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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
CURSO DE HISTÓRIA
A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL, 1888 – 1950
César Luiz Ferreira
APARECIDA DE GOIÂNIA 2010
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CÉSAR LUIZ FERREIRA
A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL, 1888 – 1950
Monografia apresentada ao ISE - Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser sob a orientação da Professora Me. Fernanda Laura Costa como parte dos requisitos para conclusão do curso de História.
APARECIDA DE GOIÂNIA 2010
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10
CAPITULO I ............................................................................................................................ 14
A PRESENÇA DO AFRICANO NA SOCIEDADE BRASILEIRA: ESCRAVIDÃO,
ABOLIÇÃO E IMAGEM. ....................................................................................................... 14
1.1As leis libertárias conservam a escravidão .................................................................. 16
1.2 O “pós-abolição” e a manutenção da inferioridade do negro ................................... 19
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 23
A INSERÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSE, PRECONCEITO E
RACISMO. .............................................................................................................................. 23
2.1 Gilberto Freyre e a “democracia racial”. ...................................................................... 24
2.2 Martiniano José Silva e o racismo à brasileira. .......................................................... 30
2.3 Florestan Fernandes e a integração do negro na sociedade de classes. ............. 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: .................................................................................. 45
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INTRODUÇÃO
“O ser humano foi criado do pó das estrelas” 1. Quando analisamos essa
afirmação poética e “olhando” para o seio da sociedade brasileira as variantes de
raças, cor, credo, valores etc. identificados em cada ente humano, seja idêntico ou
não, deparamos com o negro – afrodescente -, que com sua participação compôs a
sociedade miscigenada brasileira. Porém dela foi alijado, rejeitado desde sua
chegada, porque veio como escravo, tido na época histórica como “objeto” de
compra e venda, o resgate de sua descendência e a aculturação foram construídos,
a custa de preconceitos, que ainda persistem no meio sociocultural de nossa
sociedade. Entender os valores que cada raça, o que ela proporcionou e
proporciona é o que nos dá a certeza de que o homem descende de uma única fonte
genealógica, furtar-se disso é renegar nossas raízes históricas e evolutivas.
Nesse contexto histórico da criação e evolução humana se encontra o homem
negro que veio para o Brasil para ser escravo, uma mão de obra locada na África,
um negócio rentável; o comércio escravista propiciava bons lucros tanto a coroa
portuguesa quanto aos comerciantes. A escravidão era um meio comercial, mão de
obra para as fazendas e o negro um ser inferiorizado diante da Europa e dos
colonizadores americanos.
A construção histórica do negro baseia-se em processos que levaram mais de
três séculos. Foi sustentado pela dinâmica comercial, produtiva, formação e
manutenção das colônias. Diante desses processos ele se manteve como força de
trabalho, como “objeto” de negócio até alcançar a liberdade. O negro ao ser
alforriado, a liberdade tão almejada não lhe deu o direito de integrar ao meio social.
As dificuldades encontradas foram de difíceis superações, quiçá, ainda hoje se
observe a existência de preconceito e racismo.
O negro sofreu influência, assim que liberto, do imigrante recém-chegado
para substituição do trabalho escravo. Criando assim dentro da sociedade brasileira
antagonismo, que só minaram a integração do negro na sociedade de classes. O
liberto ao observar o imigrante em relação ao homem branco brasileiro no que se
refere às condições materiais de trabalho, sentiu, no seu mais profundo íntimo, o
1 Do livro: SOUZA, Hebe Laghi de. Do Pó das Estrelas ao Homem. 1 ed. São Paulo: CEAK, 2009.
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direito de participar das mesmas oportunidades de ambos, já que a formação da
nação brasileira teve como forte influência o homem negro.
Mas a segregação social, a busca pelo branqueamento de raça, a “vergonha”
intrínseca do homem branco não pôde aceitar, ou seja, rejeitou a miscigenação, a
força do sangue, a cultura e os dogmas africanos latentes no meio negro. Portanto,
este trabalho consiste em demonstrar a trajetória do negro e sua inserção na
sociedade brasileira, os elementos elencados, tais como depoimentos, registros e
estudos contidos na obras referenciadas, durante análises dos períodos históricos
os quais foram relevantes para entender como ele foi inserido na sociedade
formativa brasileira, desde final do II Império até meados de 1950. A construção de
sua libertação e os métodos empregados pela classe dominante para que isso
ocorresse. A análise histórica parte do princípio de que a artimanha política foi eficaz
para manter o negro distante das terras e dos meios para adquiri-las.
A liberdade não deu ao homem negro o direito e meios para se ajustar na
sociedade. Faltaram leis para que isso ocorresse. Sua integração não foi menos
traumática que sua vida de escravo, o preconceito de cor, raça, cultura,
permaneceram, e consequentemente, criou-se uma aversão ainda mais latente, pois
ele passa a dividir e concorrer com o branco pelo trabalho. Florestan Fernandes em
a Integração do Negro na Sociedade de Classes traz à tona a discussão da
democracia, do direito e das dificuldades de ascensão social do negro, o racismo e a
aversão de ambos, ou seja, do branco com o negro e do negro com o branco.
A integração do negro e sua aceitabilidade foram e ainda está permeado por
preconceitos, Martiniano Silva em sua obra Racismo à Brasileira - Raízes Históricas
busca relacionar os vários momentos e personagens que se furtaram ou que
influíram nesse processo de aceitação e rejeição do negro no meio social. Busca-se
fazer um paralelo entre esses autores e enfatizar o racismo e sua influência na
formação social brasileira. As dificuldades de aceitação do negro no meio social, as
causas do racismo e suas principais causas, a ideologia do branqueamento de raça,
a construção negativa da imagem do negro e suas nuances, a discussão sobre a
democracia racial, criada por Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande & Senzala.
Esses foram os principais problemas que procuramos levantar e responder
buscando diálogos com os autores citados entre outros: Fernandes (2008), Freyre
(2006), Matoso (1998), Skidmore (1989) e (2003), Santos (2002) e Silva (1995) os
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quais deram suporte ao nosso trabalho. O objetivo do trabalho foi discutir o
mecanismo social pelo o qual o negro foi submetido e a sua integração na sociedade
brasileira, analisando as consequências da falta de preparo, adequação e de política
social adotada pelo Estado para essa inserção e as causas desse despreparo, o
racismo e o preconceito contido nessa relação.
O método histórico deu suporte a essa monografia em que abordamos a
temática da integração do negro na sociedade de classe e o racismo à brasileira,
enfatizando os elementos historiográficos socioculturais, políticos e econômicos. Os
objetivos específicos que nortearam nos estudos foram:
Demonstrar como o racismo e o preconceito estavam presentes nas relações
de classes e na inserção do negro na sociedade;
Entender a rejeição do branco e sua inserção na sociedade de classe;
Perceber o preconceito do negro em relação ao branco e do branco em
relação ao negro na associação das raças;
Relacionar o branqueamento de raça sugerido pelo Estado como um dos
fatores prejudiciais à integração do negro no meio social brasileiro;
Demonstrar como Florestan Fernandes aborda a questão racial no Brasil e
quais os elementos que se pautam para isso.
O período histórico determinado para nossos estudos foram estabelecido
levando-se em consideração a abolição dos escravos em 1888, como sendo o
“inicio” político da liberdade do negro, em conseqüência deveria ter ocorrido sua
integração a sociedade brasileira. O ano de 1950 foi relevante por estabelecer novos
estudos e pesquisas sobre a acessão e integração do negro na sociedade de classe,
contestando a ideologia da democracia racial brasileira.
Este trabalho foi dividido em duas partes na qual a primeira procura fazer um
resgate histórico enfatizando a presença do africano na sociedade brasileira:
escravidão, abolição e da imagem do negro, trazendo vários elementos que
nortearam os caminhos que levaram o negro à segregação social e sua
interiorização diante do branco. Na segunda busca-se entender e discutir o processo
da questão racial no Brasil diante da inserção do negro na pós-abolição,
preconceitos criados e o racismo que impedem a relação de classes na sociedade
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brasileira. Dentro dessa perspectiva, esses são alguns questionamentos que se
pretende elucidar com a leitura das obras acima mencionadas e outros para que
compreenda-se o que foi essa integração, como ocorreu e os fatores relevantes dos
quais estão permeados o racismo e o preconceito.
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CAPITULO I
A PRESENÇA DO AFRICANO NA SOCIEDADE BRASILEIRA: ESCRAVIDÃO, ABOLIÇÃO E IMAGEM.
A colonização brasileira foi empreendida por doação de lotes de terras, as
sesmarias, que foi uma forma encontrada pela coroa portuguesa para colonizar e
manter a posse da nova colônia em terras americanas. Esses lotes de terras
atingiram os objetivos da coroa portuguesa, que era a captação de metais preciosos.
Porém, este não foi encontrado de imediato e as sesmarias e seus “proprietários”
foram incentivados a plantar a cana de açúcar e produzir o açúcar2 que também era
rentável no mercado europeu, pois, os portugueses detinham conhecimento
adquirido em seu manejo por experiência na produção de ilhas do atlântico.
Assim, foram montados os engenhos e seus proprietários precisaram de mão
de obra para plantio, cultivo e produção do açúcar, a qual foi locada na África
através da formação das massas escravas, tais como ocorria em outros países e
colônias da Europa e do novo continente.
O sistema forçado de trabalho, o escravo, foi o mecanismo encontrado para
colonizar, plantar e produzir e proporcionar lucros a seus donatários e a coroa
portuguesa que continuava a doação de lotes num sistema descontrolado e que
muitas vezes não atingiam os objetivos esperados. Os engenhos apesar de
produzirem, apresentavam dificuldades, pois a mão de obra escrava era “cara”, com
pouca técnica. O escravo recebia alimentação precária e poucos cuidados com a
saúde, portanto envelhecia muito rápido, apesar de sua força e adaptabilidade ao
clima. As condições de trabalho duro levavam a substituição do escravo o que
onerava os donos de engenhos que se mantinham sempre endividados.
O poder não estava na produção em si, mas na quantidade de terras que
recebiam e iam se juntando as que eram doadas pela coroa portuguesa.
Com a queda comercial do açúcar e a descoberta de minas de ouro em Minas
Gerais, outro processo econômico se inicia no Brasil3, a do ouro o qual se expande
para Goiás e Mato Grosso. A mão de obra utilizada para as terras “amarelas”, ou
2 Maior influência entre os séculos XV e XVI.
3 Maior influência entre os séculos XVII e XVIII.
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seja, do ouro, foi à escrava. Assim mais do que nunca foi preciso alocar mão de obra
na África, mais e mais navios aportavam nos portos do Brasil com um enorme
contingente de africanos para as minas.
A mão de obra mineira era cara, assim como no processo econômico
açucareiro. As terras ainda continuavam nas mãos de poucos e a instabilidade na
extração do ouro era latente. Apesar das riquezas retiradas das minas e da
produção de cana, em queda no comércio internacional, devido à concorrência com
o açúcar das Antilhas, havia necessidade de empregar e repor as “peças” escravas
perdidas por mortes ou fuga, para aumentar a produção que era cobrada pela Coroa
portuguesa.
O processo econômico aurífero foi capaz de impulsionar a economia colonial,
ou seja, produção de alimentos, tráfico de mão obra, repor a mão de obra escrava
perdida por morte, envelhecimento, fuga e ampliar a captação de ouro. A captação
de ouro também exigiu mais terras, pois a busca pelo metal amarelo avançava pelas
entranhas do Brasil, ou seja, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, mesmo assim o
sistema adotado para doação de terras era ineficiente para atender e controlar as
terras coloniais. Assim a doação através de sesmarias era o meio de manter a
presença e domínio português na colônia e retirar as divisas que sustentavam a
balança deficitária do reino de Portugal.
Com o advento do terceiro processo desenvolvido no Brasil pela coroa
portuguesa encontra-se outro meio econômico para o Brasil, a cultura do café4. Mais
uma vez a terra e a mão de obra escrava eram responsáveis pelo ciclo produtivo e a
forma de manter os domínios das terras brasileiras e a fixação do homem no Brasil.
Com a queda do processo econômico do ouro e a necessidade de mais terras
para produção de alimentos em função do renascimento do sistema agrícola o qual
foi mais um quesito na ampliação dos domínios e posse de terras no Brasil.
A mão de obra escrava predominava em todos os processos econômicos da
colônia, mesmo que para alguns apresentassem características deficitárias, como
preguiça, inferioridade do trabalho, inabilidade. (SANTOS, 2002). A partir do século
XIX a escravidão já não tinha o mesmo impulso, o desenvolvimento tecnológico
adquirido pela Inglaterra, através da industrialização, foi crucial para a interrupção do
comércio de escravos no mundo, e principalmente, no Brasil, o último país a manter
4 Maior influência entre os séculos XIX e XX.
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esse tipo de força de trabalho. A Inglaterra, em 1830, impôs diplomaticamente a
cessação do regime escravista ao Brasil. Mas o tráfico permanecia e as imposições
inglesas foram decisivas para as mudanças no comércio internacional, e para a
dependência do Brasil de equipamentos. O processo capitalista desenvolvido em
continente europeu levou o Brasil a repensar o sistema de mão de obra adotando o
assalariado.
1.1As leis libertárias conservam a escravidão
A terra era a base da produção econômica e responsável pela expansão
territorial do Brasil. No entanto, essa condição gerava uma necessidade cada vez
maior de mão de obra, que era dificultada pelas imposições internacionais. O ciclo
cafeeiro também dependia desde o plantio, colheita, ensacamento e transporte da
mão de obra negreira.
O café substitui o açúcar na economia brasileira e a elite dominante precisava
resolver duas questões que surgira com o advento do capitalismo e do presságio do
fim comercial de escravos, a legalização da propriedade, que assumia valor e era
mais que ter poder e a necessidade de locação de novo sistema de mão de obra.
As terras do Brasil foram doadas e desde 1823 havia sido feito uma tentativa
de regularizar as doações e controlar a distribuição de terras, apesar das tentativas
não obterem êxito.
A lei de terras de 1850 foi um processo longo o qual chocava interesses do
Estado e dos políticos. Até, então, não fora possível estabelecer um mecanismo de
controle legal e eficiente na distribuição das terras e como regularizá-las. Todos
esbarravam em entraves políticos. A terra passa a ser um bem comercial e adquire
valor, a ela se incorpora a economia comercial, alterando a relação entre o
proprietário e o bem imóvel.
A lei de terras viria para tentar resolver os problemas da propriedade
considerando a debilidade do processo de distribuição de terras através das
sesmarias. Esse processo não tinha uma ordenação política coerente que
qualificasse quem era proprietário, mostrando-se ineficaz. Com a lei de terras a
propriedade ganha nova perspectiva, transformando em valiosa mercadoria, capaz
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de gerar lucros e de produção de outros bens. Em relação à mão de obra o que
suscitava era do imigrante em detrimento da escrava, a qual ficara escassa desde
1830 com a proibição do tráfico.
Outro fator importante refere-se a elite agrária que não estava disposta a
concorrer com potencias produtores que porventura viessem como imigrantes, a Lei
de terras era um meio de evitar a concorrência por parte dos imigrantes,
assegurando o direito de quem a possuía e estabelecendo um melhor controle por
parte do Estado sobre as terras. A Lei primava por algo que viria descortinar um
processo de submissão e afronte à raça que possibilitou a colonização e
povoamento do Brasil. A Lei de 1850 era uma forma de deixar isso bem evidente.
Também esperava uma melhoria das técnicas com fim da escravidão na América.
É certo que a substituição do trabalho escravo pelo assalariado, os
movimentos pela legalização da terra, o estabelecimento dos direitos a ela, a
inserção de mão de obra assalariada e estrangeira “mexeu” com os produtores de
café, estes por sua vez pressionavam o governo para evitar a concorrência com os
estrangeiros.
Desejava-se que eles viessem como força de trabalho e não como
concorrentes, assim a valorização e o estabelecimento dos direitos à terra,
impediriam tal concorrência e dificultaria a aquisição de terras pelo mesmo.
A lei de terras em tese regularizaria a aquisição e venda das terras, além das
posses, dos tributos e o estabelecimento de controle por parte do Estado sobre as
terras devolutas, entre outros. No Artigo 15 da Lei terras de 1850, fica caracterizado
proteção a quem tinha terras e de como possuí-las com garantia do governo:
Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o titulo de sua acquisição, terão preferencia na compra das terras devolutas que lhes forem contiguas, comtanto que mostrem pelo estado da sua lavoura ou criação, que tem os meios necessarios para aproveital-as (sic). (BRASIL, Lei no 601, de 18 de setembro de 1850).
A lei de terras beneficiou enormemente os produtores do sudeste do país, a
valorização da terra, o impedimento de aquisição por parte do imigrante, a produção
em ascensão do café garantiram a proteção de seus direitos sobre elas, afastando
de vez a concorrência que poderia surgir com a inserção de imigrantes no Brasil.
Mas observa-se que além desses elementos levantados e que certamente
são relevantes para o processo histórico do Brasil, a Lei de terras 601/1850, em
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seus artigos garantem os direitos da classe dominante e nas entrelinhas de seus
artigos fica explícito uma preparação para afastar qualquer reivindicação por parte
dos negros, que em maio de 1888, seriam libertos. A elite dominante previa que a
abolição estava próxima, mecanismos de liberdade estavam latentes nas mentes
dos abolicionistas, a mão de obra escrava se tornou escassa, não proporcionava os
lucros que o momento histórico representava com o advento do capitalismo, da
concorrência e dos lucros.
O elemento negro representava uma ameaça, proporcionalmente era um
contingente maior que o elemento branco. Sua inserção na sociedade era uma
incógnita, não havia uma política adequada que resguardasse o direito do negro,
aliás, ele não tinha direito, as leis que surgiram para liberalidade do negro, como a
do Sexagenário e do Ventre livre estavam recheadas de regras que garantiam o
direito de seus donos.
A liberdade era conseguida a custa de muitas dificuldades, pois o senhor de
escravo em muitos casos negava-se a ceder a alforria mesmo com o pagamento.
A lei do sexagenário foi mais um mecanismo de manobra para assegurar a
falsa libertação de escravos pelos seus senhores. Percebe-se pela lei, editada em
1885, que apesar de dar a liberdade aos escravos acima de 65 anos, uma idade que
a força de trabalho já não era tão produtiva, e mesmo assim levou um ano para ser
aprovada. Havia uma grande concentração deles nas lavouras cafeeiras, dando a
entender as dificuldades para aprovação dessa Lei.
A Lei do Ventre livre não garantia a liberdade aos nascidos de mães
escravas, havia um limite de idade, ou seja, só seriam libertados quando atingissem
21 anos de idade. Durante esse período o mesmo ficaria sob a tutela de seus
senhores que utilizava seus serviços.
Nenhuma dessas leis preocupava-se com a inserção do negro na sociedade,
não garantia um meio de vida e nem uma forma coerente de sobrevivência além das
senzalas de seus senhores. Havia a garantia de ressarcimento pelo Estado ao
senhor de escravo, pelo escravo: “O proprietário poderia fazer a opção de receber
uma indenização de seiscentos mil réis por criança (em títulos do governo com
rendimento de 6%), ou, utilizar os serviços do menor até que este completasse 21
anos” (ZERO, 2003, p.23).
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Todas as medidas políticas adotadas no final do Segundo Império, tais como
a Lei de Terras de 1850, a lei do sexagenário, a lei do ventre livre, foram para
impedir que os menos providos e, principalmente, os escravos tivessem acesso as
terras. Essas medidas não são de se estranhar, tendo em vista que a elite
dominante era exclusivamente agrária e detinham os domínios das terras, e uma
participação política com representação.
1.2 O “pós-abolição” e a manutenção da inferioridade do negro
Com a República esse quadro político e social do negro não alterou muito,
pois os republicanos vinham da elite escravagista e permanecia a ideia em manter o
negro bem “longe” das terras. Não havia vontade política e muito menos social em
favorecer a inserção do homem negro na sociedade, o qual já estava estigmatizado
pelo pensamento racista.
Esse pensamento surgiu por volta do século XVII, assim como foi criado toda
uma metodologia para se avaliar as diferenças entre brancos e negros.
As teorias racistas também influenciaram a elaboração de leis na Primeira
República, impossibilitando o negro de reagir diante das manobras políticas e sociais
criadas para mantê-los na condição de ser inferior.
Junto com as teorias racistas surgiram o conceito de monogenista e
poligenistas. Os primeiros baseavam suas argumentações na diferença entre negros
e brancos, no clima, na geografia, na cultura para explicar as diferenças existentes
entre os homens. Os segundos tinham outra argumentação que essas diferenças
estavam ligadas a origem, cada ser provinha de um elemento diferente. Esses dois
grupos juntos dividiam-se em evolucionistas e racistas, incitavam pensamentos que
o destino dos povos estava determinado pelas “raças”. A perfectibilidade das raças
estava projetada e associada a povos perfeitos e não imperfeitos, ocorrendo uma
desigualdade social entre ambas. A desigualdade estava associada à diversidade
das raças e suas diferenças e o tipo de sociedade que cada uma pertencia.
(SANTOS, 2002).
Na avaliação que se fazia entre os europeus e africanos percebia uma grande
diferença entre ambas, assim formou-se o conceito que o negro era inferior, tanto
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biológica como intelectualmente. Preocupavam-se em medir as diferenças cranianas
e analisavam os modos alimentares entre outros elementos e ainda as questões de
ordem religiosas, que insinuavam que o negro era descendente de Caim, portanto
deveria sofrer as mazelas dessa condição.
Essa teoria dominava a Europa e desembocava nas Américas, reafirmando e
justificando a escravidão. Se o negro era inferior nada mais coerente que torná-lo
escravo.
O negro também foi considerado como geneticamente uma raça inferior
devido aos estudos da época insinuar que ele provinha de uma degeneração do ser
branco e em outros que estariam em processo evolutivo e que este processo de
aperfeiçoamento levaria séculos. Para Santos (2002, p. 55) “O ser negro é
investigado, especulado, demonstrando que constituía um fenômeno diferente. Quer
por obra da natureza, quer por obra divina, havia se produzido um ser que merecia
explicação, um ser anormal”, assim buscava-se explicar o ser negro.
Não foi possível desarraigar este estigma logo após a abolição da escravidão,
pois a rejeição e aversão ao negro estavam latentes nas famílias, na cultura e na
sociedade em formação no Brasil. Criou-se o estereótipo de que esse ser era
incapaz de superar-se e atingir o mesmo grau evolutivo do branco.
As justificativas do que era ser negro pautavam-se numa inferioridade natural,
na falta de meios de conseguir explicar os porquês de sua cor e de suas diferenças
culturais e físicas. A África foi estigmatizada como uma “[...] terra de pecado e
imoralidade, gerando homens corrompidos; povos de climas tórridos como sangue
quente e paixões anormais que só sabem fornicar e beber” (SANTOS, 2002, p. 55).
Nesse contexto, o ser negro foi adquirindo um estigma, por certo todas elas
formadas por ideias e ideologias europeias forjadas. No Brasil o negro foi estudado e
caracterizado como inferior devido as suas características físicas e biológicas, por
Nina Rodrigues, em Os Africanos no Brasil, e por sua diferença deveriam ter um
tratamento jurídico diferenciado.
O fato de o negro ser o tipo inferior poderia ser comprovado biologicamente, ora pelo tamanho do crânio, ora pelo desenvolvimento de suas sociedades. Todavia, o darwinismo social introduz um elemento alheio à tipologia racial, a questão da luta natural entre as raças como motor da história. (SANTOS, 2002, p.52).
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Ainda no Brasil operam-se as desigualdades nas relações raciais na
realização do trabalho, eram considerados inábeis, de pouco desenvolvimento da
inteligência, portanto não detinham noções do que seria propriedade, família, religião
etc. O gasto com a manutenção do negro torna-se mais onerosa devido à má
qualidade de seu trabalho. Buscou através de estudos e pesquisas de sociólogos,
antropólogos e médicos, como no caso de Nina Rodrigues, uma explicação para a
inferioridade e as comparou ao branco. Isso influiu muitíssimo nos valores que se
formaram do negro, mas por certo os estudos foram biológicos, as comparações
físicas são perspectiveis, valores sociais foram agregados a estes estudos, pois se
tinham características diferentes que não poderiam se desenvolver como o branco,
ou estariam em um estágio diferente. Em consequência sua inferioridade o mantinha
na base das classes sociais formativas no Brasil republicano. (SANTOS, 2002).
A mais eloquente dessas análises foi a de Gilberto Freyre que com sua obra
Casa Grande & Senzala (2006), veio desmistificar a imagem do negro e sua
inferioridade de raça, de sua fraqueza e das relações conflituosas com os senhores
de engenho e donos de minas.
Freyre enfatiza uma relação amistosa e dinâmica, entre o negro e o branco,
em que as relações amorosas e afetivas entrelaçaram o filho do senhor de engenho
e o senhor de engenho, que não se furtaram dos contatos íntimos com as
“negrinhas”. A docilidade das amas de leite, das mucamas das casas grandes e dos
cuidados das “bás” com suas donas e a responsabilidades que elas tinham na
criação de seus rebentos, evidenciando uma relação amistosa e que aproximava o
negro e a negra da casa grande a seus senhores.
A República e seus ideais apossaram desta ideia de acercamento das
relações amistosas entre negros e brancos, para afugentar o fantasma do período
escravista pelo qual viveu o Brasil, sendo este um dos últimos países a abolir a
escravidão e se servir dela como força de trabalho. Com isso, abriu as portas para a
imigração e para o branqueamento de raças, em consequência do processo
indústrial que movia a Europa e do processo expansionista desejado pela nova
ordem política do Brasil.
As questões raciais no Brasil sofreram várias revezes e por certo não foi
apenas uma obra de Freyre (2006) que mudaria mais de três séculos de imposição e
de costumes. A relevância da obra serve para proporcionar diálogos e estabelecer
22
critérios para os estudos pertinentes aos fatos. Não existem verdades prontas e
acabadas. O que se tem são elementos de suma importância, comparando com o
tratamento dispensado ao negro nos EUA os quais servem para entender toda a
sistemática das questões raciais no Brasil e de como o negro se inseriu nessa nova
ordem social pós-abolição e os enfrentamentos com o preconceito e o racismo que
se criou desde sua entrada no Brasil colônia.
Seguramente se esta diante de fatos importantes para a formação dessa nova
ordem e dos fatores que permearam essa inclusão do negro no meio social. Nos
levantamentos realizados por Fernandes (2008), fica caracterizada a rejeição ao
negro pelo branco e vice-versa. Esses elementos foram construídos pela história
escravista e pelo estigma do negro por uma ordem estabelecida nos anais da
história. Buscamos entender esse processo de inserção e suas relações conflitantes
e os pré-julgamentos efetuados, assim como o racismo e a imposição ao negro na
ordem mais baixa na escala social.
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CAPÍTULO II
A INSERÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSE, PRECONCEITO E RACISMO.
A questão racial no Brasil tem suas raízes desde a colonização e se estende
até hoje. Vários estudos, tais como de Freyre (2006), Fernandes (2008), Silva
(1995), entre outros foram e continuam sendo feitos para entender as principais
causas e como foram gestados os elementos que fomentaram os pensamentos em
relação ao preconceito e o racismo.
A discussão sobre a questão racial toma corpo a partir do momento em que
se busca criar uma identidade nacional, formada por três componentes o negro, o
branco e o índio. Assim essa fusão das três raças levou a compreensões distintas,
tais como: Viana (1922 apud BASTOS, 2006) “[...] o valor de um grupo étnico é
aferido pela sua maior ou menor fecundidade em gerar tipos superiores, capazes de
ultrapassar pelo talento, pelo caráter ou pela energia da vontade, o escalão médio
dos homens da sua raça ou do seu tempo”.
Em Fernandes (2008), a discussão surge pela dualidade de igualdade perante
a lei e a desigualdade real, ligado a nova condição jurídica e política dos negros que
tiveram a sua inclusão na sociedade conforme as prerrogativas sociais que a
situação propiciava. (BASTOS, 2006).
A discussão sobre as questões raciais permitiriam estabelecer e definir o povo
e a criação de instituições que seriam convenientes. Houve questionamentos sobre
o aprimoramento do povo brasileiro, onde o negro e o índio estavam à margem
dessa nova idéia de nação. A fusão das raças, para alguns sociólogos e
antropólogos ainda estava em formação e que seria o melhor caminho para o
aprimoramento da raça a direcionar para a arianização, considerando que o negro
era um tipo inferior e precisava um amalgamento para “apurar” a raça.
A República foi acusada de não cumprir com seu papel educador, tendo os
políticos dessa nova ordem a função de exercer essa tutela através de instituições
que possibilitassem dar esse suporte. Criticava-se que faltavam ao Brasil debates de
questões políticas adequadas a essa formação social. (BASTOS, 2006).
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2.1 Gilberto Freyre e a “democracia racial”.
Gilberto Freyre5 (1900-1987) escritor, sociólogo e político pernambucano,
escreveu vários livros dentre eles “Casa-Grande & Senzala”: formação da família
brasileira sob o regime de economia patriarcal, publicado em 1933; “Sobrados e
Mocambos”: que analisa a decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano, publicado em 1936; “Nordeste”: aspectos da influência da cana sobre a vida
e a paisagem do nordeste do Brasil, publicado em 1937; “Ordem e Progresso”:
estuda o processo de desintegração da sociedade patriarcal e semipatriarcal no
Brasil, publicado 1959; entre outros.
Casa Grande & Senzala foi uma de suas obras mais importantes, publicada
em 1933, tornando-se um dos mais importantes trabalhos da época e ainda hoje.
Analisa a formação da sociedade brasileira, dando um novo enfoque nas discussões
sobre as relações sociais brasileira. Freyre foi o escritor brasileiro mais prestigiado e
homenageado em universidades da Europa e dos EUA.
A obra de Freyre é um marco importante na história brasileira e nas questões
raciais, por proporcionar uma desmistificação da inferioridade do negro, pois até
então no Brasil os ideais estavam centrado no branqueamento de raças e isso
marcava o contexto histórico brasileiro no sentido de isolar a “cor” negra da nação.
Para Freyre (2006) todos nós trazemos no corpo ou na alma uma sombra ou uma
pinta do indígena ou do negro.
Freyre, apesar de toda relevância de sua obra, foi criticado por “criar” uma
ideologia, à “democracia racial”, termo que não foi utilizado por ele e muito menos
faz parte de sua obra “Casa Grande & Senzala”. Sua obra deu um novo
posicionamento para os estudos da sociedade brasileira e a assimilação dos valores
étnicos que até sua publicação não ocorrera. A discussão que ela traz refere-se aos
modos de como o patriarcado dominou e sustentou a colônia, no Primeiro Império e
parte do Segundo.
Para Gilberto Freyre, uma sociedade que tem por base a família patriarcal ou tutelar, fundamentalmente, de uma organização sobre bases feudais. Nesse sentido, para ele seria um equívoco admitir-se a existência de um feudalismo brasileiro, porque uma sociedade feudal é caracterizada pela fixidez da estrutura social, enquanto é exatamente o patriarcalismo que
5 Biografia retirada do livro Casa Grande & Senzala, 51 ed. 2006.
25
permite, no Brasil, a mobilidade social, a adaptação racial e cultural e que confere um caráter conciliador aos conflitos sociais, isto é, possibilita à sociedade brasileira transformar-se sem rupturas. Se o patriarcalismo, como forma social, tem certa rigidez, permite de outro lado flutuações de conteúdo e substância. Isto porque, paralelamente a uma estrutura hierárquica inquebrantável na sua aparência, ocorre um amalgamento de raças e culturas (grifo nosso). (BASTOS, 2006, p.102)
A casa grande era o símbolo desse poder, que fora dividido posteriormente
com a urbanização e a ascensão dos comerciantes, que passaram a reivindicar
direitos e poderes junto ao rei. A descoberta de ouro enfraqueceu o domínio
patriarcal e as casas grandes passaram a fazer parte não só da elite agrária,
surgindo como ícone da urbanização e do nascimento do estado. Freyre traz novas
concepções distanciando da antiga forma de relatar a história, que eram baseadas
nos registros de guerras, revoluções e passando para uma abordagem sociológica e
antropológica da história.
Freyre também influenciou muitos historiadores e sociólogos em sua época,
um deles Roger Bastide6, que,
Empreende em 1944 a sua primeira viagem ao Nordeste brasileiro. As impressões recolhidas nessa viagem, muito influenciadas pele leitura de Freyre, ajudaram a formar a sua primeira percepção das relações sociais no Brasil. Essas impressões serão modificadas apenas em 1950, a partir do momento em que Bastide se engaja com Florestan Fernandes numa pesquisa de campo sobre “brancos e negros em São Paulo”, patrocinado pela UNESCO e Revista Anhenbi. (GUIMARÃES, 2002).
Desse encontro, Bastide desenvolve e ministra várias palestras e publica
artigos relacionados às relações sociais no Brasil, servindo, então de pretexto para
que ele explorasse a ideia universal de democracia representativa. Publica também
três artigos sobre seu encontro com Freyre e nele “Bastide reflete sobre a ordem
social própria à democracia brasileira, ordem que seria baseada na ausência de
distinções rígidas entre brancos e negros. É nesse contexto que aparece, pela
primeira vez, a expressão “democracia racial” (GUIMARÃES, 2002, p.143). A
expressão não foi cunhada por Freyre. A relações “amistosas” descritas em sua obra
somente tem o sentido de promover uma nova perspectiva sobre o negro, o modo
6 Sociólogo e professor Francês que integrou a fundação da Universidade de São Paulo – USP, assumindo a
cátedra da Faculdade de Filosofia, interessou-se pela religião afro-brasileira, escreveu vários livros e por quase
20 anos lecionou no Brasil. Formou juntamente com Florestan Fernandes, estudou sobre as relações sociais do
negro na cidade de São Paulo em 1950.
26
de colonização, a “política patriarcal” e as mudanças que ocorreram com o advento
da República e a influência do arianismo promovido na Europa dos regimes
fascistas.
A obra de Freyre permitiu analisar e promover um diálogo entre os autores
trabalhados e a forma de como estes pensavam sobre ela, tais como Silva (1995) e
Fernandes (2008), entre outros e as criticas que lhe foram impostas.
Segundo Grin (2008, p.59), “Freyre produz uma obra balsâmica, pois
transforma a miscigenação em fundamento antológico”. Para Grin, a intenção de
Freyre era atenuar ou aparar as arestas criadas nas relações entre negros e brancos
no Brasil e compreendessem a si mesmo e o contexto social que unia as duas
raças.
A relevância da obra de Freyre (2006) influenciou sensivelmente os anos
trinta e a forma de olhar o negro na sociedade brasileira. Entretanto o caráter da
obra de Freyre não foi suficiente para mudar, para “inserir” o negro na sociedade de
classe e nem romper com o estigma da inferioridade de raça, nem tão pouco
atenuou as lembranças escravistas e o racismo mentalizado pela sociedade
brasileira.
Apesar de amenizar as relações entre negro e branco no seio social e
distingui-lo do que se passara no EUA, amenizando de certa maneira a “violência”
da escravidão com o intercurso racial, baseado na mistura de raças e suas
diferenças. O que difere, no entanto a obra em questão é a introdução de um novo
pensamento e do afastamento das ideias que até então gestavam nas mentes de
intelectuais. O certo que Freyre foi capaz de introduzir o pensamento e enaltecê-lo
como elemento importante na formação do Brasil. Segundo Sodré (1998, p.67, grifo
nosso) “Na mistura que se processou o tempo todo, a oferta do escravo (o negro) foi
profunda, e se integrou na alma brasileira”.
Não é de se negar a importância do antropólogo Gilberto Freyre, mas com
esse pensamento foi implantado a “democracia racial”, a relação do negro com o
branco tomou outra forma, foi instituído a “igualdade das raças”, igualdade que
atenuou a escravidão, a submissão social e psicológica que foi imposta ao negro
durante quase trezentos anos.
Nesse contexto e nas divergências sociais que suplantaram o negro ao direito
à participação social, sendo ele um homem livre da escravidão, porém escravo da
27
liberdade. Os meandros do republicanismo souberam apropriar-se desses novos
elementos trazidos à tona pela igualdade de raças, ou seja, que o Brasil, era um
país democrático, seu povo sabia portar-se bem diante das diferenças raciais, dos
direitos humanos e soube instituir uma nação com bases nessas diferenças. Por
mais eloquente que isso possa parecer o modelo de democracia, tanto política como
a racial, implantada desde a publicação de “Casa Grande & Senzala”, não deram ao
negro a oportunidade de integrar-se à sociedade e portar-se como cidadão
brasileiro. (SILVA, 1995).
Nessa perspectiva, segundo Silva (1995, p.159), “[...] Gilberto Freyre deu o
assunto um aspecto de ordem cultural, não admitindo a inferioridade racial, desde
logo não transparecendo ter tratado o negro como um ser inferior [...]”, por mais
nobilitante que sejam as palavras expressadas por Freyre e ainda que conciliantes
não extinguiram a aversão que existia entre negros e brancos. Essa aversão levou a
um racismo individual, camuflando o histórico social brasileiro.
De um momento a outro o negro se vê integrado e fazendo parte desse meio
social. Mas no decorrer das análises fica evidenciado como o racismo está integrado
nas relações sociais. O negro é desmerecido, seu trabalho não tem o mesmo valor
que o executado pelo branco, o tratamento dispensado ao negro, em qualquer que
seja o ambiente não se observa a igualdade de direitos e valores.
A política adotada para liberdade não favoreceu a população negra e muito
menos a sociedade em formação. Aliás, não houve uma política de verdade, com
leis que beneficiassem a inserção do negro, mecanismo de trabalho ou terras,
considerando que a maioria trabalhava e tinha experiência em lidar com as terras, o
Brasil economicamente sempre foi dependente.
Nunca foi implementado um código para os “negros”, nem tampouco houve
interesse nesse sentido, mesmo com tantos juristas envolvidos com o processo
libertário dos negros e com a formação de uma sociedade coerente e que
proporcionasse a eliminação dos resquícios da escravidão, mas do contrário ela foi
mascarada e nublada com a política de clareamento do povo brasileiro.
A política de branqueamento implementada pela elite brasileira tinha fins
racistas e evidencia-se por afirmações do deputado federal Carvalho Neto, que
garantia em 1923, que “o negro no Brasil desaparecerá em 70 anos”; em 1938, o
escritor Afrânio Peixoto previa que em 200 anos “terá passado inteiramente o eclipse
28
negro”, essas falas denotam o caráter racista e da vontade de extinguir a cor negra
do Brasil e da sociedade que se formava naquele momento. (SILVA, 1995, p.162).
A discussão em torno do branqueamento trouxe outro elemento que afastou
ainda mais o negro da sociedade inclusiva7 no Brasil, ou seja, o imigrante. Ele entrou
nos portos do Brasil com aval do governo e em muitos casos como o de estado de
São Paulo que patrocinava a vinda destes para as lavouras de café, em substituição
à mão de obra escrava. O certo é que existia oferta de trabalho, os negros sabiam
como executá-los, conhecia as tarefas das fazendas e tinham capacidade de
assunção dessas atividades, porque então buscar lá fora essa nova mão de obra?
Que sentindo poderia ter essa alocação de mão de obra, seria a vontade eminente
de “clarear” a raça brasileira, seria a ideologia de livrar-se dos ranços do processo
escravista brasileiro?
Observa-se uma rejeição à “pele”, à “cor”, devido o branco não aceitar essa
composição. Culturalmente, a inferioridade imposta aos negros pelos brancos está
relativamente ligada às questões religiosas e suas origens africanas, não foram
observadas as raízes dos negros, seu meio social e assim um não entendia o
“outro”. O menosprezo criado em torno da cor negra chega a tanto que Fernandes
(2008, p.260) destaca:
De modo que, por fás ou por nefas, o “negro” se vê descrito, como sendo “bom senso” para os trabalhos braçais, para os serviços subalternos, para o trabalho de copa e cozinha, para o samba, para a dança, para o futebol, o boxe etc.; e é apanhado, de uma maneira ou de outra, por avaliações que representam como preguiçoso, indolente, desordeiro, trapaceiro, esbanjador, farrista, desleixado, imprevidente, traiçoeiro etc.
A sociedade brasileira em construção não estava preparada para “acolher” o
negro em seu seio, a repulsa ao negro era latente e por demais preconceituosas,
desde letrados a políticos e de um modo geral a população. Os argumentos eram os
por demais descabidos em relação à ordem social em ascensão. A imagem
construída em torno de sua cor, de seus modos e de sua cultura afugentava quem
lidava com ele. Em vários momentos na obra de Florestan Fernandes, “A Integração
do Negro na Sociedade de Classe”, observa-se nos depoimentos analisados com
cunho social e histórico as dificuldades enfrentadas pelo homem de cor na
7 Terminologia adotada por Florestan Fernandes no livro “A integração no negro na sociedade de classes” para
destacar a inclusão social de negros na sociedade brasileira.
29
sociedade. A rejeição aparece de várias formas e vai mais além do que na aparência
física do negro:
O melhor exemplo, a respeito, pode ser extraído de certos ditos: “negro não é gente”, “fazer papel de negro”, “preto bom já nasce morto”, “coisa de negro”, “não passa de negro”, “logo vi que era negro”, “não passa de negro”, “logo vi que era negro”, “negro quando não suja na entrada, suja na saída”, “se gostasse de negro trazia um saco de carvão nas costas” etc. (FERNANDES, 2008, p.436).
Portanto, os conceitos e a imagem que se criou do negro atuou
demasiadamente contra sua ascensão social. Para a elite, os “donos do poder”, o
negro não se adequaria ao novo sistema de trabalho imposto, o assalariado, criou-
se uma justificativa que o negro não tinha capacidade de aprender. Teria ele
dificuldade de desenvolver novas atividades e de integrar-se no sistema econômico
que estava em expansão no Brasil.
Diante do preconceito criado, da posição política de branqueamento da nação
brasileira e da disputa do espaço por trabalho, o negro não consegue se estruturar
com a nova ordem social. Os mecanismos impostos pela sociedade não cederam
espaço para a entrada do negro na sociedade inclusiva, por mais preparado que ele
estivesse sempre lhe sobrava às posições subalternas. A concorrência era desleal
considerando que poucos tinham a coragem de ceder uma vaga para um “preto”,
numa perspectiva degradante pensava-se que cedendo espaço para um negro, em
caso de comércio, a freguesia se afastaria, assim os negócios não caminhariam
bem.
O certo que esse preconceito estava mais ajustado à raça, à posição social e
é relevante na ordem social competitiva. Mesmo sofrendo com o impacto social e
com os preconceitos que determinam as regras da sociedade e os negros sabem
diferenciar e entender que existe uma oportunidade e ela está calcada na educação,
como enfatizou um dos entrevistados por Fernandes (2008, p. 321): “[...] O problema
é antes de tudo de educação. O preto é aceito mesmo sem ser o tal. Os patrões têm
medo de aceitar empregados pretos porque sabem que eles não têm educação têm
receio de que eles respondam mal, como fazem os pretos com palavras daquelas,
aos fregueses”.
Porém, na ordem social competitiva, apesar de alguns informantes terem
concordado que a educação daria ao negro um meio de ascender socialmente e a
30
galgar um emprego mais digno e concorrer com o branco pelas oportunidades,
depara-se com mães e pais de famílias negras evitando que seus filhos estudassem.
O receio dessas famílias era que seus filhos sofressem mais com o preconceito em
salas de aulas e que ao crescerem com expectativa de conseguir um emprego
melhor se decepcionariam, pois a concorrência é desleal e não favorecia quem tem
estudos.
2.2 Martiniano José Silva e o racismo à brasileira.
Martiniano José Silva8 (1936) é professor da Fundação Universitária de
Mineiros (FIMES), mestre em História das Sociedades Agrárias pela UFG, membro
do Movimento Negro Unificado (MNU), advogado e conselheiro da OAB de Goiás,
onde coordena a comissão do meio ambiente. É membro da União Brasileira de
Escritores, secção Goiás, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e do Instituto dos
Advogados do Estado de Goiás, fundador da Academia Mineirence de Letras de
Mineiros, Goiás. Algumas obras publicadas por Silva: “A moça que ria muito”,
publicado em 1964; “Sombra dos quilombos”, publicado em 1974; “Traços da história
de mineiros”, publicado em 1984 entre outras.
Em “Racismo à brasileira. Raízes Históricas”, Silva levanta a discussão sobre
o racismo e preconceito existente na sociedade brasileira enfatizando os vários
momentos em que eles ocorrem, sejam através de obras, seus autores e
personagens de nossa história, que segundo Silva furtaram-se em discutir e até
mesmo em reconhecer a sua descendência negra. Discorda que exista ou que tenha
existido uma igualdade racial e que as políticas implementadas não foram
suficientes para desarraigar o racismo do meio social
O racismo está impregnado na sociedade e é um poderoso mecanismo
destrutivo na ordem social competitiva e ascendente para os negros.
Silva (1995, p.20), busca trazer o significado de racismo, dentre eles cita: “[...]
um sistema que afirma a superioridade racial de um grupo sobre outros, pegando,
em particular, o confinamento dos inferiores em uma parte do país (segregação
racial) [...]” este significado está contido num dos dicionários mais importantes
franceses. Por certo podemos influir que no Brasil no período analisado, a
8 Biografia retirada do livro Racismo à Brasileira.
31
superioridade branca era evidente, nenhuma expectativa foi criada para que o negro
pudesse libertar-se desse invólucro que conduzia a sociedade em formação. As
oportunidades, a concorrência por trabalho e pelo assentamento social era ínfima, e
diminuíram com a chegada do imigrante.
A rejeição ao negro era mais que uma concorrência desleal, estava
configurada na educação e nos direitos sociais. Os preconceitos existentes desde o
sistema imperial, escravista, incitavam a população branca a “entender” ser de seu
direito o poder de domínio sobre o negro, em um país onde a cultura religiosa
herdada, propiciava a aversão ao negro, por seu caráter degenerativo, em função
dos dogmas, que distavam e dificultavam as relações sociais.
Outro significado importante sobre o termo racismo e que demonstra o
alijamento em relação à raça negra,
O racismo como crença na desigualdade das raças humanas, em nome da qual certas raças e certas culturas se encontram submetidas à exploração econômica, à segregação social e mesmo à destruição física. São racistas todos os indivíduos e todas as políticas cujos atos se inspirem, conscientemente ou não, nessa crença. Explica ainda o que a verdadeira ciência já não põe em dúvida, dizendo que o racismo não tem qualquer fundamento científico e que numerosas tentativas foram feitas para explicar a sua gênese e o seu desenvolvimento (argumentos econômicos, psicológicos, históricos, religiosos etc.). (SILVA, 1995, p.20).
O conceito de racismo difere e interferem muito no sentido social, político e
cultural das raças e criam uma aversão ao “outro”, mesmo sabendo que as
qualidades de cada ente humano não estão contidas na cor e muito menos nos
traços físicos que cada uma traz impresso em suas células genéticas. Nesse
sentido, encontramos uma forte tendência a expor o homem negro à condição de
inferior, incapaz, de um degredado.
Diante do conceito cristalizado sobre as raças, racismo propriamente dito, o
negro foi empurrado para a liberdade. Os negros acima de 60 anos foram enxotados
das senzalas e “jogados” às ruas, crianças abandonadas à própria sorte, muitas
foram recolhidas em asilos e casas de caridade. Em uma análise mais acurada
percebemos que era mais uma artimanha da elite escravista de se verem livres do
escravo e por certo evitar a assunção de uma “aposentadoria” pelos anos
trabalhados, estes já não serviam para trabalho, ou seja, como escravo,
32
Essa lei, como se vê, sem embargos de outras pretensões, isentou os senhores de cuidarem dos escravos velhos, forjando e evidenciando ainda mais o mito do africano livre, que é mais modalidade do nosso obsequioso racismo. E a razão é simples. “Africano livre” era a criança ingênua, por exemplo, abandonada à própria sorte, às vezes recolhida em asilos. (SILVA 1995, p.234):
As causas e as imposições do racismo minaram a integração do negro na
sociedade, eles foram empurrados para a liberdade, a necessidade capitalista, o
imperialismo das grandes nações, impostos aos países escravistas, o último deles o
Brasil, que ansiava por crescimento econômico e dependia dessas nações, não teve
alternativa que libertá-los. Existia ainda uma barreira a ser vencida a do
branqueamento da nação brasileira, de acordo com Skidmore (2003, p.112), “No
esforço de melhorar a imagem do Brasil no exterior, a elite estava particularmente
preocupada com a raça. A elite acreditava que a resposta estava na miscigenação
[...]”, porém os imigrantes, tão ansiados pela elite para “purificar o sangue” brasileiro,
como destacou o conde de Gobineau, recusavam vir para um país que ainda
mantinham escravos em seu meio social. Esses elementos assim como tantos
outros foram relevantes para o processo de ascensão do negro na sociedade.
A obra de Martiniano J. Silva, Racismo à Brasileira (1995), da qual se serve
para ilustrar os estudos, demonstram que por mais que se queira fugir do
preconceito e da desigualdade racial ela está incrustada nas relações, desde a
literatura, rica em preconceito, do mito da democracia tanto racial como da igualdade
de direitos, que não fazia e ainda não faz parte do Estado brasileiro.
O racismo na ótica de Martiniano está contido na disputa por empregos,
mesmo com as melhores referências, o negro é rejeitado; ele tem que ser o melhor e
ainda concorrer com sua cor. Em depoimentos levantados por Fernandes observa-
se o mesmo posicionamento e dificuldade encontrada pelos negros. Nos esportes o
negro sobressai, mais foi relegado quando no sul-americano de 1921, por
recomendação do presidente Epitácio Pessoa, esse entre outros momentos da
história demonstram que a democracia existe, mas precisa ser mais que uma lustosa
palavra contida em leis e artigos, ela deve fazer parte das atitudes e dos direitos
iguais. Todas as obras estudadas e referenciadas dão a certeza que não se pode
ficar apenas na academia, mas que elas façam parte do cotidiano das escolas,
locais de trabalho, das famílias, só assim o trabalhos desses sociólogos terá valido a
pena. (SILVA, 1995).
33
2.3 Florestan Fernandes e a integração do negro na sociedade de
classes.
Florestan Fernandes9 (1920-1995), sociólogo e político brasileiro é
considerado o fundador da sociologia crítica no Brasil. Licenciou-se na Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras na Universidade de São Paulo-USP (1943), ano em que
escreveu seu primeiro artigo para o jornal O Estado de São Paulo, intitulado O
Negro na Tradição Oral. Obteve o título de Mestre em Ciências Sociais -
Antropologia, com uma dissertação sobre a Organização Social dos Tupinambás
(1947) e defendeu sua tese de Doutor em Ciências Sociais na Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da USP, também sob orientação do Professor Fernando
Azevedo (1951), ainda sobre o tema dos Tupinambás.
Passou a Livre Docente, na Cadeira de Sociologia I, na Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras da USP (1953) e tornou-se Professor Titular da mesma
cadeira, com a tese A Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964). Suas
principais obras: Organização social dos morjocas, em1949; A função social da
guerra na sociedade morjocas, em1952; A etnologia e a sociologia no Brasil, em
1958; Fundamentos empíricos da explicação sociológica, em 1959; Mudanças
sociais no Brasil, em1960; A integração do Negro na Sociedade de Classes, 1964; A
revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica, em 1975, entre
outras. Uma de suas obras mais importantes foi a Integração do negro na sociedade
de classes, em que realizou estudos das relações sociais no Brasil, tendo como
objeto a inserção do negro na sociedade de classes na cidade de São Paulo.
Demonstra através de relatos a convivência, os relacionamentos e as dificuldades
encontradas pelos negros na nova ordem social estabelecida com o fim da
escravidão e a proclamação da república. Obra de suma importância para
compreensão do mecanismo que envolve as relações de classes no Brasil. Em sua
trajetória de vida e estudos Florestan Fernandes “[...] combinou uma produção
fortemente marcada pelos princípios da academia com grande erudição, mas
centrada no campo das Ciências Sociais” (MICELI, p.141, 1995).
Nos enlaces das raças, os portugueses, os nativos, os negros entre outros,
imputaram “regras” para a formação social brasileira. Essa formação de “regras”
9 Biografia retirada de NETSABER Biografias.
34
impôs a separação na ordem social competitiva, entre os argumentos registrados em
pesquisas feitas por Florestan Fernandes está a camuflagem da democracia racial,
uma igualdade que não existia e não existe no Brasil, está foi fomentada tendo como
base o caráter violento entre negros e brancos que assolou os EUA. Assim a
“benevolência” das relações impostas aqui, são argumentações de que não existiria
preconceito entre as raças e muito menos diferença entre elas. Porém observa-se
nos estudos empreendidos na obra “A Integração do Negro na Sociedade de
Classes”, que a dificuldade do negro em adaptar-se está contida ao novo sistema de
trabalho. A disputa pela oportunidade de trabalho com o branco e com imigrante,
com o próprio negro, as imposições engendradas da condição de ex-escravo, suas
culturas e seus costumes são fatores que cerceiam seus “direitos”.
Como adaptar-se se não houve recursos sociais, políticas que preparassem a
sociedade e o próprio negro para sua integração como homem livre. Para Matoso
(1988, p.175, grifo nosso), “A sociedade em que vive (vivia) o nosso escravo, como
quer que seja, é uma sociedade em que a igualdade não existe, ou é muito pouca,
mesmo para o homem livre”. A constituição de 1891, apenas garantia direitos iguais
aos brasileiros, mais isso não significava muito, o que adiantava ter direito jurídico se
no “mundo competitivo” não oferecia abertura para receber essas massas de
libertos. Os negros foram, pode-se inferir, que abandonados a sua própria sorte.
A condição de liberdade e da nova ordem social com interesses das elites
para um novo Brasil fez com que o homem negro se lançasse à liberdade, coisa que
ele não estava acostumado, visto que a escravidão tornou-o abnegado de seus
direitos, encontrando ele um “jeito”, como descreve Matoso (1988, p. 174) para
adaptar-se à condição de escravo e isso irá influir sensivelmente em seu processo
de inserção na sociedade.
A sociedade existente nesse período via o negro como um degenerado, um
imoral, um incapacitado para aprender e desenvolver novos aprendizados. A nova
ordem competitiva buscava ter no imigrante uma compensação, usando o
melhoramento social e o desenvolvimento da mão de obra, assalariada, que atendia
ao processo capitalista. Os negros não conseguiram entender essa nova lógica de
desenvolvimento produtivo e se furtavam em dispor de sua mão de obra e com isso
possibilitaram o engendramento da aversão por parte dos produtores em relação à
mão de obra imigrante, considerada melhor tecnicamente e isso afastava os negros
35
dos campos. A recusa causava ainda mais o preconceito em relação ao negro,
agora tido como preguiçoso, indolente, irresponsáveis, inúteis, vagabundos e
incapazes de cumprir qualquer tipo de acordo, o que o afastava ainda mais das
perspectivas de conseguir emprego.
A marginalização do negro em relação ao trabalho, a disputa com o branco,
com o imigrante, foram imputadas ao próprio negro. Em vários depoimentos
Florestan coleta dados10 suficientes de informantes negros que não se achavam
inferiores aos brancos, a disputa por uma colocação se dava pela capacidade e pelo
bom desenvolvimento do negro. Segundo esses informantes, eles não tiveram
dificuldade em galgar um emprego e desenvolver-se nele. O que foi citado em
muitos casos era que o próprio negro se marginalizava por manter o estereótipo que
foi construído ainda no Primeiro Império o qual foi comentado acima.
Outro ponto importante, o negro não entendia essa “ordem social” ou se
furtavam em buscar um posicionamento melhor dentro dela, ou seja, através de
aprimoramentos, tanto técnica como culturalmente. Os contrastes das informações é
algo de se refletir, em muitas famílias a busca por melhoria de vida está exatamente
nos estudos, algumas empreenderam esforços para que filhos pudessem estudar e
se formar, assim possibilitando um melhor posicionamento social. As disputas
poderiam ocorrer já em outra etapa e o negro estaria em condições de lutar por um
emprego de igual com o branco. Vê-se que em determinadas profissões, os relatos
coletados por Fernandes demonstram que profissionais liberais conseguiam
sobreviver e romper com o preconceito de sua cor. Mas, não sem enfrentar a
deslealdade que lhe eram peculiares na disputa pela clientela.
O negro em ascensão sabia que a luta era desigual e cabia a ele romper com
a barreira do preconceito. Conhecendo as “tretas” para ser aceito no meio social o
negro que conseguia ascender distanciava de sua raça e, muitos, até de familiares e
amigos. O receio de serem relacionados com a “classe” mais baixa de sua
descendência era um ponto negativo para sua “nova vida”. Evitavam de serem vistos
com seus ex-amigos, parentes e inclusive antigos vizinhos. Os indivíduos de peles
mais claras esbranquiçados, e de condições socioeconômicas melhores passaram a
usufruir de outra categoria racial. Existe nessas relações de distanciamento o
10
Os dados levantados por Florestan Fernandes referem-se ao período de 1952 a 1955, patrocinado pela
UNESCO.
36
preconceito do negro em relação ao próprio negro. A sociedade impõe condições e
caracteres que acabam por influir em todas as relações e causam distanciamentos e
desqualifica as raças e seus descendentes,
Tudo se passa, se existisse um rancor surdo e invisível contra o que “quer subir” e pretende, portanto, ”deixar de ser negro” socialmente falando. Nas entrevistas com negros e mulatos que estavam empenhados em “mudar de vida” e em “ficar gente”, ouvimos confidências tristes, que soavam como uma condenação do “negro” pelo “negro”: “preferem apoiar um branco a um homem da mesma cor”; “tem despeito de ver outro preto subir”; “um preto não ajuda outro”, “é mais fácil que se combatam que se auxiliem mutuamente”; “não agem cooperativamente nem se estimulam uns aos outros”; “nem sempre preto é amigo de sua raça”; “o mal com os pretos é que eles são em geral inimigos de sua raça” etc. .(FERNANDES, 2008, P. 282).
O negro que sobe busca distar de seu passado e isso faz com que a sua
relação com seus pares fiquem minadas e essa falta de união de etnia igual interfere
nas conquistas que juntos poderiam almejar. O racismo apresenta-se com certas
nuances que dificultam até mesmo a união das etnias por conquistas, num processo
que não favorece nem o negro que sobe e nem o que fica na base da sociedade,
como cidadão marginalizado e segregado da sociedade inclusiva. Subir para o negro
em determinados casos significava:
A se afastar física, psicológica, social e moralmente do “meio negro”. Como a diferenciação social da “população de cor” é recente, o “meio negro” ainda se confunde com a dependência econômica, desorganização social e desmoralização. (FERNANDES, 2008, p.346).
O preconceito do branco em relação ao negro e o racismo detectado nas
relações sociais são de cunho histórico e a elite branca, impôs seguramente regras
para que o poder ficasse restrito a poucos. A divisão dos negros em dois pólos
distintos entre o “negro do eito” e da “casa grande” influiu muito na inserção social
do negro após a abolição. O negro do eito obteve piores condições de aceitação na
sociedade em formação, seu serviço era mais braçal, mais bruto e enquanto o negro
da senzala estava mais próximo dos senhores, tinham melhores trajes, era mais
educado e tinham o “respeito” dos senhores.
As oportunidades se tornaram melhores para aqueles negros cujas mães ou
avós trabalhavam em casa de gente de elite. Seus filhos e netos conseguiram ser o
“negrinho da casa”, o “filho da empregada”, “filho de criação”, “cria da casa”,
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“moleque”, “dependente da família”, entre outras alcunhas, todas imbuídas de
caráter preconceituoso. Assim, puderam estudar e frequentar o meio social e
galgaram profissões e empregos melhores e por influência findaram a inserir-se na
sociedade pelo “patrocínio” da gente branca. “O essencial nesses casos, não era a
gradação da cor da pele do menor, mas a ligação de sua mãe ou responsável com a
família adotiva”, (FERNANDES, 2008, p.192), isso por mais comovente que seja não
possibilitou a redenção do negro, pois foi meramente um ato de “caridade”, o
preconceito permanecia, até nos termos de tratamento aos quais esses negros
recebiam. Muitos apesar de fazer parte da “família”, não podiam sentar-se à mesa,
participar de reuniões em que os filhos dos patrões estavam, existia uma relação
“amistosa”, “penosa”, uma camaradagem por respeito à boa empregada.
O sentido amistoso das famílias ricas muitos negros souberam aproveitá-las,
e fazer disso um ponto de partida para sua melhoria de condições econômicas e
sociais, surpreendendo o patrocinador. A surpresa dessas famílias era enorme com
as possibilidades aproveitadas pelo protegido, e é interessante observar pelas
diferenças de tratamento que eles recebiam, tais como “preto de alma branca”, “nem
parece negro”, “mulato filha da mãe”, entre outras.
Apesar da conquista do negro e das condições em que ele pôde superar as
dificuldades, continua tendo tratamento relacionado à sua cor, não era o fato de ter
vencido e comprovado sua capacidade que o livrara do estigma de sua raça e do
sentido de inferioridade que lhe fora imposto. O negro acabara por compreender que
o auxílio e a proteção lhe traziam outros problemas de ordem social: os brancos, na
mesma condição de concorrência encaravam como injustiça, e em depoimento
registrado por Fernandes (2008, p.194), “Os pretos que se salientam tornam-se
pernósticos, porque nesta sociedade quando se ocupa postos melhores não é por
valor real, mas pela proteção e pela política suja”. Nesse sentido os negros influíram
que os resultados de seus esforços e do tipo de protecionismo beneficiavam poucos
e que não satisfaziam os anseios dos negros em sua luta pela ascensão no meio
social e econômico.
Conscientizado de sua condição e da maneira como ela ocorria, chegara
assim à conclusão que “[...] o negro tem de resolver por si mesmo os seus
problemas e que não deve se contentar com as migalhas, largadas aqui ou ali por
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uma generosidade que foi largamente identificada com a falta de empenho em
ajudar o negro”, (FERNANDES, 2008, p.195).
Na condição em que o negro se encontra passa a perceber que seu papel na
sociedade é maior do que se pensava e busca ajustar-se a ela mediante a sua
própria valorização. O negro para se impor torna-se mais “duro” em seus
posicionamentos e é admirado por aqueles que o tem como referência. Essa dureza
de posição nem sempre estava em acordo com as exigências do meio social, pois o
caráter degradante de atos ilícitos fazia dele um “vencedor”, mas diante do branco
era um quebrador de regras, um “marginalizado” e isso contribuía para aversão à
raça e distanciava mais ainda a tentativa de acercamento que alguns negros em
condições melhores buscavam para si e para seus pares. Portanto não é de
estranhar o distanciamento que imputavam os negros de “elite”, do negro que “sobe”
dos “marginalizados” pela suas próprias atitudes.
O negro “educado”, o que buscava ascensão na escala social, muitos com
cursos superiores, disputavam o mercado de trabalho com os brancos, mesmo
sendo a concorrência desleal. Em relatos observa-se o “jogo” sujo do concorrente
minando a capacidade e o valor técnico que adquirira o negro doutor. Isso significa
que não era o fator social apenas que influía nas relações entre ambas às raças,
mas a aversão ao homem de cor e as possibilidades que ele alcançava no decorrer
dos anos.
O negro se impunha e alavancava recursos de sua própria concepção,
afastando dos embates com o “outro”, percebia que isso não lhe garantia o direitos
na sociedade, ao contrário distava ainda mais, por certo compreendia que lutar
sozinho e “mudar” de cor lhe facilitariam a inserção no meio social.
Outro fator importante é que ele não se une, ou seja, afastava de seus pares,
em determinados casos devido à má influência de seus “antigos” amigos e parentes
e em outros pela “marginalização” de seus pares, das favelas onde morou, da
reputação que sua gente adquiriu e não buscaram mudar ao longo dos anos.
A “marginalidade” a que foi imputada ao negro deve-se inclusive pela falta de
uma política adequada para que ele fosse inserido no meio social. A falta de uma
estrutura que permitisse sua inclusão e ascensão social, recursos para que lhe
permitisse educar-se, capacitarem-se profissionalmente e assim, criasse condições
para ser aceito no meio social.
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A responsabilidade da inclusão era do estado recém-criado, a República, que
caminhou em sentido contrário, trazendo uma concorrente para o negro, ou seja, o
imigrante, que também não fugiu a regra e influenciado pela classe branca não se
furtou em assumir a aversão aos negros. Sabe-se que isso não era regra geral, em
determinados casos as relações foram positivas, tendo em vista o caráter
degradante que alguns imigrantes sofreram ou foram submetidos no país.
A questão social, a busca por melhor emprego, melhoria das possibilidades
econômicas fizeram com que os negros se conscientizassem de que o
conhecimento, a educação poderiam abrir-lhes as portas de melhores oportunidades
de vida. Em “A integração do negro na sociedade de classes” pode-se inferir que
essa conscientização surge diante das condições de preconceito, na “disputa” por
vaga de emprego, uma promoção, a formação de clientelas etc.
O negro também, apesar de não ser regra geral, entende que o preconceito, a
rejeição do branco em relação a sua raça, não é somente uma falha do branco,
aceita que os próprios negros se deixam levar pelas mazelas de suas vidas e não
procuram livrar-se desse estigma. Dá muita ênfase para as alcunhas que lhe são
impostas e acaba por sofrer e isso lhe causa danos tanto de ordem moral como
social e dificultam ainda mais o acercamento pretendido entre as duas raças.
Alguns relatos dão conta que o preconceito é uma “doença” e os “pretos” não
deveriam imputar a tudo que sofrem aos brancos, inferem que quanto mais os
negros se preocupam com esse posicionamento pior fica para sua vida. A
dificuldade da relação do negro com o branco está na identificação do preconceito e
de como e quando se manifesta e em quais setores da sociedade estão mais
latentes. Isso possibilita uma melhor sobrevivência e evita desgastes, tanto moral
como psicológico.
As mudanças nos modos de vida do negro servem-lhe para defender-se do
preconceito:
Para tirar proveito estratégico das posições sociais mais ou menos acessíveis, o “negro” teve de mudar sua maneira de reagir ao “preconceito de cor”. Separa-o de rejeições que possuem outra origem. Faz escolhas e procede a opções em que as diferentes alternativas de comportamento são claramente antecipadas. Doutro lado, não fica se lamentando em um canto nem se congrega aos protestos coletivos. No conjunto, está mais senhor do seu destino. Alcança maior domínio consciente das condições e dos efeitos de suas relações com os “brancos”, o que lhe permite proteger, amarguras previsíveis e evitando decepções ou conflitos prejudiciais. Em vez de lutar de frente contra o “branco”, toma a sua medida e se ajusta a ela,
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preparando-se para converter em vantagem o que poderia ser ruinoso ou, mesmo, fatal. (FERNANDES, 2008, p.203).
A generalidade dos depoimentos nos permite entender a forma como o negro
internalizava o preconceito e a como se defendiam dele. A conscientização desses
elementos não foi uma regra seguida por todos os negros na sociedade brasileira.
Percebe-se pelos relatos que alguns se contentavam com sua condição de
inferioridade e protegiam seus filhos para que estes não se decepcionassem ao lidar
com determinadas situações.
O caso mais eloquente refere-se à falta de disposição dos pais em não querer
colocar seus filhos nas escolas, para serem educados e com isso pudessem galgar
uma condição mais digna no desenvolver de suas vidas, com receio de que estes se
decepcionassem quando adultos com a falta de oportunidades a que estariam
submetidos.
O que se conclui é a falta de união dos negros em torno de um
posicionamento na busca pela melhoria de condições de vida e sua inserção no
meio social. O distanciamento causado pelas relações entre branco e negro, negro
que “sobe” com negro do “brim” está na segregação de sua própria raça, de seus
valores e da luta pelos direitos que lhe são pertinentes.
Muitas foram as organizações, tais como: Frente Negra Brasileira, União
Nacional dos Homens de Cor entre outros, que buscaram essa união dos negros em
prol de seus direitos, percebe-se a falta de disposição, o medo ou receio de
decepcionar-se na luta pela igualdade tanto de direitos como de valores morais.
Vários são os relatos descritos na obra de Fernandes (2008) que os negros
concordam com sua condição chegando a dizer que eles não podem exercer ou
fazer tudo que o branco faz, “porque preto é pobre”.
A pobreza não está contida nos valores econômicos, mas nos valores morais
e na igualdade jurídica, apesar de que no Brasil essa igualdade privilegia
determinadas classes, mas elas existem e se fazem valer pela união e pela força do
conjunto, e foi o que faltaram aos negros, nesse período. Parece-nos que o negro
não havia assimilado sua condição de homem livre e com os mesmo direitos que os
brancos. Essa assimilação levou tempo, as relações conflituosas desencadeadas
pelo preconceito de cor e pelas artimanhas geradas pelo mito da democracia racial,
uma igualdade que não existia na análise de Fernandes, e ela só deixa de ter um
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papel relevante quando os negros em condições materiais e intelectuais mais
favoráveis assumem posicionamento em relação à sociedade inclusiva e começam a
integrar-se nela.
Outro momento na ascensão do negro opera quando este passa a
compreender que ignorando seu passado e perdoando as mazelas entres as raças
pode usufruir de melhores condições na inclusão social, tende a “preocupar-se com
as manifestações do preconceito de cor, segundo objetivos individualistas e
interesseiros, para contorná-los ou, se possível, tirar proveito delas” (FERNANDES,
2008, p.381).
O negro aprendeu a conviver com o branco, a suportar o preconceito e a lutar
por sua melhoria econômica e melhor posicionamento dentro do estrato social. A
convivência era relativa e dinâmica ao mesmo tempo. O negro que sobe é mais
educado e por isso se encontra em melhores condições de entender o processo de
ascensão social e conseguia superar as “provocações” e tirar proveito das situações
que surgissem no trato com o branco. Entendia que o preconceito era um modo de
defesa do branco em relação ao negro. Os interesses do negro e a vontade de
“subir” levaram-no a diminuir a diferença e a distância que eram impostas pelo
branco. Lidava com o branco buscando tirar proveito, evitava o embate e a perder o
equilíbrio, aproveitando até mesmo de sua “inferioridade” no “[...] desenrolar das
ações e relações sociais” (FERNANDES, 2008, p 353).
Embora exista uma luta discreta do negro para sua inserção na ordem social
competitiva, ele se encontra na mesma condição do branco na base da pirâmide
social. A disputa entre negros e brancos pelo trabalho “não deveria separar raça de
classe, na medida em que negros e brancos operários estariam sendo vitimas da
dominação de classe capitalista” (SILVA; CARVALHOS, 2010).
A questão racial no Brasil está pautada na ordem capitalista e por uma divisão
de classes e de raça, as melhores oportunidades estavam disponibilizadas para os
imigrantes, depois brancos, mulatos e negros. Não se pode deixar de mencionar os
Índios e imigrantes “não gratos”, tais como chineses que foram proibidos de
entrarem no Brasil. Embora a maioria dos depoimentos coletadas por Fernandes
deem conta da forma e meios como ocorreram a inserção do negro na sociedade,
em sua grande maioria a divisão de classes e raças era evidente, tanto de um lado
como de outro.
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O acercamento ocorreu em determinados casos e pode-se influir que a
educação e o sentimento foram relevantes na aproximação entre negros e brancos.
Problemas como falta de estrutura para os negros, uma política adequada para sua
aceitação no seio social, o repúdio a sua condição de ser inferior, a cor, os
costumes, a marginalização que foi submetida, a sabotagem do negro com seus
pares, principalmente, com aquele que ascende na escala social. A falta de
educação entre muitos outros não elencados em nossos estudos, formaram a
dinâmica que gestaram os princípios da desigualdade raciais, que ainda ferem a
nossa sociedade.
A inserção social do negro, a democracia racial, o preconceito de cor, as
diferenças sociais engendraram uma luta desigual no processo do desenvolvimento
social brasileiro. A classe operária, tanto o negro como o branco, no novo sistema
econômico que permeava os ideais republicanos propiciaram o distanciamento e as
divergências nas relações sociais inclusiva. Nesse meio ainda observa-se o
posicionamento da elite brasileira pelo branqueamento da raça. A falta de estrutura
do negro que foi literalmente largado a sua própria sorte, impossibilitaram sua
adaptação ao novo sistema de trabalho, para ele era inconcebível ter que dividir as
ofertas de emprego e de oportunidades com o imigrante e com o branco na mesma
escala social que a sua.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta monografia não esgota a temática sobre a Integração do Negro no pós-
-abolição e nem os estudos sobre as diferenças raciais que perduraram e ainda
perduram na sociedade brasileira. As diferenças raciais apesar da sobre-elevação
do negro, sua capacidade de suportar e vencer obstáculos, mesmos aqueles
enfrentados por seus pares foram e são importantes para sua ascensão social e
concretização da liberdade e do livre arbítrio a que todo ser humano tem direito.
Este trabalho não tem a pretensão de esgotar ou encerrar o debate temático
sobre a questão social, racial, política, racismo e preconceito em relação ao negro
ou a condições sociais e direitos impostos a qualquer pessoa.
Nosso objetivo, dentro da academia, foi despertar novos conhecimentos,
estudos, pesquisas e buscar novos entendimentos, das causas, de pesquisadores e
suas obras, para cada acadêmico individualmente e para a sociedade. Desenvolver
o senso crítico e compreender as diferenças socioculturais de cada componente que
formaram e formam nossa sociedade.
Outro ponto relevante deste trabalho refere-se a análise dos historiadores,
sociólogos, antropólogos e suas obras, aqui devidamente referenciadas, utilizadas
para nossa reflexão na elaboração desta monografia. Cada um deles, dentro de
suas pesquisas e compreensões, permitiu descortinar algumas causas e suas
consequências para a integração e acercamento social no Brasil de homens de cor,
seja ela branca ou negra. As dificuldades desse enlace e o que cada um pode
dentro de suas possibilidades realizar para desarraigar o racismo e o preconceito
que permearam nossas relações sociais, cultural e profissional.
Nossa proposta foi a de incitar novas leituras, novas pesquisas e estudos com
o intuito de buscar o aprofundamento e desenvolvimento da criticidade que forçara a
adoção de políticas para nossa sociedade garantindo direitos e igualdade a todos
que a compõe. Para isso torna-se necessário levantar a discussão tanto na
academia como na escola e no convívio social para que as “novas” políticas sejam
implementadas e que a justiça social seja não só uma ideologia de poucos, mas
para todos os homens que dela fazem parte. Que estas políticas permitam uma
convivência inteligível e que seu objetivo principal seja o da igualdade social,
política, cultural, econômica e religiosa dentro dos preceitos de nossa constituição
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republicana e democrática. Dentro da visão teórica trabalhada nesta monografia o
negro não tinha condições materiais e psicológicas de engendrar um protesto dentro
da ordem escravista que pudessem oferecer a ele condições para superar a
dominação e a sua condição de escravo.
No período analisado neste trabalho não existia no Brasil as condições
necessárias que possibilitassem ao negro a superação e da dominação de classes
pelo branco. A manutenção dos padrões tradicionalistas de dominação impediu que
houvesse um plano eficiente e que permitissem o desenvolvimento de forças
produtivas, pautadas na mão de obra do negro e das relações de produção
capitalistas incipientes no Brasil.
As argumentações de Fernandes em sua obra, A Integração do Negro na
Sociedade de Classes, dão conta que a causa da incompatibilidade do sistema de
produção escravista e do desenvolvimento do sistema capitalista do que
propriamente da luta dos (ex) escravos contra ao sistema econômico e social
tradicionalista imposto pelos brancos através de suas Leis. Com isto fica explicito a
incapacidade do negro de se organizar e empreender uma ruptura na ordem social
existente desde a abolição.
O negro para se integrar a sociedade e romper com o estigma que lhe foram
imputados precisava superar da marginalização que o sistema capitalista lhe
impunha, diante de uma elite dominante e de uma busca pelo “clareamento” da raça
brasileira. O que fica evidenciado que para sua ascensão ao sistema capitalista e a
sociedade democrática a desigualdade de concorrência no mercado de trabalho e
no planejamento político, econômico e social do Brasil.
Quando falamos da falta de “política sociais" para integrar o negro
socialmente, nos vários períodos históricos, não desmerecemos o trabalho
empreendido por abolicionistas e políticos que se dedicaram a causa do negro.
Queremos, no entanto enfatizar a falta de engajamento da classe política no
contexto social para integrar o negro como cidadão e com direitos dentro do meio
social brasileiro após a abolição, onde ocorre o marco da liberdade do negro.
O negro soube aproveitar do preconceito e do racismo para vencer na luta
pela igualdade de direitos, na qual a conscientização e a educação é o diferencial
para sua ascensão e integração no meio social.
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46
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