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Agriculturas - v. 2 - n o 1 - abril de 2005 1 abr. 2005 vol. 2 n o 1

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V.2, N0 1(corresponde ao v. 20, nº 2 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: Experiências em Agroecologia é umapublicação da AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa em parceria com a FundaçãoILEIA - Centre of Information on Low External Input and

Sustainable Agriculture.

AS-PTARua Candelária, n.º 9, 6ºandar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317

Fax: 55(21) 2233-8363http://www.aspta.org.br

Fundação ILEIAP. O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10http://www.ileia.org

Conselho EditorialCláudia Calório

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAssociação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e

Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Naidison de Quintella BaptistaProdução Executiva Regina Hippolito

Pesquisa Regina Hippolito, Victor Perret, Fernanda A.Teixeira, Gustavo M. da Silva, Jurema Diniz

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFotos da capa Carlos Stein (Jovens assentados na Fazendado Itapuí, RS); Aurílio Santos (Crianças brincando comsementes, NE); Michele Souza (Ciranda de crianças do

Sertão); Anita Ingevall (Crianças nos Andes); GrupoEcopedagogia (Contando histórias, MG).

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão SRG

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que Agriculturas: Experiências emAgroecologia seja citada como fonte e que nos seja enviada uma cópia da

publicação com o texto reproduzido.

om a ampla difusão de valores associados àmodernização da agricultura nas instituiçõesda sociedade, verdadeiros processos de ero-

são cultural vão se disseminando no mundo rural. Dissotêm resultado rupturas nas formas tradicionais de produ-ção e disseminação de conhecimentos para o manejo dosecossistemas e nos mecanismos de sociabilidade em co-munidades de produtores familiares. De tão avassaladora,a força ideológica dos mitos da modernidade influencia oimaginário dos próprios produtores familiares que, emmuitas situações, passam a assumir uma percepção nega-tiva de si mesmos e de seus modos de vida. Embora esseprocesso ocorra de forma generalizada nas comunidadesrurais influenciadas pelo avanço das formas produtivas daRevolução Verde, é sobretudo nas novas gerações que eleexerce seu papel mais insidioso. Meios de comunicação demassa e sistemas educacionais inadequados difundem va-lores relacionados a um mundo cujas relações sociais sãocada vez mais reguladas pelos mecanismos do mercado ecujo meio natural é percebido sobretudo por sua dimen-são instrumental/utilitária. Com isso, padrões de produ-ção e de consumo insustentáveis ganham prestígio entrejovens e crianças rurais.

Na contracorrente, culturas rurais vêm sendorevalorizadas por um número crescente de movimentossociais e por experiências práticas no campo do ensino edo desenvolvimento, nas quais as novas gerações de agri-cultores e agricultoras procuram restaurar sua identida-de, resituando-a num novo contexto de relações entre orural e o urbano. Muitos desses movimentos e experiên-cias encontram nas dinâmicas de inovação agroecológicaestímulos para o exercício de práticas e vivências quebuscam incorporar as tradições culturais e atribuir umsentido inovador à noção de modernidade. Com isso,novas perspectivas econômicas e socioculturais para ainserção no mundo rural vão sendo descortinadas pelasnovas gerações de agricultores que se associam local-mente em torno a projetos de promoção da agriculturaecológica. O avanço do enfoque agroecológico em meioàs comunidades rurais muitas vezes tem contado com opapel decisivo das iniciativas de jovens em inovarem naspráticas de manejo dos agroecossistemas, de convíviosocial e de expressão política.

Este número da Revista Agriculturas: Experi-ências em Agroecologia foca processos de promoção dodesenvolvimento rural sob o prisma do envolvimento ati-vo de crianças e jovens nas dinâmicas sociais de inovaçãoagroecológica.

O editor

Agroecologia ejuventude rural: umarelação de mútuo reforço

C

ISSN: 1807-491X

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Artigos

Juventude e agricultura ecológica no Rio Grande do Sul pág. 6Pe. João Bosco Schio, Pe. Celso Cicconetto,Luiz Carlos Scapinelli e Ricardo Barreto

Educação ambiental na Serra do Brigadeiro: pág. 10qual é o espaço da criança?Maria do Carmo Couto Teixeira

Redescobrindo as raízes culturais: as crianças pág. 14e a biodiversidade nos AndesElena Pardo Castillo e Rocío Achahui Quenti

Crescendo no mundo REAL pág. 19Andrew Bartlett e Marut Jatiket

Projeto educacional para crianças e adolescentes pág. 24do campo: a experiência do MSTRosana Fernandes

Juventude e fortalecimento da agricultura familiar pág. 27no semi-árido da Bahia:Emanuel Mendonça Sobrinho

As crianças e as feiras de agrobiodiversidade: pág. 30uma vivência em CubaFrancisco Dueñas Hurtado, Marta Álvarez Gil, DagmaraPlana Ramos, Carlos Moya López, Humberto Ríos Labrada

A parcela agroflorestal das crianças em Madre de Dios pág. 34Jorge Arnaiz Perales e Martha Torres

Eventos pág. 39

Páginas na internet pág. 38

Publicações pág. 37

Editor convidado Naidison de Quintella Baptista pág. 4

pág. 30

pág. 6

pág. 10

pág. 14

pág. 19

pág. 27

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Naidison de Quintella Baptista*

Infância e juventudeno mundo rural

a sociedade capitalista de nossos dias, pouco se fala/trabalha/propugna no que concerne ao protagonismo infanto-juvenil. Cons-tata-se a existência de muitas ações e projetos pensados pelos adul-

tos para os jovens. Poucos, no entanto, construídos e conduzidos por eles próprios, mesmo queassessorados por adultos. Isso se deve a alguns fatores:

a) de um lado, o fato de que, do ponto de vista econômico/produtivo – o que maisinteressa ao capitalismo –, a criança e o jovem são considerados parcial ou totalmente improdutivos,como o são os doentes, os idosos;

b) de outro, porque aquilo que nós, os adultos, mais observamos nos jovens é a sua“imaturidade”, qualidade esta aliada à imprudência e outros qualificativos afins, cuja análise revelauma postura de desconfiança da sociedade em relação aos jovens e crianças;

c) de outro ainda, talvez em decorrência dos fatores já delineados acima, porque sempreenxergamos as crianças e os jovens como “a geração do futuro”, o “futuro da nação”. Não lhes reconhe-cemos, por conseguinte, o direito à palavra, à presença, a uma voz ativa, a participar nas definições deprocessos e políticas, nem mesmo quando lhes dizem diretamente respeito. Via de regra, seguimos àrisca o famoso ditado “em assuntos de adultos crianças e jovens não metem o bico”, que os proíbe de seimiscuírem em questões que supostamente envolvem só os mais velhos. E, curiosamente, consideramosque a vida dos próprios jovens e crianças é um assunto apenas de adultos.

A escola lhes apresenta tudo pronto, conteúdos e metodologias de anos e anos atrás,mudando apenas técnicas e modos de apresentação, e lhes cobra a devolução, verbalisticamente, doque foi repassado, sob ameaça de reprovação; as famílias, por vezes, atuam no mesmo esquema,tendo dificuldades de assumir valores novos e valorizar a habilidade/criatividade e os sonhos dascrianças e jovens; o mundo do trabalho os explora como mão-de-obra barata e sem direitos sociais, enão assimila seus anseios e pontos de vista de como construir uma sociedade mais justa e nem confianas suas capacidades; os espaços representativos de construção de políticas não os incluem, reiteran-do a concepção de que são incapazes para isso e que têm o futuro pela frente para essa experiência.Devem, pois, aguardar.

Esse quadro poderia ser ampliado. Contudo, a dialética existente na história e na própriarealidade nos aponta outros vieses em relação à infância e à juventude. E são esses outros vieses quenos interessa analisar neste número da Revista Agriculturas: experiências em agroecologia, dedicadoa refletir o papel das crianças e adolescentes no mundo rural, não apenas como aqueles que serão nofuturo, mas como aqueles e aquelas que são, se modificam e serão, também no futuro, como todas aspessoas. Nosso enfoque, por conseguinte, é aquele no qual crianças e jovens são cidadãos, sujeitos dedireito e têm uma palavra a pronunciar.

E o que se descortina?Aparecem os jovens que se organizam em coletivos para debater seus problemas e conhe-

cer sua realidade sob o ângulo bem concreto do protagonismo juvenil. E, a partir do debate, sedescobrem, ora questionando as organizações da agricultura familiar a que seus pais pertencem oraquerendo um lugar nelas ora buscando seus espaços na formulação da política nacional e regional,

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preocupados com o recorte de juventude, mas integrados com outros atores. São os jovens que sedescobrem atores políticos e exigem o respeito a esse direito.

Aparecem os jovens que, refletindo a prática da agricultura química, oriunda da Revolu-ção Verde, destruidora da terra, dos mananciais e da própria vida daqueles que consomem seusprodutos, descobrem a agroecologia, disputam até mesmo com suas famílias o direito de praticá-lanas propriedades familiares, tornam-se difusores entusiastas. Diríamos que fundamentam uma re-sistência que tem ajudado a agricultura familiar e agroecológica a firmar seu lugar na produção e nacomercialização.

Aparecem os jovens e as crianças que, pesquisando e produzindo conhecimentos específi-cos sobre os problemas da realidade concreta das comunidades em que vivem, descobrem pistas decomo gerar renda sem agredir a natureza, de como conservar e querer bem à terra de onde tiram seusustento, de como questionar seus pais e comunidades a respeito da própria concepção de mundo eda agricultura que praticam, apontando práticas e processos diferentes.

Aparecem os jovens e crianças que, juntamente com seus professores, descobrem que aescola formal pode ter um outro papel na comunidade, qual seja aquele de produzir conhecimentos apartir da própria vida das pessoas e grupos que ali vivem, de introduzir transversalmente os conteúdosprogramáticos e de fazer da escola um instrumento do desenvolvimento sustentável da comunidadee da região. A partir desses processos as escolas se tornam propulsoras de práticas e lições deagroecologia que as crianças e jovens, gradativamente, retrabalham com suas famílias nas respectivaspropriedades.

Aparecem os jovens que, em assentamentos da reforma agrária, se inserem em processosdiferenciados de escola e aprendizagem, com seus professores e pais, e, na descoberta da agroecologiae biodiversidade, ajudam a viabilizar os assentamentos, em profundo respeito à natureza.

Desse modo, questionando, reinventando, assumindo responsabilidades na formulação egestão de políticas, construindo conhecimentos importantes para a transformação da realidade epromoção da justiça, sem deixar de lado sua natural irreverência, seus arroubos, e colocando seusenso crítico e sua criatividade a serviço de um mundo mais justo, as crianças e jovens descobrem eocupam seus espaços.

Ao menos três conclusões se impõem a partir do que foi aqui descrito e dos artigos e relatosde experiências que perpassarão as páginas desta edição.

Uma delas é que as crianças e jovens querem, podem e têm condições de participar. Eé urgente que nós, adultos, os ajudemos a conquistar esse direito e, assim, direcionar as açõesque envolvem crianças e adolescentes para fora do âmbito do assistencialismo, com o qual asociedade costuma atender aqueles que ela considera “improdutivos” e incapazes de dizer aprópria palavra.

Outra é que eles não se constituem apenas na geração do futuro. Se for verdade queestarão mais presentes no futuro, é verdade, também, que têm muito a oferecer, hoje, à sociedade,com seu entusiasmo, irreverência, crítica e vontade de fazer acontecer.

Outra ainda é que essa geração de crianças e jovens tem mostrado que pode ser a sementede uma resistência sadia em relação a valores, de práticas saudáveis de tratar a terra, de amor à vida,de justiça e solidariedade.

Estas conclusões desafiam os governos e poderes públicos, desafiam especialmente osagricultores e agricultoras familiares e suas organizações representativas, na perspectiva de repensarsuas práticas, seus espaços de reflexão e deliberação, considerando os jovens e crianças como prota-gonistas de processos.

Com esta edição, queremos contribuir com este debate.

*Naidison de Quintella Baptista:coordenador do Movimento

de Organização Comunitária – [email protected]

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d e n o m i n a d amodernizaçãoda agricultura se

intensificou na região da serra doRio Grande do Sul, sobretudo apartir dos anos 1970. Embora te-nha sido limitada no que se re-fere à mecanização das opera-ções de manejo agrícola, gerouum crescente emprego de agro-químicos da agricultura, com aampla adoção de adubos quími-cos, inseticidas, herbicidas e fun-gicidas. Esse processo apro-fundou as distinções econômicase sociais existentes entre as uni-

Juventude eagricultura ecológica

no Rio Grande do Sul

A dades produtivas. As famíliasque tiveram acesso ao mercadoe às políticas públicas consegui-ram se manter temporariamen-te como agricultores familiares.As demais foram excluídas, in-clusive da própria terra. Esse pro-cesso de exclusão social tornou-se ainda mais visível nos anos1980, com o agravamento dacrise econômica. Foi nesse con-texto, e com a preocupação degerar uma proposta que pudes-se viabilizar a agricultura famili-ar, que começou o trabalho daPastoral da Terra na região.

Oficina de gênero e saúde popular

Pe. João Bosco Schio, Pe. Celso Cicconetto,Luiz Carlos Scapinelli e Ricardo Barreto*

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Durante a segunda metade dos anos 1970 e pri-meira parte dos anos 1980, a Pastoral orientou suas açõesno sentido de conscientizar agricultores e agricultoras arespeito das causas de sua situação de pobreza e explora-ção. Incentivou a realização de experiências práticas queabrangiam desde mudanças de hábitos de higiene e de ali-mentação até a diversificação de culturas e estratégias decomercialização. Apesar do êxito dessas experiências, osagricultores continuavam sentindo a necessidade de avan-çar em outros assuntos, entre eles o preço pago pelos seusprodutos, os processos de degradação dos solos, o aumen-to de pragas e doenças nas lavouras e, sobretudo, as intoxi-cações das famílias com os venenos.

Percebeu-se que os jovens eram os que mais to-mavam consciência e se sentiam cada vez mais insatisfeitoscom a degradação ambiental e com a saúde das famílias.

O início de uma parceria para apromoção da agricultura ecológica

No ano de 1985, foi criado o Projeto Vacariano município de Ipê (RS), atualmente denominado Cen-tro Ecológico, com o objetivo de demonstrar a viabilidadetécnica e econômica da agricultura ecológica, mediante aadoção de tecnologias alternativas orientadas pela filoso-fia da preservação ambiental e justiça social. Após trêsanos de experimentação e prática, em uma propriedade de70 hectares, os técnicos vinculados ao projeto buscaramuma maior inserção na comunidade. Nesse momento, porvolta do ano de 1987, ocorreu a aproximação entre a Pas-toral e o Centro Ecológico e se iniciou um trabalho dedifusão da proposta da agricultura ecológica junto aosagricultores familiares da região. O interesse em trabalharesse novo modelo veio majoritariamente dos jovens queparticipavam da Pastoral.

No entanto, essa primeira fase de engajamentopor parte dos jovens passou por alguns obstáculos, entreeles o de convencer os pais a desenvolverem experiênciasem suas propriedades. Houve casos em que jovens fugi-ram de casa, condicionando o retorno à permissão de cul-tivarem uma área de forma agroecológica. É preciso lem-brar que ainda não se conheciam referências práticas con-solidadas em agricultura ecológica, mas os jovens esta-vam dispostos a serem também eles experimentadoresdesse novo caminho para a agricultura.

As primeiras reflexõesA agricultura ecológica surgiu como uma for-

ma de concretizar os anseios político-ideológicos que aPastoral vinha trabalhando há tempo. Até esse momento,havia apenas técnicas que atendiam de forma parcial anecessidade dos sistemas de produção da região, forma-dos basicamente pelo cultivo de olerícolas e frutas.

A disposição inicial dessas pessoas por mudan-ças gerou novas tecnologias de produção e a construção

de canais alternativos de comercialização, o que exigiudos jovens um tanto de perseverança, já que no começo oque se produzia e comercializava em uma feira, em PortoAlegre, não pagava nem o custo da viagem.

O interessante desse processo em relação àcomercialização é a construção de uma nova relação com osconsumidores. A declaração de um jovem, no início do traba-lho com agricultura ecológica, é bastante esclarecedora:

Antes vendíamos para os atravessa-dores. Mesmo que o produto tivessequalidade eles só falavam dos defei-tos do produto para pagar menos. Nafeira ecológica a relação é outra. Oconsumidor agradece porque estamoscuidando do meio ambiente e levan-do um alimento saudável para a fa-mília dele.

No ano de 1985, surgiu o ProjetoVacaria no município de Ipê (RS),atualmente denominado CentroEcológico, com o objetivo dedemonstrar a viabilidade técnica eeconômica da agriculturaecológica, mediante a adoção detecnologias alternativas orientadaspela filosofia da preservaçãoambiental e justiça social.

Oficina de comunicação e expressão

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O processo de criação de canais diretos decomercialização possibilitou o resgate do que significaser agricultor por parte desses jovens. Em vez de des-truir o meio ambiente, agora estavam fazendo um tra-balho de preservação e promoção da saúde das pesso-as. Esse fato gerou uma transformação na auto-estimadeles, criando uma nova forma de se ver como jovem nomeio rural.

Assim, a agricultura ecológica constituiu-se,desde aquela época, na principal estratégia de trabalhocom a juventude rural na região.

Numa primeira fase, surgiu a Associação dosAgricultores Ecologistas de Ipê e Antônio Prado (AECIA),que serviu de referência para a formação de outras associa-ções. Em Ipê, foram criadas posteriormente mais sete as-sociações, cujas principais lideranças articuladoras da or-ganização e constituição eram membros da Pastoral daJuventude.

Esse processo de expansão da agroecologiaocorreu, também por meio da Pastoral, na região do lito-ral norte do Rio Grande do Sul, nos municípios de Torres,Três Cachoeiras, Mampituba, Morrinhos do Sul e DomPedro de Alcântara – região de agricultura familiar ondeos principais cultivos são o arroz, a banana e as olerícolas.Lá também observou-se que a maioria das pessoas queaderiam à agricultura ecológica era composta por jovensfilhos de agricultores.

A quantidade de agricultores, sobretudo jo-vens, que ainda hoje abandona o meio rural continua aser extremamente alta. O esvaziamento e envelhecimen-to das comunidades rurais, a falta de mão-de-obra nasunidades produtivas e a desvalorização tanto econômi-ca quanto social do trabalho com a agricultura apresen-tam-se como limitações, não apenas para os agriculto-res convencionais, mas também para aqueles empenha-dos na transição rumo a uma agricultura ecológica. Umestudo feito nos municípios de Ipê e Antônio Prado,nos anos de 1999 e 2000, demonstrou que a idade mé-dia dos agricultores ecologistas era significativamentemenor do que a dos agricultores convencionais.(Schimitt, 2001)

Constatamos que os jovens buscamalternativas para a permanência nomeio rural desde que seja valorizadotanto o retorno econômico quanto oseu papel pelo trabalho que desenvol-vem em suas comunidades. É nessesentido que a agricultura ecológicatem dado a sua contribuição, porqueconcilia rendimento econômico compreservação ambiental e produção dealimentos saudáveis.

A agricultura ecológica também tem se mos-trado capaz de proporcionar a diminuição dos custos deprodução. A mudança da base tecnológica da agricultu-ra no espaço das unidades produtivas, juntamente comsua inserção em canais alternativos de comercialização,particularmente por meio da venda direta nas feiras, tempropiciado, de forma geral, a melhoria da renda das famí-lias e uma melhor distribuição de ingressos monetáriosao longo do ano, ampliando a capacidade de investimen-to na atividade agrícola.

Vale ressaltar outro aspecto do trabalho comagricultura ecológica e que se configura um retorno impor-tante para os jovens: a inserção destes em uma nova “redede comunicação”, envolvendo novas relações que se esta-belecem nos cursos, nas viagens de intercâmbio, no recebi-mento de visitas, no contato com diversos públicos na oca-sião das feiras. Além de ampliar horizontes por meio dodiálogo com potenciais parceiros, essa nova dinâmica cum-pre também um papel desmistificador do urbano, já que

Encontro de jovens

Vale ressaltar outro aspecto dotrabalho com agriculturaecológica e que se configuraum retorno importante para osjovens: a inserção destes emuma nova “rede decomunicação”, envolvendonovas relações que seestabelecem nos cursos, nasviagens de intercâmbio, norecebimento de visitas, nocontato com diversos públicosna ocasião das feiras.

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muitos desses espaços de intercâmbio envolvem relaçõescom a cidade ou com pessoas de origem urbana.

O que estamos pensando hojeAtualmente, após 17 anos dessa fase inicial de ex-

pansão da proposta da agricultura ecológica, tanto a Pastoralquanto o Centro Ecológico fazem uma avaliação da necessida-de de reforçar o trabalho com a juventude rural. Sabemos quea agricultura ecológica é uma opção consistente para a perma-nência dos jovens no meio rural, proporcionando-lhes qualida-de de vida. Mas entendemos que as demandas dos jovens sãomais amplas. Faz-se necessário também trabalhar a identi-dade, promover a auto-estima e viabilizar as condições bási-cas atualmente requeridas pela juventude rural no que dizrespeito à educação, saúde e lazer.

É para dar conta dessas perspectivas mais am-plas que desenvolvemos atividades mais coordenadas, emapoio às de formação realizadas pela Pastoral da Juventu-de, a fim de criar um trabalho com a segunda geração deagricultores ecologistas. A idéia é fazer uma reflexão comesses jovens sobre os limites presentes em relação à agricul-tura como um todo e à ecológica em particular, visando aconstrução de alternativas que possam viabilizar a manu-tenção dos jovens, com qualidade de vida, no meio rural.

A principal estratégia que temos adotado paraproporcionar a esses jovens melhores condições para pensarem sua condição atual no meio rural consiste em uma série deatividades de formação, compreendendo cursos, oficinas eretiros. Essas atividades possibilitam a reunião desses jovens,que se encontram bastante dispersos no meio rural, criandomomentos ricos para a troca de experiências e a elaboraçãode propostas coletivas para a juventude, além do fortaleci-mento individual de cada jovem participante.

Entre as atividades desenvolvidas, está o en-contro realizado em setembro de 2004 no Ipê, no qualestiveram presentes cerca de 150 pessoas, entre jovens eagricultores ecologistas. Esse evento significou a unifica-

ção de todas as atividades desenvolvidas durante o ano naserra gaúcha. Com o propósito de debater a condição dajuventude e as alternativas existentes, o encontro contoucom painéis abordando temas mais abrangentes como po-líticas públicas para a juventude, o contexto da agricultu-ra familiar e desafios atuais para a juventude. Contou tam-bém com oficinas para capacitar os jovens para o trabalhoem suas comunidades, tendo como principal encaminha-mento ações de reforço às suas organizações locais.

Concluindo: pensamos que é necessáriofortalecer a organização dos jovens nomeio rural para que, com a sua participa-ção, sejam elaboradas as políticas neces-sárias para viabilizar a sua permanênciano local de origem com qualidade de vida,ou seja, com melhores condições de edu-cação, saúde, acesso à terra, renda e lazer.

Sabemos que a agriculturaecológica é uma opçãoconsistente para apermanência dos jovens nomeio rural,proporcionando-lhesqualidade de vida. Masentendemos que asdemandas dos jovens sãomais amplas.

*Pe. João Bosco Schio: Pastoral da TerraPe. Celso Cicconetto: Pastoral da Terra

Luiz Carlos Scapinelli: Pastoral da Juventude emembro da Associação de Agricultores Ecologistas

Pereira Lima, Ipê-RS.Ricardo Barreto: membro da equipe

técnica do Centro Ecoló[email protected]

Oficina de educação ambiental

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Referências:SCHMITT, C.J. Tecendo as redes de uma novaagricultura: um estudo socioambiental da RegiãoSerrana do Rio Grande do Sul. (tese de doutora-do). Porto Alegre: Universidade Federal do RioGrande do Sul, 2001.

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Porque é de infância, Leonardo,que o mundo tem precisão.

Thiago de Mello

Educação ambiental naSerra do Brigadeiro:

qual é o espaço da criança?Maria do Carmo Couto Teixeira*

discussão so-bre a impor-tância do

protagonismo infanto-juveniltem como base oquestionamento do espaço e dotempo da criança no modelo dedesenvolvimento capitalista, in-dustrial e urbano. Nas socieda-

Ades pré-industriais, não existiamespaços reservados às crianças.A socialização se dava no con-junto das práticas sociais, tan-to de trabalho quanto de lazer,vividas por todos, em conjun-to. Com a modernidade, a criançase tornou econômica, social epoliticamente marginalizada dasvivências sociais, assim como ovelho, o doente, o artista, a mu-

Crianças em atividade de educação ambiental

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lher e o adolescente, que nãocontam, por serem considera-dos parcial ou totalmente im-produtivos. A atenção dada àcriança na sociedade (escola,família e políticas públicas) seresume a atendimentos assis-tencialistas, ocupando apenasum lugar como preocupaçãodos adultos e do sistema, nosentido de estar em prepara-ção, de ser receptora dos valo-res e comportamentos domi-nantes, de ser imatura, de serum organismo em formação(REDIN, 2000).

As organizações, entidades e movimentos so-ciais que atuam no contexto da agricultura familiar têmreconhecido os agricultores e agricultoras como atoressociais importantes na promoção de um novo modelo dedesenvolvimento sustentável e inclusivo. No entanto, éraro e ainda recente o reconhecimento da importânciada participação das crianças em projetos de desenvolvi-mento socioambiental. Não se tem uma clareza sobreque contribuição a criança pode dar para o processo detransformação que se almeja e como possibilitar a suainserção.

Este artigo busca contribuir para a reflexão acer-ca da necessidade de se incluir a criança como uma cate-goria social nos planejamentos e ações voltados para odesenvolvimento socioambiental. Relacionando teoria eprática, apresentamos uma experiência no campo daecopedagogia, cujo foco central é a infância e o meio am-biente: Educação ambiental em escolas do entorno doParque Estadual da Serra do Brigadeiro (Pesb), do muni-cípio de Araponga, Minas Gerais. Essa experiência, coor-denada pelo grupo de ecopedagogia da Universidade Fe-deral de Viçosa, foi desenvolvida, em parceria com o Centrode Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA), coma prefeitura e o Sindicato de Trabalhadores Rurais, em 11escolas municipais de ensino fundamental, envolvendo 46professores e aproximadamente 350 crianças na faixa dos 7aos 11 anos de idade.

A experiência desenvolvida:princípios, metodologia, atores

O Pesb foi criado em 1996 a partir de um inova-dor processo de mobilização social, capitaneado pelos Sin-dicatos de Trabalhadores Rurais e pelo CTA. Atualmen-te, está se estruturando um programa de desenvolvimen-

to territorial no entorno dessa unidade de conservação,que envolve um coletivo de entidades e políticas públicaspara apoiar demandas locais das mais variadas ordens, den-tre elas a educação ambiental (EA).

Esse trabalho de EA ao redor do Pesb teve iní-cio em 1999, no município de Fervedouro (MG), e conti-nuou no período de 2000 a 2003, em Araponga. Busca-mos integrar educação formal e não-formal, de modo quea educação escolar pudesse fazer parte de um movimentoainda maior de educação ambiental, articulada com a pro-blemática do Parque e seu entorno e envolvendo ques-tões gerais ligadas à agroecologia e ao desenvolvimentosustentável regional. Assim, procuramos identificar, jun-to às crianças, familiares, educadoras e lideranças das co-munidades, práticas agroecológicas e culturais, relevan-tes e possíveis de serem trabalhadas nas escolas, possibili-tando a socialização das alternativas que as famílias estãoencontrando no enfrentamento dos problemas socioam-bientais. Para isso, em algumas vezes, os(as) agricultores(as)foram às escolas para relatar suas experiências e trocarconhecimentos.

Dentre as metodologias utilizadas em EA, des-tacamos nessa experiência a pedagogia de projetos, surgidaa partir do movimento conhecido como Escola Nova, ins-pirado em educadores como John Dewey e CélestinFreinet. Segundo essa abordagem, o ponto de partida detodo e qualquer trabalho com projeto pedagógico é a iden-tificação de um problema que constituirá o tema do estu-do ou objeto de intervenção (pode ser feito um paralelocom os temas geradores de Paulo Freire). O problema deveser atual, concreto, de preferência ligado à realidade maispróxima dos participantes, deve também ser do interessedestes, ou seja, necessita ter sentido e significado e pro-mover a interdisciplinaridade.

Rua de lazer na praça de Araponga (MG) com crianças detrês escolas do entorno do Pesb

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Antes de sairmos das escolas, discutíamos comas crianças o que iríamos fazer, levantando uma série dequestões a serem observadas. Na volta, eram feitas umaavaliação em grupo e a sistematização das aprendizagense descobertas.

Outras atividades pontuais foram desenvolvi-das, tais como gincanas ecológicas em ruas de lazer, en-cerrando períodos letivos com brincadeiras cantadas, jo-gos tradicionais, populares e cooperativos, apresentaçãode quadrilhas pelas crianças, desafios e repentes, além deexposição de trabalhos e fotografias, buscando integraras diferentes escolas do município e os diferentes atoressociais envolvidos no conjunto da parceria.

Lições e aprendizagens

Esse trabalho reforçou a nossa percepção deque as crianças, quando estimuladas e valorizadas, sen-tem prazer em participar e interagir com os adultos: Agente gosta do pessoal de Viçosa, porque eles gostam detudo que a gente faz. A presença e a participação nasoficinas, os desenhos e pinturas, a confecção de painéis ebrinquedos, os debates, a construção de maquetes e ma-pas reproduzindo o ambiente percebido, as músicas, ashistórias contadas e recontadas, as dramatizações, os tex-tos produzidos, as falas, as observações e os exemplosdados, as posturas diante do grupo e, ainda, os depoi-mentos de alguns familiares e professores sobre situaçõesnas quais as crianças se afirmaram como sujeitos, são indi-cadores do interesse e da capacidade das crianças de co-nhecer, representar e transformar o seu meio. Os níveis deconhecimento, de representação e de percepção do ambien-te vivido são diversificados. Também foram variadas asopiniões sobre o que gostavam, o que não gostavam, comogostariam que fossem – a escola, a casa, a comunidade, o

Os projetos, desenvolvidos por meio de ofici-nas ecopedagógicas na perspectiva da ação-reflexão-ação,se diferenciaram nos temas e nas dinâmicas, em funçãodas diferentes realidades e necessidades. As oficinas ti-nham o lúdico como referência, e este, embora seja umelemento significativo nas vivências culturais, vem sedicotomizando cada vez mais das experiências infantis,principalmente no tocante ao universo psicossocial da crian-ça proveniente do meio economicamente desfavorecido.

O meio ambiente foi abordado em di-ferentes contextos, considerando asinter-relações possíveis entre as temá-ticas ambientais e os conteúdos esco-lares. A abordagem interdisciplinarpossibilitou incluir os vários olharessobre as questões propostas. Seguin-do essa sistemática, alguns temas de-senvolvidos nas escolas foram: faunae flora local, histórias das comunida-des, lixo, alimentação, solos (erosão edegradação), plantas medicinais, cor-po humano, animais em extinção, es-paços vividos (escola, comunidade ePesb), criação de abelhas, árvore, água,brinquedos e brincadeiras, índios, ne-gros, café, agricultura, história da ocu-pação da região, milho, folclore, hor-tas, quintais.

A maior parte dos temas foi desenvolvida atra-vés de “estudos do meio”: a partir da observação, compa-ração, identificação de semelhanças e diferenças, mudan-ças e permanências, e utilizando os sentidos e os conheci-mentos empíricos, vivenciamos diversas atividades emambientes diversificados.

Nos arredores das escolas, verificamos o estadode conservação das águas (nascentes, córregos, lagos,cachoeiras) e das matas; observamos o ambiente, enfo-cando o lixo; observamos e coletamos diferentes perfis desolo; observamos as casas e construções, os lugares maisimportantes nas comunidades do ponto de vista das crian-ças, e os elementos do ambiente (lavouras, pontes, estra-das, relevo etc). Nas propriedades dos(as) agricultores(as),pais e mães das crianças, reconhecemos experiênciasagroecológicas com plantas medicinais; utilização de uri-na de vaca como biofertilizante; um alambique e uma ola-ria como atividades produtivas nas comunidades. No Par-que e em outras regiões de floresta, entramos em contatocom a mata preservada, fizemos caminhadas, natação,assistimos filmes sobre temas ecológicos e realizamos jo-gos e brincadeiras. Na sede do município, reconhecemos erefletimos sobre o espaço urbano. Em todos esses espaçose momentos procuramos estabelecer comparações entre“a vida na mata e a vida no entorno da mata”.

Contação de histórias ao ar livre: atividade com crianças daescola da comunidade Serra das Cabeças (Araponga)

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município, a região, a mata, o planeta Terra –, bem comoas propostas de práticas envolvendo o cuidado com o am-biente nas suas várias dimensões. Isso significa que ascrianças têm sensibilidade para apontar os problemassocioambientais vinculados a sua realidade mais próxima ecapacidade para propor soluções criativas.

Por outro lado, o trabalho também mostrouque algumas organizações e entidades envolvidas aindanão se sensibilizaram para a importância da participaçãoinfanto-juvenil, e as que já estão sensíveis têm encontra-do dificuldades em definir e implementar estratégias paraque as crianças sejam inseridas no processo de planeja-mento das ações dos projetos de desenvolvimentosocioambiental. Essa dificuldade envolve questões cul-turais complexas e a sua solução pressupõe uma trans-formação profunda nos modos de perceber a criança, ojovem e o adulto, não mais de forma fragmentada, masnuma perspectiva relacional.

No contexto da agricultura familiar, as criançasocupam um lugar significativo no processo produtivo,envolvendo-se em variados tipos de trabalho agrícola enão-agrícola. E nas outras vivências socioculturais, qual éo espaço que a criança ocupa? Como ela é vista e como elavê a sua realidade?

É necessário repensar o espaço psicossocial dacriança na cultura brasileira hoje. Não significa ter queoptar entre o que a criança representava na sociedade pré-capitalista e o que ela representa na modernidade, massim indagar sobre quais seriam as relações entre os olharesdo passado e as nossas próprias visões de mundo e deeducação infantil no cotidiano contemporâneo. É precisodescobrir o valor de uma perspectiva histórica sobre a crian-ça para se construir uma outra visão de infância. Nessesentido, as organizações e os movimentos sociais que vi-sam a transformação do modelo de desenvolvimento têmum papel fundamental na defesa de um novo espaço con-quistado para a criança dentro da sociedade.

Entendendo que a lógica da acumula-ção capitalista preside hoje os proces-sos de desenvolvimento, afirma-se anecessidade de novos conceitos e denovos valores que obriguem a elaborarinstrumentos mais adequados para aconstrução da sociedade sustentável. Aabordagem interdisciplinar pode favo-recer a inclusão das crianças como ato-res sociais nos processos de desenvolvi-mento, mas isso requer a construçãode conhecimentos sobre a especifi-cidade da infância no mundo rural (eem sua relação com o mundo urbano)e sobre metodologias que permitamcaptar, interpretar e dialogar com ascontribuições das crianças.

A concepção de criança presente nessa abor-dagem deve ser: Ela é alguém hoje, em sua casa, na rua,no trabalho, na escola, construindo-se a partir das rela-ções que estabelece em cada uma dessas instâncias ouem todas elas. Geradas por homens e mulheres que per-tencem a classes sociais, têm e produzem laços étnicos eperspectivas diversas segundo seu sexo: as crianças jánascem com uma história. Assim, elas se fazem na cultu-ra, pertencem a uma classe social e vão se fazendo, nessahistória, cidadãs de pouca idade que são, muito mais doque exemplos de fases de uma escala de desenvolvimento.(KRAMER, 1992).

Estamos nós, adultos, propiciando o prota-gonismo das crianças nos processos de desenvolvimentosocioambientais que procuramos empreender?

O meio ambiente foiabordado em diferentes

contextos, considerando asinter-relações possíveis entreas temáticas ambientais e os

conteúdos escolares. Aabordagem interdisciplinar

possibilitou incluir os váriosolhares sobre as questões

propostas.

*Maria do Carmo Couto Teixeira: pedagoga,mestre em extensão rural, professora do

Departamento de Educação daUniversidade Federal de Viçosa.

[email protected]

Referências:GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz R.Ecopedagogia e cidadania planetária . São Paulo:Cortez/ Instituto Paulo Freire, 1999. (Guia da es-cola cidadã)

KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: aarte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1992.

REDIN, E. O espaço e o tempo da criança: se dertempo a gente brinca. Porto Alegre: Mediação, 1998.

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Redescobrindo asraízes culturais: as crianças

e a biodiversidade nos AndesElena Pardo Castillo

Rocío Achahui Quenti*

A s comunidadesrurais da regiãode Cuzco, nos

Andes peruanos, têm uma per-cepção apurada da relação exis-tente entre as pessoas e a na-tureza ao seu redor. A maiorparte dessas comunidades édescendente dos quéchuas edos aimaras, base étnica da so-fisticada civilização inca, queprosperava na região antes daconquista espanhola. Sua lín-

gua e cultura revelam um en-foque de proteção e cuidadocom a terra, a «pachamama»,e com a vida dos animais e dasplantas que ela comporta. Umagrande responsabilidade é ou-torgada ao ser humano na uti-lização e proteção dessa vastadiversidade biológica por meiode um trato carinhoso e cuida-doso. As práticas da agricultu-ra local têm refletido, por sécu-los, esses princípios.

As crianças, cheias de orgulho, mostram suaterra para o cultivo de batatas atrás da escola

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O conteúdo do sistemade educação formal

distancia nossascomunidades das raízesculturais e compromete

sua capacidade dereproduzir seus

conhecimentos para ouso das futuras gerações.

Infância e Biodiversidade nos Andes do Peru éum projeto que busca assegurar que esses valores não sejamperdidos, já que os pequenos agricultores se encontramsob crescente pressão para se modernizar e tentar trabalharcom a agricultura e a criação de gado dentro de um contex-to econômico cada vez mais dominado pelo poder do mer-cado. O respeito e a compreensão dos valores, das habilida-des e do conhecimento, desenvolvidos através de gerações,correm perigo de se perder, e essas pessoas estão sendocada vez mais afastadas de sua cultura e valores tradicionais.Esse processo começa ainda na infância, quando as crian-ças entram no sistema de educação formal e ficam expos-tas aos conhecimentos e valores derivados de uma visãounidimensional, economicista e exploratória dos recursosnaturais.

Como professores envolvidos com o projetoInfância e Biodiversidade nos Andes do Peru, temosalertado para a maneira como as idéias e as práticas ensi-nadas por nossos pais e avós freqüentemente entram emcontradição com os objetivos e atitudes presentes no sis-tema escolar atual.Nesse, os livros descrevem a vida urba-na, as atrações e os modelos que ignoram ou desvalorizamos princípios sobre os quais se fundamenta a agriculturafamiliar. Dessa forma, as crianças são privadas de uma im-portante parte de sua identidade. Além disso, a negligên-cia em relação ao conhecimento local torna cada vez maisdifícil manter o entendimento sobre a riqueza da biodiver-sidade, no qual estão baseados as práticas agrícolas e depastoreio.

O Ministério de Educação do Peru detectou aimportância de educar as crianças em suas línguas nati-vas e formou a Direção Nacional de Educação BilíngüeIntercultural (Dinebi), que apóia o ensino em línguasindígenas nas escolas primárias. Não obstante, conside-ramos insuficiente a iniciativa, já que a cultura escolar eo conteúdo do currículo oficial oferecem muito poucopara superar a lacuna entre a realidade das crianças naescola e a vida cotidiana. Traduzir do espanhol para aslínguas nativas os conteúdos dos textos utilizados pelascrianças não é suficiente para assegurar que o conheci-mento coletivo seja transmitido de geração para geraçãoe inserido nas práticas sociais, econômicas e culturais denossas comunidades. Mas nem tudo está perdido, aindaé possível que esse conhecimento possa ser elaborado eintegrado ao currículo oficial.

O conteúdo do sistema de educação formal dis-tancia nossas comunidades das raízes culturais e compro-mete sua capacidade de reproduzir seus conhecimentos parao uso das futuras gerações. Nosso objetivo essencial noprojeto Infância e Biodiversidade é criar um maior equilíbriono currículo escolar e contestar a imagem dominante doagricultor como um analfabeto, que só sabe “coçar a terra”e que nunca será capaz de se incorporar ao mundo. A faltade respeito pelos valores ancestrais no sistema escolar fazcom que o conhecimento adquirido pelas crianças desdemuito cedo, ao participarem das atividades domésticas e

comunitárias, seja praticamente ignorado. O que as crian-ças aprendem em casa, ao ajudar na horta familiar, é muitobem descrito pelo sr. Benigno Araos, membro da comuni-dade de Chachapoyas, distrito de Checacupe:

As crianças nos ajudam muito em casae na horta, com carinho e respeito. Elasrecolhem os grãos e as batatinhas queficam na terra depois da colheita, as-sim como outras plantas e frutos queencontram em seu caminho. Ensina-mos a elas o respeito ao alimento. En-sinamos a não jogar comida fora. Àmedida que nossas crianças vão cres-cendo, damos a elas pequenas ferra-mentas para que possam ajudar a cul-tivar a terra.

Quando nos damos conta que esse conheci-mento cultural, de grande sabedoria, riqueza espirituale energia emocional, poderia se perder, o projeto Infân-cia e Biodiversidade se dispôs a mantê-lo vivo e relevan-te para a comunidade e para cada um de seus membros.Queremos assegurar que seja fortalecido e se desenvol-va em nossas escolas. Para conseguir isso, os professo-res comprometidos com o projeto estão trabalhandopara ampliar e aprofundar o currículo oficial na escola.Isso só foi possível porque o Estado peruano, em suatentativa de melhorar a qualidade da educação, formu-lou o currículo escolar oficial de maneira que possa seradaptado aos contextos e demandas locais. No entan-to, diversos fatores, como as atitudes e os preconceitosda grande maioria de docentes e os materiais por elesselecionados, levam-nos a crer que, na prática, poucoou nada tem sido feito para diversificar e incorporar ossaberes locais ao currículo oficial.

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Infância e Biodiversidade enfatiza que somen-te incluir o ensino das línguas nativas no currículo não ésuficiente. Temos que reconhecer também as realida-des, os valores e a cultura expressados nessas línguas.Como professores, sentimos que estávamos oferecendouma educação bilíngüe devido à pressão exercida pelasautoridades educacionais, e não por ver nela uma formade transmitir a cultura andina – sua poesia, arte, música–, e as habilidades e sensibilidades de suas tradições agrí-colas e medicinais.

Portanto propusemos uma escola comum modelo diferente, desenvolvida emconcordância com nossa cultura e lín-guas e que incorporasse o conhecimen-to local no currículo. Uma escola querespeitasse o conhecimento das crian-ças e dos membros da comunidade,onde os professores fossem preparadospara assumir o papel de mediadores cul-turais. Para concretizar isso, pensamosser necessário envolver os pais e mem-bros da comunidade no processo edu-cativo, gerando também as oportunida-des para reconectar as crianças com oconhecimento presente em suas comu-nidades. Assim, elas poderiam aprendermuito sobre a agricultura local e a gran-de biodiversidade que as têm sustenta-do por gerações.

Uma escola diferenteTratando de implementar nossa vi-

são de escola diferente, propusemos uma esco-la aprazível, de acordo com a nossa cultura:

• que respeite a sabedoria das crianças e dosidosos da comunidade;

• que incorpore o saber local no currículo, re-presentando 50%, sendo os outros 50%destinados ao ensino do conhecimento cien-tífico moderno;

• que o docente esteja receptivo ao saber dosmeninos e meninas;

• que o docente assuma o papel de mediadorcultural;

• que os pais participem nos processos deaprendizagem dos meninos e meninas;

• que as crianças e pais regenerem a diversi-dade;

• que sejam recuperados os espaços de re-apren-dizagem entre as crianças, jovens, pais e mãessobre os aspectos da cultura andina, por meiodo respeito à sabedoria da comunidade.

Nós, professores envolvidos com o projeto, acre-ditamos ser importante falar em sua língua materna com osmeninos e meninas que iniciam a vida escolar, para garantiro processo de estruturação de seu pensamento, sua formade ver o mundo, sua eficiência, sua auto-estima e capa-cidade de se expressar em sua própria língua. Durante nossainfância, éramos parte de uma comunidade em que nossosavós nos ensinaram a viver em concordância com seus valo-res. No entanto, o sistema educativo nos desarraigou pou-co a pouco, foram introduzidos preconceitos e, paulatina-mente, aprendemos a rechaçar nossa língua e nossa cultu-ra. No programa Infância e Biodiversidade começamos arefletir sobre a nossa infância e a valorizar as experiênciasda mais tenra idade, não só para nós mesmos, como tam-bém para nossa sociedade. Sentimos que podemos contri-buir para manter a riqueza de nossas tradições culturais,estimulando o respeito e a compreensão da biodiversidadeque a sustenta.

Acreditamos que devemos continuar enfocandoa educação de maneira estratégica. Queremos assegurarque as crianças dominem sua língua materna, assim como acultura e o conhecimento indígena que ela expressa. Aomesmo tempo, devem também ter um bom domínio doespanhol para que possam desempenhar um papel ativo nasociedade peruana atual. Cuidamos para garantir que a es-cola esteja sempre receptiva ao conhecimento local das crian-ças, e para que exista um equilíbrio entre o conhecimentotradicional e o moderno. Nesse processo, a criança está nocentro de todas as atividades (ver figura).

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O intercâmbio de experiências entre as famí-lias, as comunidades e as escolas é fundamental para aimplementação do projeto. As visitas feitas às escolasde diferentes comunidades proporcionam às crianças aoportunidade de uma aprendizagem mútua e também ade reunir avós, pais, mães, jovens e professores. Duran-te a visita às hortas, escolas e sítios arqueológicos, asexperiências são descritas e comparadas, havendofreqüentemente o intercâmbio de alimentos ou semen-tes. Reconhecemos que a horta é um lugar de encon-tro, onde o conhecimento é transmitido de geração parageração. Esse conhecimento faz parte das atividadesassociadas aos rituais religiosos, às práticas inovado-ras, às tarefas tradicionalmente designadas às criançase às feiras de diversidade de sementes e alimentos, as-sim como da reflexão e intercâmbio de experiências en-tre os membros da família.

Capacitando os professoresAs atitudes e os preconceitos dos professo-

res são um sério obstáculo para estabelecer escolasaprazíveis que incorporem o saber local. Por isso, o pro-jeto Infância e Biodiversidade tem um componente quepropicia novas e criativas relações dentro da escola.Estamos trabalhando no sentido de dar apoio e abertu-

ra aos jovens, o que nos ajuda a planejar a educaçãopelos conhecimentos que as crianças trazem de seuslares. Isso pode ser difícil, pois muitos professores têmpouco respeito pelo conhecimento tradicional, vendo-o como menos importante que o “moderno”.

Nós tentamos fazer com que os professoresentendam e apóiem o conhecimento agrícola das co-munidades, para que se estabeleça um ambiente inter-cultural na escola. Essa capacitação oferece oportuni-dades para a reflexão e a aprendizagem. Trabalhamosjuntos para encontrar a melhor forma de facilitar o in-tercâmbio de conhecimentos entre as crianças e seuspais, desenvolver um currículo para o ensino do conhe-cimento local nas aulas, assim como preparar materialdidático, como calendários de rituais agro-astronômi-cos e folhetos baseados no conhecimento das crianças.Realizamos também visitas a centros de rituais e apren-demos sobre a estrutura tradicional da autoridade e depráticas como o ayni (ajuda recíproca). Tratamos tam-bém de assegurar que os professores entendam sua pró-pria cultura e que se disponham a convidar as pessoasda comunidade a compartilhar seus conhecimentos. Umavez ao mês, há oficinas para discutir e refletir sobre nos-so trabalho.

Na escola, fazemos com que as crianças parti-cipem das atividades práticas. Cada escola tem sua pró-

A escola Nº 56101 na comunidade de Karhui, província de Canchis, Cuzco

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pria horta, onde os jovens cultivam grande diversidadede espécies. Eles também realizam pequenos projetosculturais e trabalham com tecidos, cerâmica, música,dança e preparação de comidas. Durante essas ativida-des, os avós e os pais assumem com freqüência o papelde professor oficial da escola. Já o professor inverte seupapel, participando como mais um aluno.

Regularmente, fazemos visitas às famílias denossos alunos e participamos das atividades agrícolas desuas comunidades. Organizamos reuniões mensais paraelaborar o material de ensino e avaliar as atividades daescola. Analisamos também nossas ações, para compro-var se estas realmente apóiam a cultura local e contri-buem para seu desenvolvimento, reconhecendo a plurali-dade de tradições e propiciando uma aproximação equi-librada entre a “modernidade” e as tradições andinas.Chegamos à conclusão de que nossas atividades têm mu-dado as atitudes dos professores. Durante as visitas lo-cais de intercâmbio, todos os participantes se comuni-cam, fazem amizades e trocam conhecimentos, enquan-to redescobrimos, aprendemos e lembramos o que nos-sos avós faziam.

Resultados

Até agora, os resultados têm sido promissores.O papel das crianças na recuperação da biodiversidade ébem visível, tanto nos cultivos da escola quanto na horta

*Elena Pardo Castillo e Rocío Achahui Quenti:Centro de Promoção e Serviços Integrais (Ceprosi)

[email protected]

familiar. Os pais estão orgulhosos por terem sido convi-dados a participar como professores pelas escolas, e cadavez mais nos pedem para realizar cursos sobre a vidarural e a urbana. Eles concordam com o nosso enfoque,porque estimula em seus filhos o respeito ao conheci-mento tradicional, à cultura e à maneira de viver dospais. Os professores – tanto homens quanto mulheres– têm reorientado sua prática profissional. Muitos de-les tinham cortado seus laços com a própria cultura eagora percebem que este projeto lhes permitiu redes-cobrir e dar valor às suas raízes.

As crianças andinas têm uma visão própria domundo e do cosmos, e esta percepção faz parte de suaidentidade. Nossa próxima meta como professores seráobter uma melhor compreensão do processo de aprendi-zagem que melhor se adequa a uma criança criada na cul-tura andina, no qual o conhecimento é transmitido pelatradição oral e não pela palavra escrita.

A Direção Nacional de Educação BilíngüeIntercultural (Dinebi), do Ministério de Educação, temdemonstrado interesse em nosso projeto. Algumas denossas atividades, como o intercâmbio de experiências ede sementes entre as crianças e seus pais, têm sido promo-vidas por essa direção. Os resultados da pesquisa “O cicloprodutivo ritual andino e sua relação com o período esco-lar nas comunidades de K’arhui e Wit’u” e o texto “Ossaberes de nossa comunidade” foram publicados com oapoio financeiro da Dinebi.

Muitas pessoas, interessadas em nosso proje-to, também têm nos visitado. Dizem que nosso projeto éimportante, pois propicia um entendimento mais amplodo fato da diversidade biológica ser a base da vitalidadecultural das comunidades andinas. Isso possibilita umavisão do mundo e do cosmos que enfatiza a criação davida através do cuidado, do afeto e do respeito à nature-za. Outros explicam que este projeto tem mostrado que averdadeira interculturalidade no sistema de educação pe-ruana só poderá ser bem-sucedida se a identidade e a cul-tura indígenas forem fortalecidas. Para isso, temos de nosassegurar que as crianças tenham não só o direito de apren-der em sua língua materna, como também possam conser-var e desenvolver sua própria cultura e diversidade.

Cada escola tem sua própriahorta, onde os jovens cultivamgrande diversidade de espécies.Eles também realizam pequenosprojetos culturais e trabalhamcom tecidos, cerâmica, música,dança e preparação de comidas.Durante essas atividades, os avóse os pais assumem comfreqüência o papel de professoroficial da escola. Já o professor,inverte seu papel, participandocomo mais um aluno.

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C

Crescendo no mundo REALAndrew BartlettMarut Jatiket*

hutima adora assextas-feiras. Esseé o dia em que

a escola Nong Tharam conduzas atividades ligadas à “educa-ção do sistema ecológico”, quecomeçaram três anos atrás nes-sa pequena escola rural (quereúne 59 estudantes no total) naprovíncia de Nakom Sawan, naTailândia.

Em vez de ficarem sentados durante as aulasestudando os livros, Chutima e seus amigos da 5ª série sereúnem em um ponto de encontro todas as manhãs desextas-feiras e começam o dia com jogos “de aquecimen-to”. Os estudantes se separam em pequenos grupos e

visitam um campo de cultivo próximo da escola, onde,dependendo da estação do ano, observam de perto asplantações de arroz ou de legumes. Eles examinam a con-dição do solo, medem o crescimento das plantas, contamo número de insetos e colhem outros dados. Quandoretornam ao ponto de encontro, eles compilam as infor-mações, preparam desenhos e discutem suas descobertas.Chutima e seus amigos então tomam suas próprias deci-sões a respeito do que fazer com os cultivos.

À tarde, os estudantes de Nong Tharam realizamas atividades que foram combinadas entre eles: pode ser re-gar ou retirar as ervas invasoras dos campos cultivados, ouremover os insetos-pragas das folhas. Como os produtos sãocultivados organicamente, Chutima jamais usa agrotóxico.Ela procura observar regularmente os insetos benignos parater certeza de que eles estão controlando as pragas. E, nofinal da estação, ela colhe e come o que plantou.

O que Chutima mais gosta são seus própriosexperimentos. Ela plantou couve chinesa em três potescom diferentes tipos de solo: areia, lama e argila. Ela rega

A Educação REAL foi adaptada da abordagem “Escola de Campo de Agricultores”

Um aluno REAL

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os potes todos os dias, e o crescimento da planta é medi-do a cada dois dias. Até agora, a couve plantada na lamavem crescendo melhor, e Chutima percebeu que esse tipode solo retém melhor a água.

Chutima também capturou borboletas e libé-lulas, as manteve em recipientes de plástico, observouseus ciclos de vida e usou a informação para produzirseus próprios livrinhos. Ela fez uma série de gráficoseducativos, os quais usa com seus pais e irmãos menores.Os gráficos se baseiam em uma série de questões queforam criadas para estimular discussões e pensamentoscríticos, uma técnica que Chutima aprendeu com suaprofessora.

Em 2003, aos 11 anos de idade, Chutima par-ticipou de uma mesa de discussão no Fórum Nacional deManejo Integrado de Pragas em Escolas. Professores detoda Tailândia, altos representantes oficiais do Ministé-rio da Educação e visitantes internacionais de oito paísestambém participaram do Fórum. Chutima explicou o queela ganhou com as sessões das sextas-feiras na escola deNong Tharam: não só conhecimento sobre o ciclo devida dos insetos, não só as técnicas necessárias para criararroz e legumes, mas, principalmente, ela aprendeu comoaprender.

Educação REALA sigla REAL significa Rural Ecology and

Agricultural Livelihoods (Ecologia Rural e Sustento dasFamílias de Agricultores). A Educação REAL é um pro-cesso de ensino integrado no qual crianças de escolasexploram o que acontece em propriedades agrícolas lo-cais, obtêm um entendimento sobre ecologia e desen-volvem um pensamento crítico a respeito do meio am-biente, da saúde e dos problemas sociais.

A Educação REAL hoje é um movimento inter-nacional, mas começou com um professor em uma escolado interior da Tailândia. Em 1995, Manas Burapa decidiuorganizar sessões práticas que ajudariam seus alunos a en-tenderem a ecologia dos campos de arroz. Ele estava preo-cupado com os efeitos nocivos dos agrotóxicos e procuroua orientação de uma ONG que agora é conhecida comoFundação de Educação Tailandesa. Manas e a equipe daFundação adaptaram a abordagem “Escola de campo deagricultores”, um processo de aprendizagem que foi desen-volvido pela FAO – Organização das Nações Unidas paraAlimentação e Agricultura para ensinar a agricultores adul-tos técnicas de manejo integrado de pragas (IPM).

O currículo que adveio dessa colaboração fazuso de observações de campo como ponto de partida parao aprendizado de uma grande variedade de tópicos. Porexemplo, a observação da relação entre os insetos-praga eos insetos benignos fornece uma base concreta para o estu-do de processos ecológicos e oferece informação e inspira-ção para as aulas de ciências, matemática, artes e línguas.Além disso, o processo de tirar os alunos da sala de aula elevá-los aos campos de cultivo locais ajuda a quebrar barrei-ras que foram criadas entre a escola e a comunidade e incen-tiva as relações de aprendizagem entre as gerações.

O sucesso dessa abordagem de baixo custono que se refere ao aprendizado integrado despertou ointeresse de vários setores do governo tailandês. O Mi-nistério da Educação financiou o desenvolvimento deuma “rede de eco-escolas” que envolve o uso da abor-

A Educação REAL é umprocesso de ensino integradono qual crianças de escolasexploram o que acontece empropriedades agrícolas locais,obtêm um entendimentosobre ecologia edesenvolvem umpensamento crítico a respeitodo meio ambiente, da saúdee dos problemas sociais.

Chutima exibe orgulhosa o seu trabalho

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dagem REAL em quatro províncias e também concedeuprêmios nacionais para diversos professores da Educa-ção REAL. Enquanto isso, o Ministério da Saúde seinteressou pelas atividades de “vigilância da saúde co-munitária” organizadas pelos estudantes da REAL, quelevaram a uma redução significativa de envenenamentopor agrotóxicos. Governadores de províncias tambémestão aderindo: no início de 2004, o governador deNakom Sawan começou a patrocinar a adoção da Edu-cação REAL em diversas comunidades ribeirinhas dorio Chao Phraya como meio de reduzir a contaminaçãoda água por agentes químicos agrícolas.

O interesse por parte de outros países asiáti-cos também está crescendo. O Ministério de Educaçãodo Camboja e das Filipinas começaram seus próprios pro-gramas de Educação REAL, enquanto atividades-pilototêm sido realizadas em Bangladesh, Laos, Indonésia,Vietnã e Sri Lanka. Até recentemente, essas atividadesrecebiam nomes variados, entre eles “Aprendizado emcampos de cultivo de arroz”, “Iniciativa de participaçãodas crianças” e “Escolas de manejo integrado de pra-gas”. Nenhum desses nomes captou totalmente a essên-cia da questão ou conseguiu representar a transforma-ção que ocorre nas escolas que participam desses progra-mas. Por essa razão, os participantes da Oficina Interna-cional, organizada pela Fundação de EducaçãoTailandesa em março de 2003, escolheram o nome de“Educação REAL” para descrever a abordagem que es-tavam usando.

Aprendizagem REAL decompetências

Pelo menos metade das crianças na Tailândiacresce em áreas rurais. Os campos de cultivo ao redor desuas casas e escolas proporcionam a essas crianças umlugar ideal para o aprendizado de uma grande quantidadede assuntos:• campos de cultivo de arroz e legumes são ótimos lu-

gares para que os alunos vejam o desenrolar de pro-cessos biológicos e ecológicos. Ali eles podem obser-var plantas, solos, água, insetos e outras criaturas,como sapos e peixes, e como eles interagem uns comos outros;

• estudos científicos e experimentos (por exemplo, oestudo do ciclo de vida dos insetos, comparação depráticas de agricultura) podem ser conduzidos semequipamentos caros, e assim melhoram as habilidadesorganizacionais e analíticas dos estudantes;

• as informações que os alunos obtêm no campo po-dem ser usadas como base para o aprendizado in-tegrado, fazendo com que reúnam assuntos de di-versas matérias, como ciências, matemática, artese línguas;

• o estudo da agricultura local é um forte ponto departida para a compreensão de problemas de saúde eambientais, tais como o uso indevido de agrotóxicos,a poluição da água, a erosão do solo e a perda dabiodiversidade;

As informações que os alunos recolhem no campo são usadas em outras matérias

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22 Agriculturas - v. 2 - no 1 - abril de 2005

• A agricultura ecológica coloca as escolas rurais emcontato com a vida cotidiana das pessoas do local,criando uma ponte entre as questões que envolvem osprofessores, as crianças e seus pais.

A produção agrícola é a atividade mais impor-tante na Tailândia, envolvendo mais pessoas do que qual-quer outra forma de emprego. No entanto, a vida ruralmuda rapidamente, e as famílias agricultoras devem sercapazes de responder às dificuldades e às oportunidadesque vêm emergindo. A habilidade de colher informação,de analisar os problemas, de conduzir experimentos e decomunicar o que foi aprendido são competências quepodem ter um efeito profundo sobre os meios de susten-to de milhões de pessoas que vivem nas áreas rurais daTailândia. Essas são as competências que a EducaçãoREAL almeja desenvolver.

Impacto

Ban Pha Thon é uma pequena escola primárialocalizada na província de Chiangrai. A escola tem 207alunos em oito séries, da pré-escola à 6ª série. A maiorparte desses estudantes é filho de agricultores que culti-vam arroz e legumes.

A escola começou as atividades da REAL em1999, com o envolvimento de dois professores responsá-veis pelas 5ª e 6ª séries. No início, essas ações baseavam-se nas práticas apreendidas com a produção de arroz elegumes. Depois, os professores integraram diversos ou-tros assuntos e matérias e o currículo foi adotado portoda a escola. Agora, os alunos da escola Ban Pha Thonpassam, às sexta-feiras, pelo menos uma hora no camposeguida por uma discussão na sala de aula. As informa-ções colhidas também são usadas em outras sessões rea-lizadas de segunda a quinta. Nesse sentido, essa iniciati-va se adequou à reforma governamental do currículo na-cional, que deu mais ênfase ao conteúdo local e às abor-dagens centradas nos alunos.

Essa reforma curricular proporcionouuma excelente abertura para a Edu-cação REAL. Em outros países, compolíticas ambientais menos acolhedo-ras a esse tipo de iniciativa, o progra-ma REAL começou fora do horárioescolar.

A Educação REAL impõe maior responsabili-dade sobre o professor. No início, era difícil para elesmudarem de um método de ensino tradicional, que utili-zava livros didáticos, para uma forma de aprendizagemrelacionada a um contexto prático. Ecologia agrícolatambém demanda mais preparo técnico dos docentes. Aprincípio, muitos professores acharam o conteúdo de ma-térias como manejo integrado de pragas para legumesum tanto complexo. Foi necessário um treinamento con-

tínuo durante o ano para que eles se sentissem confian-tes para adotar a nova abordagem pedagógica.

A professora Khun Pornpan Namrath é respon-sável pelas 5ª e 6ª séries na escola Ban Pha Thon e ela foiuma das primeiras a usar o currículo REAL. Ela costumavase considerar uma professora regular, mas as atividades daEducação REAL produziram uma mudança dramática emsuas técnicas de ensino e atitudes. Ela recebeu o prêmiode professora modelo da Comissão Nacional de Educa-ção, um prêmio de professores profissionais da ChiangraiTeacher College, e também foi convidada a dar aulas paraestudantes universitários.

O maior motivo de orgulho para Khun Pornpan,no entanto, foi a transformação que ela viu ocorrer em suacomunidade desde que os alunos e seus pais se envolve-ram na Educação REAL. Ela explica que, como resultadodas atividades de campo, os alunos mais novos desenvol-vem rapidamente um forte interesse por aprender: Elestêm capacidade de fazer uma apresentação, de desenvol-ver um pensamento crítico e são mais criativos. Os paispercebem grande melhora na habilidade que seus filhostêm para realizar atividades de forma independente e res-

O trabalho de campo é seguido por atividades dentroda sala de aula

No “centro de pesquisa” daescola, os estudantes tambémdesenvolveram um novo tipo

de canteiro de sementes delegumes, que consiste em

misturar certas ervas ecomposto orgânico no solo de

forma a prevenir ervasdaninhas e insetos.

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Agriculturas - v. 2 - no 1 - abril de 2005 23

*Andrew Bartlett e Marut Jatiket:Fundação de Educação Tailandesa.

[email protected]

ponsável. Há também um benefício do ponto de vistanutricional, porque os estudantes podem comer os legu-mes que produzem, seja na cantina da escola ou levandopara casa.

Os alunos mais velhos estão levando o pro-cesso de aprendizagem ainda mais longe, ao envolveremseus pais em pesquisas sobre saúde que enfocam o usode agrotóxicos na comunidade. Como resultado, diver-sas famílias em Ban Pha Thon modificaram suas práti-cas agrícolas. Alguns agricultores deixaram de plantarcertos cultivos comerciais para plantar árvores frutífe-ras, e muitos estão usando biofertilizantes para evitaros danos causados por agentes químicos tóxicos. Al-guns estudantes têm desenvolvido e testado suas pró-prias fórmulas de biofertilizantes, que são vendidos nomercado local por 15 Baht o litro (aproximadamenteUS$ 0,37). Os lucros são revertidos para os alunos, algoque proporciona uma oportunidade de aprendizado amais para eles. No “centro de pesquisa” da escola, osestudantes também desenvolveram um novo tipo de se-menteira de legumes, ao incorporar certas ervas e com-posto orgânico ao solo de forma a prevenir o surgimentode plantas invasoras e insetos-praga.

Durante os últimos cinco anos, 137 alunos seformaram depois de passarem pela experiência da Educa-ção REAL. Khun Pornpan diz que escolas de segundo grau(atual ensino médio no Brasil) estão preferindo estudantesque venham de Ban Pha Thon ou de outras escolas queusam o currículo da Educação REAL porque eles são capa-zes de tomar iniciativas nas atividades de aprendizagem.Um desses alunos é Tasanee Sithimart, atualmente na 11ªsérie da escola secundária de Viengpapao. Eis o que ela tema dizer sobre a Educação REAL:

Eu ganhei muito com a escola primária e, des-de então, tenho utilizado o que aprendi. Na escola se-cundária, conduzi diversos experimentos e nunca te-nho medo de pensar por mim mesma ou de fazer apre-sentações. Eu conquistei o respeito de outros alunos eprofessores por meu conhecimento e por várias ativida-des que foram muito bem-sucedidas. Tenho uma médiaalta em meus exames e provas. Agora estou trabalhan-do como membro do comitê estudantil envolvido como planejamento escolar e com muitas outras ativida-des. Eu gostaria de me tornar uma pesquisadora, por-que gosto de ciências e posso ajudar meus pais e ou-tros agricultores a terem acesso a melhores variedadese ganhos. Dessa forma, podem obter lucro e não deve-rem mais a ninguém.

Para onde se encaminha aEducação REAL?

No ano 2004, havia aproximadamente 50 es-colas na Tailândia adotando o currículo REAL. Algunsplanejadores ou gerentes de projeto podem considerar esseum número baixo. Mas este processo não deve ser analisa-

do pela lógica convencional de avaliação de projetos. Aocontrário, este é um movimento de expansão contínua quepertence aos tailandeses. Tanto o Ministério da Educaçãoquanto a Fundação de Educação Tailandesa financiarameste movimento, mas a tomada de decisão é feita por dire-tores de escolas, professores, pais e pelos próprios alunos.Todos estão envolvidos no planejamento, na implemen-tação e na contínua avaliação do currículo REAL, além deserem encarregados de comunicarem os resultados paraoutras pessoas.

Talvez haja 70 escolas de Educação REAL naTailândia no próximo ano, ou talvez haja 700. Qualquerque seja o número, temos certeza de que existe uma ten-dência de crescimento. Talvez o currículo seja estendidoe venha incluir novas atividades relacionadas à qualidadeda água, ou à prática da silvicultura comunitária, ou aocontrole da malária. Qualquer que seja o conteúdo, te-mos certeza de que continuará a evoluir como resultadodo interesse e da criatividade das pessoas envolvidas. E,quem sabe, novos financiadores podem surgir por partede uma instituição tailandesa ou por doação estrangeira.Mas, qualquer que seja a origem dos fundos, a EducaçãoREAL continuará a pertencer e ser organizada pelas es-colas e comunidades que estão assumindo a responsabi-lidade por seu próprio futuro.

Apresentação de um aluno

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o projeto peda-gógico adotadopelo Movimento

dos Trabalhadores Rurais SemTerra há uma preocupação essen-cial com o processo de formaçãohumana. Para o MST, educar écriar condições para que as pessoasreflitam e teorizem sobre sua prá-tica no cotidiano do trabalho, dorelacionamento social, da vida emfamília, no assentamento ou acam-pamento. É a educação que possi-bilita que as pessoas conheçam suarealidade para poder transformá-la. Esse processo é, necessariamen-te, uma prática coletiva, como nos

orienta Paulo Freire: Ninguém edu-ca ninguém; ninguém se educa so-zinho; as pessoas se educam entresi, mediatizadas pelo mundo. Nes-se sentido, o processo educativoocorre em todas as ações desen-volvidas na luta dos trabalha-dores(as), ou seja, nas marchas, nasmobilizações, nos encontros, noscursos técnicos, enfim, em toda equalquer atividade organizada pe-los sem-terra.

Nesse contexto, podemos entender que a es-cola é um importante espaço de aglutinação desses sujei-tos. Portanto, é necessário questionar aspectos inerentesà função social da escola. O que dizer, então, da escola docampo? Em se tratando de escolas de nível médio, há pou-

Rosana Fernandes*

Projeto educacional paracrianças e adolescentes do

campo: a experiência do MST

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Amostra de milho crioulo

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Agriculturas - v. 2 - no 1 - abril de 2005 25

O setor de educação do MSTfoi criado no processo históricode constituição do movimento

para discutir, com acomunidade acampada e

assentada, estratégias paragarantir escolas nas áreas de

reforma agrária para as criançase jovens que estão com suas

famílias na luta pela terra.

co o que se investigar, haja vista a reduzida quantidadedelas lá existente. No projeto de modernização que vigorano país, os camponeses são totalmente desconsiderados,predominando a idéia de que as pessoas que vivem nocampo constituem uma parcela insignificante. “Nos do-cumentos oficiais sobre educação no Brasil, a populaçãocamponesa aparece apenas como dado”1 , ou seja, a po-pulação que vive no campo, principalmente os oriundosdas áreas de reforma agrária, são vistos como númerospara pesquisas e não como sujeitos de ações que produ-zem mudanças sociais.

O setor de educação do MST foi criado no pro-cesso histórico de constituição do movimento para discu-tir, com a comunidade acampada e assentada, estratégiaspara garantir escolas nas áreas de reforma agrária para ascrianças e jovens que estão com suas famílias na luta pelaterra. A partir do entendimento de que educação é maisdo que ensino, as escolas de ensino fundamental e médiocompartilham orientações gerais que os educadores(as)buscam ajustar de acordo com a realidade de cada comu-nidade. Essas orientações encontram-se registradas emmateriais pedagógicos produzidos pelo próprio movimen-to, o que explicita a atenção dispensada aos educandos(as),meninas e meninos que construíram sua própria identida-de, sendo conhecidos como sem-terrinha. Esse conceitosurgiu durante um encontro com crianças no estado deSão Paulo, quando uma delas refletia que se o meu pai éum sem-terra porque ele é adulto, eu que sou criança devoser chamado de sem-terrinha.

Em seu sentido amplo, a educação deve sercompreendida e respeitada tendo em vista os espaçosvividos como formadores da consciência e possibilita-dores de novas experiências. Dessa maneira, a identida-de sem-terrinha deve ser reconhecida como o resultadode um aprendizado da luta social, cuja relevância no tra-balho educativo com crianças e adolescentes sempre foipriorizada.

Esse processo educativo está presente priori-tariamente nas escolas das áreas de reforma agrária, possi-bilitando construir o respeito à vida, ao planeta e ao serhumano, contrapondo-se ao modelo hegemônico de sub-missão do trabalho ao capital e, principalmente, desper-tando a compreensão de que é necessário e possível, nãosomente o estar na terra, como também o permanecer naterra conquistada.

Exemplo concreto desse processo é a EscolaAgrícola 25 de Maio, situada no Assentamento Vitória daConquista, município de Fraiburgo (SC). Desde o iníciodo seu funcionamento, em 1989, o enfoque agroecológicofoi adotado como referência e o princípio empregado é ode que alunos e alunas devam ser capazes de construir suaprópria organização, favorecendo processos de auto-orga-

nização dos jovens, de valorização de sua cultura, místi-cas, gestos, símbolos e ações como sujeitos atuantes, con-trariamente à idéia de “preparar jovens para serem o futu-ro da humanidade”. A construção desse pensamento sedá pela importância de os jovens camponeses interna-lizarem conceitos no sentido de promover uma formaçãointegral como ser humano.

É nessa perspectiva que o Movimento vem de-senvolvendo diversificadas experiências que se transforma-ram em marcos de seu processo educacional. Como exem-plo, citamos as cirandas infantis para atendimento de crian-ças de 0 a 6 anos, proporcionando um ambiente onde elaspossam receber acompanhamento didático-pedagógicoenquanto seus pais participam das atividades dos adultos.Outras atividades são a realização de encontros infanto-juvenis e dos sem-terrinha, que acontecem tradicionalmen-te na Semana da Criança no mês de outubro, enfocandotemas sobre o direito da criança e do adolescente, especial-mente no que se refere à busca por escolas nas comunida-des onde residem. Acontecem também concursos anuaisde arte-educação, que tratam sobre assuntos específicosda luta da classe trabalhadora por meio das diversas lingua-gens artísticas. A última edição do concurso, em 2004,teve como tema “Sementes: patrimônio da Humanidade”.

Além dessas iniciativas, a escola continua sendoo grande espaço de aglutinação e problematização de ques-tões referentes às crianças e adolescentes, justamente porpossibilitar a educação desses sujeitos. Por esse motivo, écompreendida como local de troca e construção de conhe-cimento entre os envolvidos, visando a qualificação e me-lhores condições para a permanência no campo, e não comoum espaço estanque ou pré-formatado.

Outra importante questão refere-se à necessi-dade de incentivar os adolescentes a se prepararem para

1 Segundo dados da Conferência por uma Educação Básica no Campo, em 1999existia no Brasil 15 mil escolas de nível médio, sendo que, destas, apenas 3,2% estavamno campo.

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atuar tecnicamente na terra, bem como para poderemdiscernir entre o que serve e o que não serve para as famí-lias que dependem do campo para a sua sobrevivência.Isso está vinculado diretamente ao processo de forma-ção cultural que vem sendo construído no campo ao qualos adolescentes estão inseridos. Por isso, uma questãonos preocupa: quais são os processos culturais que estãoformando os adolescentes camponeses? Vale a pena res-saltar que o que existe no campo é apenas uma reprodu-ção do que o mundo urbano carrega: formação dos valo-res do individualismo, do consumismo, enfim, valoresque colocam o “ter” acima do “ser”. Nesse sentido, ocampo deve ser visto como possibilidade de construçãode novos valores como o companheirismo, o respeito aomeio ambiente, a solidariedade, especialmente entre ascrianças e adolescentes.

Assim, o MST pretende, a partir desse projetoeducacional, demonstrar como o desenvolvimento de co-nhecimentos e tecnologias voltados ao bem comum, es-pecificamente à vida dos camponeses, ocorre pela com-preensão de que a conquista da terra é muito mais quelibertação individual. Significando, de maneira mais abran-gente, respeito à cultura dos antepassados, ao ciclo natu-ral da vida e às gerações futuras.

O setor de educação do MST trabalha por umaidentidade própria das escolas do campo, com um projetopedagógico que fortaleça novas formas de desenvolvimentono meio rural, baseada na justiça social, na cooperaçãoagrícola, no respeito ao meio ambiente e na valorização dacultura camponesa. Esse projeto continuará cumprindocom a tarefa histórica de educar pessoas, formando sereshumanos com dignidade, identidade e projeto de futuro.

*Rosana Fernandes: coordenadora dosetor de educação do MST

[email protected]

Finalmente, a criança e o adolescente devemestar no centro do projeto da classe trabalhadora, pois sãosujeitos dessa classe social e merecem uma intencionalidadepedagógica específica no conjunto das ações políticas.Eles serão a nova geração de trabalhadores e trabalhado-ras rurais se, neste momento, formos capazes de tratá-loscomo pessoas com potencialidades de construção de umanova relação com a humanidade e com a terra.

Participação dos Estudantes no Grito dos Excluídos – Setembro de 2003

O setor de educação do MSTtrabalha por uma identidade

própria das escolas do campo,com um projeto pedagógico

que fortaleça novas formas dedesenvolvimento no meio rural,

baseada na justiça social, nacooperação agrícola, no respeito

ao meio ambiente e navalorização da cultura

camponesa.

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Juventude e fortalecimentoda agricultura

familiar nosemi-árido da Bahia

Emanuel Mendonça Sobrinho*

O

1Antônio Cardoso, Araci, Candeal, Capim Grosso, Cansanção, Conceição do Coité,Ichu, Irará, Monte Santo, Nordestina, Nova Fátima, Pé de Serra, Queimadas,Quijingue, Quixabeira, Retirolândia, Riachão do Jacuípe, Santa Luz, São Domin-gos, Serrinha, Tucano e Valente.

Projeto Juven-tude e Partici-pação Social

(PJPS) teve início em março de2004, nas microrregiões do Sisale Vale do Jacuípe, semi-áridobaiano, com o objetivo de incen-tivar e apoiar um processo deorganização e participação socialda juventude e visando a elabo-ração e defesa de políticas pú-blicas setoriais.

Embora algumas entidades locais (sindicatosde trabalhadores rurais (STRs), associações comunitárias,igrejas) desenvolvessem atividades para os jovens – pales-tras, seminários, encontros etc –, não havia uma concep-ção de trabalho voltada para a formação da identidadepolítica juvenil. Foi por essa razão que o Movimento deOrganização Comunitária (MOC), em parceria com ou-tras entidades regionais e de apoio (Unicef, Disop-Brasil,Agência de Desenvolvimento Solidário/ADS-CUT, PólosSindicais do Sisal e Jacuípe, Centro de Apoio aos Interes-ses Comunitários e Cooperjovens), resolveu apostar numadimensão inovadora.

Área de abrangência e desafiosapresentados

A área de abrangência do PJPS envolve 22 mu-nicípios,1 com predominância de economia agrícola, pouca

Experiência de agricultura familiar com jovensrurais do município de Quixabeira.

oportunidade de geração de emprego local e os principaisíndices de pobreza indicando um alto nível de desigualdadesocial e concentração de renda e da terra.

Os principais desafios relacionados à juventu-de rural da região dizem respeito:• à falta de experiência de organização social para se

auto-representar politicamente;

• à falta de conhecimento da realidade e de inserçãonos processos sociais em curso nas duas microrregiões

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– a partir das entidades representativas da sociedadecivil (STRs, associações comunitárias, cooperativas,movimento de mulheres, grupos etc.) – e nos espaçosinstitucionalizados (conselhos gestores municipais eConselho Regional de Desenvolvimento, Codes), espa-ços estes de discussão e definição das políticas setoriais;

• à falta de acesso a processos educativos – formais enão-formais – que promovessem a construção de per-cepções críticas a respeito da realidade do semi-árido eseus limites, e potencialidades econômica, social, po-lítica, cultural e ambiental; e

• ao desconhecimento – sobretudo por parte dos pró-prios jovens – de alternativas e experiências geradorasde trabalho e renda, com e para a juventude, no con-texto da agricultura familiar semi-árida.

Foi esse cenário regional, entre outros aspec-tos, que determinou a opção institucional do MOC dedesenvolver um trabalho com jovens com idade médiaentre 16 a 29 anos, residentes na zona rural. Cerca de30% deles já têm o ensino médio completo, enquanto amaioria ainda o está cursando. Esses jovens são filhosde agricultores familiares, de baixa renda, que possuempequenas unidades produtivas (em média 12 tarefas,ou seja, 5 hectares) e, em sua maioria, sem acesso àassistência técnica e crédito rural, bem como sem opor-tunidades de qualificação técnica.

Organização e concepção do projeto

Cerca de 550 jovens organizados participam doprojeto através de 22 coletivos municipais de jovens queestabelecem parcerias com as entidades da sociedade civillocal, sobretudo com os STRs. Há, ainda, um coletivoregional, composto de representações juvenis municipais,que funciona como espaço para planejamento, avaliaçãoe monitoramento das ações, estimula a troca de saberes eintercâmbio de experiências e encaminha processos políti-cos articulados.

A proposta político-pedagógica que vem sen-do implementada está voltada para o empoderamentopolítico dos jovens para a convivência com o semi-árido,visando sobretudo a geração de trabalho e renda a partirdo fortalecimento da agricultura familiar. Para tanto, fo-ram realizadas diversas ações estratégicas, entre as quaiso estabelecimento de conselhos gestores e programasde apoio à juventude; encontros mensais municipais, sub-regionais e interestaduais para troca de experiências; pla-nejamento e avaliação das ações juvenis; oficinas decapacitação temática na área da auto-gestão e convi-vência com o semi-árido; além de visitas a experiênciasde trabalho com jovens.

Os desdobramentos

No transcurso da experiência, é possível iden-tificar uma maior percepção e atuação da juventudequanto aos limites e às potencialidades da agriculturafamiliar. Concretamente, estão em curso algumas inicia-tivas incipientes de hortas comunitárias com princípiosagroecológicos, desenvolvidas pelos coletivos de jo-vens, por meio de parcerias com entidades locais (STRs,igrejas e associações comunitárias), assim como a ela-

A proposta político-pedagógicaque vem sendo implementada

está voltada para oempoderamento político dos

jovens para a convivência com osemi-árido, visando sobretudo a

geração de trabalho e renda apartir do fortalecimento da

agricultura familiar.

Cláudia Brito, coordenadora do Coletivo Municipal de Jovensde Monte Santo, município da região sisaleira da Bahia.

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boração de projetos para captação de recursos para odesenvolvimento de atividades como os criatórios decabras e de abelhas. Em outra dimensão, os jovens vêmocupando espaços político-institucionais – conselhosmunicipais de desenvolvimento rural sustentável(CMDRs) e o Conselho Regional de Desenvolvimento –de discussão e negociação de políticas voltadas para acriação e valorização de oportunidades geradoras detrabalho e renda na agricultura familiar, em particularpara a juventude rural.

A realização, durante o período eleitoral, dedebates públicos com candidatos a prefeito e a vereadorpara definir compromissos nos planos de governo com osegmento juvenil do campo e a participação social de jo-vens nas iniciativas locais e regionais dos movimentos so-ciais são conquistas relevantes da organização e atuaçãodos coletivos de jovens.

Processo de secagem da fibra do sisal em São Domingos,região sisaleira da Bahia.

Coletivo Regional de Jovens e a CoordenaçãoMOC da experiência do PJPS.

*Emanuel Mendonça Sobrinho:técnico do Programa de Juventude do MOC.

[email protected]

A negociação e a implementação de projetosjuvenis voltados para o fortalecimento da participaçãodos jovens na agricultura familiar semi-árida são outrosaspectos a serem ressaltados. Junto aos Ministérios doDesenvolvimento Agrário e do Trabalho e Emprego, tem-se um plano de trabalho das regiões Sisal e Vale doJacuípe para qualificação e inserção profissional de 330jovens, por meio do Consórcio Nacional da JuventudeRural. Em parceria com a Fundação Banco do Brasil e oMinistério do Trabalho e Emprego – MTE, os coletivosde jovens serão qualificados para estruturar e gerenciarum fundo rotativo de caprinos, em que serão identifica-dos e capacitados 220 jovens rurais para atuarem na áreade caprino-ovinocultura.

Outra atuação estratégica dos coletivos muni-cipais de jovens aponta para o trabalho junto às secretari-as e departamentos de jovens dos STRs e Pólos Sindicaisdo Sisal e Jacuípe, com vistas ao fortalecimento da parti-cipação juvenil também no movimento sindical, bem comona identificação e mobilização para o acesso ao créditorural nas linhas do Pronaf Jovem, visando à implementaçãode projetos produtivos comunitários.

A experiência do PJPS vem desafiando a ju-ventude rural, o MOC e entidades parceiras a refletiremsobre os caminhos e alternativas para geração de traba-lho e renda para jovens na agricultura familiar, no con-texto do semi-árido. Assim, é imprescindível ter comoprincípio estratégico a qualificação de jovens voltadapara a formação e o fortalecimento de espaços de organi-zação social, em uma dimensão de autonomia e identida-de política juvenil, na atuação e no acesso às políticaspúblicas setoriais.

A experiência do PJPSvem desafiando ajuventude rural, o MOC eentidades parceiras arefletirem sobre oscaminhos e alternativaspara geração de trabalhoe renda para jovens naagricultura familiar, nocontexto do semi-árido.

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30 Agriculturas - v. 2 - no 1 - abril de 2005

As crianças e as feiras deagrobiodiversidade:

uma vivência em Cuba

comunidadeEl Tejar - LaJocuma está

localizada na região norte domunicípio de La Palma, da pro-víncia de Pinar del Río, na zonaoeste de Cuba. O acesso a suaspropriedades é relativamente di-fícil devido aos caminhos estrei-tos que existem na subida daSierra de Los Órganos. A comu-nidade, constituída por 49 famí-lias, é tipicamente rural e se ca-

Francisco Dueñas Hurtado, Marta Álvarez Gil, Dagmara PlanaRamos, Carlos Moya López, Humberto Ríos Labrada*

racteriza por apresentar umaagricultura baseada no uso mí-nimo de insumos químicos e emsistemas tradicionais de prepa-ração das terras e manejo doscultivos.Embora o tomate seja cultivado por algumas

pessoas, os habitantes não têm tradição na produção econsumo de hortaliças: sua dieta está baseada em ar-roz, feijão, raízes comestíveis e, em certas ocasiões, nacarne de porco ou de boi. Soma-se a isso a erosão cultu-ral que tem ocorrido nos últimos anos e, como elemen-to fundamental, a pouca ou escassa disponibilidade desementes e de diversidade de espécies e variedades, o

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Crianças e um dos facilitadores durante um jogo tradicional

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que denota uma insuficiência dos sistemas formais deprodução e distribuição de sementes para abastecer ademanda. Como conseqüência, o consumo de hortali-ças nessa comunidade é quase nulo, problema que per-siste também pela pouca consciência dos habitantespara incorporar, de maneira sistemática e crescente, ummaior número de espécies em sua dieta como forma deprevenir muitas doenças.

As feiras de agrobiodiversidade, organizadashá alguns anos em Cuba (ver quadro), têm ajudado amelhorar o nível de vida desses agricultores e têm for-mado a base de uma ampla e ativa participação no proces-so de seleção de suas próprias variedades. Desde o início,no final dos anos 1990, as feiras surgiram como uma im-portante ferramenta de trabalho de fitomelhoramentoparticipativo, organizadas com o objetivo principal defacilitar o fluxo de sementes dos institutos de pesquisapara o agricultor e vice-versa (Ríos e Wright, 2000).Além disso, são um interessante mecanismo para a inte-gração harmoniosa dos conhecimentos e habilidades dosagricultores e dos fitomelhoradores na busca de solu-ções e práticas para suprir suas demandas por sementesde espécies e variedades cultivadas (Soleri, Cleveland eSmith, 2000).

Crianças de diversas idades comparecem a es-sas feiras, pois quando se realizam esses eventos a famíliaparticipa em conjunto, tradição que não se perdeu nascomunidades rurais. Daí a necessidade de inserir nesseevento um grupo de atividades com as crianças para de-bater temas relacionados à natureza e ao meio ambiente,assim como desenvolver atividades esportivas, por meiode jogos tradicionais cubanos. Tudo isso para garantir obom desempenho das feiras, para que as mesmas cum-pram seus objetivos e as crianças adquiram conhecimen-tos, ao encontrar nesse espaço o prazer de aprender te-mas novos.

A realização da primeira feira do tomate, nafazenda da família Mederos, propiciou um intercâmbioentre crianças e facilitadores, permitindo-nos avaliar o graude conhecimento que tinham sobre as diversas hortaliçase sobre alguns temas relacionados ao meio ambiente. Fo-ram criadas pautas para o debate sobre temas relaciona-dos com o que estava acontecendo na feira, e assim irmontando a base de um conhecimento sólido e válido.

O dia da feiraNa manhã de sábado do dia 17 de janeiro de

2004, foi marcado um encontro, no município de La Pal-ma, entre pesquisadores do Instituto Nacional de Ciênci-as Agrícolas (facilitadores), agricultores produtores de to-mate, dirigentes de organizações comunitárias do municí-pio e crianças de diversas idades, para dar início à primeirafeira do tomate. Esta seria celebrada naquela manhã nafazenda da família Mederos, reconhecida por seus bonsresultados no cultivo dessa hortaliça.

As feiras de agrobiodiversidade são organi-zadas pelo projeto Fitomelhoramento Parti-cipativo como Estratégia Complementar em Cuba,dirigido pelo Instituto Nacional de Ciências Agrí-colas (Inca). Foram realizadas em várias provín-cias e trataram de diferentes cultivos: Pinar delRío, nos municípios de Los Palacios (arroz e to-mate); em La Palma (feijão, milho, arroz, toma-te e soja); em Havana, nos municípios de San Joséde las Lajas (feijão, milho, tomate, soja, abóborae agricultura urbana); em San Antonio de losBaños (milho e arroz); em Batabanó (milho esoja); Cienfuegos, no município de Aguada dePasajeros (feijão e arroz); em Villa Clara, nomunicípio de Manicaragua (feijão, mandioca earroz); em Camagüey (feijão, milho, arroz e to-mate); e no município de Gibara em Holguín (fei-jão, feijão caupi – Vigna ungiculata – e milho).

Desde do início, em 1999, essas feiras têm seconstituído em um espaço onde os agricultores po-dem escolher os materiais genéticos que mais lhesagradam. Sua organização tem permitido colocarà disposição dos produtores um elevado número demateriais genéticos obtidos em bancos degermoplasma, materiais segregantes, variedadesautóctones etc, os quais têm servido para introdu-zir uma maior diversidade genética nas áreas deatuação dos agricultores e diminuir a erosão gené-tica existente. O objetivo principal dessas feiras éque os agricultores tenham acesso à biodiversidade,e que eles mesmos possam estabelecer bancos desementes, manejando fluxos de materiais fitoge-néticos entre eles. Juntamente com as feiras, reali-zam-se oficinas de capacitação para líderes cam-poneses, para famílias agricultoras e para agricul-tores em geral, buscando o intercâmbio entre pes-quisadores, agricultores e aqueles que decidem aspolíticas.

As feiras deagrobiodiversidade

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A atividade com as crianças começou às 9h damanhã. Nela, participaram um total de 50 crianças, asquais mostravam grande entusiasmo, pois essa experiên-cia lhes parecia muito interessante. Depois de uma apre-sentação geral, buscando gerar um pouco de confiança,realizou-se uma conversa sobre a biodiversidade, pergun-tado-lhes o que entendiam por esse termo e como, pormeio de exemplos em sua própria localidade, poderiamilustrar esse conceito.

A participação foi muito rica, e pudemos per-ceber que as crianças reconheciam que a diversidade bio-lógica estava nas diferentes formas de vida que encontra-mos em uma paisagem ou ecossistema determinado. Ou-tras colocaram que a diversidade podia ser apreciada navariedade de cores que diferentes aves apresentavam, nasdiferentes plantas que existem na fazenda onde nos en-contrávamos, e até na diferença fenotípica que se via en-tre cada um dos que estávamos ali presentes.

Mas apesar do grande número de res-postas das crianças, o tema tornou-seum pouco difícil para os mais novos.Para despertar seu interesse na ativi-dade, propusemos realizar um concur-so de canto, poesia ou histórias rela-cionadas com a natureza. Embora issotenha chegado a se converter em umacompetição entre os meninos e as me-ninas, o mais importante é que o res-peito prevaleceu. A mensagem chegoudessa forma àquelas para quem otema, a princípio, soava como algochato, sem graça.

Concluída a primeira conversa, passamos arealizar um jogo no qual as crianças mostraram suashabilidades físicas, combinando as técnicas de cantocom exercício. Posteriormente, nos acomodamos emuma das casas que serve como depósito de sementespara prosseguir com nossa conversa, agora relacionadacom o consumo de legumes na dieta das pessoas. Paraisso, começamos nomeando as hortaliças que são co-nhecidas em todo o mundo e as plantadas em nossopaís. Depois foi realizado um breve debate sobre o to-mate. A conversa começou com perguntas como “Oque entendemos por hortaliças?”, pedindo-lhes paraque dessem exemplos. Mencionaram uma gama de hor-taliças que são plantadas em Cuba devido às condiçõesclimáticas do país, que eram as que eles conheciam.Foram também citadas outras que não conheciam, in-dicando como são consumidas nos lares e quais são seusbenefícios.

As crianças mostraram que sabiam que os legu-mes servem como fonte de vitaminas, minerais e nutrientes,os quais lhes permitem crescer fortes e vigorosas, garantin-

do-lhes com isso uma vida saudável. Concentrando-nos emseguida no tomate, falamos sobre sua origem, as diversasformas em que pode ser consumido e sobre a quantidade denutrientes que incorpora ao nosso organismo, assim comotambém sobre a diversidade de formas de seus frutos, sabo-res e cores. Muitos filhos de produtores fizeram menção aostomates que seus pais haviam plantado, explicando as for-mas que tinham e seus tamanhos.

Mas uma porcentagem alta de crianças alipresentes não pôde dizer o que entendia por hortaliças:muito poucas participaram nesse momento, e as que ofizeram tinham uma idéia pouco precisa sobre o tema.Para aprofundar a idéia central da reunião, introduzi-mos a próxima atividade, “a hortaliça perdida”. Paraisso, usamos cartões com formas e nome de uma hor-taliça, sua origem e sua importância alimentícia. Porestar tudo escrito em uma linguagem pouco científica,garantimos que o conhecimento pudesse chegar às di-ferentes idades.

Esses cartões foram escondidos em diferenteslugares da fazenda sem que estivessem muito longe unsdos outros, para que fossem encontrados o mais rápidopossível. Assim, de uma maneira dinâmica, foi aberto oespaço para a última atividade do encontro. De posse detodos os cartões, as crianças que os encontraram passa-ram à frente de todos e leram a mensagem que estavaescrita, o que ajudou a fixar ainda mais a atenção nosdiferentes exemplos de vegetais que podemos encontrarno campo e que podem ser cultivados, e a importânciaque eles têm para a nossa saúde quando passam a fazerparte da dieta.

A última atividade do dia consistiu em um jogotradicional, no qual a criança que participa tem os olhosvendados. Coloca-se então em suas mãos um legume oufruto, que a criança, ao apalpá-lo, deve identificar e dizero nome. Esse jogo nos permitiu fixar o conhecimento apren-dido na conversa anterior e propiciou uma relação maispróxima com as hortaliças. Com esse jogo também pude-mos observar que existem algumas espécies que são total-mente desconhecidas, pois não são comuns à dieta dessapopulação, como a berinjela (Solanum melongena L.) e a

Facilitador falando sobre a biodiversidade com as crianças

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Referências:RÍOS, H.; WRIGHT, J. Primeros intentos paraestimular los flujos de semillas en Cuba. Boletínde ILEIA para la Agricultura Sostenible de BajosInsumos Externos, vol. 15. n. 3-4. 2000.

SOLERI, D.; CLEVELAND, D.A.; SMITH, S.E.Creando bases comunes en el mejoramientocolaborativo de los cultivos. Boletín de ILEIA parala Agricultura Sostenible de Bajos Insumos Exter-nos, vol. 15. n. 3-4. 2000.

*Marta Álvarez Gil, Dagmara Plana Ramos, CarlosMoya López, Humberto Ríos Labrada e Francisco

Dueñas Hurtado: Instituto Nacional deCiências Agrícolas (Inca)

[email protected]

O desenvolvimento das feiras mostrouque estas constituem um evento sociocultural im-portante para as comunidades rurais, e as crian-ças, como parte dessas comunidades, assistem atudo sem que nelas lhes seja designado um papelespecífico. De um lado, percebeu-se que o traba-lho de seleção de variedades no campo era afeta-do porque as crianças, por não terem um espaçoespecífico para elas nas feiras, impediam a partici-pação ativa de suas mães. Dessa forma, se perdiaa importante contribuição das mulheres e a res-ponsabilidade não era absorvida pelos homens.

De outro, trabalhar com as crianças épreparar o terreno para que elas assumam um dia olugar de seus pais, já que são elas que no futuroserão os homens e mulheres que cuidarão dessas ter-ras e tirarão o proveito de seus frutos. Dessa forma,trabalha-se com elas para estimular o amor a sualocalidade, sua terra e sua cultura, e evitar com issofuturas migrações para as cidades. Trabalha-se comelas porque a palavra “criança” constitui um sinôni-mo de futuro, e trabalhar com elas é a forma maisnobre de se lidar com a obrigação que a humanida-de tem com as futuras gerações.

Por que trabalhar com as crianças?

cenoura (Daucus carota L.). Isso serviu de marco parapodermos falar sobre a importância das mesmas para asaúde humana e para o bom desenvolvimento e funciona-mento do organismo. Uma vez terminada a intervençãodo facilitador, começamos a preparação de uma saladacom esses legumes frescos, a qual iria competir em umconcurso de pratos que se realizaria ao final da feira. Paraa confecção do prato, as mães nos ajudaram, e as criançaso decoraram a seu gosto.

MetasTerminada a feira, nós, facilitadores, nos reuni-

mos e expusemos nossas experiências e rapidamente che-gamos ao consenso de que devemos continuar trabalhandocom as crianças. De um lado, apontou-se que é desde mui-to cedo que se fixa melhor o conhecimento adquirido, aoensiná-las a buscar um melhor aproveitamento da biodiver-sidade e também a incorporar alimentos frescos e saudáveisa sua dieta. De outro, garante-se de forma oportuna que ascrianças amem sua terra, suas tradições, seus costumes e sesintam úteis com o trabalho na terra, propiciando que nofuturo não ocorram migrações dessas novas gerações paraáreas urbanas em busca de melhores oportunidades econô-micas. Outra razão importante nesse trabalho é que, duran-te a realização das feiras, quando seus pais estão em plenaatividade, as crianças encontram-se também reunidas emum lugar determinado da fazenda, aprendendo temas inte-ressantes e desenvolvendo suas habilidades físicas e motoras.Para concluir, pode-se dizer que as feiras configuram o es-paço adequado para o trabalho educativo-ambiental-recrea-tivo com as crianças. O fato de estarem entretidas propiciaum bom desenvolvimento dos objetivos das feiras, pois ospais podem desenvolver suas atividades sem ter que se preo-cupar com seus filhos.

Apesar deste ser nosso primeiro intercâmbio,consideramos ter conseguido plantar a semente do co-nhecimento, mas como grupo de trabalho devemos ex-

plorar outras formas de propagar o conhecimento, pormeio de, por exemplo, concurso de desenhos, peças deteatro com marionetes ou outro recurso educativo. As-sim, podemos tornar mais amena a atividade e conseguir aparticipação dos mais novos, aqueles que em alguns mo-mentos se mostraram algo tímidos, pois desconheciam otema que estava sendo tratado.

Acreditamos que faltam ainda muitas coisas porfazer e que o desafio é grande, mas abrir um espaço para osmais novos dentro da feira é um passo importante. Conse-guir que temas como esses sejam inseridos nas atividadesextracurriculares do ensino formal pode ser um dos cami-nhos propícios para obter o amor às suas raízes e uma dasformas de manter a população no campo. Ensinar as crian-ças a amar sua terra, seus campos e a natureza é a maneiramais nobre de mostrar-lhes o quanto elas são importantespara a realidade de hoje e de amanhã.

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população da bacia do rioMadre de Dios, distrito ho-mônimo ao sudeste doPeru, na região amazônica,

está constituída majoritariamentepor imigrantes recém-chegados daszonas altas andinas de Cuzco, Punoe Apurímac, que foram para esse lo-cal atraídos pelo ouro que se encon-trava nas margens do rio. O ouro pro-porcionou algumas fortunas para osprimeiros exploradores, mas foi se es-gotando rapidamente e, para a maio-ria dos imigrantes, sua extração nãoconstituiu mais do que uma forma desobrevivência. Em muitos casos essescolonos se dedicaram a outras ativi-dades, como a extração de madeira ea caça, explorando intensivamente osrecursos pela falta de conhecimentosobre como manejá-los. Nessas comu-nidades a agricultura tem sido sem-pre uma atividade de segundo plano,destinada ao auto-abastecimento dealguns produtos, como a mandioca(Manihot esculenta) ou as bananas(Musa spp.), e utilizando o sistema deroça e queima de parcelas, as quais sãoaproveitadas por curtos períodos.

O estabelecimento definitivo nessa região co-meçou com a chegada dos primeiros colonos mineiros àlocalidade de San Juan Grande, nos anos 1960. Desdeentão, os habitantes viram decair progressivamente seunível de vida, devido ao esgotamento dos recursos, tantoos minerais (ouro) quanto a madeira e as peles que obti-nham do bosque, em razão, principalmente, do seu usoirracional. Nesse contexto, surge a necessidade de conhe-cer e manejar melhor os recursos disponíveis que permi-tam às comunidades se assentarem definitivamente e as-pirarem por uma melhor qualidade de vida. Isso inclui ma-nejar adequadamente o solo e aumentar a produtividadedas terras que já sofreram intervenção ou que foram de-gradadas, como sítios abandonados, terrenos baldios eáreas afetadas pela extração do ouro.

A parcela agroflorestal dascrianças em Madre de Dios

Jorge Arnaiz Perales e Martha Torres *

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A Floresta das CriançasA comunidade de Boca Amigo, situada na

confluência dos rios Madre de Dios e Los Amigos, érepresentativa pelo número de imigrantes dedicados tan-to ao comércio quanto à mineração. Ali, a Associaçãopela Infância e seu Ambiente (Ania) vem realizando hátrês anos um projeto-piloto de educação ambiental, co-nhecido como BoNi, o Bosque de los Niños (a Florestadas Crianças). O BoNi consiste em um terreno que osadultos entregam às meninas e meninos para que esteso manejem e adquiram conhecimentos, habilidades evalores que promovam o aproveitamento sustentáveldos recursos naturais e culturais. O projeto divide otrabalho em três componentes principais: um de socia-lização e saúde ambiental (que inclui uma área de recre-ação, um “curral” como lugar de reunião e a instalaçãode banheiros e silos), um componente de autogestão eum de recursos naturais, com o qual se pretende que ascrianças e seus pais manejem os próprios recursos.

Com o componente de manejo de recursosnaturais do BoNi, as crianças implementam uma parce-la agroflorestal, sendo capacitadas com técnicas agroe-cológicas que as permitam maximizar a produtividadeda terra e, junto com isso, fortalecer sua capacidade deler e escrever, sua lógica matemática e seu senso críti-co. A implementação da parcela também busca valori-zar esse processo e criar uma fonte de alimentação mais

Crianças colhendo hortaliças

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nutritiva. Tudo isso responde diretamente aos objeti-vos do projeto, que pretende validar essa experiência-piloto para assim promover sua aplicação em outras áreasda Amazônia, adaptando o BoNi a outros ecossistemasdo país (e assim criar a praia das crianças, o vale dascrianças ou o lago das crianças), e áreas urbanas e suasperiferias.

Como se faz?A parcela agroflorestal consiste em uma área

cercada de aproximadamente 900m2, que fica sob a res-ponsabilidade de todas as crianças participantes. Dentroda mesma, existem parcelas individuais de 12m2 destina-das a cada participante. Há também uma área comum queserve como viveiro, para a preparação de composto orgâ-nico e depósito de materiais.

No manejo das parcelas, participam as crian-ças que cursam o ensino fundamental no colégio local etambém os pais e irmãos mais novos, como uma formade envolver toda a comunidade na educação. As crian-ças são incentivadas pelo professor (o sistema educativoé unidocente e reúne mais de uma série, por haver nacomunidade somente 12 alunos entre 6 e 13 anos) epelas coordenadoras do projeto a participarem de for-ma ativa nas tarefas das parcelas, seja organizando airrigação, a retirada das ervas invasoras, a semeaduraem viveiros e todas as demais atividades. Tanto as crian-ças quanto os pais estão organizados em comitês, oque facilita a coordenação dessas atividades, assimcomo a realização de conversas e ações de capacitaçãopor especialistas no tema.

O que se promove?

Na parcela agroflorestal, as crianças são esti-muladas a valorizar as plantas locais e a utilizar técnicas einsumos agroecológicos que as permitam cumprir comnossos objetivos. Ao mesmo tempo, são promovidos tam-bém os valores de solidariedade e do trabalho.

A valorização das espécies locais ou regionaisse realiza por meio do plantio de árvores ou arbustos queirão proporcionar sombra, proteção e, em alguns casos,fertilização na parcela. As plantas mais usadas são biribá(Rollinia mucosa), cupuaçu (Theobroma grandiflorum),araçá-boi (Eugenia stipitata), caju (Anacardiumoccidentale), cubiu (Solanum sessiliflorum), “shimbillo”e “pacae” (Inga spp.) – esses dois últimos como frutos efertilizantes. Todas essas espécies estão ganhando im-portância na região e têm, em alguns casos, um bompotencial para a industrialização, tal como demonstramas experiências brasileiras com o cupuaçu ou o caju. Uti-liza-se, também, no estrato arbóreo plantas exóticas,como o limão galego (Citrus aurantifolia) e a laranja(Citrus sinensis).

Como forma de incentivar o cuidado des-sas espécies, cada criança tem em suaparcela pelo menos uma árvore planta-da, que faz parte do programa “A árvoreda minha vida”. Esse é um programa noqual se registra o “nascimento” da árvo-re em aula. Isso se dá através de um jogoe, com o tempo, passa a ser possívelacompanhar o crescimento, o número defolhas, se dá frutos ou se apresenta al-guma outra característica particular. To-das as espécies em suas parcelas sãoidentificadas com placas.

Além das árvores, várias hortaliças são planta-das e os resultados, avaliados pelas mesmas crianças que,dessa forma, sabem quais sementes pedir aos coordenado-res em uma próxima ocasião. Para essas plantações, as crian-ças aprendem diferentes técnicas agrícolas em cada fase doprocesso. Durante a preparação das mudas é feita uma mis-tura do solo da horta com areia do rio e terra do morro.Estas são recolhidas em carrinhos pelas crianças, que rece-bem um número igual de bolsas para plantio, junto com assementes que elas pedem de acordo com seus resultados nasafra anterior. Cada criança é responsável por regar as bol-sas e cuidar delas até o momento do transplante.

Ao preparar o solo, para cada parcela é trazidaterra rica em nutrientes proveniente do bosque. Nesse mo-mento se explica às crianças sua importância, mostrandotambém que, quando houver composto orgânico suficien-te, isso não será mais preciso. Coloca-se também cinza ouninhos de cupins trazidos dos arredores para corrigir a aci-dez e introduzir minerais; são incorporadas ervas invasorasà mistura. Tudo isso é feito por cada criança em sua parcelae pelos coordenadores na área de amostragem. Finalmen-te, as crianças aprendem a fazer canteiros altos e a cobrir osolo com ervas invasoras dos arredores, sendo explicado opropósito de cada tarefa. Para isso há aulas especiais decapacitação, pois preferimos não interferir no horário esco-lar. Essas aulas são dadas por especialistas, que visitam pe-

Folhas e frutos de cubiu (Solanum sessiliflorum)

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36 Agriculturas - v. 2 - no 1 - abril de 2005

*Jorge Arnaiz Perales: colaborador do projeto [email protected]

Martha Torres Cabrera: coordenadorado BoNi em Madre de Dios

[email protected]

riodicamente o local e pelos voluntários ou coordenadores,quando capacitados para isso. Os professores estimulam eorientam os alunos nesse processo, mesmo fora de seushorários habituais.

As crianças transplantam as mudas que necessi-tam e semeiam outras diretamente no campo. Elas mesmasse encarregam de arrancar as ervas invasoras e de regar suasplantas, seja separadamente ou em grupo, junto com oscoordenadores que supervisionam todo o processo e incen-tivam a participação dos que estão descuidando de suasparcelas. Como fertilizante, está sendo usada a terra des-cansada proveniente dos “eco-silos” – pequenos depósi-tos domiciliares de composto orgânico, com capacidade deum metro cúbico,para coletar o lixo orgânico e transformá-lo em adubo a ser utilizado nas parcelas. Uma função im-portante desses eco-silos consiste em melhorar as condi-ções de saúde nas habitações, já que permitem coletar osexcrementos dos animais, o que é desperdiçado e o que ficanos pátios ou muito próximo às casas, lugar onde as crian-ças brincam. A esse composto orgânico se adiciona o ester-co, recolhido pela comunidade na outra margem do rio,onde se encontram algumas vacas. As crianças aprendemcomo preparar biofertilizante utilizando esterco e o rúmende vaca como ativador. Para este último, pensa-se em usarum insumo mais disponível, que poderia ser as vísceras dealguns peixes herbívoros da região.

Em relação ao manejo das pragas, ensina-se àscrianças a diferenciar os insetos que são benéficos dosdanosos, pois os benéficos realizam o controle natural daspragas que aparecem na parcela, basicamente compostaspor lepidópteros e alguns afídeos. Apesar das plantas quepoderiam ser usadas como biocidas serem abundantes naregião, não se tem trabalhado com elas. Várias criançasque participam desse projeto têm hortas nos morros ondereplicam essas experiências que, com o tempo e mais orga-nização, poderiam converter-se em uma importante fontede recursos para suas famílias e para a comunidade.

O que vem depois?Com a parcela agroflorestal do BoNi, busca-se

dar às crianças as bases de uma agricultura sustentável.Como parte do projeto, são promovidos o turismo social,a produção de peças artesanais e, entre outras atividades,a piscicultura. Mas para a Ania os objetivos vão muitomais longe. A Associação considera que uma sociedadesem valores e sentido de responsabilidade social e ambientalnão será sustentável, e que é na infância que se desenvol-vem esses valores e atitudes. As formas como os recursosnaturais são utilizados e os valores que afloram no proces-so influenciam o desenvolvimento da criança e a sua rela-ção com o ambiente. Para aquelas que vivem em zonasrurais, o maior impacto será pelas atividades produtivasque irão realizar; para os que vivem na áreas urbanas ouperiferias, será pelos hábitos de consumo que irão adotar.Por isso, torna-se imprescindível que as crianças partici-

pem na conservação da natureza, compreendam que elasustenta suas vidas e tomem decisões que as façam cuida-rem dela.

Até meados do ano 2004, mais de 280 hecta-res de terras foram entregues a aproximadamente 700crianças em sete localidades de diferentes regiões do país.A forma com que isso vem sendo feito varia de acordo comas circunstâncias de cada comunidade. O objetivo pro-posto é conseguir que, ao final desse ano, existam 500hectares manejados com a participação de crianças na Ama-zônia e em outros ecossistemas do Peru. A visão da Ania éque as meninas, meninos e jovens do Peru, que represen-tam 40% da população, participem do manejo sustentá-vel de pelo menos 1% da superfície do território peruano.Dessa forma, a porcentagem de terras manejadas por crian-ças se converteria em um novo indicador de desenvolvi-mento sustentável para o país e para o mundo.

Parcelas preparadas para o manejo

Foto

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Até meados do ano 2004,mais de 280 hectares deterras foram entregues a

aproximadamente 700crianças em sete localidades

de diferentes regiões do país.A forma com que isso vemsendo feito varia de acordo

com as circunstâncias decada comunidade

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Escola é mais do queescola na Pedagogiado Movimento SemTerraCALDART, Roseli Salete.Petrópolis: Vozes, 2000. 276p.Apresenta o Movimento dosTrabalhadores Rurais SemTerra (MST) pelo foco de suaação como um movimento

educacional no campo que questiona as matrizes pedagó-gicas adotadas convencionalmente nas escolas rurais.

*Todas as publicações estão disponíveis para consultano Centro de Informação da AS-PTA.

Publicações

Land and schooling:transferring wealthacross generationsQUISUMBING, A. R.; ESTUDILLO,J. P.; OTSUKA, K. Washington:IFPRI, 2004. 304 p.

Baseado em levantamentos fei-tos com famílias da Indonésia,Filipinas e Gana, explica como otratamento diferenciado dado ao

homem e a mulher em relação à herança da terra, bem comoao investimento na aprendizagem, afetam individual e cole-tivamente a distribuição da renda e as despesas familiares.Explica como as diferenças familiares e educacionais po-dem ter influência na geração de renda para filhos e filhas.Com o intuito de diminuir a desigualdade entre os gêneros,propõe a adoção de tecnologias agrícolas mais produtivas esustentáveis, e estimula a realização de programas para pro-mover o acesso aos mercados agrícolas, fortalecer o papeldo ensino escolar em áreas rurais e eliminar a discriminaçãocontra a mulher.

Education and sustainability: respon-ding to global challengeTILBURY, D.; STEVENSON, R. B.; FIEN, J.;SCHREUDER, D. Cambridge: IUCN Publications ServicesUnit, 2002. 202 p.Apresenta experiências de adequação de programas educa-cionais aos desafios do desenvolvimento sustentável. Inicia-tivas de escolas e universidades, assim como projetos organi-zados por grupos comunitários, governos locais e nacionais,e por agências internacionais de desenvolvimento são descri-tas e comparadas entre si no que se refere aos impactos.Os estudos de caso ressaltam a importância do relato dehistórias como forma de transmissão do conhecimento local.

Por uma educaçãodo campoGONGALEZ ARROYO,Miguel; CALDART, RoseliSalete; MOLINA, MônicaCastagna (orgs.). Petrópolis,RJ: Vozes, 2004. 214p.

Coletânea de textos que ex-põe a atuação limitada e in-suficiente de atores sociais

como pedagogos, cientistas sociais e, sobretudo, do Es-tado, no tocante à educação no campo. Denuncia o pre-cário atendimento escolar na área rural. O livro apresentao movimento Por Uma Educação do Campo que, entreoutros objetivos, pretende que a escola rural aponte umideal de agricultura capaz de gerar postos de trabalho nocampo, respeitando a natureza e que, inclua, de fato, agri-cultores, jovens e crianças rurais na sociedade. A escolado campo deve garantir não só o conhecimento à ciênciae tecnologia socialmente acumuladas, mas também con-tribuir para a reafirmação dos valores culturais do campo.

Educação no con-texto do semi-áridobrasileiroKÜSTER, Ângela. MATTOS,Beatriz (orgs.). Fortaleza:Fundação Konrad Adenauer,2004. 214p.Coletânea de artigos que abor-dam o contexto social e am-biental do semi-árido brasilei-ro. Apresenta relatos sobre

experiências práticas, cujo objetivo é questionar as políticaseducacionais baseadas na idéia de que a pobreza e a escassezde recursos naturais são características inerentes à região.Propõem como alternativa a educação contextualizada, naqual questões socioambientais do nordeste brasileiro passama integrar o currículo escolar, abrindo novas possibilidadespara o desenvolvimento do semi-árido.

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Páginas na internet

A Rede de Investigadores em Juventude Rural, RIJUR, éuma entidade que incentiva o intercâmbio de açõescatalisadoras do tema, fomenta investigações em novastemáticas derivadas das trocas que ocorrem em territóriosrurais e propõe alternativas que possibilitem os jovens ruraisda América Latina fazerem parte de um modelo de desenvol-vimento mais eqüitativo, inclusivo e sustentável. A RIJURbusca promover e facilitar o fortalecimento de vínculos decooperação entre pesquisadores da juventude rural latino-americana; estimular o debate, formulação e incidência con-junta; desenvolver serviços de informação; organizar even-tos; e difundir e publicar trabalhos de investigação em juven-tude rural na região. Somente disponível em espanhol.

www.iica.org.uy/redlat/indexrijur.html

A Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lide-ranças é uma organização não-governamental destinada àpromoção e à formação de lideranças em diversos setoresda sociedade. A página contém artigos relacionados à ju-ventude, ao protagonismo juvenil e às atividades em-preendedoras focalizadas no social, além de links para ou-tras entidades que trabalham com essa temática.

www.abdl.org.br

O portal da Organização das Nações Unidas para a Educa-ção, a Ciência e a Cultura – UNESCO – proporciona umavisão geral das políticas e programas mundiais dirigidosaos jovens. Arquitetada para ser uma rede com conexão aoutras redes, busca facilitar o acesso à informação local,nacional e internacional. Apresenta o Diretório Latino-americano de Juventude com referência a organismos go-vernamentais dos países da região, redes nacionais e inter-nacionais e centros de formação, investigação e assistên-cia. Pode ser consultada em inglês e francês.

www.infoyouth.org

A Organização Brasileira de Juventude tem por objetivofomentar políticas para a juventude, por meio de progra-mas sociais nas áreas de informação, formação, assessori-as técnicas e parcerias. A página traz referências a outrasligadas ao tema e apresenta projetos de lei destinados àjuventude. Além disso, dispõe de um banco de cadastropara organizações e um serviço de pesquisa no auxílio àformação de organizações juvenis.

www.obj.org.br

A Rede Latino-americana de Jovens Rurais, RELAJUR,busca promover intercâmbios e integrar serviços decapacitação, organizações de jovens rurais, ONGs e técni-cos do setor público que trabalham na área. Na página, épossível ter acesso a informações, assessoria à distância,capacitação e eventos virtuais. Conta com uma bibliotecavirtual específica sobre juventude rural, organiza foros dediscussão, cursos eletrônicos e concursos de projetos ru-rais juvenis. A página é disponível somente em espanhol.

www.iica.org.uy/redlat/index.html

Apresenta os programas da FAO voltados para a juventu-de rural. Aborda iniciativas governamentais e não-gover-namentais que enfocam a problemática das futuras gera-ções rurais. Inclui informações de oficinas regionais, gale-ria fotográfica, parcerias com outros programas e redes,publicações e informações gerais. Disponibiliza uma sériede documentos e links sobre a temática. Pode ser consul-tado em inglês, francês e espanhol.

Organização não-governamental promotora do programa derádio Escola Brasil, destinado à difusão da educação e aofortalecimento da cidadania em comunidades rurais compouco acesso a recursos educacionais. O programa é tam-bém veículo de denúncia das más condições de educação,contribuindo para a mobilização dos direitos da criança e doadolescente. Além disso, funciona como incentivador de prá-ticas democráticas para a solução de problemas locais.

www.escolabrasil.org.br

www.fao.org/ruralyouth

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EventosM

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Marcha Nacional pela Reforma AgráriaData: 22 de abril a 14 de maioInformações: MST – (41) 324-7000 • www.mst.org.brMobilização nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST, junto com a Via Campesinae outras forças sociais, para a realização de uma caminhada saindo de Goiânia rumo a Brasília. Pretendemostrar à sociedade que a reforma agrária ainda é o caminho mais rápido, menos custoso e mais justo paragarantir trabalho, alimento, renda, escola e futuro digno para milhões de brasileiros e brasileiras que vivem napobreza no meio rural.

Jornada de AgroecologiaData: 25 a 28 de maioLocal: Cascavel, PRInformações: Darci Frigo – [email protected] • www.terradedireitos.org.brA Jornada de Agroecologia é uma articulação de várias entidades ligadas aos trabalhadores do campo, cujoprincipal objetivo é a promoção da agricultura familiar ecológica. Serão debatidos temas como terra, água,sementes, ações governamentais.

Concurso Nacional de Sistematização de Experiências sobreAgroecologia e Agriculturas AlternativasData: até 30 de junhoLocal de entrega dos trabalhos: Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural /Concurso Nacional deSistematização de Experiências sobre AgroecologiaSetor Bancário Norte, Quadra 1.Edifício Palácio do Desenvolvimento - 6º andar, sala n º 602 – CEP 70.057-900 Brasília - DFInformações: www.pronaf.gov.br/noticias/03_18a.htm • [email protected]: (61) 426-9951 ou 426-9930Promovido pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA),o concurso tem por objetivo identificar o maior número possível de experiências que estejam adotando osprincípios da agroecologia, assim como experiências em agricultura, pecuária, pesca artesanal e aqüicultura, demodo a constituir um acervo e um conjunto de referências para serem compartilhadas com todos os interessa-dos nesses temas. Poderão participar organizações governamentais e não-governamentais que atuem emassistência técnica e extensão rural, ou desenvolvam outras ações vinculadas ao desenvolvimento rural. Oresultado será divulgado no dia 15 de setembro.

1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências concre-tas, procurando extrair delas ensinamentos que possam servirde inspiração para outros grupos envolvidos com a promoçãoda Agroecologia. Solicita-se que os artigos não sejam elabora-dos em formato de relatório institucional.2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudas de2100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigos queextrapolem essas dimensões não serão analisados.3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou três ilus-trações (fotos, desenhos, gráficos) com indicação dos seusautores (fotógrafo, artista gráfico, etc) e com as respectivaslegendas. Todo material gráfico será devolvido aos autores(as)após a edição da Revista. Se o material gráfico for enviado emformato digital, solicitamos que os arquivos estejam com ex-tensão JPEG de, no mínimo, 350 dpis para uma ilustraçãoescaneada e uma dimensão lateral de no mínimo 15 cm.4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animais deve

vir acompanhada do respectivo nome científico. Siglas devemvir acompanhadas de seu significado.5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá propor umaedição do artigo ou uma solicitação de informações complemen-tares aos autores(as). Quaisquer alterações propostas serão sub-metidas à aprovação dos autores(as) antes da publicação.6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/oueletrônico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos deleitores interessados em conhecer mais a respeito das experiên-cias apresentadas.7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao númerode 4 (quatro).8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publicaçãoou não do artigo enviado.9. Caso o(a) autor(a) solicite, Agriculturas: Experiências emAgroecologia poderá contribuir com o valor de R$ 200,00 para acobertura de eventuais custos de elaboração do artigo publicado.

Instruções para a elaboração dos artigos

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Divulgue suas experiências nas revistas LeisaConvidamos pessoas e organizações do campo agroe-cológico brasileiro a divulgarem suas experiências nas re-vistas Agriculturas: Experiências em Agroecologia (ediçãobrasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-Americana (edi-tada no Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda). Vejanesta página as temáticas dos números que serão editadosem 2005 e as respectivas datas-limite para o envio dos arti-gos para as três revistas. Na página anterior você encontraas instruções para a elaboração dos artigos.

Chamada de artigos para o v. 2, nº 3Tema: Economia da produção familiar agroecológica

Há claras evidências de que a rápida expansão da produçãofamiliar de base agroecológica, no Brasil como em outrospaíses, está fundamentalmente associada aos impactoseconômicos positivos alcançados pelas famílias produto-ras na sustentabilidade de seus sistemas produtivos. Fal-tam, no entanto, sistematizações e estudos que confirammaior consistência a essas evidências, concorrendo simul-taneamente para sensibilizar novos praticantes da agroe-cologia e para alavancar debates, propostas e medidas defomento no âmbito das políticas públicas.Os conceitos e instrumentos de análise da economia agrí-cola convencional - fundados no enfoque reducionista darelação monetária custo-benefício - têm sido incapazes deapreender e dar conta do caráter complexo e sistêmico dasatividades e fluxos diversos que dinamizam as economiasda produção familiar ecológica. Esses sistemas cumpremfunções econômicas diferenciadas, onde as estratégias deotimização da renda se interconectam, dentre outras di-mensões, com a diversidade produtiva, fluxos monetáriose não-monetários de produção e consumo, complemen-taridades técnicas internas, formas de cooperação socialgeradoras de economias externas, serviços ambientais, tra-ços culturais e conhecimentos, que são parte integrante desuas estratégias de reprodução econômica.Este número da revista dedicado à “Economia da produ-ção familiar agroecológica” publicará artigos que, a partirde experiências concretas, apresentem e discutam os im-pactos econômicos das práticas agroecológicas sobre sis-temas familiares de produção e, ao mesmo tempo, propo-nham enfoques e instrumentos de análise econômica ajus-tados às características peculiares desses sistemas.Os artigos poderão ter como foco experiências tomadasem seu conjunto ou aspectos relevantes das economias,como o manejo produtivo, as estratégias de geração derenda, a gestão dos recursos (organização do trabalho,gestão financeira etc.), a inserção das economias familia-res nos processos de desenvolvimento local etc.

Datas limite para o envio dos artigos:12 de agosto (Revista Latino-americana)

15 de agosto (Revista Agriculturas)

Próximo Número (v. 2, nº 2)Beneficiamento da produção e acesso a mercadosO acesso aos mercados tanto pode ser um fator de fortalecimentocomo de restrição dos processos de transição agroecológica. Tudodepende da forma como as famílias produtoras se organizampara valorizar economicamente sua produção e para explorar asoportunidades comerciais de que dispõem. Depende também damaior ou menor permeabilidade dos mercados a diferentes formase níveis de inserção da produção familiar. Maiores dificuldadessão encontradas nos mercados oligopolizados, estruturados,especializados, “opacos” e fisicamente distantes. Já aqueles maisabertos e expostos à concorrência, menos estruturados, mais lo-calizados e transparentes são mais receptivos à produçãodiversificada inerente à lógica técnica e econômica da agriculturafamiliar e da agroecologia. O desenvolvimento de estratégias (in-dividuais e coletivas) voltadas para a agregação de valor e para aboa colocação comercial da produção das unidades familiaresfiguram entre os maiores desafios enfrentados tanto pelas famíli-as de produtores ecológicos quanto por aquelas que ainda vivenciamo processo de conversão agroecológica em seus sistemas produti-vos. Para fazer frente a esses desafios, um conjunto de experiênci-as exitosas vem sendo desenvolvido no âmbito do movimentoagroecológico. O próximo número da revista abordará sob essaperspectiva iniciativas voltadas para a agroindustrialização ecomercialização da produção agroecológica.Prazo para o envio dos artigos: 31 de maio de 2005(somente para Revista Agriculturas: Experiências em Agroecologia)

Chamada de artigos para o v. 2, nº 4Tema: Pequena criação nos sistemas produtivos familiaresPequenos animais integram os sistemas familiares de produção exercendo diferenciadas funções econômicas, ecológicas e sócio-culturais. De forma geral, essas funções são negligenciadas pelos programas convencionais de desenvolvimento rural. Quando éenfocado por esses programas, o pequeno criatório tende a ser abordado a partir de uma perspectiva técnico-econômica voltada paraa maximização dos resultados produtivos, o que em geral implica na sua forte dependência de insumos externos aos agroecossistemas.Em programas de desenvolvimento da produção familiar orientados pelo enfoque agroecológico, a criação dos pequenos animais édepende essencialmente da reciclagem interna de recursos do próprio agroecossistema. Os processos de inovação no subsistema dapequena criação têm sido efetivos estimuladores da participação pro-ativa de mulheres e jovens tanto no âmbito das famílias, quantono das comunidades rurais envolvidas em dinâmicas sociais de experimentação agroecológica. Este número das revistas Leisaenfocará sob esse prisma iniciativas de famílias, grupos e organizações envolvidos com o manejo agroecológico da pequena criação.

Datas limite para envio dos artigos:1º de junho (Revista Global); 31 de outubro (Revista Agriculturas); 4 de novembro (Revista Latino-americana)