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AUGUSTO NASCIMENTO CARIGÉ
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. As gerações de direitos. 2.1 A questão do fundamento. 2.2 Primeira geração. 2.3 Segunda geração. 2.4 Terceira geração. 2.5 Quarta geração. 2.6 Quinta geração. 3. Estado Democrático de Direito. 3.1 Introdução. 3.2 Estado de Direito. 3.3 Estado Social de Direito. 3.4 Estado Democrático. 3.5 Conceito de Estado Democrático de Direito. 4. A relação entre o Estado Democrático de Direito e as Gerações de Direitos. 5. Conclusão.
1. Introdução:
Comparar e verificar a relação entre o Estado Democrático de Direito e as
gerações de direito, sobretudo as surgidas no final do século XX é o que nos propomos
a desenvolver neste ensaio. Em torno desse objeto, três questões põe-se como guia do
nosso escopo, a saber:
a) O que se entende por gerações de direitos?
b) Em que consiste o Estado Democrático de Direito?
c) Qual a relação entre o Estado Democrático de Direito e as gerações de direitos?
Portanto, como se pode perceber, nosso objetivo consiste, primeiramente, em
discorrer sobre o que seriam as gerações de direito e o Estado Democrático de Direito,
para, enfim, chegarmos as conclusões que a imbricação de ambos nos permite fazer.
2. As Gerações de direitos:
1
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS GERAÇÕES DE DIREITOS
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AUGUSTO NASCIMENTO CARIGÉ
Quando falamos das gerações de direitos ou direitos emergentes, referimo-nos
àqueles direitos que vêm sendo acolhidos pelo direito para atender aos anseios do
homem, devido à superveniência de interesses, sejam eles; individuais, sociais,
solidários ou fraternos e tecnológicos, capazes de provocar, por si, mudança social.
Nesse diapasão, podemos conceber três gerações ou dimensões de direitos
como já consolidadas ou regulamentadas pelo direito e duas bem perto do apreço
legislativo. Os primeiros se referem, respectivamente, aos direitos de liberdade
(primeira geração), sociais, econômicos e culturais (segunda geração) e aos coletivos e
difusos (terceira geração). Preste à apreciação legislativa, encontram-se: Os direitos
relativos à Biotecnologia (quarta geração) e os relativos aos direitos virtuais (quinta
geração).
Antes de descermos às minúcias de cada geração, uma discrepância teórica na
seara dos Direitos Humanos deve ser considerada.
A doutrina tem divergido quanto à utilização do termo geração para designar os
direitos que marcam um determinado momento histórico. Parte da doutrina vaticina que
o uso do termo geração não retrata corretamente o fenômeno, isto porque, vislumbra-se
a sobreposição ou revogação de um direito (geração) por outro, propondo, por
conseguinte, que melhor seria designá-los de “dimensões de direitos”. É o que assinala
Paulo Bonavides:
“força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o
vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo
“geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica
e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes,
o que não é verdade”1.
Entendemos, contudo, que o termo dimensão ou geração se eqüivalem. Geração
designa ou pretende designar na seara dos Direitos Humanos, a superveniência de
determinados direitos até então desconhecidos, sem que, necessariamente, exclua as
outras. Pelo menos este é o sentido razoável para a utilização do termo. Se olharmos
para o mundo dos fatos, verificaremos que as gerações precedentes a outras, apesar
de cada vez mais velhas, continuam a terem vigência no seio social, mesmo que
1 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 525.
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limitado pelas sucessoras. Portanto, a realidade é capaz de responder que qualquer
distorção que se faça do termo geração não é capaz de modificar a sua real
designação.
2.1 A questão do fundamento:
Trata-se, pois, aqui de analisar-mos como nascem às gerações de direito.
Noberto Bobbio, versando acerca do fundamento dos Direitos Humanos, pontifica que é
impossível identificar um fundamento absoluto para todas às dimensões ou gerações:
“Da finalidade visada pela busca do fundamento absoluto, ou seja, a ilusão
de que – de tanto acumular e elaborar razões e argumentos –
terminaremos por encontrar a razão e o argumento irresistível, ao qual
ninguém poderá recusar a própria adesão”. E mais adiante: “essa ilusão já
não é possível hoje; toda busca do fundamento absoluto é, por sua vez,
infundada”2.
Para o eminente jusfilósofo não existe um fundamento e sim vários fundamentos,
assim:
“não se trata de encontrar o fundamento absoluto – empreendimento
sublime, porém desesperado -, mas de buscar, em cada caso concreto, os
vários fundamentos possíveis”3.
Em outras palavras, cada geração ou dimensão de direito possui um fundamento
próprio, porquanto os fatores históricos que levaram a criação de direitos variam no
tempo e no espaço. São, pois, justamente os fundamentos, bem como o conteúdo, os
sujeitos passivo e ativo e a vinculação do Estado em cada geração que discorreremos
nos próximos tópicos.
2.2 Primeira Geração:
De alguma forma, sempre existiram Direitos Humanos, até porque, em regra, as
normas de conduta são destinadas ao homem. Não obstante isto, sua sistematização
2 BOBBIO, Noberto. Op. cit., 16.3 BOBBIO, Noberto. Op. cit., 24.
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em gerações ou dimensões começa jungida com a teoria moderna sobre o Estado -
embora não se pretenda ainda marcar esses direitos como de primeira geração. Não é
por outra razão que os mesmos fundamentos que valem para a concepção moderna de
Estado são utilizados como fundamentação dos Direitos Humanos e, por conseguinte,
da primeira geração de direitos.
Nesse diapasão, podemos pontuar como fundamentos para os direitos de
primeira geração o liberalismo político, o jusnaturalismo, o individualismo, a tripartição
de poderes, contrato social de Rousseau, o reconhecimento dos direitos naturais,
enfim, todos os valores Iluministas que permearam a Europa na segunda metade do
século XVIII. Nascem, ainda, os direitos de primeira geração da revolução encampada
pelo Terceiro Estado (o povo e a burguesia) contra a exploração exarcebada da
nobreza e do clero. Naquele momento, queria a burguesia desvencilhar-se do poder
opressivo que limitava sua capacidade de ascensão econômica, política e social.
Vencida a revolução de 1789, a burguesia trouxe como corolário de sua indignação a
tutela dos seguintes bens pelo Estado: liberdade, igualdade (formal), propriedade,
segurança (aliás um dos poucos direitos que cabe ao Estado Liberal atuar
positivamente) e o direito à resistência às diversas formas de opressão (este, mais com
natureza justificadora da Revolução do que propriamente direito).
No bojo do ideal liberal, o avesso ao Estado interventor provocou o
abstencionismo do Estado de forma que, aqui, Estado bom é Estado neutro. Portanto o
Estado estava vinculado negativamente, de modo que não poderia intervir na liberdade,
propriedade ou autonomia da vontade do indivíduo.
Portanto, na primeira geração cabe ao homem enquanto pessoa natural ou à sua
agregação, na forma da lei, formando um ente com personalidade própria (pessoa
jurídica) a titularidade desses direitos. Já o Estado, é devedor, não no sentido de ter
que os promover e sim com a função precípua de não intervir.
2.3 segunda geração:
A proteção meramente formal dos direitos de primeira geração somada ao
advento da Revolução industrial no final século XIX, provocaram sérias injustiças
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sociais. Em meio a essa crise vivenciada pelo Estado Liberal, surgem vários
movimentos (alguns mais radicais com o objetivo de ruptura da ordem política) com o
escopo de proteger materialmente as necessidades da vida em sociedade. Nasce,
portanto, a segunda geração de direitos que têm como objeto os direitos sociais,
econômicos e culturais.
Aqui, ao contrário dos direitos de primeira geração, o Estado age na qualidade de
principal garantidor desses direitos, assumindo, assim, uma postura intervencionista ou
positiva.
Os direitos ora em análise buscam a realização do Estado do bem-estar social
ou o chamado “Welfare State”. Esses ideais de segunda geração, estão
consubstanciados no princípio da isonomia material que, como bem salienta Celso
Antonio Bandeira de Mello4, tem como ponto de partida para a descoberta do seu
conteúdo, o axioma Aristotélico, traduzido no tratamento igual dos iguais e diferente ou
desigual dos desiguais na medida das suas desigualdades, com o objetivo, em última
instância, da igualização de todos.
Note-se que, pelo conteúdo desses direitos só quem tem direito ao crédito são as
pessoas naturais ou físicas. Até porque, não se pode pretender, por exemplo, fornecer
educação, lazer ou saúde a uma pessoa jurídica. O Estado atua como devedor dos
direitos de segunda geração, cabendo-lhe viabilizar os meios de sua promoção.
2.4 Terceira geração:
A velha dicotomia entre direito público e privado não foi capaz de acoplar nem a
um, nem a outro ramo do direito os novos direitos que emergiram com natureza híbrida.
Trata-se dos direitos difusos e coletivos, cujas características são a transindividualidade
e a indeterminação do sujeito ativo da relação.
Os direitos difusos e coletivos, “stricto sensu”, visam a proteger os seguintes
bens jurídicos: a defesa do meio ambiente, do consumidor e, enfim, a busca por uma
melhor qualidade de vida.
4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. Malheiros Editores, 1999. p. 11.
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Os direitos de terceira geração podem ser oponíveis pelo homem – enquanto
titular – tanto ao Estado, quanto ao particular, embora o Estado seja o principal
responsável pela sua garantia, estando vinculado positivamente quanto à sua
realização.
2.5 Quarta geração:
O acelerado desenvolvimento da biotecnologia trouxe para o direito questões até
então desconhecidas. Trata-se da quarta geração de direitos ou direitos relativos à
bioética. Nesta geração, o direito trata de responder as seguintes indagações: quais os
limites à intervenção do homem na manipulação da vida e do patrimônio genético do
ser humano? Como o direito regula a utilização das novas tecnologias genéticas
respeitando os valores bioéticos?
Em verdade, apesar da existência da Lei brasileira da biossegurança, nº 8974/95
e a Lei de Doação de Órgão, nº 9434/97, essas e outras perguntas daí decorrentes,
ainda não foram satisfatoriamente respondidas pelo direito pátrio.
A vida humana é para os direitos de quarta geração o bem merecedor da tutela
do direito, sendo o Estado o principal responsável na garantia desses direitos de forma
positiva, atuando como sujeito passivo ou devedor, sem embargo da responsabilidade
do homem enquanto possível sujeito passivo.
2.6 Quinta geração:
O exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90 fez surgir, virtualmente,
relações e bens merecedores do apreço jurídico. São os chamados direitos virtuais ou
de quinta geração.
A honra, a imagem, enfim, todos os valores que ressaltem o princípio da
dignidade da pessoa humana, são os bens protegidos pela quinta geração, porém com
uma especificidade, qual seja: protege esses valores frente ao uso dos meios de
comunicação eletrônica em massa. Assim, percebe-se que a quinta geração vem
buscar a regulamentação das gerações anteriores face aos novos meios de
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comunicação. Vale ainda ressaltar que não só as pessoas naturais merecem a proteção
em decorrência dos direitos de quinta geração. As pessoas jurídicas, enquanto
detentoras de alguns direitos personalíssimos (art. 52 CC-02), de direitos reais e
pessoais, podem ser também sujeito ativo ou credor, ou mesmo ter protegido seu
nome, sua marca, sua imagem etc., cabendo ao particular ou o Estado (vinculação
positiva, vale dizer) atuar como sujeito passivo ou devedor.
Para alguns autores, as dimensões ou gerações de direitos se exaurem na
quarta. Entendemos, contudo, que a existência de direitos relativos ao ciberespaço é
uma realidade da qual não podemos nos afastar. Mais cedo ou mais tarde os direitos
virtuais serão objeto do Direito positivo e, por conseguinte, aceitos pacificamente na
doutrina como o são os de primeira e segunda geração. As discrepâncias a respeito da
existência dos direitos de quinta e até de quarta geração, surgem, principalmente, por
causa da sua não regulamentação ou regulamentação insuficiente pela lei.
Contudo, sua existência e peculiaridades são concretas. Portanto, mais que
merecida é necessária à regulação via direito e a utilização do termo “direitos de quinta
geração” para designar os direitos virtuais.
3. Estado Democrático de Direito:
3.1 Introdução:
Quando, diariamente, falamos em Estado Democrático de Direito, muitas vezes
não nos damos conta do conteúdo que, de fato, dá embasamento à utilização do termo
como algo relevante para a organização política.
Certamente, como veremos, não podemos utilizar o termo como um fim em si
mesmo. Por trás do Estado Democrático de Direito existe uma história constitucional,
cujo início é o Estado Liberal e o fim, o próprio Estado Democrático de Direito.
Portanto, o Estado Democrático Direito é resultado de um processo iniciado pelo
Estado liberal que, perpassando pelo Estado Social de Direito e que, legitimado,
transforma-se em Estado Democrático de Direito.
Esse percurso percorrido até a chegada do Estado Democrático de Direito é o
que analisaremos nos tópicos seguintes.
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3.2 Estado de Direito:
É um Estado tipicamente Liberal e também Constitucional.
Estado de Direito, Estado Liberal ou ainda, Estado Constitucional, referem-se ao
mesmo contexto histórico, qual seja: a passagem da Monarquia absolutista para a
Monarquia Constitucional, cujas características como aponta José Afonso da Silva são:
“(a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu conceito,
sendo a lei considerada como ato emanado formalmente pelo poder
Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão;
(b) divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a
produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do
último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares; (c)
enunciado e garantia dos direitos individuais”5.
Além destas, acrescentamos: rigidez e supremacia constitucional, bem como o controle
de constitucionalidade das leis.
Em suma, o Estado de Direito é o estado pautado estritamente no princípio da
legalidade, reduzindo-se, pois, o Direito à mera lei, de modo que aquela antiga
dicotomia entre direito natural e direito positivo fica superada, porque não se concebia a
existência de outro direito, senão o positivo. Consagra assim, uma visão meramente
formal do direito, revelado através de um ato formal e solene elaborado devidamente
pelo órgão competente e cujo conteúdo deveria ser geral abstrato e impessoal.
3.3 Estado Social de Direito:
O Estado do “laissez faire” (o Estado Liberal), foi um Estado de políticas
abstencionistas na qual - como o próprio nome revela – tinha como cerne o princípio da
liberdade.
5 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 112-113.
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A liberdade, tão-somente, não foi capaz de promover uma vida digna aos
homens, sendo, inclusive, seu uso abusivo um grande palco para as injustiças sociais,
intensificando-se depois da Revolução Industrial. Logo, o povo começou a se
manifestar em busca de melhores condições de saúde, trabalho, educação, lazer e
econômicas. Na forte onda do movimento social, o Estado de Direito quase foi rompido.
No entanto, como anota Lucas Verdú, citado por José Afonso da Silva:
“o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal,
necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade,
integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito.
O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e
individualista, para transforma-se em Estado material de Direito, enquanto
adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”6.
Note-se que, o Estado Liberal é obrigado a ceder as pressões sociais, como de fato
cede, mas não ao primado da lei. O Estado Social de Direito, continua sendo um
Estado submisso à lei, mas não a qualquer lei e sim a lei que vise o bem estar social.
A passagem do Estado de Direito para o Welfare State marca a saída de um
Estado abstencionista norteado pelo princípio da liberdade para um Estado interventor,
pautado no princípio da igualdade material, ou ainda, nas sábias palavras de Bobbio,
deixa de ser um Estado mais livre e menos justo para ser menos livre e mais justo.
Inobstante o Estado Social de Direito buscar a realização do bem estar social,
não podemos asseverar ainda que se esteja em um Estado Democrático de Direito,
este necessita de algo que alguns Estados Sociais não tiveram. Trata-se da
legitimidade do exercício do poder político. Tome-se como exemplo a Italia fascista de
Mussoline e a Alemanha Nazista de Hitler. Ambas eram consideradas Estado Social de
Direito, contudo a legitimidade do poder era duvidosa.
Portanto, já estamos muito próximos do Estado Democrático de Direito só falta
um elemento caracterizador deste, qual seja: o conteúdo democrático. É o que
analisaremos no próximo tópico.
3.4 Estado Democrático:
6 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 115.
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Classicamente, se entende a Democracia como um governo do povo, para o
povo e pelo povo que exerce diretamente ou via representantes. Como é de se
perceber, o conceito de Estado Democrático é correlato a um outro conceito, a saber; o
de legitimidade, na medida em que esta – como sendo o respaldo daquele que exerce o
poder político na vontade popular – é pressuposto daquele, ou seja, sem legitimidade
não há democracia.
O Estado Democrático é, portanto, um Estado em que há preponderância da
vontade popular na sua organização política, social, econômica e ideológica.
3.5 Conceito de Estado Democrático de Direito:
Antes de darmos nosso conceito, faz-se mister pontuarmos a observação de José
Afonso da Silva:
“A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir
formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito.
Consiste na verdade na criação de um novo conceito, que leva em conta
os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em
que incorpora um componente revolucionário de transformação do status
quo”7.
Como visto, em tópicos anteriores, o Estado Social de Direito nem sempre foi
capaz de assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a
obediência aos ditames da lei.
Chegamos, enfim, na segunda metade do século XX ao Estado Democrático de
Direito, consagrado, inclusive, na vigente Carta Magna, onde claramente se percebe
nos arts. 1º e 3º a sua essência. Estado Democrático de Direito é, pois, à luz da
Constituição de 1988, um Estado baseado no princípio da legalidade (art. 5, II) porém,
não na legalidade formal e sim material, na medida em que está voltado para a
realização de uma sociedade livre, justa e solidária (art.3º, I); garantindo o
desenvolvimento nacional (art. 3, II); erradicando a pobreza e a marginalização e
7 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 119.
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reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art.3º, III) e promovendo o bem de
todos, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, IV), constituindo-se, enfim, em democrático quando preceitua no
parágrafo único do art. 1º que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.
Em suma, Estado Democrático de Direito, é aquele que busca a realização do
bem estar social sob a égide de uma lei justa e que assegure a participação mais ampla
possível do povo, no processo político decisório.
4. A relação entre o Estado Democrático de Direito e as Gerações de Direitos
Nos itens precedentes cuidamos de conceituar e discorrer sobre a trajetória
histórica tanto das gerações ou dimensões de direitos quanto do Estado Democrático
de Direito. Cuidaremos, doravante, de analisar suas relações para, enfim, chegarmos
às devidas conclusões.
Se observarmos o caminho percorrido pelas gerações de direitos, desde seu
nascimento até à atualidade, verificaremos que é o mesmo caminho que se percorreu
até chegarmos ao Estado Democrático de Direito. Ao falarmos anteriormente dos
fundamentos e do desenrolar histórico das gerações de direitos e do Estado
Democrático de Direito, estávamos narrando o mesmo momento e contexto histórico
vivido por ambos, sendo que o primeiro descrito por uma vertente mais jurídica do que
política e o segundo mais política do que jurídica. Ambos constituem, portanto, duas
faces da mesma moeda.
O século XVIII foi marcado pela queda da Monarquia Absolutista que deu lugar à
Monarquia Constitucional, constituindo assim, o primeiro passo para a construção do
Estado Democrático de Direito, ao passo em que se verificava transformações sociais e
jurídicas (em verdade, também políticas) que marcariam a primeira geração de direitos.
Portanto, o Estado de Direito ou Liberal, enquanto primeiro passo para a construção do
Estado Democrático de Direito carrega em seu bojo os chamados direitos de primeira
geração, relativos à liberdade.
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Avançamos então à análise da segunda geração e do Estado Social de Direito.
Como vimos, o Estado Liberal, principalmente após a Revolução Industrial não foi
capaz de assegurar as necessidades sociais com as políticas adotadas, surgindo então
o Estado Social de Direito. Com este, nascem também os direitos de segunda geração,
relativos aos direitos sociais, econômicos e culturais. Não podemos deixar de perceber
que, assim como o Estado Social de Direito, enquanto segunda etapa para se chegar
ao Estado Democrático de Direito, embora voltado para o bem estar social não renuncia
ao primado da lei (concepção esta do Estado Liberal), os direitos de segunda geração
não excluem os direitos à liberdade e propriedade, ambos de primeira geração.
Cumpre-nos, todavia, observar que a implementação dos direitos de segunda
geração foi assaz combatida pelos jusnaturalistas que se opunham veementemente,
pois entendiam que o direito tinha apenas um único fundamento; a natureza. Sendo,
portanto, os direitos naturais imutáveis, absolutos e universais, os quais, não podem ser
modificados nem adicionado a outros. Nesse diapasão, lúcida é a observação de
Bobbio:
“vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento
absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de
novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles. Basta
pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela
teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade: a oposição
quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do
fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto
não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para
defender posições conservadoras”8.
Podemos depreender, ainda, das considerações precedentes que a última fase
para atingirmos o Estado Democrático de Direito foi democratização do Estado Social
de Direito. Talvez o melhor exemplo que podemos citar da chegada desse Estado é a
Constituição pátria de 1988.
Assim como o Estado de Direito está para os direitos de primeira geração e o
Estado Social de Direito está para os direitos de segunda geração, o Estado
8 BOBBIO, Noberto. Op. cit., p. 22.
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Democrático de Direito está para todas as gerações de direitos que possam surgir
doravante. Isto porque em um Estado Democrático deve-se assegurar o princípio do
pluralismo político, fazendo com que o ordenamento jurídico conheça e assegure todos
os valores sociais, transformando-os em direitos. É o que já vem acontecendo desde os
direitos de terceira geração. Portanto, o Estado Democrático de Direito vem abrir as
portas para a entrada indiscriminada dos valores sociais.
Ao contrário da resistência empreendida pelos junaturalistas contra adoção dos
direitos de segunda geração pela ordem jurídica, com a chegada do Estado
Democrático de Direito, quebra-se o tabu, o medo e o preconceito pela legalização de
novos valores. A carta branca da consagração de valores, encontra-se no direito pátrio,
no art. 1º, V da Constituição Federal, onde preceitua o pluralismo político como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil.
Como corolário do Estado Democrático de Direito, temos o aumento dos bens
susceptíveis da tutela jurídica que, por sua vez, torna a atividade jurídica mais
complexa e exige do aplicador do Direito um estudo de caso mais percuciente e maior
sensibilidade quando em contato com conflitos de interesses aparentemente sem
solução, na medida em que a manifestação volitiva pelo pleno gozo dos direitos dos
requerentes, são totalmente antagônicas, porém legítimas e legais. É o que ocorre p.
ex., quando um indivíduo sente-se incomodado com o barulho provocado por um culto
religioso que ocorre ao lado de seu domicílio. Ora, o que fazer se tanto a intimidade
requerida pelo primeiro, quanto a livre manifestação religiosa alegada pelo segundo em
defesa da continuidade do culto são protegidas pela Lex Major, respectivamente nos
incisos VI e X do art. 5 da C. F.9?
Cabe ao aplicador do Direito descer as minúcias do caso concreto e executar
sua árdua tarefa sem ferir a nova ordem instituída: O Estado Democrático de Direito.
5. Conclusão:
9 Art. 5º, VI da C.F.: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Art. 5º, X da C.F.: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a hora e a imagem das pessoas, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
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AUGUSTO NASCIMENTO CARIGÉ
A primeira consideração que se deve fazer a respeito da relação entre o Estado
Democrático de Direito e as gerações de direitos é a seguinte: todas as gerações ligam-
se ao Estado Democrático de Direito, seja como parte integrante do desenrolar histórico
que lhe deu origem (direitos de primeira e segunda dimensão) seja como resultado
direto do seu surgimento (direitos de terceira, quarta e quinta dimensão e os que virão).
Cumpri-nos salientar, em segundo lugar, que a consagração dos direitos é tão
importante, que a sua não tutela pela ordem jurídica pode provocar a ruptura político-
institucional, sendo, portanto, a criação de novos direitos, estruturados em gerações ou
dimensões, necessárias para a permanência da própria ordem política.
Por último, como vimos, saímos do Estado de Direito, cujos direitos eram
absolutos, universais e imutáveis, e resumiam-se praticamente a um: Liberdade.
Perpassamos pelo Estado Social de Direito que quebrou a imutabilidade dos direitos,
adicionando os direitos sociais, econômicos e culturais como direitos de segunda
geração. Chegamos enfim, ao Estado Democrático de Direito que, além de abrir a
ordem jurídica visando a garantir os diversos valores sociais, rompe com o caráter
absoluto dos direitos – que ainda poderíamos encontrar mesmo no Estado Social de
Direito – relativisando-os e tornando a atividade jurídica mais complexa, na medida em
que amplia o número de bens jurídicos muitas vezes antagônicos entre si e exige maior
perquirição na sua aplicação. Enfim, o advento do Estado Democrático de Direito
acelerou e até facilitou a entrada de novos direitos no ordenamento jurídico.
Estamos ainda no início da fase democrática do Estado Social Direito, não
obstante, três dimensões já surgiram sob sua égide. Mais direitos, vale ressaltar, do
que quase dois séculos de Estado de Direito e Estado Social de Direito foram capazes
de criar. Portanto, o Estado Democrático de Direito caminha para o lado diametralmente
oposto ao do Estado Liberal10, na medida em que, enquanto este está obrigado a não
agir e, portanto, falha da tutela dos interesses sociais, aquele está obrigado a promover
todos os direitos que a sociedade entenda como merecedor da proteção jurídica11,
podendo, chegar, inclusive, a uma quantidade imensurável de direitos que vinculam
positivamente o Estado, provocando um caos operacional do Direito (o que, aliás, já é
10 Note que, somente no Estado Liberal a vinculação estatal era negativa. Todas as gerações que a sucedeu o Estado age positivamente, gerando, portanto, um acúmulo de direitos susceptíveis da intervenção estatal. 11 É assim que funciona em um Estado Democrático, que, por corolário, consagra o pluralismo político.
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AUGUSTO NASCIMENTO CARIGÉ
perceptível). Contudo, esse é o preço que temos que pagar para vivermos numa
comunidade politicamente organizada que se aproxime ao máximo do ideal
democrático. Sendo assim, cabe-nos, enquanto operadores do Direito (no sentido mais
lato do termo), renovar as forças para a perene missão de coadunar a onda de
gerações já consagradas e as que certamente virão aos valores por vezes antagônicos,
perpetuando, desta forma, a busca pela realização plena do Estado Democrático de
Direito.
Referências:
1. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. P. 15-24.
2. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
1997. p. 514-528.
3. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia
das letras, 1998. P. 125-133.
4. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da
Igualdade. 3. ed. Malheiros Editores, 1999. p. 11.
5. TAVARES, André Ramos. Curso direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 347-385.
6. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São
Paulo: Malheiros, 2004. P. 112-148.
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