a reestruturação produtiva e as novas expressões do trabalho na atual conjuntura

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A Reestruturação Produtiva e as Novas Expressões do Trabalho na Atual Conjuntura Talita Freire Moreira Anacleto 1 RESUMO O presente trabalho examina algumas das questões mais significativas do debate contemporâneo sobre o tema trabalho e a reestruturação produtiva que vem sendo conduzida com o ajuste neoliberal, que implica a desregulamentação de direitos sociais, onde corta-se os gastos e transfere os serviços para o setor privado, ou seja na privatização dos programas sociais. O tema tem adquirido importância fundamental na justificação de políticas públicas em todo o Brasil, sobretudo porque permite analisar a questão social a partir da integração ativa de fenômenos econômicos e sociais, e também abordar aspectos da vida social de grande parte da população brasileira, como a pobreza e a exclusão social, que constituem grandes desafios aos regimes políticos e a estabilidade dos processos econômicos. A metodologia utilizada centrou-se na investigação empírica, através do estudo dos dados colhidos nos jornais de grande circulação do Brasil, referentes à década de 1990 e início do século XXI. Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho é discutir, de maneira preliminar, algumas hipóteses sobre a conjugação de exclusão social, pobreza, trabalho e reestruturação produtiva, entendido como estritamente relacionada à dinâmica política e sócio-econômica da atual da região. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende analisar os aspectos que convém lembrar, que a pobreza, já não é somente carência material. A mesma se multiplicou em todos os planos e 1 Assistente Social formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] Página 1 de 15

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A Reestruturação Produtiva e as Novas Expressões do Trabalho naAtual Conjuntura

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  • A Reestruturao Produtiva e as Novas Expresses do Trabalho na Atual Conjuntura

    Talita Freire Moreira Anacleto1

    RESUMO

    O presente trabalho examina algumas das questes mais significativas do debate contemporneo sobre o tema trabalho e a reestruturao produtiva que vem sendo conduzida com o ajuste neoliberal, que implica a desregulamentao de direitos sociais, onde corta-se os gastos e transfere os servios para o setor privado, ou seja na privatizao dos programas sociais. O tema tem adquirido importncia fundamental na justificao de polticas pblicas em todo o Brasil, sobretudo porque permite analisar a questo social a partir da integrao ativa de fenmenos econmicos e sociais, e tambm abordar aspectos da vida social de grande parte da populao brasileira, como a pobreza e a excluso social, que constituem grandes desafios aos regimes polticos e a estabilidade dos processos econmicos. A metodologia utilizada centrou-se na investigao emprica, atravs do estudo dos dados colhidos nos jornais de grande circulao do Brasil, referentes dcada de 1990 e incio do sculo XXI. Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho discutir, de maneira preliminar, algumas hipteses sobre a conjugao de excluso social, pobreza, trabalho e reestruturao produtiva, entendido como estritamente relacionada dinmica poltica e scio-econmica da atual da regio.

    INTRODUO

    Este trabalho pretende analisar os aspectos que convm lembrar, que a pobreza,

    j no somente carncia material. A mesma se multiplicou em todos os planos e

    1 Assistente Social formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

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  • alastrou at mesmos em mbitos da vida que nunca reconheceramos como expresses

    de carncias vitais.

    Segundo, o relatrio2 de acompanhamento dos objetivos do milnio, divulgado,

    pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva, que diz que um dos objetivos a serem

    alcanados pelos signatrios da Declarao do Milnio - "reduzir metade a pobreza

    extrema - renda per capita inferior a US$ 1 - e a ocorrncia da fome" - foi alcanado

    pelo Brasil em 2005, quando se reduziu de 8,8% (1990) para 4,1% o total da populao

    vivendo com renda familiar per capita inferior a R$ 40 por ms. Isso significou a

    retirada de 4,7 milhes de brasileiros da misria. Em relao fome, o parmetro a

    desnutrio proteico-calrica. O Brasil tambm superou este desafio em todas as

    regies.

    No entanto, ainda h 7,5 milhes de brasileiros vivendo em pobreza extrema e o

    Brasil se props a reduzir esta condio em 75% at 2015. Alm disso, mesmo que

    tenham cado as desigualdades entre sexo, regies e raas - a queda da misria entre

    negros, pardos, nordestinos e residentes em reas rurais foi mais intensa, em alguns

    casos, a um ritmo trs vezes maior - o prprio relatrio afirma que a pobreza tem cor e

    origem no Brasil.

    Entretanto diante deste quadro, pode se dizer que a cultura da pobreza existe h

    dcadas no Brasil, mas, com a propagao do neoliberalismo, essa maneira de ver e

    sentir as coisas encontra uma justificao perversa. De fato, para o neoliberalismo a

    existncia de milhes de pobres no produz nenhum escndalo. Essas pessoas nada tm

    a reclamar, porque nada valem no mercado. Alm disso, a economia no visa tir-los da

    pobreza, mas produzir mais, vender mais, ganhar mais. Sendo assim:

    As desigualdades sociais no se reduzem; ao contrrio, repetem-se ou agravam-se. Uma histria que se resume nas seguintes palavras: questo social, problema de polcia ou problema poltico. Uma histria que revela a escassa "modernizao" alcanada em determinadas esferas da sociedade, enquanto nas principais esferas da economia tudo parece muito prspero, diversificado e moderno. A mesma sociedade que fabrica a prosperidade econmica fabrica as desigualdades que constituem a questo social. (IANNI, 1998, p 52)

    22 Relatrio de dados sobre a pobreza publicada pelo Jornal O Globo em 2007. A Declarao do Milnio rene os planos de todos os Estados-Membros da ONU, para melhorar a vida de todos os habitantes do planeta no sculo XXI.

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  • Contudo, as polticas neoliberais aprofundam os problemas estruturais que esto

    na base da pobreza: a distribuio da riqueza, o capital social e as distores sociais que

    o mercado gera enquanto atua sem controle social.

    A metodologia utilizada para a realizao deste trabalho centrou-se na

    investigao emprica, atravs do estudo dos dados colhidos nos jornais de grande

    circulao do Brasil e outras fontes de pesquisa, referentes dcada de 1990 e incio do

    sculo XXI. Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho discutir, de maneira

    preliminar, algumas hipteses sobre a conjugao de excluso social, pobreza, trabalho

    e reestruturao produtiva, entendido como estritamente relacionada dinmica poltica

    e scio-econmica da atual da regio.

    A crise do capitalismo em 1970 e o desenvolvimento da mundializao do

    capital, com o neoliberalismo e a reestruturao produtiva, sucederam uma alterao

    significativa na dinmica do desenvolvimento capitalista. A falncia das polticas

    keynesianas de bem-estar social e a hegemonia das polticas neoliberais expressaram

    mudanas na produo e reproduo do capital.

    Sendo assim, as sociedades contemporneas, vm sofrendo profundas

    transformaes, advindas dos resultados de enfrentamento da crise de acumulao

    capitalista. Tais transformaes ocorreram principalmente no mundo do trabalho, dando

    origem ao processo de reestruturao produtiva. A ampliao do desemprego e da

    precarizao do trabalho acentuam a vulnerabilidade dos trabalhadores, com

    repercusses nas conquistas trabalhistas. O iderio neoliberal constitui uma tentativa de

    reduzir estas garantias.

    Segundo Antunes (2000), a organizao do trabalho, baseada no padro

    toyotista, tem uma produo mais vinculada demanda, atendendo, no mercado

    consumidor, a exigncias mais individualizadas; o trabalho operariado realizado em

    equipe, com multivariedade de funes; tem como princpio o just in time, maior

    aproveitamento possvel de produo, funciona segundo sistema Kanban, placas ou

    senhas de comando para reposio de peas e de estoque, que devem ser mnimos no

    toyotismo.

    O projeto neoliberal apareceu como estratgia hegemnica de reestruturao

    geral do capital face crise, ao avano tecnolgico-cientfico, reorganizao

    geopoltica e s lutas de classe que se desenvolvem ps-70. O discurso que passa a ser

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  • utilizado pelas lideranas polticas o de retomada do crescimento econmico, da

    insero do Brasil na economia internacional e da necessidade de redefinio do papel

    do Estado.

    Atravs das relaes entre o neoliberalismo e a crise geral da nossa sociedade

    podemos perceber que, ao lado da persistncia da pobreza e do crescimento das

    desigualdades, ganham fora velhos problemas. Estamos sendo perigosamente

    empurrados por uma cultura que radicaliza a ambio de possuir, acumular e consumir e

    substitui a realizao das pessoas em comunidades participativas pelo xito individual

    no mercado.

    Com a reestruturao produtiva, pode-se perceber forte presena do toyotismo

    em que h uma nova organizao do trabalho. Com a presena cada vez crescente de

    tecnologias, h mudanas no processo de trabalho. O trabalhador torna-se flexvel. Faz-

    se necessrio ser criativo. Diante das crescentes inovaes, o trabalhador no mais

    algo que possui um trabalho rotineiro, porm faz-se necessrio que seja adaptado s

    inovaes. Ser flexvel, fazer de tudo um pouco, ao contrrio, ser descartado.

    Uma das principais conseqncias do novo padro de acumulao flexvel a

    intensificao do trabalho, que agrega a desregulamentao dos direitos trabalhistas, a

    fragmentao da classe trabalhadora, a precarizao e a terceirizao da fora de

    trabalho, alm do desmonte do sindicalismo classista.

    O desemprego tambm aparece como uma estratgia poltica sria para reduzir a

    fora da classe trabalhadora, ou seja, se forjaria uma crise no capitalismo para repor o

    exercito industrial de reserva. Assim, entende-se que a crise do fordismo foi uma crise

    de rentabilidade do capital e da presena de condies desfavorveis a uma maior

    explorao da fora de trabalho.

    Uma das interpretaes mais recorrentes do processo de transformao interna

    do capital tem encarado o desemprego como um fenmeno natural, conseqncia de um

    ajuste estrutural do capital, produzido pela introduo de novas tecnologias poupadoras

    da fora de trabalho. Como a reestruturao produtiva encontrou nos sindicatos o

    principal obstculo aos seus objetivos, a fragilizao dos mesmos se tornou requisito

    fundamental para o bom andamento do processo de recuperao da lucratividade do

    capital.

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  • A partir da, podemos compreender que os supostos condicionantes tecnolgicos

    inevitveis so produzidos pelo sistema como tentativa de retomar o controle do capital

    sobre o trabalho.

    No entanto, a realidade possibilitou que, apesar deste novo impulso nos

    movimentos sociais desde o processo de redemocratizao, a poltica econmica do pas

    fosse encaminhada no desmonte do servio pblico responsvel pela garantia dos

    direitos sociais e pela flexibilizao dos direitos trabalhistas.

    Essa conjuntura poltico-econmica marcada, de um lado pela crescente

    heterogeneidade do aumento da pobreza e do desemprego, enfim a crise de legitimidade

    aparece como a maior da atual conjuntura, j que corri as bases da coeso social. Para

    aqueles mais vinculados tendncia neoliberal, a crise da poltica resulta de um excesso

    de demandas sociais e da incapacidade do Estado em process-las.

    O diagnstico deste quadro problemtico seria o excesso de Estado e a

    necessria liberalizao da sociedade via o mercado. No plano institucional esta via se

    expressa na poltica dos ajustes e reforma do Estado; contrariamente, para outros, que

    pensam a sociedade de forma alternativa a normatividade neoliberal, a crise gerada

    por uma hegemonia global em torno do mercado, que de um lado desorganiza

    internamente as sociedades perifricas e de outro dessocializa a economia, criando

    paradoxalmente sociedades sem sujeitos e aprofundando o fosso entre o social e a

    poltica.

    Essas categorias analticas e estratgicas, de carter intermedirio, mais flexveis

    procuram apreender as novas formas de organizao e interseo do tecido social nas

    suas relaes diversificadas com a gesto da democracia, o fortalecimento da cidadania

    e o enfrentamento da pobreza.

    A implementao desses novos arranjos, no entanto, nem sempre resultaram em

    polticas redistributivas nem no exerccio da eqidade social. Tampouco o seu exerccio

    tem favorecido a autonomia das instncias locais ou comunitrias, acabando por

    constiturem-se, muitas vezes em novas formas de segregao da pobreza, aprofundando

    prticas predatrias como o clientelismo, assistencialismo e o paternalismo

    reconvertendo estas aes em favor de interesses particularistas de grupos econmicos

    locais ou extra-locais, sem universalizao das regras democrticas.

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  • No plano estrutural, das polticas sociais, as alternativas tm sido encaminhadas

    a partir de polticas transversais de insero, que contemplem ao mesmo tempo a

    formao da renda e a insero nas redes sociais de assistncia, de servios pblicos e

    integrao social. Na base dessas polticas geradoras de renda e da integrao social,

    encontra-se um diagnstico da questo social que analisa o processo de vulnerabilidade

    social, entendida pela conjugao entre precarizao do trabalho e fragilidade dos

    suportes relacionais. Vale ressaltar que:

    A questo social est elementarmente determinada pelo trao prprio e peculiar da relao capital/trabalho a explorao. A explorao, todavia, apenas remete a determinao molecular da questo social; na sua integralidade, longe de qualquer incausalidade. Ela implica a intercorrncia de componentes histricos, polticos, culturais etc. Sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital, toda a luta contra as suas manifestaes scio-polticas e humanas (precisamente o que designa por questo social est condenada a enfrentar sintomas, conseqncias ou efeitos). (NETTO, 2001, p 45).

    Sendo assim, os vnculos que se estabelecem entre democracia e poltica social

    sempre ambivalentes, uma vez que enquanto a universalizao e a homogeneizao dos

    Direitos no sejam alcanadas ou concludas estas polticas aparecem restritas a um

    compromisso corporativista do ncleo estvel dos trabalhadores assalariados e

    funcionrios do Estado, podendo aparecer como um sentido inverso, ou seja, como

    fracionamento das situaes econmicas, entre os integrados e os no integrados ao

    sistema de seguridade, que podem levar a formas de dependncia polticas de carter

    antidemocrticas, clientelistas, aparecendo como operaes polticas puramente

    assistencialistas ou de carter filantrpicas; a um assistencialismo populista, que pode

    fundar um neoclientelismo ou ainda, conduzir a polticas de cunho eminentemente

    repressivas.

    Nesse contexto, desaparece como horizonte preocupao pela qualidade de

    vida geral da populao, que antes se expressou nos chamados Estados de Bem-Estar.

    Desaparecendo o sentido de espao pblico.

    Buscamos ento, resgatar as novas expresses da questo social no Brasil

    relacionando-as a totalidade histrica em que se inserem. Temos como pressuposto de

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  • anlise a hiptese de que a atual configurao do capitalismo monopolista produz

    ndices crescentes de violncia e criminalizao, hoje isso pode ser estatisticamente

    comprovado em todos os pases que incorporaram o Consenso de Washington e suas

    polticas criminais.

    Este contexto, construdo pela lgica neoliberal, pretende remediar, nos termos

    do socilogo Loic Wacquant3, com um Mais Estado Penitencirio e Policial um

    Menos Estado social.

    O desmonte do Estado de Bem Estar, segundo o autor, abriu caminho para a

    construo do Estado Penal, que comprova o deslocamento da populao desassistida

    pela destruio dos programas sociais e sua relocao no sistema penitencirio.

    Onde o Estado brasileiro passa a ser mais policial e penitencirio e menos social

    criando bases para instituir o chamado mito das classes perigosas. Fazendo com que

    ao longo dos trs ltimos sculos a pobreza seja identificada, no Brasil, com as classes

    perigosas, resultando na marginalizao sobre os excludos do trabalho onde os

    mesmos so responsabilizados pela perda e/ou dificuldade em conseguir alguma

    colocao no mercado.

    Nesse sentido, procuraremos recuperar a partir de uma anlise histrica que

    prioriza o protagonismo das classes, a natureza excludente e conservadora dos pactos

    polticos que conduziram o processo de produo capitalista, pois as relaes

    trabalhistas foram historicamente marcadas pela naturalizao das desigualdades

    sociais.

    A abordagem vinculada faz uma analise de um processo que est alm da

    excluso do emprego. Em que a vulnerabilidade dos pobres trabalhadores e

    desempregados se expressa no s no aumento da excluso do emprego, mas tambm

    dos vnculos empregatcios.

    A lgica dessa excluso nos leva a compreender que ao lado de uma economia

    moderna existem milhes de pessoas excludas de seus benefcios, assim como servios

    proporcionados pelo governo. As pessoas foram includas de forma excludentes4 por

    3 Em seu livro Punir os Pobres A nova gesto da misria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan. 2003, Lic recompe o trajeto do discurso de defesa das estratgias coercitivas sobre a delinqncia que resultaram no desenvolvimento de um Estado Penal e acompanham as conseqncias dessa poltica que uma forma de velar os efeitos de uma outra poltica econmico-social que marginaliza uma parcela da populao.4 Para tal conceito ver MARTINS, Jos de Souza. A sociedade vista do abismo: Novos estudos sobre excluso, pobreza e classes sociais. Petrpolis, RJ: Vozes, 2002.

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  • processos de mudana social, poltica ou econmica. Numa incluso limitada no qual o

    acesso aos bens de servio fica restrito no incluindo grandes segmentos da populao

    aos setores da modernidade das sociedades.

    Contudo, a punio que vem sendo sofrida pelos pobres com a criminalizao da

    questo social vem se dando com a reconfigurao do Estado, onde gastos na rea social

    aumentaram, mas com polticas compensatrias, que so polticas paliativas, que no

    geram cidadania, ou seja, polticas pobres para os pobres.

    Portanto, o pas que conheceu a cidadania regulada5 ao mundo do trabalho, com

    a desregulamentao do mesmo, a cidadania passa ento a ser ligada ao consumo.

    Sendo assim, os pobres, assim como as elites e a classe mdia, descobriram que na

    sociedade contempornea o consumo ostensivo um meio de afirmao social e

    definio de identidade. Nesse sentido:

    A articulao entre a lei, a cultura e as tradies explicitam os aspectos mais autoritrios de uma sociedade em que os direitos nunca foram formulados segundo uma noo de igualdade, mas na tica da proteo de um Estado benevolente. As diferenas sociais so transformadas em hierarquias que criam a figura do subalterno que tem o dever da obedincia, onde a proteo se torna um favor. Contudo, a privao dos direitos pe em foco como as diferenas sociais so percebidas no espao social. (TELLES, 2001, p 57).

    Sendo assim, atravs dessa articulao, podemos analisar o desemprego e as

    novas formas de vnculos empregatcios, no qual podemos perceber como vem sendo

    aplicadas a chamada flexibilizao do trabalho, modo de escapar da presso sindical, e a

    instabilidade nas relaes entre trabalho e pobreza.

    A economia e a sociedade, a produo e as condies de produo, o capital e o

    trabalho, a mercadoria e o lucro, o pauperismo e a propriedade privada capitalista

    reproduzem-se mutuamente. O pauperismo no se produz do nada, mas da

    pauperizao. O desemprego e o sub-emprego so manifestaes dos fluxos e refluxos

    dos ciclos dos negcios, a misria e a pobreza, em geral, so ingredientes desses

    processos.

    5 A esse respeito consultar: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justia: a poltica social na ordem brasileira, 2ed., Rio de Janeiro, Campus, 1987.

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  • Dessas anlises apresentadas, nos atenta concluir que a misria produzida pelo

    prprio capital de forma cada vez mais intensa nas sociedades que ele domina. O capital

    goza de benefcios para existir como produtor da misria, aumentando a crise

    econmica, da mesma forma o desemprego, a informalidade, a misria e a desigualdade

    social.

    Uma das interpretaes mais recorrentes do processo de transformao interna

    do capital tem encarado o desemprego como um fenmeno natural, conseqncia de um

    ajuste estrutural do capital, produzido pela introduo de novas tecnologias poupadoras

    da fora de trabalho. Essa idia de existncia de um determinismo tecnolgico tem

    acarretado conseqncias srias no interior do movimento dos trabalhadores. Ento,

    podemos compreender que os supostos condicionantes tecnolgicos inevitveis so

    produzidos pelo sistema como tentativa de retomar o controle do capital sobre o

    trabalho. Porm, entendemos que essa percepo de que a sociedade est sujeita a

    chamada mo invisvel do mercado, corresponde a uma idealizao neoliberal da esfera

    econmica.

    O novo modelo de gesto capitalista, conhecido como toyotismo, gerou uma

    flexibilizao generalizada no mundo do trabalho que atingiu a organizao do trabalho,

    nas fbricas e nos servios. Tal processo tem intensificado a demanda dos setores

    empresariais de alterao no campo da legislao, principalmente no que tange

    Consolidao das leis Trabalhistas, firmada ainda no governo Vargas.

    As mudanas na lei do trabalho de acordo com os pressupostos neoliberais

    foram implementadas principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso e,

    apesar de esse ser o discurso que justificava tais modificaes, no aumentaram o nvel

    de emprego no Brasil. Desde janeiro de 1995 houve alteraes para flexibilizar a lei

    trabalhista.

    Dessa forma, ao mesmo tempo em que reafirma a manuteno da acumulao

    capitalista, ainda que sob novos patamares, tem especificaes no processo de

    organizao do trabalho, nas aes do Estado e nas aes do mercado. A dinmica deste

    processo assume feies diferenciadas em funo do grau de desenvolvimento das

    foras produtivas, das organizaes dos movimentos dos trabalhadores, em seus rgos

    representativos e pelas particularidades de nossa formao econmico-social.

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  • Nos anos 1990 e em pleno sculo XXI, o processo de reestruturao produtiva

    favoreceu a globalizao, abertura do mercado interno e as inovaes tecnolgicas de

    organizao e gesto da fora de trabalho. Juntamente com o aumento do desemprego e

    da precarizao do trabalho. No Brasil, as relaes de trabalho foram historicamente

    marcadas pela vulnerabilidade nas garantias sociais, ou seja, grande contingente da

    fora de trabalho permanecendo margem do sistema de proteo social advindo do

    trabalho formal.

    Apesar do avano na legitimidade das polticas sociais com a CF de 1988, a

    dcada de 90 no se constitui em ambiente favorecedor ampliao dos direitos sociais.

    As transformaes nos padres de acumulao capitalista, ocasionadas pelas inovaes

    tecnolgicas, a globalizao e as crises do sistema financeiro, so responsveis pela

    ocorrncia de um turbilho de modificaes no mercado de trabalho e na vida dos

    indivduos.

    Neste sentido, as mudanas no mundo do trabalho6 e no mbito do Estado

    recolocam em nveis alarmantes as dimenses quantitativas da pobreza, expressando

    atravs do desemprego, subemprego, precarizao do trabalho, trabalho precoce e o

    desmonte das polticas pblicas.

    Portanto, o projeto neoliberal encontrou na sociedade brasileira graus alarmantes

    de desigualdades, gerando no pas uma sociedade heterognea nas novas formas de

    domnio do capital sobre o trabalho e na reatualizao das antigas formas. Trazendo

    mudanas como a reproduo da fora de trabalho mal remunerada e o no acesso aos

    direitos sociais.

    Entretanto, a distribuio mais igualitria da renda, a erradicao da pobreza e a

    elevao dos nveis de renda da populao em geral constituem grandes desafios do

    pas. E diante da complexidade de cada um deles, preciso deixar claro que no h

    solues simples e isoladas. E s sero superadas atravs da articulao das lutas sociais

    em torno de uma sociedade mais justa e de uma perspectiva emancipatria de

    democratizao das relaes Estado/Sociedade.

    CONSIDERAES FINAIS

    6 Para essa definio ver ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e centralidade do mundo do trabalho. So Paulo: Cortez, 1995.

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  • Conforme registrou a assistente social e professora Marilda Vilela Iamamoto,

    Vivemos numa poca de regresso de direitos e destruio

    do legado das conquistas histricas dos trabalhadores, em

    nome da defesa quase religiosa do mercado e do capital,

    cujo reino se pretende a personificao da democracia,

    das liberdades e da civilizao. A mistificao inerente ao

    capital, enquanto relao social alienada, que monopoliza

    os frutos do trabalho coletivo, obscurece a fonte criadora

    que anima o processo de acumulao em uma escala

    exponencial no cenrio mundial: o universo do trabalho.

    (IAMAMOTO, 2004, p 1).

    Compreender as mazelas da questo social na contemporaneidade implica

    compreender os complexos nexos do universo do trabalho e os custos sociais

    promovidos pela avalanche neoliberal que nos assolou na dcada de 1990 e ainda

    persistem no sculo XXI, quando:

    Intensifica-se a investida contra a organizao coletiva de

    todos aqueles que destitudos de propriedade, dependem

    de um lugar nesse mercado, cada dia mais restrito e

    seletivo, que lhes permitam produzir o equivalente de seus

    meios de vida. Crescem com isso as desigualdades e, com

    elas, o contingente de destitudos de direitos civis,

    polticos e sociais. Esse processo potencializador pelas

    orientaes (neo) liberais, que capturam os Estados

    nacionais, erigidas, pelos poderes imperialistas, como

    caminho nico para animar o crescimento econmico,

    cujo nus real recai sobre as grandes maiorias.

    (IAMAMOTO, idem).

    Consideramos tambm que o Brasil foi alvo de estratgias econmicas na sua

    insero no cenrio internacional, sendo influenciado ideologicamente por organismos

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  • multilaterais. Isso nos ajuda a compreender as modificaes no mundo do trabalho

    intensificadas com a precarizao das relaes sociais.

    A noo de pobreza, atualmente o que vem norteando as polticas sociais,

    alertando para o fato que no h possibilidade de conceituao ou aplicao do conceito

    de pobreza e da categoria questo social, sem a viso da totalidade das relaes sociais e

    econmicas, e do sistema capitalista. No considerar a pobreza e a questo social

    inseridas nesse contexto e como produtos deste, implica o uso despolitizado destes

    termos. Isto implica em conceber as mazelas do sistema como algo natural e inerente

    aos seres humanos, no sentido de fortalecer a explorao da maioria da humanidade.

    As fontes internacionais apontam aumento da pobreza e das desigualdades na ltima dcada e mostra que o Brasil, 10% brasileiros mais pobres recebem 0,9% da renda do pas, enquanto os 10% mais ricos ficam com 47,2%. Segundo a Unicef, seis milhes de crianas (10% do total) esto em condies de severa degradao das condies humanas bsicas, incluindo alimentao, gua limpa, condies sanitrias, sade, habitao, educao e informao. Com 53,9 milhes de pobres, o equivalente a 31,7% da populao, o Brasil aparece em penltimo lugar em termos de distribuio de renda numa lista de 130 pases. o que mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).7

    Neste sentido, podemos compreender as formas e resultados da acumulao

    capitalista, onde a pobreza fruto dos antagonismos e contradies inerentes s

    condies de produo, as relaes que produzem a riqueza e a pobreza, onde

    trabalhadores produzem riqueza, atravs da utilizao de seu trabalho.

    A pobreza na modernidade assume contornos cada vez maiores e com traos

    particulares e dramticos, tal qual sua extenso, profundidade e complexidade. A

    pobreza atualmente est presente em inmeras regies e pases, de maneira nunca vista

    anteriormente e com o surgimento de outros determinantes que tornam possvel

    vivenciarmos uma globalizao da pobreza. E tambm no podemos deixar de

    mencionar a forma como o capital trata a questo social atualmente, de maneira a

    naturalizar suas desigualdades, presente em todos os lugares e com formas

    diferenciadas.

    Falar de questo social falar da diviso da sociedade

    em classes e apropriao desigual da riqueza socialmente 7 Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, divulga em Braslia. Agncia de Notcias do Terceiro Setor. Por Marcio Demari, Diretor Presidente do Planeta Voluntrios Brasil, em 5-4-10

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  • gerada. Dessa forma, afirma colocar em questo a luta

    pela apropriao da riqueza social. Questo que se

    reformula e se redefine, mas permanece substantivamente

    a mesma por se tratar de uma questo estrutural, que no

    se resolve numa formao econmica social por natureza

    excludente. Questo que na contraditria conjuntura atual

    (...) assume novas configuraes e expresses.

    (YAZBEK, 2000, p 33).

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