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Sem Opção Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Setor financeiro - Página: 27 - Publicação: 31/05/20 URL Original: ‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus" ‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus" Liberal, economista diz que crises ‘atiçam os piores instintos intervencionistas’ e defende que programas de auxílio não se tornem permanentes O Globo 31 May 2020 GERALDA DOCA E MARCELLO CORRÊA [email protected] CLAUDIO BELLI/VALOR/14-2-2019 Opresidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, está convencido de que é preciso privatizar a instituição. Mas confessa estar frustrado por não ver condições políticas. O presidente Jair Bolsonaro é contra. Para Novaes, o banco tem apenas desvantagens por ser estatal. Ao GLOBO, ele critica a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de suspender anúncios do banco em site acusado de publicar fake news. A entrevista foi concedida na sede do BB, onde o economista dá expediente diariamente, mesmo com a pandemia. Para entrar no prédio, pouco movimentado para uma tarde de quinta-feira, os repórteres precisaram passar por checagem de temperatura, procedimento padrão em tempos de coronavírus. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o banco está pronto para ser privatizado. As ações subiram. O mercado comprou essa possibilidade? (A reação) não foi porque o mercado achou que o banco ia ser privatizado agora. O mercado reagiu bem quando o Paulo falou que o banco não obedecia ordens do governo. O senhor se sente frustrado por não conseguir vender o BB? Sinto. Mas não porque eu seja liberal, porque seja um dogma filosófico. É porque estou convencido de que seria o melhor caminho para o Banco do Brasil, para que ele possa se adaptar aos novos tempos da atividade bancária. Em um eventual segundo mandato, o BB será privatizado? Bolsonaro falou isso na reunião, que a privatização do BB vai ser só a partir de 2023. O presidente entende que hoje você não reúne condições de apoio político para fazer a privatização. Ele entende que o Congresso não está pronto para apoiar a privatização. O problemaéqueoBBperdeutodos os bônus de ser público e ficou só com o ônus de ser público.

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Page 1: ‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus · O negócio é tão dramático que o governo fica só arranhando o problema. Quando você tem uma coisa certa, você

SemOpção

Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto:Setor financeiro - Página: 27 - Publicação: 31/05/20URL Original:

‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus"‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus"Liberal, economista diz que crises ‘atiçam os piores instintosintervencionistas’ e defende que programas de auxílio não se tornempermanentes

O Globo31 May 2020GERALDA DOCA E MARCELLO CORRÊA [email protected]

C L A U D I OBELLI/VALOR/14-2-2019Opresidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, está convencido de que é preciso privatizar a instituição. Mas confessa estarfrustrado por não ver condições políticas. O presidente Jair Bolsonaro é contra. Para Novaes, o banco tem apenas desvantagenspor ser estatal. Ao GLOBO, ele critica a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de suspender anúncios do banco em siteacusado de publicar fake news. A entrevista foi concedida na sede do BB, onde o economista dá expediente diariamente,mesmo com a pandemia. Para entrar no prédio, pouco movimentado para uma tarde de quinta-feira, os repórteres precisarampassar por checagem de temperatura, procedimento padrão em tempos de coronavírus.O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o banco está pronto para ser privatizado. As ações subiram. O mercadocomprou essa possibilidade?(A reação) não foi porque o mercado achou que o banco ia ser privatizado agora. O mercado reagiu bem quando o Paulo falouque o banco não obedecia ordens do governo.O senhor se sente frustrado por não conseguir vender o BB?Sinto. Mas não porque eu seja liberal, porque seja um dogma filosófico. É porque estou convencido de que seria o melhorcaminho para o Banco do Brasil, para que ele possa se adaptar aos novos tempos da atividade bancária.Em um eventual segundo mandato, o BB será privatizado?Bolsonaro falou isso na reunião, que a privatização do BB vai ser só a partir de 2023. O presidente entende que hoje você nãoreúne condições de apoio político para fazer a privatização. Ele entende que o Congresso não está pronto para apoiar aprivatização. O problemaéqueoBBperdeutodos os bônus de ser público e ficou só com o ônus de ser público.

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Como assim?Ele (o banco) tinha a folha de pagamento de todo o setor público, a administração dos depósitos judiciais e, de repente, issotudo é (definido por meio de) concorrência, e você tem que pagar caro para ter. Aí, ficou só o lado travado. Tem que fazerconcurso público, não tem a mesma facilidade de contratar, de demitir quem é mau funcionário. A porta de entrada do BB éconcurso para escriturário, que não demanda conhecimento tecnológico. Se for pensar no banco do futuro, que seráfundamentalmente tecnológico, você tem que mudar a porta de entrada no BB. Isso é difícil de se fazer na estrutura do setorpúblico.O governo anunciou medidas para liberar crédito, mas os bancos não emprestam. O que está havendo?O Banco Central tem mostrado que o crédito aumentou. O problema é que a demanda cresceu tanto que dá essa sensação deempoçamento, porqueaspessoasnãoconseguem ser atendidas, as suas necessidades não são solucionadas.Em março, o BB anunciou linhas de crédito contra a crise. Quanto já emprestou?Em crédito novo e prorrogações foram R$ 129 bilhões, desde 16 de março. Do total, R$ 60,7 bilhões foram desembolsos denovos recursos e R$ 68,4 bilhões, renovações para empresas e pessoas físicas.Ser um banco misto dificulta administrar a instituição?Em alguns momentos, o banco foi pressionado para atender a objetivos políticos. De certa forma, ainda existem pessoas queimaginam que issopossaserpossível.Eissonão é mais possível. A gente tem procurado deixar o banco foradisso,nãosóemtermosdecargos,comoemdirecionamento de política de crédito.Mas existe pressão para atender a pedidos políticos?Não tem... O Paulo (Guedes) falou aquilo no vídeo (na reunião ministerial de abril, o ministro disse que o banco fica divididoentre atender acionistas e o governo)... Mas ele nunca me pediu nada porque sabe que, por ser empresa de capital aberto, obanco não pode se prestar a certas coisas que podem ser do interesse momentâneo do governo, mas não interessam ao banco.O que acha da prorrogação do auxílio emergencial?A gente tem que passar a régua, não deixar nada acontecer a partir de 31 de dezembro. Não deve ter nenhum programa quedeixe qualquer rabicho para o ano que vem.Essa crise desafia a cartilha liberal, focada na austeridade dos gastos públicos?As crises atiçam os piores instintos intervencionistas. Quando você cria aquela parafernália de programas, eles se estendemindefinidamente no tempo. E, aí, você passa a ter um país muito mais intervencionista do que você tinha antes. Mesmo que oproblema desapareça depois, você fica com uma herança institucional muito ruim da crise.Corremos esse risco?Com certeza.As medidas tomadas pelo governo são suficientes para enfrentar a crise?O negócio é tão dramático que o governo fica só arranhando o problema. Quando você tem uma coisa certa, você se adapta aela. Mas quando não sabe o que vem, qual é o tamanho da crise epidêmica, qual vai ser a reação dos governantes à crise,quanto tempo a crise vai durar, isso gera uma angústia muito grande no agente econômico. Por mais que o governo se esforceem criar meios de ação de crédito, socorrer os mais desfavorecidos, nada parece suficiente.Qual acha que será a extensão dos efeitos da pandemia na economia?A gente simplesmente torce para que o pico já tenha passado. É uma torcida, porque a gente não tem elemento para avaliarisso. Se isso aí perdura por tanto tempo, não há programa de ajuda que aguente. Tem que preservar o tecido econômico. Segrandes setores da economia começarem a quebrar e desmobilizar um grande número, depois para retomar fica muito difícil. Aresiliência da atividade econômica está chegando ao limite.O que o senhor quis dizer ao chamar o TCU de “usina de terror”, na reunião ministerial de 22 de abril?O TCU é, por definição, um órgão de controle. Ele está querendo participar muito da concepção e da execução dos programas.Fica uma sensação em quem está do outro lado de que, se você não fizer as coisas de acordo com as concepções do TCU, podesofrer consequências. Isso não é bom. Isso vale também para procuradorias, Ministério Público e Judiciário deuma maneira geral.O TCU suspendeu o anúncio do BB num site acusado de produzir “fake news”. Houve retaliação à fala do senhor?Se tivesse havido uma oitiva antes, se o banco tivesse tido oportunidade de mostrar o que estava acontecendo, tenho certezade que não teria essa decisão do TCU. Parece que o BB escolheu alguém que é predileto. Não é nada disso.Mas o BB tinha suspendido o anúncio e voltou atrás. Por quê? Houve interferência do vereador Carlos Bolsonaro?Não conheço o Carlos Bolsonaro, nunca falou comigo, nunca entrou em contato com o banco. A decisão de suspender foi da áreade marketing, não interferi nesse negócio. Depois, alguém lá viu e disse que não devia ter tirado.Como avalia os últimos acontecimentos que geraram conflito entre STF e Executivo?Isso é extrapolar muito a minha função como presidente do BB, mas, como cidadão, acho que está havendo uma certa invasãode competência. Os Poderes não se satisfazem em ficar dentro de seus limites.O senhor tem trabalhado normalmente na sede do BB?Eu me sinto um pouco na obrigação de me expor, já que o sistema bancário é considerado uma atividade essencial, não podeparar nesse momento, já que estou pedindo ao meu funcionário para trabalhar. A gente precisa ter agências funcionando. Eunão me sentiria bem ficando em casa, apesar de ter 74 anos e fazer parte do grupo de risco.

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“Está havendo uma certa invasão de competência. Os Poderes não se satisfazem em ficar dentro de seus limites”“Fica uma sensação em quem está do outro lado de que, se você não fizer as coisas de acordo com as concepções do TCU, podesofrer consequências. Isso não é bom. Isso vale também para procuradorias, Ministério Público e Judiciário”“As crises atiçam os piores instintos intervencionistas. Quando você cria aquela parafernália de programas, eles se estendemindefinidamente no tempo. E, aí, você passa a ter um país muito mais intervencionista do que você tinha antes”“Em alguns momentos, o banco foi pressionado para atender a objetivos políticos. De certa forma, ainda existem pessoas queimaginam que isso possa ser possível. E isso não é mais possível”

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