a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

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A QUESTÃO AGRÁRIA E MIGRAÇÕES NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: O CASO DO ASSENTAMENTO CANOAS NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE FIGUEIREDO/AM Diane Maria Oliveira Sacramenta 1 -UFAM [email protected] Benhur Pinós da Costa 2 - UFAM [email protected] Resumo Em 1992 foram criados quatro projetos de assentamentos no Município de Presidente Figueiredo: Uatumã, Rio Pardo, Canoas e Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Morena, com 1.125 famílias beneficiadas segundo o INCRA. O Projeto de assentamento Canoas compreende 271 famílias assentadas oficialmente. Dos assentados, 50% são provenientes de outros Estados, destacando-se paraenses, maranhenses e cearenses. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é abordar a trajetória realizada pelos migrantes do Assentamento Canoas, oriundos de outros estados da federação, bem como, os desafios e perspectivas desses atores. Além de revisão bibliográfica e visitas ao INCRA, há levantamento de dados primários, coletados através da observação direta e entrevistas semi-estruturadas. Portanto, esse trabalho nos possibilita melhor compreensão da formação sócio-cultural, bem como a reflexão sobre a emergência de novas territorialidades no contexto amazônico. Palavras-Chave: Reforma Agrária; Migração; Assentamento Canoas RESUMEN Em 1992 fueron creados cuatro proyectos de asentamiento en el município de Presidente Figueiredo: Uatumã, Rio Pardo, Canoas e Proyecto de Desarrollo Sustenible de La Morena, con 1125 familias favorecidas segun el INCRA. El Proyecto de Asentamiento Canoas comprende 271 familias asentadas oficialmente. De los asentados, 50% son originários de otras províncias, siendo 1 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Geografia/Mestrado da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bolsista do Programa – RH Interiorização/FAPEAM. 2 Orientador. Prof o Dr do Departamento de Geografia - Programa de Pós-Graduação em geografia/Mestrado.

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A QUESTÃO AGRÁRIA E MIGRAÇÕES NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: O CASO

DO ASSENTAMENTO CANOAS NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE FIGUEIREDO/AM

Diane Maria Oliveira Sacramenta1 -UFAM

[email protected]

Benhur Pinós da Costa2 - UFAM

[email protected]

Resumo

Em 1992 foram criados quatro projetos de assentamentos no Município de Presidente Figueiredo:

Uatumã, Rio Pardo, Canoas e Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Morena, com 1.125

famílias beneficiadas segundo o INCRA. O Projeto de assentamento Canoas compreende 271

famílias assentadas oficialmente. Dos assentados, 50% são provenientes de outros Estados,

destacando-se paraenses, maranhenses e cearenses. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é

abordar a trajetória realizada pelos migrantes do Assentamento Canoas, oriundos de outros estados

da federação, bem como, os desafios e perspectivas desses atores. Além de revisão bibliográfica e

visitas ao INCRA, há levantamento de dados primários, coletados através da observação direta e

entrevistas semi-estruturadas. Portanto, esse trabalho nos possibilita melhor compreensão da

formação sócio-cultural, bem como a reflexão sobre a emergência de novas territorialidades no

contexto amazônico.

Palavras-Chave: Reforma Agrária; Migração; Assentamento Canoas

RESUMEN

Em 1992 fueron creados cuatro proyectos de asentamiento en el município de Presidente

Figueiredo: Uatumã, Rio Pardo, Canoas e Proyecto de Desarrollo Sustenible de La Morena, con

1125 familias favorecidas segun el INCRA. El Proyecto de Asentamiento Canoas comprende 271

familias asentadas oficialmente. De los asentados, 50% son originários de otras províncias, siendo

1 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Geografia/Mestrado da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bolsista do Programa – RH Interiorização/FAPEAM. 2 Orientador. Profo Dr do Departamento de Geografia - Programa de Pós-Graduação em geografia/Mestrado.

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paraenses, maranhenses y cearenses. En ese sentido, el objetivo de esa pesquisa es acercarse de La

trayectoria realizada por los migrantes de el Asentamiento Canoas venidos de otras províncias, asi

como los desafios y perpectivas de eses actores. Ademas de la revisión bibliográfica y visitas en el

INCRA, fueron hechos examenes de los datos primários colectados por médio de la observación

directa y citas semi estructuradas. Por lo que ese trabajo posibilita una mejor compreensión de la

formación sociocultural, asi como la reflexión sobre la emergência de nuevas naciones en el

contexto amazônico.

Palabras llaves: Mudanza, Migración, Asentamiento Canoas.

1 INTRODUÇÃO

A preocupação de realizar esse trabalho, surge a partir de reflexões sobre a realidade da Geografia

Agrária no território brasileiro. A concentração de terras herdada do colonialismo que reflete nos

latifúndios e no avanço do capital. O que gera conflitos, conduzindo ao desenvolvimento de

políticas públicas voltadas para a questão da reforma agrária.

Para acalmar os movimentos que se formavam no campo, com a organização dos camponeses, o

governo militar promulgou o Estatuto da Terra. Tratava-se de um instrumento capaz de fazer a

reforma agrária tão aspirada, instrumento que foi utilizado durante os vinte anos de autoritarismo,

não para diminuir as grandes desigualdades no campo, mas para consolidar a grande propriedade

capitalista, ampliando e protegendo o latifúndio (ANDRADE, 1991).

Os militares acreditavam que o problema da questão agrária não estava relacionado a um caráter

político-social e que se resolveria com o progresso econômico. Investiram em políticas de

incentivos e subsídios fiscais, as quais impulsionaram uma forte migração de camponeses do

Nordeste para as regiões norte e centro-oeste (FELICIANO, 2001).

Partindo do pressuposto de que aproximadamente metade da população que vivencia o

assentamento Canoas, município de Presidente Figueiredo/AM, é proveniente de outros Estados da

Federação, consideramos relevante conhecermos a origem e o trajeto desses migrantes, bem como

analisar os desafios enfrentados e suas perspectivas em relação ao Assentamento.

A princípio apresentamos uma discussão sobre a questão agrária e os principais fluxos migratórios

na Amazônia Brasileira, de acordo com as referências apresentadas. No segundo momento

demonstramos os dados coletados a partir de observação direta e entrevistas semi-estruturadas. Na

análise e processamento dos dados, nos auxiliaram alguns programas, como: Philcarto, Adobe

Ilustrator e Excel.

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Portanto, temos como proposição que esses migrantes não realizaram o seu percurso, a princípio,

diretamente para o Assentamento, mas também, não significa que aí permanecerão. Nesse sentido,

mantiveram vários contactos sócio-culturais, políticos e econômicos em sua trajetória. Sendo assim,

esse trabalho nos possibilita melhor compreensão da formação sócio-cultural no contexto da

produção espacial amazônica nas últimas décadas, bem como, uma análise das políticas públicas

vinculadas para esta população. Contribuindo para a análise da emergência de novas

territorialidades na Amazônia.

2 A QUESTÃO AGRÁRIA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Para um melhor entendimento do contexto agrário que hoje permeia a Amazônia, é pertinente

compreendermos os ciclos econômicos nos quais essa região esteve inserida, e que ainda hoje faz

parte do contexto amazônico. Tomemos como referência três momentos: a exploração das drogas

do sertão; o período áureo e decadência da borracha; e, os Grandes Projetos.

Para a coleta das “drogas do sertão” era necessário mão-de-obra, e, o caráter disperso da floresta,

tratando-se de espécies de valor comercial, tornava a Amazônia menos atrativa comercialmente

para o colonizador, o que contribuía para a não exportação de mão-de-obra escrava. Nesse contexto,

os indígenas se tornavam fundamental para afirmar as marcas do domínio colonial.

Os índios começam a ser destribalizados e aldeados. Começa a mudar a organização do espaço: os índios são ‘descidos’ para os aldeamentos missionários ou fogem para os altos rios, geralmente acima das cachoeiras e corredeiras, onde podem continuar a ser livres (GONÇALVES, 2001, pág. 81).

Isso quando não resistiam e acabavam mortos nos conflitos (brancos X índios, índios X índios),

considerando que os instrumentos utilizados pelos europeus eram bem mais sofisticados que dos

nativos, além da participação da igreja para catequizá-los, e torná-los parcialmente seus aliados.

A partir de 1750, no governo do primeiro-ministro Marques de Pombal, o caráter mercantil se torna

mais evidente com a criação da companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, que entrará em conflito

com as ordens religiosas. Os Jesuítas são expulsos em 1759, ficando os indígenas expostos à

ganância mercantil. Assim, emerge a doação de Sesmarias (lotes de terras) a colonos e soldados que

se comprometessem cultivá-las; introdução do trabalho escravo (1756), com o objetivo de reforçar a

agricultura do cacau, café, algodão, cana-de-açúcar, fumo, anil e arroz; e, um incentivo à

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implantação da pecuária nos campos de Rio Branco (Roraima), Baixo Amazonas e na região das

ilhas, inclusive Marajó.

Gonçalves menciona que muitos autores consideram esse momento como sendo um ciclo agrícola

na Amazônia que teria sucedido ao ‘ciclo das drogas do sertão’. No entanto, destaca que o

extrativismo das drogas do sertão nunca deixou de ser uma atividade socialmente relevante para a

região. E, a atividade agrícola, sobretudo as lavouras de cacau, cana-de-açúcar e a pecuária

proporcionaram a formação de uma oligarquia latifundiária que se tornará politicamente importante

na configuração geográfica da Amazônia. Nesse contexto, surge a figura do regatão que articula o

extrativismo da floresta, a pesca e a agricultura da várzea com as vilas e cidades.

No século XIX ocorrem mudanças significativas com a exploração e exportação da borracha. Essa

produção não será bem vista pela oligarquia fundiária tradicional, pois, além de atrair os braços das

atividades fundiárias, desviava também o sentido do fluxo de abastecimento de víveres de primeira

necessidade para os seringais e desorganizava as antigas bases produtivas, fazendo com que o custo

de vida em Belém aumentasse significativamente. Com o boom da borracha, Manaus e Belém

viveram momentos de intenso glamour de fazer inveja à cidades como Rio de Janeiro e mesmo à

Nova York. Enquanto nos seringais, a exploração do seringueiro pelo seringalista.

Muitos nordestinos, sobretudo dos sertões do Ceará e do Rio Grande do Norte vieram para a

Amazônia no período do ciclo da borracha, iludidos, pensando que iriam acumular riquezas e mais

tarde retornariam para o nordeste. No entanto, quando os mesmos chegam aos seringais já estavam

fortemente endividados com o custo da viagem, além de terem que pagar os utensílios com os quais

iriam trabalhar, e, os gêneros alimentícios para sua manutenção. Os seringueiros negociavam com o

seringalista que por sua vez articulava com alguma casa aviadora. Endividados, isolados

geograficamente no interior da floresta, o sonho de retornar para o nordeste, e, submetidos a

péssimas condições de vida, assim era o dia-a-dia desses trabalhadores.

A Amazônia passou por momentos de glória e de decadência. O ciclo da borracha é um bom

exemplo. Com a inserção da produção asiática no mercado, o complexo seringalista amazônico

entrou em profunda crise, a qual foi restabelecida durante a Segunda Guerra Mundial. Com a queda

dos seringalistas e do sistema de aviamento antes da Segunda Guerra, ocorreu uma melhoria das

condições de vida do seringueiro. A partir de então começaram a constituir família, a combinar a

prática da agricultura com extrativismo (práticas que até o momento eram proibidos de realizar) o

que possibilitou o maior enraizamento dessas populações dentro da floresta, além da diminuição nos

elevados índices de mortalidade e doenças, o qual voltou a se elevar com o restabelecimento da

borracha, que não durou por muito tempo.

A partir de 1966-1967 o governo federal mudou completamente sua orientação para a Amazônia.

Houve a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus (1966), e, a extinção do Banco de

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Crédito da Amazônia (1967). Este sustentava com subsídios as antigas elites da região. Alterando a

organização social do espaço rio-várzea-floresta, tendo os trabalhadores que se defrontarem com os

novos colonizadores (gestores territoriais civis e militares, o grande capital nacional e

internacional). As elites regionais ou se aliaram aos novos protagonistas ou venderam sua terras e

migravam para Manaus, Belém, Fortaleza, Rio de janeiro ou São Paulo (GONÇALVES, 2005).

É nesse contexto que almejamos focar nossa discussão, conduzindo à uma reflexão sobre a questão

agrária na Amazônia brasileira pós-1960, ou a partir de meados do século XX. Latifundiários,

empresas mineradoras e o Agronegócio, sempre com uma nova roupagem, enquanto isso o pequeno

produtor agrícola e o indígena são expulsos do campo, submetendo-se à péssimas condições de vida

nas periferias das cidades.

A questão agrária em nosso país terá como marco teórico a década de 1960, principalmente porque

é a partir do golpe de 1964 que a ocupação da Amazônia torna-se prioridade máxima. Nesse

período o governo federal desenvolve estratégias de duplo controle técnico-político, sobre o espaço

preexistente, com a implantação de redes de integração nacional como a rede rodoviária, rede de

telecomunicações, rede urbana e finalmente, a rede hidroelétrica. A superposição de territórios

federais sobre os estaduais, como a criação da Amazônia Legal (1966), e, a determinação de que

uma faixa de 100 Km, de ambos os lados de toda estrada federal, pertencia à esfera pública (1970-

1971), tendo como justificativa a distribuição das mesmas para camponeses em projetos de

colonização (BECKER, 1998).

De acordo com Gonçalves, a questão sobre a promessa do Governo Federal de assentar 100 mil

famílias, ao longo dos 100 quilômetros de cada lado das rodovias, não conseguiu atingir mais que

10 mil famílias. Desse modo, passaram então a implementar projetos de colonização privada e,

concentrar as políticas oficiais em volta dos pólos de Desenvolvimento, basicamente ligados ao

setor mineral e do incentivo aos projetos agropecuários que foram mais pecuários que agrícolas.

Nesse contexto, apresentam-se os grandes projetos desenvolvimentistas, tais como: Projeto Grande

Carajás (com seus projetos agropecuários, suas represas hidrelétricas, suas minas, suas fábricas),

Projeto Zona Franca de Manaus, e outros com a construção de Hidrelétricas, de Rodovias e Projetos

de Assentamentos Rurais, e, simultaneamente os vários conflitos que permearão essa “nova”

Amazônia.

Sobre esses novos “protagonistas” os Grandes projetos, se é que se pode chamá-los de

protagonistas. Os mesmos são considerados pelos índios e pelos camponeses como invasores, é

como se fosse a ‘chegada do estranho’ do que não é desejado, convidado, acolhido (MARTINS

apud HÉBETTE, 1991). Entretanto, essa mudança drástica não ocorreu de forma pacífica, índios e

camponeses resistem, e ao invés de serem os protagonistas da história, terminam por serem

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considerados os vilões pelo próprio Estado, até porque este ampara e implementa os Grandes

Projetos .

O grande capital penetrou nas áreas indígenas, cortou as reservas, lavrou o subsolo, alagou aldeias; a cultura tradicional dos índios foi ferida, a sua liberdade ancestral ameaçada. O latifúndio engole as roças, mas o camponês resiste à expulsão, recusa a proletarização, luta contra o cativeiro e defende sua autonomia (HEBETTE, 1991, p. 7- 8).

Grandes transformações ocorrem na Amazônia, novos personagens se inserem no campo, e por sua

vez expulsam os que aí viviam. A forma de ocupação era contraditória: a da agropecuária, uma

atividade econômica que dispensa mão-de-obra e esvazia territórios. Muitas tribos indígenas foram

praticamente dizimadas, camponeses foram expulsos de suas terras de trabalho, para que nelas

fossem abertas grandes pastagens (MARTINS, 1997). Ocorre um intenso processo de migração,

pessoas se deslocam de toda parte do país em decorrência das políticas que são desenvolvidas para

povoar a Amazônia

Quando nos referimos à dinâmica populacional e mais precisamente do camponês para a cidade, um

fator importante a destacar é o papel que a Zona Franca de Manaus exerce na Amazonia ocidental,

e, mais precisamente no Estado do Amazonas. Ela se torna um pólo de atração dos ribeirinhos,

implicando no processo de urbanização anômala. É certo que outros fatores influenciaram para a

retirada de grande parte dessas populações do campo para a cidade, como as condições naturais

(grandes cheias), além da falta de políticas públicas adequadas, voltadas para o setor primário.

Nesse sentido, é evidente que o Brasil, a partir da década de 1960, passa por intensas

transformações e nesse cenário, a Amazônia tem seu palco reservado. O governo (Ditadura Militar)

passa a investir em políticas públicas para o povoamento da Amazônia, levando a um intenso

processo migratório. Os migrantes vão ocupando várias áreas nessa região, no entanto, passam por

grandes dificuldades, sem subsídios para a manutenção do seu trabalho, forçando-os a muitas vezes

venderem seu pedaço de terra, isso quando não são forçados a entregarem suas terras aos famosos

grileiros. O que os impulsionam a migrarem para as cidades ou se embrenharem nas matas para se

fixarem em terras longínquas, onde as dificuldades tornam-se ainda maiores.

Para os posseiros da ocupação. Pacífica ou forçada, das terras, a simples conquista de terra assevera-se agora insuficiente. Isolados nos seus lotes, sem estradas, sem assistência agrícola, à mercê dos atravessadores, posseiros e colonos muito mal conseguem sobreviver.

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A luta pela terra assume, daqui em diante, a forma da luta pela subsistência econômica, pela própria reprodução como camponeses (Hebette, 1991,p. 211).

Numa relação de exploração, contradição e conflitos os atores mudam conforme o ciclo econômico

vivido. Quando se buscavam as “drogas do sertão”, essas relações se davam entre índios e brancos;

no período da “borracha”, podemos falar de um processo que se dá desde o seringueiro, passando

pelo seringalista e o sistema de aviamento. A partir da década de 1960 a Amazônia torna-se palco

de um novo cenário, com objetivos econômicos, e, sobretudo geopolíticos.

O lema da ditadura era ‘integrar’ (a Amazônia ao Brasil) ‘para não entregar (a supostas e gananciosas potências estrangeiras). Os militares falavam em ‘ocupação dos espaços vazios’, embora a região estivesse ocupada por dezenas de tribos indígenas, muitas delas jamais contatadas pelo homem branco, e ocupada também, ainda que dispersamente, por uma população camponesa já presente na área desde o século 18, pelo menos (MARTINS, 1997, págs. 84-5).

Com esse lema “Integrar para não entregar”, “Homens sem terra do nordeste para terras sem

homens da Amazônia”, um desrespeito à condição humana. Será que não havia mesmo homem nas

terras da Amazônia? E no Nordeste, não havia terras para os nordestinos? O Próprio Estado

desconsidera a condição de ser (ser gente, ser humano, ser social, ser cidadão) em favor do capital,

da ganância, da sede de dominação, de ter mais, mais e sempre mais. Entretanto, não pretendemos

com essa revisão bibliográfica representar a Amazônia apenas como palco de conflitos, essa análise

é interessante para nos situarmos no contexto agrário da Amazônia, que não é somente conflitos,

mas os mesmos fazem parte do processo de ocupação da Amazônia, devido a falta de sensibilidade

de nossos representantes, face a questão agrária em nosso país.

3 PRINCIPAIS FLUXOS MIGRATÓRIOS PARA A AMAZÔNIA

O processo migratório que envolve a chegada de brasileiros provenientes de outras regiões para a

Amazônia não é recente, reportando os primeiros fluxos ao período da borracha, primeira e segunda

fase, num terceiro momento surge o período referente ao programa do Governo Federal entorno dos

“Grandes Projetos” com a abertura de estradas, construção de hidrelétricas, projetos agropecuários e

exploração de minério. É nesse mesmo período que surge o projeto Zona Franca de Manaus, que

também será um grande atrativo de populações para a capital manauara, entretanto esses fluxos

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migratórios são constituídos por pessoas oriundas tanto do interior do estado (naturais), quanto de

outros estados brasileiros (não naturais).

Para Benchimol, os nordestinos, especialmente os ‘cearenses’, foram os pioneiros do povoamento

amazônico, atraídos pelo ciclo econômico da borracha a partir de meados do século XIX,

principalmente durante as décadas de 1877 e 1888, como flagelados e retirantes, em direção aos

seringais, até a década de 1920 e 1930 quando ocorreu a depressão econômica, interrompendo o

fluxo, que até então era constante. Dados demográficos da população amazônica, apresentados pelo

autor, neste período, desde 1872 com 332.847 habitantes a 1920 quando foram recenseados

1.439.052 habitantes, demonstram que houve um crescimento de 332,0%, seguido de uma

estagnação em decorrência da crise do primeiro ciclo da borracha, cujas exportações diminuíram

devido à ascensão do cultivo de seringais na Malásia.

Nas décadas de 1920 a 1940 a população passou por um processo de estagnação ou recessão.

Alguns Estados como o Pará e o Acre perderam 38.863 e 12.611 habitantes, respectivamente. A

partir de 1940 com a ‘segunda batalha da borracha’ reiniciou-se o fluxo migratório para a

Amazônia. Os censos registraram uma população de 1.844.665 habitantes para a década de 1950, e

2.601.519 habitantes para 1960, acusando incrementos de 26,0% e 77,0% sobre a base demográfica

de 1940. Sendo que nesse período mais de meio milhão de migrantes nordestinos se deslocaram de

suas terras para a Amazônia.

A partir de 1960 com a implementação dos “grandes projetos”, a região passou a receber novas

correntes populacionais oriundas dos demais Estados brasileiros, além do Nordeste. Como resultado

desses deslocamentos, a região teve a mais alta taxa de crescimento (5,04% ao ano) demográfico

registrado pelo censo de 1980. A população cresceu 38,5% entre 1960/1970 e 62,7% entre

1970/1980, obtendo um ganho líquido absoluto de 3.256.154 habitantes. Assim, a população das

Regiões Norte saltou de 332.847 em 1872 para 5.866.673 habitantes em 1980 (BENCHIMOL,

1981).

Conforme Melo a população de Manaus em 1980 era de 633.383 habitantes, desses,

aproximadamente terça parte, o equivalente a 213.273 pessoas ou 33%, era constituída por não

naturais. Essa mesma proporção segue no ano de 1987, de acordo com os dados obtidos em uma

pesquisa por amostragem do autor. Segundo os dados das 5701 pessoas abrangidas pelo

questionário, os não nascidos em Manaus correspondiam a 1.965, equivalente a uma proporção de

34,5%, quase igual ao censo de 1980. Em números absolutos, a população migrante de Manaus em

1987 era de 330.000 pessoas.

Dessa população migrante, a maior parte era proveniente da própria Região Norte em uma

proporção de 71,5%, dando a entender que as outras quatro macrorregiões chegavam a

aproximadamente 28,5%. O Nordeste e o Sudeste contribuem, respectivamente, com 13,0% e

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10,3%, enquanto o Sul e o Centro-Oeste ficam com 2,6% cada uma. Percebemos que os números

correspondem em sua maior parte ao deslocamento dentro da própria região para Manaus. Dentre os

fatores que contribuíram para essa diferença acentuada, entre migrantes naturais da própria região e

os de procedência de outras regiões, deve ser relativa à acessibilidade e a própria posição do Estado

do Amazonas, sendo Manaus sua Capital econômica, Política e Administrativa. Outro fator

importantíssimo é a implantação da Zona Franca de Manaus e a ausência de políticas agrícolas

adequadas para conter a população na zona rural, pois a Região Norte passava por uma situação de

crise econômica, que se dava desde o declíneo do sistema mercantil extrativista ocasionado pelo

colapso da borracha.

Da Região nordestina destacam-se os cearenses (6,8% em 13,8%); da Região Norte são os próprios

amazonenses (47,3%), seguido dos paraenses (15,7%). Proveniente do Sudeste tem-se

principalmente cariocas (5,9%) e paulistas (3,8%). Outro dado interessante que os autores destacam

é o fato desse deslocamento ocorrer por etapas, nesse caso, quando se trata da macrorregião os

procedentes do campo são 31% e, no caso específico do Amazonas, os provenientes do campo

somam 47,2%, significando que quando se trata de regiões distantes os migrantes são de origem

urbana (MELO, 1990).

Portanto, a mobilidade foi um fator significativo na evolução da população amazônica, contribuindo

para a formação da população atual. O processo se deu acompanhado de crescimento e estagnação

da população conforme o ciclo econômico da região.

4 O CASO DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE FIGUEIREDO

Do trabalho de Silva (2005) e Oliveira (2000) tomamos alguns dados sobre a criação de Presidente

Figueiredo. O Município de Presidente Figueiredo, cuja sede recebe o mesmo nome, denominado

assim, em homenagem ao primeiro Presidente da Província do Amazonas João Batista de

Figueiredo Tenreiro Aranha. Localizado no Estado do Amazonas, é criado em 25 de fevereiro de

1982, pelo decreto no. 6.158 em obediência ao disposto 1, do art. 177, da constituição Estadual,

introduzido pela Emenda Constitucional no 12 de 10 de dezembro de 1981, que estabelece os limites

dos 71 municípios que passam a constituir o Estado do Amazonas. Em 13 de maio de 1985, o

referido decreto é declarado nulo, por inconstitucionalidade.

Através da lei no 1.707, de 23 de outubro de 1985, Presidente Figueiredo retorna à condição de

Município, com uma área de 24.781 Km2, limitando-se com os municípios de Urucará, São

Sebastião do Uatumã, Itapiranga, Rio Preto da Eva, Manaus, Novo Airão e Estado de Roraima. A

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partir de 2006, o Município faz parte da Região Metropolitana de Manaus. Situa-se ao norte da

capital amazonense (à 107 Km), sua área territorial é cortada, no sentido sul-norte, pela rodovia BR-

174 (rodovia que liga Manaus – Boa Vista – Venezuela).

Figura 01: Localização Geográfica de Presidente Figueiredo/AM. Org. Profo Dr Pinheiro, Eduardo Pinheiro, 2009.

Considerando o período em que surge o Município, é interessante o inserirmos no contexto

nacional. O Governo, a partir de meados do século XX, investe em políticas públicas para o

povoamento da Amazônia, como se essa região fosse um grande “vazio demográfico”. O lema do

governo era “Terra sem homens da Amazônia para homens sem terra do Nordeste”. Assim emerge

um intenso processo migratório. O deslocamento ocorre em toda a parte do país, em busca de

melhores condições de vida, e, principalmente em busca de um pedaço de terra, para a

sobrevivência de pequenos produtores, que não medem esforços pela garantia de um futuro melhor,

e a realização de um sonho, de serem proprietários de um pedaço de terra.

Page 11: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

O Município de Presidente Figueiredo se sobressai em meio à implementação de Grandes Projetos,

como: construção da BR-174 na década de 1970, das Vilas de Pitinga (Mineração Taboca, com a

exploração do estanho) e de Balbina (construção da Usina Hidrelétrica de Balbina) na década de

1980. Ainda nesta última década, foi criado o Projeto de Assentamento Dirigido Uatumã, e,

posteriormente um grande projeto agroindustrial para a produção de álcool e aguardente, que

atualmente também produz guaraná, trata-se da Agropecuária Jayoro. A realização desses projetos

contribui para a atração de um fluxo migratório, formado por pequenos agricultores que ocupam as

margem da BR – 174 e a estrada de Balbina (OLIVEIRA, 2000).

No Censo de 1980, a área que hoje faz parte desse município tinha uma população de 1.476

habitantes; Em 1991, 7.089 habitantes. Em 2000 haviam 20.000 habitantes. Conforme Oliveira, até

a década de 1990 mais da metade da população desse município era constituída de migrante,

principalmente nordestinos, de acordo com os dados fornecidos pela Junta de Alistamento Militar

de presidente Figueiredo, 1990/1991, mesmo sendo os dados restritos a determinada faixa etária e

ao gênero masculino. Assim, percebemos que devido ser um município recente parte de sua

população é proveniente de outros Estados, principalmente do Pará, de alguns estados do nordeste,

com destaque para os maranhenses e cearenses.

Em 1992 foram implantados quatro projetos de assentamentos do Governo Federal: Uatumã, Rio

Pardo, Canoas e Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Morena (PDS), tendo assentado 1.125

famílias de modo geral. Como nosso foco está para o Assentamento Canoas, é a ele que nos

voltamos nesse momento.

5 METODOLOGIA

Essa pesquisa ocorreu a partir de revisão bibliográfica, observação direta e realização de entrevistas

semi-estruturadas na área de estudo, além do levantamento de dados no Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Trata-se de um estudo de caso, tendo como referência os

migrantes do Assentamento Canoas, oriundos de outros Estados da Federação, exceto Região Norte.

Sendo migrante, a pessoa que vive num lugar diferente do que nasceu (OLIVEIRA, 2000).

Na elaboração do mapa que demonstra a origem e o destino atual dos migrantes, utilizamos os

dados coletados por Souza em 2007, e a base cartográfica do mapa do Brasil. Os dados foram

processados visualmente com o auxílio de alguns programas, como: Philcarto, Adobe Ilustrator e

excel.

Page 12: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

Os resultados apresentados nas tabelas e gráficos foram obtidos em prática de campo. Nessa prática

foram feitas dez entrevistas, com moradores que têm entre oito e catorze anos de assentamento.

Entre os colaboradores haviam três mulheres e sete homens. Dos depoimentos analisamos as

seguintes informações: a origem, tentando perceber sua relação com a agricultura; os lugares de

seus trajetos, investigando a manifestação de uma migração por etapa; motivos de saída do lugar de

origem, assim como, o porquê da escolha do Assentamento Canoas, seus desafios e perspectivas

com relação ao lugar.

Partimos assim, de três questões, tendo como base: o lugar de origem, os lugares de seus trajetos, e

o lugar atual. Não interferimos na maneira como os mesmos narraram suas experiências, por

considerá-los sujeitos autônomos e os principais interessados na questão, o que ficou evidente no

momento das entrevistas. Nesses termos tomamos a história oral como procedimento metodológico

para a realização desta pesquisa por valorizar as versões individuais das pessoas sobre os

fenômenos. “Afirma-se pois que cada depoimento para a história oral tem peso autônomo, ainda

que se explique cultural e socialmente” (MEIHY, 2005).

6 O ASSENTAMENTO CANOAS

6.1 Características Gerais

Criado através do Processo INCRA-SR (15) AM – no 1317 de 1989 e sob o Ato de Criação,

Resolução no 193 de 02 de setembro de 1992, o Projeto de Assentamento Canoas possui uma área

de 23.850,000 hectares e capacidade de assentar 285 famílias, está localizado no Km 139 da BR –

174, distanciando-se 32 KM da zona urbana do município. O acesso ao Assentamento é realizado

via ramal do Canoas, iniciando no quilômetro três até o dezoito do mesmo ramal, podendo também

ser acessado pelo KM – 126 da BR – 174 pelo ramal Urubui II (ver localização geográfica do

Assentamento na figura 01).

Na área que hoje pertence ao assentamento, já haviam muitas famílias de agricultores, cujo

objetivo do INCRA era manter essas famílias e conquistar outras, proporcionando melhor nível de

renda (SILVA, 2005). Atualmente o PA possui um número oficial de 271 famílias assentadas,

distribuídas pelas vicinais ou ramais do Canoas, Tracauá, Novo Progresso, Urubuí I e Urubuí II.

Cada família recebeu um lote de 250X2000 ha. E um apoio inicial, correspondendo aos

Créditos:Fomento (para a compra de Alimentação e ferramentas) e Habitação. Mais recentemente

Page 13: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

saiu o material para a reforma da casa. Atualmente os moradores também são beneficiados pelo

Programa Luz para Todos, apesar de que a rede de energia elétrica ainda não alcançou todos os

ramais.

6.2 O espaço geográfico do Canoas

Diferentemente do que ocorre com outros lugares da Amazônia, o Canoas não possui relações

econômicas, territoriais e culturais com os grandes rios amazônicos, mas possui com a floresta e

com a BR. Na vila não chegamos pela rede fluvial, mas pela rodovia, adentrando o ramal do Canoas

– Km - 139 da BR – 174. No ramal, com seu relevo acidentado, subimos e descemos ladeiras, a

estrada é de chão batido, sem asfalto. Após 7 km de ramal, partindo da BR 174, avistamos a

“Associação Comunitária Santa Terezinha” ou “Vila do Canoas”, como é popularmente conhecida.

Na Vila não tem nem rua primeira, nem segunda, rua da frente ou de trás. Adentramo-la pela rua

que dá continuidade ao ramal, essa é a rua principal, não que ela tenha esse nome, na verdade ela

não tem nome, desta surgem outras ruas. Aparentemente os tipos de moradias não revelam

disparidades sociais entre si, o que não significa que todos sejam pobres, carecendo de uma análise

mais apurada.

Casas de alvenaria, umas poucas, a maioria é de madeira, igrejas, bares, mercearias (mercadinhos) e

movelarias se entremeiam, e, juntamente com outros elementos da paisagem como a fiação que

possibilita a chegada da energia elétrica, e, as antenas parabólicas, conduzindo o mundo para dentro

dos lares, através da televisão, os telefones públicos para receberem e darem notícias de outros

lugares, a falta de movimento e a monotonia que reveste o lugar, considerando que a paisagem não

é apenas o aparente, é “o resultado das determinações das políticas do estado, das relações sociais

de produção e, mais que isso, como depositária de vida, sentimentos e emoções traduzidas no

cotidiano das pessoas” (OLIVEIRA & SCHOR, 2008, p. 19). Assim é a Vila do Canoas.

Ao nos afastarmos da vila em direção aos lotes, a marca mais significativa da paisagem é a

vegetação, caracterizada pela floresta e por algumas áreas de pastagens, além das palmeiras de côco

cultivados pelos agricultores, e outras que são nativas, como: os buritizais e açaizeiros. Atividades

de plasticultura e psicultura, e até mesmo floricultura. A produção de côco e cupuaçu é a que

predomina. Entretanto, há também o cultivo da banana, macaxeira, pupunha, e, alguns falam até

mesmo em feijão, arroz e milho, esses somente para a subsistência.

As moradias se distanciam, mas em alguns trechos nos deparamos com algumas comunidades,

como é o caso da Comunidade Bom Jesus, no ramal Novo Progresso. Escolas municipais de ensino

Page 14: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

fundamental, Igrejas evangélicas e algumas mercearias se manifestam ao longo do percurso. Outra

característica é a presença dos madeireiros que se territorializam, evidenciando sua ação na região

do Assentamento. A esse respeito alguns assentados advertem que daqui mais alguns anos, se

providências não forem tomadas, não haverá mais agricultores e sim madeireiros.

As estradas que dão acesso aos lotes, em alguns ramais demonstram a dificuldade que alguns

agricultores têm de escoarem seus produtos, principalmente, no Ramal do Urubui I, o que se deve

não somente à falta de pavimentação, mas também às características naturais do relevo acidentado.

As condições se agravam em dias chuvosos, quando fica praticamente intrafegável.

Vale ressaltar que em decorrência da baixa fertilidade natural dos solos, para que os cultivos sejam

bem sucedidos é necessário que haja a aplicação de corretivos e fertilizantes na plantação. A esse

respeito, os assentados, em sua maioria argumentam a falta de assistência técnica, como:

mecanização e adubação do solo. Portanto, vivem no campo, mas nem todos vivem da renda

proveniente da terra. Muitos têm uma renda extra, podendo ser funcionário público (nesse caso não

têm acesso aos benefícios do INCRA), pequeno comerciante, serrador e até mesmo pedreiro.

Entretanto, que o lugar é muito bom, pois há mercado para tudo que se produz ou se extrai da

floresta como a castanha, açaí e tucumã, por exemplo.

6.3 Sobre a População

Da população total do Assentamento, 50% são oriundos de municípios do próprio Estado do

Amazonas. Os outros 50% são provenientes de outros Estados da Federação. Destacando-se os

Estados do Pará, Maranhão, Ceará e Acre (SILVA, 2005; SOUZA, 2007). No mapa apresentado na

página seguinte, elaborado com base nos dados de Souza, demonstramos a origem e o destino atual

dessa população. O que não significa que realizaram seu trajeto diretamente para o assentamento.

Como pode ser observado na tabela.

Migrante Origem Trajeto Destino Atual

1o M G PR, MS, PA, AM.

2o PI MA, GO, PA, AM (Manaus)

3o PI AM (Pitinga), PI, DF, PI, AM (Iranduba e

Manaus)

4o MA MA, PA (Projeto Jari), AM

5o MA AM (Manaus e BR-174)

ASSENTAMENTO CANOAS -

PRESIDENTE FIGUEIREDO/AM

Page 15: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

6o MA GO, PA, AM (Manaus)

7o BA SP, BA, PA, AM (Manaus)

8o SP AM (Manaus), RR, AM

9o CE PA, AM (Manaus), RR, AM (Manaus)

10o PR RO, PR, RO, AM, RR, AM (Manaus)

ASSENTAMENTO

CANOAS – PRES.

FIGUEIREDO/AM

Tabela 01: Trajeto dos migrantes do Assentamento Canoas que participaram da pesquisa. Fonte: Prática de Campo, julho de 2009.

Mapa_DEFINITIVO.jpg

Figura 02: Mapa do deslocamento dos moradores do Assentamento Canoas de Acordo com o estado de Origem. Fonte: Dados obtidos por SOUZA, 2007. Org. Richarlison da Costa e Silva.

De acordo com a pesquisa, dos dez colaboradores, todos realizaram uma longa trajetória até

chegarem ao assentamento. Antes de vir para o Amazonas, 60% encontravam-se no Estado do Pará,

90% estiveram em Manaus. Do Pará vieram para Manaus, de Manaus para o Canoas. A maioria

0 360Km

Page 16: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

saiu em sua juventude de sua terra natal, os motivos: trabalho, estudo, desafeto e o sonho de ter a

propriedade da terra. Ás vezes esses motivos se fundiam. Os nordestinos geralmente falavam da

vontade de conhecer o mundo. Um morador nos disse o seguinte “ser migrante está no sangue do

nordestino”.

Figura 03: Motivos de saída do lugar de origem Fonte: Prática de Campo, Julho de 2009.

Dos 27% que migraram em busca de um pedaço de terra, 9% foi para Rondônia e 18% para o

Estado do Pará, no período da construção da transamazônica. Devido o avanço do capital “(...) o

camponês brasileiro é desenraizado, é migrante, é intinerante. A história dos camponeses-posseiros

é uma história de perambulação” (MARTINS, 1995, P. 17). Com exceção de um, os demais

colaboradores, têm suas origens relacionadas à agricultura. Saíram de sua terra natal em busca de

melhoria de vida. Trabalharam nas fazendas (colheitas de café, algodão e arroz), nos garimpos e nos

projetos de mineração.

Raffestin fala sobre as relações de força que provocam a mobilidade, sendo muito mais importante

analisar estas, do que a natureza daquilo que a determina. O autor fala sobre os deslocamentos

populacionais como uma relação de poder, que decorre do desenvolvimento de políticas estratégicas

para aumentar o movimento ou para freá-lo (RAFFESTIN, 1993).

Outro ponto a ser apresentado, é o que trata do porquê de ser o Assentamento Canoas o destino

atual desses migrantes. Destino atual sim, pois para alguns desses moradores a migração ainda não

terminou. No canoas têm a Terra, mas há ausência de subsídios para desenvolverem suas atividades

agrícolas. Mas, para a maioria dos assentados o Canoas é o melhor lugar, dentre os lugares de seus

trajetos.

Page 17: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

Muitos moradores chegaram até o assentamento através de “conhecidos” que tinham a informação

da distribuição de terras no município de Presidente Figueiredo, entravam em contacto com o

INCRA, tomavam as devidas providências e partiam para o lote. Dos entrevistados, apenas 20%

disse ser a opção de morar no Canoas, a busca pela tranqüilidade, entretanto 80% admitiu ser a

realização de um antigo sonho, ser proprietário de um pedaço de terra. Vale ressaltar que 20% dos

participantes da pesquisa não são assentados, compraram o benefício dos primeiros assentados, que

por motivo “desconhecido” não permaneceram no assentamento.

Figura 04: Motivos da migração para o Assentamento. Fonte: Prática de campo, julho de 2009.

Com exceção de uma família, todas as outras antes de se dirigirem para o Assentamento, viviam em

Manaus. O que significa dizer que anteriormente houvera um processo de migração rural-urbano e,

depois, urbano-rural. O retorno às origens, mesmo que em um lugar cujas características

específicas, relacionadas ao clima, solo, vegetação e até mesmo a própria cultura se diferenciam das

regiões de origem dessa população, no entanto, o lugar não parece ser estranho, mas a possibilidade

da construção de novas experiências.

Nesse sentido pode-se afirmar que se trata de uma migração por etapas. Há dois momentos nesse

processo. O primeiro refere-se à relação da migração com o processo de produção espacial, que

ocorre a partir do “desenraizamento”, e da criação de novas raízes, através do qual a produção do

espaço torna-se difusa pela falta de identificação do migrante com o espaço produzido que tem a

marca do esquecimento coletivo. O segundo refere-se à perda e aquisição de novas referências na

migração por etapas (OLIVEIRA, 2000), contribuindo para a emergência de novas territotialidades.

Entendendo territorialidade como a manifestação da relações sociais (RAFFESTIN, 1993) ou

culturais (BONNEMAISON, 2002).

Page 18: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

7 CONSIDERAÇÕES

A questão que envolve a discussão sobre o contexto agrário brasileiro, ao mesmo tempo que nos

causa tristeza e revolta, é de grande importância para podermos compreender a geografia agrária de

nosso país. Primeiro as Sesmarias, seguido da Lei de Terras de 1850 e aproximadamente um século

mais tarde o Estatuto da Terra (1964). O que se tem a destacar é a prioridade que se dá à grande

propriedade, o que é perfeitamente compreensível, quando se sabe da existência da bancada

ruralista até os dias de hoje no Congresso Nacional.

Quando o governo militar investe em políticas para “povoar a Amazônia”, ele está pensando nos

povos que aqui já viviam? E, quando se refere aos nordestinos como “homens sem terra”, está

pensando no camponês, ou apenas nos latifundiários nordestinos? Quando madeireiros ou

companhias de mineração, construção de hidrelétricas, abertura de rodovias invadem terras

indígenas e estes reagem qual é a posição do Estado a esse respeito? Para Hébette ele sempre se

constitui como o representante e o defensor do instituto da propriedade privada.

Contudo, diante de todo este cenário percebemos nas entrevistas realizadas, mesmo sem subsídios

para se tornarem pequenos produtores, e viverem da renda da terra, afirmam ser o Canoas um sonho

realizado, lugar de oportunidades. Entretanto ressaltam a ausência do Governo Federal, cuja

presença se limita, além do “Luz para Todos”, aos créditos referentes ao fomento, alimentação,

habitação e mais recentemente a reforma da casa.

Consideramos que mesmo, cada um, tendo motivos que os levaram a se deslocarem de seu lugar de

origem, comungamos com Rafesttin que as relações de força que os impulsionam a migrar é bem

maior do que a natureza dos motivos. De acordo com os resultados obtidos, ficou evidente a ação

do Estado sobre esses migrantes, camponeses ou não.

Portanto, mesmo diante dos desafios enfrentados por esses migrantes em toda sua trajetória, e até

mesmo a ausência de polítcas públicas adequadas, para o desenvolvimento das atividades primárias.

Na tentativa de possibilitar as atividades agrícolas, colaborando para a obtenção da propriedade e

uso da terra. Pois se assim o fosse, não haveria necessidade desses agricultores migrarem de

atividades relacionadas à agricultura para outras, como ser funcionário público, por exemplo. O que

os impede de ser beneficiados pelos programas de créditos. Entretanto, com todas as dificuldades

existentes, o Canoas é o lugar, onde esses moradores pretendem continuar. Nele possuem suas

Page 19: a questão agrária e migrações na amazônia brasileira

terras, se a possibilidade de produzirem para o mercado é mínima. Eles buscam alternativas, e as

encontra, o que faz a diferença.

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