino Médio, aí eu falava assim: “ Eu não
vou mais estudar, se eu não fizer o Magistério, eu não vou mais estudar. E eu
265
tinha um sonho, uma loucura, uma paixão de estudar no Filomena, entendeu?
Porque a minha irmã estudou lá, eu via os trabalhos dela e tudo. Então, aquilo pra
mim foi uma paixão. Se eu não conseguisse estudar no Filomena, eu não ia
estudar em lugar nenhum. Eu fiz inscrição no CEFAN consegui, passei, no dia
que eu ia fazer o...
Professora Cecília - Vestibulinho?
Professora Márcia de Fátima - O Vestibulinho no Filomena, eu fui
madrinha de formatura. Então, foi aquele caos, não cheguei no horário, não deu
tempo pra chegar, eu fui pra casa. Na segunda feira, eu ia saber o resultado do
Vestibulinho. Eu tinha passado, fiquei feliz, pronto e fui lá. Eu fiz e foi aquele
tormento, teve pessoas que falavam pra mim que eu não ia conseguir, pessoas
que falavam que eu ia conseguir e pra provar pra mim mesma que eu tinha futuro
eu fiz assim o melhor que eu pude. Quando eu pego alguma coisa pra fazer, eu
faço com todo o amor, eu não gosto de fazer nada pela metade. Então, eu fui, eu
fiz, eu consegui. Em 2005, eu me formei e já comecei de cara em uma escola
particular. Não tinha experiência nenhuma, em escola nenhuma, a escola estava
começando e eu começando junto com a escola. Era a Castelo Encantado, aqui
no Cangaiba, perto dos predinhos. Então, nós começamos uma turma de Jardim
I, aquela loucura. Eu não sabia de nada e fui, graças a Deus, fui bem. Lia pra
eles, lia, mas, noção do que é a leitura e do que é contar história. Apenas pegava
um livro e lia, não importava pra mim no momento se era escolha deles ou
escolha minha. Era o momento de fazer a leitura, eu pegava e fazia a leitura,
porque no começo da escola não tinha toda aquela programação, aquela
organização toda da escola. Era matrícula, então, não tinha como, era numa
casa, mas foi tranquilo. Tirei de letra e no ano seguinte, eu fui pro maternal.
Também, graças a Deus, também consegui. Na metade do ano fui pro Estado,
peguei da 1ª a 4ª série no Estado, fiquei um bom tempo lá. Casei, engravidei, saí
do particular e só fiquei no Estado.
No Estado também trabalhava muito com eles, já tinha mais a noção do
que era a leitura. Já tinha um pouco mais de experiência de fazer a leitura e
contar histórias e em questão de pré escola, o Ensino Infantil com o Ensino
266
Fundamental tem bastante diferença. Porque pode trocar, troca-se a leitura, tem o
momento de ler, quem lê, eles escolhem.
Eu fazia um trabalho de levar livro pra casa, ajudava a escolher, e depois,
no dia seguinte a criança ia até a frente contava a história, o livro porque ele
escolheu aquele livro, pra quem que ele leu em casa e o que ele mais gostou
daquele livro. Então, a gente fazia um trabalho de leitura bem gostoso no Ensino
Fundamental e depois, eu saí também porque acabou o meu contrato porque eu
era contratada do Estado e também que era o antigo estagiário e fui pra
particular. Fiquei como eventual no Estado e voltei novamente para a particular e
essa particular foi aonde eu me achei. Me adaptei, me localizei, que eu pude fazer
o que eu gostava.
Pré escola, eu vou e volto, eu saio da pré escola, mas não consigo. Eu
tenho que voltar pra pré escola. O trabalho também era tudo: tinha contos até a
apresentação da criança tinha contos de fadas. Tudo que a gente fazia naquele
momento tinha contos de fadas, tinha história, final de ano, sempre tinha uma
imaginação, uma história pra contar pros pais, uma encenação, uma
apresentação. Depois que eu tentei fugir da Educação, fui ser operadora de
telemarketing. Fiquei um ano, foi um aprendizado ótimo, aprendi a falar, aprendi a
atender telefone, mas não era o que eu queria. Voltei para pra Educação de novo,
tentei fugir, mas alguma coisa me chamava, tanto pelo meu filho, por tudo. Voltei
para o Ensino Fundamental, fui pra conveniada, no particular, voltei a fazer
Educação Artística que era o meu sonho. Me formar em Artes Plásticas, mas eu
ainda não consegui, mas eu fiz Educação Artística, mas esse sonho ainda é uma
meta que eu quero alcançar.
E eu já quero fazer como a minha pós graduação em Artes Plásticas, mas
primeiramente eu vou fazer Pedagogia e logo em seguida vou realizar meu
sonho.
Professora Sueli – E qual a historia da sua vida?
Professora Márcia de Fátima – A historia da minha vida, que eu me
identifico, que eu posso falar essa é a minha historia, essa é a minha vida, eu
267
assisti ela sábado. É a Bela e a Fera, essa é uma historia que chama muito a
minha atenção, além do romance, a parte da Fera. Mais pela Fera, porque
quando eu comecei a namorar, me falaram: - Márcia, você merece coisa melhor.
Ele não é pra você. Ele é feio, você é mais bonita. Foi o que me falaram e eu falei
pra pessoa que não foi a primeira e nem a segunda: - Olha, quem está
namorando com ele sou eu, quem gosta dele sou eu, não importa.
Então, eu já imaginei quem, a Fera e a personalidade do meu marido. É
bem assim, ele é grosso, é estúpido, mas eu amo aquela pessoa daquele jeito.
Ele é o amor da minha vida. Tem muita gente que não entende o jeito dele. Ele foi
criado na ignorância, pra ele sair da casa dele, ele subia no telhado, ele tirava
uma telha pra sair de casa, porque o pai dele trancava. Se saísse ele batia, ele
apanhava e ele cresceu naquela violência. Então, eu coloco o meu marido como
uma Fera por causa disso. Ele fala, ele é estúpido, ele é grosso, só que ele tem
um coração bom e ele é bom. Ele tem um objetivo, ele quer alcançar um objetivo
ele alcança e eu como a bela, não por questão de beleza, eu não me acho bonita,
eu não me acho bela, eu não me acho a melhor mulher do mundo, nem a mãe.
Mas eu estou ali pra aprender, pra amar. O que eu posso fazer pro meu
marido e pro meu filho é o amor. Então, o que a Bela fez pra Fera, foi a questão
do amor, da compreensão, da paciência e é isso que eu tenho com o meu marido.
Depois que a gente começou a namorar, quando a gente foi casar, pessoas até
hoje falam: - Você é mais bonita que ele. Mas não é isso o que eu quero dele, eu
até brinco com ele: - Você é feinho, mas você é meu. Ele é grosso, é estúpido,
mas é a maneira dele falar.
Uma vez o Matheus, quando era pequenininho, ele brigou uma vez com o
Matheus. Que ele fala, aquela coisa, a casa caiu. Ele bateu no Matheus, não
esperava. Ele chorou tanto, sabe aquele choro emotivo, que não esperava aquilo.
Ele pegou, sentou na escada, pôs o Matheus do lado e falou:- Vem aqui com o
papai, Matheus. Chorou, chorou e a minha mãe de lá de cima olhou e deu risada.
Ele é uma Fera só da boca pra fora, dentro dele é amor. Por isso, que eu
me identifico com a Bela e a Fera.
268
Professora Dulcinéia – Um pouquinho de mim é assim: Como já havia
conversado anteriormente sobre os contos. Eu cresci numa família de adultos.
Então, esse resgate que nós temos hoje das historias, dos contos não fez parte
da minha infância. Mas eu tive uma infância boa, eu tive tanto uma infância como
uma adolescência boa, porque eu cresci de uma forma adulta e a minha família
com tudo que eu tinha que fazer, que realizar, nunca com punições nem nada,
sempre dentro de um ambiente onde as pessoas tem uma confiança. Sempre tive
segurança no que eu estava fazendo.
Então, tive uma infância e uma adolescência boa, junto com a minha
família. Não tem um conto hoje que eu possa falar que foi um conto que marcou,
que eu posso comparar. O que eu posso falar dos contos é que eles fazem parte
da minha vida escolar mesmo. Então, hoje eu conto para os alunos.
Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância não,
mas para as crianças hoje eu trabalho contos com eles e trabalho diversas
literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não
tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e
também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida.
Já fui direto com sete anos pro primeiro ano. Então, as historias que lá eu
ouvia, já eram historias que já estavam embutidas nos livros didáticos. Eu
também tive essa parte da infância de chegar da escola, de sentar, ter prazer por
assistir o Sítio do Pica-pau. Era legal estar assistindo, mas eu não me via em
nenhum daqueles personagens apresentados. Eu assistia porque gostava, porque
isso encanta a criança. Então, eu me encantava também porque eu era criança.
Então, isso me encantava e é isso que norteia a minha vida, sem uma
comparação com um conto. Não tem um conto, a princesa ou a Branca de Neve.
Historias que eu gosto, eu conto todas pras crianças porque eu sei a importância
que tem de você contar pra criança. Mas eu gosto daquela historia que envolve a
criança, porque pra mim envolver um personagem, por exemplo, como só a
Branca de Neve que não era uma criança, eu gosto das historias que tenham as
269
próprias crianças pra você retratar. Esse tipo de historias são historias que eu
gosto.
Professora Sueli – João e Maria?
Professora Dulcinéia – João e Maria, não que tenha a bruxa, não é a
bruxa que tanto me fascina, a Cinderela, e sim a historia que a própria criança
consegue no final. Toda a historia no final dela tem um final bonito. E que a
historia de superação seja da própria criança.
E a minha historia é essa, que eu cresci uma criança adulta, já com a
responsabilidade, mas eu que acompanhava eles, do que eles me
acompanhavam. Mas dentro disso tudo na minha vida eu não posso falar. Lógico
que como todas nós aqui batalhamos. Temos algo a falar, mas eu tive uma
infância e uma adolescência, muito boas e é o que a gente fala dos contos. O que
não foi contado lá pra mim, depois com a formação que eu tenho e da atuação
profissional não atrapalhou.
Professora Sueli – Talvez se os contos tivessem aparecido na sua época
de infância, você veria de outra forma na hora de contar pras crianças. Ou o que
te entusiasma a contar pras crianças foi porque você não ouviu os contos?
Professora Dulcinéia – Hoje trabalhando com essa faixa etária tão boa,
que a gente gosta tanto desse trabalho que faz. Eu acho sim que teria sido
também prazeroso pra eu estar ouvindo as historias. Teria sido muito bom,
poderia ter tido até mais resultados. E que eu não tive na minha infância, foi
responsabilidade de adulto.
Professora Sueli – Você se vê procurando passar pra criança uma coisa
que não vai se perder com o tempo.
Professora Dulcinéia – E é tão bom isso, você sentar com a criança,
você ver, você levar a criança a esse mundo da imaginação. Você proporcionar
isso pra criança. Eu não tive, mas eu faço de uma maneira que as crianças
possam ter estes momentos. Eu não tive na minha vida, nem a pré escola. E é
270
uma fase importante pra criança. É uma fase ali de você brincar, de você estar
neste mundo de fantasia.
Professora Sueli – Eu também não tive a pré-escola, mas eu tinha a avó
e o avô que contava muita historia. Eu já fui diretamente pra primeira série, mas já
sabendo muita coisa, coisa que você vê que uma criança que não fez a pré-
escola vai totalmente crua, sem saber nada. Quando a gente fala parece que ela
não sabe nem imaginar as coisas.
Na época, eu já sabia imaginar uma historia, inventar uma historia de mim
mesma, porque meu pai contava historia, diferente daquele que nunca ouviu
historia, porque na verdade o conto em si, porque você inventar aquela historia
sempre bonitinha. A Branca de Neve e os Sete Anões comeu a maçã ou a bruxa
que era má. É você contar uma historia que a criança depois de adulta consegue
se lembrar: - A minha mãe me contava uma historia de um homem que andava no
meio da rua e pegava criança que fizesse arte. Coisas que você acaba guardando
e tem crianças que não passavam nem desta fase. Ela não passou na pré escola
pra ter um estímulo de imaginação e não tinha em casa também.
Professora Dulcinéia – Então, estas fases não tem nem como eu
lembrar hoje.
Professora Maria Lúcia – Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu
gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele
chegava cansado à noite, tomava banho, mas era ele que dava atenção.
Professora Sueli – Aquele do pai ou da mãe que ficar um pouco mais
presente é aquele que a gente lembra mais, você vê como são as coisas. Eu sou
aquela que eu me lembro muito mais da minha infância com os meus avós que foi
até os seis anos do que a fase que eu fiquei com pai e mãe.
Na verdade, fiquei entre aspas, porque eu saí daquele mundo onde eu
vivia solta como uma Emília. Correndo atrás da galinha. De repente, eu me vejo
em uma casa, que eu tinha que ir para a escola sozinha. Eu com a minha irmã,
porque viemos morar definitivo com meus pais. Mas os dois saiam cedo e eu
271
ficava o dia inteiro sozinha. Eu já não podia ser mais a criança, agora eu tinha que
ser aquela responsável, porque a gente tinha responsabilidade de puxar a água
do poço pra poder lavar a louça, brincar era muito pouco. Eu já tinha passado o
dia todo sozinha, tinha ido pra escola retornado, e eu só ia retornar pra rua pra
brincar um pouco, quando meu pai ou minha mãe chegassem no finalzinho da
tarde . Quase sempre era meu pai porque ele trabalhava mais perto. Então, ele
chegava antes, ele sentava um pouco no portão, era onde que a gente ia brincar
um pouco com as filhas da vizinha, mas ali, raramente o pai tinha participação na
brincadeira, mais ele ficava ali vendo a gente brincar, são coisas que você grava
também.
Professora Dulcinéia - Na parte da historia eu não tenho, mas na minha
casa tem a leitura do mundo. Aquela leitura assim, a minha mãe me falava coisas
que o pai dela dizia pra ela. Essa conversa com eles, isso eles me passaram.
Essa experiência de mundo eles me passaram. O que era infantil não, nós
participávamos, eu tive uma infância boa. Eles eram coordenadores na igreja
católica, nós tínhamos os eventos, nós íamos nesses eventos, se tinha essa
leitura que eu falo, tinha ensinamentos.
Professora Sueli – Como costuma dizer os sábios, você era uma réplica
dos adultos. Era um adulto em miniatura, porque participava das conversas, tem
um estilo mais adulto, mais sério.
Professora Dulcinéia - Eu sempre vi notícias de jornal com meus
familiares.
Professora Sueli - Isso não foi ruim.
Professora Dulcinéia – Isso não foi ruim, me deixou ser um adulto
responsável e eu cresci uma pessoa responsável.
Professora Sueli - E isso você passa para as crianças. Mesmo elas
sendo pequenas, você passa como é viver em sociedade e trabalhar valores com
as crianças.
272
Professora Dulcinéia - A bondade, o respeito, a boa interação com as
pessoas. O que falta hoje em dia é a estrutura familiar, os adolescentes não
sabem mais pedir, por favor. Independente desta estrutura familiar ser pai e mãe ,
pai e filhos, mãe e filhos , tia ou avós. Hoje mudou a constituição da família, mas
tem de ser uma família que venha com estrutura, que possa dar esse alicerce
para as pessoas.
Professora Sueli – É na verdade. O papel do educador agora é o que?
Já que trabalhamos com muitas famílias desestruturadas como a gente costuma
dizer. O papel nosso como educador na 1ª infância da criança é procurar embutir
na criança esses valores, pra que ela fuja dos valores que os pais não
conseguiram passar.
Professora Dulcinéia - Que você como formador possa possibilitar sim,
possa ajudar sim .
Professora Maria Lúcia - Conheço professores que a gente trabalhava,
que tinha que procurar psicólogo porque não estava conseguindo educar o filho,.
Eu sei o que eu faço, eu fui educado assim. Eu sou professora, mas meus filhos
não me obedecem, eu não sei o que fazer. Ela chorava todo dia, vou procurar um
psicólogo, porque não sei o que fazer.
Professora Sueli - É que na verdade, como diz alguns psicólogos, teve
muita discussão por causa disso. Aquele pai que trabalhava muito, ele ficava
muito ausente. Ele acha que ele deixando de falar o não pro filho ele está
compensando o filho pela ausência dele.
Professora Dulcinéia - Ele reforça até um comportamento. A criança,
vai sempre atrás. Então, ela vai por um caminho assim, esse é o caminho que eu
consigo as coisas. Então, eu já sei se a tal situação eu vou conseguir isso.
Professora Sueli - E tem aquelas crianças que usam chantagem. Porque
já repararam que é o ponto fraco do pai e da mãe. Ela vai me dar o que eu
quiser. Eu tenho um conceito assim e eu acho que a Lúcia também. Eu procuro
dar pros meus filhos, o que os meus pais não puderam dar pra mim. Quando eu
273
tenho que falar não é não uma vez só. Não preciso, não tem essas insistências,
às vezes, no olhar até as colegas que trabalham juntas.
Nossa como a Sueli é dura, é porque quando eu falo não é não. Sabe,
porque a criança tem que saber até a hora que é o limite dela. Isso eu posso, isso
eu não posso. Porque eu entendo assim. Eu não estou fazendo isso. É, ela não
gosta da minha criança , ao contrário, eu entendo que a partir do momento que eu
falo não, que é necessário, eu estou educando. Isso é um sinal que eu amo ela e
que eu quero que ela seja alguém respeitada e que respeite. Que seja respeitado,
mas não na frente porque a impressão que dá é que a gente faz assim. Oh ! Meu
Deus, mas ele é tão pequenininho.
Porque, às vezes, o falar não, não é você fazer: - Não é você falar não. É
você, às vezes, dizer agora não pode, agora não quero: - Olha, a professora não
quer porque isso vai te machucar.
Professora Dulcinéia - Você deixando claro pra criança que ela tem uma
direção.
Professora Sueli - Se você não explica, ela pode repetir, mas a criança
vai repetir uma ou duas vezes, mas depois ela vai perceber: - Nossa, de novo ela
vai dizer não, que não quer. Ela vai dizer que é pra eu pedir desculpas.
Só que eu acho formador e educador, você está mostrando pra elas que a
vida lá fora e futuramente vai ter que ter regras e limites a cumprir. Por aqui eu
posso ir, por aqui eu não posso ir, porque se eu for por um caminho errado, eu
vou ter que pagar por aquilo que eu estou fazendo.
Foi o que nós comentamos que esses adolescentes, que são na maioria
das vezes de classe média alta. Onde tem de tudo, porque o pai e a mãe nunca
disseram não e quando ele faz uma coisa errada ele não te fala, ele só te falta
olhar e falar: - Não tem importância , o meu pai vai livrar minha cara.
Professora Dulcinéia - Você tem que mostrar pra eles a saída. Eu
posso, eu posso , eu posso é isso.
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Professora Sueli - Eu posso, eu posso e além do mais é aquela coisa de
dizer assim até no campo profissional. Se ensino, valores e limites pras crianças
desde pequenas, elas vão aprender a convivência e saber qual é o limite. E isso
vai fazer dela um bom profissional, vai fazer dela lá na frente um bom profissional,
ela pode ser a Presidenta da República e ter que aprender a falar um, por favor, e
um muito obrigado, e não falar assim “sabe quem sou eu”, sabe de quem eu sou
filho”, você tem dinheiro e seu dinheiro não te resolveu em nada. Então, o papel
do professor na Educação Infantil, antes de tudo é procurar valorizar os valores.
Professora Dulcinéia - Você utiliza dentro desta educação, diversos
meios e instrumentos pra chegar a esses valores.
Professora Maria Lúcia - O meu marido acha que tem que contar que o
Papai Noel não existe, que o papai é que compra, porque se amanhã ou depois
não ganhar, não falar esse ano o Papai Noel não veio, porque ele acha que desde
pequeno você deve contar.
Professora Sueli - Na verdade é assim, são dois tipos de ilusão.
Professora Dulcinéia - Eu sei que a gente precisa sonhar, mas não tão
alto.
Professora Sueli - Na verdade é assim, são dois tipos de ilusão só que
até uma certa idade você pode levar eles porque é importante pra criança aquela
imaginação.
Professora Dulcinéia- Você tem a fase de trabalhar isso, levar ao mundo
da imaginação.
Professora Sueli – É que nem a escola, você vai explicar o que pra
criança. Se você jogar a chupeta fora o Papai Noel vai trazer um carrinho bem
legal. Eles consideram isso como troca e a criança naquela ilusão, que o Papai
Noel vai aparecer com um presente pra ela, vai colocar na árvore um presente pra
ela, ela automaticamente se dispõe a se desfazer de um apego forte que ela tem.
Eu dei o exemplo da chupeta, mas pode ser o paninho, mas é aquela coisa de
ilusão. Eu acho que a ilusão da criança você pode, já pode tirar na outra fase da
275
infância, lá pelos nove ou dez anos. “Vamos conversar”, não é assim. Papai Noel
que dá, é o papai que está trabalhando pra dar. Se você contar Papai Noel era
um homem comum como o pai.
Professora Dulcinéia - Mas você deixa a criança viver essa ilusão.
Professora Sueli - Mas o Papai Noel era um homem comum, como um
pai que trabalhou muito e dava presentes pras pessoas necessitadas. Hoje em
dia também tem pessoas assim e quando eles falam, mas o Papai Noel não veio,
é porque na verdade o dia que o Papai Noel não veio é porque o seu pai não teve
condições ou então você vai naquela ilusão. Uma vez eu vi o meu tio falando para
os meus primos. “O papai trabalhou muito, mas o papai não conseguiu dar o
dinheiro para o Papai Noel te comprar um presente”.
Professora Maria Lúcia - É que nem a Julinha, já falou que vai casar
com o príncipe. Olha de pequena, como pode?
Professora Dulcinéia - Mas ela está vivenciando isso agora. Ela está
inserida neste contexto, ela está numa instituição, onde o foco é a contação de
historias. O que é melhor pra ela, o que é belo pra criança, é o príncipe ou a
princesa. Então, ela reproduz isso que ela queria ser: a princesa.
Professora Sueli - Mas eu acho que é uma ilusão boa até uma fase da
infância. A infância passa por três fases, até uma fase da infância, vamos dizer
assim, ela passa da 3ª fase da infância pra puberdade, menina na adolescência,
ele vai começar a dizer assim: - Eu sou linda, sou uma princesa e eu vou achar
um príncipe. Se você puser a ilusão, deixar a imaginação aflorar e você ir
mostrando passo a passo o que acontece. Quando ela chegar aos dez anos, ela
vai pensar desta maneira: - Ah! O príncipe também sofre, a princesa também
sofre, o príncipe também precisa trabalhar, a princesa também precisa trabalhar.
Professora Maria Lúcia - A vida não é só Conto de Fadas.
Professora Sueli – É um Conto de Fadas, só que todos tem que
trabalhar , todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre.
276
Professora Maria Lúcia - E a princesa também solta pum.. Igual ao
Conto de Fadas.
Professora Sueli - A Lúcia entrou como ADI que diferença tem pra você
de quando entramos como ADI pro momento agora?
Professora Maria Lúcia – Não, é uma diferença muito grande, como eu
falei. Eu fiz supletivo e eu não estudava muito não, porque eu sempre trabalhei e
não dava tempo. Eu trabalhava e estudava. Então, eu brincava mais com as
crianças de sucata. Eu adorava cuidar, eu adorava brincar. Eu gosto de cuidar,
ficar escrevendo eu não gosto não. Mas eu fico a tarde inteira dando banho se for
possível, mas escrever não é comigo, eu não gosto.
Professora Maria Lúcia - E aí Sueli, como foi a sua vida no ADI
Magistério? O que você aprendeu?
Professora Sueli - Eu fiz o ADI Magistério de dois anos, porque aqui no
CEI eu era uma das únicas que tinha o Segundo Grau, o Ensino Médio
incompleto. A diretora, a Sônia falou: - Faz como se você tivesse só o Primeiro
Grau, eu fui da primeira turma. Onde o ADI Magistério, abriu muito mais caminho
que a faculdade. Porque na faculdade nós trabalhamos o teórico e o ADI
Magistério estava voltado para a Educação Infantil. Na verdade, o ADI Magistério
foi o que? Eles estavam buscando das ADIs ou das antigas pajens, buscando
colocar no papel o que a gente já fazia na prática. Não tinha plano de aula.
Professora Simone - Você aprendia determinado assunto, trazia aquele
assunto para dentro da aula e na outra aula dava a devolutiva para o professor,
de como você desenvolveu aquele tema na sua sala.
Professora Sueli - Tanto que as divisões do ADI eram: Orientações
Pedagógicas, Orientações da Prática Educativa, porque ali você tinha o estágio
de horas, mas era feito tudo em sala de aula. Eu tinha que aplicar na criança o
capítulo anterior que eu fiz e na próxima aula levar para ela e relatar, qual foi à
reação da criança, como ela se comportou. É o que nós aprendemos.
277
A prática nós tínhamos, nós estávamos aprendendo a desenvolver mais,
elaborar mais aquela prática que a gente já executava, mas a gente sempre
naquela coisa. Qual a intencionalidade? Qual a importância?
Professora Simone - Você tinha que fazer um exercício de outros olhares,
sobre aquilo que você estava habituado a fazer há tanto tempo. E buscar nesse
fazer outros olhares, o que mais você podia absorver da criança nessa atividade
que você dava sempre.
A gente tinha que ir buscando, exercitando isso, para hoje a gente chegar
onde a gente está. E a dificuldade que eu lembro, na creche que eu trabalhava só
podia pedir material na sexta - feira, para você trabalhar durante a semana. O que
você planejou durante a semana seguinte, você pedia na sexta - feira para
trabalhar. Só que nós tivemos uma reposição no horário de aula que era o HTPC,
para ser feito na sala de aula no sábado. Na segunda - feira já ia ter a devolutiva
para ela porque era uma aula de reposição da aula da segunda. Houve a falta da
professora. Depois no sábado e na segunda, ela já queria saber o resultado
dessa reposição e eu não tinha o material, porque não me deram material para
trabalhar aquela atividade.
Eu tive que sair correndo nas outras salas, procurando alguém que tivesse
um pouquinho de material para me dar, para eu poder fazer. Eu acho que isso
dificultou bastante o desempenho dos trabalhos dentro da sala de aula em
relação ao que a gente aprendia.
Professora Sueli - Eu acho que o ADI Magistério pelo menos, no meu
caso, eu não tive problema aqui no CEI.
Professora Terezinha – É, a Sônia sempre foi parceira, ela sempre ajudou
bastante.
Professora Sueli - Eu nunca tive problema, eu deixei bem explicado para
ela que eu estava fazendo atividade em cima das atividades nossas. Que eu já
estava habituada, cumprindo também as horas de estágio que depois ela ia ter
que assinar. Que comprovasse que eu realmente fiz aquela atividade, que eu
278
desempenhei o trabalho de estágio em sala de aula no meu horário. Que eu
utilizei materiais do CEI, que eu não tive problemas para utilizar materiais.
Eu aprendi a contação de história, eu fiz o teatro de sombras, fazia parte da
gente montar caixa de historia. Só que antes de tudo eles ensinavam, devido a
faixa etária da criança, você focar uma historia, resumir aquela historia, não
perdendo os personagens, nem o conteúdo da história. Mas diminuir ela de um
jeito que a criança menor conseguisse depois reproduzir o que você contou
através da caixa de historia. Eu na época fiz uma caixa de historia que era do
Patinho Feio e depois eu fiz já estilo maquete na sala. Era um mini grupo, era o
castelo da historia da Cinderela, o canteiro de alface, usando, trabalhando uma
coisa que foi o ADI Magistério que abriu. Aquela oficina que você utiliza qualquer
material, eles abriram aquela: - O que você pode fazer com papelão, com a caixa
de ovo. Eu tive muitas oficinas no meu ADI Magistério.
Professora Terezinha - A Faculdade em si, não sabe o que é Educação
Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação
Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima
dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente
percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em
compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas
lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a
Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te
deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você
tinha condições de fazer na sala de aula.
Professora Sueli - Na verdade, o ADI Magistério te deu uma troca de
experiência prática, porque em um CEI eles faziam uma determinada atividade
que aqui no CEI eu nunca tinha visto.
Professora Walkíria - A oficina que eu montei com todo o material que
era para ver até onde a criança ia.
Professora Noelina - A diversidade.
279
Professora Terezinha - Tinha um nome essa oficina. Eram diversos
materiais e a criança tinha que escolher.
Professora Simone - O que mudou também é que a gente aprendeu a
ser mais crítica.
Professora Sueli - O ADI Magistério abriu as portas de diversas coisas e
a gente entendia que não poderia dar para a criança pequena, mas isso era uma
concepção nossa.
Professora Simone - Nós achávamos difícil trabalhar com aquilo.
Professora Noelina - O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer
o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de madeira. Você já
fazia o som para a criança. Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi
um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram
com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação
Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. Com o ADI Magistério,
conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar muito mais em cima da
própria prática.
Professora Walkíria - Eu acho que o ADI Magistério foi muito gratificante.
Professora Sueli - E o que deu para perceber principalmente, quem
cursou ADI Magistério tem um olhar diferente.
Professora Simone - Nós viemos de uma educação que o professor
falava: - Pinta aqui, desenha uma casa.
Professora Terezinha - Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro
disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no
lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria.
Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na
minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu
passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. Se eu tiver que
280
desenhar... Eu consigo imaginar o que eu quero e tudo, mas na hora de passar
para o papel não sai.
Professora Sueli - E na verdade o que aconteceu? O ADI Magistério abriu
um leque enorme para nós, mostrou o que deveríamos fazer e o que nunca
deveríamos fazer com a criança para que não aconteça com ela o que aconteceu
com a gente: - Isso está horroroso, está uma porcaria, do professor amassar a
sua obra prima. Você achar que está lindo e ela amassar e jogar no lixo. E você
fala: - Mas porque aquela criança quer tanto o lápis preto? O trabalho do
professor é tentar descobrir porque ela quer sempre o lápis preto, será que é
porque sempre ofereceram o lápis preto para ela ou porque no preto ela
extravasa a raiva?
O que nós aprendemos no ADI Magistério é descobrir porque aquela
criança gosta do preto e a menina da cor de rosa e porque não pode deixar o
menino brincar de boneca se a menina pode brincar de carrinho.
Professora Terezinha - Eu contei a historia do João e Maria e a criança
levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria deixou eles
na floresta? .Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia,
por que ele não trouxe eles para a creche?
281
Quadros de apoio para a análise do Capítulo V – Diferentes historias, muitas descobertas...
Categoria de análise - 1
A FAMILIA E A INFÂNCIA
Professor
FAMILIA
INFÂNCIA
Ana Maria
Na minha infância eu não tive. Minha mãe
trabalhava muito. Meu pai também, eu fui criada praticamente com a minha avó. Minha avó que olhava a gente. Então, não tinha isso de contar historia. Eu não me lembro de minha mãe, meu pai ou minha avó contar historia pra mim. Lembro do bicho papão, que eles falavam nada de.
A minha mãe teve só até a 4ª série e ela nunca teve assim de contar historinha, de sentar com os filhos e contar pra mim não teve isso não.
Na infância em si, não tive contato nenhum com as historias.
Cecília
Meus pais também estudaram até a 4ª série, não tinha assim, muito estímulo em casa.
Eu acho que em relação a mim, o que me despertou mais a leitura, não foi nem o fato dos meus pais contarem histórias, foi na escola que eu aprendi, foi de observar o meu pai ler jornal. Apesar dele ter concluído até a 4ª série, porque na época era mais difícil concluir, porque sempre trabalhou, desde os quinze anos. Ele teve uma infância difícil porque a mãe dele faleceu quando ele era novo e sempre teve que trabalhar desde cedo. Então, não teve tempo de completar os estudos, mas ele sempre foi muito inteligente porque ele até hoje as pessoas se admiram
Quando eu era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a ler e a escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema.
Eu me lembro do passado, essa minha prima era professora e eu era aluna dela nas brincadeiras de faz de conta.
282
porque ele conhece de tudo, apesar de ele nunca ter feito faculdade. Qualquer assunto que você perguntar para ele: politica, esporte, cultura, ele sabe. Então, isso de observar, de eu estar observando este gosto pela leitura e que foi que desenvolveu o gosto de eu observar ele lendo o jornal.
Minha mãe também, ela teve pouca oportunidade de estudo, porque a minha avó teve oito filhos e desses oito tem a minha mãe e mais uma irmã que é caçula. A minha avó é professora em Maceió, numa cidadezinha de Maceió. Ela alfabetizava, trabalhava com o prefeito. Antigamente não tinha nem concurso. Era uma pessoa, que tem respeito até hoje na cidade dela. Escreveram até um livro, colocaram o nome dela, que ela alfabetizou. Então, no caso, a minha avó trabalhava bastante também na roça. No caso, quando a minha mãe nasceu pelo fato dos meus tios também trabalharem bastante e serem mais velhos, quando minha mãe nasceu ela teve que ajudar nos afazeres domésticos. Ela teve que ajudar muito a minha avó, ela teve assim uma vida muito sofrida e quando eles vieram pra São Paulo, vieram todos os irmãos, a família toda. A minha mãe casou muito cedo e parou de trabalhar porque meu pai não quis deixar ela trabalhar fora. Quando era solteira, ela até trabalhou em alguns lugares, só que teve que parar de trabalhar pra cuidar dos filhos, casou tudo.
Só que até hoje ela sente. Ela é uma pessoa muito ativa, ela é uma pessoa meio que frustrada por não ter trabalhado fora. E o meu pai também tem uma história muito carente, porque ele perdeu a mãe dele com quinze anos. Então, a irmã que cuidou dele. Então, ele tem de certa forma uma carência, casou com a minha mãe, assim teve mais conforto. E ele não deixou a minha mãe trabalhar, acho que justamente por isso, pelas dificuldades, que eles não passaram essa parte de ensinar entendeu, de incentivar.
283
Dione
Meu pai era muito durão, mas eu tinha um tio nosso que contava assim.
Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês. É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se ela vai lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra ela.
Eu lembro que meu tio reunia todos os sobrinhos e contava principalmente historia de dar medo que a gente adorava ouvir.
Dulcinéia
A minha família, assim, é sem crianças. Eu fui à última. Então, o que acontece, somente tive convivência com adultos e os adultos somente em correria, lembrança de uma leitura ou outra eu tenho.
Eu cresci numa família de adultos. Então, esse resgate que nós temos hoje das historias, dos contos não fez parte da minha infância. Mas eu tive uma infância boa, eu tive tanto uma infância como uma adolescência boa, porque eu cresci de uma forma adulta e a minha família com tudo que eu tinha que fazer, que realizar, nunca com punições nem nada, sempre dentro de um ambiente onde as pessoas tem uma confiança. Sempre tive segurança no que eu estava fazendo.
284
Edina A minha mãe se batizou na igreja evangélica, ela estava grávida de mim. Então, praticamente eu me batizei junto com a minha mãe. Meu pai era muito severo com a gente. Eu não tinha liberdade de sair, saia só junto com a igreja.
A minha mãe não fugiu de carro, o meu pai chegou com um cavalo. Ela montou no cavalo e foi embora com o meu pai com treze anos. Até hoje eu falo pra ela: mãe, o pai dela queria matar o meu pai.
Foi aí que começou meu interesse, quando meus filhos começaram a estudar, que comecei a ajudar eles. A parte de ir a biblioteca procurar livros era eu que ia.
A minha infância, eu não me recordo muita coisa, da minha infância, principalmente da época de escola porque a gente vivia muito de viagem. Meu pai chegava pra São Paulo, passava um tempo e depois voltava pra terra dele. Ele não conseguia fixar num lugar, era que nem cigano.
Comecei a trabalhar muito cedo, com nove anos eu já fui trabalhar de empregada doméstica. Trabalhei até os quinze anos, então, não tive infância. Minha infância era no quintal, ficava conversando com as formigas, com os tatuzinhos. Então, eu era muito, muito só nesta parte.
Mas, eu sinto uma diferença, porque todo mundo fala da infância e eu não tenho nada pra falar, porque eu não tenho nada. Não sei se é porque eu esqueci o que eu tive. Eu realmente esqueci porque eu to aqui, eu vivi.
Quando eu era pequena, todo mundo falava, você vai ser professora e eu fiquei com aquilo na minha cabeça.
Eu sempre pensava, eu vou conseguir, eu vou em frente quando todo mundo ganhava uma boneca e eu não ganhava eu falava: não tem problema, eu vou ganhar essa. Eu mereço essa, a minha mãe pode me dar essa.
Eliana
Minha mãe não tinha hábito nenhum de contar historias, nenhum, nenhum. Minha avó fazia as orações dela, ela era evangélica, historinhas mesmo... nada.
Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu, eu sempre contei historia. Inclusive eu comprei livros, tudo direitinho e eu contava historias pra ele.
Eu gosto de contar historias que tenham bruxas, fadas, mas assim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam.
Eu não lembro assim, quando eu era criança de algum professor contar historias pra mim, eu me lembro de quando eu era criança, de uma prima, hoje eu vejo. Naquela época eu não tinha noção, hoje eu vejo que ela era a bruxa da minha vida. Ela fazia coisas que me arrepiavam.
Márcia de Fátima
É relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Tanto que eles também não tiveram acesso ao estudo, só até a 4ª série e a 3ª
Minha infância, como eu sou a filha caçula de muitos irmãos, eu tive contato com a leitura através deles. Eu tenho doze irmãos, eu sou a décima
285
série, mas eles contavam a experiência de vida deles, que ajuda muito. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo.
Então, pra não ser o Patinho Feio, não ser motivo de chacota, de piadinhas. Eu evitava falar de mim e da minha família, entendeu. Mas eu amo todos. Eu sou a caçula, eu sou tratada, sou bajulada por todos, entendeu. Sou bajulada por todos, tanto eu, meu filho, né.
terceira de todos e eu tenho trinta e cinco anos.
Eu, quando criança, tinha vergonha de falar isso pros meus amigos a respeito dessas piadinhas, me sentia como o Patinho Feio. Além de eu me sentir o Patinho Feio, eu tinha aquela professora bruxa e depois logo em seguida, eu tive um professor, um professor homem. Ele era terrível, eu tinha medo, todo mundo tinha medo.
Eu me lembrei da minha infância, a minha infância, eu e a minha irmã, a gente ajuntava o sofazinho de um lugar só, fazia um bercinho. Aí ficava uma na ponta e a outra na outra. Colocava a coberta e assistia o Sítio do Picapau à tarde inteira, passava na Globo.
Márcia Polessi
A minha mãe, nossa, me abraçou e me beijou muito. Isso me marcou porque minha mãe trabalhava demais, meu pai também. A gente tinha pouco contato e eu me lembro de que isso foi marcante.
Eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim, isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma”. (naquele tempo)
Maria Aparecida
Meu pai nunca foi de ler, minha mãe muito menos. Minha mãe fez a 4ª série, não sabia nem escrever e meu pai era militar. Então, ele era muito duro com a gente, muito duro, muito duro, muito duro. Não que ele não conversava, a gente sofria, a grande verdade era essa. A gente sofria muito porque ele apontava o dedo e você tinha que fazer as coisas que ele mandava.
Maria da Penha
Minha mãe, minha mãe contava muita historia, que nem a mãe da Norma. Principalmente, de terror, Eu sempre lia o quanto eu podia, sempre lia e a minha mãe sempre passou também pros meus filhos.
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E hoje todas as historias que ela contou pra mim, ela contava pros meus filhos.
Então, eu tenho assim, não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe, e experiência que meus avós passaram pra ela. E ela passou pra mim e antes de falecer, também passou pros meus filhos.
Maria Edlene
Meu pai e minha mãe trabalhavam muito, então, eles não tinham esse tempo. Até vontade tinham, mas não tinham tempo de sentar, contar historia pra gente e a gente assim, eu e meus irmãos buscava sozinhos.
Com certeza o caso que a Tereza acabou de falar. Que ela conta muito para o Henrique. Ontem a gente estava conversando sobre isso e eu comentei que assim, se futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique, a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: - A minha mãe contava muita historia!
O mais velho lia gibis, quando a minha mãe não estava cansada, ela ainda conseguia contar historias, mas não assim, de contos, ela contava historia assim do passado. Do que tinha acontecido. Eles lá tem, assim, meu pai conta historia muito forte, que ele chegou a ver Lampião quando ele era criança.
Eu lembrei que quando eu tinha uns oito anos de idade, minha mãe começou a ir na igreja, tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide ela contava muita historia da Bíblia pra gente.
Quando minha vó morreu, que eu era criança e ela lá no caixão e foram colocar ela lá embaixo e era engraçado. Que eu falava pra minha mãe: Mas vão colocar ela aí embaixo, ela vai morrer sufocada. Então, quer dizer, eu não sabia, eu não entendia o que era. Meu pai, minha mãe não tinha tempo e talvez se eles me explicassem ela foi embora, ela morreu, não tem outra forma de trabalhar pra criança entender isso e hoje tem.
Maria Lúcia
Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias. Não sei se era da cabeça dele, eu adorava ouvir meu pai contando.
Por isso, que eu lembro mais do meu pai, eu gosto da minha mãe. Ela era batalhadora, mas meu pai que brincava. Ele chegava cansado à noite,
Eu me lembro de que marcou a minha vida. Eu morava no interior e a gente ia à noite, acendia a fogueira, reunia os vizinhos e eu me lembro de que o meu pai contava historias.
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tomava banho, mas era ele que dava atenção.
Noelina
A minha mãe nasceu na revolta. Era tanta coisa que ela falava dessa revolta. Que esqueceram ela na rede, que voltaram pra buscar ela. Parecia que eu estava participando daquele momento também, vê como é interessante.
Bom, na minha época, não tinha muito assim televisão. A televisão chegou na minha casa, eu já tinha quatorze para quinze anos. Assim, eu sempre fui de brincar de boneca, casinha, entendeu? Não tinha esse negocio de contar historia, era mais “causo”.
Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né. Então, até hoje, assim eu não consigo dormir com a luz apagada, eu só durmo com a luz acesa. Pra mim ta sendo difícil até hoje, tanta coisa que ela contava, que vinha aparecendo, que a pessoa falecia, depois vinha visitar. Eu não durmo com a luz apagada de jeito nenhum.
Norma
Eu vou começar contando do meu tempo de
criança, como eu já falei das histórias que meu pai contava, eram histórias fantásticas sobre o Saci Pererê, sobre esses protetores das matas. Naquela época eu achava engraçado e, às vezes, achava assim que o meu pai era um pouco bobo de estar contando aquilo. Só que eu não tinha ideia da riqueza que poderia ter levado comigo. Não tinha ideia, era muito criança, mas ele contava assim e eu vivi muitas histórias. Parece que era verdade, sabe, ele falava de uma maneira. E outra coisa também, que eu vim
Eu me lembro de que aos doze anos, eu ganhava livros de historias. Eu guardei até muito tempo um livrinho “A Princesa e a Rosa”, umas historinhas assim e eu me tornei leitora por isso.
Eu me lembro da chácara, fogão de lenha, e ele contava, parece que ele acreditava. A gente acabava até vendo o Saci de tanto que ele imaginava.
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aprender depois são os trava línguas que o meu pai fazia com a gente.
Meu pai gostava muito de contar historias, era analfabeto também, quem ensinou meu pai a ler e escrever fui eu.
É e o que as histórias podem falar do valor pra gente. O meu pai foi uma pessoa que a família deixou ele aqui com quinze anos. Foi todo mundo embora pra Espanha e ele ficou sozinho. Ele não era pra ser a pessoa que ele era. Então, ele ensinou muito, eu vim a perceber isso depois. Quando a gente é criança, a gente não percebe, pelas histórias que ele contava, pela maneira que ele tratava. Quando tinha qualquer festa, Dia das Mães, que ele pegava um dinheiro escondido e ia com a gente para comprar presente. Minha mãe, às vezes, ainda falava é bobagem, mas era o jeito dele.
Eu falo, às vezes, como é que ele conseguiu ser uma pessoa assim.
Eu sou mais velha que vocês, bem mais velha. Então, as mulheres da minha época não eram pra estudar, eram pra fazer corte e costura e casar e ter filho. Na verdade eu consegui ser uma vencedora, inclusive na minha família eu sou a única mulher que trabalha fora.
Paula
Meu avô, meu avô também tem só até a 4ª série, mas ele lia muita historinha pra gente.
Bom, eu sempre gostei de ler e escrever, desde pequenininha. Eu me alfabetizei sozinha, com quatro anos e meio. Pois, eu já lia e escrevia tudo.
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Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar.
Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia
Silvia
E me marcou muito porque eu lembrava de João e Maria, que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da historia de João e Maria, que na verdade é uma despedida, né. Que era a mãe e o pai que deixavam a criança na floresta. Eu acho que isto teve meio a ver porque Minha mãe morreu e eu tinha quatro anos, minha mãe teve uma doença terminal e ela já sabia que ia morrer. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu.
E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma eu tive duas madrastas.
A lembrança mais antiga que eu tenho assim de contato com contos de fada, era a historinha que minha mãe contava pra mim, João e Maria pela historia dos doces e tudo o mais.
Era, acho, a historia que minha mãe mais contava e aí depois quando eu já estava um pouco maiorzinha, eu lembro que o primeiro livrinho que eu ganhei foi “A Dama e o Vagabundo”, um livro que não tinha praticamente ilustração, Eu lembro até que quando eu estava na pré escola, na escola que eu estudava tinha um morro. E todo mundo falava que era o morro da bruxa. E no meu imaginário, vivia na minha cabeça, será que a bruxa morava ali.
Simone
Eu lembro a gente na máquina de costura até dez, onze horas da noite. Assim eu lembro um pouco da infância, de alguém contando historia pra
mim. Era meu bisavô que contava, minha bisavó que contava as historias da guerra. Não historia pra criança mesmo, historia da vida dela.
Então, eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Pica-pau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava de sítio. Uma hora eu era a Emília, outra hora eu era o Pedrinho, outras vezes eu era a outra menina, a Narizinho. E assim por diante. E quando aparecia o príncipe na historia eu nunca era a narizinho. Eu era a Emília ou o Pedrinho. Eu brincava de sítio, mas eu nunca fazia a
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mocinha da historia.
Eu não gostava de brincar de boneca, gostava de empinar pipa, jogar bola, andar de bicicleta, brincar de correr na rua. Eu não gostava de brincar fechada, de casinha, de panelinha, nunca. Era moleca mesmo.
Sueli
No meu caso, que nem eu falei, o ambiente que eu vivia era diferente. As historias que eu ouvia também e depois quando eu passei a morar constantemente, na época de escola, com o meu pai e com a minha mãe. Aí era aquela coisa, saíam pra trabalhar, chegavam tarde da noite e que nem diz, eu não tive, não tinha. Minha mãe nunca teve o hábito assim e também não dava tempo. A hora que a gente deitasse para dormir não tinha como. Aí aquilo foi passando, quer dizer, vamos supor, a minha mãe foi parar pra pegar um livro de contos de fadas pra ler, o dia que eu peguei na biblioteca o livro. Levei pra casa e mostrei pra minha mãe, que era a historia. É por isso que eu falo da historia do Pinóquio, que é a que pra mim ficou mais marcada assim. Porque eu já ouvia ela quando eu era criança.
Aquele do pai ou da mãe que ficar um pouco mais presente é aquele que a gente lembra mais, você como são as coisas. Eu sou aquela que eu me lembro muito mais da minha infância com os meus avós que foi até os seis anos do que a fase que eu fiquei com pai e mãe.
A maior parte da minha infância eu passei com os meus avós. . E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas contados no livro. O que eu aprendi eram eles contando pra ensinar a gente o que era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.
E também historias de assombrar. A gente tinha assim, o homem do saco, ou então, é engraçado que minha avó nem meu avô nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos.
Então, quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo.
Muito pouco. Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, assim tipo contos de historia. Eu acho que já estava na 4ª série.
Na verdade assim, de ouvir historia, eu fui ouvir historia assim, eu já ia fazer uns onze, devia ter de onze pra doze anos. Porque a minha mãe me deu uma vitrolinha e ganhou no Baú, o Silvio Santos contando historia.
Minha avó adorava fazer bolinhos, vivia com um avental e adorava quando a gente falava que precisava fazer comidinha pra brincar de casinha. Ela sempre dava um jeito, ela fritava ovo, fazia farofa e falava: Pode ir buscar as suas panelas. A gente brincava de casinha, mas não era de imaginação.
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Tereza
Eu vim de uma família pobre, humilde, aonde não se falava em contos de fadas; eu não tive mãe, fui criada pela minha madrasta, já é uma perda muito grande.
E é isso que eu quero deixar, o que eu quero deixar pro meu neto é isso. Que um dia ele cresça e conte pros filhos o que eu fazia com ele, coisa que eu não fiz com os meus filhos.
A primeira vez, com oito ou nove anos, me deram um livro que se chamava “O Gato de Botas”.
De repente, eu voltei lá, quando eu era pequena e a minha madrasta fazia aquelas bonecas de pano, aquelas bruxinhas feias, mas que eram bonitas pra mim.
Agora, quando eu falo de contos de fadas, eu fico pensando: - Nossa! Quanta coisa que eu não pude vivenciar quando eu era criança.
Eu não tive bonecas e nem ninguém que me contasse historia. Então, eu não vivi isso na infância.
Eu vou falar assim um pouco assim da minha infância. Lá atrás, fui criada por madrasta, foi uma infância difícil. Onde de cinco filhas, duas eram filhas de meu pai, três era filha da minha madrasta e entre as cinco eu era a mais velha. Portanto, eu era a mais sacrificada. Então, eu tinha que cuidar dos irmãos, tudo que acontecia de errado era comigo.
Tudo era eu, tudo era eu, tudo era eu. Eu já tinha um complexo terrível, por conta de que as filhas da minha madrasta eram brancas e eu era preta.
Então, eu me via sempre como a neguinha do nariz escorrendo, de vestido rasgado, do cabelo duro, toda funhanhada e as minhas irmãs todas de cabelo liso, brancas e mais novas. Tanto é que até hoje eu não sou muito chegada a essa questão do negro. Essa questão do negro é hoje uma questão muito forte. As minhas filhas falam pra mim í, mas nós somos negras, mas eu não sou negra.
Eu só vivi de boneca de pano que a minha madrasta fazia pra mim, aquelas bruxinhas de tecido. Aquilo era minha boneca, aquilo era uma historia, não tinha uma historia, nunca ninguém contou uma historia pra mim.
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Terezinha
A minha mãe era muito rústica, ela tinha problema de bebida. Então, ela não tinha isso, então, assim, quando ela não bebia, né, ela ainda, eu lembro, ela dava de mamar pra um e contava historias pra gente.
Hoje, a gente ainda tem essa mentalidade de dá atenção pro meu filho. Preciso sentar com o meu filho. Antigamente, nossos pais não tinham essa visão.
A minha tia Maria, que ela era mulher do irmão da minha mãe, ela pegava todo mundo, sentava na cama, fazia mingau de fubá doce, dava uma tigelinha pra cada um, a gente sentava e ela começava a contar historias.
Criança era criança e acabou. Elas tinham que ficar no lugar dela e o adulto no lugar dele. Então, acho que por mais medo que a gente sentisse das historias era o momento que você estava perto.
Que eu me lembre, eram os únicos momentos que eu ficava perto da minha mãe ou da minha tia. Se tivesse adulto conversando, ela só olhava, você já saía de lado, você nunca estava junto.
Walkiria
A minha mãe faleceu muito cedo. Eu fui morar com a minha tia.
Comecei a ter relação com historia quando eu tive meus filhos, porque aí eu começava a contar pra eles antes de dormir, tal. Mas pra mim mesma, na infância eu não tive não.
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Categoria de
análise - 2
CONTOS DE FADAS
Professor
Contos de Fadas
Ana Maria
É assim eu, é assim atualmente eu acho que eu me encaixo nessa historia do Peter Pan. Na historia do Nunca, porque é assim, minha vida teve assim. É uns altos e baixos, realmente ficou meio complicado. Assumi um papel na minha vida que antes eu não tinha, é porque eu era casada, tinha meu marido, aí veio a minha separação, aí ficou tudo nas minhas costas.
Cecília
Eu realizei os meus sonhos, eu estou em busca dos meus sonhos e tenho muitos sonhos pra se concretizar ainda. Também já encontrei meu príncipe encantado, já me decepcionei muito. Ainda bem que eu não casei com pessoas que iam me fazer sofrer. E ele entrou na minha vida só pra acrescentar. Então, tudo o que eu consegui, tudo que eu batalhei, eu tive apoio dele. Tudo, então, eu agradeço.
É eu acho que eu fui um pouco de Cinderela também. Assim, eu nunca tive muito incentivo dos meus pais, por não ter assim, condições de ter bancado estudo e nos incentivado. Eles sempre me incentivaram a estudar, mas eles não tinham condições de pagar uma faculdade. Eu sempre comparava assim, a minha prima que tinha melhores condições que eu, melhores brinquedos, viajava.
Eu também já sonhei em ter um príncipe encantado, já quebrei muito à cara assim, com relacionamento, já sofri muito.
Dione
O Lobo Mau é uma das historias que eles mais gostam, eles não cansam. Toda vez que você passa eles pedem.
Historia de medo à gente gostava de ouvir. A historia da bruxa dá prazer.
Você pode lembrar a Mamãe Ursa que contava historia. Na historia dos cachinhos dourados, que contava a historia, porque ela sempre gostava de contar uma historia.
Como você adora contar historia, que nem você disse que se identifica mais na parte da leitura. A Mamãe Ursa gostava de contar historia, quer dizer o papel dela era aquela mamãe que deixava de fazer o que ela estava fazendo pra sentar numa cadeira, pra
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eles poderem ouvir uma historia. E o que eu percebi foi que, na verdade as crianças, os pequenininhos tinham muito mais interesse que os grandes. Eu acho
que eu estava formando os pequenininhos pra futuramente não acontecer o que estava acontecendo no Estado. Deles não estarem tendo interesse, foi uma alegria muito grande.
Tanto é que é o trabalho que eu mais me identifico, com as crianças é realmente contar historias. E eu to procurando tentar um curso de contadora de historia. Estou atrás e é que eu fiz esse trabalho esse ano com a historia do Pinóquio.
Corri o CEI inteiro com o Pinóquio. E é uma satisfação muito grande e eu entro na sala, eles me reconhecem como a tia do Pinóquio, da historia do Pinóquio. Então, eu entro, eles me pedem: Vai contar a historia do Pinóquio?
Dulcinéia
Eu não tive os contos na infância
Edina
Eu não tive esse negócio de contos de fadas na minha vida, eu sonhava porque eu ouvia falar. Acho que todo mundo sonha com o príncipe.
Oh, gente! A minha historia tem um pouco a ver com a da Cecília. Eu não parei ainda pra analisar se tem a ver com contos de fadas. Vocês até podem me ajudar. Também o meu começo não foi fácil, mas eu sempre me joguei e eu tenho tido muita sorte. Todo lugar que eu trabalho, as pessoas me acolhem e eu acolho elas também. Porque se você não se dá, você não recebe. E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim e eu tentava. É por isso que eu estou falando a minha historia deve ser parecida com a da Fiona, que estava lá no castelo presa e quando se soltou...
Tive meus heróis e adorava a historia de José. O José chegou e fez aquilo tudo. Eu gostava demais e dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos.
Eliana
Eu me lembro de mais de ter assistido contos de fadas através da televisão.
Eu gosto de contar historias que tenham bruxas, fadas.
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Márcia de Fátima
Como contos de fadas, a bruxa, Chapeuzinho Vermelho, eu não tive acesso. Eu tive mais acesso igual à Edlene falou é relatos de vidas passadas, experiência do meu pai e da minha mãe. Eles tem a leitura na ponta da língua. Lê muito bem, meu pai e minha mãe e foi com essa leitura de vida que eu fui crescendo.
Eu fui gostar realmente de contos de fadas depois que o meu filho nasceu.
Eu me sentia o Patinho Feio, como o Patinho Feio. Então, como eu não queria ser diferente de ninguém e na minha época, assim, a maioria tinha alunos. Eu estudei em escola da prefeitura. Minha mãe pegava, tinha alunas, tinha meninas que faziam balé, fazia isso. Então, eu era a única diferente, no caso eu me sentia o Patinho Feio.
O meu conto de fada, na época, voltando a minha memória era o Sítio do Picapau Amarelo, porque fazia eu imaginar a bruxa, que era a Cuca, o príncipe e tinha os sapos, todos os personagens de uma historia de contos de fadas.
Márcia Polessi
A minha historia acho que é diferente de todos. Não sei, eu fui alfabetizada, comecei a ler com o gibi do Cebolinha. Olha que coisa! Trocava as letrinhas e quando eu comecei a ler, eu fiquei muito assim. Isso me marcou, porque o meu pai comprava gibi, porque ele adorava ler também gibi do “Homem Aranha”, do “Fantasma” (naquele tempo).
E a gente também trabalha a religião e o respeito, de você ter uma religião e respeitar a pessoa e ela te respeitar também. É muito bom esse conto da Princesa e o Sapo.
Maria Aparecida
Eu nunca tive nenhum contato com historias nenhuma na minha infância. Essa historia do Lobo Mau, essa historia eu acho que é contagiante. É uma historia que você conta e eles não cansam de ouvir.
Eu me vejo como Chapeuzinho Vermelho, porque assim, eu gosto de ajudar todo mundo, mas ao mesmo tempo eu sou muito medrosa, eu tenho medo, às vezes, de desafios. Eu tenho, eu sou insegura e na historia do Chapeuzinho Vermelho, ela obedeceu à mamãe e foi lá levar a comida pra vovó. Depois foi lá obedeceu o Lobo Mau pro caminho ser mais curto. E eu sou assim, eu sou uma pessoa que luta muito contra os meus medos. Medo de tudo, às vezes, eu tenho e eu to passando uma fase muito difícil de uns dias pra cá na minha vida.
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Maria da Penha
E também assim, eu tinha um livro era, acho que os Irmãos Grimm e era um dos primeiros livros e nele tinha assim, todas as historias o Lobo Mau. Mas as historias verdadeiras mesmo e eu sempre lia, né.
De repente, começou a historia dos “Três Porquinhos”. E eu fiquei ali do começo até o fim, como se não tivesse quarenta e sete anos, porque uma carência que faz parte da minha vida.
E assim, ela também assistia muito a Cultura e a Cultura, naquele tempo, passava muito desenho, muitos contos de fadas, passava muito e minha mãe assistia muito. Então, eu cresci ouvindo essas historias dela. Um pouco dela e um pouco do canal da TV Cultura, né. E os meus filhos também, todos esses tipos de historias eles conhecem e eu também, pela TV Cultura que passava, né: fantoche, a historia do Lobo Mau, da cobra Norato, do Bumba meu boi, todas as historias eles passavam.
Maria Edlene
Também sou evangélica, assim sinto de berço a partir dos oito anos que tinha uma professora, que agora eu lembrei o nome dela. Ela se chamava Cileide e depois ela até veio a ser amiga e madrinha do meu casamento. Ela contava muita historia da Bíblia pra gente e uma que eu achava interessante e que ela até fazia, dramatizava e tudo, era a historia de Davi. Eu achava linda a historia de Davi e depois em outra unidade que eu trabalhei, como era uma unidade que dava mais espaço pra gente, eu também contava as mesmas historias que ela falava pra gente.
Já vi historia da Chapéu que ela tentava educar o Lobo, aí no final ela que ficava má e o Lobo ficava bonzinho.
Só que eu estava lendo uma reportagem que um crítico americano fala assim, que demorou tanto tempo pra sair uma princesa negra e por que ela tinha que começar pobre, trabalhar, trabalhar pra conseguir alguma coisa. Ela já tinha que vir de família rica. Ela já tinha que ser uma princesa, quer dizer. Ele achou ruim que a princesa teve que nascer pobre, trabalhar, trabalhar bastante, casar com o príncipe pra virar princesa.
É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele estava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, ela ensinou muito pra ele.
Que ela já tinha que ser princesa, que a Disney tinha que ter valorizado assim, eles lutaram tanto pra ter uma princesa negra.
E o bom desse conto é que tem tanta coisa. Eu acho um dos contos melhores. Além disso, do príncipe que eu acabei de falar, tem a historia da perda. Que é quando o vagalume morre, trata isso também pra gente estar trabalhando com as crianças sobre isso. E a gente se voltar quando a gente era criança, a gente não entendia.
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E o engraçado é que mostra que a morte não é um lado ruim do conto, você vê que o “Way” acha que é legal a morte, que ele vai encontrar a Evangeline. Ia ficar feliz, ele sorria, então, tem esse lado.
Mas a Cinderela acaba que trazendo, até que não é tão fora assim, porque acho que todo mundo espera um noivo, fica a espera, sonha.
Eu sou a Tiana. Eu sou a Tiana da Princesa e o Sapo. Eu acho que eu tenho que trabalhar muito, sempre trabalhei muito, ralei muito e acho que eu tenho muito pra ralar. Aí encontrei o sapo que virou príncipe, que é ao contrário que não era o sapo e que assim também, igual ao conto de fadas que a Tiana conhece o nome do príncipe no conto. Me ajudem, que eu esqueci agora, mas depois eu lembro e ele da mesma forma que ele era de um jeito e depois que ele conheceu a Tiana ele mudou muito. Eu acho assim, a nossa historia um pouco parecida, eu trago assim a historia da Tiana porque também houve muitas perdas na minha família e teve isso também na historia.
Então, eu falo nisso porque no conto da Princesa e o Sapo é quase assim porque a Tiana é de um jeito e ele de outro. Ela acaba trazendo ele com amor, com carinho, com o jeito dela acaba trazendo ele pra ela. Depois os dois constroem, trabalham, constroem tudo junto. Eu trago muito assim, porque o Cleber me ajuda muito assim, meu sapo, ele me ajuda muito. Ele é companheiro. A gente muita conquista junto. Então, graças a Deus, pelo meu sapo.
E hoje a gente fala em mudar, você ajudar alguém a mudar ou a pessoa ajudar você ou mudar, traz um pouco no conto de fadas do Shrek e da Fiona, porque ela que era a princesa, linda de um jeito e quando conheceu o amor se transformou.
Maria Lúcia
Quando eu comecei a estudar, eu trabalhei no CEI e comecei a gostar dos contos de fadas, Branca de Neve e outros.
A vida não é só Conto de Fadas.
Noelina
Eu não tive historia não, a minha avó contava muito causo, né. Que ela falava, mas era assim de morte, né.
E quando nós fomos contar a historia do Chapeuzinho Amarelo. A Giovanna falava: Não é esse, tia. Não é esse. Porque ela conhece o Chapeuzinho Vermelho. Não era amarelo, era vermelho. Que coisa, né?
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Norma
Eu tive conhecimento com historias desde muito novinha. Não era assim, contos de fadas.
Então, pena que a historia entrou tão tarde em minha vida. Que eu trabalhei tanto, com tantos alunos que eu alfabetizei durante vinte e dois anos e a historia entrou assim, tão tarde.
É muito enriquecedor trabalhar com historia. A historia foi muito bonita e foi quando eu vim dar mais valor nas coisas que o meu pai falava. Eu dizia: Meu Deus! Uma aula que eu tive uma vez com uma historiadora, ela me falou: Você viu, se você tivesse escrito tudo isso. Eu não tinha essa ideia de fazer os registros, nada.
Essas historias daria pra eu escrever um livro, às vezes, eu tenho essa idéia de passar para o papel uma historia. Contar às coisas que eu consegui viver com as crianças da primeira série. Porque eu tenho muitas historias pra contar.
Paula
Não foi com contos de fadas, foi com gibis da Turma da Mônica, mas como eu sempre gostei de ler tudo, eu buscava a leitura, eu buscava as letrinhas, buscava escrever e copiar.
Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia. Então, historias da Bíblia eu ouvi muito, minha vida inteira. Tanto que desde pequenininha, você já tem contato com revista, literatura, tem historinha que a mãe tem que contar um pedaço por dia pra ele.
Os contos de fadas, os primeiros que eu me lembro não foram através de leitura, mas através de vídeo. Eu gostava de assistir a “Cinderela”, era o meu conto de fadas preferido.
Eu além de ouvir historias, eu sempre participei porque na igreja evangélica, tudo é baseado em historias da Bíblia.
Na minha historia, eu estava pensando, vocês falaram do casamento. Acho que tem mais a ver com a Bela e a Fera, não que meu namorado seja uma fera, mas é porque assim, ele sofreu muito quando a gente se conheceu. Eu vejo mais assim, que eu cheguei na vida dele, que nem a Bela quando chega na vida da Fera, é pra dar, sabe, uma outra cor, que é assim, ele tava muito revoltado com tudo.
Sabe por que, o bom da Fera, é que ela mostra o que ela é de verdade. Ela não vive de aparência. Às vezes, é melhor achar a Fera, que o Príncipe.
Sabe o que é legal no Shrek, pensando assim no estudo, porque o Shrek ele mostra depois do viveram felizes para sempre. Ele mostra depois como casal, eles dois tendo filho e não. É assim apesar deles serem julgados como feios, por serem ogros, eles são felizes, eles se divertem muito. Aparecem eles se divertindo, tem isso também, eles serem felizes para sempre sem de ter o dinheiro ou de ser bonito.
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Então, era mais ou menos como o porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso, entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então, a primeira casa que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, eu já procurei tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a oportunidade e consegui. Então, é a segunda casinha que está sendo derrubada, mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista. Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai ta sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente poder se refugiar.
Silvia
Marcou muito porque eu lembrava do João e Maria que minha mãe contava pra mim e daquele livro que é daquele Bruno Bettelheim que falava da historia de João e Maria que na verdade é uma despedida.
Tem uma coisa que eu me recordei. Meu pai contava muita historia pra mim depois que a minha mãe morreu. E os contos clássicos, eu lembro que me identificava muito com as madrastas, porque eu tive duas madrastas na falta de uma, eu tive duas madrastas. E aí Cinderela, Branca de Neve, nossa! Eu achava o máximo, primeiro que tinha a questão das madrastas e segundo porque tinha a possibilidade do príncipe aparecer um dia.
A bruxa exerce um encantamento em mim, coisa assim, nossa, muito forte.
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Simone
A historia de Lobisomem, ou de Lobo Mau ou de Bruxa, eles querem sentir o medo. Eles querem participar daquela historia. Eles querem sentir o medo do monstro, eles querem sentir o medo disso ou daquilo. E nós como criança também, nós lembramos de que: das historias de Lobisomem, de Bruxa, do Curupira, do Saci Pererê.
Eu não sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro.
Eu, é eu mesmo que você quer que fale? Eu não sei, eu acho que nos contos de fadas eu não me acho quem eu seja, nunca me vi como nenhuma das personagens de princesa. Eu nunca brinquei disso, eu gostava de brincar de pipa, de bola, de subir em árvore, de subir em muro. Então, eu não era muito menina na minha época, mas eu gostava muito do Sítio do Picapau Amarelo. Então, às vezes, que eu assistia os episódios em casa, eu brincava de sítio. Eu só não era a bruxa, mas do resto eu era tudo, das crianças. E eu gostava muito do sítio, mas nos contos de fadas eu não me encaixo.
Sueli
E a minha avó como era índia, ela não contava contos de fadas. Ela contava historias indígenas e meu vô contava historias africanas. Nada a ver com contos de fadas. E o pouco de contos de fadas que eu aprendi eu já estava bem maiorzinha. Já tinha entrado na escola, mas eu não aprendi contos de fadas contados no livro. O que eu aprendi era eles contando pra ensinar a gente o que era certo, o que era errado, mas contando que nem a historia do Pinóquio.
Tinha princesas e príncipes, mas indígenas. Um príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Um príncipe, um príncipe índio, que se apaixonou por uma índia de outra tribo. Mas como as tribos eram rivais, eles não, não aceitavam o relacionamento deles. Por causa disso, eles fizeram um pacto, é bem parecido com a historia que conta de Ceci e Peri. Só que eu não me lembro mais. Mas minha avó colocava os nomes, mesmo da tribo. E eles fizeram um pacto de sangue e que os dois entraram na lagoa, entraram no rio grande e de mãos juntas morreram afogados.
E também historias de assombrar. A gente tinha o homem do saco, ou então, é engraçado que nem minha avó, nem meu avô
nunca falaram de bicho papão. Eles falavam que o vulto da noite ia pegar aquele que fizesse muita travessura durante o dia, principalmente se fosse mal educado com os adultos. Então,era sempre assim, olha o vulto da noite, vai vim conversar com você.
Então quer dizer que só de imaginar que o vulto da noite ia vir falar, você já tinha medo. Mas não era aquela coisa de assombração, o homem monstro, o homem não sei o que, não tinha.
Eram programas infantis não direcionados a contos de fadas. Eles faziam a criança viajar pra outro universo, o universo da
imaginação. Mas eles não eram como agora. Assim, vamos supor, entra um programa que introduz a historia de um conto de fadas dentro daquele programa. O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas,
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mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio.
E Chapeuzinho Vermelho, quer dizer quem soubesse esses quatro, já sabia todos os contos de fada. Raramente você ouvia alguém falar João e o Pé de Feijão, era raro. Rapunzel ou Os Três Ursinhos que era a menininha dos cachinhos dourados, raramente você ouvia contar. Quer dizer, quem conhecia essas historias, já estava bem mais a frente que as outras pessoas.
Ele contava toda a historia e tinha a moral da historia. Sempre assim, tá vendo a importância de você não contar mentira, você ser sempre educado, não confiar em estranhos.
Que nem a Branca de Neve, os outros contos de fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de CEI, é bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas.
Vamos supor, na historia, você ta contando a historia, depois assim, o Lobo não é mais mau, o Lobo é bonzinho. Quer dizer que foi tema que era a diversificação.
É você ver os dois lados desse conto de fada. Você pode mostrar através do conto de fada que nem tudo você consegui com facilidade. Você trabalhou, você se esforçou, você lutou, quer dizer, você vai mostrando valores pra criança. Eu acho que no caso da princesa negra e do sapo, você vai mostrando valores. Ela é negra, pobre, que foi a luta, que trabalhou, batalhou, se desenvolveu até que, e mostrando independentemente dela ser pobre e negra ela encontrou o príncipe que gostou dela.
Independente de valores, aí nesse ponto eu acho que independente de esteriótipo, independente de valores, classe social, ele não se importou se ela era pobre, se ela era negra. Foi dela que ela gostou. Então, eu acho assim que são tipos de valores que você, somente a gente que está na área de Educação Infantil aponta pra criança que há diferenças. Não é porque aquele é branco e você é negro, que ele é melhor que você ou que você é melhor que ele. Todos são iguais e é aquela coisa, ele tem condições melhores que você, ta, você vai aprender com o tempo que tem que ir a luta pra alcançar seu objetivo.
Que você ganha, que você perde, que isso faz parte do seu dia a dia, você vai aprender a perder, a ganhar, mas quer dizer, tudo em cima de valores e respeito para com o outro.
Você que vai trabalhar o conto de Branca de Neve, quer dizer aí o único que ver Branca de Neve numa boa são os sete anões. Eles não queriam saber dela, da onde que ela veio quem era ela. Eles demonstraram a bondade, é o outro lado.
E são os contos de fadas que a gente vai mudando. Você primeiro é uma, você se vê em uma historia daqui a pouco você se vê em outra.
Então você pode ser considerada uma Fada Madrinha que nem do conto do Pinóquio. Aquela Fada madrinha que procura sempre ajudar.
Exatamente, quer dizer, é aquela tal historia da Bela e a Fera. Ela não se importa com a aparência, ela vai buscar algo que ele tem atrás da aparência dele, no íntimo dele. Por isso, que a gente, às vezes, tem as identificações, que a gente fala que vai buscar algo.
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A gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você foi Chapeuzinho, outra hora você até Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda você vai mudando as fases nos contos de fadas.
Eu, já ao contrário, quando eu consegui aprender a ouvir a historia do Sítio do Picapau, eu já me via a Emília. Porque eu era o contrário. Eu falava que ela fazia tudo o que eu fazia. Então, muitas vezes eu falava: Ah! Não tem graça. Essa boneca, essa boneca faz tudo que eu faço, entendeu? Porque era assim, eu vivia como eu falei a maioria do tempo com meus avós, que apesar de ser dentro de São Paulo, era um terreno enorme, que era como se fosse um sítio. E sempre teve muitas árvores frutíferas e muitos animais. Quer dizer, tudo aquilo que passava que a Emília estava fazendo na televisão. Ai que boneca chata! Ela sobe na árvore, eu também subi!
É um Conto de Fadas, só que todos tem que trabalhar , todos sofrem e nem sempre eles saem felizes para sempre.
Tereza
E eu fui crescendo, crescendo e nunca mais tive contato com contos de fadas. Mas, embora, alguém falava do Chapeuzinho Vermelho, alguém falava do Lobo Mau. Até então não significava muita coisa pra mim, porque ninguém me falava na íntegra o que era, de onde vinha o Chapeuzinho Vermelho, de onde vinha esse Lobo Mau; Eu cheguei na creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas.
Esses personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo, porque tem ocasiões na minha vida que eu procuro sair um pouco fora da realidade, eu sei que é irrealidade, mas, às vezes, eu gostaria de estar dentro deste sítio comendo biscoito, aquele bolinho de chuva da Tia Anastácia, conversar com a Narizinho, ouvindo aqueles personagens do Sitio do Pica-pau Amarelo.
Terezinha
Saci Pererê, se a criança fizesse arte, o Saci Pererê vinha, buscava a criança, né. Eu lembro muito de uma que ela contava que a criança era muito malvada com a mãe. E a criança batia na mãe, tudo. E essa criança foi enterrada e quando ela foi enterrada a mãozinha dela ficou pra fora. Então, eu sempre me lembro dessa historia. Então, a mãozinha dela ficou pra fora porque ela batia na mãe dela quando ela era pequena. Então, eu tive bastante contato de historias. Contei também muito pros meus filhos, aí com livros mesmo. Deitava assim à noite, eu contava muitas historias pros meus filhos. Era a Bíblia, a gente tem muito costume de ler a Bíblia, hoje já nem tanto porque com o computador quase não deixa as crianças sentarem juntas. Eu acabo lendo sozinha, mas quando os meus filhos eram mais novos, eu sempre lia a Bíblia junto com eles.
Eu tinha essa ilusão. E quando eu tive meu primeiro namorado que foi o meu marido, eu achava que ele era o príncipe
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encantado. Quando ele foi embora, foi uma desilusão tão grande pra mim, muito grande mesmo. Sabe foi assim como se o príncipe encantado fosse realmente uma coisa de historia, ele não existisse. Que eu achava que eu tinha achado ele, mas ele não era meu, ele era de outra.
Acho que Lobisomem, naquela época aparecia muito por causa da quaresma. Porque, então, se você saísse à noite, se fosse pro baile, se se pintasse. Então, pode ter certeza que ele vinha, o Lobisomem.
Eu hoje me vejo na historia da Bela Adormecida, por quê? Porque eu tô precisando tanto dormir, sabe não dormir de sono, dormir pra descansar mesmo. Sabe como ela, ela com quinze anos ela descansou de tudo. E todo mundo tomava conta dela. Na realidade, eu tenho que tomar conta de todo mundo.
Walkiria
Era só o homem do saco, não tinha bruxa ainda. O homem do saco vai passar, vai te levar. Era mais folclore que os avós falavam.
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Categoria de análise – 3
FORMAÇÃO DOCENTE
Professor
Formação Docente
Ana Maria
Só comecei a ter contato com historia na faculdade que eu comecei a fazer Pedagogia. Falou que a historia era importante, eu lia muito, gostava de ler.
Então, quando eu entrei aqui, sabia o porquê de contar historia, porque eu já tinha trabalhado isso com criança na escolinha que eu trabalhava. A gente contava bastante historia. As crianças gostavam, interagiam muito e se desenvolviam muito bem.
Na prefeitura assim, as crianças mais tem recreação. Lá eles exigiam mais escrita, papel, pintar, tem que mostrar pros pais o que a gente fazia com as crianças, né. Aqui a criança já aprende brincando, né, com a recreação, com historias, né. Já é bem diferente.
Eu procuro passar tudo isso, porque eu acho que pra mim foi uma lição. E tudo que eu faço, eu faço com amor aqui, entendeu. Porque eu acho assim, que essas crianças são umas crianças, às vezes, assim, um pouco carentes, precisam do apoio e do carinho da gente, da atenção, da dedicação do professor. Então, eu acho que é importante trabalhar isso com eles sobre valores.
Cecília
Eu iniciei minha carreira trabalhando com crianças de três anos e eu adorava.
Assim, contar os clássicos, através de fantoches.
Continuo até hoje, tenho muito interesse em estudar, porque tudo é um aprendizado, né. E a gente dando aula, a gente aprende muito com a experiência, com a troca com os outros profissionais.
E eles gostavam muito, eles tinham muito interesse pela leitura.
Ela me indicou pra trabalhar com criança, mas assim, eu pensar em ser professora, sem ter experiência. Aí eu topei o desafio, né. Comecei a trabalhar com mini maternal, crianças de dois anos, né. E com a experiência do dia a dia, eu fui pegando amor, carinho pelo ambiente de trabalho. Sonhava em estar no lugar das professoras, né. Porque eu observava a experiência delas, porque eu tava
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mais como auxiliar, mas eu pensava assim comigo, um dia você é capaz de chegar no lugar delas.
Eu cresci com insegurança, eu cresci uma criança tímida, eu tive dificuldade de aprendizagem na escola e minha mãe me mimava muito, me dava de tudo, tudo era muito fácil pra mim. Apesar das dificuldades financeiras, ela fazia de tudo pra me agradar. Quando comecei a estudar na EMEI, eu peguei uma professora, minha primeira professora era muito rígida, muito brava. Então, pra mim toda criança sofre com a adaptação, porque está acostumada com o amparo da família. De repente, começa a estudar, pego uma professora que é bem rígida, completamente diferente da minha mãe, outra personalidade. Eu me assustei, então, eu chorava, eu era muito manhosa. Eu chorava muito, eu não queria ir para a escola e a minha mãe pra reforçar mais ainda, ela deixava eu faltar na escola, entendeu.
Ela reforçava mais ainda a minha insegurança, entendeu. Tanto que quando eu estava na primeira série que foi a fase de
alfabetizar. Eu também peguei uma professora enérgica, rígida. Na época, as professoras, foi mudando as leis, mas as professoras davam mais castigos, tinha que ser aquela disciplina, que as crianças não podiam se mexer. Queriam controlar tudo, a criança não tinha muita liberdade. Então, eu entrei em contradição do que eu vivia em casa, totalmente oposto, as regras tudo. E ninguém ficava me bajulando, eu estava acostumada com todo mundo me protegendo, me dando as coisas na minha mão, facilitando as coisas pro meu lado. Só que aí eu cresci, sem ter autonomia, sabe, insegura, tímida, medrosa, envergonhada, desconfiada e isso atrapalhou porque foi formando a minha personalidade. Porque chega uma idade com seis ou sete anos, que não tem como voltar atrás foi a maneira que minha mãe criou, me criou de uma forma errônea, não que ela tenha feito por maldade, proposital, foi por falta de conhecimento mesmo. Foi inocentemente mesmo, eu não me culpo, quer dizer, eu não culpo a minha mãe por causa disso. Porque ela não fez foi por falta de conhecimento que ela agiu daquela maneira. Então, com o passar do tempo, na adolescência, eu jamais pensei em ser professora, eu não tinha assim. Eu não nasci com dom de ser professora, apesar da minha avó ter sido professora, a minha prima também que se formou primeiro professora na família, que fez magistério, só que eu era muito apegada a minha prima. Tanto que nas brincadeiras de infância, a minha prima era sempre a professora e eu a aluna.
Não posso, eu vou estudar agora. Eu vou fazer Pedagogia, eu quero seguir, eu quero ser professora. Eu quero seguir na área que eu estou atuando agora.
Eu preciso da faculdade porque se eu não estudar, eu não vou poder ser mais professora ou uma coisa ou outra. Você tem até na sua família. E você sabe que viver de teatro é difícil, eu sempre fui pé no chão. Eu tenho que ter uma estabilidade, porque eu voltei a fazer teatro por hobby. Eu nunca pensei assim, eu vou fazer teatro como profissão, vou me especializar nisso, porque é complicado pra você atuar, pra você se estabilizar nessa área e tem muita coisa errada também.
Dione
No estado era professora de Língua Portuguesa. Eu comecei trabalhar historias com livros de leitura e uns textos de historia.
Por que marcou? Porque foi significativo pra vocês. É a mesma coisa que você falou hoje. Aquilo que você dá pra criança, se
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ela vai lembrar amanhã é porque teve algum significado. Teve alguma significância pra ela.
Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que hoje também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.
Bom, agora sou eu. Aqui na Prefeitura, na verdade eu sou professora já há muito tempo. Inclusive aposentada, mas faltavam uns quatro anos pra aposentadoria do Estado, quando eu entrei na Prefeitura. Assim, na verdade eu entrei sem esperar, por uma brincadeira. Surgiu esse concurso e eu comentei com uma professora do Estado: - Vamos tentar mudar? Porque como eu trabalhava só com adultos, principalmente supletivo e adolescentes.
Eu falei: - Eu quero mudar, vamos mudar. Vamos fazer esse concurso. Eu passei. Inclusive eu passei e ela não. Mas eu fiquei muito insegura na hora de assumir, porque quando eu escutava a coordenadora falar. Era coordenadora do Estado e de um CEI. São nove bebês pra uma professora, eu me senti muito insegura. Eu achei que eu não era capaz de assumir nove bebês sozinha. Eu achei que era muito trabalho e eu fiquei muito insegura. Tanto é que eu tive alguns entraves pra conseguir, tive que entrar na justiça por causa de alguns problemas que eu tive. Mas a hora que eu assumi, eu adorei. Era uma realidade totalmente diferente, eu estava com bebês e estava com aluno mais velho que eu. Era muito diversificado, mas pra mim foi uma novidade que eu adorei. Como eu era professora de Língua Portuguesa, eu já tinha um contato com leitura.
Lógico que eu gostava muito, mas tinha feito um trabalho legal há uns anos anteriores, emprestando livros meus mesmos paradidáticos para as crianças lerem. Mas ultimamente estava muito difícil trabalhar com leitura. As crianças estavam muito rebeldes e estava difícil o trabalho mesmo.
Então, quando você dá uma leitura, a todo instante você tinha que interromper porque uma criança brigava com outra, porque entrava criança de outra sala na sua sala e você não conseguia concluir. Dar uma aula legal mesmo de leitura e isso estava me deixando mesmo muito frustrada.
Então, mas eu acho que ainda hoje, embora tenha mudado muito. Eu acho que é nossa função porque tem muitos pais que
hoje também não contam historia, embora eu acho que tenha mudado. É mais divulgado, acho que tem mais facilidade, mas eles não contam. Então, é nossa função criar na criança esse hábito, esse gosto pela leitura.
Dulcinéia
Mas não tenho de uma específica, leitura eu vim a ter na escola, mas eram leituras mais impostas, mas nem por isso eu deixo, hoje, como professora de contar os contos. De não levar os contos pras crianças e assim eu não tenho essa dificuldade, nem um bloqueio.
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Edina
Dentro da igreja fui ser professora de criança, desde os dezessete anos. Então, todo mundo falava: - Ah, esta vai ser professora.
Conheci a parte da leitura mais na faculdade e quando meus filhos começaram a estudar, que eu ajudava elas a estudar. Foi quando eu comecei a correr atrás de biblioteca.
Por isso, eu gosto de sebo, porque eu gosto de procurar, de ver historias diferentes.
Procuro passar pras minhas crianças tudo àquilo que eu não tive.
Historias, eu procuro sempre novidades pra trazer pra eles, eu procuro o fundo da historia, eu não dou uma historia por dar, porque eu acho bonita a historia.
E no caso eu tive muita sorte quanto ao magistério, quanto a trabalhar na secretaria da escola. E eu na secretaria eu fazia de tudo, o que eu não consegui na vida eu fazia pra aqueles que chegavam lá. Que pediam pra mim e eu tentava. É por isso que eu tô falando a minha historia deve ser parecida com a da Fiona, que tava lá no castelo presa e quando se soltou...
Mas, depois, quando eu entrei na escola pra trabalhar com magistério mesmo, acho que na secretaria mesmo eu já comecei, porque eu lidava com criança, com as pessoas que chegavam e depois a própria escola me acolheu quando eu fui mesmo fazer a faculdade.
Mas assim, nasci pra lecionar mesmo. Eu gosto de fazer as coisas pras crianças. Sofro com eles e isso não é bom pra mim, né. Se tem um chorando, agora choro junto.
O estudo mudou meu modo de agir, mudou assim pra melhor, eu acho. Abriu mais a minha... Eu começo a enxergar melhor, tanto que eu falei pra vocês que eu esqueço.
Eliana
Esse hábito de contar historia eu tenho desde mais nova, assim, quando eu casei. Assim que meu filho nasceu eu sempre contei historia.
Márcia de Fátima
Depois que meu filho nasceu eu tive contato mais com contos de fadas através do Matheus. A partir disso sempre contei, sempre comprei livro de contos de fadas, de folclore, não só de contos de fadas, mas gibi igual à Paula falou e acesso a leitura a gente sempre tem.
Eu tenho trauma de professor até hoje. Eu tenho respeito por professor, eu não consigo nem na faculdade chamar o professor
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pelo nome.
Entrando nesse assunto eu fazia o CEFAN e o CEFAN na época era remunerado, era um salário mínimo, né. Na época e muita gente lá no CEFAN. Essa menina mesmo que, que falou isso pra mim, a maioria das meninas usavam aquele dinheiro pra outras coisas. Porque é uso pra parte pedagógica, pro estudo. Eu não, eu acrescentava na minha passagem, comprava um livro quando conseguia e valorizava, entendeu.
O Vestibulinho no Filomena, eu fui madrinha de formatura. Então, foi aquele caos, não cheguei no horário, não deu tempo pra chegar eu fui pra casa. Na segunda feira eu ia saber o resultado do Vestibulinho. Eu tinha passado, fiquei feliz, pronto e fui lá. Eu fiz e foi aquele tormento, teve pessoas que falavam pra mim que eu não ia conseguir, pessoas que falavam que eu ia conseguir e pra provar pra mim mesma que eu tinha futuro eu fiz assim o melhor que eu pude. Quando eu pego alguma coisa pra fazer, eu faço com todo o amor, eu não gosto de fazer nada pela metade. Então, eu fui, eu fiz, eu consegui. Em 2005, eu me formei e já comecei de cara em uma escola particular. Não tinha experiência nenhuma, em escola nenhuma, a escola estava começando e eu começando junto com a escola. Era a Castelo Encantado, aqui no Cangaiba, perto dos predinhos. Então, nós começamos uma turma de Jardim I, aquela loucura. Eu não sabia de nada e fui, graças a Deus, fui bem. Lia pra eles, lia, mas, noção do que é a leitura e do que é contar história. Apenas pegava um livro e lia, não importava pra mim no momento se era escolha dele ou escolha minha. Era o momento de fazer a leitura, eu pegava e fazia a leitura, porque no começo da escola não tinha toda aquela programação, aquela organização toda da escola.
Márcia Polessi
Como professora de Educação Infantil, eu não perco a oportunidade de disponibilizar a revista, os livrinhos porque isto é uma coisa muito gostosa de trabalhar, é uma coisa que marca a gente.
A minha família sempre foi assim, não somos pobres, mas somos de uma família mediana. Papai sempre incentivou os filhos a trabalharem. Eu tinha dezenove anos e eu ingênua, caí com uma profissional chamada Maria, eu entrei na sala, criança de seis anos, sem experiência nenhuma.
Aí vinha um pessoal, as técnicas e orientava a gente a fazer isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia, foi à necessidade.
Bom, isso de 88 pra cá muitas coisas mudaram. Ou você estuda ou está fora da prefeitura. Chegou isso nos nossos ouvidos. Ou você quer continuar ou você ta fora. Quem quer, mas em um primeiro momento na prefeitura, você estuda, estuda ou não te pago nada. Então, vamos atrás, né. Até antes de fazer pedagogia, eu falei: Será que é isso que eu quero? Será que é isso mesmo, mas se eu já to aqui há quinze anos, eu vou perder esse tempo de casa, quinze anos. Vamos fazer e eu gostei. Eu gostei da pedagogia. Lá, a partir de então, a gente ta vendo o processo que nem agora.
Eu não sei se ia estar diferente porque o CEI tem muitas pessoas que já tem muita idade. Isso só vai mudar a visão quando as pessoas se aposentarem.
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Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança, sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que acalmava a criança.
Porque antes disso, nós pegamos dois anos de Maluf, dois anos de Pitta. Ele falou pro funcionário: “São todas mal amadas da prefeitura’”. Nós “tamo” em CEI, a gente ainda não é bem vista não. Eles nem fala em CEI, eles fala creche, entendeu! Olha o preconceito que tem ainda?
Se não me falha a memória nós dramatizamos sim, trabalhamos a historia do Sítio do Picapau Amarelo. E no final do projeto, que a gente nem sabia que era projeto nós fizemos um teatro com danças, vestimos as crianças com sabugo, tingimos lençóis.
Maria Aparecida
Maria da Penha
Não tenho uma formação em historia, mas tenho a formação da vida da minha mãe e a experiência que meus avós passaram pra ela.
Entrei aqui em 88 também, não aqui nesse CEI. Eu entrei na Barra Funda. Eu estava desempregada e uma amiga falou que estava abrindo inscrição e eu fiz lá no Cangaíba. Todo mundo fez, mas eu fui parar lá na Penha, mas a gente teve um período de adaptação pra fazer os enfeites da creche, no CEI lá na Tiradentes, na Avenida Tiradentes. Depois nós fomos pra lá e eu entrei no estágio. Era dezoito crianças pra gente, foi que nem pegar nós e jogar na boca do leão. Que nós, sem saber o que fazer, só que naquela época o estágio tomava banho também. Então, a gente passava a maior parte da manhã dando banho, dando banho, parque depois tinha que voltar a dar banho e ia pra mesa.
Então, esse ritmo de atividade, de leitura, quase não existia naquela época, porque o cuidar era muito maior que o brincar, o contar historia, o conversar com a própria criança porque não dava tempo. Toda creche, todas as crianças, do maior até o menor tomava banho e tinha que ser rápido porque era muita criança e um banheiro só, pra todas aquelas crianças.
Ficava uma bagunça, a gente tinha que dar conta. A gente tinha que dar conta, quando eu entrei, não era oito horas. Eu entrei
já era meio período. Então, em seis horas a gente tinha que fazer tudo isso e era rapidinho. Quando eu vim pra cá em 90, já tinha uma outra dinâmica, as meninas já liam historia, já tinha a roda, já conversavam e o
banho também foi tirando, foi diminuindo. Não se tomava mais banho. Só o mini grupo e o berçário. Ficou mais fácil a gente lidar com os estágios, contando historia, mas de ler livro na creche, era muito difícil. Não tinha livro, as historias eram as que a gente contava. Branca de Neve do jeito da gente, que o Lobo Mau era mau mesmo e não tinha outra saída. Não tinha livros ilustrados pra gente estar lendo pra criança.
Como tempo é que foi se mudando, foi crescendo essa dinâmica da gente ler, depois a gente fez o ADI Magistério e nós
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aprendemos a importância de contar historia. Vimos também como fazer uma caixa de historia. O ADI Magistério foi muito rico pra gente nesse ponto. Eles não queriam só a teoria, eles queriam a prática, que a prática a gente levasse pra sala de aula, que fizesse aqui e levasse pra lá, isso foi um registro também, tudo foi registrado.
Foi no ADI Magistério que a gente aprimorou tudo, tinha que registrar a criança almoçou, jantou e acabou o dia. Montava teatro de sombras, tudo lá no ADI Magistério, a importância de um desenho com grafite, qual a importância de
desenhar com carvão, com a tinta e a respeitar o limite das crianças naquele desenho. Contar historias e ouvir também as crianças. E a gente dava o desenho e eles contavam pra gente o que significava o
desenho e a gente passou a ouvir as crianças também nesse sentido. Porque a gente mudou muito depois do ADI Magistério, os livros também foram chegando pra escola e a gente foi
aprendendo, mas no começo foi muito difícil. Foi muito difícil mesmo. A gente entrou que nem a Noelina entrou por causa do Bruno, do Eli. A Walkíria estava procurando uma coisa melhor. Eu estava desempregada, a gente se arriscou também e eles mais ainda de colocar a gente.
Pra eles estava bom, quando eu entrei, quando nós entramos ainda tinha gente trabalhando oito horas. Depois foi diminuindo a carga horária, que foi ficando mais difícil ainda e também era mais selecionado. A creche não era pra todas as crianças, era só pra mãe que precisava também ficou mais difícil, porque todo mundo tinha acesso a creche, mas era como se fosse um depósito de criança, tinha muita falta de professor. A gente chegou a trabalhar na cozinha. Eu fiquei uma semana aqui já, fiquei uma semana na cozinha fazendo almoço pras crianças. Então, o bem estar da criança entre aspas ficou muito a desejar. Hoje tem a cozinha terceirizada, vamos falar, também não é um mar de rosas, mas é melhor do que quando a gente entrou. Do que há vinte e dois anos atrás. Teve uma boa evolução. E nós também, hoje somos professoras, naquela época era pajem. Depois foi mudando, mudando e hoje somos professoras. A prática que nós temos, foi muito maior que tudo isso. Do que a faculdade, o ADI Magistério,... Tinha enfermeira, hoje eu tenho que dar remédio, tenho que ver se a dose é muito grande ou muito pequena. Antes a gente tinha que pegar o piolho. Recebia uma tolha e um pente fino. Puxa o piolho, quantos piolhos nós já não pegamos nesta creche. Hoje não, você comunica a direção, a direção faz um encaminhamento, vai pro médico e o médico vai tratar do seu piolho. O bem estar foi uma fase muito dura na creche. Hoje CEI, muito dura mesmo. Hoje em dia, depois de vinte e dois anos, eu ainda me preocupo com aquela criança que tem piolho. Hoje eu vejo professora atual, que já entrou no CEI, que já não tem essa preocupação. De pentear o cabelo, da minha criança ir embora descabelada, sem roupa. Hoje em dia o que eu percebo nos CEIs é muito papel. A gente escreve muito, escreve, escreve e deixa um pouquinho do cuidar de antigamente da criança. Tem crianças que não precisam desse cuidar, mas tem outras que são necessitadas e que precisam desse acompanhamento.
Maria Edlene
Enquanto a gente tá contando historia, não só as crianças estão viajando, o professor também viaja muito. E essa é minha experiência.
A historia de Davi, a historia de Sansão e Golias e eu acabei contando pras minhas crianças, achei interessante que as mães
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queriam saber da historia.
Futuramente se tiver uma pesquisa dessas, o Henrique e a Sofia, minha filha, poderão contar o que vivenciaram. Eles não vão falar como a gente. Eles vão falar: A minha mãe contava muita historia.
Apesar da gente não ter recebido isso, isso não influenciou, em nenhum momento influenciou. Eu até conto, eu gosto, até parece que eu vivi e vivenciei tudo isso.
Eu acho que os contos, ele faz a criança ser um adulto pensador, reflexivo e imaginar o imediato. Por exemplo: na contação ele viaja, ele vai para o mundo mágico. Quando ele é adulto, ele tem mais facilidade de criar um projeto assim, de imaginar, de sonhar pra você ver como é rico a contação de historia.
É como você falou existe dois lados da historia. O lado do príncipe eu achei interessante que ele era totalmente sem caráter, ele tava atrás de uma princesa que tivesse dinheiro, porque o pai dele já tinha cortado tudo, porque ele era folgado. Só ficava gastando, não ajudava em nada e quando ele conheceu ela, que ela falava muito em trabalhar, em um valor bem diferente do dele. Ele aprendeu, então, assim, ela ensinou muito pra ele.
E o bom desse conto é que tem tanta coisa, né. Eu acho um dos contos melhores, além disso, do príncipe que eu acabei de falar, tem a historia da perda. Que é quando o vaga lume morre, trata isso também pra gente ta trabalhando com as crianças sobre isso.
Eu fui aprendendo sozinha, eu fui reconhecendo e vendo historias bem depois. Acho que nem na escola a professora tinha esse hábito. Eu não aprendi na escola, já tinha Norma, acho que já era pra ter um pouco essa vivência dos professores contarem. Mas eu não tive essa experiência, mas eu vim, ouvi e aprendi. Eu já tinha bem uns quinze anos. Tarde, né? Só que eu já me apaixonei. Já amava, já vi outro mundo e já entrei, ingressei no Magistério com essa noção.
Era engraçado que ninguém me ensinou, mas parece que eu ia sozinha, que eu já ia. Aquilo me encantava e eu gosto. Então, lá no CEI indireto, todos os professores eram meio que induzidos a trabalhar com contos de fadas durante o ano inteiro. Com projetos variados, por exemplo: dramatização, quando não dos professores, a gente chamava as crianças pra dramatizar.
A gente trabalhava em sala e depois colocava no pátio. Então, tinha muito esse trabalho de contação de historia. Também veio minha filha, que acho que foi o que mais me encantou, porque eu até falo que ela vai ter outra vivência. Mais tarde ela não vai falar o que eu falei dos meus pais, que eu não tive essa experiência. Acho que se tiver um trabalho assim, ela vai contar diferente.
Maria Lúcia
Fiz o Magistério, fiquei grávida de gêmeos. A primeira vez que saí com ele já fiquei grávida. Ele falou: Vai estudar, que eu olho as crianças. Eu fui fazer Magistério e eu peguei gosto pelo estudo. Um colega meu, que arrumou serviço pra mim na prefeitura que ele falou: Nossa! Você é tão legal. Você cuida tão bem das crianças. Que eu cuidava de criança quando eu não tinha nada pra fazer. Me arrumou, mandou eu, me deu uma carta pra eu ir falar com Antônio Aurelinho. Saí de lá, nem sei mais quem é. São Miguel, aí eu fui lá, ele me arrumou. Você quer trabalhar de quê? De qualquer coisa pra mim está bom. Você não quer na Câmara, eu vou te arrumar lá de secretária. Eu disse não, eu tenho vergonha, não sei trabalhar assim.
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Eu sempre achei alguém que me ajudava. Então, eu realizei meu sonho, que eu achava impossível. Eu vou ser alguém na vida. Impossível. E hoje eu sou pedagoga, oi que chique. Então, pra mim, dos meus irmãos a única que é formada é eu. Tem duas que ta fazendo letras, mas ta pra terminar. A minha mãe fala: Nossa você venceu.
Noelina
No berçário quando a gente conta historia, eu e a Simone, sempre mesmo antes de ter essa observação de criança, a gente colocava cada um pra ler a historia.
Eu cheguei aqui em São Paulo, eu nunca tinha trabalhado. Comecei a trabalhar na Abaeté, fiz curso e consegui trabalhar na Helena Rubbinstein de consultora de beleza.
Prestei concurso, eu tinha meu filho pequeno e ele precisava muito de mim. Ele tinha quebrado o braço e toda vez que eu deixava ele com alguém...
Um certo dia eu cheguei em casa, tinha uma moça no banheiro com uma água quente, quente. Então, me apavorei. Eu falei: - Eu vou sair do serviço, eu tinha que nele. Prestei o concurso, a minha supervisora falou assim: - Não Noelina. Há oito anos eu trabalhava lá. – Não, não sai, não entrega o uniforme porque você vai voltar.
Eu não vou voltar, eu vou entregar esse uniforme. Só que aí, eu prestei o concurso e queria essa creche e não consegui. Fui lá pro CEI Penha, trabalhei lá, só que lá quando eu cheguei me colocaram no Jardim. Nossa! No primeiro dia eu fiquei mal, queria até nunca mais voltar porque tinha criança maior que eu e as meninas você tinha que trançar o cabelo. Eu nunca tinha pego o cabelo daquele jeito, tive que pegar aquelas crianças amoadinhas.
Meu Deus, fiquei apavorada. Com o passar do tempo eu fiquei lá. Tinha uma professora que ela vinha pegar as crianças pra fazer caderno, eu ficava com o restante que não fazia caderno. Tinha uma professora que chamava Renata que levava os outros pro refeitório pra ela dar os cadernos. Depois ela mandava as crianças pra mim novamente.
Teve uma época que estava precisando uma professora aqui. Que a professora gestante ia sair de licença. Fizeram a reunião, a supervisora foi lá, queria saber quem morava próximo. As meninas falaram: - Não, você não vai. Queriam fazer reunião que não era pra mim vim. Não, você não vai. Que eu já estava bem, interagindo com o grupo. O grupo não queria que eu viesse e eu vim.
No final da historia, acabei ficando aqui. E estou aqui até hoje. Entrei em doze de maio de 88. Estou aqui até hoje, essas historias se a gente contar, não é muito assim como hoje. Nós estudamos, aprendemos como que é o contar historia.
Antigamente, era uma coisa mais light, era mais o cuidar. Hoje não, com a formação que nós obtivemos, aprendemos bastante coisa, foi um grande avanço.
O ADI Magistério trabalhava com música, conhecer o som através das palmas, das pernas, através dos blocos de
madeira. Você já fazia o som para a criança. Quem teve oportunidade de fazer o ADI Magistério, foi um avanço para nós que já estávamos na rede, porque aquelas que entraram com diploma da faculdade, entraram com o teórico, sem saber nada de Educação Infantil. Só sabiam de nome e nós tínhamos a prática. Com o ADI Magistério, conseguimos elaborar mais a prática do dia a dia, criar
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muito mais em cima da própria prática.
Norma
Durante a minha jornada na escola alfabetizando, eu não usei muitos livros de historia. Eu usei muito música pra alfabetizar. Mas devido ao próprio sistema nós não pegávamos livros de historia. Era coisa do próprio sistema, do planejamento, a gente não tinha esse acesso a livros de historia.
Nós líamos livros e dávamos livros sim, mas não era livro de Esopo, estes livros de conto, de historia, que eu acho que seria importantíssimo ainda.
Eu acho que levar a criança a criar essa imaginação, a vivenciar essa fantasia, que eu acho necessária.
Hoje, em casa, todos leem muito. Foi o incentivo que começou do meu pai, uma pessoa que não tinha estudo nenhum, mas sabia contar historias.
Eu só sinto também de não ter registrado nada, porque muitas das historias que meu pai contava eu até esqueci. Porque aquela época eu não sabia dar a importância que eu dou agora.
Quando eu vim pra prefeitura, como eu vim. Eu me aposentei em uma escola, Dom João, na direção. Escola estadual, mas
antes eu alfabetizei. Mas nós não tínhamos o hábito de contar historias na escola. Era próprio do sistema. Eu incentivava muito a criança a escrever, a contar as coisas dela e tudo.
Mas não existia esse hábito de contar historia, que seria ótimo. Mas não tinha não. Tinha todo um sistema já para alfabetizar, tinha cartilhas da Emília Ferrero. Começou a aparecer as experiências, nós começamos a trabalhar de maneira diferente, mas sem orientação. Então, ficamos muito perdidas, mas a historia não estava em pauta. Mas quando eu me aposentei, quis vir trabalhar, porque eu nunca quis ficar em casa.
Eu decidi que eu ia trabalhar. Eu pedi licença a prêmio e férias no trabalho que eu estava. Pedi aposentadoria e já me inscrevi na prefeitura. Comecei a trabalhar como contratada e depois que eu fiz o concurso pra trabalhar como efetiva.
Paula
Mas a historia de “João e o Pé de Feijão” marcou muito minha vida profissional. Eu fui trabalhar essa historia com o primeiro estágio aqui do CEI, voltada, pensando no feijão, na horta e o que chamou a atenção das crianças foi o gigante. E eu acabei fazendo um trabalho com as crianças.
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A criança te dá o prazer de trabalhar a historia para desenvolver qualquer outra coisa que tenha na historia.
Então, era mais ou menos como o porquinho da casa de palha, logo veio o primeiro vento, eu prestei o concurso, entrei no CEI, no final do ano e eu fui dispensada exatamente porque eu não podia mais dobrar, porque eu tinha passado na prefeitura. Então aí a primeira casa que é de palha logo já foi embora. Foi rápida, em questão de seis meses eu tinha passado no concurso. A segunda casa seria a de madeira, que é uma casa já um pouco mais resistente, mais difícil um pouco do lobo derrubar e seria o CEI. Eu achei até que eu ia ficar mais tempo no CEI, quando eu entrei, já procurei tentar pegar estágio dentro da idade que eu gosto de trabalhar. É um lugar que eu aprendi muito, mas que eu gostaria muito de ir pra EMEI e que agora eu tive a oportunidade e consegui. Então é a segunda casinha que está sendo derrubada, mas no bom sentido, não é no sentido do Lobo Mau. Esse seria um Lobo Bom que é o crescimento, é buscar, a busca de objetivos, da felicidade, da conquista. Agora, acho que eu cheguei à casinha de tijolinhos, que era o que eu queria, que era poder trabalhar em uma EMEI, com a faixa etária que eu gosto, que é a faixa etária entre três anos e meio e quatro até seis anos, que é a descoberta de muitas coisas. Eu vejo mais ou menos isso, e o lobo, na verdade, eu vejo como os desafios que eu tenho que enfrentar, mesmo estando na EMEI, o lobo vai ta sempre me rondando lá. Na casinha de tijolos, eu acho que depois disso, eu vou ter que sair da casinha e construir um prédio, que seria eu ir pra frente, eu caminhar pra uma coordenação, pra uma direção. Eu acho que a gente tem sempre que estar crescendo, a gente ficar parado não dá. A gente tem que ir em busca da novidade, em busca de coisas diferentes e nunca ter medo de voltar atrás também. Se um dia eu precisar voltar lá pra casinha de palha, voltar lá pra casinha de palha, porque a gente sabe que as outras casinhas tão lá, pra gente poder se refugiar.
Falam que o meu magistério é genético, porque a avó é, a outra avó era, todas as tias são. Então, não tem jeito, não tinha escapatória, a mãe também.
Na escola pública, tá tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não tem dinheiro e aí cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.
Eu tenho que valorizar aquela criança como ela é. Então, o que a gente procura fazer, aquela criança que tem uma roupinha surrada e outro que tem uma roupa da Lilica Repilica. Elogiar e colocar a criança com a auto estima elevada.
Então, foi um ano assim difícil, foi um ano de muitas mudanças para quem já estava, o pessoal contratado olhando a gente com maus olhos e a gente querendo trabalhar com cargo novo, um mundo novo. Então, foi bem complicado o que a gente via muito e que era muito assistencialismo. Então, era a preocupação só com o banho, com a criança ta arrumada e com o cabelo penteado pra ir embora né. A criança ter comido ou não e a questão pedagógica a gente não via muito forte não. Então, a gente tinha que, a gente tinha que mostrar a importância da parte pedagógica também.
Um atendimento individualizado, especializado de higiene e saúde, mas se tira muito a obrigação dos pais e a obrigação do professor do cuidar e educar, acaba ficando só no cuidar e o educar acaba ficando muitas vezes em segundo plano.
E eu tenho certeza que os professores acabam ficando frustrados com isso, porque não é bom você estudar, se preparar pra poder trabalhar com a criança e chegar num lugar e você ser meio que um assistente de enfermagem.
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Eu não to criticando quem não fez, porque às vezes a pessoa ainda não fez porque não tinha condições, não é isso, mas se todo mundo fosse atrás como você foi, entendeu, independente de ser por amor ou por necessidade, se a maioria tivesse ido atrás, talvez o quadro hoje tivesse diferente porque as pessoas iam poder lutar por uma coisa que conquistaram.
No meu caso agora, eu que estou encerrando minha jornada no CEI indo pra EMEI, transformei meu cargo. Um dos motivos é eu estar descontente com o meu trabalho pedagógico aqui. Eu não consigo realizar ele do jeito que eu gosto plenamente. Por falta de tempo, pelo cuidar ser excessivo e eu não poder trabalhar o educar, fazer as crianças caminharem mais pra uma educação pra cidadania, terem mais oportunidades de leitura, mesmo sendo pequenininhos, de escrita.
Silvia
Quando eu já estava adulta sempre continuei adorando contos de fadas, sempre comprei os desenhos da Disney e livrinhos de contos, mesmo antes de fazer Pedagogia e tudo.
E aí depois quando eu já estava na faculdade que eu fui estudar que tinha o livro dos contos de fadas.
Eu adoro representá-la na contação de historias para as crianças e ser a bruxa, pra mim é o máximo, porque eu sinto aquele prazer do meu imaginário.
Simone
Sueli
Eu contava, mesmo sem ter tido a vivência, porque que nem diz eu aprendi a apreciar os contos de fadas já grandinha.
E eu também tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas, era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada, né.
O conteúdo básico da tevê Cultura. Hoje a televisão ajuda mais, porque hoje você vê vários contos de fadas, mas de primeiro era assim, quando você falava em contos de fadas você via poucos. Era Branca de Neve, Cinderela e o Pinóquio.
Então, quer dizer que a partir do momento que o professor de Educação Infantil, você começa a ensinar a criança, você consegue fazer com que a criança começa aprender aquilo, que o colega dele é igual a ele independente se ele é negro, se ele é índio.
Você entra naquela historia, que nem a gente fala, aquele que veio de berço pobre, que foi a luta e conseguiu alguma coisa. Ele dá valor, se formou, conseguiu entrar em uma faculdade. Ele tem um valor moral, que ele conseguiu aquilo. Agora aquele que desde criança dá um grito e o pai dá pra ele, ele nunca vai dar valor moral. E qual é o papel do educador? Formar a criança para que a
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criança tenha valores morais, porque o que mais ta faltando no adolescente hoje em dia, em muitos, principalmente, o que ta se reparando hoje em dia na mídia é valores morais, principalmente em adolescentes de classe média alta, que é aquele que tudo que ele quer, o pai dele dá.
Você vai ter que se aprofundar pra você descobrir, em um conto só quantas coisas pra trabalhar.
Eu acho assim, a gente acaba tendo um privilégio da gente ligar diretamente com a Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o porque mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia a dia da gente.
Essas historias quando você passa na formação para as crianças, você passa o quê? Independente de beleza você vai mostrar também todos os conceitos. Independente de beleza, independente de condição social, você tem que tá sempre em busca do seu objetivo.
Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o outro tá com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Aí eu acho que é assim, o papel do professor que faz o que antes de tudo ensinar pra criança os valores morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima, lá na frente à criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes, filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele vai defender, porque o pai dele tem dinheiro, né. Ele vai aprender que não, meu pai tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errado, eu vou ter que pagar. Eu acho assim, se você desde pequeno começar a explicar para a criança e valorizar aquilo que tem.
Temos crianças carentes, mas temos crianças de uma vida social que a gente pode dizer até que razoável. Mas elas são carentes de atenção e aí o papel nosso como educador é procurar dar atenção e procurar dar pra criança o que for de melhor pra ela.
É como já foi dito, nós já comentamos em outro encontro, apesar de ser mais acessível os livros hoje em dia, é que nem você falou, muitos não vão ter condições. Eles não tem o hábito e não conseguem encontrar um tempo e de dizer este tempo é pra mim dar uma atenção mais dirigida para o meu filho. Então, quer dizer, o papel nosso, como educadora é começar a introduzir.
Porque na verdade ele vem como se fosse um conto popular e que foi se aprimorando de historias. Porque Monteiro Lobato criou de um jeito e foram se aprimorando, aprimorando. Ele poderia muito bem ser, né? Ele poderia muito bem ser contado e colocado como um conto de fada nacional, porque ele mexe com a imaginação das crianças. E quem foi que não assistiu o Sítio do Picapau Amarelo?
Só que assim a gente que trabalha na área de Educação de certa forma quando a gente vê esses novos filminhos que
aparecem na mídia, que nós já discutimos porque que os contos brasileiros não são contos de fadas, só faz parte da literatura infantil. Não como conto de fada, você vê, a gente consegue se identificar com contos de fadas, com a historia e com a nossa historia de vida, de infância, a gente consegue se identificar cada um com uma parte da historia, às vezes, você passa em várias fases, uma hora você foi Chapeuzinho, outra hora você até Lobo Mau. A sua etapa, da sua vida toda você vai mudando as fases nos contos de fadas, digamos, às vezes, eu acho assim, a gente acaba tendo um privilégio da gente ligar diretamente com a Educação Infantil e a gente passar esses conceitos do passado que não sabia o porque mas sabia que aquela historia traz alguma coisa que se encaixava no dia a dia da gente.
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Contar uma historia, você entra na mesma porcentagem da maioria de hoje em dia. Que tão todas formadas, formando crianças pra ter gosto pela leitura e que na verdade só foi conhecer a leitura bem depois, porque os pais não tiveram tempo. A maioria está sempre falando: Meu pai trabalhava muito, não tinha tempo.
Se você não explica, ela pode repetir, mas a criança vai repetir uma ou duas vezes, mas depois ela vai perceber: - Nossa, de
novo ela vai dizer não, que não quer. Ela vai dizer que é pra eu pedir desculpas.
Só que eu acho como papel de formador e educador você está mostrando pra elas que a vida lá fora e futuramente vai ter que ter regras e limites a cumprir. Por aqui eu posso ir, por aqui eu não posso ir, porque se eu for por um caminho errado, eu vou ter que pagar por aquilo que eu estou fazendo.
E na verdade o que aconteceu? O ADI Magistério abriu um leque enorme para nós, mostrou o que deveríamos fazer e o que nunca deveríamos fazer com a criança para que não aconteça com ela o que aconteceu com a gente: - Isso está horroroso, está uma porcaria, do professor amassar a sua obra prima. Você achar que está lindo e ela amassar e jogar no lixo. E você fala: - Mas porque aquela criança quer tanto o lápis preto? O trabalho do professor é tentar descobrir porque ele quer sempre o lápis preto, será que é porque sempre ofereceram o lápis preto para ele ou porque no preto ele extravasa a raiva?
O que nós aprendemos no ADI Magistério é descobrir porque aquela criança gosta do preto e a menina da cor de rosa e porque não pode deixar o menino brincar de boneca se a menina pode brincar de carrinho?
Tereza
Eu tenho um netinho de dois anos. Eu entendo a importância de ler e de ensinar o que é contos de fadas.
No imaginário, fazer essa viagem fantástica. Que eu me lembro de quando eu atuava em sala de aula. Eu tinha um trabalho que eu fazia assim, eu mandava as crianças deitar no colchonete e eu ia contando uma historia e levando a criança a imaginação. E ele ia e ele viajava e eu viajava junto. No final tinha criança até que dormia, de tanto que sonhava, que eu conduzia. Isso nunca fizeram comigo.
Que é uma coisa que lá traz que eu já fiz em sala de aula também, tanto é que lá traz quando eu estava na sala de aula eu me lembro, eu fiz uma dinâmica, com o grupo de crianças da minha sala, crianças de cinco anos. Na época em que eu levei as crianças para o sitio do Pica-pau Amarelo numa viagem imaginária e que na verdade eu também vivi junto com as crianças e eu não esqueço desse episódio.
Bem, quando eu entrei na prefeitura. Eu antes tinha um desejo enorme de entrar, eu antes era recepcionista das Lojas Riachuelo. Então, todo holerite azul que caía na minha mão que era pra fazer crediário. Eu já perguntava: - Como que faz pra entrar na
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prefeitura? Como que faz? Tamanha era a minha vontade de entrar, até que um belo dia alguém falou: - Vai abrir inscrição lá no mercadão da Penha pra tomar conta de criança.
Lá fui eu correndo, fiz a inscrição, mandaram eu fazer a provinha de ABCD que era de nível primário. Só pra saber se eu era alfabetizada, fui, passei, mas, até então, eu não tinha noção do que era creche, do que era tomar conta do filho do outro. Eu não tinha noção de nada.
Bom, aí eu fui chamada na prefeitura. Quando eu cheguei no prédio, o prédio tinha acabado de ser inaugurado. Estava vazio, não tinha nada, nem ninguém. Éramos eu e outras companheiras que chegamos juntas. A nossa maior ansiedade, isso tudo aconteceu em 88. Então, eu e as minhas companheiras que também entrou na mesma situação que eu, queríamos saber aonde estavam as crianças. Quando que elas iam chegar.
Mas primeiro tinha que chegar os móveis, primeiro tinha que chegar as coisas da cozinha. Era muito devagar, quase parando. Nós chegamos na creche mais ou menos em abril e ela só foi funcionar depois do meio do ano, porque teve uma série de ajustes pra isso acontecer.
Bom, as crianças, nós queríamos saber das crianças. As crianças começaram a chegar e nós estávamos aqui, doida pra tomar conta das crianças. Era um tomar conta das crianças que nem mãe. Olhava a cabeça se tinha piolho, se tinha piolho a gente catava. Cortava a unha, limpava o ouvido. A fralda, naquela época, era de pano. Então, era aquela fralda que você tirava o excesso no vaso sanitário. Não tinha essa questão de luva, essa questão de todo esse cuidado. Era tudo muito rústico, tudo muito doméstico mesmo.
Foi aí que começamos dentro da sala de aula com as crianças e muitas vezes a gente contava historia. Só que pra acalmar as crianças porque a gente não sabia nada, além disso. Contava historia, por exemplo da Chapeuzinho Vermelho e aconteceu assim, mas não havia uma intenção , não havia uma reflexão, não havia nada disso.
Terezinha
É que nem o menino Gustavo, né? Que ele gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa muito mais da historia.
A Faculdade em si, não sabe o que é Educação Infantil. Ela acha que Educação Infantil é só brincar e cuidar. A Fundação Vanzollini fez uma pesquisa em todas as creches de várias regiões e em cima dessa pesquisa ela foi e mudou o trajeto do ADI Magistério. Então, a gente percebia que o que a gente aprendia lá, era o que a gente usava na sala. Em compensação na faculdade você escutava o professor falar um monte de coisas lá na frente. Eu acho que a maior diferença entre a Fundação Vanzollini e a Faculdade foi essa. A faculdade me deu uma base teórica, já o ADI Magistério te deu a base didática que você sabia que o que você estava aprendendo lá, você tinha condições de fazer na sala de aula.
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Walkiria
A contação de historia existe porque a gente estudou e aprendeu que teria que ta contando, fala da imaginação.
Eu era telefonista, dois empregos eu tinha e estudava à noite. Eu não tive muito contato com a historia, porque não tive quem contava, porque era eu e meu irmão e nós brincávamos à noite, quando apagava a luz. Mas brincava com gestos com a mão, no escuro, de assombração. Contava e a gente brincava, mais duas primas que eu tinha, que era filha de criação.
Então, a gente brincava de historia assim. O meu avô, às vezes, contava aquelas historias antigas de assombração. Depois a minha primeira professora disse que ia ter um concurso pra entrar na prefeitura, mas pra pajem. Então, eu me
arrisquei e fui. Não sabia nada de olhar criança, sabia de olhar um primo em casa. Tomar conta, mas de uma sala cheia não. Não tinha experiência nenhuma, eu fiz tudo que tinha que fazer. Não passei na visão, eu fui reprovada. Agora complicou, eu não vou entrar, eu fiquei inapta, porque eu não tinha óculos, não tinha dinheiro pra comprar o óculos.
Não passei, eu fiz arrecadação, comprei o óculos e voltei lá. Eu passei com o óculos, entrei e caí aqui. Cheguei aqui, vi as colegas tudo lá fora com as crianças. Tanta criança, tinha o gira gira, fui lá brincar, disfarcei e falei: -Vou dar uma de entendida. Fui lá no gira gira e estava a Terezinha. Ela falou: - Você já trabalhou? Eu falei: - Já, mas eu nunca tinha trabalhado com criança.
Fui entrando, fui vendo, fui aprendendo como elas faziam e fui aprendendo contar historia também. Ao longo dos anos, fui vendo como um faz, o outro faz, mas entrar sabendo eu não sabia não.
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Categoria de análise – 4
A ESCOLA
Professor
A ESCOLA
Ana Maria
Cecília
Bom, é difícil falar sobre a leitura porque quando eu era mais nova pra ser alfabetizada, eu tive muita dificuldade pra aprender a
ler e a escrever. Tanto que eu até repeti a 1ª série por problema (choro). É que é difícil porque mexe com o emocional, meus pais também estudaram até a 4ª série. Não tinha muito estímulo em casa, mas depois que eu fui, retornar a cursar a 1ª série novamente, tanto que tive que até, a irmã me encaminhou pra eu ir para o psicólogo.
A psicóloga me incentivava através de jogos, brincadeiras, mas ela contava historias também. Depois, quando eu me adaptei, cursei de novo a 1ª série, tive uma professora excelente, que deu aula na 1ª e 2ª séries. Foi à mesma professora, me apeguei tanto com ela e ela me incentivava muito. Ela me levava, não sei se tem hoje, sala de leitura no Ensino Fundamental. Tinha esses projetos de leitura, tinha uma professora excelente que se envolvia com esses projetos. Trabalhava até com slides, vídeos, sempre ela tinha uma historia, uma novidade, uma historia diferente. Poema, vários tipos de textos, que ela elaborava na aula. Era uma professora muito criativa e a gente sempre levava os livrinhos pra casa. E eu tinha muito interesse pelos clássicos.
Eu já tinha essa prática porque eu observava o trabalho das professoras desde o momento que eu iniciei e pelo fato de eu gostar, de eu ter feito teatro, de explorar esse mundo da fantasia. Eu até na hora de contar as historias, eu tinha muita facilidade, porque tinha os personagens. Eu me incorporava nos personagens. Era como se eu tivesse representado, como se eu estivesse num palco contando as historinhas para as crianças e eu imaginava.
Ah! Um dia eu vou fazer teatro, mas eu quero fazer teatro infantil, peça infantil, até hoje eu tenho esse sonho de um dia eu voltar a estudar teatro, porque foi um dom que despertou em mim, um talento.
Eu tinha facilidade pra decorar texto e todo mundo fala, como você consegue? Você é tão tímida, pra mim eu me escondia atrás do personagem, não era mais eu, entendeu. Tanto que até quando eu fui apresentar. Eu fiz a pós graduação, quando eu fui apresentar o TCC, eu tive que apresentar sozinha, defender a tese sozinha. Eu tive muita dificuldade e até agora pra eu falar em público eu tenho muita dificuldade.
Mas já se eu estou incorporando o personagem, já ao contrário, não sou eu, entendeu. Eu estou me escondendo atrás de um personagem. Então, eu tenho mais facilidade. Então, eu fui trilhando pra atuar como professora adquiri experiência com o Ensino Fundamental. Eu dei aula para o Ensino fundamental uns três anos. Tive mais dificuldade, justamente pelo fato de como eu fui educada, principalmente porque no Ensino Fundamental eu era muito carinhosa com as crianças. As crianças confundiam com liberdade. Então, eu queria agradar sempre. Então, eu não tinha aquele pulso firma, não sabia impor limites pra criança. Eu facilitava
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tudo pra criança. Então, o que gerava? Gerava indisciplina. Então, as crianças confundiam aquele carinho todo com liberdade. Então, logo de começo encarar o Ensino Fundamental foi muito difícil, foi um desafio enorme e já com as crianças pequenas eu já tive mais facilidade, porque eles necessitavam mais.
Eles dependem mais do carinho e da atenção da gente. Claro, que com o passar do tempo, eu comecei a ser mais enérgica, a ter uma dose de equilíbrio. Eu nunca perdi a ternura, porque eu acho que a criança pra desenvolver, ela tem que ter afetividade, mas ao mesmo tempo você tem que impor limites. Você tem que ser firme com eles e a cada dia que passa, a cada ano que atuo como professora, eu vou me aprimorando com as experiências, com os erros. Isso eu acho que é com todas as professoras são assim.
Dione
Dulcinéia
. Não tem um conto hoje que eu possa falar que foi um conto que marcou, que eu posso comparar. O que eu posso falar dos contos é que eles fazem parte da minha vida escolar mesmo. Então, hoje eu conto para os alunos.
Foi na minha vida escolar que vieram os contos, porque na infância não, mas para as crianças hoje eu trabalho contos com eles e trabalho diversas literaturas. Eu fui uma criança que não fiz a pré escola. A minha vida é assim: não tive a historia familiar, não tive a hora da historinha ou com a mãe ou com o pai e também não tive a parte da Educação Infantil na minha vida.
Já fui direto com sete anos, já fui pro primeiro ano. Então, as historias que lá eu ouvia, já eram historias que já estavam embutidas nos livros didáticos. Eu também tive essa parte da infância de chegar da escola, de sentar, ter prazer por assistir o Sítio do Pica-pau. Era legal estar assistindo, mas eu não me via em nenhum daqueles personagens apresentados. Eu assistia porque gostava, porque isso encanta a criança. Então, eu me encantava também porque eu era criança.
Então, isso me encantava e é isso que norteia a minha vida, sem uma comparação com um conto. Não tem um conto, a princesa ou a Branca de Neve. Historias que eu gosto eu conto todas pras crianças porque eu sei a importância que tem de você contar pra criança. Mas eu gosto daquela historia que envolve a criança, porque pra mim envolver um personagem, por exemplo, como só a Branca de Neve que não era uma criança, eu gosto das historias que tenham as próprias crianças pra você retratar. Esse tipo de historias são historias que eu gosto.
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Edina
A televisão chegou e a gente passou a ver mais televisão. Em 69, foi mais ou menos quando a minha mãe adquiriu um
aparelho de tevê. Na escola eu não me recordo de ter lido nenhum livro na minha infância. Não me recordo da professora ter falado alguma coisa pra mim sobre livros. Eu só me recordo de uma bronca que eu levei da professora e me marcou muito, a professora de matemática.
Eliana
Eu não lembro quando eu era criança de algum professor contar historia pra mim. Eu me lembro mais de ter assistido contos de fadas através da televisão.
Márcia de Fátima
Márcia Polessi
Ela era professora e a gente tinha a parada todo mês, a gente tinha parada pra Reunião Pedagógica. Aí vinha um pessoal, as
técnicas e orientava a gente a fazer isso e aquilo. E a gente foi caminhando. O que me marcou muito na contação de historia, que eu como eu poderia contar historias sentada numa roda, se eu nunca tinha visto ninguém trabalhar com contação de historia. O que me pegou? Foi à necessidade, a sobrevivência porque eu vi uma sala pegando fogo e tinha três livrinhos em cima do balcão. Não tinha nem prateleira de historia, já tinha dado parque, já tinha dado motinha, já tinha dado carrinho pra aquelas crianças e elas pegando fogo.
Olha o livrinho da Branca de Neve, quem que conhece a Branca de Neve e eles pararam. Aí eu falei: Vamos sentar! Mas nós não sentamos em roda, nós sentamos assim, era a lousa sem colchonete, sem nada. Foi assim de sopetão. Sentava onde queria e começamos a contar historia, sem mostrar pra criança, sem mostrar a figura pra criança. Aí contamos e acabou sendo uma prática que acalmava a criança. E foi indo, foi indo, foi indo.
Maria Aparecida
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Maria da Penha
Maria Edlene
Maria Lúcia
Noelina
Norma
É verdade, às vezes, eu percebia alguns problemas de disciplina com a criança, uma tristeza. Então, você procura uma historia que condiz com aquele problema da criança. Você acaba contando aquela historia, não mencionando o nome da criança.
A criança vai acabar se relacionando e tendo como trabalhar o problema. Mesmo, às vezes, brigas em casa e ele vem triste, porque a mãe qualquer coisa. Então, a gente contando uma historia, a criança acaba vendo aquela historia. Ela vai falar do problema e vai conseguir problematizar.
Paula
Bom, minha vida profissional no momento me fez lembrar. Eu até li ontem pras crianças foi a historia dos três porquinhos, porque desde que eu pensei em cursar pedagogia e ser professora. O meu objetivo sempre foi trabalhar na EMEI. É um lugar que desenvolve um trabalho legal com as crianças, é uma faixa etária que eu gosto de trabalhar e a primeira vez que eu comecei a trabalhar mesmo foi em escola particular. E na escola particular a gente é muito podada, não era muito, mas éramos. Seguimos algumas coisas que, às vezes, você não concorda, mas é o seu emprego e você tem que respeitar a linha pedagógica da escola.
Na escola pública, está tendo cada vez mais mistura de classe social. A gente vê por aqui que numa sala, tem uma família que mal tem dinheiro pra comer e criança na sala que viaja de avião, que tem tevê a cabo mesmo, tem carro novo. Então, cada vez mais na escola pública, as pessoas tão entendendo que é direito da criança não é pra quem não tem dinheiro e cada vez mais a gente vai ter que lidar com essas diferenças aqui dentro.
Silvia
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Simone
Você aprendia determinado assunto, trazia aquele assunto para dentro da aula e na outra aula dava a devolutiva para o professor, de como você desenvolveu aquele tema na sua sala.
Você tinha que fazer um exercício de outros olhares, sobre aquilo que você estava habituado a fazer há tanto tempo. E buscar nesse fazer outros olhares, o que mais você podia absorver da criança nessa atividade que você dava sempre.
A gente tinha que ir buscando, exercitando isso, para hoje a gente chegar onde a gente está. E a dificuldade que eu lembro, na creche que eu trabalhava só podia pedir material na sexta - feira, para você trabalhar durante a semana. O que você planejou durante a semana seguinte, você pedia na sexta - feira para trabalhar. Só que nós tivemos uma reposição no horário de aula que era o HTPC, para ser feito na sala de aula no sábado. Na segunda - feira já ia ter a devolutiva para ela porque era uma aula de reposição da aula da segunda. Houve a falta da professora. Depois no sábado e na segunda, ela já queria saber o resultado dessa reposição e eu não tinha o material, porque não me deram material para trabalhar aquela atividade.
Eu tive que sair correndo nas outras salas, procurando alguém que tivesse um pouquinho de material para me dar, para eu poder fazer. Eu acho que isso dificultou bastante o desempenho dos trabalhos dentro da sala de aula em relação ao que a gente aprendia.
Nós viemos de uma educação que o professor falava: - Pinta aqui, desenha uma casa.
Sueli
Na minha época de escola eu tive um professor que me contava muita historia. Eu fui aprender historia mesmo, tipo contos de fadas, acho que já estava na 4ª série. Nos primeiros anos não. Era aquele negócio, você pega o livro, você folheia. Eles não passavam conto de fadas, só na 4ª série mesmo.
Que tinha contos, porque até aí não eram contos de fadas, era historia como qualquer outra, não se via como contos. E eu
também tinha aquele negócio, meus pais trabalhavam o dia todo, os dois. E eu também não tinha aquele acesso a livros. As poucas vezes que eu via contos de fadas, era quando tinha aquele professor que mostrava interesse, entendeu, pra mim conseguir ver, se o professor não mostrava nada, não tinha nada.
Que nem a Branca de Neve, os outros contos de fada, que de certa forma dentro de uma instituição educacional, não só de
CEI, é bem dizer, quase que te imposto a você contar esse conto de fadas. Ele faz parte do conto de fada, mas é assim, vamos supor, acaba que nem no nosso caso. Aqui já recebemos dois mil livros,
já teve um ano que chegamos a receber mil livros, não tinha um do Sítio do Pica-pau Amarelo.
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Não, e passar pra criança isso, que o seu colega do lado não é inferior a você, porque ele não tem um sapato pra colocar no pé e o outro está com a sandalinha da moda. Não, vocês dois são iguais. Eu acho que é o papel do professor, que faz o que, antes de tudo ensinar pra criança os valores morais, éticos, porque eu acho que se você ensinar isso pra criança lá em cima, lá na frente à criança não vai ser aqueles adolescentes mais pra aborrescentes, filhinhos de pais de classe média que acha que tudo ele pode porque o pai dele vai defender, porque o pai dele tem dinheiro. Ele vai aprender que não, meu pai tem dinheiro, mas se eu fizer alguma coisa errado, eu vou ter que pagar. Eu acho se você desde pequeno começar a explicar para a criança e valorizar aquilo que tem.
Eu fiz o ADI Magistério de dois anos, porque aqui no CEI eu era uma das únicas que tinha o Segundo Grau, o Ensino Médio
incompleto. A diretora, a Sônia falou: - Faz como se você tivesse só o Primeiro Grau, eu fui da primeira turma. Onde o ADI Magistério, abriu muito mais caminho que a faculdade. Porque na faculdade nós trabalhamos o teórico e o ADI Magistério estava voltado para a Educação Infantil. Na verdade, o ADI Magistério foi o que? Eles estavam buscando das ADIs ou das antigas pajens, buscando colocar no papel o que a gente já fazia na prática. Não tinha plano de aula.
Tanto que as divisões do ADI eram: Orientações Pedagógicas, Orientações da Prática Educativa, porque ali você tinha o estágio de horas, mas era feito tudo em sala de aula. Eu tinha que aplicar na criança o capítulo anterior que eu fiz e na próxima aula levar para ela e relatar, qual foi à reação da criança, como ela se comportou. É o que nós aprendemos.
A prática nós tínhamos, nós estávamos aprendendo a desenvolver mais, elaborar mais aquela prática que a gente já executava, mas a gente sempre naquela coisa. Qual a intencionalidade? Qual a importância?
Tereza
Nem na escola. Eu não me lembro de que nem na escola eu tive essa. Eu não me lembro mesmo. Aí, bom, voltando. Eu cheguei na creche, tive contato com esses livrinhos de historia que até então eu nem sabia muito o significado na íntegra, mas fui aprendendo. Fui construindo um conhecimento que aqueles livrinhos eram os contos de fadas. A historia da Branca de Neve, a historia da Rapunzel, a historia da Chapeuzinho Vermelho.
Terezinha
É que nem o menino Gustavo, né? Que ele gosta muito da princesa, né. Ele quer se vestir de princesa. Então, tem um livro
que chama O Menino que queria Ser, é bem esse jeito. Não é que ele vai ser gay um dia, porque ele gosta da princesa. É porque a princesa é uma coisa que marcou pra ele. Ela é mais bonita, a roupa dela é muito mais bonita. Ela participa muito mais da historia.
Ela aparece mais na historia. Então, provavelmente foi isso que chamou a atenção dele. Não o fato dele em si, da roupa,
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não dele gostar da roupa de mulher. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e tem pessoas que ficam, né, tipo podando ele, porque eles acham que esse aí não sei não.
Faz uns quarenta anos e até hoje eu me lembro disso. Eu levantei e mostrei o desenho para a professora que estava sentada no lugar dela e ela olhou meu desenho e falou: - Está uma porcaria. Amassou e jogou no lixo. Hoje eu tenho grandes imaginações. Eu crio na minha cabeça, mas se eu for passar para o papel eu não consigo. Então, eu passo para outra pessoa e a pessoa desenha para mim. Se eu tiver que desenhar... Eu consigo imaginar o que eu quero e tudo, mas na hora de passar para o papel não sai.
Eu contei a historia do João e Maria e a criança levantou e perguntou para mim: - Tia, porque o pai do João e Maria deixou eles na floresta? Eu disse: - Porque ele não tinha dinheiro para comprar comida. –Tia, por que ele não trouxe eles para a creche?
Walkiria