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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DA CAPITAL 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA Processo: 024.03.015738-2 Requerente: LUÍS FERNANDO NOGUEIRA MOREIRA Requerido: CETURB-GV HAROLDO DÁRIO RIBEIRO, DENISE DE MOURA CADETE GAZZINELLI CRUZ, VIAÇÃO SERRANA LTDA, VIAÇÃO SERENA LTDA, SANTA ZITA TRANSPORTES COLETIVOS LTDA, UNIMAR TRANSPORTES LTDA, VIAÇÃO SATÉLITE LTDA, SELETRANS LTDA, FLÁVIA TRANSPORTES URBANOS LTDA, GRANVITUR FRETAMENTO E TURISMO LTDA, VIAÇÃO PRAIA SOL LTDA, VIAÇÃO NETUNO LTDA, BRISA-MAR TRANSPORTES URBANOS LTDA, SERRAMAR TRANSPORTE COLETIVO LTDA, METROPOLITANA TRANSPORTES LTDA e EXPRESSO SANTA PAULA LTDA. S E N T E N Ç A Vistos etc. Trata-se de AÇÃO POPULAR ajuizada por LUÍS FERNANDO NOGUEIRA MOREIRA, em face de CETURB – GV – Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória, HAROLDO DÁRIO RIBEIRO, DENISE DE MOURA CADETE GAZZINELLI CRUZ, VIAÇÃO SERRANA LTDA, VIAÇÃO SERENA LTDA, SANTA ZITA TRANSPORTES COLETIVOS LTDA, UNIMAR TRANSPORTES LTDA, VIAÇÃO SATÉLITE LTDA, SELETRANS LTDA, FLÁVIA TRANSPORTES URBANOS LTDA, GRANVITUR FRETAMENTO E TURISMO LTDA, VIAÇÃO PRAIA SOL LTDA, VIAÇÃO NETUNO LTDA, BRISA-MAR TRANSPORTES URBANOS LTDA, SERRAMAR TRANSPORTE COLETIVO LTDA, METROPOLITANA TRANSPORTES LTDA e EXPRESSO SANTA PAULA LTDA, todos devidamente qualificados na inicial. Aduz o autor em síntese, que as subconcessões de serviço de transporte urbano patrocinadas pela requerida CETURB foram ilegais, tendo em vista a desobediência aos preceitos inscritos na legislação pertinente. Sendo assim, alega que a requerida CETURB, de forma contrária ao que prescreve a lei favoreceu as demais empresas ora requeridas (fls. 03/39).

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Page 1: Acao Popular Dr Jorge

ESTADO DO ESPÍRITO SANTOPODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA

Processo: 024.03.015738-2

Requerente: LUÍS FERNANDO NOGUEIRA MOREIRA

Requerido: CETURB-GV HAROLDO DÁRIO RIBEIRO, DENISE DE MOURA CADETEGAZZINELLI CRUZ, VIAÇÃO SERRANA LTDA, VIAÇÃO SERENA LTDA, SANTA ZITATRANSPORTES COLETIVOS LTDA, UNIMAR TRANSPORTES LTDA, VIAÇÃO SATÉLITELTDA, SELETRANS LTDA, FLÁVIA TRANSPORTES URBANOS LTDA, GRANVITURFRETAMENTO E TURISMO LTDA, VIAÇÃO PRAIA SOL LTDA, VIAÇÃO NETUNO LTDA,BRISA-MAR TRANSPORTES URBANOS LTDA, SERRAMAR TRANSPORTE COLETIVOLTDA, METROPOLITANA TRANSPORTES LTDA e EXPRESSO SANTA PAULA LTDA.

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

Trata-se de AÇÃO POPULAR ajuizada por LUÍS FERNANDO NOGUEIRA

MOREIRA, em face de CETURB – GV – Companhia de Transportes Urbanos da

Grande Vitória, HAROLDO DÁRIO RIBEIRO, DENISE DE MOURA CADETE

GAZZINELLI CRUZ, VIAÇÃO SERRANA LTDA, VIAÇÃO SERENA LTDA, SANTA

ZITA TRANSPORTES COLETIVOS LTDA, UNIMAR TRANSPORTES LTDA,

VIAÇÃO SATÉLITE LTDA, SELETRANS LTDA, FLÁVIA TRANSPORTES URBANOS

LTDA, GRANVITUR FRETAMENTO E TURISMO LTDA, VIAÇÃO PRAIA SOL LTDA,

VIAÇÃO NETUNO LTDA, BRISA-MAR TRANSPORTES URBANOS LTDA,

SERRAMAR TRANSPORTE COLETIVO LTDA, METROPOLITANA TRANSPORTES

LTDA e EXPRESSO SANTA PAULA LTDA, todos devidamente qualificados na inicial.

Aduz o autor em síntese, que as subconcessões de serviço de transporte

urbano patrocinadas pela requerida CETURB foram ilegais, tendo em vista a

desobediência aos preceitos inscritos na legislação pertinente. Sendo assim, alega

que a requerida CETURB, de forma contrária ao que prescreve a lei favoreceu as

demais empresas ora requeridas (fls. 03/39).

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COMARCA DA CAPITAL3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA

Em sede de tutela antecipada o autor requereu: a) a decretação da nulidade

da Resolução do Conselho de Administração da CETURB de nº. 26/98, com

declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 52 da Lei Estadual 5.720/98,

bem como de todas as permissões, subconcessões ou qualquer ato que não

respeitou o regime das licitações ou concorrência pública; b) a condenação da

CETURB na obrigação de não fazer, vedando-lhe a efetuação ou prorrogação de

permissões sem a prévia abertura de licitação e em obrigação de fazer, consistente

na elaboração de contrato de adesão e de editais de licitação que estabeleçam os

direitos e deveres das partes contratantes; c) a decretação da extinção de todas as

permissões ou prorrogações sem licitação prévia, com retorno à concedente de

todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos, o imediato retorno da

titularidade do serviço público à CETURB, em virtude da nulidade das permissões e

d) a desobrigação da CETURB em indenizar as empresas requeridas, uma vez que

de ato nulo não decorrem direitos. No mérito pugnou pela procedência de todos os

pedidos.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 42-80.

Foi determinada a regularização da petição inicial, bem como a citação, como

litisconsortes passivos dos membros da CETURB (fls. 147).

Despacho prorrogando a análise do pleito liminar somente após o

oferecimento das respostas. Citação dos requeridos (fls. 165).

A requerida SELETRANS LTDA apresentou contestação, alegando a

prescrição da ação, bem como as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido,

falta de interesse de agir e a constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito alegou a

legalidade dos atos praticados de subconcessão (fls. 196-231).

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A requerida BRISA-MAR TRANSPORTES URBANOS LTDA em sua defesa

alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, a falta de interesse processual

na modalidade carência da ação. Pugnou ainda pela prescrição da ação popular. No

mérito alegou não existirem atos ilegais a serem anulados (715-748).

UNIMAR TRANSPORTES LTDA apresentou contestação, oportunidade na

qual alegou a preliminar de falta de interesse processual. A requerida também

pugnou pelo reconhecimento da prescrição da Ação Popular em análise. Em relação

ao mérito, alegou ter direito na manutenção da referida concessão e a não existência

de atos lesivos (fls. 754-800)

A empresa requerida EXPRESSO SANTA PAULA LTDA apresentou

contestação, alegando a prejudicial de prescrição. Em sede de preliminar pugnou

pela carência da ação na modalidade falta de interesse processual. Já no mérito,

aduziu que possui direito na manutenção do contrato firmado com a requerida

CETURB-GV (960-1006).

A Viação PRAIA SOL LTDA alegou a prescrição do presente feito. No bojo das

preliminares, aduziu a impossibilidade jurídica do pedido, a falta de interesse de agir

e a constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito aduziu, que possui o direito de

manutenção do contrato já firmado e a inexistência dos atos lesivos ao patrimônio

público (fls. 1016-1051).

A requerida SERRAMAR TRANSPORTES COLETIVOS LTDA juntou

contestação às folhas 1278-1314, alegando a prescrição do feito. Em preliminar,

aduziu a impossibilidade jurídica do pedido pleiteado pelo Autor, a falta de interesse

de agir e a constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito, pugnou pela

improcedência da ação, tendo em vista seu direito de manutenção do contrato

firmado com a CETURB e a legalidade dos respectivos atos.

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A empresa ora requerida SANTA ZITA TRANSPORTES COLETIVOS LTDA

apresentou contestação alegando a prejudicial de prescrição da presente Ação

Popular. Preliminarmente, pugnou pela impossibilidade jurídica do pedido, pela falta

de interesse de agir e pela constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito, também

aduziu ter direito a manutenção do contrato firmado com a CETURB e que inexistem

atos lesivos ao patrimônio público. (fls. 1415-1449)

A requerida GRANVITUR – FRETAMENTO E TURISMO LTDA contestou o

feito às folhas 1489/1525, alegando a ocorrência da prescrição. Em preliminar,

aduziu a impossibilidade jurídica do pedido, a falta de interesse de agir e a

constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito aduziu não existir atos que afrontam o

ordenamento e seu direito no que diz respeito a manutenção ao contrato firmado.

Também pugnou pela inexistência do dever de indenizar das empresas requeridas.

A requerida VIAÇÃO NETUNO LTDA também contestou o feito às folhas

1683-1728, oportunidade na qual levantou a ocorrência da prescrição. Em preliminar,

aduziu a impossibilidade jurídica do pedido, a falta de interesse de agir por parte do

Autor e a constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito, juntamente com as demais

requeridas, pugnou pela inexistência de atos ilegais e pela manutenção de seu

contrato firmado com a CETURB.

VIAÇÃO SATÉLTE LTDA também contestou a presente, o que o fez às folhas

1805-1850. Primeiramente, levantou a prejudicial de prescrição da presente ação.

Após, aduziu as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse

de agir e da constitucionalidade da Lei 5.720/98. No mérito, pugnou pela

manutenção do contrato firmado, uma vez que não existem atos lesivos a serem

extintos.

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A requerida METROPOLITANA LTDA. apresentou contestação às folhas

2004-2050, oportunidade na qual alegou a prescrição da Ação em análise. Ademais,

levantou as preliminares de falta de interesse processual. No mérito, assim como as

demais requeridas, pugnou pela inexistência dos atos lesivos e pela manutenção

dos contratos já firmados e sua prorrogação.

Às folhas. 2144-2190 consta a contestação da empresa requerida VIAÇÃO

SERRANA LTDA, sendo que a mesma pugnou pela ocorrência da prescrição da

Ação Popular. Em sede de preliminar, aduziu a carência da ação na modalidade falta

de interesse processual. Já no mérito, pugnou pela não ocorrência de atos lesivos

ao patrimônio público.

A requerida FLÁVIA TRANSPORTES URBANOS LTDA, contestou o feito às

folhas 2292-2325, alegando a prescrição da Ação. Preliminarmente, aduziu a

ilegitimidade passiva da requerida e a falta de interesse processual por parte do

Autor. No mérito, também negou a existência de atos lesivos ou ilegais.

A requerida VIAÇÃO SERENA LTDA apresentou contestação, conforme folhas

2330-2376. Alegou a ocorrência da prescrição do presente feito. Em preliminar,

pugnou pela carência da ação. No mérito aduziu serem os atos legais e em

conformidade com a legislação pertinente. Assim, pugnou pela legalidade do

contrato e sua manutenção.

Os requeridos pessoas físicas foram citados por meio de edital, conforme

despacho de folhas 2762.

Contestação apresentada pela CETURB às folhas. 2784-2807, oportunidade

na qual alegou a ilegitimidade passiva, a falta de interesse de agir. Também pugnou

pela prescrição do presente feito. No mérito, alegou que somente agiu em

conformidade com os ditames da Lei 5.720/98.

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Réplica apresentada pelo Autor, oportunidade na qual rebateu as preliminares

e a prejudicial de prescrição, bem como requereu a concessão da medida liminar

nos termos da inicial (fls. 2876/2893).

Às folhas. 2894-2918 consta contestação dos requeridos DENISE DE MOURA

GAZZINELLI CRUZ, ELIANE ABAURRE FERRARI, HAROLDO DÁRIO RIBEIRO e

TAURIO LUCILO TESSAROLO, na qual alegaram, em preliminar, ser a contestação

tempestiva e existir a carência da ação. Também pugnaram pela prescrição da

presente Ação Popular. No mérito, alegaram que atuaram conforme os comandos

prescritos no ordenamento pertinente ao caso.

A requerida MARIA EMÍLIA COELHO AGUIRRE juntou contestação às folhas

2919-2950, oportunidade na qual pugnou pela prescrição da ação. Em preliminar,

aduziu a nulidade da citação por edital (cerceamento do direito de defesa), a

tempestividade da contestação apresentada, bem como a carência da ação (falta de

interesse processual). No mérito, também aduziu que seus atos foram todos

praticados em observância ao descrito no ordenamento vigente, mormente a Lei

5.720/98.

Despacho na qual foi nomeado o Dr. Florisvaldo Dutra Alves como curador

especial, para o requerido Alberto Guedes Pimentel, nos moldes do parecer exarado

pelo Ministério Público (fls.2974). Substituição do curador anteriormente nomeado,

pela Dra. Gilda Rangel Tabachi Souza (fls. 3104).

Contestação exarada pela Defensoria Pública Estadual, curadora do

requerido Alberto Guedes Pimentel, aduzindo, em sede de preliminar, a nulidade da

citação e a inépcia da petição inicial. No mérito, se limitou a negar os fatos

elencados na peça vestibular (fls. 3319/3324).

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O Autor se manifestou acerca da contestação supramencionada às folhas

3330-3332.

Despacho de encerramento da fase instrutória, tendo em vista que o presente

feito não desafia a produção de provas em audiência. Foi concedido o prazo de 15

dias, para que os requeridos Expresso Santa Paula LTDA, Brisa Mar Transportes

Urbanos LTDA e Viação Serrana LTDA regularizassem suas representações nesses

autos (fls. 3369).

É o que de importante tinha a relatar.

Decido.

Passo a enfrentar as preliminares arguidas pelas partes.

a) Da alegada impossibilidade jurídica do pedido.A possibilidade jurídica do pedido tem a ver com a permissão presente no

ordenamento jurídico pátrio acerca do pedido a ser efetuado pela parte autora da

ação. Nesse sentido, pode-se afirmar que esta é condição que se liga

especificamente à contraposição entre o pedido e aquilo que se permite (ou que pelo

menos não se veda) no ordenamento do local em que se intente fazer um

determinado requerimento.

Nas palavras de Cintra, Dinamarco e Grinover, em sua obra Teoria Geral do

Processo, afirma-se que:“Às vezes, determinado pedido não tem a menor condição de ser apreciado pelo Poder

Judiciário, porque já excluído a priori pelo ordenamento jurídico sem qualquer

consideração das peculiaridades do caso concreto. [...] Nesses exemplos, vê-se que o

Estado se nega a dar prestação jurisdicional, considerando-se, por isso, juridicamente

impossível qualquer pedido dessa natureza”. (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo;

DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria geral do processo.

22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 274-275)

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A impossibilidade jurídica do pedido foi aventada, pelo fato de que o

requerente pleiteia às folhas 35, a declaração incidental da inconstitucionalidade do

art. 52 da Lei Estadual nº 5.720/98.

Alegam os requeridos, que na verdade, o requerente deseja a declaração de

inconstitucionalidade do art. 52 da referida lei e que tal pretensão não seria possível

em sede de ação popular.

Realmente juiz monocrático de 1º grau não possui competência, para

declaração de inconstitucionalidade de qualquer lei, inclusive a estadual. O art. 97 da

Constituição Federal estabelece que: “somente pelo voto da maioria absoluta de

seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais

declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Assim, mesmo que o pedido do requerente eventualmente fosse a declaração

de inconstitucionalidade do art. 52 da Lei nº 5.720/98, tal não seria possível por

haver expressa vedação legal, denominada de Princípio da Reserva de Plenário.

Ademais os requeridos trazem suposições quanto a intenção do requerente, o

que constitui formulação subjetiva e não comprovada, portanto, inadmissível em

sede de preliminar. Rejeito a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

b) Da ilegitimidade das partes.

As requeridas Brisa-Mar Transportes Urbanos Ltda (fls. 715), Flávia

Transportes Urbano Ltda (fls. 2292) e CETURB (fls. 2784) afirmam não possuir

legitimidade passiva, para figurarem no presente processo.

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A legitimidade para agir, prevista ordinariamente no art. 6º do Código de

Processo Civil, liga-se primordialmente à relação material discutida em juízo, dela se

extraindo as posições de autor e réu, sempre em abstrato. Afirma referido dispositivo

legal, que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando

autorizado por lei”.

Nesse sentido, pode-se afirmar que legitimado ativo para a causa é aquele

que se afirma titular do direito de que pretende obter a tutela estatal, enquanto o

legitimado passivo será aquele a que se impute a titularidade abstrata da obrigação

correspondente ao direito pleiteado.

No caso específico da ação popular, a lei de regência nº 4.717/65, traz

disciplina própria para o sujeito passivo no seu art. 6º, conforme transcrevo:

“Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades

referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que

houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por

omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do

mesmo.

§ 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou

desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas

neste artigo”.

Em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, ficou assentado que: “Osujeito passivo da ação popular é um litisconsórcio necessário simples (STJ, Resp n. 879,999-

MA, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 22.9.2008), onde todas as pessoas elencadas no art. 6º da Lei

4.717/65 devem ser obrigatoriamente citadas para participar do feito, mas a situação de cada

uma deve sera analisada individualmente, sendo perfeitamente possível a procedência dos

pedidos com relação a alguns réus e a improcedência em relação a outros”.

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Na lição do mestre Helly Lopes Meirelles e Gilmar Mendes: “deverão ser

citadas para a ação, obrigatoriamente, as pessoas jurídicas que houverem

autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmado o

contrato impugnado, ou que, por omissos, tiverem dado oportunidade à lesão, como,

também os beneficiários diretos do mesmo ato ou contrato”. 1

Nesse sentido o STJ se manifestou, quanto a necessidade de citação de

todas as pessoas jurídicas envolvidas no contrato, senão vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ATO PRATICADO POR PREFEITO.

HOMOLOGAÇÃO DE CONCURSO PARA PROVIMENTO DE EMPREGO PÚBLICO

OBJETO DE ANULAÇÃO. CONCURSADOS QUE FORAM EXONERADOS E NÃO

PARTICIPARAM DA LIDE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES

NECESSÁRIOS. NULIDADE CONFIGURADA.

1. A ação popular reclama cúmulo subjetivo no pólo passivo, cujo escopo é o de

alcançar e convocar para o âmbito da ação, não apenas os responsáveis diretos

pela lesão, mas todos aqueles que, de forma direta ou indireta, tenham concorrido

para sua ocorrência, bem assim os que dela se beneficiaram ou se prejudicaram.

(…).

6. Recurso especial provido para declarar a nulidade do presente feito determinando

que se proceda à citação de todos os litisconsortes necessários passivos na ação

popular, prejudicada a análise das demais questões suscitadas”. (REsp 762.070/SP,

Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª T. julgado em 17/12/2009, DJe 10/02/2010).

A requerida CETURB GV justifica que atuou resguardada pelo artigo 52 da Lei

5720/98, que a época produzia efeitos regulares e por isso não há razão para figurar

no polo passivo da ação (fls. 2794).

1 Meirelles, Hely Lopes e Mendes, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 33ª ed.,Malheiros, São Paulo, 2010.

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As requeridas Brisa-Mar Transportes Urbanos Ltda e Flávia Transportes

Urbano Ltda merecem análise em particular, pois conforme alegam e provam em

suas defesas não fazem mais parte do sistema de transpores urbanos gerenciados

pela CETURB GV, vez que a primeira efetuou a sua transferência de frotas e linhas

para a Empresa Santa Paula (fls. 715) e a segunda para a Empresa Metropolitana

Ltda (fls. 2293), que foram devidamente citadas na presente.

Face a isso reconheço a ilegitimidade das requeridas Brisa-Mar Transportes

Urbanos Ltda e Flávia Transportes Urbano Ltda, de tal forma que o processo deve

ser extinto em relação a elas sem resolução de mérito.

Quanto a todos as outras requeridas em observância à norma especial,

indispensável a citação de todos, que tiveram relação com o ato supostamente

lesivo. Considerando que as requeridas firmaram contrato de subconcessão com a

empresa CETURB, se apresentam plenamente legitimadas para figurar no polo

passivo da ação.

Assim sendo acolho parcialmente a preliminar de ilegitimidade passiva tão

somente quanto as requeridas Brisa-Mar Transportes Urbanos Ltda e Flávia

Transportes Urbano Ltda, mantendo-se as demais no polo passivo do processo.

c) Da ausência de interesse de agir.

O interesse de agir, ao contrário da legitimação para a causa, deve ser aferido

pela observância da situação concreta, enquanto a legitimação é vista

abstratamente, tomando a relação material como base.

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Nesse sentido, falecerá, à parte, interesse para tanto, desde que não se

consiga vislumbrar, a partir da movimentação do aparato jurisdicional, pelo processo,

nem necessidade, nem utilidade no provimento pleiteado.

Pode-se dizer que não haverá interesse quando o processo não for o único

(ou, ao menos, o menos oneroso) meio para que a parte alcance a tutela de seu

direito, tal como pleiteado em juízo, e, ainda, quando o provimento jurisdicional não

possua capacidade de dar a tutela, pela parte, pleiteada.

Esta a exata lição de Arruda Alvim:

“Uma vez proposta a ação, deverá ficar evidenciado, desde logo, que o processo é -

possivelmente - o único caminho juridicamente idôneo à proteção do direito

substancial afirmado. É, pois, a imprescindibilidade do uso do processo que há de se

ostentar, sob pena de, não demonstrando isso o autor, não vir a ter a possibilidade

de gozar do seu direito substancial, de que se afirma titular, e é isso o que configura

e dá corpo ao interesse processual”. (Tratado de direito processual civil. 6ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 325)

Há de se afirmar, ainda, que o interesse de agir é noção que se reafirma por

todo o curso processual, tendo em vista seu caráter dinâmico, ligado às posições

contemporâneas ocupadas pelas partes, de modo que sua aferição deve ser feita

constantemente pelo magistrado.

Quanto a ação popular além das condições da ação em geral, quais sejam, o

interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido e legitimação para agir, são

requisitos específicos: a) a qualidade de cidadão do sujeito ativo; b) ilegalidade ou

imoralidade praticada pelo Poder Público ou entidade que ele participe e c) a lesão a

patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio

histórico e cultural.

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Nesse sentido, pode-se observar que, pelo menos abstratamente o

requerente preenche os requisitos da ação, vez que provou ser cidadão e trouxe a

baila situação, que se de fato comprovada poderia trazer lesão ao patrimônio

público.

Desta feita rejeito a preliminar de ausência de interesse para agir.

d) Quanto a alegação de prescrição.

A prescrição é instituto de direito material, que deve ser analisado após as

preliminares e anteriormente ao mérito, vez que o seu acolhimento importará em

julgamento com resolução de mérito, na forma do art. 269, IV do CPC.

Alegam as requeridas a ocorrência da prescrição quinquenal, de acordo com

o art. 21 da Lei nº 4717/65, que prevê: “a ação prevista nesta lei prescreve em cinco

anos”.

Defendem que a prescrição deverá ser contada a partir da promulgação da

Lei Estadual nº 5.720 de 18 de agosto de 1988, que prorrogou o prazo das

concessões, permissões e autorizações, para exploração dos serviços de transporte

coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros para 15 anos.

No entendimento das requeridas o direito de ação estaria prescrito em 18 de

agosto de 1993 e o presente processo só foi ajuizado em 25 de setembro de 2003,

cabendo assim o acolhimento da prescrição.

Em que pese tal entendimento, o prazo trazido na lei deve ser contado a

partir do evento lesivo, que no caso de irregularidade de subconcessão sem

licitação, se renova a cada dia, não havendo que se falar em prescrição.

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Em sede de ação civil pública em que foi questionada a concessão de

transporte público sem licitação, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no

mesmo sentido, senão vejamos:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE TRANSPORTE.

INEXISTÊNCIA DE LICITAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSOESPECIAL.

CERCEAMENTO DE DEFESA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7/STJ. SUSPENSÃO DO

PROCESSO. DESNECESSIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.

SITUAÇÃO DE IRREGULARIDADE QUE SE RENOVA DIA A DIA. (...)

III - Bem demonstrou a agravante que houve o prequestionamento da matéria referente

ao artigo 21 da Lei n. 4717/65. Ocorre que, segundo a iterativa jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, a licitação passou a ser princípio fundamental para a

Administração Pública, não se podendo negar que, em princípio, inconstitucional aoperação de linhas não licitadas, com base em lei complementar municipal. Daí é

que, na hipótese vertente, não há falar em prescrição a contar da data em queeditada a referida lei complementar, porquanto a alegada inconstitucionalidade -consistente na delegação de linhas de transporte sem licitação - renova-se dia adia, enquanto perdurar o funcionamento das linhas de ônibus apontadas comoirregulares. IV- Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1100830/RJ, Rel. Ministro

Francisco Falcão, 1ª T., j. em 23/04/2009, DJe 13/05/2009).

Desta forma não merece acolhimento a alegação de ocorrência da

prescrição, já que o ato lesivo continua produzindo efeitos diariamente.

DO CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR.

A ação popular é um remédio jurídico previsto no art. 5º, inc. LXXIII, da

Constituição Federal, passível de ser manejado por qualquer cidadão, destinado a

anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à

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moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da

sucumbência.

“A ação popular é meio constitucional posto a disposição de qualquer cidadão para obter a

invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivo

do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades públicas

estatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público” 2.

Trata-se de instrumento de defesa disponível para a coletividade, visando

evitar ou reprimir ato lesivo ao patrimônio, bastando que para isso preencha as

condições previstas na Lei nº 4.71765, que regula a ação popular.

Encontra-se perfeitamente adequada a opção pelo ajuizamento de ação

popular, vez que configurada a ocorrência do ato lesivo e preenchidos os requisitos

legais.

DA NATUREZA DAS CONCESSÕES

O Estado é o responsável pela prestação de serviços públicos e como não

tem condições de realizar todas as suas funções sozinho DELEGA a outras pessoas

jurídicas a responsabilidade pela sua execução.

A delegação é hipótese de descentralização administrativa, que pode ser

Legal, quando concedida a pessoas da própria Administração Direta e pode ser

Negocial, quando concedida a pessoas jurídicas de direito privado por meio de

concessão ou permissão.

2 Meirelles, Hely Lopes e Mendes, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 33ª ed.,Malheiros, São Paulo, 2010.

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Tal instituto encontra previsão no art. 175 da Constituição Federal,

disciplinado detalhadamente pela Lei nº 8.987/1995, dada a sua importância.

Tomaremos emprestada a definição do doutrinador José dos Santos Carvalho Filho

acerca da concessão:

“Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração

Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa

atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas

pelos usuários”. 3

Relata o requerente, que por meio da Lei Estadual nº 3.693/84 o Poder

Executivo autorizou a constituição de uma empresa pública denominada Companhia

de Transportes Urbanos da Grande Vitória – CETURB GV vinculada à Secretaria de

Estado do Interior e dos Transportes (fls. 10). Na mesma lei determinou a

concessão única e exclusiva dos serviços intermunicipais de transportes de

passageiros da aglomeração urbana da Grande Vitória.

Alega que em razão da exclusividade deferida pela lei, a requerida CETURB

GV firmou várias subconcessões com as outras empresas requeridas, sem a

observância da obrigatoriedade de licitação.

Afirma que tais contratos foram realizados por meio de Termo de Permissão e

receberam aditivo por meio da Lei nº 5720/98, que prorrogou a permissão pelo prazo

de 15 (quinze) anos a contar de 18 de agosto de 1998.

3 CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro. Ed. Lumen Jures,2007, p. 328.

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A título de esclarecimento reputo importante a transcrição do art. 5º da Lei

Estadual nº 3.693 de 06/12/1984, que institucionalizou o Sistema de Transportes

Urbanos da Aglomeração Urbana da Grande Vitória:

“Art. 5º – A CETURB-GV será a concessionária única e exclusiva dos serviços

intermunicipais de transportes públicos de passageiros da Aglomeração Urbana da

Grande Vitória, por prazo indeterminado, a partir de sua constituição.

Art. 6º – A Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória – CETURB GV

executará as atividades e funções do Sistema de Transportes Urbanos da Aglomeração

Urbana da Grande Vitória, definido no art. 2º desta Lei, podendo especialmente: (...)

II – operar, diretamente ou através de terceiro, mediante permissão, autorização ou outro

ato administrativo, os serviços de transporte coletivo de passageiros”.

Alega o requerente que o artigo acima constitui grave violação ao art. 175

Constituição Federal ao art. 210 da Constituição Estadual e ainda aos artigos 14, 16

e 40 da Lei nº 8987/95, que trata das Concessões e Permissões de Serviço Público.

Quanto a necessidade de promover a licitação, leciona José dos Santos

Carvalho Filho:“A lei de concessões não somente assentou a obrigatoriedade de licitação para a

escolha do concessionário, como ainda fixou que a modalidade licitatória para o caso é a

concorrência, aplicando-se a exigência que para as concessões simples, que para as

precedidas da execução de obra pública”.4

Em que pese a justificativa da CETURB-GV, de que agiu dentro da legalidade

observando estritamente a lei estadual, tal argumento não se presta a acobertar a

violação constitucional e infraconstitucional.

4 CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro. Ed. Lumen Jures,2007, p. 334.

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A Constituição Federal de 1988, no seu art. 175 previu expressamente a

obrigatoriedade de licitação, para os regimes de concessão e permissão de serviços

públicos. Considerando que a Lei Estadual nº 3.693 é anterior à Constituição, ela

deveria ter se adaptado, para atuar em conformidade com a norma suprema.

A Lei nº 8.987 de 1995, disciplinou o art. 175 da Constituição e ratificou no

seu art. 14º a obrigatoriedade de licitação, para os casos de concessão ou

permissão de serviço público. Transcrevo:

“Art. 14 – Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução será

objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observâncias dos

princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios

objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório”.

A licitação é procedimento de observância obrigatória para a concessão e

subconcessão de serviço público e a última só tem validade se tiver havido

autorização do Poder Público e referência no contrato de concessão. Na lição de

José dos Santos Carvalho Filho: “Para evitar favorecimentos ilegais, impõe-se em

qualquer hipótese, procedimento de licitação para a escolha do subconcessionário.”

Apesar da promulgação da lei específica, a Lei Estadual nº 5720 de 1998

(após a Lei 8987) prorrogou a permissão (que foram feitas sem licitação), pelo prazo

de 15 (quinze) anos a contar de 18 de agosto de 1998.

Tal conduta fere frontalmente os princípios da Administração Pública, em

especial o da impessoalidade e moralidade, que por meio das licitações concede

igualdade de condições para todos os participantes e ainda a contratação pelo

menor preço.

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Em caso análogo de ausência de licitação em transporte coletivo o STJ

reconheceu a nulidade de todos os atos de concessão e ainda em controle incidental

a inconstitucionalidade da norma, senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI MUNICIPAL. NULIDADE DE ATO

ADMINISTRATIVO. ELEIÇÃO DE VIA ADEQUADA. CONTROLE INCIDENTAL DE

CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE.

1. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de

Duque de Caxias e contra algumas empresas de ônibus ao argumento de que o serviçode transporte coletivo vem sendo prestado pelas empresas mediante termo decompromisso e obrigações há mais de quarenta anos, sem respeito à Lei deLicitações e à Constituição Federal. Requer-se a nulidade de todos os instrumentos

delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento

licitatório e a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1469/69.

2. É pacífico o entendimento nesta Corte Superior no sentido de que a

inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde

que a título de causa de pedir - e não de pedido -, uma vez que, neste caso, o controle

de constitucionalidade terá caráter incidental. Precedentes.

3. Como se observa, o Parquet pugnou pela nulidade de todos os instrumentosdelegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância doprocedimento licitatório. É evidente que o pedido de nulidade de todos os instrumentos

delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento

licitatório não incide na hipótese em que o objeto é da ação é a declaração de

inconstitucionalidade de atos normativos. Nesse caso, nada impede que, comofundamento para a decisão, ocorra o controle incidental de constitucionalidade”.

4. Recurso especial provido.(REsp 1222049/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL

MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 05/05/2011)

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Sendo assim inequívoca a lesão perpetrada pelas requeridas ao permitir (no

caso a CETURB) e firmarem (as outras requeridas) termos de permissões sem a

realização de licitação pública.

DA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE;

O controle de constitucionalidade é forma de averiguação da compatibilidade

das leis com a Constituição Federal. Tal controle tem por objetivo evitar que norma

contrária à Constituição permaneça no ordenamento jurídico.

Existem diversas formas de controle, dentre eles o controle incidental ou por

via de defesa - quando o juiz decide sobre um fato concreto declarando-o contrário

aos preceitos constitucionais. Neste caso, o juiz soluciona apenas o litígio posto à

sua apreciação, produzindo .efeitos somente entre as partes do processo (inter

partes).

O autor pretende a declaração de incidental de inconstitucionalidade do art.

52 da Lei nº 5720/98, que prevê:“O Estado visando garantir a qualidade do atendimento aos usuários e o princípio da

atualidade, com a necessária amortização dos investimentos realizados, manterá ou

prorrogará pelo prazo de quinze (15) anos, a contar da data de publicação desta lei, as

atuais concessões, permissões e autorizações para a exploração dos serviços de

transporte coletivo rodoviário intermunicipal e intermunicipal urbano de passageiros, que

estejam sendo praticados pelas empesas transportadoras”.

A referida Lei prorrogou os prazos das concessões anteriormente permitidas por

outra Lei Estadual de nº 3693/84, que no seu ar. 5º concedeu poderes a CETURB-GV de

concessionária única e exclusiva dos serviços de transporte público intermunicipais e ainda

no art. 26 previu expressamente a obrigatoriedade de licitação, senão vejamos:

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“Art. 26 – É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de

concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.

§1º – A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência”.

Verifico que a Lei nº 3693/84 respeitou o comando constitucional, quanto a

previsão de obrigação de licitação pelas empresas públicas. No entanto, nenhuma

licitação foi realizada desde a edição da lei em 1984.

Em outra ponta, a Lei nº 5720 de 1988 além de prorrogar indevidamente o

prazo das concessões para 15 anos, em nenhum momento exigiu a realização de

licitação, atuando assim em flagrante afronta a Constituição Federal e também a

própria Lei Estadual nº 3693/84.

Em caso assemelhado o STJ chamado a se manifestar permitiu a declaração

incidental de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública, conforme ementa

que segue:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI MUNICIPAL. NULIDADE DE ATO

ADMINISTRATIVO. ELEIÇÃO DE VIA ADEQUADA. CONTROLE INCIDENTAL DE

CONSTITUCIONALIDADE.POSSIBILIDADE.

1. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de

Duque de Caxias e contra algumas empresas de ônibus ao argumento de que o serviçode transporte coletivo vem sendo prestado pelas empresas mediante termo decompromisso e obrigações há mais de quarenta anos, sem respeito à Lei deLicitações e à Constituição Federal. Requer-se a nulidade de todos os instrumentos

delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento

licitatório e a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1469/69.

(...)

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3. Como se observa, o Parquet pugnou pela nulidade de todos os instrumentos

delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento

licitatório. É evidente que o pedido de nulidade de todos os instrumentos delegatórios

outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento licitatório não

incide na hipótese em que o objeto é da ação é a declaração de inconstitucionalidade de

atos normativos. Nesse caso, nada impede que, como fundamento para a decisão,ocorra o controle incidental de constitucionalidade.

4. Recurso especial provido. (REsp 1222049/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,

2ª T., j. em 26/04/2011, DJe 05/05/2011)”

Ante o exposto em consonância com o art. 175 da Carta Magna, com a Lei nº

8987 de 1995 e ainda com o art. 210 da Constituição Estadual declaroincidentalmente a inconstitucionalidade do art. 52 da Lei Estadual nº 5720/98.

DO VALOR DA CAUSA

Atendendo a necessidade legal de valor da causa o autor apontou às folhas

38 um cálculo por estimativa, do que provavelmente poderia ser o lucro de cada uma

das requeridas multiplicado por 15 anos.

O art. 258 do Código de Processo Civil disciplina a atribuição de valor a

causa e dispõe no art. 259, V que: “quando o litígio tiver por objeto a existência,

validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio jurídico o valor da causa será o

valor do contrato”.

O requerente justifica por meio de suas suposições que o valor da causa é de R$63

milhões. Apesar de nenhuma das partes ter impugnado tal quantia, entendo que ela não

pode ser acolhida, vez que despida de provas no processo, já que em nenhum momento o

requerente juntou contratos ou termos de permissões que comprovassem tais valores.

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Importante colacionar que a ação popular tem o intuito de anular ou declarar a

nulidade de atos lesivos ao erário, não podendo servir de via indireta para o

cometimento de outra legalidade.

Se por acaso fosse admitido o valor proposto pelo requerente, a condenação

em honorários resultaria em uma fortuna, valor incompatível com a moralidade

pública, podendo se falar até em enriquecimento ilícito.

Tal entendimento encontra guarida no STJ, no sentido de que o juiz pode

reduzir o valor da causa de ofício, visando adequação ao benefício econômico

visado com o processo, senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSORES

CONCURSADOS DO COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE

PERNAMBUCO. PERCEPÇÃO DE HORA-AULA. EXECUÇÃO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. VALOR DA CAUSA. CORRESPONDÊNCIA COM O VALOR

ECONÔMICO PRETENDIDO. CORREÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR EXORBITANTE. REDUÇÃO. OFENSA AO

ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE

DISPOSITIVOS FEDERAIS. SÚMULAS 211/STJ E 282/STF. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO

LOCAL. SÚMULA 280/STF. (...)

3. Constatada a discrepância entre o benefício econômico pretendido pelos autores

e o valor atribuído a causa, é possível que se determine, de ofício, a correção dovalor atribuído à causa. Precedentes.

(REsp 1257605/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,

julgado em 15/09/2011, DJe 21/09/2011)”

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Nas palavras do mestre Hely Lopes Meirelles, quanto a finalidade da ação

popular e seus beneficiários:

“Tal ação é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por

qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuaispróprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato

desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O

cidadão promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a

Constituição Federal lhe outorga”.5

Assim considerando que o maior beneficiário de tal decisão é o povo, o

cidadão capixaba, diminuo o valor da causa para R$100.000,00 (cem mil) reais.

DISPOSITIVO

Considerando que a CETURB-GV, empresa concessionária do serviço

público, teve tempo suficiente para se adequar a CF de 1988 e promover as

licitações e não o fez espontaneamente, portanto necessária a intervenção judicial

para o restabelecimento da legalidade.

Embora haja obrigação da CETURB-GV em realizar permissões e

concessões por licitação pública, tal questão não pode ser resolvida de uma hora

para outra, sob pena de inviabilizar o atendimento de transporte público

intermunicipal à população.

Assim, necessária a ponderação de interesses e razoabilidade, visando ao

mesmo tempo, adequar a situação à legalidade e garantir a prestação dos serviços

de transporte.

5 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo:Editora Atlas, 2008, p. 184, Op cit NEIRELES, HelyLopes. Estudos e Pareceres. Cit.p. 369.

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Atendendo aos princípios em questão, entendo razoável a fixação de prazo

para cumprimento da presente decisão.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE, o pedido para

DECLARAR A NULIDADE de todos os termos de permissões, contratos, convênios

e assemelhados firmados pela CETURB-GV, que tenham por objeto a prestação de

serviço de transporte público intermunicipal, independentemente da nomenclatura

adotada, firmados sem a observância de licitação pública, salvo para excepcionais

casos previstos na Lei 8.666/93, vedando-se a adoção de semelhante prática no

futuro, sob pena de configuração de crime e ato de improbidade.

Nesse sentido concedo o prazo de 12 (doze) meses a partir da intimação

desta para, deflagrar licitação pública, visando a outorga de permissão de serviço

público de transporte público intermunicipal, executá-la e, posteriormente, firmar os

contratos de adesão, na forma do art. 8.987/95.

Trata-se de nulidade absoluta, que acompanha as permissões desde a

origem, entretanto, como os serviços de transporte foram efetivamente prestados,

não há que se cogitar pela devolução dos valores pagos à CETURB-GV, vez que

poderia acarretar o enriquecimento sem causa do requerido. Assim modulo os

efeitos da decisão para valerem a partir do escoamento do prazo supra.

Em relação as requeridas Brisa-Mar Transportes Urbanos Ltda e Flávia

Transportes Urbano Ltda, EXTINGO o processo sem resolução de mérito, na forma

do art. 267, VI do CPC, face ao reconhecimento da ilegitimidade passiva

Em consonância com o art. 175 da Carta Magna, com a Lei nº 8987 de 1995

e ainda com o art. 210 da Constituição Estadual declaro incidentalmente ainconstitucionalidade do art. 52 da Lei Estadual nº 5720/98.

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Condeno os demais requeridos solidariamente ao pagamento de honorários

advocatícios, que arbitro em R$10.000,00 (dez mil reais) considerando o trabalho

desenvolvido pelo advogado do requerente e o interesse econômico subjacente a

mesma, em observância ao art. 20, § 4º do CPC.

Demanda isenta de custas, nos moldes do art. 5º, LXXIII da CRFB.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Vitória/ES, 03 de Maio de 2012.

JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS JUIZ DE DIREITO