a_aulas de campo e as práticas educomunicativas_a sala de aula encontra a realidade
DESCRIPTION
O presente trabalho discute as aulas de campo da disciplina Educomunicação, do Curso Sistemas e Mídias Digitais (UFC), como práticas significativas na formação de educomunicadores. As aulas de campo, inspiradas nas aulas-passeio de Freinet (1998), são realizadas ao longo do semestre para conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em organizações não governamentais e significam o momento em que a sala de aula se encontra com a realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. É possível aos estudantes articular os conhecimentos teóricos com as experiências práticas, fortalecendo a aprendizagem. Nesses encontros, além de conhecer as experiências de comunicação desenvolvidas nessas instituições, os alunos têm a oportunidade de ministrar oficinas para crianças e jovens, a partir da formação recebida em sala de aula. Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as aulas de campo são iniciativas significativas para a compreensão da educomunicação como área de intervenção social e para a formação do futuro profissional do curso de Sistemas e Mídias Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitário do contexto escolar, contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e participativas favorecem novas formas de aprendizagem.TRANSCRIPT
-
1
Aulas de campo e as prticas educomunicativas: a sala de aula encontra a
realidade1
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante2
Ctia Luzia Oliveira da Silva3
Resumo: O presente trabalho discute as aulas de campo da disciplina Educomunicao, do Curso Sistemas e Mdias Digitais (UFC), como prticas
significativas na formao de educomunicadores. As aulas de campo, inspiradas
nas aulas-passeio de Freinet (1998), so realizadas ao longo do semestre para
conhecer prticas educomunicativas no contexto escolar e em organizaes no
governamentais e significam o momento em que a sala de aula se encontra com a
realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. possvel aos
estudantes articular os conhecimentos tericos com as experincias prticas,
fortalecendo a aprendizagem. Nesses encontros, alm de conhecer as
experincias de comunicao desenvolvidas nessas instituies, os alunos tm a
oportunidade de ministrar oficinas para crianas e jovens, a partir da formao
recebida em sala de aula. Mediante questionrio de avaliao de tais atividades
foi possvel constatar que as aulas de campo so iniciativas significativas para a
compreenso da educomunicao como rea de interveno social e para a
formao do futuro profissional do curso de Sistemas e Mdias Digitais porque
possibilitaram aproximar o contexto universitrio do contexto escolar,
contribuindo para o entendimento de que prticas dialgicas e participativas
favorecem novas formas de aprendizagem.
Palavras-Chave: Educomunicao. Aulas de campo. Aprendizagem.
Abstract: This paper discusses the field classes of the Educomunication course
of the Digital Systems and Media (UFC), as meaningful practice in developing
educommunicators professionally. The field classes, inspired by Freinets class outing (1998), are held throughout the semester to meet educomunicative
practices in the school context and non-governmental organizations and
represent a moment when the classroom meets reality, generating knowledge
exchange among the participants. It is possible for students to articulate the
theoretical knowledge with practical experience, strengthening learning. In these
meetings, apart from understanding the communication experiences developed in
these institutions, the students have the opportunity to teach workshops for
children and young people from the training received in the classroom. Through
an evaluative questionnaire of such activities, it has been established that the
field classes are significant initiatives to understand the educational
communication as a social intervention area and for the career development of
the future professional of the Digital Systems and Media course because they
allowed bridging the university context and the school context, contributing to
the understanding that dialogic and participatory practices promote new ways of
learning.
Key words: Educational communication. Field classes. Learning.
1 Trabalho apresentado na Diviso Temtica DTI 4 - Educomunicao do XIV Congresso Internacional
IBERCOM, na Universidade de So Paulo, So Paulo, de 29 de maro a 02 de abril de 2015. 2 Doutora, Professora da Universidade Federal do Cear, e-mail: [email protected]
3 Doutora, Professora da Universidade Federal do Cear, e-mail: [email protected]
-
2
Introduo
A disciplina de Educomunicao, criada em 2013, optativa do Curso Sistemas e Mdias
Digitais (SMD) da Universidade Federal do Cear, de natureza interdisciplinar, sendo
constitudo por docentes de vrias reas do saber, especialmente das reas de Computao,
Educao e Comunicao Social. Foi criado no Instituto UFC Virtual, espao da
Universidade com larga experincia em Educao a Distncia, sendo responsvel pelos
cursos de graduao semipresenciais da Universidade Aberta do Brasil e reconhecido
como um dos mais eficazes centros de produo de material didtico digital.
O curso possui duas reas de concentrao, Sistemas Multimdia e Mdias Digitais. Nos
semestres iniciais, os trs primeiros, os alunos cursam conjuntamente as disciplinas
obrigatrias e a partir do quarto semestre, elegem as disciplinas de maior interesse entre as
duas reas, definindo assim a sua trajetria de formao. Os itinerrios formativos, como
so designados, compem-se de um conjunto de disciplinas optativas que orientam a
formao do aluno em determinada rea do conhecimento, como jogos digitais, sistemas
web e animao grfica. A primeira oferta para ingresso de alunos se deu em 2010.
Atualmente so cerca de 300 alunos matriculados nos cursos diurno e noturno.
nesse contexto de conhecimento interdisciplinar que a disciplina Educomunicao
passou a integrar o fluxograma de matrias optativas do SMD, com a inteno de
contribuir com uma formao mais crtica, mais humanista e mais comprometida com as
demandas sociais, na perspectiva proposta por Boaventura de Souza Santos (2011), a de
constituio de um conhecimento pluriversitrio ou como prope Morin (2011), do
conhecimento complexo.
O presente trabalho se prope a discutir as aulas de campo da disciplina Educomunicao,
como prticas significativas na formao de educomunicadores. Inspiradas nas aulas-
passeio de Freinet (1998), tais atividades so realizadas ao longo do semestre e visam
conhecer prticas educomunicativas no contexto escolar e em organizaes no
governamentais, constituindo um encontro da sala de aula com a realidade, gerando trocas
de conhecimentos entre os envolvidos. O corpus terico aproxima ainda Soares (2006),
Freire (1998) e Avena (2008) para refletir sobre as aulas de campo como espaos
-
3
formativos. Na prxima seo, apresentamos os conceitos de conhecimento complexo e
pluriversitrio.
Formao universitria e compromisso social
Em contraposio a um conhecimento essencialmente disciplinar e hierarquizado, emerge
um conhecimento contextual e transdisciplinar, que Santos (2011) nomeia como
conhecimento pluversitrio.
(...) o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores (...) e obriga a
um dilogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna
internamente mais heterogneo e mais adequado a ser produzido em sistemas
abertos menos perenes e de organizao menos rgida e hierrquica (Santos, 2011,
p.42).
Morin (2011), por sua vez, entende que est na ideia de complexidade a chave para a
ruptura com a fragmentao cientfica.
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos
cada vez mais graves da compartimentao dos saberes e da incapacidade de
articul-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptido para
contextualizar e integrar uma qualidade fundamental da mente humana, que
precisa ser desenvolvida e no atrofiada (Morin, 2011, p.16).
Contrapondo-se ao paradigma antes dominante, que defendia a ideia de que "conhecer
significa quantificar", Santos (2006) prope a emergncia do paradigma social, como
forma de superar a fragmentao da realidade proposta pela Modernidade. Santos (2006, p.
155) defende a ideia de que toda forma de conhecimento implica auto-conhecimento e
argumenta que a Modernidade ocidental se assentou na base de duas epistemologias por
ele denominadas conhecimento-regulao e conhecimento-emancipao4.
No contexto da modernidade ocidental, as possibilidades de emancipao foram reduzidas
em funo das investidas do capitalismo, dando espao para o crescimento do
conhecimento-regulao e, assim, a cincia moderna, antes uma forma de conhecimento,
se converte no monoplio do conhecimento vlido e vigoroso, consagrando a
4 Segundo o autor, no conhecimento-regulao a ignorncia concebida como caos e o saber como ordem;
no conhecimento-emancipao, a ignorncia concebida como colonialismo e o saber como solidariedade (2006, p.155).
-
4
epistemologia positivista, em detrimento das epistemologias alternativas. (SANTOS,
2006, p. 155).
No incio do sculo XXI, pensar e promover a diversidade e pluralidade, para alm
do capitalismo, e a globalizao, para alm da globalizao neoliberal, exige que a
cincia moderna seja no negligenciada ou muito menos recusada, mas
reconfigurada numa constelao mais ampla de saberes onde coexista com prticas
de saberes no cientficos que sobreviveram ao epistemicdio ou que, apesar de sua
invisibilidade epistemolgica, tm emergido e florescido nas lutas contra a
desigualdade a discriminao, tenham ou no por referncia um horizonte no
capitalista. (Santos, 2006, p. 155-156).
Em oposio monocultura do saber, Santos (2006, p. 154) postula a necessidade de que
haja uma articulao entre as estruturas do saber moderno/cientfico/ocidental e as
formaes nativas/locais/tradicionais, o que ele nomeia como uma ecologia de saberes,
porque argumenta, o futuro encontra-se, assim, na encruzilhada dos saberes e das
tecnologias.
Nessa mesma linha de entendimento, Morin fala em re-ligao de saberes de modo que
seja possvel articular a cultura das humanidades e a cultura cientfica (2011, p.33),
favorecendo novas formas de pensar. nessa mentalidade que se deve investir, no
propsito de favorecer a inteligncia geral, a aptido para problematizar, a realizao da
ligao dos conhecimentos (p.32).
A disciplina de Educomunicao assume, pois, esse desafio de, articular as questes dos
campos da comunicao e da educao, na perspectiva do conhecimento complexo e
pluriversitrio.
No tpico a seguir apresentamos a disciplina de Educomunicao, seus objetivos e alguns
aspectos da ementa, cuja fundamentao terica tem matriz no pensamento latino-
americano.
A Educomunicao no SMD
Temas relativos s reas da Comunicao e Educao tm sido estudados por diferentes
cursos e disciplinas na Universidade Federal do Cear (UFC). Entretanto, foi somente no
mbito do Curso Sistemas Mdias Digitais, que a primeira disciplina denominada
Educomunicao foi criada com carga horria de 64 h/a, sendo 32 h/a tericas e 32 h/a
-
5
prticas. A iniciativa de criar a disciplina partiu de duas docentes do curso com trajetrias
profissionais e acadmicas ligadas a esse campo e que atuam juntas desde a concepo da
proposta de trabalho, a cada semestre, at a realizao das aulas.
A importncia da oferta da disciplina de Educomunicao para o referido curso justifica-se
pelo fato de o profissional de Sistemas e Mdias Digitais necessitar transitar em vrias
reas (educao formal, no formal, informal), devendo saber transcender a
instrumentalidade tcnica, promovendo a converso da comunicao em processo
educativo, primando por valores tais como a democracia, a dialogicidade, a livre expresso
comunicativa, a gesto compartilhada dos meios de comunicao. Esses so valores que
devem estar presentes na formao desse profissional, e tambm futuro educomunicador,
para sua atuao nos processos educomunicativos, sejam eles na rea educacional ou no.
Entre os objetivos da disciplina esto a abordagem acerca dos fundamentos
epistemolgicos da inter-relao entre comunicao e educao, aspectos histricos do
campo, alm do desenvolvimento de conhecimentos bsicos sobre mdia e educao e a
teoria das mediaes. Procurando oferecer ao aluno uma formao bsica slida na rea da
Educomunicao, so apresentados na disciplina, ainda, contedos que tratam das
contribuies norte-americana, europeia e latino-americana, ao campo da
Educomunicao, com nfase nesta ltima, e sobre a aproximao da Educomunicao
com os movimentos sociais e populares.
De natureza terico-prtica, o plano de trabalho da disciplina procura, em sua metodologia,
refletir os valores intrnsecos da Educomunicao, ao desenvolver conhecimentos,
habilidades e competncias ao longo do semestre que permitam ao aluno exercitar os
fundamentos estudados. Dentre as vrias oportunidades para trabalhos diversificados
durante o semestre, constam as rodas de conversa, oficinas, seminrios, aulas de campo,
relatos de experincia.
Assim, na prtica da conduo das atividades, a cada unidade temtica corresponde a
leitura e discusso de um corpus terico, que por sua vez trabalhado em cenrios prticos
e reais, seja por meio de oficinas, seja por meio de aulas de campo. J foram ofertadas
(pelas prprias docentes, pelos alunos ou por convidados), por exemplo, oficinas de
podcasting, stop motion, contos digitais e fanzines. Com a capacitao em cada oficina, o
-
6
aluno ento desenvolve uma produo relacionada ao que aprendeu, seja individualmente
ou em grupo. O objetivo das oficinas no somente conferir capacitao tcnica ao aluno,
mas proporcionar-lhe uma oportunidade de reflexo crtica e ainda de expresso das suas
subjetividades. Ao criar seu prprio fanzine, conto digital etc, o aluno tambm chamado
reflexo para a aplicao educomunicativa do que desenvolveu em cenrios educativos
reais.
A fundamentao terica da disciplina toma como base o pensamento latino-americano
com as contribuies de Paulo Freire (1988) para quem a aprendizagem est baseada no
dilogo, na troca de saberes e na possibilidade de aprender a ler o mundo para transform-
lo (FREIRE,1988), de Kapln (2014) que entende que educar sempre comunicar e
que toda educao um processo de comunicao , de Bordenave (1984) e sua
pedagogia da problematizao cuja nfase est no processo, mais do que nos contedos e
nos resultados, para que o sujeito aprenda a aprender.
No recente a aproximao entre os campos da Educao e da Comunicao. Soares
(2011), Belloni (2001, 2012), Melo e Tosta (2008), por exemplo, expressam experincias
em que esses campos se cruzam desde a dcada de 1960. Ramos (2001) inscreve a
experincia do Plan de Nio, conhecido como Plan DENI, como precursora do trabalho
envolvendo educao e cinema, quando em 1968, em Quito, atravs da exibio de filmes,
apresentava s crianas aspectos da linguagem audiovisual.
Belloni (2012) situa as experincias realizadas pelo Movimento de Educao de Base
(MEB), na dcada de 1960, como sendo de mdia-educao, em que o rdio era utilizado
na alfabetizao em massa de jovens e adultos em vrios estados do Brasil, notadamente
no Nordeste. Soares (2011) reporta-se atuao da Unio Crist Brasileira de
Comunicao (UCBC) na dcada de 1980, com o projeto Leitura Crtica da Comunicao
(LCC). Melo e Tosta (2008), por sua vez, consideram as experincias dos Centros
Populares de Cultura (CPC) e dos Movimentos de Cultura Popular (MCP) como
relacionadas ao contexto da Comunicao e Educao e mais prximas da Pedagogia de
Paulo Freire do que a da Educao formal.
O pensamento de Paulo Freire, para Martn-Barbero (2014, p. 18), constitui a primeira
teoria latino-americana de comunicao, porque tratou de prticas e processos
comunicativos essencialmente vinculados dimenso da linguagem, que, por meio da
-
7
palavra geradora, tornou possvel a gerao de novos sentidos [...] instaurando o espao
da comunicao.
Setton (2011, p. 7, 8), por sua vez, introduz na discusso o componente da cultura. Para ela
as mdias precisam ser consideradas como matrizes de cultura porque atuam enquanto
agentes sociais da educao.
[...] as culturas, entre elas a cultura das mdias, devem ser vistas enquanto
processo; devem ser vistas nos atos de produo, nos atos que envolvem a
divulgao e nos atos de promoo das mensagens, bem como nos atos de
recepo daquilo que produzido. [...] A cultura no se reduziria aos
objetos, smbolos morais ou bens materiais de uma sociedade, mas se
apresentaria tambm como resultado das diferenas de sentido ou diferenas
de usos entre os diversos indivduos que a produzem e a consomem [...] A
cultura mediatiza uma ideia, um sistema de ideias, ela oferece um discurso
que cria os sentidos e as verdades. (SETTON, 2011, p. 19, 21, grifo nosso).
Afinal, educomunicao ou mdia-educao? O que designam esses termos e em que se
aproximam ou se diferenciam? Soares (2011) explica que a expresso Media Education ou
Media Literacy designa a recepo crtica das produes miditicas e comumente usada
na Europa e nos Estados Unidos, respectivamente.
Na Amrica Latina, a expresso Educacin para la Comunicacin nomeou a maioria das
aes que se desenvolveram nesse campo e que estavam assentadas em uma pedagogia
dialgica e participativa de Educao popular nos moldes propostos por Freire. Foi na
Amrica Latina que aconteceram as mais numerosas aes de Educao para Comunicao
e que depois se ampliaram para a produo miditica envolvendo especialmente crianas e
jovens, situando a perspectiva da Comunicao como um direito humano.
Para Soares (2011), o termo educomunicao passou a ser adotado para designar as
prticas no restritas ao mbito da leitura crtica da mdia, mas que envolviam a produo
miditica em si, como os jornais e as rdios escolares, por exemplo.
O conceito educomunicao legitima-se com suporte em uma pesquisa realizada pelo
Ncleo de Comunicao e Educao, da Universidade de So Paulo (USP), com
participao de 12 pases latino-americanos, ao concluir que efetivamente um novo
campo do saber, absolutamente interdisciplinar estava se constituindo (SOARES, 2011, p.
35).
-
8
Soares (2011, p. 44, grifo do autor), assim, nomeia o campo da educomunicao: um
conjunto das aes inerentes ao planejamento, implementao e avaliao de processos,
programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos.
O sentido de ecossistema para o autor uma figura de linguagem para nomear um ideal
de relaes, construdo coletivamente, em dado espao, em decorrncia de uma deciso
estratgica de favorecer o dilogo social (SOARES, 2011, p. 44) em oposio ao
entendimento de Martn-Barbero, que designa ecossistema como nova ambincia
proporcionada pelas tecnologias e na qual estamos todos compulsoriamente imersos.
Soares (2011, p. 49) relaciona seis reas de interveno segundo as quais as prticas
educomunicativas esto situadas. O autor defende o argumento de que as reas de
interveno funcionam como pontes lanadas entre os sujeitos sociais e o mundo da
mdia, do terceiro setor, da escola.
A primeira delas, educao para a comunicao, tem nfase na recepo, buscando
entender as implicaes da atuao dos meios de comunicao. A expresso comunicativa
reconhece o potencial criativo das formas de manifestao artstica como espao de
comunicao. Aproxima-se da arte-educao. J a mediao tecnolgica na educao se
interessa pela presena e pelos usos criativos das Tecnologias de Informao e
Comunicao (TICs), bem como pela gesto democrtica de seus recursos por crianas e
adolescentes. A pedagogia da comunicao relacionada ao ambiente escolar e a realizao
de projetos que possibilitem o trabalho conjunto de professores e alunos. A gesto da
comunicao dedicada criao, execuo de planos e projetos educomunicativos. Por
ltimo, a reflexo epistemolgica responsvel pela sistematizao das experincias e
dedicada ao estudo do que vem a ser educomunicativo (SOARES, 2011, p. 48).
Segundo Belloni (2012), o termo hbrido mdia-educao legitimado pela Organizao
das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco) na Declarao de
Grnwald, de 1982, a qual recomendava programas de educao para as mdias e de
formao de educadores. O termo, explica, vem evoluindo. Se antes era considerado como
formao para a apropriao e uso das mdias como ferramentas: pedaggicas para o
professor, de criao, expresso pessoal e participao poltica de todos os cidados
(BELLONI, 2012, p. 47), atualmente precisa ser entendido em suas vrias dimenses,
como a leitura crtica das mensagens em mltiplas telas, o uso pedaggico em situaes de
-
9
aprendizagem, a dimenso da incluso digital e a dimenso como meio de expresso, que
busca a participao de jovens (BELLONI, 2012, p. 52).
Na seo a seguir discutimos as aulas de campo da disciplina de Educomunicao como
espaos formativos.
Aulas de campo: a sala de aula encontra a realidade
As aulas de campo, inspiradas nas aulas-passeio ou aulas-descoberta de Freinet (1998) so
realizadas a cada semestre e tal qual propunha Freinet, so sadas ao ar livre para que os
estudantes descubram novos cenrios e paisagens, estabeleam contatos, percebam novas
possibilidades de aprendizagens.
No contexto da disciplina, as aulas de campo, que contam com o apoio institucional da
UFC por meio da concesso de dirias e transporte, se caracterizam por serem momentos
que implicam deslocamentos para outros territrios fora de Fortaleza, com distncias que
variam entre 130 km e 600 km: viagens para o litoral de Trairi e para a regio do Cariri, no
sul do estado com vistas a conhecer as prticas educomunicativas da Escola de Ensino
Fundamental e Mdio Padre Rodolfo Ferreira da Cunha, na localidade de Canaan e da
Fundao Casa Grande, no municpio de Nova Olinda.
Sair das rotinas acadmicas para ir ao encontro do outro, do desconhecido, do novo, um
convite para vivenciar o que Foucault (1997) nomeia como el pensamiento del afuera, no
sentido que a experincia favorece o movimento de colocar-se fora de si, para depois voltar
a encontrar-se no final (p.17).
Entendemos que tais aulas de campo constituem espaos ricos de formao, como prope
Avena (2008): A viagem uma possibilidade de formao, um espao scio-cultural de
construo do conhecimento, um movimento multirreferencial. , em sntese, um espao
de aprendizagem multirreferencial privilegiado para a difuso do conhecimento (2008,
p.93).
A viagem como espao de formao, no sentido proposto por Avena (2008), se relaciona
ainda com o conceito de Educomunicao de Donizete Soares (2006, p.01), como sendo
um campo de pesquisa, de reflexo e de interveno social (...) um campo de ao
poltica, entendida como o lugar de encontro e debate da diversidade de posturas, das
-
10
diferenas e semelhanas, das aproximaes e distanciamentos (2006, p.04), com o qual
temos completa identificao.
As aulas de campo proporcionam reflexo, espaos de pesquisa e tambm de interveno
social na medida em que os estudantes se preparam e em funo de conhecimentos
construdos coletivamente no decorrer das aulas, compartilham seus saberes com os grupos
das instituies visitadas. Algumas vezes buscamos atender as necessidades de formao
das entidades e em outros momentos, elegemos de forma conjunta, temas de oficinas que
podem ser ministradas durante as aulas de campo, seja pelo interesse dos sujeitos
envolvidos, seja pela expertise em determinada rea do saber, demonstrada pelos
estudantes.
Ao longo de trs semestres foram realizadas quatro aulas de campo e na ocasio foram
ministradas oficinas de fanzine, podcasting, stop motion, contos digitais e sobre redes
sociais na educao. Em 2015.1 esto previstas duas viagens. Em abril, para a Fundao
Casa Grande, em Nova Olinda e em maio, para a Escola Padre Rodolfo Ferreira da Cunha.
Esto em fase de preparao as oficinas que sero oferecidas pelos estudantes s crianas e
jovens que atuam na Fundao Casa Grande, bem como aos demais estudantes do
municpio e cujas temticas foram definidas: Laboratrio Criativo de Imagens,
Campanhas Educativas no Rdio, Acessibilidade em portais digitais: Web design e
linguagem de programao (CSS e XHTML) e Ensaios em Arte-educao.
A equipe da Fundao Casa Grande gostou das propostas e considerando a necessidade de
organizar o amplo acervo deles de livros, DVDs, histrias em quadrinhos e CDs, solicitou
ainda oficina para uso do software Biblivre. Como no temos no grupo ningum com
conhecimento nessa rea, estamos em contato com professores do curso de
Biblioteconomia para indicar aluno ou docente que possa capacitar a equipe na utilizao
do referido software.
A Fundao Casa Grande Memorial do Homem Kariri, fundada em 1992, uma
organizao no governamental cuja misso a formao educacional de crianas e
jovens protagonistas em gesto cultural por meio de seus programas: Memria,
Comunicao, Artes e Turismo (s/d).
Na rea da Memria, a instituio possui acervo arqueolgico e mitolgico da regio
organizado para visitao no Memorial do Homem Kariri. A visita guiada feita pelas
-
11
crianas que aprenderam sobre as histrias dos povos indgenas que habitaram o lugar e
explicam com pertinncia os achados da pesquisa arqueolgica feita pela Fundao.
O programa de Comunicao rene a emissora de rdio comunitria, a Casa Grande FM, a
srie documental produzida semanalmente, 100 Canal, a editora que produz jornal,
histrias em quadrinhos e outros materiais grficos, o Teatro Violeta Arraes, que atravs de
parceria com o SESC, tem programao regular de espetculos musicais e teatrais. Toda a
produo de contedo, desde a emissora de rdio at a srie 100 Canal, integralmente
feita pelas crianas e adolescentes, que tambm se revezam na gesto dos referidos
espaos.
A Gibiteca, o Cineclube e a Biblioteca e o laboratrio de msica integram o programa de
Artes. Com grande acervo audiovisual, de livros e gibis, os espaos tm programao
frequente aberta aos moradores da cidade.
O Programa de Turismo responsvel por receber os visitantes que podem se hospedar nas
pousadas comunitrias mantidas pelos pais das crianas e jovens que atuam na Fundao,
bem como pela orientao sobre as atividades que podem ser realizadas na cidade de Nova
Olinda e na regio do Cariri de maneira geral.
As crianas e jovens da Fundao Casa Grande tambm atuam na rea de Educao
Patrimonial e tm produzido vasto material audiovisual sobre a cultura da regio, como o
caso da srie SerTo Sonoro, com 30 programas sobre o Patrimnio Cultural Imaterial da
regio do Cariri.
O contexto das aulas de campo que acontecem em Trairi bem diverso, visto tratar-se de
uma instituio educacional. Na sala de aula os alunos vivenciam experincias de
educomunicao, tais como o Bioclick, projeto do ensino de Biologia que prope a
observao da fauna e da flora do municpio litorneo de Trairi, para alm dos livros
didticos e das aulas expositivas. Tal projeto consistiu na realizao de concurso
fotogrfico sobre o ecossistema local, atravs de registro fotogrfico, por meio de telefone
celular, para publicao no perfil Rizoma do Canaan, o Facebook. Na rede social foi
possvel interagir com os contedos publicados, ampliando assim, o dilogo antes restrito
ao espao da sala de aula.
Na visita a Trairi, alm de conhecer as atividades realizadas pelos professores
educomunicadores, os estudantes da Universidade Federal do Cear so convidados a
-
12
conhecer aspectos do meio ambiente local, como o mangue do Rio Munda, comprometido
devido s inmeras fazendas de carnicicultura da regio, bem como o engenho de cana de
acar onde se fabrica rapadura e outros produtos e ainda o trabalho da Associao de
Moradores de Canaan, que mantm uma emissora de rdio de alto-falantes, uma biblioteca
comunitria e oferece cursos gratuitos de informtica.
Como forma de documentar tais vivncias, os alunos da disciplina de Educomunicao
produzem memoriais, de carter individual, em formato livre, em que registram os
momentos mais significativos das aulas de campo. O objetivo desse registro valorizar a
expresso das subjetividades dos participantes, menosprezada, de forma geral, nos
contextos de aprendizagem, especialmente no mbito da educao superior. Alguns alunos
optam pelo texto, em forma de relatrio de campo, outros preferem produzir vdeos,
fotografias, relatos sonoros, fanzines, sites, lbuns no estilo scrapbook e at mesmo
fotonovelas.
Mediante questionrio de avaliao de tais atividades foi possvel constatar que as aulas de
campo so iniciativas significativas para a compreenso da educomunicao como rea de
interveno social e para a formao do futuro profissional do curso de Sistemas e Mdias
Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitrio do contexto escolar,
contribuindo para o entendimento de que prticas dialgicas e participativas favorecem
novas formas de aprendizagem.
Entre os depoimentos, o reconhecimento da aula de campo como encontro de saberes. A
experincia como um todo foi bastante proveitosa. O contato com uma realidade diferente
da nossa e a oportunidade de contribuir com o conhecimento so os pontos altos dessa
empreitada.
O entendimento do processo como em construo, bem como uma viso crtica da
atividade, tambm pode ser observada pelas respostas dos entrevistados. Acho que
necessrio planejar melhor para que no seja uma simples exposio. Tambm
importante conhecer o pblico para quem vai falar, de modo que o que vai ser dito,
buscando exemplos mais prximos realidade dos alunos.
A aula de campo como espao de aprendizagem individual e coletiva tambm foi
comentado pelos entrevistados.
-
13
A vivncia foi muito importante para nossa formao como possveis
educomunicadores. L tivemos a oportunidade de ver de perto e experimentar mais
do contexto educomunicacional que tanto temos lido a respeito em artigos e
discutido em nossas aulas. Foi muito gratificante participar do processo de
compartilhamento de conhecimentos. como se agora nos sentssemos um
pouquinho tambm responsveis por aquele projeto. Em suma, foi uma experincia
que, com certeza, impactou a todos ns e sempre ser lembrada como um exemplo
do que podemos fazer e um incentivo para irmos mais alm (entrevistado 5).
Muitos alunos mencionaram ainda, que pela primeira vez em sua formao acadmica,
saram do espao da Universidade e vivenciaram realidades distintas das que esto
familiarizados. Alguns consideraram gratificante a possibilidade de trocar experincias
com grupos de crianas e adolescentes de vrias regies do estado.
CONSIDERAES FINAIS
Os depoimentos dos entrevistados indicam que as aulas de campo, de fato, se constituem
como espaos de formao multirreferencial, como defende Avena (2008). So
identificadas ainda como aes de interveno social, no sentido de que pela troca de
conhecimentos, os saberes se interconectam, na perspectiva do conhecimento complexo de
Morin (2011). Fica evidenciado tambm, pelas respostas ao questionrio, que pelo
encontro, todos os envolvidos so afetados, do ponto de vista das suas subjetividades.
Entende-se que tais vivncias educomunicativas no ensino superior, discutidas de forma
preliminar no presente texto, ensejam uma melhor sistematizao, de forma a contribuir
para a expanso de tais prticas no mbito de outras instituies de ensino. Percebe-se
ainda que necessrio ampliar a interlocuo com outros segmentos da sociedade no
sentido de oferecer aulas de campo em outros contextos e porque no, em outros estados
nordestinos, considerando a proximidade geogrfica e a facilidade de deslocamento. Fica o
desafio.
REFERNCIAS
Avena, B. M. (2008). Por uma pedagogia da viagem, do turismo e do acolhimento. Itinerrio pelos
significados e contribuies das viagens (trans) formao de si. Tese (Doutorado em
Educao) Faculdade de Eduo, UFBA. Salvador. Recuperado em 20 de maro, 2015, de: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/11806/1/Tese%20Biagio%20Avena.pdf
Belloni, M. L. (2001). O que mdia-educao. Campinas: Autores Associados.
-
14
___________.(2012). Mdia-educao: contextos, histrias e interrogaes. In: Fantin. M.;
Rivoltella, P. C. (Org.). Cultura digital e escola: pesquisa e formao de professores. So
Paulo: Papirus.
Bordenave, J.E.D. (1984). A opo pedaggica pode ter consequncias individuais e sociais
importantes. In: Revista de Educao AEC, n 54.
Foucault, M. (1997). El pensamiento del afuera. Valncia: Letra e.
Freinet, C. (1998). Ensaio de Psicologia Sensvel. So Paulo: Martins Fontes.
Freire, P. (1988). A Importncia do ato de ler: em trs artigos que se completam. 22. ed. So Paulo:
Cortez.
Fundao Casa Grande. Cear. Recuperado em 21 de maro, 2015, de:
http://www.fundacaocasagrande.org.br/principal.php.
Kapln, M. (2014). Uma pedagogia da comunicao. In: Aparici, R. (org). Educomunicao: para
alm do 2.0. So Paulo: Paulinas.
Martin-Barbero, J. (2014). A Comunicao na Educao. So Paulo: Contexto.
Melo, J.M. de.; Tosta, S.P.(2008). Mdia & Educao. Belo Horizonte: Autntica Editora.
Memorial Trairi. Cear. Recuperado em 22 de maro, de 2015, de:
http://valeskamesquita.wix.com/memorialtrairi
Morin, E. (2011). A cabea bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
Ramos, P. (2001).Tres dcadas de Educomunicacin en Amrica Latina: los caminhos del plan
DENI. Quito, OCLACC.
Santos, B. de S. (1998). Um discurso sobre as cincias. 10. ed. Porto: Afrontamento.
______. (2006). A gramtica do tempo: para uma nova cultura poltica. So Paulo: Cortez.
______. (2011). A universidade no sculo XXI: para uma reforma democrtica e emancipatria da
universidade. So Paulo: Cortez.
Setton, M. da G. (2011). Mdia e Educao. So Paulo: Editora Contexto.
Soares, D. (2006). Educomunicao: o que isto? Portal Gens. So Paulo. Recuperado em 20 de
janeiro, de 2015, de:
http://www.portalgens.com.br/baixararquivos/textos/educomunicacao_o_que_e_isto.pdf
Soares, I. O. (2011). Educomunicao: o conceito, o profissional, a aplicao: contribuies para a
reforma do ensino mdio. So Paulo: Paulinas.