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7 RESUMO A TEMPESTADE GLOBAL DA LEI E ORDEM: SOBRE PUNIÇÃO E NEOLIBERALISMO 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 41, p. 7-20, fev. 2012 Recebido em 15 de dezembro de 2010. Aprovado em 13 de maio de 2011. Loïc Wacquant Este artigo reflete sobre a recepção internacional ao livro Prisões da miséria como reveladora da expansão penal nas sociedades avançadas na década de 2000. Ele revela que a tempestade global da “lei e ordem” inspirada pelos Estados Unidos, que o livro detectou em 1999, continuou a espalhar-se por toda a parte. Na verdade, ela estendeu-se dos países do Primeiro Mundo para os do Segundo Mundo e alterou a política e as práticas de punição em todo o globo de uma forma que ninguém previa e que ninguém teria pensado como possível há cerca de 15 anos. O artigo estende a análise para o papel dos institutos de consultoria (em especial o Manhattan Institute) na difusão das noções de combate ao crime e das panacéias no estilo estadunidense na América Latina como um elemento da circulação internacional dos pacotes de política pró-mercado que alimentam a gerência punitiva da pobreza. O artigo elabora e revê o modelo original do nexo entre neoliberalismo e penalidade punitiva, levando a análise da montagem do Estado na era da insegurança social, desenvolvida no livro Punindo os pobres. PALAVRAS-CHAVE: Justiça Criminal ; tolerância zero; institutos de consultoria; Estado Penal; transferência de políticas; neoliberalismo; globalização. I. INTRODUÇÃO No início da década de 1990, o novo Prefeito republicano da cidade de Nova York, Rudolph Giuliani, lançou a campanha de policiamento conhecida por “Tolerância Zero”, voltada para o combate das desordens de rua e dos pequenos infratores, encarnada pelo notório “lavador de carro”. Nova York logo se tornou uma vitrine para uma agressiva abordagem da aplicação da lei que, a despeito de seus custos extravagantes e da ausência da conexão com a queda da criminalidade, passou a ser admirada e imitada por outras cidades nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Em meu livro Prisões da miséria, publicado pela primeira vez em 1999, traço a incubação e a internacionalização de motes (“a prisão funciona”), teorias (“vidraças quebradas”) e iniciativas (tais como a ampliação do encarceramento, sentenças mínimas obrigatórias, campos de treinamento correcionais e a adoção do toque de recolher para jovens), compondo esse novo “senso comum” punitivo, moldado para controlar as crescentes desigualdade e marginalidade urbanas nas metrópoles (WACQUANT, 2009a). Verifico que uma rede de institutos de consultoria conservadores da era Reagan, liderados pelo Manhattan Institute, forjou-as como arma em sua cruzada para desmantelar o Estado do Bem-estar e, para todos os efeitos, criminalizar a pobreza, tendo como pano de fundo a ampliação da desigualdade econômica e da difusão da insegurança social. Traço sua importação-exportação por meio da ação de políticos obcecados com a visão neoliberal, dos grandes meios de comunicação e dos institutos de opinião pró-mercado que se multiplicaram pela União Europeia, particularmente na Grã-Bretanha de Tony Blair. Por fim, mostro como os intelectuais locais ajudaram a 1 A ser publicado em Thesis Eleven (versão de 27 de fevereiro de 2011); agradecemos ao autor a gentileza de autorizar a tradução para o português do artigo. Este texto baseia-se no posfácio de Prisons of Poverty (WACQUANT, 2009a), a edição revista e ampliada em língua inglesa do livro em francês Les Prisons de la misère (1999). O trabalho original beneficiou-se do apoio de uma bolsa da MacArthur Foundation, do inigualável estímulo intelectual de Pierre Bourdieu e da generosidade profissional de colegas em Criminologia e Penologia de instituições de pesquisa em três continentes. Uma bolsa da Alfonse Fletcher facilitou as revisões do livro, bem como a preparação deste artigo. Tradução de Sérgio Lamarão e revisão da tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 41: 7-20 FEV. 2012

RESUMO

A TEMPESTADE GLOBAL DA LEI E ORDEM:SOBRE PUNIÇÃO E NEOLIBERALISMO1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 41, p. 7-20, fev. 2012Recebido em 15 de dezembro de 2010.Aprovado em 13 de maio de 2011.

Loïc Wacquant

Este artigo reflete sobre a recepção internacional ao livro Prisões da miséria como reveladora da expansãopenal nas sociedades avançadas na década de 2000. Ele revela que a tempestade global da “lei e ordem”inspirada pelos Estados Unidos, que o livro detectou em 1999, continuou a espalhar-se por toda a parte.Na verdade, ela estendeu-se dos países do Primeiro Mundo para os do Segundo Mundo e alterou a políticae as práticas de punição em todo o globo de uma forma que ninguém previa e que ninguém teria pensadocomo possível há cerca de 15 anos. O artigo estende a análise para o papel dos institutos de consultoria(em especial o Manhattan Institute) na difusão das noções de combate ao crime e das panacéias no estiloestadunidense na América Latina como um elemento da circulação internacional dos pacotes de políticapró-mercado que alimentam a gerência punitiva da pobreza. O artigo elabora e revê o modelo original donexo entre neoliberalismo e penalidade punitiva, levando a análise da montagem do Estado na era dainsegurança social, desenvolvida no livro Punindo os pobres.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça Criminal; tolerância zero; institutos de consultoria; Estado Penal;transferência de políticas; neoliberalismo; globalização.

I. INTRODUÇÃO

No início da década de 1990, o novo Prefeitorepublicano da cidade de Nova York, RudolphGiuliani, lançou a campanha de policiamentoconhecida por “Tolerância Zero”, voltada para ocombate das desordens de rua e dos pequenosinfratores, encarnada pelo notório “lavador decarro”. Nova York logo se tornou uma vitrine parauma agressiva abordagem da aplicação da lei que,a despeito de seus custos extravagantes e daausência da conexão com a queda dacriminalidade, passou a ser admirada e imitada

por outras cidades nos Estados Unidos e naEuropa Ocidental. Em meu livro Prisões damiséria, publicado pela primeira vez em 1999, traçoa incubação e a internacionalização de motes (“aprisão funciona”), teorias (“vidraças quebradas”)e iniciativas (tais como a ampliação doencarceramento, sentenças mínimas obrigatórias,campos de treinamento correcionais e a adoçãodo toque de recolher para jovens), compondo essenovo “senso comum” punitivo, moldado paracontrolar as crescentes desigualdade emarginalidade urbanas nas metrópoles(WACQUANT, 2009a). Verifico que uma rede deinstitutos de consultoria conservadores da eraReagan, liderados pelo Manhattan Institute,forjou-as como arma em sua cruzada paradesmantelar o Estado do Bem-estar e, para todosos efeitos, criminalizar a pobreza, tendo comopano de fundo a ampliação da desigualdadeeconômica e da difusão da insegurança social.Traço sua importação-exportação por meio da açãode políticos obcecados com a visão neoliberal,dos grandes meios de comunicação e dosinstitutos de opinião pró-mercado que semultiplicaram pela União Europeia, particularmentena Grã-Bretanha de Tony Blair. Por fim, mostrocomo os intelectuais locais ajudaram a

1 A ser publicado em Thesis Eleven (versão de 27 defevereiro de 2011); agradecemos ao autor a gentileza deautorizar a tradução para o português do artigo. Este textobaseia-se no posfácio de Prisons of Poverty(WACQUANT, 2009a), a edição revista e ampliada emlíngua inglesa do livro em francês Les Prisons de la misère(1999). O trabalho original beneficiou-se do apoio de umabolsa da MacArthur Foundation, do inigualável estímulointelectual de Pierre Bourdieu e da generosidadeprofissional de colegas em Criminologia e Penologia deinstituições de pesquisa em três continentes. Uma bolsada Alfonse Fletcher facilitou as revisões do livro, bemcomo a preparação deste artigo. Tradução de SérgioLamarão e revisão da tradução de Gustavo Biscaia deLacerda.

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A TEMPESTADE GLOBAL DA LEI E ORDEM

contrabandear técnicas de penalizaçãoestadunidenses para seus países, vestindo-as comroupagens acadêmicas. Meu argumento centralestabelece um elo entre a reestruturação neoliberale a punição: o “Consenso de Washington” sobrea desregulamentação econômica e a retração doEstado do Bem-estar foi ampliado para abrangero controle do crime punitivo porque a “mãoinvisível” do mercado necessita do “punho deferro” do Estado penal e convoca-o.

Reflito, neste artigo, sobre a recepçãointernacional de Prisões da miséria (idem) – queem pouco tempo foi traduzido para 20 línguas –como reveladora da expansão penal em sociedadesavançadas ao longo da década de 2000. Mostroque a tempestade global da “lei e ordem”, inspiradapelos Estados Unidos que o livro detectou em1999, continuou a espalhar-se por toda a parte.Em termos concretos, estendeu-se dos países doPrimeiro Mundo para os do Segundo Mundo ealterou a grande política e as políticas específicasde punição em todo o planeta de uma forma queninguém previu e ninguém pensaria ser possívelhá cerca de 15 anos. Estendo a análise do papeldos institutos de consultoria na difusão do estiloamericano de penalidade na América Latina (o quefoi chamado de “fator Giuliani”). Finalmente,elaboro e revejo o modelo original do nexo entreneoliberalismo e penalidade punitiva, fundamentalpara a análise da modelagem do Estado na era dainsegurança social desenvolvida em meu livroPunindo os pobres (WACQUANT, 2009b).

II. RASTREANDO A TEMPESTADE GLOBALDA “LEI E ORDEM” AO REDOR DOMUNDO

Prisões da miséria utiliza as ferramentas dasCiências Sociais para lançar, e sustentar, umdebate público que é de extrema significação socialem países ocidentais. O eixo do debate é o papelcada vez mais crucial da prisão e da virada punitivana política penal, discernível nas sociedades maisavançadas a partir das duas últimas décadas doséculo XX. O alvo inicial foi a França e seusvizinhos, na condição de ávidos importadores decategorias, motes e medidas de controle dacriminalidade, elaborados durante a década de1990 nos Estados Unidos como veículos para asubstituição histórica do bem-estar social pelagestão penal da marginalidade urbana, feita poresse país. O objetivo do livro foi escapar dapolítica e do discurso dos meios de comunicação

dominantes que promovem a difusão dessa novadoxa punitiva e alertar os acadêmicos, líderes civise cidadãos interessados da Europa para as origensduvidosas dessa difusão, bem como para asterríveis consequências sociais e os perigospolíticos do crescimento e da glorificação dobraço penal do Estado.

No momento em que o escrevi não esperavaaventurar-me mais profundamente no que eraentão para mim um campo de investigação novoe estranho. Eu havia trazido o aparato da JustiçaCriminal para meu âmbito analítico em razão deseu estupendo crescimento no gueto negro emimplosão nos Estados Unidos e de sua utilizaçãoagressiva em torno dele, após o declínio domovimento pelos direitos civis, e estavafirmemente decidido a retomar as questões dadesigualdade urbana e da dominação etno-racial2.Ao longo do caminho, porém, doisacontecimentos inesperados estimularam-me acontinuar nessa linha de pesquisa e de ativismointelectual.

O primeiro foi a acolhida incomum que o livroteve na França e depois nos países que seapressaram a traduzi-lo, cruzando as fronteirasque separam o conhecimento científico, amilitância cidadã e a formulação de políticas. Osegundo foi o fato de que a dupla tese que elepropõe – que um novo “bom senso punitivo”,forjado nos Estados Unidos como parte do ataqueao Estado de Bem-estar, está atravessandorapidamente o Atlântico para ramificar-se pelaEuropa Ocidental, e que essa disseminação não éuma resposta interna a mudanças na incidência eno perfil da criminalidade, mas antes um fruto dadifusão externa do projeto neoliberal – recebeuuma espetacular e evidente validação quando LesPrisons de la misère foi publicado em uma dúziade línguas no espaço de poucos anos após seulançamento.

Essa reação estrangeira apaixonadaproporcionou-me a oportunidade de viajar por trêscontinentes para pôr à prova a viabilidade e a

2 Começando pela lógica da polarização urbana a partir debaixo nos Estados Unidos e na Europa, investigada emUrban Outcasts: A Comparative Sociology of UrbanMarginality (WACQUANT, 2008a), estabeleço asconexões analíticas entre minhas investidas na desigualdadeurbana e na punição em The Body, the Ghetto and thePenal State (WACQUANT, 2009c).

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pertinência de seus argumentos. Permitiu-meverificar que a popularidade global do “modelonova-iorquino” de policiamento, encarnado peloex-Chefe de Polícia de Nova York William Brattone pelo Prefeito que o contratara (e que o demitiu),Rudolph Giuliani, é de fato a ponta do iceberg deuma reforma maior da autoridade pública, umelemento em uma cadeia mais ampla detransferência transnacional de políticas que abarcaa reorganização flexível do mercado de trabalhodesqualificado e a transformação restritiva dowelfare no workfare3, segundo o modelofornecido pelos Estados Unidos pós-fordistas epós-keynesianos4. Um relato seletivo da trajetóriameteórica da edição original de As prisões damiséria por meio de esferas de debate e fronteirasnacionais pode ajudar-nos a discernir melhor oque está em jogo na discussão intelectual e naslutas políticas a que ele alia-se, as quais dizemrespeito menos ao crime e à punição e mais àreengenharia do Estado para promover ascondições econômicas e sociomorais que seaglutinam sob o neoliberalismo hegemônico e quebuscam responder a elas.

Desde o princípio, o livro transpôs as fronteirasentre as esferas acadêmica, jornalística e civil.Na França, Les Prisons de la misère foi literalmentelançado a partir do coração da instituiçãocarcerária: em uma tarde cinzenta e fria denovembro de 1999, apresentei, ao vivo, os frutosdas minhas investigações no Canalweb e na Téléla Santé, uma estação de televisão interna, dirigidapelos detentos na prisão de La Santé, no centrode Paris. Mais tarde voltei a debatê-los, noiteadentro, com todo o staff e recrutas da EscolaNacional de Treinamento para Pessoal Correcional

em sua cantina lotada, bem perto da cidade. Empoucas semanas, a discussão estendeu-se aosprincipais órgãos de imprensa e a uma gamavariada de foros acadêmicos e de ativistas, queincluía desde a École Normale Supérieure, emParis, até a feira anual do partido trotskista LutteOuvrière, passando pela Maison des Sciences del’Homme, em Nantes, por um “debate de bar”promovido pelo Partido Verde em Lyon, peloCentro Nacional de Pesquisa Científica e pelaÉcole de la Magistrature (a academia francesa paraos juízes). Participei igualmente de encontrospúblicos por todo o país, patrocinados porentidades tão variadas quanto Les Amis du MondeDiplomatique, a Anistia Internacional, Associationpour la Taxation des Transactions pour l’Aide auxCitoyens (Associação pela Tributação dasTransações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos– Attac), a Liga dos Direitos do Homem, Raisonsd’Agir, o Genepi (uma associação nacional deestudantes que desenvolve programaseducacionais para presidiários), universidadeslocais e associações de bairro, vários partidospolíticos e uma das maiores lojas maçônicas dopaís. Um encontro público sobre “A punição dapobreza” que durou o dia todo, organizado emmaio de 2000 na Maison des Syndicats emMontpellier, minha cidade natal, exemplificou esseespírito de discussão aberta e vigorosa, reunindocientistas sociais, advogados e magistrados, alémde ativistas e representantes dos sindicatos,abarcando os mais diversos braços do Estado:educacional, da saúde, previdenciário, da Justiçapara a juventude e correcional5.

Logo Les Prisons de la misère foi adaptadopara o teatro (e encenado nos Rencontres de laCartoucherie, em junho de 2000); seusargumentos inseridos em filmes publicitários;trechos seus reproduzidos em antologiasacadêmicas, fanzines libertários e publicaçõesgovernamentais. Fui convidado pela OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) para apresentá-lo no Fórum 2000 da Organização das NaçõesUnidas (ONU) em Genebra, em que

3 Workfare designa, segundo o próprio autor, programasde assistência pública destinados aos pobres, que fazemdo recebimento do auxílio um benefício pessoal condicional,quando os beneficiários aceitam trabalho mal remuneradoou submetem-se a estratégias orientadas para o emprego,tais como o treinamento no local do trabalho ou job-searching; o workfare opõe-se ao welfare, enquanto umdireito inquestionável à assistência (nota do tradutor).4 O impulso diferencial para a desregulação do mercadode trabalho nas nações pós-industrializadas é analisadopor Boje (1993), Esping-Andersen e Regini (2004) e Koch(2006). A difusão e a adaptação do workfare de inspiraçãoestadunidense para outras sociedades avançadas sãoacompanhadas por Trickey e Loedemel (2001), Peck(2001) e Handler (2004).

5 O encontro propiciou a publicação de um livro muitolido e usado por ativistas no campo da justiça na França(SAINATI & BONELLI, 2001). Ampliações eatualizações do diagnóstico da punição da pobreza naFrança sob o jugo de esquemas no estilo estadunidense,propostas em Les Prisons de la misère, incluem Sainati eSchalchli (2007), Bonelli (2008) e Mucchielli (2008a).

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representantes de vários países insistiram paraque eu viajasse a fim de fomentar a discussãopolítica em diversas partes do mundo.

Foi difícil recusar esses convites, pois, emquestão de meses, o livro foi traduzido e lançadoem meia dúzia de países, desencadeando umdilúvio de telefonemas de universidades, centrosde direitos humanos, governos municipais eregionais e as mais diversas organizaçõesprofissionais e políticas, todos eles ansiosos paradebater as implicações do livro em nações tãodistantes como a Itália e o Equador, o Canadá e aHungria, a Finlândia e o Japão. Na penínsulaibérica, Les prisons de la misère foi logo traduzidonão só para o espanhol, mas também para ocatalão, o galego e o português. Na Bulgária, meutradutor foi convidado para apresentar osargumentos da obra na televisão nacional, já queeu não pude viajar até Sófia para fazê-lopessoalmente (WACQUANT, 2003). No Brasil,o lançamento da primeira edição de As prisões damiséria, patrocinado pelo Instituto Carioca deCriminologia e pelo Programa de Direito Criminalda Universidade Cândido Mendes, teve comoatração principal um debate com o Ministro daJustiça e um ex-Governador do estado do Rio deJaneiro e foi coberto pelos principais jornais dopaís (talvez intrigados pelo título que eu dera àminha preleção: “Acaso a burguesia brasileiradeseja restabelecer uma ditadura?”)6. Poucassemanas depois a tese do livro era invocada porjornalistas, professores e advogados, além de tersido citada em uma decisão do Supremo TribunalFederal. Na Grécia seu lançamento ancorou umaconferência de dois dias, copatrocinada pelaembaixada da França em Atenas, sobre “O Estadopenal nos Estados Unidos, na França e na Grécia”,reunindo cientistas sociais, juristas, historiadores,funcionários da Justiça e um grande número derepórteres. Na Dinamarca, a Associação Nacionalde Assistentes Sociais patrocinou a publicação deDe Fattiges foengsel como munição acadêmicapara a resistência à assunção gradual e lenta datarefa de supervisão punitiva dos pobres porassistentes sociais. Na Turquia, o livro circuloupor meio da Escola para Diretores de Polícia do

país, em uma tradução não-autorizada produzidapor um comissário de polícia que o lera quandofazia seus estudos de Sociologia na França, atéser publicado em uma edição legal.

Mas foi a visita que fiz à Argentina em abril de2000 que revelou mais claramente o quanto erasensível o nervo sociopolítico que o livro atingira.Foi a primeira vez que pus os pés naquele país.Não tinha nenhum conhecimento prévio de suapolícia, sua Justiça e suas instituições e tradiçõescorrecionais. No entanto, era como se eu tivesseformulado uma estrutura analítica destinada aapreender e esclarecer o que ocorria naquele exatomomento na Argentina. Ao desembarcar emBuenos Aires, na fase final de uma acaloradacampanha para as eleições municipais – em quetanto o candidatos da esquerda quanto o da direitahaviam feito do combate ao crime com métodosinspirados pelos Estados Unidos sua prioridademáxima –, e apenas um mês depois de o apóstologlobal da “tolerância zero”, William Bratton, teraportado na cidade para pregar seu evangelhopolítico, vi-me apanhado no olho de um furacãointelectual, político e midiático. Em dez dias, fiz29 palestras para plateias acadêmicas e deativistas, mantive conversações com funcionáriosdo governo e juristas e dei entrevista aos maisvariados órgãos da imprensa escrita, de televisãoe rádio. Ao cabo de uma semana, eu estava sendoparado nas ruas de Buenos Aires por transeuntesansiosos por fazer mais perguntas sobre Lascárceles de la miseria.

Quero enfatizar que o objetivo destarecapitulação não é sugerir que a acolhidaestrangeira a Prisões da miséria fornece medidaadequada de seus méritos analíticos, mas dar umaideia da ampla disseminação e da febre que ofenômeno que o livro investiga provoca noscampos político, artístico e intelectual desociedades do Primeiro e do Segundo Mundo. Omundo vem sendo de fato assolado por umatempestade de “lei e ordem”, que transformou odebate público e a política sobre crime e puniçãode maneiras que nenhum observador da cenapenal poderia ter previsto 12 anos atrás. A razãopor detrás da inusitada paixão despertada pelo livrofoi a mesma que na França. Em todos esses países,os mantras do policiamento com “tolerância zero”e da “prisão funciona”, glorificado pelasautoridades estadunidenses e exibido pela duplaGiuliani-Bratton como a causa da queda

6 Para uma análise mais completa das modalidades eimplicações distintivas da contenção punitiva enquantopolítica antipobreza nos países da América Latina, verWacquant (2008b).

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aparentemente miraculosa da criminalidade emNova York, estava sendo aclamado porfuncionários locais. Em toda parte, políticos dedireita e, o que é mais significativo, de esquerda7

competiam para importar os mais recentesmétodos estadunidenses de imposição da lei,apresentados como panaceia para sanar aviolência urbana e variadas modalidades dedesordem, enquanto céticos e críticos dessesmétodos tentavam encontrar argumentosteóricos, dados empíricos e barreiras cívicas comos quais impedir a adoção do confinamentopunitivo como técnica generalizada para o manejoda insegurança social descontrolada.

III. SONDANDO O “CONSENSO DEWASHINGTON” SOBRE O COMBATEAO CRIME

A rápida difusão internacional do livrotransformou-se em um experimento não-planejado na política do conhecimento científicosocial. Ela revelou que, embora eu tivesse miradocom minha análise o cerne da União Europeia, omodelo do vínculo entre neoliberalismo etratamento punitivo da insegurança nele esboçadoera ainda mais pertinente à periferia do VelhoMundo, apanhada nos estertores da conversãopós-soviética, e aos países do Segundo Mundomarcados por uma história de autoritarismo, umaconcepção hierárquica de cidadania e pobreza emmassa, sustentada por desigualdades sociaisexcessivas e crescentes, nas quais a punição dapobreza certamente terá consequênciascalamitosas.

Dessa perspectiva, as sociedades latino-americanas, que se haviam envolvido naexperimentação precoce de uma desregulaçãoeconômica radical (isto é, rerregulação em favorde empresas multinacionais) e depois caído sob a

tutela de organizações financeiras internacionaisque impunham dogmas monetaristas, constituíamum terreno mais propício para a adoção de versõesseveras do populismo penal e a importação deestratagemas estadunidenses de combate aocrime. Em síntese: as elites dominantes das naçõesseduzidas, e depois transformadas, pelos“Chicago Boys” de Milton Friedman, nos anos1970, estavam fadadas a apaixonar-se pelos “NewYork Boys” de Rudy Giuliani, nos anos 1990,quando chegou o momento de lidar com aproliferação das consequências da reestruturaçãoneoliberal e enfrentar a instabilidade socialendêmica e as perigosas desordens urbanasgeradas pela reforma do mercado na base daestrutura de classes dualizante. Não foi por acasoque o Chile, o primeiro na América Latina a abraçaras políticas ditadas pelos “doutores do dinheiro”da Universidade de Chicago (VALDÉS, 1984),logo se tornou o campeão continental doencarceramento e viu sua taxa de aprisionamentosaltar de 155 por 100 mil em 1992 para 240 em100 mil em 2004, enquanto a taxa do Brasil saltoude 74 para 183 e a da Argentina de 63 para 140(com a do Uruguai, preso entre eles, subindo de97 para 220) (cf. INTERNATIONAL CENTERFOR PRISON STUDIES, 2007; SALLA &RODRIGUEZ BALLESTEROS, 2008). Por todoo continente, há não apenas um agudo medopúblico da infecciosa criminalidade urbana, quecresceu lado a lado com disparidades econômicasna esteira do retorno do governo democrático edo descompromisso social do Estado, comotambém uma intensa preocupação política comos domínios e as categorias do problema. Hátambém um conjunto comum de soluçõespunitivas: a ampliação dos poderes e dasprerrogativas da polícia, centrados em infraçõesde rua e infrações associadas às drogas; aaceleração e o endurecimento do processo judicial;a expansão da prisão como depósito; anormalização da “penalidade de emergência”aplicada de maneira diferencial através do espaçosocial e físico8, inspiradas ou legitimadas porpanaceias vindas dos Estados Unidos, graças àdiligente ação de diplomatas estadunidenses,órgãos judiciais americanos no exterior e de seusaliados locais, e à sede de políticos estrangeiros

7 Apenas uma indicação sobre a Argentina: o principalpanfleto de campanha do candidato de centro-esquerdaAnibal Ibarrra, “Buenos Aires, un compromiso de todos”,fez do combate ao crime o compromisso número um comos eleitores: “El compromiso de Ibarra-Felgueras: Conla seguridad: vamos a terminar con el miedo y a combatirel delito con la ley en la mano”. Depois que apareci natelevisão nacional para discutir Las cárceles de la miseria,os candidatos do Partido Peronista perguntaram-me, pormeio de meu editor, se eu concordaria em aparecer comeles em uma entrevista coletiva para apoiar sua denúnciatática do compromisso de Ibarra com a “mano dura”.

8 Ver a acurada análise de Iturralde (2008) da rotinizaçãoda “penalidade de emergência” na Colômbia.

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A TEMPESTADE GLOBAL DA LEI E ORDEM

por lemas e medidas para a imposição da leiembrulhadas no mana dos Estados Unidos9.

No hemisfério Sul, como na Europa Ocidental,o papel dos institutos de consultoria foi decisivona difusão da punição agressiva “made in USA”.Nos anos 1990, o Manhattan Institute encabeçouuma bem-sucedida campanha transatlântica paraalterar os parâmetros da conduta britânica emrelação à pobreza, ao welfare e ao crime. Umadécada depois, ele desenvolveu o Inter-AmericanPolicy Exchange (IAPE), um programa concebidopara exportar suas estratégias favoritas de combateao crime para a América Latina como parte deum pacote de políticas neoliberais quecompreendia “distritos de melhoramento dosnegócios”, reforma escolar por meio decomprovantes de despesas e contabilidadeburocrática, redução do Estado e privatizações.Seus principais enviados foram ninguém menosque o próprio William Bratton, seu antigo assistenteno Departamento de Polícia da cidade de NovaYork William Andrews, e Geoge Kelling, ocelebrado co-inventor da teoria das “janelasquebradas”. Esses missionários da “lei e ordem”viajaram para o Sul a fim de encontrar-se não sócom chefes de polícia e prefeitos de grandescidades, mas também com governadores,ministros e presidentes. Respaldados peloescritório permanente do IAPE em Santiago doChile, fizeram um trabalho de propaganda entreinstitutos de consultoria de direita locais, braçosda Câmara Americana de Comércio no país,organizações comerciais e ricos patrocinadores,proferindo conferências, oferecendo consultoriapolítica e até participando de comícios cívicos –certa feita Kelling fez um notável discurso emBuenos Aires para cerca de 10 mil argentinosreunidos em Luna Park para protestar contra aescalada da criminalidade10. Quando necessário,o IAPE ignora o nível nacional e trabalha comadversários regionais ou municipais do governo

central para promover seus remédios pró-mercado e pró-policiamento. Foi o que ocorreuna Venezuela, em que o esquerdista PresidenteHugo Chávez deseja combater o crime reduzindoa pobreza e a desigualdade, enquanto seusadversários políticos, como o Prefeito de Caracas,partilham a ideia do Manhattan Institute de queos responsáveis pelos crimes são os criminosos,e a missão de reprimi-los recai somente sobre asforças da ordem.

O Manhattan Institute traduz para o espanhole para o português seus relatórios, resumos deprogramas e os artigos dos meios de comunicaçãoque apoiam sua visão e distribui-os paraformadores de opinião em toda a América do Sul.Também leva grupos de funcionários latino-americanos à cidade de Nova York para visitas decampo, sessões de treinamento e doutrinaçãointensiva sobre as virtudes do Estado mínimo (nosplanos social e econômico) e da imposição severada lei (para os crimes da classe baixa). Esseevangelismo “produziu uma geração inteira” depolíticos latino-americanos para os quais “oInstituto Manhattan é o equivalente de um Vaticanoideológico” (DEPALMA, 2002) e sua concepçãobifurcada do papel do Estado, sacrossanta: laissez-faire e permissivismo no topo, hostilidade eincapacitação na base. Esses políticos mostram-se ansiosos em aplicar a imposição inflexível dalei e o encarceramento ampliado para salvaguardaras ruas e subjugar os tumultos que agitam suascidades, apesar da corrupção desbragada dapolícia, da falência processual de seus tribunais eda brutalidade perversa de cadeias e prisões emseus países natais, os quais asseguram queestratégias de mano dura traduzam-serotineiramente em medo crescente do crime, daviolência e “detenção e punição extralegais parapequenos delitos, entre os quais a ocupação deestilo militar e a punição coletiva de bairrosinteiros” (DAMMERT & MALONE, 2006)11.

É interessante notar que o magnetismo dapunição ao estilo estadunidense e dos ganhospolíticos que ela promete é tamanho que lídereseleitos por toda a América Latina continuaram aexigir respostas punitivas para os crimes de rua,mesmo depois que partidos de esquerdaascenderam ao poder e transformaram a região

9 Uma hábil dissecação da velha interseção entre a políticaexterna dos Estados Unidos e normas e metas da JustiçaCriminal é encontrada em Nadelmann (1994).10 Os aliados do Manhattan Institute na América do Sulincluem o Instituto Liberal, a Fundação Victor Civita e aFundação Getúlio Vargas no Brasil; o Instituto Libertad yDesarrollo e a Fundación Paz Ciudadana no Chile e aFundación Libertad na Argentina. A fé cega na possibilidadede passar diretamente a “tolerância zero”, apesar dasvastas diferenças sociais, políticas e burocráticas entre osdois continentes, é expressa por Bratton e Andrew (2001).

11 Para uma ilustração da situação no Brasil, ler Resende(1995) e assistir ao premiado filme de José Padilha, Tropade elite (2007).

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em um “epicentro de discordância com as ideiasliberais e de resistência ao domínio econômico epolítico dos EUA” (HERSHBERG & ROSEN,2006, p. 432). Essa situação é bem exemplificadapela assinatura solene, por Andrés Manuel LópezObrador, o progressista Prefeito da Cidade doMéxico, de um contrato de US$ 4,5 milhões(pagos por um consórcio de empresários locaisencabeçado pelo homem mais rico da AméricaLatina, Carlos Slim Herú) com a firma deconsultoria Giuliani Partners para aplicar suapoção mágica da “tolerância zero” à capitalmexicana, apesar da óbvia inadequação de suasmedidas-padrão no nível do chão (LORPARD,2003)12. Um exemplo: os esforços para eliminarcamelôs e flanelinhas (crianças, em sua maioria)mediante frequentes intervenções da polícia estãocondenados ao fracasso, em razão de seusnúmeros absolutos (dezenas de milhares) e dopapel central que eles desempenham na economiainformal da cidade e, portanto, na reprodução defamílias de classe baixa, cujo apoio eleitoral éessencial para Obrador. Isso para não mencionaro fato de que a própria polícia mexicana estáprofundamente envolvida em todo tipo decomércio informal, legal e ilegal, necessário parasuplementar seus salários de fome. Mas isso nãoimporta. O que conta no México, como emMarselha ou em Milão, é menos a adoção deestratégias realistas para a redução do crime emais a encenação da decisão das autoridades decombatê-lo frontalmente, de modo a reafirmar,de maneira ritual, o poder dos governantes.

A reação internacional a Prisões da miséria eos desdobramentos na Justiça Criminal ao longoda década de 2000 em países tão diferentesquanto a Suécia, a França, a Espanha e o Méxicoconfirmaram não só que a “brattonmania” tornou-se (quase) global, mas também que a disseminaçãoda “tolerância zero” faz parte de um tráfegointernacional mais amplo de fórmulas políticas queune o império do mercado, a redução dos gastossociais e a ampliação penal13. O “Consenso de

Washington” sobre a desregulação econômica ea retração do welfare estendeu-se para abranger,de fato, o controle punitivo do crime em umachave pornográfica e gerencialista, pois a “mãoinvisível” do mercado suscita o “punho de aço”do Estado penal. A correspondência entre seuspadrões geográficos e temporais de propagaçãocorrobora minha tese central de que o rápidocrescimento e a exaltação da polícia, dos tribunaise das prisões nas sociedades do Primeiro e doSegundo Mundo nas duas últimas décadas sãoum elemento essencial da revolução neoliberal.Onde quer que esses últimos avançosdesencadeiem-se, a desregulação do mercado detrabalho de baixos salários exige a reformarestritiva do welfare para impor trabalho precárioao proletariado pós-industrial.

Essas duas coisas, por sua vez, provocam aativação e a ampliação do braço penal do Estado:em primeiro lugar, para reprimir e conter osdeslocamentos urbanos causados pela difusãoda insegurança social na base da hierarquia declasses e espacial; em segundo lugar, pararestaurar a legitimidade de líderes políticosdesacreditados por sua aquiescência ou adesãoà impotência do leviatã nas frentes social eeconômica (WACQUANT, 2008c). A contrario,onde quer que a neoliberalização tenha sidoimpedida nos campos do emprego e do welfare,o impulso para a punição foi atenuado oudesviado, como indica, por exemplo, a obstinadasurdez dos países nórdicos ao canto das sereiasda “tolerância zero” (apesar de seu maior zeloem punir infrações associadas a drogas e adireção alcoolizada durante a década de 2000)14

e a estagnação ou os modestos aumentos de suaspopulações carcerárias, ainda que a preocupaçãoou a angústia nacional associada à criminalidadetenha aumentado.

IV. O QUE AS VIAGENS E OS ESFORÇOS DAPENALIDADE NEOLIBERAL TÊM AENSINAR

Assim, o que As prisões da miséria propõemé que suplementemos, ou mesmo suplantemos,

12 Um breve relato do “furacão de 36 horas por ruassórdidas e apartamentos elegantes” na Cidade do México“pelo consultor mais bem pago do mundo no quesitocombate ao crime” é oferecido por Weiner (2003).13 Para exemplos, ver Tham (2001) para a Suécia, Medina-Ariza (2006) para a Espanha, Davis (2007) para o Méxicoe Mucchielli (2008b) para a França.

14 Um indicador: em toda uma década de publicação doJournal of Scandinavian Studies in Criminology and CrimePrevention, não há uma referência sequer a William Brattonou a Rudolph Giuliani e somente 11 menções a “tolerânciazero”. Isso deixa bem clara a inaplicabilidade do conceitoao ambiente nórdico.

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os modelos evolucionários que dominaram osdebates teóricos recentes sobre mudança penalem sociedades avançadas com uma análisedescontinuísta e difusionista que rastreie acirculação de discursos, normas e políticaspunitivas elaborados nos Estados Unidos comoingredientes constitutivos do governo neoliberalda desigualdade social e da marginalidade urbana.

Na visão da “sociedade exclusiva”, propostapor Jock Young, e na descrição da “cultura docontrole”, feita por David Garland, bem comonas mais recentes concepções eliasianas,neodurkheimianas e neofoucaultianas dapenalidade (YOUNG, 1999; 2007; GARLAND,2001; PRATT, 2002; BOUTELLIER, 2004;O’MALLEY, 1998; SIMON, 2007), as mudançascontemporâneas na reconfiguração política docrime e da punição resultam da chegada a umestágio social – modernidade tardia, pós-modernidade e sociedade de risco – e despontam,de maneira endógena, em resposta ao aumentoda insegurança criminal e suas reverberaçõesculturais por todo o espaço social. No modelodelineado em Prisões da miséria (e revisado empublicações subseqüentes), a virada punitiva dapolítica pública, aplicando-se tanto ao welfarequanto à Justiça Criminal, faz parte de umprojeto político que responde à crescenteinsegurança social e a seus efeitosdesestabilizadores nos degraus mais baixos daordem social e espacial.

Esse projeto envolve a reorganização e arealocação do Estado para reforçar mecanismossemelhantes ao mercado e disciplinar o novoproletariado pós-industrial, restringindo, aomesmo tempo, os distúrbios internos gerados pelafragmentação da mão de obra, a redução dosesquemas de proteção social e a reorganizaçãocorrelata da hierarquia étnica estabelecida (etno-racial nos Estados Unidos, etnonacional na EuropaOcidental e uma mistura das duas na AméricaLatina) (WACQUANT, 2010b)15. Mas afabricação do novo leviatã também registra asinfluências externas de operadores políticos eempreendedores intelectuais, envolvidos em uma

campanha de propaganda ideológica em múltiplosníveis através de fronteiras nacionais emassuntos de capital, mão de obra, welfare eimposição da lei. Embora o neoliberalismo seja,desde sua geração, uma formação que ocorreem múltiplos lugares, policêntr ica egeograficamente irregular (PECK &THEODORE, 2007), na virada do século essacampanha para reformar o nexo triádico deEstado, mercado e cidadania a partir de cimateve um centro nervoso localizado nos EstadosUnidos, um anel interno de países colaboradoresatuando como estações de retransmissão (comoo Reino Unido, na Europa Ocidental, e o Chile,na América do Sul) e uma faixa externa desociedades escolhidas como alvos de infiltraçãoe conquista.

Pode-se expor o contraste teórico entre a visãoda mudança penal propostas por advogados datransição para a modernidade tardia ou pós-modernidade e o modelo esboçado em Prisões damiséria. Para o primeiro modelo, a ascensão dapunitividade é uma formação cultural que expressaos dilemas da sociedade que responde a tendênciase padrões criminais; para o segundo, a restriçãosimultânea do Estado do Bem-estar e a expansãoda prisão marcam um desvio do gerenciamentosocial para o gerenciamento penal da marginalidadeurbana. Ela é parte e parcela da refeitura do Estadopara alimentar a desregulamentação econômica erestringir as conseqüências da difusão dainsegurança social na base das dimensões declasse, etnicidade e lugar. Há áreas desuperposição entre essas duas abordagens,particularmente na sua rejeição comum aperspectivas criminológicas estreitamente focadasno par crime-punição, no seu desejo de unirpunição a aspectos mais amplos das sociedadescontemporâneas e na sua preocupação com adimensão cultural da penalidade. Não obstante, éimportante enfatizar suas divergências, emparticular no papel que atribuem à questão dapobreza, da hegemonia internacional e dosoperadores transnacionais na restauração dodiscurso penal e ação no limiar do novo século.

15 Ver também as respostas a esse ensaio dadas porCampbell (2010), Harcourt (2010), Mayer (2010), Peck(2010), Piven (2010) e Valverde (2010).

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FONTE: o autor.

QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE AS VISÕES SOBRE A MUDANÇA PENAL

Com poucas e preciosas exceções, osestudiosos estadunidenses da punição ignoraramas ramificações externas dos esquemas de polícia,justiça e encarceramento, forjados pelos EstadosUnidos em reação à desintegração do contratofordisto-keynesiano e ao colapso do gueto negro,quando não as negaram17. No entanto, ajustarcontas com essa disseminação através defronteiras – que trouxe para as costas europeiasnão somente o policiamento com tolerância zeromas também toques de recolher noturnos emonitoramento eletrônico, programas de curtaduração, de inspiração militar, para adolescentesproblemáticos e “encarceramento de choque” pré-julgamento, redução de pena em troca de

reconhecimento de culpa e sentenças mínimasobrigatórias, registros de infratores sexuais e atransferência de jovens para a justiça adulta – é achave para elucidar as análises e a política dapenalidade neoliberal.

Em primeiro lugar, ela revela as conexõesdiretas entre desregulação de mercado, redução dowelfare e expansão penal, colocando em foco suadifusão conjunta ou sequencial de um país paraoutro. É revelador, por exemplo, que o Reino Unidotenha adotado em primeiro lugar a política de gestãoflexível da mão de obra e em seguida o projeto deworkfare compulsório lançado pelos EstadosUnidos, antes de importar deles o vocabulárioagressivo de controle do crime e programasadequados para dramatizar o renascido rigor morale a severidade penal das autoridades (KING &WICKHAM-JONES, 1999; PECK & THEODORE,2001; JONES & NEWBURN, 2002).

Em segundo lugar, rastrear a circulaçãointernacional das fórmulas penais dos EstadosUnidos ajuda-nos a evitar a armadilha conceitualda excepcionalidade estadunidense, bem comoinvestigações nebulosas sobre a “modernidadetardia”, já que aponta para os mecanismos queimpulsionam o crescimento do Estado penal – ou,em alguns casos, para os obstáculos e vetoresque resistem a ele – em um espectro de sociedadessujeitas ao mesmo tropismo político-econômico.Convida-nos a visualizar a ascensão do Estadopenal nos Estados Unidos não como um casoidiossincrático, mas como um casoparticularmente virulento, em razão de um grandenúmero de fatores que se combinam para facilitar,acelerar e intensificar a contenção punitiva dainsegurança social naquela sociedade, entre os

16 “Prisonfare” é um termo introduzido pelo autor emanalogia a workfare para designar programas depenalização da pobreza via direcionamento preferencial eemprego ativo da polícia, dos tribunais e das prisões (bemcomo suas extensões: liberdade vigiada, liberdadecondicional, bases de dados de criminosos e sistemasvariados de vigilância), no interior e nas proximidades dosbairros marginalizados em que se aglomera o proletariadopós-industrial (N. T.).17 No momento mesmo em que a difusão transatlânticadas categorias e políticas penais estadunidesens estava noauge, Tonry escreveu que “os Estados Unidos, emparticular, não são nem importadores bem-sucedidos nemexportadores influentes” das medidas de combate ao crime,afirmando que “os países da Europa Ocidental imitamativamente inovações à primeira vista bem-sucedidas deoutras partes da Europa, mas parecem quase totalmenteimpermeáveis à influência estadunidense” (TONRY, 2001,p. 519). Um panorama amplo de estudos recentes dasCiências Sociais sobre o “Estado carcerário” nos EstadosUnidos é sintomaticamente mudo a respeito dasramificações externas dos desdobramentos estadunidenses(GOTTSCHALK, 2008).

Endógena

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quais a fragmentação do campo burocrático, aforça do individualismo moral que sustenta oprincípio mântrico da “responsabilidade retroativaindividual”, a degradação generalizada da mão deobra, os níveis excepcionalmente elevados desegregação tanto de classe quanto étnica, e aproeminência e a rigidez da divisão racial que fazdos negros da classe baixa e moradores nas áreascentrais degradadas das grandes cidades alvospropícios para campanhas convergentes deredução do welfare e de escalada penal(WACQUANT, 2010a; 2011).

Finalmente, há uma relação circular entreinovação e imitação policial em nível local(municipal ou regional), nacional e internacional,de tal modo que a pesquisa da globalização da“tolerância zero” e da ideia da eficácia prisionalfornece um caminho proveitoso para adissecação dos processos de seleção e traduçãode noções e medidas penais através de jurisdiçõese níveis de governo que, em geral, passamdespercebidos ou ficam sem análise dentro deum dado país. Ela proporciona novas revelaçõessobre a fabricação da vulgata neoliberal reinante,que transformou debates políticos em toda parte,por meio da difusão planetária dos conceitos edas preocupações populares dos formuladoresde políticas e estudiosos estadunidenses. Aoexportar suas teorias e políticas penais, osEstados Unidos instituem-se como o barômetrodo controle sério do crime no mundo todo elegitimam efetivamente sua visão da imposiçãoda lei mediante a universalização de suasparticularidades18.

A contrario, o rastreamento da difusão quecruza as fronteiras das fórmulas e medidas penaismade in USA levanta de uma forma aguda aquestão das bases sociais e culturais deresistência política à punitividade: como aAlemanha e a Escandinávia, na Euorpa Ocidental,o Canadá, na América do Norte, e o Japão, naÁsia Oriental, conseguiram permanecerimpermeáveis ou reticentes à conclamação pelaintensificação da punição e pela expansão do

encarceramento? É exatamente porque essespaíses foram menos longe na estrada dadesregulação econômica, da disparidade de classee de empobrecimento urbano ou porque eles estãoficando para trás na transição da supervisão socialpara a supervisão penal da pobreza? Ou exercitamcombinações específicas de controle socialpróximo, valores culturais, organizaçãoburocrática, autoridade de expertos ecompromisso cívico com a inclusão que oscapacitam a repelir pressões para umencarceramento mais elevado, mesmo quandosuas políticas penais tornam-se mais diligentes eseveras e afastam-se da reabilitação, comoilustrado pela trajetória recente do Japão(JOHNSON, 2007)19?

Como primeiro estudo com dimensão de livrosobre a difusão transnacional da penalidade aoestilo estadunidense no fim do século XX, Asprisões da miséria antecipou o florescimento docampo da “transferência de políticas” de políciae justiça (cf., em particular, NEWBURN &SPARKS, 2004; ANDREAS & NADELMANN,2006; JONES & NEWBURN, 2006; MUNCIE &GOLDSON, 2006). Como tal, é uma contribuiçãoindireta para a pesquisa sobre a globalização docrime e da justiça do ponto de vista da punição,mas uma contribuição que segue na direçãocontrária dos estudos da globalização feitos atéhoje, uma vez que insiste em que o que pareceum movimento cego e benigno rumo àconvergência planetária, supostamente fomentadopela unificação tecnológica e cultural da sociedademundial, é na verdade um processo estratificadode americanização diferencial e difratada,promovido pelas atividades estratégicas de redeshierárquicas de governantes, empreendedoresideológicos e marqueteiros acadêmicos nosEstados Unidos e nos países receptores. Étambém um apelo para que os estudiosos damigração de políticas no cenário mundialintroduzam o domínio penal em seu campo, ladoa lado com políticas econômicas e de welfare, eprestem atenção ao papel determinante exercido

18 Não é por acaso que os Estados Unidos exportaram,simultaneamente, suas noções populares – e as políticas aelas relacionadas – de crime com o “tolerância zero”, depobreza com a lenda da “subclasse” e de raça definida por(hipo)descendência (ver BOURDIEU & WACQUANT,1999).

19 Entre os títulos de uma literatura pouco numerosa,mas que cresce rapidamente, sobre divergência ediverificação penais em sociedades avançadas, cf.Oberwittler e Höfer (2005), Cavadino e Dignan (2006),Doob e Webster (2006), Lacey (2008) e Pratt (2008a;2008b).

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por institutos de consultoria e disciplinas e cursosheteronômicos nas peregrinações internacionaisde fórmulas de políticas públicas20.

As viagens de As prisões da miséria através defronteiras nacionais, como o impetuoso movimentoda onda punitiva que o livro segue no mundo todo,ensinaram-me que a difusão da penalidade neoliberalestá não apenas mais avançada, como também émais diversificada e complexa do que a retratadano livro. Assim como há variedades de capitalismo,há muitos caminhos rumo ao império do mercadoe, portanto, muitas vias possíveis para a puniçãoda pobreza. A própria punição assume u’amultiplicidade de formas, não se limitando aoencarceramento: ela infiltra-se por meio dosdiferentes setores da polícia, da Justiça e dosaparatos carcerários, com efeitos variáveis; estende-se por domínios da política, intrometendo-se naprovisão de outros bens públicos como serviçosmédicos, assistência à infância e habitação; em geraldesperta reticências, muitas vezes encontraresistências e por vezes provoca vigorosos contra-ataques21. Além disso, o material e os componentesdiscursivos da política penal podem ficardissociados e viajar separadamente, levando aacentuar, de maneira hiperbólica, a missãosimbólica da punição como veículo para categorizare estabelecer fronteiras. Tudo isso exige que secorrija e aperfeiçoe-se o modelo rudimentar do nexo

entre neoliberalismo e penalidade punitiva esboçadoem As prisões da miséria.

Essa foi a tarefa empreendida em Punir ospobres: a nova gestão da miséria nos EstadosUnidos (WACQUANT, 2009b). Esse livro rompeos parâmetros usuais da economia política dapunição, trazendo seus desdobramentos nowelfare e na justiça criminal para uma únicamoldura teórica igualmente atenta ao instrumentale aos momentos expressivos da política pública.Ele utiliza o conceito de Pierre Bourdieu de “campoburocrático” para mostrar que as mudanças empolíticas sociais e penais em sociedades avançadasno último quartel de século estão mutuamentevinculadas (BOURDIEU, 1994); que o workfaremesquinho e o prisonfare generoso constituemuma única geringonça organizacional paradisciplinar e supervisionar os pobres sob umafilosofia de comportamentalismo moral e que umsistema penal expansivo e dispendioso não é umaconsequência do neoliberalismo, como afirmadoem Prisões da miséria, mas um componenteessencial do próprio Estado neoliberal. O fato éque os esforços contemporâneos da penalidadefazem parte de uma reengenharia e de umaremasculinização mais ampla do Estado quetornou obsoleta a separação acadêmica e políticaconvencional entre welfare e crime. A polícia, ostribunais e a prisão não são meros implementostécnicos mediante os quais as autoridades reagemao crime – como quer a visão de senso comumcultuada pelo Direito e pela Criminologia –, mascapacidades políticas essenciais por meio dasquais o leviatã produz e, ao mesmo tempo, gera adesigualdade, a marginalidade e a identidade. Issoilumina a necessidade de desenvolver umaSociologia Política do retorno do Estado penal aoprimeiro plano do palco histórico no início doséculo XXI, um projeto para o qual As prisões damiséria é tanto um prelúdio quanto um convite.

20 Uma respeitada revisão das pesquisas sociais sobre adifusão transnacional de políticas públicas não fazreferência alguma a crime e punição e contém uma únicamenção aos institutos de consultoria (DOBBIN,SIMMONS & GARRETT, 2007).21 Essa mistura, evidenciada em uma descrição provocativadas influências estadunidenses e internacionais nastendências recentes à “repunição” do crime juvenil e dasreações que elas suscitam, é apresentada por Muncie(2008).

Loïc Wacquant ([email protected]) é professor de Sociologia na Universidade da Califórnia(campus de Berkeley) (Estados Unidos) e pesquisador no Centre Européen de Sociologie et de SciencePolitique (França).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 41: 255-260 FEV. 2012ABSTRACTS

THE GLOBAL FIRESTORM OF LAW AND ORDER: ON PUNISHMENT ANDNEOLIBERALISM

Loïc Wacquant

This article reflects on the international reception of the book Prisons of Poverty as revelator ofpenal developments in advanced societies over the past decade. It shows that the global firestorm of“law and order” inspired by the United States that the book detected in 1999 has continued to ragefar and wide. Indeed, it has extended from First- to Second-World countries and has altered punishmentpolitics and policies around the globe in ways that no one foresaw and would have thought possiblesome 15 years ago. It extends the analysis of the role of think tanks (especially the ManhattanInstitute) in the diffusion of US-style crime-fighting notions and nostrums in Latin America as oneelement of the international circulation of pro-market policy packages fostering the punitivemanagement of poverty. It elaborates and revises the original model of the link between neoliberalismand punitive penality, leading to the analysis of state-crafting in the age of social insecurity developedin the book Punishing the Poor.

KEYWORDS: Criminal Justice; Zero Tolerance; Think Tanks; Penal State; Policy Transfer;Neoliberalism; Globalization.

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THE PROBLEM OF POLITICAL PARTICIPATION WITHIN THE DELIBERATIVE MODELOF DEMOCRACY

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques

This paper discusses the premises of the deliberative model of democracy as they address the issueof political participation. We attempt to clarify what political participation means for those who usethis model, while at the same time looking at some of the major critiques that have been directedtoward it. Through a review of an important part of the literature, and without losing sight of earliersystematizations of democratic theory, three fundamental conditions for engendering participationaccording to this discursive model are pointed to: political institutions should create and offer citizensopportunities to participate in public input; improvement in people’s socio-economic condition mustbe made; attention should be given to particular principles that have consistent regulatory influenceon the interactions and arguments in question. This is followed by attention to the criticisms raisedand flaws detected by deliberationism’s detractors. At the end of the text, a summary of the strengthsand weaknesses of the model is presented, along with a discussion of the problem of participation incontemporary democracies.

KEYWORDS: Participation; Deliberation; Democracy; Representation.

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CONVERGENCE AND CONTROVERSY ON INSTITUTIONAL CHANGE: TRADITIONALMODELS IN COMPARATIVE PERSPECTIVE

Flávio da Cunha Rezende

At present there is a paucity of work that seeks to clarify what a neo-institutional theory of changeis and what the fundamental elements to compare, evaluate and construct such a theory would be.The present paper proposes reflections on this issue. We carry out comparative analysis of four neo-institutionalist theories of social change. We present points of convergence and controversy regardingthe problem of endogeneity, the role of formal and informal institutions, typical explanatory patterns,causal mechanisms and the causal modes that typify different neo-institutional models. Our maingoal is to understand how these four traditional approaches to change respond to the challenge to