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703 Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 703-725, Especial - Out. 2004 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> AVALIAÇÃO ÉTICA E POLÍTICA EM FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO COMO DIREITO PÚBLICO OU COMO MERCADORIA? JOSÉ DIAS SOBRINHO * RESUMO: Neste texto, trato da vinculação da avaliação às reformas da educação superior e suas relações com o Estado. Sustento que a avalia- ção tem papel não só técnico, mas sobretudo ético e político de gran- de importância nas transformações e reformas da educação superior e da própria sociedade. De modo particular, distingo dois paradigmas. Um que concebe a educação superior segundo a lógica do mercado, outro que concebe a educação superior como um bem público. A cada um desses paradigmas corresponde uma epistemologia e um modelo de avaliação, com seus fundamentos científicos, suas ideologias e seus efeitos na vida social, política e econômica. Um concebe a avaliação so- bretudo como controle. O outro concebe a avaliação sobretudo como produção de sentidos. Isto faz da avaliação um campo cheio de con- tradições e de múltiplas referências. Portanto, ela deveria ser tratada por teorias da complexidade e exercitada mediante uso de diversos instru- mentos e a combinação de diferentes abordagens. A compreensão de todos esses aspectos é importante para não perder de vista que devem ser formativos os objetivos de uma avaliação educativa. Então, a avali- ação deve ser, essencialmente, um processo social que põe em questão os sentidos da formação. Palavras-chave: Educação superior. Avaliação. Epistemologias objeti- vistas. Epistemologias subjetivistas. Controle. Produ- ção de sentidos. ETHICAL AND POLITICAL ASSESSMENT. REGARDING EDUCATION AS A PUBLIC RIGHT OR AS A COMMODITY? ABSTRACT: This paper deals with the links between assessment and the higher education reforms and their relation to the State. It * Professor titular, aposentado, colaborador voluntário da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor do Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (UNISO). E-mail: [email protected].

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  • 703Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 703-725, Especial - Out. 2004Disponvel em

    Jos Dias Sobrinho

    AVALIAO TICA E POLTICA EM FUNODA EDUCAO COMO DIREITO PBLICO OU

    COMO MERCADORIA?

    JOS DIAS SOBRINHO*

    RESUMO: Neste texto, trato da vinculao da avaliao s reformas daeducao superior e suas relaes com o Estado. Sustento que a avalia-o tem papel no s tcnico, mas sobretudo tico e poltico de gran-de importncia nas transformaes e reformas da educao superior eda prpria sociedade. De modo particular, distingo dois paradigmas.Um que concebe a educao superior segundo a lgica do mercado,outro que concebe a educao superior como um bem pblico. A cadaum desses paradigmas corresponde uma epistemologia e um modelode avaliao, com seus fundamentos cientficos, suas ideologias e seusefeitos na vida social, poltica e econmica. Um concebe a avaliao so-bretudo como controle. O outro concebe a avaliao sobretudo comoproduo de sentidos. Isto faz da avaliao um campo cheio de con-tradies e de mltiplas referncias. Portanto, ela deveria ser tratada porteorias da complexidade e exercitada mediante uso de diversos instru-mentos e a combinao de diferentes abordagens. A compreenso detodos esses aspectos importante para no perder de vista que devemser formativos os objetivos de uma avaliao educativa. Ento, a avali-ao deve ser, essencialmente, um processo social que pe em questoos sentidos da formao.

    Palavras-chave: Educao superior. Avaliao. Epistemologias objeti-vistas. Epistemologias subjetivistas. Controle. Produ-o de sentidos.

    ETHICAL AND POLITICAL ASSESSMENT. REGARDING EDUCATION AS APUBLIC RIGHT OR AS A COMMODITY?

    ABSTRACT: This paper deals with the links between assessmentand the higher education reforms and their relation to the State. It

    * Professor titular, aposentado, colaborador voluntrio da Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP), professor do Curso de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Sorocaba(UNISO). E-mail: [email protected].

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    advocates that assessment plays a crucial role not only technically, butalso, and mainly, ethically and politically, in the changes and reformsin higher education and in society. It highlights two paradigms whichconceive higher education as a product ruled by market logics and asa public right, respectively. Each has its epistemology and assessmentmodel, with their scientific groundings, ideologies and effects on thesocial, political and economical life. The first one conceives assessmentmainly as control, the other, as production of meaning. This turns as-sessment into an area full of contradictions and multiple references. Itshould thus be dealt with through complexity theories and appliedusing several instruments and combining different approaches. Un-derstanding all these aspects is important to keep in mind that an edu-cative assessment must have formative goals. Assessment must then beessentially a social process that questions the meanings of the formativeendeavor.

    Key words: Higher education. Assessment. Quantitative epistemology.Qualitative epistemology. Control. Production of mean-ings.

    o h como compreender as transformaes da educao su-perior, nos ltimos anos, sem levar em conta as prticas deavaliao. H uma forte disputa entre duas concepes de

    educao superior que tambm carregam contradies muito impor-tantes nas concepes e nas prticas de avaliao. Isso pelo reconheci-mento de que a avaliao exerce um papel de motor das transforma-es nos sistemas e nas instituies de educao superior e, porconseqncia, na sociedade. Dessa forma, a educao superior temsido considerada uma instituio que produz conhecimentos e formacidados para as prticas da vida social e econmica, em benefcio daconstruo de naes livres e desenvolvidas. Em posio distinta, cres-ce e se fortalece hoje a defesa da educao superior como funo daeconomia e dos interesses individuais e privados. Essas diferenas ide-olgicas relativas ao papel social da educao superior interferem for-temente na compreenso das funes da avaliao. Aqueles que vma escola como uma instituio constitutiva da Repblica querem quea escola forme o cidado; (...). Os que vm a escola como uma empre-sa, num vasto mercado de formao, encontram uma real necessidadena avaliao do sistema, por mltiplas razes. preciso conhecer,portanto avaliar, a oferta e a demanda para encontrar a melhor ade-

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    quao. preciso permitir ao consumidor escolher, ento fornecer-lhe informaes. preciso pilotar o sistema educativo como uma em-presa em busca da melhor eficcia (Vogler, 1996, p. 346-347).

    Por a j podemos ver que avaliao da educao superior um dostemas mais complicados e complexos, tanto para quem se dedica teoriaquanto para quem se envolve em sua prtica. Essa complexidade advmdo fato de que no h consensos sobre avaliao em geral e tampoucoexistem muitos acordos sobre o que seja hoje a educao superior e, so-bretudo, quais so as suas funes mais importantes na sociedade. Ques-tes epistemolgicas, ticas, ideolgicas, polticas, culturais, tcnicas e deoutras naturezas imprimem complexidade a esse fenmeno. Dissenso econtradies so inerentes aos fenmenos sociais, e no seria diferente naeducao. Compreendendo que a avaliao carrega consigo a problemti-ca sempre plural dos valores, e, ento, da tica e da cultura, e que a edu-cao superior tem igualmente um sentido fortemente social, portanto,tambm, tico, cultural e poltico, podemos entender que essa relao cruzada de concepes de mundo e interesses bastante diferenciados. Ne-nhuma avaliao neutra, tampouco nenhuma concepo de educaosuperior se isenta de vises de mundo e idias de sociedade ideal.

    Avaliao e educao superior devem ser entendidas como fenme-nos sociais e histricos. No lhes servem as idias essencialistas que ascapturam e imobilizam em conceitos que no conseguem acompanhar astransformaes histricas e os papis que esses fenmenos sociais cum-prem em circunstncias distintas da vida das sociedades. Por exemplo,por mais rica que tenha sido a idia da universidade formulada porHumboldt, essa noo ideal no mais corresponde com exatido s trans-formaes da educao superior, atualmente mais prxima da forma demultiversidade. Tambm simplista e redutora a idia de avaliaocomo um instrumento neutro e capaz de determinar de forma absoluta-mente objetiva o que bom ou o que no o . Como fenmenos sociais,educao superior e avaliao sofrem mudanas e cumprem papis din-micos, respondendo s demandas que lhes so feitas nas mais diversascircunstncias histricas.

    Seus caminhos interconectam-se. H uma interatuao nas trans-formaes que ocorrem nas avaliaes e na educao superior, uma nose transformando sem a transformao da outra. Nem do ponto de vis-ta tcnico, nem quanto a seus propsitos, a avaliao de hoje pode ser

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    considerada a mesma que aquela praticada em outros tempos; porexemplo, quando servia seleo de indivduos para o servio pblicoateniense, ou para a distribuio de empregados na indstria nascentena primeira Revoluo Industrial. Ela se tornou crescentemente maiscomplexa, mais bem definida do ponto de vista instrumental e cadavez mais plurirreferencial. Seu alcance alargou-se e seus efeitos amplia-ram-se. To importante quanto isso que ampliou enormemente o m-bito dos interessados em seus resultados. Da por que tambm se te-nha preocupado tanto com as normas de procedimentos pblicos eaceitos pelos grupos de interessados.

    Ao voltar-se para programas, instituies e projetos com ntido sen-tido social e de amplo interesse, ao envolver recursos pblicos e ao ser exe-cutada por muitas pessoas, especializadas ou no, a avaliao tornou-sedeclaradamente um fenmeno poltico, por mais que ideologicamente sequeira apresent-la como exclusivamente tcnica. A avaliao em nossos dias cada vez mais assunto que interessa a toda a sociedade, especialmentequelas comunidades mais concernidas por seus resultados e efeitos. Mas,atualmente, so os Estados os principais interessados e aplicadores da ava-liao, especialmente na perspectiva das reformas, do controle e daregulao. To importante o papel da avaliao do ponto de vista polti-co e to eficiente ela para modelar sistemas e garantir determinadas pr-ticas e ideologias que nenhum Estado moderno deixa de pratic-la de modoamplo, consistente e organizado. Isto , como poltica pblica.

    A avaliao da educao superior ultrapassa amplamente os m-bitos mais restritos do objeto a que se dirige. Seus efeitos atingem nos o sistema de educao superior como tambm tm impactos sobretoda a sociedade. A avaliao instrumentaliza as reformas educacionais,produzindo mudanas nos currculos, na gesto, nas estruturas de po-der, nas configuraes gerais do sistema educativo, nas concepes e pri-oridades da pesquisa, nas noes de responsabilidade social, enfim, tema ver com as transformaes desejadas no somente para a educao su-perior propriamente dita, mas para a sociedade que se quer consolidarou construir.

    Alm de poltica, h uma forte dimenso tica na avaliao. ErnestHouse talvez tenha sido um dos primeiros autores da rea a explicitarcom muita clareza esses sentidos: H muitas pessoas interessadas, por-que as decises sobre um programa baseadas na avaliao afetaro a to-

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    dos. A avaliao faz parte, de maneira fundamental e inextricvel, de umasituao pblica: uma deciso coletiva (House, 1994, p. 19). Quanto questo tica, referindo-se ao avaliador, diz: Sua avaliao no s deveser veraz e crvel, tambm deve ser justa (House, 1994, p. 19 e 22).

    Desde muito cedo, testes, provas, exames marcam os ritmos e osritos de passagem do calendrio escolar, como se fizessem parte da essn-cia mesma das aprendizagens e das formaes, como se a qualidade daformao de um aluno coincidisse com os resultados que alcana nessesinstrumentos de verificao. Na realidade, a avaliao nem sempre apli-cada com funo pedaggica, formativa e, portanto, de emancipao pes-soal e social. Muito comumente, ela tem exercido funes de controle,seleo social, restries autonomia. O fenmeno da avaliao tem sen-tidos muito mais amplos e complexos que aqueles que as noes escola-res mais singelas e o senso comum transmitem de gerao a gerao. Nocabe aqui deslindar todos os sentidos, nem sequer sugerir as dimensesque constituem este fenmeno, tampouco suas evolues histricas e seusimpactos nas instituies sociais e nas suas relaes com o Estado e a so-ciedade civil. Como j mencionei em outra parte, para uma viso maisampliada seria

    importante compreender a lista no exaustiva as condies de suaemergncia nos distintos perodos histricos, interpretar os diversos senti-dos que ela vai adquirindo nos distintos contextos, suas funes variveis,os modos e condies tambm mutveis de sua produo, as tenses queproduz nos mbitos sociais e polticos, as configuraes temporais das ins-tituies escolares e universitrias, as tendncias e perspectivas do ensino eda pesquisa, as polticas educacionais ligadas aos interesses dos governos eda economia, a difuso, o tratamento dado pela mdia, a recepo pelas co-munidades educativas e por setores mais organizados da sociedade, as ins-tncias administrativas e legislativas, os sistemas de premiao e de finan-ciamento, os grupos de especialistas vinculados s instituies de educaoe s instncias do poder, as agncias, as audincias, o discurso da meta-ava-liao, as revistas, os textos e autores da rea consagrados. (Dias Sobrinho,2002, p. 34)

    Cabe fazer uma outra observao. Nem sempre so os resultadosda avaliao que prevalecem nas tomadas de deciso dos governos. Mui-tas vezes, as polticas governamentais organizam as avaliaes, no o in-verso. Isso cria uma grande contradio. Se de um lado no h hipte-se de pleno consenso sobre as questes sociais em geral e em especial

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    sobre os objetivos da sociedade, por outro lado os rgos de administra-o pblica exigem que os resultados das avaliaes se apresentem de for-ma objetiva e inquestionvel.

    Desde a crise econmica e o aumento das demandas sociais dosanos de 1970, ou seja, com a diminuio dos recursos pblicos para ossetores sociais coincidindo com a crescente complexidade da sociedade,nos pases industrializados, os Estados aumentaram consideravelmente assuas aes de controle e fiscalizao. Este fenmeno se tornou conhecidocomo Estado Avaliador, segundo expresso cunhada por Guy Neave, ecaracteriza a forte presena do Estado no controle dos gastos e dos resul-tados das instituies e dos rgos pblicos. O Estado Avaliador inter-vm para assegurar mais eficincia e manter o controle daquilo que con-sidera ser qualidade. Para a educao superior tornou-se obrigatrio oaumento da eficincia de acordo com a frmula: produzir mais, com me-nos gastos. A forte presena do Estado Avaliador faz com que as avalia-es protagonizadas pelos governos sejam quase exclusivamente externas,somativas, focadas nos resultados e nas comparaes dos produtos, paraefeito de provocar a competitividade e orientar o mercado, e se realizamex post.

    Tendo em vista a necessidade de aumentar a produtividade e acompetitividade, houve um aparente ganho de autonomia. Entretanto, aautonomia concedida nesse mbito de forte interveno no campo soci-al, que caracteriza o neoconservadorismo, consiste apenas em maior li-berdade de organizao e gesto, principalmente para maior adequaos necessidades diferenciadas do mercado e mais facilidade para a obten-o e utilizao de recursos extra-oramentrios. Em contrapartida, a au-tonomia universitria restringida pelas medidas de controle praticadassob o nome de avaliao. Como as empresas, as instituies educativasdevem agora submeter-se aos critrios economicistas e gerenciais das em-presas. Van Vught, referindo-se s reformas da educao superior daHolanda, diz:

    A idia de avaliar a eficincia das instituies de ensino superior parece sera pedra angular da nova estratgia governamental. Do ponto de vista dogoverno, as decises referentes ao financiamento das instituies estarobaseadas em grande medida em juzos sobre a eficincia das instituies,que se obtero mediante um sistema de controle da qualidade. (Neave &Van Vught, 1994, p. 213)

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    Todos os Estados que hoje buscam realizar importantes mudan-as no setor pblico, na administrao e nas formas de organizao eproduo da sociedade acabam elegendo a avaliao como o motorprincipal das reformas. Todos esses pases criaram agncias e uma redebem articulada de especialistas para a promoo de avaliaes que aju-dem a controlar e viabilizar os objetivos das reformas. Alm disso, osprincipais organismos multilaterais impem seus modelos avaliativosaos pases beneficirios de financiamentos, exportam expertos e formamespecialistas locais para a reproduo e implementao de instrumen-tos de controle de resultados conectados com as reformas gestadas nosgrandes centros polticos e econmicos. Nesta perspectiva da orienta-o dominante imposta pelos pases centrais e organismos multilateraisque lhes do apoio, a avaliao cumpre a funo primordial de tornar aeducao superior mais efetivamente til ao mundo dos negcios e dotrabalho, mais voltada satisfao das demandas do mercado, mais ade-quada expanso das redes comerciais interdependentes.

    Entretanto, nem toda educao superior tem como funo priori-tria servir ao mercado, embora este constitua hoje a face mais visvel deum fenmeno de mltiplos prismas. Igualmente, embora nem toda ava-liao esteja a servio dos interesses privados e do mercado, tambm preciso reconhecer que as relaes de cooperao da avaliao com aeconomizao da educao e da sociedade tm sido uma tendncia cadavez mais forte. H tambm importantes avaliaes orientadas a apoiar aformao da conscincia crtica, da cidadania, da identidade nacional,mediante o desenvolvimento do debate e da reflexo coletiva sobre as fun-es pblicas da educao superior. Neste caso, estes processos avaliativosse vinculam queles que constroem os conhecimentos e promovem os va-lores como bens pblicos a servio da populao em geral, no como pro-priedades privadas a servio do interesse individual.

    Claro que esta polarizao bem pblico X bem privado no nem absoluta, dadas as possibilidades de hibridismos, nem isenta detenses, como sempre ocorre nos mbitos sociais e, por isso, ideolgi-cos. A economia uma dimenso imprescindvel da vida humana, a seradequadamente desenvolvida pela educao. O papel da educaocomo motor da economia deve tambm ser levado em conta. Entretan-to, a economia no pode se desbordar na economizao da vida huma-na, ou seja, no pode ser tomada como o centro do desenvolvimentocivilizacional, no pode ser a referncia central e primordial dos valores

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    da vida pessoal e social. Da mesma forma, a avaliao no deve ser ins-trumento dessa funcionalizao economicista.

    Importante marcar que essas diferentes funes e concepes deavaliao so coerentes com determinadas concepes de educao supe-rior e com certos interesses e valores de grupos sociais. No so dois blo-cos homogneos. Assim mesmo, h sensveis predominncias de idias eprticas que priorizam a funo tico-poltica, que consiste na democra-tizao e no aprofundamento dos valores pblicos, ou, por outro lado, afuno tcnico-burocrtico-economicista, que prioriza as bases do merca-do, a gesto eficaz, o progresso das empresas e o sucesso individual. Oproblema deste segundo bloco no est na eficincia e no progresso queele produz, mas sim no fato de que no est a servio dos interesses co-muns de elevao espiritual e material de toda a sociedade.

    Em outras palavras, sempre advertindo para as possibilidades deexistirem configuraes hbridas, podem-se distinguir analiticamenteduas tendncias dominantes na avaliao, conforme se lhe atribua mais afuno tico-poltica de formao da cidadania, promoo de sujeitos au-tnomos, emancipao e solidariedade social, ou, preponderantemente,a funo tcnico-burocrtico-economicista, pretensamente objetiva, decontrole dos produtos e instrumentalizao da educao em funo daeconomia de mercado. No primeiro caso, ainda que no exclusivamente,situam-se aqueles que defendem os valores histricos da universidadereferenciada sociedade. No segundo, como tendncia e tambm no demodo puro, em geral colocam-se governos, organismos multilaterais, ins-tncias reguladoras, setores universitrios a servio do mercado, ou sim-plesmente adeptos da idia de que se pode tratar a realidade sem conta-minao ideolgica.

    Dois conceitos importantes aqui se insinuam: autonomia eregulao. Estes termos so susceptveis de mltiplas interpretaes, nofaltando quem lhes atribua uma oposio simples e sem contradies.Portanto, no se h de incorrer no equvoco, bastante comum, de opor oprimeiro termo ao outro, porm muito menos contrapor avaliao e au-tonomia. Se assim fosse, a avaliao identificar-se-ia simplesmente comcontrole. Seria, ento, um instrumento que poderia negar ou suspendera autonomia.

    importante jamais perder de vista a complexidade da avaliao.Nem poderia ser diferente, pois toda avaliao tem a ver com idias,

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    qualidades, escolhas, valores, interesses, grupos, instncias, poder. Comotudo isso diverso e dinmico, a avaliao no poderia esgotar-se em ins-trumentos e sentidos simples, unvocos, monorreferenciais. Pode-se mes-mo observar que, medida que as sociedades se tornam mais complexas,quando surgem mais problemas, mais mudanas nos campos da econo-mia, da poltica, da cultura, bem como quando h mais avanos nos sis-temas de produo, distribuio e utilizao dos conhecimentos, a avali-ao tambm adquire novas formas e novos contedos, ajustados a essasdinmicas histricas. Apesar da diversidade que vai apresentando emconsonncia com as transformaes societais, dois grandes tipos bsicossobressaem-se, quando olhados pelos prismas da epistemologia, da ticae dos efeitos polticos que produzem. House chama-os de enfoques oumodelos, acrescentando que eles compartilham as idias da sociedadeem que so praticados.

    Embora sempre lembrando a complexidade epistemolgica e asimplicaes ticas e polticas da avaliao, o que apresento a seguir soapenas indicaes bsicas da epistemologia objetivista e da epistemologiasubjetivista, que sustentam dois dos modelos avaliativos mais recorrentese concorrentes.

    Epistemologia objetivista em avaliao

    No liberalismo e, atualmente, no neoliberalismo econmico e noneoconservadorismo poltico, prevalecem a liberdade de escolha, o indi-vidualismo, o empirismo e um tipo de sociedade de carter dominante-mente mercantil, competitivo e individualista. Ao passo que o neolibera-lismo se refere economia, preconizando liberdade nos processos parafacilitar o livre comrcio, o neoconservadorismo diz respeito a um maiorcontrole por parte do Estado sobre o campo social e cultural. House jhavia observado, em 1980, que as caractersticas da sociedade liberal (epenso que isso vale para o neoliberalismo e o neoconservadorismo atuais)so idias-chave que constituem basicamente os enfoques avaliativos. Re-ferindo-se ao liberalismo, enfatiza: A idia mais fundamental a liber-dade de escolha, porque, se ela falta, que utilidade tem a avaliao?(House, 1994, p. 46). Vale observar que a liberdade de escolha essen-cial para a liberdade comercial. No caso da educao, essa liberdade fundamental para sustentar a privatizao, tanto na ponta da oferta quan-to da recepo dos servios e produtos educacionais. claro que na ques-

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    to da educao privada imprescindvel que haja as adequadas condi-es econmicas. Porm, se tambm no houvesse possibilidades de es-colha, como se sustentariam as ofertas privadas? Os instrumentosavaliativos, que buscam orientar objetivamente as opes dos clientes,s fazem sentido onde vige o princpio da livre escolha.

    A avaliao fundada na epistemologia objetivista diz-se eminente-mente tcnica. Seu objetivo principal prestar informaes objetivas, ci-entficas, claras, incontestveis, teis para orientar o mercado e os gover-nos. Justifica-se pela idia de que os clientes ou usurios da educao tmindividualmente o direito de saber quais so as boas escolas, os bons pro-fessores, quem oferece os melhores servios, segundo parmetros prvia eobjetivamente estabelecidos e levando em conta a relao custo-benef-cio. Esses parmetros, normas e critrios, supostamente objetivos, ideaise abstratos, quase sempre se utilizam de procedimentos de quantificaode produtos, dada a necessidade de comparaes e rankings, e esto vol-tados ao controle da qualidade dos servios e produtos educacionais, semelhana do que ocorre no mundo dos negcios. O controle, nessaperspectiva, efetua-se conforme a crena de que a avaliao seria neutra eobjetiva, dado seu suposto carter tcnico. Objetividade, certeza, neutra-lidade, verificabilidade seriam asseguradas pelos procedimentos cientfi-cos, pelo uso de instrumentos objetivos e tcnicas quantitativas.

    A epistemologia objetivista em educao e mais especificamenteem avaliao tem na gesto cientfica, na pedagogia por objetivos, napsicometria e na cienciometria algumas de suas mais importantes ma-nifestaes, na linha da ideologia do individualismo, do sucesso indivi-dual, da eficincia e da racionalidade instrumental. Objetivos e qualida-des poderiam e, ento, deveriam ser medidos, quantificados, comparados.Os testes, as escalas, as estatsticas e os rankings so recursos privilegiadospara verificar, controlar e produzir eficincia e qualidade, mas segundonoes de eficincia e qualidade que correspondam a essa racionalidade.

    Ao longo do sculo XX, desenvolveu-se uma grande indstria deinstrumentos de medida. A primeira grande contribuio (presente athoje, transformada) veio da psicologia. Com efeito, a psicologia desen-volveu-se nas primeiras dcadas do sculo passado basicamente comopsicometria, com grande destaque a E. L. Thorndike, na elaborao detestes para fins de classificao. Mais tarde, a sociologia do conhecimen-to contribuiu para o desenvolvimento de um aspecto importante na ava-

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    liao-mensurao da produo cientfica. A partir de 1943, RobertMerton e outros elaboraram as bases das medidas e quantificaes daproduo cientfica, que vieram a ser conhecidas por cienciometria; poste-riormente, foram criados institutos dedicados quantificao e indexaode citaes cientficas. Essa metodologia se universalizou e largamenteutilizada nos levantamentos dos produtos de pesquisa e no reconheci-mento de mrito dos cientistas e pesquisadores. Nos ltimos anos, demodo especial desde os anos de 1970 e aps a generalizao das crisesdos financiamentos pblicos, governos e agncias multilaterais intensifi-caram as prticas de prestao de contas (accountability) principalmenteem questes que envolviam financiamentos. Assim se incorporou aeconometria, como um conjunto de idias fundadas no valor econmico ede instrumentos capazes de medir a viabilidade econmica de um proje-to, bem como os impactos econmicos de um programa executado.

    Avaliao tambm tem sentidos de sano e legitimao e seuscontrrios. Legitima e denega prticas, contedos, valores e sentidos. Anoo de seleo e de organizao social com o correr do tempo tor-nou-se muito forte, a ponto de ainda hoje estar arraigada indelevelmen-te em muitas prticas avaliativas, tanto nas escolas como nos mbitospblicos dos concursos e dos exames.

    A necessidade de organizao seletiva da sociedade aumentou con-sideravelmente a partir do momento em que a sociedade veio se tornan-do mais complexa. A Revoluo Francesa ampliou o acesso educaobsica e criou o sistema de classes, isto , organizou os alunos conformeas capacidades individuais e idades. A escola deveria preparar servidorespara os novos cargos e as funes do sistema de servio pblico que osvalores republicanos ento organizavam. A Revoluo Industrial promo-veu a organizao das atividades e dos postos de trabalho e estabeleceuos conceitos salariais relativos, gerando com isso tambm a afirmao designificados sociais e hierarquias de poder ligados aos lugares ocupadosnas estruturas dos servios e da produo. A avaliao teve, ento, not-vel apelo e demanda, tanto para distribuir socialmente os indivduosquanto para selecionar para o servio pblico e os postos de trabalho,sempre baseada na noo de mrito individual. Desde ento ela tem sidoum importante instrumento para o estabelecimento e a mobilidade dasclasses de alunos, que se consolidou como a mais evidente forma de or-ganizao da escola moderna.

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    Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico ou...

    Para mais eficaz e objetivamente dar conta das funes sociais quelhe foram outorgadas, a avaliao teve que se desenvolver tecnicamente,criando os testes escritos e o sistema de notao. A est uma primeiracaracterstica que colou na avaliao a ponto de parecer pertencer suaessncia: os testes escritos com fins de medida. Como se sabe, as univer-sidades medievais praticavam apenas exerccios orais; posteriormente, osjesutas utilizaram fartamente as competies orais como proposta peda-ggica. Os testes escritos so uma criao da escola moderna. Sua formaescrita liga-se idia de credibilidade pblica, transparncia e rigor. Ga-nharam tanta importncia que acabaram interferindo fortemente na de-finio dos currculos e das propostas pedaggicas.

    De um lado, os instrumentos de testes, provas, exames trouxerammais preciso e fora operacional ao sistema de medidas e de seleo. Poroutro, determinaram uma concepo e uma prtica pedaggicas que con-sistem basicamente na formulao dos deveres ou exerccios escolares eno controle por meio dos testes. Assim, a avaliao interfere incisivamen-te na organizao dos contedos e das metodologias e vai legitimandosaberes, profisses e indivduos, o que significa tambm produzir hierar-quias de poder e privilgios. Como smbolo da legitimao de valores eprivilgios sociais, os ttulos e diplomas so institudos formalmente, re-sultantes tambm eles da avaliao, e ganham grande importncia na de-terminao das hierarquias e na distribuio dos indivduos nos lugaresque de direito e por mrito individual lhes corresponderiam na socie-dade. A proliferao dos exames e concursos em grande parte deve-se snecessidades que as sociedades apresentam de distribuir os indivduos nasdiferentes posies dos espaos sociais, segundo critrios de mritos pes-soais, e de legitimar essa organizao e a ideologia correspondente, bemcomo os conhecimentos, os privilgios e o direito s prticas profissio-nais, mediante a outorga de diplomas e ttulos.

    Tal a importncia dos exames no campo da avaliao que elesacabaram constituindo uma rea de estudos a docimologia. Esses es-tudos reafirmam uma concepo racionalista e empirista da avaliao,durante muito tempo quase totalmente identificada com exames, no-tao e controle.

    At h pouco tempo, falar de avaliao era naturalmente (aqui est a for-a do topos) falar da avaliao somativa, da nota, dos testes, dos controles,da verificao, do balano. Assim, os estudos docimolgicos desejam per-tencer ao paradigma da Razo. (Vial, 2001, p. 41)

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    Jos Dias Sobrinho

    Utilizando-se quase exclusivamente da medida e da seleo comoinstrumento tcnico para efeito poltico de organizao hierrquica doservio pblico e do trabalho em geral, a avaliao de modo algum podeser considerada neutra e ingnua. Ela transforma, isto , produz efeitos,tanto para a vida individual como para a sociedade e para o Estado. Le-gitima valores e ideologias, justifica admisses e demisses, ascenses ereprovaes, premiaes e sanes, reforos e coeres na esferacomportamental, liberaes e cortes de financiamentos etc. Justificada porum discurso conveniente, a avaliao como tecnologia de poder faz suasescolhas. Na escola, determina quem passa de ano e quem retido,quais so os melhores e os piores, os inteligentes e os incapazes, os esfor-ados e os preguiosos, os educados e os indisciplinados. Na vida social,quem merece ter as melhores posies e mais poderes, em razo de seusmritos, e quem ser excludo, por mediocridade e/ou desinteresse.

    Nos processos ditos de garantia da qualidade costumam associar-se trs conceitos: qualidade, avaliao e inovao. Muito freqente a as-sociao dos dois primeiros. A avaliao comumente entendida comoum sistema de coerncias entre o ser (a realidade encontrada ou realiza-da) e o dever ser (o padro ideal, preconcebido); e tambm como umsistema de distines entre o certo e o errado, os pontos fortes e os fra-cos, os acertos e desvios. Pertinncia (relao entre projeto institucional enecessidades cientficas e sociais), eficcia (coerncia entre as prticas e osobjetivos) e eficincia (coerncia entre insumos e resultados) so trs cri-trios considerados quando usualmente se quer constatar e verificar n-veis de qualidade, segundo padres de coerncia e medida de desvios oudistncias entre o que e o que deveria ser.

    Esta concepo pe a nfase sobre os aspectos mais identificadoscom as produes e as expectativas econmicas, quase sempre relativa-mente quilo que quantificvel. Em outras palavras: pe em relao umreferido (o constatado, o objeto em pauta, o realizado, o verificvel emdado momento) com um referente (a norma, o ideal, o esperado). Im-portante observar que a no h necessariamente questionamento a res-peito das normas, dos critrios e dos objetivos. Seu ncleo central averificao, o controle dos resultados, a constatao da coerncia e das di-ferenas encontradas entre o realizado e o idealizado, os resultados e anorma preestabelecida. Esse procedimento conservador, fechado, namedida em que reproduz os esquemas mentais estabelecidos com anteri-oridade e exterioridade. No permite a interao dos sujeitos idiossincr-

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    Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico ou...

    ticos com o objeto, com o pretexto de que este deve ser isento das conta-minaes da subjetividade e no dependente do contexto.

    O critrio da medida da coerncia, embora se justifique em mui-tos casos, no totalmente suficiente para tratar fenmenos com enor-me grau de complexidade, dinamismo e contedos simblicos como o caso da educao. As dinmicas educativas no se referem somenteaos planos organizacionais e aos significados intrnsecos e internos dasprticas. Elas tambm se projetam em problemticas pblicas e lan-am questes que escapam rigidez da racionalidade administrativa.

    A avaliao da educao tem atribudo nfase ao uso de tcnicasobjetivas que focalizam resultados e aquisies. Por serem mais facilmen-te organizveis do ponto de vista operacional e dada a imagem de objeti-vidade e iseno que transmitem, as tcnicas de medio e explicao tmsido bastante utilizadas. De modo especial, essa tradio esteve fortemen-te presente at os anos de 1960, nos Estados Unidos e na Inglaterra, eagora largamente utilizada em vrios pases. Na pesquisa, aplicaram-secentralmente as prticas da cienciometria, que usualmente quantificam aproduo cientfica e alguns aspectos que indicariam reconhecimento dequalidade, como nmeros de citaes em revistas indexadas etc. No ensi-no, o foco da avaliao muitas vezes consistiu, e ainda consiste, emmensurar os desempenhos dos alunos em exames. Verses brasileiras des-sas prticas se realizam respectivamente na quantificao da produo ci-entfica e tcnica, parte importante da avaliao da ps-graduao, e noProvo, instrumento que se propunha a determinar a qualidade de umcurso de graduao, segundo os desempenhos dos seus estudantes em umexame nacional, e acabou tendo um enorme impacto na explosivaprivatizao da educao superior brasileira, a partir da segunda metadeda dcada de 1990.

    As avaliaes de carter objetivista so francamente utilizadaspara a orientao do mercado, onde as noes de qualidade se asseme-lham a produtividade e eficincia, e para uma atualizao da teoria docapital humano, que restringe a formao capacitao profissional. Otexto abaixo, de Erik Jan Lane, refere-se universidade sueca, pormpode tambm servir para mostrar as grandes marcas das reformas uni-versitrias pelo mundo afora.

    A qualidade substituiu a igualdade como conceito dominante da vida aca-dmica. A eficincia volta a ser importante e se considera que a pesquisa

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    Jos Dias Sobrinho

    avanada e a formao so de vital importncia para o desenvolvimento fu-turo da sociedade. (...) Finalmente est a questo da produtividade. Cadavez se compartilha mais amplamente a idia de que os recursos destinados educao superior devem ser uma inverso que produza seus benefcios, tan-to no sentido de que seja socialmente produtiva, como no sentido de que aformao acadmica produtiva quando os xitos esto relacionados com osmontantes investidos. (Lane, apud Neave & Van Vught, 1994, p. 269)

    As restries oramentrias e a exigncia de que a educao superi-or se torne mais til ao fortalecimento do mercado e sade econmicadas empresas transformou a accountability (prestao de contas, respon-sabilizao, responsividade) em critrio central da avaliao, desde as duasltimas dcadas do sculo passado. A responsabilidade de demonstrar efi-cincia e produtividade tanto maior quanto mais reduzidos vo se tor-nando os oramentos das instituies. Ao mesmo tempo, os Estados vodesenvolvendo com mais intensidade a vocao legisferante para assegu-rar a correo contbil e a eficcia gerencial. Os organismos multilateraise os pases desenvolvidos, que fazem parte da OCDE, praticam-na de for-ma contbil e gerencialista, pois, para fins de controle, interessa aos go-vernos e agncias de financiamento ter informaes acerca do desempe-nho econmico-financeiro, dos rendimentos escolares, da eficciaadministrativa. Os instrumentos e as prticas dessa responsabilizao edessa responsividade contbil e gerencialista se constituem muito maiscomo controle que como avaliao, tm muito mais um sentido burocr-tico e fiscalizador que propriamente educativo ou formativo. Promovema ideologia da eficcia da gesto segundo os modelos empresariais,centrados nos ajustes estruturais de forte concentrao de poder, pormno vinculam a eficcia administrativa s funes pedaggicas e cientfi-cas e s finalidades essenciais da educao.

    Levada a limites extremos, essa responsabilizao e essa responsi-vidade produzem um importante deslocamento de sentido, que con-siste na reduo do exerccio participativo na vida social, na cidadaniapblica, enfim, na responsabilidade pedaggica, poltica e cientfica daeducao ante a sociedade, exigncia de prestar contas aos governos es agncias de financiamento e regulao. No limite, acabam restrin-gindo as finalidades pblicas da avaliao, concebida ento como con-trole e verificao da eficincia e rentabilidade das instituies, dos cur-sos, dos estudantes, em conformidade com parmetros externos esuperiores.

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    Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico ou...

    Os mecanismos de controle dos resultados tendem a fazer umaabstrao dos contextos e dos fatores humanos que os envolvem e engen-dram. Os produtos so apresentados como quantidades desligadas dosfenmenos causais e dos significados idiossincrticos. Esse procedimento muito til para a elaborao de classificaes, informaes objetivas, masno se preocupa em pr em foco de conceituao as aes educativas e osseus resultados. Assim, bastante conveniente para os tecnocratas, maspouco vale para melhorar os processos pedaggicos, a formao, o ensi-no, as aprendizagens, a produo dos conhecimentos necessrios para odesenvolvimento da sociedade.

    Granheim & Lundgren consideram haver trs sentidos principaisnessas avaliaes tecnocrticas: uma direo legal e burocrtica, que im-pe um quadro normativo e punitivo, uma direo econmica, que esta-belece os sistemas de valor por meio da distribuio de recursos, e umadireo ideolgica, que compreende as diretrizes educativas. Para esses au-tores, ocorre a um grande risco de que se d avaliao um sentidotecnocrtico e que se passe a exigir burocraticamente o cumprimento deobrigaes (Granheim & Lundgren, 1992, p. 18 e 19).

    Quando a avaliao apropriada pelas instncias de poder, semuma interlocuo com os educadores, enfraquece sua potencialidadeformativa em favor das funes burocrticas, controladoras e econo-micistas.

    Os processos de avaliao nessa perspectiva se transformam emmecanismos de controle dos resultados. Esse mecanismo de desloca-mento dos processos para os produtos valoriza a eficincia, a produtivi-dade. Mediante procedimentos de quantificao e comparao, intro-duzem no sistema um forte componente de competitividade nos nveisinternos das instituies educativas e nas suas relaes com as demais.Esses processos avaliativos so instrumentos de competio, e no desolidariedade e cooperao, que so valores histricos da universidade.Ao comparar a quantidade de produtos das instituies, essa avaliaoobjetivista e tecnocrtica afirma a produtividade como valor de refern-cia e determina, centralizadamente, os objetivos e as atividades da co-munidade universitria.

    A avaliao objetivista e produtivista vincula-se s ideologias do in-dividualismo e da competitividade, prprios de uma sociedade cujo va-lor central o mercantilismo. epistemologia objetivista correspondem

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  • 719Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 703-725, Especial - Out. 2004Disponvel em

    Jos Dias Sobrinho

    os interesses individualistas e utilitaristas. De acordo com essa racionali-dade, quanto mais produtos teis, isto , valiosos para a economia, al-canar uma sociedade, mais feliz ela . Felicidade social e utilidade geral,assim, equivalem-se, so coincidentes. A felicidade geral medida por ins-trumentos e muitas vezes confunde-se com os indicadores. Por exemplo,ela se identifica com o produto nacional bruto, as taxas de inflao, osndices de desenvolvimento humano, as pontuaes e classificaes demritos etc.

    Importante insistir: a avaliao o principal instrumento paraassegurar o xito e a direo das reformas. Ainda que de modos dife-rentes, a avaliao esteve a servio da privatizao na Inglaterra, desde1980, e em muitos outros pases, especialmente na Amrica Latina, apartir dos anos de 1990. No Brasil, essa relao entre avaliao (con-trole) e mercado (privatizao) se tornou forte a partir de 1995. O Re-latrio Jarrat (1985) usou a expresso-chave que serve tanto para o casoda Inglaterra quanto para outros pases: as instituies de educao su-perior devem ser parecidas com as empresas de negcios.

    Em questes de aprendizagem, persistiu durante a maior parte dosculo XX a crena de que um bom instrumento de medida, especial-mente o de cunho psicomtrico, garantiria resultados confiveis e justos,pois supostamente isentos de contaminaes. O paradigma positivista as-seguraria a objetividade necessria cincia e tcnica neutras e despoja-das de valores, evitando argumentos e evidncias de que normas e regrasso produtos de processos histricos movidos por contradies, escolhas,interesses e valores que interagem em condies sociais concretas.

    As vises de mundo acentuadamente objetivistas organizam esque-mas fechados de compreenso da realidade e se traduzem por uma ticatendencialmente utilitarista, pragmatista e individualista, fazendo crer queo progresso resulta mecanicamente da gesto eficiente, do uso racional dosrecursos e da natureza desenvolvimentista da cincia e da tcnica.

    O paradigma mecanicista, sustentando a idia da verdade sobre anoo de neutralidade que os nmeros, os planejamentos rigorosos e osinstrumentos objetivos supostamente apresentam, produz uma positiva-o do mundo, mediante as tcnicas de quantificao, de medies con-troladas, de comprovaes dos resultados, da estabilizao e particulari-zao da realidade, para fins de inferncias e produo de dados objetivose repetveis (Cook & Reichardt, 1995, p. 29).

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    Esse enfoque avaliativo tem sido largamente utilizado pelos go-vernos e por agncias multilaterais. Evidentemente, a quantificao, aobjetividade, a comparabilidade so aspectos importantes de um pro-cesso avaliativo. Erro seria no os utilizar, o que levaria aos vcios deum subjetivismo exclusivista. Porm, tambm um grande equvocoutiliz-los exclusivamente, como nicos, incorrendo-se ento numa ex-trema quantofrenia ou no erro de equiparar a cincia verdade. DizHouse:

    Em sua forma extrema, o objetivismo epistemolgico exclui por com-pleto o no-quantitativo: o que existe pode ser medido. A reduo anmeros equipara-se s vezes objetividade. Em boa medida, as ori-gens deste empirismo e deste objetivismo extremos podem ser encon-tradas na primitiva epistemologia da filosofia liberal. (House, 1994, p.50)

    A objetividade, como idia regulativa, de modo algum deve ser ne-gada. Rigor cientfico, verificabilidade, integridade, capacidade de cons-truir representaes consistentes so caractersticas da objetividade quedevem ser afirmadas. Critico o objetivismo, exagero que faz coincidir ob-jetividade e verdade, que defende a idia da neutralidade da cincia e re-cusa a dimenso social e histrica do conhecimento. A objetividade, paraser legtima e mais amplamente reconhecida, precisa reconhecer a dimen-so social e intersubjetiva do conhecimento. No possvel objetividadesem subjetividade, no h o quantitativo sem o qualitativo, s medianteteorias da complexidade se pode compreender globalmente um fenme-no humano, que por natureza polissmico e este o caso da educa-o, como tambm o da avaliao.

    Epistemologia subjetivista em avaliao

    A partir da dcada de 1970, nos Estados Unidos, as prticasobjetivistas tiveram que dividir espaos com uma epistemologia maisaberta, transdisciplinar, que requer operaes de produo de juzos devalor e aborda os fenmenos do campo social por meio de metodologiascomplexas. Desde ento, a epistemologia subjetivista passou a competire conviver (no sem dificuldades) com a epistemologia objetivista. A so-ciedade norte-americana experimentava grande acelerao em termos decomplexidade, de modo que os problemas sociais j no podiam ser

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    compreendidos e, muito menos, solucionados, mediante vises e estrat-gias simples. A avaliao educativa j no podia contentar-se com merasverificaes, constataes e medidas. A esse propsito diz Helen Simons,em texto escrito em 1988:

    Ao focar a ateno exclusivamente na aquisio por parte do aluno deobjetivos de aprendizagem predefinidos, o governo conserva uma visoda avaliao que j se encontrava ultrapassada nos anos 60 quando se re-conhecia a necessidade de anlises mais sofisticadas, que permitissemuma utilizao da avaliao como instrumento de inovao curricular.(Simons, 1993, p. 158)

    A epistemologia subjetivista, tambm conhecida por holstica,fenomenolgica, naturalista, conforme o aspecto sobre o qual recaem asnfases, no se sustenta sozinha. No sem se combinar com a linguageme os instrumentos prprios da racionalidade objetivista, ela faz emergirprticas em que se valorizam as atitudes reflexivas e cooperativas dos ato-res envolvidos nas aes educativas. Para alm das simples medidas, valo-riza a construo de processos sociais de comunicao baseada na auto-nomia e no no poder, de tal modo que o conhecimento adquirido nodecorrer da avaliao seja utilizado de forma pertinente e defendido pelamaioria dos atores educativos (Simons, 1993, p. 165).

    A epistemologia subjetivista tem uma perspectiva de compreensoda realidade diferente daquela da epistemologia objetivista. Para aepistemologia subjetivista, a realidade complexa, dinmica, aberta epolissmica, a verdade , portanto, relativa e dependente das experinci-as humanas concretas, a cincia e a tcnica esto mergulhadas na ideolo-gia, os valores esto impregnados das contradies sociais, e tudo isso im-pe a necessidade de fazer uso tambm das abordagens qualitativas eintuitivas. Cook & Reichardt afirmam que esse paradigma tende a apre-sentar os seguintes atributos: defende os mtodos qualitativos; faz obser-vao naturalista, sem controle; tende ao subjetivismo; desenvolve a pers-pectiva interna; orienta-se aos descobrimentos, por vias exploratrias,descritivas e indutivas; orienta-se ao processo; considera que a validadeconsiste nos dados reais e ricos de significao; no generalizvel; fazestudos de casos isolados; holstica; assume uma realidade dinmica(Cook & Reichardt, 1995, p. 29).

    Essa perspectiva defende a idia de que, se a avaliao tem por ob-jeto uma realidade dinmica e complexa, precisa ela tambm ser consi-

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    Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico ou...

    derada polissmica, plurirreferencial. Ento, s pode ser compreendidamais adequadamente por meio de mltiplos enfoques e ngulos de estu-dos, ou seja, por uma epistemologia da complexidade.

    O reconhecimento da avaliao como fenmeno plurifacetado e deresponsabilidade social significa tambm admitir a sua dimenso tica,para alm de sua complexidade epistemolgica. Atribuir valor absolutode verdade e objetividade aos nmeros e seus efeitos de seleo e classifi-cao querer esconder e abafar o fato de que o campo social penetra-do de valores, interesses e conflitos. esse carter tico e, portanto, pol-tico que coloca a avaliao no centro das reformas e dos conflitos, pois oque est em jogo e em disputa o modelo de sociedade. Essas tenses,conflitos e ambigidades (da avaliao so consideradas) prticas soci-ais relacionadas com fins sociais (Popkewitz, 1992, p. 96).

    Se nenhuma avaliao isenta de valores e sempre produz efeitosque de alguma forma a todos afetam, dos concernidos requer capacida-des no s tcnicas, mas tambm sociais e ticas. Como o carter pol-tico da avaliao educativa densamente habitado pelo sentido ticodo bem comum, ela deve estar orientada para o aprofundamento daautonomia pblica. Como empreendimento social, a avaliao deve or-ganizar os conjuntos de indivduos, idias, aes, estruturas e relaescom os objetivos de compreender e melhorar as instituies educativas.

    A melhora da qualidade educativa uma construo coletiva. a participao ativa de sujeitos em processos sociais de comunicao quegera os princpios democrticos fundamentais para a construo das ba-ses de entendimento comum e de interesse pblico. Esse processo so-cial tambm potencialmente rico de sentido formativo, inclusive paraos sujeitos que a ele se dedicam. Como corrente em todo processocomplexo de comunicao, em que se encontram interlocutores de dis-tintos grupos, a avaliao participativa e democrtica penetrada demuitas contradies e disputas, que certamente trazem dificuldades eincertezas, mas sobretudo propiciam muitas possibilidades de aprendi-zagem e de experincias ricas dos significados da vida social.

    A educao superior deve ser avaliada no simplesmente a partirde critrios do mundo econmico e no somente com instrumentosque matematizem a qualidade sob as justificativas de desempenho, efi-cincia e produtividade, mas, sobretudo, deve colocar em julgamentoos significados de suas aes e construes com relao s finalidades

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    da sociedade. Certamente isso exige a superao de noes estreitas dequalidade, transferidas do mercado, por uma concepo complexa, que,alm de aspectos mais visveis e mensurveis, para alm da operatividadee da funcionalidade produtiva, incorpore ainda os sentidos e valores daconstruo da sociedade democrtica. Dessa forma, a avaliao estariaajudando a educao superior a formar cidados equipados de compe-tncias ticas, cientficas e polticas requeridas pela sociedade.

    Concluso

    Este texto discutiu dois modelos, ou dois enfoques, ou duas pers-pectivas, ou duas lgicas, ou duas perspectivas, ou dois paradigmas ouainda duas epistemologias de avaliao.1 Simplificando, um dessesenfoques faz a avaliao desenvolver-se como controle e tem como objeti-vo a verificao e a medida da conformidade. O controle verifica e cons-tata o realizado, em atitude conservadora e voltada ao passado. No outroparadigma, a avaliao ao de atribuio de valor e produo de senti-dos. Sua base o real, porm no simplesmente como produo passadae sentido j acabado, mas, sobretudo, como projeto aberto ao futuro. Tra-ta-se de pr em foco de conceituao, isto , de questionar os significa-dos das aes e das idias, tendo como referncia os valores fundacionaisda educao e, como perspectiva, a construo do futuro.

    Como diz Vial, a avaliao vive um conflito entre dois logos, doisregistros de palavras, duas falas: o da Ratio (avaliar ser justo, objetivo)e o do Pathos (avaliar acompanhar, cumprir, amar) (Vial, 2001, p.41). Esses dois sistemas de idias e prticas, ou seja, paradigmas, so dis-tintos e contraditrios, porm no se excluem mutuamente. No se tratade simples oposio, em que uma parte deve ser aceita e a outra deve serrejeitada. No se trata de adotar exclusivamente o controle (medida, ve-rificao, constatao, o sentido j dado, classificao, seleo etc.) ou,tampouco, tambm exclusivamente, de adotar procedimentos subjeti-vistas sem base em dados da realidade. As duas epistemologias represen-tam duas vises de mundo distintas, at mesmo concorrentes, porm socomplementares e no excludentes.

    O controle, quando isolado, insuficiente, conservador, pode serautoritrio e no favorece a autonomia. uma interveno fechada, ter-minada em si mesma, centrada sobre um objeto desligado de seu con-

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    Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico ou...

    texto, ou sobre produtos sem processos. Ao buscar as correspondncias esingularidades e ao estabelecer a relao de conformidade/inconformidadeentre o ser e o dever ser, o controle apresenta a norma como naturalmen-te vlida e inquestionvel. Em geral, os critrios, procedimentos e instru-mentos do controle so determinados externamente, sem a participaoefetiva dos educadores, muitas vezes obedecendo lgica dos organismose das agncias de regulao e financiamento. certo que o controle pro-duz importantes efeitos. Entretanto, tende a produzir mais do mesmo.Assim, importante quando se objetiva consolidar prticas e fazer ajus-tes, porm no quando se quer pr em questo os significados e os valo-res, tampouco quando se pretende fazer da avaliao um consistente pro-cesso tico e tcnico de formao humana.

    A avaliao, como produo de sentidos, reflexo sobre valores esignificados, tem um grande potencial educativo. Sem deixar de ser ob-jetiva e utilizar instrumentos tcnicos, e no se satisfazendo com a meraverificao e checagem de produtos e sua conformidade com uma nor-ma, a avaliao como produo de sentidos alimenta debates, interroga-se sobre os significados, as causalidades e os processos, trabalha com apluralidade e a diversidade, abre possibilidades de emancipao, cons-truo, dinamizao. Se a finalidade essencial da educao a formao,em seu sentido pleno e no restrito capacitao tcnica, ento a avalia-o deve se realizar como um processo e um projeto, continuamente emconstruo, que, fundamentalmente, coloca em foco de conceituao equestionamento os significados da formao que se vo produzindo noconjunto das prticas institucionais, pedaggicas, cientficas e sociais. En-to, a avaliao educativa dever tratar, em ltima instncia, dos valoresda existncia humana, portanto da sociedade humana, que uma institui-o prioriza em suas atividades formativas.

    Controle e produo de sentidos complementam-se, no se ex-cluem. Educao formao plena e dinmica, construo e promo-o da autonomia pessoal e pblica dos cidados e da sociedade. A serassim, carrega um forte significado tico-poltico. O sentido tico daavaliao d contedo afirmao das subjetividades, papel fundamen-tal da educao, que passa pela produo de sentidos dos sujeitos. En-to, avaliao e educao, bem como avaliao e autonomia, devemmanter entre si uma relao de sinergia.

    Recebido e aprovado em setembro de 2004.

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  • 725Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 703-725, Especial - Out. 2004Disponvel em

    Jos Dias Sobrinho

    Nota

    1. No aqui lugar e hora para discutir as nuanas semnticas que distinguiriam estes ter-mos.

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