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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A REPRESENTAÇÃO ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE 3ª PESSOA: USO E
AVALIAÇÃO LINGUÍSTICA SUBJETIVA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
ADRIANA LOPES RODRIGUES COELHO
2019
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A REPRESENTAÇÃO ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE 3ª PESSOA: USO E
AVALIAÇÃO LINGUÍSTICA SUBJETIVA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
ADRIANA LOPES RODRIGUES COELHO
Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-
graduação em Letras (Letras Vernáculas) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa)
Orientador: Profª Doutora Silvia Rodrigues Vieira
RIO DE JANEIRO
AGOSTO/2019
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A REPRESENTAÇÃO ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE 3ª PESSOA: USO E AVALIAÇÃO LINGUÍSTICA SUBJETIVA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira
Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-graduação em Letras vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
______________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ
______________________________________________________________________ Professora Doutora Edila Vianna da Silva – UFF
______________________________________________________________________ Professor Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ
______________________________________________________________________ Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
______________________________________________________________________ Professora Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ
_______________________________________________________________________________
Professora Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ – Suplente
________________________________________________________________________
Professora Doutora Mônica Tavares Orsini – UFRJ – Suplente
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RODRIGUES-COELHO, Adriana Lopes.
A representação anafórica do objeto direto de 3ª pessoa: uso e
avaliação linguística subjetiva no processo de ensino aprendizagem / Adriana
Lopes Rodrigues Coelho. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2019.
Xi, 179f.:Il.;31cm.
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Tese (Doutorado)-UFRJ/FL/Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, 2019.
Referências Bibliográficas: f.162-173
1.Objeto direto de terceira pessoa. 2. Retomada anafórica. 3. Avaliação
subjetiva. 4. Ensino de Língua Portuguesa. I. Vieira, Silvia Rodrigues. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. A representação anafórica do
objeto direto de terceira pessoa: uso e avaliação linguística subjetiva no
processo de ensino–aprendizagem.
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SINOPSE
Estudo sobre as formas alternantes de representação
do acusativo anafórico de terceira pessoa.
Investigação qualitativa da avaliação linguística
subjetiva docente e discente. Análise
sociolinguística variacionista de corpus de redações
escolares produzidas por alunos de 1º e 3º ano do
Ensino Médio.
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RESUMO
A REPRESENTAÇÃO ANAFÓRICA DO OBJETO DIRETO DE 3ª PESSOA: USO E
AVALIAÇÃO LINGUÍSTICA SUBJETIVA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Orientadora: Doutora Silvia Rodrigues Vieira
A presente investigação consiste em uma análise da avaliação subjetiva de professores
e alunos quanto à anáfora do objeto direto de terceira pessoa, na modalidade escrita do
português brasileiro. Sob orientação da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH, LABOV e
HERZOG, 1986; LABOV, 1972 e 1994), considera-se o princípio de que a variação é
inerente, havendo uma heterogeneidade ordenada, passível de sistematização e condicionada
por aspectos linguísticos e extralinguísticos, estabelecendo-se, com isso, as formas alternantes
para o fenômeno investigado: (i) o pronome átono, (ii) o pronome lexical, (iii) o SN
referencial e (iv) o objeto nulo. Quanto à avaliação subjetiva, no âmbito da correlação entre
crenças e atitudes, somam-se referências como Lambert (1967), Lambert & Lambert (1972),
Santos (1996), Aguilera (2008) e Corbari (2012); para os conceitos de norma e ensino da
língua, Faraco (2008, 2013, 2015), Franchi (1991, 2001) e Vieira (2014, 2017). Assim,
objetiva-se verificar as crenças e atitudes docentes quanto ao caráter variável da língua, com
destaque ao uso das formas variantes associadas ao fenômeno em estudo, buscando-se, ainda,
averiguar a influência de tais crenças sobre a formação das crenças discentes com reflexo em
seus usos. Os principais resultados obtidos demonstram: (i) parcial consciência linguística de
professores e alunos no que se refere ao caráter variável das questões teóricas de ensino da
Língua Portuguesa e da representação do fenômeno em foco; (ii) processo de ensino-
aprendizagem da língua fundamentado em concepções normativas; (iii) avaliação, tanto
docente como discente, positiva do emprego clítico acusativo e do SN anafórico sinônimo e
negativa do pronome nominativo e do objeto nulo para representação do objeto direto
anafórico; (iv) influência das crenças linguísticas docentes sobre a formação das crenças dos
alunos, assim como sobre seus usos, tendo como resultado o esforço discente em evitar o
emprego de formas estigmatizadas ou simplesmente não contempladas pela orientação
didática tradicional. Destaca-se, portanto, a importância da Sociolinguística Educacional para
tornar professores e alunos cada vez mais conscientes do caráter variável do português
brasileiro e de sua competência enquanto usuários da língua.
Palavras-chave: Objeto direto de terceira pessoa; retomada anafórica; avaliação subjetiva,
ensino de Língua Portuguesa; Sociolinguística Educacional
Rio de Janeiro
Agosto/2019
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ABSTRACT
THE ANAFORIC REPRESENTATION OF THE 3-PERSON DIRECT OBJECT;
SUBJECTIVE LINGUISTIC USE AND EVALUATION IN THE TEACHING-LEARNING
PROCESS
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Orientadora: Doutora Silvia Rodrigues Vieira
The present investigation consists of an analysis of the subjective evaluation of teachers and
students regarding the third person direct object anaphora, in the written modality of Brazilian
Portuguese. Under the guidance of the Labovian Sociolinguistics (WEINREICH, LABOV
and HERZOG, 1986; LABOV, 1972 and 1994), the principle is considered that variation is
inherent, with an orderly heterogeneity, subject to systematization and linguistic and
extralinguistic conditioning, establishing itself. Thus, the alternating forms for the
investigated phenomenon: (i) the unstressed pronoun, (ii) the lexical pronoun, (iii) the
referential SN and (iv) the null object. Regarding the subjective assessment, in the context of
the correlation between beliefs and attitudes, there are references such as Lambert (1967),
Lambert & Lambert (1972), Santos (1996), Aguilera (2008) and Corbari (2012); for the
concepts of norm and language teaching, Faraco (2008, 2013, 2015), Franchi (1991, 2001)
and Vieira (2014, 2017). Thus, the objective is to verify the teachers' beliefs and attitudes
regarding the variable character of the language, with emphasis on the use of the variant
forms associated with the phenomenon under study, seeking also to investigate the influence
of such beliefs on the formation of student beliefs with reflection on its uses. The main results
obtained demonstrate: (i) partial linguistic awareness of teachers and students regarding the
variable character of the theoretical questions of Portuguese Language teaching and the
representation of the phenomenon in focus; (ii) language teaching-learning process based on
normative conceptions; (iii) positive assessment, both teacher and student, of the accusative
clitic use and the synaptic anaphoric SN and negative of the nominative pronoun and the null
object to represent the anaphoric direct object; (iv) influence of teaching language beliefs on
the formation of students' beliefs, as well as on their uses, resulting in the student's effort to
avoid the use of stigmatized forms or simply not contemplated by traditional didactic
orientation. Therefore, the importance of Educational Sociolinguistics is highlighted to make
teachers and students increasingly aware of the variable character of Brazilian Portuguese and
its competence as users of the language.
Key-words: Direct object of third person; anaphoric reference, subjective evaluation,
Portuguese language teaching; educational sociolinguistics
Rio de Janeiro
Agosto/2019
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À minha doce Mariana, que desde o ventre me
acompanha nesta jornada, aprendendo que a educação é
o único instrumento para realizar o que parece
impossível.
9
AGRADECIMENTOS
A Deus, por orientar as minhas escolhas, pela força concedida e por tornar possível todas as
minhas conquistas.
À minha família, sem a qual nada poderia ter acontecido. Obrigada por todo apoio, por todas
as vezes que tiveram de me ajudar com “o meu pacote”, por toda a preocupação e
encorajamento constante. Infinitamente obrigada pela presença, pela colaboração e pelo amor
dedicado.
Ao meu marido, por acreditar no meu potencial, por me trazer à realidade nos momentos de
desespero, pela sua infinita colaboração e pelo apoio incondicional. Obrigada por estar ao
meu lado desde o vestibular dizendo que vai dar tudo certo.
À minha filha, que, desde o ventre, me acompanhou no trecho Rio-Angra e em todas as outras
aventuras que se fizeram presentes ao longo do curso; por todas as vezes que esperou,
colaborou e compreendeu que a mamãe não podia brincar porque iria fazer os “estudamentos”
e pelo amor que me fortaleceu para escrever cada parágrafo desta tese.
Às escolas que colaboraram e viabilizaram a realização deste trabalho, em especial ao Colégio
Naval, instituição que contribuiu altamente para o meu crescimento profissional e pessoal,
onde pude experimentar a satisfação de exercer a docência e vencer a cada dia os desafios de
ser um instrutor RM2.
Ao professor Agnaldo, que, com imensa boa vontade e colaboração, viabilizou o contato com
a Colégio Estadual e tornou possível a realização desta investigação nos moldes traçados.
Aos professores colaboradores, que, gentilmente, participaram desta pesquisa, tornando viável
o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço sobretudo aos docentes do CN, companheiros
diários, fortes e incansáveis na missão!
Aos meus queridos alunos, colaboradores e verdadeiros motores da realização deste trabalho,
pois, a cada aula ministrada, me deixavam clara a importância do professor na formação do
indivíduo em sua própria Língua, mediando o desenvolvimento de um trabalho sério e
objetivo e, ao mesmo tempo, sensível e prazeroso.
Aos amigos, que sempre estiveram dispostos a falar “vai passar, você vai conseguir” e tantas
vezes tiveram de ouvir “pô, tá uma loucura... não vai dar”.
À minha querida orientadora, por toda compreensão, dedicação e amizade. Muitíssimo
obrigada por sempre ter sido a orientadora que eu precisei, em todos os momentos,
assumindo, em verdade, diversas funções em minha vida e tornando-se um exemplo diário.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................
15
1.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................
21
1.1. Pressupostos gerais da Teoria da variação e mudança............................................ 21
1.2. Os usos linguísticos e a avaliação subjetiva: a noção de crenças e atitudes na
perspectiva linguística.................................................................................................
25
1.3. O ensino de Língua Portuguesa............................................................................... ... 30
1.3.1. Orientações formais para o ensino de Língua Portuguesa............................. 30
1.3.1.1. Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)....................................... 31
1.3.1.2. Currículo Mínimo (SEEDUC).......................................................... 34
1.3.1.3. Programa de Ensino do Colégio Naval (2018)................................. 35
1.3.1.4. Base Nacional Comum Curricular................................................... 37
1.3.2. O ensino de Gramática................................................................................. 40
1.3.2.1. Reflexões e propostas para o ensino produtivo de gramática....... 40
1.3.2.2.Contribuições da sociolinguística educacional....................................
53
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: O FENÔMENO EM ESTUDO.............................
64
2.1 A anáfora do objeto direto nas gramáticas............................................................... 64
2.2 A anáfora do objeto direto em livros didáticos........................................................ 68
2.3 A anáfora do objeto direto sob a ótica científica......................................................
74
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS..............................................................................
84
3.1. Contexto escolar/situacional das escolas colaboradoras......................................... 85
3.2 Frentes de trabalho................................................................................................... 87
3.2.1. Investigação da avaliação linguística subjetiva.............................................. 89
3.2.2. Estudo dos usos.............................................................................................. 96
3.2.2.1. A variável dependente....................................................................... 97
3.2.2.2 As variáveis independentes ................................................................
100
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS: AVALIAÇÃO E USO...........................................
108
4.1 A avaliação linguística subjetiva................................................................................ 108
4.1.1. A perspectiva docente....................................................................................... 108
4.1.2. A perspectiva discente ...................................................................................... 118
4.2 Os usos linguísticos ..................................................................................................... 125
4.2.1 Distribuição dos dados ...................................................................................... 126
4.2.2 A análise multivariada dos dados....................................................................... 139
4.3 A avaliação linguística subjetiva e seus reflexos na escrita escolar............................
146
CONCLUSÃO........................................................................................................................
154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 162
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
CE – Colégio Estadual
CN – Colégio Naval
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
OCN – Orientações Curriculares Nacionais
PB – Português Brasileiro
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNE – Plano Nacional de Educação
PROENS – Programa de Ensino do Colégio Naval
SAEB – Sistema Nacional de Educação Básica
SAERJ – Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro
SEEDUC – Secretaria do Estado de Educação do Rio de Janeiro
SN – Sintagma Nominal
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Distribuição das estratégias de representação anafórica do objeto direto de
terceira pessoa em redações escolares do CN (amostra principal)....................................
133
Gráfico 02: Distribuição geral das formas de representação do acusativo anafórico de
terceira pessoa de acordo com a variável ano escolar (amostra
principal)..............................................................................................................................
138
Gráfico 03: Distribuição geral das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa
não proposicional em redações escolares (amostra principal)............................................
140
Gráfico 04: relação entre avaliação e usos realizados pelos alunos no 1º ano do Ensino
Médio CN...........................................................................................................................
151
Gráfico 05: relação entre avaliação e usos realizados pelos alunos no 3º ano do Ensino
Médio CN............................................................................................................................
151
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Avaliação discente da variante clítico acusativo.............................................
121
Tabela 02: Avaliação discente da variante pronome nominativo.......................................
122
Tabela 03: Avaliação discente da variante SN referencial idêntico ..................................
123
Tabela 04: Avaliação discente da variante SN referencial sinônimo.................................
123
Tabela 05: Avaliação discente da variante objeto nulo .....................................................
124
Tabela 06: Distribuição das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa nas
redações dos alunos que compõem os grupos de rendimento acadêmico: 1º ano E.M -
2016....................................................................................................................................
127
Tabela 07: Distribuição das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa nas
redações dos alunos que compõem os grupos de rendimento acadêmico: 3º ano E.M -
2018....................................................................................................................................
127
Tabela 08: Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa na
amostra principal de redações escolares de primeiro e terceiro ano do ensino médio do
CN.......................................................................................................................................
132
Tabela 09: Distribuição das formas de representação do acusativo anafórico de terceira
pessoa de acordo com a variável ano escolar (amostra principal)......................................
134
Tabela 10: Distribuição das formas de SN anafóricos em redações escolares (amostra
principal).............................................................................................................................
136
Tabela 11: distribuição das variantes após exclusão dos dados de acusativos anafóricos
proposicionais no corpus de redações escolares.................................................................
140
Tabela 12: Condicionamento da variável “animacidade do termo antecedente” ao
emprego do clítico pronominal em redações escolares de 1º e 3º ano do Ensino Médio
do Colégio Naval ...............................................................................................................
141
Tabela 13: Condicionamento da variável “distância entre o termo referente e o termo
anafórico” ao emprego do clítico pronominal em redações escolares de 1º e 3º ano do
Ensino Médio do Colégio Naval ........................................................................................
143
Tabela 14: Cruzamento entre as variáveis forma verbal do predicador e ordem do
clítico pronominal...............................................................................................................
145
Tabela 15: Avaliação subjetiva de docentes e discentes acerca das formas alternantes de
representação do acusativo anafórico de terceira pessoa em dois anos do Ensino Médio
(Colégio Naval)..................................................................................................................
148
14
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Pronomes pessoais do Português Brasileiro, segundo Castilho
(2015,p. 87)...........................................................................................................................
67
Quadro 2: Pronomes pessoais, segundo Abaurre, Abaurre & Pontara
(2014, p. 220)........................................................................................................................
69
Quadro 03: Categorização de alunos consoante desempenho escolar para análise de
avaliação linguística subjetiva........................................................................................
96
Quadro 04: Variável dependente − Representação anafórica objeto direto de terceira pessoa 97
Quadro 05: Avaliação das formas variantes de representação do acusativo anafórico de 3ª
pessoa – docentes CN.....................................................................................................
109
Quadro 06: Avaliação das formas variantes de representação do acusativo anafórico de 3ª
pessoa – docentes CE.....................................................................................................
110
Quadro 07: Informações acadêmico-profissionais dos docentes CN....................................
117
Quadro 08: Informações acadêmico-profissionais dos docentes CE.....................................
117
15
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa corresponde a um trabalho de natureza sincrônica, de cunho
variacionista, tendo como objeto de estudo a representação anafórica do objeto direto de
terceira pessoa na escrita escolar do Português do Brasil. Para tanto, com base no perfil
variável do referido fenômeno, investiga-se, de um lado, a avaliação, o julgamento de
docentes e discentes quanto às variantes em questão, e, de outro, o uso linguístico dos
alunos quanto às formas variantes na modalidade escrita.
Caracterizando-se o teor variacionista do estudo, apresentam-se, a seguir, as formas
alternantes do fenômeno investigado (“fatores da variável dependente”, em termos
estatísticos), tendo como referência o termo destacado no enunciado “Os alunos atletas têm
bom desempenho e ótimos resultados nas competições”: (i) o pronome átono (os
treinadores sempre os orientam), (ii) o pronome lexical (os treinadores sempre orientam
eles), (iii) o SN referencial (os treinadores sempre orientam esse grupo) e (iv) o objeto nulo
(os treinadores sempre orientam _____).
Assume-se como pressuposto da pesquisa a necessidade do desenvolvimento de
investigações comprometidas em não somente analisar os usos efetivos que caracterizam a
linguagem de determinada comunidade de fala, mas também as concepções dos indivíduos
acerca dos fenômenos, que acabam favorecendo o emprego de determinadas formas. É
relevante, portanto, investigar o embate existente entre as impressões subjetivas dos alunos,
assim como dos professores, e os efetivos usos, considerando-se suas crenças a respeito do
que se pretende alcançar no processo de ensino-aprendizagem, que usualmente se faz com
vistas a um padrão idealizado, prescrito em manuais didáticos, mas nem sempre
correspondente ao que configura a modalidade escrita da língua praticada pelos falantes
cultos do Português do Brasil.
Nesse contexto, o presente estudo busca (i) investigar o perfil da norma-padrão (no
sentido proposto por Faraco, 2008) idealizada no contexto das aulas de Língua Portuguesa
das instituições em questão, bem como (ii) avaliar a correspondência entre essa norma e a
norma gramatical prescrita em manuais didáticos e gramáticas tradicionais, além de (iii)
analisar os traços da norma que se materializa nas práticas de alunos e professores nos
respectivos processos de produção e correção de redações escolares. Parte-se do princípio
de que o conhecimento e a diferenciação dos modelos que inspiram esses tipos de norma,
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por parte de professores e alunos, são fatores indispensáveis para o desenvolvimento de um
ensino que leve ao sucesso escolar.
Para a análise do nível de percepção e consciência linguística de professores a
respeito do tema em estudo, este trabalho conta com a colaboração de docentes atuantes no
Ensino Médio do Colégio Naval (CN), instituição de ensino da Marinha do Brasil situados
na Cidade de Angra dos Reis – RJ. Para a investigação dos usos referentes às formas
alternantes do acusativo anafórico na produção escrita escolar, foram analisadas redações
de alunos do referido colégio, numa perspectiva longitudinal, contemplando-se o mesmo
grupo de alunos em dois momentos distintos: ao cursarem o 1º ano e, posteriormente, o 3º
ano do Ensino médio. Aos referidos alunos, aplicou-se também testes de avaliação
subjetiva, buscando-se averiguar a percepção linguística no âmbito discente.
De forma a avaliar o grau de especificidade na formação/qualificação dos
professores do Colégio Naval, a pesquisa, de forma complementar, também procedeu à
análise da percepção e consciência linguística dos docentes em um Colégio Estadual da
mesma região. Assim, foi possível comparar realidades diversas na formação e condução
das práticas pedagógicas no estado do Rio de Janeiro.
Como orientação teórica para o tratamento do fenômeno variável, este trabalho,
além de proceder à revisão da literatura quanto à expressão do objeto direto, segue os
pressupostos da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1986;
LABOV, 1972 e 1994), fundamentando-se, portanto, no princípio de que a variação é
inerente à língua e essa heterogeneidade prevista é concebida como ordenada e passível de
sistematização e condicionamento por fatores linguísticos e extralinguísticos. Dos cinco
problemas propostos por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) para investigação da
mudança linguística, esta pesquisa confere ênfase ao problema das restrições e ao problema
da avaliação. No âmbito da avaliação linguística, além das orientações labovianas,
considera-se a relação entre crenças (convicções do indivíduo) e atitudes (manifestações de
tais convicções), de acordo com Lambert (1967), Lambert & Lambert (1972), Santos
(1996), Aguilera (2008) e Corbari (2012).
A fim de estabelecer uma relação entre temas linguísticos variáveis e o ensino de
língua materna, consideram-se referências como Santos (1996), Bortoni-Ricardo (2005),
Marcuschi (2007), Faraco (2008; 2015), Franchi (1991; 2001; 2006), Vieira e Brandão
(2011), Coan e Freitag (2011), Cyranka (2011), Basso e Oliveira (2012), Camacho (2013),
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Duarte (2013), Foltran (2013), Moura (2013), Vieira e Nunes (2014) e Martins, Vieira e
Tavares (2014), Oliveira; Quarezemin (2016), Freitag (2017), Quarezemin (2017), Pilati
(2017) e Vieira (2017; 2018). O conjunto dessas referências permite traçar um panorama
das reflexões e propostas acerca do ensino de Língua Portuguesa, com necessidade de
reconhecimento, no que se refere ao ensino de gramática, da relação existente entre um
padrão culto idealizado (norma-padrão) e o que, de fato, configura a norma culta
(variedades cultas) no Brasil. Tais referências são extremamente relevantes para que se
compreendam os moldes por meio dos quais é possível desenvolver um trabalho efetivo no
processo de ensino-aprendizagem, sem ignorar a dinamicidade e pluralidade das normas
linguísticas, promovendo um ensino da língua materna reflexivo a partir da aliança entre
sistematização gramatical e práticas de análise linguística.
Tendo em vista a proposta do trabalho ora apresentada, fica claro que a
investigação sociolinguística que aqui se propõe tem motivação em Labov (2008 [1972]),
de acordo com o qual as tendências de mudança linguística dentro de uma comunidade, em
muitos casos, podem ser evidenciadas não só pelos usos, mas também pela uniformidade
dos padrões de avaliação dos indivíduos em relação às formas variantes de determinado
fenômeno. Além disso, como advoga Moura (2013),
Sem dúvida, pesquisas sobre avaliação linguística precisam ser retomadas devido a sua importância para reflexões sobre preconceito e prestígio
linguísticos e para auxiliar na compreensão de como se dão as mudanças da língua. (MOURA, 2013, p. 118)
Assim, como objetivo geral, espera-se que a presente pesquisa contribua para o
ensino do Português do Brasil (PB), de modo a revelar, em alguma medida, a representação
do que se idealiza como norma-padrão na escola a partir das percepções docentes e
discentes, e dos usos praticados no que se refere à expressão do objeto direto na escrita
escolar. Justifica o propósito desta investigação, conforme defende Cyranka (2011), a mais
que necessária articulação entre os resultados científicos e as concepções pedagógicas na
área de Língua Portuguesa:
Apesar de muito que a Sociolinguística tem operado no sentido de desconstruir preconceitos na área da linguagem, creio que muito deve ser
feito ainda no sentido de fazer chegar à escola e às relações professor/aluno esses resultados expressivos. (CYRANKA, 2011, p. 120)
18
Para o cumprimento do objetivo geral, formulam-se, na qualidade de objetivos
específicos, os seguintes propósitos:
(i) verificar como professores e alunos do Colégio Naval avaliam o uso de
formas variantes associadas ao fenômeno em estudo e suas crenças acerca
do que se conceberia como pertinente à norma-padrão;
(ii) comparar as crenças dos professores do Colégio Naval com as de
professores da rede pública estadual, a fim de observar se há um perfil
geral/particular quanto aos aspectos observados;
(iii) descrever a realidade linguística presente nos textos de alunos do
Colégio Naval no que se refere às estratégias de representação anafórica do
objeto direto, identificando os contextos que possam favorecer o emprego
do clítico acusativo, do pronome lexical, do SN anafórico ou do objeto
nulo; e
(iv) atestar em que medida as crenças e atitudes dos professores do Colégio
Naval podem influenciar o nível de consciência dos alunos sobre
fenômenos linguísticos variáveis como a anáfora do objeto direto,
tornando-os capazes de perceber e atribuir valor social às variantes.
Com base nos motivos apresentados para a realização desta pesquisa e nos objetivos
formulados, organizaram-se alguns questionamentos a serem respondidos na investigação:
(i) como se revelam crenças e atitudes de professores (do CN e da rede
estadual) e de alunos (do CN) em relação ao seu próprio uso linguístico?
(ii) como se configura a norma evidenciada pela escrita dos alunos no que se
refere à representação anafórica do objeto direto de terceira pessoa,
considerando os fatores que atuam como condicionadores para o emprego
das variantes consideradas?
(iii) as crenças dos docentes acerca da norma que se deve ensinar podem
influenciar os usos, assim como a formação de crenças e atitudes dos alunos?
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Buscando-se responder preliminarmente a tais questionamentos, postularam-se
as seguintes hipóteses:
(i) as crenças dos professores demonstrariam um esforço em valorizar a norma
gramatical prescrita nos manuais, influenciando os usos e a avaliação
subjetiva dos alunos ao longo do curso escolar.
(ii) o padrão linguístico revelado a partir da escrita escolar demonstraria normas
de uso diferentes daquelas prescritas nos manuais didáticos, refletindo
aspectos que advêm da norma vernacular e se inserem inevitavelmente na
escrita; assim, o emprego das formas variantes nos textos escolares seria
determinado por fatores condicionadores tanto linguísticos (por exemplo, o
contexto morfossintático adjacente) como extralinguístico (o ano escolar do
aluno); e
(iii) não só os usos mas também a avaliação subjetiva dos alunos quanto às
formas variantes de representação do acusativo anafórico estariam
relacionados, também, ao rendimento acadêmico na avaliação escolar.
Buscando-se atingir os propósitos em questão, esta pesquisa compreende três etapas de
análise. A primeira etapa corresponde à observação da avaliação linguística subjetiva
realizada tanto no âmbito docente como no âmbito discente acerca da percepção demonstrada
frente às questões concernentes ao tema de variação e normas linguísticas no ensino de língua
portuguesa e especificamente sobre o caráter variável de representação do fenômeno aqui em
estudo. Essa etapa foi realizada por meio da aplicação de testes e entrevistas aos professores
(do CN e de colégio da rede estadual) e alunos (do CN) colaboradores desta pesquisa. A
segunda etapa refere-se ao estudo dos usos das formas alternantes de representação do objeto
direto anafórico de terceira pessoa, realizada a partir da analise de corpus extraído de
redações escolares produzidas por alunos do Colégio Naval, em dois momentos do curso do
Ensino médio, tendo sido analisadas as redações produzidas pelos alunos em 2016, época em
que cursavam o 1º ano do ensino médio, e em 2018, época em que cursavam o 3º ano do
ensino médio. A terceira etapa, por sua vez, ocupa-se da comparação dos resultados que se
20
puderam observar nas duas primeiras fases da análise, buscando-se interpretar a possível
influência das crenças e atitudes docentes sobre a percepção dos alunos em referência ao
emprego das formas variantes de representação do fenômeno aqui em foco e sobre seus usos
linguísticos correspondentes a representação desse fenômeno variável.
Para a exposição de todas as etapas da investigação em termos teóricos e aplicados,
esta tese organiza-se da maneira que ora se resume. O Capítulo 1 esclarece os fundamentos
teóricos que norteiam a realização desta pesquisa, sejam eles (i) os pressupostos mais gerais
da Teoria Sociolinguística Variacionista, (ii) os aspectos especificamente relacionados ao
usos linguísticos com associação à avaliação subjetiva de indivíduos sobre fatos da língua,
compreendendo os conceitos de crenças e atitudes linguísticas, (iii) as orientações formais
norteadoras do processo de ensino da Língua Portuguesa na realidade das instituições aqui
consideradas, (iv) os pressupostos referentes às diretrizes postuladas para o ensino de temas
gramaticais, considerando-se uma concepção reflexiva, com vistas à implementação do
raciocínio científico em sala de aula e à exposição da pluralidade que envolve os conceitos de
norma. O Capítulo 2 apresenta a revisão dos estudos já realizados na literatura acerca do
fenômeno aqui em foco, englobando a abordagem da tradição gramatical, o tratamento do
tema nos matérias didáticos considerados pelos professores colaboradores desta investigação
e, ainda, uma síntese dos principais estudos científicos. No Capítulo 3, descrevem-se as
instituições envolvidas, traçando-se o perfil dos professores e alunos participantes da
pesquisa, e apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados nesta investigação. O
Capítulo 4 corresponde à exposição dos resultados referentes às três etapas de análise
mencionadas anteriormente, sejam aqueles relativos (i) à avaliação linguística subjetiva
docente e discente a respeito de temas gramaticais e da norma, além da representação
anafórica do objeto direto de terceira pessoa, (ii) à análise dos usos produzidos pelos alunos
em suas redações escolares e (iii) à correlação estabelecida entre as crenças e atitudes tanto
docentes como discentes e os usos registrados nas redações escolares. Na sequência, expõem-
se as considerações finais deste estudo, destacando-se os resultados obtidos e as
interpretações às quais se pode chegar. Por fim, apresentam-se as referências bibliográficas
utilizadas para a elaboração deste estudo.
21
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No âmbito educacional, é fundamental a conscientização de que o ensino da língua
e a adoção de um padrão culto escrito constituem um processo imerso em um riquíssimo
campo de variação a ser considerado, levando-se em conta não só os preceitos nos quais se
pauta a escola, mas também os conhecimentos e saberes já trazidos pelos alunos sobre sua
própria língua. Buscando promover uma reflexão frutífera a respeito dos valores que se
associam ao uso da língua em meio aos diversos aspectos (não só linguísticos) que o
condicionam, procede-se, a seguir: (i) à explanação dos pressupostos gerais da Teoria da
Variação e Mudança, tomada como base para realização deste trabalho; (ii) à síntese dos
aspectos relacionados aos usos linguísticos e à avaliação subjetiva de indivíduos sobre os
fatos da língua, apresentando-se os conceitos de crença e atitudes linguísticas; (iii) às
orientações formais concernentes ao ensino da língua Portuguesa, considerando-se os
documentos que regem esse processo na realidade considerada neste estudo; (iv) à
demonstração do que se tem considerado em meios acadêmicos para o ensino de Língua
Portuguesa, numa concepção reflexiva que conjuga a sistematização gramatical à análise
linguística, apostando na implementação de um raciocínio científico em sala de aula; e (v)
à exposição da pluralidade que envolve os conceitos de “norma”, sobretudo se
contemplada a realidade do PB.
1.1. Pressupostos gerais da Teoria da variação e mudança
Nos estudos variacionistas, a heterogeneidade linguística constitui-se como o foco
da análise, partindo-se do princípio de que a variação é inerente à língua e a mudança é um
processo contínuo e subproduto da inevitável interação linguística. Nessa perspectiva, a
referida heterogeneidade é concebida como ordenada e passível de sistematização, o que
permite afirmar que, considerando-se um determinado fenômeno, as diferentes maneiras
que se observam de transmitir uma mesma informação não derivam de uma variabilidade
aleatória, mas são condicionadas por restrições que se observam no âmbito linguístico e
extralinguístico.
O controle da variação sistemática corresponde à concepção de regra variável
(LABOV, 1968, 2008 [1972]), que se refere à possibilidade de duas ou mais formas
variantes transmitirem o mesmo significado referencial ou a mesma informação básica, em
determinado contexto linguístico. Nesse âmbito, embora a aplicação do conceito de regra
22
variável tenha sido experimentado com sucesso em diversos níveis gramaticais, deve-se
mencionar a discussão relativa aos limites da definição de variável dependente conforme
Labov, discussão que contribuiu para o amadurecimento científico da área sociolinguística.
A esse respeito, Lavandera (1978) considerou a dificuldade metodológica de aplicação de
tal definição ao tratamento de variáveis não fonológicas. Segundo a autora, a análise de
dados não fonológicos por si só não permite uma observação definitiva do fenômeno
variável, tendo em vista que nem sempre as variantes representariam o mesmo significado,
no que se refere a “dizer a mesma coisa”. Desse modo, enquanto Labov considera o mesmo
significado referencial entre as formas alternantes para a definição da variável dependente,
Lavandera propõe relativizar essa consideração, de modo que os estudos variacionistas a
substituíram pela condição de comparabilidade funcional.
Em relação à reflexão de Lavandera, Labov (1978) conclui ser correta a concepção
de que o resultado da análise de uma variação sintática em si não é um achado
interpretável, sendo por isso fundamental para a explicação dos fatores variáveis que as
conclusões estejam apoiadas em pesos probabilísticos diante de evidências de produção e
percepção de regras gramaticais na vida cotidiana. Soma-se a essa discussão, ainda, o
posicionamento de Suzanne Romaine (1981) a respeito da variação sintática, reforçando a
importância de um sistema de sentenças contextualizadas, pragmatizadas, de modo que os
fatores sociais não sejam desconsiderados.
De modo geral, os produtivos e diversificados estudos variacionistas asseguram a
eficiência da extensão da tradicional análise linguística proposta por Labov, considerando
adequada a tarefa de investigação da variação em todos os níveis gramaticais.
Independentemente do fenômeno em análise, o fundamento geral sociolinguístico
reside na ideia de que a variação decorre de funções sociais e não individuais, o que se
demonstra, com os estudos, em resultados que sejam representativos do padrão de
determinado grupo social, ou seja, padrões linguísticos variáveis representativos da
comunidade de fala. Trata-se, de acordo com Guy (2000), de grupo de falantes que
assumem e compartilham características linguísticas não só estruturais, mas também
concernentes a suas crenças e posicionamentos em relação aos fatos da língua,
contribuindo para a formação da identidade de um determinado grupo.
Cabe destacar, ainda, que variação e mudança estão intrinsecamente relacionadas na
Sociolinguística Variacionista; nessa relação, deve-se considerar o postulado de que nem
23
toda variação acarreta necessariamente mudança, mas toda mudança observada advém de
um processo de variação. De acordo com Weireinch, Labov e Herzog (2006 [1968], p.
126), a mudança linguística “não é uniforme nem instantânea, ela envolve a co-variação de
mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo.”. Por meio da investigação
sociolinguística – em sincronias diversas, no tempo real, ou consoante diversas faixas
etárias, no estudo de tempo aparente –, é possível, assim, verificar se o fenômeno em
estudo corresponde a um caso de variação estável ou mudança em progresso.
Aliando-se os fundamentos teóricos aos dados variáveis da pesquisa
sociolinguística, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) propõem cinco problemas a
partir dos quais se postulam princípios concernentes aos interesses da área, sejam eles:
(i) o problema dos fatores condicionantes: corresponde à busca de
identificação de fatores linguísticos e extralinguísticos como possíveis elementos
desencadeadores da variação, podendo atuar de modo a restringir ou favorecer o uso de
determinada variante.
(ii) o problema da transição: consiste na investigação do estado interveniente
de uma mudança, caracterizada pela evolução de uma estrutura A para uma estrutura B,
podendo a transição dos traços de um estágio para outro se dar a partir de falantes
bidialetais ou de falantes com sistemas heterogêneos. Por meio deste problema, averiguam-
se os estágios de transição da mudança (a) à medida que o falante aprende uma forma
alternativa, (b) durante o tempo em que as formas coexistem e (c) quando uma das duas
formas se mostra em desuso.
(iii) o problema do encaixamento: apoia-se no princípio de que as mudanças
linguísticas devem ser vistas como encaixadas no sistema, podendo uma mudança acarretar
outra; em outras palavras, a alteração de um plano na estrutura linguística pode acarretar
variação/mudança em outro plano gramatical. A partir deste problema, investiga-se, ainda,
a possibilidade de um encaixamento social, na medida em que o pesquisador, além de
demonstrar a motivação social de uma mudança, busca determinar o grau de correlação
social existente na configuração linguística do fenômeno, mostrando o peso que
determinada mudança tem sobre o sistema de determinada comunidade de fala.
(iv) o problema da avaliação: considera-se o juízo de valor referente às
variantes no que se refere a determinado fenômeno, averiguando-se, por exemplo, seu
24
prestígio ou estigma, o que se reveste de fundamental importância para a trajetória do
fenômeno variável no âmbito sociolinguístico.
(v) o problema da implementação: provém de questionamentos referentes ao
fato de tal mudança não ter sido ativada anteriormente ou em todo lugar em que havia as
mesmas condições funcionais. A busca pelas respostas a tais questionamentos corresponde
ao grande número de fatores que podem influenciar a mudança linguística.
No que se refere aos aspectos metodológicos, a Sociolinguística Laboviana
descreve e analisa o processo de variação/mudança que se observa nos fenômenos da
língua a partir do controle de variáveis sociais (aspectos externos à língua, como sexo,
escolaridade, idade) e linguísticas (aspectos internos à língua), buscando averiguar o
favorecimento ou desfavorecimento de determinadas estruturas a depender do contexto no
qual se inserem.
Vale destacar que todos os problemas supracitados não estão dissociados, mas
inter-relacionados, fazendo com que se tenha uma visão mais integrada da mudança. Neste
trabalho, dentre os problemas citados, pretende-se investigar, de forma especial, o
problema das restrições ou fatores condicionantes, verificando quais as condições que
favorecem ou restringem o uso dos fatores considerados, de modo a que se possa postular a
opção preferencial para a aplicação de cada variante na escrita escolar, e o problema da
avaliação, na medida em que se analisam as crenças e atitudes de alunos e professores
acerca das estratégias de representação anafórica do objeto direto de terceira pessoa, como
aspectos fundamentais para compreender as perspectivas e os direcionamentos que
fundamentam o ensino do Português Brasileiro.
25
1.2. Os usos linguísticos e a avaliação subjetiva: a noção de crenças e atitudes na
perspectiva linguística
Considerando que a língua, além de ser um meio de comunicação, é um
instrumento de avaliação social, as investigações realizadas acerca de fenômenos variáveis
levam em conta que a efetivação da mudança linguística está intimamente ligada aos
valores atribuídos às formas que anteriormente figuravam em variação. Nesse contexto, ao
defender a tese de que as pressões sociais operam continuamente sobre a língua, Labov
(1966) já afirmava que a atitude linguística dos indivíduos, que se associa ao (des)prestígio
atribuído a determinada variante, é extremamente importante para o sistema de uma
língua, pois constitui um dos fatores responsáveis pela manutenção ou mudança de
determinadas estruturas.
A avaliação social das variantes, segundo Labov, é mais uniforme do que as
frequências de uso, e, por isso, o autor apresenta a importância em se considerar a
comunidade de fala na qual esteja incluído determinado grupo de falantes, tendo em vista
que os indivíduos que compõem tal grupo compartilhariam o mesmo sistema de valores
sobre a língua. Para o refinamento da análise linguística nessa perspectiva, há de se
considerar, com base em Eckert (2005; 2012), abordagens diversas dos estudos
sociolinguísticos nas chamadas três ondas de análise, correspondentes às três tendências
observadas nas práticas investigativas da Teoria da Variação. Com base nas definições da
referida autora, as três ondas podem ser sintetizadas da seguinte maneira: (i) primeira onda
- associada ao levantamento de comunidades geograficamente definidas ao redor do
mundo, com orientação à observação de variáveis que carregam traços de prestígio e
estigma, demonstrando o retrato de variáveis linguísticas utilizadas pelas comunidades de
fala consideradas; (ii) segunda onda - caracterizada pelas pesquisas de cunho etnográfico
que retratam a dinâmica local de variáveis linguísticas em foco, permitindo observar o
comportamento de variantes em meio às relações estabelecidas entre os indivíduos ao
associar valores e práticas linguísticas locais; (iii) terceira onda – demonstra a tendência de
pesquisas que se desenvolvem com base na construção de estilos e, sendo assim, foco nos
padrões de variação demonstrados entre os indivíduos que compõem uma comunidade de
prática (grupo de pessoas que compartilham interesse comum, desempenhando interação
regular em torno de uma atividade comum, sendo o “lócus primordial de construção
estilística” (ECKERT, 2003, p. 44)) .
26
Neste estudo, que elege o problema da avaliação como um pilar fundamental para
que se compreenda a representação anafórica do objeto direto no contexto escolar,
considera-se que o ensino de Língua Portuguesa no Brasil no que se refere ao tratamento
de fenômenos variáveis está baseado em um conjunto de crenças que se constroem pela
ideologia da existência de uma norma-padrão unificada. É esse conjunto de crenças que faz
com que os sujeitos no ambiente escolar se manifestem a respeito de construções usuais da
língua, de modo a classificá-las como boas ou ruins, corretas ou incorretas. Nesse sentido,
compreende-se a importância da investigação das crenças em estudos realizados no campo
do ensino, buscando entender a consciência de alunos e professores a respeito de temas
variáveis da língua que vivenciam no processo de ensino-aprendizagem.
No âmbito do ensino da língua Portuguesa, verifica-se que a escola pode veicular a
crença de que as formas dominadas pelos alunos ao ingressarem no processo de ensino-
aprendizagem são inferiores frente às propostas em certo modelo de norma-padrão, sendo o
domínio dessa norma única e homogênea objetivo a ser alcançado com o processo de
letramento. Essa ideologia contribui para a manutenção do preconceito linguístico que,
segundo Bagno (1999, p. 40), se sustenta na crença de que “só existe uma língua
portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas
gramáticas e catalogada nos dicionários”; nesse sentido, o autor destaca que crenças como
“o brasileiro não sabe falar português, o português é difícil, o certo a se falar é como se
escreve etc.”, a um só tempo, decorrem da concepção de uma norma única e reforçam tal
concepção. Em meio a essa realidade, encontra-se a luta incessante da Sociolinguística
Educacional, na intenção de desconstruir crenças equivocadas que se desenvolvem a
respeito da língua e podem gerar uma interpretação discriminatória sobre a variedade do
aluno.
Conforme Corbari (2012, p. 115), é comum que o indivíduo formule opiniões e
reaja sobre a sua própria língua e também sobre a dos outros, assim como o faz em relação
a diversos temas. Na realidade, conforme propõe Barcelos (2006), crença corresponde a
uma forma de pensamento, maneiras de ver e conceber o mundo e seus fenômenos, num
processo contínuo e interativo de interpretação e (re)significação, constituindo, assim, um
fator social, com dinamismo e contextualização. Segundo a autora, as crenças são
dinâmicas e partem de uma visão sociocultural, situada contextualmente; ao mesmo tempo,
são “paradoxais e contraditórias”, pois são individuais e únicas, na medida em que cada
pessoa assimila suas experiências de modo particular. Esse fator individual associado ao
27
conceito de crenças está presente também na definição apresentada por Santos (1996),
segundo a qual crença é uma convicção íntima, intrapessoal, uma opinião acerca de
determinado fenômeno que se adota como certeza.
No que se refere às pesquisas linguísticas, e especialmente as de natureza
sociolinguística, o tema da avaliação – formulado como uma das questões fundamentais
para o estudo da mudança desde o lançamento da Teoria (WEINREICH, LABOV,
HERZOG, 1968) – demanda especial atenção. Interessa, portanto, desenvolver
mecanismos de investigação que permitam ter acesso não só ao que o falante pensa sobre
os usos linguísticos, mas também à forma como ele reage a esses usos.
Para o estudo das atitudes, a ciência Linguística toma posse inicialmente do
conceito adotado no âmbito da Psicologia Social, segundo o qual
Atitude é uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir em
relação a pessoas, grupos, questões sociais, ou mais genericamente, a
qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante. Seus
componentes essenciais são os pensamentos, e as crenças, os sentimentos
(ou emoções) e as tendências para reagir. (LAMBERT; LAMBERT,
1972, p. 78)
Ainda de acordo com Lambert e Lambert (1972), considera-se que as atitudes afetam o
nosso comportamento, determinando julgamentos e percepções sobre os outros.
O estudo das atitudes voltado para o aspecto sociocultural da linguagem teve como
marco o trabalho de Lambert ([1967] 2003), apresentando resultados de um estudo
realizado por meio da técnica Matched Guise (“Falsos pares”) – técnica desenvolvida com
o propósito de inferir e medir atitudes de “juízes” expostos a gravações de falantes
bilíngues lendo uma determinada passagem de texto por duas vezes, na própria língua e em
língua diferente. Nesse teste, sem que tenham conhecimento que a mesma pessoa lê o texto
duas vezes, os “juízes” tecem avaliações a respeito das características pessoais de cada
falante, revelando suas atitudes sociais frente à língua por meio de julgamentos sobre
honestidade, confiabilidade e inteligência dos falantes. Vale mencionar a consideração de
Labov (2008) ao destacar a importância da técnica desenvolvida por Lambert:
O princípio essencial que emerge da trabalho de Lambert é o de que
existe um conjunto uniforme de atitudes frente a linguagem que são
compartilhadas por quase todos os membros da comunidade de fala, seja
28
no uso de uma forma estigmatizada ou prestigiada da língua em questão.
(LABOV, 2008, p. 176)
Considerando a noção de prestígio e status, Aguilera (2008) ressalta que as atitudes
de valoração ou rejeição a variedades linguísticas sofrem influência de grupos de maior
prestígio social, tendo em vista que esses conceitos (prestígio e status) se relacionam com o
reconhecimento da pessoa na sociedade com base em poder aquisitivo, posição social,
dentre outros fatores.
No âmbito da reação dos falantes em relação aos estímulos aos quais são expostos,
Lambert e Lambert (1972) demonstram que a atitude se constitui de três componentes com
atuação inter-relacionada, sejam eles: (i) o cognitivo – crenças, pensamentos,
conhecimentos a respeito do objeto e análise; (ii) o afetivo – emoções , sentimentos pró ou
contra o objeto em análise; (iii) o comportamental – conduta, reação diante do objeto em
análise. Nesse sentido, compreende-se que as crenças influenciam e direcionam a
manifestação das atitudes dos indivíduos que se formam ao longo do processo de
socialização.
De acordo com Santos (1996), a relação entre crenças e atitudes consiste no fato de
que as atitudes são advindas das diversas crenças que o indivíduo possui. Não é
objetivamente acessível, entretanto, a avaliação de cada indivíduo ou de uma comunidade
de fala; sem dúvida, é preciso desenvolver procedimentos diversos, diretos e indiretos, para
o levantamento de crenças e atitudes dos falantes. Segundo a autora, as atitudes são
definidas como uma ação, manifestação das convicções íntimas, ou seja, expressão
subjetiva da opinião ou sentimento, sendo classificadas como positivas, negativas ou
neutras.
Conforme Cyranka (2007), as atitudes (conceito de base psicológica) estão
diretamente relacionadas às crenças (conceito de base intelectiva) manifestas na avaliação
linguística, pois correspondem aos julgamentos inconscientes dos falantes em relação à
língua ou ao dialeto exposto, sendo, a partir delas, subentendidas as mudanças
implementadas ou em implementação no que se refere à norma-padrão de uma língua. De
acordo com a autora, as atitudes dos falantes podem ser averiguadas por meio do exame da
maneira como reagem aos estímulos linguísticos que lhes são apresentados.
29
No âmbito do ensino de Língua Portuguesa, para a análise da avaliação dos
professores e dos alunos, em relação aos fenômenos linguísticos, é necessário desenvolver
uma agenda específica para a observação do comportamento dos indivíduos quanto a uma
diversidade de fenômenos linguísticos. Frente a esse desafio, um primeiro passo para a
investigação é a observação conjunta das diversas crenças que ele tenha quanto à Língua.
A investigação de crenças e atitudes pode contribuir para o desenvolvimento de um
trabalho reflexivo de ensino da Língua Portuguesa, conforme aponta Barcelos (2006, p.
26). Sob essa perspectiva, é possível criar espaço e oportunidade para que professores e
alunos possam questionar suas próprias crenças, gerando “gatilhos”, que lhes permitam
rever conceitos e posicionamentos diante do caráter inerentemente variável da língua.
Dessa maneira, criam-se condições para que se desconstruam velhas crenças e atitudes que
prezam pela defesa da sobreposição de formas correspondentes a um padrão idealizado às
formas variantes, levando a escola a ratificar, por vezes, um ensino prescritivo de formas
em desuso mesmo na escrita contemporânea, ensino que não permite ceder espaço à análise
e à reflexão sobre os fenômenos e o funcionamento da língua.
Nesta pesquisa, a investigação de algumas crenças e/ou atitudes dos indivíduos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, frente ao fenômeno da representação
anafórica do complemento verbal, objetiva observar o problema da avaliação proposto por
Weinreich; Labov; Herzog (1968) e a natureza/status de cada forma alternante em questão.
De acordo com a Sociolinguística Laboviana (LABOV, 2008 [1972], p. 360), as formas
variantes utilizadas para a representação de fenômenos variáveis podem ser classificadas, a
partir da avaliação social, da seguinte maneira:
(i) Indicadores: traços linguísticos que exibem diferenciação de acordo
com a idade e grupo social, mas sem padrão de alternância e com
pouca força avaliativa, pois não costumam chegar ao nível da
consciência;
(ii) Marcadores: exibem estratificação não somente de acordo com
grupos sociais, mas também de cunho estilístico, mesmo que abaixo
do nível da consciência; e
30
(iii) Estereótipos: formas socialmente marcadas, de maneira enfática e
segundo avaliação consciente, fazendo com que algumas se tornem
totalmente estigmatizadas.
Compreende-se que os estudos sociolinguísticos realizados por meio de
investigação da avaliação subjetiva de indivíduos sobre fenômenos variáveis, sobretudo no
âmbito do ensino de Língua Portuguesa, muito têm a contribuir no embate contra o
preconceito linguístico arraigado na sociedade. Buscar entender as crenças que se
constroem em meio escolar pode ser uma maneira de gerar novas atitudes frente ao objeto
de estudo, promovendo a devida conscientização entre alunos e professores a respeito da
vasta heterogeneidade da língua.
1.3. O ensino de Língua Portuguesa
1.3.1. Orientações formais para o ensino de Língua Portuguesa
Nesta seção, apresentam-se as orientações e diretrizes nas quais se baseia e se organiza
o ensino nas instituições colaboradoras para a realização desta investigação. Desse modo, será
apresentada a abordagem relativa ao ensino de Língua Portuguesa presente nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) – diretrizes a serem seguidas por todas as instituições
brasileiras de ensino –, no Currículo Mínimo da Secretaria Estadual de Educação do Rio de
Janeiro – diretrizes ao ensino desenvolvido pela rede pública estadual do Rio de Janeiro – e
no Programa de Ensino do Colégio Naval – documento normativo que direciona as atividades
e metodologias a serem desenvolvidas na instituição. Por fim, apresentam-se as orientações
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em dezembro de 2018,
documento normativo, que visa a orientar a elaboração dos conteúdos a serem ensinados em
todas as fases da educação básica.
31
1.3.1.1. Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)
No Brasil, desde 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são as diretrizes
curriculares que orientam educadores e direcionam o ensino a ser desenvolvido nas escolas,
por meio da valorização de fatores fundamentais concernentes às disciplinas que compõem os
currículos do ensino fundamental e do ensino médio. Os PCN passaram a ser elemento
norteador para professores, coordenadores e equipe pedagógica comprometidos em traçar
novos rumos para a realidade educacional construída até o presente momento no cenário
brasileiro. A partir desse marco na educação brasileira, o trabalho a ser desenvolvido nas
escolas passou a ter como meta o envolvimento de toda a comunidade escolar para que se
pudesse oferecer aos alunos, com real proveito, os conhecimentos necessários para o exercício
da cidadania, respeitando-se as diversidades culturais e regionais presentes nos contextos em
que as escolas estejam inseridas.
Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, os PCN conferem ênfase à importância de
levar o aluno ao domínio da leitura e da produção/interpretação de textos, contemplando a
diversidade de gêneros e situações discursivas do dia a dia para desenvolver habilidades tanto
na oralidade como na escrita, o que é citado no documento como “competência linguística e
estilística” (BRASIL, 1998, p. 23).
Os PCN validam o conceito de gramática internalizada, reconhecendo que, ao chegar à
escola, o aluno já possui conhecimentos linguísticos naturais, implícitos e intuitivos,
característicos de falante nativo do Português Brasileiro. Nesse contexto, o documento aclara
que o ensino da Língua Portuguesa deve tomar a “gramática como relativa ao conhecimento
que o falante tem de sua linguagem” (BRASIL, 1998, p. 27). Com isso, os PCN desaprovam o
ensino de gramática que se faça de modo puramente prescritivo, a partir de descrições que se
materializam como imposição de conteúdos preestabelecidos, descontextualizados e
desatualizados. Essa crítica aplica-se à prática do ensino de gramática por meio de uma
metodologia que aposta no sucesso de uma fixação pela oposição “erro x acerto”, mantendo
aluno e professores numa busca incessante pela substituição de formas, o que, em verdade,
não promove a reflexão necessária à aprendizagem nem mesmo o desenvolvimento de
habilidades linguísticas. A esse respeito, observem-se os seguintes trechos:
32
(...) não se justifica tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de
linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma
descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente
escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar de ano – uma
prática pedagógica que vai além da metalíngua para a língua por meio de
exemplificação, exercícios de reconhecimento e de memorização de
terminologias.
(BRASIL, 1998, p. 28)
O modo de ensinar, por sua vez, não reproduz a clássica metodologia de
definição, classificação e exercitação, mas corresponde a uma prática que
parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de
terminologias simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do
professor, do conhecimento gramatical produzido.
(BRASIL, 1998, p. 29)
O tópico gramatical tomado como objeto de análise nesta investigação, o objeto direto
anafórico, é mencionado pelos PCN ao descreverem como práticas de análise linguística:
reconhecimento de marcas linguísticas específicas (seleção de
processos anafóricos, marcadores temporais, operadores lógicos e
argumentativos, esquema dos tempos verbais, dêiticos etc)
(...)
a comparação dos fenômenos linguísticos observados na fala e na
escrita nas diferentes variedades, privilegiando os seguintes domínios:
sistema pronominal (diferentes quadros pronominais em
função do gênero): preenchimento da posição do sujeito,
extensão do emprego dos pronomes tônicos, na posição de
objeto, desaparecimentos dos clíticos, emprego dos reflexivos
etc.;
(BRASIL, 1998, p. 60-61)
Verifica-se, portanto, reconhecimento da variação linguística no tocante ao objeto
anafórico, tendo em vista que, no texto dos PCN, se menciona a possibilidade de extensão dos
pronomes tônicos em posição de objeto, processo identificado na prática linguística. Os PCN
ressaltam a relevância da variação linguística para o estudo da língua, unidade constituída de
muitas variedades que, sempre atreladas a fatores sociais (geográficos, socieconômicos,
gênero etc), se revelam nas diferentes formas de expressão; são citadas, por exemplo, as
diferenças que se observam no emprego de palavras, nas estruturas sintáticas etc, havendo
33
variação, ainda, ao se considerar as modalidades escrita e falada (BRASIL, 1998, p. 29).
Dessa maneira, o documento valida o caráter heterogêneo da Língua Portuguesa e ressalta a
importância de fazer da variação linguística assunto presente durante as aulas e em estratégias
empregados para o ensino da língua. Os PCN criticam o ensino tradicional de Língua
Portuguesa que negligencie as variações existentes em qualquer modalidade de uso, deixando
claro que
(...) não se pode mais insistir na ideia de que o modelo de correção
estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de língua ou que
corresponda à variedade linguística de prestígio. Há, isso sim, muito
preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma
associado às variedades não padrão, consideradas inferiores ou erradas pela
gramática.
(BRASIL, 1998. p. 30-31)
É valido destacar que os PCN não desqualificam o uso da orientação normativa nem
mesmo do ensino de gramática em sala de aula. O que se pode inferir das diretrizes é o
incentivo ao desenvolvimento de mecanismos que levem a um trabalho produtivo com a
língua, realizado pela mediação docente, com diversidade de materiais e fontes para promover
o exercício linguístico de prática e reflexão do aluno sobre sua própria linguagem.
As diretrizes representadas pelos PCN revelam que, desde 1998, já se reconhecia a
necessidade de implementação de “alternativas pedagógicas” que pudessem viabilizar o
ensino de língua a partir de seu caráter heterogêneo, com sua variedade dinâmica e sua
constante possibilidade de mudança. Nesse sentido, a perspectiva científica – com a
contribuição de importantes referências, tais como Bortoni-Ricardo (2005), Faraco (2008),
Franchi (2006), Perini (2007 [2001]; 2010) e Vieira (2014; 2017), dentre diversos outros
autores – tem trazido valioso conhecimento acerca da realidade do Português do Brasil, o que
contribui continuamente para a revisão das práticas no ensino da disciplina Língua
Portuguesa, ressignificando a noção do erro, promovendo a admissão da variação e envidando
esforços para desconstruir preconceitos linguísticos.
Os PCN, portanto, correspondem a um documento de grande importância no cenário
educacional, sobretudo para o ensino de Língua Portuguesa; a incorporação das ideias por eles
salientadas contribui para que professores tenham consciência da pluralidade de normas que
caracterizam o Português Brasileiro e, ainda, das diversas perspectivas que viabilizam o
ensino de modo contextualizado e condizente com a realidade do aluno, proporcionando
34
identificação de sua língua materna com os conhecimentos que venham a ser adquiridos ao
longo do curso escolar.
1.3.1.2. Currículo Mínimo (SEEDUC)
Desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, junto a equipes
de professores da rede estadual, coordenados por professores doutores de diversas
universidades do Rio de Janeiro, em 2011, com revisão em 2012, o Currículo Mínimo
(SEEDUC) foi criado com o objetivo de orientar o ensino a ser desenvolvido em cada
disciplina, nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio Regular das escolas da Rede
Estadual do Rio de Janeiro. O objetivo traçado com a criação do Currículo Mínimo é garantir
uma base comum às competências e habilidades a serem desenvolvidas em sala de aula, com
respeito às condições e necessidades diárias da atividade docente atreladas à realidade dos
alunos e das unidades de ensino. As diretrizes apresentadas pelo Currículo Mínimo da
SEEDUC estão alinhadas ao conjunto de documentos de orientação do MEC (LDB, DCN,
PCN e OCN) e às matrizes das principais avaliações externas (ENEM, Prova Brasil, SAEB e
SAERJ), sendo consideradas, ainda, as teorias científicas em contínuo desenvolvimento na
Educação e nas áreas específicas de conhecimento.
O Currículo mínimo específico de Língua Portuguesa e Literatura (2012) junto às
Orientações Curriculares para Produção Textual (2013) representa as diretrizes que
direcionam os trabalhos dos docentes da área, de modo a ressaltar a impossibilidade de
dissociação entre os eixos leitura, uso da língua e produção textual. Os referidos documentos
apresentam como objetivo comum e prioritário orientar a execução de um trabalho em sala de
aula que desenvolva o ensino reflexivo da língua, oferecendo aos alunos uma real análise
crítica das situações comunicativas do cotidiano, ampliando habilidades de compreensão e
produção de enunciados verbais e não verbais. O texto deixa claro que a prática do ensino de
Língua Portuguesa deve ter como tarefa apresentar aos alunos diversas possibilidades de uso
da língua em diferentes contextos socioculturais, tanto na modalidade escrita como na
modalidade oral. Nessa perspectiva, as diretrizes expostas ressaltam que, no intuito de formar
indivíduos como sujeitos sociais, o professor de Língua Portuguesa passa a ser mediador do
processo de ensino e responsável por promover em sala de aula a identificação e a valorização
da variedade linguística com adequações necessárias de seus diferentes registros aos inúmeros
contextos comunicativos da vida quotidiana. Nesse sentido, vale ressaltar que, para o ensino
35
de Língua Portuguesa, as diretrizes do referido documento sugerem um enfoque metodológico
direcionado
para o desenvolvimento e para a aquisição de habilidades e de competências
que levem não apenas a codificar e decodificar textos, mas principalmente à
reflexão sobre os usos da linguagem para expansão da capacidade
comunicativa nos diferentes gêneros discursivos que medeiam as práticas
sociais de leitura e de produção de textos orais e escritos, dentro e fora da
escola.
(RIO DE JANEIRO, 2013, p. 05)
As diretrizes apresentadas no Currículo Mínimo da SEEDUC mencionam, em meio às
habilidades e competências a serem desenvolvidas no âmbito das aulas de Língua Portuguesa,
a importância de se identificar, quanto ao uso dos pronomes, a relação entre os pronomes e os
nomes como promotores da coesão textual; dessa maneira, contempla o objeto direto
anafórico, de modo a incentivar o ensino do tópico gramatical a partir de contextualizações
oportunas, sem necessariamente uma noção impositiva da variante padrão (o clítico
acusativo); nesse sentido, o professor dependendo da abordagem desenvolvida encontra a
oportunidade de explorar o tema sob a ótica da variação linguística. Observa-se que o
tratamento do referido tema gramatical, objeto de estudo desta investigação, é feito, portanto,
em coerência com as ideias desenvolvidas em todo o documento, com reconhecimento do
caráter variável da língua e sensibilização dos alunos a partir de uma abordagem reflexiva.
1.3.1.3. Programa de Ensino do Colégio Naval (2018)
O programa de ensino do Colégio Naval (CN), reanalisado anualmente, visa a orientar
a condução das atividades não somente do Ensino Básico, em nível de Ensino Médio, mas de
todas aquelas relacionadas à formação do aluno, sejam elas concernentes ao Ensino Militar
Naval, às atividades desportivas e à assistência médica, social, psicológica e religiosa,
conforme normas específicas aprovadas pela Diretoria de Ensino da Marinha. As diretrizes
que constam do referido documento conduzem a execução do ensino básico de modo geral,
expondo-se o cronograma de atividades anuais (calendário de avaliações, eventos etc) e
tópicos referentes à metodologia direcionada à realidade da instituição.
No que se refere ao desenvolvimento das disciplinas acadêmicas, apresentam-se as
diretrizes relativas aos projetos específicos de cada área, sendo revisados anualmente pelos
coordenadores de disciplinas e aprovados pelo Comandante, por portaria, para execução. O
36
Projeto específico da disciplina de Língua Portuguesa apresenta como objetivo geral traçado
para execução das atividades da disciplina nos três anos do Ensino Médio o seguinte:
Analisar e aplicar os recursos expressivos da língua por meio de uma
abordagem linguístico-discursiva que contribua para o desenvolvimento das
competências e habilidades de leitura e produção de textos.
(PROENS, 2018 – Colégio Naval. Língua Portuguesa)
O Projeto específico de Língua Portuguesa apresenta conteúdos característicos de cada
subgrupo (gramática, literatura e produção textual) em que se divide a disciplina; para cada
subgrupo, organiza-se sumário em que se descrevem os conteúdos a serem desenvolvidos em
cada ano escolar. Alinhados ao objetivo geral traçado para o ensino da Língua Portuguesa na
instituição, a apresentação dos conteúdos evidencia coerência com as diretrizes postuladas
pelos PCN, na medida em que todos os tópicos gramaticais são apresentados de modo a
estabelecer relação com sua funcionalidade linguístico-discursiva, não valorizando a definição
de conceitos de modo prescritivo.
De modo geral, não se observa de maneira explícita no sumário qualquer referência ao
tratamento da variação linguística na descrição de fatos gramaticais. Pela análise do
documento é possível vislumbrar que o objeto direto anafórico possa ser tratado nas unidades
de ensino de gramática do 2º ano, cujo tópico é “As funcionalidades dos termos ligados ao
verbo: Objeto direto, Objeto indireto, adjunto adverbial e Agente da passiva”, e do 3º ano,
cujo tópico é “Elementos de referenciação textual endofórica: anafóricos e catafóricos.” É
importante destacar que o fato de não haver explicitamente a orientação para o tratamento de
fatos gramaticais por uma abordagem que contemple a variação linguística, a depender do
posicionamento do professor, podem ser fomentadas crenças que reforcem a suposta
superioridade de uma norma codificada pelo viés tradicionalmente normativo.
Em seções posteriores, será explorado o enfoque dado pelo professor ao objeto direto
anafórico no contexto de ensino da língua que se concretiza no Colégio Naval, considerando-
se o material e as estratégias de abordagem para desenvolvimento do tema em sala de aula.
37
1.3.1.4. Base Nacional Comum Curricular
No âmbito desta seção, cabe apresentar a proposta para o ensino de Língua Portuguesa
apresentada na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), homologada em dezembro de
2018, com aplicação exclusiva para a educação escolar. Trata-se de um documento com
orientações referentes ao conjunto de “aprendizagens essenciais”, norteador para a elaboração
de currículos desenvolvidos para toda a educação básica (Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio). Tal documento estrutura-se em conformidade com os
preceitos do Plano Nacional de Educação (PNE), que ratifica a necessidade de diretrizes
pedagógicas com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de alunos de cada
ano do Ensino médio e fundamental, e com embasamento na Constituição Federal de 1988,
que já registrava a necessidade de serem fixados conteúdos mínimos para que se assegure a
formação básica comum e respeito a valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
Ainda seguindo referências constitucionais, a BNCC expressa o compromisso do Estado
Brasileiro quanto à educação escolar, em consonância com o que já se tem estabelecido com a
Lei de Diretrizes e Bases de 1996, inciso IV, artigo 9º, que deixa claro o papel da União de
estabelecer competências e diretrizes, junto aos Estados, o Distrito federal e os Municípios,
para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, com o objetivo de
assegurar uma formação básica comum.
Os fundamentos da BNCC orientam as decisões pedagógicas a partir do
desenvolvimento de competências, indicando o que os alunos devem saber (construindo
habilidades, atitudes e valores) assim como o que devem saber fazer, para que, dessa maneira,
mobilizem e apliquem conhecimentos para o exercício da cidadania e atendimento às
demandas da vida cotidiana. Nesse sentido, o texto em análise expressa o compromisso que
se estabelece com a educação integral, no que se refere à
Construção intencional de processos educativos que promovam
aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os
interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade
contemporânea. Isso supõe considerar as diferentes infâncias e juventudes,
as diversas culturas juvenis e seu potencial de criar novas formas de existir.
(BRASIL, 2018, p. 14)
Cabe destacar que, para aplicação eficaz da BNCC, é ressaltada no texto a
responsabilidade direta da União no compromisso com “a revisão da formação inicial e
continuada dos professores (...) já que se trata da esfera que responde pela regulação do
38
ensino superior” (BRASIL, 2018, p. 21). Infere-se do texto o devido reconhecimento da
relevância dos professores e dos demais membros envolvidos no processo de formação dos
alunos para que, assim, seja efetiva a construção de currículos e propostas pedagógicas que se
transformem em planos de ação e gestão escolar, atendendo às particularidades específicas
das esferas estaduais e municipais, de sistemas e redes de ensino, em meio à autonomia e
competência das escolas.
No que se refere especificamente ao Ensino Médio, o texto da BNCC destaca o caráter
heterogêneo do alunado, aluno que deve ser considerado parte ativa do processo de formação,
de modo que o ensino permita o pleno exercício da cidadania na sociedade contemporânea, o
que requer relacionar teoria e prática para solucionar problemas de cunho social e/ou cultural.
Estando integrado na BNCC, o currículo do Ensino Médio é organizado por áreas de
conhecimento, com foco nas competências gerais estabelecidas para a educação básica, sejam
elas:
(i) linguagens e suas tecnologias;
(ii) matemática e suas tecnologias;
(iii) ciências da natureza e suas tecnologias;
(iv) ciências humanas e sociais aplicadas; e
(v) formação técnica profissional.
Nessa estrutura, para cada área de conhecimento – que tem por finalidade integrar dois ou
mais componentes do currículo, conforme artigo 35-A da LDB –, são estabelecidas
competências e descritas habilidades correspondentes, conferindo-se ênfase para as
habilidades específicas de Língua Portuguesa (componente obrigatório nos três anos do
Ensino Médio). Para a área de Linguagens e tecnologias, a orientação apresentada pauta-se no
desenvolvimento da autonomia linguística e artística do aluno, promovendo e incentivando a
identificação e o senso crítico frente aos diferentes usos da linguagem, assim como em
manifestações artísticas e culturais.
Quanto ao que se refere especificamente ao ensino de Língua Portuguesa, a BNCC
propõe uma estrutura de ensino organizado por campos de atuação social. Com isso, surgem
demandas para que as escolas criem situações por meio das quais os alunos possam vivenciar
posições autônomas, pelo exercício da argumentação, formulação e avaliação de propostas,
promovendo, assim, a identificação com a participação ativa numa sociedade democrática.
Para o ensino médio, o foco na área de linguagens está ainda na investigação como prática
39
linguística para desenvolver conhecimentos a partir de diferentes gêneros que ultrapassem o
limite da modalidade escrita. De acordo com a BNCC, a modalidade escrita “deve continuar
tendo centralidade na educação escolar” (p. 478); o texto destaca a importância que se deve
dar às atuais atividades e ações linguísticas que surgem da dinamicidade da cultura digital e
das práticas de multiletramentos, possibilitando novas maneiras de construção de sentidos.
Na BNCC, o caráter variável da língua passa a ser reconhecido por meio da quarta
competência a ser desenvolvida na área de Linguagens e suas Tecnologias:
Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social,
variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-as e
vivenciando-as como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas,
bem como respeitando as variedades linguísticas e agindo no enfrentamento
de preconceitos de qualquer natureza. (BRASIL,2018, p. 486)
Como justificativa para o estabelecimento dessa competência, o texto demonstra que o
trabalho desenvolvido a partir dessa perspectiva propicia ao aluno entender o real
funcionamento da língua, com as diferenças que se identifiquem tanto pela sua natural
heterogeneidade e variabilidade como pelas diferenças que se concretizem pelas diversas
situações de construções discursivas. No texto da BNCC, menciona-se a necessidade de os
conhecimentos referentes à norma-padrão estarem alinhados aos objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento da Língua Portuguesa, e, com isso, as abordagens linguísticas,
metalinguísticas e reflexivas devem ocorrer com vistas à pratica da linguagem, com foco nos
eixos de leitura escrita e/ou oralidade (BRASIL, 2018, p. 139).
O objeto direto anafórico não figura de modo explícito no texto da BNCC em meio
aos conteúdos apresentados na exposição dos objetos de conhecimento e habilidades
correspondentes a serem desenvolvidas; no entanto, o processo anafórico que se manifesta no
âmbito do complemento verbal pode ser vislumbrado nos seguintes trechos correspondentes à
coesão referencial e à progressão temática:
(EF06LP12) Utilizar ao produzir texto, recurso de coesão referencial (nome
e pronomes), recursos semânticos de sinonímia, antonímia e homonímia e
mecanismos de representação de diferentes vozes (discurso direto e indireto)
(BRASIL, 2018, p. 173)
(EF07LP12) Reconhecer recursos de coesão referencial: substituições
lexicais (de substantivos por sinônimos) ou pronominais (uso de pronomes
anafóricos – pessoais, possessivos, demonstrativos).
(BRASIL, 2018, p. 175)
40
(EF89LP29) Utilizar e perceber mecanismos de progressão temática, tais
como retomadas anafóricas (que, cujo, onde, pronomes do caso reto e
oblíquos, pronomes demonstrativos, nomes correferentes etc.).
(BRASIL, 2018, p. 185)
O texto da BNCC reafirma a importância, já destacada pelos PCN, de se promover o
ensino de Língua Portuguesa com o objetivo de desenvolver nos alunos habilidades a partir da
prática de leitura, escuta, produção de textos (orais, escritos, multissemióticos) e análise
linguística/semiótica (BRASIL, 2018, p. 508). Nessa perspectiva, a proposta da BNCC
apresenta um ensino pautado na “compreensão e análise sistemática do funcionamento das
diferentes linguagens” (BRASIL, 2018, p. 483), na medida em que se manifesta a intenção de
desenvolver o domínio progressivo e contextualizado a partir da compreensão e análise crítica
dos temas que se desenvolvem em sala de aula, compreendendo as línguas como fenômeno
variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso. Com isso, percebe-se que as medidas e
métodos que venham a ser (ou continuem sendo) implementados visam à capacitação de
alunos e professores (pelo incentivo à formação docente continuada) com maior consciência
linguística na produção e compreensão de discursos, afirmando-se que as práticas de estudo e
pesquisa são fundamentais para “ampliar as reflexões sobre as linguagens, contribuir para a
construção do conhecimento, e para aprender a aprender” (BRASIL, 2018, p. 480).
1.3.2. O ensino de Gramática
Nesta seção, apresentam-se os pressupostos referentes às diretrizes para o ensino de
temas gramaticais em séries da Educação Básica, pressupostos de que têm se ocupado
linguistas de diversas áreas científicas.
1.3.2.1. Reflexões e propostas para o ensino produtivo de gramática
A reflexão necessária no âmbito do ensino da Língua Portuguesa tem como ponto de
partida a complexidade correspondente à concepção de gramática a ser desenvolvida. É
extremamente relevante que, no âmbito escolar, seja cada vez mais ampliada a noção de que
os conhecimentos acerca da gramática de uma língua implicam o estudo de seu sistema
linguístico e, dessa maneira, as operações possíveis e disponíveis para compreensão e
produção de expressões observadas também nos usos praticados por indivíduos nativos.
41
Desse modo, interessa ao contexto pedagógico partir do conhecimento que todo aluno
tem de sua língua e, ainda, abordar explicitamente esse conhecimento. Em outras palavras,
trata-se da gramática internalizada (implícita), referente ao conhecimento natural e intuitivo
do indivíduo, que é utilizado além dos níveis da consciência para efetivação de atividades
correspondentes ao funcionamento da língua. Com o mesmo grau de importância, no
ambiente pedagógico deve ser considerado e explorado o conceito de gramática como
disciplina, na medida em que se torna explícito o referido conhecimento interno, com
intenção de formalizar e descrever a língua, processo que se torna efetivo por meio de
diversas abordagens.
No que se refere à explicitação do conhecimento gramatical em sala de aula, ao menos
dois caminhos costumam ser adotados: a abordagem descritiva, que visa a dar conta das
estruturas/construções que compõem os níveis gramaticais; e a abordagem normativa, que
visa, ainda, a orientar os usos da língua em diversos contextos situacionais. Em qualquer
dessas abordagens, não se pode negar que a gramática tradicional ainda pode ser um aparato
norteador da prática pedagógica no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa. Ocorre que
o professor precisa ter clareza e conhecimento para (i) reconhecer que o referido material, por
muitas vezes, apresenta descrições que carecem de adequação descritiva e explicativa, em
termos científicos; e (ii) observar que, no plano da abordagem normativa, as orientações são
demasiadamente restritivas, tendo em vista a especificidade do recorte proposto, idealizado
como modelar para a modalidade escrita e literária de sincronias passadas.
Com base nas orientações contemporâneas, propõe-se que a diversidade de materiais e
referências a serem utilizados como fontes para o trabalho em sala de aula é necessária e
fundamental para executar um trabalho eficaz de ensino da língua. Nesse contexto, lança-se
mão da proposta de Franchi (2006), que leva o leitor a rever e refletir sobre seu entendimento
de gramática, sobretudo na maneira como o tema se inclui e se desenvolve nas práticas de
atividade escolar. O autor parte do pressuposto de que gramática corresponde ao saber
linguístico do falante, desenvolvido dentro dos limites referentes a sua própria dotação
genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica (FRANCHI,
2006, p. 24). Com essa assunção, o trabalho com a gramática se faz apoiado num projeto que
assume a influência da intuição sobre a língua como ferramenta importante para o processo de
ensino-aprendizagem. De acordo com Franchi (2006), o trabalho que se deve desenvolver
com a gramática corresponde ao desenvolvimento de potencialidades e capacidades que
42
promovem um verdadeiro processo de autodescoberta, criando, no ambiente escolar, a
oportunidade para que os alunos possam, de fato, operar sobre as linguagens.
Basta recorrer à intuição dos alunos e professores para sua própria língua.
Nesse nível de trabalho, não se está ainda necessitando de uma gramática
enquanto sistema de noções, mas do conhecimento gramatical interiorizado
por todo o falante de sintaxe de sua língua, das regras pelas quais constrói e
transforma as expressões em operações conscientes (...) basta explorar com
sensibilidade o fato de que todos falam português e conhecem as estruturas
dessa língua, torná-las explícitas, em uma práxis ativa e dinâmica.
(FRANCHI, 2006, p. 94)
O autor demonstra, assim, que a própria nomenclatura “tradicional” associada ao
termo gramática cria bloqueios para um trabalho criativo. Convém fazer com que o aluno
aprenda por meio de um processo de tentativas e erros, o que faz com que os alunos lancem
mão de sua intuição linguística, por meio de associações permitidas pelas vezes em que
acertou as respostas relacionadas às categorias nocionais.
Franchi declara que a gramática é um saber linguístico que todo falante possui, de
modo que sua aprendizagem se dá através da vivência de fatos da língua, de modo prático e
não por meio de exemplos isolados. Dessa maneira, seu ensino não deve ser reduzido a um
“manual de etiquetas sociais ou um manual descritivo”, pois sua aprendizagem se constrói
“em uma atividade social, partilhada, reciprocamente comprometida” (FRANCHI, 2006, p.
99-100).
Na busca por promover um ensino mais produtivo de gramática fazendo com que os
alunos operem com efetividade sobre sua linguagem, com autonomia e consciência a partir da
prática da língua, Franchi (2006, p. 95-98) apresenta três mecanismos como orientações para
o exercício linguístico em aproximação à teoria gramatical, quais sejam:
(i) as atividades linguísticas – consistem na prática e reflexão dos alunos sobre sua
própria linguagem, em diversos contextos de uso, criando-se condições e espaço
para o desenvolvimento comunicativo dos alunos;
(ii) as atividades epilinguísticas – correspondentes a recursos oferecidos aos alunos
para que possam operar sobre sua própria linguagem, criando novas significações
43
e ampliando suas habilidades linguísticas a partir do reconhecimento e produção
de diferentes gêneros textuais e contextos comunicativos;
(iii) as atividades metalinguísticas – orientam os alunos quanto à sistematização e à
categorização dos conhecimentos construídos acerca dos temas linguísticos
desenvolvidos.
Nesse sentido, é possível compreender que o ensino de gramática, em verdade,
corresponde a um processo de construção e reconstrução, partindo-se de um objeto natural a
todo e qualquer falante: a língua. Por isso, ao tomar o ensino de gramática como processo que
envolva estudo, observação e reflexão sobre operações da língua, podem ser alcançados
resultados incompatíveis às descrições/prescrições dos manuais tradicionais. A essa reflexão,
relaciona-se o pensamento de Faraco (2007, p. 18) ao salientar a importância do “ensino de
natureza gramatical” como um caminho para a prática do pensamento científico, tendo a
língua como objeto e conferindo foco aos seus usos e funcionamento.
Conforme afirma Foltran (2013), o ensino de gramática, por meio dos moldes
tradicionais, tem como objetivo o domínio de terminologias. Segundo o autor, o trabalho com
a teoria precisa ser uma construção a partir da reflexão, do pensamento científico, da
curiosidade, da criação de hipóteses sobre relações entre categorias e funções no âmbito
gramatical (FOLTRAN, 2013, p. 178-179). Compreende-se, dessa maneira, que trabalhar o
caráter sistemático da língua contribui para tornar os alunos mais conscientes
linguisticamente.
Nesse sentido, lançar mão de abordagens desarticuladas dos contextos de usos
linguísticos pode promover falta de identificação do aluno com o conteúdo a ser desenvolvido
durante as aulas. O resultado do ensino puramente normativo é a incapacidade do aluno em
aplicar a totalidade de normas que lhes são impostas e, ainda, o descrédito na sua gramática
de uso, que domina antes mesmo de chegar à escola; ou seja, configuram-se evidências de que
a gramática do indivíduo brasileiro escolarizado é composta de estruturas parcialmente
recuperadas pela escola, apresentando uma combinação entre as formas representativas do
vernáculo e àquelas correspondentes às prescrições nas quais se baseia o ensino tradicional.
Essa apreciação relaciona-se com o que apresenta Kato (2005; 2013) – assumindo o quadro
teórico gerativista – acerca da gramática do letrado, destacando que a escola implementa na
escrita dos alunos uma competição de gramáticas (numa concepção que vai além do domínio
mental de categorias gramaticais), refletindo formas antigas e inovadoras, mantendo perdas
44
gramaticais ou recuperando-as de forma distorcida. Ressalte-se que o conceito de competições
de gramáticas é uma noção pertinente ao quadro formalista ao qual se vincula Kato; os
diferentes contextos observados na dinâmica dos usos linguísticos podem ser abordados por
meio de outros diferentes tratamentos na literatura linguística, dentro os quais se manifesta o
relativo à pluralidade de “normas”, conforme Faraco (2008; 2015).
A chave para todo processo é ter como objetivo do “ensino de gramática” a
capacitação e ampliação das habilidades linguísticas dos alunos, fazendo-os operar de modo
consciente tanto para a compreensão como para a produção textual. A esse respeito, vale
lembrar que as orientações presentes nos PCN (1998, p. 29) deixam claro que as gramáticas
tradicionais não devem ser tomadas como referência na seleção de conteúdos para a análise
linguística, tendo em vista que, nessa atividade, o objetivo não é reconstruir os quadros
descritivos presentes em tais manuais. É importante, no entanto, deixar claro que o mesmo
documento menciona a validade do trabalho com a gramática tradicional, desde que aliada a
outros quadros descritivos, sendo instrumento que contribua para atividades de reflexão
acerca de conteúdos linguísticos a serem explorados.
Apoiando-se em Pires de Oliveira e Quarezemin (2016), acredita-se na efetividade de
um processo que desenvolva nas escolas um estudo da língua materna de cunho científico,
diferente do que se constrói em nível superior, mas suficiente para dar a oportunidade aos
alunos de observação e análise crítica com base em fatos reais da língua. Numa perspectiva
reflexiva e consciente, as aulas de Língua Portuguesa podem ser desenvolvidas por meio de
um trabalho que faça com que o ensino de gramática não signifique para o aluno apresentação
de uma verdadeira língua estrangeira, conforme observam Basso e Oliveira (2012). Para que o
ensino de gramática seja desenvolvido de maneira consciente, com a devida sistematização e
análise crítica, Costa et alii (2011) apresentam o conjunto de medidas que devem ser
seguidas:
(i) investir em descrições mais adequadas da gramática;
(ii) ter consciência do grau de desenvolvimento linguístico de nossos alunos;
(iii) ter consciência de que alguns aspectos da língua não decorrem de uma
aquisição espontânea;
(iv) investir no ensino de gramática que prioriza regularidades; e
(v) orientar o ensino de gramática em dimensões para além da simples correção do
erro.
45
A partir da aplicação de tais medidas no trabalho que se desenvolve para o ensino da
língua, chega-se ao propósito defendido por Quarezemin (2017) referente à introdução da
linguística em sala de aula, de modo a despertar a curiosidade do aluno e a vontade de
aprender as regras explícitas da língua, promovendo observação, reflexão e reconstrução da
metalinguagem típica da gramática tradicional. Isso corrobora o que apresentou,
pioneiramente, Perini (2007 [2001], 2010), que incentiva o ensino de gramática em
correspondência com o ensino do raciocínio científico. Quarezemin (2017) apresenta, nesse
sentido, produtivos exemplos e propostas de como o professor pode orientar os alunos no
desenvolvimento do raciocínio e práticas científicas. Pilati (2017), aliando tais pressupostos
aos métodos da aprendizagem ativa, propõe, também, produtivas oficinas para o ensino de
temais gramaticais.
Compartilhando a ideia de valorização da sala de aula como espaço aberto à reflexão e
campo de treinamento para o raciocínio científico, valorizando a prática linguística e
mitigando cada vez mais o ensino de Língua Portuguesa enquanto transmissão de
conhecimento gramatical acabado, é importante expor as palavras de Pires de Oliveira (2016)
– que comunga da proposta feita por Basso; Oliveira (2012) e por Pilati (2017):
As línguas naturais são muito instigantes e a linguística é a disciplina que
busca entender como elas são. Nossa proposta é que as aulas de língua sejam
investigar em primeiro lugar, que o aluno seja o detetive, que ele se
aventure, juntamente com o professor e os colegas em um trabalho
colaborativo, a construir gramáticas, que nada mais são do que maneiras de
refletirmos sobre as línguas. (PIRES DE OLIVEIRA, 2016, p. 157)
Por todo o exposto, é fato que não se devem desconsiderar os elementos de natureza
formal; ocorre que existe a necessidade de reconhecer que as aulas de Língua Portuguesa
precisam ser desenvolvidas a partir de uma reflexão gramatical que oriente a abordagem dos
conhecimentos linguísticos ali veiculados, e se evite, assim, o uso da metalinguagem apenas
como exposição artificial de conteúdo. Nesse sentido, Vieira (2013) aponta que, para que
sejam reconhecidos os elementos tanto linguísticos como discursivos num processo real e
produtivo de ensino de Língua Portuguesa, há a necessidade de (i) desenvolver o raciocínio
científico sobre a estrutura gramatical e (ii) observar o funcionamento social da língua. Com
isso, as aulas precisam ser encaradas como verdadeiros projetos que propiciem ao aluno
acesso a diferentes variedades linguísticas que se concretizam na sociedade, promovendo
46
experiência em leitura e produção de textos orais e escritos e desenvolvendo o funcionamento
de diferentes recursos linguísticos.
Assumindo que o espaço da sala de aula compreende um quadro teórico-metodológico
imensamente diversificado, no qual o grande desafio é conciliar o conhecimento advindo da
tradição gramatical com aquele próprio da tradição linguística, apresenta-se com extrema
relevância neste campo de estudo a proposta de Vieira (2014; 2017a; 2017b), ao conjugar três
eixos de aplicação para o ensino de gramática. Com essa proposta, a autora expõe três frentes
de trabalho que visam fazer com que o ensino de gramática não assuma um caráter
meramente instrumental, limitado ao reconhecimento e à exemplificação de categorias
gramaticais, e conscientiza os sujeitos envolvidos no processo quanto à importância de se
aliarem os componentes gramaticais à produção de sentidos, em cada atividade que se
desenvolva. A autora ressalta, ainda, a atenção que se deve conferir à variação linguística
sistemática – um dos eixos para o ensino de gramática – que se observa em cada texto lido ou
produzido.
No que re refere ao Eixo I, que consiste numa perspectiva de ensino de gramática a
partir de uma abordagem reflexiva, Vieira ressalta a contribuição de Franchi (2006). De
acordo com o autor, as atividades escolares com componentes gramaticais seriam de três
naturezas, conforme já se apresentou: (i) a linguística: saber linguístico das crianças,
correspondente à gramática que interiorizam na interação verbal com adultos e colegas, ou
seja, um sistema ao qual o aluno já teve acesso em suas atividades extraescolares; (ii) a
epilinguística: atividade que opera sobre a própria linguagem a partir da comparação e
transformação das formas por meio das quais o aluno se expressa na fala e/ou na escrita; (iii)
a sistematização do saber linguístico que, a partir das atividades linguísticas e epilinguísticas,
se aprimorou e se tornou consciente; uma atividade metalinguística que se desenvolve
naturalmente em sala de aula. Cabe destacar que o Eixo I perpassa os outros dois eixos, tendo
vista que, nessa abordagem reflexiva do ensino de gramática, tanto a relação entre gramática e
texto como a relação entre gramática e variação linguística configuram atividades de
promoção de significado, buscando desenvolver o nível de consciência do aluno sobre a
linguagem.
Quanto ao Eixo II, Vieira destaca a importância da interface gramática e sentido/texto.
Como orientação teórica para tratar deste aspecto, a autora menciona a interpretação
funcionalista da gramática, representada por Neves (2006), e a perspectiva da Análise
47
Semiolinguística do Discurso, proposta por Patrick Charaudeau e representada por
Pauliukonis (2007). Essas duas propostas têm como base o reconhecimento de elementos
gramaticais como geradores de sentido, demonstrando a articulação entre o ensino de
gramática e as atividades de leitura e produção textual. De acordo com Neves (2006), os
textos são “unidades de uso”; portanto, por meio dos temas linguísticos neles observados,
torna-se possível a interpretação dos elementos que compõem as estruturas da língua (funções
dentro do sistema linguístico) e a interpretação do sistema (interpretação dos componentes
funcionais). Na perspectiva discursivo-funcional, a inter-relação gramática-texto é tratada
pela autora a partir de quatro grandes áreas, sejam elas (i) a predicação; (ii) a criação da rede
referencial; (iii) a modalização e (iv) a conexão de significados (formação de enunciados
complexos). A análise de temas a partir de tais áreas permite verificar a atuação dos
componentes linguísticos, no âmbito lexical e gramatical, na produção de sentidos e resultante
conexão de significados.
Conforme aponta Pauliukonis (2007), a gramática tem papel fundamental na
codificação dos sentidos internos e externos que se vinculam à materialização dos enunciados
e, por isso, a construção textual é resultante de dois processos: o de transformação (escolhas
linguísticas que possam traduzir componentes do mundo real para o linguístico) e o de
transação ou organização macrotextual (resultado das escolhas referentes ao material
linguístico em acomodação nos modos de organização discursiva – narração, descrição e
argumentação –, compondo gêneros que intermedeiam os atos comunicativos). A seleção
linguística para gerar sentido no texto, de acordo com Pauliukonis, acontece a partir de cinco
operações específicas: (i) identificação (substantivação): designação, nomeação e
classificação de entidades; (ii) caracterização (adjetivação): atribuição de propriedades
objetivas ou subjetivas ao seres; (iii) processualização ou representação (verbalização)
identificação de mudanças nas relações entre os seres; (iv) modalização: apresentação da
maneira pela qual o sujeito da enunciação se posiciona em relação ao que é dito – certeza,
dúvida, interrogação etc; (v) relação: implementação de laços coesivos no âmbito sintático e
semântico para combinar e hierarquizar os componentes da frase e do texto.
A relação entre texto e discurso é fundamental para o direcionamento e orientação na
maneira como o professor compreende a natureza fundamental da língua, sendo fator
extremamente relevante para o desenvolvimento do trabalho em sala de aula. Numa
concepção de linguagem com foco na interação, Koch (2009) apoia-se na concepção dialógica
da língua, na qual os interactantes são atores sociais ativos, que, de maneira dialógica, se
48
constroem e são construídos no texto. Nesse sentido, é extremamente relevante a contribuição
da gramática do texto (ou gramática textual) no processo de ensino, pois, a partir do
entendimento de sequências lógicas e coerentes, podem ser ampliadas as habilidades dos
alunos enquanto usuários da língua, caminhando para o domínio das estruturas linguísticas
com a adequação e a funcionalidade dos usos.
De acordo com Favero e Koch (2008), os textos são uma forma específica de
manifestação da linguagem e a gramática do texto cumpre as lacunas existentes na “gramática
da frase”; a proposta da gramática textual é dar conta do texto e do contexto em sua plenitude,
contemplando fatores como referenciação e outros aspectos relacionados a coesão e coerência
textuais. Dessa maneira, as autoras apresentam a gramática do texto como uma instância que
deriva das competências e habilidades dos sujeitos com ele envolvidos e, para tal instância,
descrevem três funções básicas a serem observadas, sejam elas: (i) verificar o que faz com
que o texto seja um texto, isto é, determinar os seus princípios de constituição, os fatores
responsáveis pela sua coerência, as condições em que se manifesta a textualidade; (ii) levantar
critérios para delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais
do texto; e (iii) diferenciar as várias espécies de texto (FAVERO & KOCH, 2008, p. 15).
A partir da gramática do texto, extrapolando-se os limites da concatenação de
palavras, um texto é em si uma ligação entre texto, sentido e discurso. Ao relacionar texto e
discurso, vale mencionar a contribuição de Pauliukonis (2011), fundamentada na Análise do
Discurso, com pressupostos de Patrick Charaudeau (1983, 1992), ao deixar claro que
compreender e interpretar um texto corresponde a
uma operação interativa que demanda articulação de diferentes fatores; não é
apenas uma decodificação dos elementos instrucionais, mas o
reconhecimento de estratégias realizadas e que configuram significados
virtuais, passíveis de serem recuperados por processos de interferência,
análise de pressupostos e implícitos situacionais de diversas ordens.
(PAULIUKONIS, 2011, p. 244)
Considerando pressupostos tanto da Gramática Textual como da Análise do Discurso,
compreende-se que o trabalho com o texto pressupõe atenção às operações das quais o autor
pode lançar mão, fazendo uso de estratégias linguísticas e relações contextuais na criação de
um todo significativo. É importante que se reconheça a relevância tanto do suporte textual-
discursivo como dos dados linguísticos dispostos sistematicamente para efetiva compreensão
49
da língua em uso. É nessa perspectiva que Pauliukonis (2011) declara que gramática e texto se
entrelaçam quando na análise do texto ganham foco as operações e estratégias responsáveis
por gerar sentido. Compreende-se, portanto, que o estudo do texto muito tem a contribuir para
o desenvolvimento de uma abordagem produtiva de ensino da língua materna nas escolas,
pois os objetivos traçados para o ensino de tópicos gramaticais podem ser direcionados para o
significado do texto, desenvolvendo habilidades e ampliando a competência comunicativa dos
alunos.
Compreende-se que é interessante ao ensino, funcionando como ferramenta eficaz a
ser utilizada pelo professor, explorar as diversas estratégias sistemáticas, seja no campo do
conhecimento gramatical, seja no campo das significações, tanto no nível da frase como no
nível do texto – conforme ratifica Franchi (2006), ao apresentar a relação entre a criatividade
possibilitada nos processos do sistema gramatical e a significação das expressões. Vale
ressaltar que, mantendo-se o foco em ampliar a competência linguística dos alunos,
principalmente no que se refere à função de ensinar a escrita, é indispensável que essa
racionalidade a respeito da diversidade de estratégias sobre operações linguístico-discursivas
precisa ser clara também no que se refere ao tema da variação linguística.
O Eixo III é construído na perspectiva de um ensino de gramática associado ao tema
de variação e, por isso, Vieira deixa claro que o ensino de gramática (conjunto de regras
naturais que permitem produção e interpretação de enunciados significativos) precisa ser
concebido diferentemente do ensino de norma culta (conjunto de regras linguísticas que se
estabelecem visando ao domínio de estruturas consideradas de prestígio em meios
escolarizados, sobretudo em situações formais). Conforme aponta a autora, essa perspectiva
se justifica pelo fato de ser extremamente necessário que as aulas de Língua Portuguesa
propiciem reflexões acerca de estruturas diferentes daquelas comuns à variedade que o aluno
domina, considerada popular (quando se trata de comunidades menos escolarizadas) e falada,
expondo-os, por exemplo, a estruturas morfossintáticas típicas de contextos de alta
monitoração estilística.
Pelo viés que se apresenta no Eixo III, cabe ao professor de Língua Portuguesa, ao
tratar dos temas linguísticos, promover a observação do maior número possível de variantes,
num continuum de variação, com a intenção de tornar os alunos capazes de reconhecê-las e/ou
produzi-las. Para tanto, o professor precisa reconhecer as reais estruturas que configuram a
50
norma, praticada por falantes cultos (escolarizados) no Português do Brasil, para que seja
possível avaliar e transmitir aos alunos a noção de proximidade/distância entre essa norma e
(i) aquelas dominadas por estudantes quando chegam à escola, (ii) as diversas normas
trabalhadas a partir de diferentes gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa e (iii) as
normas idealizadas, arcaizantes e extintas na fala e escrita contemporânea do PB. Além disso,
é necessário que se desenvolva a consciência – em alunos e professores – de que a própria
norma culta é variável em relação a aspectos como registro (mais ou menos monitorado),
modalidade (oral e escrito) e especificidades dos gêneros textuais que constroem o discurso.
A proposta de Vieira demonstra alinhamento às finalidades que, segundo Travaglia
(2009), devem ser tomadas como norte no que se refere aos resultados que se pretende
alcançar com o ensino de Língua Portuguesa. Tais finalidades se resumem em (i) desenvolver
a capacidade comunicativa do usuário da língua, em conformidade com a proposta dos PCN,
que visam à educação comprometida com a cidadania para desenvolvimento da capacidade
discursiva do aluno; (ii) levar o aluno ao domínio da norma culta, sobretudo na variedade
escrita da língua; (iii) oferecer ao aluno informação cultural, proporcionando conhecimento
linguístico e social; (iv) capacitar o aluno quanto ao raciocínio científico.
Vale ressaltar que, com vistas ao cumprimento das finalidades listadas, Travaglia
(2009, p. 38-40) apresenta três tipos de ensino de língua: descritivo, produtivo e prescritivo. A
perspectiva de Vieira com apresentação dos três eixos segue o viés do ensino descritivo e do
ensino produtivo, sendo o descritivo aquele que se sustenta pela demonstração do
funcionamento da língua a partir das habilidades linguísticas já adquiridas pelos alunos sem
intenção de alterá-las, e o produtivo, aquele que, também sem alterar padrões adquiridos,
busca aumentar os recursos linguísticos dos alunos e, por isso, é considerado pelo autor, a
melhor abordagem de desenvolvimento da capacidade comunicativa do indivíduo. O ensino
prescritivo difere dos outros apresentados por caracterizar-se pela substituição de padrões de
atividade linguística; é, portanto, o tipo de ensino que interfere nas habilidades dos alunos,
adotando a correção formal da linguagem do discente, que é considerada errada/inadequada.
Travaglia salienta que os três tipos de ensino não representam abordagens que sejam
propriamente excludentes, pois devem ser conciliadas dependendo do conteúdo a ser
ministrado e dos objetivos traçados.
Compreende-se que o trabalho a partir dos três eixos apresentados por Vieira tem o
propósito de conjugar o ensino de componentes gramaticais à produção de sentidos, não se
51
limitando ao reconhecimento e à exemplificação de categorias gramaticais, conforme o que se
propõe em compêndios tradicionais e, nem mesmo, buscando incessantemente o total
atendimento às regras de um padrão idealizado e não efetivamente praticado.
Observe-se, a seguir, a síntese dos eixos propostos por Vieira (2017, p. 71-80):
Eixo I: ensino de gramática a partir de uma atividade reflexiva;
desenvolvimento sistemático de atividades linguísticas, epilinguísticas e
metalinguísticas; consiste em tornar a gramática conteúdo capaz de gerar
significados, explorando e sistematizando os recursos linguísticos
internalizados nos indivíduos e tornando como ponto de partida o
conhecimento que os alunos têm de sua própria língua.
Eixo II: reconhece os elementos gramaticais como categorias produtoras de
sentidos – considerando a constituição morfofonológica, construção
sintagmática e oracional e, ainda, a inter-relação entre os períodos –,
defendendo a articulação entre o ensino de gramática e as atividades de leitura
e produção textual para o ensino dos temas gramaticais.
Eixo III: apoiado nos pressupostos teóricos da Sociolinguística de orientação
laboviana, considera a existência de regras variáveis, que conferem a todas as
línguas uma heterogeneidade sistemática que funciona sob o condicionamento
linguístico e extralinguístico; visa à promoção do domínio de estruturas
variáveis com base nos continua especificados por Bortoni-Ricardo (2005) –
oral-urbano; oralidade-letramento; monitoração estilística.
Verifica-se que, por meio dos três eixos, é possível a articulação entre o ensino de
gramática e a prática de análise linguística, vinculando temas gramaticais aos planos da leitura
e produção textual, o que atualmente se configura como uma mudança necessária nas
perspectivas pedagógicas para o ensino de Língua Portuguesa. A partir da proposta de Vieira,
52
o ensino de gramática pode ser reconhecido e desenvolvido como uma prática analítica e
descritiva das estruturas da Língua, com planejamento e estratégias de aplicação adequadas ao
fenômeno abordado, sem desconsiderar os efeitos de sentido dos recursos linguísticos nos
plano textual-discursivo, nem a configuração das regras variáveis.
A proposta de Vieira (2014, 2017) torna evidente, mais especificamente no Eixo III, o
contributo da Sociolinguística no âmbito educacional. Além da configuração das regras
variáveis, ressalta-se que a investigação do problema da avaliação se faz necessária, pois é
extremamente válido averiguar a avaliação subjetiva de alunos e professores em relação aos
usos linguísticos e às normas que se idealizam para o universo letrado. Com isso, é oferecida
aos falantes – professores e alunos – uma reflexão que lhes permita lidar com as variantes por
eles dominadas e novas formas que se apresentem para a representação de fenômenos
linguísticos; dessa maneira, será possível promover o ensino da Língua Portuguesa no/do
Brasil a partir de uma verdadeira ação científica.
Nessa mesma perspectiva, Cyranka (2011) declara que a Sociolinguística Educacional
pode levar aos professores, de forma didática e acessível, informações teóricas e práticas, um
“novo rumo” para o ensino a partir de diferentes pressupostos sobre a linguagem. Para tanto, a
autora confere extrema importância ao fato de que, nesse processo, o professor precisa
compreender não só as crenças e atitudes dos alunos, como também as suas a respeito de
formas variantes, para que possa, verdadeiramente, levá-los à otimização da aprendizagem e
motivá-los ao desenvolvimento de competências comunicativas.
Dessa maneira, a formação do professor precisa torná-lo capaz de reconhecer as
diferenças entre gramática da fala e da escrita, permitindo-lhe transitar entre uma e outra em
atividades que garantam ao aluno acesso àquela que menos domina. Com isso, espera-se
promover o desenvolvimento do aluno como um indivíduo consciente da pluralidade
sociocultural do cenário brasileiro, tratando com reconhecimento e respeito a rica diversidade
sociolinguística em situações reais de uso da língua.
53
1.3.2.2. Contribuições da Sociolinguística Educacional
Para um produtivo ensino da Língua Portuguesa no Brasil, é necessário que os sujeitos
atuantes no processo tenham consciência – conforme propõe Vieira no Eixo III para o ensino
de gramática – de que é fundamental o reconhecimento da diversidade linguística, que
compreende a variedade de expressões, enquadrando-se numa realidade multifacetada, com
motivações de cunho linguístico-social.
De acordo com Martins, Vieira e Tavares (2014), o tratamento da variação linguística
e das diferentes normas que convivem de forma “saudável” no ambiente escolar configura um
dos principais desafios travados nas aulas de Língua Portuguesa. Segundo os autores, o
referido desafio ganha força diante do fato de os próprios professores demonstrarem noção
confusa de conceitos importantes à prática de ensino como “norma”, “modalidade” e
“registro”, o que dificulta o processo de ensino-aprendizagem da língua. Nessa problemática,
evidencia-se a necessidade de que, no ambiente escolar, esteja claramente desenvolvida a
consciência sobre a realidade sociolinguística brasileira, para que, assim, seja possível
desenvolver um trabalho reflexivo acerca da língua, estando os sujeitos envolvidos aptos (ou
inicialmente dispostos) a lidar com a variedade de normas que se concretizam nos usos.
Coan e Freitag (2011) declaram que a variação linguística é tópico indispensável a ser
contemplado no ensino da Língua Portuguesa, com o objetivo de
ampliar o domínio ativo dos discursos nas diversas situações sociais por
meio de situações que envolvam gêneros, léxico, juízos de valor
(sócioideológicos), variação linguística, monitoração e contexto de
produção (enunciador, interlocutor, finalidade, lugar e momento de
produção). (COAN & FREITAG, 2011, p. 182)
Ainda no âmbito de reconhecimento e validação da variação no ensino, alinhados à
proposta dos PCN (1998), que visa à necessidade de desenvolvimento de um ensino
contextualizado e condizente com a realidade do aluno, os autores apresentam alguns mitos a
serem desconstruídos:
(...) a escola precisa livrar-se de alguns mitos, por exemplo: existe forma
correta de falar; a fala de uma região é melhor do que a outra; a fala correta é
a que se aproxima da escrita; brasileiro fala mal português; português é
difícil e é preciso consertar a fala do aluno. (COAN & FREITAG, 2011, p.
182)
54
Para ratificar a existência de traços de variação linguística tanto na fala como na
escrita, desconstruindo-se o mito de superioridade desta sobre aquela, não se pode deixar de
mencionar as contribuições de Bortoni-Ricardo (2005) e Corrêa (2004), ao demonstrarem que
o preconceito que se diz linguístico consiste em um preconceito social, que se constrói com
base em valores simbólicos dominantes. Dessa maneira, torna-se compreensível uma possível
resistência a formas normativas que, em verdade, configura uma possível falta de correlação
com os valores sociais trazidos pelo indivíduo quando ingressa na escolarização formal.
Nesse sentido, é relevante, ainda, a reflexão de Marcuschi (2007, p. 35), ao declarar que “a
língua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da
sociedade”.
O ensino de língua materna que visa à adoção de um padrão unificador, sobretudo no
que se refere à língua escrita, carece de reconhecimento de que o processo de letramento é,
em verdade, o desenvolvimento de um campo riquíssimo de variação a ser considerada,
destacando-se a influência da escola e de seus profissionais de ensino na formação do
indivíduo culto. De acordo com Soares (2012), a realidade do cenário escolar atual, por
compreender um público heterogêneo, que, consequentemente, materializa uma imensa
heterogeneidade linguística, exige do professor conteúdo e metodologia novos para o ensino
de Língua Portuguesa. Nesse contexto, a orientação tradicional continua a ser bem-vinda na
escola, mas torna-se necessário contemplar diferentes formas para que se desenvolva um
ensino como prática de análise linguística e não como um método de mera substituição de
formas estigmatizadas por usos considerados corretos. Considera-se que o trabalho com a
língua materna precisa traçar objetivos que ultrapassem os moldes de um ensino
metalinguístico ancorado na descrição tradicional e reconheça a existência de regras variáveis,
valendo-se do conteúdo linguístico que o aluno leva de sua experiência extra-escolar, pois
fazer com que os alunos se sintam cada vez mais distantes de sua própria língua prejudica
desmedidamente o processo de ensino-aprendizagem.
Diante da dificuldade que se verifica em aproximar a escola e o professor do universo
linguístico trazido pelos alunos, busca-se a contribuição das pesquisas sociolinguísticas, que
muito têm a acrescentar para o desenvolvimento educacional, comportando-se como
instrumento mediador neste processo. Nesse contexto, a Sociolinguística Educacional, que
promove uma correlação entre a teoria sociolinguística variacionista e o contexto escolar,
destacando-se neste cenário a contribuição de Bortoni-Ricardo, demonstra a importância em
valorizar as variantes linguísticas que se apresentam no processo de ensino-aprendizagem.
55
Bortoni-Ricardo (2004, p. 51-63) descreve três continua para demonstrar o alargamento do
repertório linguístico do público discente no ambiente escolar, enfatizando que a variação se
manifesta de forma gradativa e ininterrupta de um extremo a outro, e não de forma estanque,
como se houvesse, simplesmente, duas variantes para cada contexto. Observem-se os
referidos continua:
(i) Continuum rural-urbano: apresenta, em uma extremidade, os falares rurais
supostamente mais isolados da sociedade e sofrendo menor influência dos
meios de comunicação (destaque-se o abrandamento do referido isolamento
atualmente , haja vista os recursos hoje em dia possibilitados pelo acesso a
energia elétrica e determinados recursos tecnológicos, ampliação da rede de
ensino em localidades rurais, da rede de meios de transportes etc); na outra
extremidade, os falares urbanos, com maior influência de agentes
padronizadores da língua. Entre as duas extremidades, a autora inclui uma
“área rurbana”, representativa do confronto entre as duas, na qual se
enquadrariam os usos de migrantes de zonas rurais e de indivíduos que
habitam núcleos semi-rurais, sofrendo influência parcial dos aspectos da
urbanização.
........................................................................................................
Variedades rurais isoladas Variedades urbanas padronizadas
(ii) Continuum oralidade-letramento: referente aos contextos de comunicação
construídos socialmente; em uma extremidade, enquadram-se eventos que
manifestam características da língua falada e, na outra extremidade, aqueles que
apresentam características da língua escrita, não sendo restrito a registros
propriamente escritos.
.........................................................................................................
Eventos de oralidade Eventos de letramento
56
(iii) Continuum de monitoração estilística: apresentam-se, numa extremidade, as
manifestações linguísticas mais espontâneas e, na outra, aquelas de maior
planejamento.
...........................................................................................................
- monitoração + monitoração
No âmago da Sociolinguística Educacional, Bortoni-Ricardo (2005) cita a necessidade
de uma pedagogia sensível, capaz de lidar com diferenças não só linguísticas, mas também
culturais, de modo a envolver toda a sociedade escolar no processo. Para uma efetiva
contribuição no processo de ensino-aprendizagem, a autora considera seis princípios
fundamentais da Sociolinguística Educacional (2005, p. 130-131), quais sejam:
(i) a influência da escola corresponde à sobreposição de estilos mais formais, com
maior nível de monitoramento, ao vernáculo dos alunos, fornecendo-lhes recursos
comunicativos adequados para uso em determinados contextos;
(ii) regras que não estão associadas à avaliação negativa na sociedade não são objeto
de correção na escola, não sendo, portanto, passíveis de avaliação negativa mesmo
em contextos de maior monitoramento, o que evidencia caráter “sociossimbólico
das regras variáveis”;
(iii) no Brasil, a variação está ligada à estratificação social rural-urbana; nesse
contexto, professores precisam estar aptos a lidar com diferenças sociais da língua
para desenvolver estratégias que favoreçam o aprendizado de diferentes formas;
(iv) a Sociolinguística auxilia na instituição de uma dicotomia entre letramento e
oralidade e não entre português culto e português ruim, distinguindo, assim, os
usos de contextos de maior e menor monitoramento;
(v) a abordagem da variação na Sociolinguística Educacional não pode ser dissociada
da análise etnográfica e interpretativa do uso da variação na sala de aula, ou seja, a
Sociolinguística Educacional não pode se limitar à simples descrição das formas
variantes, mas sim desenvolver os significados socioculturais assumidos pela
57
variação, assim como os padrões de uso que se verificam e as diferentes avaliações
que se constroem; e
(vi) a Sociolinguística Educacional precisa promover um processo de
conscientização crítica dos professores e alunos em relação à variação e às
desigualdades que ela pode evidenciar; é preciso promover, no ambiente escolar,
reflexão sobre o uso de formas variantes para representação de determinados
fenômenos da língua, considerando-se a estrutura social envolvida.
Tais princípios estabelecidos evidenciam que a relevância da Sociolinguística em sala
de aula consiste em desenvolver um processo de ensino-aprendizagem em língua materna em
que o professor leve o aluno à identificação e à conscientização das diferenças a partir de
formas variáveis, tornando-o capaz de monitorar seu próprio estilo. O professor passa a ser,
então, um mediador num processo em que o principal objetivo é o respeito às características
culturais dos alunos, lidando com a complexa questão da variação linguística para o
aprimoramento da competência comunicativa.
Para o desenvolvimento deste trabalho, defende-se a proposta de que o ensino de
língua materna, visando à realização de um trabalho efetivo, não deve se fundamentar em um
conceito de norma dicotômico, pautado em princípios de certo ou errado. De acordo com
Camacho (2013), seria possível, dessa maneira, um trabalho com a língua materna de modo a
evitar que se construam ou desenvolvam preconceitos no processo educacional, evitando-se
uma oposição entre norma culta e norma popular, que, em verdade, configura uma oposição
entre prestígio e estigma. Sob essa perspectiva, o autor menciona que, pelos moldes da
gramática tradicional, se cria a ideia de um padrão mínimo de respeito às regras que, quando
desrespeitadas, romperiam o “bom uso da língua”, em se tratando, sobretudo, da escrita, pois
as exceções e adendos que se apresentam nas prescrições sustentam que a fala é o espaço em
que se permite o “erro”.
Duarte (2013) salienta que o professor deve levar o aluno a uma descrição realista dos
usos já consagrados por indivíduos letrados e já implementados na escrita, e os autores de
livros didáticos devem buscar conhecer as descrições dessa escrita contemporânea da
variedade brasileira da Língua Portuguesa. Ocorre que, pelos moldes convencionais, o aluno
perde a oportunidade de análise dos diferentes recursos expressivos que se manifestam à
disposição da língua.
58
Na realidade linguística brasileira, pode-se dizer, em certa medida, que há uma
pluralidade de normas vernáculas assim como uma pluralidade de normas cultas,
considerando-se ainda a distância existente entre as normas idealizadas com base no contexto
escolar e as normas efetivamente praticadas, até mesmo pelos falantes mais escolarizados
(CALLOU; BARBOSA; LOPES, 2006; VIEIRA; FREIRE, 2014), de modo que se verificam
vários polos cultos e populares que se sobrepõem dentro de um determinado grupo. O cenário
atual da Língua Portuguesa do Brasil demonstra que as normas que nela figuram se
interrelacionam.
A pluralidade de normas na qual se construiu e se desenvolve continuamente o cenário
linguístico foi evidenciada já por Coseriu (1952), ainda no âmbito do Estruturalismo, ao
reconhecer que “na verdade, a norma é variável, dependendo da natureza e limites da
comunidade proposta” (p. 58), já antecipando uma importante discussão da Sociolinguística,
referente ao fato de que, dentro de um mesmo sistema funcional, existem diversas normas.
Ocorre que, até hoje, no contexto de ensino da língua materna, se verifica, por vezes, um
caráter uniformizador representado por preceitos normativos que buscam implementar uma
norma-padrão institucionalizada que não reflete exatamente o padrão real, próximo às
manifestações de falantes escolarizados, consistindo em um sistema idealizado e inatingível,
tendo-se em vista que se baseia num discurso normativo pouco convincente que insiste em
desqualificar as variações inevitáveis que se manifestam na língua.
É evidente que a questão da norma linguística é assunto complexo no campo de ensino
da Língua Portuguesa, sobretudo em se tratando da observação do que é idealizado como
padrão a ser atingido e o que configura os usos reais dos falantes cultos. A esse respeito,
Castilho (2012) traz a campo a diferenciação existente entre norma objetiva – explícita,
refletindo um padrão real dos usos praticados por falantes cultos – e norma subjetiva –
implícita, correspondente a um padrão idealizado formado pela avaliação, consciente ou
inconsciente, dos falantes sobre formas variantes, elegendo aquelas com maior e menor
prestígio na sociedade. O autor menciona ainda uma norma prescritiva, correspondente à
combinação entre norma objetiva e norma subjetiva, mas que assume caráter impositivo,
buscando estabelecer padrões normativos para o funcionamento da língua. Essa diferenciação
apresentada por Castilho é especificada no âmbito do desenvolvimento da polissemia que
comporta o termo norma.
59
De acordo com Faraco (2015), a expressão “norma culta” perdeu a precisão semântica,
sendo encarada no contexto escolar como algo previamente estipulado e consensual, dado
como objetivo que deve ser atingido pelos alunos ao fim da formação no que se refere à
disciplina Língua Portuguesa. Esse viés advém de um tratamento superficial dado à variação
linguística no desenvolver das práticas escolares cotidianas, reforçado pela abordagem dos
livros didáticos que deixam de contemplar com o devido aprofundamento a variação social e
sua influência na dinâmica da realidade sociolinguística nacional. Há na sociedade brasileira,
segundo o autor, uma divisão sociolinguística que reflete em verdade uma divisão econômica,
social e cultural, resultando em uma divisão superficial estabelecida entre dois lados: (i) o
conjunto de variedades do que se chama de português culto (variedades tradicionalmente
urbanas, segmentos sociais melhor situados na pirâmide econômica, indivíduos com amplo
acesso a educação básica e bens de cultura letrada) e (ii) o conjunto de variedades do que se
chama de português popular (variedades de origem rural, segmentos sociais da parte baixa da
pirâmide econômica, indivíduos com acesso historicamente restrito à educação básica).
Há de se destacar, no entanto, que a supracitada divisão não se sustenta de maneira tão
estanque na atualidade, tendo em vista mudanças ocorridas tanto no âmbito econômico como
no social que afetam continuamente relações sociolinguísticas no Brasil. Nesse sentido,
Faraco destaca as consequências do êxodo rural em território brasileiro, processo que propicia
assimilação de componentes linguísticos tipicamente urbanos pelos migrantes e seus
dependentes, o que gera um processo de variação/mudança em duas vias para os dois grandes
conjuntos de variedades linguísticas. Faraco é incisivo, portanto, ao afirmar que, para o
verdadeiro entendimento da nossa realidade linguística, é emergente a construção de uma
pedagogia que permita efetivo acesso à expressão culta de modo a valorizar também aquelas
ditas populares. O autor deixa claro que há uma real necessidade de incorporação de diretrizes
pedagógicas que tenham como objetivo promover o domínio da expressão culta construído
por meio de experiências que garantam a qualquer indivíduo o acesso à cultura letrada e às
variedades linguísticas, ampliando a consciência dos alunos para que possam identificar os
aspectos representativos de cada variedade em caráter analítico.
Vale ressaltar que, recentemente, em entrevista ao site Mundo Escrito, Faraco (2018)
reforça a importância de desenvolver nos alunos habilidades referentes à capacidade de buscar
o entendimento quanto ao funcionamento da língua, levando-os a observar e descrever os
fenômenos nas diversas variedades linguísticas. De acordo com o autor, o domínio das
práticas de oralidade, leitura e escrita deve ser encarado como o real objetivo do ensino da
60
língua, criando-se, portanto, um modelo “honesto e concreto”. Faraco deixa claro, ainda, que
é preciso acabar com a ideia de qualquer conflito que se estabeleça entre gramáticos e
linguistas; em verdade, para um ensino efetivo, o autor defende um trabalho conjunto, tendo
em vista que “um gramático que estipule regras normativas sem uma prévia e boa descrição
da língua seria um mau gramático”; a partir desse trabalho conjunto, seria possível promover
o estudo gramatical nas escolas ultrapassando-se as barreiras das questões normativas.
Nessa perspectiva, Faraco (2015) salienta a importância de guias normativos que
orientem o trabalho com a língua Portuguesa no ensino regular promovido nas escolas, guias
que se pautem em alguns princípios gerais:
a) o reconhecimento da necessidade de que os instrumentos normativos
reflitam a norma efetivamente praticada;
b) o reconhecimento do fato de que não existe “a” norma culta - assim
no singular, identificando -se as diferenças existentes entre as modalidades
escrita e falada da língua e, ainda, legitimando o caráter heterogêneo de cada
uma delas,
c) o reconhecimento de que essa variabilidade da expressão culta está,
em parte, expressa nas divergências e até contradições entre o que dizem
vários gramáticos que escrevem as gramáticas normativas.
(FARACO, 2015. p. 28-29)
Dessa maneira, Faraco afirma que tais guias podem contemplar a variabilidade da
expressão culta, acolhendo as divergências interpretativas que se apresentam em diversos
instrumentos normativos.
Nesse contexto, para reforçar a necessidade de discussão em torno do que se deve
entender por “expressão culta” em meio à realidade sociolinguística brasileira e o processo de
ensino da Língua Portuguesa, é sempre e extremamente válida a proposta de Faraco (2008),
que, ao apresentar três possíveis concepções de normas, demonstra dois campos que se
constroem acerca desse assunto: o campo da realização, no qual se verifica uma variedade
linguística realmente praticada por uma comunidade de fala (comportando as variedades
cultas ou, genericamente, norma culta, ao lado das variedades populares), e o campo da
61
idealização, no qual se observa uma intenção homogeneizante de norma, do que deveria ser o
conjunto de usos próprios da língua (comportando as normas padrão e gramatical).
No campo da realização, Faraco (2008) propõe a definição de norma culta,
correspondente às variedades que compreendem as formas linguísticas utilizadas pelos
falantes letrados, reveladas em contextos mais urbanos, e sobretudo em situações de maior
grau de monitoração. Nessa concepção, verifica-se que a norma culta também é plural,
considerando-se que monitoração e formalidade se constroem em continua dentro do
funcionamento da língua. Cabe ressaltar que os muitos usos da fala culta brasileira não se
distanciam efetivamente do que se apresenta de modo geral para a linguagem urbana, salvo
formas que se comportam como estereótipos (concordância em certas formas verbais, por
exemplo), conforme atestam os resultados de estudos realizados a partir do Projeto NURC.
Ao tratar de padronização linguística no cenário brasileiro, torna-se relevante refletir
sobre o conceito geral de norma-padrão, que, conforme Faraco (2008), corresponde a um
padrão linguístico estabelecido em sociedade a partir do que se idealiza como caráter
unificador e desejável num determinado período, sendo, com isso, um constructo subjetivo,
plural e que se modifica historicamente. De acordo com o autor, o conceito de norma-padrão
data do século XV, quando, na Europa, na tentativa de se conter a insurgência de acentuadas
diferenças dialetais herdadas da fragmentação característica de uma sociedade feudal, foi
idealizado um “padrão de língua” (FARACO, 2008, p. 73) como instrumento de
uniformização para conter as acentuadas diferenças dialetais que emergiam das línguas
vernáculas. No caso brasileiro, em particular, a norma-padrão constrói-se por um processo de
imposição das elites brasileiras com o objetivo de distanciarem-se dos demais segmentos da
população, estabelecendo usos linguísticos praticados por escritores portugueses na primeira
metade do Século XIX; dessa maneira, a escrita oficial brasileira acabou assumindo traços da
norma lusitana, no intuído de se criar um universo cultural próximo da realidade europeia.
No campo da idealização, o autor postula o conceito geral de norma-padrão,
idealizada a partir de uma construção social e histórica do que se imagina como culto pela
sociedade; é uma idealização do conjunto de regras que supostamente representaria o “bom
uso da língua”, não sendo necessariamente correspondentes às formas e/ou estruturas
linguísticas que se identificam para representação da norma culta. Corresponde, em verdade, à
idealização do que se adotaria como culto na sociedade, considerando formas que sirvam à
uniformização da língua num determinado período. Relacionado a ele, o autor destaca a
62
importância do que se convencionou chamar norma gramatical: idealizada e codificada em
manuais tradicionais, baseada em estruturas da escrita literária, promovendo
descrição/prescrição; constrói-se numa tentativa de codificar a norma-padrão nos manuais
gramaticais e, por isso, também se modifica conforme a evolução pela qual passa a norma
culta.
Faraco (2008) salienta a existência de uma perspectiva purista correspondente a uma
idealização promovida por indivíduos conservadores que terminam por cultivar a cultura do
erro extremamente distante dos usos registrados na norma culta, validando até mesmo
estruturas arcaicas. A essa perspectiva, o autor atribui ironicamente a nomenclatura de norma
curta, tratando a forma restrita como a norma-padrão é concebida e idealizada socialmente
por este viés.
No âmbito do ensino, a perpetuação da norma curta nos processos de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa mantém relação com a afirmação de Mattos e Silva ao
declarar que, apesar das possibilidades que existem para o desenvolvimento de uma
pedagogia própria de ensino de língua materna no Brasil, o cenário real dos docentes se
organiza no âmbito dos “ poucos bem preparados para a pluralidade dialetal e para a
pluralidade de normas... a grande maioria dos professores não tem condições intelectuais e
materiais para enfrentar a função que lhes cabe” (MATTOS e SILVA, 1995, p.48).
Compreende-se, portanto que, na inegável realidade plural em que se deve construir o ensino
da língua em sala de aula, o professor precisa primeiramente desenvolver sua consciência e
competências em torno do reconhecimento da função de uma expressão adequada, por
exemplo, dentro da funcionalidade do discurso considerado, não deixando de validar as
formas próprias, da variedade de exigida socialmente a um falante escolarizado. Amplia-se,
dessa maneira, o princípio de diversidade social, cultural e linguística em interação
continuada no contexto escolar e, assim, para o ensino da língua materna, serão reconhecidos
os lugares e funcionalidades de cada tipo de norma, oferecendo-se ao aluno o aprimoramento
social e acadêmico necessário.
Para o tratamento pedagógico da variação de normas que precisam ser consideradas no
processo de ensino da língua, Faraco (2015) traz importante contribuição com
desenvolvimento do que propõe como “pedagogia da variação linguística”, de acordo com o
qual a norma-padrão deve ser plural, visto que o compromisso com o que deve ser
prototipicamente esperado como padrão se modifica ao longo do tempo e em meio ao
63
desenvolvimento da sociedade; da mesma maneira, as próprias variantes implementadas pelas
variedades cultas também são plurais. Acerca da norma culta, Faraco enfatiza que é
heterogênea por possuir variabilidade nas modalidades falada e escrita, assim como nos
diferentes gêneros discursivos. Para a modalidade falada, o autor apresenta uma norma culta
com variabilidade na pronúncia, no léxico, na morfossintaxe, acrescentando-se para a escrita,
variação no que se refere à planificação e monitoramento do discurso e do gênero escolhido
ou exigido em determinados contextos.
Diante de tais considerações, vale mencionar, ainda, Freitag (2017, p. 86) ao afirmar
que “não é papel da escola recuperar formas da língua, mas sim das a conhecer a pluralidade
de normas”; com isso, o professor de Língua Portuguesa pode auxiliar o aluno no
reconhecimento de diferentes padrões de formas existentes na língua, assim como de seus
contextos de uso. As reflexões apresentadas levam a compreender que um efetivo trabalho em
sala de aula precisa cumprir o desafio de conjugar critérios da norma-padrão, que se inspira
em tópicos normativos (dentre os quais figuram os da norma gramatical), aos conceitos de
normas de uso (norma culta), que são indiscutivelmente plurais, tendo em vista que o aluno,
como qualquer falante, concretiza variação tanto na fala quanto na escrita, sobretudo
considerando os diversos gêneros textuais explorados na construção dos discursos.
64
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: O FENÔMENO EM ESTUDO
2.1 A anáfora do objeto direto nas gramáticas
Quanto às referências tradicionais, apresenta-se a abordagem do fenômeno aqui
estudado em Cunha e Cintra (2008), Bechara (2009) e Rocha Lima (2012 [1972]). Nessas
referências, os autores apontam, em caráter normativo, o emprego das formas oblíquas
(o,a,os,as – especificamente nos casos de terceira pessoa) para a função de complemento
verbal, enquanto o pronome lexical fica reservado à função de sujeito na sentença.
Rocha Lima e Cunha e Cintra tratam, ainda, do caso de complementação em
estruturas construídas com verbos acusativos ou perceptivos, em que os pronomes,
originalmente oblíquos, acumulam funções de objeto direto do primeiro verbo e sujeito do
segundo verbo, infinitivo (mandei-os entrar; fez-me entrar). Conforme demonstram
resultados de estudos realizados no âmbito linguístico, no Português Brasileiro, é comum o
emprego de pronomes retos para representação da função acusativa nas estruturas dessa
natureza (mandei ele sentar), em que o objeto direto é a oração reduzida de infinitivo,
sendo o pronome, em verdade, sujeito da oração infinitiva , criando-se uma estrutura tal
como na sintaxe latina em que o verbo na forma infinita não atribui caso e seu sujeito
recebe caso acusativo da oração anterior. Apesar de essa forma variante não sofrer – ao que
tudo indica – estigma no funcionamento da língua, sendo utilizada por falantes letrados,
não é reconhecida pela tradição gramatical aqui representada; cabe destacar que Cunha e
Cintra mencionam esse tipo de utilização do pronome reto em função acusativa em uma
seção intitulada “Equívocos e incorreções”.
Ainda a respeito do pronome nominativo em função acusativa, Bechara (2009)
declara que “o pronome ele, no português moderno, só aparece como objeto direto quando
precedido de todo ou só (adjetivo) ou se dotado de acentuação enfática.” (p.175); apesar de tal
observação, compreende-se que o emprego do pronome reto em função acusativa vai além
dos casos descritos pelo autor. De modo geral, pode-se dizer que a abordagem tradicional
feita a respeito do tema, representada aqui pelos compêndios referidos, não abrem espaço para
a aceitação de formas alternantes de representação anafórica do objeto direto.
No que se refere às gramáticas descritivas com fundamentação linguística,
apresentam-se as propostas de Perini (2007 [2001]; 2010) e Bagno (2012) como
65
representativas das tendências enunciadas em abordagens científicas do fenômeno,
abordagens que consideram formas alternantes de acusativo anafórico, admitindo, portanto,
não somente o pronome clítico como única forma de representação do fenômeno no
Português brasileiro. As referências apresentadas inserem-se num contexto amplo em que
se propõe o desenvolvimento de gramáticas que busquem dar conta de fenômenos
gramaticais variáveis no PB atual.
Perini (2007 [2001]), para tratar do fenômeno aqui em estudo, destaca,
primeiramente, o funcionamento do termo objeto direto no sistema linguístico. Levando
em consideração o critério sintático, o autor caracteriza o objeto direto (i) pela ausência de
concordância verbal, (ii) pela possibilidade de topicalização, (iii) pela possibilidade de
retomada anafórica por (o) que ou quem, (iv) pela ausência de concordância nominal com
outro termo da oração, (v) pela possibilidade de clivagem e (vi) pela impossibilidade de
ocorrer na posição de auxiliar.
Diante das características elencadas, pode-se destacar que nem todas as variantes
do acusativo anafórico de terceira pessoa conseguem se enquadrar em todos esses aspectos,
como, por exemplo, o clítico que gera uma sentença agramatical ao ser clivado ou
topicalizado (a senhora encontrou sua neta/* foi a que a senhora encontrou/ *a a senhora
encontrou). Já no que se refere à categoria nula para representar o objeto direto
antecedente, Perini demonstra ser um recurso funcional, no âmbito que gera uma sentença
perfeitamente compreensível para falantes brasileiros, sendo interpretadas como sinônimas
as sentenças “Fia fez a fantasia e Fernanda a forrou” e “Fia fez a fantasia e Fernanda [ø]
forrou”.
Na edição de 2010 de sua Gramática do Português Brasileiro, Perini, ao
observar o português falado no Brasil, o autor não menciona os clíticos o/a como
possibilidade de representação do acusativo anafórico e declara que os pronomes retos de
terceira pessoa podem ser utilizados em quaisquer funções sintáticas. Portanto, de acordo
com a abordagem descritiva de Perini, o acusativo anafórico de terceira pessoa pode ser
representado pelo pronome nominativo, pelo SN anafórico e pelo objeto nulo.
Bagno (2012), em sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro,
apresenta uma abordagem diferente daquelas orientadas pela tradição gramatical. De
acordo com o autor, os pronomes não podem ser classificados como uma das classes de
66
palavras, pois, em verdade, correspondem a uma função que pode ser exercida por palavras
de diferentes classes (p. 462). A partir dessa definição, o autor concebe os pronomes
pessoais como “índices de pessoa”, sendo, nesta proposta, a terceira pessoa do discurso
tratada como não pessoa – “aquela que está ausente”.
Nessa gramática, são apresentadas quatro variantes possíveis para a
representação do acusativo anafórico (o clítico pronominal o,a(s), o pronome reto, o
objeto nulo e o pronome lhe acusativo), com reconhecida diferença na frequência de uso
entre elas. Quanto ao objeto nulo, o autor declara que esta é a forma utilizada
majoritariamente para expressão da não pessoa e comenta que “esse é um privilégio único
da nossa língua (...); não há então porque não se valer dele” (BAGNO, 2012, p. 799). Em
relação ao clítico acusativo, afirma que é empregado “exclusivamente” por falantes
letrados, sendo observado esporadicamente na oralidade, visto que está reservado à
escrita de gêneros textuais com maior monitoramento; diante disso, acrescenta que esta é
uma forma “extremamente rara no PB”. Sobre a estratégia do clítico lhe em função
acusativa, Bagno apresenta a ressalva de que é utilizado “única e exclusivamente na
língua escrita, pois o lhe na língua falada só se refere a você, nunca a ele/ela” (p. 799). É
importante destacar que Bagno não faz menção ao SN anafórico, estratégia reconhecida e
com produtividade comparada ao uso do objeto nulo em outros estudos. Quanto ao
pronome reto ele/ela, o autor destaca que este, junto ao objeto nulo, corresponde à
estratégia de retomada do objeto direto própria do uso de crianças que ainda não tiveram
acesso à escola ou a atividades de leitura.
Ao longo de sua gramática, Bagno faz apelos didáticos que caracterizam o teor
pedagógico da obra. No âmbito da representação anafórica do objeto direto, o autor destaca
que é função da escola apresentar as formas
que não pertencem ao vernáculo brasileiro, de modo que é necessário e
importante ensiná-las sistematicamente para que os alunos se
conscientizem da existência delas e possam, se quiserem, empregá-las em
gêneros textuais falados ou escritos mais monitorados
(BAGNO, 2012, p. 602).
Compreende-se, portanto, que a proposta de Bagno consiste em um ensino
sistemático de formas mais distantes do vernáculo, para que, assim, os alunos possam
entender e refletir sobre diversas estruturas, desenvolvendo habilidades para o uso de
construções que lhe parecerem cabíveis em diversos contextos.
67
Castilho (2015), ao tratar da categoria dos pronomes pessoais, apresenta
abordagem referente ao que se apresenta em uso na atualidade do Português brasileiro.
Desse modo, o autor apresenta um quadro pronominal baseado na demonstração de formas
utilizadas em caráter supostamente formal e informal:
Quadro 1: Pronomes pessoais do Português Brasileiro, segundo Castilho (2015, p. 87)
Pessoa Português Brasileiro Formal Português Brasileiro Informal
Sujeito Complemento Sujeito Complemento
1ª pessoa
singular Eu Me, mim, comigo Eu, a gente
Eu, me, mim,
Prep + eu,
mim
2ª pessoa
singular
Tu, você, o
senhor, a
senhora
Te, ti, contigo
(Preposição +) o
senhor, com a
senhora
Você / ocê, /
tu
Você / ocê /
cê, te, ti,
Preposição +
você / ocê
(=docê, cocê)
3ª pessoa
singular Ele, ela
O/ a (em
desaparecimento),
lhe, se, si, consigo
Ele/ ei, ela Ele, ela, lhe,
Prep + ele, ela
1ª pessoa
plural Nós Nos, conosco A gente
A gente, Prep
+ a gente
2ª pessoa
plural
Vós (de uso
muito
restrito), os
senhores, as
senhoras,
vocês
(Preposição +) os
senhores, as
senhoras
Vocês / ocês
/ cês
Vocês / ocês /
cês,
Preposição +
vocês / ocês
3ª pessoa
plural Eles, elas
Os/ as (em
desaparecimento),
lhe, se, si, consigo
Eles / eis,
elas
Eles/ eis, elas,
Preposição +
eles/ eis, elas
Após a apresentação desse quadro pronominal, o autor demonstra características
específicas que se revelam no PB atual quanto à terceira pessoa, sejam elas (i) o pronome
ele teve seu uso preservado como sujeito, mas passou a ser usado também como
complemento; (ii) o pronome complemento o (assim como suas variantes lo e no) vem
sendo substituído pelo pronome nominativo ele; (iii) o pronome lhe, com emprego
tradicionalmente descrito em função de complemento objeto indireto, passa a ser utilizado
também como objeto direto (CASTILHO, 2015, p. 98-99).
Essa descrição apresentada pelo autor corrobora a descrição presente em Castilho
(2014 [2010]) que, a partir de estudos linguísticos como os de Tarallo (1983), Duarte
68
(1989) e Cyrino (1997), explora as formas variantes de representação do objeto direto
anafórico. Assim, Castilho (2014) apresenta como estratégias de preenchimento do objeto
direto (i) o clítico acusativo, (ii) o pronome ele, (iii) o sintagma nominal anafórico e (iv) o
objeto nulo. Com base nas referências, o autor apresenta, ainda, condicionamentos
linguísticos e extralinguísticos que podem influenciar a manifestação do fenômeno. Com
isso, o autor ressalta o favorecimento da forma plena do objeto direto, no âmbito sintático,
em estruturas complexas e, no âmbito semântico, pelo traço [animado], sendo representado
sobretudo pelo pronome ele. Quanto aos condicionamentos extralinguísticos, o autor
destaca três fatores: (i) Os clíticos começam a ser utilizados na medida em que o indivíduo
começa a progredir na formação escolar; (ii) a idade e a formação escolar não exercem
influência sobre a emergência do objeto nulo e (iii) em situações formais, o pronome
lexical é evitado e ganham lugar os sintagmas nominais, ficando o clítico reservado à
modalidade escrita (CASTILHO, 2014, p. 302-303).
Verifica-se que a abordagem de Castilho não propõe uma reclassificação ou
reformulação do quadro de pronomes apresentado pela tradição gramatical, mas busca
descrever com mais detalhes as funções exercidas pelos elementos da categoria. Observa-
se, no entanto, que há nessa sistematização do autor uma simplificação da realidade
linguística do português brasileiro, pois a divisão que se faz entre PB formal e PB informal,
em verdade, se apoia em formas representativas, respectivamente, da escrita e da oralidade,
admitindo-se um continuum monitoramento − espontaneidade, por meio do qual se associa
a formalidade a uma escrita com alto monitoramento e a informalidade à oralidade
espontânea. De todo modo, ressalta-se que as considerações de Castilho trazem
contribuições extremamente válidas para fomentar reflexões no âmbito do ensino da
Língua Portuguesa, sobretudo no que se refere às características linguísticas que se revelam
no uso contemporâneo.
2.2 A anáfora do objeto direto em livros didáticos
Nesta seção, será demonstrada a maneira como o tema da representação anafórica
do objeto direto figura nos livros didáticos utilizados nas instituições colaboradoras desta
pesquisa. Assim, será apresentada a abordagem desenvolvida nos livros Gramática da
Língua Portuguesa (CIPRO NETO & INFANTE, 2010) e Português, Contexto,
Interlocução e Sentido (ABAURRE, M. L. M; ABAURRE, M. B. M & PONTARA, M.)
69
– utilizados por docentes e discentes do Colégio Naval de Língua Portuguesa –, e
Linguagem e interação (FARACO; MOURA & MARUXO Jr.), livro didático adotado no
Colégio Estadual. Considerou-se interessante apresentar ainda a abordagem do tema no
livro da coleção Português Linguagens (CEREJA & MAGALHÃES), em virtude de ter
sido citado pelos docentes de ambas as escolas colaboradoras como referências utilizadas
para consulta e apoio na preparação de aulas, assim como o livro da coleção Ser
Protagonista (RAMOS, 2014), citado pelos docentes do Colégio Naval.
Nas coleções analisadas, o tema do acusativo anafórico manifesta-se nos livros
didáticos do 2º ano do ensino médio, em seções referentes à apresentação dos pronomes
pessoais, especificamente ao tratar da função desempenhada pelos pronomes oblíquos (em
algumas coleções, nos livros de 3º ano também foram verificadas observações atinentes ao
tema). Em todas as obras consideradas, a abordagem do conteúdo se dá a partir da
exposição do quadro pronominal, conforme proposta da gramática tradicional:
Quadro 2: Pronomes pessoais, segundo Abaurre, Abaurre & Pontara (2014, p. 220)
Pessoas do
discurso
Pronomes
pessoais retos
Pronomes pessoais oblíquos
Átonos Tônicos
Singular
1ª pessoa Eu Me Mim, comigo
2ª pessoa Tu Te Ti, contigo
3ª pessoa Ele/ela O, a, lhe e se Ele, ela, si, consigo
Plural
1ª pessoa Nós Nos Nós, conosco
2ª pessoa Vós Vos Vós, convosco
3ª pessoa Eles/elas Os, as, lhes,
se
Eles, elas, si,
consigo
Após a exposição de quadro, os autores detalham o caráter funcional de tais
elementos, demonstrando que os pronomes retos atuam na Língua Portuguesa como
sujeitos e os oblíquos, como complementos. Cabe mencionar que, nos livros didáticos
analisados, as demais variantes consideradas neste estudo – o SN anafórico e o objeto nulo
– não foram contempladas como formas de representação do complemento verbal.
Dentre as obras analisadas, a Gramática da Língua Portuguesa e o livro didático
Ser protagonista 2 e Português Linguagens 2 não fazem menção a possibilidade de
formas alternativas para representação do acusativo anafórico, sendo função reservada ao
emprego do clítico pronominal. Observe o seguinte trecho a esse respeito:
70
Na língua culta, formal – falada ou escrita – esses pronomes não devem
ser usados como complementos verbais. Frases como “Eu vi ele na rua”,
“Encontrei ela na praça”, “Trouxeram eu até aqui”, comuns na língua oral
cotidiana, não são aceitas no padrão formal da língua. Na língua culta,
devem ser usados os pronomes oblíquos correspondentes: “Eu o vi na
rua”, “Encontrei-a na praça”, “trouxeram-me até aqui”.
(CIPRO NETO & INFANTE, 2008, p.280)
O trecho supracitado apresenta caráter altamente prescritivo, desconsiderando
qualquer referência à variação linguística ou à diversidade de normas quanto às formas de
representação do acusativo anafórico. É possível destacar, ainda, na citação de Cipro Neto
e Infante (2008), a falta de discernimento entre a os conceitos de culta e padrão no que se
refere à pluralidade de normas, de acordo com Faraco (2008), tendo em vista que, na
referida citação, os autores em verdade mencionam a língua culta (o que seria registrado
por falantes cultos) fazendo referência à idealização do que se acredita representar os
falantes cultos. Ressalte-se que, nesses três livros, não se encontram ainda exercícios que
sirvam à reflexão ou à fixação de mecanismos e/ ou estratégias de representação do
acusativo anafórico no universo da variação linguística.
No que se refere às coleções Ser Protagonista e Português Linguagens, o caráter
variável associado ao tema do acusativo anafórico manifesta-se nos livros destinados ao 3º
ano do ensino médio, nas seções referentes à colocação pronominal. No livro Ser
protagonista 3, a abordagem do tema se dá a partir da proposta de análise do texto
“Deixem eu ser brasileiro”, de Marcos Bagno, no qual o autor confere destaque aos
aspectos variáveis do Português brasileiro, sobretudo à incorporação de marcas de
oralidade na escrita. Observe-se o exercício proposto nesse contexto:
6. Releia
a) Como essas expressões deveriam ser escritas para estar de
acordo com a norma padrão? gabarito: assisti ao filme,
deixe-me ver, entre mim e você, custa-me crer.
b) Consulte o verbete correspondente aos verbos assistir e custar
em dois dicionários. Eles confirmam a tese de Marcos Bagno?
Leiam alguns verbetes dos nossos melhores dicionários e
aprendam que não tem nada de errado em escrever assisti o
filme, deixa eu ver, que a forma entre eu e você não é
nenhum atentado contra a língua, nem muito menos eu
custo a crer.
71
Justifique. gabarito: resposta livre, no entanto o aluno deve
perceber que os dicionários registram mesmo que em notas os
exemplos citados como regionalismos.
(RAMOS, 2014. p. 306)
Verifica-se, assim, que, a partir do item a, o exercício proposto visa a direcionar
o aprendizado ao atendimento à norma-padrão, um padrão “ideal”, conforme o conceito
apresentado por Faraco (2008). Depreende-se do exercício proposto uma concepção de
norma-padrão associada ao que seria uma norma “correta” rígida, sem promover
reflexão referente às normas de uso.
Observe-se, a seguir, o exercício proposto no livro Português Linguagens 3, que,
apesar de propor o capítulo sobre colocação pronominal, em verdade trata do emprego
de pronomes pessoais, revelando variação de formas para representação do acusativo
anafórico:
Leia a tira a seguir e responda às questões 6 e 7.
6. As cobras participam de um jogo de futebol.
a) Que palavra os pronomes los e eles substituem? gabarito:
jogadores
b) Qual dos dois empregos está de acordo com a variedade
padrão? gabarito: o do primeiro quadrinho
c) Que significado assumem, na linguagem futebolística, os
verbos massacrar e arrasar? gabarito: vencer com garra os
adversários não lhes dar nenhuma chance
(CEREJA e MAGALHÃES, 2012, p. 431)
O exercício proposto permite, a partir do item a, a reflexão acerca do emprego
do pronome reto em função acusativa, de modo a demonstrar que essa estratégia –
podendo ser, provavelmente, aquela com a qual o aluno se identifica – é uma variante
possível dentre os usos do Português Brasileiro, levando, assim, o tema da variação
linguística para a sala de aula. Ao explorar o item b o professor pode desenvolver uma
abordagem da variação linguística em sala de aula, na medida em que se refere ao padrão
ideal que se busca alcançar com o processo de escolarização como uma possibilidade
(nesse caso, identificado como “variedade padrão”), sinalizando reconhecimento de que os
72
usos são variados, de modo que não sejam estabelecidas orientações negativas quanto às
normas de uso.
No livro Língua Portuguesa: linguagem e interação, inicialmente, a variação no
que se refere ao emprego de pronomes é levada aos alunos, sinalizando o caráter variável
da língua; o emprego dos pronomes retos em função de sujeito e o dos oblíquos em função
de complementos são apresentados como característicos de uma variedade, a chamada
variedade-padrão. Nessa obra, em seção intitulada Particularidades do emprego de
pronomes pessoais, os autores tratam da possibilidade de emprego dos pronomes retos
ele/ela em função acusativa, mas ressaltam que esse é um uso frequente na linguagem
coloquial. Verifica-se, portanto, uma abordagem que termina por sustentar um contraste
entre as variantes que se observam em funcionamento na língua para representação do
fenômeno, construindo uma oposição entre o padrão, com alcance idealizado pela escola, e
o uso, que não encontra espaço em sala de aula. Essa percepção se sustenta ao analisar o
único exercício do capítulo que propõe a representação do acusativo anafórico. Observe-se
o referido exercício:
5) Reescreva as frases, no caderno, substituindo o que estiver
em destaque pelo pronome pessoal adequado.
a) “Nicolino apertou o fura-bolos entre os dentes”
(texto 3, linha 71) gabarito: apertou-o
b) “Todos os jornais registraram “essa frase que foi dita
chorando”(texto 3, linhas 87-88) gabarito: registraram-
na
c) “- Me deixa! Pensa que eu sou aquela fedida da Rua Cruz
Branca?” (texto 3, linhas 66-67) gabarito: pensa que eu
sou ela?
d) Vamos ver essa barba muito bem feita! [...]
(texto 3, linha 43) gabarito: vamos vê-la
(FARACO, MOURA & MARUXO Jr, 2014, p. 134)
Com exceção do item c, em que a substituição, em verdade, trata de um termo cuja função
não é de complemento e sim de um predicativo do sujeito, a resposta dada como gabarito
corresponde ao emprego de um pronome oblíquo, desconsiderando-se a possibilidade de
representação do complemento por um pronome reto, conforme apresentado pelos autores
em seção específica.
No livro destinado ao terceiro ano da coleção Português, interlocução e sentido,
a mesma quadrinha de Veríssimo anteriormente citada é explorada em exercício
apresentado na seção também correspondente ao tema da colocação pronominal. Na
73
obra em questão, no entanto, é percebida uma abordagem diferenciada. Observe-se o
exercício proposto:
O humor da tira decorre da reação de uma das cobras com
relação ao uso do pronome pessoal reto, em vez de pronome
oblíquo. De acordo com a norma padrão da língua, esse uso é
inadequado, pois
a) contraria o uso previsto para o registro oral da língua.
b) contraria a marcação das funções sintáticas de sujeito e
objeto. - GABARITO
c) gera inadequação na concordância com o verbo.
d) gera ambiguidade na leitura do texto.
e) apresenta dupla marcação de sujeito.
(ABAURRE; ABAURRE & PONTARA b, 2014, p. 300)
Nesse exercício, depreende-se uma visão polarizada em relação aos conceitos de norma,
pois, de acordo com o comando da questão, é provável que o aluno possa interpretar
“padrão” como correto; há nessa abordagem uma cisão entre ao padrão que se objetiva
atingir em sala de aula e outras formas que se façam presentes nas normas de uso. Vale
mencionar, ainda, que a opção b, tomada como gabarito da questão, não legitima o uso do
pronome reto como variante possível para representação anafórica do objeto. Acredita-se
que abordagens desse tipo, que deslegitimam as variantes com as quais os alunos se
identificam, prejudicam o processo de ensino-aprendizagem, pois fomentam a ideologia de
que a língua que dominam ao chegar à escola seria completamente diferenciada da língua a
ser estudada em sala de aula.
A abordagem dada ao tema na proposta de exercício supracitada reforça a maneira
como se explora a possibilidade de manifestação do pronome reto em substituição ao
pronome oblíquo no Português brasileiro, apresentada no livro destinado ao 2º ano dessa
mesma coleção. No capítulo correspondente ao tratamento dos pronomes pessoais, em
seção intitulada “De olho na fala”, as autoras apresentam o emprego do pronome reto em
posição acusativa a partir da seguinte tirinha:
74
(ABAURRE; ABAURRE & PONTARA a, 2014, p. 221)
Explorando a tirinha, as autoras declaram que a estrutura “preguei ela”, na segunda
quadrinha, seria própria da linguagem coloquial e, por isso, condenada pela gramática
normativa, que “recomenda” o uso de pronomes oblíquos em função de complemento. As
autoras ressaltam, ainda, que o uso de pronomes oblíquos está cada vez mais restrito à
“escrita formal”, estando as estruturas com pronomes retos em função de complemento
reservadas à fala “especialmente em registros mais coloquiais” (ABAURRE; ABAURRE &
PONTARA a, 2014, p. 221). A partir de tal posicionamento, observa-se que, nessa obra, as
variantes referentes à representação do acusativo anafórico são colocadas em oposição,
destacando-se dois enfoques importantes dados pelas autoras: (i) o emprego do pronome
oblíquo associado à forma “correta” por ser aquela recomendada pela gramática normativa
e (ii) a língua falada associada à informalidade e a escrita, à formalidade. Nessa
perspectiva, a variação linguística passa a ser trabalhada a partir de dois polos: a norma-
padrão (idealizada) versus a norma de uso quotidiano (dominada pelos alunos).
O livro didático é inegavelmente uma ferramenta de trabalho da qual o professor
pode lançar mão ao longo do processo de ensino-aprendizagem. É importante que o próprio
docente tenha ciência de que ele não deve ser a única fonte de conhecimento ativa em sala
de aula; para tanto, é preciso que saiba analisar as diferentes abordagens desenvolvidas a
respeito de temas linguísticos, para que, assim, possa buscar promover continuamente
adequação à realidade da sala de aula com vistas ao cumprimento dos objetivos no ensino
da Língua.
2.3 A anáfora do objeto direto sob a ótica científica
Diversos estudos já realizados acerca da representação anafórica do
complemento verbal, considerando-se o uso do clítico pronominal (acusativo e dativo) e as
demais formas alternantes, nas modalidades oral e escrita, permitem descrever o
comportamento linguístico das variedades europeia e brasileira acerca do fenômeno. No
75
PB, a representação do acusativo anafórico de terceira pessoa na escrita apresenta relação
com dados da fala1; realizam-se, portanto, como verdadeiras opções de uso, no Brasil, com
diferentes índices de produtividade, o pronome lexical (Os alunos estavam confusos; diante
da situação, orientei eles a fazer mais pesquisas), SN anafórico (... orientei os meninos a
fazer mais pesquisas) e objeto nulo (... orientei Ø a fazer mais pesquisas). Dessa maneira,
na variedade brasileira, o referido fenômeno apresenta perfil diferente do que ocorre na
variedade europeia (com perfil semelhante ao proposto nas prescrições dos manuais
tradicionais), em que o clítico é a estratégia predominante em diversos contextos.
Duarte e Ramos (2015) apresentam uma compilação dos resultados de pesquisas
sociolinguísticas relativos ao fenômeno da complementação verbal anafórica no Português
oral do Brasil. Partindo dos resultados de Omena (1978), Galves (1984), Duarte (1986) e
Cyrino (1994), demonstram que, especificamente no que se refere ao acusativo, é
perceptível a quase extinção dos clíticos o(s)/a(s) na língua falada, sendo a substituição
feita sobretudo pelo objeto nulo, além do uso do SN anafórico e do pronome lexical como
formas alternantes bem menos expressivas no cenário em questão.
No que se refere aos fatores estruturais que podem exercer influência sobre o
fenômeno, Duarte e Ramos (2015) conferem destaque àqueles apontados por Duarte
(1986). Observe-se a caracterização de tais fatores e os resultados observados pela autora:
(1) fatores de natureza morfológica:
(i) objeto nulo e anafórico sem aparente condicionamento morfológico;
(ii) pronome lexical privilegiado por tempos simples, imperativo e
locuções verbais e inexpressiva manifestação do clítico pronominal,
aparecendo em contextos de tempos simples do indicativo e infinitivo;
1 Apesar de não ser o foco deste estudo, vale a pena mencionar que, no âmbito do clítico dativo, há
também evidências de implementação de traços da oralidade na escrita do PB, pois os resultados de Duarte e Freire (2014) revelam um equilíbrio entre o uso de estratégias alternativas como o SPrep anafórico (O professor disse que precisava finalizar o processo urgentemente, então os alunos entregaram o relatório para ele no mesmo dia) e o Objeto nulo (... os alunos entregaram o relatório Ø no mesmo dia) e o clítico (... os alunos entregaram-lhe o relatório no mesmo dia), variante prescrita pela tradição escolar e utilizada ostensivamente na escrita europeia.
76
(2) fatores de natureza sintática:
(i) predomínio de objeto nulo em estruturas simples e nas que apresentam
verbo transitivo direto e indireto;
(ii) aumento do uso do pronome lexical e clítico acusativo – neste caso,
sobretudo, se o argumento com função oblíqua for oracional com um
verbo no infinitivo nas estruturas com verbos que selecionam
igualmente um objeto direto e um objeto indireto ou um complemento
oblíquo;
(iii) índice mais alto de pronome lexical nas estruturas em que o
elemento com função acusativa é sujeito de orações reduzidas de
gerúndio e infinitivo.
(3) fatores de natureza semântica:
(i) pronome lexical altamente favorecido em estruturas complexas, com
SN [+ humano];
(ii) índices mais altos de pronome lexical e clítico para referentes com
traço [+animado], opondo em outro grupo os fatores SN anafórico e
objeto nulo, que sobressaem em contextos com referentes [-animado].
No âmbito extralinguístico, Duarte e Ramos (2015) compararam resultados
referentes a faixa etária, estilo e escolaridade. Quanto à faixa etária, foi constatado
comportamento equilibrado entre as variantes, considerando-se as diferentes faixas. Quanto
ao condicionamento estilístico, as autoras tomaram como referência resultados de Duarte
(1986; 1989) para a comparação entre a fala espontânea, uma gravação de capítulos de
novela e entrevistas transmitidas pela TV. De modo geral, constataram que as novelas se
aproximavam da fala, num contexto mais informal, apresentando comportamento quase
idêntico para as quatro variantes. Já para as entrevistas, verificou-se o aumento do índice de
clíticos e o quase desaparecimento do pronome lexical, e a redução do índice de objetos
nulos, compensada pelo aumento de SNs anafóricos, estratégia para evitar o pronome
77
lexical e, ao mesmo tempo, esquivar-se do uso do pronome clítico, considerado, conforme
atestado por meio de teste de avaliação, “muito formal e, às vezes, pedante” (Duarte e
Ramos, 2015, p. 178), assim como, em determinados contextos, o objeto nulo se apresenta
como esquiva do uso do pronome lexical.
Apesar da baixa produtividade dos clíticos acusativos nas amostras consideradas, os
estudos observados pelas autoras evidenciam uma tímida recuperação desse pronome a
partir da escolaridade de informantes. Para analisar o fenômeno a partir dessa perspectiva,
Duarte e Ramos (2015) cotejam os resultados obtidos pelos seguintes autores de acordo
com os níveis de escolaridade dos informantes contemplados: (i) analfabetos: Omena
(1978-RJ), Pará (1997-RJ) e F. Silva (2004); (ii) níveis fundamental e médio: Malvar
(1992-DF), Baltor (2003-PB), Marafoni (2004-RJ) e Mattos (2005-SE); níveis
fundamental, médio e superior: Duarte (1986-SP), Luíze (1997-SC), Aveburg (1998-RJ) e
Mendonça (2004-AL); (iii) nível superior: Freire (2000-RJ) e Neiva (2007-BA). Numa
análise conjunta, as autoras puderam verificar que os resultados apresentam uma mesma
hierarquia quanto ao uso das formas alternantes para representar o acusativo anafórico, que
corresponde à total ausência do clítico, seguindo, num crescente de expressividade, para os
dados de pronome lexical, SN anafórico e objeto nulo. As autoras puderam concluir que a
ampla preferência pelo objeto nulo não é determinada pelo nível de escolaridade e, de
modo geral, a fala espontânea do indivíduo escolarizado não se diferencia do não
escolarizado no tocante ao fenômeno aqui em estudo.
No âmbito da Teoria da variação e mudança, pode-se dizer que o tratamento do
fenômeno na variedade brasileira permite o enfoque do problema do encaixamento, tendo
em vista que, de acordo com Galves (2001), o fenômeno sofre influência da simplificação
de paradigmas no PB oral (tendo apresentado variação num período de transição entre o
séc. XIX e o séc. XX (DUARTE,2012)). Essa mudança desencadeada pela perda da
distinção desinencial nos verbos em 2ª pessoa configura um sistema de concordância
reduzido, representado por uma oposição binária entre singular e plural, diferente da
realidade linguística que se observa no PE, caracterizado por um sistema de concordância a
partir de três pessoas. Em decorrência do que se descreve para o PB em relação ao clítico
acusativo de terceira pessoa, verifica-se, na fala espontânea, seu quase desaparecimento,
manifestando-se, na escrita, por meio de usos resultantes de uma aprendizagem irregular do
acusativo e ausência do clítico dativo em referência à terceira pessoa.
78
No que se refere ao problema dos fatores condicionantes, cabe destacar a influência
do fator escolarização para o emprego do clítico acusativo, tendo em vista que Omena
(1978) – primeiro trabalho desenvolvido sobre o tema – já não atestou qualquer ocorrência
deste elemento na fala de indivíduos analfabetos. Ainda quanto aos fatores condicionantes
e o emprego do clítico acusativo, é interessante ressaltar a influência da forma verbal,
conforme verificou Freire (2000), encontrando, para a fala culta, índices inexpressivos do
uso desse pronome, todos ligados em ênclise a verbos em formas infinitivas (você tem
contato diário com o professor... você pode procurá-lo), o que, de acordo com a hipótese
de Nunes (1993), pode revelar a influência de fatores fonéticos sobre o comportamento de
tal clítico na fala espontânea brasileira, demonstrando a preferência pela forma “lo” de
maior volume fonético que “o”.
De acordo com Nunes (1993), as diferenças que se podem verificar a respeito do
uso do clítico acusativo de terceira pessoa correspondem à direção de cliticização
fonológica, que, no PE, é da direita para esquerda (posição enclítica), favorecendo
condições para a manutenção do pronome clítico nessa variedade, e, no PB, da esquerda
para a direita. Nesse sentido, percebe-se um caráter complementar entre as duas hipóteses:
(i) a de um enfraquecimento da concordância no PB, culminando no esvaziamento do
paradigma pronominal da terceira pessoa, e (ii) a de que características fonéticas se
relacionam à estrutura silábica do clítico acusativo de terceira pessoa, desfavorecendo seu
emprego. Diante disso, compreende-se o que se verifica no PB contemporâneo em respeito
ao fenômeno em questão: um progressivo desaparecimento do clítico acusativo e o
aparecimento, em função tanto dativa como acusativa, do clítico dativo de terceira pessoa,
que, em termos fonéticos, apresenta estrutura silábica semelhante à dos outros clíticos
pronominais empregados em função acusativa e dativa, não sendo seu uso desfavorecido
pela cliticização da esquerda para a direita; destaque-se que sua produtividade na referência
à segunda pessoa indireta reforça o uso decorrente do esvaziamento da terceira pessoa.
O problema da implementação pode ser verificado na medida em que, na escrita do
PB, já se observam índices representativos de estratégias alternativas ao uso do clítico
pronominal características da oralidade, tanto para a função acusativa como para a função
dativa.
Conforme revelam os resultados de Omena (1978) e corroboram os de Duarte
(1986), o clítico acusativo não faz parte da gramática natural da língua, em se tratando do
79
PB, sendo esse fato evidenciado pela ausência de tal pronome na fala dos indivíduos que
não passam pela instrução formal. De acordo com Duarte e Freire (2014), a instrução
formal recupera o clítico acusativo, mas não o faz completamente, pois se observam
algumas restrições estruturais.
A esse respeito, cabe recuperar os resultados de Averbug (1998), que investigou a
atuação da escola sobre o fenômeno na fala de alunos de 5º e 9º ano do ensino fundamental
e dos últimos anos do ensino médio e superior. A autora atestou que a atuação da escola
consiste em promover uma diminuição gradativa (num crescente dos níveis de
escolaridade) do emprego do pronome lexical (variante alvo de maior estigma, conforme
Duarte (2013), em virtude de sua maior saliência fônica em comparação com a variante
objeto nulo) para a representação anafórica do acusativo de terceira pessoa.
Com foco no parâmetro Objeto Nulo – altamente produtivo na fala brasileira – em
período de aquisição no PB, Averbug (2008) constatou que a produção oral das crianças
contempladas estava ligada aos estímulos aos quais eram expostas, tendo em vista que, das
três crianças acompanhadas, na fala daquela cujo meio de convívio correspondia a um
ambiente mais letrado, observou-se mais baixo percentual de uso do pronome nominativo.
Quanto ao favorecimento do objeto nulo, a autora apontou influência dos traços semânticos
animacidade/ especificidade, sendo produtivo quando o antecedente corresponde aos traços
[-animado/+ específico]; a autora ressalta, ainda, o favorecimento desses traços em casos
de antecedente proposicional. Tais resultados confirmam o que atestou Marafoni (2004) –
assim como Duarte (1986) e Omena (1978) – ao revelar a atuação do traço [-animado] para
o favorecimento do objeto nulo.
A respeito da relação existente entre a escolaridade e a recuperação dos
pronomes clíticos na escrita do PB, não se pode deixar de mencionar a contribuição de
Freire (2005). O autor investiga a realização do acusativo e dativo anafóricos de terceira
pessoa, na modalidade escrita, em amostras do Português Brasileiro e do Português
Europeu. Quanto ao PB, a análise do autor se faz com base em amostra constituída de
diversos gêneros textuais, correspondentes a textos extraídos do Jornal do Brasil, O Globo,
gibis da Turma da Mônica e gibis da Disney. A análise realizada pode demonstrar a
investigação do fenômeno com base em contínuo de oralidade-letramento, tendo o autor
considerado as produções que buscam determinada transposição da fala para a escrita e
80
produções mediadas pela língua escrita, com padrão de comunicação sistematizado pela
tradição literária, observando-se as variações características de um extremo a outro.
A partir de 406 dados obtidos na amostra brasileira, o autor analisou a distribuição
das variantes pronome lexical (8%), SN anafórico (14%) e objeto nulo (31%), em
progressiva substituição ao clítico acusativo (47%) no Português brasileiro para a
representação do objeto direto anafórico de terceira pessoa, conforme apontam pesquisas
sobre o português falado. A análise dos dados permitiu ao autor fazer dois apontamentos
gerais sobre o fenômeno estudado:
(i) Já se encontram plenamente infiltradas na escrita as
estratégias alternativas ao clítico acusativo comuns na fala.
(ii) A influência da tradição gramatical sobre a modalidade
escrita se faz perceber com mais força na considerável redução do
pronome lexical em função do objeto direto (...), não conseguindo
minimizar a frequência das demais estratégias de representação do
acusativo anafórico de terceira pessoa.
(FREIRE, 2005, p. 107)
O retrato do fenômeno correspondente às formas de representação do acusativo
anafórico de terceira pessoa no Português brasileiro obtido por Freire (2005) demonstra
emprego menos expressivo da variante pronome lexical à medida que os contextos de
análise se aproximam do extremo [+letramento] do contínuo estabelecido; da mesma
maneira, demonstra comportamento inversamente proporcional do emprego do clítico
acusativo, com aumento progressivo dos índices percentuais à medida que os contextos se
aproximam do extremo [+ letramento], preferencialmente em contextos de ênclise ao
infinitivo e com antecedentes de traço semântico animado – sendo salientado pelo autor o
alto índice do clítico -lo e suas variantes (contextos de verbos simples, no infinitivo) com
associação à saliência fonética observada. A variante objeto nulo manifestou-se como a
mais representativa em contextos de formas simples flexionadas e complexas marcadas
pelo tempo. Quanto ao SN anafórico, o autor pôde atestar que tais variantes apresentam
frequência sempre baixa, demonstrando maior expressividade com formas verbais simples
flexionadas.
Os resultados demonstrados por Freire (2005) confirmam a ampla implementação
das variantes alternativas ao emprego do clítico acusativo para representar a função de
objeto direto anafórico na escrita do Português brasileiro, com destaque ao emprego do
objeto nulo. Diante disso, o autor faz uma apreciação a respeito do ensino direcionado ao
81
emprego dos clíticos, mencionando a importância de que, com o objetivo de levar o aluno
ao conhecimento da escrita formal, as práticas em sala de aula precisam estar baseadas na
observação da produção de autores brasileiros, com foco na imprensa contemporânea,
evidenciando o que, de fato, representa a norma culta brasileira, não necessariamente se
eximindo de ensinar a norma oficial, exigida socialmente em determinadas situações. Nesse
contexto, o autor ressalta a importância de o professor de Língua Portuguesa estar
consciente do processo de mudança pelo qual passa o sistema linguístico brasileiro
(FREIRE, 2005, p. 191).
Quanto à investigação do fenômeno em campo variacionista de modo a
correlacionar a avaliação subjetiva dos indivíduos participantes do contexto escolar e a
complexidade de normas da língua, Silva (2008) analisou, no continuum fala e escrita do
Português do Brasil, a relação entre a estrutura linguística e a maior ou menor aceitação
entre as variantes do objeto direto anafórico, por parte de alunos e professores de ensino
fundamental, médio e superior. A autora observou que a percepção do aluno em relação ao
pronome átono como variante prestigiada aumenta ao passo que progride no curso escolar,
sendo, tanto na oralidade como na escrita, o clítico pronominal mais aceito em contextos de
formalidade; no tocante ao emprego do pronome nominativo em função acusativa, a autora
destaca que tal forma alternante recebe forte rejeição para a escrita, mas avaliação neutra
para os contextos de oralidade.
Considerando especificamente o fim do ensino fundamental, Xavier (2015)
analisou a escrita de alunos do 9º ano do ensino fundamental e percebeu que o pronome
clítico só passou a ser utilizado (mesmo nos níveis mais formais) como estratégia possível
para representação anafórica do objeto direto a partir do momento em que as outras formas
alternativas foram apresentadas como variantes de uma mesma variável, verificando-se em
contraponto a queda dos índices de pronome nominativo em tal função. Com isso, a autora
evidenciou que o ensino pelo puro método tradicional de imposição normativa do clítico
como forma de representação do complemento anafórico não garante que a forma seja
efetivamente inserida no repertório de usos.
Com foco também no 9º ano do ensino fundamental, Cabral (2016) investigou o
emprego das formas de representação do acusativo anafórico de terceira pessoa na escrita
escolar, a partir de sequência didática que permitiu ao autor a análise do fenômeno da
diagnose à produção final de textos. A pesquisa de Cabral (2016) se deu por meio de um
82
continuum oralidade-letramento, por meio do qual distribuiu os textos pelos gêneros
textuais história em quadrinho, crônicas e reportagens. Na atividade de diagnose (produção
de uma história em quadrinhos) a partir da análise de 28 textos narrativos do gênero,
extraindo-se 32 ocorrências de representação do acusativo anafórico, Cabral verificou
presença inexpressiva do clítico acusativo (9,5%) e preferência pelo emprego do SN
anafórico (34%) e do pronome lexical (31%). Os resultados apresentados pelo autor
revelam aumento da expressividade de emprego do clítico pronominal ao longo do trabalho
realizado com a sequência didática, por meio da qual a representação anafórica do objeto
direto foi abordada pelo viés da variação linguística. A relação entre contextos de
[+letramento] e o emprego do clítico acusativo demonstrada por Freire (2005) foi ratificada
por Cabral, ao demonstrar alto índice de emprego dessa variante (59%) nos textos da
atividade final, do gênero reportagem. O trabalho de Cabral pode demonstrar a importância
em romper preconceitos em sala de aula que distanciam o aluno de seus usos, pois leva o
aluno a perceber a pertinência de cada variante em relação ao perfil de cada texto,
alcançando-se o objetivo da escola no que se refere à implementação do clítico acusativo.
Analisando o fenômeno ainda no âmbito do ensino, Santana (2016) desenvolveu
estudo com base em três agentes considerados influentes para o condicionamento do
fenômeno: (i) os materiais didáticos utilizados em sala de aula; (ii) a produção textual de
alunos de 9º ano do ensino fundamental; e (iii) a perspectiva das professoras sobre o tema.
Os resultados apresentados, no que se refere à orientação apresentada nos materiais
didáticos, corroboraram observações antes apresentadas, ao demonstrarem falta de
articulação entre as regras variáveis do sistema linguístico e a abordagem tradicional.
Quanto à apreciação das professoras, Santana verificou uma noção polarizada da variação
linguística, pois as formas alternativas foram interpretadas pelas docentes como reservadas
à oralidade com grau de informalidade e os usos “corretos” reservados à escrita formal. A
autora pôde verificar, ainda, uma confusão na prática docente a respeito dos conceitos de
norma, pois as professoras guiavam-se por uma “norma culta” que, em verdade,
correspondia a um padrão idealizado. Quanto aos textos observados, os resultados obtidos
pela autora demonstraram expressivo uso do clítico acusativo, sendo superado apenas pelo
emprego de SNs anafóricos (SN idêntico, SN semelhante e SN sinônimo); para o emprego
do pronome ele, os resultados ratificaram o estigma associado a tal estratégia – poucas
ocorrências, reservadas a contextos favorecedores (quando exerce dupla função ou quando
83
o predicador seleciona o complemento acusativo e outro oblíquo), tendo sido
predominantemente passíveis de correção por parte dos professores.
O conjunto de trabalhos científicos apresentados demonstra a produtividade de
cada uma das formas alternantes de representação do objeto direto no Português do Brasil.
Fica claro que, considerando a fala brasileira, a opção preferencial é pela variante nula, em
concorrência com a realização do SN, e, de forma menos expressiva, com o pronome
originalmente nominativo. Assim, o clítico não é considerado uma forma vernacular
brasileira; antes, é registrado com produtividade na modalidade escrita, sobretudo em
gêneros de alta monitoração estilística.
Das pesquisas desenvolvidas em contexto escolar, vale destacar o suposto prestígio
atribuído ao uso do clítico acusativo, que justifica seu uso e sua avaliação como uma
espécie de índice de letramento. Na presente pesquisa, cujos procedimentos e materiais de
análise serão detalhadamente apresentados no próximo capítulo, espera-se investigar o
comportamento da regra variável de representação anafórica em produções textuais dos
alunos do Colégio Naval e a avaliação dos alunos e dos professores quanto ao perfil de
cada uma das variantes em questão. Assim, a relação entre usos e avaliação constituirá
objeto de descrição e análise, para subsidiar as reflexões finais apresentadas na conclusão
deste trabalho.
84
3. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Como se pode observar nos capítulos anteriores, a realização deste trabalho se deu,
primeiramente, a partir de uma revisão bibliográfica que permitisse a compreensão do
fenômeno variável da representação do acusativo anafórico de terceira pessoa. Dessa
maneira, buscou-se analisar o tratamento do tema sob a ótica científica, por meio de
estudos anteriormente realizados (OMENA, 1978; AVERBURG, 2008; FREIRE, 2000;
2005; MACHADO, 2006; MAGALHÃES, 2016; CABRAL 2016), além da abordagem
verificada em compêndios gramaticais de orientação tradicional (BECHARA, 2009;
CUNHA & CINTRA, 2001[1985]; ROCHA LIMA, 2012 [1972]) e descritiva (PERINI,
2007 [2001]; 2010; CASTILHO 2014 [2010]; 2012; BAGNO, 2012). Além dessas fontes,
observou-se o aporte didático (CIPRO NETO & INFANTE, 2008; CEREJA &
MAGALHÃES, 2012; ABAURRE; ABAURRE & PONTARA, 2014; FARACO;
MOURA & MARUXO, 2014; RAMOS, 2014) que possa subsidiar o trabalho docente,
aliado às orientações oficiais brasileiras estabelecidas para o ensino na realidade escolar
considerada nesta investigação.
Como fundamentação teórica para a interpretação dos resultados, o trabalho vale-se
dos pressupostos da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG,
2006 [1968]; LABOV, 2008[1972]) e da subárea específica identificada como
Sociolinguística Educacional (BORTONI-RICARDO, 2004), buscando, ademais, ampliar
o entendimento sobre a avaliação subjetiva dos indivíduos sobre fenômenos linguísticos
(LABOV, 2008 [1972]; LAMBERT; LAMBERT, 1972; SANTOS, 1996; BARCELOS,
2006; CYRANKA, 2007). Aliadas às referências citadas, foram colocadas em pauta
reflexões que se fazem indispensáveis no cenário do ensino da Língua Portuguesa. Com
isso, contribuíram para o amadurecimento deste estudo os conhecimentos acerca da
concepção de gramática, em meio à complexidade do assunto no âmbito do ensino da
língua (FRANCHI, 2006; KATO, 2005; 2013; BASSO & OLIVEIRA, 2012; FOLTRAN,
2013; VIEIRA & NUNES, 2014; MARTINS, VIEIRA & TAVARES 2014;
QUAREZEMIN, 2017; PILATI, 2017), os princípios sistematizados por Vieira (2014;
2017a; 2017b) ao estabelecer três eixos para o ensino produtivo de gramática e, ainda, as
noções de variação associadas à definição de norma(s) (FARACO, 2008; 2015) que se
fazem essenciais no processo de ensino-aprendizagem.
85
A revisão da literatura quanto ao tema gramatical e quanto aos fundamentos
teóricos variacionistas explicitados foi fundamental tanto para a observação dos usos e
tratamento de dados como para a análise da avaliação linguística subjetiva à qual se propõe
este trabalho. Desse modo, com base nesses fundamentos, apresentam-se, neste capítulo, os
procedimentos metodológicos adotados. Na Seção 3.1, explicita-se o contexto educacional
no qual se inserem as escolas colaboradoras da realização desta pesquisa; na Seção 3.2,
demonstram-se as frentes de trabalho desenvolvidas: a investigação da avaliação linguística
subjetiva (Subseção 3.2.1) e o estudo dos usos (Subseção 3.2.2), em que se expõem
aspectos referentes à definição da variável dependente e das variáveis independentes.
3.1. Contexto escolar/situacional das escolas colaboradoras
Com o objetivo de evidenciar o contexto educacional das escolas colaboradoras da
realização deste trabalho, apresentam-se os perfis das duas instituições contempladas. A
presente pesquisa procedeu à análise da avaliação linguística de professores de instituições
com perfis diferenciados, buscando-se comparar realidades diversas de formação e
condução de práticas pedagógicas a serem realizadas no desenvolvimento do processo
ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa. Para tanto, contou com a colaboração de
docentes do Colégio Naval e de um Colégio Estadual, ambos situados na Cidade de Angra
dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro.
O Colégio Naval, doravante CN, é uma instituição militar de ensino médio,
subordinada à Diretoria de Ensino da Marinha do Brasil, situada no centro da cidade de
Angra dos Reis -RJ. A proposta da instituição é preparar o corpo de alunos para ingresso
na Escola Naval, instituição de ensino superior, onde são formados os Oficiais da Marinha
do Brasil. Para tanto, o ensino médio desenvolvido no CN, intitulado curso de preparação
de aspirantes, funciona em sistema de internato e conjuga formação acadêmica, conforme
regularidades estabelecidas pelo MEC, à formação militar, incluindo-se, portanto, em sua
grade curricular disciplinas e atividades específicas. Para ingresso na referida instituição,
os alunos, todos do sexo masculino, são submetidos a concurso público de âmbito nacional
com ampla concorrência em meio à sociedade; diante disso, no que se refere ao contexto
escolar pré-CN, torna-se importante destacar que grande parte dos alunos é oriunda de
escolas privadas e cursos complementares, cujo objetivo principal é promover a aprovação
do aluno no processo seletivo. Diante disso, pelas características da forma de ingresso na
86
instituição, o corpo de alunos do CN corresponde a um grupo amplamente diversificado no
âmbito regional, social e socioeconômico.
O corpo discente do CN, em 2018, era formado por 583 alunos, dentre os quais 200
cursavam o 3º ano do ensino médio, distribuídos em 6 turmas de aproximadamente 30
alunos. Quanto ao corpo docente de Língua Portuguesa, totalizavam 9 professores, dentre
os quais são listados 2 doutorandos (1 em Letras Vernáculas - Língua Portuguesa - e 1 em
Letras Neolatinas – Língua Espanhola), 1 mestre em Língua Portuguesa, 2 mestres em
Literatura Brasileira, 1 mestre em Educação Brasileira e 3 pós-graduados (Lato senso) em
Língua Portuguesa. Destaque-se que, desses 9 docentes, 8 são residentes da Cidade do Rio
de Janeiro – RJ e 1 da cidade de Juiz de Fora – MG.
O Colégio Naval é uma instituição de grande prestígio na sociedade brasileira, não
só pela qualidade de ensino promovido, mas também pela oportunidade do alunado em
ingressar na carreira militar e, com aproveitamento, ter a possibilidade de alcançar altos
cargos de comando na Marinha do Brasil. Ao ingressar na instituição, o aluno passa a ter
assistência de saúde, religiosa e econômica (por meio de fomento financeiro oferecido aos
alunos durante o curso) e conta com estrutura acadêmica e poliesportiva de alta qualidade,
incluindo laboratórios diversos, ampla biblioteca, quadras e centros de treinamento
esportivo localizados no colégio ou em outras instituições da Marinha do Brasil.
O Colégio Estadual2, doravante CE, também situado no centro da cidade de Angra
dos Reis-RJ, é uma instituição de ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e médio regular,
cujo ingresso de alunos não se dá por meio de concurso público.
O corpo discente da referida instituição matriculado no ensino médio é formado por
970 alunos, dentre os quais 229 cursam o terceiro ano, distribuídos em 6 turmas compostas
por aproximadamente 35 alunos. Conforme caracterização feita pelos professores
entrevistados, esses alunos, em sua maioria, são jovens da região central da cidade, com
origem/classe social diversificada.
Nessa instituição, foram entrevistados 5 dos 8 docentes de Língua Portuguesa que
atuavam no Ensino Médio, no ano de 2018. Cabe mencionar que duas das professoras não
entrevistadas declaram que não se sentiam à vontade para responder ao
2 Optou-se por preservar o nome da instituição com o intuito de evitar a criação de um perfil particular da escola,
tendo em vista que o objetivo traçado neste âmbito é proceder à investigação considerando tal estabelecimento
como representativo do perfil de uma instituição estadual em caráter genérico.
87
questionário/entrevista e, por isso, não poderiam colaborar com a pesquisa; com o outro
professor, apesar de diversas tentativas, não houve oportunidade de encontro. Quanto à
qualificação acadêmica dos professores entrevistados na instituição estadual, destaca-se
que são todos pós-graduados lato sensu, havendo apenas dois com especialização na área
de concentração Língua Portuguesa; os demais possuem cursos de pós-graduação em áreas
diversas, sejam elas Direito (1 professor) e Psicopedagogia (2 professores). Ressalte-se
que 4 dos docentes entrevistados são nativos da cidade de Angra dos Reis, ou residentes na
cidade há mais de cinco anos, havendo apenas 1 residente na cidade do Rio de Janeiro.
Cabe mencionar que o CE corresponde a uma instituição prestigiada pela população
local, devido ao tradicionalismo que representa na cidade e pela estrutura oferecida a seu
público, incluindo-se, além das áreas destinadas às atividades acadêmicas, como salas de
vídeos, laboratórios de ciência e informática, sala de leitura, espaço equipado para
atividades poliesportivas. Com funcionamento datado desde 1966, após diversas
transformações e adaptações à educação pública, os próprios professores com os quais se
manteve comunicação para a realização deste trabalho declaram que a instituição tem
grande preocupação em desenvolver ensino de qualidade a ser oferecido a seu público
discente.
Diante do que se expõe, verifica-se que o contexto educacional das escolas
colaboradoras parece ser caracteristicamente diferenciado, em diversos aspectos. Admite-
se como hipótese neste trabalho que essas diferenças podem constituir fator influente para
a formação de crenças e atitudes de docentes em meio às práticas desenvolvidas para o
ensino da língua, o que será verificado em seção posterior de análise.
3.2 Frentes de trabalho
Baseando-se na metodologia utilizada nos trabalhos de orientação sociolinguística,
a análise variacionista que se propõe desenvolve procedimentos que se organizam em duas
frentes de trabalho, conforme se apresenta a seguir:
a) O estudo da avaliação subjetiva:
No âmbito docente, a investigação da avaliação subjetiva foi realizada nas duas
instituições anteriormente descritas, contando com a colaboração de 5 docentes, atuantes
no ensino de Língua Portuguesa (gramática e produção textual) – Ensino Médio em cada
88
escola, contando-se, portanto, com o total de 10 docentes colaboradores. Com isso, buscou-
se averiguar a influência que possam exercer os fatores relacionados à experiência
acadêmico-profissional dos docentes sobre as crenças construídas a respeito das questões
atinentes à concepção de norma, variação e ensino de Língua Portuguesa. Nesta etapa do
trabalho, buscou-se, ainda, verificar as crenças relacionadas especificamente à
representação do acusativo anafórico de terceira pessoa, por meio da observação (i) da
avaliação de um conjunto de sentenças que demonstram a variação do tema na modalidade
escrita, assim como (ii) de suas atitudes em atividade de avaliação/correção das formas
variantes de representação do fenômeno em redação escolar.
No âmbito discente, o estudo da avaliação ocorreu especificamente no Colégio
Naval, tendo sido considerados testes aplicados a 36 alunos, em dois momentos do curso
escolar – Ensino Médio: à época em que cursavam o 1º e, posteriormente, o 3º ano. Esses
alunos foram segmentados em 3 grupos de 12 alunos, de acordo com a média acadêmica
obtida na disciplina Língua Portuguesa, ao término do ano letivo de 2018. Esta etapa da
pesquisa teve como objetivo verificar o nível de consciência e percepção dos alunos acerca
da concepção de norma culta e variação linguística, sobretudo no que se refere ao tema em
estudo. Para tanto, nessa fase da pesquisa, lançou-se mão de questionário/entrevista e
testes para avaliar o nível de percepção e avaliação subjetiva de docentes e alunos.
b) O estudo dos usos:
Primeiramente, cabe mencionar que o estudo dos usos se fez apenas com base na
análise dos textos de alunos do CN, em virtude da dificuldade encontrada em estabelecer
entre as duas instituições a comparabilidade sistemática, necessária para atingir os objetivos
traçados. A esse respeito, cabe esclarecer que não seria possível, por exemplo, conduzir, nos
limites da presente investigação, o estudo longitudinal com os alunos do Colégio Estadual.
Dessa maneira, inicialmente, fez-se o levantamento das estratégias de representação
anafórica utilizadas apenas pelos 36 alunos do CN que responderam aos testes de avaliação.
Tendo sido registradas ocorrências de objetos diretos anafóricos de 3ª pessoa em número
insuficiente, foi ampliada a amostra contando com o maior número de redações disponíveis.
Assim, o estudo dos usos passou a contar com dados extraídos de 364 redações
escolares produzidas em dois momentos por alunos do Colégio Naval. Da totalidade de textos
considerados, 182 correspondem a textos avaliativos produzidos pelos alunos em 2016, à
89
época em que cursavam o 1º ano do ensino médio na instituição, e 182 foram produzidos
como última avaliação de produção textual em 2018, no decurso do 3º ano.
Os moldes da seleção descrita atendem ao objetivo de verificar o comportamento
linguístico dos alunos manifesto nas redações, no que se refere ao fenômeno variável em
estudo, nos dois momentos do curso escolar, e, ainda, de interpretar a relação existente entre a
avaliação linguística discente, realizada nos mesmos períodos, com os usos por eles
praticados. Observem-se os procedimentos realizados nesta etapa da pesquisa:
(i) Definição de fatores da variável dependente;
(ii) estabelecimento de variáveis linguísticas e extralinguísticas;
(iii) composição do corpus;
(iv) coleta e codificação de dados;
(v) tratamento de dados segundo instrumental técnico computacional do
pacote de programas GOLDVARB-X, obtendo-se, a partir de rodadas
multivariadas e cruzamento entre variáveis, a descrição de resultados; e
(vi) interpretação de dados/resultados.
Após o desenvolvimento das duas frentes de trabalho apresentadas, a pesquisa
ocupa-se da interpretação de resultados a partir da correlação entre as duas etapas de
análise.
3.2.1. Investigação da avaliação linguística subjetiva
No campo da avaliação linguística, o presente estudo busca analisar o nível de
percepção e consciência docente e discente acerca das formas alternantes de
representação do acusativo anafórico. No âmbito docente, para que se tivesse noção da
relação estabelecida entre a formação/qualificação dos profissionais e o contexto
educacional/escolar em que se desenvolve a prática docente, contou-se com a
colaboração de professores que lecionam as disciplinas Língua Portuguesa e Produção
textual nas diferentes instituições já descritas, o Colégio Naval (CN) e o Colégio
90
Estadual (CE). Para tanto, formulou-se um teste, por escrito, aplicado a dez docentes,
cinco do CN e cinco do CE, todos atuantes no ensino médio das referidas instituições.
Os testes foram elaborados com o objetivo de averiguar as crenças e atitudes dos
docentes não só a respeito do tema em questão, mas também sobre a concepção geral de
variação e normas que orienta seu posicionamento em sala de aula e conduz suas
práticas ao lecionar. Com isso, procedeu-se à aplicação de teste em três partes
diferenciadas, a seguir descritas.
(i) Parte 1: Correspondendo a um teste de correção de sala de aula,
apresenta-se um trecho modificado de uma redação de autoria não
identificada (avaliada com nota 1000 no ENEM), para submeter à
correção dos professores as diferentes estratégias de representação do
objeto direto anafórico. Ressalte-se que, no trecho da redação, a seguir
transcrita com destaque nas referidas estratégias, foram feitas diversas
outras alterações que não somente aquelas atinentes ao tema em foco
nesta investigação.
O grande capitalismo, sempre muito ágil, possui a capacidade de se
direcionar a diferentes publico, objetivando incentivar o consumo, e,
consequentemente, maior lucro. Ocorre que, a pesada propaganda também
prejudica o ser humano em formação no sentido de seduzir ele ao desejo por
um consumo frequente e sem refletir. No Brasil, país que, apesar de muito
combatida, ainda apresenta alto número de desigualdade social, a publicidade pouco se importa com o resultado do não atendimento a um anseio das
crianças, que muitas vezes pode trazer problemas psicológicos permanentes,
levando___ a ter uma vida complicada, tendo-se em vista que, na maioria das
vezes, sua única preocupação é com o lucro. Nossas crianças precisam de
apoio e orientação, com isso, com o intuíto de educar nossos pequenos
cidadãos ao consumo consciente, influenciando eles de modo positivo, a
escola e a família tem papeis ímpares na formação de um individuo
responsável e respeitador de limites a sociedade.
Em síntese, fica evidente a importância de proteger nossas crianças de um mercado insano que, de certa maneira, as prejudica, visando alcançar
benefício próprio em detrimento de tudo. Enquanto agente social, é função do poder público, por meio de suas ações, garantir bem estar e saúde aos
brasileiros. Por fim, como segundo Max weber, a educação é ferramenta de coesão social dos indivíduos; Escola e, sobretudo, a família são os principais
responsáveis por bem doutrinar esses indivíduos com caráter em construção, para que quando adulto contribua para que tenhamos uma sociedade
responsável, avessa a um consumo doentio adepta de um comprar consciente.
Aluno
91
(ii) Parte 2: Propõem-se questões em forma de entrevista escrita, por meio
das quais se buscam respostas acerca da complexidade que envolve o
conceito de norma para o ensino de Língua Portuguesa. Observem-se
os questionamentos formulados:
(a) No que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, como você
define norma?
(b) Para a correção da escrita de seus alunos, você considera
estritamente as prescrições tradicionais? Se não, o que você acha
que também precisa ser levado em consideração?
(c) Como você avalia a variação linguística na escrita de seus alunos?
(d) Os alunos desta instituição escrevem bem? Por quê?
(iii) Parte 3: Trata-se de teste de avaliação de enunciados escritos em que
se contemplam diferentes formas de anáfora do objeto direto, tendo
sido demandado aos docentes que atribuíssem pontuação valorativa de
acordo com a seguinte escala: Ruim (1) / Bom (2) / Excelente (3).
Observem-se os enunciados expostos:
(a) Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram-na
imediatamente para a sala dos formandos.
(b) Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a caixa
imediatamente para a sala dos formandos.
(c) Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a
encomenda imediatamente para a sala dos formandos.
(d) Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram ela
imediatamente para a sala dos formandos.
(e) Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram____
imediatamente para a sala dos formandos.
92
Para aplicação dos testes aos docentes, em ambas as instituições, buscou-se promover
uma conversa informal com a intenção de desenvolver certa naturalidade acerca do trabalho a
ser realizado e desconstruir a ideia de que fosse intenção atribuir caráter avaliativo às
respostas por eles dadas. Nessas reuniões, em que os docentes foram informados de que
estariam colaborando com a realização de uma pesquisa, levantaram-se diversas temáticas que
fossem atinentes às práticas do professor de Português em sala de aula, sobretudo na
instituição à qual estavam vinculados; tratou-se, portanto, de temas genéricos, sejam eles
comportamento dos alunos, características da escola, formação, atuação e posicionamento do
professor atualmente e temas correlatos que foram sendo acrescidos em meio à comunicação
estabelecida. Iniciada a sensibilização dos professores, começou-se a falar sobre temas
linguísticos, direcionando-se o assunto para temas em que fosse possível depreender seus
argumentos e posicionamentos a respeito da variação linguística presente na sala de aula,
buscando-se sempre destacar a relação entre oralidade e escrita, a fim de fazê-los refletir
sobre a temática.
Junto aos testes aplicados, foi distribuído aos professores um questionário acadêmico-
social do qual constavam perguntas referentes à sua formação acadêmica e experiência
profissional, como, por exemplo, área de concentração de sua formação (tipo e ano de
conclusão da graduação, pós, mestrado e doutorado); área de atuação (gramática, produção
textual e/ ou literatura) e experiência docente (níveis fundamental, médio e/ou superior).
Com base na revisão teórica realizada nesta investigação, supunha-se que os
professores demonstrassem, em suas respostas ao teste aplicado, visão polarizada quanto aos
registros formal e informal da língua, o que, no que concerne ao tema aqui em foco, os faria
relacionar a variante considerada padrão aos contextos formais, e as demais variantes, aos
informais. Com isso, identificariam as formas alternantes de representação do acusativo
anafórico, mas tenderiam a condenar o pronome lexical em função de complemento e
priorizar o clítico acusativo em detrimento de qualquer outra variante, conforme o tema é
tratado em manuais didáticos e gramáticas tradicionais, consideradas ainda hoje como
métodos norteadores do ensino tradicional. Ao mesmo tempo, acreditava-se que o
entendimento referente aos graus de monitoração e o planejamento linguístico, os níveis de
consciência acerca da variação de normas na Língua Portuguesa e a concepção do conceito de
gramática, com reflexo na maneira de abordagem do componente linguístico no processo de
ensino seriam diferenciados, a depender das características acadêmico-profissionais do
docente, ou seja, quanto mais próximo da perspectiva científica, mais consciente estaria o
profissional a respeito dos aspectos correlatos ao caráter variável da língua.
93
No âmbito discente, com a intenção de averiguar também o nível de percepção dos
alunos acerca da noção de variação de normas que se revela na modalidade escrita e o nível
de consciência que possuem acerca das formas variantes do acusativo anafórico de terceira
pessoa, foi distribuído aos alunos do Colégio Naval teste semelhante ao aplicado aos
docentes, constando as mesmas sentenças para atribuição de pontuação valorativa das
formas alternantes de representação do fenômeno em dois momentos: em 2016, no início
do ano letivo, momento em que os alunos cursavam o 1º ano do ensino médio, e em 2018,
quando já se apresentavam no decurso do 3º ano do ensino médio. Quanto à aplicação no
primeiro ano, os alunos foram submetidos somente ao questionamento referente à
autoavaliação sobre a escrita e à avaliação das sentenças, que foram apresentadas junto a
diversas outras apresentadas como distratores, por meio dos quais se demonstraram
aspectos variáveis correspondentes a diferenciados tópicos gramaticais, como voz passiva,
concordância, regência etc, em meio às atividades de reescrita, propostas pela professora
na aula de Produção Textual3. No terceiro ano, em meio à aula de coesão referencial, a
professora de Língua Portuguesa promoveu a sensibilização dos alunos a respeito do
caráter variável da língua, com foco no texto escrito, e, posteriormente, o teste foi aplicado
aos alunos. Torna-se relevante demonstrar parte do material explorado na referida aula a
partir dos seguintes slides:
3 Em 2016, os testes estavam em fase de confecção, tendo sido aplicados às turmas como teste-piloto.
94
Figura 1: Extrato 1 da aula de Coesão Referencial - teoria
Figura 2: Extrato 2 da aula de Coesão Referencial - aplicação
Observe-se que, no slide referente à aplicação da teoria apresentada, o conteúdo
explorado contempla, no processo de referenciação, a representação do acusativo
anafórico, manifesta pelas formas SN, clítico acusativo e objeto nulo, conforme se observa
respectivamente em “vender essas embarcações”, “mantê-las em seu patrimônio” e “não
utiliza____ há muito tempo”. Destaque-se que não se apresenta a possibilidade de emprego
do pronome lexical como possível forma de representação em função acusativa.
95
Ao início da aula ministrada, foi proposta aos alunos a reflexão sobre a importância
da organização do texto e da disposição dos termos nele apresentados para que se
desenvolvesse “um bom texto com base na norma culta”. A partir da sensibilização
realizada, para que se pudesse minimamente analisar o nível de consciência dos alunos
sobre a variação linguística, assim como sobre as normas no ensino de Língua Portuguesa,
foram incluídos os seguintes questionamentos:
(i) Você acha que escreve bem?
(ii) Como você acha que deve ser a escrita do indivíduo culto?
Por hipótese, acreditava-se que as respostas dos alunos, assim como a pontuação
atribuída às sentenças, sinalizassem associação de “escrever bem” e “norma culta” ao
padrão culto idealizado contemplado nos manuais didáticos e gramáticas considerados na
instituição e por meio dos quais seus estudos são orientados. Acrescenta-se, ainda, o fato
de que, todos os alunos, para ingressarem na instituição, passaram por processo seletivo
acadêmico que requeria dos candidatos atendimento a esse padrão. De modo geral,
esperava-se inicialmente que crenças positivas em relação ao caráter variável da língua,
com ampliação do conceito de normas, revelando a consideração de validade das formas
alternantes de representação do acusativo anafórico, não correspondessem ao
posicionamento representativo do grupo discente.
A avaliação subjetiva discente acerca do fenômeno foi observada com base nos
testes aplicados a 36 alunos do Colégio Naval, ao cursarem o primeiro ano do E.M. e,
posteriormente, ao cursarem o terceiro ano do E.M, contando-se, portanto, com o total de
72 testes de avaliação linguística subjetiva para análise. Tais alunos foram selecionados em
meio ao grupo total de acordo com suas médias acadêmicas finais obtidas na disciplina
Língua Portuguesa, no ano de 2018. Cabe destacar que a categorização dos alunos de
acordo com as médias descritas no quadro a seguir foi um procedimento adotado nesta
investigação, não sendo uma segmentação proposta pela instituição. Dessa maneira,
observe-se a sistematização estabelecida para o referido recorte:
96
Quadro 03: Categorização de alunos consoante desempenho escolar para análise de
avaliação linguística subjetiva
Médias finais Língua Portuguesa
2018 Quantitativo de alunos
GRUPO A 8,0 – 8,6 12
GRUPO B 6,9 – 7,5 12
GRUPO C 5,3 – 5,9 12
Para a definição dos grupos de acordo com o rendimento acadêmico, foram
observadas a maior (8,6) e a menor (5,3) média final em Língua Portuguesa/2018, criando-
se três grupos de médias na avaliação (altas, medianas e baixas). A segmentação descrita
foi realizada na intenção de averiguar se as médias acadêmicas dos alunos na disciplina de
Língua Portuguesa estariam relacionadas às formas preferencialmente por eles utilizadas
para a representação do fenômeno aqui em estudo, sendo estas definidas por maior ou
menor atendimento ao padrão normativo. Já a definição do quantitativo de alunos em cada
grupo se deu em virtude do máximo de alunos que se enquadravam na realidade de médias
do grupo A, mantendo-se, para os outros grupos, o paralelismo necessário à análise
variacionista.
A relação entre as crenças dos alunos, conforme suas impressões no que se refere à
noção de norma culta e “escrever bem”, e suas atitudes linguísticas, reveladas a partir da
escrita de redações escolares, será averiguada por meio de análise comparativa entre as
respostas dadas aos testes e a interpretação dos dados obtidos e tratados pelo aporte
computacional.
3.2.2 Estudo dos usos
Para a análise dos usos das formas alternantes do acusativo anafórico, foram
consideradas 364 redações escolares produzidas por alunos do Colégio Naval. Essa
coletânea organiza-se da seguinte maneira: 182 textos do primeiro ano e 182 textos do
terceiro ano, estabelecendo-se um caráter longitudinal ao estudo, já que a produção escrita
dos mesmos estudantes foi observada em dois momentos diferentes. Cabe destacar que o
quantitativo selecionado foi direcionado pela totalidade de alunos do terceiro ano/2018 que
compunham a turma correspondente ao primeiro ano/2016. As redações selecionadas
advêm da avaliação regular aplicada pela instituição, sendo os textos do primeiro ano
97
correspondentes à primeira produção textual avaliativa de 2016 e os do terceiro ano, à
última de 2018.
De acordo com a proposta avaliativa, as referidas redações configuram textos de 20
a 30 linhas, com predominância do modo de organização textual dissertativo-
argumentativo, cujos temas desenvolvidos são “Valorização da diversidade na escola: o
papel do professor no combate ao preconceito”, para o primeiro ano, e “As potenciais
soluções para o cenário atual da educação pública brasileira”, para o terceiro ano. Dos 364
textos observados, foram coletadas 194 ocorrências de representação do objeto direto
anafórico de terceira pessoa.
3.2.2.1. A variável dependente
Após o levantamento das ocorrências do fenômeno em estudo, iniciou-se o
tratamento sociolinguístico variacionista dos dados obtidos. De acordo com a noção de
regra variável proposta por Labov (2008 [1972], 2003), apresenta-se, a seguir, o quadro de
fatores estabelecidos para a variável dependente, objeto desta investigação.
Quadro 04: Variável dependente − Representação anafórica objeto direto de terceira pessoa4
FATORES EXEMPLOS
I.Clítico pronominal Os alunos estão ansiosos pela festa de formatura; os
professores os orientam a ficarem calmos5
II.Pronome lexical Os alunos estão ansiosos pela festa de formatura; os
professores orientam eles a ficarem calmos
III.SN referencial
Os alunos estão ansiosos pela festa de formatura; os
professores orientam os alunos/ esses alunos/ os
estudantes a ficarem calmos
IV.Objeto nulo Os alunos estão ansiosos pela festa de formatura; os
professores orientam_____ a ficarem calmos
4 Os exemplos apresentados para ilustração do emprego dos fatores que compõem a variável dependente foram
criados com o objetivo de demonstrar claramente o caráter alternante das formas variantes para representação do
fenômeno. 5 Em todos os exemplos apresentados, os termos em correferência na representação do acusativo anafórico serão
destacados por meio da notação negrito e sublinhado.
98
Torna-se necessário esclarecer que a variante SN referencial teve, em meio aos
procedimentos de análise, tratamento inicial mais detalhado, tendo sido contemplados três
outros subfatores para tal estrutura, sejam eles (i) SN idêntico: os alunos; (ii) SN idêntico +
determinante: esses alunos; (iii)SN sinônimo: os estudantes. Optou-se em reunir os referidos
subfatores no grupo SN referencial, formando-se um único fator, com base em Machado
(2006), que demonstrou baixíssimos índices de emprego do SN sinônimo – tendo estabelecido
diferença somente entre o que, neste trabalho, se identifica por SN idêntico e SN idêntico +
determinante – e Santana (2016), que também encontrou índices inexpressivos do SN
sinônimo em comparação com as formas do tipo SN idêntico e SN idêntico + determinante.
Numa análise primária, em que se buscou traçar um retrato do corpus de análise a
partir da observação da completa diversidade de ocorrências de representação do fenômeno,
foram observados os casos de anáfora por meio do pronome demonstrativo e aquelas cujo
referente apresenta natureza proposicional. A partir da observação de tais contextos, verificou-
se que essas estruturas não são efetivamente intercambiáveis pelas outras formas alternantes
representadas como fatores no Quadro 2, ferindo, com isso, os princípios de definição de
regra variável, conforme Labov, 2008 [1972]. Diante disso, torna-se extremamente relevante
destacar que, para a execução das rodadas multivariadas realizadas para a análise dos usos,
não serão consideradas tais estruturas, mantendo-se a coerência com a linha teórico-
metodológica assumida nesta investigação. No entanto, considera-se válida ao menos a
demonstração de como tais contextos se manifestam no corpus de análise.
A respeito do pronome demonstrativo, cabe ressaltar, assim, que, das seis ocorrências
dessa estratégia para representação do fenômeno, cinco correspondem à retomada de um
antecedente proposicional e apenas um 1 de um SN, situação em que haveria real concorrência
com as demais estratégias. Os exemplos 1 e 2 evidenciam, respectivamente, os empregos
descritos para o pronome demonstrativo:
(1) Se o professor estiver motivado, ele transmitirá isso aos seus alunos. (redação
165 - 3º ano)
(2) Na juventude, o indivíduo está formando sua identidade, sendo natural a
discriminação e a formulação de preconceito nessa fase. O ambiente
escolar, onde o jovem passa a maior parte do seu tempo, potencializa isso,
visto que é o seu principal meio de socialização (redação 07 – 1º ano)
99
Em se tratando da anáfora de referentes proposicionais, apresentam-se os exemplos
(3), (4) e (5), únicas ocorrências com emprego do clítico pronominal, (6) e (7), únicas
ocorrências com acusativo anafórico representado pelo objeto nulo, e (8) em que o referente
proposicional é retomado por um SN.
(3) Crianças chegam em algumas escolas que não possuem estruturas ou
recursos para auxiliar em suas formações escolares, causando transtornos,
pois os alunos chegarão ao Ensino médio com uma base ineficiente. O
governo deve resolver com carinho, pois se não o fizer o que será do
futuro da nação. (redação 023, 3º ano)
(4) Diante do que foi supramencionado, o mestre não deve fugir de sua
missão de lutar contra as misoginias, pois se este o fizesse estaria sendo
negligente (redação 053-1º ano)
(5) Além desta medida, o professor também deve mostrar-se sempre
disponível a orientar aqueles que sofrem preconceito. Assim o fazendo,
esse método pode ajudar, pois muitos destes começam a guardar mágoas
que vão cada vez mais, afastá-los do meio social. (redação 110,1º ano)
(6) Infelizmente, o Brasil possui um fracassado sistema de ensino público,
porém existem potenciais soluções para reverter___. (redação 178, 3º
ano)
(7) O professor deve utilizar de boa didática e se relacionar bem com seus
alunos, pois somente assim haverá interesse por parte dos jovens em viver
harmoniosamente e colocar ______ em prática na sociedade (redação
121, 1º ano)
(8) Ele deve combater o preconceito exercendo sua autoridade, pois ele tem
grande influência nas vidas das pessoas e caso ele não tenha esse
posicionamento de combate ao preconceito, estará formando uma
sociedade ruim. (redação 012, 1º ano)
A observação de tais contextos permite verificar ainda que, nas três ocorrências do
emprego do clítico pronominal para anáfora de proposições, o predicador foi o verbo “fazer”,
estando o pronome sempre em posição proclítica, demonstrando comportamento característico
de determinado contexto, diferentemente do que se observa nos dois contextos de objeto direto
nulo apresentados, cuja anáfora proposicional demonstra associação a diferentes predicadores
verbais.
100
Na seção posterior, serão apresentadas as variáveis independentes consideradas nesta
investigação, grupos de fatores determinados com o objetivo de verificar o condicionamento
ou não de emprego de uma ou outra variante da variável dependente.
3.2.2.2 As variáveis independentes
No âmbito extralinguístico, diante da realidade do corpus constituído, foi possível
averiguar, respeitando a estratificação da amostra, a influência unicamente da variável ano
escolar, para a qual foram estabelecidos dois fatores, sejam eles (i) primeiro ano e (ii) terceiro
ano. Já no âmbito linguístico, com base em estudos anteriormente realizados, estabeleceram-
se sete grupos de fatores, para a investigação de possível condicionamento morfossintático
das formas alternantes descritas como variantes da variável dependente. Observe-se, portanto,
a exposição das variáveis linguísticas consideradas, seguidas de exemplos dos respectivos
fatores controlados:
(i) Animacidade do antecedente
Com o controle dessa variável, busca-se investigar a influência de antecedentes
caracteristicamente animados na preferência pelo emprego de clíticos acusativos, na escrita
escolar, conforme demonstram Averbug (2008) e Santana (2016), uma inversão quanto ao que
atestam Omena (1978), Duarte (1986), Marafoni (2004) e Freire (2005), que demonstram ser
esse fator favorecedor da forma pronome lexical.
a) Animado
(9) O salário baixo, o desrespeito com o professor e as más condições
das salas de aula desmotivam o educador e não o recompensam.
(redação 078, 3º ano)
b) Inanimado
(10)Analisar tal conjuntura nacional de forma isolada é completamente
falho. Segundo diversos psicólogos, como Haward Gardner, um jovem
que está inserido em um meio de comportamentos violentos, tende a
reproduzir tal comportamento. (redação 116, 3º ano)
101
(ii) Especificidade do termo antecedente
Com base em Averbug (2000) e Marafoni (2004), acredita-se que o controle dessa
variável evidencie forte influência de referentes não específicos para o condicionamento da
variante objeto nulo como representação do acusativo anafórico, sendo o caráter específico,
com possível associação a outros fatores, responsável pelo condicionamento das outras
formas de representação do fenômeno. Destaque-se que, para o controle desta variável, foram
tratados isoladamente contextos de referentes proposicionais, com o objetivo de evitar
interpretação enviesada dos resultados obtidos.
a) Específico
(11) Com a pedagogia ante preconceito, o professor, apesar das
diferenças do menino, motivou a turma a tratá-lo da melhor
forma possível (redação 041, 1º ano)
b) Não específico
(12) Outro fator importante é a identificação e o gerenciamento de
casos discriminatórios já existentes. É necessário que o
professor observe o comportamento dos alunos e, no caso da
ocorrência da rejeição, converse com os responsáveis do
praticante afim de, juntos combaterem essa prática. (redação
030-1º ano)
(iii) Função sintática do termo antecedente
Com base nos resultados de Omena (1978), Marafoni (2004), Freire (2005) e Santana
(2016), o controle dessa variável parte da hipótese de que antecedentes com a mesma função
sintática do referente anafórico seriam favorecedores do objeto nulo como representação do
fenômeno aqui em estudo, estando as outras formas reservadas aos contextos cujos termos
exerceriam funções diferenciadas.
102
a) Mesma função
(13) Dentro ou fora de sala, o profissional da educação ensina os
alunos a serem cidadãos de bem e a respeitarem as diferenças
que existem entre as pessoas . Sua influência e seu conhecimento
o ajudam a desconstruir a imagem preconceituosa que algumas
pessoas tem de outras. (redação 54, 1º ano)
b) Função diferente
(14)O ministério da educação apontou como os principais fatores, o
descaso com os professores e a falta de infraestrutura e
manutenção da escolas, refletindo diretamente nos alunos,
desmotivando ____ e aumentando o desinteresse dos jovens nos
estudos (redação 084, 3º ano)
(iv) Forma verbal do predicador do acusativo anafórico
Essa variável foi controlada com o intuito de averiguar quais as formas verbais que
demonstram favorecimento do emprego do clítico pronominal para anáfora do objeto direto,
exercendo influência no processo de recuperação parcial dessa forma de representação. Por
hipótese, com apoio em Freire (2005), acredita-se que tal variante manifestaria produtividade
em contextos de formas verbais simples flexionadas e infinitivas.
a) Simples flexionada
(15) A escola é sem dúvida o local de maior aprendizado para todos
que frequentam-na. (redação 002, 1º ano)
b) Simples não flexionada – infinitivo
(16) Muito discute-se sobre as más condições da educação pública
e de quais maneiras o governo e o povo brasileiro podem ajudar
a solucionar esta precariedade. (redação 053, 3º ano)
c) Simples não flexionada – gerúndio
103
(17) Eles devem manter a ordem na sala de aula e o bom convívio
entre os alunos, tendo uma posição de líder, sempre os
orientando. (redação 162, 1º ano)
d) Complexa6
(18) Os governantes que administram o país em vez de cortarem os
recursos destinados à educação deveriam aumentá-lo; é por
meio desses investimentos que o país começa a crescer
socialmente. (redação 077, 3º ano)
(v) Ordem dos constituintes na oração do acusativo anafórico
O controle desta variável se deu com o intuito de avaliar a pertinência de resultados
como os obtidos por Omena (1978), Duarte (1986), Marafoni (2004), Freire (2005) e Santana
(2016), que demonstraram o emprego do pronome lexical como estratégia favorecida por
estruturas em que o referido pronome exerce dupla função. Diante disso, postula-se como
hipótese que, no corpus analisado, haverá maior produtividade de acusativo anafórico
representado pelo clítico pronominal em estruturas regulares S V OD e por pronomes lexicais
em estruturas S V OD + predicados complexos.
a) S V OD
(19) A escola é sem dúvida o local de maior aprendizado para todos que
frequentam-na (redação 181, 1º ano)
b) S V OD + Complemento preposicionado (OI ou Oblíquo)
(20) Assim, faz-se necessário que haja mais investimentos na parte da
infraestrutura das escola, e seria de extrema importância um trabalho
conjunto dos pais com as escolas, para o melhor controle dos alunos e
também incentivá-los à prática do aprendizado. (redação 090, 3º ano)
6 Como forma complexa, foram consideradas estruturas que manifestam verbos com caráter auxiliar/semiauxiliar
(verbos não predicadores) estabelecendo integração entre duas ou mais formas verbais, sejam elas, portanto,
construções de voz passiva, tempos compostos, construções temporais, aspectuais e modais.
104
c) S V OD + Predicados complexos
(21) Os professores, profissionais responsáveis pela formação de todas as
outras profissões, não merecem reconhecimento?é nítido o descaso
com o salário do professor e isso gera reflexo direto na sala de aula,
porque fazer um trabalho tão ardo e importante sem receber o devido
reconhecimento não faz o professor estudar mais , melhorar sua aula,
tornando o ensino cada vez mais pior .(redação 165, 3º ano)
(vi) Tipo da oração do predicador-acusativo anafórico7
Acredita-se que o controle dessa variável permita atestar, também no contexto das
redações escolares, o “caráter pronominal” do objeto nulo, conforme constataram Freire
(2005) e Cyrino (1993, 1997) ao observar que o objeto nulo como referência ao objeto direto
anafórico não sofre restrições relacionadas a qualquer tipo de oração.
a) Orações independentes8
(22) Os profissionais da educação são capacitados para esse papel e
devem fazê-lo. (redação 071, 1º ano)
b) Completiva de verbo com função de objeto (OD ou OI)
(23) Os resultados relatados por pesquisas de ensino mostram
juntamente os níveis baixos dos estudantes e isso mostra que os
pais deveriam incentivar______ e ajudar seus filhos desde que
começam.
7 Em meio às ocorrências analisadas, não foram identificados contextos de orações completivas com função de
sujeito nem completivas com função oblíqua. 8 Como orações independentes, foram consideradas as orações absolutas, coordenadas assindéticas e sindéticas e
as orações principais.
105
c) Completiva de verbo oblíqua
(24) É inegável que o preconceito é atualmente um dos assuntos
mais debatidos em qualquer meio de discussão e isso se dá pelo
seu constante crescimento dentro da sociedade. Por isso é
importante que a escola auxilie, desde cedo, as crianças a
combaterem essa discriminação, seja ela social, racial, sexual
ou contra deficientes. (redação 032, 1º ano)
e) Completiva de nome
(25) Desde quando surgiu o preconceito a sociedade enfrenta um dos
maiores desafios para ela. Entre estes existe a proposta de
combatê-lo a partir da escola.. (redação 044, 1º ano)
f) Relativa
(26) Outro problema enfrentado pelos jovens é a ausência de apoio
efetivo de psicólogos ou profissionais assemelhados que possam
ajudar esses jovens que tenham problemas pessoais em casa
(redação 129, 3º ano)
g) Adjunta
(27) Aplicar em materiais de qualidade, adicionando também como
excelente recurso a tecnologia nos professores, qualificando-os
mais e atribuindo salários justos e boas condições de trabalho
(redação 041, 3º ano)
(vii) Distância antecedente – termo anafórico
Para o controle dessa variável, toma-se como hipótese que, quanto maior a distância
entre o antecedente e o termo anafórico, maior seria a probabilidade de emprego da variante
SN anafórico, com a intenção de promover maior clareza na identificação de seu referente.
Em contrapartida, a utilização do clítico pronominal como acusativo anafórico seria mais
propensa quando houver menor distância entre os termos.
Para a definição dos fatores a serem considerados nesta variável, estabeleceram-se
critérios seguindo a localização dos termos, tendo em vista que a análise das redações
106
selecionadas permitiu depreender padrão de organização argumentativa em que os alunos
demonstram raciocínio informativo segmentado por parágrafos, separando, assim, as
informações a serem apresentadas e retomadas. Com isso, os fatores estabelecidos consideram
as unidades do tipo períodos e parágrafos.
a) Mesmo período
(28) Tal caso está nas escolas públicas que não conseguem prender a
atenção do indivíduo ou incentivá-lo, perdendo-o para a
criminalidade. (redação 111, 3º ano)
b) Período diferente, mesmo parágrafo
(29) A discriminação, embora seja um problema antigo é algo bem
atual. Muito se tem discutido sobre formas de combater ela e foi
percebido que um dos melhores lugares para isso é na sala de
aula por meio do professor. (redação 010,1º ano)
c) Período diferente, parágrafo diferente
(30) Vê-se que é necessário possuir professores que conheçam
bastante os preconceitos e sejam capacitados da melhor maneira
para combatê-los.// Ainda relacionado à capacitação dos
professores, relaciona-se também a noção de que dentro de suas
salas de aula são ótimos meios de combater atitudes como essa
(redação 14, 1º ano)
Além dos grupos de fatores apresentados, considerou-se o grupo de controle ordem do
clítico9 apenas para que se pudesse analisar o comportamento da posição do pronome átono
nos contextos específicos, ciente de que não há a possibilidade de se controlar o possível
condicionamento da regra variável por meio desse grupo, tendo em vista não se aplicar a
todos os contextos. Com base em diversos estudos realizados no âmbito do PB, espera-se
verificar, no corpus, expressiva produtividade de próclise, sobretudo em contextos de formas
verbais simples, estando a ênclise reservada a construções com verbos no infinitivo.
9 Cabe destacar que a colocação mesoclítica não se manifestou nas redações em análise e não foram
identificadas estruturas de próclise ou ênclise a verbos auxiliares de estruturas complexas.
107
a) Próclise a forma simples
(31) De tal maneira não há como o aluno desenvolver uma didática
de aprendizado que o estimule a construir conhecimento ao
longo do tempo.(redação 025, 3º ano)
b) Ênclise a forma simples
(32) Um dos meios é o planejamento de visitar outras escolas, o que
tira o aluno de seu ambiente natural e coloca-o em contato com
uma maior diversidade. (redação 030, 1º ano)
c) Próclise ao verbo principal
(33) O professor é de suma importância nesse processo, pois possui
convívio diário com as crianças, podendo assim apaziguar
qualquer espécie de preconceito ou bullying que haja em sala de
aula, sendo assim o caminho mais próximo do aluno e podendo
o ajudar (redação 056, 1º ano)
c) Ênclise ao verbo principal
(34) O relacionamento do professor com o aluno vai ser uma forte
arma para esse combate, pois se houver uma boa relação o
professor terá a confiança dos alunos e eles irão ouvi-lo.
(redação 009, 1º ano)
A partir do controle dos grupos de fatores apresentados, foram realizadas rodadas
multivariadas por meio do programa estatístico Goldvarb X. Na seção de análise, serão
apresentados os resultados com base no tratamento conferido aos dados computados.
108
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS: AVALIAÇÃO E USO
Nas próximas seções, apresenta-se a interpretação dos resultados obtidos por meio dos
materiais de pesquisa utilizados nesta investigação. Expõe-se, na Seção 4.1, a interpretação de
cunho qualitativo das respostas dadas aos testes de avaliação linguística subjetiva, aos quais
foram submetidos docentes (do Colégio Naval e do Colégio Estadual) e discentes (do Colégio
Naval) que participaram desta pesquisa, e, na Seção 4.2, o tratamento e a interpretação dos
dados extraídos das redações de alunos (do CN) para estudo dos usos referentes às formas
alternantes de referenciação anafórica do objeto direto de terceira pessoa. Ao fim dessa
segunda etapa (Seção 4.3), confrontam-se, brevemente, os resultados relativos à avaliação e
ao uso.
4.1. A avaliação linguística subjetiva
Nesta seção, serão demonstradas as interpretações feitas a partir das respostas dadas
pelos participantes acerca da relação entre variação e norma presente no processo de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa, considerando-se tanto a ótica docente quanto a discente.
4.1.1. A perspectiva docente
Ao tratar da perspectiva docente observada a partir dos testes de avaliação linguística
subjetiva, vale mencionar que, conforme esclarecimentos anteriores, os referidos instrumentos
foram aplicados a dez professores de Língua Portuguesa/Produção Textual, sendo cinco
docentes do Colégio Naval (CN) e cinco do já descrito Colégio Estadual do Rio de Janeiro
(CE). Ressalte-se que, ao contemplar duas instituições com realidades diversas, cumpre-se o
objetivo de verificar fatores que possam exercer influência sobre as crenças e as atitudes que
se criam e se manifestam no desenvolvimento da prática docente, ancoradas pelo perfil
acadêmico-profissional de cada participante. Vale destacar que, ao longo do texto, a
identificação de 01 a 05 corresponde aos professores do CN e de 06 a 10 aos professores do
CE.
Por meio da aplicação de questionário informativo, buscou-se obter informações
sobre a experiência acadêmico-profissional dos docentes colaboradores desta investigação.
109
Expõem-se, a seguir, nos quadros 05 e 06 o perfil docente traçado pelas informações
fornecidas pelos professores de ambas as instituições:
Quadro 05: Informações acadêmico profissionais dos docentes CN
Professor
Graduação
/ ano de
conclusão
Pós-graduação/
ano de
conclusão
Tempo de
experiência /
níveis de
escolaridade
Área de
atuação no
ensino da
Língua
Portuguesa
Atividade
acadêmica
em
andamento
01 (CN)
Letras:
Português/
literatura
(1997) –
UFJF
Pós-graduação
lato sensu:
Letras (2002) -
UFJF
Mestrado: Ciência da
religião (2002) -
UFJF
Fundamental: 6 anos
Médio: 13
anos
Superior: 9
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Extensão: produção
textual e
interpretação.
02 (CN)
Letras:
Português/
literatura
(1983) –
Não
informou
instituição
Pós-graduação
lato sensu:
Letras /
literatura (1988)
- Não informou
instituição
Mestrado: Letras literatura
(2005) Não
informou
instituição
Fundamental: 2 anos
Médio: 19
anos
Superior: 4
anos
∙ Gramática
Xxxxx
03 (CN)
Letras:
Português/
Inglês
(1994) –
UFF
Pós-graduação
lato sensu:
Literatura
(2003) - UFF
Mestrado: Letras-
Literatura
(2005) - UFF
Fundamental: 13 anos
Médio: 22
anos
Superior: xxxxx
∙ Gramática
∙ Produção
textual
∙ Literatura
Extensão: Literatura
04 (CN)
Letras:
Português/
literatura
(2012) –
UFRJ
Mestrado: Educação
(2016) - UFRJ
Fundamental: 1 ano
Médio: 5 anos
Superior: xxxxx
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Mestrado em Língua
Portuguesa
(disciplina
sintaxe e
ensino da
Língua
Portuguesa)
05 (CN)
Letras:
Português/
Espanhol
(2007) –
UFRJ
Mestrado: Letras: Língua
Espanhola -
UFRJ
Doutorado: Letras: Língua
Espanhola -
UFRJ
Fundamental: 2 anos
Médio: 12
anos
Superior: 2
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Doutorado
em Língua
Espanhola
(disciplina
sintaxe e
ensino da
Língua
Portuguesa)
110
Quadro 06: Informações acadêmico-profissionais professores CE
Professor
Graduação /
ano de
conclusão
Pós-
graduação/
ano de
conclusão
Tempo de
experiência /
níveis de
escolaridade
Área de
atuação no
ensino da
Língua
Portuguesa
Atividade
acadêmica
em
andamento
06 (CE)
Letras:
Português/
Italiano
(2005) -
UERJ
Direito
(2011) –
UBM
Pós-
graduação
lato sensu:
Direito –
processo penal
(em
andamento) –
Universidade
Candido
Mendes
Fundamental: 15 anos
Médio: 12
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Pós-
graduação
em Direito
07 (CE)
Letras:
Português/
literatura
(2007) –
Universidade
Salgado de
Oliveira
Pós-
graduação
lato sensu:
Psicopedagogi
a (2011) –
Universidade
Castelo
Branco
Fundamental: 21 anos
Médio: 4 anos
Superior:7
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
Xxxxx
08 (CE)
Letras:
Português/
literatura
(2006) –
UERJ
Pós-
graduação
lato sensu:
Ensino de
língua e
literatura
brasileira
(2009) - UERJ
Fundamental: 6 anos
Médio: 10
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
Xxxxxx
09 (CE)
Letras:
Português/
literatura
(2000) - UFF
Pedagogia
(2005) –
MSB
Pós-
graduação
lato sensu:
neurociência
em
psicopedagogi
a (em curso) –
Não informou
instituição
Fundamental:
3 anos
Médio: 12
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Pós-
graduação
em
neurociênci
a/
pedagogia
10 (CE)
Letras:
Português/
Espanhol
(2005) –
Universidade
Castelo
Branco
Pós-
graduação
lato sensu:
Língua
Portuguesa
(2007) –
Universidade
Castelo
Branco
Fundamental: 20 anos
Médio: 10
anos
∙ Gramática
∙Produção
textual
∙ Literatura
Xxxxxxx
Acredita-se que a percepção linguística dos professores e as atitudes geradas a partir
de suas crenças, manifestas em suas práticas de correção do texto disponibilizado, sejam
reflexo da experiência acadêmico-profissional docente de cada um. Dessa maneira, serão
111
analisadas as respostas e os posicionamentos demonstrados pelos professores nos testes de
avaliação linguística subjetiva disponibilizados e, posteriormente, será feita uma correlação
entre tais posicionamentos e o perfil demonstrado nos quadros 05 e 06.
Ao tratar inicialmente dos testes respondidos pelos professores do Colégio Naval,
verificou-se que, para esse grupo de docentes, o pronome lexical corresponde à variante
que mais sofre estigma no tocante às formas variáveis de representação do objeto direto
anafórico, tendo sido assinalado por quatro dos cinco professores que corrigiram o texto
apresentado como redação escolar; apenas o Professor 2 não assinalou como erro o
emprego do pronome nominativo em função acusativa. Nenhuma das outras formas
alternantes foi demarcada como erro pelos docentes do CN.
Quanto à correção dos testes feita pelos professores do Colégio Estadual, cabe
esclarecer que o Professor 6 não fez qualquer marcação no texto a ser corrigido; portanto,
para esse grupo, nesta etapa do teste, conta-se apenas com o parecer de quatro professores.
Os professores do CE demonstram posicionamento semelhante àqueles do CN frente ao
emprego das formas alternantes de representação do acusativo anafórico, tendo os quatro
professores deste grupo recomendado a substituição do pronome nominativo pelo pronome
átono, no desempenho da função acusativa. É importante destacar que neste grupo houve
reação de um professor (Professor 10) no que se refere à variante nula, pois ele demarcou a
necessidade de presença do clítico pronominal em substituição à variante Ø no seguinte
trecho:
... resultado do não atendimento a um anseio das crianças, que
muitas vezes pode trazer problemas psicológicos permanentes,
levando Ø a ter uma vida complicada...
Nesta etapa de correção, foi possível comprovar a hipótese inicial de que os
professores tenderiam a reproduzir o tratamento do tema conforme manuais tradicionais
que priorizam o emprego do clítico pronominal, rechaçando o uso do pronome lexical em
função acusativa. As demais formas de representação do fenômeno consideradas neste
trabalho não demonstraram ser alvo de estigma em correções da escrita dos alunos. Esse
comportamento serve ainda a corroborar os resultados obtidos por Santana (2016), que
demonstrou predominância de correção dos professores ao pronome lexical em função de
objeto direto e inexpressiva correção da representação nula (apenas um contexto corrigido)
e SN anafórico.
112
Na fase 2 do teste de avaliação subjetiva – em que, por meio de perguntas diretas,
buscou-se averiguar a consciência dos docentes no âmbito dos temas relativos a variação e
norma –, as respostas dadas aos questionamentos permitiram analisar que, a respeito do
conceito de norma, os docentes apresentam concepções diversas, com definições nem
sempre compatíveis com as científicas, quais sejam:
regras instituídas para padronização de fala e escrita (Prof. 1 - CN)
fator orientador para superar dificuldades (Prof. 2 - CN),
que garante unidade para o ensino da Língua Portuguesa (Prof. 3 -
CN)
um guia rex para falantes de uma mesma língua; regras que servem
de modelo (Prof. 8 - CE).
Nesse viés em que se observa um acentuado grau de conservadorismo nas
concepções dos docentes acerca do conceito de norma, destacam-se as respostas dadas
pelas professoras 07(CE), 09 (CE), e 10(CE), a seguir descritas.
As definições de norma apresentada pela Professora 07 (CE) – “a maneira que
utilizamos a língua em situações formais” – e pela Professora 09 (CE) – “a norma é
necessária, mas precisa de mudanças para que se tenha mais sentido e aplicação” –
revelam pouca familiaridade com os temos que envolvem o tema de variação e normas,
conforme Faraco (2008; 2015).
A concepção de norma na qual se apoia a Professora 10 (CE) revela um
distanciamento ainda maior no que se refere a temáticas tão importantes no processo de
ensino-aprendizagem. Observe-se a resposta dada pela docente:
Norma é o uso da língua de maneira padrão, dentro dos critérios
estabelecidos pela gramática, modelo de base que serve para a
conservação da língua porém difícil de ser seguido.
(Professora, 10 – CE)
A definição de norma apresentada pela Professora revela grande distanciamento das
definições do termo no espectro variacionista, apoiado em limites definidos entre o campo
da idealização e o campo da prática linguística. Além disso, percebe-se não haver qualquer
discernimento entre os aspectos que compõem o termo “gramática” quando se trata do
ensino da língua. Não se percebe consciência da professora quanto à possibilidade de tratar
113
o componente gramatical no âmbito da competência linguística, como objeto natural que
exerce influência sobre os fatos da língua, conforme Franchi (2006).
As respostas mencionadas demonstram, de modo geral, a associação do termo
norma aos critérios de formalidade, correção e, até mesmo, conservadorismo da língua.
Contrariando-se esse viés, observaram-se as respostas das professoras 04 (CN) e 05 (CN)
ao reconhecerem que o termo em verdade corresponde a uma pluralidade de normas
quando se trata dos estudos e, sobretudo, do ensino da língua. Cabe destaque à resposta da
Professora 05 (CN), ao mencionar que “a norma culta estaria ligada aos usos efetivamente”
registrados por pessoas escolarizadas e a norma padrão seria uma idealização do que deve
ser atingido, uma abstração que se busca alcançar.” Nesse sentido, a professora demonstra
reconhecimento da pluralidade de normas, conforme a “pedagogia da variação linguística”
(FARACO, 2015). Nessa perspectiva, enquadra-se ainda a concepção e norma apresentada
pela Professora 04 (CN), ao mencionar que o termo “norma” encontra definição nas
“convenções que se estabelecem em determinados grupos”, destacando que o termo deve
ser tratado no plural – “normas” –, havendo variabilidade, ainda, dentro de cada uma
delas.
Nas perguntas em que se buscou verificar quais são as crenças dos professores
acerca da maneira como lidam com a variação linguística no texto do aluno, a maior parte
dos professores colaboradores demonstrou que, para a análise dos textos, valoriza as
prescrições tradicionais. Nesse contexto, destaca-se que todos os professores do CE foram
enfáticos ao mencionarem que, apesar da necessidade de se considerarem aspectos
contextuais (como se observa no depoimento: “se o texto é coerente e se os alunos
conseguem se expressar” (Prof. 08 - CE)), as prescrições tradicionais são fundamentais
para a correção dos textos. Em relação ao CN, os professores 02 (CN) e 03 (CN)
apresentaram posicionamento semelhante ao demonstrado pelos professores do CE, pois
declararam valorizar a “norma” por considerá-la o “bom uso da língua” (Prof. 02 - CN) e
corrigir textos sempre “de acordo com a norma padrão” (Prof. 03 - CN).
A partir da observação do posicionamento de tais professores, verificam-se,
novamente crenças docentes construídas no universo pedagógico a partir de
direcionamento amplamente normativo, apoiado pelos compêndios tradicionais, que os
fazem ver o texto do aluno por meio da dicotomia certo x errado, na intenção de promover
atendimento a uma forma única com vistas a um padrão idealizado. Essa visão polarizada
114
fica ainda mais evidente a partir da observação de respostas como as dadas pela Professora
06 (CE), ao mencionar que “infelizmente os usos orais volta e meia são utilizados como
norma padrão em provas”, deixando evidente a concepção de que, de acordo com suas
crenças, existe associação entre as formas de oralidade e erro, e pela Professora 10 (CE), ao
declarar “não deixo de exigir a norma padrão para que o aluno saiba utilizá-la”, revelando
pouca habilidade em distinguir normas no plano da idealização daquelas referentes ao
plano da prática linguística.
O tratamento inadequado conferido ao tema da variação de normas e ao ensino da
gramática nas práticas docentes ganha novamente destaque por meio da resposta
apresentada pela Professora 07 (CE), a respeito dos mecanismos e orientações adotadas
para a correção dos textos dos alunos, conforme se apresenta:
às vezes a escrita do aluno é semelhante a fala do meio em que
vive. É necessário que o aluno aprenda a gramática, pois assim ele
poderá ascender socialmente.
(Prof. 07 - CE)
Destoando dessa noção polarizada, disseminada entre os profissionais supracitados,
encontra-se a percepção dos professores 01 (CN), 04 (CN) e 05 (CN), pois ressaltam que
“é preciso levar em conta as diferentes formas de expressão” (Prof. 01 - CN), respeitando-
se questões relacionadas “ao gênero textual, ao público alvo e ao veículo de divulgação...
[que] com influência da comunidade de fala do aluno revelam formas diferentes de
expressão da norma culta que é aprendida” (Prof. 04 - CN) e, ainda, “devem ser
considerados aspectos que reflitam a realidade da norma culta do PB, que nem sempre são
condizentes com as prescrições tradicionais” (Prof. 05 - CN).
Ao fim das perguntas diretas, os professores foram questionados sobre a “qualidade
da escrita dos alunos”, de modo genérico, com a intenção de que pudessem responder
apresentando quais seriam os fatores que exercem influência na formação de suas crenças
sobre a produção textual discente. Para essa questão, com exceção do Prof 02 (CN), que
declara que “as respostas dos alunos carecem de clareza e unidade de sentido”, todos os
professores do CN manifestaram parecer positivo, ressaltando que escrevem bem, pois
“buscam adequar a escrita aos traços da norma ensinada/aprendida na escolarização” (Prof.
5 - CN), “possuem habilidades linguísticas desenvolvidas, produzindo textos com
encadeamento sintático e semântico” (Prof. 04 - CN), “concatenam as ideias, apesar dos
desvios gramaticais” (Prof. 03 - CN) e “enquadram-se nos moldes da comunicação escrita”
115
(Prof. 01 - CN). Verifica-se que os professores do CN salientam características textuais
discursivas para “qualificar” a escrita dos alunos, reconhecendo o texto, nos termos de
Favero e Koch (2008), como uma forma de manifestação da linguagem, formando um todo
significativo.
Vale destacar que, ao mencionar que a escrita dos alunos carece de “clareza e
unidade de sentido”, o Prof. 02 (CN), em certa medida, demonstra consciência no que se
refere à articulação entre traços linguísticos e aspectos textuais/ discursivos, assim como se
verifica na resposta do Prof. 07 (CE), que considera boa a escrita dos alunos por
conseguirem transmitir seu pensamento, apesar de manifestarem algumas frases mal
articuladas. Na realidade do CE, além do Prof. 07 (CE), somente o Prof. 06 (CE)
apresentou parecer positivo quanto à qualidade da escrita dos alunos, mencionando que
escrevem “com adequação e competência”. Os demais professores entrevistados
declararam que a escrita dos alunos da instituição não é boa, pois “têm dificuldade para
iniciar e manter a progressão textual” (Prof. 08 - CE), “têm pouca leitura, interesse baixo e
não se esforçam” (Prof. 09 - CE) e “apresentam grande dificuldade em Língua Portuguesa
e nas demais disciplinas também” (Prof. 10 - CE).
De modo geral, foi possível perceber que, ao avaliar a escrita dos alunos, entra em
pauta um entrelaçamento natural, conforme Pauliukonis (2011), entre gramática e texto. Os
professores não se limitam aos aspectos linguístico-gramaticais, mas consideram também
aqueles que se associam ao campo da significação e da gramática do texto, salientando,
assim, aspectos referentes à estrutura e aos sentidos veiculados, o que é mencionado por
Franchi (2006), que demonstra a necessidade de o docente explorar as diversas estratégias
sistemáticas, tanto no campo do conhecimento gramatical como no campo das
significações.
Quanto à avaliação das sentenças apresentadas, a pontuação atribuída pelos
docentes revela comportamento semelhante entre os professores tanto do CN quanto do
CE, tendo em vista que o emprego do pronome átono, forma prescrita nas gramáticas
tradicionais para a representação do fenômeno, é classificado como excelente por todos os
docentes. Em contraponto a essa avaliação, o emprego do pronome nominativo é
classificado como bom unicamente pelo Prof. 08 (CE) – o que, entretanto, contrasta com a
correção realizada por esse docente na parte 1 do teste de avaliação aplicado, pois assinala
como erradas as duas manifestações do pronome nominativo em função acusativa.
116
As sentenças que apresentavam o emprego do SN como estratégia de anáfora do
objeto direto recebeu avaliação positiva da maioria dos professores, sendo classificadas
como muito boas e excelentes aquelas que demonstravam um SN sinônimo e como boas
aquelas que apresentavam o mesmo SN para representação anafórica. A respeito dessa
variante, vale destacar a avaliação tecida pelo Professor 09, que classificou o SN idêntico
como ruim. Acredita-se que o posicionamento dos professores quanto ao emprego de um
SN para a função do acusativo anafórico advenha da intenção de fazer com que o aluno
busque evitar repetições e amplie seu vocabulário, desenvolvendo suas habilidades
comunicativas.
O objeto nulo sofreu avaliação negativa por todos os docentes de ambas as escolas,
com exceção do Professor 04 (CN), tendo reconhecido tal variante como boa. Ressalte-se
que o extrato da aula, exposto na Seção 4.2.1, demonstra que a referida professora
apresenta aos alunos o objeto nulo como uma das formas de representação anafórica,
revelando, com isso, considerar formas variantes que vão além das prescrições tradicionais,
como livros didáticos e gramáticas, nas quais o clítico pronominal figura como a única
forma de representação do fenômeno. Cabe destacar a coerência entre a avaliação
qualitativa das sentenças e a correção realizada pelo Prof. 04 na fase 1 do teste, ao não ter
sinalizado o objeto direto anafórico nulo como erro, revelando alinhamento,
respectivamente, entre as crenças e atitudes que se manifestam em sua atividade docente, o
que não se verifica a respeito dos demais professores, pois, apesar da avaliação negativa,
nenhum deles fez qualquer marcação para sinalizar como erro/inadequação essa forma de
representação anafórica.
Observem-se, a seguir, os quadros 07 e 08, que demonstram de maneira
sistematizada a avaliação realizada pelos docentes acerca das formas alternativas do
fenômeno aqui em estudo:
117
Quadro 07: Avaliação das formas variantes de representação do acusativo anafórico
de 3ª pessoa – docentes CN
Classificação
Variantes
Clítico
Pronominal
SN
Idêntico
SN
Sinônimo
Pronome
Nominativo
Objeto
Nulo
Excelente
Prof. 01
Prof. 02
Prof. 03
Prof. 04
Prof. 05
Prof. 05
Prof. 03
Prof. 04
Prof. 05
Muito Bom Prof. 01
Prof. 04
Bom Prof. 01
Prof. 02 Prof. 04
Ruim Prof. 02
Prof. 03
Prof. 01
Prof. 02
Prof. 03
Prof. 04
Prof. 05
Prof. 01
Prof. 02
Prof. 03
Prof. 05
Quadro 08: Avaliação das formas variantes de representação do acusativo anafórico
de 3ª pessoa – docentes CE
Classificação
Variantes
Clítico
Pronominal
SN
Idêntico
SN
Sinônimo
Pronome
Nominativo
Objeto
Nulo
Excelente
Prof. 06
Prof. 07
Prof. 08
Prof. 09
Prof. 10
Prof. 07
Prof. 08
Prof. 10
Muito Bom Prof. 07
Prof. 08
Prof. 06
Prof. 09
Bom Prof. 06
Prof. 10 Prof. 08
Ruim Prof. 09
Prof. 06
Prof. 07
Prof. 09
Prof. 10
Prof. 06
Prof. 07
Prof. 08
Prof. 09
Prof. 10
A análise das respostas dadas pelos professores aos questionamentos diretos e a
observação da avaliação de sentenças de representação do fenômeno sistematizada nos
quadros 7 e 8, comparadas ao perfil acadêmico-profissional dos docentes demonstrado nos
118
quadros 05 e 06, permitem tecer determinadas considerações acerca da dinâmica formação-
atuação profissional.
É possível perceber que o maior nível de consciência linguística acerca do tema de
variação e normas, com reconhecimento dos aspectos que se revelam nos campos da prática e
da idealização, assim como o reconhecimento da importância da promoção de um estudo
reflexivo que extrapole os níveis da estrutura linguística e valide a interação com aspectos
textuais no progresso do aluno têm relação com a especificidade da formação acadêmica dos
docentes, tendo em vista que os professores 04 (CN) e 05 (CN), conforme o perfil descrito,
apresentam experiência acadêmica continuada. Tais professores relataram que, no momento da
aplicação do teste, estavam cursando disciplinas em curso de pós-graduação nos níveis de
mestrado e doutorado no qual se discutiam conceitos teóricos correlatos aos tratados nesta
investigação, promovendo reflexão a respeito dos temas sobre variação e ensino no âmbito da
Língua Portuguesa. Em contrapartida, verifica-se alto grau de conservadorismo em professores
cuja formação data de mais de 10 anos passados, não tendo desenvolvido atividades
acadêmicas que ancorem suas práticas dentro da atualidade do ensino de Língua Portuguesa;
nesse contexto, enquadram-se os professores 02 (CN), 07 (CE) e 10 (CE).
A relação estabelecida entre avaliação linguística subjetiva docente e seu perfil
acadêmico-profissional confirma a proposta apresentada pelos PCN (BRASIL, 1998) e
reforçada pela BNCC (BRASIL, 2018), que salienta a importância da formação docente
continuada, validando-se as práticas de estudo e pesquisa para aprimoramento da atividade
docente, o que permite desenvolver nos alunos um caráter reflexivo a respeito de sua própria
língua.
4.1.2. A perspectiva discente
Conforme descrito em seção anterior, a observação da avaliação linguística subjetiva
dos alunos do CN foi realizada por meio de grupos formados de acordo com a média final dos
alunos 3º ano/2018 do CN, na disciplina Língua Portuguesa. Reitera-se, portanto, que a análise
a ser exposta se faz a partir dos três grupos formados, sejam eles Grupo A (8,0 – 8,6), Grupo B
(6,9 – 7,5) e Grupo C (5,3 – 5,9).
119
Considerando-se a totalidade de alunos10
que compõem os grupos formados para esta
etapa da investigação, notou-se importante diferença nas crenças construídas nos dois
momentos considerados do curso escolar. A análise das respostas dos alunos demonstrou que,
ao cursarem o primeiro ano, o parecer positivo acerca da própria escrita era bem mais
representativo do que ao fim do ensino médio. Das respostas dadas pelos 36 alunos em 2016,
observaram-se 20 pareceres positivos, sem justificativa, a respeito da própria escrita, enquanto
que, ao serem questionados novamente sobre sua escrita, ao cursarem o terceiro ano do E.M.,
em 2018, somente 07 alunos responderam que consideravam escrever bem. Desses 07 alunos
que, em 2018, declararam escrever bem, apenas 02 apresentaram justificativa para suas
respostas, sendo elas “ter boas notas e gostar de escrever” (Al. 10-3C) e “passo meu ponto de
vista de maneira concisa sem lançar mão da informalidade” (Al. 05-3A) − ressalte-se que os
referidos alunos compunham, respectivamente, o grupo A e C. Dessas justificativas, é possível
depreender que a percepção dos alunos sobre sua própria escrita está relacionada ao resultado
avaliativo a ser alcançado; além disso, estabelece-se uma estreita relação entre escrita e
formalidade, na crença de que a informalidade seria um caráter reservado aos discursos orais.
Quanto às respostas negativas, somente quando da aplicação no terceiro ano os alunos
apresentaram justificativas, cujos motivos estavam alinhados àqueles apresentados nas
respostas positivas. Dessa maneira, os alunos sinalizaram crenças sobre “escrever bem”
sempre relacionadas ao atendimento ao padrão normativo característico do suporte didático
utilizado em meio escolar e às crenças que se revelaram presentes em meio aos professores da
instituição, que, apesar de terem declarado considerar “boa” a escrita dos alunos do CN,
revelaram, por diversas vezes, orientações tradicionalmente normativas Assim, para
autoavaliação negativa sobre a escrita, observaram-se justificativas como as seguintes: “tenho
vários erros gramaticais” (Al. 12-3B); “ainda posso melhorar a gramática” (Al 07-3A); “não
domino imensa parte da norma culta, cometendo diversos erros” (Al 10-3A), “não sei todas a
regras da norma culta” (Al. 11-3A); “não sei expressar, por meio da escrita, aquilo que penso
de forma clara ou com rebuscamento” (Al. 03-3A) e “não consigo unir ideias e argumentos”
(Al. 06-3A).
A partir das justificativas dos alunos, é possível perceber a influência das crenças
construídas pelos professores na formação das crenças dos alunos sobre sua própria escrita. A
10
Na descrição que se faz para análise da avaliação linguística subjetiva discente, os alunos serão identificados
pela abreviação “Al.” juntamente à numeração atribuída (sem qualquer hierarquia) aos membros de cada
grupo, ano escolar e grupo específico; tome-se como exemplo a identificação Al. 01-1A: Al. (aluno) 01- 1 (1º
ano do ensino médio) e A (grupo A).
120
autoavaliação discente sobre a escrita demonstra os mesmos aspectos que se destacaram como
norteadores da prática da maioria dos docentes que colaboraram com esta pesquisa. Revelam,
igualmente, falta de discernimento entre a noção de gramática como faculdade linguística e
tópicos gramaticais desenvolvidos e ensinados em meio escolar, associação da escrita à
formalidade, concepção de um só Português correto a ser atingido, além do reconhecimento da
interação entre aspectos discursivo-textuais e linguístico-gramaticais.
Conforme mencionado anteriormente, no que se refere ao questionamento “Como você
acha que deve ser a escrita do indivíduo culto?”, conta-se com o parecer unicamente de alunos
do terceiro ano, tendo em vista que, à época de aplicação dos testes no primeiro ano, este
questionamento não tinha sido realizado. A esse respeito, os alunos demonstraram,
novamente, reflexo do que se percebeu majoritariamente nas crenças construídas pelos
docentes, revelando visão polarizada da língua e acreditando na existência de uma norma
correta como objetivo de todo o processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa.
Dentre as respostas dadas pelos alunos, destacam-se pareceres acerca da escrita culta como os
seguintes: “deve ser de acordo com a gramática normativa” (Al. 06-3B), “mínimo de erro
possível” (Al. 07-3B), “deve seguir as regras gramaticais da Língua Portuguesa” (Al. 02-3A),
“deve evitar os desvios gramaticais” (Al. 04-B), “deve seguir a norma padrão da gramática
normativa” (Al. 07-3C), “buscando respeitar o máximo do padrão” (Al. 04-3C). Observaram-
se apenas três respostas que destoavam da maioria, por considerar o aspecto discursivo-textual
e, de modo superficial, mostrar certo reconhecimento de um caráter variável no funcionamento
da língua: “adequada à situação” (Al. 12-3C), “contextualizada com argumentos coerentes”
(Al. 08-3C), “de modo que o indivíduo que esteja lendo o texto possa entender” (Al. 11-3C) e
“bem estruturada com ideias claras e bons recursos linguísticos” (Al. 06-3A).
A análise das respostas diretas apresentadas pelos alunos permitiu perceber que,
independentemente dos grupos formados com base no rendimento acadêmico ao fim do
terceiro ano, eles constroem crenças que sustentam uma visão polarizada da língua. Nesse
sentido, verifica-se que o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido não leva os
estudantes à compreensão das normas urbanas de prestígio, nos termos de Faraco (2008), por
meio da qual não se deve criar uma visão estereotipada da língua, a partir da dicotomia certo x
errado. Foi possível depreender que, na concepção dos estudantes, haveria uma única norma
correta correspondente ao padrão idealizado, com associação biunívoca entre formalidade e
escrita, mesmo que reconheçam a existência de outras possíveis normas que teriam lugar fora
121
do ambiente escolar, reservada aos contextos supostamente de informalidade, distanciando
seus usos cotidianos do que deve ser “aprendido” na escola.
No que se refere à avaliação das formas alternativas de representação do acusativo
anafórico de terceira pessoa, de modo geral, o clítico acusativo e o SN anafórico foram as
formas mais bem avaliadas pelos alunos, sendo representativa nos grupos a classificação entre
bom e excelente; a variante nula e o pronome nominativo em função acusativa, receberam
classificações diversas entre excelente, bom e ruim.
A classificação “excelente” ao emprego do clítico acusativo foi percebida nos três
grupos de alunos. Vale destacar que, no que se refere ao grupo A, todos os alunos, nos dois
períodos de aplicação do teste (2016 e 2018), consideraram excelente o emprego de tal forma.
Para essa estratégia de representação do fenômeno, a classificação “ruim” só foi identificada
nos testes aplicados em 2018 (3º ano E.M.), entre os alunos dos grupos B (3 alunos) e C (1
aluno). Vale destacar que nenhum dos alunos do grupo C classificou o emprego do clítico
pronominal como “excelente”, apesar de dois alunos desse grupo o terem feito em 2016, tendo
passado a classificá-lo como bom em 2018. Observe-se a tabela 01, referente à avaliação
discente acerca das formas alternativas de representação do fenômeno:
Classificação
atribuída
Distribuição de alunos por classificação (valor absoluto – percentual)
2016 – 1º ano E. M. 2018 – 3º ano E. M.
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo A Grupo B Grupo C
Excelente 12 – 100% 9 – 75% 2 – 17% 12 – 100% 5 – 42% –
Bom – 3 – 25% 10 – 83% – 4 – 33% 11 – 92%
Ruim – – – 3 – 25% 1 – 2%
Total 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100%
Tabela 01: Avaliação discente da variante clítico acusativo
No que se refere ao emprego do pronome nominativo em função acusativa,
confirmando-se hipótese previamente postulada, a classificação “ruim” esteve presente nos
três grupos de alunos em questão, nos dois momentos de aplicação do teste, tendo sido
122
considerado pelo grupo C “bom” por dois alunos, não coincidentes, em 2016 e 2018, havendo,
neste grupo, apenas dois casos de classificação “excelente” em 2016. Quanto ao grupo B, a
classificação dada a tal estratégia oscilou entre “bom” e “ruim”, havendo apenas dois casos de
classificação “excelente” no grupo C em 2016. Observe-se, a seguir, tabela demonstrativa das
classificações atribuídas ao pronome nominativo em função acusativa:
Classificação
atribuída
Distribuição de alunos por classificação (valor absoluto – percentual)
2016 – 1º ano E. M. 2018 – 3º ano E. M.
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo A Grupo B Grupo C
Excelente – – 2 – 17% – – –
Bom – 12 – 100% 2 – 17% 1 – 8% 8 – 67% 2 – 17%
Ruim 12 – 100% – 8 – 66% 11 – 92% 4 – 33% 10 – 83%
Total 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100%
Tabela 02: Avaliação discente da variante pronome nominativo
A análise da avaliação qualitativa realizada pelos alunos a respeito do emprego do
clítico pronominal e do pronome nominativo para representação do fenômeno em foco nesta
pesquisa demonstra, de modo geral, correspondência com as orientações que se observam nos
manuais normativos, tecendo avaliação positiva para o emprego do clítico pronominal e
negativa para o emprego do pronome nominativo em função acusativa, sendo as estratégias,
respectivamente, prestigiadas e estigmatizadas em meio escolar.
Quanto à variante SN referencial, de modo geral, a avaliação dos alunos oscilou entre
bom e ruim, atribuindo tal classificação, em maioria, respectivamente, ao SN sinônimo e SN
idêntico. Vale destacar o comportamento diferenciado dos alunos do terceiro ano, do grupo A,
dentre os quais a maior parte, assim como os demais, classificou o SN idêntico como ruim,
mas para o SN sinônimo atribuíram, em totalidade, a classificação excelente. Acredita-se que a
avaliação negativa tecida pela maior parte dos alunos a respeito do SN idêntico se justifique
pelas orientações veiculadas em meio às aulas de produção textual, por meio das quais se
recomenda evitar as repetições, motivando a diversificação vocabular. Pode-se observar o
123
detalhamento desses resultados nas tabelas a seguir correspondentes à avaliação dos alunos a
respeito do emprego da variante SN anafórico.
Classificação
atribuída
Distribuição de alunos por classificação (valor absoluto – percentual)
2016 – 1º ano E. M. 2018 – 3º ano E. M.
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo A Grupo B Grupo C
Excelente – – – – – –
Bom 12 – 100% 10 – 83% 10 – 83% 3 – 25% 4 – 33% 6 – 50%
Ruim – 2 – 17% 2 – 17% 9 – 75% 8 – 67% 6 – 50%
Total de alunos 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100%
Tabela 03: Avaliação discente da variante SN referencial idêntico
Classificação
atribuída
Distribuição de alunos por classificação (valor absoluto – percentual)
2016 – 1º ano E. M. 2018 – 3º ano E. M.
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo A Grupo B Grupo C
Excelente 1 – 8% 2 – 17% – 12 – 100 % 3 – 25% 1 – 8%
Bom 11 – 92% 10 – 83% 12 – 100% – 9 – 75% 11– 92%
Ruim – – – – – –
Total de alunos 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100%
Tabela 04: Avaliação discente da variante SN referencial sinônimo
O grupo A no terceiro ano diferenciou-se dos demais também quanto à classificação da
variante nula para anáfora do objeto direto, pois, nos dois momentos de aplicação do teste, tais
alunos, por unanimidade, avaliaram essa estratégia como “ruim”, comportamento opostamente
diferenciado das avaliações tecidas, em 2016, pelo grupo B, no qual todos os alunos avaliaram
tal variante como boa; dentre os demais alunos, a avaliação dessa forma de anáfora oscilou
entre “bom” e “ruim” de maneira equilibrada. Observe-se a distribuição das avaliações:
124
Classificação
atribuída
Distribuição de alunos por classificação (valor absoluto – percentual)
2016 – 1º ano E. M. 2018 – 3º ano E. M.
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo A Grupo B Grupo C
Excelente – – – – – –
Bom – 12 – 100% 5 – 42% – 9 – 75 % 7 – 59%
Ruim 12 – 100% – 7 – 58% 12 –100 % 3 – 25% 5 – 42%
Total de alunos 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100% 12 – 100%
Tabela 05: Avaliação discente da variante objeto nulo
Acredita-se que as crenças dos alunos interpretadas a partir das respostas dadas às
perguntas diretas e da avaliação das sentenças revelem influências diferenciadas de acordo
com suas experiências, modificadas no decorrer dos dois períodos considerados. Acredita-se
que, em 2016, ao cursarem o primeiro ano do E.M., suas crenças referentes à escrita ainda
sofriam bastante influência dos referenciais correspondentes ao processo seletivo pelo qual
tinham acabado de passar, visando atendimento ao padrão culto idealizado em que o domínio
de regras e padrões normativos se fazia como o principal objetivo a ser alcançado. Em 2018,
ao cursarem o terceiro ano, principalmente no que se refere aos alunos componentes do grupo
B, verifica-se que suas crenças linguísticas estão direcionadas de fato ao que acreditam
produzir, e não necessariamente ao que desejam produzir. Além disso, vale destacar que a
aplicação do teste em 2018 foi precedida de sensibilização dos alunos, de modo a fazê-los
refletir sobre o tema da variação linguística com emprego de formas variadas em diversos
contextos da modalidade escrita, na tentativa de desconstruir a visão polarizada da língua que
se fizesse presente também na concepção discente. Nessa perspectiva, vale considerar, aqui, a
relevância do conceito de comunidade de prática (ECKERT, 2003) para a análise dos
resultados obtidos, tendo em vista que tanto a avaliação quanto os usos revelados apresentam
identidade de acordo com grupos segmentados pelo ano escolar e pelo grupo de rendimento
acadêmico do qual fazem parte os alunos.
Quanto ao comportamento dos grupos na etapa de avaliação das sentenças, vale
destacar, ainda, uma particularidade do grupo A, em que constam os alunos de maior
rendimento acadêmico: dentro da realidade do CN, os alunos são organizados por
“antiguidade”, o que se define de modo quantitativo a partir das médias obtidas nas disciplinas
125
acadêmicas e demais atividades militares, determinando a colocação na qual ingressarão no
curso de Formação de Oficiais da Escola Naval, ao fim do ensino médio. Com isso, os alunos
“mais antigos”, sendo dentre eles 10 dos 12 que compõem o grupo A, têm total interesse em
manter seu status acadêmico e, com isso, dispensam grande preocupação em adequar-se ao
padrão idealizado da Língua Portuguesa, tendo em vista que, a partir da interpretação das
crenças e atitudes dos professores, foi percebido que este, de certo modo, ainda é o norte que
utilizam como critérios de correção das avaliações. Nesse sentido, entende-se que, de modo
geral, há proximidade entre o caráter avaliativo das sentenças traçado pelos grupos A e C;
mesmo que não se percebam equivalências percentuais quanto às avaliações apresentadas,
esses grupos apresentam apreciações que demonstram esforço em adequar-se ao padrão
normativo, por motivos diferenciados – o grupo A, buscando manter-se em posição
hierárquica já alcançada, e o grupo C com a intenção de mudar a sua posição e elevar seu
status acadêmico. Dessa maneira, ambos os grupos demonstraram alta representatividade de
avaliação positiva ao que é reconhecido tradicionalmente e veiculado nas aulas, como o
emprego do clítico pronominal e o uso do SN referencial (não reconhecido nos compêndios,
mas apresentado como estratégia para diversificação vocabular). Em caráter diferenciado, as
avaliações tecidas pelo grupo B demonstraram caráter mais heterogêneo em relação ao que se
prescreve normativamente e às formas que se revelam como representativas do uso.
Caracteristicamente, os alunos do grupo B encontram-se em situação “confortável” na
hierarquia estabelecida, não demonstrando muita preocupação em alcançar os primeiros
lugares de status acadêmico, principalmente no 3º ano do E. M.
Na próxima seção, serão expostos os resultados referentes à análise do emprego das
formas linguísticas pelos alunos do CN, para que se possam depreender suas atitudes
linguísticas quanto à variação na qual se insere a representação anafórica do acusativo de
terceira pessoa, reveladas a partir da escrita em produções textuais avaliativas.
Posteriormente, será feita a análise comparativa entre as crenças explicitadas nos testes de
avaliação e as atitudes que se manifestam nos usos linguísticos em meio escolar, de acordo
com a realidade considerada nesta investigação.
4.2 Os usos linguísticos
Nesta seção, apresenta-se a análise dos dados coletados nas redações escolares
produzidas por alunos do terceiro ano do ensino médio do Colégio Naval, a fim de se
126
observarem as atitudes linguísticas que se traduzem nos usos referentes às formas alternantes
aqui consideradas para representação do acusativo anafórico na escrita discente.
Serão expostos os resultados alcançados com a análise variacionista do corpus formado
para esta investigação, referentes à distribuição dos dados coletados (Subseção 4.2.1) e à
análise multivariada desenvolvida com o pacote de programas Goldvarb-X, considerando,
como valor de aplicação, a variante de maior prestígio para a representação do objeto
anafórico de 3ª pessoa, o clítico pronominal (Subseção 4.2.2). Em seção posterior, procede-se
à realização de uma interseção entre as apreciações que se fizeram possíveis a partir da análise
dos dados obtidos e do material referente à avaliação linguística de professores e alunos acerca
do objeto de estudo desta pesquisa, em meio aos temas de variação e normas no ensino da
Língua Portuguesa.
4.2.1 Distribuição dos dados
Inicialmente, torna-se extremamente relevante esclarecer que os resultados
apresentados no que se refere à distribuição dos dados no corpus de análise demonstram
ocorrências de anáfora de todos os casos de objeto direto, incluindo o emprego do pronome
demonstrativo (retomada de proposição), com o objetivo de se traçar um perfil geral de como
o fenômeno se apresenta nos textos analisados. No entanto, conforme já mencionado na seção
de metodologia, essas estruturas não foram consideradas na execução da análise multivariada
dos dados, tendo em vista fazerem referência a antecedentes proposicionais em sua ampla
maioria. Ratifica-se que, caracteristicamente, tais contextos não estabelecem concorrência
com os outros fatores da variável dependente e, com isso, fere os princípios considerados para
a definição de uma variável, nos termos de Labov (2008). Tais estruturas serão
exemplificadas posteriormente ao longo desta seção.
Conforme também se esclareceu na metodologia, quanto ao estudo dos usos, realizou-
se, primeiramente, o levantamento das estratégias de representação anafórica apenas das
redações produzidas pelos 36 alunos que participaram dos testes de avaliação. Tendo sido
registradas ocorrências de objetos diretos anafóricos de 3ª pessoa em número insuficiente, foi
ampliada a amostra contando com o maior número de redações disponíveis.
Assim, a análise das ocorrências de representação anafórica do acusativo de terceira
pessoa na escrita escolar com base apenas nos 72 textos produzidos pelos alunos considerados
127
para a formação dos grupos de rendimento acadêmico do CN, conforme descrito
anteriormente. Na Tabela 06, encontram-se os resultados referentes aos 24 dados de objetos
diretos produzidos pelos 36 alunos, ao cursarem 1º ano do Ensino médio do CN; na Tabela 07,
os 15 dados produzidos pelos mesmos 36 alunos, ao cursarem o 3º ano do Ensino Médio do
CN.
Forma de representação do
acusativo anafórico de 3ª
pessoa
Ocorrências por grupos de rendimento acadêmico
(valor absoluto - %) Grupo A Grupo B Grupo C Total
Clítico acusativo 2/12 – 17 % 2/4 – 50 % 2/8 – 25% 6/24 – 25%
SN anafórico 6/12 – 50% 2/4 – 50 % 5/8 – 62 % 13/24 – 54%
Pronome nominativo 1/12 – 8 % – – 1/24 – 4%
Objeto Nulo – – – –
Pronome demonstrativo 3/12 – 25 % – 1/8 – 13% 4/24 – 17%
Tabela 06: Distribuição das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa nas redações
dos alunos que compõem os grupos de rendimento acadêmico: 1º ano E.M - 2016.
Forma de representação do
acusativo anafórico de 3ª
pessoa
Ocorrências por grupos de rendimento acadêmico
(valor absoluto – %) Grupo A Grupo B Grupo C Total
Clítico acusativo 1/7 – 14% 2/3 – 67% 4/5 – 80% 7/15 – 47%
SN anafórico 3/7 – 43% 1/3 – 33% 1/5 – 20% 5/15 – 33%
Pronome nominativo – – – –
Objeto Nulo 3/7 – 43% – – 3/15 –
20%
Pronome demonstrativo – – – –
Tabela 07: Distribuição das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa nas redações
dos alunos que compõem os grupos de rendimento acadêmico: 3º ano E.M - 2018.
As tabelas 06 e 07 demonstram a distribuição das ocorrências de representação do
fenômeno obtidas a partir da coleta de dados em textos de primeiro e terceiro anos do ensino
médio do CN, respectivamente.
Os resultados apresentados pela Tabela 06 demonstram que, no que se refere aos textos
do primeiro ano, a variante SN anafórico se mostrou como aquela de maior produtividade
representando 54% dos dados obtidos, seguida do clítico acusativo (25%). O comportamento
de tais variantes mostra-se invertido no que se refere aos textos do terceiro ano, em que o
clítico pronominal passa a ser a estratégia preponderante, com 47% de expressividade nessa
amostra, e o SN passa a ser a segunda variante mais utilizada, representando 33% dos dados
obtidos.
128
Embora o número de dados obtidos nessa subamostra de redações por desempenho
acadêmico seja reduzido e não permita maiores generalizações, é possível supor que a
inversão na produtividade dessas variantes de acordo com o ano escolar possa estar
relacionada ao comportamento de um dos grupos de estudantes, aquele de menor rendimento
acadêmico. Observando as mudanças no tocante ao grupo C ao se considerar a progressão nos
anos escolares, verifica-se que enquanto no primeiro ano o clítico pronominal foi atestado em
apenas 2 das 8 (25%) ocorrências de acusativo anafórico, no terceiro ano tal variante foi
registrada em 4 das 85 (80%) ocorrências de representação do fenômeno.
Ainda quanto às diferenças que se verificaram em relação ao ano escolar, vale
demonstrar, ainda, o diferente comportamento do clítico pronominal em relação aos grupos de
rendimento acadêmico: no primeiro ano, tal variante demonstrou distribuição equilibrada
entre os três grupos, havendo duas ocorrências para cada um dos grupos; já no terceiro ano,
verificou-se que quanto maior o rendimento acadêmico considerado menos expressivo o
emprego do clítico pronominal, tendo sido registrados para os grupos A, B e C,
respectivamente, 1/15, 2/15 e 4/15 ocorrências. Quanto ao grupo C - 3º ano, esse
comportamento apresenta coerência com a justificativa exposta anteriormente no tocante à
avaliação das sentenças, tendo em vista o interesse em elevar sua posição na hierarquia
construída a partir do rendimento acadêmico dos alunos; com isso, o grupo C demonstra
buscar adequação ao padrão normativo na sua produção escrita. Nesse sentido, fica evidente a
atuação da comunidade de prática na dinâmica do fenômeno linguístico variável, pois o
emprego do clítico pronominal, neste recorte, ganha significado social dentro do grupo de
indivíduos que compartilham um interesse particular e, com isso, manifestam-se
linguisticamente de modo característico.
No que se refere às escolhas das variantes para representação do fenômeno, o grupo A,
o de maior rendimento acadêmico, demonstrou caráter mais variado que os demais, já que, na
totalidade dos dados de 1º e 3º anos, todas as formas foram registradas. No que tange aos
grupos B e C, os usos se distribuíram entre o emprego do SN anafórico e do clítico
pronominal, com exceção do grupo C - 1º ano, em que se registrou uma ocorrência do
pronome demonstrativo. Vale destacar que o pronome demonstrativo, que não foi registrado
nos textos de alunos do terceiro ano, e, nas ocorrências que se verificaram no primeiro ano, foi
empregado para anáfora de antecedente proposicional.
129
Pode-se destacar ainda que, nessa sub-amostra por desempenho acadêmico, foi pouco
expressiva a utilização das variantes pronome nominativo, com apenas um registro no grupo A
no 1º ano, e objeto nulo, verificada somente em 3 ocorrências dentre os textos dos alunos
desse grupo no 3º ano.
Tendo em vista o baixíssimo número de ocorrências por subgrupo de alunos, pode-se
propor apenas que, na totalidade dos dados dessa amostra inicial, os alunos buscam
possivelmente adequar os usos às formas que se fazem presentes na abordagem tradicional,
tendo a maioria como opção a variante SN anafórico (46,2%), forma alternante livre de
estigma normativo, ou o clítico pronominal (33,3%), prestigiada pela tradição gramatical.
Buscando-se sintetizar os resultados obtidos com base nessa amostra inicial formada a
partir dos 36 textos produzidos pelos alunos componentes dos grupos de rendimento
acadêmico, apresentam-se a seguir, em forma de continuum, a produtividade das variantes
manifestas em real perfil de alternância para a representação do fenômeno:
(i) No que se refere à amostra geral, com base na escolaridade dos alunos:
1º ano (2016)
Pronome nominativo Pronome demonstrativo Clítico pronominal SN anafórico
---------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo +produtivo
3º ano (2018)
Objeto nulo SN anafórico Clítico pronominal
----------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo +produtivo
130
(ii) No que se refere aos grupos de rendimento acadêmico em progressão nos níveis
de escolaridade:
Grupo A
1º ano (2016)
Pronome nominativo clítico pronominal SN anafórico
---------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo +produtivo
3º ano (2018)
SN anafórico
Clítico pronominal Objeto nulo
----------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo + produtivo
Grupo B
1º ano (2016)
Clítico pronominal
SN anafórico
---------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo +produtivo
3º ano (2018)
SN anafórico Clítico pronominal
----------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo + produtivo
131
Grupo C
1º ano (2016)
Pronome demonstrativo Clítico pronominal SN anafórico
-----------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo +produtivo
3º ano (2018)
Objeto nulo SN anafórico Clítico pronominal
----------------------------------------------------------------------------------------------
-produtivo + produtivo
A observação dos continua apresentados permite verificar que, nessa amostra inicial, a
tendência geral é o aumento do uso da variante padrão conforme ampliação dos anos de
escolarização dos alunos. Comparando-se os resultados gerais dessa amostra inicial
segmentada por escolaridade, o grupo que mais se aproxima da realidade da comunidade
formada é o grupo C, formado pelos alunos com menor rendimento acadêmico,
subjetivamente mais sensíveis à variante considerada modelar pela escola em produtividade
crescente ao longo da elevação de 1º para 3º ano do E. M., numa forma de buscar ascensão na
hierarquia, acreditando na melhora do rendimento acadêmico por meio da adequação
normativa.
Como nos 36 textos dos alunos que compõem os grupos de rendimento acadêmico
foram coletadas apenas 39 ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa, buscou-se
ampliar a amostra a ser tratada, na intenção de investigar o fenômeno aos moldes do
tratamento estatístico que fundamenta a abordagem sociolinguística variacionista. Nessa nova
amostra (identificada como “amostra principal”), para a observação da representação anafórica
do objeto direto de terceira pessoa, foram consideradas 364 redações escolares11
, com modo
de organização textual predominante dissertativo-argumentativo. Tais textos foram produzidos
11 Para a formação da amostra principal, foi considerada a totalidade de textos produzidos pelos alunos
do terceiro de 2018 do CN, com suas correspondentes produções em 2016, à época em que cursavam o
primeiro ano. Destaque-se que, ao considerar todo o alunado do terceiro ano do CN, o grupo passa a
ser representado majoritariamente por alunos cujas características acadêmicas correspondem àquelas
atribuídas ao grupo B (médias acadêmicas entre 6,9 – 7,5), conforme descrito em seção da
metodologia.
132
pelos alunos do Colégio Naval em dois momentos do curso escolar: em 2016, à época que
cursavam o primeiro ano do E. M. (182 textos), e em 2018, ao fim do curso correspondente ao
terceiro ano do E. M. (182 textos). Dessas redações, foi extraído o total de 187 ocorrências das
seguintes variantes: (i) clítico pronominal, (ii) pronome lexical, (iii) SN anafórico, (iv) objeto
nulo e (v) pronome demonstrativo. Observe-se a tabela a seguir, que demonstra a frequência
de uso dessas estratégias de representação, expostas em ordem decrescente em relação à
produtividade no corpus:
A Tabela 08 demonstra alta produtividade do clítico acusativo na amostra selecionada,
tendo sido registrado em 47,1% das ocorrências coletadas; em sequência, verifica-se
percentual também expressivo da variante SN anafórico, representando 38,5% dos dados do
fenômeno. Com emprego menos expressivo, observa-se a distribuição das ocorrências de
objeto nulo (9,1%), de pronome demonstrativo (3,2%) e de pronome lexical (2,1%). O gráfico
a seguir expõe com maior clareza a distribuição dos dados na amostra principal investigada.
Formas variantes de representação do
acusativo anafórico de terceira pessoa Valor absoluto Valor percentual
Clítico pronominal 88/187 47,1%
SN anafórico 72/187 38,5%
Objeto nulo 17/187 9,1%
Pronome demonstrativo 6/187 3,2%
Pronome lexical 4/187 2,1%
Total 187 100%
Tabela 08: Distribuição geral dos dados de acusativo anafórico de terceira pessoa na amostra principal de
redações escolares de primeiro e terceiro ano do ensino médio do CN.
133
Gráfico 01: Distribuição das estratégias de representação anafórica do objeto direto de
terceira pessoa em redações escolares do CN (amostra principal)
47,10%
38,50%
9,10%
3,20% 2,10%
Clítico Pronominal
SN anafórico
Objeto nulo
Pronome demonstrativo
Pronome lexical
Os resultados obtidos nessa distribuição geral das ocorrências alinham-se aos
apresentados por estudos anteriormente realizados acerca da anáfora do objeto direto em
textos escolares. Machado (2006), ao considerar textos dissertativos, obteve resultados
análogos, sejam eles a alta frequência de uso dos clíticos (41%) e a baixa frequência de
emprego do pronome nominativo em função acusativa (6%). Segundo a autora, tais resultados
seriam característicos do modo de organização discursiva dissertativo em contexto escolar,
tendo em vista comportamento diferenciado da frequência de tais variantes na coletânea de
textos narrativos que considerou − contexto no qual seria prevista maior proximidade à
modalidade oral. Observem-se os exemplos 35 e 36, que ilustram, respectivamente, os
contextos de emprego do clítico acusativo e do pronome nominativo.
(35) Isso gera complicações por todo processo, pois de maneira lógica, o
indivíduo não consegue chegar ao topo sem uma base que o sustente.
(redação 128, 3º ano)
(36) Em lugares como o Rio de Janeiro, o qual há uma grande quantidade de
áreas de risco, existe o fator da marginalização do jovem, tal fato afasta
ele das escolas gerando um zelo menor à educação. (redação 055, 3º ano)
134
A respeito das quatro ocorrências de pronome nominativo em função acusativa, vale
ressaltar que somente a apresentada no exemplo 35 foi produzida por aluno do 3º ano do E.
M., podendo-se inferir atuação da instrução formal normativa, na medida em que se verifica,
no curso mais avançado do E.M., maior esforço em evitar o uso de variante com maior
estigma. Para que se possa visualizar o comportamento da escrita dos alunos quanto às formas
alternantes de representação do fenômeno de acordo com a progressão no curso escolar, a
tabela a seguir apresenta a distribuição geral dos dados em relação à escolaridade dos alunos.
Ano escolar
Formas alternantes de representação do causativo anafórico de terceira pessoa
(valor absoluto − %)
Clítico
pronominal
Pronome
lexical Objeto nulo SN anafórico
Pronome
demonstrativo
1º ano E. M. 54/106 − 51 % 3/106 – 2,8% 6/106 − 5,7% 38/106 – 35,8% 5/106 – 4,7%
3º ano E. M. 34/81− 42% 1/81− 1,2% 11/81 – 13,6% 34/81 − 42% 1/81− 1,2%
Total 88/187 – 47,1 % 4/187− 2,1% 17/187 – 9,1% 72/187− 38,5% 6/187− 3,2%
Tabela 09: Distribuição das formas de representação do acusativo anafórico de terceira pessoa
de acordo com a variável ano escolar (amostra principal).
Conforme se observa na Tabela 09, as outras três ocorrências do pronome nominativo,
listadas a seguir, foram produzidas por alunos do 1º ano E. M.
(37) A discriminação, embora seja um problema antigo é algo bem atual.
Muito se tem discutido sobre formas de combater ela e foi percebido que
um dos melhores lugares para isso é na sala de aula por meio do
professor. (redação 10, 1º ano)
(38) O professor pode estimular a interação de seus estudantes, colocando-os
em situações que um precise do outro. Essa necessidade de ajuda mútua
pode fazer eles verem um outro lado da pessoa discriminada. (redação
64, 1º ano)
(39) Em uma das cenas do filme o menino tinha vergonha dele mesmo e não
queria aparecer diante da turma, o professor observando ele, colocou o
menino em uma posição melhor (redação 123, 1º ano)
135
Observando-se tais dados, verificaram-se contextos diversificados, não permitindo a
afirmação de tendência ou condicionamento linguístico para os usos isolados, sendo possível
apenas a observação de que figuram relacionados a verbos em formas nominais.
A partir da observação da Tabela 09 ganha destaque a diferença constatada entre a
representatividade do clítico pronominal em meio às outras estratégias ao comparar os dois
anos escolares considerados; o clítico pronominal apresenta produtividade mais expressiva no
1º ano, representando 60% das formas empregadas, e 42% no 3º ano, comportamento
diferenciado do que se observa para a variante SN anafórico, representando 42% das
estratégias empregadas nos textos do terceiro ano, e 35 % das observadas nos textos de 1º ano.
Na realidade do corpus de análise, em que se reúnem redações de autoria unicamente
masculina, em virtude do perfil da instituição considerada, o emprego do clítico pronominal
ganha significado a partir da observação do contexto no qual se inserem os alunos, sejam eles
o ano de escolaridade (1º ano – em virtude do concurso recém-prestado, demonstrando maior
habilidade ao emprego de formas tradicionalmente prestigiadas) e o grupo de rendimento
acadêmico (grupo C na busca por melhorar seus resultados acadêmicos e, com isso,
despendendo esforços em adequação ao padrão normativo).
Considerando-se estudos realizados em escolas civis, em que o corpo discente é
composto por indivíduos de ambos os sexos, os índices referentes ao clítico pronominal, tanto
no tocante à avaliação como no tocante ao emprego da forma, podem se manifestar como
resultados diferentes desses aqui apresentados, tendo em vista que, no meio linguístico, as
mulheres, reconhecidamente, apresentam caráter mais sensível às formas de prestígio. Nesse
sentido, vale mencionar os resultados apresentados por Machado (2006), que pôde atestar que
as mulheres com o aumento da escolaridade passam a usar o clítico pronominal com maior
expressividade (com aumento crescente de 12% no quinto ano do ensino fundamental para
61% no terceiro ano do ensino médio), enquanto os homens demonstraram comportamento
instável nos níveis considerados, oscilando entre 12%, 24% e 5% os índices de emprego da
variante ao longo dos três níveis escolares pela autora considerados. Dessa maneira,
compreende-se que a melhor descrição do entrelaçamento dos fatores escolaridade e sexo para
o estudo do fenômeno – a ser explorado em estudos futuros, visto que extrapola os limites
desta investigação – terá muito a agregar à pesquisa linguística.
Sobre o fator escolaridade, vale ressaltar ainda que, no que se refere ao 3º ano, obteve-
se o mesmo número de ocorrências para as variantes clíticos acusativos e SNs, o que
demonstra que, no que se refere aos usos, os alunos desse ano escolar demonstram preferência
136
por variantes que não sejam normativamente desprestigiadas, mas não necessariamente pelo
clítico.
Os resultados de Xavier (2015) e Santana (2016), resguardadas as particularidades de
tendências associadas ao modo de organização narrativo, também corroboram os resultados
aqui obtidos, na medida em que demonstram altos índices de emprego do clítico pronominal e
SN anafórico, havendo nos resultados desses trabalhos predomínio da estrutura nominal.
A respeito do comportamento da variante SN anafórico na amostra aqui selecionada,
vale ressaltar que foram controladas separadamente as ocorrências de SNs idênticos, SNs com
núcleos idênticos acompanhados de determinantes diferentes e SNs sinônimos, tendo sido
posteriormente aglutinados os fatores para considerar uma única variante. Dessa maneira,
observe-se a distribuição relativa aos fatores inicialmente controlados no total de dados em
análise:
Tabela 10: Distribuição das formas de SN anafóricos em redações escolares (amostra principal)
A distribuição das ocorrências dos tipos de SNs utilizados pelos alunos demonstra a
diversificação vocabular que se pretende implementar na escrita; o esforço em evitar a
repetição de termos ocasiona efetivamente o uso de sinônimos, tendo em vista os 25,7% de
emprego dessa estratégia no corpus selecionado. O que se verifica, portanto, é que, no intuito
de evitar a repetição do objeto direto, os alunos não tendem a repetir o termo anteriormente
apresentado, nem mesmo modificando somente o determinante que o acompanha, já que as
ocorrências de SN idêntico (8,6%) e de Determinante diferente + nome idêntico (4,2%)
somam 12,8% das ocorrências de objeto direto anafórico na amostra considerada. A esse
respeito, vale ainda mencionar as diferenças verificadas quanto ao nível de escolaridade dos
alunos, tendo sido observado maior esforço entre os alunos do 3º ano do ensino médio em
evitar o emprego dos SNs idênticos, já que, neste nível escolar, foram identificadas apenas 9
(26%) das 34 estruturas de retomada do objeto direto anafórico por meio do mesmo SN (6/34)
e determinante diferente + mesmo SN (3/34); nos textos de alunos do 1º ano do ensino médio,
Variante Valor absoluto Percentual
SN sinônimo 48/187 25,7%
SN idêntico 16/ 187 8,6 %
Determinante diferente + nome idêntico 8/187 4,2%
Total 72/187 38,5 %
137
foi verificado um número um pouco mais expressivo dessas variantes, que somadas
correspondem a 15 (39%) das 38 ocorrências de retomada do objeto direto por meio de SN
anafórico, sendo 10 ocorrências de SN idêntico e 5 de determinante diferenciado + SN
idêntico. Esse comportamento assemelha-se aos resultados de Santana (2016) para o 9º ano do
ensino fundamental, que atestou 33,9% de emprego de SNs idênticos e semelhantes em textos
escolares narrativos. Observem-se os exemplos 40 e 41, que podem demonstrar o emprego dos
tipos de SN, respectivamente, mais e menos representativo dentre as estratégias escolhidas
pelos alunos para representação do fenômeno aqui em foco.
(40) Hoje há um mal muito grande na sociedade, que é o preconceito, e através
dessa grande influência do mestre pode-se diminuir muito essa
discriminação. (redação 09, 1º ano)
(41) Outro problema enfrentado pelos jovens é a ausência de apoio efetivo de
psicólogos ou profissionais assemelhados que possam ajudar esses jovens
que tenham problemas pessoais em casa (redação 129, 3º ano)
No que se refere à variante objeto nulo, os resultados demonstram maior
expressividade entre os alunos do 3º ano do E.M., correspondendo a 13,6% das estratégias
empregadas neste ano escolar, contra apenas 5,7% das utilizadas no 1º ano. Esses resultados
referentes ao objeto nulo corroboram outros obtidos na perspectiva escolar, pois, assim como
em Machado (2006), Cabral (2016) e Santana (2016), nesta investigação, essa variante foi
apenas a terceira mais utilizada na amostra considerada, conforme se verifica com maior
clareza no Gráfico 02, construído a partir dos resultados expostos na tabela 04 para demonstrar
a gradação entre usos das variantes em cada ano escolar:
138
Gráfico 02: Distribuição geral das formas de representação do acusativo anafórico de terceira
pessoa de acordo com a variável ano escolar (amostra principal).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1º ano 3º ano
Clítico pronominal
Pronome lexical
Categoria Vazia
SN anafórico
Pronome demonstrativo
Observe-se o exemplo 39, que demonstra o emprego do objeto nulo para
representação do acusativo anafórico nos textos escolares analisados.
(42) O Brasil poderia focar seus recursos mais nessa área e utilizar ________
de uma maneira mais eficaz para provê-la (redação 127, 3º ano)
Diante dos resultados apresentados pela Tabela 10 e pelo Gráfico 02, é preciso tecer
algumas considerações a respeito da relação observada entre a escolaridade e o emprego das
formas alternantes de representação do fenômeno, visto que a hipótese de que o aumento da
escolaridade acarretaria maior emprego do clítico pronominal não se confirmou nos
resultados.
Os resultados obtidos permitem inferir que o uso do objeto nulo mais expressivo entre
os alunos do 3º ano do E.M. está associado à menor representatividade do clítico pronominal
nessa fase escolar. Os resultados referentes ao comportamento do clítico pronominal assim
como do objeto direto nos textos do 1º ano, entretanto, aparentemente têm relação com o fato
de que tais alunos, recém-concursados, procuram manter maior alinhamento com as
prescrições normativas, segundo as quais não figura o objeto direto como recomendação para
anáfora do acusativo, assim como se condena o uso do pronome nominativo em função
acusativa, apresentando-se como única forma de representação do objeto anafórico o pronome
átono. Em contraponto, os alunos do terceiro ano, além de terem tido como orientação em
139
aula a possibilidade do objeto direto como opção de anáfora, não demonstram muita
preocupação com os critérios normativos relacionados ao ensino da Língua Portuguesa, tendo
em vista que visam, unicamente, à aprovação dentro da média acadêmica, apara que possam
ingressar automaticamente no curso de formação de Oficiais, na Escola Naval (curso
equivalente ao ensino superior em meio civil). Diante disso, nesse grupo, verificam-se usos
mais diluídos entre as formas alternativas de representação do acusativo anafórico de terceira
pessoa.
Na seção seguinte, serão apresentados os resultados correspondentes aos grupos de
fatores que demonstraram influência para o emprego de determinadas variantes, de acordo
com rodadas multivariadas realizadas por meio do pacote de programas Goldvarb-X.
4.2.2 A análise multivariada dos dados
Tendo sido analisadas particularmente as escassas ocorrências do pronome nominativo
em função acusativa que se manifestaram no corpus e valendo-se da apreciação positiva tecida
tanto por docentes como por discentes em relação ao SN anafórico, acreditando ser esta a
opção dos alunos utilizada como estratégia para evitar repetições vocabulares na representação
do objeto direto anafórico, nesta investigação, optou-se por realizar rodadas multivariadas dos
dados coletados a partir das duas outras estratégias, tomadas como valores de aplicação: o
clítico acusativo e o objeto nulo. A partir desse procedimento, buscou-se averiguar quais são
os fatores que podem exercer influência para o emprego do clítico acusativo na escrita escolar
– pouco natural na variedade brasileira da Língua Portuguesa, mas prestigiado pela tradição
gramatical – e para a representação do acusativo anafórico por meio do objeto nulo – mais
comum à modalidade oral do PB (DUARTE, 1986; AVEBURG, 1998; FREIRE, 2000).
Utilizando-se como valor de aplicação a variante objeto nulo, o programa estatístico
não selecionou qualquer das variáveis controladas como significativa para o condicionamento
do fenômeno em análise nesta investigação. Diante disso, serão apresentados, aqui, apenas os
resultados obtidos pelas rodadas realizadas pelo programa Goldvarb X, a partir do fator clítico
pronominal como valor de aplicação.
É importante relembrar que, nesta fase, a análise prossegue por meio da exclusão dos
contextos de acusativos anafóricos com referentes proposicionais, conforme descrito na seção
de metodologia. Dessa maneira, demonstra-se a distribuição das ocorrências após exclusão de
140
tais estruturas, para que se esclareça a realidade da amostra utilizada na efetivação das rodadas
multitivariadas. Para tanto, observe-se a Tabela 11:
Variantes Valor absoluto Percentual
Clítico pronominal 85/156 54%
SN anafórico 52/156 35%
Objeto nulo 15/156 9%
Pronome nominativo 4/156 2%
Total 156 100%
Tabela 11: distribuição das variantes após exclusão dos dados de acusativos anafóricos
proposicionais no corpus de redações escolares
Observe-se, a seguir, o Gráfico 03, que demonstra a distribuição das ocorrências de
clítico pronominal em comparação ao somatório das demais variantes consideradas nesta etapa
da pesquisa:
Gráfico 03: Distribuição geral das ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa não
proposicional em redações escolares (amostra principal)
46%54%
Clítico Pronominal
Demais estratégias
O gráfico demonstra que, na amostra considerada para análise multivariada, o clítico
pronominal continua a ser a estratégia de maior preferência dos alunos para a representação do
acusativo anafórico de terceira pessoa em oposição às demais estratégias consideradas (o
pronome nominativo, o SN anafórico e o objeto nulo), correspondendo a 85 das 156
ocorrências de representação do fenômeno, o que corresponde a 54% dos dados considerados
para efetivação das rodadas multivariadas.
141
Tendo como valor de aplicação o clítico acusativo (contra as demais formas
alternantes), o programa selecionou como melhor nível de interação estatística a rodada com
significância 0.00 e input .54. Nessa rodada, foram selecionadas duas variáveis como
relevantes ao condicionamento do emprego do clítico pronominal, quais sejam: (a)
animacidade do termo referente e (b) distância entre o termo antecedente e o termo anafórico.
Expõem-se, a seguir, os resultados correspondentes às variáveis selecionadas de acordo
com a ordem de relevância fornecida pelo programa nesta etapa da análise.
a) Animacidade do antecedente
Na amostra selecionada, o caráter animado dos termos referentes demonstrou
favorecimento ao emprego do clítico pronominal, tendo sido o pronome átono desfavorecido,
em contrapartida, pelos termos inanimados, conforme demonstra a Tabela 12.
Animacidade do
antecedente Valor absoluto Percentual Peso relativo
Animado 50/71 70,4% 0.63
Inanimado 35/85 41,2% 0.38
Total 85/156 54,5% −
Tabela 12: Condicionamento da variável “animacidade do termo antecedente” ao emprego do
clítico pronominal em redações escolares de 1º e 3º ano do Ensino Médio do Colégio Naval
Os resultados apresentados na tabela confirmam o favorecimento do emprego do
clítico pronominal pelos contextos de termos antecedentes animados, tendo em vista ter sido
verificada essa tendência em 50 dos 85 dados de clíticos pronominais, o que representou
70,4% dos casos de antecedentes animados retomados por clíticos pronominais, atingindo
peso relativo de .66; em contrapartida, verificou-se o emprego de clíticos em 41,2% dos
dados, correspondentes a 35 das 85 ocorrências de antecedentes inanimados, com peso relativo
0.38, o que torna evidente o forte desfavorecimento dessa variante no referido contexto. Como
ilustração da tendência observada nos resultados estatísticos, apresentam-se os exemplos 42 ,
em que o clítico retoma SN animado, e 43, em que um SN retoma um SN inanimado; os
exemplos demonstram, assim, a representação do fenômeno em estudo com referência à
variável animacidade.
(42) Quando fizer isso, ele servirá de exemplo para as crianças e já estará ajudando-
as a serem pessoas melhores futuramente (redação 124, 1º ano)
142
(43) É inegável que o preconceito afeta, fortemente, a vida dos indivíduos, fazendo
com que esses se sintam oprimidos na sociedade. Quanto a isso, é notório rever
a importância do professor combater esse problema social. (redação 015, 1º
ano)
Estudos anteriores, como Omena (1978) e Duarte (1986), dentre outros, atestaram
influência de antecedentes com traço [+ animado] em favorecer o emprego do pronome
nominativo em função acusativa na fala do PB. Já no que se refere à escrita escolar, os
resultados aqui obtidos juntam-se aos apresentados por Santana (2016), que também
demonstrou preferência dos alunos de 9º ano do Ensino Fundamental pelo clítico acusativo
associado a antecedentes animados. A autora demonstrou 45% de emprego do clítico
pronominal em contextos de antecedentes animados e apenas 8,6% com antecedentes
inanimados. Nesse sentido, vale mencionar, ainda, os resultados de Averburg (1998), ao
demonstrar que, também no que se refere a alunos do 9º ano (8ª série na época), os alunos
passam a preferir o clítico acusativo em lugar do pronome nominativo, nas anáforas do objeto
direto. Esses resultados permitem inferir, portanto, a efetiva influência das orientações formais
via processo de escolarização, tendo em vista que os alunos dispensam esforços para, na
escrita, evitar o emprego do pronome nominativo em função acusativa, variante que se registra
na fala do PB mas vítima de estigma ao longo do processo de ensino-aprendizagem da Língua
Portuguesa com base nas orientações tradicionais.
b) Distância entre o termo antecedente e o termo anafórico
A análise realizada demonstrou maior probabilidade de emprego do clítico acusativo
em contextos cujo antecedente se encontra mais próximo do termo anafórico. Observe-se a
Tabela 13, que apresenta os valores relacionados ao condicionamento do fenômeno
desempenhado pelos fatores da referida variável.
143
Distância entre o termo
referente e o termo
anafórico
Valor absoluto Valor percentual Peso Relativo
Mesmo período 75/111 67,6% .63
Período ≠ / parágrafo = 6/32 18,8% .17
Período ≠ / parágrafo ≠ 4/13 30,8% .29
Total 85/156 54,5% -
Tabela 13: Condicionamento da variável “distância entre o termo referente e o termo anafórico”
ao emprego do clítico pronominal em redações escolares de 1º e 3º ano do Ensino Médio do
Colégio Naval
Conforme demonstram os dados, existe forte favorecimento de emprego do clítico
pronominal quando o termo antecedente e o objeto direto anafórico se encontram no mesmo
período, tendo essa variante atingido peso relativo de .63. O exemplo 44 apresenta o contexto
descrito, favorecedor do emprego do clítico acusativo.
(44) Cada aluno pensa de uma forma diferente e, às vezes, não sabe o conteúdo
ministrado em sala de aula porque não possui um material de qualidade que
o auxilie. (redação 021, 3º ano)
O comportamento identificado da variável distância na amostra em questão corrobora
os resultados apresentados por Xavier (2015) e Santana (2016), que atestaram, com base na
escrita escolar do 9º ano do ensino fundamental, a preferência pelo SN na retomada de
referentes mais distantes. Vale demonstrar que, nesta investigação, o SN também se revelou
altamente expressivo como estratégia de retomada de referentes nessa situação, tendo sido
obtido, em concorrência com as outras estratégias consideradas, 70,5% de SN em contextos de
antecedente e termo anafórico em período diferente, mas mesmo parágrafo, e 76,5% de SN em
contextos de antecedente e termo anafórico em parágrafos diferenciados. Os resultados
correspondentes a tais fatores demonstram que pouco provavelmente o clítico pronominal se
aplica em contextos de maior distância entre o termo referente e o acusativo anafórico, o que
se confirma tendo em vista os pesos relativos de .17 e .29 obtidos pelas variantes
correspondentes a tais contextos.
Vale ressaltar que, dentre os contextos de menor proximidade entre o termo
antecedente e a estratégia de anáfora, o fator de maior distância (período ≠ / parágrafo ≠)
mostrou-se menos desfavorecedor do emprego do clítico pronominal que o fator
correspondente à distância intermediária (período ≠ / parágrafo =), estabelecida
metodologicamente para controle, o que contraria a hipótese inicial considerada para a
variável. De todo modo, acrescentam-se evidências à justificativa de Xavier e Santana, ao
144
declarar que a escolha pelo SN em contextos de maior distância entre antecedente e termo
anafórico seria eficaz no intuito de evitar ambiguidades e garantir nitidez à referência
realizada.
Observem-se, a seguir, os exemplos 45 e 46, que demonstram a anáfora do acusativo
de terceira pessoa em contextos de maior distância entre termo antecedente e termo anafórico:
(45) Durante o Século XX, ocorreu o surgimento de diversos movimentos
sociais que objetivavam uma coisa: combater o preconceito enraizado
na sociedade e integrar-se socialmente a fim de reivindicar seus direitos.
Com expresso na citação do filósofo grego Pitágoras “Eduquem as
crianças para que não seja necessário educar os homens”, a nova geração
é responsável por combater o preconceito enraizado (redação 031, 1º
ano)
(46) O professor tem o papel fundamental de instruir seus alunos a excluir o
preconceito que encontra-se na raiz da sociedade. Fazendo-lhes sair do
senso comum e encontrar a verdade, verdade que está escondida nas
diferenças de cada um. // Quando o professor combate o preconceito o
objetivo torna-se realidade. (redação 037, 1º ano)
Torna-se relevante destacar que, no corpus em análise, não se registraram ocorrências
de acusativo anafórico representado pelo objeto nulo em contexto de maior distância entre os
termos (período ≠ /parágrafo ≠). Os resultados obtidos em referência ao objeto nulo
corroboram a interpretação anteriormente realizada para o comportamento da variável
“distância entre o termo antecedente e anafórico”. O fato de não terem sido registradas
ocorrências de acusativo anafórico em contexto de grande distância entre os termos
relacionados sinaliza a opção dos alunos por formas de anáfora que preservem a clareza do
termo referenciado, argumento que se justifica, de modo geral, pelos poucas ocorrências de
objeto nulo no corpus (17 ocorrências de 187 dados totais do corpus) e, tendo as 14
ocorrências registradas se manifestado em contextos de maior produtividade, representando
82,4% das ocorrências dessa estratégia de representação do fenômeno.
Acredita-se que, em verdade, o emprego do clítico pronominal em contextos de maior
distância entre o antecedente e o acusativo anafórico tenha sido também motivado pela
influência cruzada da atuação de outra variável: forma verbal do predicador. Analisando-se
145
particularmente os dados específicos, verificou-se que, das 12 ocorrências desse contexto de
maior distância entre os termos correferentes, 11 se concretizaram com formas verbais
nominais, dentre as quais se identificaram 2 gerúndios e 9 infinitivos. Reconhecidamente na
literatura acadêmica (AVERBUG, 2000; FREIRE, 2005; MARAFONI, 2010; RODRIGUES-
COELHO, 2011) e também nas gramáticas tradicionais (CUNHA & CINTRA, 2007;
BECHARA, 2009), as formas infinitivas tendem a favorecer o emprego do clítico pronominal
de terceira pessoa, e em posição enclítica.
Nesse sentido, buscou-se verificar a interferência do contexto “infinitivo + ênclise”
como influência cruzada na atuação de outras variáveis para condicionamento do emprego do
clítico acusativo em toda amostra em análise. Para tanto, foi realizado cruzamento entre os
resultados das variáveis “forma verbal do predicador” e “ordem do clítico”. A Tabela 14
apresenta os resultados obtidos com o referido cruzamento.
Forma verbal do predicador
(infinitivo) Valor absoluto Valor percentual
Ênclise ao verbo simples (forma
nominal infinitivo) 37/88 42,1%
Ênclise ao verbo principal (auxiliar
+infinitivo) 17/88 19,3%
Ênclise a verbo simples (forma
nominal gerúndio) 13/88 14,8%
Ênclise a verbo simples (forma
flexionada) 3/88 3,4%
Próclise a verbo simples (forma
nominal infinitivo) 2/88 2,3%
Próclise a verbo simples (forma
nominal gerúndio) 3/88 3,4%
Próclise a verbo simples (forma
flexionada) 13/88 14,8%
Total 88 100% Tabela 14: Cruzamento entre as variáveis forma verbal do predicador e ordem do clítico pronominal
Das 88 ocorrências de acusativo anafórico de terceira pessoa representado pelo clítico
pronominal no corpus, 54 configuram a interação “infinitivo + ênclise”, considerando-se
forma simples e complexa, o que representa, portanto, 61,4 % da totalidade de clíticos
acusativos registrados no corpus de análise, o que sugere possível influência da forma verbal
para o emprego de tal estratégia de representação do fenômeno. Com fins de esclarecimento,
declara-se que, dentre as 34 demais ocorrências de clíticos acusativos que se manifestaram no
146
corpus, 16 apresentaram-se em posição enclítica (13 – predicador gerúndio; 3 – predicador
flexionado) e 18 em posição proclítica (2 – predicador infinitivo; 13 – predicador flexionado;
3 – predicador gerúndio).
Diante de todo o exposto, será abordada, na seção seguinte, a relação existente entre os
usos verificados nas redações dos alunos e a avaliação subjetiva docente e discente, na
realidade do Colégio Naval. Para tanto, considera-se a percepção que demonstraram quanto ao
tema de variação e normas no processo de ensino da Língua Portuguesa, assim como quanto
ao teor variável da representação anafórica do objeto direto de terceira pessoa.
4.3 A avaliação linguística subjetiva e seus reflexos na escrita escolar
Nesta pesquisa, desenvolveu-se uma investigação com base na concepção de que a
temática de variação e normas é aspecto inerente à prática docente, sendo diferenciada
conforme experiências profissionais e acadêmicas a maneira como o assunto é desenvolvido e
transmitido ao público discente. Com plena consciência de que o modo como os alunos
concebem as noções sobre a referida temática influencia na formação de suas próprias crenças
sobre os fatos variáveis da língua e pode interferir nas atitudes linguísticas a serem manifestas
a partir de seus usos, busca-se demonstrar, nesta seção, a relação que se pode depreender entre
a avaliação linguística subjetiva docente e discente – não somente em relação à representação
anafórica do acusativo de 3ª pessoa, mas também sobre a compreensão relativa aos conceitos
de gramática, norma e variação – e os usos linguísticos na própria escrita dos alunos,
analisados a partir de produções textuais avaliativas. Cabe destacar que a relação a ser
estabelecida, no âmbito docente, concentra-se especificamente nas avaliações tecidas pelos
professores do CN em comparação com aquelas apresentadas pelos professores do CE, e, no
âmbito discente, pelos alunos do Colégio Naval, concentrando-se em dois períodos do curso
escolar do mesmo grupo de alunos, o 1º ano e o 3º ano, tendo sido, ainda estabelecidos
subgrupos de acordo com o rendimento acadêmico demonstrado.
Observando-se as respostas dos professores do CN aos testes/entrevistas realizados,
pôde-se verificar que o tratamento dado às formas de representação de fenômenos variáveis
está naturalmente fundamentado nas crenças construídas ao longo de sua formação e de suas
práticas pedagógicas. Foi possível observar que a prática docente quando associada à
experiência científica, fazendo com que o professor possa se atualizar e desenvolver
147
conhecimentos em prol de sua própria carreira acadêmica e profissional, promove maior
consciência linguística sobretudo no tocante à interpretação de temas variáveis no âmbito do
ensino.
A necessidade de atualização e ampliação de perspectivas se fez evidente, sobretudo no
que se refere aos professores com formação concluída em datas mais remotas, pois, longe do
debate linguístico que se insere inevitavelmente no processo de ensino da língua, terminam
por assumir posicionamento, por vezes, sem fundamentação teórico-descritiva, apenas apoiado
em propostas conservadoras. Nesse sentido, considerando-se os perfis traçados entre os
professores do CN e do CE, foi possível perceber que os professores do CE, assim como
alguns professores do CN, compartilham de uma visão polarizada da língua, ainda pautada na
busca por implementar uma norma de rígidos limites, supostamente correta, implicando numa
visão estereotipada da língua, longe da compreensão de normas urbanas de prestígio, nos
termos de Faraco (2008). De modo geral, foi possível observar que, apesar de alguns docentes
demonstrarem conhecimento e certa proximidade ao tratamento científico da variação
linguística, o trabalho realizado fundamenta-se, sobretudo, na necessidade de estabelecer um
padrão idealizado a ser atingido no processo de ensino da Língua Portuguesa de forma
bastante homogênea, destacando-se frequentemente a necessidade de adequação à “norma
ensinada na escola”.
O reflexo de tal posicionamento pedagógico nas crenças formadas pelos estudantes no
processo de ensino-aprendizagem é evidente na medida em que foi possível atestar decréscimo
de parecer positivo do grupo de alunos entrevistados sobre sua própria escrita: 20 no primeiro
ano contra apenas 07 no 3º ano. Esse entrelaçamento entre as crenças docentes e discentes
pode ser compreendido pelas justificativas dadas pelos alunos que associaram
predominantemente “escrever bem” ao atendimento de regras e obtenção de boas notas.
Assim, fica evidente o alinhamento das crenças dos discentes às dos docentes, que, em
maioria, revelaram considerar para a correção dos textos dos alunos atendimento a um padrão
de norma ideologicamente unificada. Essa posição docente em relação ao direcionamento
normativo também se mostrou evidente na fase de correção contemplada no teste aplicado, já
que a única variante sinalizada como erro foi o pronome nominativo, cujo emprego em função
acusativa é condenado em materiais didáticos.
O alinhamento entre percepção docente e discente também foi constatado pela
observação geral da apreciação de sentenças. Observe-se, a seguir, a Tabela 14, demonstrativa
148
da avaliação geral das sentenças, confeccionada em versão sintetizada pelos padrões de
avaliação positivo (excelente, muito bom, bom) x negativo (ruim), considerando a totalidade
de respostas docentes e discentes, para que se possa demonstrar com maior objetividade a
referida relação.
Avaliação
Variantes
Clítico
pronominal SN idêntico SN sinônimo
Pronome
nominativo Objeto nulo
Prof. Al. Prof. Al. Prof. Al. Prof. Al. Prof. Al.
Positiva
5/5
(100%)
1ºano
3/5
(60%)
1ºano
5/5
(100%)
1ºano
-
1ºano
1/5
(20%)
1ºano
36/36
(100%)
32/36
(89%)
36/36
(100%)
16/36
(45%)
17/36
(47%)
3ºano 3ºano 3ºano 3ºano 3ºano
32/36
(89%)
11/36
(31%)
36/36
(100%)
11/36
(31%)
16/36
(45%)
Negativa -
1ºano
2/5 –
40%
1ºano
-
1ºano
5/5 –
(100%)
1ºano
4/5
(80%)
1ºano
-
20/36
(55%)
-
20/36
(55%)
19/36
(53%)
3ºano 3ºano 3ºano 3ºano 3ºano
4/36
(12%)
25/36
(69%)
-
25/36
(69%)
20/36
(55%)
Tabela 15: Avaliação subjetiva de docentes e discentes acerca das formas alternantes de
representação do acusativo anafórico de terceira pessoa em dois anos do Ensino Médio (Colégio
Naval)
Com base nos dados apresentados na Tabela 15, verifica-se que a maior parte das
avaliações positivas de docentes e discentes coincide na medida em que se concentram nas
variantes respaldadas pela orientação didática, sendo o clítico pronominal prescrito
tradicionalmente para anáfora do objeto direto e o SN sinônimo, comumente motivado em
meio às recomendações de diversificação vocabular para a produção textual. O pronome
nominativo em função acusativa, altamente estigmatizado nos manuais didáticos e normativos,
apresenta-se negativamente avaliado por unanimidade entre os professores, havendo entre os
alunos avaliação negativa majoritária, no entanto, com índices menos expressivos (sendo 69%
149
de avaliações do terceiro ano e 55% de avaliações do primeiro ano), o que sinaliza que a
apreciação negativa tecida pelos docentes não demonstra influência tão efetiva sobre a
percepção dos alunos sobre tal variante.
O objeto nulo, variante não apresentada usualmente em manuais didáticos/prescritivos,
mas presente em material de aula do terceiro ano, recebe avaliação majoritariamente negativa
tanto por docentes como por discentes de ambos os anos escolares. Sobre essa variante,
especificamente, vale ressaltar que, mesmo tendo sido expressa em aula do 3º ano como opção
de anáfora do objeto direto e o professor correspondente a tal ano escolar o único a expressar
avaliação positiva a respeito dessa estratégia, os alunos lhe atribuíram avaliação negativa,
revelando que a crença docente positiva não foi determinante na formação de crenças
discentes também positivas em caráter geral.
Considerando a totalidade dos resultados da avaliação nesta investigação, foi possível
perceber que as crenças linguísticas docentes exercem influência sobre as crenças linguísticas
desenvolvidas pelos alunos, revelando-se paralelismo entre as duas categorias de participantes
ao atribuírem valoração às formas de representação do fenômeno variável aqui em estudo.
Esse perfil confirma o que apresenta Aguilera (2008) ao afirmar que as atitudes que os
indivíduos manifestam quanto a valoração ou rejeição de formas da língua tendem a sofrer
influência dos grupos de maior prestígio social, o que, em referência às atividades de ensino
da Língua Portuguesa, pode ser associado ao professor.
Tendo sido observados os aspectos relacionados à formação das crenças dos alunos,
torna-se relevante demonstrar a relação que se estabelece entre tais crenças e suas atitudes
linguísticas no âmbito dos usos observados na escrita das redações avaliativas aqui
consideradas para a composição do corpus em análise. Nessa perspectiva, destaca-se a relação
entre usos e avaliação percebida quanto ao emprego do clítico pronominal e do pronome
nominativo como estratégias de representação do acusativo anafórico, sendo, respectivamente,
a variante mais valorizada e a mais estigmatizada no contexto de ensino da Língua Portuguesa.
Para o clítico acusativo, foram registrados índices altamente expressivos de avaliação
positiva tanto de alunos do primeiro (100%) como de alunos do terceiro ano (88%),
demonstrando crenças discentes compatíveis com prescrições tradicionais; no entanto, a
análise das redações dos alunos entrevistados demonstrou apenas 25% das ocorrências dessa
variante no primeiro ano e 46% no 3º ano. No que se refere ao comportamento dos grupos de
rendimento acadêmico, o Grupo A é o que apresenta a maior discrepância na relação avaliação
positiva – usos para o clítico acusativo, tendo em vista que, nos dois anos escolares
150
considerados, a apreciação apresentada pela totalidade dos alunos componentes do grupo foi
“Excelente”; no entanto, registraram-se baixos índices de emprego dessa variante nesse grupo,
tendo sido 17% das ocorrências no primeiro ano e 14% no terceiro ano (Tabelas 06 e 07).
Quanto à variante pronome nominativo, apesar da preponderância de avaliações
negativas, registraram-se 45% de avaliações positivas no primeiro ano e 31% no terceiro ano.
Nesse sentido, é interessante destacar que, considerando a avaliação das variantes pela
segmentação dos grupos de rendimento acadêmico, o grupo A – 1º ano foi o único segmento
que não teceu qualquer avaliação positiva ao emprego do pronome nominativo em função
acusativa, mas foi nesse segmento em que se registrou a única ocorrência de emprego de tal
variante. No tocante ao emprego do pronome nominativo para a representação do acusativo
anafórico, verificou-se, portanto, que os usos registrados na escrita discente são influenciados
pelas crenças docentes e não tão fortemente pelas suas próprias crenças, pois os textos
revelaram esforço em evitar o uso do pronome nominativo em função acusativa,
demonstrando alinhamento com as crenças docentes reveladas pela totalidade de avaliações
negativas para tal variante. Vale destacar que esse esforço em evitar o emprego do pronome
nominativo na escrita dos alunos não foi correspondente, em contrapartida, ao amplo e
significativo número de ocorrências do clítico pronominal, nem mesmo ao se considerar a
amostra principal, de 156 dados, tendo em vista que, nessa perspectiva, foi observado que o
alto índice de ocorrências do clítico acusativo não se deu necessariamente para evitar o
emprego de outras estratégias de representação do fenômeno, mas sim por representar um
contexto específico de interação entre tal variante e formas infinitivas, tendo em vista 61,4%
(Tabela 13) das ocorrências dessa variante se deu em contextos de “infinitivo-pronome átono”,
configurando ênclise ao predicador infinitivo.
Os altos índices de avaliação discente e docente para o clítico pronominal sinalizam
crenças na intenção de ratificar o “bom uso” da língua por meio de tópicos normativos,
sobretudo no que se refere ao primeiro ano, tendo em vista a recente pressão normativa pela
qual passaram, na época de realização do concurso para ingresso na instituição. No entanto, os
usos registrados demonstram que esse processo não se efetiva por completo, tendo em vista
que, mesmo que haja sucesso em evitar o emprego da variante condenada pelos moldes
prescritivos, a variante valorizada e prescrita tradicionalmente para desempenho da função de
objeto anafórico cede lugar para o SN sinônimo, que se comporta como uma estratégia neutra,
eficiente no cumprimento do propósito de evitar repetições vocabulares. Os gráficos a seguir
demonstram a relação entre a avaliação e o uso correspondente às variantes aqui analisadas.
151
Gráfico 04: relação entre avaliação e usos realizados pelos alunos no 1º ano do Ensino Médio CN
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%
100%
Clít
ico
pron
omin
al
Prono
me no
min
ativ
o
SN id
êntic
o
SN si
nôni
mo
Obj
eto
nulo
Avaliação positiva
Usos
Gráfico 05: relação entre avaliação e usos realizados pelos alunos no 3º ano do Ensino Médio
CN
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Clít
ico
pron
omin
al
Prono
me no
min
ativ
o
SN id
êntic
o
Sn sinô
nim
o
Obj
eto
nulo
Avaliação positivaUsos
Foi possível perceber, portanto, que as crenças linguísticas dos alunos acerca do
fenômeno em estudo demonstram concepções flexíveis, refletindo em aceitabilidade pelo uso
de formas variantes diversas para representação do fenômeno aqui em estudo. Dessa maneira,
é possível inferir que, subjetivamente, os alunos têm consciência da pluralidade de normas a
152
ser observada no processo de ensino da língua portuguesa. Ocorre que, no que se refere à
análise da escrita dos alunos, verificou-se um perfil semelhante entre os dois anos escolares
considerados, com base em usos influenciados pelas crenças docentes, que demonstram a
intenção em implementar uma norma-padrão idealizada em moldes normativos pautado em
dois extremos, sejam eles a valorização do clítico pronominal e a rejeição ao pronome
nominativo para representação do acusativo anafórico, tendo o SN sinônimo como uma
estratégia neutra de representação do fenômeno, mais próxima do vernáculo dos alunos e, por
isso, inevitavelmente bem avaliada por eles e bastante representativa em meio aos seus usos.
Quanto à categoria vazia, pode-se observar que os usos nas redações, principalmente no 3º
ano, refletem a avaliação dos discentes, que não é totalmente negativa. Diferentemente do que
ocorre com a forma nominativa, a categoria vazia ocorre, ainda que em índices baixos. Assim,
independentemente do olhar docente, os alunos passam a registrar na escrita escolar a forma
alternante mais comum na fala brasileira.
Da relação geral que se pode estabelecer entre a avaliação e usos correspondentes ao
fenômeno de representação do acusativo anafórico de terceira pessoa, pode-se depreender
uma distância entre essas duas áreas observadas nesta investigação, que, em verdade, é
resultado de uma concepção de norma bastante homogeneizante em meio ao processo de
ensino da Língua Portuguesa. Ocorre que, por mais que se identifique, conforme determinados
aspectos referentes à realidade de cada grupo docente ou discente, o reconhecimento da
variação linguística, o que se desenvolve em meio escolar continua a ser o ensino de língua
por meio de uma concepção de norma correta (por vezes, “curta”) que sustenta estereótipos e
não promove real ampliação do domínio linguístico do público discente.
Nesse contexto, os resultados da pesquisa podem colaborar com o debate sobre os
limites para a delimitação de uma norma-padrão, construto abstrato necessário em todas as
sociedades, sobretudo nos meios institucionais. Assim, vale mencionar o que apresenta Vieira
(no prelo) ao ressaltar que é urgente o reconhecimento de que a norma-padrão, reguardadas
escolhas por contexto, não é incompatível com heterogeneidade. Padronizar com eficiência
implica ser sensível às condições de produção de cada gênero textual e consequentes
exigências sócio-interacionais dos participantes nos diversos atos discursivos. Nesse processo,
nem sempre os padrões propostos na norma gramatical são efetivamente produtivos nem
mesmo na maioria dos gêneros textuais de circulação social de alto letramento, de modo que
passam a ser exigidos em situações sociais muito particulares. Identifica-se, nesse ponto, a
importância do desenvolvimento de propostas no campo da Sociolinguística Educacional,
153
levando o professor à capacidade não só de conhecimento da pluralidade de normas de uso,
mas também ao desenvolvimento de habilidades que lhe permitam conjugar a orientação
normativa aos padrões linguísticos com os quais o aluno se identifica ou não se identifica..
154
CONCLUSÃO
A investigação aqui realizada teve como objeto de estudo o fenômeno da
representação do acusativo anafórico de terceira pessoa na escrita escolar do Português do
Brasil, e foi desenvolvida sob a perspectiva da Sociolinguística Variacionista. Diante disso,
dentro do espectro variável do fenômeno, o estudo foi realizado a partir de duas frentes de
trabalho, sejam elas: (i) a avaliação linguística subjetiva no âmbito docente e discente quanto
às variantes consideradas para representação do fenômeno e (ii) a análise dos usos linguísticos
registrados em redações escolares produzidas por estudantes em dois momentos do ensino
médio: no início do 1º ano, em 2016, e ao término do 3º ano, em 2018.
Quanto ao contexto da pesquisa, a investigação das crenças linguísticas no âmbito
docente foi realizada por meio da colaboração de professores do Colégio Naval, instituição de
ensino militar subordinada à diretoria de ensino da Marinha do Brasil, e professores de um
colégio estadual do Rio de Janeiro, ambos localizados na cidade de Angra dos Reis-RJ. No
que se refere à avaliação e à produção discente, o estudo foi realizado exclusivamente no
referido Colégio Militar. Dessa maneira, cabe destacar que a investigação foi desenvolvida
com o propósito de análise não somente dos usos referentes à representação do acusativo
anafórico (como clítico acusativo, pronome nominativo, SN anafórico ou objeto nulo), mas
também das concepções linguísticas de alunos e professores que podem exercer influência
sobre tal representação.
Para a realização desta pesquisa, buscou-se, primeiramente, correlacionar as
descrições linguísticas realizadas no âmbito acadêmico àquelas concernentes à prática
docente; para tanto, foram considerados diversos estudos científicos voltados à investigação
do fenômeno em análise, assim como foi verificada a abordagem do tema realizada em
materiais didáticos e em gramáticas tradicionais. De modo geral, os materiais didáticos e
tradicionais analisados apresentam o emprego do clítico pronominal como única forma de
representação do acusativo anafórico de terceira pessoa, sendo o emprego do pronome
nominativo em função acusativa mencionado como forma “incorreta”. Por vezes,
confirmando uma visão polarizada da modalidade (fala versus escrita) e do registro (formal
versus coloquial) da língua, apresentam o pronome nominativo na posição de objeto direto
como próprio da modalidade oral ou reservado a registros coloquiais. O tratamento
dispensado ao fenômeno nas obras didáticas não valoriza ou desenvolve o estatuto da variação
linguística, apresentando abordagem desarticulada do conceito de regras variáveis. Os estudos
155
científicos, entretanto, apresentam a vitalidade de formas alternantes de acusativo anafórico;
enquanto o clítico pronominal, pouco empregado na fala brasileira, fica restrito a contextos
específicos da modalidade escrita, as demais variantes figuram em diversos contextos, com
graus de produtividade diferentes, sendo a forma preferencial na fala vernacular a categoria
vazia.
No âmbito da presente pesquisa, foi possível detectar, primeiramente, o perfil de
crenças dos professores quanto ao tema em análise, em meio a essa disparidade entre o que se
prescreve para o preenchimento do objeto direto e a realidade vernacular, praticada por alunos
e professores brasileiros.
A partir da interpretação dos testes de avaliação linguística subjetiva aplicados junto à
entrevista escrita à qual os professores foram submetidos, percebe-se a relação existente entre
as crenças dos docentes e seu perfil acadêmico-profissional. De modo geral, os professores
apresentaram concepções direcionadas pela abordagem prescritivo-normativa, demonstrando
falta de discernimento entre a noção de gramática como faculdade linguística (gramática
implícita, natural) e orientações tradicionais quanto a tópicos gramaticais (gramática explícita
tradicional). Revelaram-se, portanto, crenças que não validam a variedade de normas urbanas
cultas, aquelas em efetivo uso, o que acaba por inspirar, em sala de aula, um processo de
ensino com vistas ao alcance de um padrão distante do que os próprios indivíduos com alto
grau de letramento perseguem em suas práticas discursivas de fala e até de escrita. Assim, a
natural idealização que envolve a normatização linguística reveste-se de um caráter
absolutamente homogêneo, consoante, por vezes, os modelos de regras únicas a serem
prescritas como tradicionalmente.
Observou-se, no entanto, que tal concepção estanque e polarizada da língua
desenvolvida em meio aos docentes é influenciada por fatores como tempo de formação e
experiência acadêmica, tendo em vista que, quanto mais antiga a data de formação do docente
e quanto mais distante das experiências acadêmicas no âmbito de atualização e
aperfeiçoamento no campo do ensino da língua portuguesa, menor a consciência linguística a
respeito do tema de variação e normas, o que, em consequência, afeta o tratamento conferido
a temas variáveis no ensino da língua. Diante disso, torna-se evidente a necessidade das
práticas de estudo e pesquisa para aprimoramento da atividade docente.
Nesse sentido, vale mencionar as diferenças que se observaram em relação às crenças
e atitudes linguísticas dos professores de acordo com as realidades escolares consideradas. Os
156
professores do CE demonstraram posicionamento mais conservador diante dos
questionamentos refrentes ao tratamento dos temas variáveis em sala de aula, da concepção de
normas e da qualidade da escrita dos alunos. Os professores do CN – sobretudo aqueles cuja
formação é caracteristicamente continuada, conjugando pratica docente à pesquisa científica –
demonstraram maior consciência quanto aos temas variáveis, considerando aspectos não
somente prescritivos em suas concepções de norma e avaliando positivamente a qualidade da
escrita dos alunos,.
Apesar das diferenças que se identificaram em relação às crenças docentes com base
na segmentação por realidade escolar, os professores de ambas as escolas demonstraram
atitudes linguísticas semelhantes frente ao emprego das formas alternantes de representação
do fenômeno. Na fase de correção do texto escolar desenvolvida no teste aplicado,
demonstrou-se determinada aceitação ao caráter variável do fenômeno. No entanto, esse
posicionamento foi observado desde que fossem empregadas formas que não sofrem estigma
conforme orientação tradicional, sejam elas o SN anafórico ou a representação nula; do
contrário, quando do emprego do pronome lexical em função acusativa, o professor, em
ambas as realidades escolares consideradas e sendo eles ligados ou não à perspectiva
científica dos estudos sobre fenômenos da língua, recomenda, a partir da correção, a forma
reconhecida nos manuais para a função acusativa, o clítico pronominal. Na fase de avaliação
das sentenças, o clítico acusativo e o pronome nominativo receberam avaliações,
respectivamente, positiva e negativa, por unanimidade dos professores. Quanto às outras
formas alternantes, menciona-se a avaliação positiva conferida ao SN anafórico, sobretudo ao
se tratar de um SN sinônimo, cumprindo propósito de incentivo à diversificação vocabular na
escrita dos alunos, e a avaliação negativa do objeto nulo (com exceção de 1 professor do CN,
que o avaliou positivamente).
De modo geral, a análise das respostas dadas pelos professores de ambas as
instituições revela que suas crenças linguísticas orientam um trabalho distante do que prevê a
Sociolinguística Educacional, apoiado em concepções normativas com pouco reconhecimento
do caráter variável da língua e das normas que se concretizam no meio escolar. No entanto,
vale ressaltar que, em alguma medida, os professores 01(CN), 3(CN), 04(CN) e 05(CN)
reconhecem que há espaço para adequações linguísticas em determinados contextos também
na escrita. Ocorre que, ao serem comparadas as referidas crenças às atitudes reveladas pelos
professores por meio da avaliação das sentenças, com exceção do professor 04(CN), estas
demonstraram evidente direcionamento prescritivo, tendo em vista avaliação positiva
157
conferida às variantes clítico pronominal e SN sinônimo, conforme orientação didático-
normativa, e negativa às variantes pronome nominativo e objeto nulo, respectivamente
estigmatizados e não mencionados nos materiais didáticos.
No que se refere à avaliação linguística discente sobre sua própria escrita, a
autoavaliação dos alunos foi mais positiva à época que cursavam o primeiro ano, tendo em
vista que, dos 36 alunos que responderam ao questionamento nos dois momentos
considerados, apresentaram parecer positivo como resposta 20/36 no primeiro ano e apenas
07/36 no terceiro ano; vale destacar que, quando apresentadas as justificativas
correspondentes às respostas dadas, os alunos estabeleciam relação com as notas atingidas em
avaliações e atendimento ao padrão normativo. Nesse sentido, é possível verificar a influência
das crenças docentes sobre a formação das crenças discentes, tendo em vista ser esse o
direcionamento demonstrado pelos professores nas suas concepções criadas acerca dos
procedimentos adotados no processo de ensino da língua.
As crenças docentes e discentes se interrelacionam na medida em que o
direcionamento prescritivo-normativo se faz presente na observação de fatos linguísticos. Foi
possível concluir que as crenças observadas no âmbito desta investigação são construídas a
partir de uma concepção polarizada da língua, em que o caráter variável, embora seja
explicitamente reconhecido, fica restrito aos extremos do continuum da variação e da
complexidade de normas. Assim, acaba por não ter efetivo espaço na língua ensinada na
escola para uma padronização que admita algum grau de flexibilidade consoante os contextos
sócio-discursivos. Fica, então, estabelecida uma dicotomia entre fala e escrita, formal e
coloquial, regida pelo que se idealiza normalmente como certo e errado. a partir da criação de
dois lados, onde estariam situados, num extremo, os registros próprios do vernáculo brasileiro
e, em outro, um padrão idealizado a ser alcançado, sobretudo no que tange à modalidade
escrita, vista como homogênea.
As atitudes discentes reveladas a partir do julgamento das sentenças por meio das
quais puderam atribuir valor ao emprego das formas variantes de representação do acusativo
anafórico demonstraram comportamento diferenciado dos alunos de acordo com o grupo de
rendimento acadêmico ao qual correspondiam (Grupo A: notas de 8,0 – 8,6, Grupo B: 6,9 –
7,5 e Grupo C: 5,3 – 5,9) e, ainda, de acordo com o ano escolar em questão. Nesse sentido, os
alunos dos grupos A e C demonstraram avaliação com maior alinhamento às prescrições e
orientações norteadoras do ensino do tema, sendo avaliados positivamente o clítico acusativo
158
e o SN anafórico sinônimo e negativamente o pronome nominativo, o SN idêntico e o objeto
nulo; o grupo B demonstrou avaliações de caráter mais heterogêneo. Esse alinhamento às
prescrições tradicionais como orientador das crenças discentes foi percebido também ao se
considerarem os diferentes anos escolares contemplados, de forma que as crenças dos alunos
do primeiro ano apresentavam avaliações mais expressivas em relação ao atendimento do
padrão culto idealizado, objetivo a ser alcançado, sobretudo no processo seletivo pelo qual
haviam passado recentemente; no terceiro ano, essa noção foi percebida, sobretudo no que se
refere aos grupos A e C, grupos que mantêm preocupação em manter elevada ou elevar a
média acadêmica com vistas à colocação a ser atingida para ingresso na Escola naval -
processo que, de acordo com as crenças demonstradas pelos professores, está condicionado ao
atendimento às prescrições tradicionais.
Ainda como análise das atitudes discentes, foram observados primeiramente os usos
das formas alternantes de representação do acusativo anafórico de terceira pessoa na seleção
de textos de acordo com divisão dos autores por meio dos grupos de rendimento acadêmico.
Nessa etapa da análise, os usos verificados concentraram-se no emprego do clítico acusativo
(25% das ocorrências no primeiro ano e 46,7% das ocorrências no terceiro ano) e do SN
anafórico (54,2% das ocorrências no primeiro ano e 33,3% das ocorrências no terceiro ano).
Para as outras variantes controladas como possibilidades reais de alternância para
representação do fenômeno, foram registradas poucas ocorrências, com baixa
representatividade no corpus em análise, tendo sido o objeto nulo registrado em apenas três
ocorrências no terceiro ano, e o pronome nominativo em uma ocorrência no primeiro ano.
A análise principal dos usos foi realizada com base no corpus formado por 364 textos
produzidos pelos alunos ao cursarem o primeiro e o terceiro ano do ensino médio, dos quais
foram extraídos 156 dados de representação do fenômeno (tendo sido desconsiderados, do
total de 187 ocorrências, os casos de anáfora de objetos proposicionais, para efetivação das
rodadas multivariadas, de modo a contemplar apenas contextos de real alternância de formas
de representação do fenômeno). Nessa etapa da análise, o clítico pronominal demonstrou-se
mais produtivo representando 54% das ocorrências do fenômeno na amostra considerada,
seguido do SN anafórico, com 35% das ocorrências (com destaque ao emprego do SN
sinônimo). Para as outras formas variantes, foram registrados baixos índices percentuais,
sendo 9% para o objeto nulo e 2% para o pronome nominativo. Quanto ao emprego
especificamente do clítico pronominal, vale destacar que o índice mais elevado foi registrado
em redações produzidas pelos alunos do primeiro ano (51% das ocorrências de representação
159
do fenômeno na amostra do primeiro ano contra 42% das ocorrências de representação do
fenômeno na amostra do terceiro ano), contrariando-se a hipótese inicial, que pressupunha a
compatibilidade entre maior escolaridade e maior emprego do pronome átono, Compreende-
se, como já mencionado, que tal comportamento tenha relação com o recente processo de
seleção pelo qual passaram os alunos à época de produção dos textos.
Procedendo-se ao tratamento dos dados por meio de rodadas multivariadas diversas,
foi a abordagem dispensada ao clítico pronominal como valor de aplicação, contra as demais
variantes, que se mostrou esclarecedor. Segundo tal abordagem, foram selecionadas as
variáveis linguísticas “animacidade” e “distância entre o termo antecedente e o termo
anafórico” como estatisticamente relevante. Com isso, observou-se o condicionamento do
emprego do pronome clítico por contextos de antecedentes animados (70,4% das ocorrências
e peso relativo 0.63) e de maior proximidade entre os termos correferentes (67,6% das
ocorrências e peso relativo de 0.63). Nessa etapa da análise, foi possível perceber ainda, por
meio de cruzamentos entre as variáveis forma verbal do predicador e ordem do pronome
átono, que o emprego do clítico pronominal é favorecido pela interação “infinitivo+ênclise”,
tendo em vista 54/88 ocorrências dessa variante terem se manifestado em tal contexto,
ratificando resultados como os obtidos, por exemplo, por Freire (2005) e Santana (2016), que
identificaram a tendência de favorecimento do clítico pronominal com predicadores em forma
nominal infinitiva.
Em análise comparativa, entre as avaliações subjetivas tecidas tanto no âmbito docente
como no âmbito discente e os usos observados nas redações escolares, foi possível chegar à
conclusão de que o teor normativo identificado na formação de crenças linguísticas docentes
exerce influência na formação das crenças discentes tendo em vista avaliação positiva
altamente expressiva tecida por alunos de ambos os anos escolares considerados e todos os
grupos acadêmicos segmentados no que se refere às variantes clítico pronominal e SN
anafórico sinônimo. No entanto, a relação entre essas crenças e os usos revelados por meio
desta investigação tornou evidente que o emprego do clítico pronominal é recuperado
parcialmente pelo processo de escolarização, tendo seu emprego motivado pelo contexto
morfossintático da forma infinitiva do predicador verbal, que propicia o emprego do pronome
átono em posição enclítica. Em verdade, a força normativa, identificada na formação das
crenças observadas, demonstrou exercer influência sobre os usos linguísticos por parte dos
alunos na medida em que os faz evitar o emprego da estratégia mais estigmatizada nos
métodos didáticos e corrigida por todos os professores colaboradores desta investigação, o
160
pronome nominativo em função acusativa, que registrou apenas 2% das ocorrências que
compunham a amostra principal.
Ainda nessa análise comparativa entre crenças e usos linguísticos, no que se refere à
variante objeto nulo, a preponderância da avaliação negativa tanto docente quanto discente –
em menor escala – a ela conferida reflete-se, em certa medida, nos baixos índices de
representatividade de seus usos nas redações (9%), demonstrando não ser essa a estratégia
preferencial para representação do fenômeno em contextos nos quais não se preconiza, pelo
condicionamento descrito anteriormente, o emprego do clítico. Entretanto, cabe sublinhar que
o impacto da avaliação negativa da categoria vazia é menor do que o referente ao pronome
nominativo, claramente estigmatizado socialmente. Assim, independentemente do olhar
docente, os alunos, principalmente no 3º ano, passam a registrar na escrita escolar a forma
alternante mais comum na fala brasileira. Ainda alinhando-se crenças e atitudes discentes,
verificou-se a escolha pelo SN anafórico, sobretudo o sinônimo (30,7% das ocorrências de
representação do fenômeno na amostra principal), como variante mais próxima do vernáculo
dos alunos que atende, ainda, às recomendações para produção textual em evitar as repetições
vocabulares.
De modo geral, esta investigação permitiu verificar que as crenças docentes,
analisadas a partir da avaliação dos professores sobre as formas variantes de representação do
acusativo anafórico de terceira pessoa, mesmo que, despropositalmente, orientam o ensino da
língua de maneira a fomentar a cultura do erro, desvalorizando a pluralidade de normas
linguísticas que convivem em sala de aula e sustentam o estatuto das regras variáveis. Nesse
sentido, vale destacar que, mesmo embasado em materiaiss didáticos que comumente se
apoiam na tradicional metodologia prescritiva, o trabalho realizado no terceiro ano do CN, no
que se refere ao desenvolvimento do tema aqui em estudo, demonstrou um caráter inovador
ao legitimar nas aulas a possibilidade de emprego do SN anafórico assim como do objeto nulo
em contextos de anáfora do acusativo de terceira pessoa; no entanto, os usos dos alunos
terminam por revelar critérios análogos aos do 1º ano, com vistas – em menor expressividade
– ao atendimento ao padrão normativo, salientado como orientador na concepção dos
professores acerca dos procedimentos a serem desenvolvidos no ensino da língua.
Em linhas gerais, a realização desta investigação permitiu reunir informações
relevantes no tocante às crenças e atitudes linguísticas, tanto docentes como discentes, que
convivem em interação no processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa no Brasil.
161
Com os resultados apresentados, foi possível demonstrar (i) como se orienta o trabalho
docente em duas realidades educacionais consideradas no âmbito do tratamento de tópicos
gramaticais imersos em variação linguística, (ii) a relação que se estabelece entre as crenças e
as atitudes dos professores e dos alunos frente à pluralidade de normas que emergem do
funcionamento da língua, sobretudo no que se refere às especificidades da representação do
acusativo anafórico de terceira pessoa, sendo possível analisar, ainda, (iii) suas influências
sobre a formação da norma culta e, em desenvolvimento, expressa por meio da modalidade
escrita escolar e (iv) o funcionamento do fenômeno variável aqui em estudo, acrescentando-se
informações que se somam aos estudos anteriormente realizados sobre os condicionamentos
para o emprego das variantes controladas.
Retomando as considerações feitas na análise sobre o relevante debate acerca dos
limites para a delimitação de uma norma-padrão, destaca-se que os resultados da presente
pesquisa podem contribuir com as reflexões propostas em Vieira (no prelo) quanto à
necessidade de aliar o estatuto da norma-padrão ao princípio variacionista da heterogeneidade
ordenada. De fato, para que a norma escolar atue de forma eficiente no propósito pedagógico
de ampliar o repertório dos estudantes brasileiros, é preciso ser sensível ao continuum de
variantes que também se verifica nos diversos gêneros da modalidade escrita.
Diante do exposto, compreende-se que os resultados obtidos com a continuação
desta pesquisa podem contribuir para o cumprimento dos objetivos da Sociolinguística
Educacional, que propõe desenvolver um processo de progressiva criação de crenças e
atitudes positivas nos alunos em formação sobre seu próprio vernáculo, não deixando o
professor de auxiliá-los quanto ao domínio de outras variedades linguísticas. Desse modo, as
reflexões desenvolvidas a partir deste trabalho podem levar o docente à conscientização de
que também precisa desenvolver crenças e adotar atitudes positivas em relação ao caráter
variável da realidade do Português do Brasil, buscando métodos que os tornem capazes de
lidar não só com a tradição, mas também com soluções inovadoras de forma que os alunos
possam expandir sua competência comunicativa, sobretudo na modalidade escrita, de forma
heterogênea e variável, como inegavelmente se manifesta a língua em toda e qualquer
instância sociointeracional.
162
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172
SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In BAGNO, M.
Linguística da norma. 3 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
SOUZA, E. C de. Crenças e atitudes de professores e alunos no Brasil e na Espanha, sobre variação linguística, 2012. Universidade de Brasília (UnB), Brasília. Tese (Doutorado em linguística)
TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática., 1985.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: proposta para o ensino de gramática. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
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degramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto. p. 121-146, 2007.
______ . Orientações oficiais para o ensino de gramática: uma proposta em três frentes de trabalho. Trabalho apresentado no V Encontro nacional de Licenciaturas (ENALIC), UFRN,
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VIEIRA, S. R. (Org.). Gramática, variação e ensino: diagnose & propostas pedagógicas. 2.
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VIEIRA, S. R. Contínuos de variação em sala de aula: o desafio de propor orientações
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variação linguística. Londrina: EDUEL, no prelo.
173
VIEIRA, S., R.; FREIRE, G. C. Variação morfossintática e ensino de Português. In MARTINS, M.; VIEIRA, S. R.; TAVARES, A. (Org.). Ensino de Português e Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014. p. 81 – 114.
WEINREICH, U; LABOV, W. & HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria da
mudança linguística/ Uriel Weinreich, Wiliam Labov, Marvin I. Herzog; tradução Marcos
Bagno; revisão técnica Carlos Alberto Faraco; posfácio Maria da Conceição A. de Paiva,
Maria Eugênia Lamoglia Duarte. – São Paulo: Parábola Editorial, 2006 [1968].
XAVIER, A. C. M. Acusativo anafórico e normas do português na escola: uma proposta de intervenção para o ensino de gramática. Dissertação (Mestrado) − UFRN, Natal, 2015.
ZILLES, A. M. e FARACO, C. A. (Org.). Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015.
174
APÊNDICES
APÊNDICE A
Teste de avaliação linguística subjetiva aplicado aos docentes
Atividade: Docentes de Língua Portuguesa
FASE 1
Analise o texto produzido por um aluno do terceiro ano do ensino médio, assinalando os aspectos
incorretos/inadequados que se verificarem.
O grande capitalismo, sempre muito ágil, possui a capacidade de se direcionar a diferentes
publico, objetivando incentivar o consumo, e, consequentemente, maior lucro. Ocorre que, a pesada
propaganda também prejudica o ser humano em formação no sentido de seduzir ele ao desejo por
um consumo frequente e sem refletir. No Brasil, país que, apesar de muito combatida, ainda
apresenta alto número de desigualdade social, a publicidade pouco se importa com o resultado do
não atendimento a um anseio das crianças, que muitas vezes pode trazer problemas psicológicos
permanentes, levando a ter uma vida complicada, tendo-se em vista que, na maioria das vezes, sua
única preocupação é com o lucro. Nossas crianças precisam de apoio e orientação, com isso, com o
intuíto de educar nossos pequenos cidadãos ao consumo consciente, influenciando eles de modo
positivo, a escola e a família tem papeis ímpares na formação de um individuo responsável e
respeitador de limites a sociedade.
Em síntese, fica evidente a importância de proteger nossas crianças de um mercado insano
que, de certa maneira, as prejudica, visando alcançar benefício próprio em detrimento de tudo.
Enquanto agente social, é função do poder público, por meio de suas ações, garantir bem estar e
saúde aos brasileiros. Por fim, como segundo Max weber, a educação é ferramenta de coesão social
dos indivíduos; Escola e, sobretudo, a família são os principais responsáveis por bem doutrinar
esses indivíduos com caráter em construção, para que quando adulto contribua para que tenhamos
uma sociedade responsável, avessa a um consumo doentio adepta de um comprar consciente.
Aluno
175
FASE 2
1)No que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, como você define norma?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
2)Para a correção da escrita de seus alunos, você considera estritamente as prescrições tradicionais? Se
não, o que você acha que também precisa ser levado em consideração?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
3)Como você avalia a variação linguística na escrita de seus alunos?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
5)Os alunos deste colégio escrevem bem? Por quê?
__________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
FASE 3
Analise os grupos de sentenças apresentados e atribua uma nota a cada enunciado de acordo com a
adequação à norma culta da Língua Portuguesa
Ruim (1)/ Bom (2) / Muito bom (3) / Excelente (4)
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram-na imediatamente para a sala
dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a caixa imediatamente para a
sala dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a encomenda imediatamente
para a sala dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram ela imediatamente para a sala
dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram imediatamente para a sala dos
formandos.
Os boletins foram entregues aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregaram-se os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregaram os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregou-se os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Os boletins foram entregue aos alunos dentro do prazo determinado.
176
APÊNDICE B
FICHA ACADÊMICO PROFISSIONAL – PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
01) Qual é a sua formação em nível de graduação?
____________________________________________________
02) Em qual instituição de nível superior concluiu o curso de graduação?
____________________________________________________
03) Qual é a sua formação em nível de pós-graduação?
Curso Instituição Área Ano de
Conclusão
Pós-graduação lato
senso
Mestrado
Doutorado
Pós-doutorado
04) Há quanto tempo exerce a função de magistério?
____________________________________________________
05) Você têm experiência com o ensino de Língua Portuguesa em quais áreas?
( )Gramática
( )Produção textual
( )Literatura
06) Detalhe seu nível de experiência de acordo com os níveis de escolaridade nos quais
atuou ao longo de sua carreira.
Curso Período
Ensino fundamental
Ensino médio
Ensino superior
07) Você está desenvolvendo algum trabalho acadêmico no âmbito linguístico ou concluiu
algum recentemente? Se sim, preencha a tabela a seguir.
Área de concentração
Natureza do trabalho
177
APÊNDICE C
Teste de avaliação linguística subjetiva aplicado aos discentes
ATIVIDADE DE LÍNGUA PORTUGUESA
A partir da discussão desenvolvida, responda atenda ao comando das atividades propostas.
FASE 1
1)Você acha que escreve bem?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
2) Como você acha que deve ser a escrita do indivíduo culto?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
FASE 2
Analise os grupos de sentenças apresentados e atribua uma nota a cada enunciado de acordo com a
adequação à norma culta na modalidade escrita da Língua Portuguesa.
Ruim (1)/ Bom (2) / Excelente (3)
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram-na imediatamente para a sala
dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a caixa imediatamente para a
sala dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram a encomenda imediatamente
para a sala dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram ela imediatamente para a sala
dos formandos.
Assim que a caixa de convites chegou, os alunos levaram imediatamente para a sala dos
formandos.
Os boletins foram entregues aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregaram-se os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregaram os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Entregou-se os boletins aos alunos dentro do prazo determinado.
Os boletins foram entregue aos alunos dentro do prazo determinado.
178
APÊNDICE D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - DOCENTES
Prezado(a) Senhor(a),
A referida investigação está sendo desenvolvida por Adriana Lopes Rodrigues Coelho,
aluna do Curso de Doutorado em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, sob a orientação da Professora Silvia Rodrigues Vieira. De modo geral, o trabalho
visa expandir os conhecimentos acerca de como se configura a escrita dos alunos, assim como
as percepções que se constroem no âmbito do ensino da língua materna, tanto por discentes
como por docentes.
Esclarecemos, inicialmente, que sua participação no estudo é voluntária e, portanto,
o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades
solicitadas pela Pesquisadora.
Solicitamos sua colaboração em três momentos: (i) análise de texto de natureza
escolar, (ii) participação de entrevista escrita, respondendo às perguntas concernentes às
atividades de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa e ao seu perfil acadêmico-
profissional e (iii) atribuição de pontuação valorativa a diferentes formas de construção de
enunciados da Língua Portuguesa, correspondentes à aplicação de teste de avaliação
linguística subjetiva. Informamos que a pesquisa registrará as observações assinaladas no
texto oferecido para análise, as informações referentes a sua formação acadêmica e atuação
profissional e, ainda, a sua opinião (ruim, bom, muito bom ou excelente) sobre enunciados
construídos ou não de acordo com o padrão normativo. Também solicitamos sua autorização
para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de Linguística e para publicar
em revistas científicas. Por ocasião da divulgação dos resultados, seu nome será mantido em
sigilo absoluto.
Por fim, informamos que esclarecimentos adicionais que o(a) senhor(a) julgar
necessário poderão ser prestados em qualquer etapa da investigação; frisamos, contudo, que a
qualquer momento que decidir desistir de participar da pesquisa, o material até então coletado
será totalmente descartado.
______________________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável
Considerando que fui informado(a) dos objetivos e da relevância do estudo proposto,
de como será minha participação, dos procedimentos e riscos decorrentes deste estudo,
declaro o meu consentimento em participar da pesquisa, como também concordo que os dados
obtidos na investigação sejam utilizados para fins científicos (divulgação em eventos e
publicações). Estou ciente que receberei uma via desse documento.
___________________, ____de _________de ______.
_____________________________________________
Assinatura do participante
179
APÊNDICE E
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - DISCENTES
Prezado aluno,
A referida investigação está sendo desenvolvida por Adriana Lopes Rodrigues Coelho,
aluna do Curso de Doutorado em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, sob a orientação da Professora Silvia Rodrigues Vieira. De modo geral, o trabalho
visa expandir os conhecimentos acerca de como se configura a escrita dos alunos, assim como
as percepções que se constroem no âmbito do ensino da língua materna, tanto por discentes
como por docentes.
Esclarecemos, inicialmente, que sua participação no estudo é voluntária e, portanto,
o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades
solicitadas pela Pesquisadora.
Solicitamos sua colaboração em (i) atribuir pontuação valorativa a diferentes formas
de construção de enunciados da Língua Portuguesa, correspondentes à aplicação de teste de
avaliação linguística subjetiva, (ii) participar de entrevista escrita, respondendo às perguntas
concernentes às atividades de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa e em (iii) permitir
análise das redações escolares de sua autoria. Informamos que a pesquisa registrará a sua
opinião (ruim, bom, muito bom ou excelente) sobre enunciados construídos ou não de acordo
com o padrão normativo, assim como os usos linguísticos observados nos textos escolares.
Também solicitamos sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da
área de Linguística e para publicar em revistas científicas. Por ocasião da divulgação dos
resultados, seu nome será mantido em sigilo absoluto.
Por fim, informamos que esclarecimentos adicionais que o(a) senhor(a) julgar
necessário poderão ser prestados em qualquer etapa da investigação; frisamos, contudo, que a
qualquer momento que decidir desistir de participar da pesquisa, o material até então coletado
será totalmente descartado.
______________________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável
Considerando que fui informado(a) dos objetivos e da relevância do estudo proposto,
de como será minha participação, dos procedimentos e riscos decorrentes deste estudo,
declaro o meu consentimento em participar da pesquisa, como também concordo que os dados
obtidos na investigação sejam utilizados para fins científicos (divulgação em eventos e
publicações). Estou ciente que receberei uma via desse documento.
___________________, ____de _________de ______.
_____________________________________________
Assinatura do participante