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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP CLÁUDIA THOMÉ TONI A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO PENAL DOUTORADO EM DIREITO PENAL São Paulo 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

CLÁUDIA THOMÉ TONI

A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA

NO DIREITO PENAL

DOUTORADO EM DIREITO PENAL

São Paulo

2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

CLÁUDIA THOMÉ TONI

A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA

NO DIREITO PENAL

DOUTORADO EM DIREITO PENAL

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Doutor em Direito Penal (Direito das

Relações Sociais), sob a orientação do Professor Doutor Dirceu

de Mello.

São Paulo 2007

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Banca Examinadora

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Dedicatória

Com afeto, dedico este trabalho aos meus pais, Walter e

Lucirene, consignando minha eterna gratidão.

Ao meu namorado João Batista, grande incentivador e

companheiro.

Aos meus queridos amigos, funcionários e demais

colaboradores que me apoiaram e auxiliaram durante todo

o tempo.

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Agradecimento

Ao notável mestre Doutor Dirceu de Mello, cujo espírito,

sempre aberto às novas correntes de pensamento, alimenta

nossas idéias e enriquece nossa cultura jurídica.

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“Não há nada mais difícil de se realizar, de resultado mais

incerto e de execução mais perigosa do que mudar o estado

atual das coisas”.

MAQUIAVEL

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RESUMO

A concepção moderna do instituto da família reflete o novo modo de pensar do homem

contemporâneo e é fruto das inúmeras mudanças sociais evidenciadas durante toda a nossa

história.

Pelo método exegético, estudamos o instituto da família no Direito Comparado e no Direito

pátrio, principalmente no campo do Direito Civil e do Direito Constitucional, e constatamos o

tratamento diferenciado dado às entidades familiares pelo Direito Penal brasileiro.

Este trabalho tem por objetivo sugerir a alteração dos dispositivos vigentes no Código Penal

nacional, a fim de que as entidades familiares sejam tuteladas igualmente pelo Direito Penal,

sem a prevalência das uniões matrimoniais, como hoje se evidencia.

As alterações no Código Penal terão por fim equiparar o cônjuge e o companheiro, para que a

união estável possa ser reconhecida como legítima entidade familiar pelo Direito Penal e,

afinal, consagrada em toda a sua grandeza em nosso sistema legislativo. Além disso,

abordaremos as questões polêmicas decorrentes do reconhecimento das uniões homossexuais

como entidade familiar, para sugerir alterações de artigos em vigor no Código Penal e

contemplar a união homoafetiva, com a equiparação do companheiro heterossexual ao

homossexual.

As sugestões se justificam, pois as entidades familiares, independentemente da sua forma de

constituição ou sexo de seus integrantes, não podem ficar à margem da lei, pois isso não

condiz com a realidade dos nossos tempos, com os reclamos de nossa sociedade e com os

dispositivos da Constituição Federal de 1988, que determina ampla proteção à família, sem

restringir suas espécies (art. 226, caput, e §§ ss., CF), e consagra a dignidade da pessoa

humana como princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º., III, CF).

O Direito Penal há de se adequar ao novo contorno dado às entidades familiares, que hoje se

caracterizam pelos laços de amor e afeto que unem seus membros, e se harmonizar em

definitivo com os ditames constitucionais vigentes, para romper com os formalismos quanto à

sua forma de constituição e características e reforçar a proteção desse bem jurídico de

inegável importância para o homem: a família.

Palavras-chave: Direito Penal. Instituição da família. União estável. União homoafetiva.

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ABSTRACT

The modern concept of the rules and principles related to the family reflects the new way of

thinking of contemporaneous man, and is the result of the numberless social changes that have

occurred throughout history.

By way of the exegetical method, we have studied the laws governing the family both in

Comparative Law and in the national Law, mainly in the areas of Civil Law and

Constitutional Law, and have observed the different kinds of treatment dispensed to different

family entities by the Brazilian Criminal Law.

The present work has the purpose of suggesting a change in the current provisions of the

National Penal Code, so that family entities can be sheltered equally by the Criminal Law,

without the current prevalence of marriage as voucher of a stable union.

Changes in the Penal Code should be aimed at giving the spouse and the companion the same

status, so that any stable union can be recognized as a legitimate family entity by the Criminal

Law, and consecrated in all its greatness within our legislative system. Moreover, we shall be

dealing with polemic issues derived from the recognition of homosexual unions as family entities,

in order to suggest the alteration of articles currently in force in the Penal Code, and to give homo-

affective couples the same rights their heterosexual counterparts enjoy.

The suggestions are fully justified, since family entities – regardless of how they are made up,

or of the sex of their members – cannot be ignored by the Law, for that does not fit into the

reality of our times, and goes against the demands of our society and the provisions of the

Federal Constitution of 1988, which provides for ample protection of the family, with no

restrictions regarding types (Art. 226, caput, and subsequent §§, Federal Constitution), and

which consecrates the dignity of the human person as a fundamental principle of the

Federative Republic of Brazil (Art. 1, III, FC).

The Criminal Law has to adjust to the new contour just granted to family entities – which, today,

are characterized by the bonds of love and affection that keep their members together – and also

to harmonize definitely with what the current constitution dictates, in order to break with

formalisms regarding their type of makeup and their characteristics, and thus enhance the

protection of this juridical asset of undeniable importance to mankind: the family.

Key words: Criminal Law.The family as an institution.Stable union.Homo-affective union.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................................11 CAPÍTULO I - DA FAMÍLIA ....................................................................................................................16 1.1 - Histórico..............................................................................................................................................16 1.2 - Conceito e classificação ......................................................................................................................25 1.3 - A importância social da família ..........................................................................................................29 1.4 - A família no Direito Comparado.........................................................................................................34 1.5 - A família no Direito brasileiro ............................................................................................................38

1.5.1 - A família nas Constituições anteriores a Constituição Federal de 1988.................................41 1.5.2 - A família na Constituição Federal de 1988 ............................................................................43 1.5.3 - A família no novo Código Civil .............................................................................................47 1.5.4 - A família no Direito Penal brasileiro......................................................................................49

CAPÍTULO II - DA UNIÃO ESTÁVEL....................................................................................................53 2.1 - Histórico..............................................................................................................................................53 2.2 - Conceito e outras terminologias..........................................................................................................58 2.3 - Natureza jurídica e espécies ................................................................................................................66 2.4 - Requisitos............................................................................................................................................70

2.4.1 - Convivência.............................................................................................................................72 2.4.2 - Ausência de formalismo..........................................................................................................73 2.4.3 - Diversidade de sexos ...............................................................................................................73 2.4.4 - Unicidade de vínculo...............................................................................................................74 2.4.5 - Estabilidade: Duração..............................................................................................................75 2.4.6 - Continuidade ...........................................................................................................................76 2.4.7 - Publicidade ..............................................................................................................................77 2.4.8 - Inexistência de impedimentos matrimoniais ...........................................................................78 2.4.9 - Objetivo de constituição de família.........................................................................................79 2.4.10 - Outros requisitos....................................................................................................................80

2.5 - A união homoafetiva: instituto próprio ou espécie de união estável?.................................................81 2.6 - A união estável no Direito Comparado...............................................................................................93

2.6.1 - A união estável do Direito Civil Comparado ..........................................................................94 2.6.2 - A união estável no Direito Penal Comparado .......................................................................100

2.7 - A união estável no Direito brasileiro ................................................................................................107 2.8 - A união estável no novo Código Civil ..............................................................................................112 2.9 - A união estável no Direito Penal brasileiro.......................................................................................113 CAPÍTULO III - A FAMÍLIA NO CÓDIGO PENAL DE 1940 ..............................................................120 3.1 - Considerações gerais.........................................................................................................................120 3.2 - Normas penais incriminadoras..........................................................................................................121 3.3 - Normas penais não incriminadoras ...................................................................................................124

3.3.1 - Escusas Absolutórias ............................................................................................................125 3.3.2 - Causas de extinção da punibilidade......................................................................................129

3.4 - Tipos penais em espécie....................................................................................................................136 3.4.1 - Dos crimes contra o casamento ............................................................................................140

3.4.1.1 - Bigamia ..................................................................................................................142 3.4.1.2 - Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento ....................................145 3.4.1.3 - Conhecimento prévio de impedimento ..................................................................148 3.4.1.4 - Simulação de autoridade para celebração de casamento........................................149 3.4.1.5 - Simulação de casamento ........................................................................................151 3.4.1.6 - Adultério ................................................................................................................152

3.4.2 - Dos crimes contra o estado de filiação .................................................................................153

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3.4.2.1 - Registro de nascimento inexistente .......................................................................153 3.4.2.2 - Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de

recém-nascido .......................................................................................................154 3.4.2.3 - Sonegação de estado de filiação ............................................................................156

3.4.3 - Dos crimes contra a assistência familiar ..............................................................................157 3.4.3.1 - Abandono material ................................................................................................157 3.4.3.2 - Entrega de filho menor a pessoa inidônea.............................................................159 3.4.3.3 - Abandono intelectual.............................................................................................161 3.4.3.4 - Abandono moral....................................................................................................163

3.4.4 - Dos crimes contra o pátrio poder, tutela ou curatela............................................................164 3.4.4.1 - Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes.......................165 3.4.4.2 - Subtração de incapazes..........................................................................................167

3.5 - Circunstâncias ...................................................................................................................................168 CAPÍTULO IV - A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA NO CÓDIGO PENAL...........178 4.1 - Considerações constitucionais ..........................................................................................................178 4.2 - O Direito Penal e a constitucionalização do Direito Civil: ramos de Direito Público? ....................181 4.3 - Princípio da legalidade......................................................................................................................187 4.4 - As inovações legislativas de ordem penal e seus reflexos nos crimes contra a família e na união

estável...............................................................................................................................................195 4.4.1 - Da Lei 10.886, de 17 de junho de 2004...............................................................................197 4.4.2 - Da Lei 11.106, de 28 de março de 2005 ..............................................................................199 4.4.3 - Da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, “Lei Maria da Penha”...........................................214

4.5 - A união homoafetiva e o Direito Penal pátrio...................................................................................225 4.6 - Alterações sugeridas nos dispositivos penais em vigor ....................................................................229

4.6.1 - Normas penais incriminadoras ............................................................................................232 4.6.2 - Normas não incriminadoras.................................................................................................253

4.7 - Aspectos processuais.........................................................................................................................262 CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................270 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................................280 ANEXOS............................................................................................................................................VOL. II

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INTRODUÇÃO

A família, considerada célula mater da sociedade, organismo essencial para o

desenvolvimento do homem e manutenção do próprio Estado, constitui instituto de extrema

importância não somente para o Direito, mas também para diversas áreas do conhecimento

humano, já que se traduz em núcleo social, religioso, ético, moral e político.

Apesar de influenciadas pelas características das famílias romana, germânica e

canônica, como abordaremos no Capítulo I desse estudo, as entidades familiares na atualidade

têm novos contornos, pois, em razão das mudanças sociais evidenciadas no mundo a partir da

Revolução Industrial, cujos reflexos foram verificados mais significativamente no século

XIX, os estudiosos do Direito, nacionais e estrangeiros, refletiram a respeito da necessidade

de nova regulamentação legal para a matéria.

As mudanças no comportamento do homem verificadas a partir do século XIX foram

determinantes para o surgimento de várias formas de entidades familiares, o que infelizmente

não foi acompanhado pelo legislador que, durante muitos anos, admitiu como legítima

somente a família constituída pelo casamento, ignorando a união estável, a família

monoparental e a união homoafetiva.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência desde logo absorveram as modificações no

modo de vida do homem e consideraram a ampla concepção do instituto da família, ou seja,

da família fundada em laços de afeto, igualdade e respeito entre seus membros, oriunda da

união informal de seus integrantes, sem, portanto, os formalismos do casamento. Isso gerou

grande repercussão no mundo jurídico e determinou a alteração de leis para a consagração de

novas formas de uniões escolhidas pelo homem contemporâneo, que são objeto de nosso

estudo, ou seja, a união estável e a união homoafetiva.

Há de mencionar no Capítulo II que a relação informal estabelecida entre os casais na

união estável, aliada ao modo de pensar do homem moderno, determinou a superação do

preconceito e da discriminação para que se admitisse a união homoafetiva como entidade familiar

no Direito pátrio e no Direito estrangeiro, por isso, ainda que entendamos que a união

homossexual é instituto diverso da união estável, e que é recomendável a aprovação de Emenda à

Constituição, a fim de que não se questione sua constitucionalidade e a fim de que a lei ordinária

possa regulamentá-la em definitivo, a expressão “companheiro”, constante da legislação nacional

penal ou civil, no que couber, há de englobar o companheiro homossexual.

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No Brasil, a Constituição em vigor ressaltou a importância da união não-matrimonial

ao dispor que a família é a base da sociedade e goza de proteção especial do Estado (art. 226,

caput, CF) e ao reconhecer expressamente a união estável e a família monoparental como

entidades familiares (art. 226, §§ 3o. e 4º., CF). Esses comandos constitucionais determinaram

que se ampliasse o conceito de família e que se abandonasse a concepção patriarcal e

hierárquica de outrora, reduzida ao núcleo formado pelo casal e filhos, para que a entidade

familiar pudesse ser compreendida como um núcleo composto por membros unidos pelo afeto

e respeito, com paridade nas relações pessoais e patrimoniais, independentemente da sua

forma de constituição e sexo de seus membros.

As determinações da Constituição Federal constantes do artigo 226, § 3º., também

foram determinantes para a atualização da legislação em vigor no Brasil e para a

regulamentação do instituto da união estável, sobretudo na seara do Direito Civil, que se

adaptou à nova realidade com a promulgação do Código Civil de 2002.

Nosso Direito Penal, cuja principal fonte é a Constituição Federal, também acolheu a

família como bem jurídico essencial e merecedor de proteção legal. Entretanto, como

destacaremos no Capítulo III, evidencia-se ainda a resistência do legislador em equiparar

cônjuges e companheiros na lei penal, a fim de que se consagre a nova concepção

constitucional de família: a família socioafetiva, caracterizada pelos laços de afeto que unem

seus membros, independentemente de formalismos.

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999, conforme

observamos no Capítulo IV, inovou ao prever o companheiro em seus artigos 121, §§ 3º., 4º.,

7º; 127, § 1º.; 128, § 8º., inciso II; 133, parágrafo único, inciso II; 150, § 1º., inciso I; 213,

inciso I; 214, inciso I; 244, caput; e 353, § 2º., equiparando-o à figura do cônjuge. Porém, o

Anteprojeto não foi aprovado e a inserção da união não-matrimonial no Código de 1940 não

se concretizou.

As Leis 10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006, entretanto, como ressaltamos no

Capítulo IV, se anteciparam à aprovação do Anteprojeto e determinaram a inclusão da união

estável no Código Penal, permitindo a inserção do companheiro em seus artigos 61, inciso II,

alínea f, última parte; 129, § 9º.; 148, § 1º., inciso I; 226, inciso II; e 227, § 1º.. Contudo, as

alterações oriundas das leis em pauta não foram suficientes para equiparar cônjuges e

companheiros no Código Penal, já que nos artigos 61, inciso II, alínea e; 133, § 3º., inciso II;

181, inciso I; 182, inciso I; 244, caput e 348, § 2º., do referido diploma legal, há menção

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apenas ao cônjuge e não há qualquer alusão aos companheiros no Titulo VII do Código Penal

que trata dos crimes contra a família.

Apontaremos também no Capítulo IV que a Lei 11.340/2006, que dispõe sobre os

crimes de violência doméstica contra a mulher, inovou, no campo do Direito Penal, ao admitir

a união homoafetiva feminina (at. 5º., II e III, e parágrafo único). Essa inovação nos indica

que o legislador nacional reconheceu a legitimidade da união homoafetiva no Direito Penal, e,

portanto, o aplicador da lei pode reconhecer a incidência das normas penais não

incriminadoras constantes do Código Penal em vigor, que se aplicam aos companheiros

heterossexuais por analogia, ou seja, os artigos 181, inciso I; 182, inciso I; e 348, § 2º., aos

casos concretos que envolvam casais homossexuais, inclusive os homossexuais masculinos,

embora excluídos pela Lei 11.340/2006, para que não haja violação do princípio

constitucional de igualdade (art. 5º., caput, CF). Há de se reconhecer também a incidência dos

artigos do Código de Processo Penal, que, por analogia, possam ser aplicados aos

companheiros heterossexuais aos conviventes homossexuais, ou seja, os artigos 24, § 1º.; 31;

63; 149, caput; 206; 252, incisos I e IV; 253; 254, incisos II e III; 257; 258; 274; 280; 462; e

623, em razão do disposto no artigo 3º., do referido diploma legal.

A inserção da união homoafetiva no sistema penal nacional, além de imprescindível

ante a nova concepção do instituto da família adotada pelo Direito Constitucional, nos alerta

para o tratamento insuficiente da união estável pelo legislador penalista pátrio e reforça a

necessidade de revisão dos dispositivos do Código Penal para a efetiva equiparação dos

cônjuges e companheiros. Se aprovado o Projeto de Lei 1.151/95 e seu Substitutivo, que

regulamentam a união entre homossexuais e prevêem tipos penais incriminadores para

determinadas condutas, a união homossexual gozará de ampla tutela penal em determinados

casos, enquanto a união estável não terá qualquer proteção legal, como por exemplo, na

hipótese de punição do parceiro homossexual que estabelece simultânea união homoafetiva

(art. 8º., Projeto de Lei 1.151/95; e art. 7º., parágrafo único, Substitutivo), já que inexiste

sanção penal aplicável a tal conduta praticada por companheiros na união estável.

Este estudo tem por objetivo, portanto, harmonizar a atual concepção do instituto da

família no Direito pátrio, oriunda dos ditames constitucionais vigentes, que determinaram a

ampla proteção às entidades familiares (art. 226, caput, CF), independentemente de sua

espécie ou forma de constituição, com as disposições de nosso Código Penal em vigor, a fim

de que a família possa ter preservadas as garantias que lhe foram destinadas pelo legislador e

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que efetivamente revelam a sua importância para nossa sociedade. Além disso, este estudo

pretende sugerir alterações dos dispositivos penais pertinentes para a consagração da união

estável e da união homoafetiva no Código Penal, com a equiparação do cônjuge ao

companheiro, heterossexual e homossexual, em respeito ao princípio da igualdade (art. 5º,

caput, CF) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º., III, CF).

Trataremos também no Capítulo IV dos aspectos jurídicos decorrentes do

reconhecimento da união estável e da união homoafetiva como legítimas entidades familiares

no âmbito do Direito Penal pátrio e ainda as legislações em vigor no Direito Comparado, com

sugestões para a alteração dos dispositivos legais em vigor em nosso Código Penal.

As normais penais incriminadoras que merecem revisão para a inclusão da união

estável e da união homoafetiva, constam dos seguintes artigos do Código Penal: o artigo 61,

inciso II, alínea e; o artigo 121, se aprovada a alteração no Anteprojeto para a inserção da

eutanásia (§ 3o.); o artigo 133, § 3o., inciso II; o artigo 148, § 1º., inciso I; o artigo 225, § 1o.

inciso II; o artigo 226, inciso II; o artigo 227, § 1º.; o artigo 235 caput e § 1o., e 2o., com a

inserção de dois novos parágrafos (§ 3o. e § 4º.); e artigo 244 caput, do Código Penal. Além

disso, são necessárias as revisões do artigo 236 caput e parágrafo único; artigo 237, do

Código Penal apenas para a inclusão da união estável, pois não há regulamentação específica

na lei ordinária sobre impedimentos para a constituição das uniões homoafetivas e ainda da

redação do Título VII do Código Penal para a inclusão da proteção às entidades familiares em

pauta, a união estável e a união homoafetiva, e do teor Capítulo IV, do referido Título VII,

para a substituição do termo de pátrio poder pela expressão poder familiar, em razão dos

ditames de novo Código Civil (arts. 1.630 e 1.631, CC).

No que se refere às normas penais não incriminadoras atinentes à união estável e à

união homoafetiva, apesar de possível a aplicação da analogia para a sua aplicação aos casos

concretos que envolvam companheiros heterossexuais ou homossexuais, entendemos

imprescindível a revisão da lei penal para que as entidades em questão sejam expressamente

consagradas pelo legislador. Assim, acreditamos que deverão ser revistos os seguintes artigos

do Código Penal: artigo 121, com redação proposta do Anteprojeto para a inserção dos §§ 4º.

e 7º.; artigo 128, com redação proposta Anteprojeto que amplia seus termos (art. 127 e § 1º.);

artigo 129, se aprovada a proposta do Anteprojeto para inserção de novo parágrafo (art. 128, §

8º.); artigo 181, inciso I (art. 213, I, Anteprojeto); artigo 182, inciso I (art. 214, Anteprojeto);

e artigos 348, § 2º (art. 353, § 2º., Anteprojeto).

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Além disso, em que pese a disposição do artigo 3º., do Código de Processo Penal, para

que se respeite a ampla proteção à família consagrada pela Constituição Federal de 1988, é

necessário também rever as disposições de ordem processual que não consagrem os

companheiros, do mesmo sexo ou não, ou seja, os artigos 24, § 1o.; 31; 63; 149, caput; 206;

252, incisos I e IV; 253; 254, incisos II e III; 255; 258; 462; e 623 do Código de Processo

Penal.

De qualquer forma, é imprescindível a reforma integral do nosso Código Penal, tanto

em sua Parte Geral como em sua Parte Especial, para a expressa previsão da união estável e

da união homoafetiva nos artigos pertinentes, pois somente assim haverá preservação da

unidade e harmonia do sistema, não se infringirá o princípio da legalidade (art. 5o., XXXIX,

CF e art. 1º., CP), pois é vedada a interpretação extensiva do termo “cônjuge” para a inclusão

do companheiro nas normas penais incriminadoras, e será recepcionada a nova concepção da

família consagrada pela Constituição Federal em vigor: a família socioafetiva.

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CAPÍTULO I - DA FAMÍLIA

1.1 - Histórico

O estudo da família, e dos temas a ela correlatos, não nos permite ignorar a história da

sua evolução, pois é certo que, para a compreensão do seu atual conceito, devem ser

analisadas todas as influências exercidas sobre ela pelo poder político, religioso, social e

econômico, evidenciados em cada comunidade em diferentes épocas e locais.

Nos dizeres de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

Mudam os costumes, mudam os homens, muda a história; só parece não mudar esta verdade, vale dizer, a atávica necessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, isto é, o seio de sua família.1

A origem da família, nos povos primitivos, como instituição grupal é ainda bastante

polêmica, inexistindo consenso entre os estudiosos a respeito. Para Orlando Gomes, a análise

das teorias sociológicas e jurídicas sobre a origem da família não despertou interesse de

outros juristas, por entendê-la desnecessária à compreensão do modelo atual.2

Nos estudos conhecidos sobre aglomerados, a família, em regra, é descrita como um

grupo estabelecido com vínculo de união, com certa durabilidade e necessidade de convívio

em comum. Segundo San Tiago Dantas, citado nas lições de Guilherme Calmon Nogueira da

Gama, há quem defenda que a família não foi o primeiro aglomerado humano, pois ela tem

características próprias e inerentes a grupos mais evoluídos do que os formados por mero

instinto sexual.3

Nas lições de Mac Lenan e Morgan, conforme nos elucida Caio Mário da Silva

Pereira, a origem da família tem como ponto referencial a promiscuidade sexual originária,

segundo a qual todas as mulheres pertenciam a todos os homens. Entretanto, Caio Mário da

Silva Pereira, referindo-se a outros autores, consigna a existência de tipos familiares diversos

também apontados como originários da instituição da família, tais como, o “familiar

monogâmico”, que se caracteriza pela união de um homem e uma mulher, conforme os

1HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 1, n. 1, abr./jun. 1999, p. 8. 2GOMES, Orlando. Direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 34. 3DANTAS, San Tiago. Direito de família e das sucessões. 2. ed. rev. e atual. por José Gomes Bezerra Câmara de Jair Barros. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 3, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 28.

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ensinamentos de Ziegler, Starck, Darwin, Westermarck; o “poliândrico”, que representa a união

de vários homens com uma só mulher, de acordo com Spencer; e ainda o “matrimônio por

grupo”, consubstanciado na união de algumas mulheres com alguns homens, segundo Engels.4

Contudo, em que pese o entendimento dos doutrinadores acima citados e os estudos

que atestam a organização estritamente matriarcal em certo período da história, em razão da

ausência dos maridos, que se dedicavam à caça e às guerras, para Caio Mário da Silva Pereira,

a idéia da família “monogâmica e patriarcal” era aquela que se evidenciava nos povos

primitivos.5

As considerações citadas a respeito da origem das entidades familiares e as pesquisas

sobre a evolução humana nos permitem dizer que a atual concepção do termo “família”

decorre da influência direta das características da família romana, canônica e germânica, por

isso entendemos relevante a análise de cada uma delas neste estudo. Além disso, há de se

consignar que a independência da mulher, gradativamente conquistada por ela ao longo da

história, também foi essencial para as mudanças verificadas na estrutura das entidades

familiares da Antiguidade até os nossos tempos, como abordaremos nos parágrafos a seguir.

Consoante Arnoldo Wald, no Direito Romano, a família constituía um núcleo social

eminentemente político e era organizada sob o princípio da autoridade do ascendente comum

mais velho: o paterfamilias. Ele exercia total poder sobre os descendentes não emancipados, a

sua esposa e as mulheres casadas, sem manus, com os seus descendentes.6 Em seus dizeres:

A mulher, ao casar, podia continuar sob a autoridade paterna, no casamento ‘sem manus’, ou entrar na família marital, no casamento com ‘manus’. O que não se admitia era que uma mesma pessoa pertencesse simultaneamente a duas famílias.7

Acrescenta Luiz Augusto Gomes Varjão que, com o casamento, a mulher passava para o

manus maritalis (poder maritalis). Porém, admitindo-se o casamento sine manus, a mulher ficava

em situação conjugal de independência, mas sujeita ao domicílio do marido e a ser-lhe fiel.8

4PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 14. ed. atual. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5, p. 24. 5Id. Ibid., p. 24-25. 6WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 9. 7WALD, Arnoldo. op. cit., p. 10. A palavra manus significa mão, poder, autoridade. O manus maritalis era o poder conferido ao marido no casamento. No casamento com manus, a mulher era colocada sob o poder do seu marido e no casamento sine manu, ela continuava sob o poder do pater. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 77. 8VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União estável: necessidade e definição dos requisitos e efeitos. Tese de Doutorado em Direito Civil – Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998, p. 11-12.

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Vale citar que, no Direito Romano, a mulher deixa de ser objeto nas relações

matrimoniais, como se evidenciava dentre os povos primitivos, e passa a ser sujeito de direito,

apesar de ainda permanecer em situação de inferioridade em relação ao homem. Recorda San

Tiago Dantas, segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama, que:

(...) nos povos primitivos sempre se encontram vestígios de duas formas de matrimônio: o rapto e a compra. O matrimônio se apresenta como ato de apreensão da mulher, ato que exige, a princípio, o emprego da força e, numa época talvez evoluída, exige o pagamento de um preço. O homem é sujeito do ato; a mulher, o objeto. Deve-se ao Direito Romano ter elevado a mulher, na Antiguidade, à categoria de sujeito do matrimônio, esboçando uma profunda transformação moral e jurídica que o Cristianismo iria aperfeiçoar e terminar.9

Na Roma clássica, o ascendente comum mais velho era, ao mesmo tempo, chefe

político, sacerdote e juiz, o que determinava forte unidade entre os membros da família e

impedia que o patrimônio constituído por eles fosse considerado individualmente.

Arnoldo Wald ainda nos elucida que:

Existiam em Roma duas espécie de parentesco: a ‘agnação’ e a ‘cognação’. A agnação vinculava as pessoas que estavam sujeitas ao mesmo ‘pater’, mesmo quando não fossem consangüíneas (filho natural e filho adotivo do mesmo ‘pater’, por exemplo). A cognação era o parentesco pelo sangue que existia entre pessoas que não deviam necessariamente ser agnada uma da outra. Assim, por exemplo, a mulher casada com o ‘manus’ era cognada mas não agnada do seu irmão, o mesmo ocorrendo com o filho emancipado em relação àquele que continuasse sob a ‘patria potestas’.10

E acrescenta que:

Ao lado da família, existia a ‘gens’, que alguns consideram como subdivisão da cúria e outros como um agregado das famílias oriundas de um tronco comum. A ‘gens’ criava entre os seus membros direitos sucessórios e exercia importante função política, tendo território próprio e chefe – o ‘pater gentis’.11

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, com o Imperador Constantino, a partir do século

IV, adotou-se no Direito Romano a concepção cristã da família, prevalecendo, portanto, as

preocupações de ordem moral. Além disso, com as várias guerras travadas à época, a idéia de

9DANTAS, San Tiago. op. cit., p. 29, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 30. 10WALD, Arnoldo. op. cit., p. 10. A patria potestas era o poder quase absoluto que o paterfamilias exercia sobre os que dele dependiam, ou seja, sobre seus filhos, esposa, nora, netos. O paterfamilias podia decidir sobre a vida e morte de seus filhos, vendê-los como escravos, definir com quem eles se casariam, obrigá-los a se divorciarem e ainda deliberar sobre o patrimônio da família. CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., p. 81. 11WALD, Arnoldo. op. cit., p. 10. A gens era o conjunto de pessoas que descendiam de um antepassado comum pela linha masculina. CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., p. 26.

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constituição de patrimônio para os filhos foi sacramentada, o que determinou a redução do

poder atribuído ao pater e possibilitou maior autonomia aos filhos e à mulher.12

As palavras do referido autor são assim reiteradas por Arnoldo Wald:

No Império, desaparece a ‘gens’ e se concedem direitos sucessórios e alimentares aos cognados. O Estado limita a autoridade do ‘pater’, admitindo-se que o ‘alieni juris’ possa recorrer ao magistrado no caso de abuso do ‘pater’. Desaparece a venda dos filhos pelo pai, e a este só se permite aplicar a ‘modica castigatio’ (pena moderada). A mãe, em virtude de disposições de direito pretoriano, é autorizada a substituir o pai, ficando com a guarda dos filhos. Com o ‘Senatus-consulto Tertuliano’, passa ela a ter direitos sucessórios na herança do filho, tornando-se herdeira legal na ausência de descendentes e de irmãos consangüíneos do falecido. Por sua vez, o ‘Senatus-consulto Orfitiano’ dá aos filhos direito na sucessão materna.13

Consoante ainda Arnoldo Wald, com o casamento sem manus, a emancipação da mulher

passou a ser gradual. A mulher casada sine manus continuava sob o pátrio poder e, se não tivesse

antepassados vivos do sexo masculino, ficaria sob a tutela de um agnado.14 Com as leis

demográficas de Augusto, ficam isentas de tutela as mães de três ou mais filhos e, na época de

Adriano, a mulher não necessita mais de assistência do tutor para praticar atos jurídicos.15

Acrescenta Arnoldo Wald que, na época imperial, a mulher passa a gozar de total

autonomia na vida social e política, admitindo-se desde então a dissolução da família

romana16, o que nos parece ter sido primordial para alteração dos contornos dados ao instituto

da família até então.

Na Roma antiga, admitia-se o fim do casamento na ausência da affectio maritalis ou na

falta de convivência do casal, fato inadmissível no Direito Canônico, que não permitia em

nenhuma hipótese o divórcio, por considerar o casamento um sacramento selado pela ordem

divina.

De acordo com San Tiago Dantas, a affectio maritalis, para os romanos, era um elemento

necessário ao casamento, devia existir enquanto o vínculo conjugal perdurasse. Representava o

12GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005, v. VI, p. 15. 13WALD, Arnoldo. op. cit., p. 11. José Cretella Júnior elucida-nos que os senatus-consultos, uma das fontes do Direito Romano, eram medidas de ordem legislativa emanadas pelo Senado que, quando propostas por imperadores, levavam seu nome. O autor ainda afirma que, quanto ao status familiar no Direito Romano, as pessoas podiam ser classificadas em independentes (sui iuris), quando não sujeitas ao pátrio poder, ou dependentes (alieni iuris), quando sujeitas ao pátrio poder. CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., pp. 41 e 78-79. 14Ibid., p. 11. 15Ibid., pp. 11-12. 16Id. Ibid., p. 12.

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elemento subjetivo do casamento e podia ser identificado no “tratamento de esposa” dado pelo

homem à mulher, associando-a à sua condição social, aos seus costumes, ao seu nome e ao seu

modus vivendi. A affectio maritalis podia configurar o animus do casamento, ou seja, o desejo do

homem de viver com a mulher para sempre. O elemento objetivo do casamento era a deductio in

domum mariti, ou seja, a transferência da mulher para a casa do marido.17

Ponderam ainda Alexandre Correia e Gaetano Sciascia, segundo os ensinamentos de Luiz

Augusto Gomes Varjão, que, para a manutenção do casamento, outro elemento se fazia

necessário: a honor matrimonii, que consistia na expressão da affectio maritalis por meio de atos

exteriores, como, por exemplo, a coabitação, a constituição de dote, a posição social, etc.18

Assevera Arnoldo Wald que Justiniano tentou restringir as causas do divórcio, mas

consigna que, depois de certo tempo, voltou a ser admitido, no Direito Romano, o divórcio por

mútuo consenso, pois os romanos acreditavam que a vontade que selava o casamento podia

desfazê-lo.19

Em Roma, segundo as lições de Arnold Wald, o divórcio, além de admitido, importava na

efetiva dissolução do vínculo conjugal, cuja decretação estava a cargo da autoridade judiciária.20

O concubinato já existia entre os romanos, sendo certo que a concubina ocupava

posição social da qual decorriam conseqüências jurídicas. Nos dizeres de San Tiago Dantas,

conforme citação de Guilherme Calmon Nogueira da Gama: Era o concubinato a união da

liberta com o seu patrono. Era concubinato, enfim, toda a ligação entre o homem e a mulher

na qual não ocorresse a ‘affectio maritalis’.21

Áurea Pimentel Pereira, conforme citação de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, diz

que o modelo de família patriarcal romana tinha as mesmas características da família primitiva

grega, que concentrava nas mãos do chefe de família todo o poder para representá-la.22

Diversa, porém, era a concepção da família no Direito Canônico.

17DANTAS, San Tiago. op. cit., p. 32, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 31. 18CORREIA, Alexandre, SCIASCIA, Gaetano. Manual de Direito Romano. São Paulo: Saraiva, 1949, v. I, p. 105, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 6. 19WALD, Arnoldo. op. cit., p. 12. 20Id. Ibid., pp. 14-15. 21DANTAS, San Tiago. op. cit., p. 33, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 32. 22PEREIRA, Áurea Pimentel. A nova Constituição e o direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 25, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 32.

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Lembra Guilherme Calmon Nogueira da Gama que:

Com o aparecimento do Cristianismo, a Igreja passou a legislar através das normas que denominou cânones, com a finalidade de diferenciá-las das leis que provinham do Estado, sendo certo que a Igreja, no início de suas atividades, não interferiu no Direito Romano, pertencente ao Estado. O conjunto de normas editadas pela Igreja passou a ser denominada Direito Canônico, consistente na legislação eclesiástica elaborada, sendo que no curso dos tempos uma das questões mais freqüentemente abordada pela Igreja foi justamente a família, e em especial o matrimônio.23

Como acima ressaltado, os canonistas não consideravam o matrimônio apenas um contrato

ou mera situação de fato capaz de gerar efeitos jurídicos como entendiam os romanos, mas também

um sacramento, por isso não se admitia que a sua dissolução fosse feita pelos homens.24

João de Matos Antunes Varela, citado por Luiz Augusto Gomes Varjão em seus

ensinamentos, elucida-nos que:

(...) a família deixou de constituir uma unidade política, e transformando-se numa comunidade natural, que compreendia apenas as pessoas ligadas entre si pelo casamento e pelos laços da procriação. A mulher passou a ocupar um lugar próprio na instituição familiar, distinto do reservado aos filhos.25

Arnoldo Wald pondera que havia certa divergência entre a concepção da Igreja e a

concepção medieval a respeito do casamento. Para a Igreja, o matrimônio dependia apenas do

consenso das partes. Para a sociedade medieval, o matrimônio tinha repercussão econômica e

política e, portanto, requeria a anuência das famílias. Além disso, a indissolubilidade do

casamento determinou que a doutrina, à época, estabelecesse um rol de motivos que

impedissem a sua realização exatamente para prevenir o seu término, tais como eventual

incapacidade (idade, diferença de religião, impotência, casamento anterior), algum vício de

consentimento (dolo, erro ou coação) ou a existência de alguma relação anterior (parentesco,

afinidade). Tais disposições contrariavam as orientações da Igreja, que exigia para a validade

do casamento apenas o consentimento dos nubentes e as relações sexuais voluntárias.26

23GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 33. 24No Novo Testamento, há divergências a respeito da admissão do fim do casamento. No Evangelho de São Mateus há menção ao divórcio no caso de adultério da mulher (Mateus 19, 7-9 e 5, 31-32) e no Evangelho de São Marcos não se admite o divórcio em nenhuma hipótese (Marcos 10, 11-12). 25VARELA, João de Matos Antunes. Direito de família. Lisboa: Liv. Petrony, 1982, p. 30, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 7. 26WALD, Arnoldo. op. cit., pp. 13-14.

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O divórcio era inaceitável pelo Direito Canônico segundo o mesmo autor. Mantinha-se

o vínculo conjugal, permitindo-se apenas a separação de corpos e do patrimônio do casal, cujo

reconhecimento estava a cargo da autoridade religiosa. A separação de corpos era admitida

excepcionalmente, como por exemplo, nos casos de adultério e heresia, nas tentativas de

homicídio ou nas sevícias de um cônjuge em relação ao outro, sendo que apenas no século

XIV passou-se a permitir a separação no caso de acordo entre cônjuges. A separação no

Direito Canônico tinha por efeitos apenas a formalização do fim da coabitação, subsistindo o

dever de alimentos e de fidelidade recíproca entre os cônjuges.27

Aponta San Tiago Dantas que diferente é a importância da affectio maritalis (elemento

subjetivo do casamento) no Direito Romano e no Direito Canônico. No primeiro, como

abordado anteriormente (p. 20), a affectio maritalis deveria se fazer presente durante todo o

matrimônio. Para a doutrina da Igreja, porém, bastava a sua verificação no início do

casamento. Com relação ao elemento objetivo, também havia divergência quanto à sua

concepção, pois, no Direito Canônico a transferência da mulher de uma família para a outra

era elemento secundário no casamento. Assim, nos dizeres do autor, para o canonista, é a

conjunção carnal que é o elemento objetivo do matrimônio; é a cópula carnalis que consuma

a união entre o homem e a mulher.28

No que se refere às relações pessoais entre os cônjuges, de acordo com Guilherme

Calmon Nogueira da Gama:

(...) o Direito Canônico procurou implantar a idéia da igualdade moral entre os nubentes, retirando a mulher daquela posição de inferioridade mantida no Direito Romano, levando a Igreja a formular uma série de princípios para orientar a convivência do casal. Contudo, uma inspiração marcadamente sujeita à preponderância do homem propõe a chefia da sociedade conjugal seguindo os moldes da família patriarcal, autorizando ao homem o poder de fixar o domicílio conjugal. Quanto à prole, a ‘auctoritas’ do Direito Romano é substituída pela conceituação do pátrio poder com um ‘munus’, encargo que tem sua medida no interesse do filho.29

Durante a Idade Média, quando há muito tempo já se evidenciava forte influência do

Direito Canônico, a invasão dos bárbaros foi decisiva para a absorção de novos contornos

dados à família, por isso a família germânica também será objeto de considerações nos

parágrafos a seguir.

27WALD, Arnoldo. op. cit., pp. 14-15. 28DANTAS, San Tiago. op. cit., p. 48, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., pp. 33-34. 29GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 34. A palavra auctoritas significa, em latim, autoridade. PEREIRA DE QUEIROZ, O. A. Dicionário Latim-Português. São Paulo: L.E.P., 1961, p. 43.

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Segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, no que concerne às relações patrimoniais,

houve na Idade Média grande influência do espírito comunitário trazido pelos povos

germânicos que invadiram as regiões da Europa Ocidental a partir do século IV.30

Guilherme Calmon Nogueira da Gama ressalta a importância da influência do Direito

Germânico nas relações familiares e cita San Tiago Dantas que nos ensina:

(...) a família germânica era do ‘tipo parental’, ou seja, o pátrio poder é o poder do pai e não o poder do chefe de família, sendo que à esposa era reservada uma posição moralmente elevada. Nos agrupamentos germânicos primitivos o casamento era celebrado perante a reunião de homens livres, sendo que posteriormente ele passou a se estabelecer perante os juízes, para finalmente ser contraído perante um juiz, representante da comunidade. De se notar que esta é a origem do hoje conhecido casamento civil, como instituto que conta com a participação do Estado no próprio ato da celebração. Com a convivência das três influências – Direito Romano, Canônico e Bárbaro –, observa-se a preocupação da Igreja, aos poucos, em exigir que o matrimônio fosse celebrado perante ela.31

Guilherme Calmon Nogueira da Gama ainda pondera que, na oportunidade, a Igreja

passa a se preocupar com o consensus, ou seja, com a real intenção dos nubentes ao

receberem o sacramento do matrimônio. Além disso, formula-se a teoria dos impedimentos

matrimoniais, com o fim de evitar o casamento eivado de vícios.32

Arnoldo Wald assevera que, no fim da Idade Média, sobretudo após o movimento da

Reforma, acirraram-se os conflitos quanto à competência dos tribunais civis e religiosos

acerca das questões relativas aos direitos da família, pois para os protestantes tais questões

deviam ser submetidas à autoridade civil e não eclesiástica, já que se tem em tela ato da vida

civil formalizado por um mero contrato natural e não um sacramento como preconizava o

Direito Canônico conforme já exposto (p. 21).33

Ao se referir às lições de Marcel Planiol, Guillermo Borda e Washington de Barros

Monteiro, Yussef Said Cahali diz que: Para Lutero e seus seguidores, o casamento é mera

instituição civil, degradado à condição de coisa exterior e mundana, como o vestuário, os

alimentos e a habitação, sujeita assim à autoridade secular.34

30VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 7. 31DANTAS, San Tiago. op. cit., p. 57, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 35. 32GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 36. 33WALD, Arnoldo. op. cit., p. 15. 34PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. 4 ed. Paris: Libr. Générale, 1906, vol. I, n. 1.134, p. 372; BORDA, Guillermo A. Família. 3. ed. Buenos Aires: Perrot, 1962, p. 439 e MONTEIRO, Washington de Barros, Direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, s/v, p. 227, apud CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 28.

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Arnoldo Wald alega que, como reação dos meios católicos à Reforma, o Concílio de

Trento (1542-1563), reafirmou o caráter sacramental do casamento e o entendimento da Igreja

quanto à competência da autoridade eclesiástica para dirimir questões sobre o matrimônio,

influenciando sobremaneira a evolução do Direito de Família nos países católicos que

adotaram as decisões do Concílio, como ocorreu em Portugal.35

Com o Renascimento, a autoridade do rei se fortalece e, assim, a competência para as

decisões dos conflitos oriundos das relações de família volta para o Estado.

Posteriormente, segundo Arnoldo Wald, com o objetivo de evitar os casamentos

clandestinos, evidenciou-se verdadeiro acordo entre a Igreja e o Estado, o que determinou a

exigência de maior publicidade do ato e a presença de testemunhas, formalidades que foram

absorvidas definitivamente pelo Direito moderno.36

Arnoldo Wald ainda nos elucida que o problema das minorias não católicas

determinou que o Estado admitisse, ao lado do casamento religioso, o casamento civil,

instituído na França em 1767, e que, pouco a pouco, ele fosse adotado pelos países católicos e

pelos países protestantes, com a determinação de que a competência das autoridades

eclesiásticas fosse absorvida pela autoridade civil.37

E assegura que:

Passou a dominar assim modernamente a concepção leiga do casamento, vitoriosa na maioria das legislações vigentes, sem prejuízo do reconhecimento do casamento religioso. Na sua técnica, o direito leigo de família conservou, todavia, os conceitos básicos elaborados pela doutrina canônica, que ainda hoje encontramos no próprio direito brasileiro.38

Há de se recordar que, além da Reforma Luterana, outros dois fatos históricos tiveram

significativa importância para a mudança da estrutura familiar: a Revolução Francesa e a

Revolução Industrial.

Nos dizeres de João de Matos Antunes, conforme citação de Luiz Augusto Gomes

Varjão:

No final do século XVIII, sob o influxo de Revolução Francesa, no plano político, e da Revolução Industrial, no plano social, a família comunitária é

35WALD, Arnoldo. op. cit., pp. 15-16. 36Id., op. cit., p. 16. 37Id., op. e loc. cit. 38Id. Ibid., p. 17.

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substituída pela família nuclear, ou celular, isto é, reduzida ao seu núcleo essencial.39

Luiz Augusto Gomes Varjão acrescenta que:

A revolução francesa dessacralizou o matrimônio, instituindo o casamento civil obrigatório. A revolução industrial acarretou a concentração de grandes massas nos centros urbanos, reduzindo o âmbito da sociedade familiar, que, na atualidade, se circunscreve praticamente ao marido, à mulher e aos filhos solteiros.40

A partir do século XIX, a estrutura familiar sofre sensível alteração e passa a absorver

os contornos que hoje nos são demonstrados, ou seja, os de um núcleo de convivência

fundado no afeto e amor entre seus membros, formalizado ou não pelo casamento, com

paridade nas relações pessoais e patrimoniais e com total proteção estatal. A família na

atualidade não mais se harmoniza com o modelo da família patriarcal e hierárquico de

outrora, sem se olvidar que, como vimos neste item, muitas das características da família

romana, canônica e germânica influenciaram a sua formação.

O afeto é hoje indubitavelmente o marco da união dos integrantes da entidade familiar

e não os laços meramente formais, por isso o instituto da família deve ser repensado pelo

Direito e tratado por todos os seus ramos de forma igualitária, a fim de que não se permita

ignorar a sua relevância para o homem.

Assim, com o intuito de analisar a atual concepção da família e seu respectivo

tratamento pelo Direito Penal e a fim de que possamos posteriormente sustentar a inclusão da

união estável nos dispositivos legais de natureza penal pertinentes para equipará-la à entidade

familiar oriunda do casamento, e ainda abordar a união homoafetiva, teceremos

considerações, no item a seguir, sobre seu atual conceito e classificação jurídica.

1.2 - Conceito e classificação

No que tange à origem etimológica do termo “família”, Virgílio de Sá Pereira nos

elucida que:

A radical ‘fam’ é a mesma radical ‘dhã’ de língua ariana, que significa pôr, estabelecer, exprimindo, portanto, a idéia de fixação. Em sânscrito a voz com que se nomeia casa é ‘dhãman’, a qual, pela mudança do ‘dh’ em ‘f’,

39VARELA, João de Matos Antunes. op. cit., p. 31, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 7. 40VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 7.

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deu em dialetos do Lácio, como o osco, a palavra ‘faama’, donde, no dizer de Festus, ‘famulus’ e ‘famel’, o servo, e destes família, cuja desinência exprime coletividade.41

Entretanto, quanto ao conceito do instituto da família, há de se mencionar que difícil é

a delimitação de seus exatos termos, sobretudo no Direito pátrio que admite sua definição

ampla e não a restringe ao grupo formado pelo casal e seus filhos. A família, portanto,

compreende os ascendentes, descendentes, colaterais até quarto grau, os afins, aqueles unidos

por parentesco civil e por laços estabelecidos pela adoção.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves,

(...) a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.42

Para Josserand, esse entendimento é, em princípio, o único verdadeiramente jurídico,

em que a família deve ser entendida: tem o valor de um grupo étnico, intermédio entre o

indivíduo e o Estado.43

Na realidade, a vaga concepção do termo “família” permite a admissão de várias

definições do instituto pelos diferentes ramos do Direito, porque a Constituição Federal e o

Código Civil apenas se referem à sua estrutura, sem defini-lo.

Segundo Maria Helena Diniz, na seara jurídica, três são as possíveis acepções do

vocábulo “família”:

a) No ‘sentido amplíssimo’ o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, § 2o., do Código Civil, em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico (...);

b) Na ‘acepção lata’, além dos cônjuges e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes de outro cônjuge), como a concebem os arts. 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto-lei n. 3.200/41 e a Lei n. 883/49;

c) Na ‘significação restrita’ é a família não só o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), mas também a comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o art. 226, §§ 3o. e 4o., da

41PEREIRA, Virgílio de Sá. Direito de família. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, p. 32. 42GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 1. 43JOSSERAND, Louis. Derecho civil: la familia. Tradução espanhol de Santiago Cunchillos y Manterola. Buenos Aires: Bosch, 1952, v. II, t. 1, p. 4.

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Constituição Federal, independentemente de existir o vínculo conjugal, que a originou (JB, 166:277 e 324). Inova, assim, a Constituição de 1988, ao retirar a expressão da antiga Carta (art. 175) de que só seria família a constituída pelo casamento. Assim sendo, a Magna Carta de 1988 e a Lei n. 9.278/96, art. 1º, e o novo Código Civil, arts. 1.511, 1.513 e 1.723, vieram a reconhecer como ‘família’ a decorrente de matrimônio (art. 226, §§ 1o. e 2o., da CF/88) e como ‘entidade familiar’ não só a oriunda de união estável, como também a comunidade monoparental (CF/88, art. 226, §§ 3o. e 4o..) formada por qualquer dos pais e seus descendentes independentemente de existência de vínculo conjugal que a tenha obrigado (JB, 166:277 e 324). A família monoparental ou unilinear desvincula-se da idéia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um de seus genitores, em razão da viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pela outro genitor, ‘produção independente’ etc. 44

Nas lições de Rui Ribeiro de Magalhães, inúmeras são as espécies de família. Com

fundamento em sua evolução histórica, o autor diz que ela pode ser classificada em:

A ‘família celular’ ou nuclear é aquela formada pelo casamento e estabelecida por laços de consangüinidade, ela cresce na medida em que surgem os filhos e diminui na medida em que estes constituem novas famílias.

A ‘família tribal’, comum nos primórdios da humanidade, estabelecia-se a partir da família celular e era mantida pela autoridade de um patriarca, de maneira que as diversas unidades que iam se formando na tribo a ela continuavam ligadas por laços genealógicos e sob a autoridade de uma única pessoa. (...)

A ‘família romana’ possuía estrutura semelhante à tribal, porém menos numerosa. Os membros da família estavam sujeitos ao ‘paterfamilias’. Falecendo o ‘paterfamilias’, o ‘filiifamiliae’ podia constituir as (sic) sua própria família.

A ‘família contemporânea’ se inicia com o casal e os filhos, estende-se para a colateralidade, formando ramos comuns, a exemplo de uma árvore.

A ‘família monoparental’ é uma novidade surgida com a Constituição de 1988, descrita no art. 226, § 4o., que reconhece como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.45

Faz-se mister tecer considerações sobre a família monoparental, cuja definição nos foi

dada pela Constituição de 1988 (art. 226, § 4o., CF), e, portanto, foi finalmente inserida em

nosso sistema legal, uma vez que ela já era uma constante em nossa sociedade.

Para Luiz Augusto Gomes Varjão, a família monoparental abrange a família

44DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, pp. 9-10. 45MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo Código Civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, pp. 22-23.

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segmentar e a família unilinear.46 Ao citar Jean Carbonnier, o autor diz que a família

segmentar é:

(...) a relação interindividual entre a mãe e o filho natural ou legítimo após o divórcio.47 Quanto à família unilinear, Luiz Augusto Gomes Varjão se refere a Gérard Cornu, que a define como aquela em que a criança descende de uma só linha, pois se encontra vinculada somente a seu pai ou a sua mãe. É o caso do filho natural, cuja filiação não foi estabelecida legalmente e da criança adotada por uma só pessoa solteira, etc..48

No que tange ao sistema de formação familiar, acrescenta Rui Ribeiro de Magalhães

que a família pode ser agrupada nas seguintes espécies:

’Patriarcal’, subordinada a um chefe do sexo masculino, admitindo-se a poligamia.

‘Matriarcal’, forma rara de ser encontrada, onde uma mulher se consorcia com vários homens, formando uma comunidade familiar.

‘Endogâmica’, quando os casamentos se realizam na mesma comunidade à qual pertencem os noivos.

‘Exogâmica’, quando se realizam entre comunidades variadas.49

Maria Helena Diniz admite três outras espécies de família: a família “matrimonial”, a

“não-matrimonial” e a “adotiva”. A família “matrimonial” tem por base o casamento e é

constituída pelos cônjuges e prole; a “não-matrimonial”, origina-se de relações

extraconjugais; e a adotiva é estabelecida por adoção (arts. 1.618 a 1.629, CC). A autora faz

menção a uma quarta espécie de família, aquela dita “substituta”, que se verifica quando da

concessão dos institutos da guarda, tutela ou adoção (art. 28, Lei 8.069/90).50

Como se sabe, o instituto da família pertence a ramo do Direito Privado, mais

precisamente ao Direito Civil, que disciplina as relações entre as pessoas unidas pelo

matrimônio, pela união estável e pelo parentesco, além daquelas de caráter protetivo ou

assistencial, por vezes alheias às relações familiares, ou seja, a tutela e a curatela. Porém, a

crescente importância da família para a sociedade tem determinado que o Estado intervenha,

cada vez mais, na vida do cidadão, a fim de garantir-lhe proteção e conceder-lhe direitos e

46VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 10. 47CARBONNIER, Jean. Droit Civil, La famille. t. 2, apud LEITE, Eduardo de Oliveira. A família monoparental como entidade familiar. In: Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais , v. 2, p. 52, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 10 48CORNU, Gérard. Droit Civil, La famille. III/21, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p.10. 49MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. op. cit., p. 23. 50DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 12.

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deveres. Assim, muitos defendem a inserção do instituto da família no Direito Público, pois, nos

dizeres de Roberto de Ruggiero e Fulvio Maroi, segundo os ensinamentos de Eduardo Espínola:

(...) através do interêsse (sic) da família, se descortina um outro interêsse (sic) ainda superior que reclama e recebe proteção: ‘o do próprio Estado, que na solidez e conservação do núcleo familiar haure a sua fôrça (sic) e o impulso para seu desenvolvimento’.51

De qualquer forma, não há dúvidas de que a família constituiu núcleo basilar da

organização do Estado e que sua concepção atual prima pelos laços de compreensão,

igualdade e amor que unem os membros, porém com respeito à individualidade e

independência de seus integrantes, pois se admite o exercício concomitante do poder familiar

pelos pais, a aquisição de bens pelos filhos em sua menoridade, e ainda a constituição de

patrimônio pela mulher, com participação nas decisões do lar.

Por isso, o direito moderno atribuiu novos contornos à família, pois as relações de

afeto entre seus membros devem prevalecer sobre a forma como ela foi constituída. Assim,

como se verá no próximo item (1.3), não se pode permitir que as famílias constituídas pelo

matrimônio tenham tratamento diferenciado pela lei, pois meros formalismos não podem ser

determinantes quanto ao reconhecimento de direitos e deveres dos casais.

1.3 - A importância social da família

A família é a principal forma de agrupamento humano que preexiste à própria

organização da vida em sociedade e, portanto, ao direito positivo. Sua formação é decorrente

das regras do direito natural e revela o instinto humano de preservação da espécie. Ela é o

núcleo basilar de toda a organização social revelada pela união entre duas pessoas de sexos

diferentes, quer pelo casamento, quer pela união estável, ou de sexos iguais, como se analisará

neste estudo (Cap. II, 2.5, p. 81-93), cujo fim é estabelecer comunhão de vidas, com a

possibilidade de gerar e educar filhos e constituir patrimônio.

A família constitui uma sociedade propriamente dita, comandada pelo casal ou por um

deles, como no caso da família monoparental, que dita seu rumo, titular de direitos e garantias

e cuja defesa cabe aos seus membros.

51RUGGIERO, Roberto de; e MAROI, Fulvio. Istituzioni di diritto privato, v. 16, 7. ed., 1948, § 47, p. 217, apud ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Gazeta Judiciária, 1954, p. 13.

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É na família que o ser humano aprende as primeiras noções sobre a verdade, sobre o

bem e o mal, e ainda descobre o que significa amar e ser amado, fatos que serão

determinantes na formação de sua personalidade. A criança, no ambiente familiar, desenvolve

suas potencialidades e se prepara para enfrentar seu destino.

Deve-se ressaltar que os deveres de uma família não se limitam às funções

procriadoras e educativas, pois está a cargo da entidade familiar também o exercício de

verdadeira ação social, que se revela na execução de obras e serviços em prol da comunidade.

Aliada às diversas funções exercidas outrora pela família durante sua evolução

histórica, tais como a função religiosa (consistente na transmissão de ensinamentos

religiosos), a função política (revelada pela concentração de poderes nas mãos do chefe de

família), a função biológica (fundada na procriação e preservação da espécie) e a educativa

(destinada à formação de seus integrantes), é certo que a família contemporânea tem hoje

como prioritária a função afetiva, que permite a sua tão desejada durabilidade, como assim

descrevem Gustavo A. Bossert e Eduardo A. Zannoni, citados na obra de Guilherme Calmon

Nogueira da Gama:

“(...) habiendo perdido su protagonismo económico, su razón de ser ha quedado fundamentalmente circunscripta al ámbito espiritual donde com (sic) mayor intensidad que en ninguna outra (sic) institución de la sociedad, se desarrollan los vínculos de la solidaridad, del afecto permanente, y la noción de un propósito común de beneficio recíproco entre los individuos que la integran”.52

O Estado, por sua vez, tem papel fundamental na preservação dos direitos da família,

pois, como garantidor do bem comum, deve zelar pelo equilíbrio da vida em comunidade que

se fortalece com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos e daqueles que lhes são

próximos. A função protetiva do Estado em relação à família evidencia-se normalmente por

programas de política social e, no âmbito legislativo, pelo reconhecimento da legitimidade das

uniões estabelecidas de formas diferenciadas, ou seja, pelo formalismo do matrimônio ou não

ou entre casais heterossexuais ou homossexuais, e das conseqüências delas decorrentes.

A importância da família também é preconizada pelas religiões, como, por exemplo,

pelo islamismo, pelo judaísmo, pelo espiritismo, pelo budismo, e, sobretudo, pela religião

católica, que elaborou a denominada “Carta dos Direitos da Família”, defendida e aprovada 52BOSSERT, Gustavo A. e ZANNONI, Eduardo A. Manual de derecho de família. 4 ed. Buenos Aires: Astrea, 1996, p. 5, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 32.

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pelo Papa João Paulo II, na exortação católica Familias Consortio, após voto formulado pelo

Sínodo dos Bispos em Roma, em 1980.53

A “Carta dos Direitos da Família”, que é destinada aos organismos e autoridades de todo o

mundo e às próprias famílias, compila direitos já expressos em outras legislações, bem como em

documentos internacionais. A referida Carta não teve por fim apenas declarar princípios teóricos

sobre a família, mas sim formular rol de direitos fundamentais a ela inerentes, tais como, o direito

da família à ampla proteção estatal, à habitação, à religião, ao exercício de sua função social e

política, às condições econômicas favoráveis ao seu desenvolvimento, dentre outros. Os direitos

enunciados no documento em questão estão gravados na consciência humana e nos valores

comuns de toda a humanidade, pois se consubstanciam em meios de defesa dos interesses da

família em prol de seu fortalecimento. Por vezes, os direitos em pauta nos lembram normas

jurídicas e, em outras ocasiões, postulados fundamentais para elaboração de leis sobre o tema e

para desenvolvimento de política familiar.54

A “Carta dos Direitos da Família” reclama maior atenção dos governos em relação à

família, até porque a sua responsabilidade no que tange à promoção do bem comum assim já

determina. Além disso, a citada Carta visa conscientizar o homem da importância da família

para ele e para a comunidade mundial e ainda da necessidade da conjugação de esforços para

a preservação e defesa dos direitos da instituição.

Conforme o que se evidencia nas legislações atuais e, portanto, na própria concepção

social que hoje se tem a respeito da forma de constituição da família, a Igreja Católica, no

artigo 1o., alínea c, da “Carta dos Direitos da Família” atribuiu legitimidade à união estável,

deixando de reconhecer como instituição familiar apenas a união entre o homem e a mulher

alicerçada pelo matrimônio, livremente contraído e publicamente firmado. Após ressaltar que

o valor institucional do matrimônio deve ser reconhecido pelas autoridades públicas, o

mencionado documento referiu-se à situação daqueles que vivem juntos, sem estarem

casados, ponderando que essa convivência pode ser colocada no mesmo nível daquela oriunda

do matrimônio.

53Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, 1983. Carta dos Direitos da Família. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/familia/direitosfamilia.htm>, acesso em 28.5.2007. Há que ressaltar que recentemente a Santa Sé publicou a primeira exortação apostólica do Papa Bento XVI, intitulada Sacramentum Caritatis, que, dentre as orientações dadas a fiéis e sacerdotes, define o segundo casamento como uma “chaga social”, o que talvez implique em verdadeiro retrocesso no que tange à admissão da união estável em todo o mundo (Datas. Veja. São Paulo: Abril, 21.3.2007, p. 74). 54Texto da “Carta dos Direitos das Famílias” no Anexo I, v. II, p. 2-8.

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A posição da Igreja Católica nesse sentido, ainda que de forma restrita, felizmente

consagrou os anseios da sociedade contemporânea, pois não se pode negar que, na união

estável, há também a preconizada comunidade de amor e solidariedade, essencial para o

desenvolvimento e bem-estar de seus membros e insubstituível para o ensino e transmissão

dos valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos para seus integrantes. Assim, em

que pese a não-observância do sacramento do matrimônio, não se deve olvidar que na

convivência estabelecida entre companheiros pode também haver o desígnio do Criador para

a constituição familiar fundada no amor e, portanto, podem contar os seus membros com sua

benção, ainda que não sacramental. A vida em união estável não parece contrariar a

determinação divina em relação à manutenção da família natural, estável, monogâmica, o que

se evidencia com a freqüência de uniões informais em nosso mundo atual.

É certo que a Igreja Católica ainda reluta quanto à plena equiparação da união estável

ao casamento, tanto é que na “Carta dos Direitos da Família” limitou-se a permitir o seu

reconhecimento pelas autoridades públicas, sugerindo que, apesar da resistência quanto à sua

admissão, estariam isentos das conseqüências da vida em pecado aqueles que a integram, o

que já constitui significativo progresso e respeito aos direitos do homem.

De qualquer forma, não se pode esquecer que as questões pertinentes à família serão

sempre relevantes e tratadas de forma particular por estudiosos e líderes de todo o mundo.

O crescimento demográfico desenfreado que ameaça, sobretudo, os países pouco

desenvolvidos, aliado às limitações da produção alimentar e às condições climáticas, nem

sempre favoráveis para a manutenção do bem-estar da humanidade, são fatores preocupantes

nessa seara. Por essa razão, o controle da natalidade certamente ganhará relevância a cada dia,

pois é certo que se quer preservar o homem e seus pares em seu habitat natural da melhor

forma possível.

No Brasil, o artigo 226, § 7o., do texto constitucional e o artigo 1.565 do Código Civil

em vigor dispõem sobre o planejamento familiar, atribuindo liberdade ao casal para defini-lo.

De outro lado, a lei atribuiu ao Estado a responsabilidade pela implementação de recursos

para o exercício do direito do indivíduo de planejar sua família, como, por exemplo, quando

da promulgação da Lei 9.253/96, que regulamentou a atuação do Poder Público nesse campo

e criou normas gerais pertinentes ao planejamento familiar, revelando, assim, a preocupação

do legislador nacional acerca do tema.

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Questão também por vezes trazida à baila no campo do planejamento familiar é aquela

referente à inseminação artificial, em razão das inúmeras conseqüências jurídicas dela

advindas. Conseqüências tais como: o reconhecimento de filho assim gerado, a necessidade

de autorização dos genitores para o processo de inseminação, o descarte de óvulos excedentes,

a responsabilidade penal do médico, a admissão da “barriga de aluguel”, dentre outras. Deve-

se ponderar que, em que pesem toda a polêmica oriunda do tema e as questões de ordem

moral e religiosa que envolve, é indubitável a intenção do homem de manter a família e dar

continuidade à espécie neste caso, até porque é certo que os métodos em comento só foram

desenvolvidos cientificamente em razão do seu próprio pleito, ou seja, em razão do seu desejo

de fortalecer os laços familiares.

Tema ainda de grande importância social é o que se refere à adoção, porque, apesar

das inovações legais evidenciadas há pouco mais de uma década em nosso sistema legal com

o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e das alterações

introduzidas pelo Código Civil de 2002 (art. 1.618 a 1.629, CC), são notórias as dificuldades

enfrentadas por casais interessados em adotar uma criança em nosso país, pois, em prol da

segurança quanto à escolha dos adotantes e do ambiente familiar no qual será inserido a

criança ou o adolescente, evidencia-se significativo incremento de meios burocráticos até o

deferimento do pedido pelo Poder Judiciário.

Outra questão polêmica e fartamente tratada pela doutrina nacional e estrangeira,

como se verá em capítulo próprio deste estudo (Cap. II, item 2.5, p. 81-93), é a referente à

união entre homossexuais, sendo certo que – ainda que com todo o preconceito – muito já se

caminhou para o seu reconhecimento no mundo do Direito, até porque a realidade de nossos

tempos não tem permitido que os Estados a ignorem.55

De qualquer sorte, tenha-se em mente que os novos contornos dados à família na

atualidade não implicam necessariamente conceber que a instituição atravessa “crise”

irreversível, pois é preciso lembrar que, apesar de toda a alteração da concepção de valores

pela humanidade, é flagrante o interesse do homem em preservar os laços familiares, além de

ser evidente o prestígio social e econômico que a família concede a seus integrantes.

55Em recente reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 30.4.2006, em seu Caderno 7, com subtítulo Cidades/Metrópole, c6, no artigo Homossexuais terão visita íntima, de autoria de Chico Siqueira, noticiou-se que o Centro de Ressocialização Feminino CRF da cidade São José do Rio Preto, São Paulo, que hoje abriga 210 presas, será o primeiro estabelecimento prisional no Brasil a admitir visitas íntimas às detentas homossexuais, em cômodos construídos especialmente para esse fim e em determinados dias da semana.

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A independência precoce dos filhos, as atividades da mulher fora do lar, o número

reduzido de membros da família, as necessidades econômicas dos casais, o abandono da

criança e do adolescente, a disseminação das drogas e o uso exagerado de bebida alcoólica, a

violência doméstica, a liberação sexual, a dita “infidelidade virtual” e outros problemas que

enfrentamos nos dias de hoje têm evidentemente exercido grande influência na família e, por

vezes, levado à sua dissolução. Porém, deve-se ponderar que os esforços da sociedade para

garantir a preservação deste núcleo basilar são também flagrantes, tanto é que o Estado tem

assumido papel fundamental como garantidor do instituto da família, o que afasta o

sentimento desesperançoso de alguns e nos demonstra que ela está longe da extinção e do

esquecimento.

Ressalta Caio Mário da Silva Pereira que: Houve, pois, sensível mudança nos conceitos

básicos. A família modifica-se profundamente. Está-se transformando sob os nossos olhos. Ainda

não se podem definir as suas linhas de contorno precisas, dentro do conflito de aspirações. Não

se deve, porém, falar em desagregação, nem proclamar-se verdadeiramente uma crise. Como

organismo natural, a família não acaba. Como organismo jurídico, elabora-se a sua nova

organização. Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre homem e

mulher como ‘entidade familiar’ (Constituição, art. 226, § 3o.)56, o que revela a intenção do

homem de se manter em família e gerar filhos com a pessoa amada, independentemente de certas

formalidades. A união estável, sem dúvida, foi um dos mais relevantes progressos consagrados

pela legislatura, que decididamente priorizou a vontade do homem de constituir vínculos

familiares fundados no afeto e amor, sem o formalismo do matrimônio.

1.4 - A família no Direito Comparado

Nos dizeres de Marco Antônio Fetter:

(...) a família, como instituição, foi tradicionalmente regulada através de diversas leis no âmbito político dos Códigos Civis nacionais e, em alguns países, através de Códigos de Família. No entanto, as Constituições políticas dos países, salvo raras exceções, assim como as Declarações e Direitos anteriores ao século XX silenciavam sobre as leis referentes à família. Atualmente, porém, o instituto foi contemplado nas Constituições de alguns países e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU).57

56PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 30. 57FETTER, Marco Antônio. A família, a Declaração dos Diretos Humanos e algumas Constituições. UNIFAM. Disponível em: <http://www.unifam.com.br>, acesso em 3.1.2006.

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A concepção familiar que se destacou nos códigos novecentistas tem sua origem

histórica na Revolução Industrial. Roberto Senise Lisboa diz que a atividade laborativa em

conjunto, preponderante até a Revolução Industrial e, exercida pela reunião da família ao

redor do seu chefe, com o fim de, em regra, produzir o artesanato, foi alterada pela introdução

das máquinas. A produção fabril atraiu os membros da família, o que determinou a

“desagregação do trabalho familiar”, a “derrocada das diferenças de funções de seus

integrantes”, além da “repersonalização das relações familiares”, com a ida da mulher para o

mercado de trabalho e a “quebra do ciclo da continuidade da atividade paterna pelos filhos”,

que passaram a se interessar por outras modalidades de trabalho.58

Por conseqüência, assevera o autor que, seguindo o individualismo jurídico, os

Códigos em vigor no século XIX assim regulamentavam as relações familiares:

a) a ‘estatização da regulação das relações familiares’, a partir do casamento civil, com a introdução de normas jurídicas de ordem pública;

b) a ‘qualificação da família legítima’, a partir da celebração do matrimônio;

c) a ‘proscrição do concubinato’, privilegiando-se, assim, as uniões formais reconhecidas pelo Estado;

d) a fixação de ‘diferentes estatutos normativos dos direitos e deveres do homem e da mulher’, mantendo-se a chefia do lar conjugal em favor do cônjuge varão;

e) a ‘categorização dos filhos, preferindo-se os legítimos aos demais’, com a finalidade de se prestigiar a família constituída mediante o casamento; e

f) a ‘indissociabilidade do vínculo familiar’, buscando-se a perpetuidade e a estabilidade das relações entre os cônjuges e deles com os seus filhos legítimos.59

Na realidade, as diferenças advindas do uso freqüente dos contratos de adesão à época,

determinaram que trabalhadores que se julgavam prejudicados de alguma maneira se

organizassem e criassem organizações sindicais. Além disso, tais trabalhadores passaram a

exigir participação efetiva no processo político e as mulheres e os jovens começaram a

reivindicar iguais direitos.

No final do século XIX, a emancipação e a liberação social da mulher e dos jovens

geraram conseqüências flagrantes nas relações familiares, cujos reflexos foram sentidos um

século depois, segundo Roberto Senise Lisboa, que assim os relaciona:

58LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 5, p. 34. 59Id. Ibid., pp. 34-35.

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a) a maior ‘aceitação das uniões informais’ entre o homem e a mulher, culminando, no direito brasileiro, com o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar;

b) uma maior ‘condescendência da chamada ‘moral pública’ ’;

c) ‘a possibilidade de extinção do casamento’ por motivos outros, além da morte ou do adultério, em relação que o atual código estabelece de forma meramente ‘exemplificativa’;

d) uma ‘maior proteção para a mulher’, consagrando-se o ‘princípio da igualdade entre o homem e a mulher’ nas relações familiares, e não somente genericamente, como se costumava dispor dentre os direitos e garantias fundamentais;

e) uma ‘maior proteção para os filhos’, consagrando-se o ‘princípio da igualdade entre os filhos’, pouco importando a sua origem, legítima (concebido durante as justas núpcias) ou não, prestigiando-se tanto a ‘filiação biológica’ como a ‘filiação solidária’; e

f) a ‘nova personalização das relações familiares’, buscando-se o asseguramento dos ‘direitos da personalidade’ de cada integrante da família.60

A “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 1948, proclamou os direitos e

garantias do instituto da família, fortalecendo sua nova concepção perante o mundo.61

O seu artigo 16.3 dispõe que a família é o elemento natural e fundamental da

sociedade, e ainda atribui ao instituto da família o direito à proteção da sociedade e do

Estado, revelando a preocupação das comunidades quanto a sua preservação, bem como

crescente importância no âmbito mundial.

A inclusão dos referidos princípios na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”

teve reflexos significativos em outros tratados e convenções internacionais, como, por

exemplo, na “Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança”, como se verá nos

parágrafos a seguir, bem como em Constituições nacionais diversas, ressaltando, assim, a

clara intenção do homem de fortalecer os direitos individuais e, por conseqüência, a família.

Pode-se citar, como exemplo, a disposição constante do artigo 16.1, da “Declaração

Universal dos Direitos Humanos”, que assegura aos homens e mulheres igualdade de direitos

no casamento e, no caso de sua dissolução, a igualdade de direitos e proteção social aos filhos,

prevista em seu artigo 25.2, último inciso, e ainda o direito à intimidade dos integrantes da

família, conforme dispõe o seu artigo 12.

60 LISBOA, Roberto Senise. op. cit., pp. 36-37. 61Texto da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” sobre a família no Anexo II, v. II, p. 9-14.

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Caio Mário de Silva Pereira cita outro documento que atesta a importância mundial da

família: a “Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança” 62, aprovada pela ONU em

1989 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto 99.170/90, que, no preâmbulo, dispõe que a família

constitui:

(...) grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros e em particular das crianças, e ainda indica sua prioridade de receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente as suas responsabilidades dentro da comunidade.63

Acrescente-se que, além das expressas disposições acerca do instituto da família, a

intenção das comunidades em todo o mundo de preservá-la é vista com clareza quando se

analisam os dizeres de Yussef Said Cahali sobre a resistência de alguns países em admitir o

divórcio, em razão de suas implicações sociais, religiosas e, por vezes, políticas.

Yussef Said Cahali afirma que, durante certo período, muitos países suprimiram de

seus sistemas legislativos o instituto do divórcio, o que nos revela a insegurança dos membros

das comunidades acerca de sua instituição. O autor assevera que:

Os sistemas legislativos contemporâneos, que se ocupam do divórcio e da separação de corpos, podem ser divididos em cinco grupos segundo a tabela de Daupeley: 1o.) aqueles que admitem unicamente a separação de corpos, ainda que a qualificando sob a denominação de divórcio; 2o.) aqueles onde só o divórcio é reconhecido; 3o.) aqueles que autorizam ou prescrevem a separação como uma medida provisória ou preambular, que deve conduzir forçosamente ao divórcio ou à reconciliação; 4o.) aqueles que deixam à escolha das partes, segundo seu critério, o divórcio ou a separação de corpos; 5o.) enfim, aqueles que não admitem o divórcio senão às pessoas não católicas.64

De qualquer forma, o modelo de família desvinculado do formato caracterizador da

família tradicional, ou seja, daquele que priorizava os laços formais do casamento sobre os

laços de afeto, é fato notório na atualidade, razão pela qual não se pode negar sua existência.

Não se deve olvidar também que a adoção desse novo conceito de família, da união estável e

da união homoafetiva pelo Direito é um fenômeno que se opera mundialmente, como veremos

no Capítulo II (p. 53-119), portanto não há por que resistir à consagração de outras formas de

entidades familiares.

62Texto da “Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança” no Anexo III, v. II, p. 15-34. 63PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 6.. 64DAUPELEY, Henry. La conversion de séparation de corps en divorce. Le Mans: Impr. Ch. Blanchet, 1908, s/p, apud CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação, cit., p. 28.

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1.5 - A família no Direito brasileiro

A concepção da família no Direito brasileiro foi muito influenciada pelo Direito de nossos

colonizadores que, por sua vez, foi instituído com base nos princípios do Direito Romano,

Canônico e Germânico, como analisamos no item 1.1 desse capítulo (p. 16-25). É fato, porém,

que o legislador pátrio, seguindo a tradição cristã, sempre procurou resguardar a família, direito

este consagrado na Constituição Federal de 1988, assim como nas Cartas anteriores, o que nos

revela que os anseios sociais para preservá-la sempre estiveram presentes.

Consoante Yussef Said Cahali, durante muitos anos relutou-se em admitir causas

legais que justificassem o divórcio no Brasil, exatamente para garantir a manutenção da vida

em família, sendo certo que a indissolubilidade do vínculo matrimonial, após a Carta Magna

de 1934 (art. 144), foi elevada a preceito constitucional.65

A concepção da família no Direito brasileiro teve significativa alteração desde o

descobrimento até a presente data, sobretudo após as decisões jurisprudenciais que passaram a

reconhecer o direito dos companheiros, conforme veremos no Capítulo II, item 2.7 (p. 109-

111), fato que determinou que se rompesse com a doutrina tradicional cristã em certos

aspectos, principalmente quanto à exigência do matrimônio para sua formalização, e,

posteriormente, que o legislador nacional atendesse ao pleito da comunidade para consagrar a

idéia contemporânea do instituto familiar em lei e reconhecer expressamente união estável

como forma legítima de se constituir uma família (art. 226, § 3º., CF).

O antigo padrão secular da família no Brasil colônia, por exemplo, em que a vida dos

agregados familiares girava em torno da autoridade patriarcal, foi cedendo espaço a um outro

tipo de família cada vez mais urbanizada e reduzida a núcleo formado apenas por pais e

filhos. Além disso, o aumento paulatino das causas motivadoras da separação judicial e a

própria admissão do divórcio fortaleceram o desejo da sociedade de reconhecer o fim da

indissolubilidade do matrimônio.

Com a equiparação da união estável à entidade familiar e com as recentes discussões

acerca da admissão da união entre homossexuais, tema este que será abordado em capítulo

próprio deste estudo (Cap. II, item 2.5, p. 81-93), acirraram-se ainda mais os debates

nacionais sobre o instituto da família.

65CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação, cit., p. 41.

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No Brasil, do século XVI ao século XIX, a Igreja era titular quase absoluta dos

direitos sobre o casamento, por isso o Direito Canônico muito influenciou o direito positivo

pátrio.

Carlos Roberto Gonçalves relata que, do descobrimento até o advento do Código Civil

de 1916, vigoraram no Brasil as Ordenações Filipinas, diploma que revela a grande influência

do Direito Canônico no Direito brasileiro, e que determinou a inserção em nosso Código Civil

anterior de institutos por ele consagrados, como, por exemplo, os impedimentos matrimoniais,

cujo intuito era evitar futuras alegações para a dissolução do casamento.66

Guilherme Calmon Nogueira da Gama alega que:

(...) a disciplina normativa sobre o Direito de Família sofreu diversas alterações por legislações esparsas no curso do tempo. O Decreto de 03 de novembro de 1827 conferiu à nação brasileira o Direito matrimonial do Concílio de Trento na sua integralidade, reconhecendo e adotando formalmente a jurisdição canônica, a celebração e dissolução do casamento. Em 1857, todas as disposições sobre o Direito de Família foram consolidadas na Consolidação das Leis Civis, elaborada por Teixeira de Freitas. Posteriormente, sobreveio o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, que introduziu no Brasil o casamento civil, como conseqüência de desvinculação do Estado de qualquer religião: o movimento da secularização do casamento.67

Yussef Said Cahali afirma que, mesmo com a proclamação da independência, a

influência da Igreja ainda foi muito marcante em nosso país. As disposições do Concílio de

Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia foram regulamentadas pelo citado Decreto

de 3 de novembro de 1827, que reconheceu a jurisdição eclesiástica nas questões

matrimoniais. O casamento não recebia a intervenção do poder civil, que o recebia perfeito e

acabado da Igreja, cabendo-lhe apenas marcar seus efeitos jurídicos na sociedade.68

Yussef Said Cahali observa que, no Império, o Decreto 1.144, de 11 de setembro de

1861, previu o casamento entre pessoas de seitas dissidentes da religião católica, respeitando-

se cada ritual. Acrescenta que se admitia à época a separação e dissolução do casamento pela

morte dos cônjuges, nulidade ou anulação do matrimônio69, mas que a resistência quanto à

admissão do divórcio no país ainda foi longa, apesar da tentativa do Ministro Campos Sales

de implementá-lo com o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, que se limitou a regulamentar

66GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 16. 67GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 37. 68CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação, cit., p. 39. 69Id., op. e loc. cit.

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o casamento civil. Em 1893, o deputado Érico Marinho apresentou no Parlamento a primeira

proposição divorcista. Em 1896 e 1899, renovou-se a tentativa na Câmara e no Senado

Federal. Em 1900, Martinho Garcez ofereceu, no Senado, projeto de divórcio vincular, que,

com a oposição de Ruy Barbosa, foi repelido.70

O divórcio foi instituído pela Lei 6.515, no ano de 1977, revelando os anseios da

sociedade, que há muito clamava por mudanças na legislação em vigor para sua admissão.

Após o advento do Código Civil de 1916 inúmeras leis foram promulgadas com

dispositivos pertinentes à família, até a promulgação do Código Civil de 2002, que compilou

as leis esparsas e reiterou os princípios consagrados na Constituição Federal de 1988,

adequando a legislação, em vigor, à realidade nacional.

Cumpre consignar que a família tem sua proteção assegurada em outros ramos de

nosso Direito, pois, além do Direito Civil, Constitucional e Penal, que serão abordados mais

detidamente nos próximos parágrafos, o tema é objeto de considerações pelo Direito

Previdenciário, pelo Direto Processual Civil, pelo Direto Tributário, dentre outros, o que bem

demonstra a relevância deste bem jurídico para a nossa sociedade.

No Direito Previdenciário, consoante Silvio Rodrigues, o artigo 16, inciso I, da Lei

8.231, de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei 9.032, de 28 de abril de 1995,

incluiu a companheira como beneficiária do Regime Geral da Previdência.71

Washington de Barros Monteiro nos relata que:

(...) o próprio direito fiscal não se mostra imune à influência do direito de família, como se depreende da arrecadação do imposto sobre a renda, no tocante às deduções relativas aos encargos de família. Ele ainda ressalta que o mesmo ocorre outros ramos do Direito, segundo o qual as relações familiares repercutem de forma especial em matéria de inelegibilidades, assim como no direito administrativo que são causas de licenças e benefícios.72

70CAHALI, Yussef Said. O casamento putativo. São Paulo: Lex, 1972, n. 21, p. 40. Yussef Said Cahali nos elucida que a palavra divórcio tem duas acepções diferentes: uma designa a mera separação de corpos, que não dissolve o vínculo e não permite novo casamento e a outra que indica o divórcio vincular, ou seja, que dissolve o vínculo e permite novas núpcias. Divórcio e separação, cit., p. 24. 71RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali com anotações sobre o novo Código Civil - Lei 10.406, de 10.1.2002. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 6, p. 285. 72MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família, de acordo como o novo Código Civil Lei 10.406, de 10.1.2002. 37. ed. rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2004, v. 2, p. 7.

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Washington de Barros Monteiro acrescenta que no Direito Processual há:

(...) igualmente importantes subsídios do direito de família, sobretudo em matéria de impedimento e suspeição de juízes e serventuários de justiça em virtude de parentesco com as partes litigantes (Cód. Proc. Civil, arts. 134 a 138; Cód. Proc. Penal, arts. 254, 255 e 258), impedimento de testemunhas (Cód. Proc. Civil, art. 405 c/c o art. 228 do Cód. Civil de 2002) e remição na execução (Cód. Proc. Civil, art. 787).73

Além disso, não se pode esquecer que em leis especiais – e, portanto, não só na legislação

codificada – há disposições acerca do instituto da família, como a impenhorabilidade do bem de

família disposta na Lei 8.009, de 29 de março de 1990, a continuidade da locação do imóvel

residencial assegurada pelo artigo 12 da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, o planejamento

familiar previsto pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, entre outras.

1.5.1 - A família nas Constituições anteriores a Constituição Federal de 1988

Em suas lições, Antônio Carlos Mathias Coltro relata-nos a abordagem do instituto da

família pelo legislador nas Constituições anteriores à Constituição Federal de 1988,

demonstrando sua concepção em diferentes épocas.74

É mister recordar que o advento de nossas Constituições sempre esteve atrelado ao

momento histórico contextual, quer pela mudança da forma de governo, quer por eventual

crise política ou por pleito social, exatamente para adequar a lei à nova realidade.

Segundo os relatos de Antônio Carlos Mathias Coltro, a Constituição do Império de

1824, reveladora da forte influência da Igreja sobre a sociedade à época, nada dispôs a

respeito dos direitos da família, limitando-se a regulamentar o casamento religioso.75

Menciona o mesmo autor que a Carta de 1891, influenciada pelos ideais republicanos,

referiu-se ao casamento civil no rol dos direitos e garantias individuais, assegurando a

gratuidade de sua celebração e afastando-o de seu caráter exclusivamente religioso, como

dispunha a Carta de 1824 (art. 172, § 4o.).76

73MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., p. 7. 74COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O direito de família após a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Celso Bastos, 2000, p. 30. 75Id., op. e loc. cit. 76Id. Ibid., pp. 30-31.

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Antônio Carlos Mathias Coltro ainda pondera que a Constituição de 1934, de cunho

social flagrante, dedicou um capítulo exclusivo à família, dispondo sobre a indissolubilidade

do casamento e seu caráter civil, atribuindo efeitos civis ao casamento religioso, prevendo o

exame de sanidade mental dos nubentes e a gratuidade do reconhecimento dos filhos naturais

(arts. 145 a 147). Esta foi a primeira vez que se erigiu a indissolubilidade do vínculo conjugal

a preceito constitucional, o que foi reiterado pela Constituição de 1946 (art. 163), pela

Constituição de 1967 (art. 175, § 1o.), não alterada pela Emenda Constitucional 1, de 1969.77

Consoante Roberto Senise Lisboa, a família somente passou a ser considerada como

um organismo social e jurídico de importância a partir de Constituição de 1934.78

Antônio Carlos Mathias Coltro assevera que, na Constituição de 1937, o legislador

reiterou os termos do diploma anterior no que tange ao instituto da família, acrescentando o

reconhecimento da igualdade dos filhos naturais e a proteção estatal da infância e da

juventude pelo Estado (arts. 124 a 137).79

Segundo Yussef Said Cahali, a Carta de 1946 repetiu disposições anteriores,

acrescentando outras acerca dos direitos sucessórios (arts. 163 a 165). Na ocasião, tentou-se

introduzir no Brasil mais uma causa de anulação do casamento por erro essencial (art. 219,

CC de 1916), o que, em seus dizeres, consistia na admissão do divórcio de forma indireta,

pois a anulação dar-se-ia se o casal não restabelecesse a vida conjugal em cinco anos após a

decretação do desquite, dada a incompatibilidade invencível entre ambos.80

Diz Antônio Carlos Mathias Coltro que a Constituição de 1967, com a Emenda 1, de

1969, manteve a indissolubilidade do casamento, até o advento da Emenda 9, de 28 de junho de

1977, que instituiu o divórcio e alterou o teor do artigo 175, § 1o., que passou a admiti-lo nos

casos expressos em lei. Previu-se o divórcio direto, em caráter específico e transitório, para as

separações havidas há mais de cinco anos, desde que anteriores a 28 de junho de 1977 (art. 2o.,

Emenda 9).81 Elucida-nos ainda que a dita Carta reiterou disposições sobre a celebração gratuita

do casamento, seus efeitos civis, e dispôs sobre a assistência à maternidade e aos excepcionais.82

Promulgada a Lei 6.515, de 1977, o divórcio foi, por fim, regulamentado.

77COLTRO, Antônio Carlos Mathias. op. cit., p. 31. 78LISBOA, Roberto Senise. op. cit., p. 37. 79COLTRO, Antônio Carlos Mathias. op. cit., p. 31. 80CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação, cit., p. 41. 81COLTRO, Antônio Carlos Mathias. op. cit, p. 31. 82Id., op. e loc. cit.

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1.5.2 - A família na Constituição Federal de 1988

A moderna concepção da família foi consagrada no Direito pátrio pela Constituição

Federal de 1988, que, ao ampliar o seu conceito (art. 226, CF), priorizou a denominada

“família socioafetiva”, cujas relações entre seus membros se estabelecem por vínculo afetivo,

e abandonou os formalismos para sua constituição.

Deixa-se de lado a noção da família constituída exclusivamente pelo casamento, com

perfil patriarcal e hierárquico, e adota-se uma definição ampla de família com regras

destinadas à proteção de todos os seus membros e à exigência de garantias do Estado para sua

preservação e bem-estar.

A inovação instituída pela Constituição de 1988 refletiu as transformações vividas pela

sociedade brasileira à época quanto ao estabelecimento de relações familiares e reiterou alguns

dispositivos legais vigentes em leis esparsas, pois, na verdade, desde a década de 60, com o

advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), e desde a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) já

se evidenciava o desejo social de mudança da definição do instituto da família.

Carlos Roberto Gonçalves se refere às lições de Rodrigo Cunha Pereira e Maria

Berenice Dias e assim nos ensina:

A Constituição Federal de 1988 ‘absorveu essa transformação e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos’. Assim, o artigo 226 afirma que a ‘entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição’. O segundo eixo transformador ‘encontra-se no § 6o. do art. 227. É a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do casamento’. A terceira grande revolução situa-se ‘nos artigos 5o, inciso I, e 226, § 5o. Ao consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais de uma centena de artigos do Código Civil de 1916’.83

A Constituição de 1988 previu a indissolubilidade do vínculo conjugal, porém, às

avessas, pois estabeleceu as condições em que o divórcio pode ser concedido com a seguinte

redação do artigo 226, § 6o.: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia

separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a

separação de fato por mais de dois anos.

83PEREIRA, Rodrigo Cunha; DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. Prefácio. Belo Horizonte: Del Rey/ IBDFAM, 2001, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 17.

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A Carta Magna definiu regras sobre o planejamento familiar e a assistência direta à

família (art. 226, §§ 7o. e 8o., CF), com a menção à problemática do controle de natalidade e

imposição de obrigações ao Estado quanto ao auxílio a ser prestado a cada um de seus

membros, e ainda ditou outras determinações referentes à entidade familiar, como por

exemplo, as relacionadas às garantias do cônjuge e companheiro perante a Previdência Social

(art. 201, V, CF), à impenhorabilidade da pequena propriedade rural (art. 5o., XXVI, CF), à

comunicação à família da prisão de um de seus membros (art. 5o., LXII, CF) e à ampla

assistência social a ser provida pelo Estado em prol da família (art. 203, I, CF).

Os princípios fundamentais previstos pela Lei Maior acerca das relações familiares

determinaram a promulgação de diversas leis que regulamentaram sua nova forma de

concepção, até que se aprovou o projeto do Código Civil, cuja tramitação no Congresso

datava de 1975, que compilou as disposições previstas nas leis esparsas.

Carlos Roberto Gonçalves aponta seis princípios que regem a família na atualidade:

“princípio do respeito à dignidade da pessoa humana”, “princípio da igualdade jurídica dos

cônjuges e companheiros”, “princípio da igualdade jurídica de todos os filhos”, “princípio da

paternidade responsável e planejamento familiar”, “princípio da comunhão plena de vida

baseada na afeição entre companheiros e conviventes” e “princípio da liberdade de constituir

uma comunhão de vida familiar”.

Quanto ao “princípio do respeito à dignidade da pessoa humana” (art. 1o., III, CF),

Carlos Roberto Gonçalves recorda que a noção de direitos humanos está diretamente ligada à

idéia de cidadania, sendo certo que a crescente preocupação da sociedade em observá-las nos

revela que as mudanças verificadas no mundo moderno não subtraíram do homem a

consciência da necessidade de respeitar o seu semelhante.84 Para Maria Helena Diniz, o

“princípio do respeito à dignidade da pessoa humana” é a base da família e garante o pleno

desenvolvimento e a realização de seus membros (art. 227, CF).85

O “princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros” (art. 227, § 5o., CF),

para Carlos Roberto Gonçalves, decorre dos princípios da igualdade (art. 5o., caput, CF), e da

dignidade da pessoa humana (art. 1º., III, CF), e reforça a necessidade de banir do sistema

toda e qualquer discriminação. O artigo 1.511, do Código Civil de 2002 o prevê e dispõe que

84GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 6. 85DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 22.

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os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e

pela mulher, pondo fim às diferenças até então previstas por nossas leis, inclusive pelo

Código Civil de 1916.86

O “princípio da igualdade jurídica de todos os filhos” (art. 226, § 6o., CF) fundamenta-

se, de acordo com o mesmo autor, no princípio da igualdade. Assim, o texto constitucional o

reitera, dispondo que:

(...) os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o princípio ora em estudo não admite distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento de nascimento qualquer referência à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação.87

O “princípio da paternidade responsável e planejamento familiar” (art. 227, § 7o., CF),

nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, está consubstanciado na livre decisão do casal a

respeito do planejamento familiar. O artigo 1.565 do Código Civil em vigor repete o texto da

Lei Maior e acrescenta que está vedado qualquer tipo de coerção por parte das instituições

públicas e privadas que possa interferir na decisão dos genitores, cônjuges ou companheiros,

no que tange à organização e crescimento de sua família.88

O “princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre os companheiros ou

conviventes”, segundo as lições de Carlos Roberto Gonçalves, foi consagrado pelo artigo

1.511, do Código Civil. Ao citar Gustavo Tepedino, o referido autor nos lembra que:

(...) com a Carta de 1988, ‘altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, para um conceito flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos – tendo por origem não apenas o casamento – e inteiramente voltado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros’.89

Trata-se de princípio constitucional implícito que prioriza a denominada família

socioafetiva que se distancia dos laços formais e consagra as relações de afeto.

86GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 7. 87Id. Ibid., pp. 7-8. 88Id. Ibid., p. 7. 89TEPEDINO Gustavo, A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: A nova família: problemas e perspectivas. Coord. de Vicente Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 50, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 8.

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O “princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar”, assevera

Carlos Roberto Gonçalves está implícito na Constituição, decorre do “princípio da

paternidade responsável e planejamento familiar” e está disposto no artigo 1.513 do novo

Código Civil.90 O referido autor reproduz os dizeres de Maria Helena Diniz que assim nos

ensina:

Tal princípio abrange também a livre decisão do casal no planejamento familiar (CC, art. 1.565), intervindo o Estado apenas para propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito (CF, art. 226, § 7o.); a livre aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e opção pelo regime de bens mais conveniente (art. 1.639); a liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole (art. 1.634); e a livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família.91

Maria Helena Diniz denomina o “princípio da liberdade do casal para constituição de

sua família” de “princípio da liberdade” e o concebe:

(...) no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado (CC, art. 1.513); na decisão livre do casal no planejamento familiar (CC, art. 1.565), intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; na livre aquisição e administração de patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art. 1.639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole (CC, art. 1.634); e na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família.92

Maria Helena Diniz acrescenta dois outros princípios basilares da família:

d)‘Princípio do pluralismo familiar’, uma vez que a norma constitucional abrange a família matrimonial e as entidades familiares (união estável e família monoparental). Todavia, o novo Código Civil, apesar de em poucos artigos contemplar a união estável, outorgando-lhe alguns efeitos jurídicos, não contém qualquer norma disciplinadora da família monoparental, composta por um dos genitores e a prole, olvidando-se que 26% dos brasileiros, aproximadamente, vivem nessa modalidade de entidade familiar.

e) ‘Princípio da consagração do poder familiar’, substituindo o marital e o paterno, no seio da família. O poder familiar é considerado como um poder-dever (CC, arts. 1.630 a 1.638). Com isso segue os passos da lei francesa de

90GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 9. 91DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 21, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 9. 92DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, pp. 21-22.

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1970, que preferiu falar em ‘autoridade parental’, abandonando a locução ‘pátrio poder’, por ser aquela mais consentânea à sociedade conjugal dos tempos modernos, que é paritária, e ao poder-dever por ela exercido e as normas dos EUA, que adotam a ‘parental authority’, como ensina Krause.93

É fato que a adoção de novos princípios fundamentais das relações familiares teve por

fim reforçar a coesão familiar e os valores culturais, sem deixar de acompanhar os costumes,

tentando inibir a influência da perigosa inversão de valores dos novos tempos.

Com a promulgação da Carta de 1988 e do Código Civil de 2002, o legislador se

preocupou em seguir as inovações sociais, advindas da liberação sexual, da conquista do

poder pela mulher, da rápida desvinculação dos filhos do poder familiar, etc., mas também em

conservar o instituto da família, ampliando o seu conceito para aumentar sua proteção.

1.5.3 - A família no novo Código Civil

O novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, cujo início de vigência se

deu em 10 de janeiro de 2003, incorporou as disposições previstas pela Constituição Federal

de 1988 sobre o Direito de Família e ainda compilou as demais disposições pertinentes à

família previstas em leis especiais, tais como no Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), na

Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), na

lei que instituiu o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento (Lei 8.560/92), e nas

leis que regulamentaram a união estável (Leis 8.971/94 e 9.278/96), além de observar a

notória evolução social ocorrida quantos aos novos contornos das entidades familiares e as

decisões judiciais que os consagraram.

O Código Civil de 2002 contém, além de Parte Geral, cinco livros especiais, sendo que

o Livro IV foi destinado às disposições do Direito de Família, dividido em quatro Títulos que

se referem ao direito pessoal, ao direito patrimonial, à união estável, à tutela e à curatela.

No novo diploma legal, o legislador ressaltou a importância da família onde os

vínculos afetivos se sobrepõem ao biológico, ampliou seu conceito; admitiu a família

monoparental, aumentou os direitos dos companheiros na união estável; declarou a igualdade

dos pais quanto ao poder familiar; impediu a discriminação dos filhos; dentre outros. A

93DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direto de família, 18 ed., cit., p. 21.

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família, portanto, passou a ser concebida como um núcleo de convivência fundado no afeto e

na igualdade de seus integrantes.

Diz Carlos Roberto Gonçalves que:

O Código de 2002 destina um título para reger o ‘direito pessoal’, e outro para a disciplina do ‘direito patrimonial’ da família. Desde logo enfatiza a igualdade dos cônjuges (art. 1.511), materializando a paridade no exercício da sociedade conjugal, redundando no ‘poder familiar’, e proíbe a interferência das pessoas jurídicas de direito público na comunhão de vida instituída pelo casamento (art. 1.513), além de disciplinar o regime do casamento religioso e seus efeitos.94

Diz Carlos Roberto Gonçalves que as alterações havidas na Constituição Federal de

1988 e no Código Civil de 2002 revelam outra importante função da família, a função social,

que nos remete à reflexão sobre as conseqüências decorrentes da igualdade entre os cônjuges,

o reconhecimento legal de seus direitos e deveres e o esforço dos pais quanto à educação dos

filhos, o que, além de fortalecerem os laços afetivos entre todos, surte efeitos diretos na

sociedade, que conceberá a família como imprescindível ao bem-estar social.95

Ressalte-se que há no diploma legal em comento, além das disposições constantes do

Título destinado ao Direito de Família, regras referentes às entidades familiares, mas

pertinentes ao Direito das Obrigações, tais como as doações (arts. 544, 546, 550 e 551,

parágrafo único, CC), a venda de bens de ascendentes para descendentes (art. 496, CC), a

reparação do dano (art. 948, II, CC).

Apesar das importantes inovações introduzidas no Direito brasileiro pelo novo Código

Civil, não se pode ignorar que, infelizmente, foram deixados de lado alguns temas polêmicos,

mas de enorme relevância no mundo atual, como a reprodução assistida por fertilização in

vitro ou inseminação artificial. Deve-se ressaltar que há regra expressa sobre o tema no

diploma legal em pauta, que previu a presunção da paternidade na constância do casamento

dos filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido (art.

1.597, III a V, CC), sem que, contudo, o legislador se aprofundasse sobre ele.

De qualquer forma, não há dívidas de que as maiores inovações do Código Civil de

2002 no que tange ao Direito de Família foram a consagração da união estável como entidade

familiar e a supressão da desigualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na família,

94GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 18. 95Id. Ibid., p. 19.

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com o reconhecimento da paridade nas relações pessoais e patrimoniais por eles mantidas,

fato que nos demonstra a absorção do novo conceito de família pelo legislador, o que,

portanto, consagra sua inegável importância entre nós.

1.5.4 - A família no Direito Penal brasileiro

A família contemporânea, cujos contornos pouco se assemelham à instituição de

outrora, demonstra-nos as inúmeras alterações havidas nas relações humanas nos últimos

séculos, mais precisamente a partir do século XIX.

As mudanças comportamentais do homem influenciaram diretamente o Direito, até

porque muitas foram as inovações legislativas a respeito. Como conseqüência, também o

Direito Penal brasileiro foi influenciado por essas alterações, sobretudo em razão da mudança

do homem para os grandes centros, da redução do núcleo familiar, da abertura do mercado de

trabalho para as mulheres, da liberação sexual, dentre outras, apesar de ainda ser tímida a

preocupação do legislador com o tema “família”.

Sabe-se que o Direito Penal pátrio trata dos crimes cujo objeto jurídico é a família no

Título VII da Parte Especial do Código Penal em vigor. Além disso, o diploma legal em pauta

prevê benefícios quando verificadas certas hipóteses em que o crime é cometido no seio da

família, como no caso da isenção de pena prevista no artigo 181.

A lei penal brasileira tutela apenas os bens jurídicos considerados imprescindíveis para

a sociedade, o que inclui indubitavelmente a família. Porém, infelizmente isso não tem sido

efetivamente considerado pelo legislador penalista quanto aos reflexos do novo conceito de

família, o que determina a imediata revisão da legislação.

Parece-nos que o nosso legislador, no campo do Direito Penal, ainda reluta contra as

mudanças havidas no mundo atual e, por conseqüência, contra a nova concepção da família, o

que contraria os anseios do próprio homem, já que, uma vez que se tem em tela célula básica

de constituição da sociedade, maior proteção estatal deveria ser conferida para a preservação

da espécie humana e dos laços familiares.

Assim, por exemplo, parece-nos indefensável que o Código Penal em vigor somente

proteja a família formada fora do matrimônio em determinadas situações (art. 61, II, f , última

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parte; 129, § 9º.; art. 148, § 1º., I; 226, II; 227, § 1º., CP) e não em todos os dispositivos em

que o cônjuge é expressamente mencionado (art. 61, II, e; 133, § 3º., II; 181, I; 182, I; 244,

caput e 348, § 2º., CP), e ainda silencie a respeito da união estável no Título VII, que trata dos

crimes contra a família.

Aliás, é realmente injustificada a resistência concernente ao reconhecimento da ampla

proteção da união estável, pois a Carta Maior, em seu artigo 226, caput, impõe ao Estado o

dever de proteção da família, sem distinguir as formas de constituição das entidades

familiares, o que confere ao legislador ordinário plena legitimidade para legiferar nesse

campo, relembrando que é na Carta Magna que se devem buscar os bens jurídicos que

merecem a tutela do Direito Penal, em razão de seu caráter sancionador e castrador.

A dita constitucionalização do Direito Penal implica na estrita observância da Lei

Maior pelo legislador ordinário, uma vez que ela contém, explícita ou implicitamente, os

princípios fundamentais de garantia do cidadão (art. 5o., CF). Portanto, apenas o respeito ao

texto constitucional, segundo Maurício Antonio Ribeiro Lopes, permitirá a adoção de um

sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, e embasado em um Direito

Penal da culpabilidade, um ‘Direito Penal mínimo’ e garantista.96

É preciso ponderar que ampliar a aplicação do Direito Penal com o fim de resguardar a

família não significa necessariamente impor novos tipos penais incriminadores à população,

mas também aumentar a incidência de normas penais não incriminadoras para beneficiar

aqueles que, de alguma forma, se enquadram em situações que não mereçam a tutela penal,

como, por exemplo, aqueles que vivem em união estável, sem o formalismo do casamento, ou

aqueles que estabeleceram outra forma de entidade familiar não prevista em lei, como a união

homoafetiva, até porque o intuito é preservar a instituição e garantir sua integridade no caso

de conflito entre bens jurídicos relevantes e não apenas cercear a liberdade do indivíduo.

A equiparação da família oriunda da união não-matrimonial àquela constituída pelo

casamento no Direito Penal e, portanto a equiparação dos cônjuges e companheiros na

legislação em vigor, não ofenderá uma das características basilares do Direito Penal: a de ser

ele a ultima ratio no sistema legislativo, ou seja, o último mecanismo estatal eficaz para a

solução de conflitos, pois há situações em que os demais ramos do Direito, como, por

96LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios políticos do direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 3, p. 73.

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exemplo, o Direito Civil, não são suficientes para sancionar certas condutas violadoras desse

bem essencial ao homem, ou seja, da família.

Por conseqüência, não se permitirá a banalização do Direito Penal com o amplo

resguardo da família em seu âmbito, pois sua importância para a coletividade por si só já

reclama maior proteção. Não se vislumbrará também a infringência ao princípio da

intervenção mínima, fundamental no Direito Penal, pois é fato que em certas hipóteses apenas

a lei penal prevê a justa resposta à violação do consagrado instituto da família.

Na verdade, o tratamento diminuto conferido pelo legislador pátrio à família não se

verifica apenas na dificuldade de absorção de seu novo conceito, pois a própria evolução

histórica do nosso Direito Penal nos demonstra que a família nunca foi priorizada como

deveria. É preciso lembrar que foi apenas com o advento do Código Penal de 1940 que se

destinou um capítulo específico aos crimes praticados contra a família, pois antes a matéria

era disposta de maneira esparsa em nossos textos legais.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama nos elucida que os Títulos XIX e XXV do

Livro V das Ordenações Filipinas previam respectivamente o crime de bigamia e adultério,

com imposição da pena de morte para punição de seus autores. No Código Criminal do

Império, sob a ementa “Dos crimes contra a segurança do estado civil e domestico”, foram

consignados alguns crimes praticados em detrimento da família, como por exemplo, a

“polygamia” (art. 249), o “adulterio da mulher casada” (art. 250) e “do homem casado” (art.

251) e o “parto supposto” (art. 254). No Código Penal de 1890, os crimes de adultério e

poligamia foram tratados em Títulos diversos.97

Assim, apenas com o Código Penal de 1940, que agrupou os tipos penais de acordo

com o objeto jurídico tutelado, reservou-se um capítulo especial para proteção da família sob

o Título “Crimes contra a família”, título este subdividido em quatro capítulos “Dos crimes

contra o casamento” (Capítulo I), “Dos crimes contra o estado de filiação” (Capítulo II), “Dos

crimes contra a assistência familiar” (Capítulo III) e “Dos crimes contra o pátrio poder, tutela

e curatela” (Capítulo IV).

Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que o Código Penal de 1940 observou

os ditames constitucionais da época, ou seja, os previstos na Carta Magna de 1934, que

97GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., pp. 151-152.

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concebiam a família como aquela originada pelo casamento tão-somente98, por essa razão a

união estável não foi expressamente tratada pelo referido diploma legal.

O artigo 226, da Carta de 1988 ampliou o conceito de família, pois, sem deixar de

ressaltar a importância do casamento (§§ 1º. e 2º.), reconheceu a união não-matrimonial do

homem e da mulher (§ 3º.), previu outra espécie de família, a família monoparental (§ 4º.), e

não estabeleceu rol taxativo para a admissão de outras entidades familiares, o que nos parece

abarcar a união homoafetiva. Portanto, não há razões plausíveis para o tratamento

diferenciado das entidades familiares pelo Direito Penal, pois a melhor técnica legislativa

recomenda que os bens a serem tutelados por ele tenham por fundamento os ditames da Lei

Maior, o que não pode ser ignorado pelo legislador ordinário.

Há de mencionar que, embora se admitam conceituações variadas de certos institutos

pelos diferentes ramos do Direito, o permissivo constitucional citado não admite que o Direito

Penal e o Direito Civil se distanciem nesse campo, pois, por vezes, o Direito Penal se socorre

do Direito Civil para definir institutos jurídicos, e uma vez que a supremacia da Lei Maior os

direciona para tratamento igualitário da família. Principalmente no que diz respeito ao Direito

Penal, cuja incidência reclama redobrada cautela, já que com ele se limita direito fundamental

do indivíduo, qual seja: a liberdade.

O presente estudo tem como objetivo conjugar as novas concepções da família frente

aos ramos do Direito Civil e do Direito Penal, harmonizando-os com os mandamentos

constitucionais em vigor, a fim de que se impeça o tratamento desigual das diferentes espécies

de entidades familiares hoje admitidas pelo Direito pátrio e assim se preservem as garantias

que lhe foram destinadas pelo legislador constitucional, garantias estas que indubitavelmente

revelam ao cidadão brasileiro a sua importância.

98GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., p. 154.

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CAPÍTULO II - DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1 - Histórico

Ronaldo Frigini, em trecho reproduzido por Guilherme Nogueira da Gama, afirma que:

Remonta a milênios a notícia da existência de concubinas na vida dos homens, mesmo no tempo em que a poligamia era o regime natural dos casados, podendo-se afirmar que possuir apenas uma mulher representava comportamento vergonhoso, desonroso para o homem. Não bastasse a existência de várias mulheres com quem se casavam não eram apenas poucos os homens que ainda mantinham suas concubinas.99

Consoante Adahyl Lourenço Dias, na Antiguidade, já havia notícias da vida em

concubinato entre os habitantes das margens do Rio Eufrates, antes da consolidação da

Babilônia, pois era comum que os donos de hospedagens oferecessem aos visitantes, leito,

mesa e mulheres. O autor assevera que a promiscuidade dos pastores da Caldéia favoreceu a

vida sexual desregrada do povo babilônico, que acreditava que as formas de apetites sexuais

desenvolviam o espírito artístico, a inteligência e a produção de um modo geral, além de

aumentar a prole para o exército.100

Cita Guilherme Calmon Nogueira da Gama que os hebreus, descendentes dos caldeus,

encontravam-se sob a égide do pater familiae, mas vivenciaram a poligamia ante os costumes

vividos à época.101

Adahyl Lourenço Dias anota que:

Salomão chegou a desposar setecentas mulheres, todas de boa condição, inclusive a filha de Faraó, rei de Egito, e tinha, além disso, trezentas concubinas, (...) os hebreus diferenciavam a concubina e a prostituta, ao mesmo tempo que a esposa legítima colocavam em plano superior à meretriz, e a concubina entre ambas, em linha intermediária.102

Menciona Guilherme Calmon Nogueira da Gama que os persas, os hindus e os

chineses admitiam o concubinato na Antiguidade.103

99FRIGINI, Ronaldo. O concubinato e a nova ordem constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 686, dez. 1992, p. 56, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 96. 100DIAS, Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 13. 101GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 97. 102DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit, p.16. 103GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 97.

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Adahyl Lourenço Dias elucida-nos que, na Grécia antiga, também se admitia o

concubinato, pois os cultos a Vênus e a Adônis, ao enaltecerem os sexos, contribuíam para

que se disseminassem o amor e seus excessos. Além disso, com a prática da poligamia, não se

diferenciavam os filhos legítimos dos ilegítimos. A influência das cortesãs gregas que

migravam para o Egito também facilitou o surgimento da vida concubinária nesse país, sem

esquecer que a poligamia, por permissão do próprio Alcorão, é admitida ainda hoje entre os

muçulmanos, que podem se casar com até quatro mulheres.104

A prática do concubinato também se evidenciava em Roma e foi por fim reconhecido

em lei, uma vez que os costumes desregrados dos romanos e os casos constantes de poligamia

geravam vários problemas sociais que ameaçavam a integridade do próprio Estado.

Segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, em Roma havia três modalidades de

casamento, formas estas que investiam o marido in manus, ou seja, submetiam a mulher ao

poder marital: a confarreatio, a coemptio e o usus. A primeira, reservada à classe patrícia, era

uma cerimônia religiosa com inúmeras formalidades. A segunda destinava-se à plebe e

consistia no matrimônio civil, tendo como rito a compra fictícia da mulher pelo marido e o

usus era a aquisição da mulher pela posse, depois de um ano de convivência.105

Como dito no item 1.1 do Capítulo anterior (p. 17), se o casamento não obedecesse a

nenhuma das formas citadas, admitir-se-ia o casamento sem manus que conferia à mulher

certa independência, desde que ela se sujeitasse ao domicílio do marido e lhe fosse fiel.

Para Luiz Augusto Gomes Varjão, além das formas de casamento supramencionadas,

havia três outras modalidades de união: 1) o casamento juris gentium ou sine connubio, no

qual pelo menos um dos esposos era peregrino; 2) o contubernium, união de fato entre

escravos ou destes com pessoas livres, sem o reconhecimento, porém, de efeitos jurídicos; 3)

o concubinatus, a união estável entre o homem e a mulher, sem affectio maritalis a honor

matrimonii.106

Luiz Augusto Gomes Varjão relata que, no período do Direito Clássico, o concubinato

não era reconhecido como instituto jurídico. A concubina e seus filhos não tinham direito à

sucessão ab intestato, ou seja, mesmo quando não havia testamento formalizado pelo de

104DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit., pp. 18 e 21. 105VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 11. 106Id. Ibid., p. 12.

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cujus, tampouco ela podia fazer uso do nome do companheiro. Além disso, em determinadas

situações admitia-se a prática de crime (como o stuprum ou adulterium) nas uniões

estabelecidas pelo concubinato, por exemplo, na hipótese de casamento de senadores ou

homens ingênuos com mulheres de certa categoria social, como as atrizes.107

Luiz Augusto Gomes Varjão acrescenta que apenas com Justiniano o concubinato foi

consagrado como instituto jurídico com efeitos civis, ainda que de ordem secundária em

relação ao casamento. Porém, exigiam-se alguns requisitos, tais como idade conjugal,

inexistência de impedimentos matrimoniais entre concubinos e monogamia. Por

conseqüência, foi regulamentado o direito à sucessão legítima da concubina e seus filhos

naturais, e ainda foram permitidos o reconhecimento dos filhos havidos na união e a

concessão de alimentos recíprocos entre pai e naturales liberi, além de terem sido suprimidas

algumas restrições, como por exemplo, às limitações às doações e aos legados.108

Adahyl Lourenço Dias afirma que, com o Imperador Constantino revogaram-se as leis

Julia e Papia, passando o companheirismo a ser considerado forma de união ilegal. Na

oportunidade, já se faziam presentes as influências do Direito Canônico, por isso várias

reformas foram evidenciadas com o fim de prestigiar o casamento. Porém, alguns efeitos

decorrentes do concubinato foram ainda admitidos, como aqueles referentes à filiação.109

Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira, o concubinato caiu em desuso no

Ocidente a partir de século XII d.C., e foi expressamente abolido por Leão, o filósofo, no

século IX, no Oriente.110

Entretanto, o Direito Canônico dos primeiros tempos não desconhecia por completo o

concubinato. Gustavo A. Bossert, nas citações de Luiz Augusto Gomes Varjão, diz que o

Direito Canônico, na verdade, captou a função desta união informal e tratou de regulamentá-

la, assegurando a monogamia e a estabilidade da relação do casal.111

De acordo com Luiz Augusto Gomes Varjão, a união, sem as formalidades do

matrimônio, foi inicialmente admitida pelo Concílio de Toledo (ano 400 d.C.), que

107VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 12. 108Id. Ibid., p. 13. 109DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit., p. 28. 110PEREIRA, Caio Mário da Silva. Concubinato (Moderna Conceituação)-I. In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, v. 17, p. 253, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 14. 111BOSSERT, Gustavo A. Régimen jurídico del concubinato, 4. ed., actual. y ampl. Buenos Aires: Astrea de Alfredo y Ricardo de Palma, 1997, p. 12, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 17.

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reconheceu a relação monogâmica do homem e da mulher desde que de caráter perpétuo e

desde que o varão não fosse casado. Permitia-se ainda o casamento “clandestino” ou

presumido, que consistia na união do homem e da mulher, que se consideravam casados,

sendo seus celebrantes os próprios contraentes.112

Adahyl Lourenço Dias afirma que, com o tempo, passou-se a observar certa

degradação moral dos membros da Igreja Católica, com notícias de uniões dentro dos

conventos e de atos lascivos praticados por padres e leigos. Além disso, o poder material da

Igreja deu início a sua debilitação, que, somada à renovação cultural trazida pelo

Renascimento e às transformações decorrentes do movimento da Reforma, determinou a

adoção de medidas com vistas ao fortalecimento da instituição.113

Guilherme Calmon Nogueira da Gama ressalta que o Concílio de Trento (1563) impôs

várias providências com o fim de fortalecer a Igreja e, por conseqüência, as relações

familiares, tais como:

a) proibição do matrimônio presumido; b) estabelecimento da obrigatoriedade do matrimônio somente poder ser contraído perante um pároco, em cerimônia pública, com duas testemunhas; c) criação dos registros paroquiais, que passaram a conter os assentos dos matrimônios controlados pelas autoridades eclesiásticas da paróquia; d) proibição do concubinato, cominando penas severas contra os concubinos, tais como a excomunhão e a qualificação de hereges.114

Entretanto, segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, apesar de toda a oposição, o

concubinato continuou a existir, passando a reclamar os seguintes requisitos para a sua

configuração: a notoriedade, a publicidade e a coabitação sob o mesmo teto.115

Nos dizeres de Marco Aurélio S. Viana, antes da expressa condenação pelo Concílio

de Trento, que impôs a excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira

advertência, há relatos de verdadeiros defensores do instituto do concubinato à época, como,

por exemplo, Santo Agostinho, que teria admitido o batismo da concubina, desde que ela se

112VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 17. 113DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit., p. 31. 114GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., pp. 100-101. Luiz Augusto Gomes Varjão afirma que as uniões desprovidas de formalidades, além de proibidas pelo Concílio de Trento (1563), que reclamava a sua celebração por um pároco, com duas testemunhas, em ato público, foram condenadas pela Igreja. O Padre Jesús S. Hortal as considerava, por exemplo, um verdadeiro comércio carnal entre um homem e uma mulher, com o propósito, pelo menos implícito, de permanecerem no mútuo uso do corpo; portanto, pelo concubinato instaura-se algo semelhante à vida conjugal, mesmo que falte o ânimo marital. VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 17. 115VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 14.

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obrigasse a não deixar o companheiro, e Santo Hipólito, que negava matrimônio a quem

solicitasse abandonar a concubina, salvo se fosse por ela traído.116

Guilherme Calmon Nogueira da Gama cita trecho da obra de Rodrigo da Cunha

Pereira e relata que a constatação do concubinato na Idade Moderna nos é trazida pelas lições

de Moura Bittencourt, que alega que:

(...) a união não-matrimonial só desponta como elemento de negociação jurídica a partir da instituição do casamento civil, no século XVI e nos séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar-se sobre essa matéria. Anteriormente a essa conquista de institucionalização do matrimônio, as ligações estranhas a este não se apresentavam como problema: existia uma disciplina legal a respeito, tal como no Direito romano, em que o concubinato era considerado casamento inferior, de segundo grau, e como no regime das ordenações filipinas, em que a ligação extramatrimonial prolongada gerava direitos em favor da mulher.117

Afirma Guilherme Calmon Nogueira da Gama, referindo-se ainda às lições de Rodrigo

da Cunha Pereira, que, na Idade Contemporânea, os tribunais franceses foram muitas vezes

invocados para julgamento de ações propostas por concubinas para o reconhecimento de

direitos decorrentes dessas relações, uma vez silente o Código de Napoleão de 1804,

influenciado pelo Direito Canônico.118 O autor assevera que isso determinou que o legislador

francês promulgasse, em 1912, a primeira lei sobre o tema, dispondo como fato gerador do

vínculo de filiação o concubinato notório. Acrescenta que o Código napoleônico deu ênfase à

família constituída pelo casamento civil, com conotação patriarcal, autoritária e

centralizadora, negando, pois, legitimidade a qualquer agrupamento constituído de outra

forma, o que reforça a intervenção estatal para sua formalização.119

Há uma razão histórica para tanto, consoante Guilherme Calmon Nogueira da Gama,

pois o movimento da Reforma nunca admitiu a regulamentação do casamento civil pela Igreja

Católica, defendendo a necessidade do controle de sua legalidade pelo Estado120. Durante

anos, portanto, a união estável se viu à margem dos sistemas legais de todo o mundo, pois sua

informalidade fugia ao poder estatal.

116VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 4. 117PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável, cit, pp. 28-29, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 102. 118PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável, cit., p. 29, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 103. 119GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., pp. 103-104. 120Id. Ibid., p. 104.

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Como ressaltado no item 1.4 do capítulo anterior (p. 35), a Revolução Industrial

trouxe significativas mudanças para a vida em sociedade, com reflexos imediatos no

cotidiano das comunidades à época, tais como a abertura do mercado de trabalho, a

independência financeira dos membros da família e a posição da mulher na sociedade.

Esse novo modo de vida permitiu o rompimento da sociedade com concepções

tradicionais, por vezes, de cunho religioso, que condenavam as uniões não-matrimoniais,

e facilitou a formação de novos grupos familiares, o que culminou no reconhecimento

legal da união estável.

2.2 - Conceito e outras terminologias

De Plácido e Silva define o termo concubinato como a ‘união ilegítima’ de homem e

da mulher. É, segundo o sentido de ‘concubinatus’, o estado de ‘mancebia’, ou seja, a

‘companhia’ de ‘cama’ sem aprovação legal. 121

O autor equipara o concubinato à união estável, denominando-a de “união livre” para

diferenciá-la da “união legal”, oriunda do casamento, e a conceitua como aquela que decorre

da mancebia ou do concubinato, em que mero ‘estado de fato’, em relação à vida em comum

entre o homem e a mulher, aparentando uma ‘situação de casados’. 122

A lei, porém, ampliou a definição da união estável e a diferenciou do concubinato,

como vermos nos parágrafos a seguir.

O artigo 1.723 do nosso Código Civil, reiterando quase que integralmente os termos

da definição contida na Lei 9.278/96 (art. 1o.), dispõe que se reconhece como entidade

familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,

contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Euclides de Oliveira nos ensina que:

A palavra concubinato deriva do verbo latino ‘concubo’, que significa dormir junto, ir para a cama com outro, ter relações carnais. Ao lado da ‘justae nuptiae’ (justas núpcias, forma oficial de casamento) e do ‘contubernium’ (união de fato, entre escravos), no Direito Romano, reconhecia-se o ‘concubinatus’ como uma espécie de casamento de segunda

121SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18 ed. atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 194. 122Id. Ibid., p. 841.

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classe, em que o homem e a mulher mantinham convivência duradoura, porém despida da ‘affectio maritalis’.123

Para Euclides de Oliveira, trata-se de:

(...) união entre o homem e a mulher com o intuito de vida em comum, sem as formalidades do casamento. Corresponde à chamada ‘união livre’ ou informal, porque sem as peias da celebração oficial e dos regramentos estabelecidos na lei para as pessoas casadas. Esse o sentido amplo da palavra, abrangendo tanto as situações de vida em comum de pessoas desimpedidas, isto é, solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas, como as uniões paralelas ao casamento, ou adulterinas (‘triângulo amoroso’).124

Roberto de Ruggiero, conforme as lições de Washington de Barros Monteiro, afirma

que:

(...) consiste a união estável na ligação entre o homem e a mulher, sem casamento. Por outras palavras, é a ausência de casamento para aqueles que vivam como marido e mulher. O conceito generalizado de união estável tem sido invariavelmente o de vida prolongada em comum, com aparência de casamento.125

Silvio Rodrigues define a união estável como:

(...) a união do homem e da mulher, fora do matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem.126

Para Luiz Augusto Gomes Varjão:

O vocábulo concubinato possui dois significados. Em sentido amplo, designa toda e qualquer união sexual livre entre o homem a mulher. Em sentido estrito é a união ‘more uxorio’, isto é, como se fossem casados, do homem com a mulher.127

Marco Aurélio S. Viana, por sua vez, confere outro contorno à união estável e, sem

menção ao sentido amplo da expressão, define o instituto como a convivência entre homem e

mulher alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando a

constituição de família.128

123OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento antes e depois do novo Código Civil. 6. ed. atual e ampl. São Paulo: Método, 2003, p. 72. 124Id. Ibid., p. 73. 125RUGGIERO. Roberto de. Instituições de direito civil. trad. por Ari dos Santos 2/25, apud MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., pp. 30-31. 126RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed., v. 6, cit., p. 287. 127VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 49. 128VIANA, Marco Aurélio S. op. cit., p. 29.

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Guilherme Calmon Nogueira da Gama entende o companheirismo como a união

extramatrimonial monogâmica entre o homem e a mulher desimpedidos, com o vínculo

mantenedor da família, nos moldes do casamento.129

Francisco José Cahali conceitua o instituto como o vínculo afetivo entre o homem e a

mulher, como se casados fossem, com as características inerentes ao casamento, e a intenção

de permanência da vida em comum.130 Consoante o autor, outros juristas denominam o

instituto de diversas formas, valendo-se das seguintes expressões ditas sinônimas:

“concubinato puro”, “concubinato impuro”, “casamento de fato”, “união livre”, “família

natural”, ou simplesmente “concubinato”.131

Maria Helena Diniz, por sua vez, elucida-nos que, com a proteção constitucional que

agora recai sobre a união não-matrimonial:

(...) a união estável perde o ‘status’ de sociedade de fato e ganha o de entidade familiar, logo não pode ser confundida com a união livre, pois nesta duas pessoas de sexos diferentes, que além de não optarem pelo casamento, não têm qualquer ‘intentio’ de constituir família.132

Note-se que os diversos conceitos aqui transcritos revelam a dificuldade dos

doutrinadores de delinear o instituto da união estável, até porque muito se relutou em atribuir-

lhe efeitos jurídicos, o que certamente retardou sua concepção atual. Assim, inúmeras

terminologias foram utilizadas como referência às relações desta espécie, afastando os

estudiosos ainda mais da unanimidade acerca de seu conceito. Assim, estabeleceram-se

dúvidas a respeito da mais adequada opção, dentre as principais expressões: concubinato ou

união estável e companheiro(a) ou concubino(a).

A Carta de 1988, sem conceituá-la expressamente, equiparou a união estável entre o

homem e a mulher à entidade familiar protegida pelo Estado (art. 226, § 3o, CF).

A definição expressa da união estável também não foi introduzida em nosso direito

pátrio pelo Código Civil em vigor (em complemento ao dispositivo constitucional citado e aos

ditames da Lei 9.278/96), introdução esta que seria bastante inovadora e bem-vinda em nosso

entender, pois poria fim às divergências doutrinárias a respeito do tema, em que pese não ser

da nossa tradição conceituar institutos jurídicos em lei.

129GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., pp. 124-125. 130CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 87. 131Id. Ibid., p. 49. 132DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed., v. 5, cit., p. 322.

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Cumpre observar, entretanto, que o legislador infraconstitucional, quando da

promulgação do Código Civil de 2002, talvez no afã de negar direitos aos que mantêm

relações eventuais, dispôs que o homem e a mulher, impedidos de casar e que mantêm relação

contínua, vivem em concubinato (art. 1.727, CC).

Maria Berenice Dias menciona que o legislador pátrio pela primeira vez tentou

diferenciar o concubinato da união estável, com o intuito de pôr fim ao seu estigma

pecaminoso. No entanto, em seu entender, ele não obteve o desejado sucesso, pois não foi

claro o suficiente quanto ao não-reconhecimento das uniões paralelas pela ordem jurídica,

relacionamentos estes doutrinariamente conhecidos por concubinato adulterino.133

Na verdade, mesmo com o advento do Código Civil de 2002 que se limitou a prever os

requisitos da união estável, são ainda acirradas as divergências doutrinárias e jurisprudenciais

a respeito da sua adequada terminologia, pois alguns defendem que concubinato é termo mais

adequado, outros que a união estável é, mais preciso.

Segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, alguns autores entendem que a união estável é

um novo instituto que, por conseqüência, não pode ser definida como expressão sinônima de

concubinato. Defendem esse pensamento, Segismundo Gontijo e Carlos Alberto Menezes

Direito. Outros autores, porém, equiparam a união estável ao concubinato puro, dentre eles

Silvio Rodrigues, Álvaro Villaça Azevedo e Maria Helena Diniz.134

As divergências doutrinárias e jurisprudenciais também são evidenciadas no que tange

aos conceitos de concubino(a) ou companheiro(a).

Álvaro Villaça Azevedo relata que as palavras “companheira” e “concubina”, em

regra, são utilizadas como referência respectivamente ao concubinato puro e à união impura.

Porém, ele menciona que a expressão concubina poder ser utilizada adequadamente nas duas

hipóteses (pura ou impura).135

Adahyl Lourenço Dias defende a distinção dos termos ao afirmar que:

(...) no direito civil o conceito de companheira é acatado quando se trata de união em sociedade de fato, ou seja, nos casos em que a mulher haja contribuído com seu trabalho, exerça atividade produtiva, para o enriquecimento do patrimônio concubinário. (...) A atividade da concubina

133DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 166. 134VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 84. 135AZEVEDO, Álvaro Villaça. Do Concubinato ao casamento. 2. ed. Belém: CEJUP, 1987, p. 68.

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se circunscreve de maneira modesta em serviços domésticos, e a sua participação se encaminha a servir à pessoa do concubino, à sua casa, prestando-lhe concurso ‘intra parietes’, cuidando do lar, e se situa mais na intimidade, sem salientar-se em negócios fora daquele.136

Mário Aguiar de Moura também considera distintos os vocábulos e afirma que

concubina é a amásia do homem casado, que convive também com a mulher legítima,

enquanto companheira é a mulher que convive, como se casada fosse, com homem solteiro,

viúvo, desquitado ou simplesmente separado de fato da mulher legítima.137

Nossos Tribunais Superiores também se manifestaram a respeito das distinções

concebidas entre companheira e concubina.

Luiz Augusto Gomes Varjão elucida-nos que o Supremo Tribunal Federal assim se

posicionou em julgado:

Concubinato, segundo esse modo de ver, é a união clandestina ou mais ou menos clandestina entre um homem casado que vive simultaneamente com a mulher legítima e concubina. Tal união, pode ser oculta ou quase oculta, irregular, velada aos olhos de terceiros, caracterizaria o adultério, porquanto não rompidos os laços do dever de fidelidade entre o homem e sua mulher legítima. Acrescenta o autor que se fez menção na mesma ocasião à definição de companheira, quando se dispôs que ela é a mulher que une seu destino ao do homem solteiro, viúvo, desquitado ou simplesmente separado de fato da mulher legítima. Sua característica está na convivência de fato, como se casados fossem aos olhos de quantos se relacionem com os companheiros de tal união.138

O Superior Tribunal de Justiça também acolheu esse entendimento (REsp. 196 – RS –

4a. T. – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – j. 8.8.89 – DJU 18.9.89, in RT 651/170).139

Vale dizer que a expressão “união estável” foi adotada pela Constituição de 1988, mas

não foi repetida pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96, que, respectivamente, ao se referirem aos

direitos e deveres de seus membros, valeram-se dos termos companheiro e convivente. Isso,

na realidade, parece refletir as já citadas divergências quanto à melhor definição do instituto e

de seus membros por nossos juristas, que por vezes apresentaram inúmeros argumentos para

justificar a necessária diferenciação.

136DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit., p. 40. A expressão intraparietes significa dentro de minha casa. SOUZA, Francisco Antônio de. Novo dicionário latino português. Porto (Portugal): Livr. Lello e Irmão, 1984, p. 506. 137MOURA, Mário Aguiar de. Concubinato. 6. ed. atual .e aum. Rio de Janeiro: Síntese, 1979, p. 57. 138VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 52. O autor menciona, na mesma obra, na nota de rodapé n. 103, p. 52, os seguintes julgados: RExtr. 49.195 - 1a. T- rel. Min. Gonçalves de Oliveira - j. 30.11.61, in RF 197/07. No mesmo sentido: RExtr. 83.930/SP - 1ª. T - rel. Min. Antônio Neder - j. 10.5.77, in RTJ 82/930; RExtr. 82.192/SP, 1a. T- rel. Min. Rodrigues de Alckmin -j. 31.8.76, in Boletim de Jurisprudência ADCOAS 21/326, 1977. 139VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 52.

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A bem da verdade, apesar do posicionamento de doutrinadores de renome em nosso

país a respeito do tema e o disposto no artigo 1.727 do novo Código Civil, que hoje diferencia

o concubinato e a união estável, ousamos discordar de que a adoção de terminologias diversas

na hipótese contribua para a melhor compreensão do tema.

Para ilustrar nosso posicionamento, citamos Francisco José Cahali que afirma:

Entretanto, ainda se empregando na doutrina, legislação e jurisprudência, indistintamente, os termos ‘concubinos’ e ‘companheiros’, até a total reformulação da individualização proposta, não se pode negar ser apenas uma questão de terminologia e não de essência (...). Em outras palavras, até firmar-se a orientação quanto à adoção de uma terminologia específica para cada situação, a denominação utilizada sucumbe à proteção do instituto se preenchidos os requisitos próprios.140

Em nosso entender, não há lógica para a defesa do emprego diferenciado dos

vocábulos citados em comento, pois o que o intérprete deve ter em mente é a natureza e as

características das relações estabelecidas pelos casais e não a mera terminologia de referência.

Assim, é preciso constatar se a união entre o casal é duradoura, contínua, estável, pública, se

prima pela fidelidade e tem por fim a constituição de família, ou se é passageira, eventual, não

revela a intenção de estabelecimento de vida em comum e se é firmada entre pessoas casadas

ou unidas por laços de parentesco, não apenas porque não se pode contrair casamento na

hipótese, mas porque isso fere a moral e os bons costumes.

Nesses termos, se preenchidos os primeiros requisitos, temos em tela a união estável

ou o concubinato. Evidenciada a segunda hipótese, não há que falar em qualquer um deles e,

portanto, não se podem reconhecer quaisquer efeitos jurídicos.

Além do abandono do uso diferenciado das expressões citadas, cremos que o que se

deve buscar é um conceito precisamente delineado dessa entidade familiar com sua efetiva

inserção em lei, ainda que, como já mencionado neste estudo (p. 60), não seja da tradição de

nosso Direito dispor sobre definições de institutos jurídicos na legislação em vigor, pois só

assim se permitirá aos operadores do Direito a correta identificação de seus elementos

constitutivos e o reconhecimento de suas conseqüências jurídicas, além de conferir aos

cidadãos maior segurança no estabelecimento de suas relações.

Vale lembrar que a conceituação do instituto da união estável em lei terá reflexos em

140CAHALI, Francisco José. op. cit., p. 47.

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outros ramos do Direito, como por exemplo, no Direito Penal, objeto de nosso estudo, fato

que contribuirá para a adequada aplicação da lei penal, até porque se sabe que um de seus

princípios fundamentais é o princípio da legalidade estrita que reclama definições precisas e

completas em lei, com o fim de garantir à sociedade a preservação da liberdade de seus

integrantes e limitar o poder punitivo do Estado.

Antônio Carlos Mathias Coltro ressalta que a doutrina, nesse ponto, não é unânime,

pois, para muitos, a inserção do conceito do instituto da união estável em texto legal, além de

não observar a melhor técnica legislativa, determina a sua descaracterização, uma vez que

despido de qualquer formalidade. Além disso, defende-se que inconveniente é o seu

engessamento oriundo do estabelecimento legal de sua definição e requisitos, sem esquecer

que o legislador assim não procedeu em relação à família e ao casamento.141

Destaque-se que as tentativas de conceituação da união estável, cuja definição, como

já abordado anteriormente neste item (p. 60), não está prevista expressamente em nossa

legislação civilista atual, a qual contém apenas os seus requisitos (art. 1.723, CC), consagram

a sua importância entre nós e põem por terra o tratamento discriminatório e odioso concedido,

até poucos anos atrás, àqueles que estabeleciam relações não-matrimonias, relações estas

consideradas imorais, não merecedoras de tutela jurídica e havidas à margem da lei.

Mister se faz anotar que o preconceito mencionado tem sua origem na própria história

de nossa sociedade, que muito relutou em admitir uniões dessa espécie.

Isso se evidencia com maior clareza quando se busca, por exemplo, o conceito de

concubinato em antigas edições de nossos dicionários, que é definido como o estado de quem

tem ou é concubina, atribuindo-lhe como expressões sinônimas “concubinagem”,

“comborçaria”, “mancebia”. A concubina é conceituada como a mulher que vive em mancebia

com um homem (sinôn.: amante, amásia, amiga, arranjo, barregã, camarada, caseira, china,

comborça, espingarda, fêmea, gato, manceba, moça, murixaba, muruxaba, puxavante,

rapariga, sexta-feira).142

Essa concepção estava refletida no Código Civil de 1916, pois o legislador ao se

141COLTRO, Antônio Carlos Mathias. A Constituição Federal e a união estável entre o homem e a mulher. In: PINTO, Tereza Arruda Alvim (Coord.). Direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, p. 50, apud DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 164. 142FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 360.

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referir ao concubinato sempre objetivou restringir ou proibir direitos decorrentes de tais

relações em seus dispositivos (arts. 248, IV; 363, I; 1.177; 1.474; 1.719, III, CC/1916).

Para Clóvis Beviláqua, nas lições reproduzidas por Adahyl Lourenço Dias, a

concubina era a mulher que vive em união ilícita mais ou menos duradoura.143

A evolução dos tempos e a nova concepção das relações familiares, com a

conseqüente readaptação dos conceitos atinentes ao Direito de Família, entretanto,

determinaram o fim do estigma em relação ao concubinato, permitindo assim o

reconhecimento de seus efeitos jurídicos.

Por isso, sua atual conceituação já não se restringe ao mundo jurídico, pois é ela

decorrente dos novos contornos que a própria sociedade lhe confere. Evidencia-se, agora,

a definição da palavra “concubino” em nossos dicionários com outra dimensão, deixando-

se de lado a idéia de que somente a mulher pode ocupar a posição de concubina na

sociedade e que o concubinato se limita a apenas uma de suas espécies, o concubinato

adulterino.

Assim, agora se lê em nossos dicionários, sem se desprezar sua forma ilegítima:

‘Concubinato’. ‘s.m.’ (1680 AOCad II 168), 1 ‘arql.vb.’ entre os antigos romanos, união conjugal autorizada entre cidadãos não romanos. 1.1 no baixo Império, casamento legal desse tipo, mas de estatuto considerado inferior. 2. JUR. união livre e estável de um homem e uma mulher que não são casados um com o outro: amasio - c. ‘adulterino’. JUR. concubinato de duas pessoas casadas (com terceiros), ou em que uma delas apenas é casada (com outrem) ETIM lat. ‘concubinatus’, us ‘id’; ver - cubo; f. hist. 1680 ‘concubinado’, 1712 ‘concubináto’, 1712, concubinato - SIN/VAR sinonímia de mancebia.

‘Concubina’. ‘s.f.’ (1556 DPP II 240). 1. mulher que vive maritalmente com homem, sem estar com ele casada. 2. ‘p.ext.pej’. prostituta.3 AGR. variedade de tulipa – ETIM lat. ‘concubina’, ‘ae’ ‘id’; ver cubo - SIN/VAR. amante, amásia, amiga, arranjo, banda-de-esteira, barregã, boneja, cacho, camarada, caseira, caso, china, clori, cóia, comborca, coura, dama, encosto, espingarda, fêmea, franjosca, gansa, gato, iça, manceba, moça, murixaba, muruxaba, osso, puxante, rapariga, sexta-feira, sucuba - COL harém.

‘Concubino’. ‘adj. s.m.’ (1873 cf. DV) que ou o que vive maritalmente (com alguém) sem estar casado (com esse alguém) ETIM lat. ‘Concubinus’ ‘id’; ver - cubo: a datação é para o subst.144

143BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família, § 139, p. 300, apud DIAS, Adahyl Lourenço. op. cit., p. 40. 144HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 789.

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2.3 - Natureza jurídica e espécies

Os institutos do casamento e da união estável diferem em sua própria essência, razão

pela qual não há como tratá-los como instituto jurídico único.

Sérgio Gilberto Porto afirma que, quanto à natureza jurídica do casamento, os

doutrinadores o definem como um contrato. Assevera que o casamento constitui:

(...) um contrato especialíssimo, na medida em que envolve a também especialíssima relação jurídica matrimonial. Contudo, forçoso admitir que no casamento existem ajustes prévios, onde, inclusive, são discutidas cláusulas de natureza exclusivamente patrimonial, v. g., a definição do regime de bens através de pacto antenupcial, circunstância que, induvidosamente, em nosso sentir, define sua natureza jurídica como sendo este um contrato.145

No que tange à união estável, o mesmo autor entende que não se pode dispensar o mesmo

tratamento jurídico, pois:

(...) na medida em que para sua ocorrência não se exige a formalização de qualquer ajuste prévio; ela, em verdade, apenas acontece no (sic) roda viva da existência. E por acontecer é um fato, tal qual a posse, daí ter sua natureza jurídica definida como um fato. E é um fato capaz de produzir conseqüências jurídicas, pois faz nascer entre seus integrantes um vínculo definido pelo jurista como relação jurídica de Direito Material, projetando para além do imediato conseqüências, e são estas e apenas estas que devem ser regulamentadas.146

Para Euclides de Oliveira, segundo Maria Berenice Dias, a união estável nasce de um

fato jurídico, mas evolui para ato jurídico, em razão dos direitos que dela surgem.147

Assim, a união estável, embora concebida como forma legítima de constituição de

família, não pode ser tratada como se fosse casamento. Ela constitui instituto jurídico

assemelhado ao casamento nas suas conseqüências, mas não idêntico a ele.

Roberto Senise Lisboa, sem ainda considerar o consagrado princípio constitucional da

isonomia em seus dizeres, relata-nos que algumas teorias explicam a natureza jurídica

conferida pela doutrina à união estável e ainda sustentam os direitos dos concubinos entre si e

entre terceiros, quer sejam: a “teoria do enriquecimento sem causa”, a “teoria da sociedade de

145PORTO, Sérgio Gilberto. União estável: natureza jurídica e conseqüências. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul - AJURIS, n. 59, nov./1992, p. 270. 146PORTO, Sérgio Gilberto. op. cit., pp. 270-271. 147OLIVEIRA, Euclides de. Impedimentos matrimoniais na união estável: família e cidadania. Belo Horizonte: IBDFAM e OAB-MG, 2002, p. 175, apud DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 164.

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fato”, a “teoria da prestação de serviços”, a “teoria da finalidade social”, a “teoria de

obrigação natural”, a “teoria da eqüidade” e a “teoria da aparência”.

Para Roberto Senise Lisboa, a “teoria do enriquecimento sem causa” fundamenta-se na

impossibilidade de se conferir vantagem patrimonial a um convivente em detrimento do outro,

permitindo que as despesas efetuadas pela mulher (ou homem) durante a união, em proveito

do casal, sejam a ela (ou a ele) restituídas; a “teoria da sociedade de fato” admite que o casal

partilhe o patrimônio comum, amealhado com seu esforço, no caso da dissolução da união; a

“teoria da prestação de serviços” traduz-se no pagamento de indenização em benefício da

companheira (ou companheiro), em razão de seus serviços prestados ao outro; a “teoria da

finalidade social” fundamenta-se na necessidade de o aplicador da lei observar seu fim social,

portanto, o teor artigo 5o. da Lei de Introdução ao Código Civil; a “teoria da obrigação

natural” consiste na impossibilidade de restituição dos pagamentos das liberalidades efetuadas

por um dos conviventes em favor do outro, em razão da espontaneidade de seu cumprimento;

a “teoria da eqüidade” é adotada ante a existência de omissão legal acerca do concubinato

(hoje superada) e, por fim, a “teoria da aparência” importa na falsa convicção da existência de

matrimônio entre os concubinos e na ignorância de terceiros a respeito da união estável

estabelecida entre ambos.148

No que concerne às espécies de relações não-matrimoniais conhecidas

doutrinariamente, destaquem-se o concubinato puro e o concubinato impuro. Segundo Álvaro

Villaça Azevedo, o concubinato puro, também denominado leal, evidencia-se:

(...) quando se constitui a família de fato, sem qualquer detrimento da família legítima ou de outra família de fato (este poderá rotular-se, também, de concubinato leal). Assim, ocorre, por exemplo, quando coabitam solteiros, viúvos e separados judicialmente, sob essa forma familiar. Impuro é o concubinato, se for adulterino, incestuoso ou desleal, como, respectivamente, o de um homem casado, que mantenha, paralelamente a seu lar, outro de fato; o de um pai com sua filha; e o de um concubino formando um outro concubinato.149

A classificação citada é criticada por alguns juristas que defendem a adoção de

expressões que revelem a verdadeira natureza do instituto, tais como “companheirismo” e

“união estável”.

148LISBOA, Roberto Senise. op. cit., pp. 220-221. 149AZEVEDO, Álvaro Villaça. União estável: antiga forma de casamento de fato. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 701, mar./1994, p. 9.

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Maria Helena Diniz afirma que o concubinato:

Será ‘puro’ (CC, arts. 1.723 a 1.726) se se apresentar como uma união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Assim, vivem em ‘união estável’ ou concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente ou de fato (em contrário, RJ, 725:322, 745:336 e 198:136, por haver óbice ao casamento) e divorciados (RT, 409:352).150

Valendo lembrar a polêmica daqueles que instituem tal relação sem formalizar a

separação judicial nos termos da lei, situação que tem seus efeitos reconhecidos pelo Código

Civil (art. 1.727, CC). Quanto ao concubinato impuro, a autora diz que ele se evidenciará:

(...) nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. (...) Apresenta-se como: a) ‘adulterino’ (RTJ, 38:201; JTJ, 243:186; RT, 458:224), se se fundar no estado de cônjuge de um ou ambos os concubinos, p. ex., se o homem casado, não separado de fato, mantém, ao lado da família matrimonial, uma outra; e b) ‘incestuoso’, se houver parentesco próximo entre os amantes.151

José Maria Leoni Lopes de Oliveira diferencia o concubinato em sentido amplo do

concubinato qualificado e aponta que

(...) o concubinato, em sentido amplo, é a união entre pessoas de sexos diferentes que apresentam um relacionamento sexual, com certa continuidade e notoriedade, mantendo fidelidade recíproca. Diverso deste conceito é o do concubinato qualificado, que exige comunhão de vida sob o mesmo teto, com assistência mútua além das relações sexuais contínuas e da fidelidade recíproca entre um homem e uma mulher. É a chamada união estável na linguagem do legislador constitucional.152

Outra denominação de espécies de concubinato nos é dada por Rubens Limongi França,

segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, que distingue o concubinato natural, ou seja, o

concubinato entre pessoas livres e desimpedidas, do espúrio, que é aquele em que ambos os

concubinos ou apenas um deles está legalmente impedido de casar-se. O concubinato espúrio, por

sua vez, pode ser adulterino e incestuoso. Será adulterino, segundo o autor, aquele em que o

impedimento se funda no próprio estado de cônjuge de um ou de ambos os concubinos e,

incestuoso, aquele em que o impedimento se funda no parentesco próximo entre os concubinos.153

150DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 330. 151Id. Ibid., pp. 331-332. 152OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Alimentos e sucessão no casamento e na união estável. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, pp. 32-33. 153FRANÇA, Rubens Limongi. Concubinato e previdência. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Família e casamento: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988, pp. 598-599, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 50-51.

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Outros institutos devem ser conceituados neste estudo, a fim de que se possa

diferenciá-los da união estável.

Primeiramente, há de se diferenciar a união estável e sociedade de fato.

Carlos Alberto Menezes Direito afirma que, ao longo dos anos, o Poder Judiciário foi

procurado para dirimir conflitos oriundos da união entre o homem e a mulher, sem o ato civil

do casamento, sobretudo no que se refere ao patrimônio comum.154

Paulo Dourado Gusmão, conforme nos ensina Carlos Alberto Menezes Direito,

assevera que se adotou inicialmente a teoria da “sociedade de fato”, assim denominada, em

suas lições:

(...) por não resultar de contrato ou de qualquer ato jurídico que a constitua,

porquanto resulta do esforço comum do qual se formou um patrimônio,

considerado como comum, do qual cada concubinário tem direito a uma cota

proporcional à sua cooperação na formação do mesmo.155

Em nosso entender, a adoção da teoria da sociedade de fato teve por fim a

disseminação de técnica de julgamento para a solução de conflitos, com o objetivo de evitar o

enriquecimento indevido de um dos companheiros. Não há de confundi-la com o atual

conceito de união estável, que não se resume à mera convivência com interesse patrimonial,

mas sim revela verdadeira entidade familiar, resultante da comunhão de vidas.

Consoante Álvaro Villaça Azevedo, a prova da vida concubinária no concubinato puro

já era suficiente para se presumir o esforço de ambos os companheiros quanto à constituição

de patrimônio comum, o que contrariava a corrente jurisprudencial que se filiava à Súmula

380 do Supremo Tribunal Federal, que exigia a comprovação da sociedade de fato para a sua

dissolução e a conseqüente partilha do acervo. Para o autor, o simples concubinato poderia

gerar direito ao patrimônio do companheiro, sendo dispensável a prova da efetiva colaboração

econômica ou financeira dos concubinos.156

Pelo novo Código Civil, às relações patrimoniais decorrentes da união estável são

154DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável como entidade familiar. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 667, maio/1991, p. 18. 155GUSMÃO Paulo Dourado, Dicionário de Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 355, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes. op. cit., p. 19. 156AZEVEDO, Álvaro Villaça. União estável: antiga forma de casamento de fato, cit., p. 9.

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aplicadas as regras do regime da comunhão parcial de bens do casamento, salvo exceção legal

ou contrato escrito em sentido contrário (art. 1.725, CC).

Outro conceito que deve ser considerado neste estudo, e devidamente diferenciado da

união estável, é aquele que se refere à posse do estado de casados.

Euclides de Oliveira diz que, apesar de se assemelharem quanto à “aparência externa

de convivência”, a posse do estado de casados não se confunde com a união estável, que se

traduz em verdadeira entidade familiar, assim como ocorre com aquela oriunda do casamento,

e permite o reconhecimento de direitos de natureza assistencial, patrimonial e sucessória aos

companheiros, enquanto a posse do estado de casados é apenas uma situação de fato, de

vivência more uxorio, que pode servir como prova de casamento. Para o autor, a posse do

estado de casados, prevista no Código Civil de 1916 (arts. 203 e 206, CC/1916) e

recepcionada pelo novo Código Civil (art. 1.545, CC), é meio suplementar de prova de

casamento preexistente, à falta da correspondente certidão.157

Luiz Augusto Gomes Varjão acrescenta que há quem defenda a existência da

denominada união de fato ou união livre quando não se verifica um ou alguns dos requisitos

essenciais da união estável, o que passamos a abordar no item a seguir.158

2.4 - Requisitos

A doutrina não é unânime quanto à definição dos requisitos da união estável.

Maria Luiza de Alencar M. Feitosa aponta como elementos essenciais à sua

configuração a fidelidade presumida dos concubinos, a notoriedade e a estabilidade da união,

a comunidade de vida e o objetivo de constituição de família.159

Luiz Augusto Gomes Varjão, além dos elementos citados, acrescenta como

caracterizadores do instituto da união estável a diversidade de sexos, a inexistência de

impedimentos matrimoniais e o período de convivência.160

157OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 149. 158VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 94-95. 159FEITOSA, Maria Luiza de Alencar M. Concubinato e união estável. Âmbito Jurídico. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=545 >, acesso em 17.5.2007. 160VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 83.

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Assinala Guilherme Calmon Nogueira da Gama os requisitos da união estável,

classificando-os segundo critérios de ordem objetiva e subjetiva.

Dentre os critérios objetivos, o autor cita a diversidade de sexo, a ausência de impedimentos

matrimoniais, a comunhão de vida e o lapso temporal da convivência; quanto aos critérios

subjetivos, a convivência more uxorio: a apresentação do casal em público como se casados fossem,

e a affectio maritallis: a afeição recíproca de um verdadeiro casal. O autor diferencia os requisitos da

união estável de suas características que, na sua ótica, são: o fim de constituir família, a estabilidade,

a unicidade de vínculo, a notoriedade, a continuidade e o informalismo.161

Euclides de Oliveira nos ensina que há inúmeras divergências entre os doutrinadores

quanto à definição dos elementos da união estável, recomendando-nos a observância da lei

para definição das características do instituto.

Adotando posicionamento contrário, Euclides de Oliveira afirma que não há razões

para diferenciar as características da união estável de seus requisitos, aquelas concebidas por

alguns doutrinadores como referentes aos seus atributos ou qualidades e estes como

pressupostos de sua constituição válida, até porque, em algumas classificações, inclui-se, por

exemplo, o fim de constituir família e a affectio maritalis, respectivamente, como

característica e requisito subjetivo, o que pode gerar enorme confusão.162

Para o reconhecimento da entidade familiar em questão, adotaremos nesse estudo a

classificação que nos é dada por Euclides de Oliveira, bastando assim a verificação de

requisitos de ordem objetiva e subjetiva, sem a análise das características de forma autônoma,

pois, além de reunirem critérios garantidores da exteriorização social da relação, reclamam a

conjugação de vontades.

Os critérios de ordem objetiva, segundo Euclides de Oliveira, são: convivência,

ausência de formalismo, diversidade de sexos, unicidade de vínculo, estabilidade: duração,

continuidade, publicidade, e inexistência de impedimentos matrimoniais, e o critério de ordem

subjetiva, o objetivo de constituição de família. Para o autor, a falta de um desses requisitos

não permitirá o reconhecimento da união estável, mas talvez de concubinato, mero namoro ou

mesmo de “união desleal”, aquela estabelecida entre “amantes”.163

161GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 149. 162OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 121. 163Id. Ibid., p. 122.

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Abordaremos cada um dos requisitos da união estável nos itens 2.4.1, 2.4.2, 2.4.3,

2.4.4, 2.4.5, 2.4.6, 2.4.7, 2.4.8, 2.4.9 e 2.4.10, a seguir.

2.4.1 - Convivência

Euclides de Oliveira ensina que o termo “conviver” provém do latim cum vivere e

significa manter vida em comum. O conceito também se amolda ao vocábulo companhia,

derivado do latim cum panis, isto é, a partilha do mesmo pão servido na mesa comum.164

A união estável não pode ser momentânea ou acidental, mas sim, deve ser duradoura e

revelar a intenção do casal de estabelecer verdadeira comunhão de vida.

Todavia, a legislação pátria não faz referência à coabitação dos companheiros,

limitando-se a reclamar a convivência entre ambos, o que significa que não há óbice em se

reconhecer a união estável estabelecida entre casais que não residam no mesmo domicílio,

desde que não se desnature a sua intenção de realizar projetos comuns, de partilhar interesses,

de estabelecer vínculos e de se servirem da mesma cama e do mesmo pão.

É oportuno ressaltar que a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal dispõe que: A

vida em comum sob o mesmo teto, ‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do

concubinato, relembrando que essa orientação se evidenciou no momento em que nossa

legislação não reconhecia direitos patrimoniais entre os concubinos.

Alguns autores entendem que a convivência sob mesmo teto, ainda que não expressa

em lei, é imprescindível para a configuração da união estável. Segundo Luiz Augusto Gomes

Varjão, esta é a lição de Gustavo Tedepedino, Maria Helena Diniz, Francisco José Cahali,

José Maria Leoni Lopes de Oliveira, Rodrigo Pereira da Cunha, Fernando Malheiros Filho.165

Desse entendimento também comunga Guilherme Calmon Nogueira da Gama quando

relata que a comunhão de vida compreende três aspectos: a) físico, representado pelo débito

conjugal; b) econômico, ou seja, vida em comum para prosperidade; c) espacial, a saber, a

habitação comum, o lar conjugal.166

164OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 123. 165VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 106. 166GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da.O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 190.

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2.4.2 - Ausência de formalismo

Euclides de Oliveira cita que: A união estável é tipicamente livre na sua formação.

Independe de qualquer formalidade, bastando o fato em si, de optarem, homem e mulher, por

estabelecer vida em comum.167

Essa característica da união estável a diferencia sobremaneira do casamento, que

prima pelo excesso de formalidades não só quando da sua celebração, mas também na sua

fase preparatória.

No que se refere à dissolução da união estável, a mesma regra da informalidade deve

imperar, pois, ao contrário do casamento, quando não há litígio entre os companheiros, ela pode

ser dissolvida sem qualquer procedimento específico e sem a intervenção do Poder Judiciário.

Há quem defenda a formalização das uniões estáveis por contrato escrito, os chamados

contratos de convivência, ante a conveniência de se delimitarem direitos e deveres dos

companheiros durante a relação.

2.4.3 - Diversidade de sexos

O artigo 226, § 3o., da Constituição Federal de 1988 prevê expressamente que a união

estável se dará entre um homem e uma mulher.

O preceito constitucional foi consagrado pela Lei 8.971/94, quando, em seu artigo 1o.,

referiu-se à companheira comprovada de um homem. Da mesma forma dispôs a Lei 9.278/96,

ao mencionar em seu artigo 1o., a convivência de um homem e uma mulher.

Na mesma linha, o novo Código Civil reiterou as expressões homem e mulher em seu

artigo 1.723, apontando o requisito da heterossexualidade para configuração da união estável,

excluindo, dessa forma, a união homossexual.

Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

(...) o texto constitucional implicitamente adotou como paradigma o casamento para o reconhecimento das uniões livres como sendo espécie de família, daí a conseqüência inarredável de que outras uniões que não preencham os requisitos do companheirismo devem ser consideradas alijadas

167OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 124.

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do contexto familiar. E conclui que não há união estável, e nunca haverá, naquelas uniões que, por força do tratamento no Direito matrimonial, nunca poderão ser convertidas casamento.168

Há doutrinadores, porém, que se insurgem contra tal exclusão, dentre eles Maria

Berenice Dias que assevera que:

Por absoluto preconceito, a Constituição Federal emprestou de modo expresso juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir ‘status’ de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal (1o III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.169

2.4.4 - Unicidade de vínculo

Consoante Maria Berenice Dias,

(...) a união estável se inicia por um ‘vínculo afetivo’. Ao transbordar o envolvimento o limite do privado, começando duas pessoas a serem identificadas no meio social como um par, o relacionamento transforma-se em uma ‘unidade’. A visibilidade do vínculo o faz um ente autônomo merecedor da tutela jurídica como entidade.170

Euclides de Oliveira nos ensina que, assim como no casamento,

(...) na união estável exige-se que o vínculo entre os companheiros seja único, em vista do caráter monogâmico da relação. Havendo anterior casamento, ou subsistindo anterior união estável, não podem os seus membros participar de união extra, que seria de caráter adulterino ou desleal, por isso não configurada como entidade familiar.171

168GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. op. cit., p. 178. 169DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 45. Afirma a autora que a omissão do legislador quanto ao reconhecimento das relações homoafetivas constante de emenda constitucional proposta para inserção, dentre os objetivos fundamentais do Estado (art. 3o., IV), da promoção do bem de todos sem preconceito de orientação sexual (PEC 139/95), e no projeto de parceria civil (PL 1.151/95), tem sido suprida pela jurisprudência pátria, que concebe tais uniões como entidade familiar e lhes confere conseqüências jurídicas. A inovação partiu da justiça gaúcha, que reconheceu a competência dos juizados especializados da família para apreciar algumas questões (TJRS - AI 599 075 496 - 8a. CCiv .- rel. Des. Breno Moreira Mussi - j. 17.6.1999), como o direito de herança ao parceiro do mesmo sexo (TJRGS - AC 70001388982 - 7a. CCiv. - rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis - j. 14.3.2001) e pensão por morte ao sobrevivente (TRF 5a. R. - AC 334141 - 2002.84.00.002275-4- RN - 3a. T. - rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano - j. 27.7.2004). Na Justiça Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral proclamou inelegibilidade de candidata ao cargo de prefeito que mantinha relação homossexual com prefeita reeleita do mesmo Município (art. 14, § 7o.,CF). (TSE - REsp. Eleitoral 24 564 - Viseu/PA - Rel. Min. Gilmar Mendes - j. 1.10.2004). Id. Ibid., pp. 195-197. 170Id. Ibid., p. 168. 171OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 127.

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Para Euclides de Oliveira, alheios à proteção legal, estão a relação adulterina de

pessoa casada, sem a separação de fato do respectivo cônjuge, e as uniões desleais, verificadas

quando há relacionamento simultâneo com a união estável firmada com outrem.172

O novo Código Civil consigna expressamente que a união havida entre pessoas

casadas representa impedimento absoluto a sua constituição (art. 1723, § 1o., CC) e dispõe

que a relação mantida entre separados de fato configura mero concubinato (art. 1.727, CC).

Euclides de Oliveira aponta que também se admite a denominada união estável

putativa, verificada quando um dos companheiros desconhece a existência de casamento ou

anterior e paralela união estável mantida pelo outro, sendo possível na hipótese o

reconhecimento de direitos àquele que agiu de boa-fé (art. 1.561, CC).173

2.4.5 - Estabilidade: Duração

A união estável não pode ser passageira, momentânea, acidental, efêmera,

circunstancial, mas sim deve revelar seriedade, compromisso, durabilidade, continuidade.

A legislação vigente no Direito pátrio não estabelece prazo mínimo para sua

configuração, apesar de já se ter exigido prazo de cinco anos para tanto (art. 1º., Lei

8.971/94). Assim, desde a revogação da Lei 8.971/94, já não se reclama como requisito do

instituto a delimitação de prazo, bastando a convivência duradoura (art. 1.723, CC).

Há, contudo, entre nossos doutrinadores, ferrenha divergência a respeito da

necessidade de se estabelecer prazo mínimo para as uniões. Aqueles que não admitem prazo

mínimo para o estabelecimento das uniões estáveis dizem que o legislador ordinário não pode

impor limitação a direito, sem permissão constitucional, e ainda que deve prevalecer no caso a

natureza do relacionamento, e não o tempo de duração. Segundo Luiz Augusto Gomes

Varjão, comungam dessa opinião, Euclides de Oliveira, Jarbas Castelo Branco, Mario

Antônio Bandeira Scapini, Antônio Carlos Mathias Coltro, Noemia Alves Fardin, Rejane

Brasil Felipe, Lia Palazzo Rodrigues, Rainer Czajkowski e Rodrigo da Cunha Pereira.174

Aqueles que defendem a previsão de prazo mínimo para as uniões não-matrimoniais apontam

172OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 127. 173Id. Ibid., p. 128. 174VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 111.

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que ele traria segurança aos companheiros quanto às conseqüências da relação. Assim se

posicionam, Mário Aguiar de Moura, Francisco José Cahali, Álvaro Villaça Azevedo.175

Entendemos, pois, que há de ser dispensado o prazo mínimo como requisito essencial

para as uniões, pois, além de vetada ao legislador ordinário a imposição de limite temporal ao

instituto da união estável consagrado pela Constituição Federal – já que assim não o fez o

constituinte – deve-se evitar o seu “engessamento” que, sem dúvida, aconteceria pela

imposição de várias regras necessárias a sua formação, o que impediria sua constituição na

prática e a atribuição de direitos àqueles que por elas optam.

Seria razoável o não-reconhecimento de direitos a companheiros que estabelecem

união estável por um ano, adquirem patrimônio no período, mas não constituem prole comum,

pois não podem gerar filhos? Seria justo, portanto, nesse caso, negar ao casal o

reconhecimento da vida em união estável e a conseqüente atribuição de direitos patrimoniais,

sucessórios, previdenciários, dentre outros?

Estabelecer-se prazo, portanto, prestigiaria o enriquecimento indevido de um dos

companheiros, o que não coaduna com os princípios basilares do Direito brasileiro, nem

mesmo com o mais puro dever de justiça que deve orientar o seu aplicador.

2.4.6 - Continuidade

A união estável implica em convivência duradoura e sem interrupções, o que, por

vezes, não é possível demonstrar-se com clareza, pois a ausência de formalismo para sua

constituição também se evidencia na decisão a respeito de seu término, o que pode gerar

conseqüências jurídicas não desejadas, como, por exemplo, a indefinição quanto aos bens

que constituem o patrimônio comum, ou até mesmo, a paternidade de um filho. Além

disso, há de se ter cautela em relação aos afastamentos temporários que não têm o condão

de desnaturar a relação, pois apenas os rompimentos mais longos e sérios serão

determinantes quanto ao fim do relacionamento.

Segundo Euclides de Oliveira:

Comparativamente ao casamento, verifica-se que a união estável se fragiliza na sua constituição, perdendo substância no caso de romper-se o elo de

175VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 111.

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convivência entre homem e mulher. Para os casados é diferente, pois a sociedade conjugal persiste mesmo em casos de ruptura da vida em comum, embora se possa, depois de algum tempo, requerer com base nesse fato objetivo a separação judicial (um ano) ou o divórcio (dois anos).176

Carlos Roberto Gonçalves, corroborando nosso entendimento, afirma:

Diferentemente do casamento, em que o vínculo conjugal é formalmente documentado, a união estável é um fato jurídico, uma conduta, um comportamento. A sua solidez é atestada pelo caráter contínuo do relacionamento. A instabilidade causada por constantes rupturas desse relacionamento poderá provocar insegurança a terceiros, nas suas relações jurídicas com os companheiros.177

2.4.7 - Publicidade

Vivem em união estável o homem e a mulher que assim o demonstram em seu

meio. Portanto, serão considerados companheiros aqueles que se exibirem como marido

e mulher, independente de comunicação, ainda que informal, a todos com os quais

convivam.

Excluem-se as relações havidas de forma oculta, obscura, pois o constituinte, ao

equiparar o instituto à entidade familiar, teve o intuito de garantir o seu reconhecimento

por todos, e lhe reservar todos os direitos inerentes à família constituída pelo

matrimônio.

Maria Berenice Dias nos elucida que se deve diferenciar a publicidade da notoriedade,

pois, em seus dizeres:

(...) tudo que é público é notório, mas nem tudo que é notório é público. A ‘publicidade’ denota a notoriedade da relação no meio social freqüentado pelos companheiros, objetivando afastar da definição de entidade familiar as relações menos compromissadas, nas quais os envolvidos não assumem perante a sociedade a condição de ‘como se casados fossem’.178

A mesma concepção é defendida por Euclides do Oliveira ao ressaltar que:

Publicidade pode confundir-se com notoriedade da relação de convivência, mas não se exige tanto para caracterização da união estável. Basta que os companheiros não se mantenham misteriosos aos olhos do público, fazendo-se conhecer como tais ainda que dentro de um círculo menor de parentes ou

176OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 131. 177GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 54. 178DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 167.

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amigos. A notoriedade, mais ampla que a mera publicidade, pode advir como conseqüência, mas não necessariamente para tipificar aquele tipo de convivência familiar.179

2.4.8 - Inexistência de impedimentos matrimoniais

A Constituição Federal de 1988 consagrou a união estável como entidade familiar,

mas delegou ao legislador ordinário a função de regulamentá-la.

O Código Civil de 2002 disciplinou-a estabelecendo requisitos para o seu

reconhecimento (art. 1.723, CC), impondo direitos e deveres aos companheiros (art. 1.724,

CC) e critérios para constituição válida da união (art. 1.723, § 1o., CC).

O artigo 1.723, § 1o., do Código Civil em vigor, dispõe que a união estável não se

constituirá se ocorrerem os impedimentos previstos no seu artigo 1.521, isto é, nos casos de

parentesco na linha reta, parentesco na linha colateral até terceiro grau, afinidade na linha reta,

parentesco por adoção, casamento anterior e prática de homicídio ou tentativa de homicídio

contra um dos cônjuges e que, portanto, repetem os impedimentos absolutos previstos do

Código de 1916 (art. 183, I a VI e VIII, CC/1916).

Ressalte-se que, nesse mesmo parágrafo, excluiu-se o impedimento previsto pelo

inciso VI do artigo 1.521 do Código Civil, em relação às uniões estáveis estabelecidas entre

separados de fato, o que as torna mais abrangentes do que o casamento, que somente pode ser

novamente contraído quando dissolvido o vínculo matrimonial.

Os impedimentos considerados meramente proibitórios pelo Código Civil de 1916

(art. 183, XIII a XVI, CC/1916), hoje são causas suspensivas para a constituição do

casamento (art. 1.523, CC), e não se aplicam às uniões estáveis (art. 1.723, § 2o, CC).

Quanto aos impedimentos ditos relativos e tratados pelo artigo 183, incisos IX a XII,

do Código de 1916, são eles considerados pelo Código Civil de 2002 como causas de

anulação do casamento (art. 1.550, CC), também não aplicáveis às uniões estáveis, pois o

legislador não se referiu expressamente à união não-matrimonial nessa hipótese.

179OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 132.

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2.4.9 - Objetivo de constituição de família

A união estável exige critério de ordem subjetiva para sua configuração, ou seja, o

elemento anímico consubstanciado na intenção dos companheiros de constituir família e

manter sua relação com a aparência de casados, a denominada convivência more uxorio.

Para Maria Berenice Dias:

O ‘objetivo de constituição de família’ é pressuposto de caráter subjetivo. A origem desse requisito está ligada ao fato de que as uniões extramatrimoniais eram proibidas por lei. Ou seja, a intenção do par era casar, tinham por objetivo constituir uma família, o que não ocorria tão-só por impedimento legal.180

Eduardo Estrada Alonso, citado por Carlos Menezes de Direito em suas lições, relata

que a convivência more uxorio revela o aspecto externo da convivência diária verificada no

casamento, convivência essa que deve ser selada pela affectio, ou seja, pela a amizade

verdadeira e pelo afeto os companheiros. Para ele, esta é a causa primordial da união

extramatrimonial, sem o qual elas não poderiam sobreviver.181

Assim, para que se estabeleça a união estável, além dos requisitos objetivos, há de se

verificar a intenção dos companheiros de se manterem em comunhão. Reclama-se a

declaração livre e espontânea para convivência sob o mesmo teto nessa união de vidas.

Para Euclides de Oliveira, essa união é:

(...) uma estreita convivência com troca de sentimentos e interesses de vida em conjunto, de cotidiana renovação, em somatória de componentes materiais e espirituais que se resumem no afeto inerente à entidade familiar. Nesse contexto enquadram-se a assistência emocional recíproca entre os conviventes, a colaboração nas empreitadas comuns, o esforço no mútuo sustento, o compartilhar de mesa e de leito, aqui se chegando à prazerosa entrega sexual em clima de carinho, atenção e gestos de amor, indispensáveis ao desenvolvimento digno da personalidade e do caráter das pessoas e à realização do sonho de uma feliz comunhão de vida.182

O autor ainda nos chama a atenção para as ditas “relações abertas”, ressaltando que,

apesar de demonstrarem certo grau de cumplicidade e amor entre os conviventes, não

evidenciam o desejo de constituir família e nem tampouco um compromisso mais sério.183

180DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 168. 181ALONSO, Eduardo Estrada. Las uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Español, Madrid: Civitas, 1986, p. 121, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes. op. cit., p. 23. 182OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 135. 183Id., op. e loc. cit.

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2.4.10 - Outros requisitos

Carlos Roberto Gonçalves aponta como requisito essencial do instituto da união

estável a monogamia, ao afirmar que o vínculo entre companheiros há de ser único e ponderar

que a união estável não se evidencia na existência de uniões simultâneas.184

Maria Helena Diniz assim se reporta à monogamia e à fidelidade entre companheiros

(art. 1.724, CC): Não havendo fidelidade, o relacionamento passará à condição de ‘amizade

colorida’, sem o ‘status’ de união estável.185 Referindo-se aos requisitos da união estável

como seus elementos essenciais, a autora afirma que a doutrina tem apontado como

secundário, mas valorizador do concubinato puro, o seguinte rol:

1) A ‘dependência econômica da mulher’ ao homem, mas, de um lado, pode haver concubinato puro, ou união estável, mesmo que a mulher não viva a expensas do companheiro, por ter meios próprios de subsistência, e, por outro lado, é possível que alguém tenha uma mulher por uns tempos, sob sua total dependência econômica, sem que haja união concubinária, p. ex., se um indivíduo leva uma jovem para férias em uma estação climática.

2) A ‘compenetração das famílias’, havendo relações do amante com a família da concubina, contudo, não descaracteriza o concubinato se, p. ex., o homem evitar comunicar seu ambiente familiar com o de sua amante.

3) ‘Criação e educação pela convivente dos filhos de seu companheiro’ (RF, 164:268).

4) ‘Casamento religioso’, sem o efeito civil e sem seu assento no Registro Público (RT, 279:241, 443:161; RF, 85:704, 98:105; RTJ, 54:201, 67:255).

5) ‘Casamento no estrangeiro’ de pessoa separada judicialmente.

6) ‘Gravidez e filhos da convivente com o homem com quem vive’. A existência de prole comum não é requisito obrigatório para caracterizar a união estável, porque é admissível casamento entre pessoas idosas ou estéreis e porque pode haver filhos sem que seus pais vivam em estado de companheirismo.

7) ‘Situação da companheira como empregada doméstica do outro’.

8) ‘Maior ou menor diferença de idade entre os conviventes’.

9) ‘Existência de contrato’ pelo qual o homem e a mulher convencionam viver sob o mesmo teto, estipulando normas atinentes a questões morais e econômicas (...).186

184GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 548. 185DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed., v. 5, cit., p. 326. 186Id. Ibid., pp. 328-329.

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2.5 - A união homoafetiva: instituto próprio ou espécie de união estável?

A equiparação da união estável à entidade familiar, fato que nos revela a concepção

moderna do instituto da família, cujos membros se unem essencialmente por relações de afeto,

tem trazido à baila grande polêmica, ou seja, o reconhecimento da união homossexual

também como entidade familiar a ela equivalente.

Segundo Thiago Hauptmann Borelli Thomaz:

Etimologicamente a palavra homossexual é formada pela junção dos vocábulos ‘homo’ e ‘sexu’. ‘Homo’, do grego ‘hómus’, significa semelhante, e ‘sexu’, do latim, é algo relativo ou pertencente ao sexo. Portanto, a junção das duas palavras indica pessoas que sentem atração por outra do mesmo sexo.187

Consoante Thiago Hauptmann Borelli Thomaz, o homossexualismo sempre se

evidenciou nas civilizações antigas, havendo notícias de sua prática por romanos, gregos,

assírios, sendo que, por vezes, ele estava relacionado à religião e à carreira militar. Assevera

que dentre os gregos a homossexualidade era atribuída à intelectualidade, à estética corporal e

à ética comportamental, revelando assim a sua importância à época.188

Na atualidade, não se pode negar que as parcerias homoafetivas representam um fato

social cada vez mais constante, por isso não podem carecer de tutela legal. O preconceito,

ainda muito presente em relação às relações homossexuais, não pode se sobrepor aos

evidentes efeitos jurídicos que essas uniões afetivas geram, pois é certo que o homossexual é

um cidadão como qualquer outro, portanto, sujeito de direitos e obrigações que não pode ser

discriminado apenas porque segue orientação sexual diferente da maioria.

Há de se observar, porém, que o reconhecimento de direitos decorrentes das uniões

homossexuais já há muitos anos é evidenciado no Direito Comparado como constataremos

nos parágrafos a seguir, pois não são poucas as notícias da inserção de dispositivos referentes

às relações homoafetivas nos sistemas legais de diferentes países.

Álvaro Villaça Azevedo elucida que, em alguns países europeus, já foram aprovadas

leis que equiparam os direitos dos parceiros na união homossexual aos dos cônjuges no

187THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual – reflexões jurídicas. Cadernos jurídicos. Escola Paulista da Magistratura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, ano 04, n. 16, julho-agosto/2003, p. 89. 188Id. Ibid., pp. 89-90.

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casamento heterossexual, ressaltando que dentre os países escandinavos, apenas a Finlândia

não aderiu à legalização dos relacionamentos homossexuais. Afirma que a Dinamarca foi o

primeiro país a reconhecer legalmente a união homossexual, quando pela Lei 372, de 1o. de

junho de 1989, previu a denominada parceria homossexual registrada, com regras para sua

formação, dissolução e estabelecimento de contrato com os mesmos efeitos do contrato de

casamento, excetuada a possibilidade de adoção.189

Álvaro Villaça Azevedo diz que, em razão da legalização do registro das parcerias:

(...) o Código Penal dinamarquês, emendou-se sua seção 208, para constar como crime a contratação de parceria registrada por quem já for casado ou parceiro (prisão até três anos), entre outras especificações com alteração de penalidades.190

O referido autor acrescenta que a Noruega também reconheceu os efeitos jurídicos dos

relacionamentos entre casais homossexuais pela Lei 40, de 30 de abril de 1993, que

possibilitou o registro das parcerias entre casais do mesmo sexo (Love on Registret

Partnerskap), e previu, dentre outros direitos, a partilha do poder familiar pelos parceiros

homossexuais, o que a lei dinamarquesa proibia.191

Na Suécia, segundo o mesmo autor, reconheceu-se o parternariat (parceria

registrada) em 23 de junho de 1994, que oficializou a união de pessoas do mesmo sexo,

possibilitando a intervenção de um juiz para o registro da união, mas facultando-a no caso

de sua ruptura.192

Débora Vanessa Caús Brandão elucida-nos que na Suécia, até 1944, considerava-se

crime a união de pessoas do mesmo sexo menores de 25 (vinte e cinco) anos. Em 1978, essa

idade foi diminuída para os 18 (dezoito) anos. Em 1987, o Parlamento sueco decidiu que não

haveria mais discriminações aos homossexuais, até que, em 1994, foi legalizada a parceria

registrada entre os companheiros homossexuais, com observância dos mesmos impedimentos

do casamento: idade mínima, inexistência de afinidade entre as partes, inexistência de

casamento ou parceria atual.193

De acordo com Álvaro Villaça de Azevedo, na Islândia, também foi aprovada lei 189AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 468-469. 190Id. Ibid., p. 469. 191Id., op. e loc. cit. 192Id., op. e loc. cit. 193BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parceiras Homossexuais: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 46.

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permissiva do registro da união de pessoas do mesmo sexo e ainda da possibilidade de

partilha do poder familiar entre os conviventes.194

Consoante Álvaro Villaça Azevedo, em 1991, na Holanda foi permitido o registro de

uniões homoafetivas em alguns municípios, sendo que a lei que possibilitou a união civil

entre homossexuais passou a viger em 1º de janeiro de 1998. Essa lei permitiu a não-

obrigatoriedade do registro no que se refere à nacionalidade dos parceiros, ao contrário do que

dispõe a lei dos países dos escandinavos.195

Afirma Débora Vanessa Caús Brandão que, por razões histórias, já que, ao adotar o

Código Penal francês de 1810 nunca se tipificou qualquer conduta homossexual, a Holanda

foi pioneira quanto ao amplo reconhecimento de direitos dos homossexuais. A legislação

holandesa denominada Act on the Opening up of Marriage, sancionada em 21 de dezembro de

2000 e que alterou alguns artigos do Livro 1 do Código Civil holandês, é a mais liberal do

mundo neste aspecto, pois inovou ao permitir que as uniões entre homossexuais fossem

convertidas em casamento. Os parceiros podem, portanto, optar entre a parceria registrada e o

casamento, já que ambos coexistem.196

A autora ressalta que, na França, foi promulgada a Lei 99-944, de 15 de novembro de

1999, e respectivos Decretos que a regulamentaram, Decretos 99-1.089, 1.090 e 1.091, de 21

de dezembro de 1999, dispondo sobre o Pacto Civil de Solidariedade - PACS. A autora relata

que essa lei insere, no Livro 1 do Código Civil, em seu Título XII, título este denominado de

Du Pacte Civil de Solidarité et du Concubinage, o contrato, solene ou não, celebrado entre

duas pessoas do mesmo sexo ou não para organizar a vida em comum, mas desde que se

observem alguns requisitos, tais como idade e impedimentos decorrentes do parentesco por

afinidade, dentre outros.197

A mesma autora diz que, em 1997, na Espanha, rejeitou-se projeto do partido

socialista para a admissão do contrato de parceira registrada, mas o Parlamento Regional da

Catalunha, em 30 de junho de 1998, reconheceu a união homossexual como união estável

entre pessoas do mesmo sexo que vivam maritalmente.198

194AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, cit., p. 470. 195Id. Ibid., pp. 469-470. 196BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. op. cit., pp. 48-49. 197Id. Ibid., pp. 53-54. 198Id. Ibid., p. 63.

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Entretanto, em 1o. de julho de 2005, o Rei Juan Carlos I sancionou a Lei 13/2005 (Ley

13/2005), que finalmente admitiu o casamento de pessoas do mesmo sexo, alterando o artigo

44, § 2o., do Código Civil espanhol, artigo esse constante do Livro I, do Título IV (Del

matrimonio), Capítulo Primeiro (De la promesa de matrimonio) que hoje dispõe: El

matrimonio tendrá los mismos requisitos y efectos cuando ambos contrayentes sean del

mismo o de diferente sexo.199

O Código Penal da Espanha (Ley orgánica 10/1995) prevê, nas disposições gerais

constantes de seu Livro I, em seu Título I (De la infracción penal), Capítulo IV, artigo 22, 4a.,

circunstância agravante que pode ser reconhecida quando o agente: Cometer el delito por

motivos racistas, antisemitas u otra classe de discriminación referente a la ideología, religión

o creencias de la víctima, la etnia, raza o nación a la que pertenezca, su sexo u orientación

sexual, o la enfermedad o minusvalia que, o que revela que o legislador espanhol, também no

âmbito penal, pretende proteger uniões homoafetivas.200

Débora Vanessa Caús Brandão assevera que, na Hungria, o Parlamento de Budapeste

promulgou lei concedendo direito à herança e pensões a homossexuais, e ainda, na Alemanha,

em 1o de agosto de 2001, foi reconhecida a parceria registrada com concessão de direitos

sucessórios aos companheiros, dentre outros.201

Os Estados Unidos têm legislações bastante diferentes a respeito do tema, pois alguns

estados apresentam posicionamento mais liberal que outros, ou seja, reconhecem amplos

direitos aos casais heterossexuais.

Débora Vanessa Caús Brandão diz que no Estado da Flórida há legislação específica

proibindo a adoção de crianças por homossexuais e que os Tribunais se valem das regras de

hermenêutica para concedê-la quando possível. A autora afirma que na Geórgia também há lei

específica proibindo a parceria homossexual, mas acrescenta que, em algumas cidades dos

Estados Unidos, como São Francisco, há projetos para criação de registros de parcerias

199Lei 13, de 1.7.2005, que alterou a redação do artigo 44, § 2º., do Código Civil da Espanha. Disponível em: <http://www.unex.es/unex/gobierno/direccion/vicedoc/archivos/ficheros/igualdad/legislacion/ley13_2005.pdf>, acesso em 12.04.2007. Código Civil da Espanha, art. 44, § 2o.: O matrimônio terá os mesmos requisitos e efeitos quando ambos contraentes sejam do mesmo sexo ou de sexos diferentes (tradução livre da autora). 200Código Penal da Espanha, Lei 10, de 23.11.1995. Disponível em:<http://www.unifr.ch/derechopenal /legislacion/es/cpespidx.html>, acesso em 12.04.2007. Código Penal da Espanha, art. 22, 4o.: Cometer o crime por motivos racistas, anti-semitas ou outra classe de discriminação referente à ideologia, religião ou crenças da vítima, a etnia, raça ou nação à qual pertença, seu sexo ou orientação sexual, ou a enfermidade ou anomalia de que padeça (tradução livre da autora). 201BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. op. cit., p. 63.

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homossexuais, ressaltando que há, no Havaí, precedente datado de 1991, em que três casais

homossexuais pleiteiam a licença para o casamento, tendo a Suprema Corte local concedido

essa permissão, apesar de ser ainda cabível recurso à Suprema Corte de Washington para

confirmação ou não do julgado.202 A doutrinadora finaliza suas considerações ressaltando que

a sodomia ainda é considerado crime em mais de vinte estados americanos.203

Maria Berenice Dias pondera que o Estado de Massachusetts foi o primeiro Estado

americano a admitir o casamento entre homossexuais e ressalta que o Canadá hoje permite o

casamento entre pessoas do mesmo sexo, com a concessão dos mesmos direitos previstos para os

casais heterossexuais, incluindo adoção, ante os termos da Lei C-38, de 19 de julho de 2005.204

Tratamentos diferenciados a respeito do reconhecimento legal das uniões

heterossexuais também se evidenciam nos países africanos.

Segundo Maria Berenice Dias, em Angola, Botsuana, Moçambique, Namíbia e Zâmbia

são consideradas ilegais as práticas sexuais entre homens. Porém, nos dizeres da autora, na África

do Sul repudia-se qualquer discriminação quanto à orientação sexual, sendo o primeiro país do

mundo a consignar em sua Constituição, de 8 de maio de 1996, a proteção à liberdade de

orientação sexual como direito fundamental, o que determinou a revogação dos dispositivos que

tipificavam a sodomia e ato denominado de a men at a party, que consistia no fato de um homem

praticar conduta que o estimulasse ou lhe desse gratificação sexual durante festas.205

O Direito Comparado, portanto, revela-nos que o tema união homossexual não é novo

e que a alteração nos sistemas legais é necessária para a efetiva admissão das uniões entre

pessoas do mesmo sexo.

No Brasil, a convivência de homossexuais, sob o mesmo teto e de forma duradoura,

também se revela em fenômeno social que já não pode mais ser ignorado pelo legislador.

Entretanto, posicionamentos diversos ainda são evidenciados em nossa doutrina no que tange

à natureza jurídica da relação homossexual.

Para Álvaro Villaça Azevedo, a união homoafetiva não se equipara ao casamento, pois

nosso Código Civil faz menção, em inúmeros dispositivos, a pressuposto existencial para sua 202BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. op. cit., pp. 58-59. 203Id. Ibid., p. 60. 204DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006, p. 49. 205Id. Ibid., pp. 62-63.

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formalização, ou seja, a diversidade de sexo (arts. 233 a 251, CC/1916 e arts. 1.565 a 1.570,

CC/2002). Assevera o autor que a diversidade de sexo não é defeito, sanável ou não, do

matrimônio, mas requisito essencial de sua existência, por isso a união entre homossexuais é

ato inexistente, que não ingressa no mundo jurídico.206

Álvaro Villaça Azevedo ainda assevera que, da mesma forma, não se pode equiparar a

união homoafetiva à união estável, pois também se exige para a constituição desta última a

diversidade de sexos, conforme expresso dispositivo constitucional a respeito (art. 226, § 3º,

CF). Por conseqüência, em seu entender, a relação homossexual assim estabelecida também é

ato inexistente.207

O legislador, quando da inserção do dispositivo citado na Carta Maior (art. 226, § 3º.,

CF), foi bastante claro ao determinar que a união estável deva ser estabelecida entre um

homem e uma mulher, permitindo ainda, na oportunidade, que a lei facilitasse a sua conversão

em casamento, o que, em um primeiro momento, pareceu-nos que a entidade familiar

constituída entre casais heterossexuais foi renegada a um segundo plano. Entretanto, os

demais direitos dispostos aos companheiros no Código Civil em vigor permitem-nos inferir

que a união estável não foi desprestigiada pelo legislador constitucional quando facilitou sua

conversão em casamento, pois hoje os conviventes gozam de muitos dos direitos

reconhecidos aos cônjuges e as diferenças apenas consistem quanto à realização do casamento

civil, que ainda reclama uma série de formalismos.

O tratamento igualitário entre cônjuges e companheiros é evidenciado quando se

procede à interpretação de nosso sistema legal como um todo, portanto à interpretação

sistemática, pois é certo que para buscar a real intenção do legislador, a análise isolada de

dispositivos legais muitas vezes não basta para a identificação precisa do significado dos

institutos por ele consagrado.

Assim, por exemplo, se considerarmos isoladamente o dispositivo constitucional que

determina que a lei ordinária facilite a conversão da união estável em casamento (art. 226, §

3º, CF), podemos ter a falsa impressão de que o legislador somente reconhecerá os seus

efeitos quando o matrimônio ocorrer, o que não é verdadeiro, pois os companheiros já têm

direitos sucessórios, alimentares, patrimoniais, previdenciários, etc., desde o início da união.

206AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, cit., pp. 468-469. 207Id. Ibid., pp. 470-471.

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Na realidade, o princípio da igualdade (art. 5º., caput e I, CF) e o princípio da

dignidade da pessoa humana (art. 1º., III, CF) não nos permitem diferenciar situações iguais,

por isso o tratamento destinado aos cônjuges deve ser igual àquele atribuído aos

companheiros.

Idêntico raciocínio deve ser considerado para o reconhecimento de efeitos jurídicos

em relação à união homossexual, pois, apesar de a lei não prever hipóteses que a consagrem,

exceto no que tange aos crimes de violência doméstica contra a mulher, já que a Lei

11.340/2006 reconheceu a união homoafetiva entre mulheres em seu artigo 5º., incisos II e III,

e parágrafo único, ela é uma realidade em nosso meio, sendo certo que, por vezes, o Poder

Judiciário é invocado para solucionar litígios que envolvam as relações afetivas entre pessoas

do mesmo sexo, sobretudo no campo do Direito Civil (nota de rodapé n. 169, p. 74), o que

determina que o juiz se valha da interpretação sistemática e, algumas vezes, da analógica para

reconhecer os parceiros do mesmo sexo como companheiros e analisar suas pretensões, dada

a falta de previsão legal a respeito.

Além dos citados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, aqueles

que defendem a equiparação das uniões homossexuais à entidade familiar ressaltam que o

legislador constitucional, quando deixou de definir o instituto da família no caput do artigo

226 da Constituição Federal, referindo-se a ela apenas como base da sociedade, não

estabeleceu rol taxativo e admitiu, pois, outras espécies de família.

Mônica Yoshizato Bierwagen diz que a Constituição de 1988, ao prestigiar a família

constituída pelo casamento e equiparar a união estável e a família monoparental à entidade

familiar (§§ 1o. a 4o., art. 226, CF), não excluiu outras hipóteses possíveis para constituição da

família, nem mesmo garantiu proteção apenas a essas modalidades. A interpretação

puramente gramatical neste caso, segundo a autora, seria um equívoco e se afastaria da

concepção moderna de família que deve estar relacionada às entidades fundadas nas relações

de afeto.208

Maria Berenice Dias, por sua vez, entende que a união homossexual não é só entidade

familiar, mas espécie de união estável que engloba relações heterossexuais e homoafetivas.

Para a autora, ambas são relações fundadas no afeto e em vínculos com comprometimento

208BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. A proteção da família, a união homossexual e o direito de igualdade. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Divisão Jurídica. Bauru: Instituição Toledo de Ensino de Bauru, n. 35, ago./set. 2002, p. 121.

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amoroso, portanto merecedoras da mesma proteção. Assim, enquanto não se instituir

legislação específica para regular as uniões homossexuais, há de lhes aplicar a legislação

pertinente aos vínculos familiares e não as disposições atinentes ao campo dos Direitos das

Obrigações, com o reconhecimento de mera sociedade de fato.209

A falta de tratamento das uniões homossexuais constitui grave lacuna legislativa, pois

não há dúvidas de que apenas a lei possibilitará o reconhecimento efetivo de seus efeitos

jurídicos, além de impedir que posicionamentos doutrinários ou jurisprudenciais antagônicos

retardem a consagração das relações entre pessoas do mesmo sexo.

A omissão do legislador, nesse sentido, nos revela que o Poder Legislativo não

acompanha as mudanças sociais, valendo lembrar que o Estado deve regulamentar as

situações evidenciadas em nossa sociedade com o intuito de impedir lesões de direito, até

porque apenas a lei escrita traz a certeza e a segurança desejada por todos os cidadãos, e

impede que o próprio Judiciário se negue a reconhecer direitos de companheiros ou

companheiras em inúmeras situações, tais como, em demandas que envolvam questões

referentes a direito sucessório, alimentar, previdenciário, patrimonial, dentre outros.

Não se pode ignorar, entretanto, que tramitam no Congresso Nacional duas propostas

de emendas à Constituição Federal, Emenda 66, de 2003, 210 e a Emenda 70, de 2003, 211 e o

Projeto de Lei 1.151, de 1995, 212 este com respectivo Substitutivo, 213 para a inserção das

uniões homoafetivas em nosso sistema, além de inúmeros outros projetos para a proteção dos

homossexuais e criminalização de condutas que violem seus direitos.

O Projeto de Lei 1.151, de 1995, de autoria da então Deputada Marta Suplicy, contém

18 (dezoito) artigos que tratam da união civil entre pessoas do mesmo sexo, nomenclatura esta

substituída pela expressão parceria registrada por Substitutivo datado de 10 de dezembro de

1996 e elaborado por Comissão Especial instituída para sua revisão. O Projeto e o

Substitutivo prevêem direitos sucessórios e patrimoniais aos parceiros homossexuais, impõem

o registro obrigatório dos respectivos pactos, instituem novo estado civil e determinam a

intervenção do Judiciário para a dissolução das uniões homoafetivas, o que não nos parece

209DIAS, Maria Berenice. Uniões homoafetivas – uma realidade que o Brasil insiste em não ver. Boletim: Doutrina - Informações jurídicas e empresariais. São Paulo: Esplanada, n. 1, jan./ 2002, ano V, pp. 394-395. 210Texto da Emenda 66/2003 no Anexo IV, v. II, p. 35-36. 211Texto da Emenda 70/2003 no Anexo V, v. II, p. 37-39. 212Texto do Projeto de Lei 1.151/95 no Anexo VI, v. II, p. 40-42. . 213Texto do Substitutivo do Projeto de Lei 1.151/95 no Anexo VII, v. II, p. 43-44.

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muito adequado à realidade do brasileiro, que prima pelas relações estabelecidas sem

formalismos, principalmente as relações amorosas.

Os diplomas legais citados também contêm dispositivos de natureza penal. O Projeto

1.151, de 1995, prevê sanção específica para aqueles que estabelecerem parcerias simultâneas

(art. 8o.), e seu Substitutivo (art. 7o., parágrafo único), a prática de crime de falsidade

ideológica na mesma hipótese (art. 299, CP).

Vale observar que o legislador no Projeto 1.151, de 1995 e no respectivo Substitutivo

trata a violação aos direitos dos parceiros da união homossexual, ainda não admitida por

nosso sistema, com mais rigor do que a própria união estável estabelecida entre

heterossexuais. Por isso, as observações constantes desse estudo têm por fim a defesa do

tratamento igualitário dos cônjuges e companheiros no sistema penal em vigor, pois, caso

contrário, chegaríamos a um contra-senso, ou seja, puniríamos parceiros de uma união

homoafetiva quando do estabelecimento de relações concomitantes, e permitiríamos que

companheiros de sexos diferentes, na mesma situação, ficassem impunes.

Entretanto, apesar da iniciativa do legislador nesse ponto, não há dúvidas de que o

Projeto e seu Substitutivo já estão ultrapassados. Em primeiro lugar, porque o formalismo

para instituição das parcerias não seria respeitado pelo brasileiro e, em segundo lugar, porque

o Substitutivo veda expressamente a possibilidade de adoção, guarda e tutela de criança e

adolescente em conjunto, ainda que filhos de um dos parceiros (art. 3o., § 2o.), o que contraria

as decisões jurisprudenciais nesse sentido em nosso país.214

Parece-nos que o legislador, ao elaborar o Projeto e seu Substitutivo e impor inúmeras

formalidades para a constituição das uniões homoafetivas (além da necessidade de registro

obrigatório, criação de novo estado civil e a intervenção do Judiciário para dissolução das

parcerias), inviabilizou as uniões entre homossexuais e ainda as diferenciou flagrantemente

das uniões estáveis, que dispensam tantos requisitos para constituição.

De acordo com Taísa Ribeiro Fernandes, além das impropriedades técnicas

mencionadas nos parágrafos anteriores e em virtude do atraso na aprovação do Projeto em

questão, o Deputado Ricardo Fiúza, relator-geral do Projeto do novo Código Civil na última

214Em 23.11.2006, o jornal O Estado de S. Paulo publicou artigo noticiando a decisão inédita no Estado de São Paulo de um Juiz de Direito da cidade de Catanduva, que concedeu a adoção de um menor a um casal homossexual, com a inclusão do nome de ambos no registro de nascimento respectivo.(Casal gay tem direito de adotar reconhecido, O Estado de S. Paulo, 23.11.2006, Edição Brasil, p. A 23).

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fase de sua tramitação, apresentou o Projeto de Lei 6.960, de 2002, para alterar o seu texto e

regulamentar as uniões homoafetivas com a inserção de um artigo no título que trata da união

estável, nos seguintes termos: 215

Art. 1.727-A – As disposições contidas nos artigos anteriores (1.723 a 1.727) aplicam-se, no que couber, às uniões fáticas de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas de ordem pública e os bons costumes. 216

Essa proposição legislativa não foi aprovada e, portanto, ainda subsiste a lacuna em

nosso sistema no que concerne às relações homoafetivas.

Apesar das discussões a respeito do tema, pois ainda há muita resistência de nossos

juristas quanto ao pleno reconhecimento de efeitos jurídicos à união homossexual,

entendemos que a união homoafetiva é uma entidade familiar, mas não uma espécie de união

estável, e sim um instituto próprio, merecedor de regulamentação específica, até porque o

legislador constitucional foi muito claro ao estabelecer que a união estável é uma entidade

familiar constituída apenas por um homem e uma mulher (art. 226, § 3o., CF). Assim, a fim de

que não pairem dúvidas acerca da legitimidade das uniões entre homossexuais e apesar de

entendermos que a Lei Maior não veda a admissão de outras entidades familiares, é razoável a

alteração da Constituição Federal por Emenda Constitucional, para inserção no artigo 226 da

Constituição Federal, de dispositivo que equipare à união homoafetiva à entidade familiar e

que atribua à lei ordinária sua regulamentação.

Consoante Maria Berenice Dias, há proposta de Emenda Constitucional 70, de 2003,

do Senador Sérgio Cabral, que dispõe sobre a dita alteração, não para inserir novo dispositivo

para o reconhecimento da união homoafetiva, mas sim para suprimir a expressão entre um

homem e uma mulher do artigo 226, § 3o., da Carta Maior, equiparando a união estável

heterossexual e a homossexual. Acrescenta a autora que a proposta de Emenda Constitucional

66, de 2003, de autoria da Deputada Federal Maria do Rosário e outros, prevê nova redação

para os artigos 3o. e 7o., e inclui, dentre os objetivos fundamentais do Estado, a promoção do

bem de todos, sem distinção de orientação sexual e, dentre os direitos sociais, a proibição de

diferenças por igual razão.217

215Texto do Projeto de Lei 6.960, de 2002 no Anexo VIII, v. II, p. 45-101. 216FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais: efeitos jurídicos. São Paulo: Método, 2004, pp. 96-97. 217DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça, cit., pp. 53-54.

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Maria Berenice Dias ainda nos relembra que inúmeros projetos de lei prevêem sanções

penais para condutas que ofendam a orientação sexual de cada um, tais como o Projeto 70, de

1995, que prevê a inserção no artigo 129, § 9o., do Código Penal, de excludente de

criminalidade quando da realização de cirurgia para alterar o sexo; o Projeto 5.003, de 2001,

que prevê a criminalização de condutas de pessoas físicas e jurídicas que discriminem

homossexuais e transgêneros; o Projeto 5, de 2003, que prevê a alteração da Lei 7.716/89,

para a inclusão, dentre os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, da discriminação

ou preconceito de orientação sexual, além da alteração do Código Penal para a elevação da

pena de injúria praticada nas mesmas circunstâncias; o Projeto 287, de 2003, que prevê o

crime de rejeição a doadores de sangue em razão de preconceito por orientação sexual e o

Projeto 2.773, de 2000, que prevê a retirada da expressão homossexual ou não do artigo 235

do Código Penal Militar, que tipifica a conduta de militar que pratica ou permite a prática de

ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar.218

Como ponderamos anteriormente nesse item (p. 82-85), no Direito Comparado, as

legislações infraconstitucionais instituíram vários direitos aos homossexuais, sem alterar os

textos constitucionais respectivos. Porém, a alteração das leis infraconstitucionais brasileiras

sem a devida alteração da Lei Maior em vigor, não é recomendável, pois nos parece que é da

nossa tradição rechaçar institutos novos que não estejam em harmonia com a Constituição

Federal, o que aliás ocorreu com a própria união estável que foi inserida expressamente no

texto constitucional, não só para sua consagração, mas para pôr fim a posicionamentos

doutrinários e jurisprudenciais antagônicos.

Na verdade, nosso sistema legislativo determina que o brasileiro desenvolva

sentimentos de insegurança no que tange à sua própria eficácia. As constantes mudanças nas

legislações, que, muitas vezes, não se harmonizam com a melhor técnica legislativa, e, em

regra, determinam o reconhecimento judicial da ineficácia das novas leis ou de sua

incompatibilidade com o sistema em vigor, geram inúmeras dúvidas em seus destinatários

quanto à sua validade e, portanto, quanto à própria necessidade de respeitá-las.

A inserção na Carta Maior das uniões homoafetivas trará a almejada certeza aos

cidadãos brasileiros quanto aos seus efeitos jurídicos e encerrará as discussões sobre a

natureza jurídica dessas relações e dos direitos dos companheiros homossexuais.

218DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça, cit., pp. 53-54.

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No âmbito do Direito Penal, porém, a modificação da legislação para tipificar as

condutas praticadas pelos homossexuais na constância dessas uniões, como previsto no

Projeto 1.151, de 1995, e em seu Substitutivo, já está autorizada pelo artigo 226 da

Constituição Federal, que não estabelece rol taxativo quanto às possíveis espécies de

entidades familiares e permite a ampla proteção da família, tanto é que o legislador ordinário

assim as previu na Lei 11.340/2006.

Há de se apontar que, apesar da inovação trazida pela Lei 11.340/2006 acerca do

reconhecimento da união homoafetiva feminina, quando da prática de crime de violência

doméstica contra a mulher, a união homossexual ainda não foi consagrada pela lei penal como

deveria, pois, em primeiro lugar, a Lei 11.340/2006 somente regulamenta casos de prática de

crime específico (art. 5º., Lei 11.340/2006) e, em segundo lugar, porque a lei em pauta exclui

a relação homossexual entre homens ao tratar apenas de hipóteses em que a mulher é vítima

de violência doméstica, o que significa que está vedada a extensão de seus ditames para punir

homossexuais masculinos em casos semelhantes, pois não se pode interpretar a lei penal em

desfavor do réu, e o que pode ensejar discussões sobre a constitucionalidade da lei em

questão, já que se viola o princípio da igualdade (art. 5º., caput, CF).

Em nosso entender, a inovação trazida pela lei citada determina a alteração da

legislação penal em vigor para a equiparação do companheiro heterossexual ou homossexual,

a fim de que as diferentes formas de entidade familiar admitidas pela Carta Maior sejam desde

logo regulamentadas (art. 226, caput e §§ ss., CF). De qualquer maneira, o reconhecimento da

união homoafetiva pela Lei 11.340/2006 permite desde já a extensão das normas penais não

incriminadoras previstas no Código Penal em vigor às uniões entre homossexuais, quando

contiverem a expressão “companheiro” ou, na sua ausência, quando aplicadas aos

companheiros heterossexuais por analogia (art. 181, I; 182, I; e 348, § 2º., CP), incluindo os

casais homossexuais masculinos, embora excluídos pela Lei 11.340/2006, a fim de que não se

infrinja o citado princípio da igualdade.

Não se pode esquecer que a Constituição orienta o legislador infraconstitucional

quanto aos bens que ensejam a tutela penal, a fim de que não sejam merecedores de proteção

aqueles não considerados essenciais à sociedade. Assim, embora não necessária a aprovação

de Emenda Constitucional para a equiparação da união homoafetiva à entidade familiar, pois

a família já está amplamente protegida pela Carta Maior (art. 226, CF), independentemente da

forma como foi constituída, razoável seria a alteração da Constituição Federal neste sentido, a

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fim de que não se discuta a constitucionalidade de tipos penais pertinentes às uniões entre

pessoas do mesmo sexo.

Contudo, enquanto isto não se evidencia, no campo do Direito Civil, os magistrados

deverão se valer da aplicação da analogia para solucionar os litígios entre os parceiros do

mesmo sexo, ou seja, deverão aplicar aos casos concretos não regulamentados em lei,

dispositivos legais que estabeleçam hipóteses que se assemelham às situações fáticas havidas

entre companheiros heterossexuais. No Direito Penal, entretanto, admitir-se-á, como dito nos

parágrafos anteriores, a analogia apenas para o reconhecimento aos companheiros do mesmo

sexo dos benefícios previstos pelas normas não incriminadoras, pois não se pode permitir a

extensão dos tipos penais às condutas praticadas por homossexuais na constância das uniões,

sem que haja prévia definição de tais condutas, em razão do princípio da legalidade e

anterioridade da lei penal (art. 1º., CP).

2.6 - A união estável no Direito Comparado

No Direito Comparado, Carlos Alberto Menezes de Direito reproduz as lições de

Eduardo Estrada Alonso, que nos elucida que a união estável pode ter como fonte a legislação

direta e autônoma, a aplicação analógica das normas que regulamentam a família legítima ou

a conjugação da legislação com outras fontes do Direito, ressaltando que a união livre é

instituto típico dos ordenamentos legais sul-americanos, sendo evidente a resistência dos

demais países, sobretudo dos países europeus e dos países da América do Norte, em

formalizá-lo em seus sistemas.219

Luiz Augusto Gomes Varjão nos relata a maneira como o concubinato é

regulamentado em alguns países no mundo, apontando a diversidade de tratamento, em vista

das suas respectivas concepções culturais, sociais e religiosas, como se verá nos itens que

abordaremos a seguir.

219ALONSO, Eduardo Estrada. Las uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Español, Madrid: Civitas, 1986, p. 121, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes. op. cit., p. 20.

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2.6.1 - A união estável do Direito Civil Comparado

Luiz Augusto Varjão inicia suas considerações sobre a união estável nos países sul-

americanos, demonstrando-nos que o seu tratamento legal é neles realmente preponderante,

conforme será demonstrado nos parágrafos a seguir.

Gustavo A. Bossert, conforme cita Luiz Augusto Gomes Varjão em seus

ensinamentos, 220 assevera que na Argentina não há ainda previsão legal do concubinato,

apesar de a doutrina e a jurisprudência local admitirem o instituto do concubinato, reclamando

para a sua configuração a coabitação, a publicidade, a singularidade e a estabilidade. Segundo

Luiz Augusto Gomes Varjão, inexiste na legislação argentina a obrigação alimentar entre

concubinos, a sucessão legítima e a indenização por ruptura da união, havendo, apenas,

menção à possibilidade de indenizar a companheira pela morte de seu convivente em acidente

do trabalho (art. 248, da Lei de Contrato de Trabalho, Lei 20.744) ou de conceder pensão

previdenciária pela morte do companheiro, desde que preenchidos alguns requisitos.221

Na Bolívia, conforme nos elucida Luiz Augusto Gomes Varjão, a união estável é

reconhecida legalmente e, segundo o disposto no artigo 194 da Constituição em vigor, é

equiparada ao casamento quanto aos seus efeitos nas relações pessoais e patrimoniais, desde

que presentes os requisitos da estabilidade e singularidade, e verificada a inexistência de

impedimento para o matrimônio. Essas uniões são regulamentadas pelos artigos 158 a 172 do

Código da Família, Lei 996, de 4 de abril de 1998.222

Assim como ocorre na Argentina, assevera o referido autor que no Chile não há

regulamentação legal da união estável e tampouco a jurisprudência lhe atribui efeitos. Existe

apenas uma hipótese na lei que permite o ajuizamento de ação de investigação de paternidade

nela fundada.223

Na Colômbia, conforme os dizeres do autor, prevê-se a união de fato entre o homem e

mulher, não casados, que formam uma comunidade de vida permanente e singular, por pelo

menos dois anos (art. 1o. da Lei 54, de 28.12.1990), sem equipará-la, entretanto, ao casamento.224

220BOSSERT, Gustavo A. Régimen jurídico del concubinato. 4. ed. Actual. y amp Buenos Aires: Ed. Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1997, p. 35/39, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 19. 221VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 19-21. 222Id. Ibid., p. 21. 223Id. Ibid., p. 24. 224Id. Ibid., pp. 24-25.

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Luiz Augusto Gomes Varjão menciona que se evidencia em Cuba a regulamentação

legal do concubinato e a ele se atribuem todos os efeitos do matrimônio se registrado ou

reconhecido pelo Tribunal competente (art. 18 e 19 do Código de Família - Lei 1.289, de

1987). Para a legislação cubana, trata-se de uma união voluntária de um homem e uma mulher

aptos para o casamento, com o objetivo de constituir vida em comum, desde que preenchidos

os requisitos da singularidade e estabilidade (art. 2o. do Código de Família).225

Assevera o mesmo autor que na Guatemala, a Constituição Federal, de 31 de maio de

1985, previu a união de fato que, por esta razão, foi regulamentada pelo artigo 173 do Código

Civil, que define a união de fato como aquela havida entre o homem e a mulher com

capacidade para contrair matrimônio, desde que exista lar e vida em comum constante por

mais de três anos e desde que atendidos os fins de procriação, alimentação, educação dos

filhos e auxílio recíproco.226

Luiz Augusto Gomes Varjão afirma que:

O Código Civil Mexicano de 1928, para o Distrito e Territórios Federais, reconhece os direitos dos concubinos a alimentos e à sucessão recíproca, desde que tenham vividos juntos, sem impedimentos matrimoniais, como fossem casados, durante cinco anos ou se da união resultou filho comum (Artigos 302 e 1.635 do Código Civil).227

O referido autor pondera que, em alguns estados mexicanos, porém, a legislação

dispõe sobre o concubinato de forma diferenciada, com menção a outros requisitos, mas sem

ignorar sua legitimidade. Por exemplo, no Estado de Morelos, asseguram-se alimentos à

concubina, se a união durou cinco anos.228

No Panamá, nos relatos do doutrinador, os artigos 53 e 54 do Código de Família em

vigor, equiparam a união de fato ao casamento desde que ela seja estabelecida por cinco anos,

entre um único homem e uma única mulher (singularidade), que não haja impedimento

matrimonial entre ambos e que a união seja estável.229

O artigo 51 da Constituição, de 20 de junho de 1992, do Paraguai, ainda segundo Luiz

Augusto Gomes Varjão, equipara o casamento às uniões de fato, desde que estabelecidas sem

225VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 25-26. 226Id. Ibid., pp. 26-28. 227Id. Ibid., p. 28. 228Id. Ibid., pp. 28- 29. 229Id. Ibid., p. 30.

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impedimentos matrimoniais, e desde que sejam estáveis e singulares. O Código Civil do

Paraguai, alterado pela Lei 1, da Reforma Parcial do Código Civil, promulgada em 15 de

julho de 1992, também regulamenta o concubinato em seus artigos 81 a 94, definindo-o como

união estável, pública e singular, havida entre um homem e uma mulher, ambos com idade

mínima para contrair o casamento e sem a existência de impedimentos matrimoniais

dirimentes entre os conviventes.230

No Peru, o artigo 5o. da Constituição de 1993, conforme diz Luiz Augusto Gomes

Varjão, atribui direitos patrimoniais à união estável de um homem e uma mulher, livres de

impedimento matrimonial e que formam um lar de fato, ao estabelecer uma comunhão de

bens, na hipótese, sujeita ao regime da sociedade de bens aqüestos. O Código Civil peruano,

por sua vez, trata de apenas alguns efeitos do concubinato, tais como o reconhecimento da

paternidade de filho havido dessa união (art. 402o., no. 3), o direito de alimentos à concubina e

à possibilidade de indenização por danos morais nos casos de abuso de autoridade ou de

promessa de matrimônio comprovada, de coabitação delituosa ou de menoridade ao tempo da

concepção (art. 414).231

Luiz Augusto Gomes Varjão relata que em São Salvador, o Código de Família, de 1o.

de outubro 1994, disciplina o concubinato como uma união de fato singular, contínua e

estável, estabelecida por, pelo menos três anos, e sem a existência de impedimentos entre os

conviventes.232

Assevera o referido autor que não há previsão legal do concubinato no Uruguai, mas

alguns dispositivos do Código Civil uruguaio concedem direitos aos conviventes, como

direitos reais de habitação e de uso à porção legitimária, independente de duração do

matrimônio, se este foi precedido de concubinato estável, singular e público (art. 881.5).233

E ainda acrescenta que na Venezuela, o artigo 767 do Código Civil de 1942, após a

reforma havida em 26 de julho de 1982, atribui efeitos patrimoniais ao concubinato ao

estabelecer a comunhão de bens adquiridos na sua constância, presumida pela mera

convivência e sem a necessidade de comprovação de esforço comum para tanto.234

230VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 32. 231Id., op. e loc. cit. 232Id. Ibid., pp. 33-34. 233Id. Ibid., p. 34. 234Id. Ibid., pp. 35-36.

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Nos Estados Unidos, há divergências nos diferentes estados a respeito dos efeitos do

concubinato e da legalidade dos contratos de convivência estabelecidos entre companheiros e

sua conseqüente execução.

Luiz Augusto Gomes Varjão, ao citar Harry D. Krause, assinala que nos Estados

Unidos são repudiados os contratos que explicitam cláusulas estritamente relacionadas às

relações sexuais venais (meretricous sexual services), mas defendidos aqueles que

estabelecem direitos sobre bens e rendimentos dos concubinos. Inexistindo os citados

contratos, os Tribunais apuram a vontade dos conviventes de estabelecer a união e, por

conseqüência, determinam justa remuneração ao reivindicante pela participação na

manutenção do casal.235

Luiz Augusto Gomes Varjão ainda nos lembra que em quatorze estados norte-

americanos, além do matrimônio, há o casamento de fato (common law marriage), que

dispensa licença e cerimônia, mas que se formaliza com a declaração mútua das partes de

permanecerem juntas durante toda a vida, desde que capazes e que não se verifiquem

impedimentos para a formalização do matrimônio.236

Flagrantes divergências no tratamento do instituto da união estável também se

verificam nos países do continente europeu e nos revelam ainda a forte resistência quanto à

sua admissão, conforme veremos nos parágrafos seguintes.

Carlos Alberto Menezes de Direito menciona os ensinamentos de Eduardo Estrada

Alonso, que aponta que a aplicação analógica das normas referentes à família legítima é

própria de países de common law que consagram a assimilação entre matrimônio de facto e

235KRAUSE, Harry De. Les concubinages aux Etats-Unis d’Amérique. Les couples de concubins face au droit. in: Des concubinages dans le monde, Paris: Editions du Centre National de La Recherche Scientifique, 1990, p. 134, apud VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 37. Luiz Augusto Gomes Varjão menciona dois casos ocorridos nos Estados Unidos que retratavam o posicionamento díspar da jurisprudência americana até que fossem reconhecidos direitos aos concubinos. O primeiro deles foi aquele vivido pelo ator de cinema Lee Marvin que, casado, manteve um relacionamento concubinário por seis anos e, ao seu término, sua amásia ajuizou uma ação de indenização para o recebimento de indenização. Ao citar Harry D. Krause, o autor relata que a indenização na hipótese foi concedida à amásia de Lee Marvin com base no valor do trabalho e não por alguma vantagem decorrente do concubinato em si. Outro caso relembrado pelo autor é aquele conhecido por “Hewitt contra Hewitt” em que uma mulher que viveu em concubinato durante quinze anos com um homem e com ele teve três filhos, mas quando dele tentou se divorciar, teve negado todo e qualquer direito pela Corte do Estado de Illinois, diante da afirmação do seu companheiro de que eles nunca haviam casado. Afirma ainda o autor que, em 1995, a Corte de Washington reconheceu como comum a propriedade doméstica de dois concubinos, comportando, pois, sua justa distribuição em caso de separação. Id. Ibid., pp. 38-39. 236VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 39.

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matrimônio de jure. 237

Consoante Luiz Augusto Gomes Varjão, em Portugal, o advento da Constituição de

1976, cujo artigo 36 passou a prever que todos têm direito de constituir família e de contrair

casamento em condições de plena igualdade, trouxe à baila entre os doutrinadores pátrios

discussões sobre a definitiva admissão do instituto do concubinato pela legislação, apesar de

ser ainda tímido o reconhecimento de suas conseqüências pelo direito civil português, que

apenas reconhece aos concubinos o direito a alimentos (art. 2.020o.) e ao arrendamento (art.

2.196o.).238

Maria Berenice Dias afirma que, em 15 de março de 2001, o Parlamento português

aprovou o Decreto 56/VIII para regulamentar as uniões de fato estabelecidas, por pelo menos

dois anos, entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não, com disposições sobre direitos

patrimoniais, sucessórios e previdenciários, com exceções quanto às adoções que somente

podem ser concedidas aos casais heterossexuais.239

Na Espanha, segundo Luiz Gomes Varjão, não há disposição legal que preveja

expressamente direitos aos concubinos, o que determina que a doutrina e a jurisprudência

interpretem dispositivo constitucional que garante a ampla proteção à família (art. 39), para

abarcar a família não-matrimonial, ante o crescente número de uniões estabelecidas dessa

forma no país.240

O autor assevera que o antigo Direito francês, muito influenciado pelo Direto

Canônico, ignorou por muitos anos o concubinato.241

De acordo com Luiz Augusto Gomes Varjão, durante o Século XIX, porém, os

Tribunais franceses passaram a reconhecer as conseqüências do instituto do concubinato, o

que determinou a alteração das leis em vigor e o advento de outras destinadas à

regulamentação de questões decorrentes. O concubinato não é ainda reconhecido

expressamente pela legislação na França, inexistindo, por exemplo, a obrigação alimentar

entre companheiros, o dever de sustento do lar e o direito de sucessão ab intestato entre

237ALONSO, Eduardo Estrada. Las uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Español, Madrid: Civitas, 1986, p. 121, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes. op. cit., p. 21. 238VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 40-41. 239DIAS, Maria Berenice, União homossexual: o preconceito e & a justiça, cit., p. 49. 240VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 42. 241Id. Ibid., p. 44. Luiz Augusto Gomes Varjão cita célebre frase de Napoleão para ilustrar o entendimento à época: Os concubinos dispensam a lei; e a lei deles não trata. Id., op. e loc. cit.

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ambos. Há, porém, a possibilidade de divisão do patrimônio comum havido pelo trabalho dos

amásios, desde que clara intenção de se manterem em sociedade.242

Débora Vanessa Caús Brandão, como já mencionado anteriormente neste estudo

quando abordamos as uniões homoafetivas (Cap. II, item 2.5, p. 83), afirma que na França, a

Lei 99-944, de 15 de novembro de 1999, previu o Pacto Civil de Solidariedade – PACS, e

assim admitiu o contrato, solene ou não, celebrado entre duas pessoas do mesmo sexo ou não

para organizar a vida comum.243

Na Itália, segundo Débora Vanessa Caús Brandão, também não há regulamentação do

concubinato em lei e, por isso, várias vezes se trazem à baila discussões doutrinárias sobre

seus efeitos jurídicos. Inexiste, por exemplo, entre concubinos, a sucessão causa mortis e o

dever alimentar.244

Eduardo Estrada Alonso, conforme nos relata Carlos Menezes de Direito, cita que na

Itália se adota a analogia para o reconhecimento jurídico do instituto do concubinato, em

razão das lacunas na legislação em vigor e ante as divergências doutrinárias a respeito de sua

regulamentação em lei. Aplicam-se às uniões estáveis as regras do casamento naquilo que

couber, total ou parcialmente, sem olvidar que a resistência da admissão do instituto no

sistema legal italiano parece ainda fundamentar-se no fato de a união livre pertencer apenas

ao mundo dos fatos e não ao mundo jurídico.245

Como se evidencia, observando-se o instituto da união estável nos sistemas jurídicos

de outros países, não se pode negar que o Direito brasileiro em muito avançou ao equiparar a

união estável à entidade familiar, além de conferir-lhe ampla proteção estatal e reconhecer, na

legislação infraconstitucional, os efeitos jurídicos dela decorrentes.

Assim, em que pesem as críticas de alguns juristas a respeito, correta, em nosso

entender, foi a postura do legislador pátrio quanto à sua expressa inclusão na lei, pois isso

indubitavelmente garante aos cidadãos maior segurança no estabelecimento de suas relações e

permite o crescimento de relacionamentos dessa natureza em nossa sociedade, com o

conseqüente fortalecimento da família.

242VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 44-45. 243BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. op. cit., p. 53. 244Id. Ibid., pp. 47-48. 245ALONSO, Eduardo Estrada. Las uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Español. Madrid: Civitas, 1986, p. 121, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes. op. cit., p. 21.

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2.6.2 - A união estável no Direito Penal Comparado

A união estável, como se pôde observar em relação às disposições civis antes

abordadas no item anterior, também é evidenciada nas legislações penais de muitos países,

porém nem sempre com o tratamento merecido.

Alguns países criminalizam o concubinato adulterino, outros destinam parca proteção

aos companheiros e outros, ainda, nem sequer mencionam a união estável na lei.

Tais disposições penais díspares nos permitem inferir que também o legislador

estrangeiro não se conscientizou das necessárias alterações na lei penal para a equiparação dos

cônjuges e companheiros, situação essa que não pode mais perdurar, pois, por vezes, casos

concretos idênticos são tratados de forma absolutamente diversa, o que não é admissível.

Além disso, não se pode olvidar que, como já tratado no Capítulo II, item 2.5, desse

estudo (p. 81-93), a união homoafetiva desperta a cada dia maior interesse dos juristas em

todo o mundo, ante seus inegáveis reflexos sociais. Isso tem determinado a reformulação de

leis constitucionais, civis e penais em vários países, para sua consagração, por isso não é

razoável que o mesmo tratamento não se evidencie quanto à união heterossexual, há muito já

reconhecida pela ciência do Direito como instituto merecedor de ampla proteção.

Note-se que, ao avaliar as legislações estrangeiras, pode-se constatar que o

reconhecimento de direitos dos companheiros na legislação civil é diretamente proporcional

ao seu efetivo tratamento na lei penal. Assim, quanto maior a proteção da união estável na

legislação civil de certos países, maior é sua proteção na legislação penal, o que nos parece

razoável, pois o sistema deve ser harmônico para garantir sua eficácia.

No Código Penal argentino não contém disposição sobre a prática de crimes por

companheiros. Nas disposições gerais, os artigos 40 e 41 prevêem as circunstâncias

agravantes e atenuantes e a possibilidade de o julgador considerar los vínculos personales (os

vínculos pessoais) quando da aplicação da pena (art. 41, 2o.). No seu Livro Segundo, que trata

dos tipos em espécie, também não há qualquer referência aos companheiros, podendo-se citar

a hipótese de aplicação de pena mais severa ao autor de homicídio contra ascendente,

descendente e cônjuge, sem menção aos companheiros (arts. 79 e 80).246

246Código Penal Argentino, Lei 11.179, de 21.12.1984. Disponível em: <http://www.justiniano.com/codigos juridicos/codigo_penal.htm>, acesso em 16.4.2007 (tradução livre da autora).

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Deve-se mencionar que, posteriormente, na Argentina foi promulgada a Lei 24.417,

sancionada em 7 de dezembro de 1994, que dispôs sobre a proteção da vítima nos casos de

violência familiar, sobre medidas preventivas e judiciais de natureza civil para preservá-la e

impedir novas agressões, e ainda alterou alguns artigos do Código de Processo Penal em vigor

para adequar seu procedimento aos casos em pauta. A Lei 24.417, de 7 de dezembro de 1994,

previu que a violência pode ocorrer em núcleo familiar estabelecido por companheiros,

consagrando a união estável, denominada por ela de unión de hecho (união de fato).247

Na Bolívia, apesar do reconhecimento do instituto na Constituição Federal e na

legislação civil, não há previsão expressa na lei penal sobre a união estável, limitando-se o seu

Código Penal (Lei 10.426, de 23.8.1972) a tratar no Livro II, Título VII, Capítulo I, esse

denominado Dos delitos contra el matrimonio y el estado civil, do crime de bigamia (art. 240)

e de otros matrimonios ilegales (art. 241), o que se assemelha aos dispositivos do nosso

Código Penal, constantes do Título VII, Capítulo I.248

No Chile, inexiste disposição acerca de crimes cometidos por companheiros no

Código Penal, assim como se evidencia na sua legislação civil. O § 5, de seu Título I, refere-

se às circunstâncias atenuantes e agravantes e prevê que apenas será considerado na aplicação

da pena, de acordo com a natureza do crime e conseqüências, o fato de a vítima ser cônjuge,

parente legítimo, por consagüinidade ou afinidade em linha reta ou colateral até segundo grau

inclusive, pai ou filho natural ou ilegítimo reconhecido pelo ofensor (art. 13). Inexiste

também em seu Livro II, Título VII, título este que trata dos crimes contra a família e a

moralidade pública, disposição a respeito dos companheiros.249

Na Colômbia, o Código Penal em vigor (Lei 599, de 24.7.2000), sem seu Libro

Segundo, denominado De los delitos en particular, que dispõe sobre os tipos penais em

espécie, prevê como agravante, a ser reconhecida em relação ao crime de constrangimento

ilegal (art. 182) e que determina o aumento de pena de um terço a metade, circunstância em

que o agente é integrante da família da vítima (art. 183, n. 2).250

247Lei 24.417, de 7.12.1994. Disponível em: <http://www.portaldeabogados.com.ar/codigos/24417.htm>, acesso em 19.4.2007 (tradução livre da autora). 248Código Penal da Bolívia, Lei 10.426, de 23.8.1972. Disponível em: <http://servdmzw.sbef.gov.bo/circular/ Leyes/CPEN.pdf >, acesso em 10.4.2007. 249Código Penal do Chile, de 12.11.1874 com as alterações da Lei 20.140, de 30.5.2006. Disponível em: <http:// www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/cl/cpchindx.html>, acesso em 16.4.2007. 250Código Penal da Colômbia, Lei 599, de 24.7.2000. Disponível em: <http://www.cajpe.org.pe/rij/bases/ legisla/colombia/col-1.HTM>, acesso em 10.4.2007.

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No mesmo Libro Segundo, porém no Título VI, o Código Penal colombiano trata dos

Delitos contra la familia, e no Capítulo Primeiro, ao dispor sobre o crime De la violencia

intrafamiliar, em seu artigo 29, prevê a possibilidade de se punir o companheiro e o cônjuge

com a mesma pena quando dispõe: el que maltrate física, síquica o sexualmente a cualquier

miembro de su núcleo familiar, incurrirá, siempre que la conducta no se constituya delito

sancionado con pena mayor, en prisión de uno (1) a tres (3) años .251

Na Colômbia, há lei que se assemelha à nossa Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da

Penha”), e que prevê crimes praticados no âmbito familiar. A lei em questão é a Lei 294, de

1996, que estabelece tipos penais cometidos com violência no âmbito doméstico e ainda

define a família, em seu artigo 2o, quando dispõe: La familia se constituye por vínculos

naturales o jurídicos, por la decisión libre de un hombre y una mujer de contraer matrimonio

o por la voluntad responsable de conformala e ainda dispõe que: Para los efectos de la Ley,

integran la familia; a) Los cónjuges o compañeros permanentes (...),252 reiterando assim a

proteção à união estável, já consagrada na sua legislação civil, e sancionando penalmente

aqueles que dela se valem para praticar crime.

O Código Penal de Cuba prevê circunstância agravante quando evidenciada relação de

parentesco entre o ofensor e a vítima até quarto grau de consagüinidade, mas dispõe que ela

apenas incidirá nos crimes contra a vida ou integridade corporal, contra o normal

desenvolvimento das relações sexuais, contra a família, a infância e a juventude (art. 53, j).

Prevê-se, porém, no mesmo artigo, a possibilidade de incidir a agravante quando houver

amizade ou afeto íntimo entre ofensor e ofendido (art. 53, k), o que pode determinar ela

também incida nos casos de crimes praticados por companheiros.253

251Código Penal da Colômbia, Lei 599, de 24.7.2000. Disponível em:<http://www.cajpe.org.pe/rij/bases/legisla/ colombia/col-1.HTM>, acesso em 10.4.2007. Código Penal da Colômbia, art. 229: Aquele que maltrata fisicamente, psicologicamente ou sexualmente qualquer membro de seu núcleo familiar, incorrerá, sempre que a conduta não constitua delito sancionado com pena maior, em prisão de um a três anos. (tradução livre da autora). 252Lei 294, de 16.7.1996. Disponível em: <http://juriscol.banrep.gov.co:8080/JUR/BASIS/infjuric/normas /normas/DDW?W%3DLLAVE_NORMAS%3D%27LEY+294+1996+CONGRESO+DE+LA+REPUBLICA%27%26M%3D1%26K%3DLEY+294+1996+CONGRESO+DE+LA+REPUBLICA%26R%3DY%26U%3D1>, acesso em 10.4.2007. Lei 294 de 1996, art. 2o: : A família se constitui por vínculos naturais ou jurídicos, pela decisão livre de um homem e uma mulher de contrair matrimônio ou pela vontade responsável de confirmá-la. Para os efeitos da lei, integram a família: a) os cônjuges ou companheiros permanentes (tradução livre da autora). 253Código Penal de Cuba, Lei 62, de 23.12.1987. Disponível em: <http://www.cubapolidata.com/ gpc/gpc_codigo_penal_de_cuba.html>, acesso em 16.4.2007 (tradução livre da autora).

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Na Guatelama, cuja legislação civil regulamenta a união de fato, o Código Penal

refere-se ao concubinato, em sua Parte Geral, quando prevê no Capítulo I (Circunstancias

atenuantes), de seu Título IV (De las circunstancias que modifican la responsabilidad

penal), circunstância atenuante verificada quando o agente executa o crime em repulsa à

ofensa grave, desde que consecutiva a esta ou quando não tenha havido tempo necessário

para reflexão, que lhe foi diretamente causada ou direcionada a seu cônjuge, concubino,

parentes, de acordo com os graus previstos em lei, adotantes ou adotados (art. 26, n.

12).254

Dispõe ainda o Código Penal guatemalteco, no Capítulo III (De las disposiciones

comunes), Título IV, que se considera circunstância mista (circunstancia mixta) e, portanto,

pode ser apreciada como agravante ou atenuante, segundo a natureza, motivos e efeitos do

crime, ser a vítima cônjuge, concubino, ou parente do ofensor, por consagüinidade ou

afinidade, dentre os graus previstos em lei, ou se verificadas entre ambos relações de respeito,

amizade, gratidão, dependência, ou hospitalidade (art. 31).255

Na Parte Especial do Código Penal da Guatemala, em seu Título V (De los delitos

contra el orden jurídico familiar y contra el estado civil), Capítulo II (Del adulterio y

concubinato), prevê-se a pena de prisão de 4 (quatro) meses a 1 (um) ano para aquele que

mantém concubina dentro da casa conjugal (art. 235),256 o que certamente não se refere à

união estável, mas sim às relações simultâneas, até porque a Constituição da Guatemala prevê

expressamente o reconhecimento das uniões de fato (uniones de hecho) em seu artigo 48, com

atribuição ao legislador ordinário para regulamentá-la.257

No Panamá, a Parte Especial do Código Penal não trata especificamente da união

estável, mas traz disposição que a ela pode se enquadrar. No Livro II, Título V (Delitos

contra el orden juridico familiar y el estado civil), Capítulo V (De la violencia

intrafamiliar y el maltrato de menores), prevê-se a pena de prisão de 6 (seis) meses a 1

(um) ano ou aplicação de medida curativa ao agente que pratica a violência familiar, ou

seja, que agride física ou psicologicamente membro da sua família, assim consideradas as

254Código Penal da Guatemala, Decreto 17-73, de 15.9.1973. Disponível em:<http://www.oj.gob.gt/es/ QueEsOJ/EstructuraOJ/UnidadesAdministrativas/CentroAnalisisDocumentacionJudicial/cds/2004/PDFs/Codigos/CODIGO%20PENAL.pdf>, acesso em 17.5.2007. 255Id. Ibid, (tradução livre da autora). 256Id. Ibid. 257Constituição da Guatemala, de 31.5.1985. Disponível em: <http://www.sib.gob.gt/es/normativa/ normas_reforma_financieras/Constitucion_Politica.pdf>, acesso em 17.5.2007.

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pessoas naturais unidas por parentesco ou matrimônio, ou as que convivem com eles de

forma permanente, excetuadas as relações firmadas por vínculo contratual (art. 215-A).258

Na Parte Especial do Código Penal do Paraguai, em seu Título IV (Hechos punibles

contra la convivencia de las personas), Capítulo I (Hechos punibles contra el estado civil, el

matrimonio e la familia), também não há disposição expressa sobre a união estável, mas se

prevê hipótese que a ela pode ser aplicada, quando se impõe a pena de multa àquele que

pratica violência familiar, ou seja, àquele que agride, fisicamente e de forma habitual, o que

com ele convive no âmbito familiar (art. 229).259

Na Parte Geral do Código Penal do Uruguai, no Título II (De las circunstancias que

eximen de pena), Capítulo III (De las causas de impunidad), prevê-se hipótese semelhante à

escusa absolutória do artigo 181, de nosso Código Penal, pois se isenta de pena, nos delitos

contra o patrimônio e praticados sem violência, os autores que o cometem em relação ao

cônjuge, exceto se separados legalmente, definitivamente ou não (art. 41, n. 1). Não há,

porém, menção expressa ao companheiro.260

Porém, em seu Livro II, há menção aos companheiros no Título XII (De los delitos

contra la personalidad física y moral del hombre), Capítulo I, quando se prevê o crime de

homicídio (art. 310). Dentre as circunstâncias agravantes especiais do crime, cuja aplicação

determina a majoração da pena de 10 (dez) para 24 (vinte) anos de prisão, consigna-se aquela

em que o agente o comete contra seu ascendente, descendente, legítimo ou natural, cônjuge,

concubino ou concubina more uxorio, irmão legítimo ou natural, pai e filho adotivo (art. 311,

n. 1). O artigo 321 faz menção genérica aos crimes cometidos contra companheiros, ao

estabelecer pena de prisão de 6 (seis) a 24 (vinte e quatro) meses àquele que pratica violência

doméstica contra pessoa com quem mantenha ou tenha mantido relação afetiva ou de

parentesco, independente de vínculo legal.261

O Código Penal da Venezuela, no Título V (De la responsabilidad penal y las

circunstancias que la excluyen, atenúan o agravan), prevê como circunstância agravante ser a

vítima cônjuge do agente, seu ascendente, irmão legítimo, natural ou adotivo, ou cônjuge

258Código Penal do Panamá, Lei 22, de 22.9.1982. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/ legislacion/ pa/cp_panama01.htm>, acesso em 18.4.2007. 259Código Penal do Paraguai, Lei 1.160, de 16.10.1992. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/ legislacion/pa/cppara7.htm>, acesso em 18.4.2007. 260Código Penal do Uruguai, Lei 9.155, de 4.12.1933. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal /legislacion/uy/cp_uruguay.htm>, acesso em 17.5.2007. 261Id. Ibid.

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destes; ascendente, descendente ou irmão legítimo de seu cônjuge; ou ainda seu pupilo,

discípulo, amigo íntimo ou bem-feitor (art. 77, n. 17).262

Nos Estados Unidos, como abordado no item 2.6.1 desse Capítulo (p. 97), a união

estável tem tratamento diferenciado em cada estado. Por essa razão, na legislação penal,

reflexos diferentes também serão evidenciados quanto à união não-matrimonial. Além das

divergências constantes das legislações estaduais nos Estados Unidos, diferencia-se a união

civil (civil union) do instituto da coabitação (cohabitation), que prescinde de certas

formalidades exigidas por aquela, tais como, licença, capacidade física e psíquica dos

conviventes, idade mínima, consentimento dos pais, exames médicos prévios, cerimônia para

celebração do ato e intervenção judicial para dissolução, etc. Na coabitação os direitos dos

companheiros são limitados, inclusive em relação ao patrimônio, sucessões, obrigação

alimentar, filiação e dever de sustento da prole.263

Os benefícios consagrados aos companheiros na união civil também o são na

legislação penal dos estados, quando se permite a concessão de ordens de proteção destinadas

aos autores de violência doméstica, com o fim de cessá-las nas hipóteses em que as vítimas

não são casadas com os agressores. Prevê-se ainda o recebimento de indenizações pelos

companheiros, em razão de crime praticado contra seu convivente.264

Na Espanha, nas disposições gerais do Código Penal em vigor (Ley orgánica

10/95), constantes do Livro I, mais precisamente no Capítulo V, (De la circunstancia

mixta de parentesco), do seu Título I (De la infracción penal), há previsão de

circunstância para agravar ou atenuar a pena dos agentes que praticam crimes contra seus

cônjuges ou companheiros, de acordo com a natureza, os motivos e os efeitos dos delitos

(Artículo 23. Es circunstancia que puede atenuar o agravar la responsabilidad según la

naturaleza, los motivos y los efectos del delito, ser el agraviado cónyuge o persona a

quien se halle ligado de forma estable por análoga relación de afectividad, ascendiente,

descendiente o hermano por naturaleza, por adopción o afinidad en los mismos grados

262Código Penal da Venezuela, de 30.6.1964, com as recentes alterações datadas de 13.4.2005. Disponível em: <http://www.cajpe.org.pe/rij/bases/legisla/venezuel/codpen2000.HTM>, acesso em 17.5.2007. 263ANÔNIMO. Marriage vs. Coahabitation. Disponível em: <http://66.249.91.104/translate_c?hl+pt-BR&u= http://family.findlaw.com/marriage/living-together/cohabitation-comparison.html&prev=/search%3Fl>, acesso em 24.4.2007. 264ANÔNIMO. Direitas (sic) e benefícios da união. Disponível em: <http://66.249.91.104/translate_c?hl=pt-BR&u=http://family.findlaw.com/marriage/living-together/cohabitation-comparison.html&prev=search%3F>, acesso em 24.4.2007.

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del ofensor ).265

Não há, porém, tratamento específico na Parte Especial do Código Penal espanhol

sobre crimes cometidos na constância de união estável ou sobre a hipótese de seu agente ou

vítima figurarem como companheiros, inexistindo, pois, qualquer previsão a respeito no

Título XII, que trata dos Delitos contra las relaciones familiares, e em seus respectivos

capítulos: Capítulo I - De los matrimonios ilegales, Capítulo II - De la suposición de parte y

la alteración de la paternidad, estado o condición de menor e Capítulo III - De los delitos

contra los derechos y deberes familiares.266

A legislação civil italiana não regulamenta a união estável, com apontado no Capítulo

II, item 2.6.1 (p. 99), por isso a jurisprudência tem importante papel no reconhecimento dos

direitos dos companheiros. A Constituição da Itália dispõe que o Estado apenas reconhece a

família constituída pelo matrimônio (art. 29) 267, certamente em razão da influência da Igreja

Católica. Porém, tal como ocorre em nossa lei, o Código Penal italiano prevê circunstância

agravante comum quando o crime é cometido com abuso das relações domésticas (art. 61), o

que nos revela permissivo para a hipótese.268

Em Portugal, inexiste disposição acerca da união estável no Código Penal, silenciando

o legislador a respeito no Capítulo I, destinado aos crimes contra a família, sentimentos

religiosos e o respeito aos mortos, pois se limita a tratar dos crimes de bigamia (art. 247o.),

falsificação de estado civil (art. 248o.), subtração de menor (art. 249o.) e violação de obrigação

de alimentos (art. 250o.).269

265Código Penal da Espanha, Lei 10, de 23.11.1995. Disponível em: <http:// www.unifr.ch /derechopenal/legislacion/es/cpespidx.html>, acesso em 12.4.2007. Código Penal da Espanha, art, 23: É circunstância que pode atenuar ou agravar a responsabilidade segundo a natureza, os motivos e os efeitos do delito, ser ofendido o cônjuge ou pessoa a quem esteja ligado de forma estável por análoga relação de afetividade, ascendente, descendente ou irmão por natureza, por adoção ou afinidade no mesmo grau do ofensor. (tradução livre da autora) 266Código Penal da Espanha, Lei 10, de 23.11.1995. Disponível em: <http:// www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/es/cpespidx.html>, acesso em 12.4.2007. 267Constituição Federal da Itália, de 1º.1.1948. Disponível em: <http://www.cortecostituzionale.it/ita/ testinormativi/costituzionedellarepubblica/costituzione.asp>, acesso em 19.4.2007. 268Código Penal da Itália, RD 1.98, de 19.10.1930. Disponível em: <http:// www.infoius.it/codici/penale.htm>, acesso em 19.4.2007. 269Código Penal de Portugal, Decreto-lei 400, de 23.9.1982. Disponível em: <http:// www. unifr.ch/derechopenal/legislacion/pt/CPPortugal.pdf>, acesso em 18.4.2007.

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2.7 - A união estável no Direito brasileiro

A influência do Direito Canônico em nossa legislação sempre foi muito evidente. Por

conseguinte, a força dos valores da Igreja Católica e os preceitos morais arraigados na

sociedade portuguesa também foram determinantes quanto à formação dos vínculos familiares

no Brasil e à adoção de certas soluções legislativas. Por essa razão, durante muitos anos nosso

legislador admitiu o casamento como a única forma de se constituir uma família, ignorando,

pois, as inúmeras uniões havidas à margem da instituição e, da mesma forma, relutaram

nossos doutrinadores em atribuir efeitos jurídicos à união estável, limitando-se a defender

apenas as garantias de ordem obrigacional àqueles que optassem por uniões dessa natureza.

Antes da codificação de nosso Direito Civil, vigoravam no território pátrio as

Ordenações Afonsinas (1446), as Ordenações Manoelinas (1521) e as Ordenações Filipinas

(1603), sem esquecer que as Ordenações Afonsinas (1446) e Manoelinas (1521) foram

aplicadas de forma menos significativa no Brasil.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que as Ordenações Afonsinas, apesar de

tolerarem a união estável, vetavam a manutenção de concubina por qualquer homem na Corte.

Além disso, tratavam do concubinato impuro e daquele envolvendo clérigos, com a imposição

de sanções aos transgressores de suas regras. Cita o autor que as mesmas disposições constam

das Ordenações Manoelinas e das Ordenações Filipinas.270

De acordo com Luiz Augusto Gomes Varjão, as Ordenações Filipinas continham as

seguintes regras a respeito do concubinato: a mulher casada podia reivindicar imóvel doado

pelo marido à mulher pela qual ele tivesse afeição carnal (Título LXVI, do Livro IV); os

filhos naturais concorriam com os legítimos à herança do pai plebeu, mas eram negados, nas

Ordenações, quaisquer direitos aos filhos espúrios, ou seja, aos incestuosos, adulterinos e

sacrílegos (Título XCII, do Livro IV, e Título XCIII); o direito alimentar dos filhos espúrios

era reconhecido, porém de forma limitada (Título XCIX, § 1o. do Livro IV); e havia diferença

entre o comércio carnal e o concubinato, punindo-se o adultério praticado com a mulher

casada e relações sexuais com mulher casada de feito, e não de direito, ou que está em fama

de casada (Livro V, Títulos XXV e XXVI).271

A ligação entre o Estado e a Igreja persistiu até o fim do Império, por isso o casamento

270GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família, cit., p. 101. 271VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., pp. 15-16.

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durante muitos anos foi a única forma possível de união entre o homem e a mulher, pois o

concubinato era considerado imoral pela religião.

Dessa forma, a união estável permaneceu sem regulamentação legal por longo

período, exceto no que tange a algumas sanções e regras restritivas de direitos, instituídas sob

o fundamento de promover a defesa da família constituída pelo casamento, a única

considerada legítima.

O nosso Código Civil de 1916, em seu artigo 363, inciso I, previa o reconhecimento da

paternidade daquele que comprovasse que, ao tempo da sua concepção, sua genitora vivia em

união estável com seu suposto pai. Este, aliás, foi o único dispositivo do diploma legal citado

que admitia a realidade dos fatos à época e, portanto, atribuía direitos à relação concubinária.

Felizmente, o direito positivo brasileiro evoluiu e agora prevê a proteção à dita família

ilegítima.

Essa evolução não se deu apenas na seara do Direito Civil, mas também em outros

ramos do Direito pátrio.

Segundo Silvio Rodrigues, a legislação previdenciária foi uma das pioneiras na

concessão de algumas prerrogativas exclusivas da esposa à companheira. O autor nos

relembra que:

(...) o artigo 3o., do Decreto Lei no 66, de 21 de novembro de 1966, equiparou a mulher casada somente no religioso aos filhos para benefício da Previdência Social (cf. § 4o., do art. 13, do Decreto 77.077, de 24-01-1976, Consolidação das Leis da Previdência Social).272 Além disso, ele menciona que: A Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, reflete o termo de desenvolvimento de uma legislação tendente a conferir ao filho adulterino direitos que o Código expressamente lhe negava, ou só timidamente, com enormes reservas, lhe concedia (Cód. Civ., art. 405). 273

Silvio Rodrigues, em obra recente, afirma que a legislação previdenciária em vigor, ou

seja, a Lei dos Planos dos Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213, de 24.7.1991, art. 16,

I, com redação dada pela Lei 9.032, de 28.4.1995), e seu Regulamento (Dec. 3.048, de

6.5.1999, art. 16, I), permite a inclusão da companheira como beneficiária do Regime Geral

da Previdência Social, com tratamento equiparado à esposa e com concorrência com os

272RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, v. 6, p. 8, nota de rodapé 3-A. 273Id. Ibid., p. 8.

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filhos.274 Antes disso, porém, a Lei 7.447, de 16 de abril de 1970, em vigor no Município de

São Paulo, já incluía a companheira entre os beneficiários de pensão paga pelo Montepio

Municipal, equiparando-a à viúva do falecido.275

A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 31.12.1973) prevê a possibilidade de

mulher solteira, separada judicialmente ou viúva, adotar o nome de seu companheiro, também

viúvo ou separado judicialmente, respeitados alguns requisitos (art. 57, § 2º.).

A Lei 8.009, de 29 de março de 1990, também faz menção à união estável, quando, no

artigo 1o., dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, definido pelo legislador o

definiu como o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, portanto,

abrangendo a hipótese de família constituída fora do matrimônio.

Na Lei de Locações de Imóveis (Lei 8.245/91), resguardam-se também direitos dos

companheiros, quando se permite a sub-rogação de direitos e obrigações do companheiro

residente no imóvel, em caso de morte do locatário (art. 11); a transmissão de direitos e

deveres da locação ao convivente sobrevivente tanto nas locações residenciais como nas

locações não-residenciais (art. 12), e ainda a possibilidade de retomada do imóvel pelo

locador para seu uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro (art. 47, III).

Outras leis esparsas dispõem sobre direitos dos companheiros, como por exemplo, o

Decreto 75.647/75, artigo 6o., que considera a companheira de funcionário público sua

dependente; a Lei 6.880/80, artigo 50, § 3o., alínea i, que reconhece como dependente de

militar a companheira que com ele vive há cinco anos, após comprovação em justificação

judicial; a Lei 7.087/82, artigos 28, 29, 39 e 41, que admite a companheira como dependente

do segurado no Instituto de Previdência dos Congressistas e a Lei 9.250/95, artigo 35, inciso

II, que permite o abatimento de imposto de renda das despesas de companheira que mantenha

com o declarante, união estável por, no mínimo, cinco anos ou que com ele tenha filhos.

Ressalta-se que a admissão dos efeitos jurídicos da união estável pelo legislador deu-

se também por força das decisões de nossos Tribunais que, sem ignorar a realidade das uniões

desta natureza já existentes no Brasil, reconheceu os direitos dos concubinos em vários

julgados e a sua união como instituidora de vida familiar absolutamente respeitável.

274RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed., v. 6, cit., p. 285. 275Id. Ibid., p. 286.

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Segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, o reconhecimento jurisprudencial reiterado de

direitos dos companheiros determinou que o Supremo Tribunal Federal editasse súmula, em

16 de dezembro de 1963 (Súmula 35), reconhecendo o direito de indenização à concubina em

razão da morte de seu convivente em acidente de trabalho ou de transporte, desde que ausente

impedimento ao matrimônio. Em seguida, com a Súmula 447, o Supremo Tribunal Federal

consagrou o entendimento de que se considera válida a disposição testamentária do filho

adulterino do testador com sua concubina.276

Por fim, segundo Luiz Augusto Gomes Varjão, com a edição da Súmula 380 pelo

Supremo Tribunal Federal, estabeleceu-se que, uma vez comprovada a sociedade de fato entre

os concubinos, cabível é a sua dissolução judicial e a conseqüente partilha do patrimônio

adquirido pelo esforço comum;277 e com a edição da Súmula 382, pela mesma Corte, que

dispôs que a vida em comum sob o mesmo teto ‘more uxorio’, não é indispensável à

caracterização do concubinato, consagrou-se em definitivo a relevância do instituto no

âmbito nacional.278

Este entendimento disseminou-se entre os membros do Poder Judiciário e determinou

que gradativamente se pusesse fim às discussões relativas ao patrimônio constituído durante

essas uniões e, portanto, que se reconhecesse a importância da concubina na vida de seu

companheiro.

Deve-se ponderar, entretanto, que, apesar da significativa contribuição da

jurisprudência nesse ponto, alguns magistrados infelizmente fecharam os olhos à realidade

dos fatos durante muitos anos, relutando, assim, em reconhecer os direitos dos conviventes.

Consoante Luiz Augusto Gomes Varjão, quando inicialmente evidenciadas, as uniões

havidas fora do casamento em nosso país se estabeleciam por razões diversas, tais como o

desconhecimento das garantias asseguradas pelo casamento, a falta de recursos financeiros

dos conviventes para a sua formalização, a mera opção pela união informal, a existência de

impedimento matrimonial.279

Silvio Rodrigues menciona ainda dois fatores essenciais à expansão da relação

concubinária em nosso território, quais sejam, o casamento religioso, com a exclusão do

276VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. op. cit., p. 71. 277Id. Ibid., p. 72. 278Id. Ibid., p. 74. 279Id., op. e loc. cit.

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casamento civil, e a indissolubilidade do casamento, que aumentou sensivelmente o número

de uniões estáveis natureza, uma vez que aqueles que estavam separados de fato ou que

estavam desquitado valiam-se dessa opção para uma segunda união.280

Os casos citados, aliados à mera opção dos conviventes de assim constituírem a sua

família, foram decisivos para o aumento do número de uniões estáveis no Brasil, o que

impediu que, depois de algum tempo, fosse possível ignorar a sua existência. Por

conseqüência, nossos Tribunais, ante o crescente número de demandas aduzidas com o fim de

reconhecer direitos dos companheiros, consagraram a união não-matrimonial em seus

julgados, o que gerou as alterações legais citadas e finalmente o dispositivo constitucional que

definiu a união estável como entidade familiar, merecedora de proteção estatal (art. 226, § 3o.,

CF), com regulamentação de suas conseqüências pelas Leis 8.971, de 29 de dezembro de

1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996.

A Lei 8.971/94 assegurou o direito a alimentos e à sucessão do companheiro e

reservou ao sobrevivente o usufruto sobre parte dos bens deixados pelo de cujus. Além disso,

sem prejuízo da existência de descendentes ou ascendentes, incluiu o companheiro na ordem

de vocação hereditária. Porém, o legislador fixou prazo de mais de cinco anos para o

reconhecimento das uniões estáveis e ainda exigiu a constituição de prole como necessária

para tanto e, mais, não reconheceu a união estável entre os separados de fato, mas apenas

entre solteiros, viúvos, judicialmente separados e divorciados.281

A Lei 9.278/96, por sua vez, eliminou o prazo de convivência entre os companheiros;

possibilitou o reconhecimento da união estável entre as pessoas separadas de fato; atribuiu às

Varas da Família a competência para o julgamento dos litígios entre companheiros;

reconheceu o direito real de habitação entre eles e previu a presunção juris et de jure,

presunção absoluta, sem possibilidade de produção de provas para afastá-la, de que os bens

adquiridos a título oneroso na constância da convivência eram frutos do esforço comum para

facilitar a sua partilha.282

Com o advento do novo Código Civil, sem prejuízo da observância do ato jurídico

perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada (art. 6o, LICC e art. 5o., XXXVI, CF) em

relação às uniões estáveis estabelecidas na vigência de cada um dos diplomas legais citados,

280RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed., v. 6, cit., p. 284. 281Texto da Lei 8.971/94 no Anexo IX, v. II, p. 102-103. 282Texto da Lei 9.278/96 no Anexo X, v. II, p. 104.

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revogaram-se as Leis 8.971/94 e 9.278/96, introduzindo-se algumas inovações no

ordenamento pátrio a respeito da união estável como se verá no item a seguir.

2.8 - A união estável no novo Código Civil

Como abordado no item 1.5.2 do Capítulo I desse estudo (p. 43-47), a Carta de 1988

trouxe sensíveis modificações aos institutos do Direito da Família, pois, ao ampliar o conceito

de família, o legislador constitucional determinou que o legislador ordinário regulamentasse

os efeitos jurídicos dele decorrentes. Em razão dos ditames constitucionais, foram

promulgadas as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que disciplinaram a união estável com disposições

referentes a alimentos, meação e herança. Posteriormente, toda a matéria pertinente à união

estável foi regulamentada pelo novo Código Civil, no seu Título III do Livro IV, artigos 1.723

a 1.727, o que determinou que as leis citadas fossem revogadas.

Para Euclides de Oliveira, o novo Código reduz os casos de vedação de atribuição de

direitos ao partícipe de união extramatrimonial, reconhecendo-lhe direitos quando o seu

parceiro, embora casado, esteja separado judicialmente ou de fato por tempo prolongado.283

O legislador não definiu expressamente a união estável no texto legal (art. 1.723, CC),

mas apenas o concubinato (art. 1.727, CC), em que pesem as críticas já mencionadas a

respeito da impropriedade técnica dos termos adotados e da inconveniência de inserção de

definições de institutos jurídicos em lei (p. 60). A lei se refere à união estável como a entidade

familiar configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o

objetivo de constituição de família (art. 1.723, CC), restringindo o concubinato às relações

não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar (art. 1.727, CC).

Segundo Euclides de Oliveira, o legislador agora prevê duas espécies de união

informal, e diferencia o companheiro, partícipe de uma união estável, do concubino, parceiro

de relação não-eventual, com impedimento para casar (salvo hipótese de casado, mas

separado judicialmente ou de fato). Subsiste a figura do amante, que não caracteriza

concubinato, mas mera concubinagem, sem proteção específica da lei, com apenas possíveis

direitos decorrentes do patrimônio comum.284

283OLIVEIRA, Euclides de. União estável: do concubinato ao casamento, cit., p. 84. 284Id. Ibid., p. 85.

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Previu-se, ainda, no Código Civil em relação à união estável: os deveres de lealdade,

respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos entre os companheiros, bem como

a obrigação alimentar entre ambos (art. 1.724, CC); a observância do regime de comunhão

parcial de bens do casamento quanto às relações patrimoniais, salvo se houver contrato com

estipulações em contrário (art. 1.725, CC); o direito sucessório do companheiro sobrevivente na

herança do outro apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, com a

possibilidade de concurso com herdeiros necessários ou outros parentes nas hipóteses dos incisos I a

IV do respectivo artigo (art. 1.790, CC); a facilidade na conversão da união estável em casamento

(art. 1.726, CC); a conceituação de companheiro como parente por afinidade (art. 1.595, § 2o., CC);

a possibilidade de adoção por companheiros (art. 1.622, CC); o exercício do poder familiar por

ambos sobre filhos de relacionamento anterior (art. 1.636, CC), o exercício da curatela da pessoa de

interdito por companheiro, não separado judicialmente ou de fato (art. 1.775, CC).

O Código Civil mantém restrições ao concubinato adulterino, quais sejam: a proibição

de doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice (art. 550, CC); o reconhecimento da

invalidade de instituição do companheiro como beneficiário de seguro de pessoa se, ao tempo

do contrato, o segurado não estava separado judicialmente ou de fato (art. 793, CC); a

nulidade do testamento em favor da concubina pelo testador casado, salvo se este, sem culpa,

estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos (art. 1.801, III, e 1.900, V, CC); a

ilicitude da deixa ao filho da concubina, quando não o for do testador (art. 1.803, CC).

2.9 - A união estável no Direito Penal brasileiro

Neste item, abordaremos o instituto da união estável nas Ordenações do Reino e nos

Códigos Penais que vigoraram no Brasil até o advento do Código Penal de 1940, a fim que

possamos constatar o tratamento conferido pelo legislador pátrio à instituição e a fim de que,

em capítulo IV, possamos analisar as disposições penais em vigor a respeito da união não-

matrimonial e sugerir mudanças na legislação para a efetiva equiparação dos cônjuges e

companheiros na lei penal.

Mister se faz recordar que, desde o descobrimento até o advento do Código Criminal

de 1830, vigoravam no Brasil as Ordenações do Reino, quais sejam, as Ordenações Afonsinas

(1446), as Ordenações Manoelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603), esta última de

efetiva aplicação em nosso território.

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O Direito Penal, que vigorou no Brasil do descobrimento até a promulgação do

Código Criminal de 1830, teve por fonte o Livro V, das Ordenações Filipinas de 1603.

O extremo rigor, a desproporcionalidade e a indeterminação das penas, o excesso e

a variedade de tipos penais, as sanções indiscriminadas e desiguais, a confusão entre

pecado e crime, a punição de atos banais eram algumas das características das disposições

do Livro V das Ordenações Filipinas, diploma que, sem dúvida, nega garantias

fundamentais do cidadão e se afasta do modelo ideal para o Direito Penal na atualidade.

No que tange à união estável, é de se mencionar que desde as Ordenações Filipinas

já se fazia presente a intenção do legislador de ignorar a atribuição de legitimidade à união

de fato estabelecida entre o homem e a mulher, isto porque, como já abordamos (Cap. II,

item 2.7, p. 107), a Igreja tinha forte influência sobre a sociedade à época e sobre o

próprio Estado, o que determinou que o concubinato fosse colocado à margem da lei por

conta da sua então pregada imoralidade. Porém, alguns dispositivos atinentes à união não-

matrimonial foram inseridos nas Ordenações Filipinas, principalmente no Título destinado

aos delitos e penas, já que tipificadas várias condutas que importavam em violação à

família, constituída ou não pelo casamento. Isto nos revela a postura da sociedade na

ocasião e a preocupação do legislador em preservar a instituição, ainda que limitados os

direitos dos companheiros, conforme vimos nesse estudo (p. 107).

Conforme José Henrique Pierangelli, nos Títulos XXV e XXVI do Livro V das

Ordenações Filipinas, penalizou-se o adultério, sancionando aquele que o cometesse com

a pena capital, salvo algumas exceções, como por exemplo, quando verificado que a

condição social do autor do crime conferia-lhe maior prestígio na sociedade do que a

posição do marido traído, ou na hipótese de perdão concedido ao traidor.285

No Título XXVI do Livro V, debruçou-se o legislador especificamente sobre o

adultério praticado com mulher casada de feito e não de direito ou que está em fama de

casada, o que, de qualquer maneira, demonstra a tímida, mas presente intenção do

legislador de proteger a concubina e, por conseqüência, a família.286

Porém, nítida é a diferença estabelecida entre as hipóteses em questão, ou seja,

entre a conduta daquele que cometesse adultério com a mulher casada e a conduta daquele

285PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru, SP: Jalovi, 1980, p. 33. 286Id. Ibid., pp. 34-35.

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que cometesse o mesmo crime com a concubina, o que ressalta a discriminação daqueles

que viviam em união estável.

O legislador distinguiu a mulher casada de feito e não de direito daquela que está

em fama de casada e, por conseguinte, atribuiu sanções diferentes quando da prática do

adultério num e noutro caso.287

A mulher casada de feito e não de direito era aquela casada formalmente, mas com

impedimento que permitia a validação do ato, como, por exemplo, o parentesco. Se esse

impedimento fosse ignorado pelo casal e pela comunidade, a pena de morte era indicada

para a mulher e o traidor. Se o impedimento fosse de conhecimento do marido, a pena

ficava a critério do julgador, de acordo com a gravidade do impedimento, vetando-se a

pena de morte e a possibilidade de o marido matar a própria esposa para puni-la.288

Já a mulher que está em fama de casada era exatamente a concubina, portanto, não

era aquela casada formalmente, nem aquela cujo casamento estava eivado de vícios. Nesta

hipótese, vedava-se a pena de morte, ficando a critério do julgador a escolha da melhor

sanção, desde que não fosse aplicada a degradação para África por menos de dez anos ao

traidor, nem por menos de cinco anos para Castro-Mirim (África) à mulher.289

Evidente é a distinção feita pelo legislador, à época, ao prever pena mais severa

àquele que praticasse adultério com mulher casada aos olhos da comunidade, ainda que o

casamento fosse posteriormente anulado, pois a intenção era desmotivar o cidadão a se

unir informalmente, já que o Estado lhe nega proteção e tratamento igualitário.

O advento de nossos Códigos Penais está diretamente ligado aos momentos de

nossa história política, pois a cada novo regime ou forma de governo instituído,

reclamava-se a atualização e readaptação da legislação em vigor, até porque as mudanças

eram, em regra, precedidas de nova Carta Constitucional.

A Constituição do Império de 1824, em razão de expresso mandamento (art. 179, §

18), determinou a promulgação de um Código Criminal, fundado em sólidas bases da

justiça e da eqïiidade, pois, segundo os dizeres de José Henrique Pierangelli, os

movimentos liberais e as novas doutrinas penais, aliadas às modificações sociais do

287PIERANGELLI, José Henrique. op. cit., pp. 34-35. 288Id., op. e loc. cit. 289Id., op. e loc. cit.

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tempo, impunham que essas novas concepções viessem influir na nova legislação.290

Assim, conforme nos elucida o referido autor, fruto de projeto de Bernardo

Vasconcelos, em 16 de dezembro de 1830 é sancionado o Código Criminal do Império.291

O diploma legal em questão também trata da concubina quando tipifica o crime de

adultério, na Parte III, Título II, que dispõe sobre os crimes contra a segurança individual,

Secção III, assim estabelecendo seus respectivos artigos:

Art. 250. A mulher casada que cometter adulterio será punida com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos.

A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.

Ao criminoso autor:

‘Maximo’ – 3 annos de prisão com trabalho,

‘Médio’ – 2 annos, idem.

‘Minimo’ – 1 anno, idem.292

Art. 251. O homem casado que tiver concubina, teúda e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente. 293

Deve-se anotar que o legislador não fez distinção entre a mulher casada, a mulher

casada de feito e não de direito e a mulher em fama de casada, como ocorria nas Ordenações

do Reino, parecendo ignorar a figura da companheira. Além disso, passou-se a punir

expressamente o homem que mantivesse concubina, aqui entendida como “amante”, restando

clara a intenção do legislador de se punir apenas ao concubinato impuro. Interessante

mencionar que o diploma legal em estudo previa sanção penal ao eclesiástico que celebrasse

matrimônio sem que os nubentes estivessem habilitados nos termos das leis do Império, aos

próprios contraentes (art. 247), e ainda àqueles que contraíssem matrimônio clandestino (art.

248)294, revelando não só o fortalecimento do Estado frente ao poderio Igreja, mas a

importância atribuída ao casamento, com todas as suas formalidades, e como única forma de

constituição de família na oportunidade.

Segundo José Henrique Pierangelli, a proclamação da República determinou a

instituição de novo diploma penal, que foi oficializado pelo Decreto 847, de 11 de outubro de

290PIERANGELLI, José Henrique. op. cit., p. 8. 291Id., op. e loc. cit. 292Id. Ibid., p. 250. 293Id., op. e loc. cit. 294Id. Ibid., p. 249.

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1890, cujo projeto coube a Batista Pereira, sendo denominado de “Código Penal dos Estados

Unidos do Brasil”.295

O Código Penal da República, no Título VIII, denominado “Dos crimes contra

segurança de honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor”, no Capítulo

IV, que trata “Do adulterio ou infidelidade conjugal”, reiterou os termos do tipo penal

respectivo previsto no Código do Império, mas abrandou sua pena, ao impor ao autor

prisão celular de um a três anos sem a imposição do trabalho. O Código Penal da

República previu a sanção ao marido que mantivesse concubina teúda ou manteúda,

impondo igual reprimenda à concubina e ao co-réu adúltero (art. 279, caput, e §§). Previu-

se o perdão judicial como causa extintiva de todos os efeitos da acusação e condemnação

e o prazo prescricional de três meses, contados da data do fato, para o início da persecução

penal (art. 281 e §).296

No Título IX, denominado “Dos crimes contra a segurança do estado civil”, no

Capítulo II, “Da Celebração do casamento contra a lei”, também foi prevista pena corporal e

pecuniária ao ministro de qualquer confissão que celebrasse cerimônias religiosas de

casamento, antes do ato civil (art. 284), reforçando também a relevância das formalidades do

casamento no período republicano, como já ocorria no Império.

Nas lições de José Henrique Pierangelli, inúmeras leis foram promulgadas para

alteração do então novo Código, o que determinou que, depois de algum tempo, houvesse

compilação dos textos legais esparsos. Assim, incumbido deste trabalho, o Desembargador

Vicente Piragibe os sistematizou na chamada “Consolidação das Leis Penais”, promulgada

pelo Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932.297

Na compilação, repetiram-se os termos do Código Penal da República acerca do

adultério no Título VIII, Capítulo IV, artigo 279, e do casamento celebrado contra a lei, no

Título IX, Capítulo II.298

José Henrique Pierangelli ainda menciona que, instituído o Estado Novo em 1937, o

então ministro Francisco Campos nomeou o professor paulista Alcântara Machado para a

elaboração de um novo Código Penal que, após inúmeras revisões e modificações no texto

295PIERANGELLI, José Henrique. op. cit., p. 10. 296Id. Ibid., p. 301. 297Id. Ibid., p. 10. 298Id. Ibid., pp. 375-376.

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original, foi definitivamente sancionado em 7 de dezembro de 1940, com início de vigência

em 1o. de janeiro de 1942.299

Sob o Título “Dos crimes contra a família”, o legislador tipificou o adultério,

excluindo a punição da concubina, mas mantendo a sanção ao co-réu (art. 240, CP). Alterou-

se ainda o tipo penal referente ao casamento celebrado por ministro de qualquer religião,

punindo apenas quem se fizesse passar por autoridade apta à celebração (art. 238, CP).300

O legislador suprimiu o tratamento rigoroso destinado à concubina e ao celebrante de

casamento religioso e aos nubentes que não observassem as leis de formalização do

matrimônio, o que significa que o próprio Estado passou a admitir, ainda que indiretamente, a

união de um homem e uma mulher sem o casamento prévio.

Em 1963, de acordo com José Henrique Pierangelli, Nélson Hungria elaborou

anteprojeto de Código Penal que, depois de várias revisões, foi convertido no Decreto-lei

1.004, de 21 de outubro de 1969. Porém, em razão das várias críticas tecidas sobre ele, a Lei

6.016, de 31 de dezembro de 1973, determinou nova alteração de seu teor e o adiamento de

sua entrada em vigor, fato que jamais ocorreu.301

Em 1984, advém a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, hoje em vigor

com inúmeras alterações por leis subseqüentes, com menção à união estável em alguns artigos

(art. 61, II, f; última parte; 129, § 9º.; 148, § 1º., I; 226, II; e 227, § 1º., CP), valendo lembrar

que o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal, datado de 1999, que prevê

a inserção expressa do “companheiro” em outros dispositivos do Código Penal (art. 121, §§

3o., 4o. e 7o.; 127, § 1o.; 128, § 8º., II; 133, parágrafo único, II; 150, § 1º., I; 213, I; 214, I; 244,

caput; e 353, § 2o., do Anteprojeto), até hoje não foi aprovado.

O legislador se antecipou à aprovação do Anteprojeto e promulgou a Lei 10.886, de 17

de junho de 2004, a Lei 11.106, de 28 de março de 2005, e a Lei 11.340, de 7 de agosto de

2006, equiparando os cônjuges aos companheiros no sistema penal nos dispositivos

mencionados no parágrafo anterior e inserindo a união homoafetiva na lei penal brasileira (art.

5º., II e III, parágrafo único, Lei 11.340/2006) .

A Lei 10.886/2004 alterou o artigo 129 do Código Penal, acrescentando os §§ 9o. e 10,

299PIERANGELLI, José Henrique. op. cit, p. 12. 300Id. Ibid., p. 492. 301Id. Ibid., p. 14.

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e instituiu novo tipo penal, o “crime de violência doméstica” (§ 9o.), com inclusão do

“companheiro” como vítima. A Lei 11.106/2005 modificou o teor de alguns artigos da Parte

Especial do Código Penal e inseriu o termo “companheiro” nos artigos 148, § 1o., inciso I; no

artigo 226, inciso II, e no artigo 227, § 1o. A Lei 11.340/2006 estabeleceu medidas de

prevenção e repressão ao crime de violência doméstica contra a mulher, prevendo a sua

prática no seio da família constituída ou não pela união matrimonial (art. 5o., II e III), união

esta formada por companheiros heterossexuais ou por companheiras homossexuais (art., 5º.,

parágrafo único), majorando a pena prevista no § 9o. do artigo 129 do Código Penal. A Lei

11.340/2006 ainda determinou a aplicação da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea

f, do Código Penal, aos crimes de violência doméstica praticados contra a mulher.

Contudo as modificações trazidas pelas leis citadas ainda não foram suficientes para a

efetiva equiparação de cônjuges e companheiros no Código Penal em vigor, pois em alguns

artigos ainda se faz menção apenas ao cônjuge (art. 61, II, e; 133, § 3º., II; 181, I; 182, I; 244,

caput; e 348, § 2º., CP), sem se olvidar que o companheiro não é mencionado nos dispositivos

do Título VII, do Código Penal, que trata dos crimes contra a família, por isso a revisão do

diploma legal em pauta é necessária. Além disso, não há referência aos companheiros

homossexuais no Código Penal, até porque é recente a sua admissão pela Lei 11.340/2006.

As modificações na Parte Geral e Especial do Código de 1940, o Anteprojeto para

alteração da Parte Especial do Código Penal e as leis que introduziram a união estável e a

união homoafetiva em nosso sistema legal, ou seja, a Lei 10.886/2004, a Lei 11.106/2005 e a

Lei 11.340/2006, serão abordados nos Capítulos III e IV desse estudo, que se destinam

respectivamente à análise das disposições em vigor na lei penal brasileira acerca da família,

da união estável, e da união homoafetiva, com nossas sugestões para a revisão de alguns

artigos de lei, a fim de que se equiparem cônjuges e companheiros, heterossexuais ou

homossexuais.

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CAPÍTULO III - A FAMÍLIA NO CÓDIGO PENAL DE 1940

3.1 - Considerações gerais

O Direito Penal é concebido na atualidade como ultima ratio para a solução de

conflitos, pois a sua intervenção somente é admitida e desejada quando absolutamente

necessária à preservação de bem jurídico essencial à sociedade e quando os demais ramos do

Direito não contenham medidas eficazes para tanto.

O Direito Penal assim entendido impede o uso desmedido das sanções penais para

fatos de pouca relevância social e evita que direito fundamental do homem, no caso, a

liberdade, esteja sob constante ameaça.

No que tange à proteção do bem jurídico em estudo, ou seja, a família, há de se

consignar que, como se verificará nos parágrafos a seguir, opiniões divergentes se posicionam

entre a defesa da intervenção efetiva do Direito Penal para sancionar condutas que a maculem

de qualquer maneira e a razoabilidade da não-adoção de medidas penais para situações de

ordem estritamente privada e, portanto, de pouco interesse público.

De qualquer forma, é necessário ponderar que a concepção da família no sistema

legislativo penal atual não se coaduna com a realidade de nossos tempos e tampouco com os

novos contornos que lhe foram conferidos por nossa doutrina e jurisprudência ao longo de

todos esses anos, por isso merece a devida revisão, principalmente no que se refere à união

estável, que precisa ser equiparada à entidade familiar oriunda do casamento, e à união

homoafetiva que sempre traz à baila discussões polêmicas.

É fato que a concepção dos operadores do Direito sobre a família, principalmente após

o advento da Constituição Federal de 1988, tem determinado a alteração de alguns

dispositivos penais, porém não ainda em número significativo, o que, afasta-nos da almejada

solução, ou seja, da efetiva equiparação das entidades familiares citadas.

Além disso, a prática nos tem demonstrado que as necessárias modificações deveriam

ser introduzidas no texto do nosso Código Penal em vigor de maneira integral e sistemática,

pois é certo que as alterações legislativas feitas de forma isolada e, sem a imprescindível

organização, permitem que as disposições respectivas se apresentem de forma confusa e

desconexa, o que não é adequado.

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O legislador não pode olvidar que o elevado número de disposições penais

promulgadas em leis esparsas, sem a devida estruturação, pode trazer verdadeira confusão e

dúvidas não só aos seus aplicadores, mas também e principalmente aos seus destinatários, o

que é bastante temerário. No mais, é certo que as inserções na lei assim evidenciadas

determinam verdadeira insegurança quanto à sua própria vigência e extensão, o que também

deve ser evitado.

De qualquer maneira, neste estudo analisaremos os dispositivos penais em vigor que

se referem à família, a fim de que se possa concluir pelas alterações legais necessárias e,

portanto, consagrar plenamente o instituto da união estável em nosso sistema penal, em

perfeita harmonia com os ditames de Carta Constitucional de 1988, e equiparar a união

homoafetiva à entidade familiar, no que couber, em nossa legislação penal, até que seja

aprovada Emenda à Constituição para que lei ordinária possa regulamentá-la.

3.2 - Normas penais incriminadoras

Nélson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso nos elucidam que a fonte única do direito

penal é a norma legal. Não há direito penal vagando fora da lei escrita.302

Consoante Jimenez de Asúa, nas lições de Damásio E. de Jesus, o princípio da

legalidade, também denominado de princípio da reserva legal, basilar no Direito Penal,

consubstancia-se, na conhecida expressão de Feuerbach nullum crimen, nulla poena sine lege 303 , ou seja, não há crime, nem pena, sem lei que os preveja, e tem por fim restringir o direito

de punir do Estado, o denominado jus puniendi estatal, e preservar o direito de liberdade do

homem. O princípio da legalidade impõe limites à atividade legiferante do Estado e garante

aos cidadãos respeito aos seus direitos fundamentais, quais sejam, o direito à vida, à

liberdade, à honra, à intimidade, etc.

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, o princípio da legalidade tem sua origem remota na

Magna Carta de João Sem Terra (1215), que, em seu artigo 39, já previa que nenhum homem

livre seria punido senão pela lei da terra. Ele ainda nos elucida que a origem próxima do

302HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. I, t. 1, p. 21. 303JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1976, vol. 1, p. 336, apud JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 61.

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princípio da legalidade, entretanto, está no Iluminismo (século XVIII), pois na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, consignou-se que: Ninguém pode

ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e

legalmente aplicada.304

Jiménez de Asúa, citado nos ensinamentos de Damásio E. de Jesus, relata que a

origem do instituto está fundamentada no Direito ibérico e em data anterior ao advento da

Magna Carta, uma vez que em 1188, nas Cortes de Leão, ao súdito já era reservado o direito

de ser levado à Cúria antes de ter seus bens molestados.305

Recorda Damásio E. de Jesus, que o princípio da reserva legal atualmente concebido é

premissa da teoria da tipicidade de Ernst Beling, que defende a definição prévia e objetiva na

lei penal da conduta violadora de bem jurídico relevante. A teoria de Beling afasta do

conceito de tipicidade qualquer valoração da conduta do agente, portanto, afasta a

antijuridicidade do crime e a culpabilidade do agente. Por conseqüência, o tipo tem mera

definição descritiva.306

O princípio da legalidade foi introduzido inicialmente em nosso sistema pela

Constituição de 1824, que, inspirada nos ideais da Revolução Francesa, dispunha ninguém

será sentenciado senão por autoridade competente em virtude de lei anterior, e na forma por

ela prescrita (art. 179, 11). As Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a

Constituição em vigor reproduziram o princípio em pauta, ainda que com algumas alterações

no texto. Portanto, na legislação pátria, o princípio da legalidade sempre se revelou garantia

constitucional e norma de Direito Penal.

No Direito Penal pátrio, vige o princípio da reserva absoluta da lei, pois o fato punível

e sua sanção devem ser delimitados pelo Estado na norma. A lei penal assim estruturada,

portanto que contém a descrição do fato punível e as conseqüências de sua prática, revela um

sistema fechado que afasta a ampla liberdade do julgador quanto à definição de seu teor e

extensão. Se há lacunas, veda-se o uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de

Direito, salvo quando se tem em tela normas penais não incriminadoras que, por sua natureza,

não implicam em violação aos direitos do homem.

304MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1992, v. 1, p. 55. 305JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1976, v. 1, p. 385 e 386, apud JESUS. Damásio E. de. Direito penal: parte geral, cit., p. 62. 306JESUS. Damásio E. de. Direito penal: parte geral, cit., p. 262.

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É relevante o estudo das fontes do Direito Penal para que possamos compreender a

importância do princípio da reserva legal para esse ramo do Direito.

Magalhães Noronha nos elucida que: Fonte do Direito Penal é, pois, aquilo de que ele

se origina ou promana.307

As fontes do Direito Penal, segundo Damásio E. de Jesus, classificam-se em: 1) fontes

materiais ou de produção, que se referem ao órgão competente para sua elaboração, no Brasil,

portanto, a União (art. 22, I, CF), e 2) fontes formais ou de conhecimento, que se subdividem

em fontes formais mediatas e imediatas e correspondem aos processos de exteriorização do

Direito Penal ou de se revelarem suas regras.308

A lei é a única fonte formal imediata do Direito Penal, ou seja, sua exclusiva e

legítima forma de exteriorizar comportamentos puníveis, ou não considerá-los. Damásio E. de

Jesus ressalta que a lei penal contém norma que prevê a proibição da conduta por ela descrita.

Assim, o legislador, ao descrever o preceito primário e impor a respectiva sanção (preceito

secundário), define um comportamento e, ao mesmo tempo, proíbe a conduta, por exemplo,

na expressão matar alguém está contida a norma proibitiva “não matarás”.309

Segundo o mesmo autor, as fontes mediatas do Direito Penal são os costumes e os

princípios gerais do direito. Os costumes são regras de comportamento consideradas

obrigatórias, e os princípios gerais, postulados teóricos que estruturam o sistema positivo e

dele são extraídos, com utilização restrita ao processo de interpretação da lei penal.310

A analogia é definida doutrinariamente como processo de integração da norma penal,

processo em que se estende certo preceito jurídico contido em lei à situação análoga, não

prevista expressamente na legislação. Para Damásio E. de Jesus, na analogia trata-se de

aplicar o conteúdo de uma lei a casos não pretendidos abranger pela sua vontade. 311

Como destaca Paulo José da Costa Jr.:

Nenhum Código, por mais detalhadas que sejam suas normas, irá abranger todas as espécies fáticas que irão apresentar-se à Justiça. A miopia do legislador o impede de prever os vários tipos de delito que a realidade

307NORONHA, Magalhães. Direto penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1981, v. 1, p. 54. 308JESUS, Damásio E de. Direito penal: parte geral, cit., pp. 13-14. 309Id. Ibid., p. 17. 310Id. Ibid., pp. 27 e 29. 311Id. Ibid., p. 46.

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fenomênica irá ensejar. Por isso, qualquer sistema de jus positum irá fatalmente apresentar lacunas.312

De acordo com Damásio E. de Jesus, as normas penais são gerais, pois se aplicam

indistintamente a todos; exclusivas, pois só elas definem infrações e penas; imperativas, pois

contêm preceito mandamental e, abstratas, já que se referem a fatos futuros. Elas se

classificam em normas penais incriminadoras, normas penais permissivas e normas penais

complementares ou explicativas. As primeiras descrevem condutas puníveis e impõem suas

sanções; as segundas determinam a licitude ou a impunidade de certas condutas, embora estas

sejam típicas em relação às normas incriminadoras, e as últimas esclarecem o conteúdo de

outras normas ou delimitam sua aplicação.313

No que tange às normas incriminadoras referentes à família, o legislador de 1940,

embasado na realidade da época, limitou-se a definir os tipos penais com menção tão-somente

à conduta do cônjuge, sem considerações pertinentes ao companheiro ou àquele que

mantivesse o mero status de cônjuge (por ex., os casados apenas no rito religioso ou aqueles

que estavam na posse do estado de casados) e ainda permitiu certas diferenças no tratamento

das condutas praticadas pelo homem de pela mulher.

Porém, com o advento da Carta de 1988, com as alterações introduzidas no Código

Civil em vigor e ante as significativas mudanças no comportamento do brasileiro, não mais se

questiona o crescente interesse estatal em proteger a família independentemente da forma de

sua constituição, por isso necessária é a revisão dos dispositivos penais respectivos. Por estas

razões, as normas penais relativas à família em vigor em nosso Código Penal, incriminadoras

e não incriminadoras, serão tratadas neste capítulo, a fim de que, no Capítulo IV desse estudo,

possam ser sugeridas algumas alterações.

3.3 - Normas penais não incriminadoras

As normas penais não incriminadoras não contêm condutas puníveis, mas sim a

licitude ou a impunidade de alguns comportamentos eleitos pelo legislador, mesmo quando se

adaptam a certo tipo penal.

312COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, v. 1, p. 25. 313JESUS, Damásio E. de. op. cit., p. 18.

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Júlio Fabbrini Mirabete, diferentemente da já citada classificação apresentada por

Damásio E. de Jesus, conforme exposto no item anterior (p. 124), afirma que:

As leis penais não incriminadoras podem ser subdivididas em explicativas (ou complementares) e permissivas. As normas ‘explicativas’ esclarecem o conteúdo de outras ou fornecem princípios gerais para aplicação das penas. São preceitos explicativos os conceitos de ‘reincidência’ (art. 63), de ‘casa’ (art. 150, § 4o.), de ‘funcionário público’ para efeitos penais (art. 327), bem como as regras sobre a aplicação da lei penal (art. 1o. e s.), as referentes à aplicação da pena (arts. 59 e 60) etc. Leis ‘permissivas’ são as que não consideram como ilícitos ou isentam de pena o autor dos fatos que, em tese, são típicos. São as hipóteses, por exemplo, dos artigos 23, 24 e 25 (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito); do artigo 142 (imunidades nos crimes contra a honra); do artigo 348, § 2o. (imunidades no crime de favorecimento pessoal); dos artigos 20 e 21 (erro sobre o elemento do tipo e sobre a ilicitude do fato); do artigo 26 (inimputabilidade) etc..314

No que tange à família, o legislador na seara penal abusou do uso das normas

classificadas acima de permissivas (estas de grande interesse para análise neste estudo), na

clara tentativa de preservar a instituição.

Não há dúvidas de que o Estado por vezes renunciou ao jus puniendi para manter a

família unida e intocável, quando, por exemplo, em alguns casos, o legislador preferiu facultar

à vítima a promoção da ação penal (art. 182, CP), e, em outros, permitiu ao julgador isentar de

pena o autor que, mesmo tendo praticado fato típico e antijurídico, por questões de política

criminal, não é considerado merecedor da sanção correspondente.

As escusas absolutórias e as causas de extinção de punibilidade, por exemplo, são

espécies de norma não incriminadora e têm o escopo de evitar a aplicação da pena àqueles

que praticaram fato típico e antijurídico, por razões de política criminal, como veremos a

seguir.

3.3.1 - Escusas Absolutórias

Para ilustrar o instituto das escusas absolutórias, Luis Jiménez Asúa, citado nos

ensinamentos de Basileu Garcia, nos elucida que elas, também denominadas de causas de

impunidade, não permitem que o caráter criminoso do comportamento humano subsista, pois

lhes confere o papel de evitar, por motivos de utilidade pública, que a pena se associe a um

314MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., pp. 49-50.

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ato típico, antijurídico, imputável a um autor culpável.315

Guilherme de Souza Nucci define imunidade como:

(...) privilégio de natureza pessoal, desfrutado por alguém em razão do cargo ou da função exercida, bem como por conta de alguma condição ou circunstância de caráter pessoal. No âmbito penal, trata-se (art. 181) de uma escusa absolutória, condição negativa de punibilidade ou causa pessoal de exclusão de pena.316

Segundo o mesmo autor, a previsão de escusas absolutórias referentes à família tem

fulcro em razões de política criminal, pois, baseado em motivos de ordem utilitária e no fato

do delito envolver entes unidos por laços familiares, o legislador afastou a punibilidade do

agente em certos casos, como, por exemplo, nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 181 do

Código Penal, que isentam de pena o autor que comete, sem violência ou grave ameaça, crime

contra o patrimônio de seu cônjuge, na constância do casamento, ou de seu ascendente ou

descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural, e que consagram

imunidade absoluta, sem admissão de prova em contrário, tampouco a possibilidade de

renúncia à sua incidência.317

A preocupação do legislador pátrio com a proteção da família determinou a inserção

no Código Penal de 1940 de três escusas absolutórias: a) do cônjuge que pratica crime contra

o patrimônio do outro, na constância da sociedade conjugal, desde que não se trate de crime

de roubo ou extorsão, que não haja violência ou grave ameaça à pessoa e que a vítima não

tenha idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 181, I, c.c. art. 183, I e III, CP, com a

redação da Lei 10.741/2003); b) daquele que pratica crime da mesma natureza em prejuízo de

ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, civil ou natural, desde

que também não cometido com emprego de violência ou grave a ameaça à pessoa, que não

configure crime de roubo ou extorsão e que a vítima não tenha idade igual ou superior a 60

(sessenta) anos (art. 181, II, c.c. art. 183, I e III, CP, com a redação da Lei 10.741/2003), e c)

do cônjuge, ascendente, descendente, ou irmão que auxilia o criminoso a subtrair-se da ação

da autoridade pública, por motivo de crime apenado com reclusão (art. 348, § 2o., CP).

315JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, La ley y el delito, Caracas, 1945, p. 541, apud GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1968, v. 1, t. 2, p. 663. 316NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 767. 317Id., op. e loc. cit.

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Vale lembrar que, nas lições de Guilherme de Souza Nucci, nos dois primeiros casos

(“a” e “b”), não se reconhece a isenção de pena ao terceiro que cometa o crime contra o

patrimônio nas mesmas circunstâncias, ainda que mantenha laços afetivos com a vítima e seja

co-autor do delito em que o co-réu dela faça jus (art. 183, II, CP).318

A primeira escusa absolutória está prevista no artigo 181, inciso I, do Código Penal,

sendo mister observar que o legislador previu nesta hipótese a preponderância dos valores

familiares em relação ao patrimônio, permitindo a isenção de pena ao cônjuge que, durante o

matrimônio, pratica crime de natureza patrimonial contra o outro, desde que sem violência ou

grave ameaça, o que determina a exclusão, portanto, do roubo e da extorsão, e desde que a

vítima não seja sexagenária (Lei 10.741/2003).

Pelo texto, estão excluídos os cônjuges separados judicialmente e os divorciados, pois

o artigo é expresso em relação ao crime praticado na constância do casamento. Nos dizeres de

Guilherme de Souza Nucci, dúvidas remanescem, porém, em relação aos cônjuges separados

de fato, visto que o casamento juridicamente ainda sobrevive. Segundo o mesmo autor, há

quem diga, assim, que neste caso o casamento ainda não foi desfeito, por isso há de se

reconhecer a escusa absolutória respectiva.319

É claro que o legislador de 1940 não podia prever que as separações e divórcios no

Brasil chegariam a tão elevado percentual, por isso não teve a preocupação de pressupor que o

número de pessoas separadas de fato determinaria o mesmo tratamento que a lei penal dispõe

aos casados no inciso I do artigo 181 do Código Penal.

A interpretação sistemática da lei nos faz crer que o intuito à época era a preservação

da família formalmente constituída e dos laços entre seus membros, por isso descabida a

extensão do benefício aos não casados, ainda que apenas separados de fato.

A segunda escusa absolutória está prevista no artigo 181, inciso II, do Código Penal

em vigor em relação à família refere-se à prática de crime contra ascendente ou descendente,

qualquer que seja o parentesco, desde que não tenha havido violência ou grave ameaça e que a

318NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 771-772. 319Id. Ibid., p. 769. Guilherme de Souza Nucci afirma que controvertida é a admissão da isenção de pena de crime cometido durante o casamento após declarado nulo, citando para tanto as lições de Basileu Garcia (Crimes patrimoniais entre cônjuges e parentes, in Revista Forense, v. 143, 1952, p. 35): A imunidade absoluta não ocorre se se trata de casamento nulo, não contraído de boa-fé por nenhum dos cônjuges; é aceitável a imunidade absoluta se ambos os cônjuges o tiverem contraído de boa-fé; e será admitida, ainda, se um dos cônjuges o tiver contraído de boa-fé, mas agora restrita a este a imunidade. Id. Ibid., pp. 769-770.

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vítima não tenha idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Neste caso, semelhante ao que se pôde notar em relação à hipótese prevista no inciso I,

do artigo 181 do Código Penal, também parece clara a intenção do legislador de, além de

preservar os laços de família, querer evitar escândalos capazes de abalar os seus integrantes

quando da exposição da sua intimidade a terceiros.

Além disso, a nova redação do artigo 183 do Código Penal, introduzida pela Lei

10.741/2003, que estabeleceu especificamente os direitos do idoso, garantindo-lhe maior

proteção, consagrou outra exceção ao reconhecimento da isenção de pena ao agente nesses

casos, já que agora se evita premiar a conduta daquele que se vale da idade da vítima para

lesar o seu patrimônio (art. 183, III, CP).

A última hipótese de escusa absolutória prevista no Código Penal, que se refere à

preservação da família, é aquela inserta no artigo 348, § 2o. Dispõe o texto que estará isento

de pena o ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do criminoso que o auxilia a subtrair-se

da autoridade pública, em razão da prática de crime apenado com reclusão. Não se questiona

que se pretendeu resguardar os laços de afeto entre os envolvidos, por isso a opção legislativa

deu-se no sentido de isentar o autor da respectiva sanção penal.

Algumas considerações devem ser feitas nesta fase a respeito do disposto no artigo

182 do Código Penal, uma vez que sua natureza jurídica se assemelha à natureza jurídica das

escusas absolutórias previstas nos artigos 181, incisos I e II, e 348, § 2o., do Código Penal.

Guilherme de Souza Nucci relata que as disposições do artigo 182, incisos I e II, do

Código Penal, que prevê que, nos crimes contra o patrimônio, somente se procede mediante

representação, quando o delito é cometido em prejuízo do cônjuge desquitado ou

judicialmente separado; de irmão, legítimo ou ilegítimo; ou de tio ou sobrinho, com quem o

agente coabita, constituem imunidades relativas, cabendo, pois, ao ofendido o dever de

manifestar seu interesse em iniciar a ação penal, e admitindo-se ainda a possibilidade de se

afastar a sua incidência, o que não se evidencia nas imunidades absolutas.320

O artigo 182 do Código Penal dispõe sobre tema referente à família e nos revela a

intenção do legislador de preservar a intimidade de seus membros ainda que ela não mais

sobreviva em sua plenitude, como no caso do casamento desfeito. O referido artigo prevê que

320NUCCI, Guilherme de Souza. op cit., p. 770.

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a ação penal está condicionada à representação quando o crime for cometido contra o

patrimônio do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; do irmão, legítimo ou não; ou

do tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Parece-nos que o legislador criou obstáculo para o início da ação penal na tentativa de

conferir ao seu legitimado uma última chance ou um último momento de reflexão antes de

levar aos Tribunais um ente querido que, talvez por desespero ou causa de menor relevância,

tenha praticado crime contra seu patrimônio. Isso reforça a intenção do Estado de evitar

situações conflituosas em família que podem ser infindáveis.

As questões referentes à união estável e à união homoafetiva no que tange às escusas

absolutórias e demais imunidades serão analisadas no Capítulo IV, item 4.6.2.

3.3.2 - Causas de extinção da punibilidade

Nas lições de Júlio Fabbrini Mirabete, a punibilidade é a conseqüência jurídica

decorrente da prática de um crime.321

Verificada a violação da norma penal incriminadora, surge para o Estado o direito de

punir o agente, desde que sua conduta não esteja acobertada por excludente de

antijuridicidade e desde que seja ele culpável. A punibilidade é, pois, a possibilidade jurídica

de se impor a pena correspondente ao ilícito penal praticado pelo agente culpável.

Guilherme de Souza Nucci afirma que a extinção da punibilidade é o desaparecimento

da pretensão punitiva ou executória do Estado, em razão de específicos obstáculos previstos

em lei.322

Basileu Garcia define as causas de extinção da punibilidade como acontecimentos que

surgem depois da conduta delituosa, nos quais a lei reconhece eficácia excludente da

pretensão punitiva do Estado.323

Como mencionado, a prática de um ato típico e antijurídico por agente culpável

origina o jus puniendi estatal, ou seja, o direito, em abstrato, de lhe impor a respectiva sanção.

321MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., p. 361. 322NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 481. 323GARCIA, Basileu. op. cit., p. 657.

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Entretanto, o Estado pode prever condição objetiva de punibilidade para aplicar a pena ao

agente ou mesmo hipótese para simplesmente renunciar ao seu direito de puni-lo. A lei

brasileira exige condição objetiva de punibilidade nos crimes falimentares que implica na

prévia sentença declaratória da falência (art. 180, Lei 11.101/2005).

Júlio Fabbrini Mirabete afirma que as condições objetivas de punibilidade são

necessárias para punir o agente, não contidas na descrição típica do crime e por isso não

acobertadas pelo dolo daquele. Elas são exteriores à conduta, mas imprescindíveis para a

aplicação da pena.324

Segundo Guilherme de Souza Nucci, as condições objetivas de punibilidade

determinam a imposição da reprimenda, pois implicam o seu efetivo reconhecimento. Nas

escusas absolutórias, evidencia-se o oposto, já que se tratam de condições negativas de

punibilidade especiais e pessoais, cuja verificação determina a exclusão da punibilidade.325

Cumpre diferenciar as condições objetivas de punibilidade das condições de

procedibilidade, pois, consoante Júlio Fabbrini Mirabete, estas se referem ao exercício da

ação penal, como o trânsito em julgado da sentença que anula o casamento para o crime

definido no artigo 236 do Código Penal.326

O Estado, como ressaltado no item 3.3 desse capítulo (p. 125), pode renunciar ao

direito do punir o agente por razões de política criminal. Por esta razão, a lei prevê causas de

extinção da punibilidade, que podem ser gerais (ou comuns), aplicáveis a todos os crimes (ex.

morte, abolitio criminis), ou especiais (ou particulares) que se aplicam a apenas alguns deles

(ex. renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito nos crime de ação privada).

A punibilidade extinta antes do trânsito em julgado da sentença põe fim ao próprio jus

puniendi do Estado, por isso não persiste qualquer efeito da sentença condenatória. A

punibilidade extinta, depois do trânsito em julgado, põe termo apenas à pretensão executória

do Estado, ou seja, à possibilidade de imposição de pena, restando, pois, os seus efeitos

secundários, tais como a inserção do nome do réu no rol de culpados, reincidência e outros.

As causas de extinção de punibilidade de ordem objetiva podem se comunicar aos co-

autores e partícipes, quais sejam, o perdão, a abolitio criminis, a decadência, a perempção, a

324MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., p. 361. 325NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 482. 326MIRABETE, Júlio Fabbrini. op. cit., p. 362.

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renúncia ao direito de queixa e a retratação. Aquelas, porém, de caráter subjetivo não se

estendem aos demais agentes, ou seja, a morte de um deles, o perdão judicial, a graça, o

indulto e a anistia, a retratação do querelado na calúnia ou difamação e a prescrição em alguns

casos.

Vale lembrar ainda que a extinção de punibilidade de crime que é pressuposto,

elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este (art. 108, 1a.

parte, CP) e nos crimes conexos a extinção de um deles não impede, quanto aos outros, a

agravante da pena resultante da conexão (art. 108, 2a. parte, CP).

As hipóteses de extinção de punibilidade estão no rol do artigo 107 do Código Penal,

rol este considerado pela maioria dos doutrinadores como meramente exemplificativo.

Para Guilherme de Souza Nucci, outras causas extintivas são verificadas na Parte

Especial do Código Penal e em leis extravagantes, citando, como exemplo, o ressarcimento do

dano no peculato culposo (art. 312, § 3o., CP), o decurso do prazo do sursis sem revogação

(art. 82, CP), o término do livramento condicional (art. 90, CP), o cumprimento de pena no

exterior por crime lá cometido (art. 7o., § 2o., d, CP) e a morte do ofendido (art. 236, CP) e,

nas leis especiais, o pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia como causa de

extinção de punibilidade nos crimes de sonegação fiscal (art. 34, Lei 9.249/95) e a não

representação do ofendido nas hipóteses da Lei 9.099/95.327

Guilherme de Souza Nucci também nos aponta a previsão de causa extintiva de

punibilidade implícita no artigo 522 do Código de Processo Penal que permite, nos crimes

contra a honra, a reconciliação, cujo termo determina o arquivamento da queixa.328

São causas extintivas da punibilidade hoje previstas no Código Penal: a morte do

agente (art. 107, I, CP); a anistia, graça ou indulto (art. 107, II, CP); a retroatividade de lei que

não mais considera o fato como crime (art. 107, III); a prescrição, decadência ou perempção

(art. 107, IV, CP); a renúncia do direito de queixa ou o perdão aceito, nos crimes de ação

privada (art. 107, V, CP); a retratação do agente nos casos em que a lei admite (art. 107, VI,

CP) e o perdão judicial nos casos previstos em lei (art. 107, IX, CP).

327NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 483. 328Id., op.e loc. cit.

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Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, a morte do autor do crime põe fim à sua

responsabilidade penal e, portanto, extingue a sua punibilidade, consagrando assim o

princípio da pessoalidade da pena, mandamento constitucional que impõe que a sanção penal

não pode passar da pessoa do condenado, com a exceção da decretação do perdimento de

bens, que pode ser estendida aos sucessores até o limite do patrimônio transferido (art. 5o,

XLV, 1a. e 2a. partes, CF).329

Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci a anistia é a declaração pelo Poder Público

de que determinados fatos se tornam impuníveis por motivo de utilidade social. O instituto da

anistia volta-se a ‘fatos’, e não a pessoas. 330

Consoante Guilherme de Souza Nucci, a anistia possui efeito ex tunc, pois apaga o

crime e todos os efeitos da sentença, salvo os civis, podendo ser classificada em: própria ou

imprópria, se ocorrer antes ou após o trânsito em julgado; condicionada ou incondicionada, se

impuser condições ou não ao beneficiário; geral ou parcial, se beneficiar todos os que

praticaram certo fato ou apenas alguns; irrestrita ou limitada, se abranger todos os delitos

relacionados ao principal ou exclua alguns deles.331

Júlio Fabbrini Mirabete assevera que a graça ou indulto individual, também causa

excludente de punibilidade, consiste em perdão concedido pelo Presidente da República a

certa pessoa. A graça pode ser total ou parcial, quando se refere ou não a todas as sanções

impostas ao réu. O indulto coletivo, por sua vez, refere-se a um grupo de sentenciados e

também pode ser total ou parcial. O indulto individual e o coletivo extinguem apenas as

sanções mencionadas nos respectivos decretos, remanescendo os efeitos penais e civis da

sentença condenatória.332

A abolitio criminis extingue a punibilidade do agente e se evidencia com o advento de

lei nova que deixa de considerar crime certa conduta. A lei nova benéfica retroage e impede

que qualquer efeito penal subsista. O artigo 2o., parágrafo único, do Código Penal, dispõe que

a retroatividade atinge inclusive os fatos pretéritos que tenham sido objeto de sentença penal

condenatória irrecorrível.

329MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., p. 364. Segundo Julio Fabrini Mirabete, a morte extingue a punibilidade em decorrência do princípio mors ominia solvit (a morte tudo apaga). Id., op. e loc. cit. 330NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 486. 331Id. Ibid, p. 486. 332MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., pp. 366-367.

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A decadência, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, é a perda do direito de ação privada

ou de representação, em decorrência de não ter sido exercido no prazo previsto em lei.333

Nos termos do artigo 103 do Código Penal, o ofendido, ou seu representante, tem seis

meses, contados do dia em que teve ciência da autoria do crime ou do dia em que se esgotou o

prazo para oferecimento da denúncia (art. 100, § 3o., CP), com algumas exceções, como, por

exemplo, nos crimes de imprensa, em que o prazo de três meses é contado da data da

publicação ou transmissão (art. 41, § 1o., Lei 2.550/1967). No adultério, o prazo decadencial

era de um mês, mas o tipo penal não mais subsiste.

A perempção, diz Aníbal Bruno, segundo Cezar Roberto Bitencourt:

(...) é a perda do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada, isto é, uma sanção jurídica aplicada ao querelante pela sua inércia, ou seja, pelo mau uso da faculdade que o Poder Público lhe concedeu de agir, privativamente, na persecução de determinados crimes.334

Júlio Fabbrini Mirabete afirma que a prescrição é a perda do direito de punir do

Estado pelo decurso de tempo.335

Cezar Roberto Bitencourt relata que:

Com a ocorrência do fato delituoso surge para o Estado o ius puniendi. Esse direito, que se denomina ‘pretensão punitiva’, não pode eternizar-se como uma espada de Dámocles pairando sobre a cabeça do indivíduo. Por isso, o Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir, e, levando em consideração a ‘gravidade da conduta delituosa e da sanção correspondente’, fixa lapso temporal dentro do qual o Estado estará legitimado a aplicar a sanção penal adequada.336

Admitem-se duas espécies de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva, que se

evidencia antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e, mesmo sujeita a

interrupções ou suspensões, tem por base o máximo da pena respectiva em abstrato, e a

prescrição da pretensão executória, que se opera após o trânsito em julgado da sentença

condenatória e é calculada de acordo com a pena aplicada.

A punibilidade também se extingue pela renúncia ao direito de queixa e pelo perdão.

333MIRABETE, Júlio Fabbrini, op. cit., p. 368. 334BRUNO, Aníbal, Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 219, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 666. 335MIRABETE, Júlio Fabbrini. op. cit., p. 381. 336BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 671.

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Júlio Fabbrini Mirabete ressalta que a renúncia é ato unilateral, expresso ou não, que

implica na desistência do direito de ação pelo ofendido. Ela é admitida antes do início da ação

penal privada e, uma vez concedida, estende-se aos demais autores do delito.337

O perdão, segundo Damásio E. de Jesus, é ato bilateral expresso ou tácito, pois ele

deve ser aceito pelo ofendido ou por seu representante legal, também de forma expressa ou

não, para que a punibilidade do agente possa ser extinta. Restringe-se aos crimes de ação

penal privada e somente pode ser concedido após o ajuizamento da demanda. O perdão

concedido a um dos autores do crime se estende aos demais, exceto se houver recusa por parte

de um deles.338

O perdão do ofendido não se confunde com o perdão judicial, causa que também pode

extinguir a punibilidade do agente.

Consoante Cezar Roberto Bitencourt, o perdão judicial é uma faculdade concedida ao

magistrado, que pode deixar de aplicar a pena quando verificadas algumas circunstâncias

excepcionais previamente estabelecidas em lei.339

Guilherme de Souza Nucci ensina que a retratação é:

(...) ato pelo qual o agente reconhece o erro que cometeu e o denuncia à autoridade, retirando o que anteriormente havia dito. Pode ocorrer: 1a.) nos crimes de calúnia e difamação (art. 143, CP), sendo que na Lei de Imprensa alcança também a injúria; 2a.) nos crimes de falso testemunho e falsa perícia (art. 342, § 2o., CP).340

Para Basileu Garcia a retratação baseia-se em bons motivos de política criminal, pois

com ela a vítima se reintegra do dano sofrido e ainda permite-se o restabelecimento das

relações entre as partes, cessando a necessidade da intromissão estatal.341

No tocante à família, alguns pontos relevantes devem ser destacados acerca das causas

extintivas da punibilidade, com a ressalva de que as questões pertinentes à união estável serão

analisadas no Capítulo IV, item 4.4.2.

337MIRABETE, Júlio Fabbrini. op. cit., pp. 373-374. 338JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral, cit., p. 701-702. 339BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 669. O autor nos elucida que há doutrinadores, dentre eles Frederico Marques, que entendem que o perdão judicial é um direito público subjetivo do réu que, ao preencher certos requisitos, deve ser beneficiado de qualquer forma. (MARQUES, Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 3, pp. 262, 264 e 276). Id., op. e loc. cit. 340NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 494. 341GARCIA, Basileu. op. cit., p. 691.

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Guilherme de Souza Nucci, ao justificar que o rol do artigo 107 do Código Penal é

meramente exemplificativo e, portanto, não esgota todas as hipóteses para a extinção da

punibilidade, menciona que a morte do ofendido no delito tipificado no artigo 236 do Código

Penal também determina o seu reconhecimento (contrair casamento, induzindo em erro

essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento

anterior), pois apenas o ofendido pode dar início à ação penal respectiva.342

Basileu Garcia aponta outra hipótese que pode ser equiparada à causa extintiva de

punibilidade, ou seja, aquela constante do § 2o. do artigo 235 do Código Penal, que assim

dispõe em relação ao crime de bigamia: Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento,

ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.343

O autor ressalta que o legislador pátrio pecou em não conceder o mesmo tratamento ao

adultério, ou seja, em não permitir a extinção da punibilidade do agente que tem seu

casamento anulado, pois não há razões lógicas para punir diferentemente hipóteses tão

semelhantes344, sem se olvidar que hoje está superado qualquer entendimento neste sentido,

em razão da descriminalização deste delito pela Lei 11.106/2005.

Em que pesem entendimentos doutrinários em contrário quanto à definição da

natureza jurídica da hipótese prevista no § 2º. do artigo 235 do Código Penal, é certo que a

afirmação de Basileu Garcia, já à época, demonstra-nos que as preocupações com o descuido

do legislador quanto aos tipos referentes à família já eram uma constante.345

Basileu Garcia, como vimos nos parágrafos anteriores, nos chama a atenção para o

tratamento diferenciado de delitos de igual importância e, portanto, para as conseqüências

diversas que podem ser atribuídas aos respectivos agentes, o que certamente não revela a

melhor técnica legislativa.

Previam-se ainda duas outras causas de extinção da punibilidade no Código em vigor,

causas estas que foram revogadas pela Lei 11.106, de 29 de março de 2005: o casamento do

agente com a vítima nos delitos contra os costumes (art. 107, VII, CP) e o casamento da

vítima com terceiro nos crimes contra os costumes praticados sem violência ou grave ameaça

342NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 483. 343GARCIA, Basileu. op. cit., p. 659. 344Id., op. e loc. cit. 345 Para Guilherme de Souza Nucci é atípica a conduta do agente, cujo casamento é anulado após a celebração do segundo (art. 235, § 2o., CP). Trata-se de causa específica de exclusão de tipicidade. Id. Ibid., p. 872.

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à pessoa e desde que a vítima não requisesse o prosseguimento de inquérito policial ou da

ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data da celebração do casamento (art.

107, VIII, CP).

Essas causas de extinção da punibilidade citadas, que retratavam o flagrante interesse

estatal de preservar a família, foram retiradas do texto, exatamente em respeito à liberdade

individual da vítima.

Trata-se de nova medida de política criminal que teve por fim evitar o recurso do

matrimônio em prol da impunidade dos autores dos crimes contra os costumes, medida esta

que será apreciada neste estudo no capítulo destinado à análise das disposições penais

constantes da Lei 11.106/2005 (Cap. IV, item 4.4.2, p. 199-213).

3.4 - Tipos penais em espécie

O Código Penal de 1940 inovou o sistema penal em vigor à época ao introduzir em seu

texto a sistematização dos dispositivos, cuja objetividade jurídica é a família, pois até então o

que se via nos diplomas legais anteriores era apenas o tratamento esparso do tema.

O Título VII da Parte Especial do Código Penal de 1940 passou a dedicar-se

especificamente aos crimes contra a família, dispondo-os nos quatro capítulos a seguir

expostos:

Capítulo I. Dos crimes contra o casamento;

Capítulo II. Dos crimes contra o estado de filiação;

Capítulo III. Dos crimes contra a assistência familiar;

Capítulo IV. Dos crimes contra o pátrio poder, tutela e curatela

O objeto jurídico tutelado neste Título é a família, considerada elemento fundamental

para a vida em sociedade, por isso a preocupação do legislador brasileiro em preservá-la.

Paulo José da Costa Jr., ao se referir aos delitos cujo objeto tutelado é a família,

transcreve trecho de autoria de Alfredo Rocco extraído da Exposição de Motivos do Código

italiano, que afirma:

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O Estado deve dirigir, constantemente, e com o máximo interesse, a sua atenção sobre a intuição ético-jurídica da família, centro de irradiação de toda a vida civil. No seio da comunidade familiar, os pais, por suas palavras e mais ainda pelo seu exemplo, modelam a alma do filho, que será o cidadão de amanhã. Segundo o ambiente moral, saudável ou viciado, que encontrar no lar paterno, verá ele crescer em si próprio a planta do homem de bem, ou, ao contrário, nele deitará raízes a triste e envenenada planta do futuro delinqüente. Deve o legislador, por todos os meios ao seu alcance, procurar resguardar na sua existência física e na sua composição moral o organismo familiar: e a tal fim servem também as sanções punitivas com a sua ameaça contra os atentados ao instituto do matrimônio, que representa o fulcro de toda sociedade bem constituída, e ao organismo familiar.346

Damásio E. de Jesus aponta que:

Considera o legislador a família como indispensável instrumento de controle social, tal como concebida na civilização cristã ocidental, e como centro de onde irradia a vida social da Nação. Com efeito é na organização familiar que o indivíduo nasce, cresce e se desenvolve, física e espiritualmente. Protegendo a família, está o legislador a proteger também a formação moral e intelectual do indivíduo, que, adulto, contribuirá para o progresso e aperfeiçoamento da sociedade.347

O legislador pátrio, no referido título, protegeu as relações conjugais e as relações de

parentesco ao tipificar condutas que implicam a violação dos laços familiares.

Não há dúvidas de que, como bem asseverou Paulo José da Costa Jr., ao citar

entendimento de Muñoz Conde, apesar da importância da família para toda a sociedade, em

observância ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal, a intromissão do Estado no

âmbito familiar deve ser restrita à proteção de determinados bens,348 pois é claro que as

relações familiares estão inseridas no Direito Privado, por isso o legislador ordinário há de se

acautelar para não invadir a esfera de intimidade do cidadão, direito este assegurado pela

Constituição Federal (art. 5o., X, CF).

Porém, não se pode ignorar que a nossa Lei Maior em vigor ampliou

significativamente a proteção à família, quando impôs ao Estado o dever de resguardá-la. Na

realidade, o legislador constitucional delegou plenos poderes ao legislador ordinário para

efetivar essa proteção, o que significa que o referido direito à intimidade não é mais absoluto

e deve ser confrontado com os interesses da coletividade.

346ROCCO, Arturo, L’oggetto del reato e della tutela giuridica penale, Roma, 1932, v. 1, p. 590, apud COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 771. 347JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 199. 348MUÑOZ CONDE, Derecho penal, parte especial, Sevilha, 1985, p. 147, apud COSTA JR., Paulo José da. op. cit., p. 773.

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Além disso, deve-se salientar que as alterações que nos foram trazidas pelo novo

Código Civil em relação à família em muito influenciaram as modificações verificadas nos

últimos tempos no nosso Código Penal, em que pesem ainda tímidas.

Como se sabe, o aplicador da lei, por vezes, deve se socorrer da lei civilista para

compreender a extensão dos tipos penais referentes à família e lhes conferir a melhor aplicação,

por isso o sistema legal deve ser analisado em conjunto e de forma sistemática, pois, na busca da

verdadeira intenção do legislador e em respeito aos ditames constitucionais, o julgador certamente

irá se deparar com interesse maior, ou seja, o interesse de nossa sociedade atual que, felizmente,

quanto à instituição da família e à união estável, não está mais apegada a preconceitos ou idéias

rígidas, sobretudo no que diz respeito às formalidades do casamento.

As mudanças das concepções na sociedade a respeito do comportamento humano e da

própria definição de família têm determinado que o legislador, na seara do Direito Penal,

também proceda a constantes revisões legislativas, cujo intuito é atender aos anseios sociais

da melhor forma, quer revogando tipos penais ditos em desuso, quer minorando as

conseqüências de outros ainda vigentes.

Assim, entendemos que os dispositivos penais em vigor devem ser analisados também

à luz dessas alterações, a fim de que se possa melhor compreender o tema no mundo em que

vivemos.

Na verdade, a intenção do legislador de alterar o Código Penal para adequá-lo aos

nossos tempos, principalmente no que se refere à nova concepção de família e à equiparação

do cônjuge ao companheiro, teve sua mais expressiva representação no Anteprojeto de

Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999.

No tocante aos crimes contra a família, de acordo com as lições de Luiz Flávio Borges

D’Urso, o Anteprojeto de Reforma do Código Penal de 1999, elaborado por Comissão presidida

pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, altera substancialmente o Título VII do Código Penal

em vigor, que corresponde ao Título VI no Anteprojeto. No Título VI do Anteprojeto, são

mantidos os três capítulos referentes aos crimes contra o estado de filiação, assistência familiar e

guarda de incapazes, este último com nova nomenclatura, dispostos entre os artigos 241 a 250,

mas, por outro lado, é revogado o capítulo dos crimes contra o casamento.349

349D’URSO, Luiz Flávio Borges. Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, pp. 12-13.

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Consoante Luiz Flávio Borges D’Urso, o capítulo destinado aos crimes contra o

casamento é eliminado do nosso Código pelo Anteprojeto, sob o fundamento de que são

desnecessários tais tipos penais específicos, pois a legislação civil é suficiente para solucionar

conflitos e preservar a instituição. Afirma que, em alguns casos, os respectivos crimes já

constituem outros delitos previstos no Código Penal de 1940, como, por exemplo, o crime de

falsidade documental, e que, em outras hipóteses, como no caso do adultério, a revogação se

faz necessária em razão do próprio desuso ou, nos termos da própria Exposição de Motivos do

Anteprojeto, da “carência de eficácia”, tal como ocorre no adultério e na bigamia.350

O Anteprojeto ainda acrescenta novo tipo penal no Capítulo II, do Título VI, do

Código Penal em vigor, que trata dos crimes contra a assistência familiar, ou seja, o crime de

abandono de gestante, em razão de sua importância social e com o fim de se evitar a

paternidade irresponsável.351

Como se sabe, o Anteprojeto não foi promulgado, e as referidas mudanças, portanto,

não se verificaram até a presente data. Contudo, o legislador se antecipou e, ao promulgar leis

esparsas, por exemplo, a Lei 10.886/2004, a Lei 11.106/2005, e a Lei 11.340/2006,

determinou a ampliação do conceito de família no Código Penal em vigor, o que merece

aplausos, apesar de, em nossa concepção, o ideal seria a revisão integral de toda da Parte

Especial do Código Penal que trata dos crimes em espécie.

Não há dúvidas, porém, de que bem-vindas foram algumas modificações introduzidas

pela Lei 10.886/2004, Lei 11.106/2005 e Lei 11.340/2006, principalmente quanto à inserção

da união estável e da união homoafetiva em nosso sistema, o que, aliás, demonstra-nos que

agora o legislador, em lugar de preferir a simples revogação de alguns tipos penais referentes

à família, como outrora consignou no Anteprojeto, teve o intuito de atender os atuais anseios

de nossa sociedade e de seguir os mandamentos de nossa Constituição (art. 226, § 3o., CF),

por isso ampliou sua proteção legal, ao equiparar os membros da família independente da

formalização de matrimônio e ainda inovou ao proteger as uniões homoafetivas quando

repreendeu a violência doméstica praticada por um de seus integrantes.

De qualquer forma, há de se ponderar que o legislador não equiparou o companheiro

ao cônjuge em todos os dispositivos em que este último é mencionado no Código Penal (arts.

350D’URSO, Luiz Flávio Borges. op. cit., pp. 12-13. 351Id. Ibid., p. 13.

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61, II, e; 133, § 3º., II; 181, I; 182, I; 244, caput; e 348, § 2º., CP), e não fez menção à união

estável nos crimes contra a família previstos no Titulo VII, do referido diploma legal, por isso

os tipos penais em vigor referentes à família serão abordados neste capítulo, a fim de que, no

Capítulo IV desse estudo, possamos sugerir as alterações necessárias para a inclusão

definitiva da união estável e da união homoafetiva em nosso Código.

3.4.1 - Dos crimes contra o casamento

O legislador de 1940, filiando-se à mentalidade da civilização ocidental cristã,

entendeu que o casamento, desde que monogâmico, era merecedor da tutela penal, até porque,

além de ser a única forma possível de se constituir uma família, as inúmeras conseqüências de

ordem pessoal, social e moral geradas por ele demandavam sanções mais repressivas àqueles

que, de alguma maneira, afrontavam a instituição.

A disposição penal certamente teve fulcro nos ditames da Constituição Federal em

vigor à época, ou seja, a Constituição Federal de 1934, que, pela primeira vez, fez menção

expressa à família, esta entendida como a constituída pelo casamento indissolúvel e, por

conseqüência, merecedora de especial proteção do Estado.

Ressalta-se que a família foi da mesma forma concebida pelas Cartas de 1937, 1946 e

1967 e pela Emenda Constitucional 1, de 1969, sendo certo que, mesmo com o advento da Lei

do Divórcio em 1977, que possibilitou a dissolução do vínculo matrimonial, e com o advento

da Constituição Federal de 1988, que estendeu o conceito da família, o casamento ainda tem

proteção especial na legislação brasileira.

No texto original, o Capítulo I do referido diploma legal previa os crimes contra o

casamento divididos em cinco tipos penais distintos:

1. Bigamia;

2. Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento;

3. Conhecimento prévio de impedimento;

4. Simulação de autoridade para celebração de casamento;

5. Adultério.

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O incesto, punido pela lei anterior, constitui hoje mera agravante específica de dos

crimes contra os costumes (arts. 226, II; 227, § 1o.; e 228, § 1o., CP).

Como vimos no item 3.4 deste capítulo (p. 139), o Anteprojeto de Reforma da Parte

Especial do Código Penal de 1999 revoga o Capítulo I, que dispõe sobre os crimes contra o

casamento, do Título VII do Código Penal em vigor. Na Exposição de Motivos do Anteprojeto, o

Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro justifica a descriminalização dos tipos penais respectivos ao

afirmar que no Direito Penal moderno defende-se a redução de imposição de sanções penais,

exceto quando absolutamente necessário. Ele afirma que, com o divórcio, por exemplo, a vítima

do bígamo ou do adúltero pode romper o vínculo matrimonial com o autor e se casar novamente,

o que já basta para solucionar o conflito. No mais, acrescenta que os referidos tipos penais e o

impedimento para o casamento podem resultar no crime de falsidade quando da habilitação, por

isso desnecessário novo tipo penal para punir o autor da declaração.352

O excesso de medidas penais adotadas para o deslinde de conflitos nem sempre é a

melhor saída, sobretudo quando se podem impor sanções ao ofensor previstas por outros

ramos do Direito. Porém, com a promulgação da Lei 10.886/2004, da Lei 11.106/2005 e da

Lei 11.340/2006, o legislador teve a clara intenção de ampliar a proteção à família,

contrariando, assim, as disposições do Anteprojeto referentes à descriminalização de alguns

tipos penais a ela pertinentes e ao abrandamento de penas. Na realidade, a ampla proteção à

família consagrada pelo artigo 226, caput, da Lei Maior, já não recomenda a adoção das

soluções do Anteprojeto em seus exatos termos e talvez sua reformulação seja agora

imprescindível, não para se desprestigiar o princípio da intervenção mínima que caracteriza o

Direito Penal moderno, mas simplesmente para garantir ao destinatário da lei o resguardo de

bem jurídico por ele eleito relevante.

No mais, não se pode esquecer que, uma vez que o Anteprojeto não foi promulgado, é

ainda plena a proteção do casamento na esfera penal, o que se harmoniza com as legislações

de outros países, como já citado neste estudo (Cap. II, item 2.6.2, p. 100-106). Há de se

ressaltar, contudo, que a Lei 11.106/2005 se antecipou em relação ao Anteprojeto e

descriminalizou o adultério, já que, como disposto na Exposição de Motivos do Anteprojeto,

raras eram as condenações por tal crime.353

352D’URSO, Luiz Flávio Borges. op. cit., p. 13. 353Id. Ibid., pp. 12-13.

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É de ponderar que, em que pese a tímida mudança legislativa revelada pela

descriminalização do crime de adultério, não há dúvidas de que o legislador ainda prestigia o

casamento como fonte instituidora da família, por isso lhe confere proteção na esfera penal.

Por essa razão, o legislador penalista deve fazer o mesmo, evidentemente no que couber, em

relação à união estável, já que a Constituição Federal a equipara à entidade familiar, o que

significa que tratamento idêntico ao casamento lhe deve ser destinado.

A adaptação da lei penal aos novos preceitos constitucionais acerca da família,

principalmente no que tange a sua nova definição, recomenda a imediata revisão dos

dispositivos legais que se refiram ao instituto, o que infelizmente ainda não foi verificado de

forma integral em nosso sistema legislativo, sobretudo no que se refere aos companheiros,

heterossexuais ou homossexuais, conforme será analisado no Capítulo IV desse estudo.

Passamos a analisar nos itens a seguir os tipos penais em espécie referentes à família e suas

alterações constantes do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999.

3.4.1.1 - Bigamia

A bigamia consiste na contração de novo casamento por pessoa já casada.

Respeitado o casamento monogâmico desde a Antiguidade, a bigamia sempre foi

repudiada pelas civilizações.

Ferrini, citado por Heleno Cláudio Fragoso, elucida-nos que, em Roma, admitia-se a

celebração de novo casamento, embora o ato não fosse considerado lícito, até o seu completo

repúdio pelo Imperador Caracala (217 d.C.) que não mais tolerou a poligamia.354 Acrescenta

ainda que o Imperador Diocleciano incriminou especificamente a bigamia em 285 d.C.,

facultando a pena ao arbítrio do julgador, e que o Imperador Justiniano chegou a punir aquele

que cometesse o crime em pauta com a pena de morte. Além disso, afirma que, no Direito

Canônico, a bigamia era considerada pena grave, com previsão da pena capital e outras penas

corporais como sanção, além da possibilidade de excomunhão do autor. No Código francês de

1810, a bigamia era punida com trabalhos forçados temporários, com extensão da sanção ao

354FERRINI, Esposizione storica e dottrinale del diritto penale romano, in Enciclopedia, de Pessina, I, 368, apud FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v. II, p. 90.

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oficial que houvesse celebrado o casamento.355

Consoante José Henrique Pierangelli, no Brasil, em observância à tradição da

civilização cristã ocidental, a bigamia sempre foi considerada crime, sendo evidenciada já nas

Ordenações Filipinas, que em seu Livro V, Título XIX, puniam-na com a pena de morte.356 O

Código Criminal do Império previa a poligamia como crime, porém, sancionava-a com pena

de prisão com trabalhos temporários, e multa (art. 249).357 O Código Penal da República, por

sua vez, também adotando a poligamia como nomen juris do tipo penal respectivo, puniu-a

com prisão celular, de um a seis anos (art. 283).358

Passemos agora a analisar o crime de bigamia.

O artigo 235, caput, do Código Penal, dispõe que é crime: Contrair alguém, sendo

casado, novo casamento.

Nas lições de Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na efetiva ofensa aos laços matrimoniais); de forma vinculada (só podendo ser cometido pela contração de um segundo matrimônio, que exige uma série de formalidade legais); comissivo (‘contrair’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo)359.

O mesmo doutrinador destaca que a doutrina entende que há nessa hipótese delito

instantâneo de efeitos permanentes, visto que ainda que consumado de forma imediata, o

bígamo continua casado com duas pessoas ao mesmo tempo.360

O objeto material tutelado é o casamento e o objeto jurídico, o interesse do Estado em

preservar a família e o casamento monogâmico. O núcleo do tipo, para Guilherme de Souza

Nucci, traduz-se na expressão contrair casamento, ou seja, ajustar a união entre duas

pessoas de sexos diferentes, devidamente habilitadas e legitimadas pela lei civil, tendo por

355FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., pp. 90-91. 356PIERANGELLI, José Henrique. op. cit., pp. 30-31. 357Id. Ibid., p. 249. 358Id. Ibid., p. 301. 359NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 871. 360Id., op. e loc. cit.

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finalidade a constituição de uma família.361

O sujeito ativo do crime de bigamia deve ser pessoa casada. Heleno Cláudio Fragoso

afirma que, quanto ao sujeito ativo, o crime de bigamia é bilateral, cuja ação envolve

necessariamente o concurso de duas pessoas de sexo oposto, sendo pelo menos uma delas

casada.362 Guilherme de Souza Nucci reitera que o sujeito passivo desse delito, em primeiro

plano, é o Estado, ante o seu interesse na manutenção da entidade familiar monogâmica,

ressaltando que também se admite como sujeito passivo desse crime o cônjuge do primeiro

casamento e a pessoa que, induzida em erro, contrai com o autor do crime novo casamento.363

Diz o mesmo autor que possível é o concurso de pessoas no caso, ao citar a situação daquele

que instiga outrem a se casar duas vezes, hipótese em que ele será considerado partícipe,

assim como aquele que se casa com pessoa já casada, desde que essa circunstância seja de seu

conhecimento (art. 235, § 1o., CP).364

Paulo José da Costa Jr. nos elucida que o caput do citado artigo, refere-se à bigamia

dita própria, pois deve ser praticada por agentes especiais, ou seja, por pessoas casadas. O seu

§ 1o., portanto, trata da bigamia dita imprópria, pois qualquer pessoa pode praticá-la.365

A consumação dá-se quando há a dupla manifestação de vontade de casar por parte

dos nubentes. A tentativa é possível, ainda que seja polêmica a definição do início dos atos

executórios. Conforme Heleno Cláudio Fragoso, a doutrina ora concebe o momento da

consumação como aquele referente ao instante da celebração formal do casamento, ora como

ao do pronunciamento do “sim” e ora como o processo de habilitação, com a publicação dos

proclamas e processamento legal da cerimônia.366

Para Damásio E. de Jesus, o crime de bigamia tem como elemento objetivo do tipo a

vigência de anterior casamento, acrescentando que a separação judicial não dissolve o vínculo

matrimonial. Assim, aquele que separado judicialmente, casa-se novamente, comete o

crime.367 Quanto ao concurso de crimes, Guilherme de Souza Nucci sustenta a hipótese de

crime continuado quando o agente contrai mais de dois matrimônios, apesar de apontar

361NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 870. 362FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit., p. 92. 363NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 870-871 364Id. Ibid., p. 872. 365COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 774. 366FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit., p. 94. 367JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial., cit., pp. 203-204.

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divergência doutrinária a respeito.368 Segundo Heleno Cláudio Fragoso, quanto ao crime de

falsidade praticado pelo autor do crime de bigamia, pois se omite o estado civil verdadeiro na

habilitação para o novo casamento, a doutrina não é unânime sobre a verificação do concurso

material ou a absorção do crime de falsidade pelo crime de bigamia (princípio da

consunção).369 Para Guilherme de Souza Nucci, caso anulado o primeiro casamento, atípica

será a conduta do agente, pois a declaração da nulidade do ato terá efeitos ex tunc 370. Ressalta

o autor que, se a validade do ato estiver sub judice, o processo criminal será suspenso (art. 92,

CPP).371

Trata-se de crime punido a título de dolo, sem exigir o elemento subjetivo do tipo

específico e sem prever a modalidade culposa e elemento normativo do tipo. A pena

cominada ao delito é de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, tendo o legislador permitido,

quanto ao partícipe, a opção entre a pena de reclusão e a de detenção, o que, em nosso

entender, não é razoável, pois em razão dos princípios da legalidade estrita e da igualdade que

regem o Direito Penal, a lei deveria ter disposto o regime que melhor se adequasse à sanção

para o delito em pauta. A ação penal é pública incondicionada e a prescrição punitiva tem

início na data em que se tornou conhecido o fato (art. 111, IV, CP).

No Anteprojeto da Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999, houve

descriminalização do delito de bigamia e não há menção à união não-matrimonial.372

3.4.1.2 - Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

Segundo Heleno Cláudio Fragoso, trata-se de tipo não previsto nos Códigos Penais

anteriores, cuja inserção se deu no Código de 1940 por influência do direito norueguês (arts.

220 e 221), do Código italiano (art. 558) e do Código alemão (§ 170). 373

O artigo 236, caput, do Código Penal dispõe que é crime: Contrair casamento,

induzindo em erro essencial o outro contratante, ou ocultando-lhe impedimento que não seja

casamento anterior.

368NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 871-872. 369FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit., pp. 96-97. 370NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 872. 371Id., Ibid., p. 871. 372Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 373FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit., p. 98.

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Conforme nos elucida Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial, que é o cônjuge); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva dissolução do matrimônio por conta do erro ou do impedimento); de forma vinculada (podendo ser cometido apenas pela indução em erro essencial ou ocultação de impedimento, submetendo-se o agente ao processo de casamento, que é rigidamente previsto em lei); comissivo (‘contrair’ implica em ação), e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); plurissubjetivo (que somente pode ser praticado por mais de uma pessoa); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...) .374

O objeto material do crime é o casamento e sua objetividade jurídica é a regular

formação da família, por isso quer-se que o casamento não esteja eivado de vícios. Nas lições

de Frisolli, conforme nos lembra Paulo José da Costa Jr.:

O bem tutelado, no crime de indução desleal ao matrimônio, é fornecido, como na bigamia, pelo ‘status’ do cônjuge inocente. Em verdade, o crime em estudo pretende não tanto dissolver um estado conjugal preexistente, quanto impedir um estado conjugal viciado e caduco, em razão de impedimento ocultado. Sob esse aspecto, o tipo representaria mais uma espécie de fraude qualificada, (...).375

Trata-se de norma penal em branco que se socorre do Código Civil, que prevê as

hipóteses de impedimentos e define o erro essencial.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, sendo um deles o cônjuge

do casamento anulado. O sujeito passivo direto é o cônjuge que desconhecia o impedimento e

o indireto, o Estado.

Para Júlio Fabbrini Mirabete, o crime em pauta na forma tentada é inadmissível, pois o

delito somente se consuma com o casamento, não bastando, portanto, a utilização da fraude

por parte do agente ou o engano do sujeito passivo.376

O núcleo do tipo penal em questão traduz-se na conduta contrair casamento, com a

inserção das condutas induzir e ocultar, pois o tipo prevê a indução em erro essencial do outro

contratante ou a ocultação de impedimento, que não casamento anterior. As causas dos

374NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 874. 375FRISOLI, L’oggetto della tutela penale nei reatti contro il matrimonio. Pola, 1942, p. 50, apud COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 777. 376MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 261, do CP. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1993, v. 3, p. 31.

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impedimentos e a definição do erro essencial estão previstas respectivamente nos artigos

1.521 e 1.557 do novo Código Civil, por isso se trata de norma penal em branco. Bento Faria,

citado por Júlio Fabbrini Mirabete, pondera que o erro essencial é aquele que se refere:

(...) à pessoa do outro ou sobre suas qualidades essenciais, consideradas relativamente aos requisitos e costumes universalmente aceitos no estado atual da civilização,377 e o impedimento é todo o obstáculo que a lei estabelece para celebração do casamento, tornando-o nulo ou anulável.378

O Código Civil de 1916 tratava do erro essencial nos artigos 218 e 219 e dos

impedimentos no artigo 183, incisos I a XII, pois aqueles constantes dos incisos XIII a XVI

consistiam em impeditivos que não acarretam nulidade do casamento, por isso o crime não se

evidenciava na hipótese de sua verificação. Hoje, a norma penal será integrada pelo artigo

1.557 do novo Código Civil, que dispõe sobre o erro essencial, e pelo artigo 1.521, do mesmo

Código, que trata dos impedimentos, salvo a hipótese do inciso VI, pois o casamento

contraído por pessoa já casada configura outro tipo penal (bigamia).

O crime em estudo é punido a título de dolo, e a pena prevista é a detenção de 6 (seis)

meses a 2 (dois) anos. A ação penal é privada personalíssima, pois apenas o cônjuge enganado

tem legitimidade para propô-la. A morte do cônjuge enganado impõe a extinção da

punibilidade do agente, embora não prevista no artigo 107 do Código Penal.

Há de se observar condição de procedibilidade, pois a ação penal somente poderá ser

intentada após o trânsito em julgado da sentença que anular o casamento (art. 236, parágrafo

único, CP). Para Guilherme de Souza Nucci, o legislador previu no parágrafo único do artigo

236 do Código Penal, o que ele denomina de “causa mista”, pois reúne condição de

procedibilidade, ao dispor sobre a queixa-crime, e condição objetiva de punibilidade, ao

impor que o casamento deve ser anulado.379

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, a prescrição somente começa a correr com o

trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento, pois somente aí surge o direito de

o Estado exercitar a ação penal.380

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999 descriminalizou 377FARIA, Bento de. Código penal brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 1959, v. 6, p. 155, apud MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 29. 378FARIA, Bento de, Código Penal brasileiro, v. 6, cit., p. 155, apud MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 30. 379NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 874. 380MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 31.

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o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento e, portanto, não fez

menção à união estável.381

3.4.1.3 - Conhecimento prévio de impedimento

O artigo 237 do Código Penal dispõe que é crime: Contrair casamento, conhecendo a

existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta.

Para Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo ou especial, ou seja, o cônjuge); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva anulação do casamento); de forma vinculada (podendo ser cometido somente pelo casamento, que é repleto de formalidades legais); comissivo (‘contrair’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo próprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); plurissubjetivo (que só pode ser praticado por mais de uma pessoa, ainda que a outra não seja punida); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).382

O objeto material é o casamento e o objeto jurídico, o interesse estatal em manter a

família. Para Paulo José da Costa Jr., quer-se impedir a celebração de matrimônio nulo.383

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo primário é o Estado e o

sujeito secundário, o cônjuge que não conhecia o impedimento.

A consumação do delito se dá com a celebração do casamento que, para Júlio Fabbrini

Mirabete, consagra-se com o assentimento dos nubentes, admitindo-se a tentativa, quando se

inicia a cerimônia, mas, por circunstâncias alheias à vontade dos noivos, ela não se realiza, ou

no caso de casamento religioso com efetivo civil não levado a registro.384

O tipo penal em questão é norma subsidiária à norma do delito anterior (artigo 236,

CP) e tem como núcleo a conduta de contrair casamento com ciência dos impedimentos

matrimoniais previstos na lei civil, por isso se tem em tela norma penal em branco. Os

impedimentos estavam previstos no artigo 183 do Código Civil de 1916, e hoje estão

381Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 382NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 875. 383COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 780. 384MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 33.

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dispostos nos artigos 1.521, incisos I a VII, e 1.548, inciso II, do novo Código Civil. Para

Júlio Fabbrini Mirabete, este tipo penal não requer a fraude do agente, bastando que o

contraente esteja ciente do impedimento que cause nulidade absoluta do casamento.385 Para

Damásio E. de Jesus, se o impedimento consubstancia-se na hipótese de casamento anterior,

configurará o crime de bigamia em observância ao princípio da especialidade.386

O elemento subjetivo é o dolo, sem a admissão da forma culposa. Guilherme de Souza

Nucci afirma que o tipo penal previsto no artigo 237 do Código Penal, requer o dolo direto

quando menciona que agente deve conhecer a existência de impedimento.387

A pena prevista é detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. A ação é pública

incondicionada e pode iniciar-se sem a declaração judicial de nulidade do casamento segundo

Damásio E. de Jesus.388

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial descriminalizou o delito de conhecimento

prévio de impedimento para o casamento.389

3.4.1.4 - Simulação de autoridade para celebração de casamento

O artigo 238 do Código Penal dispõe que é crime: Atribuir-se falsamente autoridade

para celebração de casamento.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva celebração de casamento por quem não está autorizado a fazê-lo); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (‘atribuir-se’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); unissubsistente (constituído por um único ato) ou plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta), conforme o caso (...).390

385MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 32. 386JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 212. 387NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 875. 388JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial., cit., p. 213. 389Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 390NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 876.

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O objeto material é o casamento e o jurídico, a garantia da regularidade da sua

celebração e validade, pois, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, a lei quer evitar que se atente

contra a disciplina jurídica do casamento.391

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo primário é o Estado e o

secundário são os cônjuges enganados.

O crime consuma-se no ato da celebração de casamento por pessoa não investida de

poderes para tanto. Para Júlio Fabbrini Mirabete, o agente não precisa ser funcionário público,

sendo possível a participação, quando alguém auxilia o autor, por exemplo, declarando-se

escrevente.392 Admite-se, segundo o mesmo autor, a tentativa quando a conduta do agente

pode ser fracionada em atos individualmente considerados.393

O delito em questão consiste no fato de o agente proclamar-se autoridade para celebrar

casamento.

Paulo José da Costa Jr. afirma que se trata de hipótese de crime subsidiário que

somente se configurará quando não constituir participação em crime mais grave ou elementar

de outro crime.394 Ele assevera que apenas o juiz de paz é autoridade competente para realizar

casamentos, citando o revogado artigo 194 do Código Civil de 1916, hoje o vigente artigo

1.535 do novo Código Civil, para excluir a possibilidade de o escrivão do registro civil

proclamar-se como tal, acrescentando que se ele assim o fizer, haverá erro de tipo, excluindo-

se o dolo do agente.395

Guilherme de Souza Nucci ensina que, segundo o artigo 98, inciso II, da Constituição

Federal e o artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em conformidade

com o artigo 89 da Constituição do Estado de São Paulo e o artigo 16 de suas Disposições

Transitórias, enquanto a Justiça de Paz não é regulamentada por lei, caberá aos juízes de paz

celebrar matrimônios.396 Júlio Fabbrini Mirabete relata que a nulidade de casamento realizado

por autoridade incompetente, citando o revogado artigo 208 do Código de Civil de 1916, hoje

causa de anulação (art. 1.560, II, CC), pode ser sanada em até dois anos da sua celebração.

Sendo ou não sanada a nulidade, o crime permanece, pois não há previsão de causa extintiva

391MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 33. 392Id., op. e loc. cit. 393Id. Ibid., p. 34. 394COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 781. 395Id. Ibid., p. 782. 396NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 876.

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de punibilidade.397 O elemento normativo do tipo revela-se na expressão falsamente, pois a

qualidade de autoridade é atribuída ao agente de forma a contrariar a realidade dos fatos.

Para o delito basta o dolo genérico e não há a modalidade culposa. A pena prevista é a

detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, se o fato não constituir crime mais grave. Para Damásio E.

de Jesus, a ação penal é pública incondicionada, pois a lei não a declara privativa do ofendido,

nem impõe condição de procedibilidade.398

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial de 1999 descriminalizou o crime de

simulação de autoridade para celebração de casamento, ao revogar o Capítulo I do Título VII,

do Código Penal em vigor.399

3.4.1.5 - Simulação de casamento

O artigo 239 do Código Penal dispõe que é crime: Simular casamento mediante

engano de outra pessoa.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente em efetivos desdobramentos de conduta simulatória); de forma vinculada (podendo ser cometido por intermédio da celebração de um ato solene, que é o casamento); comissivo (‘simular’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por uma pessoa, embora, no caso presente, exija o concurso da própria vítima, que não é punida); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).400

O objeto material é o casamento simulado e o objeto jurídico, o interesse estatal de

manter a família. Paulo José da Costa Jr. afirma que o intuito do legislador ainda é impedir a

realização de um casamento simulado, prejudicando o cônjuge, ou seus responsáveis, pelo

engano.401

397MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - art. 235 a 361 do CP, cit., p. 34. 398JESUS, Damásio E de. Direito penal: parte especial, cit., p. 217. 399Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 400NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 877. 401COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 783.

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O sujeito ativo, segundo Paulo José da Costa Jr., pode ser quem simula realizar o

casamento (juiz, oficial do registro, testemunhas), ou aquele que simula casar-se (o

nubente)402. Guilherme de Souza Nucci afirma que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo no

caso, sendo o sujeito passivo primário o Estado e o secundário, a pessoa enganada. 403

O crime consuma-se com a celebração do casamento aparente, admitindo-se a

tentativa. O núcleo do tipo consiste em simular, ou seja, fingir a realização de casamento,

mediante indução do outro contraente em erro. Paulo José da Costa Jr. diz que a simulação do

ato por si só não basta para configurar o crime, que requer elemento normativo para

consumação, ou seja, o engano do cônjuge, de seus pais ou de seu responsável.404

Exige-se o dolo como elemento subjetivo do tipo, mas não o elemento subjetivo do

tipo específico, e não se prevê a forma culposa. Havendo intuito de prática de crime mais

grave, somente este será punido (estelionato, posse sexual mediante fraude, etc.), pois,

segundo Júlio Fabbrini Mirabete, trata-se de caso de subsidiariedade explícita.405

A pena prevista para o delito é a de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos. Se o fato

constituir crime mais grave, a simulação de casamento será absorvida por ele (delito

subsidiário). A ação penal é pública incondicionada.

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999 descriminalizou

o crime de simulação de casamento.406

3.4.1.6 - Adultério

O artigo 240 do Código Penal foi revogado pela Lei 11.106/2005407, antes que se

aprovasse o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal 408 que, segundo

Paulo José da Costa Jr., já o descriminalizava e o considerava mero ilícito civil.409

402COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 783. 403NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 877. 404COSTA JR., Paulo José da. op. cit, p. 783. 405MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 36. 406Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 407Texto da Lei 11.106/2005 no Anexo XIII, v. II, p. 165-166. 408Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 409COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 785.

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3.4.2 - Dos crimes contra o estado de filiação

Júlio Fabbrini Mirabete afirma que com a finalidade de preservar a ordem jurídica da

família, os fatos que atentam contra o estado de filiação, ou seja, as fraudes relativas às

relações da pessoa com sua família, 410 nossa lei tutela os tipos a seguir.

3.4.2.1 - Registro de nascimento inexistente

O artigo 241 do Código Penal dispõe que é crime: Promover no registro civil a

inscrição de nascimento inexistente.

Diz Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito não exige resultado naturalístico, consistente no efetivo prejuízo para alguém diante do falso registro); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (‘promover’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).411

O objeto material é o registro civil e o objeto jurídico, o interesse estatal em preservar

o estado de filiação, que gera ao indivíduo várias conseqüências jurídicas. Segundo Damásio

E. de Jesus:

(...) o registro de nascimento inexistente é causa de grande insegurança no seio familiar e, por conseguinte, no meio social. Visa, portanto, o legislador, a coibir ações que sejam causa de insegurança, em meio à qual é impossível o harmônico desenvolvimento dos indivíduos.412

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo primário é o Estado, já que

ele preserva a organização e a manutenção da família, e o secundário, a pessoa prejudicada

pelo registro inexistente, como, por exemplo, a mãe, a sua prole ou terceiros.

De acordo com Damásio E. de Jesus, o crime se consuma quando se efetiva a inscrição

no registro civil. Admite-se a forma tentada, por exemplo, na hipótese em que o registro não

se efetiva, em razão da imediata intervenção de terceiro que avisa o Oficial da falsidade da

410MIRABETE, Júlio Fabbrini. op. cit., p. 41. 411NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 878. 412JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 225.

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declaração prestada.413

O núcleo do tipo consiste em promover, ou seja, dar causa ao registro civil de

nascimento não ocorrido. Evidencia-se, portanto, quando se registra filho de mulher que não

deu à luz ou cujo filho nasceu morto. O crime de falsidade fica absorvido pelo delito em

questão pelo princípio da consunção segundo Damásio E. de Jesus.414

O elemento subjetivo do tipo é o dolo e não há forma culposa. A pena é reclusão de 2

(dois) a 6 (seis) anos. A ação é pública incondicionada e a prescrição conta-se da data em que

o fato se tornou conhecido (art. 111, IV, CP).

O Anteprojeto de 1999 mantém a redação do artigo, mas reduz a pena máxima para 5

(cinco) anos de reclusão (art. 241, Anteprojeto). 415

3.4.2.2 - Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil

de recém-nascido

O artigo 242 do Código Penal dispõe que é crime: Dar parto alheio como próprio;

registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou

alterando direito inerente ao estado civil.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito especial), na 1a. figura, e comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado), na 2a. e 3a. figuras; material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na efetiva supressão ou alteração do estado civil); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (os verbos implicam em ações) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo), exceto na modalidade ‘ocultar’, que é permanente (delito de consumação prolongada no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).416

O objeto material pode ser o recém-nascido ou o registro. O objeto jurídico é o estado

413JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, p. 226. 414Id., op. e loc. cit. 415Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 416NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 880.

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de filiação. Júlio Fabbrini Mirabete afirma que na segunda figura protege-se a fé pública do

Registro Civil.417

O sujeito ativo pode ser a mulher na primeira figura ou qualquer pessoa nas duas

outras. O sujeito passivo primário é o Estado e o secundário, a pessoa prejudicada (os

herdeiros, nas duas primeiras situações; o próprio recém-nascido na terceira).

Júlio Fabbrini Mirabete afirma que: Consuma-se o delito com a apresentação (parto

suposto), registro, ocultação ou substituição (supressão ou alteração de direito inerente ao

estado civil).418 Admite-se a tentativa.

Consoante Guilherme de Souza de Nucci, trata-se de tipo misto cumulativo e

alternativo, cujo núcleo prevê condutas diferenciadas, quais sejam, dar, que significa

considerar ou tornar; registrar, lançar em livro ou consignar; ocultar, encobrir ou esconder,

substituir, tomar o lugar de algo ou alguém; suprimir, eliminar ou fazer desaparecer; alterar,

modificar ou transformar. As condutas são distintas e cada qual configura o delito, exceto a

última modalidade que admite a alternatividade (ocultar ou substituir).419

Segundo Guilherme de Souza Nucci, na primeira conduta, o agente considera como

seu o ato de dar à luz. Haverá simulação da gravidez, sendo dispensável o registro.420 Na

segunda conduta, em seus dizeres, o agente consigna no registro civil outra filiação, alterando

o estado da filiação ou suprimindo-o. O autor menciona que a ação é denominada de “adoção

à brasileira”, ou seja, os interessados em adotar crianças, ao invés de optarem pelos meios

legais, entram em acordo com as mães dos adotandos e os registram como filhos próprios.421

A terceira conduta, de acordo com suas lições, consiste em esconder a pessoa que acabou de

nascer, impedindo seu correto registro, ou trocar o recém-nascido por outro, que nasceu de

pessoa diversa.422 Para Júlio Fabbrini Mirabete, evidencia-se o crime previsto no artigo 229

da Lei 8.069/90 quando o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à

saúde de gestante, deixam de identificar corretamente o neonato e a parturiente no parto.423

Não há elemento normativo do tipo.

417MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - art. 235 a 361 do CP, cit., p. 43. 418 Id. Ibid., p. 45. 419NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 879. 420Id., op. e loc. cit. 421Id. Ibid., pp. 879-880. 422Id. Ibid., p. 880. 423MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 46.

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Exige-se o dolo e não se prevê a forma culposa. Há dolo específico consistente na

vontade do agente de suprimir ou alterar o estado civil do recém-nascido.

A pena prevista é de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão. Se o crime for praticado por

motivo de reconhecida nobreza, o juiz pode aplicar pena mais branda ou conceder perdão

judicial ao agente. A prescrição inicia-se da data em que o fato se torna conhecido (art. 111,

IV, CP). A ação penal é pública incondicionada.

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal isenta o réu de pena

quando evidenciado o crime na forma privilegiada (art. 242, parágrafo único, Anteprojeto).

Há ainda redução da pena máxima para 5 (cinco) anos de reclusão. 424

3.4.2.3 - Sonegação de estado de filiação

O artigo 243 do Código Penal dispõe que é crime: Deixar em asilo de expostos ou

outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou

atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil.

Para Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente em efetivo prejuízo ao estado civil); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (apesar de parecer omissivo, por conta do verbo ‘deixar’, trata-se de ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).425

O objeto material é a criança. O objeto jurídico é o estado de filiação.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo primário é o Estado e o

secundário, a pessoa prejudicada.

Damásio E. de Jesus afirma que o crime se consuma no instante em que o sujeito

passivo é abandonado em um dos lugares indicados no tipo, resultando a ocultação ou

424Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 425NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 881.

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alteração do estado civil da criança.426 Admite-se a tentativa.

Os núcleos do tipo são deixar, ou seja, abandonar, ocultar, esconder, e atribuir,

conferir, cujo fim é alterar estado de filiação de filho próprio ou alheio. Há elementos

normativos nas expressões asilos de expostos ou instituição de assistência. Para Damásio E.

de Jesus, se a criança for abandonada em outro local configurará a hipótese dos artigos 133 ou

134 do Código Penal427, acrescentando que a lei não pune o mero abandono, mas o abandono

associado à supressão ou alteração do registro civil.428

O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, que consiste na vontade de

prejudicar direito inerente ao estado civil. Não há modalidade culposa.

A pena prevista para o crime é reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, mas há

alteração no Anteprojeto de Reforma da Parte Especial para a se reduzir a pena máxima para

4 (quatro) anos de reclusão e revogar a pena pecuniária (art. 243, Anteprojeto). 429

3.4.3 - Dos crimes contra a assistência familiar

Guilherme de Souza Nucci inicia os comentários ao Capítulo III do Título VII da Parte

Especial do Código Penal, transcrevendo o artigo 229, da Constituição Federal, que dispõe:

Os pais têm o dever de assistir, criar e educar o filhos menores, e os filhos maiores têm o

dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.430

3.4.3.1 - Abandono material

O artigo 244, caput, do Código Penal dispõe que é crime:

Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.

426JESUS, Damásio E de. Direito penal: parte especial, cit., p. 236. 427Id. Ibid., p. 235. 428Id. Ibid., p. 236. 429Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 430NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 882.

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Além disso, prevê o parágrafo único que pratica o mesmo crime e:

Nas mesmas penas incide quem sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente no efetivo prejuízo para a vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); omissivo (os verbos implicam em abstenções); permanente (cujo resultado se prolonga no tempo, em face do bem jurídico protegido que continua a ser aviltado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); unissubsistente (delito que pode ser praticado por um único ato) (...)”.431

O objeto material é a renda, pensão ou auxílio e o objeto jurídico, a família.

Guilherme de Souza Nucci afirma que, na primeira e segunda figuras, os sujeitos

ativos podem ser o cônjuge, os pais, os descendentes ou o devedor da pensão; na terceira, os

ascendentes ou os descendentes. Consigna o autor que os sujeitos passivos, nas duas primeiras

figuras, podem ser o cônjuge, os filhos, os ascendentes ou o credor de alimentos e, na terceira

figura, os descendentes ou ascendentes, ressaltando que, de forma secundária, o Estado

também é interessado na proteção à família. Esclarece que a inaptidão do filho para o trabalho

pode ser temporária, que o ascendente é o ancestral, pai (mãe), avô (avó), bisavô (bisavó) e

que não há equiparação entre o cônjuge e companheiro, por isso este último não pode ser

sujeito passivo do crime.432

Júlio Fabbrini Mirabete afirma que, na primeira figura, o crime se consuma quando o

agente deixa de prover a subsistência da vítima, e, na segunda figura, quando o réu não efetua

o pagamento da pensão fixada na data estipulada.433

Guilherme de Souza Nucci aponta que se trata de misto cumulativo e alternativo, cujo

núcleo apresenta três condutas típicas, duas delas alternativas. Segundo o autor, a primeira é

mista e consiste em deixar de prover a subsistência, ou seja, deixar de assegurar a vida e a

saúde de cônjuge, filho ou ascendente, sem lhes proporcionar recursos necessários. A segunda

consiste em deixar de prover a subsistência de pessoa credora de alimentos e a terceira,

431NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 884. 432Id. Ibid., p. 883. 433MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., pp. 52-53.

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deixar de socorrer enfermo, ou seja, abandoná-lo apesar da doença séria. Nas duas primeiras

hipóteses, o delito é um só. Na terceira, a conduta é autônoma, por isso haverá concurso

material quando praticada com uma das anteriores. Está afastada, em qualquer caso, a

tentativa.434 O recurso deve ser essencial à sobrevivência do sujeito passivo. Configura

também o delito o abandono de emprego ou função, com o fim de frustrar o pagamento de

pensão. O elemento normativo do tipo é sem justa causa, ou seja, a escusa não prevista em

lei.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico e não há a modalidade culposa.

A pena prevista para o tipo descrito no caput e parágrafo único é a detenção de 1 (um)

a 4 (quatro) anos, e multa de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Damásio E. de Jesus afirma que a pena imposta no juízo cível pode ser computada naquela

imposta no juízo penal (artigo 42, CP).435 A ação é pública incondicionada.

O caput do artigo 244 foi reiterado pelo Anteprojeto, com a expressa inclusão do

companheiro dentre os sujeitos passivos e com sutil alteração na redação do parágrafo único,

que passou a prever: Incorre nas mesmas penas quem, sendo solvente, frustra ou elide, de

qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de

pensão alimentícia acordada ou fixada. O Anteprojeto revoga ainda o parâmetro para a

aplicação da multa neste caso, medida, aliás, de exceção ao dia-multa.436

3.4.3.2 - Entrega de filho menor a pessoa inidônea

O artigo 245 do Código Penal dispõe que é crime:

Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo. O artigo ainda prevê duas figuras qualificadas quando dispõe no § 1o. que: A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior e no § 2o que: Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

434NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 882-883. 435JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 243. 436Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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De acordo com Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente em efetivo dano para o menor); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (‘entregar’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...)”.437

Consoante Damásio E. de Jesus, o crime é de perigo abstrato, pois a simples entrega

do menor a pessoa inidônea faz presumir a situação de risco.438

O objeto material do tipo é o menor. Segundo Damásio E. de Jesus, o elemento

jurídico é a proteção à família e o direito dos filhos à formação saudável.439

Segundo Guilherme de Souza Nucci, o sujeito ativo somente pode ser os pais,

admitindo-se ainda, na figura descrita no § 2o, qualquer pessoa.440 Damásio E. De Jesus

assevera ainda que o sujeito ativo são os pais, legítimos ou não, inclusive os adotivos,

ressaltando que o legislador poderia ter citado expressamente o tutor.441 O sujeito passivo é o

menor de 18 (dezoito) anos.

Damásio E. de Jesus afirma que o delito se consuma com a entrega de menor a

terceiro, sem a necessidade de dano efetivo, pois se trata de crime de perigo.442

O núcleo do tipo em comento consiste em entregar, isto é, passar algo ou alguém a

outrem. Nas qualificadoras, pune-se o agente que entrega filho para encaminhar ao exterior,

com intuito de obter lucro. O ato destinado ao envio previsto nas qualificadoras não requer a

efetiva saída do menor do país, bastando providências para tanto. Guilherme de Souza Nucci

assevera que aquele que leva efetivamente o menor para fora do país comete o crime previsto

no artigo 239 do Estatuto de Criança e do Adolescente que dispõe: Promover ou auxiliar a

efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com

inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. Pena – reclusão de 4

437NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 885-886. 438JESUS, Damásio E. de. Manual de direito penal: parte especial, cit., p. 246. 439Id. Ibid., p. 245. 440NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 884. 441JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 245. 442Id. Ibid., pp. 246-247.

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(quatro) a 6 (seis) anos, e multa.443 Damásio E. de Jesus pondera que o citado § 2o., prevê

figura autônoma para punir a co-autoria e a participação e se consubstancia no núcleo

auxiliar.444 Não há elemento normativo.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Para Damásio E. de Jesus, a expressão deva

saber, constante do caput do artigo indica o dolo eventual, pois o agente, faltando com o

cuidado objetivo necessário, se descura de conhecer as qualidades do terceiro a quem

entrega seu filho, assumindo o risco de perigo material ou moral.445

Guilherme de Souza Nucci relata que, no § 2o., exige-se o dolo específico, pois o

agente deve querer a obtenção de lucros.446 Não há forma culposa, apesar de opiniões

divergentes, como a de Júlio Fabbrini Mirabete que afirma que ela está contida na expressão

deva saber.447

A pena prevista para o delito é detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, no tipo simples, e 1

(um) a 4 (quatro) anos de reclusão no tipo qualificado. A ação penal é pública incondicionada.

O Anteprojeto de Reforma do Código Penal suprimiu a expressão deva saber do caput

e ainda o § 2o. do artigo 245. No Anteprojeto, majora-se a pena máxima para 3 (três) anos de

detenção e se prevê a multa cumulativa para sancionar a conduta (art. 246, Anteprojeto).448

3.4.3.3 - Abandono intelectual

O artigo 246 do Código Penal dispõe que é crime: Deixar, sem justa causa, de prover

à instrução primária de filho em idade escolar.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva falta de instrução da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); omissivo (‘deixar’ implica em omissão); permanente (aquele cuja consumação se prolonga no tempo, enquanto estiver o menor em idade escolar, sem qualquer instrução);

443NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 886. 444JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 246. 445Id., op. e loc. cit. 446NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 886. 447MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial - arts. 235 a 361 do CP, cit., p. 59. 448Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); unissubsistente (crime que pode ser cometido por um ato) (...).449

Segundo Guilherme de Souza Nucci, o objeto material é instrução do filho e objeto

jurídico, o interesse estatal em garantir a educação dos menores de 16 (dezesseis) anos.450

Os sujeitos ativos são os pais. Para Damásio E. de Jesus, o tutor, apesar de ter o dever

de prover a educação do tutelado, não pode ser incluído como sujeito ativo deste crime ante a

falta de disposição legal. O sujeito passivo é o filho em idade escolar.451

Damásio E. de Jesus não admite a tentativa, pois o crime é omissivo próprio,

consumando-se o delito quando o sujeito, após o filho iniciar a idade escolar, deixa de

tomar medidas necessárias para que ele receba instrução, por tempo juridicamente

relevante.452

Para Guilherme de Souza Nucci, o núcleo do tipo em questão é deixar de prover, ou

seja, deixar de providenciar a instrução primária (aquela referente ao ensino fundamental 1 e

2, atual nomenclatura do 1o. Grau) do filho menor em idade escolar (dos sete aos quatorze

anos completos nos termos dos artigos 6o. e 32, Lei 9.394/96).453

O elemento normativo do tipo é sem justa causa, não prover sem justificativa legal. O

elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico. Não há modalidade culposa.

A pena é a de detenção de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa e a ação penal é

pública incondicionada.

O Anteprojeto alterou o artigo, ampliando sua aplicação à conduta do guardião e

daquele que, de qualquer forma, é responsável pelo menor. Além disso, aumentou-se a pena

de 1 (um) mês a 1 (um) ano de detenção, somada à pena pecuniária (art. 247, Anteprojeto).454

449NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 887-888. 450Id. Ibid., p. 887. 451JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 249. 452Id. Ibid., p. 250. 453NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 887. 454Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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3.4.3.4 - Abandono moral

O artigo 247 do Código Penal dispõe que é crime:

Art.247. Permitir alguém que menor de 18 (dezoito) anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância:.

I – freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;

II – freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza;

III – resida ou trabalhe em casa de prostituição;

IV – mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública..

Guilherme de Souza Nucci elucida-nos que:

(...) trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva má formação moral do menor); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (implicando em ação) ou omissivo (implicando em abstenção), conforme o caso concreto; instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); unissubistente (praticado num único ato) ou plurissubsistente (em de regra, vários atos integram a conduta) (...)”.455

O objeto material é o menor de 18 (dezoito) anos, e o objeto jurídico, sua moral.

Damásio E de Jesus assevera que se trata de crime de perigo abstrato, ou seja, que

prescinde da produção do resultado, já que o dano à formação moral do menor não é

necessário para a consumação do delito.456 Segundo o autor, o sujeito ativo pode ser o pai, a

mãe, o guardião, o tutor ou qualquer pessoa a quem tenha sido concedida sua guarda e

vigilância. O sujeito passivo é o menor de 18 (dezoito) anos.457

Damásio E. de Jesus, admitindo a tentativa na modalidade plurissubsistente, quando a

permissão é anterior à conduta do menor, afirma: Consuma-se o delito no momento em que o

menor, com a permissão do sujeito ativo, realiza qualquer das condutas dos incs. I a IV do

art. 247 do CP.458

455NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 888. 456JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte especial, cit, p. 255. 457Id. Ibid., p. 253. 458Id. Ibid., p. 255.

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Observa Guilherme de Souza Nucci que o núcleo do tipo em estudo consiste em

permitir, ou seja, dar licença, expressamente ou não, associando-se às condutas:

a) ‘freqüentar’ (visitar reiteradamente) casa de jogo ou mal-afamada; b) ‘conviver’ (viver em contato íntimo) com pessoa viciosa; c) ‘freqüentar’ espetáculo ofensivo à moral; d) ‘participar’ (tomar parte) de representação dessa natureza; e) ‘residir’ (morar ou viver) ou ‘trabalhar’ (ocupar-se de alguma atividade) em casa de prostituição; f) ‘mendigar’ (pedir esmola ou amparo) ou ‘servir a mendigo’ (trabalhar para pedinte).459

A casa de jogo é o local onde se praticam apostas sem a autorização estatal; casa mal-

afamada, o lugar de má reputação e a casa de prostituição, aquele onde se permite e se

incentiva tal prática. Espetáculo pode ser uma produção artística realizada no teatro, cinema

ou televisão. Paulo José da Costa Jr. diz que se trata de tipo misto cumulativo, o que significa

que cada figura aqui descrita constitui tipo autônomo. Portanto, a prática de mais de duas

delas importa em concurso material.460 Não há elemento normativo do tipo.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, salvo na hipótese da segunda parte do

inciso IV do artigo em questão, que reclama o dolo específico consistente no despertar da

comiseração pública. Para Damásio E. de Jesus não há modalidade culposa.461

A pena prevista é a detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. A ação penal é

pública incondicionada.

O tipo penal não sofreu alterações, pois o Anteprojeto repetiu a redação anterior, mas a

pena máxima foi majorada para 1 (um) ano (art. 248)462. O crime em questão será afastado na

hipótese de participação do menor em espetáculo com cena de sexo explícito ou pornografia,

ante o disposto no artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.4.4 - Dos crimes contra o pátrio poder, tutela ou curatela

Com o intuito de resguardar a família, o legislador previu, tipos penais referentes ao

pátrio poder, tutela ou curatela. Silvio Rodrigues assim conceitua os institutos: pátrio poder é

o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos

459NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 888. 460COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal, cit., p. 803. 461JESUS, Damásio E de. Direito penal: parte especial, cit., pp. 254-255. 462Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes463; tutela é o instituto de nítido

caráter assistencial e que visa substituir o pátrio poder (renomeado poder familiar no novo

Código) em face das pessoas cujos pais faleceram ou foram suspensos ou destituídos do

poder paternal464 e a curatela se destina a proteger do incapaz maior, pois implica na

concessão de poderes a outrem para gerir a pessoa e os bens daquele.465

3.4.4.1 - Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes

O artigo 248 do Código Penal dispõe que é crime:

Induzir menor de 18 (dezoito) anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de 18 (dezoito) anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame.

Consoante Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente em efetivo prejuízo para o menor ou interdito ou a seus pais, tutores ou curadores); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (implicando em ação), nas formas ‘induzir’ e ‘confiar’, e omissivo (implicado em abstenção), na forma ‘deixar de entregar’. Excepcionalmente pode ser comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo) nas modalidades ‘induzir’ ou ‘confiar’, podendo ser permanente (cuja consumação se arrasta no tempo) na forma ‘deixar de entregar’; unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta), nas duas primeiras condutas, mas unissubsistente (um ato é suficiente para perfazer a conduta criminosa) na forma omissiva (...). 466

Guilherme de Souza Nucci afirma que o crime é de perigo, pois o mero afastamento

do menor ou interdito de quem os protege já os conduz a situações de dano, mas que também

é crime de atividade, visto que não reclama resultado, mas apenas que a vítima empreenda

fuga por si só. Acrescenta que se o agente convence o menor a acompanhá-lo, tem-se o crime

463RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed., v. 6, cit., p. 398. 464Id. Ibid., p. 436. 465Id. Ibid., p. 449. 466NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 891-892.

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de subtração de incapazes (art. 249, CP).467

Há de se recordar que, após o advento do novo Código Civil, deve-se a adotar a

expressão poder familiar, porquanto hoje cabe aos dois genitores a educação dos filhos.

O objeto material é o menor de 18 (dezoito) anos ou o interdito e o objeto jurídico, a

proteção ao pátrio poder, tutela ou curatela.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é a pessoa que detém a

guarda ou a exerce sobre o menor de 18 anos ou o interdito.

Damásio E. de Jesus afirma que o crime em pauta pode se consumar, na primeira

figura prevista no artigo 248 do Código Penal, no instante em que o menor sai da esfera de

vigilância de seus responsáveis; na segunda figura do referido artigo, no momento da entrega

do incapaz e na terceira figura, no ato da recusa desmotivada em entregar o menor ou interdito

a quem de direito. O autor admite a tentativa na primeira e na segunda figura, pois a terceira

constitui delito omissivo puro.468

A primeira figura do tipo em questão traduz-se no verbo induzir, ou seja, inspirar,

menor de 18 (dezoito) anos ou interdito a fugir (escapar), sem que a fuga necessariamente

ocorra, pois se trata de crime formal. A segunda figura mencionada se refere a confiar, ou

seja, entregar em confiança, menor de 18 anos ou interdito a outrem ou deixar de entregá-lo,

ou seja, não o encaminhar a quem de direito.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, trata-se de tipo misto cumulativo e alternativo,

cuja primeira conduta (induzir menor ou interdito a fugir) pode-se associar à segunda, que é

alternativa (confiar a outrem ou deixar de entregá-lo), e, portanto, configurar-se em dois

delitos.469 A proteção ao menor ou interdito na hipótese pressupõe a falta de capacidade de

ambos para agir e tomar decisões. O elemento normativo revela-se nas expressões sem ordem

do pai, tutor ou do curador e sem justa causa, que, segundo o referido autor, são elementos

de ilicitude inseridos no tipo como elementares.470 Damásio E. de Jesus acrescenta a

expressão legitimamente como elemento normativo do tipo.471

467NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p. 891. 468JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 260. 469NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 890. 470Id. Ibid., p. 891. 471JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 259.

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O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico e não há modalidade culposa. A pena

prevista é a detenção de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa e a ação penal é pública

incondicionada.

O Anteprojeto de 1999 não previu alterações nesse artigo (art. 249, Anteprojeto).472

3.4.4.2 - Subtração de incapazes

O artigo 249 do Código Penal dispõe que é crime:

Subtrair menor de 18 (dezoito) anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial. O tipo ainda contém norma de caráter explicativo em seu § 1o., que assim reza: O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.

Consoante Guilherme de Souza Nucci:

(...) trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente em efetiva privação do poder familiar, tutela ou curatela); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (‘subtrair’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2o., do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (em regra, vários atos integram a conduta) (...).473

O objeto material é o menor ou o interdito e o elemento jurídico, a proteção ao pátrio

poder, tutela ou curatela. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é aquele

que detém a guarda ou autoridade sobre menor ou interdito. O sujeito passivo secundário pode

ser o próprio menor ou o interdito.

Damásio E. de Jesus elucida que é admissível a tentativa na hipótese e que o crime se

consuma com a subtração do menor da esfera de vigilância de seus responsáveis, sendo

irrelevante que a posse do agente seja ou não tranqüila.474

O núcleo do tipo penal em pauta é subtrair, ou seja, retirar o menor ou o interdito da

472Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 473NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 892-893. 474JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., pp. 262-263.

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esfera de quem detém a guarda legal ou judicial. Damásio E. de Jesus acrescenta que também

é elemento objetivo do tipo o dissenso dos responsáveis (pais, tutores, curadores, etc.).475 Não

há elemento normativo do tipo.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, não há modalidade culposa e a pena

prevista é a detenção de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos, se o ato não constituir fato mais grave.

O § 2o. do artigo em pauta prevê a hipótese de perdão judicial.

O tipo penal em questão não foi alterado pelo Anteprojeto de Reforma da Parte

Especial do Código Penal, que repetiu sua redação, mas triplicou a pena mínima aplicada.

Além disso, mantém-se a possibilidade de perdão judicial em caso de restituição do menor ou

do interdito, sem a ocorrência de maus-tratos (art. 250, Anteprojeto).476

3.5 - Circunstâncias

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, as circunstâncias são determinados dados que,

agregados à figura típica fundamental, têm função de aumentar ou diminuir as suas

conseqüências jurídicas, em especial a pena.477

As circunstâncias permitem ao magistrado certa liberdade quando da fixação da pena,

visto que determinam a análise mais detida e cuidadosa do desenrolar de cada caso concreto, e

são classificadas em judiciais ou legais.

As circunstâncias judiciais estão previstas no artigo 59 do Código Penal e podem ser

aplicadas a qualquer crime. São consideradas pelo julgador na primeira fase da dosimetria da

pena e auxiliam-no a fixar a pena-base entre os limites mínimo e máximo previstos em lei. Na

primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado analisará as circunstâncias de natureza

subjetiva dispostas no referido artigo, ou seja, a culpabilidade do agente, seus antecedentes,

conduta social e personalidade, e ainda as circunstâncias de caráter objetivo, ou seja, aquelas

que dizem respeito ao contexto do delito, tais como, seus motivos, conseqüências,

circunstâncias ou ainda o comportamento da vítima.

475JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial, cit., p. 262. 476Texto do Título VI do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do 1999 no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 477MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., p. 95.

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As circunstâncias legais, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, podem ser genéricas,

quando previstas na Parte Geral do Código Penal, ou especiais, quando constantes da Parte

Especial do Código Penal.478

As circunstâncias genéricas são as agravantes, as atenuantes e as causas de aumento ou

diminuição de pena previstas na Parte Geral, e as circunstâncias especiais, as qualificadoras e

as causas especiais de aumento e diminuição de pena previstas na Parte Especial do Código

Penal.

As circunstâncias genéricas podem ser subjetivas quando se referem ao sujeito ativo

do crime ou objetivas quando se referem ao contexto em que o crime ocorreu.

Para Guilherme de Souza Nucci, as agravantes são:

(...) circunstâncias objetivas ou subjetivas que aderem ao delito sem modificar sua estrutura típica, influindo apenas na quantificação da pena em face da particular culpabilidade do agente, devendo o juiz elevar a pena dentro do mínimo e do máximo, em abstrato, previstos pela lei.479

As circunstâncias estão dispostas no artigo 61 do Código Penal, cujo rol é taxativo,

pois, como se sabe, veda-se a interpretação extensiva em desfavor do acusado.

Guilherme de Souza Nucci assevera que as atenuantes, previstas no artigo 65 do

Código Penal:

(...) são circunstâncias de caráter objetivo ou subjetivo, que servem para expressar uma menor culpabilidade, sem qualquer ligação com a tipicidade, devendo o juiz diminuir a pena dentro do mínimo e do máximo, em abstrato, previstos pela lei.480

O legislador previu no artigo 66 do Código Penal as “circunstâncias inominadas” que

permitem a atenuação da pena quando verificada circunstância relevante, anterior ou posterior

ao crime, embora não prevista em lei. Cita-nos Guilherme de Souza Nucci a atenuação da

pena de crime sexual imposta a réu violentado na infância.481

Para o mesmo autor, as causas de aumento ou diminuição de pena, de aplicação

obrigatória ou facultativa pelo juiz, são “genéricas” se previstas na Parte Geral do Código

478MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1o. a 120 do CP, cit., p. 95. 479NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 366. 480Id. Ibid., p. 380. 481Id. Ibid., p. 387.

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(arts. 14, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2o.; 26, parágrafo único; 28, § 2o.; 29, §§

1o. e 2o.; 69; 70; e 71, CP), ou “especiais”, se previstas na Parte Especial (arts. 121, §§ 1o. e

4o.; 129, § 4o.; 155, § 1o.; 157, § 2o.; 158, § 1o.; 168, § 1o.; 171, § 1o., 221; e 226, CP, etc.).482

Vale recordar que o legislador não previu importe específico para a redução ou

aumento da reprimenda quando do reconhecimento das causas de aumento e de diminuição de

pena, o que permite sua fixação aquém do mínimo ou além do máximo.

Nas lições de Guilherme de Souza Nucci, as qualificadoras e privilégios são

circunstâncias legais que estão jungidas ao tipo penal incriminador, aumentando ou

diminuindo a pena obrigatoriamente, dentro de um mínimo e um máximo previstos pelo

legislador.483

Na Parte Especial do Código Penal estão previstos, por exemplo, o homicídio

qualificado (art. 121, § 2o., CP), o furto qualificado (art. 155, § 4o., CP), a corrupção

privilegiada (art. 317, § 2o., CP) e o favorecimento pessoal privilegiado (art. 348, § 1o., CP),

dentre outros.

As circunstâncias também prevêem situações referentes à família quer protegendo seus

integrantes, com a diminuição do rigor das reprimendas impostas aos atos praticados pelo

agente, quer punindo mais gravemente aquele que se vale da intimidade para ofender bem

jurídico de cônjuge ou parente.

As agravantes, como vimos, são circunstâncias legais genéricas e estão dispostas no

artigo 61 do Código Penal. Em relação à família especificamente, o legislador preocupou-se

em quantificar a pena do agente que pratica crime contra ascendente, descendente, irmão ou

cônjuge (art. 61, II, e, CP) e daquele que o comete valendo-se de relações domésticas, de

coabitação ou hospitalidade, ou ainda com violência contra a mulher na forma da lei

específica (art. 61, II, f, CP, com alteração do art. 43, da Lei 11.340/2006), assim dispondo:

Circunstâncias agravantes.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I – (...)

II – ter o agente cometido o crime:

482NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 390. 483Id., op. e loc. cit.

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(...)

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge,

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

(alínea f com redação determinada pela Lei 11.304, de 7 de agosto de 2006)

(...).

Na agravante prevista no inciso II, alínea e, do artigo 61 do Código Penal, procurou-se

punir mais severamente aquele que se vale das relações familiares e, portanto, da intimidade

ali restrita para a prática de crimes, mas não há possibilidade de extensão do dispositivo às

uniões estáveis, nem ao parentesco por afinidade, pois se veda a interpretação extensiva in

malam partem no Direito Penal, ou seja, em prejuízo do réu.

Damásio E. de Jesus não admite a inclusão do parentesco civil decorrente da

adoção,484 o que, em nosso entender, é injustificável.

Apesar de não se negar a necessária alteração desse inciso, ante a impossibilidade de

sua aplicação extensiva, não há dúvidas de que a exclusão do parentesco resultante de adoção

contraria a relevância conferida a este instituto pelo legislador que, ao consagrar o

rompimento definitivo dos laços entre o adotando e seus pais naturais, fortaleceu as relações

havidas entre ele e o adotante. O crime praticado nesse ambiente é tão nocivo quanto aquele

evidenciado em lares, cujos membros estão vinculados pelo parentesco natural, por isso o

tratamento desigual é incabível.

Em relação ao cônjuge, Damásio E. de Jesus afirma que apenas os divorciados não

serão mais severamente punidos, pois a agravante em questão não é reconhecida na hipótese

de dissolução do vínculo matrimonial em definitivo485, o que não nos parece correto, pois o

intuito do legislador foi prevenir a prática de fatos delituosos no seio família. Assim, aqueles

que não mais convivam sob o mesmo teto, ou seja, aqueles que se separam judicialmente ou

se separaram de fato, não devem ser punidos mais duramente que os divorciados, pois

também não se valem mais da intimidade do lar para tanto.

Aliás, mais cuidadoso foi o legislador quando nos artigos 181, inciso I, e 182, inciso I,

do Código Penal, por exemplo, diferenciou o cônjuge desquitado ou separado judicialmente

484JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, cit., p. 562. 485Id., op. e loc. cit.

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daquele que ainda convive com seu consorte na constância do matrimônio, o que não justifica

realmente a sua omissão no que tange à agravante em estudo.

De qualquer forma, certo é que tanto na hipótese da alínea e quanto na hipótese da

alínea f do inciso II do artigo 61 do Código Penal, apenas a alteração legislativa das redações

respectivas determinaria a elucidação das divergências acima apontadas, que, aliás, já poderia

ter-se evidenciado com o advento da Lei 11.106/2005, que inseriu o termo “companheiro” em

vários artigos do Código Penal (arts. 148, § 1o., I; 226, II; e 227, § 1o., CP), e portanto muito

contribuiu para a consagração da união estável em nosso sistema penal, reafirmando a

importância da família independente de sua forma de constituição.

A segunda agravante está prevista na alínea f do inciso II do artigo 61 do Código

Penal, cujo fim também é resguardar os interesses da família e garantir a harmonia entre os

seus membros, refere-se ao crime praticado por agente com abuso de autoridade ou por aquele

que se favorece das relações domésticas, da coabitação ou da hospitalidade, ou age com

violência contra a mulher nos termos da lei específica. Vale lembrar que a Lei 11.340/2006,

que trata dos crimes de violência doméstica, alterou a redação da alínea f do inciso II do artigo

61 do Código Penal para determinar a aplicação da agravante em pauta aos crimes por ela

tratados, incluindo, portanto, o companheiro, heterossexual ou homossexual (art. 5o., Lei

11.340/2006).

Segundo Guilherme de Souza Nucci, o abuso de autoridade no caso é aquele havido

no campo do direito privado, ou seja, quanto à família, nas relações de guarda, tutela e

curatela. As relações domésticas verificam-se pelos laços criados por parentes ou não que

convivem na mesma vida familiar (ex: primo que constantemente visita a família); a

coabitação entre os que convivem sob o mesmo teto (ex: moradores de uma pensão) e as

relações de hospitalidade nas estadas temporárias na residência de certa pessoa (ex: convidado

e anfitrião em uma festa).486

Quanto à alteração dessa agravante em virtude do advento da Lei 11.340/2006, que

trata dos crimes de violência doméstica praticados contra a mulher, aponte-se que o legislador

confirmou sua inaplicabilidade ao tipo penal descrito no artigo 129, § 9o., do Código Penal, já

que a agravante é elementar deste crime, mas felizmente tornou mais severa a pena prevista.

486NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 370.

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O artigo 61, inciso II, alínea f , do Código Penal, agora prevê como circunstância que

agrava a pena a violência praticada contra a mulher. A conduta que resulte em lesão corporal,

praticada nessas condições contra a mulher, está disposta na figura qualificada do artigo 129,

§ 9o., do Código Penal, cuja pena foi majorada pelo artigo 44, da Lei 11.340/2006, o que

significa que ela já está incluída em tipo específico (art. 5o., da Lei 11.340/2006) e não poderá

ser considerada como agravante, pois há de se evitar a dupla punição pelo mesmo fato (bis in

idem).

No direito pátrio, consoante Guilherme de Souza Nucci, as atenuantes também são

consideradas circunstâncias legais genéricas, de caráter objetivo ou subjetivo, que expressam

menor culpabilidade, sem influenciar a tipicidade.487

As atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal, sendo certo que nenhuma

delas se refere diretamente à família ou a seus membros. Contudo, Guilherme Calmon

Nogueira da Gama afirma que a atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea c, do Código

Penal, aquela verificada quando o crime é praticado sob a influência de violenta emoção,

provocada por injusta provocação da vítima, evidencia-se com freqüência nos crimes

cometidos contra a família, por isso podem ser reconhecidas nos crimes que envolvam

companheiros.488

Porém, apesar do entendimento do autor, não há dúvida acerca da possibilidade de se

beneficiarem companheiros nesse caso, pois a lei não faz distinção entre as condições

pessoais do agente ou da vítima, como ocorre, por exemplo, na agravante prevista no artigo

61, inciso II, alínea e, do Código Penal, que se refere ao estado anímico do autor do fato, o

que significa que pode ser aplicada para atenuar a pena imposta a qualquer pessoa.

As causas genéricas de aumento ou diminuição de pena previstas na Parte Geral do

Código Penal (arts. 14, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2o; 26, parágrafo único; 28,

§ 2o.; 29 §§ 1o. e 2o.; 69; 70; e 71, CP), não fazem referência específica aos crimes cometidos

contra a família, e tampouco aos companheiros, por isso não serão aqui consideradas.

Cabe-nos analisar as causas específicas de aumento ou diminuição de pena previstas

na Parte Especial do Código Penal, que, como se sabe, integram a estrutura típica do delito, e

permitem a fixação da pena acima do máximo ou abaixo do mínimo previsto, e as

487NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 380. 488GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., pp. 202-203.

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qualificadoras e privilégios, que estão inseridos no tipo penal incriminador e fixam o limite

mínimo e máximo de pena a ser observado pelo julgador.

Em relação aos delitos em estudo, cujo objeto são as relações familiares, a previsão

destas causas legais em relação a eles nos revela que o legislador trata o tema com seriedade e

pune com rigor aquele que os pratica no seio da família e em afronta ao auxílio mútuo de seus

integrantes.

Para ilustrar e expor o tema com clareza, citaremos a classificação dada por Guilherme

Calmon Nogueira da Gama, que divide as circunstâncias especiais relacionadas à família em

dois grupos: 1) as causas de aumento de pena previstas no artigo 133, § 3o., inciso II, e artigo

226, inciso III, do Código Penal; 2) as qualificadoras previstas no artigo 148, § 1o., inciso I, e

artigo 227, § 1o., do Código Penal489, valendo lembrar que o artigo 226, inciso III, do Código

Penal foi revogado pela Lei 11.106/2005 e que o autor não faz referência em suas lições ao

inciso II do artigo 226 do Código Penal, que também se refere à causa de aumento de pena

relacionada à família.

Dentre as causas de aumento de penas citadas, a primeira relaciona-se ao crime de

abandono de incapaz, que se consuma quando o agente abandona pessoa cuja guarda,

vigilância ou autoridade lhe foi confiada, pessoa esta incapaz de se defender dos riscos

decorrentes do abandono (art. 133, § 3o., II, CP).

A pena de 6 (seis) meses a 3 (três) anos de reclusão será majorada em 1/3 (um terço)

se o agente for ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

Assim dispõe o citado artigo:

Abandono de incapaz

Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.

§ 1o. Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

§ 2o. Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Aumento de pena 489GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., pp. 178-179.

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§ 3o. As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I – (...);

II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima;

III – (...). A segunda causa de aumento de pena está prevista no artigo 226, inciso II, do Código

Penal e se refere aos crimes contra a liberdade sexual e possibilita o aumento de metade à

respectiva pena quando o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,

companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou, por qualquer outro título,

tem autoridade sobre ela.

Vale lembrar que a Lei 11.106/2005 alterou a proporção de quarta parte para a metade

da pena para a majoração da reprimenda nas hipóteses citadas no parágrafo anterior e ainda

revogou o inciso III do artigo 226 do Código Penal, que tratava do homem casado, para

incluí-lo no inciso II juntamente com o companheiro, o que constitui sensível avanço.

O artigo 226, do Código Penal agora dispõe:

Art. 226. A pena é aumentada:

I - (...)

II- de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

III - (Revogado pela Lei 11.106/2005).

As qualificadoras pertinentes à família, conforme a classificação citada por Guilherme

Calmon Nogueira da Gama, estão descritas nos artigos 148, § 1o., inciso I, e artigo 227, § 1o.,

do Código Penal.490, ambas alteradas pela Lei 11.106/2005.

A primeira diz respeito ao crime de seqüestro e cárcere privado e dispõe, ante a

alteração advinda da Lei 11.106/2005, que introduziu o companheiro no inciso I do § 1º. do

artigo 148 do Código Penal, que ao agente que priva de liberdade a vítima que é seu

ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, será aplicada a pena de 2 (dois) a 5 (cinco)

anos de reclusão, como se pode verificar:

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere 490GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., p. 179.

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privado:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1o. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

(...).

A segunda qualificadora pertinente à família refere-se ao crime de lenocínio e prevê

que a indução de alguém a satisfazer a lascívia de outrem determina o aumento da pena de 1

(um) ano a 3 (três) anos para 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, quando o agente é

ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem

esteja confiada a vítima para fins de educação, tratamento ou guarda (art. 227, § 1o., CP). A

inserção do companheiro se deu por disposição da Lei 11.106/2005.

Mediação para servir a lascívia de outrem

Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§1o. Se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.491

(...).

O tratamento mais rigoroso destinado pelo legislador pelas Leis 10.886/2004, Lei

11.106/2005 e Lei 11.340/2006, aos delitos cometidos no seio familiar, quer quanto à

formação dos tipos penais, quer na previsão das circunstâncias em que eles são praticados,

mostra-nos que o bem jurídico “família”, além de merecer a tutela penal, deve ter seu conceito

revisto em todo o Código Penal, pois só assim as entidades familiares serão protegidas e serão

atendidos anseios da sociedade contemporânea.

Não há dúvidas de que as mudanças oriundas das leis citadas no parágrafo anterior

contribuíram para a consagração da união estável e da união homoafetiva no sistema penal

brasileiro, mas essas modificações ainda não foram suficientes para a equiparação de cônjuges

e companheiros na lei penal e para a proteção das entidades familiares, independentemente da

sua forma de constituição ou do sexo dos conviventes, ante os ditames constitucionais (art.

491Parágrafo 1o. com redação determinada pela Lei 11.106, de 28 de março de 2005.

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226, caput, CF), por isso no Capítulo IV desse estudo serão feitas sugestões para a alteração

dos dispositivos penais do Código Penal em vigor que não contenham tratamento igualitário

entre cônjuges e companheiros, heterossexuais ou homossexuais, ou seja, dos artigos 61,

inciso II, alínea e; 133, § 3º., inciso II; 148, § 1o., inciso I; 181, inciso I; 182, inciso I; 225,

inciso II; 226, inciso II; 235, caput, §§ 1º., 2º., com a inserção dos §§ 3º., 4o.; 244, caput; e

348, § 2º.; para a equiparação dos cônjuges aos companheiros heterossexuais nos artigos 236,

caput e parágrafo único; e 237; e para a adoção de propostas constantes do Anteprojeto de

Reforma da Parte Especial de 1999 para a inserção do companheiro, do mesmo sexo ou não,

nos tipos penais constantes dos artigos 121, 128 e 129, do Código Penal vigente.

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CAPÍTULO IV - A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA NO

CÓDIGO PENAL

4.1 - Considerações constitucionais

A Constituição Federal de 1988, após confirmar a família como base da sociedade,

impôs ao Estado o dever de proteção a todos os seus membros (art. 226, caput, CF).

O legislador constitucional, reconheceu expressamente a união estável, formada entre

o homem e a mulher, como instituto equiparado à entidade familiar (art. 226, § 3º., CF), sem

contudo restringir as espécies de entidades familiares.

Por conseqüência e ante a necessidade de se consolidarem situações fáticas

evidenciadas em nossa sociedade, a Lei Maior também reconheceu a família monoparental

(art. 226, § 4o., CF) como entidades merecedoras de ampla proteção legal.

A posição do legislador quanto ao reconhecimento das entidades familiares acima

citadas é elogiável e está em harmonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana (art. 1o., III, CF) e ainda com o princípio da igualdade (ar. 5o., caput, CF) que

repelem do nosso sistema o tratamento desigual de iguais. Além disso, ressalta os valores de

justiça social (art. 3o., I, CF) e a prevalência dos direitos fundamentais do homem (art. 4o., II,

CF), assim considerados como essenciais à sua própria existência.

Não se pode olvidar que o legislador também reforçou o prestígio do casamento (art.

226, §§ 1º. e 2º., CF), em nosso entender, com o fim de ressaltar a importância da família e

não desprestigiar as demais formas possíveis para a sua constituição.

Por essa razão, os dispositivos constitucionais respectivos deverão guiar o legislador

ordinário e os aplicadores da lei a reconhecerem ampla proteção à família, independentemente

da maneira como ela foi concebida, até porque não há dúvidas de que o sistema jurídico há de

ser interpretado como um todo, a fim de que situações idênticas não recebam tratamento

diferenciado.

Na realidade, o raciocínio nos parece muito lógico, pois se a Carta Maior considerou a

família como bem fundamental ao homem, impôs ao Estado o dever de resguardar a

integridade das entidades familiares e os direitos de seus integrantes e ainda previu a

igualdade de todos os cidadãos, não se pode cogitar a hipótese de exclusão dessa proteção

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ampla e integral à família, qualquer que seja a sua espécie, constituída sem o formalismo do

casamento (união estável) ou decorrente do matrimônio desfeito ou daquela formada por

apenas um dos pais e seus filhos por mera opção (família monoparental). Conseqüentemente,

qualquer dispositivo legal que a contrarie ou simplesmente não a consagre, há de ser banido

de nosso sistema, dada a sua flagrante inconstitucionalidade.

O Estado Democrático de Direito, assim definida a República Federativa do Brasil por

nosso constituinte (art. 1o., caput, CF), demanda a fiel observância do princípio da igualdade

(art. 5o., caput, CF), pois, caso contrário, deixa de ser democrático, já que não respeita a

vontade de todos.

O Estado, portanto, não pode considerar mais ou menos digno o cidadão que opta pelo

casamento ou pela união estável para constituir a sua família, pois isso não se harmoniza com

o tratamento igualitário preconizado pela Constituição e nem tampouco com o respeito pleno

aos cidadãos que estão sob sua égide, até porque é na família que o homem encontra respaldo

para sobreviver e se desenvolver, e, assim, garantir a estruturação do próprio Estado que,

indubitavelmente, é beneficiado com cidadãos bem formados.

Além disso, o Estado que elege, como seu fundamento, a dignidade da pessoa humana

(art. 1o., III, CF) deve estar a serviço do homem para concretizar todos os direitos que lhe são

fundamentais e não permitir que possam ser violados.

O homem moderno reclama a intervenção estatal como um instrumento destinado à

consecução de seus interesses e, por isso, não admite que o Estado ignore a sua própria realidade.

Vale lembrar que, na legislação pátria, a promoção do bem comum também constitui um dos

objetivos fundamentais do Estado (ar. 3o., IV, CF), o que por si só ressalta o seu papel de manter o

relacionamento harmonioso entre todos e garantir a solução de conflitos de maneira equânime.

O legislador há de avaliar a verdade da vida, a fim de regulamentar as possíveis situações

dela decorrentes e impedir que concepções preconceituosas maculem a nossa sociedade.

O conceito de família foi hoje ampliado exatamente para prestigiar a realidade de

nossos tempos e assim permitir seu pleno resguardo.

Não se pode negar que a admissão do divórcio, a abertura do mercado de trabalho para

a mulher, a conquista de sua independência financeira e a liberação sexual foram alguns dos

fatores determinantes da nova ótica quanto à concepção da família e do número, cada vez

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mais significativo, de uniões constituídas sem as formalidades do casamento, o que, em nosso

entender, não desprestigia a entidade familiar, mas, ao contrário, reforça a intenção do homem

de constituí-la e viver em seu seio.

Por essa razão, o novo conceito de família que nos foi dado pelo constituinte não pode

ser concebido como outrora.

A família hoje deve ser entendida como aquela fundada nas relações de afeto e de

igualdade entre seus integrantes, a fim de que não remanesça a idéia da família patriarcal e

hierárquica, fundada exclusivamente no matrimônio e com tratamento desigual entre seus

membros, como consagrada por nosso Código Civil de 1916.

A família que se constitui e se mantém pelo amor e pela cooperação recíproca entre

seus membros, traduz o verdadeiro núcleo social capaz de formar e garantir a integridade e a

dignidade do ser humano. Essa nova concepção de entidade familiar determinou que o

constituinte abandonasse o formalismo imposto anteriormente para a constituição da família

e, assim, permitisse que a mesma fosse prestigiada em sua total plenitude pela lei. Além disso,

favoreceu a admissão de outras entidades familiares, pois a ampla proteção que é concedida à

família é incompatível com o estabelecimento de rol taxativo em relação às suas espécies.

Neste contexto, não se pode rejeitar a união homossexual como entidade familiar, até porque

com a promulgação da Lei 11.340/2006, que trata dos crimes de violência doméstica contra a

mulher, o legislador atribuiu legitimidade à família constituída por pessoas do mesmo sexo,

confirmando, pois, que o rol do artigo 226 da Lei Maior é meramente exemplificativo.

Assim, não se pode mais admitir que, em outros ramos do Direito, principalmente no

Direito Penal brasileiro, sejam desconsiderados os dispositivos constitucionais que prestigiam

a ampla proteção à família, até porque o tratamento desigual na hipótese é inadmissível em

nossos tempos, pois, além de não ser lógico que cônjuges e companheiros, heterossexuais ou

homossexuais, recebam reprimendas distintas quando da prática de um mesmo crime, viola-se

flagrantemente o princípio da igualdade.

A alteração de nossa lei penal para a equiparação do cônjuge e do companheiro,

condição esta decorrente da união estável ou da união homoafetiva, é urgente e

imprescindível, pois, caso contrário, permitir-se-á que princípios fundamentais do homem

continuem sendo violados quando da sua aplicação, o que não se harmoniza com a Constituição

Federal em vigor e com a legislação civil pátria, que consagram a união estável como verdadeira

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entidade familiar (art. 226, § 3o., CF, e art. 1723, CC) e não estabelecem rol taxativo para a

admissão de outras entidades familiares (art. 226, caput, CF), por isso inclui a união homoafetiva.

Além disso, a omissão do legislador penalista quanto à citada equiparação também não condiz

com os ditames de nosso sistema jurídico como um todo, o que impede que o aplicador da lei

penal confira ao caso concreto a melhor solução, como será tratado no item a seguir.

4.2 - O Direito Penal e a constitucionalização do Direito Civil: ramos de Direito

Público?

Nos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, o nosso Código Civil de 1916

preocupava-se com a regulamentação das relações patrimoniais, tinha por princípio a

autonomia da vontade e foi promulgado, sobretudo, para garantir e dar estabilidade à

atividade econômica e às relações jurídicas de natureza privada.492

O Código Civil de 1916, influenciado pelos Códigos civis de outros países493 e pelas

idéias liberais que imperavam na época da sua promulgação, teve como preocupação a

garantia da plena autonomia dos indivíduos, principalmente no plano econômico,

possibilitando a todos o total domínio sobre as coisas, sem impedimentos para o seu uso, gozo

e disposição, mas desde que respeitados os bons costumes e a ordem pública.

Elucida-nos Washington de Barros Monteiro que as grandes mudanças ocorridas no

século XX, oriundas principalmente dos movimentos sociais, da industrialização em massa e

das duas Grandes Guerras, promoveram verdadeiro desequilíbrio na vida em sociedade e

determinaram a intervenção do Estado na economia e nas relações privadas para o

restabelecimento da tão desejada estabilidade. Essa forma de intervencionismo estatal teve

reflexos no sistema legislativo em vigor e gerou o fenômeno denominado de socialização do

Direito Civil, que perdeu o seu caráter individualista e se voltou à proteção do indivíduo

integrado na sociedade. O legislador passou a se preocupar com a pessoa em si, ou seja, com

sua personalidade e dignidade.494

492MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., p. 10. 493Silvio Rodrigues diz que o Código Civil de 1916 foi influenciado pelas Ordenações do Reino, pela lei portuguesa vigente à época da promulgação, pelo Código Napoleônico de 1804 e pelo Código Alemão de 1896. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1986, v. 1, p. 8. 494MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., p. 10.

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As primeiras Constituições, que nada regulavam acerca das relações privadas,

passaram a dispor sobre a ordem econômica e social, a fim de restabelecer o equilíbrio entre

os cidadãos.

No plano do Direito, o Estado liberal foi substituído pelo Estado social, este último

definido por Paulo Luiz Netto Lôbo como todo aquele que tem incluída na Constituição a

regulação da ordem econômica e social, cuja ideologia está fundada em valores de justiça

social ou distributiva e cujo fundamento se verifica na intervenção estatal para a prevalência

dos interesses coletivos, na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos e na afirmação da

dignidade da pessoa humana.495

A Constituição Federal brasileira de 1988, influenciada pelos valores referidos pelo

citado autor, consagrou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da

República (art., 1º., III, CF) e como princípio que tutela as relações de direito privado,

absorvendo assim as mudanças sociais da atualidade.

A inclusão de dispositivos reguladores das relações privadas pela Constituição Federal

fez surgir a idéia da “constitucionalização do Direito Civil”.

Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, este fenômeno há de ser entendido como o processo

de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam

a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação

infraconstitucional e não deve ser confundido com a publicização do direito civil que se

traduz na crescente intervenção estatal no âmbito legislativo, com o fim de reduzir o espaço

da autonomia privada para a garantia dos mais fracos. Essa intervenção estatal determinou a

criação de ramos autônomos para a regulamentação de matérias antes tratadas pelo Código

Civil, tais como o Direito do Trabalho, o Direito Agrário, o Direito das Águas, o Direito de

Habitação, o Direito de Locação de imóveis urbanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente,

os Direitos Autorais, o Direito do Consumidor.496

Washington de Barros Monteiro parece compartilhar desse entendimento ao defender

que a constitucionalização do Direito Civil não implica a extinção da autonomia e das

características próprias deste ramo do Direito, mas apenas na regulamentação de algumas

495LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 33, jul./ 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507 >, acesso em: 18.12.2006. 496Id. Ibid.

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matérias pelo texto constitucional que lhes conferiu princípios basilares, sem que, contudo,

tenha exaurido o seu tratamento e dispensado diploma legal específico para tanto, citando

como exemplo as questões referentes à família.497

Há de se consignar que o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil não foi

absorvido pelos sistemas legais imediatamente e que, durante muitos anos, os Códigos Civis,

ainda tiveram como característica o individualismo exacerbado, fruto da idéia centrada em um

indivíduo livre, dotado de patrimônio e distante do controle estatal.

A mesma situação verificou-se no Brasil, que teve em seu Código Civil de 1916 o fiel

retrato dessa realidade de pura liberdade individual e visão patrimonialista regrada pela

mínima intervenção do Estado.

Contudo, as já citadas alterações sociais, que tiveram início em meados do século XIX

e se estenderam pelo século XX, influenciaram sobremaneira o nosso constituinte, que

entendeu por bem romper com a idéia do liberalismo exacerbado e inserir na Constituição de

1988 matérias relacionadas às relações privadas.

De acordo com Sérgio Cavalieri Filho, tais inserções foram de extrema relevância

para o então projeto de lei que substituiria o Código Civil então em vigor, pois não se

questiona que o grau de respeitabilidade de normas inseridas na Carta Maior para os seus

destinatários é muito maior e, mais, que a aplicação imediata de seus ditames aumenta a

credibilidade entre eles.498

Como se sabe, a Carta de 1988 instituiu os ideais de solidariedade, de socialização e

de primazia do ser humano, prevendo expressamente, dentre os fundamentos da República

Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (art. 1o., III, CF).

A nova concepção constitucional fundada na primazia do ser humano sobre Estado e

na prevalência do interesse coletivo para a manutenção do bem comum muito influenciou a

legislação infraconstitucional que, por conseqüência, já não pôde subsistir com base em

interesses puramente individuais e voltados ao patrimônio particular de cada cidadão.

497MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit., p.13. 498CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil constitucional. Disponível em: <http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista2/artigo4.htm>, acesso em: 18.12.2006.

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José Camacho Santos relata que o constituinte dessa forma:

(...) frisou a submissão das leis infraconstitucionais à filosofia social, humanitário-solidária, que norteou a Lei Maior, estabelecendo aos operadores o rumo a seguir: defesa do social em vez do culto cego e egoístico ao individualismo vigorante ao tempo do Século das Luzes.499

O interesse privado puro e de caráter estritamente patrimonial deixou de ser prevalente

e foi substituído pelo interesse coletivo, fortalecido pela cooperação e integração de todos,

para fins de edificação de uma sociedade mais justa (art. 3o., I, CF). Por isso, os ditames do

então vigente Código Civil de 1916 não puderam mesmo sobreviver.

Paulo Luiz Netto Lôbo afirma que:

A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1o, III). A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.500

Acrescenta Gustavo Tepedino que:

(...) vive-se hoje um cenário bem distinto, a dignidade da pessoa humana impõe transformação radical na dogmática do direito civil, estabelecendo dicotomia essencial entre as relações jurídicas existenciais e as relações jurídicas patrimoniais.501

O Direito de Família, ramo de interesse de nosso estudo, também sofreu profundas

modificações diante da rejeição da concepção individualista, que caracterizava o Código de

Civil de 1916, pelo legislador constitucional como veremos a seguir.

A Constituição Federal de 1988 consagrou a igualdade entre os cônjuges, rechaçou

qualquer discriminação entres os filhos (art. 227, § 6o, CF), reconheceu expressamente a união

estável e a família monoparental como entidade familiar (art. 226, §§ 3o. e 4o., CF), e não

previu expressamente rol taxativo quanto às espécies de entidades familiares (art. 226 e §§ ss.,

CF), o que nos revela que também na seara do Direito de Família o legislador reforçou a

499SANTOS, José Camacho. O novo Código Civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas: do liberalismo a socialidade. Disponível em:<http://72.14.209.104/search?q=cache:fxNPoGd4AtcJ:www.presidencia.gov.br/ ccivil_03/revista/Rev_45/Artigos/Art_jose.htm+constitucionaliC3%A7%C3%A3o+direito+civil&hl=ptR&gl=br&ct=clnk&ed=16>, acesso em: 18.12.2006. 500LÔBO, Paulo Luiz Netto. op. cit. (texto da internet). 501TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil. Revista da Faculdade de Direito de Campos, São Paulo, ano IV, n. 4 e ano V, n. 5, 2003-2004, p. 170.

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primazia da pessoa humana sobre qualquer outro interesse.

A visão patrimonialista e centrada na prevalência do indivíduo, sem a preocupação

com o interesse da coletividade, presente no revogado Código Civil, realmente não poderia

subsistir ante os novos ditames constitucionais, visão essa que, em muitos artigos do referido

Código, claramente nos saltava aos olhos, como afirma Paulo Luiz Netto Lôbo ao relacionar

as seguintes hipóteses: a administração de bens na tutela, curatela e ausência, prevalecia à

assistência dos necessitados; a desigualdade entre filhos era marcada pela distribuição

desproporcional de patrimônio ou sua própria negação; e os impedimentos matrimonias

também se traduziam em restrições referentes ao patrimônio dos nubentes, dentre outros.502

Paulo Luiz Netto Lôbo acrescenta que as mudanças evidenciadas na Constituição no

que tange à família, principalmente quanto ao seu conceito, e, após, no novo Código Civil,

determinaram que a entidade familiar perdesse as suas funções de outrora, ou seja, as funções

política, econômica e religiosa, e recuperasse a sua função original, isto é, a função de um

grupo unido por desejos e laços afetivos, em comunhão de vida.503

De qualquer forma, razoável ou não, a defesa da constitucionalização do Direito Civil

é fato e a inserção de inúmeros dispositivos reguladores de relações de natureza privada na

Constituição determinou que o intérprete se voltasse ainda mais para o texto constitucional na

análise da aplicação da lei infraconstitucional ao caso concreto.

Por esta razão, José Camacho Santos defende que, exceto para fins puramente

didáticos, não se pode mais admitir a dicotomia do Direito mantida pela doutrina clássica, ou

seja, sua divisão em Direito Público e Direito Privado, pois é certo que o ordenamento deve

ser interpretado de forma harmônica e congruente.504

Gustavo Tepedino alerta-nos que, em relação à legislação civil, o advento do Código

de 2002 indubitavelmente consagrou a unificação do Direito Privado, revelando a intenção do

legislador de pôr fim a essas classificações e de voltar a ordem jurídica para a investigação

das singularidades da pessoa, uma vez que assim lhe impõe o princípio fundamental da

dignidade humana.505

502LÔBO, Paulo Luiz Netto. op. cit.(texto da internet). 503Id. Ibid. 504SANTOS, José Camacho. op. cit. (texto da internet). 505TEPEDINO, Gustavo. op. cit., p. 170.

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Diante dessas novas concepções, podemos considerar a já citada dicotomia entre o

Direito Público e o Direito Privado e classificar, respectivamente, o Direito Penal e o Direito

Civil? São eles ainda ramos absolutamente distintos?

A resposta nos parece negativa ante os argumentos trazidos à baila, pois é claro que os

comandos constitucionais em vigor distanciam-se destas divisões.

O Direito há de ser considerado e interpretado de forma una, sem, portanto, ser

classificado em Direito Público e Direito Privado, pois essa idéia resume o modo de pensar da

sociedade atual que parece clamar pela harmonia do sistema como um todo, o que, aliás, tem

sido considerado pelo legislador brasileiro que, por vezes, insere institutos do Direito Civil no

texto constitucional, exatamente para evitar as citadas dicotomias.

Ressaltar a prevalência do ser humano, disseminar a solidariedade e a cooperação

entre os homens e criar uma sociedade igualitária retrata os anseios de todos e revelam que o

interesse coletivo hoje está centrado na valorização do cidadão em prol do bem-estar comum.

Assim, fundamentar a ordem jurídica constitucional no princípio da dignidade da

pessoa humana significa submeter toda a legislação infraconstitucional à prevalência do

indivíduo e afastar qualquer discriminação ou desigualdade ainda reinante no sistema legal

pátrio ou que possa decorrer de sua aplicação ao caso concreto.

Por conseqüência, se o fundamento constitucional é único, não há por que admitir

diferentes tratamentos de matérias correlacionadas pelas leis em vigor, pois, nos dizeres de

Ivan Luiz da Silva, a Constituição nada mais é do que um instituto jurídico idealizado e

criado pelos homens para a organização básica das regras de convivência social, política e

jurídica de um povo.506

Os institutos do Direito Civil não podem estar dissociados dos institutos do Direito

Penal, visto que o que se pretende é a harmonização de todo o sistema legislativo, a fim de

que ele possa sacramentar-se perante os preceitos constitucionais e possa ser recebido e

respeitado por seus destinatários.

Admitir o contrário seria permitir a interpretação equivocada da lei e o tratamento

diferenciado de situações absolutamente iguais, o que deve ser rechaçado por todos.

506SILVA, Ivan Luiz da. Das bases constitucionais do direito penal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 156, out./dez. 2002, p. 42.

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Por essa razão, as constantes revisões na legislação penal são imprescindíveis, ainda

que, por vezes, quando ocorram, não nos pareçam eficazes ou apropriadas, até porque essa

nos parece a solução mais adequada para que se possam sanar eventuais contradições e para

que a lei penal possa se adequar aos comandos da Carta Maior.

O Código Penal vigente, em relação às inovações do Direito de Família, merece

reparos, pois, em que pesem as alterações significativas advindas com a promulgação das Leis

10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006, e que serão tratadas nos itens 4.4.1, 4.4.2 e 4.4.3

desse capítulo, alguns institutos de extrema importância não foram fielmente respeitados pelo

legislador, como os temas em estudo: a união estável e a união homoafetiva.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama assim se posiciona acerca da observância da

Constituição pelo legislador penalista quando afirma que, de acordo com a doutrina clássica, o

Direito Penal é ramo de Direito Público interno, já que o Estado é o detentor do monopólio do

poder punitivo e figura como um dos sujeitos das relações jurídicas por ele tratadas, relações

essas de interesse de toda a coletividade e, portanto, de extrema relevância, o legislador penal

não pode se eximir da necessidade de buscar na Carta Maior fundamentos para a sua atividade

legiferante, exatamente para que os princípios e normas ali consagrados e, enfim, a ordem

constitucional como um todo não seja violada.507

Nos dizeres de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, é fundamental integrar a norma

penal aos ditames constitucionais para que não se comprometa a legislação infraconstitucional.

Acrescenta que em relação à proteção do Estado à família, é importante que:

(...) o Direito Penal brasileiro seja repensado, sob pena de absoluta e desarrazoada inobservância do comando constitucional, nesse aspecto, o que infelizmente representaria o retorno ao pensamento do início do século, em matéria de companheirismo, quando as uniões informais, por mais estáveis que fossem, eram ‘ilegais’ ou ‘imorais’, desprovidas de qualquer tutela jurídica, por mínima que fosse.508

4.3 - Princípio da legalidade

O Direito Penal de um Estado de Direito deve basear-se em princípios que visam

garantir os direitos fundamentais do cidadão, por isso a Constituição, que dispõe sobre os

507GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., pp. 220-221. 508Id. Ibid, p. 221.

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bens jurídicos mais importantes para a sociedade, é fonte primária do Direito Penal, pois

somente ela lhe conferirá legitimidade e fundamento para intervenção em direitos dessa

natureza.

O Direito Penal tutela bens de extrema relevância para a sociedade, tais como a vida, a

liberdade, a intimidade, a honra, etc., bens esses que muitas vezes não são suficientemente

protegidos por outros ramos do Direito, por isso é necessária a sua intervenção.

Por essa razão, consoante Ivan Luiz da Silva, o Direito Penal, a fim de concretizar sua

função garantidora da ordem jurídica, surge armado de uma força sem similar nos outros

ramos do Direito, qual seja: a coercitividade, a imposição de sanções criminais graves a

quem viola seus mandamentos.509

As sanções penais restringem o direito fundamental do homem, ou seja, a liberdade.

Por isso, há necessidade de limitar a aplicação do Direito Penal somente aos casos

necessários, sem olvidar a estrita observância da ordem constitucional vigente, a fim de que a

liberdade do cidadão não seja violada.

A estreita ligação entre o Direito Penal e a Constituição não é recente na história do

Direito brasileiro. Paulo Queiroz, citado por Ivan Luiz da Silva em suas lições, afirma que a

primeira influência do Direito Constitucional sobre o Direito Penal verificou-se quando o

príncipe D. Pedro, no Aviso de 28 de agosto de 1822, determinou que os juízes do crime

deviam guiar-se pelas bases da Constituição monárquica portuguesa, de 10 de março de 1821,

destacando a constante de artigo 12 da referida Carta Maior, que assim dispunha:

Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade. Toda a pena deve ser proporcionada ao delito, e nenhuma deve passar da pessoa do delinqüente. A confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e o pregão, a marca de ferro quente, a tortura, e todas as penas cruéis ficam em conseqüência abolidas .510

Atualmente a influência constitucional sobre o Direito Penal parece muito mais

significativa, pois a progressiva e constante absorção dos princípios gerais do Direito pela

Carta Maior tem determinado a sua estrita observância pelo legislador infraconstitucional.

Aliás, esse procedimento não se verifica apenas em relação ao Direito Penal, mas também em

relação a vários outros ramos do Direito como já abordado neste item (p. 178-181). 509SILVA, Ivan Luiz da. op. cit., p. 43. 510QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direto penal: lineamentos para um direito mínimo. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, pp. 21-22, apud SILVA, Ivan Luiz da. op. cit., p. 44.

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No que tange às normas penais e suas respectivas sanções de cunho repressivo, a fiel

observância da Constituição é ainda mais expressiva, pois a Carta Maior há de ser a fonte para

a instituição da lei penal e para fixação de parâmetros para a sua aplicação pelo julgador,

exatamente para que se faça prevalecer o interesse da coletividade.

Neste sentido, Álvaro Mayrink da Costa pondera que:

Direitos, liberdades e garantias têm influência quanto ao conteúdo do Direito penal, como também, os direitos sociais, econômicos e culturais, na medida em que expressam valores fundamentais da macrossociedade, valores que o Estado se comprometeu a respeitar, a fazer respeitar, a concretizar e a desenvolver. O Direito penal só está legitimado a intervir para proteger os valores básicos de uma comunidade, desde que inexista outra forma mais eficaz. A Constituição é o parâmetro de legitimidade da intervenção penal, a nosso sentir, exigindo uma harmonia entre valores penais e valores constitucionais vedando condutas que não levem ou coloquem em perigo valores constitucionais.511

O conteúdo do Direito Penal, suas regras, sanções, objetos do crime, justificativas,

etc., têm suas linhas gerais definidas pela Carta Maior. Portanto, o Direito Penal não deve

proteger todos os bens jurídicos de interesse para a sociedade, mas apenas aqueles

considerados essenciais para o homem, assim definidos pela Constituição.

Nos dizeres de José Francisco de Faria Costa, citado por Isaac Sabbá Guimarães, o

ordenamento penal e o constitucional têm caráter fragmentário exatamente para que não

sejam tutelados todos os bens da vida, mas apenas aqueles imprescindíveis ao homem. Isso

revela outra função da Constituição em relação ao Direito Penal, a função de orientação, pois

está claro que ela estabelece limites ao legislador ordinário que seleciona os bens jurídicos

dignos da tutela penal.512

Álvaro Mayrink da Costa elucida-nos que, nos moldes da Constituição italiana de

1947 e a da República Federal da Alemanha de 1949, a nossa Constituição Federal de 1988

também contemplou a declaração de direitos e garantias individuais e tratou, em seu Título II,

“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, cujo Capítulo I dispõe sobre os “Direitos e Deveres

Individuais e Coletivos” e prevê inúmeros princípios de ordem penal tais como, o princípio da

legalidade, o princípio da intervenção mínima, o princípio da humanidade, o princípio da

511COSTA, Álvaro Mayrink. O direito penal na Constituição (1988-1998). Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 42, jan./mar. 2000, p. 40. 512COSTA, José Francisco de Faria. O perigo em direito penal. Coimbra: Coimbra Ed. 1992. pp.188-189 apud GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Intervenção mínima para um direito penal eficaz. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 800, jun./2002, pp. 485-486.

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pessoalidade da pena e o princípio da individualização da pena.513

Maurício Ribeiro Lopes afirma que tais princípios, inseridos expressamente ou não em

nossa Constituição (art. 5o.):

(...) têm a função de orientar ao (sic) legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um ‘Direito Penal mínimo’ e garantista.514

Sem prejuízo da consideração da importância dos demais princípios citados neste item

(p. 189-190), princípios também informadores do Direito Penal, não há dúvidas de que a

harmonia entre a norma penal e a Constituição tem por principal fundamento o princípio da

legalidade previsto no artigo 5o., inciso XXXIX, de nossa Carta Magna, que assim dispõe:

não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

O princípio da legalidade tem por fim limitar o jus puniendi do Estado – o direito de

punir do Estado – e garantir jus libertatis do cidadão – o direito de liberdade do cidadão –, por

isso ele tem caráter fundamental para o Direito Penal. Além disso, indubitável é a sua função

preventiva, visto que a definição de condutas ilícitas na lei e suas respectivas conseqüências

revelam o intuito estatal de motivar os indivíduos a se comportarem de certa maneira,

respeitando, assim, o bem jurídico de interesse de toda a coletividade.

O princípio da legalidade, além de ser princípio informador do Direito Penal,

constitui-se em princípio constitucional, o que determina que o legislador não se olvide jamais

de respeitá-lo, pois a sua importância é realmente incontestável.515

Lycurgo de Castro Santos defende que os demais princípios informadores do Direito

Penal estão diretamente relacionados ao princípio da legalidade, o que importa em dizer que a

violação de um deles implicará em sua ofensa. Ele assevera que:

O princípio da legalidade forma com os demais princípios de Direito penal – princípio da intervenção mínima, princípio da proporcionalidade, princípio de humanidade e princípio da culpabilidade – um todo indivisível, de modo que a realização de cada um é imprescindível para que todos possam se conformar em um Direito Penal com os fundamentos materiais do Estado

513COSTA, Álvaro Mayrink. op. cit., p. 40. 514LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 73. 515Para Maurício Ribeiro Lopes tal o princípio é crucial para o Estado Democrático de Direito, pois ele mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por outra via que não seja a da lei. LOPES, Maurício Ribeiro. op. cit., p. 80.

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Democrático de Direito. Esta interdependência dos princípios do Direito Penal significa na prática que o não cumprimento de um deles (por exemplo, o princípio da culpabilidade) derivará em um intolerável menoscabo do princípio da legalidade, cuja essência, repita-se, é ser um mecanismo de contenção da intervenção Estatal que está além da simples garantia de irretroatividade da lei penal.516

Maurício Ribeiro Lopes nos ensina que o princípio da legalidade originou-se do

ideário da Ilustração (Montesquieu, Rosseau), em especial da obra de Cesare Beccaria: Dei

delitti e delle pene e deve sua formulação latina – nullum crimen, nulla poena sine praevia

lege – não há crime, nem pena sem lei prévia – a Feuerbach. O autor ressalta que a este

princípio compete conceder aos cidadãos duas garantias: a material, que se consubstancia na

“predeterminação normativa” e a formal, que impõe que os tipos penais e suas sanções

estejam previstos em lei formal e anterior ao crime.517

No mesmo sentido posiciona-se Álvaro Mayrink da Costa, quando diz que o princípio

da legalidade é exigência fundamental em todo o Estado de Direito, pois a lei penal concede a

todo o cidadão quatro garantias básicas: 1) a garantia criminal (nullum crimen sine lege – não

há crime sem lei) que se vincula às exigências de lex praevia (exclusão de aplicação

retroativa), da lex scripta (exclusão do direito consuetudinário como fonte direta do Direito

Penal e proibição da analogia in malam partem) e da lex certa (proibição de cláusulas

indeterminadas ou mandato de certeza); 2) a garantia penal (nulla poena sine lege – não há

pena sem lei); 3) a garantia jurisdicional (nemo condemnatur, nisi per legale indicium –

ninguém é condenado senão em julgamento legal) e, por fim, 4) a garantia da execução (não

se pode executar alguma pena senão na forma prevista em lei).518

Segundo Mauricio Ribeiro Lopes, as idéias de igualdade e liberdade do Iluminismo

determinaram que o Direito Penal passasse a prever princípios limitadores da intervenção estatal

nas liberdades dos cidadãos, fato que gerou o abandono do rigor e caráter cruel das penas

verificado no Estado Absolutista. Com o passar dos anos, esses princípios foram incorporados

pelos Códigos Penais dos países democráticos e, posteriormente, por suas Constituições,

consagrando-se, assim, como garantia máxima de respeito aos direitos fundamentais do homem,

visto que implica exigência de segurança jurídica e de garantia individual.519

516SANTOS, Lycurgo de Castro. O princípio da legalidade no moderno direito penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 15, jul./set. 1996, p. 188. 517LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., pp. 71-72. 518COSTA, Álvaro Mayrink. op. cit., p. 41. 519LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., pp. 72-73.

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Na esteira do entendimento de Luís Jiménez de Asúa, de acordo com Maurício Ribeiro

Lopes, quando se procede à análise das datas das alterações da legislação penal e da

Constituição espanhola, pode-se concluir que toda nova Constituição reclama um novo

Código Penal.520

Em nosso caso, porém, não há dúvidas de que dois são os obstáculos para que um

novo Código Penal seja promulgado: a lentidão do processo legislativo, sobretudo no que

tange à alteração da codificação da ordem penal, e a possibilidade de o legislador se valer de

leis esparsas para tanto.

No sistema penal brasileiro, as causas citadas no parágrafo anterior, além da clara falta

de interesse de nossos legisladores, obstam a reformulação do nosso Código Penal e, portanto,

a absorção, por ele dos valores estabelecidos pela Constituição Federal em vigor.

Nosso legislador parece não notar a importância de se atualizar a codificação de nosso

Direito Penal, a fim de não só ajustá-la aos novos anseios sociais, mas permitir que os ditames

constitucionais sejam consagrados.

Além disso, não se pode esquecer que o número elevado de leis esparsas é

extremamente desaconselhável em nosso sistema. Em primeiro lugar, porque muitas são as

impropriedades técnicas que várias delas trazem em seu bojo, em razão do afã do legislador

de regulamentar determinada situação, por vezes por conta do clamor público que dela se

origina, violam-se princípios basilares do Direito Penal e da própria Constituição Federal. Em

segundo lugar, porque nem sempre as novas leis são harmônicas entre si, o que gera

questionamentos constantes por parte de seus intérpretes acerca de sua aplicação e eficácia,

além de dúvidas em seus próprios destinatários. Isso há de ser rechaçado, pois uma vez que se

tem em tela norma limitadora do jus libertatis do cidadão – do direito de liberdade do cidadão

– clareza e objetividade devem ser a marca da lei penal.

E, por fim, porque a promulgação de inúmeras leis, muitas vezes apenas para retificar

ou complementar as anteriores, trazem verdadeira sensação de insegurança à sociedade e a

nítida impressão da ineficácia do ordenamento em vigor, o que também deve ser evitado.

No que tange à união estável e à união homoafetiva, em que pesem os reforços do

520JIMÉNEZ DE ASÚA, Luís. Tratado de Derecho Penal. Buenos Aires: Losada, 1964, t. I, p. 195, apud LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 169.

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legislador em consigná-la em leis penais esparsas, como se evidenciou na Lei 10.886/2004, na

Lei 11.106/2005 e na Lei 11.340/2006, por exemplo, a reforma do Código Penal é necessária

para sua consagração definitiva.

É preciso atribuir à união estável o mesmo tratamento concedido ao casamento, sob

pena de se negar o comando constitucional respectivo, mesmo porque não se pode olvidar que

o que interessa para o Direito Penal é a proteção da família que, pelo texto constitucional,

pode originar-se da união formal ou informal de um casal. Além disso, com o advento da Lei

11.340/2006, que conferiu legitimidade à união homoafetiva feminina, além de necessária a

revisão de artigos do Código Penal para a sua inserção definitiva, há de se reconhecer, desde

já, a incidência, aos casos que envolvam conviventes do mesmo sexo, dos dispositivos penais

em vigor que contenham normas penais não incriminadoras, portanto que prevejam a

expressão “companheiro” ou que a eles sejam aplicados por analogia (arts. 181, I; 182, I; e

348, § 2º., CP), além das normas processuais penais (arts. 24, § 1º.; 31; 63; 149, caput; 206;

252, I e IV; 253; 254, II e III; 255; 258; 274; 280; 462; e 623, CPP), que também podem ser

estendidas aos companheiros ante o disposto no artigo 3º., do Código de Processo Penal.

As uniões não-matrimoniais são uma realidade e não podem ser mais ignorada pelo

legislador ordinário, pois as relações afetivas informais entre heterossexuais ou homossexuais

são uma constante em nossa sociedade, que há muitos anos convive com relacionamentos

amorosos dessa natureza, relacionamentos esses cujos integrantes, por vezes, requerem a

intervenção do Poder Judiciário para manifestações a respeito de seus efeitos e conseqüências,

o que significa que o Estado não questiona sua existência.

A inserção expressa nas normas penais, incriminadoras ou não, do termo

“companheiro” ou “companheira”, para referência ao convivente heterossexual ou

homossexual, é imprescindível, pois, além de estabelecer a verdadeira harmonia com o texto

constitucional, respeitará, em definitivo, o princípio da legalidade, que é fundamental para o

Direito Penal, como já abordado neste item (p. 187-188).

No que se refere às normas penais incriminadoras, que impõem limites à liberdade dos

cidadãos, a omissão legislativa acerca da equiparação entre cônjuges e companheiros é muito

grave, pois, como sabemos, não se pode fazer uso da analogia para equiparar a família

constituída pelo casamento àquela constituída pela união estável, ou pela união homoaetiva,

sem a devida previsão legal. O Direito Penal veda a analogia in malam partem, ou seja, veda a

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aplicação de dispositivo que preveja, por exemplo, sanção à conduta do cônjuge, à situação

semelhante, ou seja, a conduta do companheiro que ali se enquadra, quando em relação a este

último inexiste prévia determinação legal. Pelas mesmas razões, estaria impedida a

interpretação extensiva no termo “cônjuge”.

Impossível, assim, reconhecer a incidência da agravante prevista no artigo 61, inciso

II, alínea e, do Código Penal, para a majoração da pena aplicada ao agente que comete crime

contra o companheiro ou companheira, pois é certo que isso implicaria flagrante prejuízo ao

réu ante a ausência da devida autorização legal.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama defende a necessária mudança do ordenamento

jurídico para inclusão do companheirismo nos dispositivos penais referentes à família e

fundamenta sua defesa não só na necessidade de se observar o ditame constitucional que

equiparou a união estável à entidade familiar (art. 226, § 3º, CF), mas também no respeito ao

princípio da reserva legal.521

A função de orientação exercida pela Constituição, como vimos neste item (p. 189), já

se operou neste caso, pois, valendo-se de seu caráter fragmentário, o legislador constitucional

elegeu a família como bem essencial à sociedade, equiparou a união estável à entidade

familiar, e não estabeleceu rol taxativo quanto às demais formas de entidades familiares.

A expressa proteção constitucional conferida à união estável, entretanto, não autoriza

livremente o legislador infraconstitucional a tipificar todas as condutas que possam violar

interesses da família ou de seus membros, mas apenas guiá-lo no que tange ao cabimento da

intervenção penal em certas hipóteses, desde que observados os interesses sociais, que podem

ser apreendidos pela criminologia ou pela política criminal.

Há de se considerar que o Direito Penal, além de fragmentário, tem caráter subsidiário,

ou seja, é ele a ultima ratio para a solução de conflitos, ou seja, o último argumento de força

do Estado para impor aos cidadãos o respeito aos bens protegidos pela lei. Assim, sua

aplicação está reservada à tutela de bens e valores realmente relevantes para a sociedade e às

hipóteses em que foram insuficientes as medidas oferecidas por outros ramos do Direito.

Cumpre lembrar que alguns doutrinadores entendem desnecessária a efetiva

equiparação de cônjuges e companheiros na lei penal, ressaltando que as regras hoje em vigor

521GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., p. 140.

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bastam para a aplicação a casos concretos que envolvam conviventes.

Luiz Vicente Cernicchiaro, nas lições de Guilherme Calmon Nogueira da Gama,

valendo-se de regras da hermenêutica, diz que o termo “cônjuge” pode abranger o termo

“companheira”, nos dispositivos penais, sem violar-se o princípio da reserva legal quando

afirma que:

(...) a crítica teleológica enseja fixar os contornos do preceito, mostrando, ademais, as mutações que ocorram no correr do tempo. Com isso, chega-se à ‘interpretação progressiva’ ou ‘evolutiva’ (...). A investigação da razão da lei permite, sem lesão ao princípio da reserva legal, uma razoável ‘interpretação progressiva’ de seus preceitos, relativamente às novas concepções ampliatórias do conteúdo primitivo de seus conceitos.522

De qualquer forma, em nosso entender, a interpretação extensiva nestes termos jamais

poderia ser aplicada, pois é claro que, dessa maneira, seria permitida a flagrante violação ao

princípio da legalidade estrita, por isso não há de negar que a reforma de nosso Código Penal

é medida necessária e urgente.

Deve-se anotar que a reformulação das leis penais não pode limitar-se à observância

do seu plano formal, ou seja, à mera descrição da conduta típica, mas sim há de se preocupar

com a garantia material decorrente do princípio da legalidade, que, como bem ressalta

Maurício Ribeiro Lopes, consiste na descrição de condutas marcadas de um sentido de

rigidez definidora dos padrões de conduta eleitos com a carga da ilicitude.523 Isso implica

atualizar a legislação penal como um todo em vista dos interesses da sociedade atual,

interesses estes que incluem a ampla proteção à família e, portanto, o reconhecimento da

união estável como sua instituidora e de outras entidades familiares não previstas

expressamente em lei, por exemplo, as uniões homoafetivas.

4.4 - As inovações legislativas de ordem penal e seus reflexos nos crimes contra a

família e na união estável

Como já abordado no item 1.5 do Capítulo I (p. 38), o modelo patriarcal e hierárquico

de família, adotado pelo nosso Código Civil de 1916, foi se esvaecendo, sobretudo a partir da

522CERNICCHIARO, Luiz Vicente. O conceito de cônjuge no Código Penal brasileiro. Tese (Doutorado)-Universidade de Brasília, 1969, p. 46, pp. 52-53, apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal, cit., p. 140. 523LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 82.

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metade do século XIX, ocasião em que as alterações na vida econômica, trazidas pela

industrialização e pelas revoluções tecnológicas, modificaram profundamente o

comportamento da sociedade brasileira, principalmente das mulheres. Aliados aos fatores

citados, a liberação feminina, a luta por iguais direitos e a abertura do mercado de trabalho,

determinaram verdadeira revolução na vida em sociedade, permitindo, por conseqüência, que,

aos poucos, nova concepção da família tomasse o lugar daquela até então consagrada.

A mulher conquistou a sua liberdade econômica e psíquica desde as mudanças sociais

havidas no século XIX e, portanto, modificou a forma de conceber a sua família. A

consangüinidade e o casamento formal deixaram de ser elementos fundamentais para a

constituição de uma entidade familiar, passando-se a valorizar os laços afetivos e o

companheirismo como essenciais para tanto.

A nova concepção da família determinou não só alterações em nossa legislação civil,

como já salientado no item 1.5.3 do Capítulo I (p. 47-49), mas também no sistema legislativo

penal em vigor, pois não há como dissociar os dispositivos penais daqueles de natureza civil

após a já preconizada interpretação harmônica do texto constitucional que lhes dá

fundamento. Assim, no aguardo da tão esperada e necessária alteração da Parte Especial do

Código Penal, o legislador antecipou-se e trouxe inovações relevantes e, por vezes, muito

adequadas a esta forma de pensar.

Sem olvidar as alterações trazidas pela Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que

introduziu o artigo 216-A em nosso Código Penal, o qual dispõe sobre o assédio sexual524, as

modificações mais significativas no que tange à união estável e à família foram aquelas

advindas da promulgação da Lei 10.886, de 17 de junho de 2004, da Lei 11.106, de 28 de

março de 2005, e da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, que, além de ressaltarem a

importância do papel da mulher em sociedade, trouxeram reflexos decisivos nos crimes

praticados no seio da família, visto que conceituam as entidades familiares de forma diversa e

ampliam seu âmbito de proteção, como vermos nos itens 4.4.1, 4.4.2 e 4.4.3 a seguir.

524Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função. Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

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4.4.1 - Da Lei 10.886, de 17 de junho de 2004

Nas lições de Fabrício da Mota Alves, em 1o. de fevereiro de 1984, o Brasil ratificou

pela primeira vez, mas com algumas reservas, a Convenção que tratava da Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - CEDAW (Convention on the

Elimination of All Forms of Discrimination against Women).525 O seu texto preconiza o fim

da desigualdade entre homens e mulheres e dispõe sobre a igualdade de condições de ambos

na sociedade. Com a promulgação da Constituição de 1988 e com o conseqüente

reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres (art. 5º., I, CF), o governo brasileiro

ratificou integralmente o texto.526

Em 27 de novembro de 1995, segundo o mesmo autor, o Brasil ratificou a Convenção

adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), datada de 6

de junho de 1994, ou seja, a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra a Mulher, Convenção esta conhecida como “Convenção de Belém do Pará”.

527 O seu texto ressalta que a violência contra a mulher traduz violação aos direitos humanos e

às liberdades fundamentais e ainda complementa a primeira Convenção ratificada pelo Brasil

antes citada, a Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against

Women.528

Em 28 de junho de 2002, o Brasil ratificou o Protocolo facultativo à Convenção sobre

a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que possibilitou o

direcionamento das denúncias diretamente ao Comitê das OEA, mecanismo este que prioriza

a fiscalização das medidas punitivas impostas aos ofensores, e que foi utilizado no caso da

Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de duas tentativas de homicídio

praticadas por seu próprio marido, o que a deixou com graves seqüelas, ante a omissão das

autoridades nacionais, por isso a sua grande repercussão internacional.529

A denúncia dirigida por Maria da Penha ao Comitê da Organização dos Estados

525Texto da “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” no Anexo XV, v. II, p. 178-187. 526ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1.133, 8.8. 2006. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>, acesso em: 18.12.2006. 527Texto da “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher” no Anexo XVI, v. II, p. 188-192. 528ALVES, Fabrício da Mota, op. cit. (texto da internet). 529Id. Ibid.

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Americanos (OEA) determinou a formalização do Relatório 54, no ano de 2001. O Relatório

54 concluiu que o Brasil foi omisso no que tange à violência sofrida pela vítima e às

respectivas sanções cabíveis ao seu algoz, o que implicou na violação do artigo 7o. da

Convenção de Belém do Pará e dos artigos 8 e 25 da CEDAW.530 Esta conclusão mobilizou o

Congresso Nacional e, em 17 de junho de 2004, editou-se a Lei 10.886 para a criação de um

novo tipo penal, ou seja, o delito denominado “violência doméstica”.

A Lei 10.886/2004, além de introduzir no sistema penal brasileiro o crime de violência

doméstica, determinou, pela primeira vez, a inclusão da expressão “companheiro” no Código

Penal, ao incluí-lo dentre as possíveis vítimas do tipo penal em pauta.531

A Lei 10.886/2004 inseriu dois parágrafos no artigo 129 do Código Penal, tipificando

o crime de lesão corporal, que passa a prever, em seu § 9o., pena mais grave, quer seja, a pena

de 6 (seis) meses a 1 (um) ano para a lesão corporal praticada contra ascendente, descendente,

irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda,

prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Além

disso, a Lei 10.886/2004 introduz o § 10 no artigo 129 do Código Penal que dispõe sobre a

possibilidade de se agravar a pena quando a lesão decorrente da violência doméstica for de

natureza grave.

As alterações trazidas pela Lei 10.886/2004 foram, porém, em vão quanto à

repreensão da violência praticada no âmbito doméstico e familiar, pois a manutenção da pena

máxima prevista para o crime de violência doméstica em um 1 (um) ano de detenção permitiu

a sua inclusão no rol de crimes de menor potencial ofensivo, o que determina a adoção de

vários benefícios ao seu autor.

Érika Mendes de Carvalho destaca ainda a inocuidade das modificações introduzidas

pela Lei 10.886/2004, visto que a ausência da habitualidade, como elemento objetivo-

subjetivo para constituição do delito previsto no artigo 129, §§ 9o. e 10, do Código Penal, não

revela a predisposição do agressor de praticar atos reiterados de violência, o que não justifica

a criação de um delito autônomo, pois nosso diploma legal já dispõe de tipos próprios para o

enquadramento dessas condutas praticadas de forma isolada, como aqueles constantes do

530Texto da Lei 10.886/2004 no Anexo XII, v. II, p. 164. 531ALVES, Fabrício da Mota. op. cit. (texto da internet).

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próprio caput e respectivos parágrafos do artigo 129 do Código Penal.532

A mencionada inocuidade da Lei 10.886/2004 determinou que, em agosto de 2006

fosse promulgada a “Lei Maria da Penha”, na tentativa de sanar os seus defeitos e tornar mais

eficaz o tratamento de casos de violência doméstica, como analisaremos mais detidamente no

item 4.4.3 desse capítulo.

4.4.2 - Da Lei 11.106, de 28 de março de 2005

A Lei 11.106, de 28 de março de 2005, trouxe importantes inovações no texto do

Código Penal em vigor, antecipando-se, inclusive, à aprovação do Anteprojeto de Reforma da

Parte Especial do Código Penal de 1999 em vários pontos como a seguir veremos.

O seu advento determinou a descriminalização de inúmeros tipos penais, aqueles

previstos nos artigos 217, 219, 220, e 240 do Código Penal, a revogação de alguns artigos que

dispunham sobre causas de diminuição e aumento de pena, tais como os artigos 221, 222,

226, inciso III, 231, § 3o., do Código Penal; a revogação dos incisos VII e VIII do artigo 107,

do Código Penal, que tratavam de causas de extinção de punibilidade; a alteração da redação

de alguns outros do mesmo diploma legal, mais precisamente daqueles constantes do artigo

148, § 1o., inciso I, acrescentado ao texto do artigo os incisos IV e V; do artigo 215, caput; do

artigo 216, caput e parágrafo único; do artigo 226, inciso II; do artigo 227, § 1o., e do artigo

231, caput, e ainda a inserção de novo tipo penal, o “crime de tráfico interno de pessoas”,

previsto do artigo 231-A do Código Penal.533

A Lei 11.106/2005 revogou e reviu vários artigos do Código Penal que se referiam à

mulher, aqueles constantes dos artigos 215, caput; 216, caput, e parágrafo único; 226, inciso

II (madrasta); e 231, caput, do Código Penal, e ainda inseriu a união estável em outros, tais

como nos artigos 148, § 1o., inciso I; 226, inciso II; e no artigo 227, § 1o., do Código Penal.

Por isso, a lei citada será objeto de análise neste item 4.2 deste estudo.

Há muito se defende a revisão da Parte Especial do nosso Código, pois é notório que

532CARVALHO, Érika Mendes de. O tratamento penal da violência doméstica no Brasil: uma abordagem crítica. Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, São Paulo, ano 3, jan./jul. 2006, p. 220. 533 Texto da Lei 11.106/2005 no Anexo XIII, v. II, p. 165-166.

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diversos tipos penais nele previstos já não se harmonizam com os interesses de nossa

sociedade, sobretudo quanto ao reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres, e nem

mesmo garantem a proteção a bens jurídicos relevantes, como, por exemplo, à família.

Infelizmente, a falta de interesse de nossos parlamentares quanto à reforma do Código

Penal determina a impossibilidade de se rever o texto desse diploma legal de forma

sistemática e harmônica, e ainda permite que o legislador se valha de leis esparsas para

atender os anseios prementes da população, o que não traduz a melhor técnica legislativa que

requer a observância do sistema jurídico como um todo, a fim de que se evitem contradições.

O uso indevido de leis ordinárias para suprir a revisão do Código Penal pátrio tem

causado verdadeiro caos no sistema penal em vigor, pois é certo que, sem a devida

organização legislativa, o intérprete por vezes se depara com dispositivos inconstitucionais ou

mesmo com artigos que contêm soluções diversas para o mesmo fato, o que revela fragilidade

e põe em dúvida a própria eficácia da legislação penal.

No que diz respeito à Lei 11.106/2005, não há dúvidas de que o legislador nacional ao

promulgá-la e determinar as alterações pertinentes à inserção da união estável no Código

Penal nos artigos 148, § 1o., inciso I; 226, inciso II; e 227, § 1o.; a equiparação do homem e da

mulher nos artigos 216 caput e parágrafo único; 231 e 231-A; e a supressão da palavra

honesta dos artigos 215, caput; e 216, caput, do mesmo diploma legal, teve a clara intenção

de adaptar a legislação penal à realidade de nossos tempos e aos ditames constitucionais em

vigor, adequando-a, dentro do possível, aos atuais interesses da sociedade brasileira que

primam pela prevalência da dignidade da pessoa humana e rechaçam qualquer discriminação

aos indivíduos.

O legislador, além de inserir expressamente a união estável nos artigos do Código

Penal, citados no parágrafo anterior, para consagrar a nova concepção da família, reavaliou o

papel da mulher, tentando consubstanciar na lei penal, o tratamento igualitário entre homens e

mulheres.

Dissociar a mulher do mercado de trabalho e das funções relacionadas ao poder,

parece-nos, hoje, indefensável, pois sua atuação em vários segmentos da vida pública e

privada é a cada dia mais evidente.

Não se trata aqui de promover um real discurso feminista, pois se sabe que ainda é da

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formação da família brasileira, cuja maioria de seus membros tem o catolicismo como

religião, a defesa da vida em família, consubstanciada nos sentimentos de amor, união e

respeito. Entretanto, conceber a mulher hoje como alguém que não tem pretensões além de

constituir uma família é um verdadeiro equívoco.

O posicionamento da mulher na sociedade somado à liberação sexual determinou,

como ressaltado no item 2.1 do Capítulo II (p. 58), a nova concepção do instituto da família.

Os casais hoje têm mais liberdade de escolha não somente para estabelecerem relações

não formalizadas pelo casamento, mas também para se desligarem de relações falidas, sem

amor, sem respeito ou sem perspectivas. A liberdade de escolha aliada à liberação sexual e à

crescente independência econômica da mulher determinou o fim de muitos casamentos, sem

que isso tenha significado o fim da família, visto que as notícias do aumento do número de

casamentos realizados continuam constantes, sobretudo em nosso país.534

Parece-nos, porém, que a liberdade de escolha permitiu o início de um novo modo de

vida conjugal, onde os casais gozam de igualdade nas decisões e têm efetivamente o dever

mútuo de respeito, fidelidade e companheirismo.

Uniões formadas e mantidas sem o formalismo do matrimônio não se fundam

normalmente em escolhas determinadas por imposições sociais, familiares ou mesmo financeiras,

mas sim em opções pessoais conscientes e seladas com o compromisso de bem viver.

De outro lado, não se pode deixar de mencionar que, mesmo que flagrante esta

revolução nos costumes sociais quanto à ampla admissão das relações não-matrimoniais, há

ainda quem se valha de autoridade, poder ou hierarquia para praticar a violência sexual ou a

doméstica, condutas estas que também foram consideradas pelo legislador quando da

promulgação da Lei 10.224/2001, que tipificou o crime de “assédio sexual”, da Lei

10.886/2004, que instituiu a crime de violência doméstica no Código Penal, da Lei

11.106/2005, que trata das hipóteses de crimes praticados com violência sexual, conforme

veremos neste item 4.2 desse capítulo, porquanto o crime de violência doméstica foi objeto de

outra recente revisão legislativa, aquela advinda da conhecida “Lei Maria da Penha” (Lei

11.340/2006), que será analisada no item 4.4.3 desse capítulo.

534Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Antônio de Góis relata que, segundo estatísticas do registro civil do IBGE, divulgada em 16.12.2005, entre os anos de 2003 a 2004, houve um aumento de 7,7% no número de matrimônios oficializados no Brasil. (Casamento cresce até entre os descasados, Folha de S. Paulo, 17.12.2005, Caderno: Geral, p. 6).

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Os reclamos da sociedade e dos juristas para a revisão dos tipos penais em vigor foram

determinantes para a promulgação da Lei 11.106/2005 que modificou a redação de muitos

artigos que dispunham respectivamente sobre os crimes contra a liberdade individual e contra

os costumes para ampliar a sua incidência, tais como a do artigo 148, § 1o., incisos I, com

inserção dos incisos IV e V; e a dos artigos 215, caput; 216, caput e parágrafo único; 226,

inciso II; 227, § 1o.; e 231, caput, do Código Penal, além de ter inserido novo tipo penal no

artigo 231-A, do mesmo diploma legal, revelando que, apesar da liberação sexual evidenciada

em nossos tempos, o legislador ainda trata as condutas que importam em violência com rigor.

Contudo, há de se ressaltar que a Lei 11.106/2005 também descriminalizou alguns tipos

penais que tutelavam os costumes, com a conseqüente revogação de causas de aumento de

pena a ele referentes (art. 217; 219; 220; 221; 222; 226, III; e 231, § 3o., CP) também na

tentativa de melhor adaptar a lei aos anseios sociais, em virtude do desuso e da referida

liberdade sexual, como analisaremos no parágrafo seguinte, e ainda descriminalizou tipo

penal referente à família, o adultério (art. 240, CP).

A Lei 11.106/2005, portanto, descriminalizou o delito de sedução (art. 217, CP), o

rapto violento ou mediante fraude (art. 219, CP) e o consensual (art. 220, CP) e revogou os

artigos 221535 e 222 do Código Penal, que dispunham, respectivamente, sobre causa de

diminuição de pena e concurso de crimes correlatos ao crime de rapto, o que nos pareceu

muito adequado, pois é certo que, com liberação sexual, a repressão de crimes desta ordem

tornou-se obsoleta. Além disso, descriminalizou o delito de adultério (art. 240, CP), que há

muitos anos não mais era levado ao conhecimento público, antecipando-se, assim, ao

Anteprojeto de Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1999.

A Lei 11.106/2005 também alterou a redação de vários artigos como a seguir veremos.

O crime de seqüestro e cárcere privado, previsto no artigo 148 do Código Penal, e

praticado contra a liberdade individual, teve sua redação bastante alterada pela Lei 11.106/2005,

certamente em razão do crescente número de delitos dessa natureza em nosso país, valendo

ressaltar que nem sempre se exige recompensa para libertação da vítima (art. 159, CP). 536

535Antônio Carlos Mathias Coltro defendia que, em relação ao artigo 221, do Código Penal, necessária era a revisão para a inclusão expressa daquele que raptava a vítima para com ela manter a união estável. COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O direito constitucional e direito penal: notas interdisciplinares em relação à união estável. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 4, n. 8, jul./dez. 2001, pp. 317-318. 536Em 28.10.2005, a Folha de S. Paulo divulgou artigo na internet de autoria de Victor Ramos e Gilmar Penteado que aponta o número crescente de crimes de seqüestro no Estado de São Paulo no ano de 2005, sobretudo no interior (Seqüestros crescem em SP; homicídios caem. Folha on line. São Paulo, 28.5.2005, Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u114650.shtml>, acesso em 1.8.2007.

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A primeira modificação introduzida pela Lei 11.106/2005 foi a inclusão do

companheiro na forma qualificada prevista pelo inciso I do § 1o. do artigo 148 do Código

Penal, o que deve render nossos elogios ao legislador.

Não há dúvidas de que os ditames constitucionais foram consagrados com a permissão

de majoração da pena na hipótese de o companheiro ser vítima do crime em questão,

equiparando-o assim aos demais entes familiares consignados no artigo 148, § 1o., inciso I, do

Código Penal, ou seja, ao ascendente, descendente e cônjuge, pois a união estável também é

considerada entidade familiar pela Constituição Federal (art. 226, § 3o., CF) e merece o

mesmo tratamento destinado à família oriunda do casamento.

Se a intenção do legislador é punir mais severamente aquele que se vale das relações

domésticas para praticar o crime de seqüestro, nada mais justo do que incluir no rol citado o

companheiro ou companheira, pois é certo que, tanto nas relações de fato como nos

casamentos, a proximidade entre o autor e a vítima é igualmente verificada.

O legislador inclui no mesmo inciso I do § 1o. do artigo 148 do Código Penal, a pessoa

maior de 60 (sessenta) anos, pois o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) conferiu maior

punição ao agente que pratica crimes contra ela.

Duas outras importantes alterações trazidas pela lei consistiram na inserção no texto

do artigo 148 do Código Penal de dois novos incisos na forma qualificada.

O inciso IV, introduzido pela Lei 11.106/2005 no artigo 148 do Código Penal, permite

a majoração da pena quando o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos, e o inciso

V, quando praticado com fins libidinosos. A primeira inserção tem clara intenção de proteger

a criança e o adolescente, portanto pessoa cuja formação física ou mental não se operou por

completo, e a segunda, de pôr fim ao tratamento desigual de institutos idênticos, pois,

segundo Guilherme de Souza Nucci, não há dúvidas de que o seqüestro para fins libidinosos é

o crime de rapto,537 crime este revogado pela Lei 11.106/2005.

A Lei 11.106/2005 também introduziu flagrantes modificações nas disposições dos

crimes contra os costumes, cujos termos analisaremos detalhadamente.

O crime de posse sexual mediante fraude, previsto no artigo 215 do Código Penal, teve

537NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 623-624.

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a redação do seu caput revista pela lei que excluiu do texto a palavra honesta. A conduta

delitiva agora consiste em ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude.

Guilherme de Souza Nucci diz que o legislador poderia ter substituído a palavra

mulher pela palavra alguém quando do advento da Lei 11.106/2005, pois não há óbice em se

admitir que o homem possa ser sujeito passivo desse crime, ou seja, que ele possa ser

possuído sexualmente, mediante fraude, por uma mulher, como o legislador assim o fez em

relação ao artigo 216 do Código Penal. O autor ainda elogia a postura do legislador que

excluiu a palavra honesta do artigo em questão, concebendo-a como antiquada e machista,

visto que impunha apenas à mulher uma conduta sexual recatada.538

O mencionado artigo 216 do Código Penal também teve sua redação alterada pela lei

em estudo e agora define a conduta delitiva em induzir alguém mediante fraude, praticar ou

submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. O legislador retirou do

texto a palavra honesta e substituiu a palavra mulher por alguém, permitindo assim que o

homem também pudesse ser vítima na hipótese. Por essa mesma razão, substitui-se a palavra

ofendida pela palavra vítima constante do parágrafo único do artigo 216 do Código Penal.

Nas disposições gerais dos crimes contra os costumes, a Lei 11.106/2005 reviu o

aumento da pena prevista no artigo 226, caput, inciso II, do Código Penal, de quarta parte

para metade, nas hipóteses em que eles forem praticados por ascendente, padrasto ou

madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da

vítima ou quem, por qualquer outro título, tiver autoridade sobre ela. A lei em pauta

acrescentou expressamente o companheiro no inciso II do artigo 226 do Código Penal.

É de anotar que, fugindo à técnica legislativa tradicional, o legislador incluiu

expressamente a figura feminina da madrasta no inciso II do artigo 226 do Código Penal,

talvez na tentativa de se equiparar os homens e mulheres como sujeitos ativos do crime.

A alteração da redação do inciso II do artigo 226 do Código Penal, porém, apesar de

significativa, é, na verdade, desnecessária, pois, em primeiro lugar, o uso de termos no gênero

masculino em nossa lei já é usual e tem por fim apenas facilitar a leitura e compreensão do

texto, sem motivar qualquer discriminação. Em segundo lugar, porque haveria necessidade de

alterar todos os dispositivos penais do Código em vigor e de leis esparsas, para incluir as

538NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 822-823.

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figuras femininas e uniformizar os textos, o que certamente redundaria em árduo trabalho,

sem muitos efeitos práticos. Além disso, o legislador revogou o inciso III do artigo 226 do

diploma legal em questão para incluir o cônjuge no inciso II, conferindo-lhe, assim, o mesmo

tratamento destinado aos autores ali relacionados, principalmente em relação ao companheiro.

Da mesma forma, a Lei 11.106/2005 modificou a redação do texto do artigo 227, § 1o.,

do Código Penal, e inseriu o companheiro dentre as vítimas do crime de mediação para servir

à lascívia de outrem, em sua forma qualificada, e substituiu a palavra marido pela palavra

cônjuge, harmonizando-se assim com a redação de outros artigos e consagrando a isonomia

entre o homem e a mulher.

As notícias da crescente violência praticada no interior dos lares brasileiros e do

número elevado de casos em que a vítima é normalmente submetida a tais situações pelos

mais próximos, certamente determinaram a ampliação do rol dos possíveis agentes, com a

conseqüente inclusão do companheiro, ante a sua proximidade.539

O artigo 231, caput, do Código Penal também foi modificado pela Lei 11.106/2005. O

crime agora tratado pelo citado artigo é o tráfico internacional de pessoas e não mais o tráfico

de mulheres.

O legislador substituiu a palavra mulher por pessoa, já que hoje não se pode negar que

tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos passivos do delito de tráfico de pessoas,

ou seja, podem se prostituir. Além disso, puniu mais severamente a forma simples e a

qualificada do delito, acrescendo, a ambas, a pena pecuniária (art. 231, caput, §§ 1º. e 2º.,

CP), e revogando o § 3o. do artigo 231 do Código do Penal, que previa a pena de multa no

caso de prática do crime com fins libidinosos.

A Lei 11.106/2005 acrescentou novo tipo penal em nosso Código Penal, o artigo 231-

A, que prevê o tráfico interno de pessoas e assim define a conduta delitiva: Promover,

intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, transferência, o

alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha a exercer a prostituição, sem prejuízo das

539Em 16.6.2003, o Jornal da Tarde publicou artigo de autoria de Rita Magalhães que aponta o número crescente de casos de violência doméstica no Estado de São Paulo. Segundo o artigo, a polícia paulista registro 30.894 casos de espancamento de mulheres, em média 257 casos por dia ou uma agressão a cada seis minutos, sendo que em 90% dos casos os agressores eram os maridos, namorados ou amantes, de acordo com estimativa pela Delegada Dra. Márcia Bucelli Salgado do Setor Técnico de Apoio de Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher de São Paulo (Mulheres apanham.Apaixonadas ou não. Jornal da Tarde. São Paulo, 16.6.2003, Caderno A, p. 5).

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figuras qualificadas previstas no artigo antecedente (art. 231, §§ 1o. e 2o., CP). A preocupação

do legislador provavelmente se justifica pelas constantes notícias de aliciamento de mulheres

e crianças para a prostituição, sobretudo nas Regiões Norte e Nordeste do país.540

No que tange aos crimes contra a família, a Lei 11.106/2005 descriminalizou o

adultério que, desde a introdução da Lei do Divórcio no Brasil, em 1977, já parecia ser

despropositado, pois se deixou de perquirir a culpa pela separação nesses casos. Mister se faz

ressaltar que a lei em questão não trouxe inovações apenas na Parte Especial do Código Penal

em vigor, mas também em sua Parte Geral como veremos a seguir.

As causas de extinção de punibilidade previstas no artigo 107 do Código Penal foram

significativamente modificadas com o advento da Lei 11.106/2005, pois esta determinou a

revogação dos seus incisos VII e VIII.

O inciso VII do artigo 107 do Código Penal, possibilitava a declaração da extinção da

punibilidade do agente de crime contra os costumes que se casava com a respectiva vítima, e

o inciso VIII, do referido artigo, também permitia a extinção da punibilidade na hipótese em

que a vítima de crime de igual natureza, porém praticado sem violência ou grave ameaça à

pessoa, casava-se com terceiro e não promovia o prosseguimento do inquérito policial ou ação

penal em 60 dias da data da celebração.

Tais disposições tinham por fim assegurar à vítima o silêncio acerca de sua vida

pessoal já devassada com a prática de crimes tão odiosos.

Para o legislador de 1940, o casamento com o próprio autor do crime ou com terceiro

minorava as conseqüências da dor sofrida pela vítima nessas circunstâncias, por isso a melhor

solução era extinguir a punibilidade do ofensor.

Segundo Aníbal Bruno, o casamento da vítima com o autor do crime, por exemplo,

tinha por fim não só a reparação da desonra cometida pelo agente, mas também o fim do

desenrolar de suas sofridas conseqüências na esfera judicial, pois, segundo seu entender, a

540Em 28.9.2007, o Jornal da Tarde publicou artigo, informando que a Organização de Internacional de Migrações aponta que cerca de 75 mil brasileiras atuam na indústria do sexo na Europa. Segundo a ONU, a maior parte das prostitutas provém do Nordeste, sendo que, de acordo com dados do governo espanhol, há 1,8 mil prostitutas brasileiras no país e forma identificadas 32 rotas de tráfico de mulheres entre o Brasil e a Espanha, com escalas em Portugal. As investigações da polícia portuguesa determinaram, à época, a prisão do dono de um dos maiores prostíbulos situados no norte de Portugal (Portugal desmonta rede que prostituía brasileiras. Jornal da Tarde. São Paulo, 28.9.2004, Caderno A, p. 14).

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continuação do processo ou a execução da sentença condenatória não faria mais que

agravar o dano com o seu efeito infamante sobre o casal agora unido em face da lei.541

Na hipótese do inciso VIII do artigo 107 do Código Penal, Basileu Garcia elucida-nos

que razoável era a extinção da punibilidade do agente quando do casamento da vítima com

terceiro, pois sua inércia poderia revelar a intenção de apagar o passado ante a preocupação

com sua vida futura ao lado de outrem.542

Está claro que o legislador, motivado pelo mesmo espírito renovador e com o evidente

intuito de adaptar a lei à realidade de nossos tempos entendeu, por bem, revogar os incisos

citados com o advento da Lei 11.106/2005, impedindo assim que a vítima fosse coagida a

desistir do início ou do prosseguimento da persecução penal contra o ofensor, em razão de seu

casamento com ele ou com terceiro.

Como já ressaltado neste item (p. 201-202), a inclusão da mulher no mercado de trabalho,

que resultou em sua independência econômica, a mudança da concepção da sociedade a respeito

do casamento e as novas formas de constituição da família tornaram obsoletos os mecanismos

tratados pelos incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal. Na verdade, as razões da

introdução dos incisos VII e VIII no artigo 107 do Código Penal certamente refletiam os costumes

da sociedade brasileira à época da promulgação do Código Penal de 1940, que preferia ver a

vítima casada com seu algoz, uma vez deflorada, a deixá-la aos cuidados das maledicências

sociais. Preferível, pois, o casamento com o causador do dano, ainda que isso fosse a conquista da

infelicidade eterna, a deixá-la sem um pretendente por conta de um passado maculado.

Atualmente, não é crível que a mulher opte pelo casamento com alguém que violou

tão gravemente sua dignidade, exceto, cremos nós, em algum caso patológico. E não é

admissível que a mulher entenda razoável casar-se com alguém que não a respeitou em um

primeiro momento, pois certamente isso se fará uma constante ao longo dos anos.

Além disso, não podemos esquecer que o Brasil é palco de imensa desigualdade social e

econômica e que as diferenças culturais regionais são notórias. A colonização por nações diversas

e a miscigenação oriunda da fusão de tantas raças trouxe essa clara falta de harmonia entre os

costumes evidenciados no Brasil, o que é ainda intensificado pela dimensão de nosso território.

541BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1984. t. 3, n.12, p. 228. 542GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, cit., p. 693.

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Assim, a marca sofrida por uma vítima de crime contra a liberdade sexual possa ser

realmente cicatrizada quando do seu enlace com o respectivo autor em alguns lugares de

nosso país, por conta das fortes tradições regionais. Em outros, porém, talvez se queira a sua

punição independentemente do rumo que a vítima tenha dado à sua vida, ou seja, quer ela

tenha se casado com o agente ou com terceiro.

É difícil a tarefa do legislador pátrio que tenta uniformizar diferentes hábitos e garantir

o tratamento igualitário aos cidadãos independente de sua origem ou costumes. Essa função

torna-se ainda mais árdua quando se tem em tela a lei penal, cuja aplicação pode cercear a

liberdade dos indivíduos.

De qualquer forma, vale ressaltar que as mudanças operadas com a revogação dos

incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, não têm apenas o condão de adequar os

conceitos de nossa sociedade acerca do casamento, mas sim evitar abusos e a impunidade,

pois não há dúvidas de que odiosa é a hipótese em que a vítima e seus familiares são

obrigados a aceitar o casamento com o autor do crime ou com terceiros, para evitar a punição

do agente. Não se pode deixar de apontar a gravidade destes fatos, mormente quando se trata

de menores e de família privada de recursos financeiros.

Aliás, o inciso VII do artigo 107 do Código Penal, que admitia extinção da

punibilidade sem qualquer manifestação da vítima, era realmente despropositado, pois se

acreditava que o casamento era realmente o marco do perdão e da reparação do mal

causado.

De qualquer forma, desnecessários eram realmente tais mecanismos, pois a lei

conferia à vítima a faculdade de ver processado ou não o seu algoz, independentemente

das soluções dadas a sua via pessoal. Sabe-se que a vítima tem a possibilidade de refletir a

respeito da promoção ou não da ação penal contra o seu ofensor, pois a lei lhe confere

prazo de 6 (seis) meses, a contar da data do fato ou do conhecimento da autoria, se ela a

desconhece, para apresentar ou não sua queixa-crime (art. 225, caput, CP) ou

representação (art. 225, § 1o., I e § 2o., CP), exceto no que tange às hipóteses da

verificação de violência real e nos crimes praticados contra os costumes e qualificados

pelo resultado morte ou lesões graves (art. 223, caput e parágrafo único, c.c. art. 101,

CP), ou quando o crime é praticado com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de

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padrasto, tutor ou curador (art. 225, II, CP), cuja ação é pública incondicionada.543

De qualquer sorte, parece-nos óbvio que a violência não pode ser abrandada pelo

casamento. Felizmente, porém, o legislador alterou a redação do artigo e, em nosso entender,

de forma correta, adequou-o aos desejos sociais.

Há ainda de se abordar que a redação dos revogados incisos VII e VIII do artigo 107

do Código Penal, omitia-se a respeito da solução dada à hipótese em que a vítima estabelecia

união estável com o autor do delito ou com terceiro.

Porém, antes da revogação dos incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, a

jurisprudência dominante de nossos Tribunais já admitia a inserção do companheiro ou da

companheira, este mais raro, nas referidas hipóteses.

Assim, ainda que com o advento da Lei 11.106/2005 a questão já esteja superada, é

necessário tecer algumas considerações acerca das causas de extinção de punibilidade em

pauta, porque a posição jurisprudencial reinante até então em nossos Tribunais já retratava a

necessidade de urgente reformulação dos tipos penais para inclusão da união estável em seus

termos.

Nossas Cortes Supremas já haviam analisado a questão em alguns casos, como será

mencionado nos parágrafos a seguir, reconhecendo, em muitos deles, a extinção da

punibilidade do agente que passasse a viver em união estável com a vítima ou quando esta

última estabelecesse união não-matrimonial com terceiro.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente pronunciou-se sobre o reconhecimento da

543Nos crimes contra os costumes, a lei penal preferiu optar pela iniciativa da vítima para o início do inquérito ou ação penal, pois é certo que isto traz à baila questões muito íntimas e constrangedoras (art. 225, caput, CP). Porém, em alguns casos, o legislador excepcionou a regra geral e entendeu por bem possibilitar a representação de sua parte para que o Ministério Público pudesse ter legitimidade para promover a respectiva ação penal, como, por exemplo, nos casos em que a vítima e sua família não podem prover as despesas do processo sem se privarem de recursos financeiros necessários à sua sobrevivência (art. 225, § 1o., I, CP). Em outras hipóteses, dada a gravidade do delito, o legislador entendeu por bem que a ação seria pública incondicionada, ou seja, de iniciativa do Ministério Público e portanto sem a discricionariedade da vítima a respeito de sua propositura ou não. Assim, a ação será pública incondicionada se o crime sexual for praticado com abuso do pátrio poder, ou por agente na qualidade de padrasto, tutor ou curador da vítima ou nos casos em que crime for qualificado pelo resultado morte ou lesões graves (art. 223 e parágrafo único c.c. art. 101, CP). Guilherme de Souza Nucci elucida-nos que, em relação a esta última hipótese, o Supremo Tribunal Federal já havia editado a Súmula 608 nos seguintes termos: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada, a fim de encerrar as discussões doutrinárias a respeito de ser ou não o crime de estupro crime complexo e, portanto, adotar-se ou não a regra do artigo 101 do Código Penal e ainda por uma questão de política criminal, pois queria impedir-se que a vítima escondesse fatos tão graves. NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 478.

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extinção da punibilidade em caso em que a vítima estabeleceu união estável com o agente.

Esse pronunciamento verificou-se quando do julgamento do Recurso Especial no. 493.149, de

19 de agosto de 2003, publicado em 22 de setembro de 2003, interposto pelo Ministério

Público do Estado do Acre contra v. acórdão proferido pela Câmara Criminal do Tribunal de

Justiça do Estado que deu provimento ao recurso do réu e declarou extinta a sua punibilidade,

com fundamento no inciso VIII do artigo 107 do Código Penal, pois a vítima estabeleceu,

com ele, união estável. O então Relator Ministro Gilson Dipp fundamentou o seu voto em

outros julgados da mesma Corte e do Supremo Tribunal Federal, mais precisamente no

julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus no. 79.788-1/MG, cujo Relator foi o

Ministro Nelson Jobim, publicado em 17 de agosto de 2001, e, ao verificar que o Tribunal do

Estado havia afastado a violência real e a grave ameaça, confirmou a extinção da punibilidade

do agente, que havia se casado apenas religiosamente com a vítima de treze anos.

Entretanto, a redação da ementa parece-nos um pouco confusa, pois, ao agregar os incisos

VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, não esclarece, como na fundamentação, que o caso se

relaciona à união estável entre a vítima e o próprio réu, por isso a questão da violência não

precisaria ser analisada, pois o primeiro inciso não contém essa exceção, como o faz o segundo.

Vejamos:

PENAL. RESP. CRIME DE ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. UNIÃO ESTÁVEL DA VÍTIMA COM TERCEIRO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

I - Não obstante o Código Penal prever como forma de extinção da punibilidade, nos crimes contra os costumes, o casamento civil com terceiros, deve-se admitir, para o mesmo efeito, a figura jurídica da união estável (Precedentes do STF e desta Corte).

II - Hipótese em que a vítima de estupro, cometido mediante violência presumida, casou-se com o réu somente no âmbito religioso, restando configurada a união estável e, portanto, extinta a punibilidade.

III - Recurso desprovido.544

O Supremo Tribunal Federal também, em sua maioria, admitia a possibilidade de

aplicação analógica dos dispositivos citados para declarar a extinção de punibilidade no caso

de união estável estabelecida pela vítima com o réu ou com terceiro.

544Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 493.149, 5ª. Turma, Rel. Min, Gilson Dipp, j. 19.8.2003. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?data=%40DTDE+%3E%3D+20030819 &livre=%28estupro%29+&processo=493149&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> , acesso em 16.5.2007.

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O julgado do Supremo Tribunal Federal, mencionado pelo Ministro Gilson Dipp no

julgamento do Recurso Especial antes analisado, ou seja, aquele proferido da apreciação de

Recurso Ordinário interposto em Habeas Corpus no. 79.788-1, de Minas Gerais, datado de 2

de maio de 2000 e publicado em 17 de agosto de 2001, cujo Relator era o então Ministro

Nelson Jobim, parece-nos de extrema relevância, pois, apesar de não ter acolhido as razões

aduzidas pelo réu para extinção da punibilidade fundada em união estável da vítima com

terceiro, devido a questão de ordem processual, conta com brilhante fundamentação e ainda

contém a declaração de voto vencido do Ministro Marco Aurélio Mello que defende o

afastamento da presunção da violência em casos dessa natureza, reconhecendo

especificamente na hipótese a atipicidade da conduta em razão das reiteradas relações sexuais

mantidas entre o réu e a vítima anos antes do fato.

Passo então a analisar o julgado, transcrevendo inicialmente a sua ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. ESTUPRO. NEGATIVA DE AUTORIA. ERRO DE TIPO. VIDA DESREGRADA DA OFENDIDA. CONCUBINATO.

1. Em se tratando de delito contra os costumes, a palavra da ofendida ganha especial relevo.

Aliada aos exames periciais, ilide o argumento da negativa de autoria.

2. O erro quanto à idade da ofendida é o que a doutrina chama de erro de tipo, ou seja, o erro quanto a um dos elementos integrantes do erro do tipo.

A jurisprudência do Tribunal reconhece a atipicidade do fato somente quando se demonstra que a ofendida aparenta ter idade superior a 14 (quatorze) anos. Precedentes.

No caso, era do conhecimento do réu que a ofendida tinha 12 (doze) anos de idade.

3. Tratando-se de menor de 14 (quatorze) anos, a violência, como elemento do tipo, é presumida.

Eventual experiência anterior da ofendida não tem força para descaracterizar essa presunção legal. Precedentes.

Ademais, a demonstração de comportamento desregrado de uma menina de 12 (doze) anos implica em revolver o contexto probatório.

Inviável em Habeas.

4. O casamento da ofendida com terceiro, no curso da ação penal, é causa de extinção da punibilidade (CP, art. 107, VIII)

Por analogia, poder-se-ia admitir, também, o concubinato da ofendida com

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terceiro. Entretanto, tal alegação deve ser feita antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

O recorrente só o fez após o trânsito e julgado.

Negado provimento ao recurso. 545

O Relator Ministro Nelson Jobim afastou a aplicação do inciso VIII do

artigo 107 do Código Penal à hipótese, pois, em seu entender, a união estável com terceiro

deve ser estabelecida no curso da ação penal. No caso dos autos, consta que a vítima passou a

viver em união estável com outrem anos após o trânsito em julgado do v. acórdão que

confirmou a sentença condenatória, por isso o benefício restou prejudicado.

O Excelentíssimo Relator, entretanto, defende a possibilidade de aplicação analógica

dos incisos em estudo para as hipóteses em que a vítima estabelecesse união estável com o

autor do crime ou com terceiro, revelando-nos assim o entendimento da mais alta Corte do

país a respeito.

Porém, como o então Relator deixou claro em seu voto, a falta de disposição especial a

respeito do instituto da união estável gerava sérias dúvidas no intérprete a respeito do

reconhecimento da união não-matrimonial, com o autor ou com terceiro, como causa de

extinção de punibilidade e, ainda, da extensão de seus efeitos no caso concreto. No próprio

julgamento em questão, a união estável com terceiro não foi reconhecida, pois foi estabelecida

após o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que nos parece correto, apesar da

inexistência de expressa solução legal para tanto.

Mister também se faz reproduzir recente decisão do Supremo Tribunal Federal em

relação à matéria, quando submetido Recurso Extraordinário nº. 418.376, por julgamento pelo

Tribunal Pleno em 9 de fevereiro de 2006, por maioria negou-se provimento a ele para que

não se reconhecesse a extinção da punibilidade fundada no artigo 107, inciso VII, do Código

Penal, em virtude da união estável estabelecida entre o réu e a vítima, vencidos os Senhores

Ministros Marco Aurélio (relator), Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, conforme se verifica

pela ementa a seguir transcrita:

EMENTA: PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART. 107, VII, DO CÓDIGO

545Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 79788, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim. 2.5.2000 em: <http://www.stf.gov.br/SCON/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp.> , acesso em 16.5.2007.

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PENAL. INOCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. O crime foi praticado contra criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz de se autodeterminar e de expressar vontade livre e autônoma. Portanto, inviável a extinção da punibilidade em razão do posterior convívio da vítima - a menor impúbere violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode ser caracterizado como união estável, nem mesmo para os fins do art. 226, § 3º., da Constituição Republicana, que não protege a relação marital de uma criança com seu opressor, sendo clara a inexistência de um consentimento válido, neste caso. Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida pela Lei n°. 11.106/2005 - embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei posterior aos fatos -, mas que dela prescinde, pois não considera validamente existente a relação marital exigida pelo art. 107, VII, do Código Penal. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido.546

Os fatos em questão ocorreram antes do advento da Lei 11.106/2005, que revogou os

incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, por isso ainda se fazia presente a discussão

a respeito da extinção da punibilidade na hipótese.

O Ministro Marco Aurélio Mello, em seu brilhante voto, apesar de vencido, ressaltou a

importância da união estável no sistema jurídico nacional, defendendo a impossibilidade de

não se equiparar a instituição à entidade familiar semelhante àquela oriunda do casamento,

ante o dispositivo constitucional expresso que hoje assim a considera e ainda impõe ao Estado

o dever de protegê-la (art. 226, caput e § 3º., CF). Ele pondera que no caso em concreto, a

vítima e o réu, unidos por relação dessa natureza, hoje constituem uma família e tem um filho

desse relacionamento, o que fortalece os laços entre ambos e determina o seu resguardo pela

lei.

Vale ressaltar que, apesar de negado provimento ao recurso, os Senhores Ministros do

Supremo Tribunal Federal ponderaram em seus respectivos votos a inegável importância da

união estável no Brasil, reconhecendo seus efeitos também diante do Direito Penal, mas

deixaram de acolher ao apelo, por conceberem que a vítima era incapaz de consentir quanto

ao estabelecimento da relação amorosa com o réu, ante a tenra idade, o que é absolutamente

justificável.

Contudo, a revogação dos incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, pôs fim à

discussão a respeito do tema e à polêmica gerada sobre o assunto.

546Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 418.376, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio. j. 9.2.2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp?s1=estupro&p=2&d=SJUR>, acesso em 16.5.2007.

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4.4.3 - Da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, “Lei Maria da Penha”

A Lei 11.340/2006 estabelece medidas de prevenção e repreensão contra a violência

doméstica e familiar praticada contra a mulher e foi batizada de “Lei Maria da Penha” 547, pois

rende homenagens à luta de quase vinte anos da biofarmacêutica Maria da Penha Maia

Fernandes, para ver imposta justa condenação a seu marido que, por duas vezes, tentou matá-

la, e, sem sucesso, deixou-a com seqüelas permanentes, a paraplegia nos membros inferiores.

Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo e Rodrigo Viana Saraiva relatam-nos que o

agressor teria atirado contra Maria da Penha durante o sono, afirmando a todos que ela teria

sido vítima de um roubo. Duas semanas após o fato, a vítima ainda se recuperava quando foi

novamente alvo das atrocidades de seu marido que tentou eletrocutá-la enquanto ela se

banhava.548

As alterações trazidas pela Lei 11.340/2006, em que pesem as críticas já tecidas por

nossos juristas, são frutos não só de movimentos sociais contrários à violência contra a

mulher, mas da inocuidade da Lei 10.886/2004, que introduziu no Código Penal o crime de

violência doméstica (art. 129, § 9o., CP), e, sobretudo, dos compromissos formalizados pelo

governo brasileiro em acordos internacionais, conforme vimos no item 4.4.1 desse capítulo.

Trata-se de lei que contém 7 (sete) títulos e dispõe de 46 (quarenta e seis) artigos,

artigos estes que definem a violência familiar e doméstica praticada contra a mulher, prevêem

mecanismos penais e extrapenais para prevenir e coibir os casos de violência praticada no

âmbito doméstico e ainda dispõe sobre várias medidas de proteção e assistência a tais vítimas

(arts. 11, 22, 23 e 24). Há, ainda, disposições destinadas à criação do Juizado Especial de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (arts. 14 e 33), com previsão de assistência à

ofendida por equipe de atendimento multidisciplinar, formada por profissionais especializados

nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29 e ss.).

A Lei 11.340/2006 ainda altera o artigo 152 da Lei de Execuções Penais, que, em seu

parágrafo único, passa a prever a possibilidade de o juiz determinar a comparecimento do

agressor a programas de recuperação e reeducação (art. 45).

547Texto da Lei 11.340/2006 no Anexo XIV, v. II, p. 167-177. 548RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1.170, 14.9.2006, Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911>, acesso em: 18.12.2006.

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Inova a legislação ao introduzir em nosso sistema a definição de violência doméstica e

familiar contra a mulher, dispondo no caput do seu artigo 5o., que por ela se entende qualquer

ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou

psicológico e dano moral ou patrimonial.

Elogios devem ser feitos ao posicionamento do legislador pátrio, que ampliou a esfera

de proteção da vítima de violência familiar e doméstica e preocupou-se com as emanações da

individualidade do ser humano, principalmente com a integridade psicológica da ofendida

que, por vezes, é abalada, porém de forma velada.

Outros pontos desta nova lei são ainda considerados louváveis por nossos estudiosos

do Direito como trataremos nos parágrafos seguintes.

Maria Berenice Dias ressalta a importância da Lei 11.340/2006 em face das inúmeras

notícias de atos de violência praticados nos lares brasileiros, acrescentando que, além das

medidas previstas pela lei citada, há de se ter em mente que:

(...) a mais eficaz arma para coibir a violência doméstica é gerar no agressor a consciência de que ele não é proprietário da mulher, não pode dispor de seu corpo, comprometer impunemente sua integridade física, higidez psicológica e liberdade sexual.549

Fernando Vernice dos Anjos elucida-nos que, dentre as medidas penais propostas pela

nova lei, destacam-se a majoração da pena máxima prevista para sancionar o crime de

violência doméstica, a vedação da aplicação dos intuitos da Lei 9.099/95 aos crimes que

envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher e ainda o aumento das hipóteses de

cabimento da prisão preventiva e em flagrante em relação aos crimes em tela.550

O autor elogia a iniciativa do legislador de sancionar mais severamente os autores de

tais crimes, mas nos remete à reflexão a respeito dos cuidados necessários para não se atribuir

à Lei 11.340/2006 a função meramente simbólica, porquanto isso tem se tornado uma

constante no nosso sistema penal.551

Como se sabe, nem sempre sanções penais mais duras são realmente eficazes para a

549DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica: uma nova lei para um velho problema!. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, São Paulo, n. 168, nov./2006, p. 9. 550ANJOS, Fernando Vernice dos. Direito penal simbólico e Lei de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, São Paulo, n. 167, out./2006, p. 10. 551Id.,op. e loc. cit.

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resolução de conflitos. Além disso, a falta de efetividade das reprimendas de natureza penal

gera descrédito ainda maior na população e, por conseqüência, a promulgação de leis mais

rigorosas, que motiva um verdadeiro círculo vicioso e interminável em nosso sistema penal.

Fernando Vernice dos Anjos nos aponta a omissão estatal como uma das causas

determinantes para o incremento da violência, pois, por vezes, não são adotadas medidas

preventivas necessárias para coibi-la e nem sempre se fiscaliza o cumprimento das

penalidades impostas aos ofensores. De outro lado, alerta-nos de que a Lei 11.340/2006 prevê

medidas integradas de prevenção e repressão à violência contra a mulher com ampla atuação

estatal e intervenção da sociedade civil, o que, em seu entender, permitirá a implementação de

medidas sociais adequadas e determinará significativas mudanças na estrutura de nossa

sociedade, eliminando a função aparentemente simbólica desta lei.552

A Lei 11.340/2006, apesar de recentemente promulgada, já se demonstra polêmica, pois

inúmeras são as críticas tecidas a respeito de sua eficácia e constitucionalidade, críticas estas,

aliás, em nosso entender, muito pertinentes, como veremos nas lições de Renato de Mello Jorge

Silveira, Maria Lúcia Karam e João Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca.

Renato de Mello Jorge Silveira aponta que as medidas mais rigorosas adotadas pela nova

lei são, na verdade, discriminatórias, pois o próprio Estado, embora na tentativa de ampliar as vias

de proteção, reconhece que certas modalidades de pessoas, no caso, as mulheres, são mais frágeis

e precisam de cuidados, por isso requerem tratamento diferenciado. Segundo a concepção do

autor, isto levará à segregação social e à tolerância da violência em ambientes internos, pois o

tratamento desigual de situações idênticas certamente gerará inúmeros conflitos. Além disso,

afirma que essa construção legislativa não se coaduna com a melhor técnica, pois celebra o

denominado “Direito Penal de Gênero” que, na verdade, deve ser evitado, a fim de que a lei penal

possa ser aplicada indistintamente aos homens e mulheres.553

Maria Lúcia Karam, por sua vez, alega que, no afã de superproteger a mulher, o

legislador infraconstitucional não observou o princípio da isonomia entre homens e mulheres

e ignorou os direitos fundamentais constitucionalmente previstos, além de inferiorizar ainda

mais a mulher, quando, por exemplo, previu que a renúncia à representação somente pode se

552ANJOS, Fernando Vernice. op. cit., p. 10. 553SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Tipificação criminal da violência de gênero: paternalismo legal ou moralismo penal? .Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, São Paulo, n. 166, set./2006, p. 7.

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operar perante um Juiz de Direito e após a oitiva do Ministério Público, o que a iguala a

pessoa desprovida de capacidade para tomar decisões próprias.554

João Paulo de Aguiar Sampaio Souza e Tiago Abud da Fonseca também afirmam que

a distinção da vítima pelo gênero é inaceitável, ressaltando ainda que isto implica o

reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 11.340/2006, pois não há dúvidas de que ela

contraria flagrantemente o dispositivo da Carta Maior que prevê a igualdade do homem e da

mulher em direitos e deveres, sobretudo no que se refere à sociedade conjugal e aos filhos

havidos ou não na constância do casamento (art. 226, §§ 5o. e 6o., CF).555

Para ilustrar, os mesmos autores sugerem a hipótese de um pai que agride sua filha e

filho, este irmão da primeira, sob a égide desta lei. No primeiro caso, ele responderá pelo

crime de lesão corporal previsto no artigo 129, § 9º., do Código Penal com a nova sanção

imposta pelo artigo 44 da Lei 11.340/2006, portanto sem o direito aos benefícios da Lei

9.099/95 e mediante ação pública incondicionada. No segundo caso, ele responderá pelo

mesmo crime com as mesmas sanções, porém poderá ser beneficiado pelos ditames da Lei

9.099/95, pois a nova lei somente afasta sua incidência em relação aos crimes praticados

contra a mulher. Além disso, a ação penal ficará condicionada à representação da vítima.556

João Paulo de Aguiar Sampaio de Souza e Tiago Abud Fonseca ainda ressaltam que o

diploma legal em pauta não observa o princípio constitucional da proporcionalidade, pois

permite que a violação à integridade física oriunda da violência doméstica, por exemplo, seja

sancionada de forma mais severa do que o atentado contra a vida no crime de aborto

consentido, que admite aplicação do “sursis processual” previsto na Lei 9.099/95.557

Maria Lucia Karam também se vale dos fundamentos utilizados pelos autores acima

citados para defender a manutenção da aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de violência

doméstica e familiar contra a mulher e a substituição das penas privativas de liberdade por

penas restritivas de direto e multa558, valendo ressaltar que a lei também veda expressamente a

substituição da pena privativa de liberdade por prestação pecuniária de qualquer natureza ou

554KARAM, Maria Lúcia. Violência de gênero: o paradoxal entusiasmo pelo rigor penal. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, São Paulo, n. 168, nov./ 2006, p. 7. 555SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio de; FONSECA, Tiago Abud. A aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra a mulher. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, São Paulo, n. 168, set./ 2006, p. 4. 556SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio de; FONSECA, Tiago Abud. op. cit., p. 4. 557Id. Ibid., pp. 4-5. 558KARAM, Maria Lúcia. op. cit., p. 6.

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pela pena de multa de forma isolada (art. 17).

A Lei 11.340/2006 ainda altera a redação da alínea f do inciso II do artigo 61 do

Código Penal, para incluir, dentre as agravantes, o delito praticado com violência contra a

mulher na forma da lei específica.

Quanto à alteração do artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, algumas

considerações devem ser feitas.

Em primeiro lugar, como já apontado no Capítulo III, item 3.5 desse estudo (p. 172), a

circunstância agravante em questão já integra o tipo qualificado previsto no artigo 129, § 9o.,

do Código Penal, o que impede que o julgador a considere na dosimetria da pena em relação a

este crime, a fim de evitar o bis in idem. Isso já se evidencia desde o advento da Lei

10.886/2004, que introduziu o § 9o. no artigo 129 do Código Penal.

Guilherme de Souza Nucci criticava a solução dada pela Lei 10.886/2004, que

introduziu em nosso sistema o “crime de violência doméstica”, pois a inserção da agravante,

em delito derivado, impede o seu reconhecimento na aplicação da pena e, portanto, sua

majoração. Além disso, ele aponta que a pena prevista pelo legislador para o crime de

violência doméstica, ou seja, detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, é inócua para sancionar

o agressor, pois permite que o crime seja ainda qualificado como infração de menor potencial

ofensivo, o que, como se sabe, determina o reconhecimento de vários benefícios da Lei

9.099/95, tais como a composição civil, a aplicação imediata de penas restritivas de direitos

ou multa e o não-reconhecimento dos efeitos da reincidência.559

A Lei 11.340/2006, porém, trouxe alteração significativa quanto ao tratamento mais

severo dos crimes de violência doméstica, pois a pena antes prevista foi por ela majorada para

detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos, o que parece ter reparado a omissão do legislador

no que tange à sanção mais eficaz na hipótese.

Com impossibilidade de agora se aplicar os benefícios da Lei 9.099/95 aos crimes

praticados com violência à mulher ante a vedação expressa do artigo 41 da Lei 11.340/2006, o

que merece reflexão, foi acertada a solução dada pelo legislador ao caso, pois é claro que o

aumento de delitos praticados com violência no âmbito familiar e doméstico em nosso meio

talvez seja fruto da impunidade de seus autores.

559NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., pp. 569-570.

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Há de se ressaltar ainda que a Lei 11.340/2006 introduziu no artigo 129 mais um

parágrafo, o § 11, que dispõe que, na hipótese do § 9o, a pena será majorada de 1/3 (um terço) se o

crime foi praticado contra pessoa portadora de deficiência, o que nos evidencia a intenção do

legislador de evitar casos semelhantes ao da homenageada Maria da Penha Maia Fernandes.

No que tange ao aspecto processual, a Lei 11.340/2006 também trouxe inovações.

O artigo 12 da Lei 11.340/2006 dispõe sobre o procedimento a ser adotado pela

autoridade policial na instauração e processamento do inquérito, ante a impossibilidade de

aplicação da Lei 9.099/95 (art. 41, Lei 11.340/2006).

No rito processual previsto pela lei em pauta, estão dispostas medidas assistenciais de

competência da autoridade policial (art. 11), bem como a possibilidade de aplicação das

denominadas medidas protetivas de urgência, a pedido da ofendida ou do Mistério Público.

Tais medidas referem-se ao agressor (art. 22) ou à própria ofendida (arts. 23 e 24), e o pedido

que as requer deverá ser encaminhado, em expediente separado, em 48 horas, ao juiz, que o

analisará, sem prejuízo da adoção de outras providências que julgar necessárias (art. 19, § 3o.).

Com relação à prova, amplia-se a admissão de seus meios, pois se permite agora que a

materialidade do crime em questão seja demonstrada por laudos ou prontuários médicos de

hospitais e postos de saúde (art. 12, § 3o.)

Quanto à competência jurisdicional, a Lei 11.340/2006 institui o Juizado de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas dispõe que, enquanto não criado, as Varas

Criminais acumularão as competências cível e criminal para processar e julgar as respectivas

ações (arts. 14 e 33)560 e ainda prevê que os atos processuais poderão ser realizados em

560Não há dúvidas de que a lei neste ponto criará verdadeiro tumulto no que tange à organização judiciária e à distribuição de competência das Varas Especializadas respectivas. Parece-nos que neste item, na tentativa de agilizar a aplicação das medidas, o legislador pecou pelo excesso, pois é certo que a lei processual civil já prevê muitas das medidas constantes da Lei 11.340/2006 relacionadas às pretensões da ofendida, tais como separação de corpos, arrolamento de bens, busca e apreensão de bens e pessoas, etc. Na realidade, creio que a melhor solução para o caso fosse destinar advogados da assistência judiciária ou mesmo Procuradores do Estado para o pronto atendimento da ofendida, a fim de que a respectiva providência pudesse ser logo tomada. Vale citar aqui que, apesar de recente, a lei realmente já causa questionamentos quanto à competência. Em recente manifestação, o Desembargador Canguçu de Almeida, Presidente da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, comunicou a todos os Juízes do Estado de São Paulo, que, nos Conflitos de Jurisdição sob nº. 141.765.0/0-00 e nº. 141.939.0/4-00, a ela submetidos, decidiu-se que as ações de separação de corpos, preparatórias de futura ação de separação judicial, serão processadas pelas Varas da Família e Sucessões, mesmo que envolvam violência doméstica ou familiar à mulher, mas desde que não solicitada nenhuma das medidas protetivas da Lei 11.340/2006. Neste último caso, ou seja, solicitada a medida quando do registro da ocorrência, serão competentes as Varas Criminais. (Comunicado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicado no Caderno 1, Parte I, na Seção I - Atos do Tribunal de Justiça, Subseção I - Atos e Comunicados da Presidência, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, 24 jan. 2007, v. 77, n. 17, p. 1).

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horário noturno (art. 14, parágrafo único).

As atribuições do Ministério Público também foram alteradas pela Lei 11.340/2006.

Assim, no que tange às causas que envolvam violência doméstica e familiar à mulher, além de

cadastrar as demandas (art. 26, III) o Promotor de Justiça deverá intervir nas causas cíveis e

criminais respectivas (art. 25), requisitar, quando necessário, força policial e serviços públicos

de saúde, educação, assistência e segurança (art. 26, I), bem como fiscalizar seu atendimento

(art. 26, II).

Em relação à prisão preventiva, a Lei 11.340/2006 também inovou ao prever a

possibilidade de sua decretação para os crimes que envolvem violência doméstica ou familiar

contra a mulher e ainda acrescentou novo inciso (inc. IV) ao artigo 313 do Código de

Processo Penal, que antevê outra hipótese para justificá-la, ou seja, a garantia de execução das

medidas de urgência previstas pela citada lei (arts. 20 e 42).

Parece-nos que a alteração referente à prisão preventiva se operou de forma

inapropriada, pois é certo que o legislador, ao tentar agravar as conseqüências do crime de

violência doméstica, esqueceu-se de que a decretação da prisão preventiva em relação aos

crimes punidos com detenção, requer circunstância excepcional (art. 313, II, CPP). A Lei

11.340/2006 não se referiu a essa circunstância excepcional, o que pode gerar dúvidas no

aplicador da lei quanto a sua exigência e, portanto, quanto à conjugação dos incisos do artigo

313, do Código Processo Penal para sua decretação, o que certamente a dificultará.

No mais, entendemos exagerada a solução dada pelo legislador no que tange às

justificativas da prisão preventiva, pois agora podem fundar-se no descumprimento das

medidas de urgência, que, em sua maioria, possuem natureza estritamente civil, o que poderia

ser objeto de outra medida na esfera competente. Além disso, a prisão decretada face o

descumprimento das medidas de urgência parecem traduzir-se em fundamento para a

admissão de nova espécie de prisão civil, como no caso do acusado que se recusa a deixar o

lar conjugal. Isso não se harmoniza com o texto constitucional no quesito sobre a prisão civil

como medida de exceção.

Por fim, no que se refere à ação penal condicionada à representação, a renúncia da

vítima quanto ao prosseguimento da persecução penal somente pode se dar perante o juiz, e

após a oitiva do Ministério Público, em audiência designada especialmente para esse fim (art.

16).

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Tecidas as devidas considerações e sem prejuízo da consideração das divergentes

opiniões a respeito da Lei 11.340/2006, interessa-nos a análise do novo conceito de família

que ela introduziu em nosso sistema.

Primeiramente, analisaremos a redação do artigo 5o., da Lei 11.340/2006, que assim

dispõe:

Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Verifica-se que a Lei 11.340/2006 define um sujeito passivo único, ou seja, a mulher,

pontua a concepção da natureza do ato de violência que pretende reprimir, o meio onde essa

violência pode ser praticada e as relações pessoais entre agente e vítima. O legislador, no

intuito de alcançar as possíveis hipóteses fáticas do crime, preocupou-se com todas estas

circunstâncias. Para tanto, diferenciou a violência doméstica praticada contra a mulher

daquela da qual ela é vítima no âmbito familiar.

Assim, por violência doméstica deve-se entender a ação ou a omissão, descrita no

caput do artigo 5o. da Lei 11.340/2006, evidenciada em espaço de convívio permanente de

pessoas, ainda que esporadicamente agregadas, e ligadas, ou não, por vínculo familiar (art.

5º., I).

Fabrício da Mota Alves afirma que, no âmbito doméstico, o convívio entre agente e

vítima é necessário, mas as relações familiares entre ambos não, o que significa que há de se

incluir, na definição, os empregados domésticos, visto que o citado artigo é expresso ao

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mencionar as pessoas esporadicamente agregadas àquele meio.561

Já a violência familiar praticada contra a mulher evidencia-se em outro contexto, pois

a lei dispõe que ela se verifica na comunidade formada por indivíduos unidos por laços de

parentesco naturais ou por afinidade, ou por vontade própria (art. 5º., II).

Felizmente, o legislador previu a proteção à integridade física e moral das mulheres

que vivem em união estável, reconhecendo-a, portanto, como entidade familiar nos termos

dos ditames constitucionais. Além disso, parece-nos que o detalhamento das situações

previstas no artigo 5o. da lei em pauta também teve por fim englobar a família substituta e a

monoparental, o que também é muito louvável.

Mister se faz mencionar que a preocupação com a repressão do crime de violência

doméstica foi tão grande que o legislador ainda previu mais uma hipótese de ocorrência de

violência desse gênero contra a mulher no referido artigo 5o., ou seja, aquela praticada pelo

agente que se vale de qualquer relação íntima de afeto estabelecida entre ele e a vítima, com

convivência atual ou não e independente de coabitação (art. 5º., III). Nesta hipótese, parece-

nos que o legislador pretendeu abarcar a situação dos namorados ou ex-namorados, dos ex-

companheiros ou ex-esposos, garantindo que nenhuma delas ficasse excluída dos rigores da

lei.

A ampliação dos casos de violência praticada contra a mulher no âmbito familiar e

doméstico pela lei em questão nos faz vislumbrar que o legislador tentou retratar a realidade

social brasileira atual e estender a aplicação desta lei indistintamente aos comportamentos dos

integrantes das possíveis relações amorosas conhecidas, o que é muito elogiável, pois não há

de se diferenciar os membros da família oriunda do matrimônio daqueles que integram as

uniões informais.

Por conseqüência, prestigiou a união estável como entidade familiar já

constitucionalmente reconhecida, o que merece os nossos aplausos, pois os princípios da

isonomia e da dignidade da pessoa humana foram finalmente respeitados. Além disso, a lei

adequada ao seu tempo evita a sua atualização constante e eventuais dúvidas geradas em seus

intérpretes e em seus próprios destinatários quanto à sua vigência e extensão.

Porém, é de acrescentar que a Lei 11.340/2006, além de se adequar aos novos valores

561ALVES, Fabrício da Mota. op. cit. (texto da internet).

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sociais, avançou quanto à realidade de nossos tempos.

Vejamos:

A Lei 11.340/2006 instituiu, em nosso sistema, novo conceito de entidade familiar que

já tem sido reconhecida por nossos Tribunais há algum tempo como ressaltado no Capítulo II,

item 2.4.4, nota de rodapé n. 169 (p. 74), ou seja, a união homoafetiva. Inovador o Direito

Penal no campo da homoafetividade, pois se sabe que o Direito Civil limitou-se a

regulamentar o dispositivo constitucional ao reconhecer a união estável entre o homem e a

mulher como entidade familiar, sem qualquer menção às relações entre homossexuais.

Porém, deve-se ponderar que a Lei 11.340/2006 somente rege as hipóteses de

homossexualismo feminino, pois regulamenta apenas os casos de violência praticada contra a

mulher, o que importa flagrante violação do princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), já que

a referida lei não pode ser aplicada aos casos de casais homossexuais do sexo masculino,

principalmente quando se têm em tela as normas penais incriminadoras.

Pelas mesmas razões, neste ponto, ainda que inédito, A Lei 11.340/2006 é merecedora

de reparos, pois deveria englobar as hipóteses de violência doméstica e familiar entre homens

na relação homoafetiva e, mais, prever a punição de parceiros homossexuais masculinos que

cometem o crime de violência doméstica da igual forma, até porque a aplicação da lei a casos

análogos por seu intérprete, neste caso, implicaria na vedada analogia in malam partem.

Entretanto, em que pesem as considerações anteriores e eventuais entendimentos em

contrário, não temos dúvidas de que, no que se refere às relações homoafetivas entre

mulheres, o legislador as reconheceu expressamente, regulamentou a convivência de seus

membros e adotou medidas repressoras às condutas de violência que possam ameaçar sua

manutenção.

A Lei 11.340/2006 é bastante clara nesse sentido, quando, ao mencionar a descrição

do âmbito familiar e doméstico para delimitar as circunstâncias do crime de violência

praticada contra a mulher (art. 5o., II), vale-se do termo indivíduo para se referir aos

integrantes da comunidade assim considerada, o que nos permite concluir que qualquer pessoa

está apta a integrá-la e a cometer o crime, independentemente, do sexo, sem se olvidar que a

vítima será sempre do sexo feminino.

No mais, dispôs a Lei 11.340/2006 expressamente que a citada comunidade poderá ser

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formada por membros unidos ou não por laços de parentesco ou por vontade própria (art. 5o.,

II), exatamente para incluir uniões formadas fora do casamento e, portanto, sem formalidades.

Ora, se a lei trata de crimes praticados em ambiente familiar, com convívio contínuo,

ou não, entre seus membros, cuja ligação pode se dar por laços de parentesco ou por vontade

própria, figurando a mulher como sujeito passivo obrigatório e qualquer pessoa como seu

sujeito ativo, está claro que o legislador permitiu a prática de violência doméstica entre

mulheres que vivem em união estável ou em instituição que a ela se assemelha ante a

igualdade de sexo.

De qualquer maneira, a Lei 11.340/2006 reconheceu a existência da união

homossexual feminina, equiparando-a à entidade familiar, conferindo proteção a seus

integrantes e, por conseqüência, consagrando-a como fato social gerador de efeitos jurídicos.

Eventuais dúvidas sobre essa interpretação foram totalmente elididas pela própria Lei

11.340/2006, no parágrafo único do seu artigo 5o., que dispôs expressamente que as relações

pessoais por ele tratadas independem da orientação sexual de seus membros.

De qualquer forma, o próprio inciso III do artigo 5o. da Lei 11.340/2006, mesmo que

não fizesse remissão ao parágrafo único do artigo 5o. e mesmo que se negasse interpretação

extensiva aos ditames do inciso II do mesmo artigo 5o. no que tange à definição de família, já

seria suficiente para incluir relações de qualquer ordem, pois a menção às relações íntimas

parece acolher cada tipo de relacionamento do qual se tem notícia.

Assim, sem prejuízo das concepções moralistas ainda reinantes não é mais possível

ignorar as uniões homoafetivas, porque a lei federal em comento agora as recepciona e, talvez

determine emenda constitucional para ampliação do conceito de família.

Com propriedade, Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo e Rodrigo Viana Saraiva

afirmam que:

No tocante ao reconhecimento de uniões homoafetivas femininas, a lei institucionaliza uma situação inegável e com clara constatação fática, além de significar um avanço para romper com os preconceitos existentes. A família homoafetiva é uma realidade. O conservadorismo do legislador brasileiro quanto à evolução no conceito de família representa a influência daqueles pessimistas que pensam que a civilização corre o risco de ser engolida por clones, bárbaros bissexuais ou delinqüentes da periferia, concebidos por pais desvairados e mães errantes. Um conservadorismo que fecha os olhos para a realidade e se omite em dar sustentação ao instituto já

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previsto em norma inclusiva, que é o artigo 226 da CR/88. Aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a família será destruída. Conceber apenas a família nuclear composta pelo casal heterossexual e filhos como o único modelo de família aceitável, é incompatível com a natureza afetiva da família. A noção de família como núcleo de afetividade e base da sociedade deve ser encarada, como de fato é, como um fator cultural. E, dessa maneira, a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade e, conseqüentemente, dos arranjos familiares. Efetivamente, a família, como fruto de cultura, é constantemente reinventada e, hoje, se reinventa para propiciar o alcance da felicidade de seus membros. 562

4.5 - A união homoafetiva e o Direito Penal pátrio

Grande polêmica se verifica quando é processada a análise das uniões homoafetivas,

por isso teceremos considerações a respeito das conseqüências que tais relações

separadamente têm surtido no Direito Penal pátrio.

Ao contrário do que se evidencia com a união estável estabelecida entre casais

heterossexuais, a Constituição Federal e o Código Civil em vigor não reconhecem

expressamente a união homoafetiva como entidade familiar, sendo certo que, como abordado

no item 2.5 do Capítulo II desse estudo (p.88-89), não foram aprovados ainda os Projetos de

Lei e as Emendas Constitucionais respectivas para sua regulamentação.

Assim, em que pesem as inúmeras decisões jurisprudenciais citadas nesse estudo que

reconhecem efeitos jurídicos da união assim estabelecida (Cap. II, item 2.4.4, nota de rodapé

169, p. 74) e o nosso entendimento a respeito de sua admissão pela Carta Maior, já que não

estabelece rol taxativo quanto as possíveis espécies de entidades familiares, o Poder

Legislativo ainda não atentou para a necessária inserção da união homossexual na legislação

pátria, pois, enquanto não houver específica disposição legal que a reconheça como entidade

familiar, certamente não haverá consenso a respeito de natureza jurídica e conseqüências

destes relacionamentos afetivos no mundo do Direito.

No Brasil, até o advento da Lei 11.340/2006, que reconheceu as uniões homoafetiva

entre mulheres e concedeu proteção aos seus membros quando da prática de crime de

violência doméstica (Cap. IV, item 4.4.3, p. 223-225), não havia disposição legal sobre as

uniões entre homossexuais. Havia apenas o Projeto de lei 1.151/95, da então Deputada Marta

Suplicy, e seu Substitutivo, apresentado pelo Deputado Roberto Jefferson, que prevêem tipos

562RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rabelo e Rodrigo Viana. op. cit. (texto da internet).

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penais relativos a condutas praticadas em ofensa às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo

ou, nos semelhantes moldes às legislações estrangeiras, às parcerias civis registradas.

O Projeto, em comento, descreve tipo autônomo em seu artigo 8o. e prevê que àquele

que mantém união civil simultânea ou àquele que altera o seu estado civil na sua vigência (art.

2o., § 2o.) será imposta a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, valendo recordar

que o legislador impõe o registro obrigatório das uniões homoafetivas.

O Substitutivo, por sua vez, prevê que as condutas descritas no parágrafo anterior

importam em prática de crime de falsidade ideológica, remetendo-nos ao artigo 299 do

Código Penal em vigor (art. 7o. , caput e parágrafo único).563

Há de se assinalar que, se aprovados o Projeto 1.151/95 e seu Substitutivo, ainda que com

eventuais alterações, pois ambos já não se harmonizam com as recentes decisões jurisprudenciais

a respeito dos direitos dos conviventes homossexuais, haverá a previsão de crime para punir

conduta semelhante àquela praticada pelo bígamo na constância do casamento (art. 235, CP), o

que por si só já é suficiente para nos demonstrar a preocupação do legislador em preservar a

família e em fortalecer os laços de fidelidade e segurança entre seus membros.

De outro lado, será evidenciada situação de flagrante desequilíbrio e desigualdade,

pois não há delito previsto para criminalizar a conduta dos casais heterossexuais que vivam

em união estável e que porventura estabeleçam outra união durante sua vigência, o que

certamente deve ser considerado por nosso legislador, até porque não é razoável que um

instituto já consagrado na lei e em nossa Constituição não mereça pelo menos igual proteção.

Por essa razão, entendemos por bem tratar do tema no item 4.6 deste capítulo quando

serão sugeridas as alterações legislativas necessárias, não somente para equiparação do

cônjuge e do companheiro, mas também para a inserção dos conviventes homossexuais no

que couber na lei penal, pois assim será respeitado, em sua plenitude, o dispositivo

constitucional que iguala as uniões não-matrimoniais à entidade familiar (art. 226, § 3o., CF) e

não exclui expressamente a união homoafetiva (art. 226, caput, e §§ ss., CF), e ainda os

princípios da igualdade (art. 5o., caput, CF) e da dignidade da pessoa humana (art. 1o., III,

CF).

563Art. 7o. É nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao § 2o. do art. 2o. desta Lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime de falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do artigo 299 do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

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Cabem ainda aqui algumas observações quanto à Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006,

que já foi objeto de considerações no item 4.4.3 deste Capítulo (p. 2-14-225), em razão de

seus evidentes reflexos no Direito Penal quanto à união homoafetivas.

O legislador, na seara do Direito Penal, e, portanto, em âmbito nacional, foi pioneiro e,

mesmo sem a aprovação dos projetos em trâmite no Congresso Nacional destinados à

regulamentação das uniões homoafetivas, consagrou-as na Lei 11.340/2006, quando, ao

definir o termo violência doméstica para em seguida tipificar a conduta de quem a pratica,

definiu a união homossexual, porém apenas entre mulheres, como entidade familiar, dispondo

expressamente que, independente da orientação sexual de seus membros (art. 5o., caput), a

violência doméstica pode ser verificada no âmbito da família, assim entendida como a

comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços

naturais, por afinidade ou por vontade expressa (art. 5o., II).564

Assim, provavelmente fundado no entendimento doutrinário esposado no item 2.5 do

Capítulo II desse estudo (p. 87), que conclui não ser taxativo o rol que estabelece as formas de

entidade familiar na Constituição Federal e, influenciado pela realidade de nossos tempos, o

legislador, sem se ater às divergências legais sobre a melhor nomenclatura a ser atribuída às

entidades homoafetivas: união civil, parceria ou comunidade, como reza a Lei 11.340/2006,

possibilitou, na seara do Direito Penal, o reconhecimento das uniões homoafetivas, ao tutelar

a integridade física e moral de seus integrantes quando da ocorrência do crime de violência

doméstica. Tal reconhecimento nos leva a inferir que agora é possível a interpretação

extensiva para a aplicação das normas penais não incriminadoras aos conviventes

homossexuais, quando forem aplicáveis, por analogia, à união estável (art. 181, I; 182, I; e

348, § 2º., CP) em virtude da admissão legal do núcleo familiar por eles formado.

Dessa forma, no que tange aos artigos 181, inciso I, e 348, § 2o., do Código Penal em

vigor, que prevêem as escusas absolutórias, objeto de considerações nesse estudo no Capítulo

III , item 3.3.1 (p. 125-129), não se de se questionar que o aplicador da lei, em prol do

princípio da isonomia (art. 5o., caput, CF) e em respeito à ampla proteção dada à família pelo

constituinte (art. 226, caput, CF), pode isentar de pena o companheiro homossexual ou não,

564Maria Berenice Dias elucida-nos que, embora não haja alteração na ordem constitucional federal para o reconhecimento das uniões homoafetivas, os Estados de Alagoas e Pará promoveram Emendas às suas Constituições para vedar expressamente as discriminações por orientação sexual e que Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Piauí, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, o Distrito Federal e Bahia editaram leis para impor penalidades a posturas discriminatórias por orientação sexual. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a Justiça, cit., p. 56.

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na constância da união, do crime por ele praticado contra o patrimônio de seu convivente ou

aquele que presta auxílio ao seu companheiro ou companheira para se subtrair da ação da

autoridade. Além disso, há de se estender a aplicação do artigo 182, inciso I, do Código Penal

aos companheiros homossexuais, pois o referido prevê imunidade relativa e não configura

norma penal incriminadora, como também já abordado (p. 128-129).

É certo, porém, que a Lei 11.340/2006 trata apenas da união homossexual mantida

entre mulheres, pois a vítima do crime de violência doméstica protegida pela citada lei é

somente a mulher. Entretanto, nada impede a aplicação do princípio da igualdade para o

favorecimento de réu homossexual masculino nesse caso (art. 5º., I, CF), a fim de que se

possa reparar o equívoco do legislador nesse ponto.

Quanto às normas penais incriminadoras, todavia, o mesmo tratamento não se

evidenciará, sob pena de se infringir o princípio de legalidade estrita (art. 1o., CP). Por isso,

assim como já considerado em relação à união estável entre casais heterossexuais, a revisão

da legislação também é necessária para a consagração da união homoafetiva em nosso

sistema, já que somente assim será admitida sua integral proteção pelo Direito Penal.

Há de se ponderar, entretanto, que, como ressaltado no item 2.5 do Capítulo II desse

estudo (p. 91), nossa sociedade ainda muito resiste em admitir institutos não consagrados

expressamente em lei, talvez por conta de nossa história marcada por abusos e arbitrariedades

havidas durante o regime militar, ou talvez pela deficiência das técnicas legislativas utilizadas

por nosso Poder Legislativo que, muitas vezes, determinam que a inconstitucionalidade das

leis seja decretada pelo Judiciário, gerando muita insegurança no destinatário e no aplicador

da lei.

Em que pese a louvável iniciativa do legislador penal quanto à admissão da união

homoafetiva em nosso sistema, do exemplo oriundo do Direito Comparado a respeito da sua

inserção na legislação infraconstitucional de determinados países sem alteração de seus textos

constitucionais respectivos (item 2.5, Cap. II, p. 81-85) e do nosso entendimento sobre a sua

admissão como entidade familiar pelo Direito pátrio, ante o rol meramente exemplificativo do

artigo 226 da Carta Maior de 1988 (item 2.5, Cap. II, p. 87), entendemos recomendável a

aprovação de Emenda à Constituição Federal para que a união homoafetiva possa ser

regulamentada como entidade familiar pela lei ordinária, pois ela constitui instituto próprio

que não pode ser equiparado à união estável, ante a igualdade de sexos de seus membros, a

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fim de evitar discussões acerca de sua constitucionalidade, o que, aliás, já se pode cogitar em

relação à Lei 11.340/2006.

A aprovação de Emenda Constitucional parece-nos a única forma de se colocar um

ponto final nas inúmeras discussões jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do tema e gerar

no cidadão segurança quanto ao reconhecimento de seus direitos e deveres. No que tange à

intervenção do Direito Penal, porém, a tutela da união homoafetiva já está autorizada pelo

dispositivo constitucional que prevê a ampla proteção à família sem limitar suas formas de

constituição (art. 226, caput, CF). É preciso lembrar que se deve respeitar a fragmentaridade

do Direito Penal e que se devem resguardar apenas os bens considerados essenciais ao

homem, bens preferencialmente tutelados pela Lei Maior. Portanto, a família, amplamente

protegida pelo texto constitucional independentemente de sua espécie, pode ter total

resguardo na lei penal, por isso a união homoafetiva deve ser recepcionada por ela.

4.6 - Alterações sugeridas nos dispositivos penais em vigor

As ponderações feitas acerca da importância da união estável em todo esse estudo e do

reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar pelo legislador não nos

permitem mais negar que é urgente e imprescindível a alteração da lei penal para a definitiva

consagração de ambas.

O princípio da legalidade, basilar no Direito Penal, não somente orienta o legislador

quanto aos bens merecedores da tutela penal, mas ainda garante aos cidadãos o respeito a seus

direitos fundamentais, como vida, honra, liberdade, integridade física, patrimônio, etc.

Portanto, o princípio da legalidade não pode ser violado, sob pena de se decretar a total

falência de nosso sistema penal.

Por essa razão, a revisão dos dispositivos penais referentes à família, quer constantes

da Parte Geral de nosso Código, quer da Parte Especial, é absolutamente necessária para a

inclusão dos companheiros nas disposições penais destinadas a proteger ou penalizar mais

severamente os cônjuges, pois não há dúvidas de que apenas a lei nos trará a almejada

segurança quanto à efetiva proteção da família, independente da forma como foi constituída.

Por conseqüência, a inclusão da expressão “companheiro” na lei penal permitirá a referência

aos conviventes homossexuais, a fim de a união entre pessoas do mesmo sexo também receba

a devida tutela penal.

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Além disso, deve-se evitar que entendimentos doutrinários antagônicos e decisões

jurisprudenciais divergentes, sem ignorar, evidentemente, o livre convencimento dos

magistrados no que se refere ao caso concreto submetido ao Poder Judiciário, tragam dúvidas

à sociedade acerca do reconhecimento legal do instituto da união estável como entidade

familiar e, portanto, da fiel observância do dispositivo constitucional que assim dispõe (art.

226, § 3º., CF) e acerca da legitimidade da união homoafetiva, recentemente admitida pelo

legislador pátrio (art. 5º., II e III, e parágrafo único, Lei 11.340/2006).

Como sabemos, é vedada a interpretação extensiva dos termos consignados nas

normas penais incriminadoras em prejuízo do réu, pois apenas a lei poderá tipificar as

condutas praticadas por companheiros na constância das uniões estáveis ou homoafetivas e

solucionar as interpretações dúbias a respeito de tais condutas. Por esse motivo, apenas a total

revisão do Código Penal permitirá prestigiar, em definitivo, a união estável, como assim nos

orientou o nosso legislador constitucional, e a união entre pessoas do mesmo sexo, admitida

pela legislação ordinária e não rechaçada expressamente pela Lei Maior, o que infelizmente

não foi ainda observado na seara do Direito Penal de forma efetiva.

A legislação penal em vigor permite-nos apenas a interpretação extensiva das normas

penais não incriminadoras para hipótese em que se evidencie a união estável e a união

homoafetiva, pois evidentemente não seria possível considerar típica conduta cometida por

companheiros sem o respectivo e prévio preceito sancionador.

Por esse motivo, a união estável e a união homoafetiva não estarão plenamente

consagradas, salvo se o legislador concretizar as necessárias mudanças para sua inserção em

todos os artigos do nosso Código Penal que admitam a equiparação das uniões não-

matrimoniais ao casamento.

Mister se faz apontar que, como já abordado no item 4.4 desse Capítulo (p. 195-213),

louvável foi a iniciativa do legislador ao promulgar a Lei 10.886/2004, a Lei 11.106/2005 e a

Lei 11.340/2006 e determinar a alteração da redação de alguns artigos do Código Penal

vigente, equiparando o cônjuge ao companheiro, ou seja, dos artigos 61, inciso II, alínea f,

última parte; 129, § 9º.; 148, § 1º., inciso I; 226, inciso II; e 227, § 1º, do Código Penal.

A iniciativa do legislador de inserir a união estável no Código Penal em vigor e

admitir a tutela penal à união homoafetiva nos demonstra que o Anteprojeto de Reforma da

Parte Especial do nosso Código Penal, datado de 1999, não se harmoniza com os anseios

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atuais da nossa sociedade, pois o legislador, ao impor as inserções relativas às uniões

informais no sistema legal penal, tem revelado preocupação em ampliar a proteção à família

no campo do Direito Penal, o que nos permite dizer que hoje já não se harmoniza com o

sistema legal vigente a proposta do Anteprojeto para a descriminalização dos delitos previstos

no Capítulo I, do Título VII, do nosso Código, ou seja, os crimes contra o casamento.

A preocupação do legislador em resguardar a união estável nas Leis 10.886/2004,

11.106/2005 e 11.340/2006, esta última cujos dispositivos poderão se estender à união

homoafetiva, permite-nos inferir que se evidencia exatamente um movimento contrário à

reformulação dos dispositivos penais constantes do Anteprojeto para a proteção à família.

Assim, se as mudanças no comportamento do brasileiro determinaram o aumento do número

de uniões não-matrimoniais no país e se tal fato implicou alteração nas disposições

constitucionais em vigor a respeito da família, constituída ou não pelo casamento, não há

razões para que se revoguem os artigos que tipificam os crimes contra o casamento como

proposto pelo Anteprojeto, ou seja, os artigos 235, 236, 237, 238 e 239 do Código Penal, mas

sim há fundamentos suficientes para que eles sejam revistos a ampliados para garantirem a

proteção integral das entidades familiares.

Tal conclusão não traduz a conseqüente infringência ao princípio da intervenção

mínima, caracterizador do Direito Penal moderno, mas possibilita a busca, na própria

sociedade, dos anseios, interesses, valores e necessidades que mereçam a tutela do Direito

Penal. A exata definição dos interesses sociais é a única forma legítima de permitir a tutela de

interesses de natureza privada pelo Poder Público sem que se invada a intimidade e a

privacidade do cidadão.

Cabe-nos agora, portanto, analisar mais detidamente o sistema legal em vigor e

abordar especificamente os dispositivos penais merecedores de revisão, quer eles contenham

norma penal incriminadora ou não, pois isso nos permitirá evidenciar as omissões legais a

respeito da união estável e ainda sugerir nova redação para supri-las. Além disso, faremos

considerações sobre os dispositivos legais comportem a admissão da união homoafetiva, a fim

de que às relações homossexuais também recebam a devida proteção no campo do Direito

Penal.

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4.6.1 - Normas penais incriminadoras

Não há dúvidas de que as alterações introduzidas em nosso Código Penal em relação

às uniões estáveis e às uniões homoafetivas, sobretudo pela Lei 10.886/2004, pela Lei

11.106/2005 e pela Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”), foram de extrema relevância

para nossa sociedade, pois corroboraram o respeito ao princípio constitucional da igualdade

ao equipararem o homem à mulher e preverem idêntico tratamento ao cônjuge e companheiro

(art. 5º., caput, e I, CF), e ainda reafirmaram os ditames da Carta de 1988 quanto à ampliação

do conceito de família, já que reconheceram a união estável como entidade familiar (art. 226,

§ 3o., CF) e conferiram legitimidade à união homoafetiva (art. 5º., II e III, parágrafo único,

Lei 11.340/2006), em razão da inexistência, na Lei Maior, de rol taxativo quanto as espécies

de família admitidas por nosso sistema legal (art. 226, caput, e §§ ss., CF).

Contudo, o legislador omitiu-se em relação à modificação de alguns dispositivos que

fazem menção ao cônjuge, mas silenciam a respeito do companheiro, ou seja, os artigos 61,

inciso I, alínea e; 133, § 3º., inciso II; 181, inciso I, 182, inciso I, 244, caput, e 348, § 2º., do

Código Penal, e infelizmente não se valeu da promulgação das leis citadas para operar a

efetiva equiparação entre a união matrimonial e a união estável na lei penal, com as devidas

referências à união homoafetiva, sobretudo nas normas penais incriminadoras.

Em virtude da omissão do legislador quanto ao tratamento igualitário entre cônjuges e

companheiros na lei penal, entendemos necessária a retificação de alguns artigos do Código

Penal para a inclusão da união estável e da união homoafetiva, com a ressalva de que vários

deles já têm sua redação alterada pelo Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código

Penal (1999) para a inserção da união estável, alguns com nova numeração, ou seja, os artigos

121, §§ 3º, 4º.,7º.; 127, § 1º.; 128, § 8º., inciso II; 133, parágrafo único, inciso II; 150, § 1º.,

inciso I; 213, inciso I; 214, inciso I; 244, caput; e 353, § 2º., do Anteprojeto, e que outros

foram modificados pelas Leis 10.886/2004, 11.106/2005 e Lei 11.340/2006, o que será, aqui,

também considerado quando fizermos nossas sugestões.

As normais penais incriminadoras, cujas revisões devem ser concretizadas de acordo

como nosso entendimento para a inclusão da união estável e da união homoafetiva, constam

dos seguintes artigos do Código Penal: o artigo 61, inciso II, alínea e; o artigo 121, se

aprovada a alteração no Anteprojeto para a inserção da eutanásia (§ 3o.); o artigo 133, § 3o.,

inciso II; o artigo 148, § 1º., inciso I; o artigo 225, § 1o. inciso II; o artigo 226, inciso II; o

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artigo 227, § 1º.; o artigo 235 caput e § 1o., e 2o., com a inserção de dois novos parágrafos (§

3o. e § 4º.); e artigo 244 caput, do Código Penal. Além disso, são necessárias as revisões do

artigo 236 caput e parágrafo único; artigo 237 do Código Penal apenas para a inclusão da

união estável, pois não há regulamentação específica na lei ordinária sobre impedimentos para

a constituição das uniões homoafetivas e ainda da redação do Título VII do Código Penal para

a inclusão expressa da união estável e da união homoafetiva e do teor do Capítulo IV, do

referido Título VII, para a substituição do termo de pátrio poder pela expressão poder

familiar, em razão dos ditames de novo Código Civil (arts. 1.630 e 1.631, CC).

Adotaremos nas sugestões a seguir a mesma expressão utilizada pelo Anteprojeto, ou

seja, “companheiro”, pois ela já foi inserida no Código Penal pela Lei 10.886/2004 e pela Lei

11.106/2005 e também se adapta aos dispositivos do Código Civil em vigor (art. 1.723 e ss.,

CC).

A expressão “companheiro” também será utilizada para referência aos casais

homossexuais nos artigos que trataremos a seguir, pois, em que pese entendermos que a união

homoafetiva constitui instituto jurídico diverso da união estável, em razão da diversidade de

sexos, se aprovada a Emenda Constitucional 70/2003, de autoria do Senador Sérgio Cabral (p.

90), elas serão equiparadas e os casais homossexuais certamente serão considerados

companheiros pela legislação pátria, o que implicará na revisão do Projeto de Lei 1.151/95 e

de seu Substitutivo, para a supressão da expressão parceiro civil, já que certamente serão

aplicadas as disposições do Código Civil em vigor.

Além disso, a expressão “companheiro” englobará as hipóteses daqueles que estão

casados apenas no religioso, até que se efetive o registro do casamento (art. 1.516, CC), e

daqueles que estão na posse do estado de casados até que se reconheça judicialmente o

casamento (arts. 1.545 e 1.547, CC), pois nos dois casos há ausência de formalização do

casamento civil.

Os artigos do Código Penal, que aqui merecem destaque, serão analisados em ordem

numérica e iniciaremos nossas considerações pela Parte Geral do referido diploma legal.

Quanto às agravantes, o legislador poderia ter acrescentado à alínea e do inciso II do

artigo 61 do Código Penal, o companheiro. É claro que a intenção do legislador, quando

instituiu no sistema a referida agravante, foi punir com mais rigor aquele que se beneficia do

meio familiar ou doméstico para praticar crimes contra ascendente, descendente, irmão ou

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cônjuge. Por essa razão, não há justificativa para não sancionar da forma mais rigorosa aquele

que comete delito contra companheiro ou companheira, pois é evidente que as mesmas

condições de intimidade e confiança favorecem a aproximação do agente e da vítima e

certamente facilitam a cogitação, a preparação e a execução do crime.

Não cabe aqui argumentar que a retificação citada não seria necessária ante a

possibilidade de se enquadrar o companheiro na alínea f do inciso II do artigo 61 do Código

Penal, que prevê a agravante para os crimes praticados por agente que se vale das relações

domésticas, coabitação e hospitalidade, principalmente agora com as inovações da Lei

11.340/2006 que acresceu à hipótese os crimes de violência doméstica e familiar praticados

contra a mulher, e, portanto, os casos em que agente e vítima vivem em união estável (art. 5º.,

II, Lei 11.340/2006).

Em primeiro lugar, porque o legislador ordinário não pode mais fazer distinções entre

o cônjuge e companheiro, visto que o ditame constitucional não as permite (art. 226, § 3o.,

CF). Assim, não incluir o companheiro na alínea e do inciso II do artigo 61 do Código Penal,

significa verdadeiro desprestígio à instituição da união estável e ainda flagrante

inconstitucionalidade, já que se infringe expressamente dispositivo da Lei Maior que equipara

a união estável à entidade familiar (ar. 226, § 3o., CF) e ainda o princípio da igualdade (art.

5o., caput, CF).

Além disso, não se pode esquecer que o bem jurídico protegido pelo Direito Penal nas

duas hipóteses, ou seja, nas hipóteses em que a lei penal criminaliza a conduta do cônjuge e a

do companheiro, tratando-as de maneira mais rigorosa, é igualmente a família, que

atualmente, nos termos da Carta Maior, também se constitui pela união estável (art. 226, § 3º.,

CF), o que nos confirma que a omissão do legislador ordinário nesse ponto é realmente

descabida.

Em segundo lugar, porque o princípio da legalidade estrita, que permeia o Direito

Penal (art. 1º., CP), afastaria a possibilidade de se equiparar o cônjuge ao companheiro na

hipótese de reconhecimento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea e, do Código

Penal, pois, como se sabe, além da previsão legal expressa neste sentido ser imprescindível,

estaria vedada a aplicação da analogia in malam partem na hipótese, ou seja, a extensão

analógica desfavorável ao autor do crime.

A omissão do legislador quanto à equiparação do cônjuge e companheiro na agravante

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em pauta não se harmoniza com as modificações introduzidas em outros artigos pelas Leis

10.886/2004, 11.106/2005 e Lei 11.340/2006, que procederam à equiparação em tela sem

nenhuma exceção, incluindo o cônjuge e o companheiro nos mesmos parágrafos ou incisos

por elas alterados, com a clara intenção de afastar qualquer diferença entre ambos. Além

disso, com o reconhecimento da legitimidade das uniões homoafetivas pela Lei 11.340/2006,

não há porque se excluir o companheiro homossexual na hipótese, pois é claro que ele

também pode se valer da intimidade do meio familiar para praticar crimes.

No mais, não se pode argumentar que a alteração da agravante do artigo 61, inciso II,

alínea e, do Código Penal, não é mais pertinente em razão do advento da Lei 11.340/2006,

que agora disciplina expressamente as sanções aplicáveis à violência doméstica e familiar

entre companheiros quando determinou a alteração da alínea f do inciso II do artigo 61 do

Código Penal.

Valer-se de tal fundamento não é o mesmo que equiparar expressamente o cônjuge ao

companheiro, mas sim deixar ao arbítrio do aplicador da lei a possibilidade ou não de

reconhecer a agravante no caso concreto. Além disso, no caso da Lei 11.340/2006, a

incidência da agravante está limitada aos crimes praticados com violência doméstica ou

familiar contra a mulher, o que evidentemente não basta para que o gravame se estenda aos

demais delitos, sob pena de se infringir o princípio da legalidade (art. 5o., XXXIX, CF e art.

1o., CP).

Assim, em nosso entender a redação do artigo que deveria ser alterada nos seguintes

termos para a inclusão do “companheiro”:

Circunstâncias agravantes

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I – (...)

II – ter o agente cometido o crime:

(...)

e) contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, heterossexual ou homossexual; (grifo nosso)

(...).

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Na Parte Especial do Código Penal em vigor, o primeiro artigo que merece ser

destacado neste estudo é o artigo 121 do Código Penal.

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999 prevê a

alteração do artigo 121, com a inclusão do “companheiro” em algumas das hipóteses por ele

tratadas, por isso será considerado neste item. Entretanto, ele não contém dispositivo expresso

a respeito do companheiro homossexual, por isso nossa sugestão para alteração de sua

redação.

O Anteprojeto de 1999 prevê novo tipo autônomo no crime de homicídio, ao instituir

expressamente, em nosso sistema, a eutanásia, que atualmente pode ser reconhecida como

homicídio privilegiado. Há previsão no Anteprojeto para inserção do companheiro em sua

redação, sem menção à união homoafetiva, por isso entendemos razoável que ele tenha a

seguinte redação:

Homicídio

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

(...)

Eutanásia

§ 3o Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, heterossexual ou homossexual, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados. (grifo nosso).

Pena – reclusão, de dois a cinco anos.565

Em que pesem as inúmeras discussões não somente jurídicas, mas também de ordem

religiosa e moral que envolvam o tema, em nosso entendimento, correta foi a solução do

legislador quanto à inserção de novo tipo penal em nosso sistema referente à conduta do autor que

comete o crime de eutanásia, reduzindo sensivelmente a pena cabível, em razão do motivo que o

levou a abreviar o tempo de vida e pôr fim ao sofrimento insuportável de um ente querido.566

565Texto do artigo 121 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 566TONI, Cláudia Thomé. Eutanásia. Dissertação de Mestrado em Direito das Relações Sociais (Direito Penal) – Faculdade de Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003, p. 119.

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A inclusão do companheiro no Anteprojeto merece aplausos, pois é claro que, assim

como o cônjuge e os outros parentes ligados ao enfermo, ele deve ser tratado de forma

igualitária e não pode ser punido, com pena mais grave do que aquela prevista para os demais.

Por essa razão, entendemos que a reformulação do artigo 121, deve dar-se nos termos do

Anteprojeto para inserção do § 3o. em sua redação, se aprovada a introdução da eutanásia em

nosso sistema, questão esta prejudicial à referida alteração, mas com expressa menção à união

homoafetiva como sugerimos.

O Anteprojeto também faz referência ao companheiro em normas penais não

incriminadoras previstas no artigo 121 do Código Penal, que serão tratadas no item 4.6.2

desse capítulo.

A primeira é a ortotanásia, que constitui causa de exclusão de ilicitude e está prevista

no artigo 121, § 4o., do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal, inserção

esta que também merece nossos elogios ao legislador. 567

A ortotanásia, diferentemente da eutanásia, consiste na interrupção de tratamento

artificial destinado a doente cuja morte é iminente, inevitável e atestada por dois médicos,

desde que haja o consentimento do enfermo ou o consentimento de cônjuge, companheiro,

ascendente, descendente ou irmão.

A segunda norma não incriminadora referida pelo Anteprojeto é o perdão judicial, que

constitui causa de extinção da punibilidade do agente e está prevista no artigo 107, inciso IX,

do Código Penal e em outros artigos esparsos no texto. O Anteprojeto de 1999 amplia as

hipóteses do § 5o. do artigo 121 do Código Penal, quando trata do perdão judicial no

homicídio culposo, acrescentando expressamente o companheiro, dentre os sujeitos passivos.

Outro artigo que sofreu alterações no Anteprojeto e deve ser considerado ante a

inclusão do companheiro é o artigo 124 e seguintes do Código Penal, que dispõem sobre o

crime de aborto. A modificação trazida pelo Anteprojeto em seu artigo 127, § 1º., porém, trata

de causa de exclusão de ilicitude, por isso será objeto do item 4.6.2 desse capítulo.

Também merece ser retificado o artigo 133 do Código Penal, que prevê o crime de

567TONI, Cláudia Thomé. Eutanásia. Dissertação de Mestrado em Direito das Relações Sociais (Direito Penal) – Faculdade de Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003, p. 128.

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abandono de incapaz, e dispõe sobre o aumento da pena na hipótese de o agente ser

ascendente, descendente, cônjuge, irmão tutor ou curador da vítima.

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999 prevê alteração

da redação do artigo 133, § 3º., inciso II, do Código Penal, para a inclusão do companheiro

dentre os agentes que se valem das relações domésticas ou da autoridade que exercem sobre a

vítima, e ainda estabelece, neste ponto, o tipo em sua forma qualificada (art. 133, parágrafo

único, II, Anteprojeto).568

A hipótese de tipo qualificado no crime de abandono de incapaz é apropriada, pois é

certo que o autor, nessas circunstâncias, abusa da confiança daqueles que lhe são mais íntimos

para a prática do crime. Quanto ao aumento de pena prevista no Anteprojeto, porém,

entendemo-la desnecessária, porque a reprimenda prevista em nosso sistema já basta para

sancionar o delito.

De qualquer forma, não há dúvidas de que o companheiro não pode se eximir de

receber pena mais rigorosa na hipótese, o que já é determinada por nosso Código Penal, pois,

caso contrário, puniríamos, de forma desmedida, o cônjuge que se vale das mesmas

circunstâncias de intimidade e proximidade da vítima para praticar o delito.

Assim, considerando-se o texto do artigo hoje em vigor no Código Penal, já que o

Anteprojeto não foi aprovado e que discordamos da majoração da pena por ele proposto,

entendemos razoável que ele tenha a seguinte redação, a fim de que estendamos a sua

incidência às uniões estáveis e homoafetivas:

Abandono de incapaz

Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.

(...)

Aumento de pena

§ 3o. As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I – (...)

II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge ou companheiro, heterossexual ou homossexual, irmão, tutor ou curador da vítima; (grifo

568Texto do artigo 133 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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nosso)

(...).

O artigo 148, § 1º., inciso I, do Código Penal teve sua redação alterada pela Lei

11.106/2005 e agora prevê a forma qualificada para o crime praticado quando a vítima for

ascendente, descendente, cônjuge, companheiro, do agente ou maior de 60 (sessenta) anos.

A reforma oriunda da Lei 11.106/2005 e pertinente à equiparação do cônjuge ao

companheiro antecipou-se ao Anteprojeto de 1999 que, em seu artigo 150, § 1º., inciso I, previa

tal equiparação.569 Além disso, o Anteprojeto altera as hipóteses do crime na forma qualificada,

quando incluiu a vítima portadora de deficiência física ou mental, aquela afligida por grave

sofrimento físico ou moral, e aquela privada de sua liberdade por três dias (art. 150., § 1º, II, III,

IV, Anteprojeto). Além disso, inclui dentre as qualificadoras a hipótese de o agente do crime ser

funcionário público e agir com abuso de autoridade (art. 150, § 1º., V, Anteprojeto).

No que tange à união estável, o dispositivo em vigor no Código Penal tem hoje

adequada redação, mas não se refere à união homoafetiva, por isso merece reparos.

O artigo 148 do Código Penal assim deverá dispor conforme nossa sugestão:

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere

privado:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1o. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge, ou companheiro,

heterossexual ou homossexual, do agente ou maior de 60 (sessenta) anos.

(grifo nosso).

(...).

O artigo 225 do Código Penal, por sua vez, ao dispor sobre a iniciativa da vítima nos

crimes contra os costumes, não contou com a mesma alteração quanto à equiparação do

cônjuge e do companheiro.

569Texto do artigo 150 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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A Lei 11.106/2005 e o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal não

previram qualquer modificação da redação do artigo 225 do Código Penal, o que seria

razoável para que se pudesse prestigiar o princípio constitucional da igualdade (art. 5o.,

caput). Na verdade, o legislador poderia ter incluído expressamente no inciso II do § 1o. do

artigo 225 do Código Penal, os companheiros, do mesmo sexo ou não, a fim de que se

evitassem eventuais dúvidas sobre sua equiparação ao padrasto 570 ou madrasta.

Outra sugestão para a alteração da redação do artigo 225 do Código Penal seria a

mudança do termo pátrio poder para o termo poder familiar, pois assim, além de se permitir a

adaptação da legislação penal às disposições do novo Código Civil, que agora assim dispõe,

em razão da igualdade entre o homem e a mulher na relação familiar, já teríamos solucionada

a questão do companheiro, pois o artigo 1.631 do Código Civil dispõe que o poder familiar é

exercido pelos pais durante o matrimônio ou união estável.

Assim, a redação do referido artigo, observando-se os termos do atual Código Penal,

pois o Anteprojeto não traz modificações sobre a união matrimonial, poderia ser disposta da

forma que a seguir exporemos, ressaltando-se que no Anteprojeto há outras alterações, pois se

prevê, no artigo 174, que, no caso do crime resultar em lesão corporal ou morte, ou nas

hipóteses em que a vítima for menor de quatorze anos, portadora de deficiência mental ou

estiver impossibilitada de oferecer resistência, a ação também será de iniciativa pública.571

Essas alterações, contudo, não serão aqui consideradas detalhadamente, pois se

referem aos crimes que atentam contra os costumes e não especificamente aos crimes

praticados contra a família.

O artigo 225, § 1º., inciso II, do Código Penal em vigor contaria com os seguintes

termos de acordo com nosso entendimento:

Ação penal

Art. 225. Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

§ 1o Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

570A palavra padrasto é definida no dicionário como o homem, em relação ao filho ou filhos que sua mulher teve matrimônio anterior, o que significa que a união entre ambos é matrimonial, por isso há necessidade de se rever a redação dos dispositivos penais que se referem à expressão padrasto. MICHAELIS. Dicionário escolar: língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2002, p. 570. 571Texto do artigo 174 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI., v. II, p. 105-163.

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I – (...)

II – se o crime é cometido com abuso do poder familiar, na qualidade de padrasto, condição esta advinda do casamento, de união estável ou de união homoafetiva, tutor ou curador. (grifo nosso)

(...).

O artigo 226 do Código Penal, por sua vez, sofreu a pertinente alteração quanto à

inclusão da união estável em sua redação, quando a Lei 11.106/2005 determinou a

inserção do companheiro como causa determinante para o aumento da pena a ser a ele

aplicada, quando autor de crime contra os costumes. Porém, não houve menção a união

homoafetiva.

Cumpre ressaltar que o legislador, em prol do princípio constitucional da igualdade

(art. 5o., caput, CF) incluiu no artigo 226, inciso II, do Código Penal, a figura da madrasta, o

que não ocorre nos demais artigos do diploma legal em pauta, que prevêem a figura do

padrasto tão-somente, como, por exemplo, no artigo 225 do Código Penal.

Entendemos, porém, que esse acréscimo não era necessário, pois é da nossa tradição o

uso do gênero masculino para referência à qualidade de agentes ou vítimas. Isso significa que

a figura da madrasta já estava incluída no rol de agentes ali previstos, quando se fazia menção

apenas ao padrasto.

De qualquer forma, o legislador, quando decidiu por a referida modificação, deveria

ter alterado a redação de todos os casos de crimes que prevêem a figura apenas masculina, ou

seja, não só o padrasto, mas também o pai, o filho, o irmão, o tutor, o curador, o preceptor, ou

mesmo o companheiro, pois somente assim a lei prestigiaria o princípio da igualdade entre

homens e mulheres em sua plenitude (art. 5º., I, CF), e ainda evitaria a possibilidade de agora

se defender que a ausência de disposição legal expressa acerca da madrasta nos tipos penais

que se referem aos padrastos, impediria sua incriminação, já que é vedado, em nosso sistema,

o uso da analogia de forma desfavorável ao réu.

É nosso entendimento, entretanto, que a inserção da expressão madrasta nos tipos

penais que fazem menção ao padrasto deixaria as disposições legais longas e de difícil

compreensão, o que não é recomendável, pois a norma penal deve ser clara e objetiva.

Segundo nossa sugestão, a redação do artigo 226, inciso II, do Código Penal seria

disposta como a seguir transcrito, com menção apenas a respeito da condição de padrasto da

vítima nos mesmos termos do artigo 225 do Código Penal, citado na página anterior, e da

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inclusão da união homoafetiva, uma vez que o companheiro já foi inserido no artigo em pauta

pela Lei 11.106/2005:

Aumento de pena

Art. 226. A pena é aumentada:

I – (...)

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, condição esta advinda do casamento ou união estável ou união homoafetiva, tio, irmão, cônjuge, companheiro, heterossexual ou homossexual, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; (grifo nosso)

Há de se comentar que a Lei 11.106/2005 trouxe importante inovação ao alterar a

razão do aumento da pena de quarta parte para metade, em relação aos autores dispostos no

inciso II do artigo 226 do Código Penal, pois é realmente necessário evitar os abusos nas

relações familiares. Além disso, ao incluir o cônjuge no respectivo rol e revogar o inciso III

do artigo 226, o legislador equiparou o casamento à união estável, consagrando assim o

dispositivo constitucional em vigor (art. 226, § 3º., CF).

O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999 não faz menção

ao companheiro ou companheira, como padrasto ou madrasta, em seu artigo 165, inciso I, que

trata das hipóteses de aumento de pena nos casos dos crimes de estupro (art. 162), atentado

violento ao pudor (art. 163) e nas suas formas qualificadas pelo resultado morte ou lesão

corporal grave ou gravíssima (art. 164), nem nas causas de aumento de pena (art. 169) para os

crimes de violência sexual de menor incapaz (art. 166), abuso sexual de menor ou incapaz

(art. 167) e suas formas qualificadas pelo resultado morte ou lesão corporal grave ou

gravíssima (art. 168).572

A Lei 11.106/2005 também inovou ao alterar a redação do artigo 227 do Código Penal

e prever, na figura qualificada do § 1o., do artigo em questão, o companheiro, consagrando

assim o já proclamado entendimento doutrinário e jurisprudencial e, mais importante, o

comando constitucional a respeito do reconhecimento da união estável como entidade familiar

(art. 226, § 3º., CF). Porém não tratou da união homoafetiva, por isso entendemos razoável

sua alteração.

572Texto dos artigos 162, 163, 164, 166, 167 168 e 169 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v.. II, p. 105-163.

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O artigo 227, § 1º., do Código Penal terá a seguinte redação de acordo com nossa

sugestão:

Mediação para servir a lascívia de outrem

Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 1o. Se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, heterossexual ou homossexual, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: (grifo nosso)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

(...).

Vale lembrar que há alteração significativa no Anteprojeto de Reforma da Parte

Especial a respeito do crime tipificado no artigo 227 do Código Penal e daqueles que ele

denomina de crimes de exploração sexual, dispostos nos artigos 175 a 178, do seu Título II,

Capítulo II. O Anteprojeto prevê, em seu artigo 178, inciso II, causa de aumento de pena para

os crimes em questão, portanto em termos genéricos, quando dispõe que a pena será majorada

em até o dobro quando a vítima está sob a autoridade do agente ou tem com ele relações de

parentesco, o que, em nossa concepção, não é recomendável, pois, além de pouco precisa, a

disposição requer o uso de critérios subjetivos do julgador.573

Nos crimes praticados contra a família, algumas alterações também são estritamente

necessárias, pois em razão do teor do artigo 226, caput, da Lei Maior, todas as entidades

familiares devem gozar de ampla proteção legal.

Entendemos razoável, inicialmente, que se altere o título do Capítulo I respectivo para

que dele conste expressamente a proteção à união estável e a união homoafetiva, a fim de que,

em seguida, possamos sugerir, neste item 4.6.1, a equiparação de cônjuges e companheiros

nos artigos 235, caput, e §§ 1o., 2o., 3o. e 4º.; 236, caput e parágrafo único; 237; e 244, caput,

do Código Penal.

Assim, o referido título teria a seguinte redação conforme nossa sugestão: Capítulo I –

573Texto do artigo 178 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-

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Dos crimes contra o casamento, contra a união estável e a união homoafetiva (grifo nosso)

Quanto aos crimes em espécie, cremos cabíveis as modificações a seguir expostas.

Em primeiro lugar, é preciso estender as sanções previstas ao crime de bigamia àquele

que, vivendo em união estável, contrai casamento com outrem, ou, ao contrário, o que,

casado, passa a viver em união estável com outra pessoa. Na verdade, a manutenção do texto

original do artigo 235 do Código Penal de 1940 permite que situações idênticas sejam tratadas

de maneira desigual, o que, além de afrontar o princípio da igualdade consagrado na Carta

Maior (art. 5o., caput, CF), também contraria a intenção do legislador constitucional de

priorizar a preservação da família, independentemente da forma como ela foi constituída (art.

226, caput, CF).

Ora, se a união estável foi concebida pela Lei Maior como forma passível de constituir

família e merecedora de total proteção estatal, como é possível excluir a punição daquele que,

em flagrante desrespeito ao companheiro ou companheira e, portanto, aos laços da família,

casa-se com outrem?

Como se verifica, as reformas na legislação ordinária são imprescindíveis, não para

alargar a esfera de incidência da norma penal de maneira desregrada, pois, como se sabe, ela

representa a ultima ratio em nosso sistema legislativo, mas sim para que todo ele possa

vigorar de forma harmônica.

A alteração do artigo 235 do Código Penal infelizmente não foi introduzida com a

reforma advinda com a Lei 11.106/2005 e tampouco foi abordada pelo Anteprojeto de

Reforma que, aliás, como vimos no Capítulo III, item 3.4 (p. 139), revogou o capítulo que

tratava dos crimes contra o casamento, o que, em nosso entender, não se adapta aos interesses

sociais na atualidade, que se voltam para o fortalecimento dos laços familiares.

Assim como no casamento (art. 1.566, I, CC), a fidelidade recíproca e a lealdade

também são requisitos necessários à manutenção do relacionamento entre os companheiros

(art. 1.724, CC).

A família, oriunda ou não do formalismo do matrimônio, está fundada na monogamia.

Portanto, a família, como base de nossa sociedade, não se harmoniza com relacionamentos

simultâneos mantidos por seus membros, o que importa dizer que o desrespeito à relação 163.

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monogâmica está longe de configurar violação a mero preceito moral.

Aliás, o nosso legislador de 1940, reiterando os preceitos das Ordenações Filipinas e

os Códigos que as sucederam, entendeu por bem criminalizar a bigamia e continuou a atribuir

sanções penais àquele que violasse a instituição da família, evidentemente não de forma tão

rigorosa quanto à da época das Ordenações, pois o Direito Penal fundado na legislação

portuguesa previa a pena de morte ao seu agente.

De qualquer forma, o tipo penal constante do artigo 235 do Código Penal, que prevê o

crime de bigamia, demonstra-nos a relevância social da conduta e a necessidade de sua

repressão mais severa.

Negar a realidade é ignorar a já consagrada importância da união estável para nossa

sociedade e para nosso mundo jurídico e, mais, reforçar as diferenças entre os cônjuges e

companheiros implica tratar situações idênticas de forma diferenciada, o que, além de imoral,

é inconstitucional.

Na verdade, não há lógica para o silêncio do legislador quanto à inserção da união

estável no artigo 235 do Código Penal, que desde logo poderia ter alterado a sua redação, com

modificação do teor do caput, a inserção de dois novos parágrafos para consagrar a união

estável (§ 1º.) e a união homoafetiva (§ 4º.), e a mudança da numeração dos demais

parágrafos, a fim de facilitar a sua compreensão, conforme iremos sugerir a seguir.

No que se refere às uniões homoafaetivas, a alteração do artigo em pauta também se

faz necessária, pois não se pode esquecer que, como já abordado no item 2.5 desse Capítulo

(p. 89), o Projeto de Lei 1.151/95 e seu respectivo Substitutivo criminalizam a formalização

de duas parcerias registradas por homossexuais, de forma concomitante, o que revela a

intenção do legislador de resguardar a fidelidade dos parceiros e impedir relações simultâneas,

o que em muito se assemelha ao crime de bigamia.

Ora, não é razoável que, no caso de aprovação do referido projeto, penalize-se mais

severamente a conduta dos parceiros homossexuais e, que não haja qualquer sanção para os

companheiros heterossexuais que estabeleçam uniões não-matrimoniais simultâneas, pois não

há dúvidas de que o instituto da união estável, além de já reconhecido por nosso Direito e

consagrado por nossa Constituição, merece idêntica proteção.

Observamos que as parcerias disciplinadas pelo Projeto de Lei 1.151/95 e por seu

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Substitutivo reclamam que os parceiros não sejam casados (art. 2º., § 1º.), e que firmem

contrato solene, escrito e seu respectivo registro (art. 3º.), o que certamente será revisto, caso

eles sejam aprovados, pois o formalismo exigido por tais pactos não se harmoniza com as

relações afetivas evidenciadas em nosso país.

De qualquer forma, se aprovado o projeto de Emenda Constitucional n. 70/2003 (p.

90), as uniões homossexuais e heterossexuais serão tratadas igualmente, por isso certamente

serão observadas as disposições do Código Civil quanto à informalidade de sua constituição,

com a dispensa de acordo formal, e quanto aos impedimentos para sua constituição.

Há de se mencionar ainda que a referida Emenda à Constituição, se aprovada,

permitirá também o casamento entre homossexuais, o que significa que os dispositivos da lei

penal que tutelam o matrimônio também deverão ser aplicados às uniões homoafetivas.

Porém, como sabemos, a dita Emenda não foi aprovada, por isso entendemos por bem

embasar nossas sugestões no direito posto e, portanto, valer-se apenas da legitimidade

conferida à união entre pessoas do mesmo sexo pela Lei 11.340/2006, admitida, portanto,

como forma de entidade familiar, porém sem específica regulamentação. Assim, a inserção da

união homoafetiva no Código Penal dar-se-á de forma a preservar a instituição sem que a ela

se atribua os mesmos requisitos de constituição da união estável, pois entendemos que se trata

de instituto jurídico diverso. Não serão consideradas, portanto, em relação à união entre

pessoas do mesmo sexo, as questões pertinentes aos impedimentos matrimoniais aplicáveis à

união estável, pois, além de não haver tal previsão no Projeto de Lei e em Substitutivo neste

sentido, não se sabe se o legislador ordinário assim determinará.

Admitida a sugestão que será exposta nos próximos parágrafos para a revisão do artigo

235 do Código Penal, poderemos reconhecer no próprio processo crime a existência das

uniões simultâneas estabelecidas pelos companheiros, do mesmo sexo ou não, sem a

necessidade de discutir a questão no juízo cível, até porque, além de se prestigiar o princípio

da economia processual, não se infringirá a ampla defesa e o contraditório, quanto à

comprovação da relação jurídica em pauta.

Vale lembrar que a informalidade das uniões estáveis ou homoafetivas determina

normalmente, no juízo cível, que a produção da prova testemunhal seja a única possível para

comprovar a existência de tais relacionamentos, o que pode ser também evidenciado no juízo

criminal, sem a suspensão do processo nos termos do artigo 93 do Código de Processo Penal.

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Entendemos, porém, que exceções serão evidenciadas nas hipóteses dos artigos 235, §

2o. e 236, parágrafo único, do Código Penal que ainda serão objeto de considerações nesse

item 4.6.1.

Quanto à primeira exceção, relembre-se que o artigo 1.723, § 1o., do Código Civil

dispõe que os impedimentos matrimoniais aplicáveis ao casamento também o serão em

relação à união estável, mas não às uniões homoafetivas como expusemos, o que significa que

aquele que estabelece união não-matrimonial, induzindo em erro o seu companheiro ou

companheira, merecerá as mesmas sanções penais daquele que contrai casamento, nas

mesmas condições, ou seja, induzindo em erro o outro contraente, pois, se assim não fosse,

não haveria sentido para a equiparação reconhecida pelo legislador civil ao estabelecer regras

mínimas para a constituição de uniões sem o formalismo do matrimônio.

O legislador civil, embasado no texto constitucional que previu ampla proteção à

união estável (art. 226, § 3o., CF), estabeleceu outra forma de extinção da união estável que

não a mera dissolução, ou seja, sua anulação (art. 1723, § 1o., CC), o que também se evidencia

em relação ao matrimônio, quando da verificação dos impedimentos absolutamente

dirimentes do artigo 1.521 do Código Civil.

A previsão dos referidos impedimentos para a constituição das uniões estáveis pelo

legislador equiparou sobremaneira o instituto do casamento à união não-matrimonial, o que

significa que, em prol de um sistema legal harmônico e único, igual tratamento deve ser

conferido às uniões estáveis pelo Direito Penal, por isso merece revisão o § 2o. do artigo 235

do Código Penal, que agora receberá outra numeração de acordo com nossa sugestão a seguir

(§ 3o.). Ressalte-se que, na hipótese da verificação dos impedimentos do artigo 1.521 do

Código Civil, há de se suspender o curso da ação penal para que as questões pertinentes sejam

dirimidas no juízo cível ante a sua complexidade (art. 93, CPP).

Assim, o artigo 235 do Código Penal deveria ter a seguinte redação segundo nosso

entendimento:

Bigamia

Art. 235. Contrair alguém, sendo casado ou vivendo em união estável, casamento com outrem.. (grifo nosso)

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

(...)

§ 1o Nas mesmas penas incorre aquele que, casado ou vivendo em união

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estável, constitui união estável com outrem. (grifo nosso)

§ 2o Aquele que, não sendo casado, contrai casamento ou constitui união estável com pessoa casada ou que vive em união estável, conhecendo essas circunstâncias, é punido com reclusão ou detenção de 1 (um) a 3 (três) anos. (grifo nosso)

§ 3º Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento ou a primeira união estável, ou os demais por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime (...). (grifo nosso)

§ 4º Incorre nas penas do ‘caput’ deste artigo aquele que constitui uniões homoafetivas simultâneas (...). (grifo nosso)

Como já mencionado no Capítulo III, item 3.4 (p. 139), o Anteprojeto de Reforma do

Código Penal já não mais tipifica a conduta prevista no artigo 235 do Código Penal e, mais,

revoga por completo o Capítulo I, do Título VII, do Código Penal em vigor, ou seja, todos os

crimes contra o casamento.

O Anteprojeto trata dos crimes contra a família em seu Título VI, que conta apenas

três capítulos:

Capítulo I – Dos crimes contra o estado de filiação.

Capítulo II – Dos crimes contra a assistência familiar.

Capítulo III – Dos crimes contra a guarda de incapazes.

Na Exposição de Motivos do Anteprojeto, segundo nos relata Luiz Flávio Borges

D’Urso, o então Presidente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro explicou que a

descriminalização de alguns tipos penais, pertinentes à família, sobretudo no que tange aos

delitos que atentam contra o casamento, teve por fim garantir sua eficácia e evitar o descrédito

do sistema repressor. Nos seus dizeres, a reformulação do Título VII do Código Penal em

vigor não tem por objetivo o desrespeito à família, mas sim a garantia de que bens jurídicos

de maior relevância sejam de maior preocupação do legislador, tais como a filiação, a

assistência familiar e a guarda de incapazes.574

Em que pesem as razões expostas, entendemos que a descriminalização dos delitos

contra o casamento não se deve operar, pois não há dúvidas de que tanto o casamento quanto

a união estável e a união homoafetiva são formas de constituir família, bem este protegido

pelo legislador penal e pela Constituição Federal. Por conseqüência, não se pode negar que os

institutos em questão têm extrema relevância para nossa sociedade e que por isso a tutela

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penal se justifica.

Consignar-se pena específica para os crimes contra o casamento revela-nos a

preocupação do legislador de repreender a conduta de quem viola o bem protegido pelo

Direito Penal, ou seja, a família, e de prevenir as ações de quem pretenda violar as normas

penais respectivas, por isso não há razões para sua descriminalização.

Assim, além de manter os tipos penais cabíveis em relação ao casamento, o legislador

deveria prever, nos respectivos artigos, a justa proteção à união estável, revelando assim a

importância de ambos para a sociedade brasileira.

Nessa linha, é também necessária a alteração da redação atual do artigo 236 do Código

Penal, que dispõe sobre o crime de induzimento em erro essencial e ocultação de

impedimento, como trataremos nos parágrafos a seguir.

Com o advento do novo Código Civil, equiparou-se expressamente a união estável à

entidade familiar (art. 1.723, caput, CC) consagrando-se assim em definitivo as disposições

constitucionais respectivas (art. 226, § 3o., CF).

Algumas das conseqüências ou requisitos necessários ao casamento foram estendidos

a essa forma informal de constituição de família, ou seja, à união estável, porque o legislador,

ao prever a possibilidade de convertê-la em casamento (art. 1.726, CC), tentou aproximar os

institutos o máximo possível.

Ora, se a intenção do legislador constitucional foi proteger a família

independentemente de sua forma de constituição, o legislador ordinário não pode contrariar o

comando maior e tampouco manter dispositivos legais que permitam o tratamento

diferenciado entre a família oriunda do casamento e aquela em que o casal não cumpre tal

formalidade.

Por essa razão, as alterações na lei penal são necessárias, pois somente assim se

permitirá conceituar a família na legislação civil e penal de forma harmônica e una e ainda

garantir sua ampla proteção nos termos da Constituição Federal (art. 226, caput,CF). Observar

o texto constitucional implica tratar igualmente institutos jurídicos e possibilitar a correta

interpretação sistêmica, evitando conclusões equivocadas ou ilações diversas acerca do

574D’URSO, Luiz Flávio Borges. op. cit., pp. 12-13.

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mesmo tema.

Assim, é imprescindível a revisão do tipo penal previsto no artigo 236 do Código

Penal, com a ressalva de que as uniões homoafetivas não poderão ser incluídas no texto, pois

não há regulamentações específicas na lei sobre impedimentos para sua constituição.

É certo que o legislador de 1940 priorizou a proteção do casamento, pois essa era a

única forma de se constituir e preservar uma família à época.

Porém, a nossa realidade nos remete a nova reflexão e nos leva a procurar soluções

para situações antes não imaginadas, por isso as mudanças na lei são de rigor, a fim de se

evitar, de qualquer forma, o tratamento desigual de iguais.

Com a expressa determinação no Código Civil de 2002 a respeito da aplicação dos

impedimentos matrimoniais à união estável serão observados em relação a ela os

impedimentos dirimentes absolutos do artigo 1.521 do Código Civil.

Há de se ressaltar, contudo, que a causa impeditiva prevista no artigo 1.521, inciso VI,

do Código Civil, que não permite o matrimônio de pessoa separada de fato ou judicialmente, e

as causas suspensivas do artigo 1.523 do Código Civil, que indicam as hipóteses em que o

casamento não deve ser contraído, a fim de se evitar a confusão entre o patrimônio da anterior

relação conjugal ou decorrente parentesco com o patrimônio que pode se originar do novo

matrimônio, não se aplicam à união estável por força de expressa disposição do artigo 1.723,

§§ 1o. e 2o., do mesmo diploma legal. Contudo, em se tratando de norma penal em branco, em

qualquer dos casos, o intérprete deverá recorrer à legislação civil em vigor para definir os

impedimentos aplicáveis a cada espécie, por isso não há necessidade de qualquer ressalva a

respeito na lei penal.

Assim, como já ressaltado nesse item (p. 247), possível é agora a anulação da união

estável perante a lei civil.

Por conseqüência, o parágrafo único do artigo 236 do Código Penal também merece

revisão para a plena equiparação dos cônjuges e companheiros, pois, em razão do que dispõe

a atual redação do parágrafo único do artigo em pauta quanto à suspensão da ação penal para

dirimir questões pertinentes ao casamento, a mesma suspensão deverá ocorrer para que as

questões referentes aos impedimentos que impossibilitam a constituição da união estável

sejam dirimidas no juízo cível ante a sua complexidade (art. 92 e 93, CPP).

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Nestes termos, a redação deste artigo, segundo nossa sugestão, deveria ser assim

disposta:

Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

Art. 236. Contrair casamento ou constituir união estável, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento ou união estável anterior (grifo nosso)

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. A ação penal depende de queixa do contraente ou do companheiro enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento ou a união estável.(grifo nosso)

O Anteprojeto de Reforma do Código Penal não mais tipifica a conduta descrita no

artigo 236 do Código Penal como ressaltado no Capítulo III, item 3.4.1.2 (p. 147-148).

Da mesma forma, e por iguais razões, merece revisão o artigo 237 do Código Penal

que também trata dos impedimentos que obstam o casamento, impedimentos esses agora de

conhecimento do outro contraente. Ressalta-se que, pelos motivos já expostos acerca da falta

de previsão legal que estabeleça impedimentos à constituição de tais relações, não haverá

inclusão da união homoafetiva em nossa sugestão.

Assim, nossa sugestão para a redação do artigo 237 do Código Penal seria:

Conhecimento prévio de impedimento

Art. 237. Contrair casamento ou união estável, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta (grifo nosso)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

O Anteprojeto da Reforma também descriminaliza o delito de conhecimento prévio de

impedimento.

No que tange aos crimes praticados contra a família, entendemos também

imprescindível a alteração do disposto no artigo 244, caput, do Código Penal para a inclusão

do companheiro.

O artigo 244 do Código Penal prevê o crime de abandono material, descrevendo a

conduta daquele que deixa de prover a subsistência de quem dele depende. Porém, o artigo

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silencia a respeito do companheiro quando descreve os sujeitos passivos, por isso merece

urgente revisão pelo legislador. Pondero que a expressão companheiro também incluirá o

convivente homossexual, pois há de se tratar a união homoafetiva também como entidade

familiar.

O Anteprojeto de Reforma do Código Penal de 1999 faz menção expressa ao

companheiro quando tipifica o crime de abandono material (art. 244, Anteprojeto), o que

merece aplausos, mas evidentemente não contém as alterações da Lei 10.741/2003, no que

tange ao idoso, por isso a nossa sugestão para a alteração do artigo será considerada em

relação ao dispositivo em vigor no Código Penal. Além disso, far-se-á menção expressa ao

companheiro homossexual, a fim de que a união homoafetiva seja consagrada na lei penal.

O artigo 244, caput, do Código Penal terá a seguinte redação em nosso entender:

Abandono material

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge ou companheiro, heterossexual ou homossexual, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inaptos para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo (grifo nosso).

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente do País.

(...).

Com relação aos crimes previstos no Capítulo IV do Título VII, do Código Penal,

alteração também é necessária no que tange ao nome atribuído ao referido capítulo, pois o

novo Código Civil já não mais dispõe sobre o pátrio poder, mas sim sobre o poder familiar,

uma vez que equiparou o poder do pai e da mãe em relação aos seus filhos e ainda incluiu

expressamente os companheiros como aptos a exercê-lo (arts. 1.630 e 1.631, CC).

Assim, a redação sugerida seria: Capítulo IV – Dos crimes contra o poder familiar, tutela e

curatela (grifo nosso).

Não há modificações significativas no Anteprojeto em relação aos tipos penais

constantes do Título VII, Capítulo IV do Código Penal em vigor, mas sim em relação ao título

do Capítulo IV, que agora recebe a denominação “Dos crimes contra a guarda de incapazes”,

título em nosso entender equivocado, já que os tipos penais continuam a se referir ao tutor e

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curador, que, portanto, exercem munus, ou seja, encargo, diferente daqueles que detêm a

guarda tão-somente.575

Como se verifica, as reformas na legislação são necessárias não somente para

delimitar o alcance da norma penal, mas principalmente para que o sistema penal possa se

apresentar de maneira subsistente e lógica.

4.6.2 - Normas não incriminadoras

As alterações defendidas no item anterior em relação às normas penais incriminadoras

não podem a elas se limitar.

Na realidade, para que a reforma penal seja eficaz e condizente com as demais normas

do sistema, principalmente com aquelas que integram a ordem constitucional em vigor,

devem-se revisar também as normas penais não incriminadoras, ou seja, aquelas que não

contêm sanção a ser aplicada com o fim de repreender a conduta do agente, mas sim que lhe

são benéficas, favoráveis.

Assim, ainda que a analogia seja admitida para a aplicação de normas não

incriminadoras a casos concretos não previstos em lei, pois a analogia em benefício do réu (in

bonam partem) não está vedada por nosso sistema penal, é fato que a reforma da legislação

penal não pode ser descartada para a equiparação dos cônjuges aos companheiros, do mesmo

sexo ou não.

A alteração legal é imprescindível não só para elidir dúvidas no intérprete quanto à

aplicação da lei, mas também para a consagração efetiva da união estável e da união

homoafetiva no sistema penal brasileiro. Não há mais sentido para o silêncio da lei penal

acerca da união estável, instituto de tamanha relevância para nossa sociedade, pois assim

consagrado pela Constituição de 1988 (art. 226, § 3o., CF) e por nosso Código Civil (art.

1.723, CC) e nem mesmo da união homoafetiva agora reconhecida por nosso legislador como

forma de entidade familiar (art., 5º., II e III, parágrafo único, Lei 11.340/2006) e não excluída

como espécie de família pela Lei Maior (art. 226, CF).

575Texto do Titulo IV do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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Dessa forma, ainda que se pondere a impossibilidade da lei prever todas as hipóteses

que possam advir da vida em sociedade, é certo que a analogia como forma de integração da

lei penal para este caso não é mais satisfatória, devendo o legislador promover a urgente

reforma da legislação em vigor.

Algumas mudanças, como veremos adiante, já foram recomendadas pelo Anteprojeto

de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999, o que nos revela a intenção do

legislador de realmente consagrar as uniões não matrimoniais, portanto, a união estável em

nosso sistema, já que ainda não se fazia menção à união homoafetiva em nosso sistema legal

na oportunidade.

Assim, quanto às normas penais não incriminadoras entendemos que deverão ser

revistos os seguintes artigos do Código Penal: artigo 121, com redação proposta pelo

Anteprojeto de 1999 para a inserção dos §§ 4º. e 7º.; artigo 128, com redação proposta pelo

Anteprojeto que amplia seus termos (art. 127 e § 1º.); artigo 129, se aprovada a proposta do

Anteprojeto para inserção de novo parágrafo (art. 128, § 8º.); artigo 181, inciso I (art. 213, I,

Anteprojeto); artigo 182, inciso I (art. 214, Anteprojeto); e artigos 348, § 2º (art. 353, § 2º.,

Anteprojeto).

Vejamos:

O artigo 121 do Código Penal, nos termos do Anteprojeto, conta com mais três novos

parágrafos e com nova numeração daqueles já existentes.

O primeiro novo parágrafo foi citado no item 4.6.1 desse capítulo (p. 236-237), pois

trata de norma penal incriminadora, ou seja, a eutanásia como tipo autônomo.

Os §§ 4º. e 7o. do artigo 121 do Código Penal do Anteprojeto prevêem,

respectivamente, a exclusão de ilicitude da conduta de certos agentes que pratiquem

ortotanásia em algumas condições e a isenção de pena em relação a determinados agentes no

homicídio culposo em circunstâncias específicas.

Em ambas as hipóteses, há inclusão do companheiro, sem menção expressa à união

homoafetiva.

A redação do Anteprojeto será disposta nos seguintes termos segundo nossa sugestão:

Homicídio

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Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

(...)

Exclusão da ilicitude

§ 4o Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, heterossexual ou homossexual, ascendente, descendente ou irmão.(grifo nosso)

(...)

Homicídio culposo

§ 5o Se o homicídio é culposo:

Pena – detenção, de um a três anos.

(...)

Isenção de Pena

§ 7o O juiz, no homicídio culposo, deixará de aplicar a pena, se a vítima for cônjuge, companheiro, heterossexual ou homossexual, ascendente, descendente, irmão ou pessoa a quem o agente esteja ligado por estreitos laços de afeição e se o próprio agente tiver sido atingido, física ou psiquicamente, pelas conseqüências da infração, de forma grave.576 (grifo nosso)

O companheiro, pelo Anteprojeto, tem o mesmo poder decisório do cônjuge e demais

parentes de sangue no que tange ao prolongamento ou não da vida de seu convivente enfermo.

Portanto, também tem a possibilidade de consentir na interrupção da via sofrida e sem

esperanças do ente querido.

Isto nos faz pensar que o legislador atentou para a grandeza do instituto da união

estável e entendeu que o uso da analogia para a extensão da permissão de prolongar o

tratamento aos companheiros e companheiras, pois não se pode deixar de considerar que o

enfermo, por vezes, não é casado, mas apenas amasiado.

A consagração expressa da união estável na reforma da lei penal, no caso no crime de

homicídio, revela-nos a intenção do legislador penalista de conferir-lhe a sua real importância,

576Texto do artigo 121 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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traduzindo assim os anseios da sociedade.

Além disso, a introdução, no nosso sistema, de norma não incriminadora que se refere

à ortotanásia enaltece a própria instituição da família e corrobora o intuito do legislador

constitucional de fortalecê-la independentemente da sua forma de constituição, por isso

entendemos que a proposta do Anteprojeto dever ser ratificada integralmente, se admitidas as

causas excludentes em comento, pois isso certamente é prejudicial à questão da equiparação

do cônjuge e companheiro.

A inserção do companheiro no texto do Código Penal também nos é dada em relação à

isenção de pena no caso de homicídio culposo, pois, por óbvio, não seria justo deixar de

aplicar a pena ao cônjuge, quando evidenciadas as circunstâncias expostas no § 7o. do artigo

121 do Anteprojeto, e penalizar o companheiro, que também vive como se fosse casado com a

vítima em relação estável, duradoura, contínua, pública e mantenedora da família.

No que tange às reformas sugeridas em relação às normas permissivas, mas ainda não

aprovadas pelo legislador, há também de se considerar a inovação relevante introduzida pelo

Anteprojeto no crime de aborto, que altera a redação do artigo 128 do Código Penal em vigor

ampliando a sua incidência, quando, em seu artigo 127, § 1o., prevê nova hipótese de exclusão

de ilicitude da conduta do médico que o consuma e ainda exige o consentimento da gestante

para sua execução ou, na sua impossibilidade, de seu representante legal, cônjuge ou

companheiro. Essa alteração ressalta a já mencionada importância do companheiro nas

decisões familiares e, portanto, a sua tão esperada equiparação com o cônjuge. Entretanto,

deve-se inserir o companheiro homossexual no Anteprojeto, pois não se pode descartar a

hipótese de, em uma relação homossexual feminina, por exemplo, uma das conviventes,

valer-se de inseminação artificial e engravidar. Portanto, assim disporá o artigo segundo nossa

sugestão:

Exclusão de ilicitude

Art. 127. Não constitui crime o aborto provocado por médico, se:

I – não há outro meio de salvar a vida ou preservar de grave e irreversível dano a saúde da gestante;

II – a gravidez resulta da prática de crime contra a liberdade sexual;

III – há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável.

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§ 1o Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, se menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, de cônjuge ou companheiro, heterossexual ou homossexual.577 (grifo nosso).

No que se refere ainda às inovações do Anteprojeto, apontamos aquela introduzida no

atual artigo 129 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de lesão corporal. O Anteprojeto,

além de alterar sua numeração, pois agora esse crime é tratado no artigo 128, acrescenta-lhe o

§ 8o., assim dispondo:

Lesão corporal leve

Art. 128. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

(...)

§ 8o O juiz deixará de aplicar a pena:

I – se ocorrer as hipóteses do § 5o., sendo as lesões recíprocas ou leves;

II – se a lesão for culposa e ocorrem as condições do artigo 121, § 7o.

(...).578

O artigo 128, § 8o., do Anteprojeto do Código Penal trata do perdão judicial e prevê as

hipóteses em que ele pode se evidenciar, ou seja, quando da concorrência de lesões leves e

recíprocas na forma privilegiada equiparada ao homicídio (art. 128, § 5o., Anteprojeto) e

quando, nas lesões culposas, as vítimas foram aquelas descritas no § 7o. do artigo 121 do

Anteprojeto, dentre elas, o companheiro.

Neste ponto, o legislador também merece aplausos, ao permitir ao julgador o

afastamento da sanção penal nas hipóteses em que o autor ofende a integridade corporal de

ente querido, dentre eles o companheiro, que, como o cônjuge, também está ligado a ele por

laços de amor e afeição. Por conseqüência, a nossa sugestão para a inclusão do companheiro

homossexual no artigo 121, § 7º., do Anteprojeto, serão portanto englobadas pela alteração

do artigo 128, § 8º., do Anteprojeto.

Quanto às normas não incriminadoras em vigor aplicáveis aos crimes praticados no

577Texto do artigo 127 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 578Texto do artigo 128 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p..

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seio da família, há de se tecer considerações expressamente a respeito dos artigos 181, inciso

I, e 348, § 2o., do Código Penal, já que revogados os artigos 107, incisos VII e VIII, do

mesmo diploma legal pela Lei 11.106/2005.

Cumpre consignar que mesmo admitida a interpretação extensiva nas hipóteses dos

artigos 181, inciso I, e 348, § 2o., do Código Penal, pois não haveria qualquer prejuízo ao réu

em se reconhecer a aplicação de ambos para beneficiá-lo, as decisões de nossos Tribunais não

são unânimes quanto à possibilidade de equiparar cônjuges e companheiros nesses casos,

como se abordará nos parágrafos a seguir, por isso as revisões dos referidos artigos são

necessárias.

Com o advento da Lei 11.340/2006, entendemos que outra questão surgirá nesse caso,

ou seja, aquela pertinente à admissão da interpretação extensiva dos artigos 181, inciso I, e

348, § 2o., do Código Penal às uniões homoafetivas. Não há qualquer óbice para tal

reconhecimento, pois o legislador, ao conferir proteção aos homossexuais que estabelecem

relações da forma prevista pela lei citada (art. 5o., II e parágrafo único), atribuiu legitimidade

a tais relacionamentos afetivos e, portanto, reconheceu seus efeitos jurídicos.

Assim, o legislador, ao inovar no campo do Direito Penal e consagrar as uniões

homoafetivas, determinou que o aplicador da lei se valha da interpretação sistemática para

que jamais se ignore a existência das uniões entre pessoas do mesmo sexo em nosso meio, por

isso reconheceu-as como geradoras de efeitos no mundo do Direito, o que já nos basta para

admitir a extensão das normas penais não incriminadoras aos crimes praticados por

homossexuais na constância de suas relações.

É importante abordar o artigo 181, incisos I e II, do Código Penal, que isenta de pena

aqueles que cometem crimes contra o patrimônio de seu cônjuge, na constância do casamento,

de seu ascendente ou descendente, seja o parentesco civil, natural legitimo ou não, mas desde

que não haja violência ou grave ameaça e sem que haja benefícios a estranho que participe do

crime (art. 183, CP).

Trata-se de escusa absolutória que tem por fim proteger a intimidade da família e os

membros que a integram, por isso é importantíssima a sua retificação para que todos os

acusados da prática de delito contra o patrimônio possam ser beneficiados.

O dispositivo em vigor silencia a respeito da possibilidade de isenção de pena quando

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o companheiro é vítima dos crimes contra o patrimônio. Porém, o Anteprojeto altera a sua

redação e, em seu artigo 213, inciso I, dispõe sobre a hipótese, inserindo o companheiro, mas

silenciando a respeito da união homoafetiva. Assim, observando-se os termos do Anteprojeto,

sugerimos a seguinte redação, a fim de que se possa alterar o artigo 181, inciso I, do Código

Penal em vigor:

Exclusão de punibilidade

Art. 213. Não é punível quem comete qualquer dos crimes previstos neste Título, em prejuízo de:

I – cônjuge, na constância da sociedade conjugal, ou de companheiro, no caso de união estável ou de união homoafetiva; (grifo nosso)

(...).579

Acertada a decisão do Anteprojeto em incluir o companheiro na escusa absolutória

constante de seu artigo 213, inciso I, pois se a intenção é proteger a família e preservar os seus

integrantes, não há sentido em excluir o companheiro ou companheira, pois na união estável,

ou na união homoafetiva, também há cumplicidade entre o casal e um lar a zelar.

Nossos Tribunais divergem quanto à aplicação do dispositivo aos casos em que se

evidencia a conduta do companheiro em detrimento do patrimônio de seu convivente, o que

reforça a necessidade da alteração do respectivo artigo, a fim de que se consagre em definitivo

o princípio da igualdade previsto na Lei Maior (art. 5o., caput, CF).580

Vale aqui mencionar ainda julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que

admitiu a aplicação da imunidade prevista no artigo 181, inciso II, do Código Penal, ao réu

que atentou contra o patrimônio do companheiro de sua mãe, portanto seu padrasto, segundo

o v. acórdão, pois, em razão da equiparação da união estável às uniões conjugais, estabelecida

na Constituição Federal, não mais se admite o tratamento desigual na hipótese, presumindo-se

579Texto do artigo 213 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 580Admitindo a equiparação entre cônjuges e companheiros quando evidenciada as escusas absolutórias em pauta: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 3a. Câmara Criminal, Rel. Des. Mercêdo Moreira, Embargos Infringentes 1.0000.00.229165-6/002(1), j. 26.8.2003. Disponível em: <http:// www. tjmg. gov.br/jurídico/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&numeroProcesso=229165&complemento=2&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=&tipoMarcacao>, acesso em 16.5.2007. Contra a equiparação dos cônjuges e companheiros na mesma hipótese, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, 1a. Turma Criminal, Rel. Des. Lecir Manoel da Luz, Apelação Criminal 2003.01.1.060565-3, j.. 18.5.2006. Disponível em: <http://juris.tjdft.gov.br/docjur/248249/249263.doc>, acesso em 16.5.2007

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que, assim agindo, o autor atentou contra o patrimônio da própria mãe.581

Na hipótese do julgado citado no parágrafo anterior, entendemos que a revisão do

artigo não é cabível para isentar de pena o autor do crime que atenta contra o patrimônio do

companheiro de seu ascendente, pois a intenção do legislador foi proteger os bens do

ascendente ou descendente, em razão do vínculo de parentesco que os une ao agente do delito,

por isso não se pode aplicá-lo ao caso.

A inserção do companheiro no dispositivo que prevê certas condições para o início da

ação penal nos crimes contra o patrimônio praticados sem violência ou grave ameaça à

pessoa, ou seja, o artigo 182 do Código Penal, também merece revisão, já que o citado

dispositivo nada menciona a respeito de seu exercício pelo companheiro, o que também não

tem sido evidenciado em nossos Tribunais.

Entendemos correta a redação do artigo 214, inciso I, do Anteprojeto, que revê a

redação do artigo 182, inciso I, do Código Penal e cita o companheiro. Porém, ele deverá

incluir a união homoafetiva, por isso assim deverá dispor:

Ação Penal

Art. 214. Procede-se mediante representação, se o crime previsto neste Título é cometido em prejuízo de:

I – cônjuge judicialmente separado, divorciado ou ex-companheiro de união estável ou de união homoafetiva; (grifo nosso)

(...).582

Da mesma forma, concluindo o legislador pela necessidade de imposição de

determinada condição para o início da ação penal em crimes contra o patrimônio, certamente

para preservar a honra dos envolvidos e as relações familiares, igual solução deve ser

estendida ao companheiro, que também deve sopesar os interesses envolvidos antes de

começar a persecução penal. Quanto aos separados de fato, o Anteprojeto ainda não soluciona

a questão, parecendo-nos que eles continuarão a se enquadrar na hipótese do artigo 181,

inciso I, do Código Penal em vigor, que possibilita a isenção de pena nos crimes contra o

581Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 6a. Câmara Criminal, Rel. Des. Marco Antonio Bandeira Scapini, Apelação Criminal 70008428146, j. 1.7.2004. Disponível em: <http://www.tj.rs. gov.br/site_ php/ consulta / exibe_documento.php?ano=2004&codigo=340706>, acesso em 16.5.2007. 582Texto do artigo 214 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163.

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patrimônio praticados em prejuízo do cônjuge na constância do casamento, pois é certo que

neste caso o vínculo conjugal ainda não foi dissolvido. Ressaltamos que o legislador alterou a

expressão desquitado para divorciado, no Anteprojeto, o que se adapta a legislação em vigor.

O artigo 183 do Código Penal, por sua vez, que excepciona a aplicação dos artigos

anteriores, foi repetido pelo artigo 215 do Anteprojeto, que afasta o reconhecimento da

exclusão da punibilidade disposto no artigo 213 e do artigo 214, do Anteprojeto, no caso de

violência ou grave ameaça ou quando estranho participa do crime.583

Por fim, o Anteprojeto consagra a equiparação do cônjuge ao companheiro ao incluir o

companheiro no artigo 353, § 2º. (com significativa alteração na redação), que dispõe sobre o

crime de favorecimento pessoal, hoje tipificado no artigo 348 do Código Penal, o crime de

favorecimento pessoal. Porém, o artigo 353, § 2º., do Anteprojeto não menciona a união

homoafetiva, por isso deverá ser alterado.

O artigo 353 do Anteprojeto contará com a seguinte redação segundo nossa sugestão:

Favorecimento pessoal

Art. 353. Auxiliar a subtrair-se à ação da autoridade pública autor de fato definido como crime a que é cominada pena de reclusão:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

(...)

Isenção de pena

§ 2o É isento de pena quem presta auxílio na condição de cônjuge, companheiro, heterossexual ou homossexual, ascendente, descendente ou de pessoa ligada ao autor do fato por laços de especial afeição. (grifo nosso)584

A consagração da união estável no artigo 353 do Anteprojeto permite que o

companheiro, cujos laços com o autor têm igual importância, também seja beneficiado com a

aplicação da escusa absolutória que o § 2o. do dispositivo em pauta prevê, que constitui, como

se sabe, causa pessoal de exclusão de pena, pondo fim a tal distinção tão descabida.

De qualquer forma, as mudanças nos confirmam que hoje a família está em primeiro

583Texto do artigo 215 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, v. II, p. 105-163. 584Texto do artigo 353 do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal no Anexo XI, Vol. II, p. 105-163.

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lugar, independentemente de sua forma de constituição, valendo ressaltar que os nossos

Tribunais já têm reconhecido a união estável na hipótese do crime de favorecimento pessoal,

com a aplicação dos termos do artigo 348, § 2º., do Código Penal para o reconhecimento da

imunidade respectiva ao convivente que o pratica. 585

As disposições abordadas neste item 4.6.2 e no item anterior 4.6.1, e que são objeto do

Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999, permitem-nos verificar

que os nossos operadores do Direito e os reclamos sociais certamente foram determinantes

para a inserção da união estável na reforma da lei penal, a fim de fossem prestigiadas pelo

Direito Penal não apenas as uniões matrimoniais, mas também outras espécies de entidades

familiares. Porém, o Anteprojeto não foi aprovado e as alterações oriundas das Leis

10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006 não foram suficientes para a tutela penal da união

estável e da união homoafetiva, por isso recomendamos as modificações dos artigos citados

nos itens 4.6.1 e 4.6.2, a fim de se consolide a efetiva equiparação de cônjuges e

companheiros, heterossexuais ou homossexuais, na lei penal.

4.7 - Aspectos processuais

As alterações necessárias para a total consagração da união estável e da união

homoafetiva no nosso sistema penal não se limitam ao direito material, pois também merecem

a devida revisão as disposições de ordem processual que não prestigiam o instituto em pauta.

Na verdade, o nosso Código de Processo Penal não prevê normas que atribuam à união

estável a sua real grandeza e confiram à união homoafetiva o caráter de entidade familiar, por

isso a reformulação do diploma legal citado é imprescindível.

No mais, não há aqui de se argumentar que, diferentemente do que ocorre no campo

do Direito Penal, as retificações, a serem mencionadas nesse item, seriam desnecessárias

diante do disposto no artigo 3º. do Código de Processo Penal, que, no que tange às normas

processuais, admite a interpretação extensiva, a aplicação analógica e o uso dos princípios

585Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2ª Câmara Criminal, Rel. Des. Sérgio Resende, Apelação Criminal 1.0000.00.337550-8/000 , j. 18.9.2003, Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_ teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&numeroProcesso=337550&complemento=0&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=uni%E3o+est%E1vel&tipoMarcacao>, acesso em 16.5.2007.

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gerais de direito, sem qualquer restrição.

Assim, a princípio, as normas de ordem processual já podem ser aplicadas às uniões

estáveis entre heterossexuais e homossexuais, ante as inovações advindas da Lei 11.340/2006,

sem a necessidade de qualquer alteração, como, ao contrário, se evidencia em relação à lei

penal.

Porém, a união estável não é instituto jurídico que pode ficar à margem da lei e

tampouco se limitar ao arbítrio do seu aplicador quanto ao seu reconhecimento, pois, como se

sabe, o julgador é livre quanto à formação de seu convencimento e pode entender inaplicáveis

aos companheiros, homossexuais ou heterossexuais, vários dispositivos legais, tais como os

artigos 24, § 1o. 31; 63; 149, caput; 206; 252, incisos I e IV; 253; 254, incisos II e III; 255;

258; 462; e 623 do Código de Processo Penal.

A união estável é entidade familiar protegida pela Constituição e que, portanto, deve

ser incorporada pela legislação infraconstitucional em definitivo, sem qualquer discriminação

em relação ao casamento. Vale lembrar que também em relação às uniões homoafetivas, ainda

que não consagradas expressamente por nossa Constituição, elas já foram reconhecidas como

entidade familiar pela Lei 11.340/2006, por isso serão aplicados os dispositivos processuais

penais pertinentes, a fim de que gozem de igual proteção conferida às uniões estabelecidas

entre casais heterossexuais, o que indubitavelmente será simplificado ante a inclusão da

palavra “companheiro” nos respectivos artigos.

A primeira alteração necessária é, portanto, aquela referente aos legitimados para

promoção de ação pública condicionada à representação ou de ação privada nos casos de

morte ou ausência do ofendido, ausência esta declarada judicialmente.

O artigo 24, § 1o., e o artigo 31 do Código de Processo Penal tratam respectivamente

das hipóteses citadas no parágrafo anterior e prevêem como partes legítimas para a promoção

das respectivas ações penais apenas o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão da

vítima, sem qualquer menção ao companheiro, o que não mais se harmoniza com os anseios

sociais, nem com a ordem constitucional em vigor.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, há de se estender a legitimidade ativa para os

companheiros desde que comprovada a união estável e desde que ela não seja questionada

pelo querelado na ação penal privada, pois, em seu entendimento: A proteção dos interesses

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da família pode justificar essa iniciativa da pessoa que viva com outra há muitos anos.586

De acordo com o referido autor, entende-se que o artigo 31 do Código de Processo

Penal estabelece ordem de preferência a ser seguida, o que significa que o “companheiro”

deve figurar nos artigos em questão ao lado do cônjuge e, portanto, antes dos demais

legitimados.587

Conforme nos elucida Júlio Fabbrini Mirabete, a jurisprudência não é unânime em

relação ao reconhecimento da legitimidade ad causam dos companheiros na hipótese do

artigo 24 do Código de Processo Penal, por isso a revisão legislativa é imprescindível.588

O artigo 63 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre os legitimados a executar a

sentença condenatória no juízo cível para a reparação de danos decorrentes de crimes,

também é merecedor de revisão para a inclusão do companheiro, pois, ainda que não herdeiro

do falecido, já que a legislação civil assim não o considera (art. 1.829, CC), não vemos óbice

ao reconhecimento de sua legitimidade para promover a execução da sentença penal

condenatória no juízo cível, para recomposição de prejuízos oriundos da prática delitiva, até

porque na ausência de qualquer herdeiro do ofendido, tal demanda estaria totalmente

prejudicada, em face da sua exclusão.

O artigo 63 do Código de Processo Penal harmoniza-se como o artigo 91, inciso I, do

Código Penal, que consigna que um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de

indenizar o dano causado pelo crime, o que, segundo Julio Fabbrini Mirabete, revela a

intenção do legislador de privilegiar o valor certeza do julgado, evitando contradições em

julgamentos, ainda que provenientes de instâncias diversas.589

O artigo 65 do Código de Processo Penal complementa o artigo 63 do mesmo diploma

legal ao estabelecer que faz coisa julgada no juízo cível o reconhecimento das excludentes de

ilicitude na esfera criminal, ou seja, do estado de necessidade, da legítima defesa, do estrito

cumprimento do dever legal e do exercício regular do direito (art. 23, CP), exatamente para

impedir novas discussões a respeito das circunstâncias do crime e, por conseqüência, a

insegurança nas decisões judiciais. 586NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006, pp. 141-142. 587Id. Ibid., p. 133. 588MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111. O autor menciona julgados publicados na RT 466/321 e RT 603/301. Id., op. e loc. cit. 589MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, cit., p. 151.

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Assim é que, embora distinta a responsabilidade civil da responsabilidade penal, a lei

veda a discussão de questões já decididas no juízo criminal, no que se refere à existência do

fato e à autoria do crime (art. 935, CC), exatamente para reforçar a segurança dos

julgamentos.

Nesses termos, uma vez dirimidas as questões pertinentes às excludentes de ilicitude

na esfera criminal, basta perquirir no juízo cível o valor devido a título de indenização,

estando, pois, legitimados aqueles que, ao que parece, o legislador considerou mais próximos

do ofendido, por isso não se podem excluir os companheiros.

A inclusão do termo “companheiro” também é imprescindível na redação do artigo 63

do Código de Processo Penal, pois ela surtirá evidentes reflexos na disposição do artigo 64 do

mesmo diploma legal, que prevê a possibilidade de se ajuizar a ação civil ex delicto quando

ainda inexiste sentença condenatória irrecorrível, por isso os legitimados devem ser

equiparados.

O artigo 92 do Código de Processo Penal, embora não merecedor de revisão, deve ser

lembrado neste item deste estudo, pois permite a suspensão do curso da ação penal até que

solucionada controvérsia a respeito do estado civil das pessoas no juízo cível, ou seja, aquelas

pertinentes à filiação, ao casamento, à menoridade, à cidadania, dentre outras, o que pode ser

aplicado, em analogia, aos casos em que se indaguem a existência de união estável, apesar de

entendermos que, por questão de economia processual, a prova da união não-matrimonial

pode ser produzida no juízo criminal.

Neste ponto é interessante fazer referência ao artigo 155 do Código de Processo Penal,

que reitera a necessidade de solucionar as questões referentes ao estado das pessoas perante o

juízo cível, ante as restrições quanto à matéria de prova neste campo estabelecidas pela lei

civil. A união estável não é considerada causa que altere o estado civil da pessoa, como ocorre

no casamento, mas cremos que se complexas as provas necessárias à demonstração da

existência da união não-matrimonial, pois nem sempre ela se fundamenta em contrato escrito,

a ação civil cabível poderá ser intentada.

Merecedor de correção, porém, é o artigo 149 do Código de Processo Penal, que, ao

dispor sobre o procedimento para apuração da insanidade mental do acusado, não prevê,

dentre os legitimados para o seu requerimento, o companheiro, mencionando apenas o

ascendente, descendente, irmão, cônjuge do réu. Portanto, o artigo em pauta deve ser

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retificado, pois é claro que o companheiro tem as mesmas relações estreitas com seu

convivente e, portanto, pode pretender o melhor tratamento em seu benefício.

O artigo 206 do Código de Processo Penal também precisa ser alterado.

O artigo citado impõe àqueles que tomam conhecimento de fato relevante para o

processo o dever de testemunhar. Porém, esse artigo excepciona tal obrigação àqueles que têm

ligações estreitas com o acusado e que certamente não se sentiriam confortáveis em ter de

manifestar-se em processo crime promovido para apuração de delito a ele imputado.

Assim, podem se recusar a prestar depoimento o ascendente, descendente, o afim em

linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão, o pai, a mãe, ou o filho adotivo do

acusado, exceto quando não houver outras provas do fato.

O artigo 206 do Código de Processo Penal não trata especificamente do companheiro,

o que, em nosso entender, é absolutamente necessário, pois, da mesma forma que os demais, o

vínculo que o liga ao acusado justifica a recusa ao dever de testemunhar. Além disso, deve-se

acrescentar que a exclusão do companheiro da redação desse artigo determina, em casos

concretos, a prática de crime de falso testemunho, já que os conviventes são cúmplices em

seus segredos.

Há julgados de nossos Tribunais que têm considerado atípica a conduta do convivente,

acusado como autor do crime de falso testemunho em processo crime em que é autor seu

companheiro, ante a ausência de dolo.590

Guilherme de Souza Nucci defende o uso da analogia no caso para a inclusão do

companheiro, ressaltando que a prova da união estável pode ser produzida no próprio

processo criminal, através de testemunhas, a fim de que se justifique a recusa591, o que

certamente seria dispensável se a lei desde logo fizesse menção ao companheiro.

O artigo 252 do Código de Processo Penal trata das causas de impedimento do juiz

590Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 1a. Câmara Criminal, Re. Des. Tibagy Sales, Apelação Criminal 1.0000.00.305701-5/000(1), j. 6.5.2003, Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro _teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&numeroProcesso=305701&complemento=0&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=uni%E3o+est%E1vel+penal&tipoMarcacao>, acesso em 16.5.2007; Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 3a. Câmara Criminal, Rela. Desa. Jane Silva, Apelação Criminal. 1.0000.00.346356-9/000(1), j. 21.10.2003. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br /juridico /jt/ inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0&ano=0&numeroProcesso=346356&complemento=0&sequencial=0&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=uni%E3o+est%E1vel&tipoMarcacao>, acesso em 16.5.2007. 591NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal comentado, cit., p. 458.

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para o exercício de sua jurisdição em determinado processo, causas essas que podem macular

sua imparcialidade, pois implicam vínculo direto com o objeto do litígio.

Porém, o referido artigo não inclui dentre as causas de impedimento em questão a

hipótese de o magistrado ser companheiro ou companheira de alguém que tenha funcionado

no feito como defensor, advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar

de justiça ou perito (art. 252, I, CPP) ou mesmo que seu companheiro ou companheira tenha

sido parte ou pessoa diretamente interessada no resultado da demanda (art. 252, IV, CPP), o

que é um contra-senso, já que tanto o companheiro quanto o cônjuge geram a impossibilidade

da atuação do magistrado.

Por essa razão, entendemos perfeitamente cabível a alteração do artigo 252 do Código

de Processo Penal.

Pelos mesmos motivos, recomendável é a retificação do artigo 253 do Código de

Processo Penal, que trata dos impedimentos do exercício da jurisdição nos órgãos colegiados,

sendo certo que aqui há de se incluir o cônjuge e o companheiro, pois o texto do citado artigo

não se refere a ambos expressamente.

No artigo 254 do Código de Processo Penal, que trata dos casos de suspeição do juiz,

os quais, segundo Guilherme de Souza Nucci, constituem causas de parcialidade do julgador

que pode viciar sua atuação no processo, pois revelam seu interesse na matéria em debate592,

também há de se operar a alteração em questão para a inclusão dos companheiros.

O fato de o juiz viver em união estável não pode ser ignorado, pois é certo que o

vínculo que ele assim mantém com seu ou com sua convivente é tão intenso quanto aquele

oriundo do casamento.

Assim, suspeito será o magistrado cujo companheiro ou companheira estiver

respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (art.

254, II, CPP), bem como quando seu companheiro ou companheira sustentar demanda ou

responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes (art. 254, III, CPP).

O artigo 255 do Código de Processo Penal regulamenta a cessação das causas de

impedimento ou suspeição entre afins, ressaltando que a dissolução do casamento assim a

592NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal comentado, cit., p. 537.

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determinará, salvo se sobrevierem descendentes. O artigo excepciona situações em que a

afinidade não cessará mesmo dissolvido o casamento, quando dispõe que não funcionará

como juiz o sogro, o padrasto, o cunhado, o genro, ou enteado de quem for parte no

processo.

O artigo 1.595 do novo Código Civil prevê que o companheiro também se liga aos

parentes do outro pela afinidade, o que significa que a redação do artigo 255 do Código de

Processo Penal também deve ser alterada para sua expressa inclusão, até porque há que se

mencionar o momento em que essa afinidade cessará, pois, ao contrário dos casamentos, as

uniões estáveis podem encerrar-se informalmente, sem a necessária intervenção do Judiciário.

Consigne-se ainda que o mesmo artigo 1.595 do Código Civil dispõe em seu § 2o. que

o parentesco por afinidade não se extingue na linha reta com a dissolução da união estável, o

que certamente também deve ser considerado pelo legislador ante a redação da parte final do

artigo 255 do Código Processo Penal.

O artigo 258 do Código Processo Penal prevê hipóteses de impedimento e suspeição

dos membros do Ministério Público, hipóteses essas que se assemelham àquelas previstas

para os magistrados nos artigos 252 e 254 do mesmo diploma legal.

Cabe a retificação da redação do artigo 258, a fim de que se faça constar

expressamente que, na hipótese do companheiro de integrante do Ministério Público figurar

como parte ou como juiz, ele estará impedido de atuar no processo ou deverá se declarar

suspeito em analogia ao disposto no artigo 254, incisos II e III, do Código de Processo Penal,

com as alterações sugeridas neste item no que tange à união estável.

Observamos que os artigos 274 e 280 do Código de Processo Penal tratam das

hipóteses de suspeição em relação aos serventuários e funcionários da justiça e peritos, e nos

remetem à observância das prescrições pertinentes aos juízes constantes do artigo 254, do

mesmo diploma legal, artigo este já comentado neste item, e cujas alterações sugeridas quanto

à figura do companheiro também aqui deverão ser consideradas.

As hipóteses de impedimento ou suspeição previstas para os juízes togados também

devem ser observadas no que se refere aos jurados, pois assim prevê expressamente o artigo

458 do Código de Processo Penal.

Portanto, a revisão dos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal é também

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pertinente para a inclusão do companheiro ou companheira dos jurados nas situações por eles

previstas.

Vale lembrar que o artigo 458 ainda nos remete à disposição constante do artigo 462

do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o impedimento específico em relação aos

jurados, pois prevê que não poderão integrar o mesmo Conselho de Sentença o marido e a

mulher, o ascendente e o descendente, o sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o

cunhado, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

Entretanto, o artigo 462 do Código de Processo Penal nada menciona a respeito de

companheiros que integrem o mesmo Conselho de Sentença, o que merece reparos, pois não

há dúvidas de que, tal qual se evidencia entre cônjuges, é certo que sua imparcialidade e

isenção estariam prejudicadas na hipótese.593

Por fim, merece revisão a redação do artigo 623 do Código de Processo Penal, que

dispõe sobre os legitimados para requer a revisão criminal, cujas hipóteses de cabimento

constam do artigo 621, do mesmo diploma legal.

O artigo 623 do Código de Processo Penal não menciona a possibilidade do

companheiro, no caso de morte do ofendido, aduzir a revisão criminal em juízo, pois se limita

a prever tal possibilidade apenas ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do acusado, o

que também deve ser revisto.

593NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal comentado, cit., p. 778.

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270

CONCLUSÃO

1) Elemento natural e fundamental para a vida em sociedade e organização do próprio

Estado e núcleo essencial para o desenvolvimento pleno do homem, a família traduz-se em

instituto de extrema importância para a ciência do Direito e para outras áreas do

conhecimento humano, em razão de seu cunho social, religioso, ético, moral e político.

2) Na atualidade, a família não mais se apresenta como um agrupamento de

indivíduos, submetidos à autoridade de um dos membros, com funções meramente

procriadoras e educativas, pois hoje se priorizam os laços afetivos entre seus integrantes e o

papel da entidade familiar na comunidade, em vista do bem comum.

3) A nova concepção de família, entretanto, não pode ser vista sem a observância da

história da sua evolução, pois é certo que os seus contornos atuais são fruto da conjugação de

perfis aos quais ela se enquadrou ao longo dos anos.

4) A família monogâmica e patriarcal dos povos primitivos; a família romana, com

perfil patriarcal, consubstanciada em uma unidade social e política; a família canônica,

influenciada pelos ditames da Igreja, concebida como comunidade natural com membros

ligados pelo matrimônio e por laços de procriação, e a família germânica, com perfil parental,

fundada no casamento, porém formalizado pelo Estado, evidenciam-nos as diferentes formas

de uniões adotadas historicamente pela humanidade, por isso o estudo da influência de cada

uma delas na vida do homem é extremante relevante para que se possa conceber a família

hoje.

5) As formas diferenciadas de união familiar nos revelam a dificuldade de se

conceituar o instituto da família e também nos sugerem a classificação da entidade familiar

em espécies, que podem advir da origem histórica (família celular, tribal, romana,

contemporânea ou monoparental), da forma de organização de cada uma delas (família

patriarcal, matriarcal, endogâmica ou exogâmica) ou da ligação entre seus membros (família

matrimonial, não-matrimonial, adotiva ou substituta), e que têm por fim delinear mais

detidamente as maneiras pelas quais o homem se relaciona com seus entes queridos.

6) As modificações no modo de pensar e viver do homem contemporâneo, sobretudo

no que tange à vida em família, foram evidenciadas inicialmente na Revolução Industrial e

tiveram significativa importância a partir do século XIX. A redução do núcleo familiar, a

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inserção dos membros da família no mercado de trabalho, com a paulatina conquista de

independência financeira, e a emancipação social da mulher e dos jovens, exemplos deste

novo modo de agir do homem, determinaram outra forma de organização das entidades

familiares, caracterizada pela igualdade nas relações pessoais entre seus membros, pelo

abandono de formalismos e pela prioridade dos laços de amor.

7) No Brasil, a urbanização dos grandes centros somada às constantes crises

financeiras e políticas, a conquista da independência financeira pelos membros da família, em

razão da abertura do mercado de trabalho, além da liberação sexual, foram determinantes para

a paulatina redução dos grupos familiares e mudança no comportamento de seus integrantes.

Além disso, a admissão das causas permissivas da separação e do divórcio pôs fim à

indissolubilidade do casamento e permitiu a reflexão a respeito da constituição da família

fundada na afetividade e no respeito mútuo.

8) A sociedade brasileira, influenciada pelo novo modo de pensar e agir do homem

moderno, que se traduz na vida em família fundada no afeto e com paridade nas relações

pessoais e patrimoniais, abandonou o antigo padrão secular familiar, que estava fundamentado

na doutrina tradicional cristã e sofria as influências do Direito Romano, Canônico e

Germânico, por isso se constituía exclusivamente pelo casamento e possuía perfil patriarcal e

hierárquico. No Direito pátrio, a família tem hoje conceito amplo e não se reduz ao casal e

filhos. Ela é compreendida por ascendentes, descendentes, colaterais até quarto grau, afins e

pelos entes unidos pelo parentesco civil e pela adoção e, além disso, prima pela união de seus

membros fundada nas relações de amor e respeito, independentemente de sua forma de

constituição e do sexo dos seus integrantes.

9) Consagrada nos textos constitucionais nacionais somente a partir da Constituição de

1934, que destinou um capítulo próprio para sua regulamentação e a consagrou como

organismo de relevância social e jurídica, a família tem atualmente ampla proteção assegurada

pela Constituição Federal em vigor (art. 226, caput, e §§ ss., CF) e é tratada por outros ramos

do Direito, como pelo Direito Civil, pelo Direito Processual Civil, pelo Direito Penal, pelo

Direito Processual Penal, pelo Direito Previdenciário, pelo Direito Tributário, pelo Direito

Eleitoral, o que a revela como bem jurídico essencial para a vida em nossa sociedade.

10) A Constituição Federal de 1988, rendendo-se à concepção moderna do instituto da

família, adotou o conceito amplo de entidade familiar, garantiu grande proteção aos seus

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membros, e ainda estabeleceu regras para sua preservação e bem-estar (art. 226, caput, e §§

ss, CF). Além disso, consagrou a denominada “família socioafetiva” que prioriza os laços

afetivos entre os integrantes e estabelece vários princípios fundamentais para as relações

familiares, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade entre

os cônjuges e companheiros, o princípio da igualdade de todos os filhos, o princípio da

paternidade responsável e planejamento familiar, o princípio da comunhão plena de vida

fundada na afetividade entre os conviventes, o princípio da liberdade para constituir família, o

princípio do pluralismo familiar e o princípio da consagração do poder familiar.

11) Por conseqüência, os demais ramos do Direito adequaram-se à realidade e se

harmonizaram com os ditames constitucionais para a regulamentação da família sob novos

contornos, sobretudo o Direito Civil pátrio que desde logo adotou o novo conceito de entidade

familiar. No que se refere à união estável, regulamentou-a pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96,

com o fim de estabelecer os direitos e deveres dos companheiros e, com o advento do Código

Civil de 2002, compilou as legislações em vigor para recepcionar a união não-matrimonial

como legítima entidade familiar (art. 1.723 a 1.727, CC).

12) O Direito Penal, influenciado pelas mudanças havidas na sociedade no que tange à

constituição informal da família e pelas alterações no texto constitucional acerca da família

não-matrimonial, apresentou algumas inovações, mas não consagrou a família em toda a sua

plenitude, como desde logo ocorreu no Direito Civil. As alterações verificadas na lei penal,

principalmente com o advento das Leis 10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006, que

inseriram a união estável e a união homoafetiva no Código Penal em vigor, ainda não foram

suficientes para a admissão do bem jurídico “família” em sua real importância, pois o Título

VII, que trata dos crimes contra a família, nada menciona sobre a união não-matrimonial, e,

enquanto há expressa referência aos companheiros nos artigos 61, inciso II, alínea f, última

parte; 129, § 9º.; 148, § 1º., inciso I; 226, inciso II; e 227, § 1º., do Código Penal, há menção

apenas aos cônjuges nos artigos 61, inciso II, alínea e; 133, 3º., inciso II; 181, inciso I; 182,

inciso I; 244, caput; e 348, § 2º., do Código Penal, o que reclama os reparos que sugerimos

no Capítulo IV deste estudo.

13) A união estável, evidenciada entre os povos desde a Antigüidade, foi por muitos

anos, tratada à margem da lei, pois a influência religiosa exercida, sobretudo pela Igreja

Católica, impedia que a ela fossem atribuídos efeitos jurídicos. A Revolução Industrial,

entretanto, trouxe à baila uma nova realidade, pois a crescente abertura do mercado de

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trabalho com a conquista da independência financeira pelos membros da família,

principalmente pela mulher, determinou o rompimento com os conceitos tradicionais e

religiosos vigentes à época e permitiu a geração informal de novos grupos familiares, o que

fortaleceu o instituto da união não-matrimonial.

14) A resistência à admissão da união não-matrimonial pela ordem jurídica durante os

séculos e a sempre presente concepção religiosa acerca da necessidade da formalização da

união de homens e mulheres pelo casamento impediram que a união estável fosse

regulamentada em sua plenitude nos vários sistemas legais do mundo contemporâneo. Os

países sul-americanos se destacam quanto à expressa regulamentação da união estável nas

legislações civis, podendo-se citar, como exemplo, Bolívia, Colômbia, Cuba, Guatemala,

México, Panamá, Paraguai, Peru, São Salvador, e Venezuela, enquanto que em outros países

os aplicadores da lei valem-se da analogia de normas ou de decisões judiciais para reconhecer

a união estável como família legítima, podendo-se citar os Estados Unidos, Portugal, Espanha

e Itália. No campo do Direito Penal, a união estável também tem sido consagrada pelos

diplomas legais estrangeiros, que equiparam o cônjuge ao companheiro em determinadas

hipóteses, principalmente nos casos de crimes de violência doméstica. São exemplos os

seguintes países: Argentina, Colômbia, Guatemala, Uruguai e Espanha.

15) No Brasil, a forte influência do Direito Canônico retardou o reconhecimento do

instituto da união estável em nosso sistema legal, pois durante muitos anos não se permitiu a

atribuição de conseqüências jurídicas às uniões não formalizadas pelo casamento. Entretanto,

ainda que de forma limitada, a união estável foi abordada por nosso sistema legislativo desde

as Ordenações Filipinas que já continham disposições de ordem civil a respeito (Títulos

LXVI, XCII, XCIII, XCIX, do Livro IV). Nossos Tribunais, porém, levados constantemente à

apreciação de casos concretos, deixaram de ignorar a existência das uniões estáveis, que já

eram uma realidade nacional, e passaram a reconhecer direitos civis aos seus integrantes, o

que culminou na reforma legislativa para a regulamentação da união estável, inicialmente por

leis esparsas, até que definitivamente ela fosse consagrada pela Constituição Federal de 1988

(art. 226, § 3o., CF), pelas Leis 8.971/1994 e 9.278/1996, e, por fim, pelo Código Civil em

vigor (art. 1.723 e ss., CC).

16) No que se refere ao Direito Penal, a união estável também foi abordada pelo Livro

V das Ordenações Filipinas que a previram nos Títulos XXV e XXVI. Entretanto, o Código

Criminal do Império (1830) e o Código Penal da República (1890) apenas tipificaram o

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concubinato adulterino, respectivamente em seus artigos 251 e 279, caput e §§, sem qualquer

menção à união estável. A “Consolidação das Leis Penais” de 1932 reiterou as disposições

dos Códigos anteriores e, portanto, não tratou da união estável. Instituído o Código Penal de

1940, o legislador não se referiu novamente à união não-matrimonial, tendo apenas abolido a

punição da concubina no crime de adultério (art. 240). Contudo, em razão das alterações

introduzidas pelas Leis 10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006, o Código Penal em vigor

contém dispositivos que consagram a união estável, ou seja, os artigos 61, inciso II, alínea f,

última parte; 129, § 9º.; 148, § 1º., inciso I; 226, inciso II; e 227, § 1º., mas ainda de forma

insatisfatória, pois nos artigos 61, inciso II, alínea e; 133, § 3º., inciso II; 181, inciso I; 182,

inciso I; 244, caput; e 348, § 2º., do mesmo diploma legal, há referência somente ao cônjuge.

17) Instituto jurídico único, caracterizada pela publicidade do vínculo de convivência

entre seus membros, pela estabilidade, pela continuidade, pela fidelidade, pela ausência de

formalismo e de impedimentos matrimoniais, e pela diversidade de sexos, e pelo objetivo do

casal de manter vida em comum e constituir família, a união estável constitui tema de grande

interesse, por isso o Direito Penal deve ser repensado para que o companheiro possa ser

efetivamente equiparado ao cônjuge e a família possa ser reconhecida como bem jurídico

essencial ao homem.

18) A união não-matrimonial ainda nos revela certa polêmica principalmente quando

se tem em pauta as uniões entre homossexuais, que já contam com o reconhecimento de

nossos Tribunais em recentes julgados e, agora, com expressa proteção legal no artigo 5º.,

incisos II e III, e parágrafo único da Lei 11.340/2006, a conhecida “Lei Maria da Penha”, que

contém dispositivos destinados a prevenir e repreender a prática da violência doméstica e

familiar contra a mulher, inclusive aquela verificada na constância da união homoafetiva

feminina. O legislador nacional, portanto, reconheceu a união homossexual como entidade

familiar quando promulgou a Lei 11.340/2006, certamente influenciado pelo Direito

Comparado, pois em paises como Dinamarca, Noruega, Suécia, Islândia, Holanda, França,

Espanha, os parceiros homossexuais não só são reconhecidos como companheiros e gozam de

plenos direitos decorrentes da união, mas também podem se casar, e se antecipou à aprovação

do Projeto de Lei 1.151/95 e seus respectivo Substitutivo, que disciplinam as parcerias

registradas entre pessoas do mesmo sexo e estabelecem outras providências, e das Emendas

Constitucionais 66/2003 e 70/2003, cujo fim é equiparar a união estável e a união

homoafetiva e evitar a discriminação por orientação sexual.

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19) Em que pese entendermos que a aprovação de Emenda à Constituição Federal para

a regulamentação da união homoafetiva como entidade familiar pela lei ordinária evitará

discussões a respeito da constitucionalidade do instituto, no que se refere ao Direito Penal,

cuja fonte é a Constituição Federal, a tipificação de crimes praticados por companheiros

homossexuais, já tem fundamento no artigo 226, da Lei Maior, que não estabelece rol quanto

às espécies de entidade familiar admitidas por nosso sistema legal, protegendo amplamente a

família. No mais, a legitimidade da união homoafetiva foi reconhecida pelo legislador pela

Lei 11.340/2006, o que significa que, no âmbito do Direito Penal, sem prejuízo de novas

condutas que serão tipificadas pela lei, as normas penais não incriminadoras referentes aos

companheiros heterossexuais (art., 181, I; 182, I; 348, § 2º., CP) já poderão ser aplicadas aos

companheiros na união homossexual, em razão do princípio constitucional da igualdade (art.

5º., caput, CF). Vedada está, porém, a interpretação extensiva dos tipos penais

incriminadores, em razão dos princípios da legalidade e da anterioridade da lei penal (art. 1º.,

CP).

20) A introdução da família homoafetiva no sistema penal nacional, além de essencial

para a consagração da ampla proteção à família determinada pela Carta de 1988, nos faz

inferir que a união estável não é devidamente abordada pelo legislador brasileiro, por isso a

revisão de alguns artigos do Código Penal é absolutamente necessária para a equiparação dos

cônjuges aos companheiros, heterossexuais e homossexuais, pois, após à admissão da união

homoafetiva pelo legislador no campo do Direito Penal, caso aprovado o Projeto de Lei

1.151/95 e seu Substitutivo, que regulamentam a união entre casais homossexuais e estipulam

tipos penais para certas condutas praticadas na constância de tais uniões, teremos casos em

que a união homoafetiva terá ampla proteção da lei penal e a união estável, já reconhecida

pelo Direito pátrio, não gozará de qualquer tutela legal, podendo-se citar como exemplo, a

punição do parceiro homossexual que mantém união homoafetiva simultânea (art. 8º., do

Projeto e Lei 1.151/95 e art. 7º., parágrafo único do Substitutivo), pois, no Código Penal

vigente, apenas se admite o crime de bigamia quando há a formalização de matrimônio, sem

qualquer referência à união estável (art. 235, CP).

21) A preocupação do legislador em garantir ampla proteção legal ao instituto da

união estável, e agora à união homoafetiva, revela-nos a importância da vida em família, até

porque não há como se ignorar que atualmente inúmeras uniões são assim estabelecidas no

Brasil e ainda que, a exemplo do que ocorre no Direito Comparado, quer no âmbito civil ou

no âmbito penal, a manutenção das entidades familiares impõe ao Estado, crescente proteção.

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22) O sistema legislativo brasileiro há de ser constituído e observado de forma

harmônica e uniforme, a fim de que se evitem concepções diversas acerca do mesmo instituto

jurídico pelos diversos ramos do Direito e questionamentos acerca da eficácia e

constitucionalidade das leis. Para tanto, o legislador deverá buscar na Constituição Federal os

valores fundamentais da sociedade e, em seguida, conceder ampla proteção legal aos bens

considerados essenciais ao homem.

23) Fonte do Direito Penal, a Carta Maior também orienta o legislador quanto à

escolha de bens merecedores da tutela penal, até porque, uma vez que a lei penal constitui-se

em ultima ratio no sistema legislativo, a ela somente se deve recorrer quando os demais

ramos do Direito não oferecem solução eficaz para o deslinde de conflitos. No presente caso,

uma vez equiparada a união estável à entidade familiar pela própria Constituição em vigor

(art. 226, § 3º., CF), não excluídas outras espécies de família pela Lei Maior (art. 226, caput e

§§ ss., CF) e imposto ao Estado o dever de proteção das entidades familiares (art. 226, caput,

CF), não há dúvidas de que a família é bem essencial à sociedade e, portanto, a união estável e

a união homoafetiva são merecedoras de efetivo resguardo pela lei penal, o que, portanto, não

implicará infringência ao princípio da intervenção mínima, basilar no Direito Penal moderno.

Vale lembrar que proteger tais entidades familiares não importa apenas aumentar a incidência

das normas não incriminadoras às hipóteses cabíveis, mas também estender as normas não

incriminadoras aos crimes praticados no seio familiar, a fim de permitir o resguardo da

intimidade do indivíduo que vive em família.

24) A análise dos tipos penais referentes à família em vigor em nosso Código Penal,

dispostos em seu Título VII, nos permite evidenciar que nossa lei penal não se harmoniza com

a ampla proteção à família hoje consagrada por nossa Constituição e pelo Código Civil em

vigor, por isso sua revisão é necessária. Tal revisão é imprescindível, pois a interpretação de

nosso sistema legal deve se operar de maneira única e harmônica e sempre em observância ao

texto constitucional, a fim de que os institutos por ele consagrados recebam o mesmo

tratamento pelos diversos ramos do Direito, sem se olvidar que, por vezes, o Direito Penal há

de se socorrer do Direito Civil para definir institutos jurídicos, por exemplo, na hipótese das

normas penais em branco.

25) O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal de 1999, que

merece elogios pela proposta de inserção do companheiro em seus artigos 121, §§ 3º., 4º. e

7º.; art. 127, § 1º.; 128, § 8º., inciso II; 133, parágrafo único, inciso II; 150, § 1º., inciso I;

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213, inciso I; 214, inciso I; 244, caput; e 353, § 2º., prevê a descriminalização de alguns tipos

penais referentes à família, especificamente dos crimes contra o casamento, o que não mais se

harmoniza com os ditames constitucionais citados e nem mesmo com os anseios atuais de

nossa sociedade, pois é evidente que a ampla proteção à família decorre da importância que

hoje ela tem para os brasileiros que prestigiam suas diversas formas de constituição e esperam

seu efetivo resguardo pela lei. Por essa razão, entendemos que os crimes contra o casamento

não devem ser revogados como proposto pelo Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do

Código Penal, mas sim que há de se incluir a união não-matrimonial nos artigos de nosso

Código Penal que se referem ao matrimônio (art. 235, caput, e §§ ss.; 236, caput, e parágrafo

único; e 237, CP). Além disso, mantidas as alterações sugeridas pelo Anteprojeto quanto à

união estável, deve-se equiparar o cônjuge ao companheiro, heterossexual e homossexual, em

todos os artigos em que houver menção ao companheiro, a fim de que a família possa ser

efetivamente tutelada pela lei penal.

26) Não se pode olvidar que tentativas de revisão do Código Penal foram verificadas

recentemente com a promulgação das Leis 10.886/2004, 11.106/2005 e 11.340/2006 que se

anteciparam às soluções constantes do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código

Penal, quanto à equiparação dos cônjuges e companheiros no Código Penal. Na revisão, o

legislador reconheceu a união estável em várias hipóteses, determinando a alteração de vários

artigos para equiparação dos cônjuges e companheiros, e ainda consagrou a união

homoafetiva. A Lei 10.886/2004 modificou o artigo 129 do Código Penal, acrescentando os

§§ 9o. e 10 e inserindo novo tipo penal, o “crime de violência doméstica” (§ 9o.), com inclusão

do “companheiro” como vítima. A Lei 11.106/2005 alterou a redação de alguns artigos da

Parte Especial do Código Penal e incluindo o termo “companheiro” nos artigos 148, § 1o.,

inciso I; no artigo 226, inciso II, e no artigo 227, § 1o. A Lei 11.340/2006 estabeleceu medidas

de prevenção e repressão ao crime de violência doméstica contra a mulher, prevendo a sua

prática no seio da família constituída ou não pela união matrimonial (art. 5o., II e III), união

esta formada por companheiros heterossexuais ou homossexuais femininas (art., 5º., parágrafo

único), com aumento da pena prevista no § 9o., do artigo 129 do Código Penal. A Lei

11.340/2006 ainda determinou a aplicação da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea

f, do Código Penal, aos crimes de violência doméstica praticados contra a mulher.

27) Porém, as reformas operadas pelas leis citadas ainda não foram suficientes para

inserir a união estável e a união homoafetiva em nosso Código Penal e nem para confirmá-las

como entidades familiares merecedoras de total reconhecimento e proteção estatal em

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conformidade com os termos da Constituição Federal de 1988 (art. 226, caput, e §§ s., CF),

valendo lembrar que nossos Tribunais não são unânimes em consagrá-la como tal.

28) É imprescindível, pois, que a revisão dos artigos do Código Penal pertinentes à

união estável e à união homoafetiva se opere de forma integral e uniforme, a fim de evitar

falhas nas formulações destas novas disposições e se respeite fielmente o princípio da

legalidade estrita (art. 1o., CP), princípio este fundamental para o Direito Penal. Mister se faz

rever, tanto na Parte Geral quanto na Parte Especial de nosso Código, as normas penais

incriminadoras e não incriminadoras para a consagração do instituto da união estável e da

união homoafetiva, pois sua relevância não mais nos permite o mero uso da interpretação

analógica ou extensiva para o seu reconhecimento.

29) As normais penais incriminadoras que devem ser revistas para a inserção da união

estável e da união homoafetiva em nosso Código Penal, constam dos seguintes artigos: o

artigo 61, inciso II, alínea e; o artigo 121, se aprovada a alteração no Anteprojeto para a

inserção da eutanásia (§ 3o.); o artigo 133, § 3o., inciso II; o artigo 148, § 1º., inciso I; o artigo

225, § 1o. inciso II; o artigo 226, inciso II; o artigo 227, § 1º.; o artigo 235 caput e § 1o., e 2o.,

com a inserção de dois novos parágrafos (§ 3o. e § 4º.); e artigo 244 caput, do Código Penal.

Além disso, são necessárias as revisões do artigo 236 caput e parágrafo único; artigo 237, do

Código Penal apenas para a inclusão da união estável, pois não há regulamentação específica

na lei ordinária acerca dos impedimentos para a constituição das uniões homoafetivas, e ainda

a modificação do teor do Título VII do Código Penal para a inclusão da proteção às entidades

familiares em pauta e do Capítulo IV, do referido Título VII, para a substituição do termo

pátrio poder pela expressão poder familiar, em razão dos ditames de novo Código Civil (arts.

1.630 e 1.631, CC).

30) Quanto às normas penais não incriminadoras, entendemos que deverão ser revistos

os seguintes artigos do Código Penal para a inserção da união estável e da união homoafetiva:

artigo 121, com redação proposta do Anteprojeto para a inserção dos §§ 4º. e 7º.; artigo 128,

com redação proposta Anteprojeto que amplia seus termos (art. 127 e § 1º.); artigo 129, se

aprovada a proposta do Anteprojeto para inserção de novo parágrafo (art. 128, § 8º.); artigo

181, inciso I (art. 213, I, Anteprojeto); artigo 182, inciso I (art. 214, I, Anteprojeto); e artigos

348, § 2º (art. 353, § 2º., Anteprojeto).

31) Em que pese a disposição do artigo 3º., do Código de Processo Penal, a fim de que

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observe a ampla proteção à família, é necessário também rever as disposições de ordem

processual que não consagrem os companheiros, do mesmo sexo ou não, ou seja, os artigos

24, § 1o. 31; 63; 149, caput; 206; 252, incisos I e IV; 253; 254, incisos II e III; 255; 258; 462;

e 623, do Código de Processo Penal.

32) Como abordamos nesse estudo, as entidades familiares devem ser protegidas pelo

Direito Penal pátrio, a fim de que se respeite o ditame constitucional que impõe ao Estado o

seu efetivo resguardo (art. 226, caput e §§ ss., CF). Com as alterações sugeridas nesse

trabalho, entendemos que a tutela da família será integral e eficaz, mas ressaltamos que a

união homoafetiva, se aprovada a proposta de Emenda Constitucional 70, de 2003, de autoria

do Senador Sérgio Cabral, será equiparada à união estável, portanto as modificações dos

artigos do Código Penal pertinentes não serão necessárias para a inclusão expressa da união

homoafaetiva, bastando que se equipare o companheiro da união estável ao companheiro da

união homossexual.

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ESPANHA. Código Penal. Lei 10, de 23 de novembro de 1995. Disponível em:<http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/es/cpespidx.html>, acesso em 12.04.2007. GUATEMALA. Código Penal. Decreto 17-73, de 15 de setembro de 1973. Disponível em:<http://www.oj.gob.gt/es/QueEsOJ/EstructuraOJ/UnidadesAdministrativas/CentroAnalisisDocumentacionJudicial/cds/2004/PDFs/Codigos/CODIGO%20PENAL.pdf>, acesso em 17.5.2007.

GUATEMALA. Constituição Federal, de 31 de maio de 1985. Disponível em: <http://www.sib.gob.gt/es/normativa/normas_reforma_financieras/Constitucion_Politica.pdf>, acesso em 17.5.2007.

ITÁLIA. Constituição Federal, de 1º. de dezembro de 1948. Disponível em: <http://www. cortecostituzionale.it/ita/testinormativi/costituzionedellarepubblica/costituzione.asp>, acesso em 19.4.2007.

ITÁLIA. Código Penal. R.D. 1.398, de 19 de outubro de 1930. Disponível em: <http:// www.infoius.it/codici/penale.htm>, acesso em 19.4.2007.

PANAMÁ. Código Penal. Lei 22, de 22 de setembro de 1982. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/pa/cp_panama01.htm>, acesso em 18.4.2007.

PARAGUAI. Código Penal. Lei 1.160, de 16 de outubro de 1992. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/pa/cppara7.htm>, acesso em 18.4.2007.

PORTUGAL. Código Penal, Decreto-lei 400, de 23 de setembro de 1982. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/pt/CPPortugal.pdf>, acesso em 18.4.2007.

URUGUAI. Código Penal. Lei 9.155, de 04 de dezembro de 1933. Disponível em: <http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/uy/cp_uruguay.htm>, acesso em 17.5.2007.

VENEZUELA. Código Penal, de 30 de junho de 1964 com as alterações datadas de 13 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.cajpe.org.pe/rij/bases/legisla/ venezuel/ codpen2000.HTM>, acesso em 17.5.2007.

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ÍNDICE DE ANEXOS

ANEXO I – CARTA DOS DIREITOS DA FAMÍLIA......................................................................................... 2

ANEXO II - DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS........................................................ 9

ANEXO III – CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA.............................. 15

ANEXO IV - EMENDA CONSTITUCIONAL 66, DE 2003............................................................................ 35

ANEXO V – EMENDA CONSTITUCIONAL 70, DE 2003 ............................................................................ 37

ANEXO VI - PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995.......................................................................................... 40

ANEXO VII - SUBSTITUTIVO DO PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995....................................................... 43

ANEXO VIII – PROJETO DE LEI 6960, DE 2002. ....................................................................................... 45

ANEXO IX - LEI 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994 ......................................................................... 102

ANEXO X – LEI N. 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996 ................................................................................ 104

ANEXO XI - ANTEPROJETO DE REFORMA DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL DE 1999.... 105

ANEXO XII – LEI 10.886, DE 17 DE JUNHO DE 2004. ............................................................................ 164

ANEXO XIII - LEI 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005 ........................................................................... 165

ANEXO XIV - LEI 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006............................................................................ 167

ANEXO XV - “CONVENÇÃO SOBRE ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER”. ................................................................................................ 178

ANEXO XVI - “CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER”, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”........................................... 188

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ANEXO I – CARTA DOS DIREITOS DA FAMÍLIA INTRODUÇÃO

A “Carta dos Direitos da Família” origina-se do voto formulado pelo Sínodo dos Bispos,

reunidos em Roma, em 1980, sobre o tema “O papel da família cristã no mundo

contemporâneo” (Constituição Federal. Proposição n. 42). Sua Santidade, o Papa João Paulo

II, na exortação apostólica “Famílias Consortio” (n. 46) aprovou o voto do Sínodo e insistiu para

que a Santa Sé preparasse uma Carta dos Direitos da Família destinada aos organismos e

autoridades interessados.

É importante entender exatamente a natureza e o estilo da Carta tal como está apresentada.

Esse documento não é uma exposição da teologia dogmática ou moral sobre o matrimônio e a

família, ainda que reflita o pensamento da Igreja sobre o assunto; também não é um código de

conduta destinado às pessoas e instituições interessadas. A Carta difere de uma simples

declaração de princípios teóricos a respeito da família, ela tem por fim apresentar a todos os

contemporâneos, cristãos ou não, uma formulação – tão completa e ordenada quanto possível

– dos direitos fundamentais inerentes a esta sociedade natural e universal que é a família.

Os direitos enunciados na Carta estão gravados na consciência do ser humano e nos valores

comuns a toda a humanidade. A visão cristã está presente como luz da revelação divina que

ilumina a realidade da família. Esses direitos têm origem em última análise, na lei inscrita pelo

Criador no coração de todo ser humano. A sociedade está chamada a defender esses direitos

contra qualquer violação, a respeitá-los e promovê-los na integridade de seu conteúdo.

Os direitos apresentados devem ser considerados conforme o caráter específico de uma carta.

Em alguns casos, lembram normas vinculadas ao plano jurídico; em outros exprimem

postulados e princípios fundamentais para a elaboração da legislação e desenvolvimento da

política familiar. Mas, em todos os casos, constituem um apelo profético em favor da instituição

familiar que deve ser respeitada e defendida contra qualquer agressão.

Quase todos esses direitos já estão expressos em outros documentos, tanto da Igreja como da

comunidade internacional. a presente Carta tenta oferecer uma elaboração melhor, defini-los

com mais clareza e reuni-los numa apresentação orgânica, ordenada e sistemática. Em anexo,

encontra-se a indicação das “fontes de referência” dos textos em que foram tomadas algumas

formulações.

A Carta dos Direitos da Família é, agora, apresentada pela Santa Sé, organismo central e

supremo do governo da Igreja Católica. O documento foi enriquecido por um conjunto de

observações e análises reunidas após uma consulta às Conferências Episcopais de toda a

Igreja, bem como de peritos especializados na matéria e representantes das diferentes

culturas.

A Carta está dirigida, em primeiro lugar, aos Governos. Ao reafirmar, para o bem da sociedade,

a consciência comum dos direitos essenciais da família, a Carta oferece a todos os que

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participam da responsabilidade do bem comum um modelo e a referência para elaborar uma

legislação e uma política familiar com uma orientação para os programas de ação. A Santa Sé, ao mesmo tempo, propõe com confiança este documento ao estudo das

Organizações internacionais e intergovernamentais que, pela competência e ação na defesa

dos direitos do homem, não podem ignorar ou permitir violações aos direitos fundamentais da

família.

A Carta dirige-se, evidentemente, também às próprias famílias: visa encorajar, no seio das

famílias, a consciência do papel e do lugar insubstituível da família; deseja estimular as famílias

a se unirem para a defesa e a promoção de seus direitos; anima-as a cumprir seu dever de tal

modo que o papel da família seja mais claramente compreendido e reconhecido no mundo

atual.

A Carta é, enfim, dirigida a todos, homens e mulheres, a fim de que todos se empenhem no

sentido de fazer com que os direitos da família sejam protegidos e que a instituição familiar seja

fortalecida para o bem de toda a humanidade, hoje e no futuro.

A Santa Sé, apresentando esta Carta desejada pelos representantes do Episcopado mundial,

dirige um apelo particular a todos os membros e a todas as instituições da Igreja, para que

eles, como cristãos, dêem testemunho de sua firme convicção de que a função da família é

insubstituível e trabalhem para que as famílias e os pais recebam o apoio e o estímulo

necessários ao cumprimento da tarefa que Deus lhes confiou.

PREÂMBULO Considerando que:

a)Os direitos da pessoa, ainda que expressos como direitos do indivíduo, têm uma dimensão

fundamentalmente social que, na família encontra sua expressão inata e vital;

b)A família está alicerçada sobre o matrimônio, essa união íntima e complementar do homem e

da mulher que se estabelece pelo laço indissolúvel do matrimônio, livremente contraído e

publicamente afirmado, e que se abre à transmissão da vida;

c) O matrimônio é instituição natural à qual está confiada exclusivamente a missão de transmitir

a vida;

d)A família, sociedade natural, existe anteriormente ao Estado e a qualquer outra coletividade e

possui os direitos próprios que são inalienáveis;

e)A família, muito mais do que uma unidade jurídica, sociológica ou econômica, constitui uma

comunidade de amor e de solidariedade, insubstituível para o ensino e transmissão dos valores

culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos, essenciais para o desenvolvimento e bem-

estar de seus próprios membros e da sociedade;

f) A família é o lugar onde várias gerações estão reunidas e se ajudam mutuamente para

crescer em sabedoria humana e harmonizar os direitos dos indivíduos com as outras

exigências da vida social;

g)A família e a sociedade, unidas entre si por laços orgânicos e vitais, assumem papéis

complementares para defender e promover o bem de toda a humanidade e de cada pessoa;

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h) A experiência de diferentes culturas, ao longo da história, mostra para a sociedade a

necessidade de reconhecer e defender a instituição da família;

i) A sociedade e, de modo particular, o Estado e as organizações internacionais devem

proteger a família através de medidas políticas, econômicas, sociais e jurídicas, têm por fim

fortalecer a unidade e a estabilidade da família para que ela possa exercer sua função

específica;

j) Os direitos, as necessidades fundamentais, o bem-estar e os valores da família, ainda que

estejam, em alguns casos, progressivamente melhor salvaguardados, são, muitas vezes,

desconhecidos e até mesmo ameaçados pelas leis, instituições e programas sócio-

econômicos;

k) Muitas famílias são obrigadas a viver em situação de pobreza que as impede de exercerem

dignamente seu papel;

l) A Igreja Católica, sabendo que o bem da pessoa, da sociedade e da própria Igreja passa pela

família, sempre considerou que é próprio de sua missão proclamar a todos os homens o

desígnio de Deus, inerente à natureza humana sobre o matrimônio e sobre a família; promover

estas duas instituições e defendê-las contra tudo o que as prejudique;

m) O Sínodo dos Bispos, reunidos em 1980, explicitamente recomendou que seja redigida uma

Carta dos Direitos da Família e enviada a todos os interessados;

A Santa Sé, depois de consultar as Conferências Episcopais, apresenta, agora, esta

CARTA DOS DIREITOS DA FAMÍLIA E convida insistentemente todos os Estados, Organizações internacionais, instituições e

pessoas interessadas para que promovam o respeito destes direitos e assegurem seu

reconhecimento efetivo e sua aplicação.

ARTIGO 1º Todas as pessoas têm o direito de escolher livremente o estado de vida e, portanto, casar-se e

constituir uma família ou permanecer solteiras.

a)Todo homem e toda mulher, atingindo a idade de contrair matrimônio e tendo a capacidade

necessária, tem direito de casar-se e constituir uma família sem discriminação de nenhum tipo;

as restrições legais para exercer este direito, de natureza permanente ou temporária, não

podem ser introduzidas, a não ser que sejam requeridas por exigências graves e objetivas da

própria instituição do matrimônio ou de sua significação pública e social. Em qualquer caso,

devem respeitar-se a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa;

b)Os que desejam casar-se e constituir uma família têm o direito de esperar da sociedade as

condições morais, educativas, sociais e econômicas que lhes permitam o exercício do direito

de casar-se com maturidade e responsabilidade;

c) O valor institucional do matrimônio deve ser reconhecido pelas autoridades públicas; a

situação dos que vivem juntos sem estarem casados pode ser colocada no mesmo nível dos

que contraíram devidamente o matrimônio.

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ARTIGO 2º Para se realizar o matrimônio exige-se o livre consentimento dos esposos devidamente

expressos.

a)Sem desconhecer, em algumas culturas, o papel tradicional que as famílias desempenham

para orientar a decisão de seus filhos, deve ser evitada qualquer dificuldade que possa impedir

uma pessoa de escolher o seu cônjuge;

b)Os futuros esposos têm direito à liberdade religiosa, consequentemente, impor como

condição prévia ao casamento a negação da fé contrária à consciência constitui violação deste

direito;

c) Os esposos, na complementaridade natural do homem e da mulher, têm a mesma dignidade

e direitos iguais frente ao casamento.

ARTIGO 3º Os esposos têm o direito alienável de constituir uma família e determinar o intervalo entre os

nascimentos e o número de filhos que desejam, levando em consideração os deveres para

consigo mesmos, com os filhos que já têm, com a família e a sociedade, numa justa hierarquia

de valores e de acordo com a ordem moral objetiva que exclui o recurso à contracepção, à

esterilização e ao aborto.

a)Os atos dos poderes públicos ou das organizações particulares, que tendem a limitar, de

qualquer modo, a liberdade dos esposos nas suas decisões relativas aos filhos, constituem

uma grave ofensa à dignidade humana e à justiça;

b)Nas relações internacionais, a ajuda econômica concedida para o desenvolvimento dos

povos não deve ser condicionada pela aceitação de programas de contracepção, esterilização

ou aborto;

c) A família tem direito à ajuda da sociedade no que se refere ao nascimento ou à educação

dos filhos. Os casais que têm uma família numerosa têm direito a uma ajuda adequada e não

devem sofrer discriminações.

ARTIGO 4º A vida humana deve ser absolutamente respeitada e protegida desde o momento de sua

concepção.

a)O aborto é uma violação do direito fundamental à vida do ser humano;

b)O respeito pela dignidade do ser humano exclui qualquer manipulação experimental ou

exploração do embrião humano;

c) Qualquer intervenção sobre o patrimônio genético da pessoa humana que não vise à

correção de anomalias constitui uma violação do direito à integridade física e está em

contradição com o bem da família;

d)Tanto antes, como depois nascimento, os filhos têm direito a uma proteção e assistência

especial, bem como a mãe durante a gestação e um período razoável depois do parto;

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e)Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozam do mesmo direito à

proteção social, em vista do desenvolvimento integral de sua pessoa;

f) Os órfãos e as crianças abandonadas sem a assistência dos pais ou tutores devem gozar de

proteção especial por parte da sociedade. No que concerne às crianças que devem ser

confiadas a uma família ou devem ser adotadas, o Estado deve instaurar uma legislação que

facilite às famílias idôneas acolher as crianças que precisam ser amparadas de modo

temporário ou permanente e que, ao mesmo tempo, respeite os direitos naturais dos pais;

g)As crianças excepcionais têm o direito de encontrar no lar ou na escola um ambiente

conveniente ao seu desenvolvimento humano.

ARTIGO 5º Os pais devem, por terem dado a vida aos filhos, têm o direito primeiro e inalienável de educá-

los; por isto devem ser reconhecidos como os primeiros e principais educadores de seus filhos.

a)Os pais têm o direito de educar seus filhos de acordo com suas convicções morais e

religiosas, levando em consideração as tradições culturais da família que favorecem o bem e a

dignidade da criança, e devem também receber da sociedade a ajuda e a assistência

necessárias para cumprir seu papel de educadores de modo condigno;

b)Os pais têm o direito de escolher livremente as escolas ou outros meios necessários para

educar seus filhos, em conformidade com suas convicções. Os poderes públicos, ao repartirem

os subsídios públicos, devem fazer de tal forma que os pais fiquem verdadeiramente livres de

exercer este direito sem terem que se sujeitar a ônus injustos. Os pais não devem, direta ou

indiretamente, sofrer ônus suplementares que impeçam ou limitem o exercício desta liberdade;

c) Os pais têm o direito de obter que seus filhos não sejam obrigados a receber ensinamentos

que não estejam de acordo com suas convicções morais e religiosas – particularmente à

educação sexual – que é um direito fundamental dos pais, deve sempre ser proporcionada sob

sua atenta orientação no lar ou nos centros educativos, escolhidos e controlados por eles

mesmos;

d)Os direitos dos pais são violados, quando o Estado impõe um sistema de educação

obrigatório, no qual se exclui a educação religiosa;

e)O direito primeiro dos pais de educarem seus filhos deve ser garantido em todas as formas

de colaboração entre pais, professores e responsáveis das escolas e, em particular, nas formas

de participação destinadas a conceder aos cidadãos um papel no funcionamento das escolas e

na formulação de aplicação das políticas de educação;

f) A família tem o direito de esperar dos meios de comunicação social que sejam instrumentos

positivos para a construção da sociedade e defendam os valores fundamentais da família. Ao

mesmo tempo, a família tem o direito de ser protegida de modo adequado, em particular em

relação a seus membros mais jovens, dos efeitos negativos ou dos ataques provindos dos

mass-media.

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ARTIGO 6º A família tem o direito de existir e progredir como família.

a)Os poderes públicos devem respeitar e promover a dignidade própria de cada família; sua

legítima independência, intimidade, integridade e estabilidade;

b)O divórcio fere a própria instituição do casamento e da família;

c) O sistema da família grande, onde existe, deve ser estimado e ajudado para melhor perceber

seu papel tradicional de solidariedade e assistência mútua, respeitando, ao mesmo tempo, os

direitos da família nuclear e a dignidade de cada um de seus membros como pessoa.

ARTIGO 7º Cada família tem o direito de viver livremente a vida religiosa em seu lar, sob a proteção dos

pais, bem como o direito de professar publicamente e propagar sua fé, de participar nos atos

de culto em público e nos programas de instrução religiosa, livremente escolhidos, sem

qualquer discriminação.

ARTIGO 8º A família tem o direito de exercer sua função social e política na construção da sociedade.

a)As famílias têm o direito de criar associações com outras famílias e instituições para exercer

o papel próprio da família de maneira adequada e eficiente, e para proteger os direitos,

promover o bem e representar os interesses da família;

b)No plano econômico, social, jurídico e cultural, o papel legítimo das famílias e das

associações familiares deve ser reconhecido na colaboração e no desenvolvimento dos

programas que têm repercussão na vida familiar.

ATIGO 9º As famílias têm o direito de poder contar com uma política familiar adequada por parte dos

poderes públicos nos domínios jurídico, econômico, social e fiscal sem qualquer discriminação.

a)As famílias têm o direito de se beneficiar de condições econômicas que lhes assegurem um

nível de vida conforme sua dignidade e seu pleno desenvolvimento. Não devem ser impedidas

de adquirir e possuir bens próprios que possam favorecer uma vida de família estável; as leis

de sucessão e de transmissão de propriedade devem respeitar as necessidades e os direitos

dos membros da família;

b)As famílias têm o direito de se beneficiar com medidas no plano social que levem em

consideração suas necessidades, em particular no caso de falecimento prematuro de um dos

pais, no caso de abandono de um dos cônjuges, no caso de acidente, de doença ou de

invalidez, ou desemprego ou ainda, quando a família deve arcar para seus membros com

encargos suplementares relacionados com a velhice, com as condições físicas ou psíquicas ou

com educação dos filhos;

c) As pessoas idosas têm o direito de encontrar no seio de sua própria família, ou se isso não

for possível, nas instituições adaptadas, a situação na qual elas possam viver sua velhice na

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serenidade, exercendo atividades compatíveis com sua idade e que lhes permitam participar na

vida social;

d)Os direitos e as necessidades da família e, em particular, o valor da unidade familiar devem

ser levados em consideração na política e na legislação penal, de tal modo que um preso

possa ficar em contato com sua família e que esta receba um auxílio conveniente durante o

período de reclusão.

ARTIGO 10 As famílias têm direito à uma ordem social e econômica na qual a organização do trabalho seja

tal que torne possível a seus membros viverem juntos, e não coloquem obstáculos à unidade,

ao bem-estar, à saúde, e à estabilidade da família, oferecendo também a possibilidade de

lazeres sadios.

a)A remuneração do trabalho deve ser suficiente para formar e fazer viver dignamente uma

família, seja através de um salário adaptado, chamado salário-família, seja através de outras

medidas sociais como os “abonos familiares” ou a remuneração do trabalho de um dos pais na

própria casa, essa deve ser tal que a mãe de família não seja obrigada a trabalhar fora de

casa, com prejuízo da vida familiar e, em particular, da educação dos filhos;

b)O trabalho da mãe, em casa, deve ser reconhecido e respeitado pelo seu valor, pela família e

pela sociedade.

ARTIGO 11 A família tem direito a uma casa decente, adaptada à vida familiar e condizente com o número

de seus membros, de tal maneira que sejam assegurados os serviços básicos necessários à

vida da família e da coletividade.

ARTIGO 12 As famílias dos imigrantes têm direito à mesma proteção social que a outorgada às outras

famílias.

a)As famílias dos imigrantes têm direito ao respeito de sua própria cultura e ao apoio e

assistência necessária para sua integração na comunidade à qual trazem sua contribuição;

b)Os trabalhadores emigrantes têm direito de poder estar com sua família logo que lhes seja

possível;

c) Os refugiados têm direito à assistência dos poderes públicos e das organizações

internacionais para facilitar o reagrupamento de sua família.

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ANEXO II - DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça

e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homen conduziram a actos

de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que

os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado

como a mais alta inspiração do Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de

direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania

e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as

nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos

direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de

direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e

a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a

Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do Homem e das

liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta

importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal

dos Direitos Humanos

como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os

indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem,

pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por

promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento

e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados

membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Artigo 1°

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão

e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Artigo 2°

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Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente

Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de

religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento

ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no

estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa,

seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação

de soberania.

Artigo 3°

Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4°

Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos,

sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5°

Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes.

Artigo 6°

Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade

jurídica.

Artigo 7°

Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm

direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e

contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8°

Toda a pessoa direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os

actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Artigo 9°

Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10°

Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e

publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e

obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja

deduzida.

Artigo 11°

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1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua

culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que

todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática,

não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo

modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em

que o acto delituoso foi cometido.

Artigo 12°

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio

ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou

ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.

Artigo 13°

1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no

interior de um Estado.

2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu,

e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14°

1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo

em outros países.

2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente

por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das

Nações Unidas.

Artigo 15°

1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.

2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de

mudar de nacionalidade.

Artigo 16°

1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir

família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento

e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros

esposos.

3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção

desta e do Estado.

Artigo 17°

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1. Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade.

2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18°

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito

implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de

manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado,

pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19°

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de

não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração

de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.

Artigo 20°

1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21°

1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios, públicos do seu

país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas

do seu país.

3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve

exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio

universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde

a liberdade de voto.

Artigo 22°

Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode

legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis,

graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os

recursos de cada país.

Artigo 23°

1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições

equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.

2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.

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3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita

e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se

possível, por todos os outros meios de protecção social.

4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em

sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24°

Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável

da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25°

1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua

família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao

alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e

tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice

ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes

da sua vontade.

2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as

crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social.

Artigo 26°

1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a

correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O

ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores

deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos

direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a

tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos,

bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção

da paz.

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação a dar aos

filhos.

Artigo 27°

1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade,

de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste

resultam.

2. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer

produção científica, literária ou artística da sua autoria.

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Artigo 28°

Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem

capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente

Declaração.

Artigo 29°

1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e

pleno desenvolvimento da sua personalidade.

2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às

limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o

reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer

as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade

democrática.

3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos

fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30°

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para

qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma actividade ou de

praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.

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ANEXO III – CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA Direitos da Criança Convenção sobre os Direitos da Criança

Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução n.º 44/25 da Assembleia

Geral das Nações Unidas, de 20 de Novembro de 1989.

Entrada em vigor na ordem internacional: 2 de Setembro de 1990, em conformidade com o

artigo 49.º.

Portugal:

• Assinatura: 26 de Janeiro de 1990;

• Aprovação para ratificação: Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de

Setembro, publicada no Diário da República, I Série A, n.º 211/90;

• Ratificação: Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro,

publicado no Diário da República, I Série A, n.º 211/90;

• Depósito do instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral das Nações Unidas:

21 de Setembro de 1990;

• Aviso do depósito do instrumento de ratificação: Aviso do Ministério dos Negócios

Estrangeiros publicado no Diário da República, I Série, n.º 248/90, de 26 de Outubro;

• Entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa: 21 de Outubro de 1990;

• Portugal aceitou a emenda ao artigo 43.º, n.º 2 da Convenção (adoptada pela

Conferência dos Estados Partes a 12 de Dezembro de 1995), disso tendo dado conta o

aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 267/98, de 20 de Novembro,

publicado no Diário da República I Série-A, n.º 269/98.

Estados partes: (informação disponível no website do Alto Comissariado para os Direitos

Humanos das Nações Unidas

A Assembleia Geral Lembrando as suas resoluções anteriores, em especial as resoluções 33/166 de 20 de

Dezembro de 1978 e 43/112 de 8 de Dezembro de 1988, e as resoluções da Comissão dos

Direitos do Homem e do Conselho Económico e Social relativas à questão da elaboração de

uma convenção sobre os direitos da criança,

Tomando nota, em particular, da resolução 1989/57 de 8 de Março de 19891 da Comissão dos

Direitos do Homem pela qual a Comissão decidiu transmitir o projecto da Convenção sobre os

Direitos da Criança, através do Conselho Económico e Social, à Assembleia Geral, bem como

a resolução 1989/79 de 24 de Maio de 1989 do Conselho Económico e Social.

Reafirmando que os Direitos da Criança exigem uma especial protecção e melhorias contínuas

na situação das crianças em todo o mundo, bem como o seu desenvolvimento e a sua

evolução em condições de paz e segurança.

1 Documentos Oficiais do Conselho Económico e Social, 1989, suplemento n.º 2 (E/1989/20), cap. II, sec. A.

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Profundamente preocupada pelo facto de a situação das crianças permanecer crítica em

muitas partes do mundo, como resultado de con-dições sociais inadequadas, calamidades

naturais, conflitos armados, exploração, analfabetismo, fome e deficiências, e convicta de que é

necessária uma acção nacional e internacional urgente e efectiva,

Consciente do importante papel do Fundo das Nações Unidas para as crianças e do papel das

Nações Unidas na promoção do bem estar das crianças e do seu desenvolvimento,

Convicta de que uma convenção internacional sobre os direitos da criança, como uma

realização das Nações Unidas no domínio dos direitos do homem, traria uma contribuição

positiva à protecção dos direitos das crianças e à garantia do seu bem estar,

Consciente de que 1989 é o ano do trigésimo aniversário da Declaração sobre os Direitos da

Criança2 e o décimo aniversário do Ano Internacional da Criança,

1. Exprime o seu apreço pela conclusão da elaboração do texto da Convenção sobre os

Direitos da Criança pela Comissão dos Direitos do Homem

2. Adopta e abre à assinatura, ratificação e adesão a Convenção sobre os Direitos da criança

contida no anexo à presente Resolução,

3. Convida os Estados membros a considerarem a possibilidade de assinatura e ratificação ou

adesão à Convenção como prioridade e exprime o desejo de que ela entre em vigor no mais

breve trecho,

4. Solicita ao Secretário Geral que forneça os meios e o auxílio necessários à difusão de

informações sobre a Convenção,

5. Convida os serviços e organismos das Nações Unidas, bem como organizações

intergovernamentais e não governamentais, a intensificarem os seus esforços com vista à

difusão de informações sobre a Convenção e à promoção da sua compreensão,

6. Solicita ao Secretário-Geral que apresente um relatório sobre a situação da Convenção

sobre os Direitos da Criança, à Assembleia Geral na sua quadragésima quinta sessão.

7. Decide considerar o relatório do Secretário-Geral na sua quadragésima quinta sessão sob o

tema "Aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança"

61.ª Reunião Plenária

20 de Novembro de 1989

Convenção sobre os Direitos da Criança*

Preâmbulo Os Estados Partes na presente Convenção:

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados pela Carta das Nações

Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos

seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no

mundo;

2 Resolução 1386 (XIV). * Fonte: Centro dos Direitos do Homem das Nações Unidas, publicação GE.94-15440.

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Tendo presente que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamaram, de novo, a sua fé

nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e que

resolveram favorecer o progresso social e instaurar melhores condições de vida numa

liberdade mais ampla;

Reconhecendo que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem3 e nos

pactos internacionais relativos aos direitos do homem4, proclamaram e acordaram em que toda

a pessoa humana pode invocar os direitos e liberdades aqui enunciados, sem distinção

alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, de origem

nacional ou social, de fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação;

Recordando que, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Organização das Nações

Unidas proclamou que a infância tem direito a uma ajuda e assistência especiais;

Convictos de que a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o

crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve

receber a protecção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na

comunidade;

Reconhecendo que a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua perso-nalidade,

deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão;

Considerando que importa preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na

sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas e,

em particular, num espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade e solidariedade;

Tendo presente que a necessidade de garantir uma protecção especial à criança foi enunciada

pela Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança5 e pela Declaração dos

Direitos da Criança adoptada pelas Nações Unidas em 1959 (2), e foi reconhecida pela

Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis

e Políticos (nomeadamente nos artigos 23.º e 24.º) 4, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (nomeadamente o artigo 10.º) e pelos estatutos e instrumentos

pertinentes das agências especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao

bem-estar da criança;

Tendo presente que, como indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adoptada em 20

de Novembro de 1959 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, «a criança, por motivo da

sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados

especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes como depois do

nascimento»6 ;

Recordando as disposições da Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Aplicáveis à

Protecção e Bem-Estar das Crianças, com Especial Referência à Adopção e Colocação

Familiar nos Planos Nacional e Internacional7 (Resolução n.º 41/85 da Assembleia Geral, de 3

3 Resolução 217 A (III). 4 Ver Resolução 2200 A (XXI), anexo. 5 Ver Sociedade das Nações, Journal officiel, Supplément spécial N.º 21, octobre 1924, p. 43. 6 Resolução 1386 (XIV), terceira alínea do preâmbulo. 7 Resolução 41/85, anexo.

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de Dezembro de 1986), o Conjunto de Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à

Administração da Justiça para Menores («Regras de Beijing»)8 (Resolução n.º 40/33 da

Assembleia Geral, de 29 de Novembro de 1985) e a Declaração sobre Protecção de Mulheres

e Crianças em Situação de Emergência ou de Conflito Armado (Resolução n.º 3318 (XXIX) da

Assembleia Geral, de 14 de Dezembro de 1974)9;

Reconhecendo que em todos os países do mundo há crianças que vivem em condições

particularmente difíceis e que importa assegurar uma atenção especial a essas crianças;

Tendo devidamente em conta a importância das tradições e valores culturais de cada povo

para a protecção e o desenvolvimento harmonioso da criança;

Reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de

vida das crianças em todos os países, em particular nos países em desenvolvimento;

Acordam no seguinte:

PARTE I Artigo 1.º Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se,

nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.

Artigo 2.º 1. Os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente

Convenção a todas as crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação

alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião,

opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem

nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação.

2. Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para que a criança seja

efectivamente protegida contra todas as formas de discriminação ou de sanção decorrentes da

situação jurídica, de actividades, opiniões expressas ou convicções de seus pais,

representantes legais ou outros membros da sua família.

Artigo 3.º 1. Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de

protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão

primacialmente em conta o interesse superior da criança.

2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados

necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes

legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam

todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes garantem que o funcionamento de instituições, serviços e

estabelecimentos que têm crianças a seu cargo e asseguram que a sua protecção seja

conforme às normas fixadas pelas autoridades competentes, nomeadamente nos domínios da

8 Resolução 40/33, anexo 9 Resolução 3318 (XXXIX).

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segurança e saúde, relativamente ao número e qualificação do seu pessoal, bem como quanto

à existência de uma adequada fiscalização.

Artigo 4.º Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas legislativas, administrativas e

outras necessárias à realização dos direitos reconhecidos pela presente Convenção. No caso

de direitos económicos, sociais e culturais, tomam essas medidas no limite máximo dos seus

recursos disponíveis e, se necessário, no quadro da cooperação internacional.

Artigo 5.º Os Estados Partes respeitam as responsabilidades, direitos e deveres dos pais e, sendo caso

disso, dos membros da família alargada ou da comunidade nos termos dos costumes locais,

dos representantes legais ou de outras pessoas que tenham a criança legalmente a seu cargo,

de assegurar à criança, de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades, a

orientação e os conselhos adequados ao exercício dos direitos que lhe são reconhecidos pela

presente Convenção.

Artigo 6.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito inerente à vida.

2. Os Estados Partes asseguram na máxima medida possível a sobrevivência e o

desenvolvimento da criança.

Artigo 7.º 1. A criança é registada imediatamente após o nascimento e tem desde o nascimento o direito

a um nome, o direito a adquirir uma nacionalidade e, sempre que possível, o direito de

conhecer os seus pais e de ser educada por eles.

2. Os Estados Partes garantem a realização destes direitos de harmonia com a legislação

nacional e as obrigações decorrentes dos instrumentos jurídicos internacionais relevantes

neste domínio, nomeadamente nos casos em que, de outro modo, a criança ficasse apátrida.

Artigo 8.º 1. Os Estados Partes comprometem-se a respeitar o direito da criança e a preservar a sua

identidade, incluindo a nacionalidade, o nome e relações familiares, nos termos da lei, sem

ingerência ilegal.

2. No caso de uma criança ser ilegalmente privada de todos os elementos constitutivos da sua

identidade ou de alguns deles, os Estados Partes devem assegurar-lhe assistência e protecção

adequadas, de forma que a sua identidade seja restabelecida o mais rapidamente possível.

Artigo 9.º 1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade

destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de

harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no

interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por

exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem

separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.

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2. Em todos os casos previstos no n.º 1 todas as partes interessadas devem ter a possibilidade

de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista.

3. Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais

de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se

mostrar contrário ao interesse superior da criança.

4. Quando a separação resultar de medidas tomadas por um Estado Parte, tais como a

detenção, prisão, exílio, expulsão ou morte (incluindo a morte ocorrida no decurso de detenção,

independentemente da sua causa) de ambos os pais ou de um deles, ou da criança, o Estado

Parte, se tal lhe for solicitado, dará aos pais, à criança ou, sendo esse o caso, a um outro

membro da família informações essenciais sobre o local onde se encontram o membro ou

membros da família, a menos que a divulgação de tais informações se mostre prejudicial ao

bem-estar da criança. Os Estados Partes comprometem-se, além disso, a que a apresentação

de um pedido de tal natureza não determine em si mesmo consequências adversas para a

pessoa ou pessoas interessadas.

Artigo 10.º 1. Nos termos da obrigação decorrente para os Estados Partes ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º,

todos os pedidos formulados por uma criança ou por seus pais para entrar num Estado Parte

ou para o deixar, com o fim de reunificação familiar, são considerados pelos Estados Partes de

forma positiva, com humanidade e diligência. Os Estados Partes garantem, além disso, que a

apresentação de um tal pedido não determinará consequências adversas para os seus autores

ou para os membros das suas famílias.

2. Uma criança cujos pais residem em diferentes Estados Partes tem o direito de manter, salvo

circunstâncias excepcionais, relações pessoais e contactos directos regulares com ambos.

Para esse efeito, e nos termos da obrigação que decorre para os Estados Partes ao abrigo do

n.º 2 do artigo 9.º, os Estados Partes respeitam o direito da criança e de seus pais de deixar

qualquer país, incluindo o seu, e de regressar ao seu próprio país. O direito de deixar um país

só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituam disposições

necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou moral públicas,

ou os direitos e liberdades de outrem, e se mostrem compatíveis com os outros direitos

reconhecidos na presente Convenção.

Artigo 11.º 1. Os Estados Partes tomam as medidas adequadas para combater a deslocação e a retenção

ilícitas de crianças no estrangeiro.

2. Para esse efeito, os Estados Partes promovem a conclusão de acordos bilaterais ou

multilaterais ou a adesão a acordos existentes.

Artigo 12.º 1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de

exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente

tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.

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2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais

e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de

organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da

legislação nacional.

Artigo 13.º 1. A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de

procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem considerações de

fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à escolha

da criança.

2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que sejam

necessárias:

a) Ao respeito dos direitos e da reputação de outrem;

b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral públicas.

Artigo 14.º 1. Os Estados Partes respeitam o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência

e de religião.

2. Os Estados Partes respeitam os direitos e deveres dos pais e, sendo caso disso, dos

representantes legais, de orientar a criança no exercício deste direito, de forma compatível com

o desenvolvimento das suas capacidades.

3. A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções só pode ser objecto de

restrições previstas na lei e que se mostrem necessárias à protecção da segurança, da ordem

e da saúde públicas, ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem.

Artigo 15.º 1. Os Estados Partes reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à

liberdade de reunião pacífica.

2. O exercício destes direitos só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que sejam

necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da

segurança pública, da ordem pública, para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos

e liberdades de outrem.

Artigo 16.º 1. Nenhuma criança pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida privada,

na sua família, no seu domicílio ou correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e

reputação.

2. A criança tem direito à protecção da lei contra tais intromissões ou ofensas.

Artigo 17.º Os Estados Partes reconhecem a importância da função exercida pelos órgãos de

comunicação social e asseguram o acesso da criança à informação e a documentos

provenientes de fontes nacionais e internacionais diversas, nomeadamente aqueles que visem

promover o seu bem-estar social, espiritual e moral, assim como a sua saúde física e mental.

Para esse efeito, os Estados Partes devem:

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a) Encorajar os órgãos de comunicação social a difundir informação e documentos que

revistam utilidade social e cultural para a criança e se enquadrem no espírito do artigo 29.º;

b) Encorajar a cooperação internacional tendente a produzir, trocar e difundir informação e

documentos dessa natureza, provenientes de diferentes fontes culturais, nacionais e

internacionais;

c) Encorajar a produção e a difusão de livros para crianças;

d) Encorajar os órgãos de comunicação social a ter particularmente em conta as necessidades

linguísticas das crianças indígenas ou que pertençam a um grupo minoritário;

e) Favorecer a elaboração de princípios orientadores adequados à protecção da criança contra

a informação e documentos prejudiciais ao seu bem-estar, nos termos do disposto nos artigos

13.º e 18.º

Artigo 18.º 1. Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo

o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da

criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe

primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior

da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.

2. Para garantir e promover os direitos enunciados na presente Convenção, os Estados Partes

asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício

da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança e garantem o estabelecimento de

instituições, instalações e serviços de assistência à infância.

3. Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para garantir às crianças cujos pais

trabalhem o direito de beneficiar de serviços e instalações de assistência às crianças para os

quais reúnam as condições requeridas.

Artigo 19.º 1. Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e

educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou

mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou exploração,

incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles,

dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.

2. Tais medidas de protecção devem incluir, consoante o caso, processos eficazes para o

estabelecimento de programas sociais destinados a assegurar o apoio necessário à criança e

àqueles a cuja guarda está confiada, bem como outras formas de prevenção, e para

identificação, elaboração de relatório, transmissão, investigação, tratamento e

acompanhamento dos casos de maus tratos infligidos à criança, acima descritos,

compreendendo igualmente, se necessário, processos de intervenção judicial.

Artigo 20.º 1. A criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu

interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à protecção e assistência

especiais do Estado.

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2. Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma protecção alternativa, nos termos da sua

legislação nacional.

3. A protecção alternativa pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do

direito islâmico, a adopção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em

estabelecimentos adequados de assistência às crianças. Ao considerar tais soluções, importa

atender devidamente à necessidade de assegurar continuidade à educação da criança, bem

como à sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística.

Artigo 21.º Os Estados Partes que reconhecem e ou permitem a adopção asseguram que o interesse

superior da criança será a consideração primordial neste domínio e:

a) Garantem que a adopção de uma criança é autorizada unicamente pelas autoridades

competentes, que, nos termos da lei e do processo aplicáveis e baseando-se em todas as

informações credíveis relativas ao caso concreto, verificam que a adopção pode ter lugar face à

situação da criança relativamente a seus pais, parentes e representantes legais e que, se

necessário, as pessoas interessadas deram em consciência o seu consentimento à adopção,

após se terem socorrido de todos os pareceres julgados necessários;

b) Reconhecem que a adopção internacional pode ser considerada como uma forma alternativa

de protecção da criança se esta não puder ser objecto de uma medida de colocação numa

família de acolhimento ou adoptiva, ou se não puder ser convenientemente educada no seu

país de origem;

c) Garantem à criança sujeito de adopção internacional o gozo das garantias e normas

equivalentes às aplicáveis em caso de adopção nacional;

d) Tomam todas as medidas adequadas para garantir que, em caso de adopção internacional,

a colocação da criança se não traduza num benefício material indevido para os que nela

estejam envolvidos;

e) Promovem os objectivos deste artigo pela conclusão de acordos ou tratados bilaterais ou

multilaterais, consoante o caso, e neste domínio procuram assegurar que as colocações de

crianças no estrangeiro sejam efectuadas por autoridades ou organismos competentes.

Artigo 22.º 1. Os Estados Partes tomam as medidas necessárias para que a criança que requeira o

estatuto de refugiado ou que seja considerada refugiado, de harmonia com as normas e

processos de direito internacional ou nacional aplicáveis, quer se encontre só, quer

acompanhada de seus pais ou de qualquer outra pessoa, beneficie de adequada protecção e

assistência humanitária, de forma a permitir o gozo dos direitos reconhecidos pela presente

Convenção e outros instrumentos internacionais relativos aos direitos do homem ou de carácter

humanitário, de que os referidos Estados sejam Partes.

2. Para esse efeito, os Estados Partes cooperam, nos termos considerados adequados, nos

esforços desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas e por outras organizações

intergovernamentais ou não governamentais competentes que colaborem com a Organização

das Nações Unidas na protecção e assistência de crianças que se encontrem em tal situação,

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e na procura dos pais ou de outros membros da família da criança refugiada, de forma a obter

as informações necessárias à reunificação familiar. No caso de não terem sido encontrados os

pais ou outros membros da família, a criança deve beneficiar, à luz dos princípios enunciados

na presente Convenção, da protecção assegurada a toda a criança que, por qualquer motivo,

se encontre privada temporária ou definitivamente do seu ambiente familiar.

Artigo 23.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança mental e fisicamente deficiente o direito a uma

vida plena e decente em condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia

e facilitem a sua participação activa na vida da comunidade.

2. Os Estados Partes reconhecem à criança deficiente o direito de beneficiar de cuidados

especiais e encorajam e asseguram, na medida dos recursos disponíveis, a prestação à

criança que reúna as condições requeridas e àqueles que a tenham a seu cargo de uma

assistência correspondente ao pedido formulado e adaptada ao estado da criança e à situação

dos pais ou daqueles que a tiverem a seu cargo.

3. Atendendo às necessidades particulares da criança deficiente, a assistência fornecida nos

termos do n.º 2 será gratuita sempre que tal seja possível, atendendo aos recursos financeiros

dos pais ou daqueles que tiverem a criança a seu cargo, e é concebida de maneira a que a

criança deficiente tenha efectivo acesso à educação, à formação, aos cuidados de saúde, à

reabilitação, à preparação para o emprego e a actividades recreativas, e beneficie desses

serviços de forma a assegurar uma integração social tão completa quanto possível e o

desenvolvimento pessoal, incluindo nos domínios cultural e espiritual.

4. Num espírito de cooperação internacional, os Estados Partes promovem a troca de

informações pertinentes no domínio dos cuidados preventivos de saúde e do tratamento

médico, psicológico e funcional das crianças deficientes, incluindo a difusão de informações

respeitantes aos métodos de reabilitação e aos serviços de formação profissional, bem como o

acesso a esses dados, com vista a permitir que os Estados Partes melhorem as suas

capacidades e qualificações e alarguem a sua experiência nesses domínios. A este respeito

atender-se-á de forma particular às necessidades dos países em desenvolvimento.

Artigo 24.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a gozar do melhor estado de saúde

possível e a beneficiar de serviços médicos e de reeducação. Os Estados Partes velam pela

garantia de que nenhuma criança seja privada do direito de acesso a tais serviços de saúde.

2. Os Estados Partes prosseguem a realização integral deste direito e, nomeada-mente, tomam

medidas adequadas para:

a) Fazer baixar a mortalidade entre as crianças de tenra idade e a mortalidade infantil;

b) Assegurar a assistência médica e os cuidados de saúde necessários a todas as crianças,

enfatizando o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários;

c) Combater a doença e a má nutrição, no quadro dos cuidados de saúde primários, graças

nomeadamente à utilização de técnicas facilmente disponíveis e ao fornecimento de alimentos

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nutritivos e de água potável, tendo em consideração os perigos e riscos da poluição do

ambiente;

d) Assegurar às mães os cuidados de saúde, antes e depois do nascimento;

e) Assegurar que todos os grupos da população, nomeadamente os pais e as crianças, sejam

informados, tenham acesso e sejam apoiados na utilização de conhecimentos básicos sobre a

saúde e a nutrição da criança, as vantagens do aleitamento materno, a higiene e a salubridade

do ambiente, bem como a prevenção de acidentes;

f) Desenvolver os cuidados preventivos de saúde, os conselhos aos pais e a educação sobre

planeamento familiar e os serviços respectivos.

3. Os Estados Partes tomam todas as medidas eficazes e adequadas com vista a abolir as

práticas tradicionais prejudiciais à saúde das crianças.

4. Os Estados Partes comprometem-se a promover e a encorajar a cooperação internacional,

de forma a garantir progressivamente a plena realização do direito reconhecido no presente

artigo. A este respeito atender-se-á de forma particular às necessidades dos países em

desenvolvimento.

Artigo 25.º Os Estados Partes reconhecem à criança que foi objecto de uma medida de colocação num

estabelecimento pelas autoridades competentes, para fins de assistência, protecção ou

tratamento físico ou mental, o direito à revisão periódica do tratamento a que foi submetida e de

quaisquer outras circunstâncias ligadas à sua colocação.

Artigo 26.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito de beneficiar da segurança social e

tomam todas as medidas necessárias para assegurar a plena realização deste direito, nos

termos da sua legislação nacional.

2. As prestações, se a elas houver lugar, devem ser atribuídas tendo em conta os recursos e a

situação da criança e das pessoas responsáveis pela sua manutenção, assim como qualquer

outra consideração relativa ao pedido de prestação feito pela criança ou em seu nome.

Artigo 27.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a

permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a

responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas,

as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.

3. Os Estados Partes, tendo em conta as condições nacionais e na medida dos seus meios,

tomam as medidas adequadas para ajudar os pais e outras pessoas que tenham a criança a

seu cargo a realizar este direito e asseguram, em caso de necessidade, auxílio material e

programas de apoio, nomeadamente no que respeita à alimentação, vestuário e alojamento.

4. Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança

da pensão alimentar devida à criança, de seus pais ou de outras pessoas que tenham a

criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro.

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Nomeadamente, quando a pessoa que tem a criança economicamente a seu cargo vive num

Estado diferente do da criança, os Estados Partes devem promover a adesão a acordos

internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adopção de quaisquer outras

medidas julgadas adequadas.

Artigo 28.º 1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e tendo, nomeadamente, em

vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de

oportunidades:

a) Tornam o ensino primário obrigatório e gratuito para todos;

b) Encorajam a organização de diferentes sistemas de ensino secundário, geral e profissional,

tornam estes públicos e acessíveis a todas as crianças e tomam medidas adequadas, tais

como a introdução da gratuitidade do ensino e a oferta de auxílio financeiro em caso de

necessidade;

c) Tornam o ensino superior acessível a todos, em função das capacidades de cada um, por

todos os meios adequados;

d) Tornam a informação e a orientação escolar e profissional públicas e acessíveis a todas as

crianças;

e) Tomam medidas para encorajar a frequência escolar regular e a redução das taxas de

abandono escolar.

2. Os Estados Partes tomam as medidas adequadas para velar por que a disciplina escolar

seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança e nos termos da

presente Convenção.

3. Os Estados Partes promovem e encorajam a cooperação internacional no domínio da

educação, nomeadamente de forma a contribuir para a eliminação da ignorância e do

analfabetismo no mundo e a facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos

modernos métodos de ensino. A este respeito atender-se-á de forma particular às

necessidades dos países em desenvolvimento.

Artigo 29.º 1. Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve destinar-se a :

a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões

mentais e físicos na medida das suas potencialidades;

b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e pelos

princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;

c) Inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos

valores nacionais do país em que vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da

sua;

d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num

espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos

os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena;

e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente.

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2. Nenhuma disposição deste artigo ou do artigo 28.º pode ser interpretada de forma a ofender

a liberdade dos indivíduos ou das pessoas colectivas de criar e dirigir estabelecimentos de

ensino, desde que sejam respeitados os princípios enunciados no n.º 1 do presente artigo e

que a educação ministrada nesses estabelecimentos seja conforme às regras mínimas

prescritas pelo Estado.

Artigo 30.º Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem

indígena, nenhuma criança indígena ou que pertença a uma dessas minorias poderá ser

privada do direito de, conjuntamente com membros do seu grupo, ter a sua própria vida

cultural, professar e praticar a sua própria religião ou utilizar a sua própria língua.

Artigo 31.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito

de participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente

na vida cultural e artística.

2. Os Estados Partes respeitam e promovem o direito da criança de participar plenamente na

vida cultural e artística e encorajam a organização, em seu benefício, de formas adequadas de

tempos livres e de actividades recreativas, artísticas e culturais, em condições de igualdade.

Artigo 32.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito de ser protegida contra a exploração

económica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação,

prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

2. Os Estados Partes tomam medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas para

assegurar a aplicação deste artigo. Para esse efeito, e tendo em conta as disposições

relevantes de outros instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes devem,

nomeadamente:

a) Fixar uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão a um emprego;

b) Adoptar regulamentos próprios relativos à duração e às condições de trabalho; e

c) Prever penas ou outras sanções adequadas para assegurar uma efectiva aplicação deste

artigo.

Artigo 33.º Os Estados Partes adoptam todas as medidas adequadas, incluindo medidas legislativas,

administrativas, sociais e educativas para proteger as crianças contra o consumo ilícito de

estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, tais como definidos nas convenções

internacionais aplicáveis, e para prevenir a utilização de crianças na produção e no tráfico

ilícitos de tais substâncias.

Artigo 34.º Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de

exploração e de violência sexuais. Para esse efeito, os Estados Partes devem, nomeadamente,

tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral para impedir:

a) Que a criança seja incitada ou coagida a dedicar-se a uma actividade sexual ilícita;

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b) Que a criança seja explorada para fins de prostituição ou de outras práticas sexuais ilícitas;

c) Que a criança seja explorada na produção de espectáculos ou de material de natureza

pornográfica.

Artigo 35.º Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e

multilateral, para impedir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças, independentemente do seu

fim ou forma.

Artigo 36.º Os Estados Partes protegem a criança contra todas as formas de exploração prejudiciais a

qualquer aspecto do seu bem-estar.

Artigo 37.º Os Estados Partes garantem que:

a) Nenhuma criança será submetida à tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes. A pena de morte e a prisão perpétua sem possibilidade de libertação não serão

impostas por infracções cometidas por pessoas com menos de 18 anos;

b) Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ilegal ou arbitrária: a captura, detenção

ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas unicamente como medida

de último recurso e terão a duração mais breve possível;

c) A criança privada de liberdade deve ser tratada com a humanidade e o respeito devidos à

dignidade da pessoa humana e de forma consentânea com as necessidades das pessoas da

sua idade. Nomeadamente, a criança privada de liberdade deve ser separada dos adultos, a

menos que, no superior interesse da criança, tal não pareça aconselhável, e tem o direito de

manter contacto com a sua família através de correspondência e visitas, salvo em

circunstâncias excepcionais;

d) A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou

a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade

perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o

direito a uma rápida decisão sobre tal matéria.

Artigo 38.º 1. Os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a fazer respeitar as normas de direito

humanitário internacional que lhes sejam aplicáveis em caso de conflito armado e que se

mostrem relevantes para a criança.

2. Os Estados Partes devem tomar todas as medidas possíveis na prática para garantir que

nenhuma criança com menos de 15 anos participe directamente nas hostilidades.

3. Os Estados Partes devem abster-se de incorporar nas forças armadas as pessoas que não

tenham a idade de 15 anos. No caso de incorporação de pessoas de idade superior a 15 anos

e inferior a 18 anos, os Estados Partes devem incorporar prioritariamente os mais velhos.

4. Nos termos das obrigações contraídas à luz do direito internacional humanitário para a

protecção da população civil em caso de conflito armado, os Estados Partes na presente

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Convenção devem tomar todas as medidas possíveis na prática para assegurar protecção e

assistência às crianças afectadas por um conflito armado.

Artigo 39.º Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para promover a recuperação física e

psicológica e a reinserção social da criança vítima de qualquer forma de negligência,

exploração ou sevícias, de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruéis, desumanos ou

degradantes ou de conflito armado. Essas recuperação e reinserção devem ter lugar num

ambiente que favoreça a saúde, o respeito por si próprio e a dignidade da criança.

Artigo 40.º 1. Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter

infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e

valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de

terceiros e que tenha em conta a sua idade e a necessidade de facilitar a sua reintegração

social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade.

2. Para esse feito, e atendendo às disposições pertinentes dos instrumentos jurídicos

internacionais, os Estados Partes garantem, nomeadamente, que:

a) Nenhuma criança seja suspeita, acusada ou reconhecida como tendo infringido a lei penal

por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não eram proibidas pelo direito

nacional ou internacional;

b) A criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo, direito às

garantias seguintes:

i) Presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legal-mente estabelecida;

ii) A ser informada pronta e directamente das acusações formuladas contra si ou, se

necessário, através de seus pais ou representantes legais, e beneficiar de assistência jurídica

ou de outra assistência adequada para a preparação e apresentação da sua defesa;

iii) A sua causa ser examinada sem demora por uma autoridade competente, independente e

imparcial ou por um tribunal, de forma equitativa nos termos da lei, na presença do seu

defensor ou de outrem assegurando assistência adequada e, a menos que tal se mostre

contrário ao interesse superior da criança, nomeadamente atendendo à sua idade ou situação,

na presença de seus pais ou representantes legais;

iv) A não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada; a interrogar ou fazer

interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o interrogatório das

testemunhas de defesa em condições de igualdade;

v) No caso de se considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e das medidas

impostas em sequência desta para uma autoridade superior, competente, independente e

imparcial, ou uma autoridade judicial, nos termos da lei;

vi) A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou falar a língua

utilizada;

vii) A ver plenamente respeitada a sua vida privada em todos os momentos do processo.

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3. Os Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos, autoridades e

instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas, acusadas ou reconhecidas como

tendo infringido a lei penal, e, nomeadamente:

a) O estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças não

têm capacidade para infringir a lei penal;

b) Quando tal se mostre possível e desejável, a adopção de medidas relativas a essas crianças

sem recurso ao processo judicial, assegurando-se o pleno respeito dos direitos do homem e

das garantias previstas pela lei.

4. Um conjunto de disposições relativas, nomeadamente, à assistência, orientação e controlo,

conselhos, regime de prova, colocação familiar, programas de educação geral e profissional,

bem como outras soluções alternativas às institucionais, serão previstas de forma a assegurar

às crianças um tratamento adequado ao seu bem-estar e proporcionado à sua situação e à

infracção.

Artigo 41.º Nenhuma disposição da presente Convenção afecta as disposições mais favoráveis à

realização dos direitos da criança que possam figurar:

a) Na legislação de um Estado Parte;

b) No direito internacional em vigor para esse Estado.

PARTE II Artigo 42.º Os Estados Partes comprometem-se a tornar amplamente conhecidos, por meios activos e

adequados, os princípios e as disposições da presente Convenção, tanto pelos adultos como

pelas crianças.

Artigo 43.º 1. Com o fim de examinar os progressos realizados pelos Estados Partes no cumprimento das

obrigações que lhes cabem nos termos da presente Convenção, é instituído um Comité dos

Direitos da Criança, que desempenha as funções seguidamente definidas.

2. O Comité é composto de 10 peritos de alta autoridade moral e de reconhecida competência

no domínio abrangido pela presente Convenção. Os membros do Comité são eleitos pelos

Estados Partes de entre os seus nacionais e exercem as suas funções a título pessoal, tendo

em consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa e

atendendo aos principais sistemas jurídicos.

3. Os membros do Comité são eleitos por escrutínio secreto de entre uma lista de candidatos

designados pelos Estados Partes. Cada Estado Parte pode designar um perito de entre os

seus nacionais.

4. A primeira eleição tem lugar nos seis meses seguintes à data da entrada em vigor da

presente Convenção e, depois disso, todos os dois anos. Pelo menos quatro meses antes da

data de cada eleição, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas convida, por

escrito, os Estados Partes a proporem os seus candidatos num prazo de dois meses. O

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Secretário-Geral elabora, em seguida, a lista alfabética dos candidatos assim apresentados,

indicando por que Estado foram designados, e comunica-a aos Estados Partes na presente

Convenção.

5. As eleições realizam-se aquando das reuniões dos Estados Partes convocadas pelo

Secretário-Geral para a sede da Organização das Nações Unidas. Nestas reuniões, em que o

quórum é constituído por dois terços dos Estados Partes, são eleitos para o Comité os

candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos

representantes dos Estados Partes presentes e votantes.

6. Os membros do Comité são eleitos por um período de quatro anos. São reelegíveis no caso

de recandidatura. O mandato de cinco dos membros eleitos na primeira eleição termina ao fim

de dois anos. O presidente da reunião tira à sorte, imediatamente após a primeira eleição, os

nomes destes cinco elementos.

7. Em caso de morte ou de demissão de um membro do Comité ou se, por qualquer outra

razão, um membro declarar que não pode continuar a exercer funções no seio do Comité, o

Estado Parte que havia proposto a sua candidatura designa um outro perito, de entre os seus

nacionais, para preencher a vaga até ao termo do mandato, sujeito a aprovação do Comité.

8. O Comité adopta o seu regulamento interno.

9. O Comité elege o seu secretariado por um período de dois anos.

10. As reuniões do Comité têm habitualmente lugar na sede da Organização das Nações

Unidas ou em qualquer outro lugar julgado conveniente e determinado pelo Comité. O Comité

reúne em regra anualmente. A duração das sessões do Comité é determinada, e se necessário

revista, por uma reunião dos Estados Partes na presente Convenção, sujeita à aprovação da

Assembleia Geral.

11. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas põe à disposição do Comité o

pessoal e as instalações necessárias para o desempenho eficaz das funções que lhe são

confiadas ao abrigo da presente Convenção.

12. Os membros do Comité instituído pela presente Convenção recebem, com a aprovação da

Assembleia Geral, emolumentos provenientes dos recursos financeiros das Nações Unidas,

segundo as condições e modalidades fixadas pela Assembleia Geral.

Artigo 44.º 1. Os Estados Partes comprometem-se a apresentar ao Comité, através do Secretário-Geral da

Organização das Nações Unidas, relatórios sobre as medidas que hajam adoptado para dar

aplicação aos direitos reconhecidos pela Convenção e sobre os progressos realizados no gozo

desses direitos:

a) Nos dois anos subsequentes à data da entrada em vigor da presente Convenção para os

Estados Partes;

b) Em seguida, de cinco em cinco anos.

2. Os relatórios apresentados em aplicação do presente artigo devem indicar os factores e as

dificuldades, se a elas houver lugar, que impeçam o cumprimento, pelos Estados Partes, das

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obrigações decorrentes da presente Convenção. Devem igualmente conter informações

suficientes para dar ao Comité uma ideia precisa da aplicação da Convenção no referido país.

3. Os Estados Partes que tenham apresentado ao Comité um relatório inicial completo não

necessitam de repetir, nos relatórios subsequentes, submetidos nos termos do n.º 1, alínea b),

as informações de base anteriormente comunicadas.

4. O Comité pode solicitar aos Estados Partes informações complementares relevantes para a

aplicação da Convenção.

5. O Comité submete de dois em dois anos à Assembleia Geral, através do Conselho

Económico e Social, um relatório das suas actividades.

6. Os Estados Partes asseguram aos seus relatórios uma larga difusão nos seus próprios

países.

Artigo 45.º De forma a promover a aplicação efectiva da Convenção e a encorajar a cooperação

internacional no domínio coberto pela Convenção:

a) As agências especializadas, a UNICEF e outros órgãos das Nações Unidas podem fazer-se

representar quando for apreciada a aplicação de disposições da presente Convenção que se

inscrevam no seu mandato. O Comité pode convidar as agências especializadas, a UNICEF e

outros organismos competentes considerados relevantes a fornecer o seu parecer técnico

sobre a aplicação da convenção no âmbito dos seus respectivos mandatos. O Comité pode

convidar as agências especializadas, a UNICEF e outros órgãos das Nações Unidas a

apresentar relatórios sobre a aplicação da Convenção nas áreas relativas aos seus domínios

de actividade;

b) O Comité transmite, se o julgar necessário, às agências especializadas, à UNICEF e a

outros organismos competentes os relatórios dos Estados Partes que contenham pedidos ou

indiquem necessidades de conselho ou de assistência técnicos, acompanhados de eventuais

observações e sugestões do Comité relativos àqueles pedidos ou indicações;

c) O Comité pode recomendar à Assembleia Geral que solicite ao Secretário-Geral a

realização, para o Comité, de estudos sobre questões específicas relativas aos direitos da

criança;

d) O Comité pode fazer sugestões e recomendações de ordem geral com base nas

informações recebidas em aplicação dos artigos 44.º e 45.º da presente Convenção. Essas

sugestões e recomendações de ordem geral são transmitidas aos Estados interessados e

levadas ao conhecimento da Assembleia Geral, acompanhadas, se necessário, dos

comentários dos Estados Partes.

PARTE III Artigo 46.º A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados.

Artigo 47.º

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A presente Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão

depositados junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

Artigo 48.º A presente Convenção está aberta a adesão de todos os Estados. A adesão far-se-á pelo

depósito de um instrumento de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações

Unidas.

Artigo 49.º 1. A presente Convenção entrará em vigor no 30.º dia após a data do depósito junto do

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas do 20.º instrumento de ratificação ou de

adesão.

2. Para cada um dos Estados que ratificarem a presente Convenção ou a ela aderirem após o

depósito do 20.º instrumento de ratificação ou de adesão, a Convenção entrará em vigor no

30.º dia após a data do depósito, por parte desse Estado, do seu instrumento de ratificação ou

de adesão.

Artigo 50.º 1. Qualquer Estado Parte pode propor uma emenda e depositar o seu texto junto do Secretário-

Geral da Organização das Nações Unidas. O Secretário-Geral transmite, em seguida, a

proposta de emenda aos Estados Partes na presente Convenção, solicitando que lhe seja

comunicado se são favoráveis à convocação de uma conferência de Estados Partes para

apreciação e votação da proposta. Se, nos quatro meses subsequentes a essa comunicação,

pelo menos um terço dos Estados Partes se declarar a favor da realização da referida

conferência, o Secretário-Geral convocá-la-á sob os auspícios da Organização das Nações

Unidas. As emendas adoptadas pela maioria dos Estados Partes presentes e votantes na

conferência são submetidas à Assembleia Geral das Nações Unidas para aprovação.

2. As emendas adoptadas nos termos do disposto no n.º 1 do presente artigo entram em vigor

quando aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas e aceites por uma maioria de

dois terços dos Estados Partes.

3. Quando uma emenda entrar em vigor, terá força vinculativa para os Estados que a hajam

aceite, ficando os outros Estados Partes ligados pelas disposições da presente Convenção e

por todas as emendas anteriores que tenham aceite.

Artigo 51.º 1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas recebe e comunica a todos os

Estados o texto das reservas que forem feitas pelos Estados no momento da ratificação ou da

adesão.

2. Não é autorizada nenhuma reserva incompatível com o objecto e com o fim da presente

Convenção.

3. As reservas podem ser retiradas em qualquer momento por via de notificação dirigida ao

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, o qual informará todos os Estados Partes

na Convenção. A notificação produz efeitos na data da sua recepção pelo Secretário-Geral.

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Artigo 52.º Um Estado Parte pode denunciar a presente Convenção por notificação escrita dirigida ao

Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. A denúncia produz efeitos um ano após

a data de recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

Artigo 53.º O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas é designado como depositário da

presente Convenção.

Artigo 54.º A presente Convenção, cujos textos em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês e russo fazem

igualmente fé, será depositada junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

Em fé do que os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente habilitados pelos seus

governos respectivos, assinaram a Convenção.

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ANEXO IV - EMENDA CONSTITUCIONAL 66, DE 2003

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , de 2003 (Da Senhora Maria do Rosário e outros)

Dá nova redação aos artigos 3º e 7º da Constituição Federal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da

Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O Inciso IV do art. 3º da Constituição Federal passa a vigorar com a

seguinte redação:

“Art. 3º .................................................................................................... ...................

................................................................................................................................

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, etnia, raça, sexo,

orientação e expressão sexual, crença religiosa, convicção política, condição sócioeconômica,

condição física, psíquica ou mental, cor, idade e nem por quaisquer outras formas de

discriminação.” (NR)

Art. 2º O Inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte

redação:

“Art. 7º .......................................................................................................................

XXX – proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de

admissão por motivo de sexo, orientação e expressão sexual, crença religiosa, convicção

política, condição física, psíquica ou mental, idade, cor ou estado civil.” (NR)

JUSTIFICAÇÃO

A presente proposição visa a acrescentar de forma clara e precisa entre os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil e entre os direitos dos cidadãos à proibição de

práticas discriminatórias contra a etnia, orientação sexual, crença religiosa, convicção política,

condição sócio-econômica e deficiência física ou mental.

Trata-se do estabelecimento, por parte do Estado, da garantia de que os direitos

humanos estarão afirmados permanentemente em seu caráter universal.

O reconhecimento constitucional do direito à livre orientação e expressão sexual, a livre

crença religiosa e convicção política, a não discriminação por condição física, psíquica ou

mental, colocado juntamente com o que a Constituição já prevê, origem, raça, sexo, cor, idade,

complementam de forma a atualizar a Carta Magna a partir de preocupações sentidas pela

sociedade brasileira.

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A emenda constitucional ora apresentada tem este objetivo, bem como estabelecer o

conceito de etnia ao lado dos já citados raça e cor, como forma de ampliar a compreensão a

partir da valorização da diversidade étnica do País.

Nosso desafio é consolidar a proibição de práticas discriminatórias e oferecer a

população brasileira um instrumento para a afirmação plena dos direitos civis de cada um de

seus cidadãos e cidadãs. Compreendemos que incluído este princípio entre as garantias

constitucionais, estaremos cumprindo com nosso dever com todos aqueles que tem suas vidas

marcadas pela discriminação e pela violência em todas as esferas da sociedade.

Estaremos contribuindo para a afirmação da liberdade, da tolerância e do respeito

humano.

Pelo exposto, contamos com o apoio dos nobres pares para a aprovação da presente

proposta.

Sala das Sessões, em 27 de maio de 2003.

DEPUTADA MARIA DO ROSÁRIO

PT - RS

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ANEXO V – EMENDA CONSTITUCIONAL 70, DE 2003

25788 Quarta-feira 3 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL

Setembro de 2003

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Nº 70, DE 2003

Altera o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável entre casais homossexuais.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do parágrafo 3º, do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O § 3º do art. 226 da Constituição Federal passa a ter a seguinte redação:

“§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre casais heterossexuais ou homossexuais como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento quando existente entre o homem e a mulher.”

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.

Justificação

A existência de casais homossexuais no Brasil, assim como no resto do Mundo, é uma realidade. A falta de regulação jurídica no Brasil para as pessoas que vivem a relação homossexual deixa inúmeras pessoas sem qual quer proteção do Estado, já que os companheiros não gozam de direitos fundamentais tais como os benefícios dos alimentos e da partilha de bens após uma eventual separação, ou da pensão e da herança, em razão da morte de um dos companheiros.

A sociedade brasileira avançou. Hoje são aceitos comportamentos que sempre existiram, mas que por preconceito tinham que ficar na clandestinidade. A ordem do dia da sociedade democrática e pluralista é aceitar as opções individuais dos seus cidadãos, que digam respeito à sua maneira de viver e se relacionar.

Assim tem ocorrido nos países desenvolvidos do bloco ocidental.

A Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer, em 1986, alguns direitos patrimoniais entre casais homossexuais. A partir de 1989 houve a legalização total desse tipo de união. A Noruega fez o mesmo em 1992, a Suécia em 1995 e a Islândia em 1996.

Em 1994 o Parlamento Europeu emitiu uma resolução sobre a paridade de direi tos dos homossexuais e recomendou aos Países–Membros da União Européia que fossem estabelecidas regras igualando os direitos deles aos dos heterossexuais no que tange às relações.

Na Holanda pesquisas de opiniões realizadas na década de 90 demonstraram que 70% (setenta por cento) da população era favorável ao reconhecimento até do próprio casamento entre homossexuais. Em 1988 foram estendidos alguns direitos tais como pensões, seguridade social e herança a casais homossexuais. Em 2000 foi aprovada lei, por 107 votos a favor e 33 contra, que permitiu o casamento civil entre homossexuais. A Bélgica seguiu o mesmo caminho da Holanda, não permitindo apenas a adoção de crianças por casais homossexuais.

Na França, desde 1995 diversos municípios já entregavam certificats de vie commune a casais homossexuais. Em 1999 foi aprovado o “Pacto Civil de Solidariedade”, dispondo sobre direitos e deveres recíprocos entre casais, homo ou heterossexuais, não vinculados ao casamento.

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Na Alemanha entrou em vigor em 11 de agosto de 2001 uma lei que permitiu a união estável entre homossexuais.

Em Londres, em 5 de setembro de 2001, dois casais homossexuais tornaram-se os primeiros casais britânicos a terem reconhecidos seus relacionamentos como oficiais.

O Parlamento da Finlândia aprovou em 28 de setembro de 2001 uma lei que concede aos homossexuais o direito de se casar.

Na Argentina, os legisladores de Buenos Aires, em 13 de dezembro de 2002, tornaram-na a primeira cidade da América Latina a legalizar a união civil entre homossexuais, sem admitir, porém, o casamento.

Nos Estados Unidos, dezenas de cidades, entre elas São Francisco (1991) e Nova Iorque (1993) reconhecem direitos a casais homossexuais. Em nível Estadual, a chamada parceria doméstica é reconhecida por três Estados: Califórnia, Havaí e Massachussets. O Estado de Vermont reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo desde 15 de abril de 2000.

Recentemente, em 26 de junho de 2003, a Suprema Corte Americana considerou inconstitucional uma lei do Texas que considerava crime o sexo consensual entre homossexuais, mesmo em suas próprias casas, modificando assim um precedente anterior, de 1986, a respeito de uma Lei da Geórgia, em que ela tinha considera do constitucional lei da mesma natureza.

No Canadá decisões judiciais têm admitido a união estável entre homossexuais nos Tribunais de Quebec, Columbia Britânica e Ontário.

Vê-se, portanto, que no mundo todo tem ocorrido, em maior ou menor escala, o reconhecimento dos efeitos civis das uniões homossexuais. Essa é uma iniciativa que deve ser seguida pelo Brasil, por que o nosso país é marcado pela diversidade e pela tolerância.

Nada justifica que deixemos de conceder proteção do Estado às pessoas que mantém um relacionamento homossexual. O princípio da dignidade humana, inserido como fundamento da nossa República Federativa do Brasil no art. 1º da Constituição Federal, exige que as pessoas que optem por esse tipo de relacionamento possam encontrar no Estado laico a devida proteção jurídica.

Esses os motivos pelos quais submeto à consideração dos meus pares esta proposta de Emenda à Constituição Federal, que permitirá a extensão aos casais homossexuais dos direitos decorrentes da união estável entre casais heterossexuais, excluída a conversão ao casamento, que continua sendo prerrogativa da união entre homem e mulher.

Sala das Sessões, 2 de setembro de 2003. – Sérgio Cabral – Roberto Saturnino – Antonio Carlos Valadares – Aloízio Mercadante – Demóstenes Torres – Ramez Tebet – Valmir Amaral – Eurípedes Camargo – Patrícia Saboya Gomes – Ana Júlia Carepa – Rodolpho Tourinho – Eduardo Azeredo – Delício Amaral – Romero Jucá – Sérgio Zambiasi – Garibaldi Alves Filho – Alberto Silva – Mão Santa – Eduardo Suplicy – Ney Suassuna – Antero Paes de Barros – Waldir Raupp – Paulo Paim – Augusto Botelho – Gilberto Mestrinho – Renan Calheiros – Fátima Cleide.

LEGISLAÇÃO CITADA

CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

................................................................................

CAPÍTULO VII

Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

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§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

.........................................................................................................................................................

(À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.)

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) – As propostas de emenda à Constituição que acabam de ser lidas estão sujeitas às disposições constantes do art. 354 e seguintes do Regimento Interno.

As matérias serão despachadas à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) – Sobre a mesa, requerimento que será lido pelo Sr. 1º Secretário em exercício, Senador Sérgio Zambiasi.

É lido o seguinte

REQUERIMENTO Nº 755, DE 2003

Requeiro, nos termos regimentais, seja solicitado ao Ministério das Minas e Energia, por intermédio da Petrobras, que encaminhe a esta Comissão de Fiscalização e Controle informações a respeito da licitação, realiza da pela modalidade de convite, das plataformas p-51 e p-52 (convite 899.8.005-02-1) conforme documentação anexa, recebida nesta Comissão.

Sala da Comissão, 21 de agosto de 2003. – Senador – Ney Suassuna Presidente, – Luiz Otávio, Relator – César Borges – João Batista Mota – Osmar Dias – Gerson Camata – Delcídio Amaral – João Ribeiro – Romero Jucá.

OF/CFC/Nº 62/2003

Brasília, 21 agosto de 2003

Exmo. Sr.

Senador José Sarney

DD. Presidente do Senado Federal

Senhor Presidente,

Comunico a Vossa Excelência, que esta Comissão, em reunião realizada nesta data, aprovou o requerimento nº 30/2003-CFC, de autoria do Senador Luiz Otávio, que requer “seja solicitado ao Ministério das Minas e Energia, por intermédio da Petrobras, que encaminhe a esta Comissão de Fiscalização e Controle informações a respeito da licitação, realizada pela modalidade de convite, das plataformas P-51 e P-52 (convite 899.8.005-02-1)”.

Desta forma, encaminho a Vossa Excelência a respectiva matéria.

Reitero, nesta oportunidade, meus protestos do mais alto apreço e distinta consideração.

Senador Ney Suassuna, Presidente.

(À mesa para decisão.)

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) – O requerimento lido será despachado à Mesa para decisão, nos termos regimentais.

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ANEXO VI - PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995

PROJETO DE LEI Nº 1.151, DE 1995

Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei.

Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais.

§ 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo:

I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas;

II - prova de capacidade civil plena;

III - instrumento público de contrato de união civil.

§ 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil.

Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas.

Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio

comum.

Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá:

I - pela morte de um dos contratantes;

II - mediante decretação judicial.

Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil:

I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;

II - alegando desinteresse na sua continuidade.

§ 1º - As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil.

§ 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido após decorridos 2 (dois) anos de sua constituição.

Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público.

Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes.

Art. 8º É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º

Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações:

"Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um:

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(...)

III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I - o registro:

(...)

35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato.

II - a averbação:

(...)

14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro."

Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990.

Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 16 (...)

§ 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo nos termos da lei.

Art. 17 (...)

§ 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado".

Art. 12 Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 217. (...)

c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei.

(...)

Art. 241. (...)

Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei."

Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do mesmo sexo.

Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994.

Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela.

Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação:

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"Art. 113. (...)

I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira".

Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário.

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ANEXO VII - SUBSTITUTIVO DO PROJETO DE LEI 1.151, DE 1995 PROJETO DE LEI Nº 1.151/1995

DISCIPLINA A PARCERIA CIVIL REGISTRADA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS

Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e aos demais regulados nesta Lei. Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante escritura pública e respectivo registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que segue. § 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro, apresentando os seguintes documentos: I - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados; II - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou prova equivalente; III - instrumento público do contrato de parceria civil. § 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais. § 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de parceria civil registrada. Art. 3º. O contrato de parceria civil registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. § 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação de patrimônio comum. § 2º. São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. Art. 4º. A extinção da parceria civil registrada ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial; III - de forma consensual, homologada pelo juiz. Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria civil registrada: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando o desinteresse na sua continuidade. Art. 6º. A sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato. Art. 7º. É nulo de pleno direito o contrato de parceria civil registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao § 2º do art. 2º desta Lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime de falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art. 299 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 8º. Alteram-se os arts. 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: .Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:... IX - os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. § 1º. Serão averbados: ... a sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros: ... VII - E - de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: ... 35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação:

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... 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro.. Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 10. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria civil implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo. Art. 11. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo. Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I - o parceiro sobrevivente terá direitos, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste; II - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança; IV - se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Art. 14. O art. 454 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido de § 3º, com a redação que se segue, passando a atual § 3º a § 4º: .Art. 454. ... § 1º. ... § 2º. ... § 3º. Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela. § 4º. ... Art. 15. O art. 113 da Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: .Art. 113. ... ... VI - ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade brasileira.. Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro de grupo. Art. 17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. Art. 18. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário. Sala da Comissão, em 10 de dezembro de 1996.

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ANEXO VIII – PROJETO DE LEI 6960, DE 2002.

PROJETO DE LEI Nº , DE 2002

(Do Sr. Ricardo Fiuza)

Dá nova redação aos artigos 2º, 11, 12, 43, 66, 151,224, 243, 244,246, 262, 273,281,283, 286, 294,299, 300, 302, 306,309,328, 338,369, 421, 422, 423, 425, 429, 450, 456, 471, 472, 473, 474, 475, 478, 479, 480,482, 496,502, 506, 533, 549, 557, 558, 559, 563, 574,576, 596, 599, 602, 603, 607, 623, 624, 625, 633, 637, 642, 655, 765, 788, 790, 872, 927, 928,931, 944, 947, 949,950, 953, 954,966, 977,999, 1053, 1060, 1086, 1094, 1099, 1158, 1160, 1163, 1165, 1166, 1168, 1196, 1197, 1204, 1210, 1228, 1273, 1274, 1276, 1316, 1341, 1347, 1352, 1354, 1361, 1362, 1365, 1369, 1371, 1374, 1378, 1379, 1434, 1436, 1456, 1457,1473, 1479, 1481, 1512, 1515, 1516,1521, 1526, 1561, 1563, 1573, 1574, 1575, 1576, 1581, 1583, 1586, 1589, 1597, 1601, 1605, 1606, 1609, 1614, 1615, 1618, 1623, 1625, 1626, 1628, 1629, 1641, 1642, 1660, 1665, 1668, 1694, 1700, 1701, 1707, 1709, 1717, 1719, 1721, 1722, 1723, 1725, 1726, 1727, 1729, 1731, 1736, 1768, 1788, 1790, 1800, 1801, 1815, 1829, 1831, 1834, 1835, 1848, 1859, 1860, 1864, 1881, 1909, 1963, 1965, 2002, 2038 e 2045 da Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que "Institui o Código Civil”, acrescenta dispositivos e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta: Art.1º Os artigos 2º, 11, 12, 43, 66, 151,224, 243, 244,246, 262, 273,281,283, 286, 294, 299, 300, 302, 306,309, 328, 338,369,421, 422, 423, 425, 429, 450, 456, 471, 472, 473, 474, 475, 478, 479, 480, 482, 496,502, 506, 533, 549, 557, 558, 559, 563, 574,576, 596, 599, 602, 603, 607, 623, 624, 625, 633, 637, 642, 655, 765, 788, 790, 872, 927, 928, 931, 944, 947, 949,950, 953, 954,966, 977, 999, 1053, 1060, 1086, 1094, 1099, 1158, 1160, 1163, 1165, 1166, 1168, 1196, 1197, 1204,1210, 1228, 1273, 1274, 1276, 1316,1341, 1347, 1352, 1354, 1361, 1362, 1365, 1369, 1371, 1374, 1378, 1379, 1434, 1436, 1456, 1457, 1473, 1479, 1481, 1512, 1515, 1516, 1521, 1526, 1561, 1563, 1573, 1574, 1575, 1576, 1581, 1583, 1586, 1589, 1597, 1601, 1605, 1606, 1609, 1614, 1615, 1618, 1623, 1625, 1626, 1628, 1629, 1641, 1642, 1660,1665, 1668, 1694, 1700, 1701, 1707, 1709, 1717, 1719,1721, 1722, 1723, 1725, 1726, 1727, 1729, 1731, 1736, 1768, 1788, 1790, 1800, 1801, 1815, 1829, 1831, 1834, 1835, 1848, 1859, 1860,1864, 1881, 1909, 1963, 1965, 2002, 2038 e 2045 da Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro“. (NR) “Art. 11. O direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade, à honra, à imagem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e outros reconhecidos à pessoa são natos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis.

Parágrafo único. Com exceção dos casos previstos em lei, não pode o exercício dos direitos da personalidade sofrer limitação voluntária” . (NR)

“Art. 12. O ofendido pode exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar indenização, em ressarcimento de dano patrimonial e moral, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

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Parágrafo único. Em se tratando de morto ou ausente, terá legitimação para requerer as medidas previstas neste artigo o cônjuge ou companheiro, ou , ainda, qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau ”. (NR)

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, inclusive aqueles decorrentes da intervenção estatal no domínio econômico, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa “. (NR)

“Art.66.........................................................................................................................

§ 1º Se funcionarem em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal.

§ 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, ou se funcionarem no Distrito Federal, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.” (NR) “Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta à vítima fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família da vítima, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”. (NR)

“Art. 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o vernáculo e registrados em Títulos e Documentos para terem efeitos legais no país.” (NR)

“Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pela espécie e pela quantidade”. (NR)

“Art. 244. Nas coisas determinadas pela espécie e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor”. (NR)

“Art. 246. Antes de cientificado da escolha o credor, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, salvo se se tratar de dívida genérica limitada e se extinguir toda a espécie dentro da qual a prestação está compreendida”. (NR)

“Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, reembolsando o devedor pela quota do credor remitente.

...........................................................................................................................” (NR)

“Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as defesas pessoais oponíveis aos outros “.(NR)

“Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as defesas que lhe forem pessoais e as comuns a todos; não lhe aproveitando as defesas pessoais a outro co-devedor”. (NR)

“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores”. (NR)

“Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, inclusive o compensável com dívidas fiscais e parafiscais (art. 374) , se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”. (NR)

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“Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as defesas que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente”. (NR)

“Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, podendo a assunção verificar-se:

I. Por contrato com o credor, independentemente do assentimento do devedor;

II. Por contrato com o devedor, com o consentimento expresso do credor.

§ 1º Em qualquer das hipóteses referidas neste artigo , a assunção só exonera o devedor primitivo se houver declaração expressa do credor. Do contrário , o novo devedor responderá solidariamente com o antigo ;

§ 2º Mesmo havendo declaração expressa do credor, tem-se como insubsistente a exoneração do primitivo devedor sempre que o novo devedor , ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava, salvo previsão em contrário no instrumento contratual ;

§ 3º Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa;

§ 4º Enquanto não for ratificado pelo credor, podem as partes livremente distratar o contrato a que se refere o inciso II deste artigo”. (NR)

“Art. 300. Com a assunção da dívida transmitem-se ao novo devedor, todas as garantias e acessórios do débito, com exceção das garantias especiais originariamente dadas ao credor pelo primitivo devedor e inseparáveis da pessoa deste.

Parágrafo Único. As garantias do crédito que tiverem sido prestadas por terceiro só subsistirão com o assentimento deste “. (NR)

“Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as defesas pessoais que competiam ao devedor primitivo”. (NR)

“Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação do credor na cobrança do débito”. (NR)

“Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é eficaz, ainda provado depois que não era credor”. (NR)

“Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem. Se consistir em prestação decorrente de serviços realizados no imóvel, no local do serviço, salvo convenção em contrário das partes”. (NR)

“Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o contestar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito”. (NR)

“Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas ou vincendas, e de coisas fungíveis”. (NR)

“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. ” (NR)

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade”. (NR) “Art. 423. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente por um dos contratantes, sem que o aderente possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

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§ 1º - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo aderente.

§ 2º. As cláusulas contratuais, nos contratos de adesão, serão interpretadas de maneira mais favorável ao aderente.” (NR)

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, resguardados a ordem pública, os bons costumes e os princípios gerais de direito, especialmente o princípio de que suas obrigações são indivisíveis, formando um só todo”. (NR)

“Art. 429. A oferta ao público equivale à proposta, obrigando o proponente, quando suficientemente precisa a informação ou a publicidade, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”. (NR) “Art.450. .............................................................................................................................. . Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial, salvo na hipótese de valor pago a maior ao tempo da alienação ou em valor necessário que propicie ao evicto adquirir outro bem equivalente”. (NR)

“Art. 456. Para o direito que da evicção lhe resulta, independe o evicto da denunciação da lide ao alienante, podendo fazê-la, se lhe parecer conveniente, pelos princípios da economia e da rapidez processual.

.....................................................................................................................................

..” (NR)

“Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz no momento da nomeação, o contrato produzirá seu efeito entre os contratantes originários”. (NR)

“Art. 472. Nos contratos de execução sucessiva ou diferida, tornando-se desproporcionais ou excessivamente onerosas suas prestações em decorrência de acontecimento extraordinário e estranho aos contratantes à época da celebração contratual, pode a parte prejudicada demandar a revisão contratual, desde que a desproporção ou a onerosidade exceda os riscos normais do contrato.

§ 1º. Nada impede que a parte deduza, em juízo, pedidos cumulados, na forma alternativa, possibilitando, assim, o exame judicial do que venha a ser mais justo para o caso concreto;

§ 2º - Não pode requerer a revisão do contrato quem se encontrar em mora no momento da alteração das circunstâncias;

§ 3º - Os efeitos da revisão contratual não se estendem às prestações satisfeitas, mas somente às ainda devidas, resguardados os direitos adquiridos por terceiros”. (NR)

“Art. 473. Nos contratos com obrigações unilaterais aplica-se o disposto no artigo anterior, no que for pertinente, cabendo à parte obrigada pedido de revisão contratual para redução das prestações ou alteração do modo de executá-las, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. (NR)

“Art. 474. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as prestações do contrato”. (NR)

“Art. 475. Requerida a revisão do contrato, a outra parte pode opor-se ao pedido, pleiteando a sua resolução em face de graves prejuízos que lhe possa acarretar a modificação das prestações contratuais.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação”. (NR)

“Art. 478. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

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§ 1º A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte;

§ 2º Se, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. (NR)

“Art. 479. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”. (NR)

“Art. 480. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. (NR)

“Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, a partir do momento em que as partes contratantes se tenham acordado no objeto e no preço. ” (NR)

“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. É igualmente anulável a venda feita ao cônjuge, sem o consentimento expresso dos descendentes do vendedor. Parágrafo único. Dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.” (NR) “Art.502....................................................................................................................... Parágrafo único. Na venda de imóveis serão necessariamente transcritas, na escritura, as certidões negativas de débitos para com as Fazendas Federal, Estadual e Municipal e de feitos ajuizados em face do vendedor.” (NR)

“Art.506. .............................................................................................................................. Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, a não integralização do valor, no prazo de dez dias, acarreta a improcedência do pedido importando ao vendedor a perda do seu direito de resgate”. (NR) “Art.533. ............................................................................................................................ Parágrafo único. O cônjuge necessitará do consentimento do outro, exceto no regime de separação absoluta, quando a troca envolver bem imóvel”. (NR) “Art.549. ............................................................................................................................

Parágrafo único – A ação de nulidade pode ser intentada mesmo em vida o doador”. (NR) “Art. 557(...) III - se o difamou ou o injuriou gravemente ou se o caluniou;

.....................................................................................................................................

..” (NR)

“Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido for o cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão do doador.

Parágrafo único. Os atos praticados pelo cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão do donatário, quando beneficiários diretos ou indiretos da liberalidade, ofensivos ao doador, são suscetíveis, conforme as circunstâncias, de ensejar a revogação”. (NR)

“Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário, seu cônjuge, companheiro ou descendente, o autor da ofensa”. (NR)

“Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação

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válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-las pelo meio-termo de seu valor”. (NR)

“Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, por mais de trinta dias, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado.

Parágrafo único. Não convindo ao locador continuar a locação de tempo indeterminado, este notificará o locatário para entregar a coisa alugada, concedido o prazo de trinta dias”. (NR)

“Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, não a preferindo o locatário, no prazo de trinta dias, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro. ...........................................................................................................................” (NR)

“Art. 596. As partes devem fixar o preço do serviço e na hipótese de divergência, a retribuição será arbitrada judicialmente, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade”. (NR)

“Art. 599. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante denúncia imotivada, pode resolver o contrato. Parágrafo único. Far-se-á a denúncia: I - com antecedência de oito dias, se a retribuição se houver fixado por tempo de um mês, ou mais; II - com antecipação de quatro dias, se a retribuição se tiver ajustado por semana, ou quinzena; ...........................................................................................................................” (NR)

“Art. 602. O prestador de serviço contratado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode ausentar, ou denunciar imotivadamente, antes de preenchido o tempo, ou concluída a obra. Parágrafo único. Se denunciar imotivadamente, terá direito à retribuição vencida, mas responderá por perdas e danos, ocorrendo o mesmo se denunciado motivadamente o contrato”. (NR) “Art. 603. Se denunciado imotivadamente o contrato, pelo contratante, este será obrigado a pagar ao prestador do serviço por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato”. (NR) “Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes; termina, também, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante denúncia imotivada, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior”. (NR) “Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra rescindir unilateralmente o contrato, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra”. (NR) “Art. 624. A rescisão injustificada do contrato de empreitada, pelo empreiteiro, o obriga a responder por perdas e danos”. (NR)

“Art. 625. Poderá o empreiteiro rescindir o contrato, motivadamente: .......................................................................................................................................” (NR) “Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução, notificada ao depositário, se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida, ou se noutro depósito de fundar”. (NR)

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“Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a restituir ao comprador o pagamento recebido, sempre que este sofrer os efeitos da evicção

Parágrafo único. Se tiver agido de má fé, responderá o herdeiro pelas perdas e danos, tanto do depositante, como do comprador ”. (NR)

“Art. 642. O depositário não responde pelos casos fortuitos, nem de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prová-los”. (NR)

“Art.655. ..............................................................................................................................

Parágrafo único. É da essência do ato a forma pública, quando a procuração visar a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis”. (NR)

“Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios da probidade e boa-fé, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.(NR)

“Art.788. ............................................................................................................................. Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, cabendo a denunciação da lide para o direito de regresso”. (NR)

“Art.790. ............................................................................................................................. Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do proponente”. (NR)

“Art. 872. As despesas do enterro, proporcionais aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens. .......................................................................................................................................” (NR)

“Art.927 .....................................................................................................................................

§1º................................................................................................................................

§ 2º Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de família.” (NR)

“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, observado o disposto no art. 932 e no parágrafo único do art. 942 . .......................................................................................................................................” (NR)

“Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação ou pelos serviços prestados.” (NR)

“Art.944. .....................................................................................................................................

§ 1º Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização;

§ 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”. (NR)

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“Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, ou seu cumprimento não restaurar o estado anterior, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”. (NR)

“Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, sem excluir outras reparações”. (NR) “Art.950. ................................................................................................................................... § 1º O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez;

§ 2º São também reparáveis os danos morais resultantes da ofensa que acarreta defeito físico permanente ou durável, mesmo que não causem incapacitação ou depreciação laborativa;

§ 3º Na reparação dos danos morais deve ser considerado o agravamento de suas conseqüências se o defeito físico, além de permanente ou durável, for aparente”. (NR)

“Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação dos danos materiais e morais que delas resulte ao ofendido”. (NR)

“Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento dos danos que sobrevierem ao ofendido. Parágrafo único. Consideram-se, dentre outros atos, ofensivos à liberdade pessoal .......................................................................................................................................” (NR) “Art. 966.................................................................................................... § 1º............................................................................................................. § 2º O exercício da atividade de empresário , fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observará os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé e pelos bons costumes”. (NR)

“Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros. ” (NR) “Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais devem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar quorum diverso.

.................................................................................................................. ” (NR)

“Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade anônima. ” (NR)

“Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas naturais designadas no contrato social ou em ato separado.

....................................................................................................................... ” (NR) “Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto no art. 1.031 ” (NR)

“Art. 1.094. As sociedades cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: ........................................................................................................ .................

IX- neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;

X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa” (NR) “Art. 1.099. Diz-se filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”.

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“Art.1.158...................................................................................................§ 2º A denominação será composta por um ou mais elementos de fantasia, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios, ou ainda o objeto da sociedade;

.....................................................................................................................................

..” (NR) “Art. 1.160. A sociedade anônima opera sob denominação integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abreviadamente.

Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa, bem como quaisquer expressões designativas do objeto social.” (NR)

“Art.1.163. O nome empresarial deve distinguir-se de qualquer outro suscetível de causar confusão ou associação .

..................................................................................................................” (NR)

“Art. 1.165. O nome de sócio que vier a falecer pode ser conservado na firma , salvo manifestação contrária em vida. ” (NR)

“Art. 1.166. Compete à Junta Comercial indeferir de ofício o registro de nome empresarial cuja expressão característica e distintiva reproduzir ou imitar a de outro nome empresarial já inscrito no mesmo registro e que seja, ao mesmo tempo, suscetível de causar confusão ou associação .

Parágrafo único. Mediante provocação do interessado, a Junta Comercial poderá, ouvida previamente a parte contrária, cancelar o registro de nome empresarial que conflitar com anterior registro de marca, ou com nome empresarial já inscrito em outra Junta Comercial ou protegido por legislação especial ou convenção internacional ratificada pelo Brasil. ” (NR)

“Art. 1.168. A inscrição do nome empresarial será cancelada, de ofício, após dez anos sem utilização efetiva, em razão de inexistência ou interrupção das atividades da empresa, ou a requerimento de qualquer interessado, independentemente de prazo, quando cessar o exercício da atividade para que foi adotado, ou quando ultimar-se a liquidação da sociedade que o inscreveu”.(NR)

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse. ” (NR) “Art. 1.197. A posse direta dos bens, mesmo que em caráter temporário e decorrente de direito pessoal ou real, não anula a posse indireta de quem foi havida, podendo, qualquer um deles agir em sua defesa, inclusive por ato praticado pelo outro possuidor. ” (NR) “Art. 1.204. Adquire-se a posse de um bem quando sobre ele o adquirente obtém poderes de ingerência, inclusive pelo constituto possessório”. (NR) “Art.1.210............................................................................................................................................................................................................................................ § 2º Se a coisa móvel ou título ao portador houverem sido furtados ou perdidos, o possuidor poderá reavê-los da pessoa que o detiver, ressalvado a esta o direito de regresso contra quem lhos transferiu. Sendo o objeto comprado em leilão público, feira ou mercado, o dono, que pretender a restituição, é obrigado a pagar ao possuidor o preço pelo qual o comprou; § 3º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. (NR)

“Art.1.228............................................................................................................................................................................................................................................

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§ 5º - No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago integralmente o preço , valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome do respectivo possuidor”. (NR) “Art. 1.273. Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado”. (NR)

“Art. 1.274. Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão, comistão ou adjunção aplicam-se as normas dos arts. 1.270 e 1.271”. (NR)

“Art.1.276............................................................................................................................................................................................................................................ § 2º Presumir-se-á a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais ”. (NR) “Art.1.316. ............................................................................................................................

§ 3º A renúncia prevista no caput deste artigo poderá ser prévia e reciprocamente outorgada entre os condôminos quando da celebração do acordo que tornar indivisa a coisa comum“. (NR) “Art. 1341.................................................................................................... § 1º As obras ou reparações necessárias, que não ultrapassem o orçamento aprovado em assembléia, podem ser realizadas, independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino.

§ 2º Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e seu valor ultrapassar o orçamento aprovado em assembléia, sendo necessário um rateio extra ou saque do Fundo de Reserva, ou de qualquer outro Fundo, determinada sua realização, o síndico ou condômino que tomou a iniciativa deverá convocar imediatamente uma assembléia, a fim de que os moradores tenham ciência do ocorrido e do valor da obra. Caso tenha se optado pelo saque do Fundo, os moradores deliberarão se o valor será reposto com um rateio extra ou mensalmente com o próprio valor arrecadado no boleto do condomínio.

...................................................................................................................“. (NR)

“Art. 1.347. A assembléia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se por um único período consecutivo“. (NR)

“Art. 1.352. .......................................................................................................

§ 1º .....................................................................................................................

§ 2º No caso de um mesmo condômino possuir mais de uma unidade ou fração ideal, seu direito de voto será limitado à soma dos votos dos demais co-proprietários, cabendo ao presidente da mesa, em caso de empate, o voto de desempate “. (NR)

“Art.1.354. ............................................................................................................................

Parágrafo único. Os condôminos poderão se fazer representar por procuração, sendo vedada a outorga de mais de três mandatos à mesma pessoa“. (NR)

“Art.1.361.............................................................................................................

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, e, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro;

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............................................................................................................................... § 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz a transferência da propriedade fiduciária “. (NR) “Art.1.362............................................................................................................. I - O valor do bem alienado, o valor total da dívida ou sua estimativa; ................................................................................................................. “. (NR)

“Art.1.365.............................................................................................................

Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do proprietário fiduciário, ceder a terceiro a sua posição no pólo passivo do contrato de alienação ”. (NR)

“Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno ou o direito de executar benfeitorias em sua edificação, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície abrange o direito de utilizar o imóvel pronto ou em fase de construção, o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao mesmo, na forma estabelecida no contrato, atendida a legislação urbanística”. (NR)

“Art. 1.371. O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo”. (NR)

“Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida bem como se descumprir qualquer outra obrigação assumida no contrato”. (NR)

“Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, podendo ser constituída:

I- por contrato oneroso ou gratuito;

II- por testamento;

III- por usucapião;

IV- por destinação do proprietário, na forma prevista no art. 1.379.

§ 1º Os modos previstos nos incisos III e IV se aplicam exclusivamente às servidões aparentes.”

§ 2º Os títulos constitutivos das servidões de que tratam os incisos I e II, como também as sentenças que declarem , em ação própria, as servidões de que cuidam os incisos III e IV, serão obrigatoriamente registrados na matrícula do prédio serviente, no cartório de Registro de Imóveis.

§ 3º As servidões não aparentes só podem ser constituídas por um dos modos previstos nos incisos I e II deste artigo e subseqüente registro no cartório de Registro de Imóveis, na forma do parágrafo antecedente.” (NR)

“Art. 1.379. Se, em um dos imóveis do mesmo proprietário, houver sinal exterior que revele serventia de um em favor do outro em caráter permanente, a serventia assumirá a natureza de servidão no momento em que os imóveis passarem a ter donos diversos, salvo declaração em contrário no título de transferência do domínio do imóvel alienado primeiramente.

§ 1º Aplicar-se-á o disposto neste artigo quando dois imóveis pertencentes a donos diversos resultarem de desmembramento de um imóvel único do mesmo proprietário anterior, que neste estabelecera serventia visível, por meio da qual uma de suas partes prestava determinada utilidade à outra, em caráter

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permanente, salvo declaração em contrário no título de transferência da parte que primeiramente for alienada.

§ 2º Não se aplicará o disposto neste artigo quando a utilidade prestada pela serventia consistir numa necessidade cujo atendimento pode ser exigido por meio de um direito decorrente da vizinhança predial, caso em que o exercício de tal direito não obrigará o seu titular ao pagamento de nenhuma indenização pela utilização da serventia ”. (NR) “Art. 1.434. O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser integralmente pago”. (NR)

“Art.1.436.............................................................................................................

..............................................................................................................................

V - dando-se a adjudicação judicial, a remição ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada.

..................................................................................................................”. (NR)

“Art.1.456. ...............................................................................................................................

..............................................................................................................................

Parágrafo único. O critério de preferência entre os credores de que trata o caput deste artigo será determinado pela antecedência do registro do instrumento público ou particular de penhor de direito no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor pignoratício”. (NR)

“Art. 1.457. O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por escrito, do credor pignoratício, caso em que o penhor se extinguirá, salvo disposição contratual em contrário”. (NR)

“Art.1.473. ...............................................................................................................................

IX – o direito de superfície”. (NR)

“Art. 1.479. ......................................................................................................

Parágrafo único. O compromissário vendedor de imóvel hipotecário, ainda que conste junto ao credor como devedor e principal pagador também poderá exonerar-se da hipoteca , abandonando o imóvel ao credor hipotecário, desde que o compromissário comprador tenha assumido a obrigação de liquidar o saldo devedor na forma originalmente pactuada entre o compromissário vendedor e o credor hipotecário”. (NR)

“Art.1.481............................................................................................................

.............................................................................................................................

§ 2º Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo adquirente, haver-se-á por definitivamente fixado para a remição do imóvel, que ficará livre de hipoteca, uma vez pago ou depositado o preço. ..................................................................................................................”. (NR) “ Art. 1.512. O casamento é civil ou religioso e gratuita a sua celebração.

§ 1º . A habilitação para o casamento civil, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei”.

§ 2º O casamento religioso, atendidos os princípios indicados no art. 1.515, equipara-se ao civil desde que celebrado e registrado por entidade religiosa, devidamente habilitada junto à Corregedoria Geral de Justiça de cada Estado ou do Distrito Federal“ . (NR)

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“Art. 1.515. O casamento religioso, celebrado e registrado na forma do § 2º do art. 1.512, e não atentando contra a monogamia , contra os princípios da legislação brasileira, contra a ordem pública e contra os bons costumes, poderá ser registrado pelos cônjuges no Registro Civil, em que for, pela primeira vez, domiciliado o casal”. (NR)

“Art. 1.516. O registro do casamento religioso no Registro Civil será feito a pedido dos cônjuges, com a apresentação da certidão de casamento, extraída do registro feito junto à entidade religiosa”. (NR) “Art.1521..............................................................................................................

Parágrafo único. Poderá o juiz, excepcionalmente, autorizar o casamento dos colaterais de terceiro grau, quando apresentado laudo médico que assegure inexistir risco à saúde dos filhos que venham a ser concebidos”. (NR)

“Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial de Registro Civil e, se o órgão do Ministério Público impugnar o pedido ou a documentação, os autos serão encaminhados ao juiz, que decidirá sem recurso”. (NR) “Art.1.561............................................................................................................ .............................................................................................................................. § 3º Os efeitos mencionados no caput deste artigo se estendem ao cônjuge coato.”(NR) “Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade ou a anulação do casamento retroagirá à data de sua celebração, sem prejudicar o direito dos filhos comuns, nem a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.”(NR)

“Art.1.573....................................................................................................... I- infidelidade; .............................................................................................................................. IV - abandono voluntário do lar conjugal; .....................................................................”(NR) “Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges, manifestado perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção. .................................................................................................................. .”(NR) “Art. 1.575. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida em juízo sucessivo.”(NR) “Art. 1.576. A separação judicial e o divórcio põem termo aos deveres conjugais recíprocos, salvo as disposições em contrário constantes deste Código.

§ 1º A separação judicial e o divórcio extinguem o regime de bens, aplicando-se este efeito à separação de fato quando demonstrada a incomunicabilidade dos bens, para evitar o enriquecimento ilícito;

§ 2º O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão .”(NR) “Art. 1.581. O divórcio direto e por conversão podem ser concedidos sem que haja prévia partilha de bens .”(NR) “Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual , observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos, preservados os interesses destes.

Parágrafo único. A guarda poderá ser conjunta ou compartilhada .”(NR)

“Art. 1.586. Na fixação da guarda, em qualquer caso, seja de filhos oriundos ou não de casamento, o juiz deverá, a bem dos menores, sempre levar em conta a relação de afinidade e afetividade que os liga ao guardião. Parágrafo único. A qualquer tempo, havendo justo motivo, poderá o juiz modificar a guarda, observando o princípio da prevalência dos interesses dos filhos”.(NR) “Art.1.589............................................................................................................

§ 1º Aos avós e outros parentes, inclusive afins, do menor é assegurado o direito de visitá-lo, com vistas à preservação dos respectivos laços de afetividade;

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§ 2º O juiz, havendo justo motivo, poderá modificar as regras da visitação, com observância do princípio da prevalência dos interesses dos filhos ”.(NR)

“Art.1.597........................................................................................................................................................................................................................................

Parágrafo único. Cessa a presunção de paternidade, no caso do inciso II, se, à época da concepção, os cônjuges estavam separados de fato”.(NR) “Art.1.598......................................................................................................... ..........................................................................................................................

Parágrafo único. Cessa a presunção de paternidade do primeiro marido, se, à época da concepção, os cônjuges estavam separados de fato ”.(NR) “Art. 1.601. O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe, privativamente, às seguintes pessoas:

I – ao filho;

II – àqueles declarados como pai e mãe no registro de nascimento;

III – ao pai e à mãe biológicos;

IV- a quem demonstrar legítimo interesse.

§ 1º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação;

§ 2º A relação de filiação oriunda de adoção não poderá ser contestada;

§ 3º O marido não pode contestar a filiação que resultou de inseminação artificial por ele consentida; também não pode contestar a filiação, salvo se provar erro, dolo ou coação, se declarou no registro que era seu o filho que teve a sua mulher;

§ 4º A recusa injustificada à realização das provas médico-legais acarreta a presunção da existência da relação de filiação ”.(NR) “Art. 1.605. Na falta, defeito, erro ou falsidade do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito ”. (NR) “Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz, cabendo também ao pai e à mãe biológicos. §1º Se iniciada a ação pelo filho ou pelo genitor biológico, os seus herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo. §2º Não fazem coisa julgada as ações de investigação de paternidade decididas sem a realização do exame de DNA, ressalvada a hipótese do § 4º do art. 1601 ”.(NR)

“Art.1.609.......................................................................................................... .............................................................................................................................

§1º.........................................................................................................................

§2º Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e a qualificação do suposto pai, a fim de ser averiguada a procedência da alegação. Se confirmada a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro para a devida averbação. Negada a paternidade, inclusive por falta de comparecimento do suposto pai em Juízo, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público ou ao órgão competente para que promova, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade;

§ 3º No caso do parágrafo anterior, a iniciativa conferida ao Ministério Público ou órgão competente não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar a ação investigatória”.(NR)

“Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento após sua maioridade”.(NR)

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“Art. 1.615. Os filhos têm ação contra os pais ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação, sendo esse direito imprescritível. § 1º A ação pode ser intentada antes ou depois do nascimento do filho; § 2º Nas ações de filiação são admitidas todas as espécies de prova, inclusive as biológicas; § 3º Há presunção da relação de filiação diante de recusa injustificada à realização das provas médico-legais; § 4º A posse do estado do filho, comprovada em juízo, presume a paternidade, salvo se o investigado provar que não é o pai; § 5º Se a mãe convivia com o suposto pai durante a época da concepção, presume-se a paternidade, salvo prova em contrário; § 6º Quando o autor da ação investigatória já tiver uma filiação anteriormente estabelecida, deverá prévia ou simultaneamente, desconstituir o registro da aludida filiação; § 7º A ação investigatória compete ao filho enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz; se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo; § 8º Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade ou maternidade; § 9º A sentença de primeiro grau que reconhecer a paternidade, fixará os alimentos em favor do reconhecido que deles necessite “.(NR) “Art.1.618............................................................................................................

§1º.........................................................................................................................

§ 2º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando; § 3º É vedada a adoção por procuração;

§ 4º A adoção é irrevogável ”.(NR)

Art. 1.623. A adoção da criança e do adolescente obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste código. § 1º A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, registro de menores em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção; § 2º O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta aos órgãos técnicos competentes, ouvido o representante do Ministério Público, com o acatamento dos requisitos legais; § 3º A adoção dos maiores de dezoito anos rege-se, no que for aplicável, pelo disposto neste capítulo e far-se-á por escritura pública, cuja eficácia depende do seu registro no Registro Civil, depois de homologada pelo Ministério Público, observando-se, ainda, o seguinte:

I- se o adotante for casado ou viver em união estável, será necessário o assentimento do respectivo cônjuge ou companheiro;

II- se o adotante tiver filhos , também estes deverão assentir , e , se forem menores, serão representados por curador especial;

III- o assentimento previsto nos incisos anteriores poderá ser suprido judicialmente, se comprovado que a adoção não contraria os interesses legítimos do cônjuge, companheiro ou da família. Os interesses exclusivamente patrimoniais não devem ser concludentes para que não seja suprido o assentimento ”.(NR)

“Art.1.625............................................................................................................ Parágrafo único. A adoção será precedida de estágio de convivência com o adotando, pelo prazo que o juiz fixar, observadas as peculiaridades do caso, podendo ser dispensado somente se o menor tiver menos do que um ano de idade ou se, independentemente de sua idade, já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para a avaliação dos benefícios da constituição do vínculo ”.(NR) “Art.1.626.................................................................................................

§1º.............................................................................................................

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§ 2º A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais”.(NR) “Art.1.628............................................................................................................

§ 1º A sentença judicial da adoção será inscrita no registro civil, mediante mandado do qual não se fornecerá certidão; § 2º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes; § 3º Não deve constar qualquer observação sobre a origem do ato na certidão de registro; § 4º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a salvaguarda de direitos ”.(NR)

“Art. 1.629. A colocação do menor em família substituta estrangeira residente e domiciliada no exterior constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade da adoção.

§ 1º O estrangeiro residente e domiciliado fora do País, que se candidatar a adoção, deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem;

§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência;

§ 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução juramentada;

§ 4º A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente, sem prejuízo dos requisitos mencionados nos parágrafos anteriores.

§ 5º Competirá à comissão referida no parágrafo anterior manter registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção;

§6º Em caso de adoção por estrangeiro residente e domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade;

§ 7º Antes de consumada a adoção, não será permitida a saída do adotando do território nacional ”.(NR) “Art.1.641............................................................................................. ..............................................................................................................

II – da pessoa maior de setenta anos;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art.1.642........................................................................................................... ..............................................................................................................................

V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino ou ao companheiro, podendo este último provar que os bens foram adquiridos pelo seu esforço;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art.1.659............................................................................................................

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

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II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes ”.(NR)

“Art. 1.660. ......................................................................................... IV - as benfeitorias e acessões em bens particulares de cada cônjuge;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art. 1.665. A administração dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial ”.(NR) “Art.1.668....................................................................................................... ......................................................................................................................... V - Os bens referidos nos incisos V e VI do art. 1.659 ”.(NR) “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade. ..............................................................................................................................

§ 3º A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação ”.(NR)

“Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos decorrente do casamento e da união estável transmite-se aos herdeiros do devedor, nos limites das forças da herança, desde que o credor da pensão alimentícia não seja herdeiro do falecido ”.(NR)

“Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, sendo a obrigação oriunda do vínculo de parentesco .

......................................................................................... ........................”.(NR)

“Art. 1.707. Tratando-se de alimentos devidos por relação de parentesco, pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos.

Parágrafo único. O crédito de pensão alimentícia, oriundo de relação de parentesco, de casamento ou de união estável, é insuscetível de cessão, penhora ou compensação ”.(NR)

“Art. 1.709. A constituição superveniente de família pelo alimentante não extingue sua obrigação alimentar anterior. ”(NR) “Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ”.(NR) “Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o Juiz, a requerimento dos interessados, extinguí-lo, autorizar a alienação ou a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público ”.(NR) “Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal ou da união estável não extingue o bem de família.

Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal ou a união estável pela morte de um dos cônjuges ou companheiros, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. ”.(NR)

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“Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges ou companheiros, e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela”.(NR)

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, civilmente capazes, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e constitutiva de família. §1º......................................................................................................................... § 2º Aplica-se à união estável o regime da separação de bens nas hipóteses previstas no art. 1.641, incisos I e II; § 3º A produção de efeitos na união estável, inclusive quanto a direitos sucessórios, havendo litígio entre os interessados, dependerá da demonstração de sua existência em ação própria; § 4º Poderá ser homologada judicialmente a extinção consensual da união estável ”.(NR) “Art.1.725.........................................................................................................................

§ 1º Não se comunicam os bens adquiridos com recursos obtidos anteriormente à constituição da união estável ”.

§ 2º Nos instrumentos que vierem a firmar com terceiros , os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses dos terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos entre os companheiros e aplicando-se as sanções penais cabíveis. “ (NR)

“Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante requerimento de ambos os companheiros ao oficial do Registro Civil de seu domicílio, processo de habilitação com manifestação favorável do Ministério Público e respectivo assento ”.(NR) “Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar e que não estejam separados de fato, constituem concubinato, aplicando-se a este, mediante comprovação da existência de sociedade de fato, as regras do contrato de sociedade.

Parágrafo único. As relações meramente afetivas e sexuais, entre o homem e a mulher, não geram efeitos patrimoniais, nem assistenciais”.(NR) “Art.1.729............................................................................................................ § 1º A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico; § 2º A nomeação poderá ser realizada por somente um dos pais, se o outro estiver, por qualquer motivo, impossibilitado ou se negue, sem justa causa, a fazê-lo e desde que atenda aos interesses do filho ”.(NR) “Art.1.731...........................................................................................................

Parágrafo único . Poderá o Juiz, levando em consideração o melhor interesse do menor, quebrar a ordem de preferência, bem como nomear tutor terceira pessoa ”.(NR)

“Art.1.736............................................................................................................

I - maiores de sessenta anos; II - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos; III - os impossibilitados por enfermidade; IV - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; V- aqueles que já exercerem tutela ou curatela; VI - militares em serviço ”.(NR) “Art.1.768............................................................................................................ .........................................................................................................................

II - pelo cônjuge, companheiro ou por qualquer parente; ...................................................................................................................”.(NR)

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“Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, romper-se, ou for inválido ”.(NR) “Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I - em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);

II - em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.(NR)

“Art.1.800............................................................................................................

§ 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.797;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art.1.801............................................................................................................

..............................................................................................................................

III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art.1.815............................................................................................................

Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em dois anos, contados da abertura da sucessão ”.(NR)

“Art.1.829............................................................................................................

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

...................................................................................................................”.(NR)

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar ”.(NR)

“Art. 1.834. Os descendentes do mesmo grau, qualquer que seja a origem do parentesco, têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes ”.(NR)

“Art. 1.835......................................................................................................

Parágrafo Único. Se não houver pai ou mãe, o filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho, e desde que prove a necessidade disto, terá, ainda, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família,

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desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar, enquanto permanecer na situação que justificou esse benefício”.(NR)

“Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade e de impenhorabilidade, sobre os bens da legítima.

......................................................................................................................... § 3o Ao testador é facultado, livremente, impor a cláusula de incomunicabilidade ”.(NR) “Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de requerer a declaração de nulidade do testamento ou de disposição testamentária, e em quatro anos o de pleitear a anulação do testamento ou de disposição testamentária, contado o prazo da data do registro do testamento ”.(NR)

“Art. 1.860. Além dos absolutamente incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem o necessário discernimento ”.(NR)

“Art.1.864............................................................................................................ ..............................................................................................................................

§1º ........................................................................................................................

§ 2º A certidão do testamento público, enquanto vivo o testador, só poderá ser fornecida a requerimento deste ou por ordem judicial ”.(NR)

“Art.1.881............................................................................................................

Parágrafo único. O escrito particular pode ser redigido ou digitado mecanicamente, desde que seu autor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as páginas ”.(NR) “Art.1.909............................................................................................................

Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados da data do registro do testamento ”.(NR)

“Art.1.965............................................................................................................

§ 1o. O direito de provar a causa da deserdação, ou de o deserdado impugná-la, extingue-se no prazo de dois anos, a contar da data da abertura da sucessão;

§ 2º. São pessoais os efeitos da deserdação: os descendentes do herdeiro deserdado sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão. Mas o deserdado não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens”.(NR) “Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum, e o cônjuge sobrevivente, quando concorrer com os descendentes, são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que em vida receberam do falecido, sob pena de sonegação.

...................................................................................................................”.(NR)

“Art. 2.038. ........................................................................................................ ............................................................................................................................ § 2º Igualmente proíbe-se a constituição de enfiteuse e subenfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos, subordinando-se as existentes às disposições contidas na legislação específica; § 3º Fica definido o prazo peremptório de dez anos para a regularização das enfiteuses existentes e pagamentos dos foros em atraso, junto à repartição pública competente. Decorrido esse período, todas as enfiteuses que se encontrarem regularmente inscritas e em dia com suas obrigações, serão declaradas extintas, tornando-se propriedade plena privada. As demais, reverterão de pleno direito para o patrimônio da União ”.(NR)

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“Art. 2.045. Revogam-se a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil, a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, as Leis nº 4.121, de 27/08/1962, 8.560, de 1992, 8.971, de 29/12/1994 e 9.278, de 10/05/1996 , o Decreto nº 3.708 de 1919, e ainda os arts. 1º a 27 da Lei nº 4.591, de 16/12/1964, os arts. 71 a 75 da Lei nº 6.015, de 31/12/1973, os arts. 1º a 33, art. 43, art. 44, art. 46, da Lei nº 6.515, de 26/12/1977, os arts. 39 a 52 , da Lei nº 8.069, de 13/07/1990, ”.(NR)

Art. 2º. Dê-se Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a seguinte redação :

CAPÍTULO II : DA REVISÃO E DA EXTINÇÃO DO CONTRATO

Art. 3º. Dê-se à Seção I do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a seguinte redação :

“Seção I : Da revisão” Art. 4º. Dê-se à Seção II do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a seguinte redação :

“Seção II : Da resolução” Art. 5º. Dê-se à Seção IV do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a seguinte redação :

“Seção IV : Do distrato” Art. 6º . Acrescente-se após o art. 478 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 , a “Seção V”, com o seguinte título :

“Seção V : Da cláusula resolutiva” Art. 7º. Dê-se ao título do Livro III da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a seguinte redação :

“DA POSSE E DOS DIREITOS REAIS”

Art. 8º . Acrescente-se após o art. 1727 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 , o seguinte dispositivo :

“Art. 1727-A . As disposições contidas nos artigos anteriores (1.723 a 1.727) aplicam-se , no que couber, às uniões fáticas de pessoas capazes, que vivam em economia comum, de forma pública e notória, desde que não contrariem as normas de ordem pública e os bons costumes” .

Art. 9º . Acrescente-se após o art. 1963 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 , o seguinte dispositivo :

“Art. 1.963-A. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação do cônjuge:

I – prática de ato que importe grave violação dos deveres do casamento, ou que determine a perda do poder familiar;

II – recusar-se, injustificadamente, a dar alimentos ao outro cônjuge ou aos filhos comuns;

III – desamparado do outro cônjuge ou descendente comum com deficiência mental ou grave enfermidade”.

Art. 10º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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JUSTIFICAÇÃO Inicialmente cumpre-me esclarecer que o presente projeto de lei não tem por objetivo a reforma do Código Civil, o que seria uma contradição , já que exercemos a relatoria geral do projeto 634/75 , que deu origem à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Na verdade, o que se pretende com a presente proposta é a complementação de alguns dispositivos, cuja modificação não foi possível fazer anteriormente, face aos impedimentos regimentais já longamente expostos, quando da votação final do PL 634.

A apresentação deste projeto de lei foi um compromisso que assumi perante a sociedade brasileira e especialmente perante o Congresso Nacional. Comprometi-me a que, logo após sancionado o novo Código Civil, apresentaríamos um projeto , aperfeiçoando alguns pontos que não poderiam ter sido alterados naquele momento, pois , ou não haviam sido objeto de emendas pelo Senado Federal e, portanto, já estavam aprovados pelas duas Casas do Congresso, ou não se enquadravam nos estreitos limites da Resolução Nº 01 de 2000, do Congresso Nacional, que só me permitiu a mera atualização de dispositivos que estivessem em manifesto descompasso com a legislação editada posteriormente ao início da tramitação do PL 634. Ocorre que muitos artigos, embora não entrassem, necessariamente, em confronto com qualquer dispositivo de lei posterior, exigiam aprimoramento. Sem falar em várias omissões que identifiquei e que a Resolução Nº 01 não me permitiu suprir.

A continuidade do árduo trabalho empreendido para dotar o País de um Código Civil moderno, atualizado e pronto para responder aos anseios e necessidades da sociedade do século XXI impõe-se.

É sabido que as leis dirigem-se preponderantemente ao futuro, e ainda mesmo quando se valem da retroatividade, não modificam, evidentemente, os fatos pretéritos, mesmo porque não se pode mudar o passado, mas resumem-se , no dizer de Ferrara, ao início do seu Tratado, em “atribuir efeitos jurídicos novos a fatos pretéritos” Exige-se, agora, do Congresso Nacional , a conclusão do processo de codificação, a fim de possibilitar a completa inserção da Lei Nº 10.406 de 2002 no momento presente, de onde poderá projetar-se para o futuro.

Registre-se, finalmente, que as alterações propostas, antes de desvirtuar, completam e finalizam o processo de codificação. Lembro que com o Código Civil de 1916 aconteceu a mesma coisa. Ou seja, pouco tempo após a sua entrada em vigor, foi aprovado o Decreto Legislativo nº 3.725, de 15 de janeiro de 1919, modificando a redação de mais de 200 (duzentos) dispositivos do velho código.

As modificações propostas, todas modernizadoras do texto aprovado, foram resultado de um longo trabalho de pesquisa que empreendi, auxiliado por renomados juristas deste País, aos quais não posso deixar de fazer a devida referência.

Reuni em meu escritório um grupo de notáveis especialistas para , em conjunto com este parlamentar, discutirmos, tema por tema, o que ainda poderia ser feito para aprimorar o texto, transformando as sugestões acatadas no presente projeto de lei , que ora apresento à Câmara dos Deputados, o qual, se aprovado nas duas Casas ainda no decorrer do ano de 2002, poderá entrar em vigor concomitantemente com o novo Código Civil , ao fim da vacatio legis. Se alcançarmos esse objetivo, provando à sociedade brasileira que a proximidade das eleições gerais não constitui óbice a que seus representantes cumpram com seus deveres, faremos com que o novo Código Civil entre em vigor no estágio mais próximo possível do que se poderia chamar de “ obra humana perfeita”, em termos de elaboração legislativa. Entretanto, teria sido absolutamente impossível, não somente face à magnitude do trabalho, bem como à responsabilidade que o mesmo encerra, haver concluído o presente projeto de lei , em tão pouco tempo, considerando as inúmeras questões que a análise suscitou, sem o fundamental concurso de inúmeros professores, magistrados, Faculdades de Direito e de tantos quantos emitiram suas críticas pela imprensa ou diretamente a este Deputado remeteram sugestões por escrito.

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Mas seria injusta a generalização, sem o destaque especial e o merecido registro a alguns que, com completo e absoluto desprendimento, me auxiliaram na análise minuciosa que fiz em cada um dos 2046 artigos da Lei nº 10.406/02. Na Parte Geral contribuiu a professora MARIA HELENA DINIZ; no Direito das Obrigações , destacaram-se o advogado e jurista MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS e o Desembargador JONES FIGUERÊDO ALVES . No tema Responsabilidade Civil, recebi a colaboração e as inestimáveis sugestões da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA ; no Direito das Coisas, participaram os professores CARLOS ALBERTO DABUS MALUF e JOEL DIAS FIGUEIRA JR. No Direito de Família, o Juiz ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO e novamente a professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA . Finalmente, no Direito das Sucessões, o grande professor ZENO VELOSO. Além dos acima mencionados professores e juristas, devo destacar ainda a imprescindível participação do professor ALVARO VILLAÇA AZEVEDO, sempre presente em todos os momentos da tramitação do projeto de lei que originou o novo Código Civil e cujas substanciosas sugestões integram o presente trabalho. Também nos remeteram sugestões os Professores SÉRGIO NIEMEYER, JOSÉ GUILHERME BRAGA TEIXEIRA, HÉLIO BORGHI, ROSELY BENEVIDES DE OLIVEIRA SCHWARTZ e MÁRCIA CRISTINA DOS SANTOS RÊGO. Registro específico seja feito ao IBDFAM – INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA que, através de Comissão coordenada pelos Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos , Maria Berenice Dias e ainda o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, formulou importantes e construtivas críticas ao nosso trabalho.

Igualmente devem ser destacadas as propostas constantes dos trabalhos elaborados pela OAB- Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo e CESA - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, pela ABPI - Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, ANOREG – Associação dos Notários e Registradores e ainda pelos advogados Cláudio Taveira, Marcelo José Lomba Valença, Guilherme da Rocha Zambrano e Davi Lago. Cada um desses especialistas e entidades, em sua respectiva área de atuação, teve participação ativa e decisiva na elaboração das justificativas, que vão a seguir expostas:

1. Art 2º: A proposta é de fazer inserir , por sugestão da Professora MARIA HELENA DINIZ, a referência ao embrião que, antes de implantado e viabilizado no ventre da mãe, não pode ser considerado nascituro, mas que também é sujeito de direitos.

2. Art. 11. Também por sugestão da Professora MARIA HELENA DINIZ , atribuiu-se ao dispositivo redação mais completa, sem alteração em seu conteúdo.

3. Art. 12. Deu-se ao artigo 12 redação mais completa, sem alteração em seu conteúdo, além de se acrescentar a menção ao companheiro no parágrafo único.

4. Art. 43: A questão relativa à responsabilidade civil do Estado é tema de minha predileção e que venho estudando com profundidade . A atual redação do art. 43 restringe a Lei Maior (CF, art. 37, § 6º), pois não menciona as prestadoras de serviços públicos, e só se refere às pessoas jurídicas de direito público interno, excluindo, aparentemente as pessoas jurídicas de direito público externo. Por não poder limitar a norma fundamental, o dispositivo do NCC já nasce sem aplicação, razão pela qual estamos sugerindo a sua alteração, a fim de adequá-lo à Constituição Federal. Além do mais, como bem observa Fernando Facury Scaff “in” Responsabilidade Civil do Estado Intervencionista (Saraiva, 1990, cap. IV, p. 76), com a crescente intervenção do Estado sobre o domínio econômico, várias e distintas são as hipóteses de responsabilidade do Estado passíveis de causar danos aos agentes econômicos “(a) Da quebra do princípio da igualdade, por injustificada escolha da opção econômica a ser objeto da ação intervencionista estatal (incentivada, desincentivada ou vetada); (b) Da violação do princípio do direito adquirido em face da posterior modificação de normas indutivas; (c) Da violação do princípio da lucratividade, basilar ao sistema capitalista, em face de uma errônea política econômica diretiva ou adotada; (d) Por violação do princípio da boa-fé, em razão do descumprimento de promessas governamentais “ . A presente proposta de alteração tem a finalidade de tentar fazer com que esqueçamos que o Estado, no Brasil, existiu antes da nação, com a vinda de D. João VI, e que a esdrúxula aliança entre militares e tecnocratas durante o regime de exceção, a partir de 1964, geradora de brutal hipertrofia estatal, nos remeteu a Hobbes, no seu Leviatã. Onde fica a sociedade civil no Brasil? Entre Locke e Rousseau que

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vão às raízes da cidadania, da liberdade como construção civilizatória ou entre Hobbes e seu Estado leviatânico? A cidadania é também uma instituição. É, sobretudo, um conjunto de direitos comuns a todos os membros da sociedade. Se além dos direitos, a cidadania implica deveres e obrigações, estes não podem, de maneira alguma, ser condições para os direitos da cidadania. Os direitos da cidadania são direitos incondicionais que transcendem e contêm as forças do mercado.

5. Art. 66: Há necessidade, também , de se alterar a redação dos parágrafos 1º e 2º do art. 66, para que as fundações que funcionem no Distrito Federal sejam fiscalizadas pelo Ministério Público do Distrito Federal e não pelo Ministério Público Federal.

6. Art. 151 : Foram realizados pequenos ajustes redacionais, substituindo-se a palavra “paciente” por “vítima”, que é a mais correta e de aplicação mais corrente.

7. Art. 224: O artigo 13 da Constituição da República estabelece que a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. E o art. 129, 6º, da Lei nº 6.015, de 31/12/73 - Lei de Registros Públicos, dispõe que "todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, deverão ser registrados em Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros." A presente proposta visa a adequação do novo Código à exigência da Lei de Registros Públicos, posto que o registro, no caso, tem por função a conservação e a publicidade erga omnes desses documentos, sobretudo no mundo globalizado em que vivemos, dando mais segurança às relações jurídicas travadas. 8. Arts. 243 e 244: Ainda à luz do Código Civil de 1916, o Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO já criticava a redação desses artigos, por utilizarem a palavra “gênero”, observando que: “Melhor seria, entretanto, que tivesse dito o legislador: espécie e quantidade. Não: gênero e quantidade, pois a palavra gênero tem um sentido muito amplo. Considerando a terminologia do Código, por exemplo, cereal é gênero e feijão é espécie. Se, entretanto, alguém se obrigasse a entregar uma saca de cereal (quantidade: uma saca; gênero: cereal), essa obrigação seria impossível de cumprir-se, pois não se poderia saber qual dos cereais deveria ser o objeto da prestação jurídica. Nestes termos, é melhor dizer-se: espécie e quantidade. No exemplo supra, teríamos: quantidade (uma saca); espécie (de feijão). Dessa maneira que, aí, o objeto se torna determinável, desde que a qualidade seja posteriormente mostrada.” A alteração sugerida pelo Professor Villaça, mostra-se em tudo procedente.

9. Art. 246 : A redação do artigo 246, tal como concebida no anteprojeto original, continha a cláusula final “salvo se se tratar de dívida genérica restrita”, infelizmente suprimida pelo Senado Federal. A distinção entre obrigação genérica e obrigação genérica restrita, embora seja desenvolvida pelos modernos obrigacionistas, já havia sido estudada entre nós por Teixeira de Freitas, que chegou a inserir no Código Civil Argentino o seguinte dispositivo: “Art. 893. Quando a obrigação tiver por objeto a entrega de uma coisa incerta, determinada entre um número de coisas certas da mesma espécie, ficará extinta se se perderem todas as coisas compreendidas na mesma por um caso fortuito ou de força maior”. Nesse mesmo sentido é também a lição do mestre lusitano Antunes Varela: “A determinação do gênero pode ser limitada, sem que a obrigação deixe de ser genérica. Pode a obrigação, por exemplo, incidir sobre o livro de determinada edição, sobre o trigo existente em certo celeiro, sobre o vinho de certa adega, etc. Quanto maior for o número de elementos ou qualidades escolhidas para identificar o gênero da prestação, maior será a sua compreensão e menor, por conseguinte, a sua extensão” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, 1987, Vol. I, pág. 549). Assim, a reinclusão dessa cláusula, inclusive com a citação exemplificativa, e que constitui objeto da presente proposta, pretende deixar expresso que o velho princípio do direito romano – genus nunquan perit, ou seja, o gênero nunca perece, não é absoluto, comportando exceções. É o caso, por exemplo , voltando ao exemplo citado por Antunes Varela, de um vinicultor que se obriga a entregar 10 (dez) pipas de vinho de sua adega. Se, por caso fortuito ou força maior, todas as pipas dessa adega vierem a perecer, a obrigação estará resolvida, pois deixa de ser possível o seu cumprimento. Apesar da obrigação ser genérica (entregar 10 pipas de vinho), o gênero era limitado (vinho de determinada adega). Também não se compreende qual a razão de se haver mantido a expressão “antes da escolha”, principiando o artigo, quando, desde o anteprojeto, já se havia corrigido o equívoco semelhante contido no art. 876 – CC/16 – art. 245 CC/2001.

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10. Art. 262: O art. 262, tal como está redigido, além de não inovar o direito anterior, repete no novo código redação que já era criticada à luz do CC/16, como observa João Luiz Alves: “A prestação indivisível pode ser de coisa divisível ou indivisível. No primeiro caso, pode ser descontada a quota do credor remitente; no segundo, evidentemente, não. O devedor, nesse caso, tem direito de ser indenizado do valor da parte remitida”. ou seja, se o objeto da prestação não for divisível, não se poderia falar em desconto. Diz ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO que se o objeto da prestação for divisível, os devedores efetuarão o “desconto do valor dessa cota para entregarem só o saldo aos credores não remitentes. (...) Na obrigação indivisível, como este desconto é impossível, os devedores têm de entregar o objeto todo, para se reembolsarem do valor correspondente à cota do credor, que perdoou a dívida”.

11. Arts. 273, 281,294, 302: Observa, ainda, o Prof. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, a impropriedade de utilizar-se a palavra “exceção”, que tem significado técnico específico, previsto na lei processual. O melhor seria, na opinião do mestre, utilizar-se o vocábulo genérico “defesas”.

12. Art. 283: O novo código repete no artigo expressão que já era criticada no CC/16, quando se refere ao pagamento ou satisfação da dívida “por inteiro”, fazendo parecer que o devedor solidário que fez um pagamento parcial, não teria direito de regresso contra os demais co-obrigados. João Luiz Alves, ainda em 1917, já se contrapunha à expressão, afirmando: “O código refere-se a pagamento por inteiro. Se o pagamento, não for por inteiro, mas de metade ou de dois terços da dívida, perderá o devedor o direito de haver dos co-obrigados a sua quota, proporcional a esse pagamento? Ninguém o afirmará. Por isso, seria preferível a redação sem a ‘clausula por inteiro’..

13. Arts. 299 e 300: A sugestão de alteração dos artigos 299 e 300 é produto de trabalho elaborado pelo advogado MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS . Diz ele que “o art. 299, em sua redação original, não dispôs sobre as modalidades de assunção, querendo parecer referir-se apenas à segunda modalidade de assunção de dívida (forma delegatória), onde o consentimento expresso do credor constitui requisito de eficácia do ato. Na forma expromissória não haveria que se falar em consentimento do credor, uma vez que é o próprio credor quem celebra o negócio com o terceiro que vai assumir a posição do primitivo devedor. O artigo também se omitiu de mencionar os efeitos da assunção delegatória antes do assentimento do credor , além de se abster completamente de tratar da assunção cumulativa . Sem falar que o artigo está a exigir, ainda, que a aceitação do credor seja expressa, não admitindo, em regra a aceitação tácita. Ocorrendo a insolvência do novo devedor, fica sem efeito a exoneração do antigo . Nesse aspecto , o dispositivo é também criticado por Luiz Roldão de Freitas Gomes (Da Assunção de Dívida e sua Estrutura Negocial, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1998), por não haver ressalvado a hipótese de que as partes, aceitando correr o risco, exonerem o primitivo devedor mesmo se o novo for insolvente à época da celebração do contrato. A redação original do então parágrafo único do artigo 299 , apesar de praticamente copiada do Código Civil Alemão (art. 415) , apresenta-se sem utilidade, “pois se a assunção de dívida não for concertada, de comum acordo, com o credor, de nada vale sua interpelação para que manifeste a sua anuência. Se ele não a deu, na fase dos entendimentos, ou se o devedor não a obteve, não será a interpelação que mudará seus propósitos “(Luiz Roldão de Freitas Gomes Ob. Cit., p. 288) “ No que se refere ao art. 300, diz o referido advogado que “as chamadas garantias especiais dadas pelo devedor primitivo ao credor, vale dizer aquelas garantias que não são da essência da dívida e que foram prestadas em atenção à pessoa do devedor, como por exemplo, as garantias dadas por terceiros (fiança, aval, hipoteca de terceiro), só subsistirão se houver concordância expressa do devedor primitivo e, em alguns casos, também do terceiro que houver prestado a garantia. Isso porque , várias das garantias prestadas por terceiros só poderão subsistir com a ressalva destes. Nesse ponto merece correção o dispositivo.Já as garantias reais prestadas pelo próprio devedor originário não são atingidas pela assunção. Vale dizer, continuam válidas, a não ser que o credor abra mão delas expressamente. O artigo também silencia no tocante aos acessórios da dívida” . Daí a necessidade de se alterar a redação dos dois dispositivos.

14. Arts. 306 : A redação atual do art. 306 deixa a desejar. Tem-se a impressão de estar se referindo à ação do terceiro, mas isso não seria possível, mormente se o devedor desconhecesse o pagamento por ele realizado. No caso a referência é aos meios de defesa do devedor junto ao credor, ilidindo a ação deste, na cobrança de seu crédito. Daí a razão da modificação proposta.

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15. Art. 309 : Quanto ao art. 309, estou propondo mera correção terminológica . O texto refere-se à “validade” do pagamento putativo, quando a hipótese na verdade é de “eficácia”. Primando o texto pelo princípio do máximo rigor conceitual e já havendo distinguido em outros dispositivos “validade” de “ineficácia” , afigura-se necessária e oportuna a alteração proposta.

16. Art. 328: O art. 328 , em sua redação atual, segundo o advogado MÁRIO LUIZ DELGADO RÉGIS, “ limita-se a repetir regra constante do art. 951 do CC/16, já objeto de críticas da nossa doutrina. (Cf. P. Franzen de Lima, Clovis Bevilaqua, etc.) A primeira parte do dispositivo é flagrantemente redundante: se o pagamento consistir na entrega de um imóvel, é óbvio que só poderá se realizar no local da situação do bem. A transferência da propriedade imobiliária só ocorre com o registro do título no cartório de imóveis do lugar do bem. Já a segunda parte do dispositivo é confusa, pois dá a entender que toda e qualquer prestação relativa ao imóvel, a exemplo dos aluguéis, terá que ser realizada no lugar da situação, o que nem sempre é verdade. Esclarece a doutrina que as “prestações” referidas no artigo não abrangem os aluguéis, mas apenas as decorrentes de serviços só realizáveis no local do imóvel, como a aplicação de um muro, a restauração de uma fachada, etc. E mesmo nesses casos, a regra não é absoluta. Podem as partes convencionar que o pagamento seja feito mediante depósito em determinado banco, que não tem agência na mesma localidade do imóvel “. Em razão dessas ponderações, optamos por atribuir nova redação ao art. 328.

17. Art.338: O credor só poderá impugnar o depósito, contestando a respectiva ação de consignação em pagamento. Esta, por sua vez, constitui o instrumento processual através do qual o pagamento em consignação se materializa. Sendo assim, melhor seria que o artigo fizesse referência a “contestação” e não a “impugnação”, termo genérico e tecnicamente impreciso, até mesmo para fins de compatibilização com o art.340 deste Código.

18. Arts. 369 e 286: Tendo em vista a modificação que se operou no art. 374, que trouxe para o âmbito do Código Civil a disciplina da compensação de dívidas fiscais, há necessidade de se alterar o art. 369 , a fim de compatibilizá-lo com o CTN, que já permite a compensação de dívidas vincendas. Também no art. 286 houve necessidade de se incluir a cláusula “inclusive o compensável com dívidas fiscais e parafiscais (art. 374)” para deixar expresso que a cessão do crédito tributário, operação das mais correntes nos dias atuais, deve receber o mesmo tratamento dado à cessão de qualquer outro crédito. Presentes os requisitos legais, não cabe à Fazenda Pública apor obstáculos à cessão do crédito tributário pelo contribuinte que a ele eventualmente fizer jus.

19. Art. 421: A alteração proposta, atendendo a sugestão dos professores ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO e ANTÔNIO JUNQUEIRA AZEVEDO, objetiva inicialmente substituir a expressão “liberdade de contratar” por “liberdade contratual”. Liberdade de contratar a pessoa tem, desde que capaz de realizar o contrato. Já a liberdade contratual é a de poder livremente discutir as cláusulas do contrato. Também procedeu-se à supressão da expressão “em razão”. A liberdade contratual está limitada pela função social do contrato, mas não é a sua razão de ser.

20. Art. 422: O dispositivo apresenta, conforme aponta o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES, insuficiências e deficiências, na questão objetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento. 21. Art. 423: A sugestão é do Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES, como aliás são todas as outras a seguir expostas, no que se refere à matéria contratual. Diz ele que “O princípio de interpretação contratual mais favorável ao aderente decorre de necessidade isonômica estabelecendo em seus fins uma igualdade substancial real entre os contratantes. É que, como lembra Georges Ripert, "o único ato de vontade do aderente consiste em colocar-se em situação tal que a lei da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiosa necessidade de contratar.” O dispositivo, ao preceituar a sua aplicação, todavia, em casos de cláusulas obscuras ou ambíguas, vem limitá-lo a essas hipóteses, o que contraria o avanço trazido pelo art. 47 do CDC prevendo o princípio aplicado a todas as cláusulas contratuais. O aderente como sujeito da relação contratual deve receber idêntico tratamento dado ao consumidor, diante do significado da igualdade de fato que estimula o princípio, razão pela qual se impõe a alteração do dispositivo”. A proposta também pretende dar redação mais completa ao dispositivo, acrescentando a definição de contrato de adesão e compatibilizando o artigo 423 com o que já dispõe o art. 54 do CDC.

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22. Art. 425: Sustentou o Prof. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, em relevante contribuição crítica ao texto do projeto do CC/2001, apresentada à Relatoria Geral, que “os contratos atípicos não podem ser regidos pelas normas dos contratos típicos, principalmente, dos mistos, pois a contratação só se extingue, após cumpridas todas as obrigações contratadas. O contrato forma um todo uno e indivisível.” Ele é autor de consagrada tese, onde analisa a classificação dos contratos atípicos, cujo conteúdo, segundo Francesco Messineo, pode ser inteiramente estranho aos tipos legais ( v.g., contrato de garantia) ou apenas parcialmente incomum ( v.g. contrato de bolsa simples). Comprovada, como se observa, a dicção das regras pelas partes, fenômeno representativo da liberdade de contratar. e não podendo essas regras ser contrárias à ordem pública, aos bons costumes e aos princípios gerais de direito, propôs o festejado jurista paulista, uma nova redação ao dispositivo, para a inclusão do reportado preceito. Arrimou-se, inclusive, na própria jurisprudência do S.T.J. Óbice regimental, contudo, impediu fosse a sugestão prontamente recepcionada, isto por não haver a redação primitiva sofrido qualquer emenda. Admitimos significativa a proposta, formulada pelo eminente jurista, de alteração do dispositivo em comento, por constituir oportuna melhoria do texto diante da teoria dos contratos atípicos, o que sugerimos, com a redação por ele oferecida.

23. Art. 429: Afirma com propriedade o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES que “o dispositivo não mais se ajusta à realidade social, diante do fenômeno das técnicas persuasivas da oferta pública, impondo-se, daí, a compatibilidade do dispositivo com o moderno posicionamento doutrinário e jurisprudencial, no trato da questão, afastando-se a formulação tradicional da oferta “. 24. Arts. 450 e 456 : O parágrafo único ao art. 450, embora almeje efetivar a regra do art. 402 do NCC, descuida, assim, de eventual situação adversa, ou seja, daquela em que o adquirente, excepcional ou acidentalmente, receba menos do que desembolsou, podendo incidir em contradição substancial, a saber que todos os princípios de direito repelem o enriquecimento injusto. E mais, segundo a jurisprudência : “Perdida a propriedade do bem, o evicto há de ser indenizado com importância que lhe propicie adquirir outro equivalente. Não constitui reparação completa a simples devolução do que foi pago, ainda que com correção monetária.”( STJ – 3ª Turma, REsp. nº 248423-MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro). A lei oferece, inclusive, a solução da restituição integral nos casos dos vícios redibitórios ( art. 443 ), com as expressões “restituirá o que recebeu” e “valor recebido”, nada justificando que à coisa evicta haja tratamento diverso, com prejuízo ao evicto, quando aquela avaliada ao tempo da evicção para o “quantum” da devolução, como alude o parágrafo único para a hipótese da evicção total, importar em diminuição patrimonial. Impende a melhoria do texto, aperfeiçoando-se o instituto, mediante a revisão do parágrafo único. No que tange ao artigo 456, melhor se recomenda a posição do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual “o direito que o evicto tem de recobrar o preço que pagou pela coisa evicta, independe, para ser exercitado, de ter ele denunciado a lide ao alienante, na ação em que terceiro reivindicara a coisa.” (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 255639-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in DJ de 11.06.01). Nessa linha, o eminente Min. Nilson Naves destacou : “a jurisprudência do STJ é no sentido de que a não denunciação da lide não acarreta a perda da pretensão regressiva, mas apenas ficará o réu, que poderia denunciar e não denunciou, privado da imediata obtenção do título executivo contra o obrigado regressivamente. Daí resulta que as cautelas insertas pelo legislador dizem respeito tão-só com o direito de regresso, mas não privam a parte de propor ação autônoma contra quem eventualmente lhe tenha lesado”. (REsp. nº 132.258-RJ, in DJ, de 17.04.00). Por outro lado, assentou o STF não poder a ação de evicção ser substituída pelo pedido de indenização do último adquirente contra o primitivo transmitente, com abstração da cadeira sucessiva de transmissões (RTJ 119/1.100). Por tais razões, o dispositivo deve receber nova redação, compatível com o entendimento jurisprudencial. 25. Art. 471: A presente alteração foi sugerida pelo ilustre Professor SERGIO NIEMEYER. O art. 471 repisa, desnecessariamente, a regra constante do inciso II do art. 470. Neste a lei preceitua a eficácia do contrato entre os contraentes originários na hipótese de ser insolvente a pessoa nomeada, desconhecendo tal fato o outro contratante. O art. 471, por sua vez, repete a hipótese do inc. II do art. 470, porém, sem a exigência do desconhecimento da insolvência da pessoa indicada, no que torna-se mais abrangente pois não contém essa restrição no tipo legal. Ambos os dispositivos abordam a eficácia do contrato que irradia seus efeitos somente sobre as partes contratantes originárias, com a exclusão da pessoa nomeada em virtude de sua insolvência. No art. 470, II, exige a lei que a insolvência seja desconhecida do outro contratante, não sendo de se cogitar que tal desconhecimento refira à representação mental daquele que indica, pois nisso seria estéril já que o que pretende é mantê-lo (o indicador ou

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contratante primevo) vinculado à parte contrária no caso de se verificar a insolvência da pessoa em nome da qual estipulou o contrato. Ou seja, a hipótese do art. 471 é continente daquela prevista no art. 470, n. II, sendo a primeira, portanto, desnecessária. Para evitar esse conflito, que provocará decerto grandes discussões nos tribunais, é de bom alvitre suprimir do art. 471 a hipótese referente à insolvência da pessoa indicada, deixando apenas figurar no Código aquela constante do inc. II do art. 470. 26. Arts. 472, 473, 474, 475, 478, 479, e 480 : a atual redação dada ao art. 478 do NCC, torna-se impertinente, inclusive por eleger a resolução do contrato como regra; convindo reconhecer, ainda, albergar o reportado dispositivo um sério equívoco doutrinário. A onerosidade excessiva da prestação de uma das partes, acha-se vinculada, “ratio legis”, ao resultado de extrema vantagem para a outra, para tipificar o desequilíbrio contratual. REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, com elevada atenção ao tema, discorda : “casos há em que a onerosidade excessiva para uma das partes não implica em lucro excessivo para a outra, mas, sim, até em algum prejuízo, por sofrer também as conseqüências da alteração das circunstâncias”, enfatizando preponderar a finalidade principal da teoria da imprevisão, a de socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual. Sua discordância é escorreita. De fato, não se deve configurar a onerosidade excessiva, na dependência do contraponto de um grau de extrema vantagem. Isto significaria atenuar o instituto, sopesado por uma compreensão menor. Desinfluente ao tema, quando já fora de propósito, o atual artigo 478 deve ser redirecionado ao tratamento da revisão dos contratos, em presença da teoria da imprevisão. Assim como o atual 480 do NCC, por se referir à revisão contratual deve ser deslocado para a seção adequada, figurando como parágrafo 2º do dispositivo matriz de revisão do contrato. Em razão dessas considerações e sopesando também a necessidade de se reposicionar alguns dispositivos, proponho a alteração dos arts. 472, 473, 474, 475, 478, 479, e 480, bem como a renomeação do título e das Seções do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial do Novo Código Civil, dada a impropriedade da nominação dada ao Capitulo II do Título V do Livro I da Parte Especial : “Da Extinção do Contrato”, já que contém dispositivos acerca da revisão contratual ( arts. 479 e 480 ), cumprindo-se-lhe renominá-lo : “Da Revisão e da Extinção do Contrato”. Torna-se , ainda, indispensável incluir seção própria acerca da Revisão, para melhor disciplinar o emprego da teoria da imprevisão . 27. Art. 482: O art. 482, incorre em erro de gramática, como corretamente nos apontou o professor SERGIO NIEMEYER. De acordo com a estrutura hipotético-condicional da norma jurídica (dado “f” deve ser “c”), e sendo a oração principal examinada : “considerar-se-á obrigatória e perfeita a compra e venda quando pura”, a oração “desde que as partes acordarem no objeto e no preço”, embora subordinada, exprime-se com o verbo no tempo errado, o futuro do subjuntivo simples. A disposição estará mais bem redigida, com a melhor manipulação do vernáculo, subtituindo-se a expressão “desde que as partes acordarem” por “a partir do momento em que as partes acordem”. Aqui o verbo é empregado no presente do subjuntivo. Anote-se que o subjuntivo denota que uma ação, ainda não realizada, concebida como dependente de outra, expressa ou subtendida. O uso da mencionada locução prepositiva “desde que” com o verbo “acordar” na terceira pessoa do plural do futuro do subjuntivo simples, a par de errôneo causa estranheza ao ouvido. 28. Art. 496: A regra constante do art. 486 objetiva proteger a legítima dos demais herdeiros contra as vendas que possam desfalcar o patrimônio do autor da herança, obstando, inclusive a possibilidade de simulação em que um descendente seja beneficiado em detrimento dos demais. Entretanto, como o código ampliou o rol dos herdeiros necessários para aí incluir o cônjuge, é de bom alvitre que o art. 496 vede, também, a venda realizada ao cônjuge sem o consentimento dos descendentes do vendedor. É o que estamos propondo, ou seja que se inclua na vedação preconizada no cabeço do art. 496, a venda feita ao conjugue sem o consentimento dos descendentes do vendedor. Também há necessidade de se corrigir a redação do parágrafo único, que alude a duas hipóteses (Em ambos os casos), quando o caput contempla apenas uma: a venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais herdeiros necessários. Deve, pois, ser suprimida a expressão “Em ambos os casos...” que abre o parágrafo único, o qual pode muito bem iniciar-se com “Dispensa-se o consentimento...”. 29. Art. 502: O adquirente do imóvel é o responsável pelo pagamento dos impostos (IPTU, ITR, IR), das taxas inerentes ao bem (de lixo, de água, de esgotos) e das contribuições de melhoria (face a obra pública realizada em suas redondezas) devidas pelo alienante.A única forma de o adquirente do imóvel eximir-se de tal responsabilidade é, antes de realizada a transação, obter certidões negativas de débitos fiscais e fazê-las

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constar no respectivo título (escritura). Dessa forma, a exigência da certidão negativa, além de beneficiar a Fazenda Pública, exonera o adquirente de toda responsabilidade. Além disso, o Código Civil, ao exigir a certidão negativa em toda transferência de bens imóveis, estará normatizando um fato já consagrado na jurisprudência brasileira: “É legítima a exigência da certidão negativa de débitos como condição para outorga de escritura da transmissão de imóveis. (RE 89.175/80- STF, 2a. Turma, Rel. Min. Leitão de Abreu, RTJ 94/754)” , “Nos termos do art. 130 do Código Tributário Nacional, o adquirente de bem imóvel se torna responsável pelos tributos sobre ele incidentes. Assim, o alienante não possui legitimidade passiva para figurar no polo passivo de relação processual em que se objetiva o pagamento daqueles créditos. (AC 94.01.27186-0/MG, TRF, 1a.R, 3a. T., Rel. Juiz Osmar Tognolo, DJU 10.08.95)”, “O débito relativo ao ITR posterior à alienação do imóvel não é de responsabilidade do antigo proprietário, ainda que não tenha ele comunicado a venda ao INCRA, mediante a entrega da Declaração Anual para Cadastro de Imóvel Rural. (AC 95.01.02330-3/BA. TRF, 1a. R, 3a. T., Rel. Juiz Tourinho Neto, DJU 30.03.95)”. A certidão de feitos ajuizados apenas vem ratificar o que prevê o § 2º do art. 1º da Lei nº7.433/85 em assunto já sedimentado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal que, há décadas, já se pronunciou acerca do tema em precisa advertência do culto e eminente Min. ALIOMAR BALEEIRO quando do julgamento do RE 71.836, in verbis: “... qualquer pessoa medianamente sensata não compra imóvel sem certidão negativa dos distribuidores da Justiça.” A referida lei especial já exige a certidão de feitos ajuizados em face dos alienantes como condição de validade da escritura pública. Razão pela qual sua transcrição faz-se mister e com isto o Código Civil, ao normatizar, estará beneficiando o comprador de boa-fé ao reduzir as chances de negócios obscuros.

30. Art. 506: Sustenta o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES que “a disposição do parágrafo único merece revisão, para ajustá-la aos termos da hipótese do depósito carecedor de integralidade suficiente. Ao empregar a expressão “até e enquanto não for integralmente pago o comprador”, no sentido de obstar a restituição do imóvel ao vendedor resgatante, o texto culmina por não considerar prazo assinado e peremptório para a faculdade da complementação do depósito, quando argüida a insuficiência, e mais ainda, o fato juridicamente relevante de, não completado o depósito, a não integralidade conduzir à improcedência do pedido originado no direito de retrato. Ora, em casos que tais, haverá um limite temporal para a oblação real, com a conclusão inarredável de implicar o depósito incompleto e não integralizado, no prazo, a falta de êxito da pretensão, devendo aplicar-se supletivamente a regra do caput do art. 899 do C.P.C. Assim, se o resgatante não aproveita o benefício processual da complementação do depósito, deixando de fazê-lo e certo que depositou quantia inferior ao “quantum”, a insuficiência ou a não complementação retira-lhe o pressuposto necessário ao exercício do resgate, qual seja o depósito correspondente à devolução do preço recebido com reembolso das despesas do comprador ( art. 505, NCC ). De sorte que caducará o direito de reaver o bem. Neste sentido, pontifica a jurisprudência : “Direito civil. Preferencia. Condomínio. Direitos hereditários. Cessão. Depósito não corrigido. Oferta insuficiente. Exigência do art. 1139, CC, desatendida. Recurso desprovido. Desacolhe-se a adjudicação, fundada em direito de preferência, quando a oferta não se faz atualizada pela correção monetária, restando desatendida a norma do art. 1139, CC, sequer se valendo o condômino da complementação a que alude o art. 899, CPC. ( STJ – 4ª Turma, RESP nº 5430-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueirêdo Teixeira, in DJ, de 04.11.91 )”.

31. Arts. 533 e 549: No artigo 533, procedi à inclusão do parágrafo único, para deixar expresso ser indispensável a outorga conjugal para a troca envolvendo bens imóveis, em harmonia com o art. 1.647, inciso I do NCC. No que tange ao art. 549, a minha proposta pretende espancar , em definitivo , o dissídio jurisprudencial e doutrinário hoje existente, deixando expresso que a ação de nulidade da doação pode ser intentada mesmo estando vivo o doador. Diante do acertamento dado pelo col. STJ no RESP. nº 7879-SP(DJ, de 20.06.94 ), afigura-se de todo conveniente a alteração proposta. 32. Art. 557: O inciso III não arrola a difamação, delito típico, apenas tratado em sua autonomia com o Código Penal de 1940, razão pela qual o CC/16 não o contemplou. Entretanto, o NCC não poderia, por boa técnica e em harmonia com a doutrina penal, omiti-lo, o que exige a devida correção.

33.Arts. 558 e 559: O art. 558 ao referir ao descendente, “ainda que adotivo”, comete impropriedade técnica e incide em afronta constitucional, diante da absoluta igualdade da

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filiação, onde os filhos havidos ou não da relação do casamento, terão os mesmos direitos e qualificações. Impõe-se a supressão da ressalva, em harmonia com o que dispõem o § 6º do art. 227 da CF e o art. 1.596 do NCC. Por outro lado, a remissão feita ao artigo anterior apresenta-se incabível, suscitando controvérsia quanto à incidência da aplicação extensiva, isto por ser aquele dispositivo meramente exemplificativo, o que recomenda também a sua supressão. Omitiu-se o legislador, de cuidar de extensão análoga, com semelhante identidade de razões, no que diz respeito aos atos praticados pelo filho , cônjuge ou companheiro do donatário, mesmo que beneficiários diretos ou indiretos da liberalidade e, como tais, sujeitos aos mesmos deveres éticos, por uma conduta humana suscetível de representar a elevação do espírito em comunhão de vida familiar. O dever de gratidão, nesses casos, deveria, a nosso sentir, alcançar o cônjuge ou descendentes do donatário, desde que os efeitos da liberalidade irradiam vantagens aos terceiro(s) e autor(es) da ofensa. Exemplifica-se com o imóvel doado “intuitu familiae”, que serve de residência ao donatário e sua família. Há quem sustente, porém, incabível a hipótese, mesmo assim, porque a pena não pode passar além da pessoa do culpado e o donatário favorecido não teria, em princípio, culpa pela ofensa. Nessa linha, não admitiu-se a revogação contra a viúva do donatário, por ingratidão da mesma (RT 497/51). De qualquer modo, a extensão cogitada, peculiar e atípica, deve ser compreendida em consonância com os mais elevados interesses sociais, ordenando valores éticos inderrogáveis. O dispositivo merece ser revisto, com a introdução, inclusive, de parágrafo único, no intuito de melhor preservar os interesses sociais.

No que se refere ao art. 559, face às considerações anteriores, é de se incluir como autores o cônjuge, companheiro ou descendente do donatário. 34. Art. 563: Aqui trata-se de mera correção gramatical. O vocábulo “ indenizá-la” refere-se “as coisas doadas”, portanto, por imperativo da concordância nominal, deveria estar grafado no plural: “indenizá-las”, com o fonema “s” como desinência do pronome “la”. O mesmo ocorre com a expressão “do seu valor”, que deveria ser “de seus valores”, anotando-se que o pronome possessivo “seu/seus” prescinde do artigo definido “o”.

35. Arts. 574 e 576: No art. 574, defende o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES que “uma vez prorrogada a locação por tempo indeterminado, permanecendo as condições antes pactuadas, esta vencerá mês a mês, cabendo, a qualquer tempo a notificação, para cessar a indeterminação temporal e, de conseqüência, romper a locação ampliada. Cumpre assinalar, nesse aspecto, não cogitar a norma codificada prazo para a desocupação do bem objeto da locação posta sob tempo indeterminado. Ao afastar a concordância na manutenção, a parte locadora há de conceder, logicamente, prazo de aviso prévio, mediando o período entre a denúncia e a efetiva restituição da coisa. O § 2º do art. 46 da Lei nº 8.245/91, com propriedade, refere à concessão do prazo de trinta (30) dias, o que se compatibiliza com o sistema. No mesmo sentido, tratou o art. 1.209 do CC/16, sem mais correspondente. De qualquer sorte, apesar da antedita disposição análoga, é indispensável menção ao prazo, contado da notificação, para a locação de coisa regida pelo novo Código”. Quanto ao art. 576, mais uma vez, o Código não aborda situações típicas da relação locacional, merecedoras de fomento ou proteção legal, como é o caso do direito de preferência do locatário à aquisição do bem, embora trate do direito de retenção de benfeitorias ( art. 578 ), quando a ele o CC/16 não se refere. A Lei nº 8.245 no seu art. 27 dispõe assim : “No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário terá preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições de terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.”. Logo adiante, estabelece a caducidade de tal direito, se não manifestada pelo locatário, de modo incontroverso, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta (30) dias. Diante disso, é ponderável pensar que a preferência se opera, como direito do locatário inerente à natureza da relação locacional, no mesmo feitio do art. 515, e somente quando não a preferência não é exercida, estará ao locador permitida a alienação livre. Dúvida não resta da necessária ciência das condições do negócio ao locatário como dever do locador para aquele preferir o bem em igualdade de condições com terceiros. Por estas razões, propõe-se nova redação ao artigo, do seguinte teor.

36. Art. 596: JORGE LAGES SALOMO, em exame do dispositivo em comento, estigmatiza o fato de ser possível a omissão do preço do serviço, asseverando, com eficiente observação : “(...) a remuneração constitui elemento essencial da prestação de serviços, não é admissível a ausência de sua estipulação, motivo pelo qual a parte inicial do citado art. 596 não tem razão de ser.”, e pondera que “o assunto deve merecer uma melhor consideração do legislador

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brasileiro.” . Assiste-lhe inteira razão. Indispensável que a remuneração esteja estipulada, é certo que tal elemento deve integrar o contrato. Nessa diretiva, formulou sugestão para a melhor redação do dispositivo.

37. Art.599: A precisão terminológica, adequada à natureza do contrato, é tarefa que o legislador não deve descuidar ou preterir. Expressões como “aviso prévio” , “salário”, “despedida sem justa causa” são congênitas das relações trabalhistas, não se comportando técnicas diante dos contratos civis. Releva notar que, não obstante o artigo em comento refira a “salário”, quer se reportar à “retribuição”, expressão mais apropriada, tal como empregada, anteriormente, nos artigos 594, 596 e 597. Pertinente a observação de Arnoldo Wald quando afirma : “A doutrina chama o aviso prévio em direito civil de denúncia que é uma espécie de resilição que pode ser vazia quando não precisa indicar os motivos e cheia indicando as razões previstas na lei. É uma constatação a qual busca afastar do contrato de prestação qualquer aproximação com o Direito Trabalhista. Válida a verificação e talvez conveniente a mudança no texto legal para melhor adequação do vocabulário com a matéria tratada.” É extremamente oportuna a reflexão. Idêntica crítica é formulada por Jorge Lages Salomo, em estudo do tema. O dispositivo reclama a conformidade dos termos que utiliza para o contrato civil, desagregando-os dos adotados pela legislação trabalhista.

38. Art. 602: Aqui, mais uma vez, a imprecisão terminológica é visível, quando o dispositivo em exame, ao cuidar da denúncia imotivada a denomina como despedida sem justa causa, em acepção peculiar de relação trabalhista. Na esteira do que foi afirmado no art. 599

39. Art. 603: Repete-se a imprecisão terminológica, com o emprego da expressão “despedido sem justa causa” para a denúncia imotivada do contrato.

40. Art. 607: A substituição da expressão “aviso prévio” por “denúncia imotivada” apresenta-se conforme a melhor técnica, a reclamar nova redação para o presente dispositivo : 41. Art.623: Segundo o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES , deve-se “observar o emprego incorreto do vocábulo ‘suspensão’, inserido na norma, a sugerir paralisação episódica da obra, como se esta pudesse ter seguimento futuro. O seu sentido dúbio merece correção. Suspensão é um adiamento da execução, ou execução protraída no tempo, diferindo o término da obra, por retardo ditado na iniciativa do comitente. Na evidência de que a norma institui uma indenização calculada em função da obra concluída, isto quer significar, obviamente, a rescisão unilateral do contrato, e não, a rigor, a mera suspensão do prazo contratual ou da execução em si mesma. A dubiedade do vocábulo “suspensão”, reclama seja dada ao dispositivo redação que melhor corresponda à colocação da matéria ora tratada pelo dispositivo “. 42. Arts.624 e 625: Repete-se a crítica feita ao artigo anterior, quanto à impropriedade de “suspensão”, na hipótese aqui cogitada, eis que representa, a rigor, rescisão unilateral da empreitada por parte do empreiteiro.

43. Art. 633: Fora os casos aqui expressamente previstos, não pode o depositário recusar-se a devolver a coisa que lhe foi confiada. Essa é a premissa. Entretanto, há ainda a ressalva à restituição do depósito prevista no art. 638, quando noutro depósito se fundar. Para a melhor compreensão sistêmica, cremos conveniente a remissão a este última dispositivo, tal como feita em relação ao art. 644. 44. Art. 637: A presente alteração foi também sugerida pelo Professor SERGIO NIEMEYER. O art. 637 repete ipsis litteris o art. 1.272 do Código de 1916. Introduz normativo heterotopico, de índole processual, tal a assistência obrigatória. Entrementes, tal figura jurídica não encontra regulamentação no ordenamento processual em vigor . A ausência de regulamentação para a assistência obrigatória torna a norma inaplicável, uma excrescência jurídica atávica a empestear o novo Código Civil com os mesmos vícios da lei anterior, o que se afigura injustificável .Por outro lado afigura-se despicienda a alusão à venda feita de boa-fé. Se de má fé prevalece ainda o direito do proprietário depositante, pois a posse da coisa pelo depositário se transmite com todas as suas características, vale dizer, continua a ser precária, operando a regra do art. 1.268, caput. Para mais disso, responderá ainda o alienante por crime de disposição de coisa alheia como própria, responsabilidade esta distinta da civil. Portanto, não há necessidade de marcar a boa fé como elemento integrante da tipificação legal pois em qualquer hipótese, seja a venda de boa ou má fé a responsabilidade civil, o dever de restituir o preço, não ficará prejudicado, mas tem atuosidade plena.

45. Art. 642: A omissão da norma no tocante aos danos originados de casos fortuitos deve ser enfatizada, porquanto também não deverá responder o depositário, em face de tais

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imprevistos. Pondera a respeito, Ari Ferreira de Queiroz : “os efeitos são sempre os mesmos, variando apenas a causa, pois, força maior é evento humano, enquanto caso fortuito é evento da natureza.” ( in Direito Civil : Direito das Obrigações, 1ª edição, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999 ). Por tais idênticos efeitos, apenas alterada a causa, deve ser complementada a redação, repetindo-se na inteireza o art. 1.277 do CC/16.

46. Art. 655: O acréscimo do parágrafo único a esse dispositivo pretende estabelecer que a forma da procuração deve, sempre, corresponder à forma do ato a ser praticado. Se a transferência de imóveis só pode ser feita por escritura pública, também a procuração há de ser pública. 47. Art. 765 : JUDITH MARTINS COSTA, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (“A Boa-Fé no Direito Privado – Sistema e Tópica no Processo Obrigacional”, 1ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa responsabilidade situam-se em fase antecedente à celebração contratual, e pela sua relevância no “iter contractus”, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual pontificada pela boa-fé. Realça, com farto escólio doutrinário, citando F. Benatti que “a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da “confiança legítima” e de sua vulneração, verificamos, com a notável mestra, incluídos “os casos de dano decorrentes de informações falsas ou insuficientes, acerca do objeto do contrato”, o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar”. Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considerá-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execução contratual, nada justificando que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato. Em atenção ao comentado no art. 422, e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases preparatória e pós-executória.

48. Arts. 788 e 790: O parágrafo único do artigo 788 remete a hipótese ao disposto no art. 476 do NCC. Entretanto, exige-se maior acuidade na interpretação do seu texto, em face da pretensa exceção argüível. É que feito o seguro em favor de outrem não identificado, terceiro prejudicado potencial, não teria, em verdade, tal exceção o condão de afastar a seguradora pelo pagamento do valor segurado, enquanto não implementada a obrigação pelo segurado, pelo pagamento do prêmio. É que o sistema de tais seguros objetiva estabelecer o princípio da universalidade, a tanto que a cobertura à vitima do dano é efetuada independente de o veículo ou a própria seguradora serem identificados, acionando o beneficiário do seguro qualquer das empresas seguradoras integrantes do consórcio securitário (art. 7º, Lei nº 6.194) e mais ainda, terá o terceiro prejudicado direito à indenização pelo sinistro, mesmo que não efetuado o pagamento do prêmio pelo segurado. Neste sentido, o S.T.J. tem dirimido, com segurança : “A indenização decorrente do chamado seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT), devida a pessoa vitima por veículo identificado que esteja com a apólice de referido seguro vencida, pode ser cobrada de qualquer seguradora que opere no complexo”(STJ – 4ª Turma, RESP nº 200838-GO, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, in DJ, de 02.05.2000) A jurisprudência tem sinalizado, de há muito, nessa linha : “Não pode a seguradora se recusar a pagar a indenização proveniente de seguro obrigatório alegando a falta de pagamento do prêmio pelo proprietário do veículo causador do acidente, pois a lei não faz essa exigência, e, além do mais, aquela não terá qualquer prejuízo, pois poderá ingressar com uma ação regressiva, tudo nos termos da Lei nº 6.194, com a redação dada pela Lei nº 8.441” (RT 743/300). Observe-se, ademais, a orientação do STJ, ao particularizar a obrigação daquele causador do dano, somente quando inexistente consórcio segurador que assume o risco : “O dever de indenizar o prejudicado, pelo acidente causado por veículo cujo seguro estava vencido, é do proprietário deste, quando à época do evento danoso ainda não estava em vigor a norma que prevê a obrigação indenizatória do Consórcio de Seguradoras, para esses casos.” (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 218418-SP, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, in DJ, DE 17.09.2001). Diante de tal sentir, afigura-se ambígua e despropositada a narração do texto de referido parágrafo, aparentando prevalecer, em tais hipóteses, a exceção do

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contrato não cumprido, quando, em verdade, terá apenas a seguradora demandada o direito de regresso contra o segurado moroso.

No que se refere ao artigo 790, por simples omissão, deixou o parágrafo único de arrolar o companheiro, aquele amparado pelas regras do art. 1.723 do NCC, dentre as pessoas sobre as quais presume-se o interesse do proponente, o que reclama a correção .

49. Art. 872: A proposta de nova redação objetiva corrigir dois erros manifestos de ortografia no caput do art. 872. Logo no início do artigo, o pronome correto é “As “ e não “Nas”. Já a palavra “proporcionais” encontra-se equivocadamente grafada como “proporcionadas” .

50. Art 927: O texto que estamos propondo acrescentar como parágrafo ao artigo 927 é sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Os argumentos da citada professora para justificar a necessidade de inclusão desse novo texto e aos quais me acosto inteiramente, são os seguintes: “ Já que a responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, há necessidade de constante adaptação desse instituto às novas necessidades sociais. Bem por isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso concreto. Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil, que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada, por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. Dentre as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já reconhecem a doutrina brasileira (Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e mulher, in Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said Cahali, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 71; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1.979, v. II, p. 14/16) e a jurisprudência pátria (STJ – 3ª Turma, Recurso Especial nº 37051, Relator Min. Nilson Naves, j. 17.04.2001; TJSP – 4ª Câmara Civil, Apelação nº 220.943-1/1, Relator Des. Olavo Silveira, j. 09.03.1995; TJSP – 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 272.221.1/2, Relator Des. Testa Marchi, j. 10.10.1996; TJSP - 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Quaglia Barbosa, j. 23.04.1996, in BAASP 2008/04-m, de 23.06.1997 e RJ 232/71; TJSP - 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 23.02.1999, in RT 765/191; TJSP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 101.160-4/0, Rel. Des. Osvaldo Caron, j. 19.09.2000; TJSP – 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Octavio Helene, j. 31.08.2000, in JTJ/SP 235/47). Embora as relações familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos, sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso, preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação e no Divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76- 79, 153 e 163-165); o atentado à vida do convivente, configurado em contaminação de doença grave e letal ou em abandono moral e material da companheira (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Responsabilidade Civil dos Conviventes, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese e IBDFAM, v. 1, nº 3, outubro/dezembro de 1999, p. 36-39); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo; a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade, com conseqüente negação à prestação de alimentos, embora haja a certeza desse vínculo de parentesco (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos Tribunais, nº 1, janeiro/março de 2000, p. 83 e 84); estes são alguns exemplos de desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar. Os lesados nessas circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos. Recorde-se que o princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa da personalidade, ‘repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da sociedade‘, de modo que ‘a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria

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explicação’ (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, cit., p. 13-28). Por fim, salientamos que a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao Direito de Família tem amplo respaldo constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à dignidade humana, constante do art. 1º, inciso III da Lei Maior. E outro relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória no Direito de Família é o art. 226, § 8º, ao estabelecer que ‘O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.’Remissão deve ser feita ao artigo 185 do novo Código Civil, que estabelece: ‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’, sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever de família. Inobstante haja a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil às relações de família com base nesta regra geral, deve ser explicitamente estabelecida a regra a seguir proposta, como ocorre no Direito Francês (Código Civil, art. 266) e Português (Código Civil, art. 1.792), dentre outros ramos do Direito Comparado. Em suma a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do Direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de neminem laedere “. 51. Art. 928 : Para evitar eventual conflito entre o caput do art. 928, em sua redação atual, e o artigo 942, que estabelece a responsabilidade solidária dos incapazes e das pessoas designadas no artigo 932, ou seja, dos pais e dos filhos, do tutor e do tutelado, do curador e do curatelado, estamos propondo a alteração da parte final do caput do art. 928. O dispositivo em questão, ressalte-se, ao estabelecer expressamente a responsabilidade civil do incapaz, representa notável avanço e está de acordo com os mais modernos e festejados diplomas legais do mundo (Vide Código Civil Alemão, § 829, Código Civil Francês, art. 489-2, Código Civil Português, art. 489 e Código Civil Italiano, art. 2047 alínea 2), como bem observa o mestre ZENO VELOSO. 52. Art. 931: Para deixar mais clara a redação do art. 931, bem como para deixar expresso o seu âmbito de abrangência, a alcançar também a responsabilidade do empresário e da empresa pelos serviços prestados e não apenas pelos produtos postos em circulação , proponho nova redação ao dispositivo, com o acréscimo da cláusula final. 53. Art. 944: O dispositivo é insuficiente, segundo nos alertou a professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, já que seu caput se adapta somente ao dano material e não está adequado ao dano moral. O critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. O critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material - que tem caráter ressarcitório. No entanto, na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária; Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por danos morais, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57/65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 148 e 149). Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano. Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se neste contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por danos morais, cit., p. 221). Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade”, traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo” (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; v., também, Yussef Said Cahali, Dano

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moral, cit., p. 33/42; e Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 3ª ed., São Paulo, 2001, p. 174 a 184; v. acórdãos in JTJ 199/59; RT 742/320).Ao juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à vítima e somente servem de estímulo ao agressor.

54. Art. 947: Ensina a professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA que são duas as formas de reparação de danos: reparação natural ou específica e reparação pecuniária ou indenizatória. Na reparação natural ocorre a entrega do próprio objeto ou de objeto da mesma espécie em substituição àquele que se deteriorou ou pereceu, de modo a restaurar a situação alterada pelo dano, tendo como exemplo a contrapropaganda, que pode ser imposta ao fornecedor que incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, de modo a desfazer o respectivo malefício, conforme prevê o art. 60 do Código do Consumidor (Lei 8.078/90). Em princípio a reparação deve ocorrer in natura, com a reposição das coisas ao estado anterior, de modo que, tanto de acordo com o Código Civil de 1916 , como nos termos do CC/2002, a indenização pecuniária é subsidiária. No entanto, a reparação indenizatória ou pecuniária é a mais comum, em face das dificuldades inerentes à reparação natural e, especialmente, ao não restabelecimento por esta da situação anterior, como por exemplo na retratação em caso de ofensa à honra ou a direito moral do autor, a qual, via de regra, não restaura o estado anterior, devendo ser fixada uma indenização pecuniária.Para que reflita as necessidades atuais e a realidade, propomos que o presente dispositivo seja alterado.

55. Art. 949: O art. 949 contém equívoco ao mencionar a prova dos outros danos, que têm natureza moral. O dano moral dispensa a prova do prejuízo em concreto, sua existência é presumida, por verificar-se na “realidade fática” e emergir da própria ofensa, já que exsurge da violação a um direito da personalidade e diz respeito à “essencialidade humana” (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 208/218). Esta presunção é adequada à natureza do direito lesado, no caso a integridade física, que compõe a personalidade humana, de modo a surgir ipso facto a necessidade de reparação, sem que haja necessidade de adentrar no psiquismo humano. Lembre-se, neste passo, que a grande dificuldade na reparação do dano moral sempre foi esta prova, a rigor impossível porque não há como adentrar na subjetividade do lesado. Deste modo, a teoria que se desenvolveu a respeito estará fulcralmente atingida diante deste dispositivo que exige a prova do dano moral resultante de violação ao direito da personalidade da integridade física, razão pela qual é sugerida a alteração. 56. Art. 950: Este dispositivo trata de ofensa à integridade física que acarreta defeito que impossibilite ou diminua a capacidade de trabalho da vítima, estabelecendo indenização pelos danos materiais: despesas de tratamento, lucros cessantes até ao fim da convalescença e pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação sofrida. Deste modo, este artigo não faz referência aos danos morais e estéticos, sendo que, com a eliminação da norma constante do parágrafo 1º do art. 1538 do Código Civil de 1916, no artigo 949 deste Código, que se referia ao aleijão ou deformidade permanente, esta omissão é de suma gravidade e precisa ser suprida.É evidente que a pensão equivalente à inabilitação ao trabalho ou diminuição da capacidade laborativa, prevista neste artigo, tem caráter indenizatório do dano material. Não prevê o dispositivo a reparação dos danos morais oriundos de ofensa que acarrete defeito físico permanente e durável.Por estas razões propõe-se acréscimo de dois parágrafos a este artigo.

57. Art. 953: Este dispositivo estabelece a reparação dos danos por violação à honra, que é direito da personalidade composto de dois aspectos: objetivo – consideração social – e subjetivo – auto-estima. Entretanto, o dispositivo constante do parágrafo único pode acarretar interpretação pela qual, diante de ofensa à honra, somente o dano material é, a princípio, indenizável, sendo cabível o dano moral somente em face da inexistência de dano material. A possibilidade de cumulação da indenização do dano moral com o dano material está pacificada em nosso direito, inclusive por meio da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, pela qual “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. Com a consagração constitucional da indenizabilidade do dano moral, inclusive cumulado com o dano material, não pode remanescer qualquer dúvida quanto à cumulatividade das duas indenizações (CF, art. 5º, incisos V e X). Saliente-se que o art. 5º, inciso V da Constituição Federal assegura precisamente a indenizabilidade dos danos morais e materiais por ofensa à honra, de modo que o parágrafo único deste artigo deve ser considerado inconstitucional. Por

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esta razão, deve-se suprimir o parágrafo único, em preservação da indenizabilidade dos danos morais e materiais resultantes de ofensa à honra.

58. Art.954: Finalizando as suas sugestões sobre a temática da responsabilidade civil, alerta-nos a professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA que o presente artigo, no seu caput, refere-se à reparação de danos por ofensa à liberdade pessoal, que tem caráter amplo, assumindo várias formas de manifestação, como a liberdade de locomoção, de pensamento e sua expressão, de crença e prática religiosa, de escolha e exercício de atividade profissional, de relacionamento social etc. (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, p. 101 e 102) quando no seu parágrafo único, o artigo cita apenas violações à liberdade de locomoção. Em razão das demais manifestações deste direito, inclusive reconhecidas expressamente na Constituição Federal, é necessária a modificação do parágrafo único do dispositivo, para restar claro seu caráter exemplificativo e não taxativo.Também não se deve condicionar a reparabilidade do dano moral à inexistência do dano material, com faz artigo 954 ao referir-se ao parágrafo único do artigo anterior.

59. Art. 966: A alteração proposta, além de atender ao estabelecido no art. 170 da Constituição Federal, pretende compatibilizar o art. 966 com os artigos 421 e 187 , colocando a função social e as cláusulas gerais da boa-fé e dos bons costumes como limitadores do exercício da atividade empresarial.

60. Art. 977: A alteração proposta pretende suprimir a restrição a que os cônjuges casados pelo regime da comunhão universal de bens celebrem contrato de sociedade. Como bem observou o Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, nas judiciosas sugestões que ofereceu a este parlamentar, “a vida dos cônjuges nada tem a ver com o direito de família. São empresários e dirigem, ou não, a sociedade , de acordo com sua participação nela. O regime de bens valerá para ser argüido no momento da dissolução da sociedade conjugal (separação, divórcio e morte de um ou de ambos os cônjuges) .Os cônjuges não podem ser privados de realizar o negócio societário, sem restrições”. 61. Art. 999: A proposta pretende corrigir distorção no art. 999, que, para modificação do contrato social no que tange às demais matérias não previstas no art. 997, restringia a opção ao quorum de unanimidade ou de maioria absoluta. Não há razão para que o contrato social não possa estabelecer quorum diverso para deliberação sobre essas outras matérias não contempladas no art. 997.

62. Art. 1.053: A proposta pretende corrigir aparente contradição no art. 1053 que previa, simultaneamente, a regência supletiva das sociedades limitadas pelas normas das sociedades simples e das sociedades anônimas. É bem mais adequado que as omissões no regramento das limitadas sejam supridas pela lei das sociedades anônimas do que pelas regras da sociedade simples, não só pela maior afinidade entre limitadas e anônimas, como pelo fato de ser esta a tradição do direito brasileiro.

63. Art. 1.060: A proposta pretende espancar qualquer dúvida de interpretação na aplicação do art. 1060, deixando expresso que apenas as pessoas naturais podem ser administradoras da sociedade, tal como subentendido pela redação do art. 1062. Além do mais, a designação de pessoa jurídica como administrador contraria toda a tradição do direito societário brasileiro, onde a pessoa jurídica sempre delegou seus poderes de administração a pessoas naturais.

64. Art. 1.086: A proposta pretende corrigir falha grave na redação do art. 1086 que, ao tratar da exclusão do sócio minoritário da sociedade limitada, mandava aplicar as regras do art. 1032, onde está contemplada a responsabilidade pessoal do sócio excluído mesmo depois da exclusão, o que implicava em rompimento com os princípios básicos das sociedades limitadas. Nessas sociedades, a responsabilidade dos sócios está limitada à integralização do capital social (art. 1052), afigurando-se desproposital a responsabilização posterior do sócio excluído da limitada, tal como contemplado no art. 1032. Esse dispositivo, na verdade, só tem aplicação para as sociedades onde a responsabilidade dos sócios é ilimitada, não para as sociedades limitadas, onde a regra é justamente o contrário. Não devendo se aplicar o art. 1032 à exclusão de sócio de sociedade limitada, impõe-se a alteração do art. 1086, a fim de suprimir-se a remissão àquele dispositivo.

65. Art. 1.094: A proposta pretende dar redação mais completa ao dispositivo, acrescentando a definição de sociedade cooperativa e compatibilizando o artigo 1094 com o que já dispõe o art.

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4º da lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências .

66. Art.1.099: Houve equívoco do legislador na redação desse dispositivo, onde os conceitos de sociedades coligadas e filiadas estão equiparados. Faz-se mister a supressão da referência a sociedades coligadas, gênero onde já estão incluídas as sociedades filiadas. 67. Arts. 1.158 e 1.160: A proposta atende a pleito da ABPI - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL e objetiva compatibilizar o § 2º do art. 1.158 e o art. 1.160 com o art. 1.156 do novo Código Civil, que estabelece que a indicação do objeto social na firma individual é facultativa.

68. Arts. 1.163 e 1.166: A proposta atende a pleito da ABPI - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, assim justificado: “A redação dada pela Lei 10.406/02 ao art. 1.163 do Novo Código Civil adota o princípio da anterioridade. No entanto, não ressalva que a anterioridade de que se cuida não é a absoluta, mais sim, a relativa. Se os respectivos objetos sociais forem inteiramente distintos, não há risco de confusão que impeça o registro do nome empresarial cuja expressão característica seja idêntica ou semelhante à de outro nome empresarial já registrado (ressalvados os casos de aproveitamento parasitário de sinais alheios notoriamente conhecidos).Para esclarecer o real alcance da lei, cumpre aludir expressamente que a anterioridade relevante é aquela suscetível de causar risco de confusão ou associação. Este é o conceito já empregado, no tocante às marcas, pelos arts. 124, inciso XIX e 130, inciso I, ambos da Lei de Propriedade Industrial (9.279/96).Outro aspecto que precisa ser modificado na Lei 10.406/02 é a eficácia do registro do nome empresarial, que os arts. 1.163 e 1.166 pretendem restringir ao âmbito estadual. Na verdade, como a violação ao nome empresarial é um crime de concorrência desleal (art. 195, V, da Lei 9.279/96), a sua proteção deve se dar na medida em que o uso do nome mais recente possa causar risco de confusão, associação, denegrimento ou qualquer prejuízo ao nome mais antigo. Em várias decisões, nossos Tribunais já assinalaram que a proteção ao nome empresarial extrapola os limites estaduais, podendo abarcar o âmbito nacional ou internacional. Neste sentido, STF AgPet 5.481 (RF 58/229); STJ, Resp’s 6.169-AM (DJU 12.08.91), 9.142-0 (DJ 20.04.92), 11.767 (DJU 28.08.92), 30.636-3 (RSTJ 53/220), 40.326-0 (RSTJ 67/428); TRF da 3ª Região, AC 90.03.03499-0 (DJ 03.08.92); TRF da 2ª Região, AC 90.02.196566-4 (DJ 06.02.91); TJRJ, AC 2892/92 (DJ 25.03.93); TJSP, AC 195.356-1/7 (DJ 23.11.93), dentre outros. A proteção internacional, aliás, é contemplada pelo art. 8º da Convenção da União de Paris para proteção da Propriedade Industrial. Por este tratado internacional, cada país pode condicionar a proteção ao nome empresarial de seus nacionais à necessidade ou não de registro. Porém, todos os países membros devem proteger o nome empresarial de estrangeiros independentemente do registro. Portanto, a despeito do novo Código Civil, os nomes comerciais de empresas estrangeiras continuarão tutelados em todo o território nacional, independentemente do registro especial de que cuida o atual parágrafo único do art. 1.166. No entanto, os nomes empresariais de empresas brasileiras somente seriam protegidos a nível estadual, a não ser que obtivessem dito registro especial. Esta disparidade de tratamento não se justifica e contraria o preceito de igualdade contemplado no art. 5º, caput da Constituição Federal. Se o estrangeiro goza de proteção para o seu nome empresarial em todo território nacional, não há por que tratar diversamente os nacionais, restringindo a proteção destes ao âmbito apenas estadual. Na verdade, a razão que levou a Lei 10.406/02 a conferir eficácia meramente estadual ao nome empresarial não foi de ordem filosófica, mas sim, logística. As juntas Comerciais não têm estrutura para fazer buscas de anterioridade a nível nacional. Esta mesma incapacidade já havia levado a Presidência da República a vetar os §§ 1º e 2º do art. 33 da Lei 8.934/94, que davam extensão nacional ao registro do nome empresarial (o que também não se justificava, diante da proteção internacional que este pode ter, dependendo do caso concreto).A questão do âmbito de atuação ex officio das Juntas Comerciais deve, pois, ser dissociada da extensão da proteção ao nome empresarial. Esta dissociação é possível, pois se trata de coisas realmente diversas. Na nova redação sugerida para os arts. 1.163 e 1.166 do Novo Código Civil, as buscas de anterioridade feitas de ofício pelas Juntas Comerciais continuam restritas às inscrições feitas em seu registro. No entanto, admite-se que terceiros apresentem oposição, com base em registros de nome empresarial registrados em outros Estados, ou mesmo de procedência estrangeira. Preserva-se desta forma, a eficácia nacional ou internacional destes.A nova redação contempla ainda a possibilidade de colidência entre nome empresarial e marca. O entrelaçamento destes dois institutos é da tradição do ordenamento jurídico brasileiro,

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conforme destaca a doutrina e a jurisprudência e consoante revela a redação do art. 124, V, da Lei de Propriedade Industrial (9.279/96) e do revogado art. 49 da antiga lei de Registro do Comércio (4.726/65).” 69. Art. 1.165: A tradição jurídica, há muito, permite que o nome de ex-sócios , já falecidos, seja mantido na denominação social. Tratando-se, no caso do nome, de direito da personalidade, só não poderá ser mantido se tiver havido manifestação expressa do “de cujus” nesse sentido.

70. Art. 1.168: A caducidade do direito ao uso do nome empresarial ao término de 10 anos de inatividade atende ao princípio maior da função social da propriedade industrial, assegurado constitucionalmente (CF, art. 5º, inciso XXIII).

71. Arts. 1.196 e 1.197: A sugestão é do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Diz ele, no tocante ao art. 1196, que “acompanha a própria orientação legislativa do NCC, em sintonia com a CF, no que concerne às teorias sociológicas da função social da propriedade. Vale registrar, que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do início do século XX, na Itália com SILVIO PEROZZI, na França com RAYMOND SALEILLES e, na Espanha, com ANTONIO HERNANDEZ GIL, que não só colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de JHERING e SAVIGNY, como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira “função social”).Ademais, o conceito traz em seu bojo o principal elemento e característica da posse, assim considerado pela doutrina e jurisprudência, o poder fático sobre um bem da vida, com admissibilidade de desmembramento em graus, refletindo o exercício ou possibilidade de exercício de um dos direitos reais suscetíveis de posse. Assim, evolui-se no conceito legislativo de possuidor, colocando-o em sintonia com o conceito de posse, em paralelismo harmonizado com o direito de propriedade, como sua projeção no mundo fatual “. Entendo que a revisão desse dispositivo, impossível de ter sido feita durante a tramitação do projeto 634, face aos óbices regimentais, faz-se mister em face da importância desse instituto, de repercussão no mundo fático e jurídico e a manifesta necessidade de uma perfeita compreensão do fenômeno possessório, a partir do próprio texto legal.Quanto ao artigo 1197, diz o professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. que “sem maiores dificuldades, percebe-se que o legislador deixou de acolher, nesse dispositivo, a orientação da doutrina dominante das últimas décadas, diferentemente do que fez em tantas outras passagens do NCC. Na verdade, a redação desse artigo apresenta-se bastante truncada, o que dificulta sensivelmente a sua aplicabilidade e compreensão, valendo ressaltar que problemas de ordem prática, sobretudo por se tratar de artigo de larga aplicabilidade, certamente surgirão”. A redação proposta pelo Professor Joel oferece clareza e, conseqüentemente, maior compreensão ao intérprete no tocante à tipologia da posse em face da incidência dos graus do poder fático sobre o mesmo bem da vida, e, da mesma forma, a respectiva classificação como manifestação deste poder e os efeitos em sede de tutela interdital e sua respectiva titularidade. 72. Art. 1.204 : A sugestão é novamente do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Diz ele que “o dispositivo em tela tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: “Adquire-se a posse quando se obtém o poder sobre uma coisa (art. 1235), inclusive pelo constituto possessório”. Na primeira votação pela Câmara, através de subemenda do relator Ernani Satyro, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto.Em primeiro lugar, a posse não se adquire pelo “exercício” do poder, mas pela obtenção do poder de fato ou poder de ingerência sócio-econômica sobre um determinado bem da vida que, por sua vez, acarreta a abstenção de terceiros, em relação a este mesmo bem (fenômeno dialético).Portanto, basta que se adquira o poder de fato em relação a determinado bem da vida e que o titular deste poder tenha ingerência potestativa sócio-econômica sobre ele, para que a posse seja efetivamente adquirida. Ademais, para se adquirir posse, não se faz mister o exercício do poder, basta a possibilidade de exercício. Não se pode prescindir é da existência do poder de ingerência.Em segundo lugar, é importante fazer a referência ao instituto jurídico do constituto possessório neste art. 1204, excluído acertadamente do atual art. 1205 do NCC, que versa apenas sobre os sujeitos da aquisição (diferentemente do que se verificava no CC/16, art. 494, que mesclava formas distintas de aquisição), mas eliminado sem razão do dispositivo em questão, para não se correr o risco de fazer crer (erroneamente), aos mais afoitos, que ele teria desaparecido do sistema material. Por outro lado, a sua não inclusão neste dispositivo, por si só, não teria o condão de suprimi-lo do sistema, sobretudo porque

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aparece mencionado em outros dispositivos do Livro dos Direitos Reais, como também, na qualidade de instituto jurídico milenar, por si só, transcende tal circunstância “. A sugestão do professor Joel apresenta-se de boa técnica , sendo de todo conveniente que exista previsão específica a respeito do constituto possessório, prevenindo-se quaisquer dúvidas sobre tão importante matéria.Trata-se de instituto jurídico que encontra grande aproveitamento nos dias de hoje, notadamente nas relações contratuais envolvendo a posse (v.g. arrendamento mercantil, leasehold, leaseback, leasing etc.). 73. Art. 1.210 : No que tange ao artigo 1210, por sugestão do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, procedeu-se ao acréscimo de mais um parágrafo, no caso o 2º, renumerando-se o atual § 2º para § 3º . Com isso, mantém-se no sistema a proteção das vindicatórias da posse, colocando-as no devido lugar, isto é, nos “efeitos da posse” e não no capítulo da “perda da posse” como se encontrava, equivocadamente, inserido no CC/16. A exclusão das ações vindicatórias da posse do sistema legislativo representaria um retrocesso e, por conseguinte, um prejuízo manifesto ao jurisdicionado. 74. Art. 1.228: A sugestão é do professor CARLOS ALBERTO DABUS MALUF. Realmente, a redação atual do parágrafo 5º do art. 1228 poderia servir de incentivo à invasão de glebas urbanas e rurais, criando uma forma nova de perda do direito de propriedade, mediante o arbitramento judicial de uma indenização, nem sempre justa e resolvida a tempo, impondo dano ao proprietário que pagou os impostos que incidiram sobre a gleba. 75. Arts. 1.273 e 1.274 : O projeto objetiva à correção da grafia da palavra “comistão”, erroneamente grafada como “comissão” , cujo significado é absolutamente diverso . Pretende , ainda, corrigir erro de remissão aos artigos 1272 e 1273, quando a remissão correta seria aos arts. 1.270 e 1.271. 76. Art. 1.276: A sugestão é também do professor CARLOS ALBERTO DABUS MALUF. Realmente, a presunção absoluta de abandono do imóvel cujo proprietário não venha pagando os imposto devidos sobre a propriedade, é perigosa, uma vez que a inadimplência pode ter como causa, inclusive, a discussão, administrativa ou judicial dos valores lançados, ou mesmo motivos de força maior. Daí porque propomos a supressão das palavras “de modo absoluto” por entendermos tratar-se de uma presunção relativa (“juris tantum”) e não absoluta (“juris et de jure”). 77. Art. 1.316: A proposta de alteração deste artigo tem origem em trabalho elaborado pelos advogados Cláudio Taveira e Marcelo José Lomba Valença. Com o advento dos empreendimentos de uso múltiplo no Brasil, notadamente shopping centers, durante as décadas de 1980 e 1990, a maioria desses empreendimentos foi organizada sob a forma de Condomínios Necessários. Por razões históricas e institucionais (caso específico dos fundos de pensão), os investimentos em empreendimentos de uso múltiplo foram estruturados sob a forma de dois condomínios superpostos a saber: a) Condomínio da lei 4.591, atual Condomínio Edilício, onde as lojas são definidas como unidades autônomas e os corredores de circulação (hall), estacionamento e galerias de serviço são consideradas áreas comuns; e b) Condomínio Civil, atual Condomínio necessário, entre os investidores dentro de cada loja/unidade autônoma. Nos contratos atualmente em vigor entre os investidores de empreendimentos de uso múltiplo, é estipulado que caso um condômino não participe com a sua quota no desenvolvimento e/ou encargos do empreendimento, os demais poderão fazê-lo sub-rogando-se nos créditos do condômino inadimplente, decorrentes da exploração econômica do empreendimento. O art. 1.316 dá a possibilidade aos demais condôminos que contribuírem com a quota do condômino inadimplente de adquirirem a sua fração ideal, desde que este renuncie. 78. Art. 1341: O novo Código Civil, em seu art. 1.341 , não definiu e nem exemplificou quais seriam as obras voluptuárias (desnecessárias), úteis e as obras ou reparações necessárias e ainda, qual seria a diferença entre obras úteis e reparações necessárias. Dessa forma dependerá da interpretação e integridade daquele que está administrando, dando margem a muitos conflitos com os moradores. Por outro lado, é muito comum síndicos incompetentes elevarem o valor da taxa de condomínio sem que haja justificativa e aprovação do orçamento em assembléia. Realizam obras, que algumas vezes alteram a área comum, com valores expressivos sem ocorrer licitação e a aprovação dos co-proprietários, além de serem muitas vezes superfaturadas. Para evitar esses abusos é que estou propondo a presente modificação no art. 1.341.

79. Art. 1.347: Devido a má fama que o cargo de síndico ostenta, a pequena participação nas assembléias e ao reduzido interesse dos moradores, é freqüente o mesmo síndico permanecer no cargo por 6, 8, 10 anos. Esse tempo longo contribui para que comecem a

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ocorrer vícios e muitas arbitrariedades. É portanto de todo conveniente que se limite a permanência do síndico no cargo a dois mandatos consecutivos, nada impedindo que após o intervalo de um exercício o mesmo condômino volte a ocupar o cargo de síndico.

80. Art. 1352: O acréscimo do parágrafo segundo ao art. 1352 foi sugerido pela professora ROSELY BENEVIDES DE OLIVEIRA SCHWARTZ, da Faculdade Metropolitana Unida – FMU - São Paulo, autora do livro Revolucionando o Condomínio, publicado pela Editora Saraiva em 1996(2001 - 6ª edição) e objetiva ressalvar o direito das minorias. Atualmente, nas assembléias de condôminos, os votos são proporcionais às frações ideais do terreno e partes comuns, ou número de unidades pertencentes a cada condômino. Segundo Dr. J. Nascimento Franco no seu livro Condomínio: “Ponto dos mais delicados é o da preservação do direito da minoria, quando um grupo ou alguns poucos condôminos possuem diversas unidades autônomas e, por isso, podem direcionar as deliberações da Assembléia segundo seus interesses. Em alguns casos, um só condômino possui a maior parte do condomínio, de sorte que a Assembléia constitui mera formalidade porque um só voto aniquila todos os dados em sentido contrário. Invocando-se analogia com as sociedades comerciais, em que nas deliberações predomina a maioria de interesses, tem-se admitido, no Brasil, a ditadura da maioria, deslembrando-se que nem sempre as regras aplicáveis às sociedades servem para o condomínio de edifícios. Nas Assembléias das Sociedades Mercantis delibera-se sobre interesse predominantemente econômico, enquanto nas dos edifícios, mormente quando residenciais, decide-se sobre problemas humanos e familiares, delicadas relações de vizinhança, o que justifica normas flexíveis no objetivo de se alcançar tranqüilidade e harmonia entre os habitantes do edifício. Trata-se de uma situação diferenciada, em que não se busca decisão sobre um proveito econômico, mas consenso para a melhor convivência de seres humanos, e, por isso, incompatível com a chamada “maioria de um só” ou de uns poucos.Na Itália, a jurisprudência abranda o sistema, para evitar a maioria de um só contra todos. No Direito espanhol, a doutrina a considera não democrática e sim norma plutocrática. O critério de se admitir poder absoluto à maioria de uma só, ou de uns poucos, inspira-se numa legislação antidemocrática que se põe à contramão do Direito moderno, que ampara a minoria contra o arbítrio da maioria. Por isso, mais justo e razoável é seguir o critério da lei francesa, sendo a qual o voto do condômino possuidor de mais da metade do condomínio se reduz para igualar-se, nas deliberações, à soma dos votos dos demais co-proprietários.” 81. Art. 1354: O acréscimo do parágrafo único ao art. 1354 também foi sugerido pela professora ROSELY BENEVIDES DE OLIVEIRA SCHWARTZ e objetiva limitar o número de procurações por participante nas assembléias de condomínio. São freqüentes a implantação de verdadeiras ditaduras, onde o síndico se mantém no cargo (eleição) por meio de muitas procurações em seu nome. Essas procurações na sua maioria são obtidas dos co-proprietários que não estão morando no condomínio e seus apartamentos estão alugados. Além da eleição o síndico faz uso dessas para aprova obras (rateio extras) e até suas próprias contas. Segundo Dr. J. Nascimento Franco em seu livro Condomínio(Editora Revista dos Tribunais): “Cláusula que vem sendo generalizada é a que limita o número de mandatos à mesma pessoa para representar condôminos nas Assembléias Gerais. Visando o comparecimento do maior número de pessoas e evitar a monopolização das deliberações, costuma-se limitar a 3(três) outorgantes as procurações dadas ao mesmo mandatário. Esse é o limite estabelecido na França, pelo art. 22 da Lei 65.557/65. Evita-se a captação de mandatos, ou o chamado monopólio de um ou de poucos mandatários, na maioria desses casos mais preocupados em votar o que lhes convém do que vigiar pelos interesses dos seus mandantes”.Como se vê, sobram símiles justificando a limitação do número de procurações a um só mandatário, para se evitar o que o jurista Kênio de Souza Pereira denominou “ditadura das procurações” (cf. BDI-Boletim do Direito Imobiliário, nov./98, n.33.p.6). Segundo o juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Dr. João Batista Lopes em seu livro Condomínio (Editora Revista dos Tribunais): “A lei brasileira é omissa a respeito do problema decorrente da outorga generalizada de mandatos para representação de condôminos na Assembléia Geral.Em princípio, a constituição de procuradores é livre, não conhecendo o direito pátrio as limitações impostas na legislação alienígena.Na França, por exemplo, conquanto reconhecida, como regra geral, a faculdade da livre representação, estabelece a lei exceções ao impor restrições ao síndico e ao limitar a três o número de mandatos outorgados a cada mandatário. Após ressaltar que a restrição do número de mandatos objetiva evitar a deserção dos condôminos e a excessiva concentração de poderes em mãos de poucos.”

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82. Art. 1.361: A proposta de alteração do § 1º do art. 1361 atende sugestão apresentada pelo ilustre DEPUTADO VICENTE ARRUDA. Houve equívoco na redação do § 1º do art. 1361, no que se refere ao emprego da conjunção alternativa “ou “ . O equívoco compromete alguns dos efeitos caracterizadores da natureza real do próprio instituto, pois, em se tratando de veículo automotor, diante do emprego da conjunção "ou", utilizada inadequadamente, ficaria excluído o registro do contrato no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, contentando-se a norma com a simples inscrição na repartição de trânsito competente para o licenciamento, com as anotações de praxe no certificado de registro do automóvel (§ 1º, in fine). Sem dúvida, essa não foi a vontade do legislador e, por conseguinte, não é a mens legis, tudo levando a crer que não passou de um lamentável erro de digitação que acabou passando desapercebido por todos, durante as intermináveis fases de revisão. Basta que lancemos os olhos para a Lei dos Registros Públicos (arts. 127/131) quando trata do registro de títulos e documentos e transcrição dos respectivos instrumentos particulares. Sem nenhum sentido, sobretudo em sede de direitos reais, a prática de um negócio jurídico dessa ordem, voltada à concretização da propriedade fiduciária, realizada à margem do Registro de Títulos e Documentos. No que tange ao § 3º , a sugestão é do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Diz ele que “verificado de maneira cabal o adimplemento do contrato de alienação fiduciária em todos os seus termos, será adquirida a propriedade plena superveniente do bem móvel infungível pelo então devedor possuidor direto, tornando-se eficaz de pleno direito a sua transferência, segundo se infere do § 3º do art. 1361. (...) a alusão à eficácia da aquisição, referindo-se ao tempo do “arquivamento” do contrato de alienação fiduciária no Registro de Títulos e Documentos. (...) é desnecessária e em manifesta discrepância com a LRP e com a terminologia do próprio NCC”.

83. Art. 1.362: A proposta objetiva a inclusão do requisito do valor do bem objeto da alienação fiduciária, porquanto o valor total da dívida, necessariamente, não corresponderá ao valor do bem alienado. 84. Art. 1.365: A proposta é de modificação do parágrafo único deste artigo por sugestão é do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Diz ele que a “redação do parágrafo único é de clareza bastante duvidosa e, certamente, se mantida no estado em que se encontra após a entrada em vigor do Código, certamente muita celeuma trará na prática e problemas para o cotidiano forense. Na verdade, em que pese tratar-se de texto aparentemente singelo, reveste-se de grande complexidade, porquanto bastante truncado e de sentido jurídico dúbio, quando confrontado com o caput do próprio artigo e com o dispositivo precedente. Em primeiro lugar, apenas para ficar assinalado, apontamos que direitos não podem ser "dados", mas cedidos. Portanto, a palavra "dar", empregada no parágrafo único, haveria de ser substituída por "ceder". Contudo, esse não é o problema nodal que ora se pretende efetivamente demonstrar, se não vejamos. Pergunta-se: poderá o devedor ceder seu direito a terceiros após o vencimento da dívida, excluindo-se desse rol apenas o credor proprietário fiduciário? Se admitirmos a cessão de direitos também ao credor fiduciário, então o parágrafo único significará uma burla ao caput, pois corresponderá, por vias transversas, à autorização para o proprietário fiduciário permanecer com o bem em face do inadimplemento, o que é inaceitável. Por outro lado, se a resposta for a cessão de direitos para terceiros, a redação do parágrafo omite a palavra "terceiros" que, por conseguinte, deve ser acrescida “. Além dos sólidos argumentos apresentados pelo professor Joel, existe ainda um problema: a cessão (ou "doação = dar") é do direito para pagamento da dívida, o que pressupõe que se faça em benefício do próprio credor (proprietário fiduciário) e não no de terceiros. Trata-se, na verdade, de um impasse criado que, na prática, acabará por acarretar a burla da regra geral definida na cabeça do artigo e no dispositivo precedente. Por isso, apresenta-se a presente proposta no sentido de alterar-se a redação do parágrafo único, que passaria a dispor que o devedor pode ceder a terceiros a sua posição no pólo passivo do contrato de alienação fiduciária . 85. Art. 1.369: A presente proposta pretende expandir a utilização do direito de superfície e harmonizar a sua regulamentação. A restrição do parágrafo único do art. 1.369 limita o Instituto da Superfície ao nível do solo, excluindo o subsolo e o espaço aéreo que são da essência do instituto da superfície. 86. Arts.1.371 e 1374: A alteração que proponho ao artigo 1371 visa à compatibilização desse dispositivo com o art. 21, § 3º da Lei 10.257 de 2001 , atual Estatuto da Cidade, que ao dispor sobre as obrigações do superficiário, apresenta-se mais completo .No mesmo sentido é a alteração proposta ao artigo 1374 , para compatibilização desse dispositivo com o art. 23,

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inciso II do atual Estatuto da Cidade, que ao dispor sobre a extinção do direito de superfície, apresenta-se mais completo , explicitando outras hipóteses de descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário , tais como o não pagamento da concessão; não uso do imóvel; danos ao imóvel; não pagamento dos tributos etc. Por esses motivos, afigura-se necessário modificar-se a redação dos dois dispositivos, complementando-a, nos termos da proposta formulada. 87. Arts. 1.378 e 1.379: A proposta de alteração desses dois artigos foi formulada pelo Professor JOSÉ GUILHERME BRAGA TEIXEIRA. Os modos constitutivos dos institutos jurídicos devem constar, sempre que possível, da legislação própria e a destinação do proprietário é modo constitutivo da servidão aparente. Aliás, não se conhece , desde a morte de Clóvis Beviláquia, nenhuma opinião de civilista ilustre esposada no sentido de que a destinação do proprietário não seja um dos modos constitutivos das servidões aparentes no Direito Brasileiro. E as últimas decisões pretorianas prolatadas em sentido contrário datam do ano de 1946. Convém esclarecer que o § 2º do art. 1.379 tem a finalidade de não impor um gravame mais oneroso (uma servidão) quando ocorrer o caso de destinação do proprietário, porém, em casos concretos, a finalidade da serventia puder ser atendida por uma relação obrigacional da vizinhança predial, que é menos onerosa, porquanto se extingue com a singela cassação da necessidade, enquanto as servidões podem persistir sempre que sejam úteis, ainda que não necessárias (imprescindíveis). Trata-se de questão de equidade, como também de equidade será, em tal caso, dispensar-se aquele que assim perde a servidão de pagar qualquer indenização pela utilização da serventia aparente (que deixa de se constituir em servidão por destinação do proprietário). 88. Art. 1.434: A redação atual do art. 1.434 permite que o Juiz autorize a venda de parte da coisa empenhada, retomando a discussão sobre o princípio de unicidade da garantia. Essa disposição entra em choque com o art. 1.421: “o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação”. Para compatibilizar os dois dispositivos, estamos propondo nova redação ao art. 1.434. 89. Arts. 1.436 : O projeto objetiva à correção da grafia da palavra “remição” , erroneamente grafada com “ss” . Remissão tem significado diverso de remição. A primeira é empregada no sentido de perdão ou renúncia do débito. A segunda diz respeito ao pagamento e resgate do bem dado em garantia. 90. Art. 1.456: O novo Código Civil não define o critério de preferência entre os diferentes credores pignoratícios. Assim sendo, sugerimos que seja acrescentado parágrafo único ao art. 1.456, com o estabelecimento desses critérios. 91. Art. 1.457: É prática comum no mercado de crédito que o titular do crédito empenhado continue fazendo a cobrança do mesmo junto ao devedor originário. Daí a necessidade da presente alteração. 92. Art. 1.473: Pretende a presente proposta fazer com que seja acrescido ao elenco dos bens passíveis de hipoteca o direito de superfície. 93. Art. 1.479: A redação atual do art. 1.479 dá margem a várias interpretações, inclusive a de que o novo Código Civil pretende legalizar os contratos de gaveta feitos sem a anuência do agente financeiro, cuja validade vem sendo reconhecida pela jurisprudência. Para deixar expresso esse propósito, proponho nova redação ao dispositivo. 94. Art. 1.481: O projeto objetiva à correção da grafia da palavra “remição” , erroneamente grafada com “ss” . Remissão tem significado diverso de remição. A primeira é empregada no sentido de perdão ou renúncia do débito. A segunda diz respeito ao pagamento e resgate do bem dado em garantia. 95. Arts. 1.512, 1.515 e 1516: A alteração proposta procura resgatar o casamento religioso que sempre foi registrado junto às entidades religiosas e que perdeu a sua autonomia, que vinha existindo desde a Antiguidade (há quase quatro mil anos, comprovadamente), até as Ordenações do Reino, em especial as Filipinas, de 1.063, revogadas nessa matéria de casamento pelo Decreto 181 de 1890, que criou o casamento civil.

96: Art. 1.521: Há necessidade de se acrescentar o parágrafo único ao art. 1521, a fim de compatibilizar o dispositivo com a legislação extravagante (Decreto-lei nº 3.200 de 19/04/41 e Lei nº 5.891 de 12/06/73) que já admite, em determinadas hipóteses, o casamento dos colaterais de terceiro grau, como nos casos de tios e sobrinhos, uniões das mais comuns no interior do País. 97. Art. 1.526 : O art. 1.526 requer a homologação judicial para o processo de habilitação do casamento. Trata-se de uma exigência despropositada; aliás, de uma inovação que não

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corresponde a qualquer apelo social ou necessidade. Vai entulhar, mais ainda, o Judiciário, que já não dá conta do muito que tem a fazer. Em muitos Estados – conforme as respectivas leis de Organização Judiciária -, nem mesmo é o Juiz de Direito a autoridade competente para celebrar casamentos. A alteração proposta tem o objetivo de retirar um elemento complicador do processo de habilitação. O juiz só deve intervir no caso de o pedido ser impugnado ou de não ser regular a documentação. Copiou-se na proposta, o disposto no art.. 67 , § 2º , da Lei dos Registros Públicos. 98. Art. 1.561: Como os efeitos da putatividade só aproveitam ao cônjuge de boa-fé, entendendo-se como tal (conforme a raiz canônica) o que ignorava o vício ou o defeito que originou a invalidade do casamento, o cônjuge coato, a rigor, não estaria abrangido pelo dispositivo, pois, logicamente, como vítima que foi da vis compulsiva, não pode alegar que não conhecia o vício.Para que a questão não fique dependendo de interpretação (ora construtiva, ora restritiva), é de toda conveniência que o cônjuge coato seja equiparado, pela lei, ao cônjuge de boa-fé. Assim ocorre, aliás, no direito alemão (BGB, art. 1.704), no italiano (CC, art. 128, al. 1), no português (CC, art. 1.648, 1). 99. Art. 1.563: A sugestão aqui é do emérito professor ZENO VELOSO. Diz ele que “o art. 1.563, ao determinar os efeitos ex tunc da invalidação do casamento, deve englobar as duas espécies de invalidade: nulidade e anulabilidade. Pretende-se, ainda, com a emenda, deixar expresso que a invalidação do casamento dos pais não prejudica a situação dos filhos, o que já se pode deduzir de outras regras, mas nada custa – e convém – deixar consignado nesta, que trata diretamente da questão “. 100. Art. 1.573: A sugestão é da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “deve ser modificado o seu inciso IV, que refere o abandono do lar pelo prazo de um ano, prazo este que não se aplica desde a Lei 6.515/77; anote-se que esta exigência de duração do abandono do lar por um ano, para possibilitar o pedido de separação judicial culposa, está em contradição com os requisitos da união estável, que possibilitam sua constituição diante de separação de fato no casamento de um dos conviventes (art. 1.723, § 1º); deste modo, o cônjuge pode, separado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a propositura de ação de separação judicial para buscar a regularização de seu estado civil, se abandonado por período inferior a um ano.” Também procedeu-se, no inciso I, a substituição da palavra “adultério” por “infidelidade” cujo conceito é bem mais amplo e bem mais compatível e adequado ao ról meramente exemplificativo constante do art. 1.573.

101. Art. 1.574: A presente proposta foi também encaminhada pela professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Realmente deve ser eliminado o prazo de duração do casamento para a decretação da separação consensual, inclusive em face da diretriz do Código Civil de intervenção mínima nas relações familiares. Saliente-se que embora a Constituição Federal, no art. 226, § 6º, impossibilite a decretação do divórcio direto se não houver separação de fato por dois anos, esta vedação constitucional inexiste no que se refere à separação judicial. Observe-se, também, que a separação de fato do casal possibilita a constituição de união estável, conforme art. 1.723, § 1º, não fazendo sentido, também por isto, vedar a separação consensual por falta do decurso do prazo de um ano contado do casamento.

102. Art. 1.575: A sugestão é novamente da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “o artigo, ao utilizar o verbo importar, exige a realização da partilha de bens na separação judicial. No entanto, a divisão de bens na separação judicial não pode ser obrigatória, conforme sistema do novo Código, que prevê a decretação do divórcio sem divisão prévia do patrimônio do casal (art. 1581). Se o divórcio é possível sem partilha prévia de bens, é evidente que a separação judicial pode ser decretada sem esta partilha. A separação de corpos é conseqüência já determinada no artigo seguinte: extinção do dever de coabitação, de modo que esta disposição é redundante. O presente artigo deveria somente fazer referência à partilha de bens proposta pelos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida, bem como esclarecer que, em caso de litígio entre os cônjuges, deverá ser realizada em juízo sucessivo, já que, antes de sua efetivação, é decretada a separação judicial, processando-se nos mesmos autos desta (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, cit., p. 792/804).”

103. Art. 1.576: O dispositivo não faz referência ao divórcio direto, assim como não o fazia a legislação anterior (Lei 6515/77, art. 3º, caput), o que é uma lacuna que deve ser corrigida.Outra falha do dispositivo é que se refere somente à extinção dos deveres de fidelidade e coabitação, como se os demais deveres - mútua assistência e respeito e

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consideração mútuos – permanecessem após a separação judicial, quando é somente o dever de assistência material que, em hipóteses determinadas em lei, converte-se em obrigação de alimentos (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, “Dever de assistência imaterial”, cit., p. 226). Também há necessidade de se fazer menção expressa à extinção do regime de bens durante a separação de fato, posição já pacificada na jurisprudência, inclusive pelo col. STJ, conforme nos alertou a professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Vários julgados já reconheceram, contrariamente ao que já dispunha o art. 3º, caput, da Lei 6515/77, que diante de prolongada separação de fato não se aplicam os ditames do regime da comunhão de bens. Isso porque, cessada a coabitação, via de regra desaparece a affectio societatis, que é a base da comunhão de bens no matrimônio. Além disso, a continuidade da plena vigência do regime de bens na separação de fato pode conduzir a situações de enriquecimento ilícito daquele que em nada contribuiu na aquisição do patrimônio. Na doutrina, destaca-se artigo de autoria de Segismundo Gontijo, intitulado “Do regime de bens na separação de fato”, in RT 735/131-159, em que é analisado esse tema e referida a jurisprudência a respeito. Citem-se as ementas dos seguintes acórdãos oriundos dos Tribunais Estaduais “A orientação jurisprudencial reconhece incomunicáveis os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges, durante simples separação de fato, precedente à separação judicial ou ao divórcio” (TJSP, 2ª Câmara Civil, Rel. Des. Roberto Bedran, j. 25.10.94, in RT 716/148); “Divórcio. Partilha. Bens adquiridos durante a separação de fato. Incomunicabilidade do bem adquirido. Exclusão do imóvel da partilha. Recurso provido. O regime de bens é imutável, mas, se o bem foi adquirido quando nada mais havia em comum entre o casal, repugna ao Direito e à moral reconhecer comunhão apenas de bens e atribuir metade desse bem ao outro cônjuge” (TJSP, Rel. Des. Campos Mello, 05.08.1992, in RJTJSP 141/82); “Divórcio. Partilha. Meação de bem imóvel herdado pelo varão na constância do matrimônio. Hipótese de prolongada separação de fato do casal, que caracteriza o rompimento fático do vínculo. Inexistência de ofensa ao princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento” (TJSP, Rel. Des. Alves Braga, j. 03.03.1988, in RJTJSP 114/102). Citem-se os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, que reconhecem efeitos patrimoniais à separação de fato, com a extinção do regime de bens: “A cônjuge-virago separada de fato do marido há muitos anos não faz jus aos bens por ele adquiridos posteriormente a tal afastamento, ainda que não desfeitos, oficialmente, os laços mediante separação judicial” (STJ, 4ª Turma, RESP 32218, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 17.05.2001, in DJ de 03.09.2001); “Casamento (efeitos jurídicos). Separação de fato (5 anos). Divórcio direto. Partilha (bem adquirido após a separação). Em tal caso, tratando-se de aquisição após a separação de fato, à conta de um só dos cônjuges, que tinha vida em comum com outra mulher, o bem adquirido não se comunica ao outro cônjuge, ainda quando se trate de casamento sob o regime da comunhão universal.” (STJ, 3ª Turma, RESP 67678/RS, Rel. Min. Nilson Naves, j. 19.11.1999, in DJ 14.08.2000); “Divórcio Direto. Separação de fato. Partilha de bens. 1. Não integram o patrimônio, para efeito da partilha, uma vez decretado o divórcio direto, os bens havidos após a prolongada separação de fato. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3ª Turma, RESP 40785/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.11.1999, in DJ 05.06.2000); “Divórcio. Partilha de bens. Meação reivindicada pelo marido em bens havidos pela mulher após longa separação de fato. Não se comunicam os bens havidos pela mulher após longa separação de fato do casal (aproximadamente vinte anos). Precedentes da 4ª Turma.” (STJ, 4ª Turma, RESP 86302/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 17.06.1999, in DJ 06.09.1999); “Casamento. Comunhão de bens. Bens adquiridos depois da separação de fato. Adquirido o imóvel depois da separação de fato, quando o marido mantinha concubinato com outra mulher, esse bem não integra a meação da mulher, ainda que o casamento, que durou alguns meses, tivesse sido realizado sob o regime da comunhão universaL” (STJ, 4ª Turma, RESP 140694/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 13.10.1997, in DJ 15.12.1997); “Separação de fato. Bens adquiridos após a separação. Alienação. Os bens adquiridos pelo marido após 30 anos da separação de fato não integram a meação” (STJ, 4ª Turma, RESP 60820/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.06.1995, in DJ 14.08.1995). 104. Art. 1.581: Diante da lacuna existente quanto ao divórcio conversão e da inexistência de razão para o estabelecimento de regras diferentes sobre a partilha de bens nesta espécie e no divórcio direto, faz-se necessária a modificação do dispositivo, conforme a seguir é sugerido. 105. Art. 1.583: A questão da guarda compartilhada é reivindicação antiga do IBDFAM – INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. No caso específico do art. 1.583, a sugestão nos foi formalmente enviada pela professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “o dispositivo não faz referência à guarda conjunta ou compartilhada, ou

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seja, àquela em que ambos os pais participam da convivência, da educação e dos demais deveres inerentes ao poder parental, mantendo-se dois lares para os filhos (v. Eduardo de Oliveira Leite, Famílias monoparentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 261/289; e Waldyr Grisard Filho, Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000). Como destaca Eduardo de Oliveira Leite, “A destruição do ‘casal conjugal’ não deve provocar o desaparecimento do ‘casal parental’, isto é, da comunidade dos pais; sendo que o risco de desacordo ou conflito entre ex-cônjuges existe igualmente na guarda exclusiva, não podendo ser havido, portanto, como impedimento à fixação da guarda conjunta ou compartilhada (Famílias monoparentais, cit., p. 286). Lembre-se que a sentença que estabelece a guarda está sempre sujeita à revisão, se as respectivas regras deixarem de preservar os interesses do menor (v. nota ao art. 1.586). Esta solução privilegia os menores e diante de acordo entre os pais sobre o seu estabelecimento não cabe ao juiz recusar a estipulação. No entanto, em face das resistências ao estabelecimento da guarda compartilhada, é de toda a conveniência sua expressa referência neste dispositivo.”

106. Art. 1.586: A sugestão é novamente da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “princípio da mutabilidade da sentença que fixa a guarda de filhos está reconhecido na doutrina e na jurisprudência (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, 9ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 964 e ss.; Guilherme Gonçalves Strenguer, Guarda de filhos, São Paulo, LTr, 1998, p. 121 e ss.; RT 782/358; RT 772/300; RT 610/224; RT 606/108; RT 604/33; RT 433/101; JTJ/SP 202/149), sendo relevante o estabelecimento de norma legal a respeito, que deve submeter a revisão ao princípio da proteção dos interesses dos filhos” . Acolhendo esses argumentos , e também para o fim de conferir ao caput do artigo a devida amplitude, de forma que sejam levadas em conta, na fixação da guarda, em qualquer caso, seja de filhos oriundos de casamento ou não, a afinidade e a afetividade que devem sempre prevalecer nas relações entre o guardião e o menor, proponho nova redação ao dispositivo.

107. Art. 1.589: A sugestão é também da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “carece o novo Código Civil de regra que assegure a visitação de outros parentes do menor, como os avós, irmãos, padrastos, levando-se em consideração especialmente os laços de afeição que os unem e o proveito que esses contatos trazem ao menor. Não são incomuns situações em que, com a separação judicial, o guardião procure afastar os filhos de parentes do outro genitor, o que traz prejuízos aos menores. A visitação de outros parentes tem reconhecimento doutrinário e jurisprudencial (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, cit., p. 951/957 e Fabio Bauab Boschi, Direito de visita, cit., p. 123 e ss, que apontam vários julgados sobre o tema). Muito embora exista esse reconhecimento, embasado em direito natural dos envolvidos nessas relações, é relevante estabelecer norma legal a respeito, para sanar a lacuna existente “. Além do mais, faltou neste dispositivo regra pela qual a sentença de fixação das visitas possa ser alterada a qualquer tempo, já que, assim como na guarda, não faz coisa julgada material, mas somente formal , como está pacificado na doutrina e na jurisprudência (v. Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, cit., p. 937 e ss. JTJ/SP 54/102, RT 433/100), razão pela qual proponho também o acréscimo do § 2º . 108. Arts. 1.597 e 1.598: Há necessidade de se acrescentar parágrafo único nos dois artigos, conforme sugerido pelo Professor ZENO VELOSO . É que em muitos casos, a coabitação entre os cônjuges, que é a base da presunção de paternidade, já está suspensa antes da dissolução da sociedade conjugal. E o processo, às vezes, dura um longo tempo. A presunção de paternidade dos filhos nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal só deve ser mantida se os cônjuges, na época em que se deu a concepção, ainda conviviam.

109. Art. 1.601: No que tange ao caput e aos §§ 1º, 2º e 4º , a sugestão é da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela que “Embora o direito à contestação da relação de filiação não possa caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, se o filho é oriundo de casamento esse direito não deve ser tido como privativo do marido. Observe-se que com a proteção à união estável, não tem cabimento estabelecer tamanha restrição à legitimidade da ação contestatória no casamento e não realizar as mesmas restrições na união estável. Esse direito, seja a relação oriunda ou não de casamento, além de ser imprescritível, deve caber não só àquele que consta do registro de nascimento como pai, mas, também, ao próprio filho e ao verdadeiro pai, em acatamento aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre os filhos e da verdade real nas relações de filiação. Por essas razões a norma sugerida diz respeito à relação de filiação, independentemente de sua origem. A única

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exceção disposta no artigo sugerido a seguir diz respeito à filiação oriunda de adoção que não pode ser contestada, por força de seu caráter irrevogável.Outra questão de relevo é a da exigibilidade ou não de realização do exame de D.N.A. contra a vontade do demandado na ação contestatória. Constitui-se violação aos direitos da personalidade constranger alguém a fornecer material para a realização de um exame biológico? A questão coloca-se com certa freqüência em nossos tribunais na investigação da paternidade, como adiante será visto, mas também tem lugar na ação contestatória. Realmente não é possível constranger alguém à retirada de parte de seu corpo, no caso o sangue, sob pena de violação a direito da personalidade. Mas também não se pode deixar de proteger os interesses do contestante, que dependem da realização da prova para o reconhecimento de suas alegações. A única forma de conciliar o direito da personalidade do demandado, que é o direito às partes separadas do corpo, com o direito do autor da ação contestatória, diante da recusa do primeiro à coleta de material para realização da prova pericial, é presumir-se, se a recusa for injustificada, a existência da relação de filiação. Já que a recusa pode ocorrer quanto a qualquer das provas médico-legais, que não se limitam ao exame de D.N.A., o dispositivo aplica-se a todos esses meios de prova “. Já o § 3º foi sugerido pelo Professor ZENO VELOSO, havendo recebido a nossa integral acolhida. Realmente, não se pode admitir que um pai leve pessoalmente o filho a registro e depois venha contestar a filiação, salvo provando erro, dolo ou coação.

110. Art. 1.605: Este dispositivo está em desacordo com o princípio da verdade real nas relações de filiação, conforme sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA , pois o reconhecimento forçado da paternidade ou da maternidade, ainda com o advento do exame de D.N.A, independe de “começo de prova por escrito” ou de "veementes presunções resultantes de fatos já certos ", devendo ser eliminados os incisos, deixando-se somente o seu caput.

111. Art. 1.606: No tocante ao caput e ao parágrafo primeiro, a sugestão é da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela ser “ evidente que a ação de investigação da paternidade ou da maternidade não pode caber, indiscriminadamente, a qualquer pessoa. No entanto, a legitimidade ativa não pode ficar restrita ao filho, uma vez que sua relação é estabelecida com outra pessoa, o seu genitor, que também deve ter essa legitimidade”. Por essas razões, deve tal ação caber a quem tem legítimo interesse na demanda: filho e também pai e mãe biológicos. Quanto ao parágrafo segundo, deve a proposta ser creditada ao IBDFAM de Pernambuco, presidido pelo advogado EDUARDO SERTÓRIO, havendo a idéia nascido em reunião ordinária daquele instituto, da qual participaram o Des. JONES FIGUEIRÊDO ALVES e os advogados MÁRIO DELGADO e RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, este último presidente nacional do IBDFAM , com os seguintes argumentos, aos quais me acosto integralmente: “Não se pode olvidar que muito se evoluiu nas áreas médica e genética nos últimos anos. Tais evoluções produzem um inevitável impacto na ciência jurídica, tendo em vista que a função primordial do Direito é abarcar as mudanças sociais, atribuindo-lhes segurança e um cunho de jurisdicidade. Um desses progressos científicos consubstancia-se no advento do Exame de DNA, atualmente essencial para a determinação da ascendência biológica. A sua utilização tornou-se corriqueira nas ações de investigação de paternidade, uma vez que, para a solução da lide, praticamente dispensa a produção de outras provas, conferindo um grau de certeza quase absoluto quanto à existência ou não do vínculo genético entre as partes envolvidas .Diante dessa descoberta científica inominável, o que fazer com os casos julgados antes do advento deste exame? Continuarão construídos sob uma ficção jurídica? Uma vez enfocando o ordenamento jurídico em sua totalidade, não se deve perder de vista uma análise principiológica, em que se torna inevitável um sopesamento da hierarquia ou da preponderância de princípios, utilizando-se, para tanto, dos valores elencados pela Constituição Federal de 1988. Para tanto, pergunta-se: o que é mais relevante, o trancamento do processo através da coisa julgada ou o direito de personalidade que uma criança tem em conhecer a sua origem genética? Tendo em vista que a Constituição erigiu como fundamento da República o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, elegeu a realização plena da personalidade como eixo axiomático fundamental, a balizar todas as relações da nova ordem jurídica, além de ser esta a nova hermenêutica a orientar o operador do Direito. Em razão dessa premissa metodológica de análise do tema, não há dúvidas da preponderância do direito da criança em saber a sua ascendência genética, o que não justifica a manutenção da coisa julgada nesses casos. Considerando que o advento do novo Código Civil é uma excelente oportunidade para o legislador atualizar a ciência jurídica no compasso dos fatos sociais, a possibilidade do destrancamento da ação de

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investigação de paternidade na qual não houve realização do exame de DNA é um apelo justo e cabível, devendo a nova lei abarcar esta questão”. 112. Art. 1.609: A sugestão é da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Diz ela haver omissão do artigo no que se refere ao reconhecimento oficioso, que é subespécie do reconhecimento voluntário, o qual não tem a característica da espontaneidade, ocorrendo quando o pai confirma o vínculo de parentesco, diante de sua notificação judicial, após a remessa de certidão do registro, pelo Oficial do Registro Civil ao Juízo competente, apenas com a maternidade reconhecida e a qualificação do suposto pai. Essa espécie de reconhecimento foi prevista no art. 2º da Lei 8.560/92 e não consta deste artigo, devendo nele ser inserida.

113. Art. 1.614: O prazo disposto no artigo 1.614, de quatro anos contados da maioridade do filho para a impugnação da paternidade, está em desacordo com o princípio da imprescritibilidade do direito ao reconhecimento da filiação, já estatuído na Lei 8.069/90, art. 27, e também reconhecido neste Código. Se o filho não pode impugnar a relação de filiação constante de seu registro de nascimento, após o prazo referido neste dispositivo, conseqüentemente não poderá obter o reconhecimento da verdadeira relação de filiação, cuja ação perderá o caráter de imprescritibilidade. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

114. Art. 1.615: A sugestão é do Professor ZENO VELOSO, um dos maiores especialistas brasileiros em matéria de filiação, reconhecido internacionalmente. Apesar de todo o esforço que empreendi na relatoria geral, dado aos óbices regimentais por todos conhecidos, é de se reconhecer que o tema da filiação não corresponde às expectativas no novo Código Civil. Não estão bem separadas as hipóteses da filiação matrimonial que é estabelecida pela presunção pater is est, da filiação extramatrimonial, que depende do reconhecimento, da perfilhação, voluntária ou judicial. Embora não sejam admitidas discriminações ou desigualações, sem dúvida, são situações diferentes. A alteração proposta não tem o escopo de resolver todas as questões, o que dependeria de uma ampla reforma legislativa a respeito da filiação, como se fez em quase todos os sistemas modernos: Suíça, Bélgica, França, Itália, Argentina e Chile, por exemplo.O atual art. 1.615 diz que, qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade. Mas o Código não dá os requisitos desta ação. Menciona, no art. 1.606, a ação de prova da filiação, e parece, pela colocação da matéria que trata da filiação matrimonial. Na nova redação sugerida no art. 1.615 busco remediar o problema, incorporando alguns aspectos que decorrem da doutrina e da jurisprudência, como presumir a paternidade nos casos de posse de estado de filho e de a mãe conviver com o suposto pai na época da concepção. Proponho, ainda, atendendo a sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA o acréscimo de disposição (§ 3º), prevendo expressamente que a recusa à realização das provas médico-legais pelo investigado presume a paternidade. Na jurisprudência, o art. 359, II, do C.P.C. tem servido de fundamento à presunção da paternidade em face da recusa à realização da prova médico-legal pelo investigado. Mas este artigo não se refere expressamente à prova pericial, dispondo que “Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: II – se a recusa for havida por ilegítima”. Cite-se, a propósito, o seguinte acórdão: “INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - Exame hematológico – Recusa imotivada do requerido a comparecer ao exame pericial – Ato que leva a presunção da paternidade, mormente se aliado a provas que corroboram a existência de relacionamento amoroso entre o investigado e a genitora da investigante. Presume-se a paternidade de quem se recusa, imotivadamente, a realizar exame hematológico, traduzindo temor ao resultado, mormente quando há nos autos provas que corroboram ter existido relacionamento amoroso entre o investigado e a genitora da investigante” (10ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 139.554-4/1, j.14.03.2.000, Relator Desembargador Ruy Camilo, in RT 778/266).

115. Art. 1.618: Muito embora o Estatuto da Criança e do Adolescente continue em vigor, já que contém normas de extrema valia na proteção dos direitos dos menores, ou crianças e adolescentes, na denominação daquele diploma legal (v. Tânia da Silva Pereira, Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar, Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p. 73 e ss.), que não estão contempladas neste Código Civil, o presente Capítulo trata da adoção e busca a sua regulamentação de forma completa, razão pela qual devem ser acrescidos os dispositivos que constam da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente -, omitidos neste novo Código, sob pena de dois diplomas legais, concomitantemente, regularem a

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matéria da adoção, a causar dificuldades na interpretação do instituto. Por essa razão é proposta a inserção de três parágrafos ao artigo, vedando a adoção por ascendentes e irmãos do adotando, bem como a adoção por procuração, nos moldes do § 1º do art. 42 e do parágrafo único do art. 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e estabelecendo também a irrevogabilidade da adoção, consoante é estabelecido no art. 48 do ECA. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

116. Art. 1.623: O acréscimo dos parágrafos 1º e 2º atende a sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA e pretende adequar o novo Código à disciplina completa da adoção, consoante dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente. No que se refere ao § 3º deste artigo, conforme ressalta com maestria o Professor ZENO VELOSO, um dos maiores especialistas brasileiros em matéria de filiação, “não há razão ou motivo para que a adoção de pessoa maior e capaz só se possa fazer judicialmente. Nem que o Judiciário estivesse sem muito trabalho, e em dia com a prestação jurisdicional, a exigência seria razoável. Na forma proposta, há participação do notário (delegado do Poder Público) e a necessidade de homologação pelo Ministério Público (defensor da ordem jurídica). É suficiente! No mais, a proposta deixa claro que a adoção de maiores fica submetida, no que for cabível, às regras da adoção das crianças e dos adolescentes”. Acolhendo a sugestão do professor Zeno, proponho, ainda, deixar explícita a distinção entre a adoção de criança e adolescente e a adoção de adultos. Para esta, devem ser estabelecidos alguns requisitos especiais, como o assentimento do cônjuge ou companheiro e dos descendentes, evitando que a adoção contrarie os justos interesses da família. A proposta tem inspiração e paralelo no direito comparado (Código Civil Alemão – BGB, arts. 1745, 1767 e 1769, Código Civil Português, arts. 1974, 1981, 1, “b” e 1984, Código Civil Espanhol, art. 177, § 1º e Código Civil Argentino, art. 314, com a redação dada pela lei nº 24.779 , de 1997) 117. Art. 1.625: O novo Código não trata do estágio de convivência, que deve ser regulamentado neste dispositivo, nos moldes do art. 46, caput e parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente. É neste estágio que podem ser avaliados os benefícios da adoção ao menor, com vistas à sua adaptação ao novo lar. Propõe-se, então, o seguinte acréscimo ao dispositivo.

118. Art. 1.626: Para o fim de evitar interpretações dúbias, a regra do art. 49 do Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser inserida neste dispositivo, estabelecendo-se expressamente que a morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais.

119. Art. 1.628: É preciso acrescer as regras faltantes neste Código sobre adoção, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, para evitar dúvidas e dificuldades na interpretação do instituto, razão pela qual é sugerida a inserção de quatro parágrafos no dispositivo, que correspondem ao art. 47, caput e parágrafos da Lei 8.069/90.

120. Art. 1.629: Para o fim de possibilitar a completa regulamentação do instituto, recomenda-se a inserção dos dispositivos constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre essa matéria. 121. Art. 1.641, inciso II: A proposta pretende elevar a idade a partir da qual passa a ser obrigatório o regime da separação de bens de 60 para 70 anos, face à elevação da expectativa de vida da população brasileira. 122. Art. 1.642: Este dispositivo contém contradição com as disposições sobre a união estável, já que os artigos que a regulam fazem distinção entre o concubinato e a união estável. Segundo o art. 1723, § 1º, a separação de fato, por si só, autoriza a constituição de união estável. Deste modo, é descabida a utilização da expressão “concubino”, se o cônjuge estiver separado de fato. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

123. Arts. 1.659 e 1.668: A sugestão é do Juiz ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO. Realmente, há necessidade de exclusão do inciso VI do artigo 1.659 , pois os proventos do trabalho são via de regra aqueles que servem à aquisição de bens, sendo que, se continuarem a ser incomunicáveis, todos os bens sub-rogados em seu lugar serão havidos como incomunicáveis no regime da comunhão universal e da comunhão parcial, o que não faz qualquer sentido. No que se refere ao art. 1668, diz o Dr Alexandre que “o regime da comunhão universal de bens caracteriza-se pela comunhão dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Não faz sentido a exclusão dos rendimentos do trabalho, porque implicaria a exclusão de todos os bens adquiridos com estes rendimentos ante a sub-rogação. Acatada a

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exclusão do inciso VI do artigo 1.659 e procedendo-se com a renumeração respectiva, é necessário excluir sua referência no dispositivo em análise”. 124. Art. 1660: A proposta acrescenta a referência às acessões (semeadura, plantação e construção), que também são acréscimos e não são benfeitorias.

125. Art. 1.665: A referência feita no artigo sobre “a disposição dos bens” instala conflito com o que dispõe o artigo 1.647, porque naquela está prevista a necessidade de autorização do outro cônjuge para alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis. Propõe-se a retirada da expressão “e a disposição”, sanando o conflito. (Sugestão do Juiz ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO)

126. Art. 1.694: Deve ser acolhida a proposta realizada pelo IBDFAM – INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA -, pela qual bem pondera que é inadequado o atendimento à necessidades de educação do cônjuge ou do companheiro. Ainda, conforme a mesma proposta, a expressão “compatível com sua condição social” deve ser alterada e substituída por “digno”, já que a primeira poderá ser interpretada como impossibilidade de diminuição do padrão de vida, sabendo-se que, a depender da situação econômica e financeira dos envolvidos, especialmente dentre aqueles com menos recursos, a diminuição do padrão de vida é inevitável.

No que tange ao § 3º , o que se propõe já vinha sendo indicado pela doutrina de ponta. Na jurisprudência, igualmente, pacificou-se o entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos, mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da maioridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua educação (RT, 698/156 ; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao meu ver precisa ficar expresso no novo Código Civil.

127. Art. 1.700: Pelo regime do novo Código, o cônjuge também passou a ser herdeiro necessário, como estabelece o art. 1.845. Conforme o art. 1.829, o cônjuge tem direito à herança e concorre com os descendentes, salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641 II), ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. O art. 1832 dispõe que, em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I), caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. E o art. 1.837 dispõe que, concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. Assim, o cônjuge é herdeiro necessário, a depender do regime de bens, tendo o falecido deixado descendentes, e, havendo ascendentes, com participação variável conforme o grau de parentesco do herdeiro com o falecido. Desse modo, o cônjuge tem direito assegurado a parte da herança.Por outro lado, o companheiro, na união estável, não é havido como herdeiro necessário.Assim, a transmissibilidade da obrigação de alimentos deve ser restrita ao companheiro e ao cônjuge, a depender, quanto a este último, de seu direito à herança.Além disso, o dispositivo estabelece que a transmissão da obrigação de alimentos ocorrerá nas condições do art. 1.694, cujo § 1º dispõe que “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Desse modo, segundo o artigo em análise, a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor segundo as suas possibilidades, independentemente dos limites das forças da herança.A obrigação de prestar alimentos que se transmite aos herdeiros do devedor sempre deve ficar limitada aos frutos da herança, não fazendo sentido que os herdeiros do falecido passem a ter a obrigação de prestar alimentos ao credor do falecido segundo suas próprias possibilidades. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

128. Art. 1.701: O instituto dos alimentos entre parentes compreende a prestação do que é necessário à educação independentemente da condição de menoridade, como princípio de solidariedade familiar. Esse pensamento está pacificado na jurisprudência, de modo que a cessação da menoridade não é causa excludente do dever alimentar. Com a maioridade, embora cesse o dever de sustento dos pais para com os filhos, pela extinção do poder familiar (art. 1.635, III), persiste a obrigação alimentar se comprovado que os filhos não têm meios próprios de subsistência e necessitam de recursos para a educação (RJTJSP, 18/201; RT 522/232, 698/156, 727/262).Assim, deve ser suprimida a parte final do dispositivo, “quando menor”, e acrescida referência à obrigação oriunda do parentesco, já que é somente nesta

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que tem cabimento a inclusão de verba destinada à educação, bem como a prestação em forma de hospedagem e sustento. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

129. Art. 1.707: A renúncia aos alimentos feita por cônjuge ou por companheiro é legítima. Os alimentos somente são irrenunciáveis se decorrentes de parentesco (jus sanguinis), sendo que o cônjuge e o companheiro não são parentes. Esclarece Yussef Said Cahali que, “como os cônjuges são maiores e capazes, podendo eles, de comum acordo, dispensar a prestação, reconhece-se ser lícito .... renunciar à pensão, sem direito de exigi-la posteriormente” (Yussef Cahali, Divórcio e Separação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2000, p. 228). Assim, mesmo com a edição da súmula 379 do STF: “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”, os Tribunais Estaduais e o Superior Tribunal de Justiça continuaram a decidir de forma diversa do estabelecido no provimento sumular. A renunciabilidade dos alimentos no casamento e, evidentemente, na união estável está mais do que consagrada na jurisprudência, superada a súmula 379 do STF (STJ – 4ª Turma, - Recurso Especial no. 94121/SP, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 27.08.1996; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no 85683/SP, Relator Min. Nilson Naves, j. 28.05.1996; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no 48550/SP, Relator Min. Waldemar Zveiter, j. 25.10.1994; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 40408/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 04.10.1994; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 37151/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 13.06.1994; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 19453/RJ, Relator Min. Waldemar Zveiter, j. 14.04.1992; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 17719/BA, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 16.03.1992; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 9286/RJ, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 11.11.1991; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 36749/SP, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23.08.1999. STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no. 64449/SP, Relator Min. Bueno de Souza, j. 25.03.1999; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 95267/DF, Relator Min. Waldemar Zveiter, j. 27.10.1997; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no. 33815/SP, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 24.06.1997; STJ – 3ª Turma, Recurso Ordinário em Habeas Corpus no. 11690/DF, Relator Min. Nancy Andrighi, j. 08.10.2001; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no. 254392/MT, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13.02.2001; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no. 70630/SP, Relator Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.09.2000; RT 731/278; RT 696/99; RT 563/210; TJ/SP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação no. 68.603.4/4, Relator Des. Linneu Carvalho, j. 10.03.1998; TJ/SP – 5ª Câmara de Férias “B” de Direito Privado, Apelação no. 11.350.4/7, Relator Des. Marco César, j. 09.08.1996; TJ/SP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação no. 67.402-4/0, Relator Des. J. Roberto Bedran, j. 10.03.1998; TJ/SP – 3ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento no. 090.676-4/2, Relator Des. Mattos Faria, j. 23.02.1999). Do jeito que está redigido a art. 1707, estaremos retornando ao sistema da irrenunciabilidade, o que é um retrocesso que precisa ser corrigido, razão pela qual é formulada a presente proposta .

130. Art. 1.709: Não é somente diante de novo casamento que permanece o dever do alimentante de prestar alimentos à família antes constituída. Independentemente da espécie de família constituída pelo devedor de alimentos, seja casamento, seja união estável, sua obrigação se mantém, razão pela qual se propõe a modificação do dispositivo. (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

131. Art. 1.717: A exegese da parte final do texto legal que dispõe: “ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público”, induz que a alienação do bem de família pode ser realizada sem autorização judicial, o que não me parece melhor solução. Se o artigo 1.719 prevê a necessidade de autorização judicial para a extinção ou sub-rogação dos bens que constituem o bem de família em outros, como a alienação, que implica necessariamente a extinção do bem de família, poderia prescindir de pronunciamento judicial ? Aliás, a referência à alienação ficaria melhor no artigo 1.719. Daí porque propõe-se , para este artigo, um ponto final após a referência do artigo 1.712.

132. Art. 1.719: Tratando este dispositivo de modificação no bem de família, pela impossibilidade de sua manutenção nas condições em que foi instituído, melhor ficaria aqui tratada a possibilidade de alienação referida no artigo 1.717.

133. Arts. 1.721 e 1.722: A proposta pretende compatibilizar a redação do art. 1721 com outros dispositivos do novo Código, que equiparam os direitos decorrentes da união estável com aqueles oriundos do casamento.

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134. Art. 1.723: O art. 1641, incisos I e II deve aplicar-se não só ao casamento, mas, também, à união estável. Segundo aquele dispositivo, o casamento celebrado com causa suspensiva e contraído por pessoa com idade superior a sessenta anos (ou setenta anos conforme nossa proposta ao art. 1641) tem, obrigatoriamente, o regime de separação de bens. Na união estável, segundo o § 2º do dispositivo em análise, “As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização de união estável”, e não há limite máximo de idade para que sejam produzidos os efeitos previstos no art. 1725. Então, se a pessoa se casa, com causa suspensiva ou com mais de sessenta anos, submeter-se-á obrigatoriamente ao regime da separação de bens, e, se passa a viver em união estável, nas mesmas circunstâncias, não sofrerá qualquer restrição no regime de bens, que, pela lei, será o da comunhão parcial. Essa diferença de tratamento não faz qualquer sentido.A possibilidade de homologação judicial da dissolução consensual de união estável deve ser prevista em lei, para que reste indene de dúvida sua viabilidade em extinções de união estável realizadas por mútuo acordo, muito embora permaneça a possibilidade de sua realização por instrumento particular, para o fim de preservar a liberdade no rompimento da relação, independentemente de procedimento judicial (v. Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato e união estável, 5ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 1999, p. 60). (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA) 135. Art. 1.725: Para o fim de reforçar a regra de que os bens adquiridos no curso da união estável com recursos anteriormente existentes não se comunicam ao companheiro, propõe-se a inclusão de parágrafo único no presente artigo. O parágrafo segundo, por sua vez, foi acrescentado atendendo a sugestão do professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO e pretende resguardar as relações dos companheiros com terceiros, a bem da segurança dos negócios jurídicos.

136. Art. 1.726: O artigo repete a regra inscrita no art. 8º da Lei 9278/96, acrescendo-lhe a necessidade de pedido dos companheiros ao juiz. O procedimento judicial é dispensável, já que, pelas regras do casamento, sempre será necessário o processo de habilitação para a sua realização, conforme os arts. 1.525 e seguintes deste Código. Além disso, a imposição de procedimento judicial dificulta a conversão da união estável em casamento, em violação ao referido artigo da Constituição Federal, devendo ser suprimida. Consoante a sugestão a seguir, o requerimento dos companheiros deve ser realizado ao Oficial do Registro Civil de seu domicílio e, após o devido processo de habilitação com manifestação favorável do Ministério Público, será lavrado o assento do casamento, prescindindo o ato da respectiva celebração (v. Provimento nº 10, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo). (Sugestão da professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA)

137. Art. 1.727: Há grave contradição entre este artigo e o disposto no artigo 1.723, § 1º, que possibilita a constituição de união estável àqueles que, embora impedidos de casar, estão separados de fato. Daí a alteração procedida na cabeça do artigo. Quanto ao parágrafo único, a proposta contempla disposição constante do Esboço de Projeto de Lei discutido em sucessivas reuniões e, afinal, redigido em abril/02, pela comissão de familiaristas coordenada pelo ilustre professor Segismundo Gontijo (MG) a pedido da Comissão de Família e Seguridade Social, da Câmara Federal, como substitutivo de outros projetos sobre a matéria, em tramitação na Casa.

138. Art. 1.727-A : É imperioso que se acrescente dispositivo que reconheça direitos patrimoniais às uniões fáticas de duas pessoas capazes, mesmo porque a própria jurisprudência já vem atribuindo a essas uniões os mesmos efeitos jurídicos das sociedades de fato. Entendo que pelo menos a questão patrimonial entre parceiros civis deve ser disciplinada no Direito de Família. 139. Art. 1.729: A sugestão é do Juiz ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO. Diz ele que “a exigência da conjugação de vontade de ambos os pais para a nomeação de tutor poderá acarretar, na prática, transtornos insuperáveis. Deste modo, entendo conveniente a flexibilização da norma com o acréscimo de um parágrafo com a seguinte redação: “A nomeação poderá ser realizada por somente um dos pais, se o outro estiver impossibilitado de fazê-lo”. O parágrafo único passaria a ser o parágrafo primeiro.”

140. Art. 1.731: A sugestão é do Juiz ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO. Diz ele que “O instituto da tutela tem o objetivo de preservar o menor que se vê sem a proteção de seus pais, pela morte, ausência ou quando decaírem do poder familiar. Inexistindo tutor testamentário, este artigo estabelece ordem de preferência entre os parentes. É natural que assim seja, pois a solidariedade familiar é presumida. Acontece que pode existir casos em que

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o menor estaria melhor com terceiro. Diante da redação deste artigo fica difícil a nomeação de um tutor não parente. Por este motivo, sugerimos seja acrescentado o parágrafo único “ 141. Art. 1.736: Não faz sentido a manutenção do inciso I, em face da norma constitucional que estabelece a igualdade em direitos e deveres entre o homem e a mulher (art. 5º, I) e entre os cônjuges (art. 226, § 6º). Propõe-se a exclusão do inciso I, com a indispensável renumeração dos restantes. 142. Art. 1.768: Pecou o artigo por não incluir o companheiro ao lado do cônjuge, como legitimado para a propositura da ação de interdição. A união estável tem previsão constitucional e é regulamentada neste Código. Por este motivo propõe-se nova redação para o inciso II.

143. Art. 1.788: A sugestão aqui é do mestre ZENO VELOSO, como aliás são todas as outras a seguir expostas, no que se refere à matéria sucessória. Na sua parte final, o art. 1.788 estabelece que subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar ou for julgado nulo. Neste ponto, o Código Civil incorre na erronia já verificada no Código Civil de 1916. Analisando o art. 1.575 do Código Civil de 1916 – que equivale à parte final do art. 1.788, Clóvis Beviláqua expõe que sua redação é censurável por discrepar da técnica jurídica, e por não dar ao pensamento da lei toda a extensão necessária. O pecado técnico, diz Clóvis, está em usar do vocábulo nulo, para significar nulo e anulado; a insuficiência da expressão consiste em reduzir a ineficácia do testamento aos casos de caducidade e nulidade, deixando de mencionar, como se estivessem contidas nessas palavras as idéias de ruptura e anulação (Código Civil Comentado, Livraria Francisco Alves, 3a ed., 1933, v. VI, p. 10).Realmente, o testamento pode ser nulo e anulável, e estas são espécies de invalidade. Mas o testamento pode ser ineficaz porque caducou ou em razão de rompimento.Rompe-se o testamento quando sobrevém descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, se esse descendente sobreviver ao testador (art. 1.973), ou se o testamento foi feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários (art. 1.974).Caducidade ocorre quanto o testamento, embora válido, perde a sua eficácia em decorrência de um fato posterior, como, por exemplo, se o herdeiro nomeado falecer antes do testador, ou se for incapaz ou for excluído, ou se renunciar (art. 1.971); se a instituição estava subordinada a uma condição e esta não se verificou; se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque, onde possa fazer outro testamento, no caso dos testamentos marítimo e aeronáutico (art. 1.891), ou se o testador estiver, depois de feito o testamento militar, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se o testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do art. 1.894 (art. 1.895).

144. Art. 1.790: O art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor – Leis nos 8.971/94 e 9.278/96.

145. Art. 1.800: A remissão que o § 1o deste artigo faz ao art. 1.775 não está correta. São as pessoas indicadas no art. 1.797 que devem, no caso, exercer a curatela dos bens hereditários (cf. art. 1.988 do Anteprojeto de Código Civil – Revisto (1973), in Código Civil – Anteprojetos, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, Brasília, 1989, v. 5, t. 2, p. 422).

146. Art. 1.801: Esse inciso faz alusão ao prazo de cinco anos de separação .Este prazo é excessivo, e até entra em contradição com a regra do art. 1.830, que não reconhece direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, estava separado de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

E há mais: o Código Civil admite que pessoa casada constitua união estável, se estiver separado de fato do cônjuge (art. 1.723, § 1o). Parece que não se devia proibir que pessoa casada, que não convive mais com o cônjuge, nomeie herdeira ou legatária alguém com quem não convive, pública, contínua e duradouramente, com o objetivo de constituição de família – o que é união estável –, mas com a qual mantém relações não eventuais.

147. Art. 1.815. O direito de que trata o parágrafo único deste artigo é potestativo, sujeito, portanto, a prazo de decadência. Em sua redação original, o dispositivo repete o art. 178, § 9º, IV do CC/16 estabelecendo um prazo decadencial de quatro anos, o que é excessivo. Decorridos quatro anos após o óbito do “de cujus”, o inventário normalmente já está concluído e a partilha feita, acabada e julgada, não parecendo conveniente, em benefício da própria segurança jurídica, permitir-se , até aquela data, a introdução de uma questão que não foi

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suscitada antes, contra herdeiro ou legatário que se habilitou oportunamente. Este novo Código, por seu turno, vem diminuindo os prazos de prescrição, bastando comparar-se o art. 205 do CC/2002 com o art. 177 do CC/16. Por essa razão, proponho a redução de quatro para dois anos do prazo mencionado no parágrafo único do art. 1815, à semelhança do que já ocorre no CC Português (arts. 2.036 e 2.167).

148. Art. 1.829: A proposta pretende corrigir equívoco de remissão. O parágrafo único do artigo 1829 refere-se ao artigo 1640, parágrafo único, quando a remissão correta seria ao artigo 1641.

149. Art. 1.831: Não há razão para manter o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. “Quem casa faz casa”, proclama o dito popular. Melhor e mais previdente a restrição do art. 1.611, § 2o, do Código Civil de 1916.

150. Art. 1.834: Os descendentes já são de uma mesma classe. O que o dispositivo quis dizer, atualizando a regra do art. 1.605 do Código Civil de 1916, é que estão proibidas quaisquer discriminações ou restrições baseadas na origem do parentesco. Proclama a Constituição, enfaticamente, no art. 227, § 6o, que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, o que este Código repete e reitera no art. 1.596. Obviamente, o princípio da não-discriminação, até por ser uma regra fundamental, se estende e projeta a todos os descendentes. Para efeitos sucessórios, aos descendentes que estejam no mesmo grau.

151. Art. 1835: O acréscimo do parágrafo único ao art. 1835 foi sugerido pela professora Márcia Cristina dos Santos Rêgo , da UFPA e objetiva compatibilizar o dispositivo com o disposto na Lei nº 10.050, de 14 de novembro de 2000, que acrescentou um parágrafo terceiro ao art. 1611 do Código Civil de 1916. Esse dispositivo do velho código dispunha acerca do chamamento do cônjuge à sucessão legítima e conferia-lhe em seu parágrafo segundo o direito real de habitação em caso de haver um único imóvel residencial, observados alguns requisitos. Pois bem, o parágrafo acrescentado trouxe uma inovação sem precedentes, que foi a extensão daquele direito real de habitação ao filho órfão portador de deficiência que o impossibilitasse para o trabalho, coadunando-se com o inciso XIV do art. 24 da própria Lei Maior. O dispositivo descaradamente protege o portador de deficiência e não a figura do filho em si, partindo da máxima aristotélica de que a igualdade faz-se a partir do tratamento desigual conferido aos desiguais, posto que aquele que se encontra em posição desfavorável, como o deficiente e o consumidor, por exemplo, precisa ser tratado com deferência, ou seja, precisa que o sistema o guarneça com muito mais empenho que aos demais. Fato é que dito dispositivo, pouco conhecido, pouco discutido, pouco estudado e pouco aplicado, deixou de figurar no novo código civil, em evidente retrocesso legislativo do chamado direito civil constitucional, que simplesmente o ignorou, como se desconhecesse de sua relevância. Parece-nos o momento, então, de corrigir tal equívoco, reintroduzindo aquele benefício no ordenamento, carreado por novos requisitos indissociáveis, além daqueles em vigor, quais sejam: a) ausência dos pais; b) ser filho portador de deficiência; c) impossibilidade para o trabalho; d) necessidade. 152. Art. 1.848: O art. 1.848, caput, em sua redação atual só admite a imposição de cláusulas restritivas à legítima – inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade –, se houver justa causa, declarada no testamento. Não devia ter sido incluída na previsão do art. 1.848 a cláusula de incomunicabilidade. De forma alguma ela fere o interesse geral, prejudica o herdeiro, desfalca ou restringe a legítima, muito ao contrário. O regime legal supletivo de bens é o da comunhão parcial (art. 1.640, caput), e, neste, já estão excluídos da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão (art. 1.659, I). Assim sendo, se o testador impõe a incomunicabilidade quanto aos bens da legítima de seu filho, que se casou sob o regime da comunhão universal, nada mais estará fazendo do que seguir o próprio modelo do Código, e acompanhando o que acontece na esmagadora maioria dos casos.

153. Arts. 1.859 e 1.909, parágrafo único : Como a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir: o prazo de caducidade se aplica tanto ao caso de nulidade como de anulabilidade. A invalidade é o gênero, que comporta as duas espécies (art. 166 e 171), e não deve ser confundida com a revogação (arts. 1.969 a 1.972), a caducidade (art. 1.971) e o rompimento do testamento (arts. 1.973 a 1.975).

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No art. 1.909, o Código afirma que são anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação, e o parágrafo único desse artigo prevê: “Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício”.

Como se vê, o prazo para que a ação seja interposta, no caso de anulabilidade da disposição testamentária é elástico, não tem termo inicial rígido, certo, e, embora possa servir melhor ao interesse puramente individual, não convém à sociedade, pois introduz um fator de insegurança jurídica. O testamento é negócio jurídico mortis causa, que tem eficácia quando o seu autor já não mais está presente. Manter a possibilidade de questionar e atacar uma disposição, por vício de vontade que teria sofrido o testador, e isto por um tempo variável, indeterminado, tornando instável e vacilante o processo de transmissão hereditária, com certeza, não é de melhor política legislativa. Pode ocorrer, inclusive, em muitos casos, que o prazo para anular a mera disposição testamentária – portanto, para anular parcialmente o testamento –, seja maior, e muito maior do que o prazo para argüir a anulação ou para declarar a nulidade do testamento inteiro. A nulidade pode ser total ou parcial, fulminar todo o testamento, ou parte dele, ocorrendo o mesmo com a anulabilidade (art. 184). Pode ser nula, ou anulável, apenas uma cláusula, somente uma disposição do testamento.

Como está posto, a anulação da disposição testamentária, cuja ação é cabível a partir do momento em que o interessado tiver conhecimento do vício, pode ocorrer num prazo variável, algumas vezes extremamente longo, ocorrendo, eventualmente, muito depois da própria execução da disposição testamentária. Isto gera instabilidade, e não é bom, Um testamento nulo, por exemplo, não pode mais ter a validade impugnada depois de cinco anos do seu registro. Mas uma disposição que ele contém, sob o argumento de que o testador errou, deliberou mediante dolo, ou foi vítima de coação, pode ser anulada muito depois daquele prazo, pois a decadência do direito de atacar a disposição começa a ser contada de “quando o interessado tiver conhecimento do vício”. É necessário promover uma alteração nos arts. 1.859 e 1.909, parágrafo único, para evitar a contradição e os conflitos que eles podem gerar. O prazo para pleitear a anulação deve corresponder ao que está previsto no art. 178. (Sugestão do professor ZENO VELOSO)

154. Art. 1.860: A redação original desse artigo menciona os incapazes, sem distinguir os absolutamente incapazes (art. 3o) e os relativamente incapazes (art. 4o). Trata-se de um equívoco, que precisa ser corrigido, sabendo-se que o testamento outorgado por incapaz é nulo de pleno direito. Não há razão para proibir que os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido, sejam proibidos de testar, se, apesar de reduzido, tenham entendimento ou compreensão suficiente para saber o que estão fazendo, no momento em que outorgam a disposição de última vontade. É uma questão de fato, a ser apurada em cada caso concreto. Daí a minha proposta para o artigo passe a se referir expressamente aos “absolutamente incapazes” .

155. Art. 1.864. A proposta, seguindo sugestão que já constava do “Anteprojeto Orlando Gomes” , pretende acrescentar o parágrafo segundo ao art. 1864, para evitar que terceiros tenham acesso a um ato que, embora válido desde a data de sua confecção, só terá eficácia após morte do testador. Não deve, pois, só porque chamado de “ público” , ficar aberto, permitindo-se o seu acesso a qualquer pessoa. Nesse sentido, é a melhor doutrina, como resume o mestre JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO : “Note-se que a qualificação como público de um testamento não significa que ele esteja aberto desde logo ao conhecimento de todos: a publicidade, aqui, refere-se antes à oficialidade na sua autoria material. Enquanto o testador vive, o testamento é mantido secreto e só após a morte dele se poderá dar conhecimento a outras pessoas” (in Direito Civil – Sucessões, Coimbra Editora, 2000, n. 33, p. 63). Além das disposições patrimoniais, o testamento pode conter outras disposições de caráter pessoal – uma confissão, o reconhecimento de um filho havido fora do casamento, uma deserdação – e é de extrema inconveniência que essas disposições sejam conhecidas de terceiros. Na Espanha (Código Notarial, art. 226) e em Portugal (Código do Notariado, art. 176,2) proíbe-se que seja fornecida certidão do testamento público antes do óbito do testado. Devemos seguir esse modelo. Enquanto vivo , somente o testador, a princípio, tem legítimo interesse para requerer a certidão de seu testamento.

156. Art. 1.881: O Código autorizou, expressamente, a utilização de meios mecânicos para a confecção dos testamentos ordinários (arts. 1.864, parágrafo único; 1.868, parágrafo único; 1.876, § 2o). Do mesmo modo, devia ter dada idêntica solução, tratando-se de codicilo.

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157. Art. 1.963-A: Ao regular a deserdação, o novo código, embora anunciando, no art. 1.961, que os herdeiros necessários podem ser deserdados, nos artigos seguintes, indicando as causas que autorizam a privação da legítima, só menciona a deserdação dos descendentes por seus ascendentes (art. 1.962) e a deserdação dos ascendentes por seus descendentes (art. 1.963). E o cônjuge, que é, também, herdeiro necessário? Sem dúvida foi um esquecimento, e esta omissão tem de ser preenchida, para resolver o problema.Em muitas legislações, numa tendência que é universal, a posição sucessória do cônjuge foi privilegiada, mas prevê-se, igualmente, a possibilidade de ele ser deserdado, com as respectivas causas (BGB, art. 2.335; Código Civil suíço, art. 477; Código Civil peruano, art. 746; Código Civil espanhol, art. 855; Código Civil português, art. 2.166).

158: Art. 1.965: Proponho duas alterações ao presente artigo. No parágrafo único, que passa a denominar-se parágrafo primeiro, estou reduzindo de quatro para dois anos o prazo decadencial, tendo em vista as considerações expendidas na proposta de alteração do art. 1.815. Em seguida, deve ser acrescentado o parágrafo segundo, acatando sugestão do Professor ZENO VELOSO, para quem, “embora, sob a égide do Código Civil de 1916, haja a opinião dominante de que os descendentes do deserdado tomam o lugar dele na herança, exercendo o direito de representação, pois a pena não pode se irradiar aos descendentes do que praticou os atos desabonadores, para espancar dúvidas, convém que esta solução seja dada expressamente na lei”.

159. Art. 2.002: O artigo 2.002 se omitiu quanto à necessidade de o cônjuge colacionar, embora o art. 544 enuncie que a doação de um cônjuge a outro importa adiantamento de legítima. Esta questão, no entanto, necessita ficar bem clara e explícita. Como sabemos, o cônjuge foi muito beneficiado no direito sucessório, e aparece, neste Código, numa posição realmente privilegiada. Não é razoável e justo que ele não fique obrigado a trazer à colação os valores de bens que recebeu em doação do de cujus, enquanto os descendentes têm este dever. Se forem chamados os descendentes e o cônjuge sobrevivente à herança do falecido, os descendentes precisam restituir o que receberam antes, como adiantamento de legítima, enquanto que as liberalidades feitas em vida pelo falecido ao cônjuge não estão sujeitas à colação. Ademais, se o doador quiser imputar na sua metade disponível a doação que fizer ao cônjuge, basta que mencione isto, expressamente, no ato de liberalidade ou em testamento (arts. 2.005 e 2.006).Assim, entendo que deve ser prevista a obrigação de o cônjuge sobrevivo conferir as doações recebidas do outro cônjuge, quando for chamado à herança, conjuntamente com os descendentes. Se concorrer com os ascendentes, não seria o caso, pois estes não estão sujeitos à colação.

160. Art. 2.038: A sugestão é do professor JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR. Diz ele que “verificou-se o acolhimento do instituto da enfiteuse para os terrenos de marinha e acrescidos, em que pese estarmos diante de um alvissareiro Código Civil que vem a lume no alvorecer de um novo século e início de milênio, tornando ainda mais difícil justificar a sua manutenção em sede pública e o seu banimento na área privada. O próprio legislador tratou de remeter a regulamentação do instituto para as leis especiais. Nesse caso, o que vamos encontrar, efetivamente, é uma lei extravagante de conteúdo muito pouco palatável no que concerne à renovação do pagamento do foro (Lei 9.636, de 15 de maio de 1998 -DOU 18/05/98 que "dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-leis nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, e no 2.398, de 21 de dezembro de 1987, e que regulamenta o § 2º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências". Por sua vez, essa lei foi regulamentada através do Decreto 3.725, de 10 de janeiro de 2001 (DOU 11.01.2001). Desses dois sistemas normativos (lei e decreto regulamentador) o que se constata, de uma forma geral, é uma disfunção do próprio instituto da enfiteuse, com sérios prejuízos aos titulares do domínio útil ou ocupantes de imóveis dominiais da União. Se por um lado o recadastramento de toda a orla marítima brasileira é medida extremamente salutar e digna de louvor, assim como a retomada dos bens irregulares, por outro lado, exigir de todos os foreiros um novo pagamento atualizado pela ocupação de seus imóveis é providência sem qualquer precedente ou paralelo.Ademais, pagar novamente pelo domínio útil (com base em valores atualizados de mercado) dos imóveis que já ocupam há vários anos, a título de aforamento, mesmo aqueles titulares que tenham suas obrigações regularizadas e em dia, junto ao SPU (art. 13 da Lei 9636/98), é medida que afronta o bom senso e o direito; diga-se o mesmo no que concerne à perda dos direitos já existentes transformados em "cessão de uso oneroso, por prazo indeterminado" (art. 17 da Lei 9636/98), caso não exerçam a preferência de opção pelo

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aforamento em tempo hábil ( = representa o pagamento pelo domínio útil).Data vênia, afigura-se um desacerto jurídico a manutenção do § 2º do art. 2038 do novo CC, tendo-se em conta que o regime enfitêutico haveria de ter sido extinto por completo do nosso sistema jurídico, reservando-se para a União, através de leis especiais, a definição de determinadas faixas de terras de marinha, para a identificação de pontos estratégicos para a defesa nacional e não manter tais imóveis em sua titularidade, na qualidade de “senhorio direto”, o que representa uma evidente e inadmissível disfunção da propriedade nos dias atuais. Trata-se, na verdade, da manutenção de um vetusto modelo jurídico que se destina, no caso, lamentavelmente, nos termos dos diplomas legais mencionados, de maneira descomedida, a enriquecer os cofres públicos da União, num sistema semelhante àquele encontrado no Brasil colonial”. Concordo com a sugestão . Por isso, considerando-se o que já foi dito, bem como as fortes resistências que se vêm formando em todo o País contra as malsinadas normas (Lei 9.636/98 e Decreto 3.725/01) deve o Congresso Nacional modificar a redação do § 2º do art. 2038. A extinção do regime enfitêutico dos chamados terrenos de marinha e acrescidos, de forma gradativa e bem programada, haverá de trazer à União, benefícios diversos, políticos, sociais, econômicos e financeiros. Apenas a título exemplificativo, basta lembrar que o recadastramento e a simples cobrança do foro àqueles que se encontram inadimplentes ou em atraso com suas obrigações, permitindo-se desta forma a regularização da situação atual, e a conseqüente retomada integral do imóvel para o patrimônio da União, caso se verifique o não cumprimento das determinações em determinado prazo a ser concedido, representará também uma importante fonte de receita e até mesmo a possibilidade de transformação plena da propriedade imóvel para o seu patrimônio, sem causar os inconvenientes do atual sistema e, de maneira concomitante, através da extinção paulatina da enfiteuse. Nada obstante, a medida conferirá ao titular do domínio útil a possibilidade efetiva de adquirir a propriedade plena do imóvel, após o cumprimento de determinadas condições definidas em lei, sem prejuízo da reserva de determinadas áreas para a defesa nacional, conforme expressamente previsto no art. 20 da CF/88. Só assim a propriedade, em sua plenitude, atingirá os seus fins sociais. Registre-se que não há qualquer necessidade de modificação da Constituição Federal, art. 20, VII (Art. 20. São bens da União: ... VII - os terrenos de marinha ). A definição do que se compreende por "terrenos de marinha" deve ocorrer através de lei especial que versará sobre a matéria em questão, no que concerne às áreas que serão mantidas e posteriormente consideradas como "terrenos de marinha", mantendo-se assim a Lei Maior sem qualquer retoque. 161. Art. 2.045: A lei complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, ao disciplinar o processo legislativo, impõe que toda cláusula de revogação mencione expressamente os dispositivos revogados. Para se evitar a insegurança da revogação tácita, decorrente do fato da nova lei passar a disciplinar completamente determinados assuntos, é de toda conveniência que se faça menção expressa aos dispositivos revogados pelo novo código, a saber: o Decreto nº 3.708 de 1919, por força do disposto nos arts. 1052 a 1087, os arts. 1º a 27 da Lei nº 4.591, de 16/12/1964, por força do disposto nos arts. 1331 a 1358, a Lei 6.015, de 31/12/1973 (Lei dos Registros Públicos), arts. 71 a 75, por força dos arts. 1.515 e 1.516 do novo Código Civil; a Lei 6.515, de 26/12/1977 (Lei do Divórcio), arts. 1º a 33, art. 43, art. 44, art. 46, por força dos arts. 1.571 a 1.590 do novo Código Civil; a Lei 8.069, de 13/07/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), arts. 39 a 52 por força dos arts. 1.618 a 1.629 do novo Código Civil;a Lei 8.560, de 29/12/1992 (Lei da Investigação da Paternidade), por força do art. 1.609 do novo Código Civil; Lei 8.971, de 29/12/1994 (Lei que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão), art. 1º, por força dos arts. 1.694 a 1.710 do novo Código Civil;Lei 9.278, de 10/05/1996 (Lei que regula o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal), arts. 1º a 7 , caput e art. 8º . Registro , finalmente, que a nova denominação que pretendo atribuir ao Livro III da Parte Especial, substituindo a vetusta expressão “DIREITO DAS COISAS”, atende aos anseios e postulações dos mais renomados doutrinadores, a exemplo do já citado JOEL DIAS FIGUEIRA JUNIOR, que ofereceu o seguinte subsídio ao meu trabalho: “Há muito o Título do Livro do nosso Código Civil “Direito das Coisas” sofre severas críticas da doutrina contemporânea, que procura demonstrar que a expressão utilizada afigura-se restritiva e incompatível com a amplitude do próprio Livro, à medida que trata da posse (considerada como um fato sócio-econômico potestativo e não como um direito real), assim como regula todos os direitos reais. Por outro lado, a palavra “coisas” denota apenas uma das espécies de “bens” (gênero) da vida, razão pela qual seria manifesta atecnia jurídica continuar conferindo a um dos Livros do Código

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Civil o Título de Direito das "coisas", uma vez que regula as relações fáticas e jurídicas entre sujeitos e os bens da vida suscetíveis de posse e direitos reais “. Assim, considerando que o novo Código primou por conferir a melhor terminologia aos institutos jurídicos, títulos, capítulos e seções, apresenta-se manifestamente procedente a sugestão do Professor Joel, impondo-se a correção desse lapso, conferindo ao Livro III a denominação adequada: "DA POSSE E DOS DIREITOS REAIS" Sala das Sessões, em de de 2002. Deputado RICARDO FIUZA

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ANEXO IX - LEI 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994

Presidência da RepúblicaCasa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994.

Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 29 de dezembro de 1994; 173º da Independência e 106º da República. ITAMAR FRANCO Alexandre de Paula Dupeyrat Martins Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 30.12.1994 ANEXO X - LEI 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996 LEI N. 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996 Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Artigo 1º - É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Artigo 2º - São direitos e deveres iguais dos conviventes: I - respeito e consideração mútuos; II - assistência moral e material recíproca; III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns. Artigo 3º - Vetado. Artigo 4º - Vetado. Artigo 5º - Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são consideradas fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. § 1º - Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.

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§ 2º - Administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Artigo 6º - Vetado. Artigo 7º - Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único - Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. Artigo 8º - Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. Artigo 9º - Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça. Artigo 10 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Artigo 11 - Revogam-se as disposições em contrário.

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ANEXO X – LEI N. 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996

Regula o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal.

O Presidente da República:

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Artigo 1º - É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Artigo 2º - São direitos e deveres iguais dos conviventes:

I - respeito e consideração mútuos;

II - assistência moral e material recíproca;

III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

Artigo 3º - Vetado.

Artigo 4º - Vetado.

Artigo 5º - Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são consideradas fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

§ 1º - Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.

§ 2º - Administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Artigo 6º - Vetado.

Artigo 7º - Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único - Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Artigo 8º - Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.

Artigo 9º - Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça.

Artigo 10 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Artigo 11 - Revogam-se as disposições em contrário.

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ANEXO XI - ANTEPROJETO DE REFORMA DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL DE

1999 ANTEPROJETO DE LEI Código Penal Altera dispositivos do Código Penal e dá outras providências. Art. 1º. A Parte Especial do Código Penal (Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) passa a vigorar com a seguinte redação: “PARTE ESPECIAL TÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A PESSOA CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A VIDA Homicídio Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Homicídio qualificado § 1º. Se o crime é cometido: I - mediante paga, promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - por preconceito de raça, cor, etnia, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem; IV - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; V - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; VI - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; VII - por grupo de extermínio: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio privilegiado § 2º. Diminui-se a pena de um sexto a um terço, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Eutanásia § 3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Exclusão de ilicitude

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§ 4º. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Homicídio culposo § 5º. Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 6º. Aumenta-se a pena prevista no parágrafo anterior até metade, se o agente: I - deixa de prestar socorro à vítima, quando possível e sem risco pessoal; II - comete o crime em estado de embriaguez, pelo álcool ou substância de efeitos análogos; III - não procura diminuir as conseqüências do crime; IV - viola norma técnica de profissão, arte, atividade ou ofício. Isenção de pena § 7º. O juiz, no homicídio culposo, deixará de aplicar a pena, se a vítima for cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa a quem o agente esteja ligado por estreitos laços de afeição e se o próprio agente tiver sido atingido, física ou psiquicamente, pelas conseqüências da infração, de forma grave. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122. Induzir ou instigar alguém ao suicídio ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a quatro anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal grave. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço até metade, se o crime é cometido: I - por motivo egoístico; II - contra quem tenha a capacidade de resistência diminuída, por qualquer causa. Infanticídio Art. 123. Matar o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Pena – detenção, de dois a quatro anos. Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, podendo o juiz, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Aborto provocado por terceiro Art. 125. Provocar aborto: I - com o consentimento da gestante: Pena – detenção, de um a quatro anos. II - sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de quatro a oito anos. Aumento da pena

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Parágrafo único. Aumenta-se a pena até metade, além de multa, se o crime é cometido com o fim de lucro. Lesão corporal ou morte da gestante Art. 126. Nos casos do artigo 125, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, resulta à gestante lesão corporal grave ou morte, e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis, nem assumiu o risco de sua produção, aplica-se também a pena de lesão corporal culposa ou de homicídio culposo. Exclusão de ilicitude Art. 127. Não constitui crime o aborto provocado por médico, se: I - não há outro meio de salvar a vida ou preservar de grave e irreversível dano a saúde da gestante; II - a gravidez resulta da prática de crime contra a liberdade sexual; III - há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável. § 1º. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, se menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou companheiro.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE

CORPORAL E A SAÚDE Lesão corporal leve Art. 128. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Lesão corporal grave § 1º. Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - debilidade permanente de membro, sentido ou função; III - aceleração de parto; IV - agravamento de doença ou anomalia física ou mental: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Lesão corporal gravíssima § 2º. Se resulta: I - deformidade permanente; II - incapacidade permanente para o trabalho; III - doença incurável; IV - perda ou inutilização de membro ou sentido ou função: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. § 3º. Se ocorre qualquer resultado previsto nos §§ 1º e 2º ou aborto, e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena – detenção, de um a três anos. § 4º. Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. Diminuição de pena

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§ 5º. Diminui-se a pena de até um terço, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Lesão corporal culposa § 6º. Se a lesão é culposa: Pena – detenção, de um mês a um ano. Aumento de pena § 7º. Aumenta-se a pena prevista no parágrafo anterior até metade, se ocorre qualquer das hipóteses do art. 121, § 6º. Isenção de pena § 8º. O juiz deixará de aplicar a pena: I - se ocorrer qualquer das hipóteses do § 5º, sendo as lesões recíprocas ou leves; II - se a lesão for culposa e ocorrerem as condições do art. 121, § 7º. Ação penal Art. 129. No caso de lesão corporal leve ou de lesão corporal culposa, procede-se mediante representação. Esterilização Art. 130. Realizar esterilização cirúrgica, em desacordo com as normas legais: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. CAPÍTULO III DOS CRIMES DE PERIGO CONTRA A VIDA E A SAÚDE Perigo de contágio de doença grave Art. 131. Praticar ato capaz de transmitir a outrem doença grave de que sabe estar contaminado: Pena – detenção, de três meses a um ano. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena até metade, se o agente quis transmitir a doença. Ação penal § 2º. Somente se procede mediante representação. Perigo a vida ou a saúde de outrem Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de três meses a um ano. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se o perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimento de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

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Abandono de incapaz Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Abandono de incapaz qualificado Parágrafo único. Se o crime é cometido: I - em lugar ermo; II - por cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão, tutor ou curador da vítima; III - por funcionário público no exercício de suas funções: Pena – detenção, de um a três anos. Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 134. Expor ou abandonar o próprio filho, recém-nascido, para ocultar desonra própria ou por motivo relevante. Pena – detenção, de seis meses a um ano. Omissão de socorro Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública. Pena – detenção, de três meses a um ano. Maus-tratos Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, ou abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Aumento da pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é cometido contra menor de quatorze anos, gestante ou pessoa portadora de deficiência. Rixa Art. 137. Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena – detenção, de três meses a um ano. Forma qualificada pelo resultado Art. 138. Nos crimes dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137: § 1º. Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos. § 2º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. § 3º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de três a seis anos.

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CAPÍTULO IV

DOS CRIMES CONTRA A HONRA Calúnia Art. 139. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, seis meses a dois anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem, sabendo falsa a imputação, divulga-a. Exceção da verdade § 2º. Admite-se prova da verdade, salvo se: I - constituindo o fato imputado crime de ação de iniciativa privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - do crime imputado, embora de ação de iniciativa pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. Difamação Art. 140. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo a sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Ofensa a pessoa jurídica § 1º. Divulgar fato capaz de abalar o conceito ou o crédito de pessoa jurídica: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade § 2º. Admite-se prova da verdade, quando o ofendido é: I - funcionário público e a ofensa relativa ao exercício de suas funções; II - pessoa jurídica. Injúria Art. 141. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um mês a um ano. Aumento da pena § 1º. Aumenta-se a pena de um terço, se a injúria consiste em referência a raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem. Isenção de pena § 2º. O juiz deixará de aplicar a pena: I - quando o ofendido provocar diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata que consistir em outra injúria. Injúria real § 3º. Se a injúria consiste em violência ou vias de fato que, por sua natureza ou pelo meio empregado, consideram-se aviltantes: Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência. Ofensa à memória de pessoa morta

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Art. 142. Ofender a memória de pessoa morta: Pena – detenção, de três meses a um ano. Aumento de pena Art. 143. Aumentam-se as penas cominadas neste Capítulo de um sexto, se qualquer dos crimes é cometido: I - contra o presidente da República, chefe de Estado ou de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de três ou mais pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa. Exclusão de ilicitude Art. 144. Não constituem difamação ou injúria: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício. Extinção da punibilidade Art. 145. Extingue-se a punibilidade, se o querelado, antes da sentença, retrata-se cabalmente da calúnia ou da difamação. Explicação em juízo Art. 146. Se, de referências, alusões ou frases, infere-se calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicação em juízo. Aquele que se recusa a dá-la ou, a critério do juiz, não a dá satisfatoriamente, responde pela ofensa. Ação penal Art. 147. Nos crimes previstos neste Capítulo, procede-se mediante queixa, salvo no caso do § 3º do art. 141, se da violência resulta lesão corporal grave ou morte. Parágrafo único. Procede-se mediante representação do ministro da Justiça, no caso do inciso I do art. 143, e do ofendido, nos casos dos incisos II e III do mesmo artigo, se este não preferir exercer o direito de queixa.

CAPÍTULO V DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE

SEÇÃO I

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL Constrangimento ilegal Art. 148. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe ter reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência. Constrangimento ilegal qualificado

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§ 1º. Se o crime é cometido por mais de três pessoas ou com emprego de arma: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Exclusão de ilicitude § 2º. Não constituem crime a: I - intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - coação exercida para impedir suicídio. Ameaça Art. 149. Ameaçar alguém, por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Ação penal Parágrafo único. Procede-se mediante representação. Seqüestro e cárcere privado Art. 150. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de um a três anos. Seqüestro e cárcere privado qualificado § 1º. Se o crime é cometido: I - contra cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão; II - contra menor de dezoito anos ou pessoa portadora de deficiência física ou mental; III - infligindo grave sofrimento físico ou moral; IV - privando o seqüestrado de sua liberdade por mais de três dias; V - por funcionário público, com abuso de autoridade: Pena – reclusão, de três a seis anos. Forma qualificada pelo resultado § 2º. Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de quatro a dez anos. § 3º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de cinco a quinze anos § 4º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Estado análogo à escravidão Art. 151. Colocar ou manter alguém em estado análogo à escravidão ou torná-lo objeto de contrato: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. Parágrafo único. Considera-se em estado análogo à escravidão quem é induzido a fornecer, em garantia de dívida, seus serviços pessoais ou de alguém sobre o qual tem autoridade, ou obrigado contra a vontade a viver e trabalhar em determinado lugar, remunerada ou gratuitamente. Contrato sobre menor ou incapaz

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Art. 152. Promover ou intermediar a entrega de menor de dezoito anos ou incapaz a outrem, com o fim de lucro: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Tráfico de menor Art. 153. Promover, facilitar ou intermediar o envio de criança ou adolescente para o exterior, sem observância das formalidades legais ou com o fim de lucro. Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa. SEÇÃO II DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO E DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA Violação de domicílio Art. 154. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena – detenção, de um mês a um ano. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se o crime é cometido: I - durante a noite; II - em lugar ermo; III - com emprego de violência a pessoa ou com emprego de arma; IV - por duas ou mais pessoas. § 2º. No caso do inciso III do parágrafo anterior, aplica-se também a pena correspondente à violência. Exclusão de ilicitude § 3º. Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: I - durante o dia, com observância das normas legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali cometido, ou na iminência de o ser; III - em caso de desastre ou de prestação de socorro. Casa por equiparação § 4º. A expressão “casa” compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. § 5º. Não se compreendem na expressão “casa”: I - habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do inciso II do parágrafo anterior; II - casa de jogo e outras do mesmo gênero. Violação de intimidade Art. 155. Violar, por qualquer meio, a reserva sobre fato, imagem, escrito ou palavra, que alguém queira manter na intimidade da vida privada: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem, indevidamente, revela ou divulga fato, imagem, escrito ou palavra, obtidos por ele ou por outrem, ainda que deles tenha participado.

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§ 2º. Não se compreende na disposição deste artigo a divulgação da imagem ou do som colhidos em local público ou aberto, ou expostos ao público, para atender a interesse público legítimo e relevante. Aumento de pena Art. 156. As penas cominadas nesta Seção aplicam-se em dobro, se o agente atua com o fim de lucro ou com abuso de autoridade. Ação penal Art. 157. Nos crimes previstos nesta Seção, procede-se mediante representação, salvo nos casos do art. 154, § 1º, inciso III, e do art. 156, segunda parte.

SEÇÃO III DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE

DAS COMUNICAÇÕES Violação de correspondência Art. 158. Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Sonegação ou destruição de correspondência Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada, e, no todo ou em parte, sonega-a ou destrói. Correspondência comercial Art. 159. Abusar da condição de diretor, membro de conselho, sócio ou empregado de empresa comercial, industrial ou civil para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Interceptação de telecomunicação Art. 160. Interceptar, sem autorização legal, comunicação telefônica, de informática, de telemática ou outra similar; receber, divulgar ou utilizar comunicação telefônica, de informática, de telemática ou outra similar ilegalmente interceptada: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

SEÇÃO IV DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE

DOS SEGREDOS Divulgação de segredos Art. 161. Divulgar, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial de que é destinatário ou detentor, cuja divulgação possa produzir dano a alguém: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Violação de segredo profissional § 1º. Revelar, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, cuja revelação possa produzir dano a alguém: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Ação penal § 2º. Nos crimes previstos nesta Seção, procede-se mediante queixa.

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TÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL Estupro Art. 162. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de seis a dez anos. Atentado violento ao pudor Art. 163. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena – reclusão, de quatro a dez anos. Forma qualificada pelo resultado Art. 164. Nos casos dos artigos 162 e 163, se resulta: I - lesão corporal grave: Pena – reclusão, de oito a doze anos. II - Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de dez a quinze anos. III - morte: Pena – reclusão, de doze a vinte anos. Aumento de pena Art. 165. Aumenta-se a pena, nos casos dos artigos 161, 162 e 163: I - de metade, se: a) a vítima é maior de quatorze e menor de dezoito anos; b) o agente é ascendente ou descendente, padrasto, madrasta, irmão, tutor, curador, empregador ou, por qualquer título, tem autoridade sobre a vítima; c) o crime é cometido por quem se aproveita do fato de a vítima estar presa, internada em estabelecimento hospitalar ou sob sua guarda ou custódia. II - de dois terços, se o crime é cometido por duas ou mais pessoas. Violação sexual de menor ou incapaz Art. 166. Praticar conjunção carnal com menor de quatorze anos, ou pessoa alienada, portadora de deficiência mental ou impossibilitada por qualquer outra causa de oferecer resistência: Pena – reclusão, de oito a doze anos. Abuso sexual de menor ou incapaz Art. 167. Praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal com menor de quatorze anos, ou pessoa alienada, portadora de deficiência mental ou impossibilitada por qualquer outra causa de oferecer resistência: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. Forma qualificada pelo resultado Art. 167. Nos casos dos arts. 166 e 167, se resulta: I - lesão corporal grave: Pena – reclusão, de dez a quatorze anos.

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II - Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de doze a dezoito anos. III - morte: Pena – reclusão, de quatorze a vinte e dois anos. Aumento de pena Art. 169. Aumenta-se a pena, nos casos dos artigos 166, 167 e 168: I - de metade, se: a) o agente é ascendente ou descendente, padrasto, madrasta, irmão, tutor, curador, empregador ou, por qualquer título, tenha autoridade sobre a vítima; b) o crime é cometido por quem se aproveita do fato de estar a vítima internada em estabelecimento adequado a menores ou hospitalar, ou sob sua guarda ou custódia; c) o crime é cometido com violência ou grave ameaça. II - do dobro, se o crime é cometido por duas ou mais pessoas. Satisfação da lascívia própria Art. 170. Induzir, mediante fraude, ameaça, promessa de benefício, casamento ou união estável, pessoa maior de quatorze e menor de dezoito anos a satisfazer a lascívia do agente: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Ofensa ao pudor de menor Art. 171. Praticar na presença de menor de quatorze anos ato de libidinagem, ou induzi-lo a presenciar, para o fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena – detenção, de um a três anos. Rapto Art. 172. Raptar alguém, mediante violência ou grave ameaça, para fim libidinoso: Pena – reclusão, de um a quatro anos, além da pena correspondente à violência. Assédio sexual Art. 173. Assediar alguém, exigindo, direta ou indiretamente, prestação de favor de natureza sexual, como condição para criar ou conservar direito ou para atender à pretensão da vítima, prevalecendo-se do cargo, ministério, profissão ou qualquer outra situação de superioridade: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Ação penal Art. 174. Nos crimes definidos neste Capítulo, procede-se mediante queixa. § 1º. Procede-se, entretanto, mediante ação de iniciativa pública, se: I - resulta lesão corporal grave ou morte; II - o crime é cometido com abuso de pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, madrasta, tutor ou curador; III - o crime é cometido contra menor de quatorze anos, ou pessoa alienada, portadora de deficiência mental ou impossibilitada por qualquer outra causa de oferecer resistência. § 2º. Procede-se mediante representação, se a vítima ou seus pais ou quem sobre ela tem autoridade não podem prover as despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família.

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CAPÍTULO II DA EXPLORAÇÃO SEXUAL

Mediação para satisfazer a lascívia de outrem Art. 175. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Lenocínio Art. 176. Organizar, dirigir, controlar ou tirar proveito da prostituição alheia; recrutar pessoas para encaminhá-las à prostituição; facilitá-la ou impedir que alguém a abandone: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Tráfico de pessoas Art. 177. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição, ou sua saída para exercê-la no estrangeiro: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. Aumento de pena Art. 178. Aumenta-se a pena até o dobro, nos crimes definidos neste Capítulo, sem prejuízo da pena correspondente à violência, se: I - a vítima é menor de dezoito anos ou incapaz de consentir; II - a vítima está sujeita à autoridade do agente ou com ele mantém relação de parentesco; III - o agente comete o crime com o fim de lucro; IV - o agente abusa de estado de abandono ou de extrema necessidade econômica da vítima; V - o agente emprega violência, grave ameaça ou fraude. CAPÍTULO III DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR Ato obsceno Art. 179. Praticar em lugar público, aberto ou exposto ao público, ato obsceno que cause escândalo: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Escrito ou objeto obsceno Art. 180. Produzir, distribuir, vender, expor à venda, exibir publicamente, importar, exportar, adquirir ou ter em depósito para o fim de venda, distribuição ou exibição pública, livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, desenhos ou qualquer outro objeto de caráter obsceno, em desacordo com as normas legais: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Representação de espetáculo obsceno Art. 181. Fazer ou promover representações teatrais, circenses ou cinematográficas, efetuar transmissões radiofônicas ou televisivas ou realizar, em lugar público ou acessível ao público, qualquer espetáculo de caráter obsceno, em desacordo com as normas legais: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Pornografia que envolva criança ou adolescente Art. 182. Fotografar, filmar, divulgar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica que envolva criança ou adolescente:

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Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Art. 183. Incorre na mesma pena quem: I - produz, filma, divulga ou dirige representação teatral, circense, televisiva ou cinematográfica que se utilize de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; II - nas circunstâncias referidas no inciso anterior, contracena com criança ou adolescente.

TÍTULO III DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO I DO FURTO

Furto Art. 184. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Furto de energia § 1º. Equipara-se à coisa móvel a energia que tenha valor econômico, bem como o gás e a água fornecidos por empresa pública ou privada. Furto qualificado § 2º. Se o crime é cometido: I - com abuso de confiança ou fraude; II - em casa habitada; III - durante o período de repouso noturno; IV - mediante destreza, emprego de chave falsa ou arrombamento; V - mediante o concurso de duas ou mais pessoas: Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 3º. Se o crime é cometido: I - em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação, calamidade pública ou de desgraça particular da vítima; II - contra o patrimônio da União, Estado, Distrito Federal, Município, empresa concessionária de serviço público, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação; III - tendo por objeto veículo automotor, para ser transportado para outro Estado ou para o exterior: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. Furto de coisa comum § 4º. Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum, cujo valor exceda sua quota: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Diminuição ou isenção de pena § 5º. O juiz aplicará somente uma das penas, diminuída até metade, ou deixará de aplicá-la, se o agente for primário e pequena a lesão patrimonial. Ação penal Art. 185. Nos crimes definidos neste Capítulo, procede-se mediante representação, salvo no caso do art. 184, § 3º. No caso do art. 184, § 4º, procede-se mediante queixa.

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CAPÍTULO II DO ROUBO E DA EXTORSÃO

Roubo Art. 186. Subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça a pessoa, ou depois de tê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Roubo impróprio § 1º. Incorre na mesma pena quem, logo depois da subtração, emprega violência ou grave ameaça contra pessoa, a fim de assegurar a detenção da coisa ou a impunidade do crime. Roubo qualificado § 2º. Se o crime é cometido: I - com crueldade; II - em casa habitada; III - durante o período de repouso noturno ou em lugar ermo; IV - com emprego de arma; V - mediante concurso de duas ou mais pessoas; VI - quando a vítima está em serviço de transporte ou custódia de valores ou cargas e o agente conhece tal circunstância; VII - contra o patrimônio da União, Estado, Distrito Federal, Município, empresa concessionária de serviço público, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação; VIII - tendo por objeto veículo automotor, para ser transportado para outro Estado ou para o exterior: Pena – reclusão, de seis a doze anos, e multa. Forma qualificada pelo resultado § 3º. Se da violência resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de oito a quatorze anos, e multa. § 4º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de doze a dezoito anos. § 5º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de quinze a vinte anos, e multa. Latrocínio § 6º. Se, para praticar o fato, assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa, o agente ocasiona, dolosamente, a morte de alguém: Pena – reclusão, de vinte a trinta anos, e multa. Extorsão Art. 187. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, com o intuito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Extorsão qualificada Parágrafo único. Aplicam-se à extorsão a qualificação e a pena prevista nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º e 6º do artigo anterior.

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Seqüestro com o fim de extorsão Art. 188. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena – reclusão, de oito a quinze anos, e multa. Seqüestro com o fim de extorsão qualificado § 1º. Se o seqüestro dura mais de vinte e quatro horas, ou se o seqüestrado é menor de dezoito anos ou o crime é cometido por bando, quadrilha ou organização criminosa: Pena – reclusão, de doze a vinte anos, e multa. Diminuição de pena § 2º. Diminui-se a pena de um a dois terços, se o agente restitui a vítima à liberdade sem ofensa a sua integridade corporal e desde que não tenha obtido vantagem econômica. Forma qualificada pelo resultado § 3º. Se do fato resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de quatorze a vinte e dois anos, e multa. § 4º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos, e multa. § 5º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de dezoito a vinte e seis anos, e multa. Seqüestro com o fim de extorsão e morte § 6º. Se o agente ocasiona, dolosamente, a morte de alguém: Pena – reclusão, de vinte a trinta anos, e multa. Extorsão indireta Art. 189. Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a processo criminal contra a vítima ou contra outrem: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

CAPÍTULO III DA USURPAÇÃO

Alteração de limites Art. 190. Suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. § 1º. Se o agente: I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias; II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de outrem, terreno ou edifício alheio para o fim de esbulho possessório: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. Ação penal Art. 191. Nos crimes definidos neste Capítulo, se a propriedade é particular e não há grave ameaça ou violência a pessoa, procede-se mediante queixa.

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CAPÍTULO IV DO DANO

Dano Art. 192. Destruir, inutilizar, deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Dano qualificado Parágrafo único. Se o crime é cometido: I - com grave ameaça ou violência a pessoa; II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, Distrito Federal, autarquia, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público; IV - com prejuízo considerável à vítima: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência, no caso do inciso I. Introdução ou abandono de animal em propriedade alheia Art. 193. Introduzir ou deixar animal em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Ação penal Art. 194. Procede-se mediante queixa, salvo nos casos dos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 192. CAPÍTULO V DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA Apropriação indébita Art. 195. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou detenção: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Apropriação indébita qualificada Parágrafo único. Se o agente recebe a coisa: I - em depósito necessário; II - na qualidade de tutor, curador, síndico, comissário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III - em razão de ofício, emprego ou profissão: Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Apropriação de coisa comum Art. 196. Apropriar-se o condômino, co-herdeiro ou sócio, de coisa móvel comum, de que tem posse ou detenção, cujo valor exceda sua quota: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Diminuição ou isenção de pena Art. 197. Aplica-se ao caput do art. 195 e ao art.196 o disposto no art. 184, § 5º. Ação penal

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Art. 198. Nos crimes previstos neste Capítulo, procede-se mediante queixa, salvo nos casos do art. 195, parágrafo único.

CAPÍTULO VI DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES

Estelionato Art. 199. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem: Disposição de coisa alheia como própria I - promete vender, mediante pagamento em prestações, vende, recebendo total ou parcialmente o preço, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria II - promete vender, mediante pagamento em prestações, vende, recebendo total ou parcialmente o preço, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus, litigiosa, ou imóvel compromissado a outrem, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias; Defraudação de penhor III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; Fraude na entrega de coisa IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém; Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria ou lesa o próprio corpo ou saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de obter indenização ou valor de seguro. Aumento da pena § 2º. Aumenta-se a pena até um terço, se o crime é cometido contra a União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. Diminuição da pena § 3º. Diminui-se a pena de um terço até metade, ou somente se aplica multa, se o agente é primário e pequena a lesão patrimonial Duplicata simulada Art. 200. Emitir ou aceitar duplicata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviço: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem falsifica ou adultera a escrituração de duplicata exigida legalmente. Abuso de incapazes Art. 201. Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou capacidade mental reduzida de alguém, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de outrem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Induzimento à especulação Art. 202. Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou capacidade mental reduzida de alguém, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, ou outra operação ruinosa: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Recebimento indevido Art. 203. Receber, na qualidade de administrador de sociedade comercial, civil, associação ou fundação, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, indevida vantagem econômica, com infração a dever legal, estatutário ou regulamentar: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem comete o crime na qualidade de acionista controlador, ou de membro de conselho de administração ou fiscal. Administrador infiel Art. 204. Deixar administrador de sociedade comercial, civil, associação ou fundação de praticar ato próprio da administração de interesse da entidade, com o fim de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Fraude e abuso na fundação ou administração de sociedade por ações Art. 205. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição por sociedade, ou ocultando, fraudulentamente, fato a ela relativo: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Art. 206. Incorre na pena do artigo anterior o administrador, acionista controlador ou membro do conselho de administração ou fiscal de sociedade por ações que: I - em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta, fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo; II - promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade; III - toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de outrem, bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral; IV - compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite; V - aceita, como garantia de crédito social, em penhor ou em caução, ações da própria sociedade; VI - distribui lucros ou dividendos fictícios, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso; VII - consegue a aprovação de conta ou parecer, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista; VIII - omite comunicação, à diretoria ou ao conselho de administração, da existência de interesse seu, conflitante com o da sociedade;

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Parágrafo único. Incorrem na mesma pena o liquidante, nos casos dos incisos I, II, III, IV, V e VII, e o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratique os atos mencionados nos incisos I e II, ou dê falsa informação ao Governo. Negociação de voto Art. 207. Negociar o acionista o voto nas deliberações de assembléia geral, com o fim de obter indevida vantagem econômica: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Lucro fictício Art. 208. Distribuir ou receber, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, lucros ou dividendos fictícios de sociedade de economia mista ou de empresa pública: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant" Art. 209. Emitir conhecimento de depósito ou "warrant", em desacordo com norma legal: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

CAPÍTULO VII

DA RECEPTAÇÃO E CONDUTAS EQUIPARADAS Receptação Art. 210. Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, adquira-a, receba ou oculte: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena: I - de um terço até metade, se o crime é cometido: a) contra a União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público; b) por funcionário público no exercício de suas funções; II - de metade até o dobro, se o agente destina sua casa ou dispõe, na qualidade de proprietário, gerente ou encarregado, de estabelecimento comercial, industrial ou, de algum modo, aberto ao público, como locais para aquisição, recebimento ou ocultação de coisas de procedência criminosa. Forma privilegiada § 2º. O juiz deixará de aplicar a pena ou aplicará somente multa, se o agente for primário, pequena a lesão patrimonial e reparar o dano. Receptação culposa § 3º. Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, é previsível ter sido obtida por meio criminoso: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Isenção de pena § 4º. No caso do parágrafo anterior, o juiz deixará de aplicar a pena, se reparado o dano. Condutas equiparadas

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Art. 211. Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que sabe ser produto de crime: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. Punibilidade da receptação Art. 212. A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do fato definido como crime, do qual proveio a coisa. CAPÍTULO VIII DISPOSIÇÕES GERAIS Exclusão de punibilidade Art. 213. Não é punível quem comete qualquer dos crimes previstos neste Título, em prejuízo de: I - cônjuge, na constância da sociedade conjugal, ou de companheiro, no caso de união estável; II - ascendente ou descendente, seja o parentesco civil ou natural. Ação penal Art. 214. Procede-se mediante representação, se o crime previsto neste Título é cometido em prejuízo de: I - cônjuge judicialmente separado, divorciado ou ex-companheiro de união estável; II - irmão; III - tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. Casos de inaplicação Art. 215. Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores: I - se o crime é cometido com o emprego de violência ou grave ameaça a pessoa; II - a estranho que participa do crime.

TÍTULO IV DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL Violação de direito autoral Art. 216. Violar direito autoral: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Violação de direito autoral qualificada § 1º. Se a violação consiste em: I - utilização, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente;

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II - reprodução de fonograma ou obra audiovisual, sem autorização do produtor ou de quem o represente; III - transmissão ou retransmissão, não autorizada pelo produtor, de sons ou imagens: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. § 2º. Incorre na mesma pena do parágrafo anterior quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para o fim de comércio, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou obra audiovisual, produzidos com violação de direito autoral. Usurpação de nome ou pseudônimo alheio Art. 217. Atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Alteração de obra de criação alheia Art. 218. Modificar ou mutilar obra de criação alheia, prejudicando a reputação do autor: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA AS PATENTES

Fabricação ou uso, sem autorização, de patente de invenção ou modelo de utilidade Art. 219. Fabricar produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular; ou usar meio ou processo que seja objeto de patente de invenção, sem autorização do titular: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Exportação, importação, exposição ou venda, com violação de registro Art. 220. Exportar, vender, expor ou oferecer à venda, ter em estoque, ocultar ou receber, para utilização com fins econômicos, produto fabricado com violação de patente de invenção ou de modelo de utilidade, ou obtido por meio ou processo patenteado; importar produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade ou obtido por meio ou processo patenteado no País, que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Exploração do objeto de patente Art. 221. Fornecer componente de produto patenteado, ou material ou equipamento para realizar um processo patenteado, desde que a aplicação final do componente material ou equipamento induza, necessariamente, à exploração do objeto da patente: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Art. 222. Os crimes deste Capítulo caracterizam-se ainda que a violação não atinja todas as reivindicações da patente ou se restrinja à utilização de meios equivalentes ao objeto da patente.

CAPÍTULO III DOS CRIMES CONTRA OS DESENHOS INDUSTRIAIS

Uso indevido de desenho industrial Art. 223. Fabricar, sem autorização do titular, produto que incorpore desenho industrial registrado, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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Exportação, importação, exposição ou venda, com violação de registro Art. 224. Exportar, vender, expor ou oferecer à venda, ter em estoque, ocultar ou receber, para utilização com fins econômicos, objeto que incorpore ilicitamente desenho industrial registrado, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão; ou importar produto que incorpore desenho industrial registrado no País, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão e que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular ou com seu consentimento: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

CAPÍTULO IV DOS CRIMES CONTRA AS MARCAS

Violação ao direito de marca Art. 225. Reproduzir, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imitá-la de modo que possa induzir confusão; alterar marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Art. 226. Importar, exportar, vender, oferecer ou expor à venda, ocultar ou ter em estoque: I - produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; II - produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

CAPÍTULO V DOS CRIMES COMETIDOS POR MEIO DE MARCA, TÍTULO

DE ESTABELECIMENTO E SINAL DE PROPAGANDA Uso indevido de armas, brasões ou distintivos públicos Art. 227. Reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, expõe ou oferece à venda produtos assinalados com essas marcas. CAPÍTULO VI DOS CRIMES CONTRA INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS E DEMAIS INDICAÇÕES Falsa indicação geográfica Art. 228. Fabricar, importar, exportar, vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto que apresente falsa indicação geográfica: Pena – detenção, de um mês a um, ou multa. Uso indevido de termos retificativos Art. 229. Usar em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo'', "espécie'', "gênero'',

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"sistema'', "semelhante'', "sucedâneo'', "idêntico'', ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Uso indevido de marca, nome comercial, título, insígnia, expressão ou sinal Art. 230. Usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

CAPÍTULO VII DOS CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL

Concorrência desleal Art. 231. Publicar, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem: I - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; II - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; III - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; IV - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios, ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; V - substitui, pelo próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem seu consentimento; VI - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; VII - vende, expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave; VIII - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, proporcione-lhe vantagem; IX - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; X - divulga, explora ou utiliza, sem autorização, conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou evidentes para um técnico no assunto, aos quais teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XI - divulga, explora ou utiliza, sem autorização, conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; XII - vende, expõe ou oferece à venda produto que declara ser objeto de patente depositada ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou o menciona, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; XIII - divulga, explora ou utiliza, sem autorização, resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. § 2º. Inclui-se, nas hipóteses a que se referem os incisos X e XI, o empregador, sócio ou administrador da empresa que incorre nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos. § 3º. O disposto no inciso XIII não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público.

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CAPÍTULO VIII

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Aumento de pena Art. 232. Aumentam-se as penas de um terço até metade, previstas nos Capítulos I, II e III deste Título, se: I - o agente é ou foi representante, mandatário, preposto, sócio ou empregado do titular da patente ou do registro, ou ainda de seu licenciado; II - a marca alterada, reproduzida ou imitada é de alto renome, notoriamente conhecida, de certificação ou coletiva. Ação penal Art. 233. Nos crimes previstos neste Título, procede-se mediante queixa, salvo no caso do art. 227.

TÍTULO V DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E

CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

Ultraje a culto Art. 234. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; vilipendiar, publicamente, ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Impedimento ou perturbação de culto Art. 235. Impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena até metade, se o crime é cometido mediante violência ou grave ameaça, além da correspondente à violência.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária Art. 236. Impedir ou perturbar sepultamento, cerimônia funerária ou de cremação: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena até metade, se o crime é cometido mediante violência ou grave ameaça, sem prejuízo da correspondente à violência. Violação de sepultura Art. 237. Violar ou profanar sepultura ou urna funerária: Pena – detenção, de um a três anos.

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Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena até um terço, cumulada com a de multa, se o crime é cometido com o fim de lucro. Destruição, subtração ou ocultação de cadáver Art. 238. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver, parte dele ou suas cinzas: Pena – detenção, de um a três anos. Vilipêndio de cadáver Art. 239. Vilipendiar cadáver, parte dele ou suas cinzas: Pena – detenção, de um a três anos. Desrespeito a cadáver Art. 240. Deixar de recompor cadáver, quando a tanto obrigado, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento, ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

TÍTULO VI DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO Registro de nascimento inexistente Art. 241. Promover no registro civil a inscrição de nascimento inexistente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Parto suposto, falso registro, supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Exclusão de ilicitude Parágrafo único. Não há crime, se o agente pratica o fato por motivo de reconhecida nobreza. Sonegação de estado de filiação Art. 243. Deixar em asilo ou em outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil: Pena – reclusão, de um a quatro anos.

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CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Abandono material Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência de cônjuge, companheiro, filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia acordada ou fixada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem, sendo solvente, frustra ou elide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia acordada ou fixada. Abandono de gestante Art. 245. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência, durante a gestação ou parto, de mulher que tornou grávida: Pena – detenção, de um a três anos, e multa, se o fato não constituir crime mais grave. Entrega de filho menor a pessoa inidônea Art. 246. Entregar filho menor de dezoito anos a pessoa em cuja companhia sabe que o menor fica moral ou materialmente em perigo: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Abandono intelectual Art. 247. Deixar, sem justa causa, de promover o acesso ao ensino fundamental de menor em idade escolar sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Abandono moral Art. 248. Permitir que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda ou vigilância: I - freqüente casa de jogo ou conviva com pessoa de má conduta; II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; III - resida ou trabalhe em local destinado à exploração sexual; IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

CAPÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A GUARDA DE INCAPAZES

Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes Art. 249. Induzir menor de dezoito anos ou interdito a fugir do lugar em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem, sem ordem de progenitor, tutor ou curador, menor de dezoito anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Subtração de incapazes

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Art. 250. Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º. O fato de ser o agente progenitor, tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda. Isenção de pena § 2º. No caso de restituição do menor ou interdito, se ele tiver sofrido maus-tratos ou privações, o juiz deixará de aplicar a pena.

TÍTULO VII DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES DE PERIGO COMUM Incêndio Art. 251. Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena até um terço, se: I - o crime é cometido com intuito de obter vantagem econômica em proveito próprio ou alheio; II - o incêndio é em: a) casa habitada ou destinada a habitação; b) edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) porto, aeródromo ou estação de transporte coletivo; e) estaleiro, fábrica ou oficina; f) depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) poço petrolífero, galeria de mineração, oleoduto, gasoduto ou instalações de transporte ou transferência de produto inflamável; h) lavoura, pastagem, mata, floresta ou vegetação de preservação permanente. Incêndio culposo § 2º. Se culposo o incêndio: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Explosão Art. 252. Expor a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º. Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena até um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, inciso I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no inciso II do mesmo parágrafo.

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Explosão culposa § 3º. Se culposa e a explosão é de dinamite ou de substância de efeitos análogos: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. § 4º. Se culposa, nos demais casos: Pena – detenção de seis meses a um ano. Uso de gás tóxico ou asfixiante Art. 253. Expor a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem, usando gás tóxico ou asfixiante: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Uso de gás tóxico ou asfixiante culposo Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de três meses a um ano. Fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos, gás tóxico ou asfixiante Art. 254. Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, guardar, trazer consigo, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado a sua fabricação: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Posse, aquisição, transferência, transporte ou guarda de material nuclear Art. 255. Possuir, adquirir, transferir, transportar, guardar ou trazer consigo material nuclear sem a necessária autorização: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Produção, fornecimento ou uso de material nuclear Art. 256. Produzir, processar, fornecer ou usar material nuclear sem a necessária autorização ou para fim diverso do permitido em lei: Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa. Omissão de cuidados quanto a segurança ou proteção concernentes a instalação nuclear Art. 257. Deixar de observar as normas de segurança ou de proteção relativas a instalação nuclear ou a uso, transporte, posse e guarda de material nuclear, expondo a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Inundação Art. 258. Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. Inundação culposa Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Perigo de inundação

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Art. 259. Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Desabamento ou desmoronamento Art. 260. Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade corporal ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Desabamento ou desmoronamento culposo Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento Art. 261. Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou dificultar serviço de tal natureza: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Provocação de pânico ou tumulto Art. 262. Anunciar desastre ou perigo inexistente, provocando pânico ou tumulto em aglomeração de pessoas: Pena – detenção, de um mês a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA OS MEIOS DE TRANSPORTE E

COMUNICAÇÃO Perigo de desastre Art. 263. Impedir ou dificultar o transporte por terra, água ou ar, expondo a perigo a vida, a integridade corporal, a saúde ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena até metade, se resulta desastre. Perigo culposo de desastre § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Perigo para veículo de transporte Art. 264. Impedir ou dificultar o funcionamento de veículo destinado a transporte público por terra, água ou ar, ou praticar qualquer ato contrário a sua segurança, expondo a perigo a vida, a integridade corporal, a saúde ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, dois a cinco anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena até metade, se resulta desastre.

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Perigo culposo para veículo de transporte § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Atentado contra segurança de serviço de utilidade pública Art. 265. Atentar contra segurança ou funcionamento de serviço de água, energia ou qualquer outro de utilidade pública: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Interrupção ou perturbação de meio de comunicação Art. 266. Interromper ou perturbar serviço de meio de comunicação, impedir ou dificultar seu restabelecimento: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Aumento de pena Art. 267. Aumenta-se a pena até o dobro, se qualquer dos crimes definidos neste Capítulo é cometido com o fim de lucro ou por ocasião de calamidade pública.

CAPÍTULO III DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Epidemia Art. 268. Causar epidemia, mediante a propagação de microorganismos causadores de doenças: Pena – reclusão, de dez a quinze anos. Epidemia culposa § 1º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Infração de medida sanitária preventiva Art. 269. Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença infecto-contagiosa: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, cirurgião-dentista, enfermeiro ou médico-veterinário. Omissão de notificação de doença Art. 270. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Envenenamento de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício ou medicinal Art. 271. Envenenar água potável, bebida, substância ou produto alimentício ou medicinal destinado a consumo:

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Pena – reclusão, de dez a quinze anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, adquire ou tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo a água, bebida, substância ou produto envenenado. Envenenamento culposo de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício ou medicinal § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a três anos. Corrupção, adulteração ou falsificação de substância, de matéria-prima, de insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal Art. 272. Corromper, adulterar ou falsificar substância, matéria-prima, insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal, tornando-os nocivos à saúde: Pena – reclusão, de dez a quinze anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, adquire ou tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo a substância, a matéria-prima, o insumo ou produto corrompido, adulterado ou falsificado. Corrupção ou adulteração culposa de substância, de matéria-prima, de insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a três anos. Alteração de substância, de matéria-prima, de insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal Art. 273. Alterar substância, matéria-prima, insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal, reduzindo o valor deste: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, adquire ou tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo a substância, a matéria-prima, o insumo ou produto terapêutico ou medicinal adulterado Alteração culposa de substância, de matéria-prima, de insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a dois anos. Comercialização irregular de substância, de matéria-prima, de insumo ou produto destinado a fim terapêutico ou medicinal. Art. 274. Vender, expor à venda, importar, adquirir ou ter em depósito para vender sustância, matéria-prima, insumo ou produto terapêutico ou medicinal: I - sem registo, quando devido, no órgão de vigilância sanitário competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registo; III - sem a identidade e qualidade exigidas para a comercialização; IV - de procedência ignorada ou de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. Corrupção, adulteração ou falsificação de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício.

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Art. 275. Corromper, adulterar ou falsificar água potável, bebida, substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-os nocivos à saúde: Pena – reclusão, de quatro a oito anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, adquire ou tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo a água, bebida, substância ou produto corrompido, adulterado ou falsificado. Corrupção ou adulteração culposa de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a dois anos. Alteração de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício Art. 276. Poluir ou alterar água potável; alterar bebida, substância ou produto alimentício: I - tornando-os impróprios ao consumo; II - modificando a qualidade ou reduzindo a valor nutritivo; III - suprimindo, total ou parcialmente, qualquer elemento de sua composição normal, ou substituindo por outro de qualidade inferior: Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, adquire ou tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo a água poluída ou alterada, a bebida, a substância ou produto alimentício alterado. Alteração culposa de água potável, de bebida, de substância ou produto alimentício § 2º. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um mês a um ano. Emprego de processo proibido ou de substância não permitida Art. 277. Empregar, no fabrico de produto destinado a consumo, revestimento, gaseificação artificial, matéria corante, substância aromática, anti-séptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida pela legislação sanitária: Pena – reclusão, de um a cinco, e multa. Invólucro ou recipiente com falsa indicação Art. 278. Anunciar, em invólucro ou recipiente de produto alimentício, terapêutico ou medicinal, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. Produto nas condições dos dois artigos anteriores Art. 279. Vender, expor à venda, adquirir ou ter em depósito para vender, distribuir ou entregar a consumo produto nas condições dos arts. 277 e 278: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. Substância destinada a corrupção, adulteração ou falsificação Art. 280. Vender, expor à venda, ter em depósito ou de qualquer forma entregar a consumo substância destinada a corrupção, adulteração ou falsificação de água potável, bebida, produto alimentício, terapêutico ou medicinal: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

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Outras substâncias ou produto nocivo à saúde Art. 281. Fabricar, vender, expor à venda, adquirir ou ter em depósito para vender, distribuir ou entregar a consumo substância ou produto nocivo à saúde, ainda que não destinado a alimentação ou a fim terapêutico ou medicinal: Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa. Modalidade culposa Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de um a dois anos. Fornecimento irregular de medicamento Art. 282. Fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica ou sem esta, quando exigida a retenção por norma legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Fornecimento culposo de medicamento Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de dois meses a um ano. Exercício ilegal da medicina, odontologia ou farmácia Art. 283. Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, cirurgião-dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Charlatanismo Art. 284. Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Curandeirismo Art. 285. Exercer o curandeirismo: I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III - fazendo diagnósticos: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. § 1º. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Exclusão de ilicitude § 2º. Não há crime, se o agente pratica o fato sem contraprestação econômica e sem perigo para a vida ou saúde da pessoa.

CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAIS

Forma qualificada pelo resultado Art. 286. Nos crimes dolosos definidos neste Título, se resulta: I - lesão corporal grave: Pena – a cominada ao crime, aumentada de metade.

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II - lesão corporal gravíssima: Pena – a cominada ao crime, aumentada de três quartos. III - morte: Pena – a cominada ao crime, em dobro. Parágrafo único. Nos crimes culposos, se resulta: I - lesão corporal grave: Pena – a cominada ao crime, aumentada de metade. II - lesão corporal gravíssima: Pena – a cominada ao crime, aumentada de três quartos. III - morte: Pena – a cominada ao crime de homicídio culposo, em dobro.

TÍTULO VIII DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

Incitação ao crime Art. 287. Incitar, publicamente, prática de crime: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Apologia de crime ou criminoso Art. 288. Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Quadrilha ou bando Art. 289. Associarem-se mais de três pessoas em quadrilha ou bando, para cometer infrações penais: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Aumento de pena Parágrafo único. Aplica-se a pena em dobro, se a quadrilha ou bando é armado ou tem por fim a prática de crimes com emprego de violência ou grave ameaça a pessoa ou contra a administração pública. Organização criminosa Art. 290. Constituírem duas ou mais pessoas grupo ou associação, com o fim de cometer crimes e, mediante grave ameaça a pessoa, violência, corrupção ou fraude, neutralizar a eficácia da atuação de funcionários públicos: Pena – reclusão, de quatro a oito anos.

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TÍTULO IX DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

CAPÍTULO I

DA MOEDA FALSA Moeda falsa Art. 291. Falsificar, fabricando ou alterando, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no País ou no estrangeiro: Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. Art. 292. Restituir à circulação moeda falsa que recebeu de boa-fé, como verdadeira, depois de conhecer-lhe a falsidade: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Art. 293. Fabricar ou emitir moeda, ou autorizar sua fabricação ou emissão, com título ou peso inferior ao determinado em lei, ou papel-moeda em quantidade superior à autorizada: Pena – reclusão, de três a quinze anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem desvia e faz circular moeda cuja circulação não estava ainda autorizada. Crimes assimilados ao de moeda falsa Art. 294. Compor cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; suprimir, em nota, cédula ou bilhete recolhidos, para o fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua inutilização; restituir à circulação cédula, nota ou bilhete em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Crimes assimilados ao de moeda falsa qualificados Parágrafo único. Se o crime é cometido por funcionário que trabalha no órgão onde o dinheiro se achava recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Petrechos para falsificação de moeda Art. 295. Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinaria, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado a falsificação de moeda: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Emissão de título ao portador sem permissão legal Art. 296. Emitir, sem permissão legal, nota, bilhete, ficha, vale ou título que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou que falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único. Receber ou utilizar como dinheiro qualquer dos documentos referidos neste artigo: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

CAPÍTULO II

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DA FALSIDADE DOCUMENTAL Falsificação de documento, selo ou sinal público Art. 297. Falsificar, fabricando ou alterando, no todo ou em parte, documento público: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem falsifica selo público ou sinal, destinado a autenticar atos oficiais ou de tabelião. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena até metade, se o agente falsifica documento representativo de valores ou de prestação de serviços, expedido pela União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquia, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, ou de responsabilidade deles. Falsificação de documento particular Art. 298. Falsificar, fabricando ou alterando, no todo ou em parte, documento particular: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Falsificação de papéis públicos Art. 299. Falsificar, fabricando ou alterando: I - selo postal ou qualquer papel de emissão legal, destinado a arrecadação de tributo ou contribuição social; II - papel de crédito público que não seja moeda de curso legal; III - vale postal; IV - cautela de penhor; V - talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo a arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável; VI - bilhete, passe ou conhecimento de empresa de transporte administrada pela União, Estado, Distrito Federal ou Município: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem usa qualquer dos papéis falsificados a que se refere este artigo. § 2º. Suprimir, em qualquer desses papéis, quando legítimos, com o fim de torná-los novamente utilizáveis, carimbo ou sinal indicativo de sua inutilização: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 3º. Incorre na mesma pena quem usa, depois de alterado, qualquer dos papéis a que se refere o parágrafo anterior. § 4º. Usar ou restituir à circulação, embora recebido de boa-fé, qualquer dos papéis falsificados ou alterados a que se referem este artigo e seu § 2º, depois de conhecer a falsidade ou alteração: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Petrechos de falsificação Art. 300. Fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado a falsificação de qualquer dos papéis referidos no artigo anterior: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena

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Parágrafo único. Aumenta-se a pena de sexta parte, se o agente é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se da função. Falsidade ideológica Art. 301. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa, se o documento é público; e reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o documento é particular. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de sexta parte, se o agente é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se da função, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil. Falso reconhecimento de firma ou letra Art. 302. Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que não o seja, ou em desacordo com normas legais ou provimento da Corregedoria: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o documento é público; e detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o documento é particular. Certidão ou atestado ideologicamente falso Art. 303. Atestar ou certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Falsidade material de atestado ou certidão § 1º. Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é cometido com o fim de lucro. Falsidade de atestado médico ou odontológico Art. 304. Dar o médico ou o cirurgião-dentista, no exercício de sua profissão, atestado falso: Pena – detenção, de dois meses a um ano, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é cometido com o fim de lucro. Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica Art. 305. Reproduzir ou alterar selo ou peça filatélica que tenha valor para coleção, salvo quando a reprodução ou a alteração está visivelmente anotada na face ou no verso do selo ou peça: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para fins de comércio, faz uso do selo ou peça filatélica.

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Uso de documento falso Art. 306. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, referidos neste Título: Pena – a cominada à falsificação ou à alteração. Supressão de documento Art. 307. Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa, se o documento é público; e reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o documento é particular.

CAPÍTULO III DAS OUTRAS FALSIDADES

Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária Art. 308. Falsificar, fabricando ou alterando, marca ou sinal empregado pelo poder público no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou usar marca ou sinal dessa natureza, falsificado por outrem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Falsa identidade Art. 309. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, para causar dano a outrem ou para simular celebração de casamento. Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. Art. 310. Usar, como próprio, passaporte, título de eleitor, certificado de reservista ou qualquer documento de identidade alheia, ou ceder a outrem, para que dele se utilize, documento dessa natureza, próprio ou de terceiro: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Fraude de lei sobre estrangeiros Art. 311. Usar o estrangeiro, para entrar ou permanecer no território nacional, nome que não é o seu: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Art. 312. Atribuir a estrangeiro falsa qualidade, para promover-lhe a entrada ou permanência no território nacional: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Art. 313. Fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, registro, alteração de assentamentos, naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, salvo-conduto ou, quando exigido, visto de saída: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade Art. 314. Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro, nos casos em que a este é vedada por lei a propriedade ou a posse de tais bens: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Falsidade de declaração, sinal ou inscrição Art. 315. Falsificar, fabricando ou alterando, no todo ou em parte:

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I - declaração destinada a provar fato juridicamente relevante, registrada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico; II - sinal ou inscrição destinada a identificar coisa móvel ou a provar fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Falsidade relacionada com veículo automotor Art. 316. Adulterar número original de chassi de veículo automotor, ou remarcá-lo sem licença da autoridade: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou fornece impresso, preenchido ou não, de utilização pela administração pública, com intuito de facilitar a circulação ou comércio de veículo produto de crime.

CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAIS

Documento Art. 317. Considera-se documento a declaração escrita, de autoria identificável, idônea, a provar fato juridicamente relevante. Documento por equiparação § 1º. Equipara-se a documento o impresso, a cópia ou a reprodução de documento, devidamente autenticados por pessoa ou processo mecânico legalmente autorizados, bem como o dado, instrução ou programa de computador constantes de processamento ou comunicação de dados ou de qualquer suporte físico. § 2º. Equipara-se a documento público o emanado de entidade autárquica ou de fundação instituída pelo poder público.

TÍTULO X DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Improbidade administrativa Art. 318. Praticar o funcionário público ato de improbidade, definido em lei, lesivo ao patrimônio público: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. Aplica-se a pena independentemente das sanções civis ou administrativas. Peculato Art. 319. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo ou função, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa.

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§ 1º. Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, subtrai-o, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Peculato de uso § 2º. Utilizar o funcionário público, indevidamente, ou permitir que alguém o faça, dinheiro, valor, serviço ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tenha posse em razão do cargo ou função, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Peculato culposo § 3º. Facilitar o funcionário culposamente a prática de qualquer dos crimes previstos neste artigo: Pena – detenção, de três meses a um ano. Reparação do dano § 4º. No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede a sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. Peculato mediante erro de outrem Art. 320. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, que, no exercício da função, recebeu por erro de outrem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Sonegação, inutilização ou extravio de livro ou documento Art. 321. Extraviar livro oficial, autos ou qualquer documento de que tem a guarda em razão do cargo ou função; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena – reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave. Sonegação, inutilização ou extravio de livro ou documento qualificado Parágrafo único. Se o fato acarretar pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 322. Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em normas legais: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Concussão Art. 323. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. Excesso de exação § 1º. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso que a lei não autoriza: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 2º. Se o funcionário faz a exigência para suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

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§ 3º. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou alheio, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa. Corrupção passiva Art. 324. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. Facilitação de contrabando ou de crime contra a ordem tributária Art. 325. Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou de crime contra a ordem tributária: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime tem por objeto a introdução, no território nacional, de armas ou munições. Prevaricação Art. 326. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo, por interesse ou sentimento pessoal, para prejudicar ou beneficiar alguém: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Patrocínio indevido Art. 327. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário público: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena até o dobro, se o interesse é ilegítimo. Abuso de autoridade Art. 328. Abusar de autoridade no exercício da função ou a pretexto de exercê-la: I - ordenando ou executando medida privativa de liberdade individual, sem formalidades legais ou com abuso de poder; II - submetendo pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado; III - deixando de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão de qualquer pessoa; IV - deixando o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ilegal que lhe seja comunicada; V - deixando de comunicar ao juiz competente a transferência de pessoa presa ou submetida a medida de segurança para outro estabelecimento ou local diverso daquele no qual estava originariamente custodiada; VI - sonegando à autoridade judiciária informação acerca de pessoa presa; VII - levando à prisão e nela detendo quem se proponha a prestar fiança permitida em lei: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência, se não constitui crime mais grave.

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Violação de sigilo funcional Art. 329. Revelar fato ou circunstância de que tenha ciência em razão do cargo ou função e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena – detenção, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade se a revelação afeta o mercado financeiro ou operação a ele relativa, ou ainda o preço de mercadoria, bens ou serviços. Falta de licitação Art. 330. Adquirir ou alienar bens, ou realizar serviços e obras, sem licitação exigida em lei: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Impedimento, perturbação ou fraude em licitação Art. 331. Impedir, perturbar ou fraudar licitação ou venda em hasta pública, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, ou por meio de violência, grave ameaça ou oferecimento de vantagem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena de metade, se o agente tem por intuito a obtenção de vantagem para si ou para outrem. § 2º. Incorre na mesma pena quem se abstém de licitar, em razão da vantagem oferecida. Violação de sigilo de proposta em licitação Art. 332. Devassar o sigilo em proposta de licitação ou proporcionar a outrem fazê-lo: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Usurpação de função pública Art. 333. Usurpar o exercício de função pública: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Usurpação qualificada de função pública Parágrafo único. Se do fato o agente aufere vantagem: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Resistência Art. 334. Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. Resistência qualificada § 1º. Se o ato, em razão da resistência, não se executa: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Aumento de pena

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§ 2º. Aumenta-se a pena de metade, se o agente é funcionário público. Desobediência Art. 335. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se o agente é funcionário público. Desacato Art. 336. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se o agente é funcionário público. Tráfico de influência Art. 337. Solicitar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em funcionário público no exercício da função: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. Corrupção ativa Art. 338. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. Inutilização de documento, selo ou sinal Art. 339. Inutilizar edital afixado por ordem de funcionário público; violar ou inutilizar documento, selo ou sinal empregado, por norma legal ou por ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Subtração ou inutilização de livro, autos ou documento Art. 340. Subtrair ou inutilizar, total ou parcialmente, livro oficial, autos ou documento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave. Reingresso de estrangeiro expulso Art. 341. Reingressar, no território nacional, estrangeiro que dele foi expulso: Pena – reclusão, de um a quatro anos.

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Trânsito ilegal de pessoa Art. 342. Promover ou facilitar a imigração, permanência no território nacional ou a emigração ilegal de pessoa: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Trânsito ilegal de pessoa qualificado § 1º. Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena do dobro, além de multa, se o crime é cometido com o fim de lucro. Isenção de pena § 3º. Se o agente é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, ou pessoa a quem esteja ligado por laços de especial afeição, salvo nos casos dos parágrafos anteriores, é isento de pena.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Denunciação caluniosa Art. 343. Dar causa a instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. Diminuição de pena § 2º. Diminui-se a pena de metade, se a imputação é de prática de contravenção. Comunicação falsa de crime ou de contravenção Art. 344. Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Auto-acusação falsa Art. 345. Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou cometido por outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Falso testemunho ou falsa perícia Art. 346. Fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em inquérito policial, civil ou parlamentar, sindicância, processo administrativo ou judicial ou juízo arbitral, ou induzir alguém a fazê-lo: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

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Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal. Extinção da punibilidade § 2º. Extingue-se a punibilidade, se, antes da sentença, o agente se retrata ou declara a verdade. Corrupção de testemunha ou perito Art. 347. Dar, oferecer ou prometer vantagem indevida a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, tradução ou interpretação: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. § 1º. Incorre na mesma pena quem recebe a vantagem indevida. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena de metade, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal. Coação no curso do processo Art. 348. Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em inquérito policial, civil ou parlamentar, sindicância, processo administrativo ou judicial ou juízo arbitral: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Publicidade opressiva Art. 349. Promover campanha por meio de comunicação ao público, antes de transitar em julgado decisão judicial, com o fim de constranger autoridade, parte, testemunha ou qualquer outra pessoa que intervenha em processo penal: Pena – reclusão, de um a três anos. Exclusão de ilicitude Parágrafo único. Não constitui crime a crítica técnica ou científica. Exercício arbitrário das próprias razões Art. 350. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, além da pena correspondente à violência. Ação penal Parágrafo único. Se não há emprego de violência, procede-se mediante queixa. Art. 351. Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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Fraude processual Art. 352. Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, coisa ou pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Parágrafo único. Aplica-se a pena em dobro, se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado. Favorecimento pessoal Art. 353. Auxiliar a subtrair-se à ação da autoridade pública autor de fato definido como crime a que é cominada pena de reclusão: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º. Se ao crime não é cominada pena de reclusão: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Isenção de pena § 2º. É isento de pena quem presta auxílio na condição de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou de pessoa ligada ao autor do fato por laços de especial afeição. Favorecimento real Art. 354. Prestar, fora dos casos de concurso de pessoas ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito de fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Promoção ou facilitação de fuga Art. 355. Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva: Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Promoção ou facilitação qualificada de fuga § 1º. Se o crime é cometido com emprego de arma, ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. § 2º. Se há emprego de violência contra pessoa, aplica-se também a pena correspondente à violência. § 3º. Se o crime é cometido por pessoa sob cuja custódia ou guarda está o preso ou o internado, ou mediante paga ou promessa de recompensa: Pena – reclusão, de três a seis anos. Promoção ou facilitação culposa de fuga § 4º. Se o funcionário incumbido da custódia ou guarda age culposamente: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa. Evasão mediante violência contra pessoa Art. 356. Evadir-se ou tentar evadir-se pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva, usando de violência contra pessoa: Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.

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Arrebatamento de preso Art. 357. Arrebatar pessoa presa ou submetida a medida de segurança detentiva ou socio-educativa, a fim de maltratá-la, do poder de quem a tenha sob custódia ou guarda: Pena – reclusão, de um a quatro anos, além da pena correspondente à violência. Motim de presos Art. 358. Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. Patrocínio infiel Art. 359. Trair, na qualidade de advogado, dever profissional, prejudicando interesse cujo patrocínio, em juízo, é a ele confiado: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Patrocínio simultâneo ou tergiversação Parágrafo único. Incorre na mesma pena o advogado que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias. Sonegação de autos, documento ou objeto de valor probatório Art. 360. Deixar de restituir, abusivamente, autos, documento ou objeto de valor probatório, recebidos com vista ou em confiança: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Fraude a execução Art. 361. Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens ou simulando dívidas: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Violência ou fraude em arrematação judicial Art. 362. Impedir, perturbar ou fraudar arrematação judicial; afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, além da pena correspondente à violência. Desobediência a ordem judicial Art. 363. Deixar de cumprir ordem judicial de que seja destinatário, ou retardar seu cumprimento: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito Art. 364. Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus de que foi suspenso ou privado por decisão judicial civil ou penal: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

CAPÍTULO III DISPOSIÇÕES GERAIS

Funcionário público Art. 365. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem exerce, embora transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função de natureza pública.

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Funcionário público por equiparação Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do poder público. Aumento de pena Art. 366. Aumenta-se a pena da terça parte, se o funcionário público comete o crime valendo-se da condição de ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, ou no desempenho de mandato eletivo.

TÍTULO XI DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Atentado contra a dignidade do trabalho Art. 367. Submeter alguém a trabalho em condições desumanas ou degradantes: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Frustração, restrição ou supressão de direito assegurado por lei trabalhista ou previdenciária Art. 368. Frustrar, restringir ou suprimir, mediante violência, grave ameaça, fraude ou abuso de situação de necessidade, direito assegurado pela legislação do trabalho, da previdência social ou convenção coletiva de trabalho: Pena – detenção, de um a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º. Incorre na mesma pena quem: I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviço de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a vítima é menor de dezoito anos, gestante, indígena, pessoa idosa ou portadora de deficiência. Prestação de informações falsas ou desabonadoras Art. 369. Prestar informações inverídicas que denigram a imagem da pessoa para dificultar ou impedir sua admissão, como empregado ou prestador de serviço: Pena – detenção, de seis meses e dois anos, e multa. Induzimento a esterilidade Art. 370. Exigir de mulher que se submeta a esterilização para obtenção ou manutenção de emprego: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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Mediação ilegal Art. 371. Empreitar, com o fim de obter injusta vantagem indevida em prejuízo do trabalhador, mão-de-obra alheia, ou intervir, com a mesma finalidade, como mediador na estipulação de contrato de trabalho: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Conduta equiparada Parágrafo único. Incorre na mesma pena o empregador que, com a mesma finalidade do mediador, recebe a vantagem ou concorda com o contrato de trabalho. Utilização ilegal de trabalho de menor Art. 372. Utilizar trabalho de menor de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, ou de menor de dezoito anos em trabalho noturno, perigoso, insalubre ou que contribua negativamente para sua formação moral, técnica ou profissional: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Recrutamento para território estrangeiro Art. 373. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço até metade, se a pessoa recrutada é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência, ou se o agente não assegura condições de retorno ao local de origem. Recrutamento para outra localidade do território nacional Art. 374. Recrutar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia, ou ainda sem assegurar condições de retorno ao local de origem: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço até metade, nas mesmas hipóteses do parágrafo único do artigo anterior. Omissão de medidas de higiene ou de segurança Art. 375. Omitir a colocação de instalação, aparelhagem, dispositivo, equipamento ou serviço, prescritos por lei ou por medidas administrativas, para prevenir riscos, infortúnios no trabalho ou doenças profissionais, assegurar o socorro do acidentado ou garantir a higiene do trabalho: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Dano em aparelhagem ou serviço destinado a assegurar higiene ou segurança Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem remove ou danifica instalação, aparelhagem, dispositivo, equipamento ou serviço, destinados a assegurar higiene e segurança do trabalho, ou, de qualquer modo, impossibilita ou dificulta seu uso. Exercício ilegal de profissão Art. 376. Exercer profissão ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que, por lei, está subordinado seu exercício:

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Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

TÍTULO XII DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO

Incorporação indevida Art. 377. Promover incorporação imobiliária em desacordo com norma legal ou por meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Fraude imobiliária Art. 378. Fazer, em proposta, em qualquer comunicação ao público ou a interessados, ou em contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que deveria constar, sobre incorporação imobiliária, alienação das frações ideais de terreno ou construção de edificações: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Infidelidade gerencial Art. 379. Desviar, em proveito próprio ou alheio, dinheiro, bem ou valor destinado a empreendimento imobiliário do qual é incorporador, construtor ou administrador de fato ou de direito: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa. Parcelamento clandestino ou irregular do solo urbano Art. 380. Promover loteamento ou qualquer outra forma de parcelamento do solo urbano sem autorização dos órgãos competentes ou em desacordo com a autorização concedida: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Fraude em parcelamento do solo urbano Art. 381. Fazer, em proposta, em qualquer comunicação ao público ou a interessados, ou em contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que deveria constar, sobre a legalidade de loteamento ou de qualquer outra forma de parcelamento do solo urbano: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Licença ilegal Art. 382. Conceder licença para edificação, demolição, alteração, parcelamento do solo, incorporação imobiliária ou qualquer outra forma de ocupação do solo urbano, em manifesta contrariedade às normas legais de ordenamento urbano: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - registra loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registra o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetua registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado; II - faz uso da licença a que se refere este artigo.

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TÍTULO XIII DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Fraude fiscal Art. 383. Suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório: I - omitindo informação ou prestando declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudando a fiscalização tributária, com a inserção de elementos inexatos, ou com omissão de operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificando ou alterando nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo a operação tributável; IV - elaborando, distribuindo, fornecendo, emitindo ou utilizando documento falso ou inexato: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Art. 384. Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Descaminho Art. 385. Iludir o pagamento de tributo devido pela entrada ou saída de mercadoria do território nacional: Pena – reclusão, de um a dois anos, e multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se o agente vende, expõe à venda, tem em depósito para vender, adquire, recebe ou oculta, no exercício de atividade comercial ou industrial, mesmo que irregular, mercadoria introduzida no País sem o pagamento do tributo devido.

CAPÍTULO II DOS CRIMES ADUANEIROS

Contrabando Art. 386. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º. Aumenta-se a pena de metade, se o agente vende, expõe à venda, tem em depósito para vender, adquire, recebe ou oculta, no exercício de atividade comercial ou industrial, mesmo que irregular, mercadoria cuja importação era proibida. § 2º. Aplica-se a pena em dobro, se o crime de contrabando é cometido por meio de transporte aéreo.

TÍTULO XIV DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Genocídio Art. 387. Exterminar ou tentar exterminar, total ou parcialmente, grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

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I - matando membros do grupo; II - ofendendo gravemente a integridade corporal ou a saúde de membros do grupo; III - submetendo o grupo a condições de existência capazes de produzir sua destruição física; IV - impondo medidas tendentes a impedir nascimentos no grupo; V - transferindo coercitivamente crianças de um grupo para outro: Pena – reclusão, de oito a quinze anos, além da pena correspondente à violência. Associação para a prática de genocídio Art. 388. Associarem-se duas ou mais pessoas para a prática do crime do artigo anterior: Pena – reclusão, de cinco a dez anos. Tortura Art. 389. Torturar alguém, causando-lhe sofrimento físico, mental ou moral com emprego de violência ou grave ameaça: I - com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiro; II - para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; III - em razão de discriminação ou preconceito: Pena – reclusão, de quatro a oito anos. § 1º. Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo: Pena – reclusão, de três a seis anos. § 2º. Submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança ou socio-educativa a sofrimento físico ou mental, mediante ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Forma qualificada pelo resultado § 3º. Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de seis a quinze anos. § 4º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de quinze a trinta anos. Aumento de pena § 5º. Aumenta-se a pena de um sexto até um terço, se o crime é cometido: I - por funcionário público; II - contra menor de dezoito anos, gestante ou pessoa portadora de deficiência; III - mediante seqüestro. Condescendência com a tortura Art. 390. Deixar o funcionário público de responsabilizar o autor de tortura ou, faltando-lhe competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena – reclusão, de dois a cinco anos.

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TÍTULO XV DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA E COMUNIDADE INDÍGENA

CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA Atentado a direito de manifestação Art. 391. Impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos ou grupos políticos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Forma qualificada pelo resultado § 1º. Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de dois a seis anos. § 2º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de três a dez anos § 3º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. Aumento da pena § 4º. Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma, exerce funções de autoridade pública. Violação discriminatória de direito ou garantia fundamental Art. 392. Negar, impedir ou dificultar, por motivo de discriminação ou preconceito de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem, o livre exercício de direito ou garantia fundamental assegurados na Constituição: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Prática de discriminação ou preconceito Art. 393. Praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem: Pena – reclusão, de um a três anos. Aumento de pena Parágrafo único. Aumentam-se as penas dos arts. 393 e 394 de um terço, se o crime é cometido por: I - intermédio dos meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza; II - funcionário público. Associação discriminatória Art. 394. Constituir ou tentar constituir associação, ou dela participar, com o fim de pregar a discriminação ou o preconceito de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem: Pena – reclusão, de um a três anos.

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Propagação racista ou atentatória à liberdade Art. 395. Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que se destinem a propagação de doutrina racista ou atentatória à liberdade: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Excesso em conflito armado Art. 396. Praticar, durante conflito armado, ato proibido por tratado internacional de que o Brasil seja parte, relativo a método ou meio de combate, bem ou lugar alvo de hostilidade; contra ferido, enfermo, falecido, náufrago, prisioneiro de guerra, mulher, criança ou qualquer outra pessoa protegida: Pena – reclusão, de um a quatro anos, além da pena correspondente a foto definido como crime.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A COMUNIDADE INDÍGENA

Invasão de terras indígenas Art. 397. Invadir, mediante violência, grave ameaça ou fraude, ou com o concurso de mais de duas pessoas, terras ou reservas indígenas demarcadas, para o fim de esbulho possessório: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Lavra ou pesquisa proibida Art. 398. Realizar, sem autorização, lavra ou pesquisa de recursos minerais em terras ou reservas indígenas demarcadas, ou nelas manter equipamento ou maquinaria destinada a realização dessas atividades: Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem explora, por qualquer meio ou recurso, as riquezas do solo, rios ou lagos em terras ou reservas indígenas demarcadas ou induz seus habitantes a explorá-las ou negociá-las. Ultraje aos costumes Art. 399. Escarnecer, publicamente, de índio, por motivo de sua origem, língua, costume, crença ou cultura; vilipendiar ato ou objeto de crença, costume ou tradição cultural indígena; impedir ou perturbar sua prática; utilizar imagem de índio, mesmo com seu consentimento, como objeto ou exibição de caráter obsceno: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se o crime é cometido utilizando-se dos meios de comunicação. Corrupção de costumes Art. 400. Induzir ou instigar membro de comunidade tribal, ou índio não integrado, a aquisição ou a uso de bebida alcoólica: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, cede, fornece, distribui bebida alcoólica a índio não integrado.

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Aumento de pena Art. 401. Aumentam-se as penas previstas neste Capítulo de um terço, se o agente exerce atividade, pública ou privada, de assistência ao índio.

TÍTULO XVI DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO

E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A SOBERANIA NACIONAL

Atentado à soberania Art. 402. Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país: I - empreendendo ação armada para ofender a integridade ou a independência nacional; II - executando no território brasileiro qualquer ordem ou determinação de governo estrangeiro que ofenda ou exponha a perigo a soberania do País: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. Traição Art. 403. Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o País, desmembrar parte do seu território, ou invadi-lo; ou prestar-lhes auxílio para que o façam: Pena – reclusão, de oito a quinze anos. § 1º. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, governo estrangeiro para promover guerra ou hostilidade contra o País. Aumento de pena § 2º. Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se declarada a guerra, desencadeados os atos de hostilidade, desmembrada parte do território ou efetivada a invasão. Aliciamento a invasão Art. 404. Recrutar indivíduos de outro país ou apátridas para invasão do território nacional: Pena – reclusão, de três a oito anos. Aliciamento a invasão qualificado Parágrafo único. Se a invasão ocorre: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Violação do território Art. 405. Violar o território nacional com o fim de explorar riquezas naturais ou nele exercer atos de soberania de outro país: Pena – reclusão, de três a oito anos. Aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena de metade, se ocorre a exploração ou a prática de atos de soberania.

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Atentado a federação Art. 406. Tentar desmembrar parte do território nacional, mediante violência ou grave ameaça, para constituir país independente: Pena – reclusão, de três a seis anos, além da pena correspondente à violência. Espionagem Art. 407. Remeter, ceder ou entregar a governo ou grupo estrangeiro, ou a seus agentes, dados, documentos ou suas cópias, planos, cifras ou informações de natureza sigilosa, ou comunicar seu conteúdo ou facilitar a comunicação dele: Pena – reclusão, de cinco a quinze anos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - mantém serviço de espionagem ou dele participa, com o objetivo de realizar os atos previstos neste artigo; II - realiza, com o mesmo objetivo, a atividade aerofotográfica ou sensoreamento remoto em qualquer parte do território nacional; III - oculta ou presta auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da autoridade pública; IV - obtém ou revela, para fim de espionagem, desenhos, projetos, fotografias, notícias ou informações acerca de técnicas ou tecnologias, componentes, equipamentos, instalações ou sistemas de processamento de dados, em uso ou em desenvolvimento no País, considerados essenciais para sua defesa, integridade, independência ou soberania, e que por isso devam permanecer em segredo.

CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA A ESTABILIDADE DEMOCRÁTICA

Sedição Art. 408. Constituir ou tentar constituir grupo civil ou militar, ou dele participar, para o fim de promover, mediante violência ou grave ameaça, a alteração da estrutura do Estado democrático ou da ordem constitucional estabelecida: Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência. § 1º. Incorre na mesma pena quem: I - com idêntico objetivo, importa, fábrica, prepara, guarda, mantém em depósito, compra, vende, cede, detém, distribui, transporta, remete ou usa armas proibidas, substâncias explosivas, radioativas ou próprias para a produção de gases tóxicos ou asfixiantes; II - mediante violência ou grave ameaça, impede, dificulta ou torna impossível o regular funcionamento de qualquer dos Poderes da União, dos Estados ou do Distrito Federal; III - mediante violência ou grave ameaça, impede a realização de eleições para cargos públicos; IV - mediante violência ou grave ameaça, executa diretamente atos dirigidos para substituir o governo constitucionalmente constituído, para derrogar, suspender ou modificar total ou parcialmente a Constituição, para alterar a forma republicana e federativa ou para destituir o chefe de Governo de suas prerrogativas; V - pratica atentado à vida, à integridade corporal, à liberdade ou ao patrimônio de outrem, para a obtenção de fundos à constituição ou manutenção de grupo armado ou organização política destinados a alterar a estrutura do Estado democrático, a forma republicana ou a ordem constitucional; VI - apodera-se ou exerce o controle de aeronave em vôo, mediante violência, grave ameaça, fraude, ou depois de ter, de qualquer modo, reduzido a tripulação à impossibilidade de resistência.

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Diminuição de pena § 2º. Diminui-se a pena de um terço, se o agente abandona o grupo ou a associação, ou, na hipótese do § 1º, I, quando o armamento ou material bélico é voluntariamente entregue à autoridade pública ou posto a sua disposição antes que o fato se torne descoberto. Incitamento a guerra civil Art. 409. Incitar, publicamente, a prática de guerra civil ou dos atos previstos no artigo anterior: Pena – reclusão, de dois a quatro anos. Sabotagem Art. 410. Destruir, inutilizar, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, gás ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população, com o fim de ofender, alterar ou tentar alterar a estrutura democrática do Estado, a ordem constitucional ou a forma republicana, ou substituir o Chefe de Governo; impedir o funcionamento deles, ou desviá-los de seus fins regulares, nessas mesmas circunstâncias: Pena – reclusão, de quatro a dez anos. Forma qualificada pelo resultado § 1º. Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão, de seis a doze anos. § 2º. Se resulta lesão corporal gravíssima: Pena – reclusão, de sete a quatorze anos. § 3º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de oito a quinze anos. Atentado a chefe de Poder Art. 411. Matar o presidente da República, do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal, por facciosismo político ou para alterar a estrutura do Estado democrático ou a ordem constitucional: Pena – reclusão, de quinze a trinta anos. Parágrafo único. Se o atentado configura: I - privação da liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de seis a doze anos. II - ofensa à integridade corporal ou à saúde: Pena – reclusão, de quatro a oito anos.

CAPÍTULO III DOS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Atentado Art. 412. Matar chefe de Estado ou de governo estrangeiro, ou qualquer das pessoas protegidas por tratado, convenção ou ato internacional e que se encontrem no território nacional: Pena – reclusão, de quinze a trinta anos.

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Parágrafo único. Se o atentado configura: I - privação da liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de seis a doze anos. II - ofensa à integridade corporal ou à saúde: Pena – reclusão, de dois a oito anos. Destruição de bem ou local protegido Art. 413. Destruir, total ou parcialmente, bens ou locais protegidos por tratado, convenção ou ato internacional: Pena – reclusão, de três a seis anos.” Art. 2º. Esta lei entra em vigor seis meses após sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

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ANEXO XII – LEI 10.886, DE 17 DE JUNHO DE 2004.

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.886, DE 17 DE JUNHO DE 2004.

Acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado "Violência Doméstica".

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 9o e 10:

"Art. 129. ...............................................................

...............................................................

Violência Doméstica

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço)." (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 17 de junho de 2004; 183o da Independência e 116o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 18.6.2004

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ANEXO XIII - LEI 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005.

Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 148, 215, 216, 226, 227 e 231 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 148.......................................................................

§ 1o .............................................................................

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

....................................................................................

IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

V – se o crime é praticado com fins libidinosos.

....................................................................................." (NR)

"Posse sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude:

......................................................................................" (NR)

"Atentado ao pudor mediante fraude

Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

........................................................................................

Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos." (NR)

"Art. 226. A pena é aumentada:

I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

III – (revogado)." (NR)

"CAPÍTULO V DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS

..........................................................................................

Art. 227. .............................................................................

§ 1o Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

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..........................................................................................." (NR)

"Tráfico internacional de pessoas

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o.....................................................................................

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

§ 2o Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o (revogado)." (NR)

Art. 2o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 231-A:

"Tráfico interno de pessoas

Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 231 deste Decreto-Lei."

Art. 3o O Capítulo V do Título VI – DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com o seguinte título: "DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS".

Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5o Ficam revogados os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222, o inciso III do caput do art. 226, o § 3o do art. 231 e o art. 240 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

Brasília, 28 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos

José Dirceu de Oliveira e Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 29.3.2005.

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ANEXO XIV - LEI 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

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TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

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IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

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CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

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Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

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Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

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Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

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§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

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CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

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Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313. .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

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Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006

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ANEXO XV - “CONVENÇÃO SOBRE ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER”.

Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher

DECRETO Nº 4.377, DE 13 DE SETEMBRO DE 2002.

Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que o Congresso Nacional aprovou, pelo Decreto Legislativo no 93, de 14 de novembro de 1983, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinada pela República Federativa do Brasil, em Nova York, no dia 31 de março de 1981, com reservas aos seus artigos 15, parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas (a), (c), (g) e (h);

Considerando que, pelo Decreto Legislativo no 26, de 22 de junho de 1994, o Congresso Nacional revogou o citado Decreto Legislativo no 93, aprovando a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, inclusive os citados artigos 15, parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas (a), (c), (g) e (h);

Considerando que o Brasil retirou as mencionadas reservas em 20 de dezembro de 1994;

Considerando que a Convenção entrou em vigor, para o Brasil, em 2 de março de 1984, com a reserva facultada em seu art. 29, parágrafo 2;

DECRETA:

Art. 1º A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de dezembro de 1979, apensa por cópia ao presente Decreto, com reserva facultada em seu art. 29, parágrafo 2, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Fica revogado o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984.

Brasília, 13 de setembro de 2002; 181º da Independência e 114º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Osmar Chohfi

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.9.2002

Os Estados Partes na presente convenção,

CONSIDERANDO que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher,

CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o princípio da não-discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais

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em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo,

CONSIDERANDO que os Estados Partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos tem a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos,

OBSEVANDO as convenções internacionais concluídas sob os auspícios das Nações Unidas e dos organismos especializados em favor da igualdade de direitos entre o homem e a mulher,

OBSERVANDO, ainda, as resoluções, declarações e recomendações aprovadas pelas Nações Unidas e pelas Agências Especializadas para favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher,

PREOCUPADOS, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações,

RELEMBRANDO que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade,

PREOCUPADOS com o fato de que, em situações de pobreza, a mulher tem um acesso mínimo à alimentação, à saúde, à educação, à capacitação e às oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades,

CONVENCIDOS de que o estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional baseada na eqüidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher,

SALIENTANDO que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher,

AFIRMANDO que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento geral e completo, e em particular o desarmamento nuclear sob um estrito e efetivo controle internacional, a afirmação dos princípios de justiça, igualdade e proveito mútuo nas relações entre países e a realização do direito dos povos submetidos a dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à autodeterminação e independência, bem como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o desenvolvimento sociais, e, em conseqüência, contribuirão para a realização da plena igualdade entre o homem e a mulher,

CONVENCIDOS de que a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, o bem-estar do mundo e a causa da paz,

TENDO presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como um conjunto,

RECONHECENDO que para alcançar a plena igualdade entre o homem e a mulher é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem como da mulher na sociedade e na família,

RESOLVIDOS a aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e, para isto, a adotar as medidas necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações,

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CONCORDARAM no seguinte:

PARTE I

Artigo 1º

Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Artigo 2º

Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

a) Consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio;

b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;

d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;

e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;

g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.

Artigo 3º

Os Estados Partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.

Artigo 4º

1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

2. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.

Artigo 5º

Os Estados-Partes tornarão todas as medidas apropriadas para:

a) Modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres.

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b) Garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos.

Artigo 6º

Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher.

PARTE II

Artigo 7º

Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a:

a) Votar em todas as eleições e referenda públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas;

b) Participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais;

c) Participar em organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida pública e política do país.

Artigo 8º

Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para garantir, à mulher, em igualdade de condições com o homem e sem discriminação alguma, a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais.

Artigo 9º

1. Os Estados-Partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento, modifiquem automaticamente a nacionalidade da esposa, convertam-na em apátrida ou a obriguem a adotar a nacionalidade do cônjuge.

2. Os Estados-Partes outorgarão à mulher os mesmos direitos que ao homem no que diz respeito à nacionalidade dos filhos.

PARTE III

Artigo 10

Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurarem condições de igualdade entre homens e mulheres:

a) As mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação pré-escolar, geral, técnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos os tipos de capacitação profissional;

b) Acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal docente do mesmo nível profissional, instalações e material escolar da mesma qualidade;

c) A eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino mediante o estímulo à educação mista e a

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outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e programas escolares e adaptação dos métodos de ensino;

d) As mesmas oportunidades para obtenção de bolsas-de-estudo e outras subvenções para estudos;

e) As mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva, incluídos os programas de alfabetização funcional e de adultos, com vistas a reduzir, com a maior brevidade possível, a diferença de conhecimentos existentes entre o homem e a mulher;

f) A redução da taxa de abandono feminino dos estudos e a organização de programas para aquelas jovens e mulheres que tenham deixado os estudos prematuramente;

g) As mesmas oportunidades para participar ativamente nos esportes e na educação física;

h) Acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da família, incluída a informação e o assessoramento sobre planejamento da família.

Artigo 11

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:

a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano;

b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego;

c) O direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico;

d) O direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho;

e) O direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito de férias pagas;

f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.

2. A fimde impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-Partes tomarão as medidas adequadas para:

a) Proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou licença de maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil;

b) Implantar a licença de maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais;

c) Estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinados ao cuidado das crianças;

d) Dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais para elas.

3. A legislação protetora relacionada com as questões compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos conhecimentos científicos e tecnológicos e será revista, derrogada ou ampliada conforme as necessidades.

Artigo 12

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1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento familiar.

2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1o, os Estados-Partes garantirão à mulher assistência apropriadas em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância.

Artigo 13

Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) O direito a benefícios familiares;

b) O direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro;

c) O direito a participar em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural.

Artigo 14

1. Os Estados-Partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família,

incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais.

2. Os Estados-Partes adotarão todas as medias apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular as segurar-lhes-ão o direito a:

a) Participar da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis;

b) Ter acesso a serviços médicos adequados, inclusive informação, aconselhamento e serviços em matéria de planejamento familiar;

c) Beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social;

d) Obter todos os tipos de educação e de formação, acadêmica e não-acadêmica, inclusive os relacionados à alfabetização funcional, bem como, entre outros, os benefícios de todos os serviços comunitário e de extensão a fim de aumentar sua capacidade técnica;

e) Organizar grupos de auto-ajuda e cooperativas a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria;

f) Participar de todas as atividades comunitárias;

g) Ter acesso aos créditos e empréstimos agrícolas, aos serviços de comercialização e às tecnologias apropriadas, e receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de reestabelecimentos;

h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações.

PARTE IV

Artigo 15

1. Os Estados-Partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei.

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2. Os Estados-Partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica do homem e as mesmas oportunidades para o exercício dessa capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais direitos para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do processo nas cortes de justiça e nos tribunais.

3. Os Estados-Partes convém em que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo.

4. Os Estados-Partes concederão ao homem e à mulher os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao direito das pessoas à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio.

Artigo 16

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às ralações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:

a) O mesmo direito de contrair matrimônio;

b) O mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com livre e pleno consentimento;

c) Os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução;

d) Os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial;

e) Os mesmos direitos de decidir livre a responsavelmente sobre o número de seus filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos;

f) Os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos os interesses dos filhos serão a consideração primordial;

g) Os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação;

h) Os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto à título oneroso.

2. Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial.

PARTE V

Artigo 17

1. Com o fim de examinar os progressos alcançados na aplicação desta Convenção, será estabelecido um Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (doravante denominado o Comitê) composto, no momento da entrada em vigor da Convenção, de dezoito e, após sua ratificação ou adesão pelo trigésimo-quinto Estado-Parte, de vinte e três peritos de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção. Os peritos serão eleitos pelos Estados-Partes entre seus nacionais e exercerão suas funções a título pessoal;

será levada em conta uma repartição geográfica eqüitativa e a representação das formas diversas de civilização assim como dos principais sistemas jurídicos;

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2. Os membros do Comitê serão eleitos em escrutínio secreto de uma lista de pessoas indicadas pelos Estados-Partes. Cada um dos Estados-Partes poderá indicar uma pessoa entre seus próprios nacionais;

3. A eleição inicial realizar-se-á seis meses após a data de entrada em vigor desta Convenção. Pelo menos três meses antes da data de cada eleição, o Secretário-Geral das Nações Unidas dirigirá uma carta aos Estados-Partes convidando-os a apresentar suas candidaturas, no prazo de dois meses. O Secretário-Geral preparará uma lista, por ordem alfabética de todos os candidatos assim apresentados, com indicação dos Estados-Partes que os tenham apresentado e comunica-la-á aos Estados Partes;

4. Os membros do Comitê serão eleitos durante uma reunião dos Estados-Partes convocado pelo Secretário-Geral na sede das Nações Unidas. Nessa reunião, em que o quorum será alcançado com dois terços dos Estados-Partes, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta de votos dos representantes dos Estados-Partes presentes e votantes;

5. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Entretanto, o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao fim de dois anos; imediatamente após a primeira eleição os nomes desses nove membros serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê;

6. A eleição dos cinco membros adicionais do Comitê realizar-se-á em conformidade com o disposto nos parágrafos 2, 3 e 4 deste Artigo, após o depósito do trigésimo-quinto instrumento de ratificação ou adesão. O mandato de dois dos membros adicionais eleitos nessa ocasião, cujos nomes serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê, expirará ao fim de dois anos;

7. Para preencher as vagas fortuitas, o Estado-Parte cujo perito tenha deixado de exercer suas funções de membro do Comitê nomeará outro perito entre seus nacionais, sob reserva da aprovação do Comitê;

8. Os membros do Comitê, mediante aprovação da Assembléia Geral, receberão remuneração dos recursos das Nações Unidas, na forma e condições que a Assembléia Geral decidir, tendo em vista a importância das funções do Comitê;

9. O Secretário-Geral das Nações Unidas proporcionará o pessoal e os serviços necessários para o desempenho eficaz das funções do Comitê em conformidade com esta Convenção.

Artigo 18

1. Os Estados-Partes comprometem-se a submeter ao Secretário-Geral das Nações Unidas, para exame do Comitê, um relatório sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições desta Convenção e sobre os progressos alcançados a esse respeito:

a) No prazo de um ano a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado; e b) Posteriormente, pelo menos cada quatro anos e toda vez que o Comitê a solicitar.

2. Os relatórios poderão indicar fatores e dificuldades que influam no grau de cumprimento das obrigações estabelecidos por esta Convenção.

Artigo 19

1. O Comitê adotará seu próprio regulamento.

2. O Comitê elegerá sua Mesa por um período de dois anos.

Artigo 20

1. O Comitê se reunirá normalmente todos os anos por um período não superior a duas semanas para examinar os relatórios que lhe sejam submetidos em conformidade com o Artigo 18 desta Convenção.

2. As reuniões do Comitê realizar-se-ão normalmente na sede das Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê determine.

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Artigo 21

1. O Comitê, através do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, informará anualmente a Assembléia Geral das Nações Unidas de suas atividades e poderá apresentar sugestões e recomendações de caráter geral baseadas no exame dos relatórios e em informações recebidas dos Estados-Partes. Essas sugestões e recomendações de caráter geral serão incluídas no relatório do Comitê juntamente com as observações que os Estados-Partes tenham porventura formulado.

2. O Secretário-Geral transmitirá, para informação, os relatórios do Comitê à Comissão sobre a Condição da Mulher.

As Agências Especializadas terão direito a estar representadas no exame da aplicação das disposições desta Convenção que correspondam à esfera de suas atividades. O Comitê poderá convidar as Agências Especializadas a apresentar relatórios sobre a aplicação da Convenção nas áreas que correspondam à esfera de suas atividades.

PARTE VI

Artigo 23

Nada do disposto nesta Convenção prejudicará qualquer disposição que seja mais propícia à obtenção da igualdade entre homens e mulheres e que seja contida:

a) Na legislação de um Estado-Parte ou

b) Em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional vigente nesse Estado.

Artigo 24

Os Estados-Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias em âmbito nacional para alcançar a plena realização dos direitos reconhecidos nesta Convenção.

Artigo 25

1. Esta Convenção estará aberta à assinatura de todos os Estados.

2. O Secretário-Geral das Nações Unidas fica designado depositário desta Convenção.

3. Esta Convenção está sujeita a ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

4. Esta Convenção estará aberta à adesão de todos os Estados. A adesão efetuar-se-á através do depósito de um instrumento de adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

Artigo 26

1. Qualquer Estado-Parte poderá, em qualquer momento, formular pedido de revisão desta revisão desta Convenção, mediante notificação escrita dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

2. A Assembléia Geral das Nações Unidas decidirá sobre as medidas a serem tomadas, se for o caso, com respeito a esse pedido.

Artigo 27

1. Esta Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data do depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

2. Para cada Estado que ratificar a presente Convenção ou a ela aderir após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito de seu instrumento de ratificação ou adesão.

Artigo 28

1. O Secretário-Geral das Nações Unidas receberá e enviará a todos os Estados o texto das reservas feitas pelos Estados no momento da ratificação ou adesão.

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2. Não será permitida uma reserva incompatível com o objeto e o propósito desta Convenção.

3. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento por uma notificação endereçada com esse objetivo ao Secretário-Geral das Nações Unidas, que informará a todos os Estados a respeito. A notificação surtirá efeito na data de seu recebimento.

Artigo 29

1. Qualquer controvérsia entre dois ou mais Estados-Partes relativa à interpretação ou aplicação desta Convenção e que não for resolvida por negociações será, a pedido de qualquer das Partes na controvérsia, submetida a arbitragem. Se no prazo de seis meses a partir da data do pedido de arbitragem as Partes não acordarem sobre a forma da arbitragem, qualquer das Partes poderá submeter a controvérsia à Corte Internacional de Justiça mediante pedido em conformidade com o Estatuto da Corte.

2. Qualquer Estado-Parte, no momento da assinatura ou ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, poderá declarar que não se considera obrigado pelo parágrafo anterior. Os demais Estados-Partes não estarão obrigados pelo parágrafo anterior perante nenhum Estado-Parte que tenha formulado essa reserva.

3. Qualquer Estado-Parte que tenha formulado a reserva prevista no parágrafo anterior poderá retirá-la em qualquer momento por meio de notificação ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

Artigo 30

Esta convenção, cujos textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo são igualmente autênticos será depositada junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

Em testemunho do que, os abaixo-assinados devidamente autorizados, assinaram esta Convenção.

Legislação brasileira sobre a Convenção Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL aprovou, e eu, HUMBERTO LUCENA, Presidente do Senado Federal, nos termos do art. 48, item 28, do Regimento Interno, promulgo o seguinte

DECRETO LEGISLATIVO N° 26, DE 1994

Aprova o texto da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, assinado pela República Federativa do Brasil, em Nova Iorque, em 31 de março de 1981, bem como revoga o Decreto Legislativo n° 93, de 1983.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1° É aprovado o texto da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, assinado pela República Federativa do Brasil, em Nova Iorque, em 31 de março de 1981.

Parágrafo único. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem modificação da convenção, bem como quaisquer atos que, nos termos do art. 49, I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 2° Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° Fica revogado o Decreto Legislativo n° 93, de 1983.

Senado Federal, 22 de junho de 1994.

SENADOR HUMBERTO LUCENA

Presidente

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ANEXO XVI - “CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER”, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. No Brasil, essa Convenção tem força de lei interna, conforme o disposto no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal vigente. Essa importante Convenção ratificou e ampliou a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, e representa o esforço do movimento feminista internacional para dar visibilidade à existência da violência contra a mulher e exigir seu repúdio pelos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos - OEA. A Convenção declara que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades. A Convenção entende por violência contra a mulher "qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado". A ASSEMBLÉIA GERAL, Considerando que o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica; Preocupada porque a violência em que vivem muitas mulheres da América, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, é uma situação generalizada; Persuadida de sua responsabilidade histórica de fazer frente a esta situação para procurar soluções positivas; Convencida da necessidade de dotar o sistema interamericano de um instrumento internacional que contribua para solucionar o problema da violência contra a mulher; Recordando as conclusões e recomendações da Consulta Interamericana sobre a Mulher e a Violência, celebrada em 1990, e a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, nesse mesmo ano, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas; Recordando também a resolução AG/RES n. 1.128 (XXI-0/91) " Proteção da Mulher Contra a Violência" , aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos; Levando em consideração o amplo processo de consulta realizado pela Comissão Interamericana de Mulheres desde 1990 para o estudo e a elaboração de um projeto de convenção sobre a mulher e a violência, e Vistos os resultados da Sexta Assembléia Extraordinária de Delegadas, Resolve: Adotar a seguinte Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - "Convenção de Belém do Pará" Os Estados-partes da presente Convenção, Reconhecendo que o respeito irrestrito aos Direitos Humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmando em outros instrumentos internacionais e regionais; Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; Preocupados porque a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens; Recordando a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher transcende todos os setores da sociedade, independentemente de sua classe, raça ou grupo étnico, níveis de salário, cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases; Convencidos de que a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena igualitária participação em todas as esferas da vida e

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Convencidos de que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las Convieram o seguinte:

Capítulo I Definição e âmbito de aplicação

Artigo 1º- Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher a qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 2º- Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: a) que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; b) que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e c) que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Capítulo II

Direitos Protegidos Artigo 3º- Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 4º- Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre os direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre outros: a) o direito a que se respeite a sua vida; b) o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral; c) o direito à liberdade e à segurança pessoais; d) o direito a não ser submetida a torturas; e) o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família; f) o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei; g) o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; h) o direito à liberdade de associação; i) o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; j) o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar dos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões. Artigo 5º- Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. Artigo 6º- O direito de toda mulher a uma vida livre de violência inclui, entre outros: a) o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e b) o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação.

Capítulo III

Deveres dos Estados Artigo 7º- Os Estados-partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação;

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b) atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c) incluir em sua legislação interna: normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade; e) tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos; g) estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher , objeto de violência, tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes; e h) adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam necessárias para efetivar esta Convenção. Artigo 8º- Os Estados-partes concordam em adotar , em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para: a) fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos; b) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiam na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher; c) fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher; d) aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetados; e) fomentar a apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente; f) oferecer à mulher, objeto de violência, acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada e social; g) estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher; h) garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, conseqüências e freqüência da violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e i) promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher objeto de violência. Artigo 9º- Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada. No mesmo sentido se considerará a mulher submetida à violência quando estiver grávida, for excepcional, menor de idade, anciã ou estiver em situação sócio-econômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade.

Capítulo IV

Mecanismos Interamericanos de Proteção Artigo 10 - Com o propósito de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres, os Estados-partes deverão incluir

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informação sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a mulher afetada pela violência, assim como sobre as dificuldades que observem na aplicação das mesmas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher. Artigo 11 - Os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres poderão requerer à Corte Interamericana de Direitos Humanos opinião consultiva sobre a interpretação desta Convenção. Artigo 12 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do artigo 7º da presente Convenção pelo Estado-parte, e a Comissão para a apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Capítulo V

Disposições Gerais Artigo 13 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados-partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher. Artigo 14 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outras convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema. Artigo 15 - A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos. Artigo 16 - A presente Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 17 - A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 18 - Os Estados poderão formular reservas à presente Convenção no momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou aderir a ela, sempre que: a) não sejam incompatíveis com o objetivo e o propósito da Convenção; b) não sejam de caráter geral e versem sobre uma ou mais disposições específicas. Artigo 19 - Qualquer Estado-parte pode submeter à Assembléia Geral, por meio da Comissão Interamericana de Mulheres, uma proposta de emenda a esta Convenção. As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em que dois terços dos Estados-partes tenham depositado o respectivo instrumento de ratificação. Quanto ao resto dos Estados-partes, entrarão em vigor na data em que depositem seus respectivos instrumentos de ratificação. Artigo 20 - Os Estados-partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que funcionem distintos sistemas jurídicos relacionados com questões tratadas na presente Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção aplicar-se-á a todas as unidades territoriais ou somente a uma ou mais. Tais declarações poderão ser modificadas em qualquer momento mediante declarações ulteriores, que especificarão expressamente as unidades territoriais às quais será aplicada a presente Convenção. Tais declarações ulteriores serão transmitidas à Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e entrarão em vigor trinta dias após seu recebimento. Artigo 21 - A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data que tenha sido depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratifique ou adira à Convenção, depois de ter sido depositado o segundo instrumento de ratificação, entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que tal Estado tenha depositado seu instrumento de ratificação ou adesão. Artigo 22 - O Secretário Geral informará a todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos da entrada em vigor da Convenção. Artigo 23 - O Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos apresentará um informe anual aos Estados membros da Organização sobre a situação desta Convenção, inclusive sobre as assinaturas, depósitos de instrumentos de ratificação, adesão ou

Page 479: A UNIÃO ESTÁVEL E A UNIÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO … · contemplar a união homoafetiva, com a equiparação do companheiro heterossexual ao homossexual. As sugestões se justificam,

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declarações, assim como as reservas porventura apresentadas pelos Estados-partes e, neste caso, o informe sobre as mesmas. Artigo 24 - A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas qualquer dos Estados-partes poderá denunciá-la mediante o depósito de um instrumento com esse fim na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Um ano depois da data do depósito de instrumento de denúncia, a Convenção cessará em seus efeitos para o Estado denunciante, continuando a subsistir para os demais Estados-partes. Artigo 25 - O instrumento original da presente Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada de seu texto para registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas, de conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas.