a vida secreta de jonas - luiz galdino

91

Upload: davi-cosmo

Post on 23-Nov-2015

527 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • TEXTO

    Editor

    Fernando Paixo

    Assistente editorial

    Carmen Lucia Campos

    Preparao dos originais

    Snia Maria de Amorim

    Suplemento de trabalho

    Antonio Carlos Olivieri

    ARTE

    Editor

    Marcus de SantAnna

    Diagramao

    Fernando Monteiro

    Ilustraes

    Darlon

    Arte final

    Fukuko Saito

    Antonio U. Domiencio

    Ayrton Quaresma

    Coordenao de composio

    Neide Hiromi Toyota

    Este ebook

    Digitalizao

    Adriana

    Reviso, formatao:

    The flash

  • Luiz Galdino: autor verstil que gosta de escrever para jovens

    Luiz Galdino j fez de tudo um pouco. Esteve numa escola militar, foi

    funcionrio pblico, deu aulas, escreveu em jornal, trabalhou em

    publicidade, viajou de carona, viveu em comunidade, morou num monte de

    lugares. Mas gosta realmente de escrever fico.

    Autor verstil, conquistou, num mesmo ano, o Prmio Literrio

    Nacional, do INL, para romance; o Prmio Nacional do Clube do Livro, com

    um volume de contos; e o Prmio Joo de Barro, de literatura infantil. Seu

    pblico predileto formado por jovens e adolescentes, para os quais

    publicou Pega ladro, Moleque de rua, Saudade da vila, Rio abaixo vida

    acima, Saru Zambi e outros.

    Em 1986 e 87, teve dois livros includos no catlogo internacional da

    Biblioteca da Juventude, de Munique, RFA, que rene as melhores

    publicaes do ano para jovens e crianas.

  • Recado do autor

    Eu tinha catorze ou quinze anos de idade quando li a notcia. Em um

    lugar perdido no interior de Gois, vivia um garoto que, alm de muito

    estranho, ningum sabia de onde tinha vindo. Fiquei muito impressionado.

    A histria que voc vai ler baseia-se nesse acontecimento, porm esta

    uma obra de fico e no uma reportagem. Prepare-se.

    Acompanhando a trajetria de Jonas, voc vai se defrontar com um

    grande mistrio. Um mistrio que se esconde dentro de ns mesmos e que

    cria monstros. Uma estranha fora capaz de nos transformar em pessoas

    que desconhecemos, quando nos vemos diante daquilo que simplesmente

    diferente, novo.

    Espero que todos aqueles que me acompanharem nesta aventura

    saiam dela to enriquecidos como eu sa.

  • SUMRIO

    1 Surpresa no ar

    2 Pato em roda de pinto

    3 Ponto de encontro

    4 Mistrio na fbrica

    5 Amnsia

    6 Retirada estratgica

    7 Um salto no desconhecido

    8 Uma deciso importante

    9 O primeiro dia

    10 Um garoto do outro mundo

    11 Aprendendo a viver

    12 Encontro desagradvel

    13 Ontem foi um co. Amanh ser um de ns

    14 Salvo pelo gongo

    15 Um dia difcil

    16 Em busca do passado

    17 O blecaute

    18 Os marcianos chegaram

    19 A casa sitiada

    20 Aventura na mata

    21 Segurana para nossos filhos

    22 O segredo da igreja

    23 A despedida

    24 Saudade

  • 1

    Surpresa no ar

    A mulher batia de tal forma o ferro contra a pea de roupa, que o

    filho no conseguia se concentrar na lio de casa. Geninho afastou a vista

    do caderno e ficou observando: os lbios comprimidos, a boca riscada de

    pequenas rugas verticais no deixavam dvida: a me estava prestes a

    estourar.

    J terminou a lio? perguntou ela, pressentindo o olhar do filho.

    No... Ainda no.

    Que est esperando?

    O garoto ajustou a caneta entre os dedos e voltou a examinar as

    questes. Entretanto, por mais que se esforasse, a pgina do caderno

    permanecia em branco. No conseguiria preench-la sem ajuda.

    O problema da me era outro.

    Parece castigo! reclamou ela, cheirando uma camisa. Quanto mais lavo, mais cheira!

    No seu canto, Geninho adivinhava que logo sobraria para o pai. E no

    demorou a ouvir a confirmao:

    Eu juro que no entendo! O Eugnio trabalha feito um cavalo e no consegue tirar a gente desse buraco!

    Ele disse que a situao est difcil... defendeu o garoto.

    ... Seu pai fala... E enquanto ele fala, os vizinhos progridem! retrucou ela, batendo na cala.

    Ele no se anima porque sabe que a senhora no gosta daqui.

    No gosto mesmo! To perto de So Paulo, de So Bernardo, e a gente tinha que vir parar num buraco desses, onde o sol aparece uma vez

    por semana?!

    Na cabea da me, o pai se transformava em culpado at pelos dias

    de inverno. E se no vero os dias fossem muito quentes, ela o culparia

    tambm.

    O Eugnio no tem ambio. E quem no tem ambio no consegue nada!

    Como no ouvisse resposta, prosseguiu:

    V l fora e veja. Quero cair durinha se ele no estiver com o cigarrinho entre os dedos e a cabea na lua!

    Geninho riu e aproveitou a sugesto para abandonar a tarefa. A

    caminho da porta pensou no quanto os dois se conheciam. E concordava

    com a imagem. O pai estaria sentado na banqueta de tronco, com o cigarro

    entre os dedos, o olhar perdido na direo da mata serrana ou tentando

    descobrir uma estrela entre a nvoa mida.

    Desta vez, porm, a vida pregou-lhe uma pea. Assim que botou os

    ps fora de casa, percebeu o engano. A surpresa no poderia ser maior.

    Parado no meio do quintal, o pai olhava para o alto. Entretanto no

    era uma estrela que ele observava, nem a lua. Sobre sua cabea, a uma

    altura pouco superior do telhado, oscilava levemente o estranho objeto

  • luminoso.

    Pai, o que isso? interrogou Geninho, admirado, agarrando-o pela cintura.

    Quieto, filho... Fique quieto...

    Colado ao corpo do pai, Geninho levantou a vista at o ponto onde o

    objeto flutuava. O corao batia como um tambor e o corpo tremia de cima

    a baixo. A curiosidade, porm, venceu. Jamais havia visto algo semelhante.

    A parte inferior do objeto tinha a forma de uma bacia reluzente; e, em

    volta, luzes coloridas vermelhas, alaranjadas e amarelas, piscavam sem

    parar.

    Pai, isso a... Isso a parece...

    No diga nada, Geninho.

    Ouviram, ento, um zunido surdo, pouco mais que a vibrao de um

    elstico distendido ou um zunzum de colmeia. Ao mesmo tempo as luzes

    coloridas comeavam a piscar mais rpido, transformando-se num facho

    muito claro e brilhante.

    O objeto subiu verticalmente uns poucos metros, sem qualquer rudo

    que indicasse deslocamento. Em seguida, vibrou, como se fosse arrebentar

    em mil estilhaos, e desapareceu numa velocidade louca, raspando as

    rvores da Serra do Mar.

  • 2

    Pato em roda de pinto

    verdade! Eu vi!

    Sai pra l, Geninho! rebateu Rubo.

    Eu juro!

    Que cara-de-pau! comentou Maurcio.

    Est bom, Geninho... Agora conta a do papagaio! falou Rafa, caindo na risada.

    O guarda de trnsito apitou e o grupo atravessou a rua. Bastava o

    moreninho abrir a boca e os outros j protestavam. Falavam ao mesmo

    tempo, gesticulando muito, e s pararam ao atingir a alameda lateral da

    praa.

    Pra mim, o Geninho inventou essa histria de disco voador pra tapear a professora acusou Rafa, o mais animado do grupo. Ele sabia que a dona Clarice ia chiar por causa da lio!

    Quem costuma fazer essas coisas voc! devolveu Cludia.

    E Ana Paula aproveitou a oportunidade:

    isso mesmo! Alm do mais, fui eu que falei pra dona Clarice sobre o disco!

    Atacado pelos dois lados, o garoto apelou para a ironia:

    Viu, Rubo, como elas defendem o Geninho?

    Rubo era o maior da turma. Ouviu o irmo e acrescentou:

    Vai ver que o Geninho prometeu levar a Ana Paula pra andar de disco voador...

    A amiga gaguejou antes de encontrar uma justificativa:

    Eu... Eu acredito! Por que o Geninho inventaria uma histria to estapafrdia?

    Estapa... o qu? tornou Rafa, que no parava de rir.

    Estapafrdia, Rafa! Se voc no sabe...

    Antes que ela conclusse, interveio quem faltava:

    Eu sei por que ele inventou essa bobagem.

    Maurcio marcava presena pela elegncia das roupas, pelos cabelos

    sempre bem-penteados e, principalmente, pelo jeito quase adulto com que

    falava.

    Muito bem, Maurcio... Por qu? intimou Ana Paula.

    Pra marcar pontos com voc.

    Marcar pontos? estranhou a garota de longos cabelos negros.

    Pra impressionar, garota! Pra impressionar! Entendeu?

    E conseguiu! juntou Rubo. Veja como voc defende o Geninho!

    Como Ana Paula e Geninho se mostrassem encabulados, Cludia

    decidiu defend-los.

  • Vocs no tm que explicar nada pra esses idiotas!

    No adianta, Cludia retrucou Maurcio. O disco do Geninho s tem lugar pra uma!

    Rafa, Rubo e Maurcio jogaram-se atabalhoadamente sobre o banco

    de concreto, contorcendo-se de rir, enquanto Geninho e as meninas

    olhavam sem saber como reagir. Quando parecia que a gargalhada no teria

    fim, Rubo apontou na direo deles, indagando:

    Ei... Quem a figura, a?

    Imaginando se tratar de uma nova brincadeira, Ana Paula

    permaneceu imvel. Cludia, porm, voltou-se para verificar e

    surpreendeu-se com a presena estranha.

    Quem ele? perguntou, correndo para trs dos amigos.

    Diante de tal reao, Ana Paula virou-se e constatou: um garoto

    louro, de cabelos curtos e espetados, os observava. Tinha a pele muito

    clara, o rosto muito triste e uma cicatriz em forma de meia-lua junto

    orelha esquerda. De ps no cho, vestia apenas cala e camisa bastante

    surradas. Teria, provavelmente, a idade da turma: doze anos ou pouco

    mais.

    Oi... Tudo bem? cumprimentou ela, refeita da surpresa.

    O desconhecido limitou-se a olh-la.

    Deve ser um desses garotos que andam por a... arriscou Cludia. melhor voc vir pra c, Ana Paula.

    Mas fazendo que no escutou, examinou o menino mais um pouco e

    insistiu:

    Voc daqui? Como se chama?

    O estranho permaneceu em silncio. Seus olhos acinzentados

    mantinham-se parados na direo dos garotos, embora no se fixassem em

    ningum especialmente.

    Acho que ele mudo arriscou Geninho.

    Ou est nos gozando! juntou Maurcio.

    Rubo ajeitou-se no costado do banco, fez pose e falou:

  • Com uns bons petelecos nas orelhas, tenho certeza que ele responderia tudinho.

    Voc que se atreva! reprovou Ana Paula, com o dedo ameaador.

  • Est bem! Leva pra casa!

    At o desconhecido riu.

    Puxa! Como feio! comentou Rubo.

    Ana Paula devolveu do jeito que veio:

    Se feira pagasse imposto, vocs trs estariam fritos! Terminada a nova seo de risos, Maurcio levantou-se e declarou solenemente:

    Eu no sei quem ele ou de onde veio... Mas sei como veio.

    Sabe? interrogou Cludia, ajustando os culos sobre o nariz. Como foi?

    Veio no disco voador do Geninho!

    A pacincia de Ana Paula esgotou-se. Pegou a amiga pelo brao e saiu

    puxando:

    Vamos, Cludia! No d pra falar com essa turma!

  • 3

    Ponto de encontro

    No dia seguinte, a rotina repetia-se. frente, vinha Geninho,

    escoltado pelas duas garotas. Eles sempre tinham o que conversar. E, mais

    atrs, vinham os irmos Rafa e Rubo, alm de Maurcio, que preferiam

    brincar entre si, quando no inventavam coisa melhor para tirar as meninas

    do srio.

    Sem que precisassem combinar, seguiam sempre at o canto da praa

    e a enveredavam em diagonal at uma alameda secundria, onde ficava o

    ponto de encontro. Ali comentavam as aulas ou marcavam programa para a

    tarde. Coisa rpida. A reunio demorava o suficiente para a colocao do

    almoo na mesa.

    Geninho e Ana Paula vinham to envolvidos na conversa que no

    perceberam nada. Cludia acertou a posio dos culos e levantou os

    braos, impedindo o avano dos companheiros:

    Ana Paula! Veja quem est l no nosso banco!

    o garoto de ontem! reconheceu Geninho.

    Ao contrrio da amiga, Ana Paula ficou contente com a surpresa. E,

    em vez de recuar, como queria a outra, apressou os passos.

    Oi, estranho... cumprimentou ela, bem-humorada. Como passou de ontem pra hoje?

    Desconfiado, o estranho remexeu-se no banco, sem saber se

    continuava sentado ou se levantava. Na primeira tentativa, a boca abriu

    sem dizer nada; na segunda, saiu uma voz quase sussurrada:

    Tudo... Tudo bem.

    Ele fala! espantou-se Geninho. Ele fala!

    claro que fala! concordou Maurcio, aproximando-se com os demais. Ele s estava se divertindo s nossas custas!

    O tom spero no deixava dvida sobre seus sentimentos. Todos

    voltaram-se na sua direo, inclusive o jovem desconhecido, que observava

    atentamente as roupas bem-passadas, o bonito tnis novo e os cabelos

    bem-penteados. E Rubo, que, apesar de maior, acatava tudo que Maurcio

    dizia, no perdeu tempo:

    Ei, cara... Este o nosso ponto de encontro!

    Sentada ao lado do estranho, Ana Paula retrucou no mesmo tom:

    Voc disse bem, Rubo. Este o nosso ponto de encontro! No vejo por que a presena do garoto pode incomodar!

    ... A Ana Paula gostou mesmo do garoto... comentou o Rafa, com ironia.

    Ele no incomoda ningum arriscou Geninho.

    Pois eu j me incomodei! Tchau mesmo! despediu-se Maurcio.

    Rubo s ficou o tempo de consultar o irmo:

    Voc fica, Rafa?

    Vou ficar mais um minuto.

    Ento, tchau!

  • E a indeciso de Cludia durou dois segundos, se tanto. Olhou para

    os amigos que se afastavam, olhou para a amiga, e falou:

    Tambm vou indo, Ana Paula... tarde a gente se v.

    O estranho no perdia uma palavra, uma despedida, uma retirada. Os

    olhos cinzentos se alongavam ainda na direo de Cludia, quando a voz de

    Ana Paula trouxe-o de volta ao banco.

    E a? Como voc se chama?

    As feies do jovem contraram-se imediatamente.

    Eu... Eu no sei.

    No sabe? Como que algum pode no saber o prprio nome? riu a garota. S pode ser uma piada.

    No sei. No me lembro.

    Surpreso, Rafa observou o jovem e, cutucando a amiga, arriscou:

    Esse cara tem algum parafuso solto.

    Ser que no bom da cabea? juntou Geninho, procurando no ser ouvido. O que voc acha, Ana Paula?

    S pode ser miolo-mole! cochichou Rafa, gracejando. Onde j se viu no saber o prprio nome?

    Ana Paula censurou o amigo com uma olhada fulminante e voltou ao

    que realmente interessava:

    Voc no daqui de Riacho, ?

    O estranho incomodava-se visivelmente com o interrogatrio. Os

    olhos saltavam de um ponto para outro, como se quisessem lembrar de

    algo, mas a cabea acenava em negativas.

    No... Acho que no sou...

    Ento, de onde veio? perguntou Ana Paula.

    No lembro.

    Voc veio de nibus? interrogou Geninho.

    De nibus? O que... O que nibus?

    Os amigos entreolharam-se, ainda mais surpresos. Ana Paula apontou

    para o veculo passando na rua e disse:

    nibus. Voc veio de nibus?

    No. No sei.

    Coisa mais esquisita! estranhou Rafa.

    Ana Paula tentou ainda uma vez:

    Voc mora com seus pais? Com algum parente?

    No.

    Onde voc dorme? quis saber Geninho.

    O garoto encarou-o, perplexo, e repetiu a resposta de sempre:

    No sei.

    Com uma mistura de surpresa e de ternura no olhar, Ana Paula

    explicou:

  • Hoje tarde ns vamos na casa de uma amiga, fazer um trabalho de escola, mas de noite estaremos aqui... Por que voc no vem? Eu lhe

    trago um sanduche...

    Boa ideia! Tambm posso trazer umas bananas! juntou Geninho.

    As promessas, porm, s fizeram aumentar a inquietao do

    estranho.

    Eu no posso! No posso sair de noite! Falou e saiu s pressas, diante dos olhares assustados dos companheiros.

  • 4

    Mistrio na fbrica

    Ana Paula e Geninho encararam com alegria os novos e repetidos

    encontros com o estranho, pois se afeioavam a ele. Cludia e Rafa ficavam

    nem l nem c. Maurcio e Rubo, porm, no disfaravam a contrariedade

    pela sua presena constante. Quando Ana Paula decidiu batiz-lo, foi uma

    gozao geral.

    Como ele no se lembra do nome, proponho cham-lo de Jonas... Fica difcil falar com algum que no tem nome.

    Por que Jonas? implicou Rubo, sem pestanejar.

    E por que no? devolveu a garota.

    Maurcio assistiu ao princpio de discusso e interveio no tom

    habitual:

    Voc no conhece a histria da Bblia, Rubo? Chama Jonas porque ele foi vomitado pela baleia!

    S Cludia no riu porque no entendeu a relao.

    E as provocaes se multiplicavam dia aps dia. Uma hora era

    Maurcio; outra, Rubo. E a implicncia cresceu tanto que resolveram agir,

    de fato.

    Precisamos dar uma lio nesse intruso, pra ver se ele larga da gente!

    Cuidado, Maurcio... A Ana Paula resolveu proteger o garoto avisou Rafa.

    Rubo aderiu ao plano dos dois no mesmo instante:

    Voc tem alguma ideia?

    Ainda no. Estava pensando...

    Rafa no estava gostanto do rumo que a conversa tomava. No via

    razo para molestar o pobre coitado. De repente, Rubo arregalou os olhos

    e deu uma risada maldosa, antes de revelar:

    Tenho uma ideia!

    O que voc pretende fazer com o garoto? interrogou Rafa, sem disfarar a contrariedade.

    Nada demais! Apenas um bom susto!

    Conta logo! intimou Maurcio.

    O plano de Rubo desmontou a pose de adulto precoce de Maurcio.

    Os dois riram a valer. Em seguida, preocuparam-se com o silncio e o ar

    srio de Rafa.

    O que foi? indagou Rubo. No estou reconhecendo voc, Rafa.

    Voc est nessa, no est? pressionou Maurcio.

    Rafa hesitou, enquanto examinava os dois. Por fim, abriu-se:

    Tudo bem... Mas nada de machucar o garoto.

    Ningum falou em machucar... s um susto prometeu Maurcio.

  • Dia seguinte, tal como haviam planejado, os trs encontraram Jonas

    a ss. O garoto levantou-se assim que os viu aproximar e Rubo convidou:

    Oi, Jonas... Ns vamos dar uma volta por a... Quer ir?

    O jovem olhou na direo de onde eles tinham vindo e perguntou:

    A Ana Paula... Ela no vem?

    No... Ela foi almoar na casa da Cludia mentiu Maurcio.

    Jonas riu seu riso triste e, mais que depressa, disps-se a

    acompanh-los.

    A, garoto! Vai ser um passeio inesquecvel! disse Rubo, pregando-lhe um tapa nas costas.

    Vai ser mais fcil que tirar pirulito de criana! considerou Maurcio.

    Deixaram a praa e seguiram pela rua pavimentada de pedras at o

    final, onde o caminho se bifurcava, seguindo esquerda para o rio, e

    direita para o cemitrio. Jonas tinha um sorriso no rosto; sentia-se feliz

    pela companhia.

    Diante da velha fbrica abandonada, pararam. Rubo desembaraou a

    grossa corrente, puxou o ferrolho e, com o auxlio dos companheiros,

    empurrou o pesado porto de madeira.

    O que tem a dentro? perguntou Jonas, curioso.

    Voc j vai saber... s mais um minuto avisou Maurcio.

    Pronto! Aqui comea a grande aventura! falou Rubo, irnico.

    Jonas entrou e reclamou:

    Est frio aqui dentro.

    Est nada. Est fresquinho, no est, Rafa? interveio Maurcio.

    Examinando as velhas mquinas, Rafa, que at ento estivera calado,

    perguntou:

    Ser que no tem perigo? Esse lugar d medo!

    Que perigo? devolveu Rubo. O que pode ter aqui alguma ratazana ou uns inocentes morceguinhos.

    Os quatro garotos se puseram a caminhar em direo ao fundo da

    fbrica. De todos era Jonas quem mostrava maior tranquilidade.

    Que lugar esse? O que ns estamos procurando? indagou, confuso.

    Essa a caverna do Homem-Aranha! respondeu Rubo com voz fantasmagrica. Voc vai gostar de brincar com os seres do alm, Jonas!

    Acho que j est bom interveio Rafa, interrompendo a brincadeira.

    Nada disso! Vamos at o fim! decretou Maurcio.

    Aps destrurem uma quantidade incrvel de teias de aranha,

    chegaram ao fundo do velho prdio, onde havia uma pesada porta

    enferrujada. Ento, Maurcio fez um sinal e imediatamente ele, Rubo e

    Rafa giraram sobre os calcanhares e dispararam na direo da rua.

    Ei... O que vocs esto fazendo? gritou Jonas, imaginando

  • tratar-se de uma brincadeira inocente.

    Os trs s se voltaram para olhar ao atingir a porta da frente. Jonas

    permanecia imvel, no mesmo lugar onde o haviam deixado. E at o

    instante em que fecharam a porta, no se mexeu. Pensativo, ele tentava

    entender as regras do jogo.

    Depois dessa, duvido que ele procure a gente de novo.

    Rafa olhou para o irmo e quis saber:

    Quanto tempo ele vai ficar a?

    At o final da tarde! antecipou-se Maurcio.

    No muito tempo, no? tentou Rafa. Uma hora vai fazer o mesmo efeito.

    O que ? No vai dizer que est com peninha do intruso?! censurou Rubo.

    A contragosto, Rafa cedeu. Jonas no passava de um estranho, um

    intruso, como dizia Maurcio.

    Os trs passaram o resto do dia praticamente escondidos, evitando

    encontrar as garotas, que inevitavelmente perguntariam sobre Jonas. No

    final da tarde se puseram a caminho da velha fbrica para providenciar a

    soltura dele.

    O Jonas nunca mais vai querer saber da turma!

    Tomara, Rubo! Tomara! falou Maurcio.

    Rafa removeu a corrente e o ferrolho, e os trs empurraram a porta

    macia. Aguardaram um instante at que a vista se acostumasse ao escuro e

    estranharam.

    Onde ele se meteu? perguntou Rubo.

    Deve estar l no fundo. Vamos dar uma olhada comandou Maurcio.

    Jonas! Jonas! chamou Rafa, sem resultado.

    capaz de ter dormido... Aqui dentro j est bem escuro considerou Maurcio.

    Ao chegarem ao fundo do velho prdio, a surpresa cresceu.

    Ele sumiu! Como que pode?

    Rubo experimentou a porta metlica, que nem se mexeu. A luz s

    conseguia entrar pelas altas vidraas, impossveis de serem alcanadas sem

    auxlio de escada.

    Que mistrio! O que ter acontecido?

    Deixe de ser bobo, Rubo! Ele deve ter gritado por socorro e algum abriu a porta! retrucou Maurcio.

    No sei, no... A porta estava travada com as correntes e o ferrolho, tal como deixamos... contrariou Rafa. Era capaz de jurar que ningum mexeu naquele trinco.

    Os outros dois garotos encaravam-no com ar abobado. O silncio,

    porm, durou pouco. Maurcio virou-se e decidiu:

    Vamos embora!

  • A caminho da sada, examinaram os espaos escuros entre as velhas

    mquinas enegrecidas e cada canto empoeirado. Os esforos porm

    resultaram inteis.

    Jonas! Jonas!

    A voz de Rubo ecoou pelo longo salo, mas ningum respondeu.

    Nem ao ltimo apelo de Rafa:

    Jonas! Voc est a?

    Os jovens trancaram novamente a porta e a caminho da praa o

    silncio tomou conta deles. Por mais que tentassem esconder, no

    conseguiam. Cada um tentava encontrar uma explicao possvel para o

    desaparecimento, mas as ideias e as palavras no vinham.

    Ser que aconteceu alguma coisa com o Jonas? arriscou Rafa, com voz de arrependimento.

  • Rubo observou o irmo sem dizer nada, Maurcio sentiu-se na

    obrigao de falar:

    Aconteceu que ele sumiu! No era isso que a gente queria?

    Ningum respondeu sim ou no.

  • 5

    Amnsia

    O episdio da priso e desaparecimento de Jonas na velha fbrica

    manteve-se inexplicado. Para surpresa do desconfiado trio, o estranho veio

    juntar-se turma no dia seguinte, como se nada tivesse acontecido.

    Nenhuma referncia brincadeira, nenhuma resposta s perguntas sobre o

    sumio da tarde anterior.

    Voc no se lembra de onde esteve? insistiu Ana Paula.

    No, no lembro de nada.

    Rafa, Rubo e Maurcio respiraram aliviados. E assim prosseguiu a

    convivncia. Na verdade, era uma convivncia estranha, com Jonas, j que

    ningum sabia de onde ele vinha ou onde morava. Entretanto, apesar do

    tipo de vida que levava e das circunstncias incomuns que cercavam sua

    pessoa, seus modos evidenciavam uma forma de relacionar-se diferente

    dos menores abandonados que pediam esmolas pela cidade.

    Ana Paula e Geninho negavam-se a aceitar que Jonas tivesse algum

    problema mental, como teimavam Cludia e Maurcio. No entanto, havia

    algo de esquisito, no podiam negar. Ningum esquece o passado, o que

    fez, onde esteve no dia anterior, sem mais nem menos. Assim, na ausncia

    de um especialista que diagnosticasse o mal, resolveram optar pela

    experincia de padre Olavo.

    Ento, esse o Jonas? Eu j o vi na igreja... Fico contente por conhec-lo melhor.

    Tambm queria conhecer o senhor... A Ana Paula e o Geninho dizem que o senhor muito bom.

    Como de hbito, alm de muita espontaneidade, o padre esbanjou

    alegria. E a seguir interrogou o estranho sobre sua origem, sua famlia, tudo

    enfim que lhe haviam perguntado antes. E o resultado no acrescentou

    nada ao j conhecido.

    O senhor acha de que ele ... ...

    Diante da hesitao de Cludia, o padre adiantou-se:

    Eu no sou mdico... mas tenho a impresso de que ele sofre de amnsia.

    Amnsia? estranhou Geninho.

    Uma doena que faz a pessoa se esquecer das coisas... No isso, padre Olavo? arriscou Ana Paula.

    O padre abraou Jonas, e explicou:

    Eu j ouvi falar de casos parecidos... Aps sofrer algum choque muito forte, certas pessoas tm ataques de amnsia... Esquecem coisas...

    O senhor quer dizer que a causa seria alguma violncia? indagou Rafa.

    ... Um fato, um acontecimento que marca muito a pessoa. Na tentativa de esquecer a razo do choque, a vtima acaba esquecendo parte

    de sua vida... Ou de tudo que lhe aconteceu antes.

    Puxa! Deve ser um choque terrvel! sensibilizou-se Ana Paula.

    Ah, sem dvida. O sacerdote concordou, observando Maurcio e

  • Rubo, que se mantinham afastados, de braos cruzados sobre o peito.

    Talvez seja este o caso de Jonas... prosseguiu. De resto, ele parece um garoto sadio e inteligente.

    Antes de despedir-se dos jovens, padre Olavo afastou-se um instante,

    levando Jonas at a sacristia.

    Esperem s um minuto... Ns j voltamos.

    De fato no demoraram. E, ao voltar, Jonas vestia um bonito pulver

    de l e trazia um par de sapatos nas mos.

    Padre Olavo... O senhor tem um corao deste tamanho! entusiasmou-se Ana Paula, abrindo os braos tanto quanto podia.

    O padre voltou a observar os dois jovens, que se mantinham longe

    do grupo, e interrogou:

    O que h com vocs? Cheguem mais perto. Ns no mordemos!

    Quando Maurcio e Rubo se aproximaram, o padre tocou no ombro

    de ambos e falou, olhando na direo de Jonas:

    O que esse garoto mais precisa de carinho. Sejam amigos dele.

    Claro, padre! respondeu Rubo.

    E voc, Maurcio?

    Eu... Eu tava at pensando em levar o Jonas pra almoar em casa...

    Que timo!

    Ana Paula estranhou a oferta. Maurcio era o nico que ainda no

    convidara Jonas para almoar. Rubo defendia o amigo, transferindo a

    responsabilidade para a me, dona Antonieta, uma senhora muito

    preocupada com as companhias do filho.

    O convite pra valer? indagou ela.

    Claro! No acabei de dizer?! reagiu Maurcio.

    Eu vou junto! Fao questo de assistir! animou-se Ana Paula.

    Boa ideia! aprovou Rafa. Se a comida estiver boa, a gente come tambm. Vamos nessa, padre Olavo?

    Dona Antonieta poria todo mundo na rua! respondeu o padre, rindo. O importante que o Jonas almoce.

    Na porta da igreja, os jovens se despediam. Ana Paula aproveitou

    para agradecer:

    Obrigada pela sua ateno, padre... Foi muito gentil. Eu vou falar com meu pai, pra ver se ele leva o Jonas a um especialista...

    Seria bom. Faa isso, Ana Paula.

    Depois dela, Cludia falou:

    O senhor me deixou mais tranquila... Eu achava que o Jonas era... era...

    Maluco?

    ... confirmou a garota, tirando a franja da frente dos culos. Eu pensava...

    O padre interrompeu-a:

  • Cludia... Os malucos esto soltos a pela cidade, disfarados de cidados sadios. Sabem o que vieram me contar, ontem?

    O qu? perguntou Ana Paula, curiosa.

    Uma pessoa respeitadssima veio me ver, muito assustada, dizendo que tinha visto algum voando.

    Uma pessoa, voando? Sem avio, sem pra-quedas, sem nada? estranhou Cludia.

    Exatamente! claro que no vou contar quem ... Essa pessoa est convencida de que viu algum voando na sada da cidade, perto daqueles

    velhos prdios abandonados.

    Ana Paula pensou um pouco e disse rindo:

    Era o Super-Homem!

    S pode ser! concordou o padre.

    E Ana Paula e Cludia saram atrs dos garotos, que j atravessavam

    a praa.

  • 6

    Retirada estratgica

    Ao chegarem bela casa de Maurcio, os garotos passaram pelo

    porto da frente, atravessaram o jardim e ocuparam o alpendre. Quando

    todos j se preparavam para a invaso, o dono da casa pediu para que

    Jonas aguardasse fora. Ana Paula, corada, encarou Geninho, que sacudiu os

    ombros:

    O que importa o almoo... e apontando para o degrau : Sente a, Jonas.

    Que fome! reclamou o jovem, sentando-se.

    Ei, Ana Paula... Entre! convidou Rafa, enquanto o resto do grupo se afundava casa adentro.

    Obrigada, Rafa... Prefiro fazer companhia ao Jonas.

    No demorou muito e a empregada apareceu com um prato cheio e

    duas laranjas. Entretanto, em vez de entregar ao convidado, Isaura parou

    junto ao batente da porta e ficou examinando. No rosto estampava-se uma

    mistura de curiosidade e medo.

    Qual o problema, Isaura? O Jonas no morde! recriminou Ana Paula.

    No morde, ? Se quiser, pegue o prato aqui, porque eu no chego perto, no!

    O que isso, Isaura? Est ficando boba? estranhou Geninho.

    Ana Paula pegou o prato e as laranjas e passou ao amigo, que atacou

    a comida com uma voracidade incrvel. Em poucos minutos o prato estava

    limpo e das laranjas restavam apenas as cascas.

    Puxa! Estava com fome, hein?! considerou Geninho.

    Se estava! respondeu Jonas, passando a mo na boca. Eu queria um pouco de gua...

    Geninho preparava-se para entrar na casa, quando Ana Paula correu

    sua frente.

    Deixe que eu vou! Se tiver alguma fruta dando sopa, eu trago!

    Entrou e, ao passar pela sala intermediria, ouviu Rubo cochichar:

    A Ana Paula vem vindo pra c! Aproveite!

    Desconfiada, a garota apressou os passos e, ao atingir a cozinha,

    ouviu a corrida e os latidos do co no corredor lateral da casa.

    Maurcio! Rubo! O que esto fazendo?

    O Fox fugiu! gritou Rafa, aparecendo porta do quintal.

    Ana Paula voltou correndo para a frente da casa, a tempo de ver o

    co perseguindo Jonas pela rua.

    No! No! Sai! gritava o jovem, apavorado.

    Encostados mureta da rua, Maurcio e Rubo deliciavam-se com a

    cena. Ana Paula ficou furiosa:

    Chame o Fox, Maurcio! Ele vai pegar o Jonas!

    Aconteceu conforme a previso. Em pouco, o co alcanava o

  • fugitivo, metendo-lhe uma dentada na barriga da perna. Jonas saltava

    segurando a perna ferida, e o cachorro pulava sua volta, ameaando novo

    ataque.

    Maurcio! Faa alguma coisa! pedia Ana Paula, indecisa entre a vontade de ajudar e o medo do animal.

    Enquanto discutiam, Jonas abaixou-se e pegou uma pedra, atirando-a

    contra o co, que saiu ganindo. S ento o dono do animal mexeu-se:

    Ei, retardado! O que voc fez com o Fox?

    Alheio ao aviso, Jonas pegava outra pedra. Quando Maurcio saiu

    para a rua, Ana Paula e Geninho foram atrs, incentivando:

    Isso, Jonas! Jogue a pedra! Jogue!

    No faa assim, Ana Paula! censurou Cludia. Coitadinho do Fox!

    Pare com isso, seu idiota! assim que agradece o almoo, ? esbravejou Maurcio, empurrando Jonas.

    Ana Paula e Geninho colocaram-se entre os dois. Enquanto Geninho

    se preocupava com o ferimento do amigo, a menina contra-atacava:

    Idiota voc! Por que soltou o Fox?

    Ele escapou da coleira!

    Escapou nada! Voc soltou!

    Rubo mantinha-se distncia, de boca fechada. Rafa preferia

    esperar que a amiga se acalmasse, para dizer alguma coisa. Ento Geninho

    convidou:

    Deixa pra l, Ana Paula... Vamos levar o Jonas pra fazer um curativo.

    ... melhor mesmo. Vamos, Jonas.

    No! No quero!

    Por que no? Vamos fazer um curativo...

    No!

    Jonas no saa do lugar. Tremia e fixava os olhos cinzentos sobre o

    cachorro, agora protegido entre os braos de seu dono. Na mo, acariciava

    a ltima pedra, pronto para o revide.

    Vamos, Jonas... insistiu Geninho. Precisamos limpar sua perna.

    Por fim, o jovem cedeu, embora contrariado. Caminhando a passos

    lentos, soluava como uma criana, embora os olhos se mantivessem secos.

    No lado oposto da rua, Maurcio ameaava:

    Voc machucou o Fox! Isso no vai ficar assim, no!

  • 7

    Um salto no desconhecido

    Passado o choque, tudo voltou ao normal para Jonas. A exemplo do

    ocorrido na fbrica, ele nunca abriu a boca para relembrar o episdio ou

    censurar quem quer que fosse. Agia como se houvesse esquecido, embora a

    simples referncia ao nome do cachorro o descontrolasse. Na prtica,

    quanto mais tentavam afast-lo, mais ntima se tornava a unio com Ana

    Paula, Geninho e at com Rafa. Sua presena se tornara to forte que, mes-

    mo ausente, ele monopolizava as conversas.

    Pouco depois do jantar, Maurcio foi se reunir com os amigos, em

    frente casa de Ana Paula:

    Aposto que esto falando do Jonas... insinuou ele.

    Acertou! confirmou Geninho. E acho que a concluso da Ana Paula est correta.

    Ah, ?... Qual foi a concluso da Ana Paula?

    Ns concordamos que o Jonas diferente dos garotos abandonados que andam por a.

    Maurcio riu.

    Diferente ele mesmo! feio pra burro, tem aquela cicatriz perto da orelha, no regula bem da cabea...

    Deixe de gracinhas, Maurcio! reprovou Ana Paula. Ns estamos falando da bondade, da educao dele, apesar das condies em

    que vive.

    Ah... Ia me esquecendo do mais estranho... tornou Maurcio, interrompendo. Algum pode dizer onde ele anda a essas horas, o que est fazendo?...

    um mistrio! concordou Rubo. Ningum sabe onde ele dorme, nem onde passa as noites.

    A Isaura sabe tornou Maurcio, com ar vitorioso.

    A Isaura?

    Surpresos, os jovens calaram-se espera da explicao. Maurcio

    colocou toda nfase de que foi capaz:

    A Isaura jura que viu o Jonas subir a ladeira do cemitrio, uma noite dessas...

    E a entrou no caixo do Drcula? zombou Rubo.

    No. Ele subiu a ladeira at o topo e desapareceu!

    Aps um curto silncio, todos caram na gargalhada.

    Coitado! O Jonas uma alma penada! brincou Rafa.

    Ana Paula revoltou-se:

    No sei qual absurdo maior: se a histria da Isaura ou o fato de voc acreditar nessa besteira!

    Maurcio ameaou continuar, Geninho saiu na frente:

    Eu estranho a Isaura ver o Jonas desaparecer... Geralmente, quem bebe como ela v dobrado!

  • Maurcio... Sem comentrios, t?... encerrou a garota.

    Como todos rissem, inclusive Rubo, que normalmente tomava seu

    partido, Maurcio elevou a voz:

    Podem rir... Qualquer dia vo descobrir que o Jonas um fugitivo da Febem ou um desses garotos que matam a prpria famlia... A quero ver

    vocs rirem. Em So Paulo aconteceu um caso desses; eu vi na televiso!

    Nada do que Maurcio disse conseguiu impressionar os

    companheiros. E ele no teve outra alternativa: muito ofendido, saiu sem se

    despedir, indo para casa mais cedo. E, com essas e outras, crescia sua

    antipatia por Jonas.

    O sentimento, porm, no era correspondido. Apesar da insistente

    campanha de Maurcio, Jonas demonstrava a mesma boa vontade. Estava

    sempre a postos para acompanhar quem o convidasse ou para fazer o que

    lhe pedissem. Mais que isso: sentia a necessidade de se enturmar e

    relacionar-se com os outros. E tanto se esforava por conquistar a simpatia

    do grupo que acabou vtima de uma nova armadilha.

    Convidado por Maurcio e Rubo, no hesitou. Acompanhou-os ao

    ribeiro, onde eles costumavam nadar e, incentivado pelos dois, Jonas

    disps-se a saltar do perigoso tobog, sem calcular os riscos a que se

    expunha.

    Habitualmente, os jovens nadavam numa prainha sob a ponte;

    somente os mais ousados arriscavam-se a saltar do tobog, um corredor

    estreito e escorregadio cavado nas pedras. As guas do ribeiro afunilavam-

    se atravs dele, despejando-se num poo profundo, cerca de trs metros

    abaixo. O segredo da diverso estava em utilizar a canaleta de pedra como

    um escorregador e despencar-se no tanque.

    Encorajado pelos companheiros, Jonas atirou-se divertida e

    perigosa aventura, por pouco no se afogando. Alm de ferir as costas

    contra as pedras, s descobriu que no sabia nadar depois de afundar duas

    vezes e beber muita gua. Quando Rubo o tirou do tanque, Jonas estava

    roxo e sem flego. Foi a gota-dgua. Diante da notcia do quase afogamento do garoto, Ana Paula tratou de pr em prtica uma ideia que h

    tempos a perseguia.

  • 8

    Uma deciso importante

    Ainda segredo, no quero que contem a ningum... Muito menos ao Jonas! Seria uma decepo se no desse certo.

    De que voc est falando? interrogou Rafa, curioso.

    Eu falei com meus pais sobre levar Jonas pra morar com a gente.

    Cludia arregalou os olhos e demorou para recuperar-se da surpresa:

    Espere a, Ana Paula... Voc est falando de adotar o Jonas? Botar pra dormir dentro de casa e tudo?

    O que h de to terrvel nisso, Cludia?

    Ora... Ningum sabe quem ele , de onde veio...

    Ana Paula estava espantada com a reao da amiga. Geninho foi

    objetivo:

    E seus pais? O que disseram?

    Minha me gostou da ideia, mas meu pai... Ele acha que uma responsabilidade muito grande. Disse que h problemas legais; precisa

    falar com o juiz, o delegado, sei l quem.

    Se ele chegou a pensar no juiz, porque levou a srio! entusiasmou-se o garoto.

    Eu estou torcendo.

    Cludia, decididamente, no se entusiasmara:

    Meus pais nunca fariam uma coisa dessas! E eu? J pensou? Como ia dormir noite, sabendo que tem um estranho dentro de casa?

    Ana Paula e Geninho entreolharam-se decepcionados. Era necessrio

    dizer alguma coisa. Pouco depois, Cludia retirou-se com a desculpa de ter

    lies para fazer. Rafa acompanhou-a at em casa.

    Poxa! Quem v ela falar, vai pensar que o Jonas um perigo! Eu vou torcer pra dar tudo certo!

    Vai dar, Geninho! Eu arranjei um excelente aliado.

    Um aliado? Quem ?

    O padre Olavo! Fui conversar com ele e pedi pra ele dar uma fora.

    Xiii... Vai ser mais fcil do que eu pensava. Voc j viu algum dizer no ao padre Olavo?

    Ana Paula mal aguentou o dia passar. Finalmente, j era noite e a

    garota pensava aflita: Justo hoje meu pai tinha de se atrasar para o jantar!. Foi quando ele chegou.

    Oi, Ana Paula... O padre esteve l na loja...

    O padre Olavo? indagou a Filha afetando surpresa.

    O que... O que ele queria?

    Falamos sobre vrias coisas... Sobre a excurso da garotada Serra do Mar, nas prximas frias...

    ... Todo ano ns vamos... E s falaram disso? insistiu a menina, traindo a curiosidade.

  • Sem pressa, o pai esvaziou os bolsos, colocando o contedo sobre a

    escrivaninha.

    Tambm falamos de voc... do Jonas...

    Do Jonas?

    O homem riu e mudou de tom:

    O que voc quer saber se tomei alguma providncia em relao ao Jonas, no ?

    E antes que a Ana Paula tivesse tempo de dizer algo, o pai abriu o

    jogo:

    Fui falar com o doutor Argemiro, o delegado... O juiz mora em So Paulo...

    Voc falou sobre o Jonas? indagou a me, ansiosa, surgindo na porta da cozinha.

    Fale, pai! implorou a filha.

    O doutor Argemiro procurou no arquivo informaes sobre garotos desaparecidos, fugitivos de reformatrios, possveis vtimas de

    sequestros. E, aparentemente, a descrio de Jonas no coincide com a de

    nenhum procurado.

    Enquanto a esposa tentava entender, a filha perguntou:

    O que isso significa?

    Significa que podemos cuidar do Jonas, enquanto no for reclamado por ningum.

    Oh, pai... Estou to feliz! Voc vai ver como o Jonas bonzinho.

    Eu sei. Alis, o padre Olavo disse que ele costuma aparecer na igreja.

    Eu estou feliz pela Ana Paula, pelo Jonas e por ns mesmos confessou a esposa, emocionada.

    As duas se abraaram a ele, que demorou at conseguir falar:

    S espero no me arrepender dessa deciso...

    Arrepender-se por qu? admirou-se a mulher.

    Sei l... Aconteceu to de repente...

    Deixe disso, Abelardo. Logo voc se habitua com a ideia.

    O marido concordou com um gesto de cabea e acrescentou:

    O problema justamente esse... Mais do que nos acostumarmos ideia, vamos nos afeioar ao garoto...

    Claro! Qual o problema?

  • O problema que um dia... Daqui a uma semana, daqui a um ano, quem sabe... Pode entrar por aquela porta o pai, a me dele, um parente

    qualquer, para lev-lo. J pensaram nisso?

    Me e filha ficaram em silncio. No queriam pensar na

    possibilidade.

  • 9

    O primeiro dia

    A entrada de Jonas na casa foi comemorada com um almoo especial.

    Geninho foi convidado e no fez cerimnia.

    Eu tenho certeza de que o Jonas no vai criar nenhum problema, dona Olvia.

    Claro que no, Geninho. Ele um bom garoto.

    Ana Paula no cabia em si de contentamento:

    Eu nem acredito! Voc est contente, Jonas?

    Estou. Eu ficava cansado de andar o dia inteiro na rua. Queria uma casa, uma cama...

    Coitado! lamentava a mulher.

    Entre as idas e vindas da cozinha copa e da copa cozinha, a

    empregada escutava pedaos de conversa. Quando j no havia o que

    trazer, ela parou com as mos na cintura e, encarando o garoto, perguntou:

    Dona Olvia... Ser que eu entendi bem? Esse garoto vai morar com a famlia?

    Puxa vida! Me desculpe, Altamira... Foi tamanha confuso, tanta ansiedade, que me esqueci de lhe contar...

    isso mesmo, Altamira! O Jonas vai morar aqui em casa resumiu Ana Paula, feliz da vida.

    A empregada mediu o garoto de cima a baixo, sem o menor

    entusiasmo, e retomou:

    Onde ele vai dormir?

    No quarto vago que a Ana Paula usa para estudar e reunir a turma. J tem at cama.

    Ele vai dormir dentro? admirou-se a mulher.

    Vai respondeu dona Olvia. Aps o almoo quero que voc faa uma limpeza no quarto e troque a roupa de cama.

    T bom.

    A empregada preparava-se para sair, quando Abelardo a interpelou:

    Altamira... Qual o problema? Voc ficou chateada?

    Que isso, seu Abelardo?... Pra mim servio a mais. Mas servio no me chateia, no.

    Aps o almoo, Geninho pegou sua bicicleta e foi para casa. O pai de

    Ana Paula voltou ao trabalho, enquanto me e filha chegavam concluso:

    Jonas precisa de um bom banho e de roupas limpas...

    Enquanto ele toma banho, podemos ir at a loja comprar uma cala e umas camisetas props a filha.

    E cuecas e um par de tnis! completou a me.

    Ana Paula correu at a sala, onde Jonas assistia televiso e avisou:

    Agora voc vai tomar banho. E, enquanto isso, vamos comprar umas roupas pra voc. T bom?

  • Onde que eu tomo banho?

    A amiga levou-o ao banheiro, abriu a torneira e controlou a

    temperatura, ao mesmo tempo que dona Olvia lhe entregava a toalha e um

    sabonete novo.

    Est tudo aqui mostrou Ana Paula. Quando terminar, vista sua roupa mesmo e, assim que a gente chegar, voc se troca.

    Voc gosta de tomar banho? perguntou a mulher.

    Gosto! Posso entrar?

    Claro.

    Me e filha puxaram a porta e saram s pressas para as compras de

    emergncia.

    Vamos comprar um conjunto, s pra ele tirar a roupa suja... Mais tarde ele poder escolher o resto de acordo com a sua preferncia.

    Ento, vamos.

    As duas saram para as compras e no se demoraram. Quando

    voltaram, a empregada avisou, com mau humor:

    O menino no saiu do banho at agora!

    Aconteceu alguma coisa, Altamira? perguntou a garota, ansiosa.

    Sei l.

    Voc no olhou? estranhou a patroa.

    Que isso, dona Olvia? Ele homem!

    Ele uma criana! contrariou Ana Paula.

    Aps um gesto de nervosismo a me foi at a porta observar e

    constatou: Jonas continuava debaixo da gua, esquecido da vida.

    O que aconteceu, me? quis saber a garota, preocupada.

    No se preocupe, Ana Paula. Ele est bem.

    Poxa! banho demais!

    A me concordou e chamou:

    Jonas, j chega. Enxugue-se e vista estas roupas.

    Ah, pode deixar, dona Olvia.

    Quando a mulher voltou a observar, ele j havia se vestido e tentava

    amarrar os cadaros do tnis.

    Ana Paula, melhor voc ajudar...

    A menina entrou mais que depressa e gostou do que viu:

    Nossa! Que bonito, Jonas! O tnis serviu?

    Serviu.

    No final da tarde, quando o pai entrou, ela apresentou:

    Seu Abelardo, apresento o novo Jonas... De roupas novas, gua-de-colnia, desodorante e tudo que tinha direito!

    Poxa! Vocs fizeram um belo trabalho! E ento, Jonas, satisfeito?

    Eu estou! A gente estava esperando o senhor para o jantar.

  • Aps a refeio chegaram Rafa e Rubo.

    E a, dona Olvia? De filho novo, hein? brincou Rafa.

    Ei, olhe s pra ele, Rafa! cutucou Rubo, ao ver Jonas apontar na porta do quarto. A senhora no quer me adotar no, dona Olvia?

    Os jovens acomodaram-se no quarto de Jonas, onde havia a cama,

    uma estante com livros e a grande atrao da turma: o video game. Foi

    preciso que seu Abelardo os avisasse sobre o horrio.

    So dez e meia, gente.

    Puxa! Nem percebi o tempo passar! Vamos, Rafa.

    Vamos, Rubo.

    Assim que os dois se retiraram, dona Olvia veio trazer o pijama para

    Jonas:

    Agora voc vai vestir o pijama e escovar os dentes. Voc costuma escovar os dentes?

    Os dentes? No... confessou Jonas.

    Mas precisa escovar, viu?

    Pode deixar, dona Olvia, eu escovo.

    Minutos depois, Jonas estava confortavelmente instalado para a

    primeira noite de sono na nova casa.

    Ser que ele vai ficar bem a? preocupou-se Ana Paula.

    Ele teve um dia muito agitado... Vai dormir como uma pedra!

    Apagadas as luzes, me e filha dirigiram-se para seus quartos e

    dormiram. Acordaram, porm, antes do amanhecer.

    Socorro, dona Olvia! Acuda!

    O que isso? perguntou seu Abelardo, sentando-se na cama.

    Algum gritou. Parecia a voz da Altamira... observou a esposa.

    Ainda indecisos, os dois ouviram:

    Socorro! Socorro, dona Olvia!

    a Altamira! confirmou a mulher.

    No mesmo instante, Ana Paula entrou no quarto dos pais:

    O Jonas... Ele no est na cama...

    O pai acendeu a luz e seguiu rpido em direo cozinha, me e

    filha, logo atrs. Assim que puseram os ps na copa, os trs viram, atravs

    da porta entreaberta, a empregada descabelada, na porta do seu quarto, e

    Jonas, a poucos passos, olhando para o cu.

    Que barulheira essa, Altamira? O que houve?

    Seu Abelardo... Dona Olvia... Eu no durmo mais nesta casa!

    Enquanto Ana Paula encaminhava-se para o garoto, a me tentava

    esclarecer a situao:

    Afinal, o que aconteceu, Altamira? Eu ainda no entendi.

    Se a senhora no entendeu, nem eu. S sei que vi uma luz debaixo da porta e quando abri estava o menino a bisbilhotando! Eu que no ia

  • esperar pra ver o que acontecia!

    A mulher procurou pelo garoto, que permanecia no mesmo lugar,

    parado, sem palavras. Apesar de Ana Paula segur-lo pelo brao, Jonas

    parecia no perceber. Mantinha os olhos fixos no cu nevoento da

    madrugada.

  • 10

    Um garoto do outro mundo

    Que coragem! Quer dizer que a dona Olvia ps aquele menino esquisito pra dormir dentro de casa?

    Isaura estava abismada com a novidade. A patroa, pelo contrrio, no

    se mostrava surpresa:

    Estava mesmo adivinhando... Quando vi o padre conversando com seu Abelardo, j sabia que ia dar nisso.

    Se eles soubessem cada uma que aquele moleque apronta...

    ?... O que que ele apronta, Isaura? indagou a patroa, sem esconder a curiosidade.

    Ele no gente, dona Antonieta! No coisa desse mundo, no!

    Maurcio, que tomava o seu caf da manh, interveio:

    Eu contei pra turma aquela histria...

    Contou? E eles? interessou-se Isaura.

    Morreram de rir. Fiquei com cara de tacho por sua causa! reclamou o garoto.

    Dona Antonieta alternava os olhos do filho para a empregada e dela

    para o filho, sem entender nada da conversa. Por fim, no se conteve:

    Que histria essa, Maurcio? Me conte, Isaura... Que segredos so esses?

    A empregada olhou para o garoto, que incentivou:

    Conte, Isaura.

    Eu nem gosto de falar nisso, dona Antonieta... J aviso que difcil de acreditar...

    Conte logo!

    Diante da insistncia, Isaura relatou o desaparecimento misterioso

    do garoto na ladeira do cemitrio.

    ... quando chegou no topo da ladeira, desapareceu num estalo! Evaporou!

    A patroa observou-a, sria, sem comentrios. Aps a pausa, indagou,

    com diplomacia:

    Isaura... Voc... Por acaso, nesse dia, voc no tinha tomado nada?...

    Est vendo, Maurcio? por isso que no gosto nem de falar nesse assunto!

    O jovem ouviu a reclamao e virou-se para a me:

    Essa histria da Isaura muito esquisita mesmo... Acontece que eu, o Rafa e o Rubo vimos um negcio meio parecido...

    Nossa! O que vocs viram? perguntou dona Antonieta, assustada.

    Maurcio contou me sobre a brincadeira que haviam feito h dias,

    trancando Jonas na velha fbrica abandonada. E chamou a ateno para o

    desfecho do caso:

  • Ns no o vimos desaparecer nem evaporar-se no ar... No entanto, ele desapareceu.

    Ora, Maurcio... Eu no vejo razo nenhuma para vocs se impressionarem. Ele deve ter gritado, pedindo ajuda, e algum o soltou.

    a nica explicao possvel... Porm, quando voltamos para solt-lo, tivemos a impresso de que ningum havia tocado naquele fecho.

    Cruz-credo! Fico at arrepiada! falou a empregada, passando as mos nos braos.

    Dona Antonieta retirou as xcaras e os talheres da mesa, colocando-

    os sobre a pia, onde Isaura descascava batatas para o almoo. Em seguida,

    passou o brao em torno do pescoo do filho e retomou, num tom

    divertido:

    Se aconteceu tudo como voc contou, s h duas sadas: algum o soltou, o que bem provvel... Ou ele saiu voando pelas janelas.

    Como ela risse, Isaura resmungou:

    A senhora ri porque no viu... Se visse, no duvidava!

    Eu no estou duvidando respondeu a mulher. Se ele pode desaparecer num estalo, por que no pode voar?

    E continuou a rir.

  • 11

    Aprendendo a viver

    Na casa de Ana Paula, a famlia estranhara o novo morador nos

    primeiros dias. Antes de aprender a escovar os dentes, Jonas comera meio

    tubo de pasta de dente e, alm disso, desconhecia a utilidade de objetos

    comuns, como o ferro de passar ou a enceradeira.

    Ao mesmo tempo, demonstrava uma inteligncia bem acima da

    mdia. Aprendia jogos e brincadeiras com grande facilidade, a ponto de

    tornar-se imbatvel no video game. E interessava-se por qualquer tipo de

    assunto que lhe falassem, o que levou Ana Paula a uma nova exigncia.

    O Jonas muito inteligente! Se no for escola, vai ficar atrasado!

    Ns no sabemos nem se ele frequentava escola, Ana Paula retrucou o pai. Alm de que estamos a pouco mais de um ms para o encerramento do primeiro semestre.

    Geninho apoiou a amiga:

    Eu acho que ele estava na escola, seu Abelardo... Talvez at mais adiantado... Ele resolve os problemas de matemtica melhor do que todo

    mundo!

    A Olvia me contou... Mas podem no aceitar, porque est fora de poca... Ele no tem documentos...

    Ana Paula ficou quieta. Geninho sugeriu:

    Ele podia assistir s aulas sem compromisso... Quando o Jura veio do Mato Grosso, ele ficou como ouvinte.

    Isso mesmo! lembrou-se Ana Paula. Ele ficou como ouvinte porque chegou fora de poca!

    Dias depois Jonas estava frequentando regularmente as aulas. Para

    alegria de Ana Paula e dos amigos e para surpresa dos professores, que

    notavam a facilidade com que ele aprendia. E, naturalmente, para o

    despeito de Maurcio e uns poucos alunos, que no entendiam a presena

    dele na sala de aula.

    Na sada para o intervalo, Geninho no se continha de tanta

    impacincia:

    Oh, aula demorada! Pensei que no acabava mais! Vejam o que eu achei no jornal!

    Nossa, que agitao essa? perguntou Ana Paula.

    O que foi, Geninho? interessou-se Jonas.

    E o jovem comeou a desdobrar a pgina de jornal:

    Agora quero ver quem vai rir de mim! Olhe s, Ana Paula!

    A garota examinou o jornal e viu a foto de um estranho objeto

    circular fotografado sobre a represa.

    Isso a ... ... um disco voador?

    O mesmo que desceu l em casa! confirmou o garoto, agitado.

    muito bonito! aprovou Jonas.

    Voc no viu nada. Aqui em baixo ficavam as luzes coloridas, acendendo e apagando... Precisava ver que coisa!

  • Jonas empolgava-se com a descrio do amigo, mas Ana Paula no se

    prendeu muito ao assunto:

    Pra mim, voc no precisa provar nada. Eu sempre acreditei em voc.

    Rafa, Rubo e Maurcio passaram e, ao contrrio do habitual, no

    pararam. Quem se juntou ao grupo foi Cludia, que teve de examinar a foto

    e ouvir as explicaes de Geninho. Livre, enfim, do assdio, ela falou do

    que realmente lhe interessava:

    O que aconteceu com os trs patetas? Passaram direto, cheios de segredinhos...

    Devem estar de mau humor castigou Ana Paula.

    Eu vou mostrar o disco voador pra eles! entusiasmou-se Geninho.

    Entretanto, ao procurar, o grupo j havia desaparecido no meio da

    confuso que se formara diante da lanchonete.

    Pelo jeito eles no querem papo...

    Deixa pra l, Cludia. Daqui a pouco eles chegam retrucou Ana Paula.

    Quase acertou. Pouco antes da entrada para a aula, o grupo voltou.

    Ao contrrio da expectativa, porm, Maurcio lanou uma olhada

    fulminante na direo de Jonas e seguiu em frente. Rubo acenou com o

    brao levantado e seguiu-o. Apenas Rafa ficou para trs.

    Oi, Rafa cumprimentou Jonas, contente.

    Oi, Jonas... Tudo bem?

    Rafa respondeu ao cumprimento e tratou de colocar-se perto de Ana

    Paula.

    O que houve, hein? interrogou Cludia, aproximando-se. O Maurcio deu uma olhada que quase queimou meus cabelos.

    Baixando o tom da voz tanto quanto possvel, Rafa observou a

    conversa entre Geninho e Jonas, e segredou:

    Ana Paula... bom o Jonas no circular por a hoje...

    Ah, ? Posso saber por qu?

    O Fox sumiu de casa e o Maurcio cismou que o Jonas aprontou alguma com o cachorro.

    O Fox? Ora essa! Deve estar virando lata por a!

    Rafa encolheu os ombros e pediu:

    V com calma. S estou prevenindo porque, quando o Maurcio cisma com uma coisa, fogo!

    Ana Paula ficou furiosa:

    Est vendo, Cludia? O Jonas culpado at pelos cachorros desaparecidos! O Maurcio devia envergonhar-se!

    Bem... Todo mundo sabe que ele no gosta do Fox... No segredo pra ningum.

    Cludia... o Fox que no gosta dele!

  • Nesse momento, Geninho e Jonas, que escutavam a conversa

    voltaram-se surpresos.

    O Fox desapareceu? perguntou Geninho.

    E Jonas justificou-se:

    O Maurcio est enganado. O que eu poderia ter feito com o cachorro?

    No sei respondeu Rafa. De qualquer forma, melhor no ficar de bobeira por a. O Maurcio disse que vai te pegar!

    Jonas ficou surpreso com a ameaa. Quando Rafa saiu, para se reunir

    aos outros, Geninho bateu na cabea:

    Puxa vida! Esqueci!

    Esqueceu de qu? alguma coisa sobre o Fox? interessou-se Ana Paula.

    Que Fox, que nada! Esqueci de mostrar a foto do disco voador pro Rafa!

  • 12

    Encontro desagradvel

    O Jonas, s vezes, me deixa confusa!

    O que ele fez, dona Olvia? perguntou Altamira, cortando os bifes sobre a pia.

    No fez nada.

    U... E a senhora fica confusa a troco de qu, ento? desentendeu a empregada.

    Eu no compreendo como que um garoto inteligente, que aprende tudo com facilidade, no sabe pra que serve um aspirador de p...

    Precisava ver o susto que levou quando liguei o aparelho.

    A empregada reagiu com um muxoxo e acrescentou:

    Eu no estranho. De onde ele veio bem capaz de no existir essas coisas.

    No existir aspirador de p? De que voc est falando, Altamira?

    U... Eu acho que ele de famlia pobre... Quem sabe at morava na roa... E nunca viu nada disso.

    ... Pode ser. considerou dona Olvia.

    Altamira prosseguiu com o corte da carne e, olhando a patroa de

    lado, retomou:

    A no ser que ele se faa de desentendido...

    Por que voc diz isso?

    No sei, no. A doena dele... Essa tal de... de...

    Amnsia falou a patroa.

    isso a. No est bem explicada, no observou Altamira.

    A dona da casa apenas olhou para a empregada, que se explicou:

    Um dia, ele lembra das coisas, brinca, joga... No outro, esquece at de comer. Como que pode ser isso?

    No exagere, Altamira, eu nunca vi o Jonas ficar sem comer. Alm disso, amnsia assim mesmo. O Abelardo est tentando descobrir um

    bom especialista para lev-lo.

    Do seu quarto, Ana Paula ouvia o dilogo, mas no conseguia tirar da

    cabea a conversa da manh com Rafa. Sentada na cama, s imaginava o

    que o Maurcio estaria tramando para prejudicar Jonas. Quando o garoto

    saiu do banheiro, Ana Paula, com as roupas debaixo do brao, props:

    Vou tomar um banho bem rpido, pra gente dar uma volta antes de jantar. Voc topa?

    Topo! Vou esperar no porto anunciou Jonas.

    No porto? Est bem... Mas no saia sem mim, t? advertiu a garota.

    T.

    Aps o banho, Ana Paula foi at o porto. No encontrando Jonas,

    correu at a cozinha, aflita:

  • Me, a senhora viu o Jonas?

    Estava no porto. Disse que ia sair com voc.

    Oh, meu Deus...

    A garota voltou para a frente da casa, no momento em que chegava a

    amiga.

    Cludia... Voc viu o Jonas por a?

    Vi. Estava indo em direo ao rio, com o Maurcio e o Rubo.

    O Maurcio e o Rubo? estremeceu Ana Paula.

    ... Parecia muito contente.

    Ana Paula no perdeu tempo:

    Empreste-me sua bicicleta... s um minutinho.

    Onde voc vai? quis saber Cludia.

    Espere a em casa, que eu j volto.

    Enquanto Cludia observava, Ana Paula montou e comeou a pedalar.

    Contornou a praa e seguiu pela rua de paraleleppedos onde ficavam as

    antigas fbricas e pequenos prdios escurecidos. Aps alguns quarteires,

    a rua calada desembocava na estradinha de terra batida que ia ter ponte.

    Olhos fixos frente, Ana Paula pedalava to rpido quanto lhe

    permitiam as foras. Ao atingir a estradinha de terra, os esforos com os

    pedais comearam a render menos. Sentindo o rosto quente pelo exerccio,

    ela ameaava, entre dentes:

    Se o Maurcio ou o Rubo fizerem alguma coisa ao Jonas, eu... eu... Eles me pagam!

    Imprimiu um ritmo mais forte, movido pela raiva, e desacelerou, em

    seguida, para executar a curva. E, to logo venceu o trecho, viu a luta

    desigual que se travava a pouco mais de cinquenta metros.

    Parem! Parem com isso! gritou Ana Paula revoltada.

    Sem nenhum escrpulo, Maurcio e Rubo atacavam a vtima, pela

    frente e por trs, deixando-a sem condies de defesa contra os repetidos

    golpes.

    Seu idiota! Tome! dizia Rubo.

    Isso pra voc aprender! Matador de cachorros! xingava Maurcio.

  • Os dois estavam to entretidos na pancadaria que s perceberam a

    presena da amiga, quando ela j encostava a bicicleta na beira da estrada.

    Maurcio! Rubo! Parem com isso!

  • Rubo agarrou o companheiro pelo brao, tirando-o de cima de

    Jonas, que rolara para o cho, levantando poeira.

    Chega, Maurcio! Olhe a Ana Paula!

    Ela que se dane!

    Maurcio desabafou, mas correu atrs do amigo, assim que a menina

    se aproximou.

    Jonas... Voc est bem?

    Ainda no cho, um cotovelo apoiado terra, Jonas apalpava o lbio

    inferior, rachado em virtude de um soco bem-aplicado. Do nariz escorria

    um filete de sangue, que manchara a camisa na altura do peito.

    Selvagens! isso que eles so! dizia Ana Paula.

    O Maurcio... O Maurcio disse que eu sumi com o Fox... Eu nem vi o cachorro observou Jonas.

    Eu sei. O Maurcio no gosta de voc.

    Jonas encarou-a, confuso:

    Por que ele no gosta de mim? Eu nunca fiz nada pra ele. Eu s atirei aquela pedra no Fox porque ele mordeu minha perna.

    Ana Paula no sabia o que dizer. Mantinha-se ajoelhada ao lado de

    Jonas, enquanto o garoto permanecia atirado ao cho, sem nimo para se

    levantar.

    Voc no devia ter vindo com eles. Eu pedi pra me esperar...

    Eu estava no porto, o Maurcio convidou pra dar uma volta... O Rubo disse que era rpido... que a gente voltava logo... tentava explicar Jonas.

    Voc no pode acreditar em tudo que dizem! avisava-lhe a amiga.

    No?

    Jonas estranhava. A garota limpou-lhe o rosto com a camiseta e

    convidou:

    Vamos pra casa. Est ficando escuro.

    Eu no compreendo... balbuciou ele.

    O que voc no compreende?

    Por que o Maurcio no gosta de mim.

  • 13

    Ontem foi um co. Amanh ser um de ns.

    Ao ser vaiada por apagar o protesto escrito em letras de frma no

    quadro-negro, Ana Paula imaginou estar pondo fim derradeira

    manifestao pelo incidente com o cachorro. Estava longe de imaginar que

    as dificuldades apenas se iniciavam.

    noite, logo aps o jantar, a famlia assistia novela, quando

    tocaram a campainha.

    Vai ver quem , Ana Paula pediu dona Olvia.

    A garota abriu a portinhola de vidro e surpreendeu-se:

    Dona Clarice? Entre... Entre, por favor falou, girando a chave na fechadura.

    Diante da porta aberta, a visitante interrogou:

    Oi, Ana Paula... Seus pais esto?

    Esto... Entre.

    Quando a professora entrou, Jonas cumprimentou, alegre:

    Oi, dona Clarice... Tudo bom?

    Tudo bem, Jonas. E voc?

    Estou assistindo televiso.

    Ana Paula continuava surpresa com a visita. E a me, a custo

    conseguia disfarar a estranheza. A no ser nas reunies de pais e mestres,

    jamais havia falado com dona Clarice. A professora de Portugus lecionava

    na cidade, mas morava em So Bernardo. De fato, era a ltima pessoa que

    esperavam receber quela hora.

    Sente-se, professora... convidou dona Olvia.

    Obrigada. A demora pouca.

    Jonas, dona Olvia e Ana Paula aguardavam que a professora dissesse

    algo, mas ela mostrava-se embaraada. Sentada na beira da poltrona, olhava

    para os jovens e ria sem jeito. Ento, virou-se para a dona da casa:

    Dona Olvia... Espero no estar incomodando.

    De maneira nenhuma, dona Clarice.

    Eu precisava conversar um minuto com a senhora e com seu marido, se possvel... Em particular...

    Dona Olvia virou-se para a filha e pediu:

    Chame seu pai, Ana Paula.

    Seu Abelardo, que lia jornal no quarto, entrou, cumprimentando.

    Depois, disse filha:

    Ana Paula... Por que voc e o Jonas no vo ouvir um pouco de msica?...

    Vamos, Jonas disse a garota saindo da sala.

    A visitante acompanhou a retirada dos jovens com um sorriso

    encabulado e comentou:

    Vocs tm uma bela filha... Inteligente, aplicada...

  • Bem, ento no nenhum problema disciplinar com a Ana Paula brincou seu Abelardo.

    No, no . O assunto que me traz aqui diz respeito ao Jonas.

    Jonas? estranhou dona Olvia. O que houve com ele?

    A professora respirou fundo e pigarreou. Sentia uma enorme

    dificuldade para falar. De p junto porta do quarto, Ana Paula tentava

    ouvir.

    Seu Abelardo... Quando o senhor foi me pedir para o Jonas assistir a aula, pareceu-me uma boa ideia, apesar da situao irregular...

    Ficamos muito gratos pela sua compreenso admitiu seu Abelardo.

    Na verdade, era o tipo de deciso que no podia assumir sozinha. Por isso consultei a diretoria, que consentiu, em ateno ao senhor e dona

    Olvia.

    Os pais de Ana Paula silenciaram, a professora prosseguiu:

    Eu vou direto ao assunto. A diretoria reconsiderou a deciso.

    Reconsiderou? interrogou a dona da casa. O que significa isso?

    A partir de amanh, Jonas estar impedido de frequentar as aulas anunciou dona Clarice.

    O casal estava de boca aberta, mas nenhum dos dois conseguiu dizer

    nada.

    Infelizmente, a deciso est tomada. Eu fui encarregada de transmiti-la a fim de evitar constrangimentos para o garoto acrescentou a professora.

    E por que a reconsiderao? Se h uma razo, ns temos o direito de saber! protestou dona Olvia.

    Bem... A deciso foi tomada a pedido de alguns pais de alunos. Eles acham a convivncia perigosa para os seus filhos explicou a professora.

    Seu Abelardo no se conformou:

    A senhora acha justo impedir o acesso de um garoto escola s porque algum pai neurtico pressionou a direo?

    No foi um pai, seu Abelardo. Foram vrios. Houve um abaixo-assinado do qual participaram praticamente todos os pais de alunos da

    classe. Apenas trs ou quatro deixaram de assinar.

    Por qu? Jonas incapaz de qualquer maldade! considerou dona Olvia.

    Espero que os senhores compreendam. disse a professora, levantando-se. A deciso no foi minha. A prpria diretoria no teve alternativa; os pais ameaaram transferir as crianas para outro colgio.

    No intervalo que se abriu ouviram os soluos de Ana Paula. Confusa,

    a professora tropeou no tapete, a caminho da porta.

    Sinto muito disse ela. Se vale como consolo, tambm fui repreendida por propr a admisso de Jonas.

  • 14

    Salvo pelo gongo

    O comportamento de Jonas se alterara visivelmente desde que

    deixara a escola. Por mais que tentasse disfarar a frustrao, no

    conseguia. Durante o tempo em que Ana Paula permanecia na escola, ele

    ficava em casa, quieto e pensativo. De repente, aquele jovem tranquilo,

    bom, educado comeava a se tornar uma pessoa nervosa, inquieta,

    agressiva.

    Dentro de seu quarto, folheava jornais, revistas, livros, tudo que

    tivesse imagem, como se procurasse algo. Quem sabe, aps a proibio e o

    consequente afastamento dos companheiros, acabara se voltando com mais

    fora para o prprio problema. A procura intil por algo que ningum sabia

    o que fosse o desesperava de tal maneira, que ele acabava por atirar os

    impressos contra a parede.

    A agressividade s amenizava quando dona Olvia abria a porta do

    quarto e avisava:

    Est na hora de Ana Paula sair... Voc no quer ir esper-la?

    Imediatamente o riso tristonho voltava ao rosto de Jonas. Levantava-

    se num salto, ajeitava a camiseta dentro da cala e disparava como um raio

    em direo escola. S ento lembrava o garoto dos primeiros dias. Por

    isso, dona Olvia estranhou quando a filha chegou sozinha, aflita.

    Cad o Jonas? Por que no foi me esperar? quis saber Ana Paula.

    A me encarou a menina, preocupada:

    Eu no sei. Bati na porta, como fao diariamente, para avis-lo que estava na hora da sua sada; mas o quarto est vazio. Pensei que j tivesse

    ido encontr-la.

    A empregada, que se aproximava nesse momento, tambm foi

    interrogada pela menina:

    E voc, Altamira?... Tambm no viu o Jonas?

    A ltima vez que vi, ele estava no quarto folheando uma revista. E no estava bem, no; virava a pgina de um jeito que s faltava rasgar a

    revista.

    Dona Olvia ia dizer algo, mas foi interrompida pela entrada de Rafa

    e Geninho.

    E a, o Jonas est em casa? interrogou Rafa.

    Est nada. Sumiu avisou Ana Paula.

    Calma, minha filha. Talvez ele tenha sado para dar uma volta e se esqueceu do horrio.

    S pode ser concordou Geninho. Daqui a pouco ele est aqui.

    No sei... O Jonas anda diferente... retrucou a jovem. E no segurando o choro, correu a abraar a me. Vai ver que ele se cansou da gente e foi embora!

    No diga isso, minha filha. O Jonas s est chateado... Quando ele comeava a gostar da escola, teve de parar... Mas no vai fugir por causa

    disso.

    Os garotos no sabiam o que dizer. Geninho decidiu:

  • Eu vou dar uma volta de bicicleta, pra ver se acho o Jonas. Se no achar, vou at em casa avisar e volto.

    tima ideia! aplaudiu Rafa. Vou pegar a bicicleta da Cludia e ajudar.

    Combinado! respondeu o amigo.

    Aps o almoo, Rafa e Geninho viraram a cidade de pernas para o ar;

    pedalaram at as estradas mais prximas, at a beira do ribeiro, subiram a

    ladeira do cemitrio, sem qualquer resultado positivo. s quatro, reuniram-

    se com Ana Paula e Cludia, no ponto de encontro.

    E a, Geninho? perguntou Cludia, adivinhando a resposta.

    Sumiu! No est em nenhum lugar!

    Rafa... Por favor, diga alguma coisa... pediu Ana Paula, abatida. Voc viu o Jonas?

    Nem sombra! Evaporou!

    Ana Paula passou o lencinho nos olhos e perguntou:

    Rafa... Ser que o Maurcio no aprontou outra, no?

    Eu desconfio que no intrometeu-se o Geninho. Ele e Rubo estavam pescando l na ponte.

    Desanimada, a garota resolveu ir para casa:

    A ltima esperana que meu pai tenha encontrado.

    Geninho acompanhou-a. Rafa e Cludia foram para casa, prometendo

    voltar logo mais.

    No se preocupe falou Rafa, de sada. Ns vamos encontrar o Jonas.

    Ana Paula e os pais acabavam de jantar, quando Rafa chegou.

    E a, pessoal? Nada ainda?

    Nada confirmou Ana Paula, triste.

    Ento, vamos sair! Vamos procurar!

    Deixe, Rafa. Voc e o Geninho j correram a tarde inteira pediu o pai da garota. Eu comuniquei o fato ao delegado e ele colocou dois soldados para procurar.

    O homem levantou-se da mesa, demonstrando uma tranquilidade que

    no tinha, e falou:

    O melhor que vocs fazem consolar a Ana Paula. Ela est precisando de amigos como vocs.

    Pode deixar, seu Abelardo prontificou-se Geninho.

    Meu Deus! Onde andar esse menino?... sussurrou dona Olvia.

    Eu sempre falei pra senhora que esse menino ainda ia causar problema! intrometeu-se a empregada, recolhendo as louas.

    Ningum disse uma palavra. S retomaram o assunto depois que

    Geninho saiu do banheiro.

    Eu vou indo, dona Olvia. Eu queria fazer alguma coisa, mas moro longe...

  • No se preocupe, Geninho. A polcia vai encontrar o Jonas.

    Eu vou aproveitar pra sair com o Geninho falou Rafa. No caminho dou mais uma olhada.

    Vo com Deus! disse a mulher.

    Despediram-se de Ana Paula e, na porta da casa, quando Geninho j

    montava na sua bicicleta, Rafa apontou para o lado onde ficava a escola.

    Olha l, Geninho... O que ser aquilo?

    Um grupo de pessoas perseguia algum. Vinham na direo deles e

    gritavam:

    Pega! Lincha!

    Deve ser algum ladro! opinou Geninho. Eu no gostaria de estar na pele dele, no!

    O grupo vinha na mesma rua, porm, ao chegar praa, virou

    direita, seguindo pela calada da igreja.

    Xiii... O cara entrou na igreja! Vamos l, Geninho!

    Vamos!

    Os dois correram e, contornando o canto da praa, alcanaram a

    frente da igreja. Como vrios curiosos entrassem, eles fizeram o mesmo.

    Vo acabar com a novena do padre Olavo... comentou Rafa.

    Ali, olhe... Naquele canto... indicou Geninho.

    Vamos l.

    Os dois garotos foram abrindo passagem em meio ao aglomerado,

    tentando descobrir o que ocorria no centro. Antes que conseguissem,

    ouviram a voz do padre:

    Que falta de respeito essa? Saiam j!

    Quando o crculo se desmanchou, Rafa no quis acreditar. Olhou

    para Geninho, que ficara sem voz e falou:

    Depressa, Geninho... V chamar o seu Abelardo!

  • 15

    Um dia difcil

    Quando a famlia de Ana Paula chegou, o padre j havia acalmado os

    mais exaltados. No centro da pequena roda, um soldado segurava Jonas

    pelo cs da cala.

    Jonas! O que fizeram com voc? gritou Ana Paula, correndo ao seu encontro.

    O soldado puxou-o contra si e avisou seu Abelardo:

    melhor chamar a menina. No pode tocar no preso!

    Preso? Esse garoto mora conosco! Por que est sendo tratado dessa maneira? quis saber dona Olvia.

    A senhora d graas a Deus e ao padre por ele estar vivo!

    O que aconteceu, padre Olavo? Que violncia essa?

    O padre aproximou-se do casal e falou em voz baixa, procurando no

    ser ouvido pelos curiosos:

    Pelo que sei, houve um princpio de incndio na escola. E seu Ablio, o porteiro da noite, disse que viu o Jonas no local.

    mentira, padre Olavo! O Jonas no faria isso! rebelou-se Ana Paula.

    Tenham s um pouquinho de pacincia, que o delegado deve estar chegando aconselhou o padre. Ento, saberemos ao certo o que houve.

    Jonas estava descalo e tinha a roupa manchada de carvo. Olhava

    assustado para as pessoas em volta e tremia como se sentisse frio. Os olhos

    cinzentos e medrosos no demorariam a explodir em lgrimas.

    No se preocupe, Jonas. Ns estamos aqui consolou Ana Paula.

    Isso mesmo! endossou Rafa. Assim que o delegado chegar, tudo ficar resolvido!

    Ele vai soltar voc! confirmou Geninho.

    Assim que o delegado Argemiro chegou, mandou evacuar a igreja,

    permanecendo apenas os interessados diretos no caso. Ento, dirigiu-se ao

    homem que segurava Jonas e perguntou:

    O que houve, soldado?

    Houve um princpio de incndio no almoxarifado da escola. Segundo o seu Ablio, deve ter sido o garoto. Por pouco o povo no o

    linchou.

    Solte o garoto.

    O subalterno obedeceu, contrariado. Ana Paula e a me abraaram-se

    ao garoto, enquanto doutor Argemiro reclamava:

    E agora, seu Abelardo? A situao do jovem com a famlia no nada regular. No fim, eu que acabo me metendo em encrenca.

    Eu no creio que o Jonas tenha feito o que dizem! reagiu seu Abelardo. Ele um bom menino!

    Ele est com a camisa suja de carvo.

    Automaticamente a mulher passou a mo sobre a mancha, tentando

  • limpar.

    Talvez tenha estado perto do fogo... Isso no significa que tenha incendiado a escola lembrou seu Abelardo.

    No era melhor ouvir o que Jonas tem a dizer? sugeriu o padre.

    Ao seu tempo falou o delegado. Ao seu tempo.

    E, virando-se para o porteiro:

    Seu Ablio, o senhor viu o garoto pr fogo na escola?

    O homem de avental branco aproximou-se, sorridente:

    Eu vi, doutor. Quer dizer... Eu vi uma fumaa saindo do almoxarifado. Quando corri pra ver o que era, esse menino escapuliu por

    baixo das minhas pernas e comeou a correr. Da, o povo correu atrs.

    Humm... A porta do almoxarifado estava aberta. Havia fogo e o garoto estava l dentro. isso? resumiu o delegado.

    Isso mesmo confirmou o porteiro, prestativo.

    O policial, srio, virou-se para o garoto:

    Por favor, soltem um pouco o Jonas. Preciso que ele me responda a algumas perguntas.

    Ana Paula e a me afastaram-se at onde estavam seu Abelardo e o

    padre. O porteiro juntou-se ao soldado, no lado oposto.

    Muito bem, Jonas. Conte-nos o que voc estava fazendo na escola.

    No estava fazendo nada. Fui s olhar.

    Olhar a escola? admirou-se o policial.

    O Jonas estava frequentando as aulas e teve que parar por causa de um abaixo-assinado explicou dona Olvia. Talvez ele tenha sentido falta.

    O delegado ouviu-a contra a vontade e voltou-se para Jonas:

    Como voc entrou na escola?

    Pelo porto respondeu o garoto.

    Mentira! retrucou o porteiro, rpido. Eu fiquei o tempo todo l!

    Se o Jonas disse que entrou pelo porto porque entrou! teimou Ana Paula.

    E ento? insistiu o delegado. Por onde voc entrou?

    Pelo porto confirmou Jonas. Seu Ablio estava conversando com o pipoqueiro e no me viu.

    Diante do olhar incisivo do policial, o porteiro ficou vermelho e

    admitiu:

    Eu... Eu estive dando uma prosinha com o pipoqueiro. Coisa de um minuto. O que interessa que o almoxarifado pegou fogo e ele estava l

    dentro.

    E ento, Jonas?... Vai me contar o que voc foi fazer na escola? insistiu mais uma vez o policial.

    Eu tinha que esperar a Ana Paula sair. Todo dia vou esperar...

  • O delegado interrogou dona Olvia:

    A menina no estuda no perodo da manh?...

    Estuda. O Jonas deve ter-se atrapalhado.

    Eu dormi revelou Jonas. Acho que dormi. Quando acordei, a Ana Paula tinha sado.

    O casal trocou uma olhada rpida, o policial coou a cabea e falou:

    Sabe o que eu estou achando? Voc ficou com raiva porque foi impedido de frequentar as aulas e por isso resolveu pr fogo na escola. No

    foi isso?

    Me e filha quiseram protestar, mas foram impedidas pelo olhar

    severo do interrogador.

    No! Eu no pus fogo! negou Jonas, com veemncia.

    Seu Ablio viu voc dentro do almoxarifado, no viu?

    Viu... Viu... confirmou o garoto.

    E o almoxarifado estava pegando fogo?

    Estava. Mas no fui eu, foram aqueles trs! revelou Jonas.

    O delegado quis saber:

    De quem ele est falando? Quem so esses trs?

    Eu s vi um. Era ele riu o porteiro, irnico.

    O seu Ablio no viu, ele ainda estava conversando com o pipoqueiro! Os trs saram do almoxarifado e pularam o muro! explicou Jonas.

    E quem eram esses trs? quis saber o policial.

    Eu no conheo! Um deles carregava uma sacola cheia de coisas.

    O delegado observou o garoto por alguns instantes em silncio e

    perguntou:

    Por que no comunicou o fato ao seu Ablio?

    Achei que no precisava. Duas moas viram quando eles pularam o muro e foram chamar a dona Irene esclareceu Jonas.

    Dona Irene a servente?

    O porteiro confirmou e o garoto prosseguiu com o relato:

    A porta do almoxarifado ficou aberta, eu fui olhar. Ento, vi um monte de papel pegando fogo. Eu quis apagar, mas o fogo subiu nas

    garrafas de plstico e deu um estouro. A o fogo espalhou por toda a

    prateleira.

    Est vendo? alertou a mulher. O Jonas inocente!

    Por favor, minha senhora... pediu o policial, e voltou ao interrogado:

    Voc no fez nada? Ficou olhando o fogo?

    Eu sa correndo, queria pedir ajuda... Mas na porta encontrei o seu Ablio e tive de fugir. Ele ia pensar que eu tinha posto o fogo.

    O policial virou-se para o porteiro, indagando:

  • O que o senhor acha da histria, seu Ablio?

    No sei, doutor. A nica coisa que eu sei que ele estava l dentro.

    Segundo o garoto, duas moas viram os marginais saltando o muro e avisaram a servente...

    Eu no estou sabendo de nada confessou o porteiro.

    Pois melhor o senhor saber direitinho, antes de fazer alguma acusao grave. Alis o senhor tem responsabilidade no caso.

    Eu? apavorou-se seu Ablio.

    O senhor conversava com o pipoqueiro, quando devia estar de olho bem aberto, zelando pela segurana da escola e dos alunos!

    Certo, doutor.

    O padre no se conteve e abraou Jonas.

    Eu tenho certeza de que voc falou a verdade.

    ... concordou o policial. No seria este o primeiro caso de vandalismo ou assalto contra uma escola do municpio.

    Graas a Deus! suspirou dona Olvia, aliviada.

    Eu sabia, Jonas... Eu sabia que voc jamais faria uma coisa dessas... soluava Ana Paula.

    Pouco depois, seguiam para casa, abraados dois a dois. Pai e me.

    Ana Paula e Jonas. Fora um dia difcil.

  • 16

    Em busca do passado

    Apesar da concluso do policial, inocentando Jonas, o princpio de

    incndio, que destruiu algumas prateleiras e boa parte do material

    estocado, contribuiu para aumentar as desconfianas que muitos pais

    alimentavam em relao ao estranho.

    Quem quer acreditar, acredita at no que duvida! A servente da escola confirmou a verso contada pelo Jonas!

    Eu sei, dona Olvia! Essa gente tem a boca grande mesmo!

    Olhe, Altamira, eu no quero nem saber o que dizem. Voc, que vive aqui dentro e sabe que o Jonas um bom menino, devia ser a primeira

    a defend-lo.

    Eu defendo, dona Olvia! Ainda ontem dei umas respostas atravessadas pra me do Maurcio, que veio com umas perguntas esquisitas

    sobre o Jonas!

    A patroa examinou-a com ar dbio e no se convenceu. Altamira no

    escondia o despeito que sentia pelo garoto. Era mais provvel que tivesse

    dado um punhado de informaes distorcidas, contribuindo para reforar

    ainda mais os boatos.

    Na verdade, o problema, iniciado por uma intolerncia entre garotos,

    ganhara uma dimenso incompreensvel aps a elaborao do abaixo-

    assinado pelos pais de alunos e, sobretudo, com a m vontade que as

    pessoas demonstravam em aceitar a inocncia de Jonas no caso do

    incndio. De repente, toda a comunidade participava da discusso,

    dividindo-se entre os muitos que viam Jonas como um perigo segurana

    de seus filhos e os poucos que se solidarizavam com a infelicidade do

    garoto.

    Caminhando a ss pela rua ou acompanhado dos amigos, Jonas

    percebia as reaes das pessoas, que variavam de cochichos maldosos e

    risos, at o susto que fazia acelerar o passo das senhoras idosas. Isaura

    fazia o sinal-da-cruz toda vez que o encontrava. E se houvesse tempo,

    atravessava a rua, mudando de calada. No incio, Jonas achava graa; com

    o passar do tempo, a graa foi desaparecendo.

    Por isso, sem dvida, dona Olvia lhe pedira para no sair. Ana Paula

    estava na casa de uma colega, fazendo um trabalho da escola, e no

    poderia acompanh-lo. A mulher preocupava-se, temia que ele se metesse

    em apuros. Sabia o que pensavam a respeito dele e queria evitar

    embaraos. S podia ser isso. E com Ana Paula no era diferente. Gostava

    da garota, mas em vista das circunstncias comeava a encar-la como um

    par de muletas, sem o qual o menor movimento tornava-se perigoso. E a

    ideia o desagradava profundamente.

    Assim, apesar do sentimento de culpa, desobedeceu dona Olvia e

    saiu para a rua. Precisava caminhar, pr os pensamentos em ordem, ou a

    cabea explodiria. Deu uma volta no quarteiro, examinou os quatro cantos

    da praa e acabou optando pelo banco da alameda lateral, o ponto de

    encontro da turma.

    A caminhada lhe fizera bem, embora soubesse que os problemas

    continuavam os mesmos. Do banco percebeu quando as luzes acenderam

    na frente da casa e dona Olvia veio at a porta. Ansiosa, ela procurava de

    um lado e de outro. Quando esticou a vista na direo da alameda, ele usou

  • o costado do banco como escudo.

    O que foi, Jonas? Est se escondendo de algum?

    A interrogao fulminou-o pelas costas. Impossvel qualquer

    tentativa de disfarce contra o flagrante.

    Oi, Rafa... Nem vi voc chegar.

    alguma brincadeira com a Ana Paula?

    No. A Ana Paula est na casa da Cristina, fazendo um trabalho de escola.

    Rafa sentou-se ao lado de Jonas, que decidiu enfrentar a situao:

    Devia estar parecendo meio esquisito...

    Estava mesmo concordou Rafa.

    Jonas revelou, ento, suas inquietaes e a conversa que tivera h

    pouco com dona Olvia, justificando sua atitude no momento em que ela

    surgira no porto sua procura.

    Eu precisava sair, entende? Eles esto me protegendo como se eu fosse incapaz de sair rua sozinho.

    Eu acho normal que eles se preocupem, Jonas. Voc tem passado cada uma...

    Eu sei que crio problemas pra eles. Talvez fosse melhor continuar sem casa, sem famlia, sem nada.

    No foi isso que eu quis dizer justificou Rafa. Voc tem uma famlia que te adora! Tem amigos! E todos se preocupam com voc.

    Mesmo sem querer, eu crio problemas! Minha presena cria mal-estar entre as pessoas.

    Voc est exagerando considerou Rafa.

    Jonas encarou o amigo, caou as palavras e falou com uma franqueza

    quase rude:

    Sua me, por exemplo. Ela nunca responde meus cumprimentos e tenho certeza de que entrou no abaixo-assinado... Por que ela faz assim se

    nem me conhece, nunca falou comigo?

    Bastante constrangido, Rafa admitiu:

    verdade, ela assinou. Minha me assim mesmo. Ela assinou porque a me do Maurcio pediu.

    No fique chateado, Rafa. Foi s um exemplo. A maioria das pessoas faz at pior.

    Eu sei, Jonas, e no aprovo o que fazem com voc.

    Jonas fez uma pausa, enquanto olhava atentamente para o cavalo que

    passava na rua ao lado. Ento, voltou ao amigo, como se falasse a si

    mesmo:

    Por alguma razo que eu no sei, no consigo me lembrar de nada, a no ser das coisas e pessoas que conheci aqui... Mas no sou doido, como

    as pessoas dizem!

    O garoto estava muito emocionado; ento Rafa passou-lhe o brao

    sobre os ombros.

  • Eu sei que no adianta dizer nada. Mas eu me sinto culpado pelos outros...

    Jonas ajeitou-se, passou o brao direito sobre os olhos e recobrou a

    voz:

    Se as pessoas pudessem imaginar como duro no saber nada da prpria vida... s vezes penso que vou mesmo ficar louco!

    Seu Abelardo est tentando descobrir um bom mdico.

    Quem sabe eu no sou mesmo um extraterrestre, como disse o Maurcio?... considerou Jonas.

    Rafa riu, mas contrariou:

    Foi uma piada sem graa.

    Os jornais s falam disso; parece que os discos voadores gostam da represa continuou Jonas.

    No sei, eu quase no leio jornal. O que eu gosto de livros de aventuras, suspense... Voc no gosta?

    Jonas sacudiu a cabea:

    Eu prefiro jornais e revistas. Vejo todas as fotografias. E toro pra encontrar um rosto, uma paisagem, qualquer coisa que eu possa me

    lembrar...

    Puxa! Nunca havia pensado nisso! admirou-se Rafa. Voc pode encontrar a foto de um lugar que j viu e a...

    Antes que o jovem terminasse, aconteceu a cena absurda. Isaura

    vinha caminhando pela alameda, perdida nos seus pensamentos, quando

    deu de cara com os dois garotos no banco. Como fazia sempre, cruzou os

    dedos na testa e afastou-se num salto, provocando o riso em algum que

    passava.

    Cruz-credo disse ela, acelerando o passo.

    Os dois ainda a olhavam, quando as luzes se apagaram.

    Foi ele! Foi ele! ouviram a mulher gritar.

    Jonas riu, Rafa considerou:

    Ano passado, racionaram a gua. Este ano, deve ser a luz.

  • 17

    O blecaute

    A extenso do blecaute superou em muito as dimenses de