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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE UNIDADE CARMO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL TRABALHO DE MONOGRAFIA AÇÃO RESCISÓRIA E A POSSIBILIDADE DE RESCINDIR SENTENÇA QUE VIOLA DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI. Alex Sandro Pires Simões Orientador: Prof. Jean Almeida. Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 2006.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPROJETO A VEZ DO MESTRE

UNIDADE CARMOCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL

CIVILTRABALHO DE MONOGRAFIA

AÇÃO RESCISÓRIA E A POSSIBILIDADE DE RESCINDIR SENTENÇA QUE VIOLA DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI.

Alex Sandro Pires SimõesOrientador: Prof. Jean Almeida.

Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 2006.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

AÇÃO RESCISÓRIA E A POSSIBILIDADE DE RESCINDIR SENTENÇA QUE VIOLA DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI

Trabalho de Monografia apresentado ao Projeto a Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como parte dos requisitos para a obtenção do Grau de Especialista em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Jean Almeida.

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALEX SANDRO PIRES SIMÕES

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPROJETO A VEZ DO MESTRE

UNIDADE CARMOCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL

CIVIL

AÇÃO RESCISÓRIA E A POSSIBILIDADE DE RESCINDIR SENTENÇA QUE VIOLA DISPOSIÇÃO LITERAL DE LEI.

Alex Sandro Pires SimõesOrientador: Prof. Jean Almeida.

JANEIRO, 2006.

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Dedico este trabalho a todos os

amantes do direito que nunca

desistem de lutar pelos seus ideais,

lutar pelos seus objetivos com

garra, destreza e acima de tudo

com lealdade. A busca pela justiça

deve ser, sem sombra de dúvida, o

ideal do profissional do direito em

busca da prestação jurisdicional do

Estado com o objetivo maior de

concretizar a verdadeira vontade

da lei, que é o bem comum.

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Nesta oportunidade gostaria de

agradecer em primeiro lugar ao

meu Deus que sempre me deu

força nos momentos que precisei.

Em segundo gostaria de agradecer

ao meu professor orientador pela

oportunidade que me foi concedida

ao aceitar o encargo de me auxiliar

neste trabalho. Também gostaria

de agradecer a minha namorada

que nunca deixou que eu

desanimasse de prosseguir e a

minha mãe que sempre cuidou de

mim e a todos meus amigos e

colegas, meu muito obrigado.

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“Aplicar uma lei com errônea interpretação é o mesmo que não aplicá-la”(João Mendes, Direito Judiciário, 2a , Ed, pág, 526).

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RESUMO

A ação rescisória é uma medida autônoma onde o interessado busca a prestação jurisdicional do Estado que o lesou durante um processo. O fato é que se constitui dever deste observar se seus julgados estão de acordo com o ordenamento jurídico. Para esse intuito serve a medida, que é uma ação desconstitutiva que atacará um julgado que ofender a disposição literal de lei. Neste trabalho procuraremos demonstra de forma plausível os possíveis casos em que se pode atacar a sentença que tenha transitado em julgado quando esta viola disposição literal de lei, pois há que verificar se é toda a lei que violada autoriza a rescisão do julgado. Inobstante a tais dados concluímos nesta pesquisa que há normas que não irão autorizar a rescisão do julgado tendo em vista a sua peculiaridade, que será tratada ao longo deste trabalho. Frise-se desde já que apesar da rescisória ser uma ação e de todos os tribunais assim o afirmarem, a prática judiciária nos mostra que apesar disso o instituto ainda é tratado como se fosse recurso, tendo em vista às várias restrições que são postas a ele, e que será demonstrado no curso desta exposição.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I

1.1 INTRODUÇÃO __________________________________________ p. 11

1.2 HISTÓRICO _____________________________________________ p.13

1.3 CONCEITO _____________________________________________ p. 18

1.4 NATUREZA JURÍDICA____________________________________p.23

CAPÍTULO II

2.1 PRESSUPOSTOS__________________________________________p.25

2.2 TRANSITO EM JULGADO__________________________________p.26

2.3 SENTENÇA DE MÉRITO____________________________________p.27

2.4 COISA JULGADA __________________________________________p.31

2.5 DECISÃO RESCINDENDA ___________________________________p. 32

CAPÍTULO III

3.1 PETIÇÃO INICIAL _________________________________________p. 36

3.2 PEDIDO ___________________________________________________p.39

3.3 VALOR DA CAUSA _________________________________________p.42

3.4 DEPÓSITO _________________________________________________p.43

3.5 DECADÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO ______________________p.46

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CAPÍTULO IV

4.1 DECISÃO QUE VIOLA LEI__________________________________p.51

4.2 LAPSO TEMPORAL DE LEI _________________________________p.54

4.3 DECISÃO QUE FERE LEI PROCESSUAL ______________________p.61

4.4 DECISÃO QUE VIOLA DEC-LEI _____________________________p.63

4.5 DECISÃO QUE FERE LEI ESTADUAL ________________________p.65

CAPÍTULO V

5.1 DECISÃO QUE VIOLA MP ___________________________________p.66

5.2 DECISÃO QUE VIOLA O PACTO INTERNACIONAL _____________p 69

5.3 DECISÃO QUE FERE REG INT. DO TRIBUNAL _________________p.70

5.4 DECISÃO QUE FERE UMA NORMA CONSTITUCIONAL _________p.71

6 CONCLUSÃO _______________________________________________p.76

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _____________________________p.79

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INTRODUÇÃO

Noções Gerais

O presente estudo tem como objetivo primordial analisar como ocorre a

rescisão da sentença que viola a literal disposição de lei, já que o tema é

polêmico e ainda, abre uma grande margem, como veremos, de se poder

atacar a coisa julgada material que é aquela na qual não se pode impetrar

nenhum recurso.

A Ação Rescisória, como modalidade de ação autônoma, tem como

característica principal atacar, em regra, a sentença de mérito eivada de algum

vício, que a priori, não se convalesceu com o trânsito em julgado da mesma.

Isso significa dizer que teremos que diferenciar ao longo do trabalho, as

nulidades do processo sanáveis e as que não sanam com o trânsito em julgado

da sentença mérito.

Nesta exposição faremos um breve histórico sobre o instituto,

procurando demonstrar, de forma plausível, a evolução do tema no lapso

temporal dos tempos.

Também demostraremos as posições doutrinárias com relação ao

conceito e a sua natureza jurídica, procurando suscitar as divergências ora

ocorridas, e as que se tornaram pacíficas no pensamento jurídico positivo.

Falaremos ainda sobre os requisitos da medida, analisando cada um

deles de acordo com a boa doutrina e utilizando-se também dos

posicionamentos jurisprudências que giram em torno do tema.

Ainda discorreremos sobre os requisitos da petição inicial de Ação

Rescisória, já que ela não é qualquer ação, mas uma medida que visa

desconstituir a coisa julgada, por isso se faz necessário uma plena análise do

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que a lei prevê e o que a doutrina e a jurisprudência entendem sobre o

assunto.

Faz-se necessário afirmar desde logo que este trabalho não tem como

esgotar o assunto da ação rescisória, pois de fato, além de ser bastante

controvertido, não iríamos alcançar a profundidade desejada em nenhuma das

espécies previstas no art. 485 do CPC. Este também foi um dos motivos que

me levou a escolher o tema ora proposto.

Além do mais falaremos do depósito que é imprescindível para que o

tribunal receba a inicial, sob pena de indeferi-la.

No que concerne a boa doutrina e jurisprudência, nos atentaremos a

abordar sobre a possibilidade do instituto em justo confronto com o lapso

temporal de vigência de lei.

Nesse ínterim falaremos também se só a decisão que transita em

julgado é que pode ser rescindida, ou seja, se poderá haver outras decisões

que não analisam o mérito que poderão sofrer o ataque da rescisória.

Fato interessante e que será abordado neste estudo é sobre a

possibilidade de ingressar com a rescisória quando a lei do acórdão

rescindendo for de interpretação controvertida nos tribunais, pois o tema é

bastante divergente principalmente na jurisprudência.

Outra questão a se discutir é se será possível atacar uma decisão

judicial com base em uma lei inconstitucional, já que a mesma só pode ser

declarada pelo Supremo Tribunal Federal e se declarada inconstitucional como

fazer para atacar a sentença viciada. Cabe ainda averiguar qual seria o lapso

temporal para se atacar tal decisão, já que a norma inconstitucional é nula de

pleno direito.

É verídico ainda que se afirme que o presente estudo tem grande

relevância social, já que ocorre nos tribunais vários ajuizamentos de demandas

visando desconstituir uma decisão judicial, mas apesar disso, a maior parte das

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ações são julgadas improcedentes, às vezes por falta de preparo do

profissional do direito.

Tendo em vista tais argumentos é essencial que nos aprofundemos no

presente estudo, entendendo sempre que a Ação Rescisória tem como

finalidade primordial garantir a justiça das decisões, já que se constata ao

longo dos tempos vários erros judiciais que não se pode aceitar no Estado

Democrático de Direito.

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CAPÍTULO I

1.1 Histórico

O pensamento de se rescindir um ato judicial fulminado de vício está

ligado precipuamente as rescisões dos atos jurídicos em sua generalidade.

Pontes de Miranda1 dizia que no Direito Romano não se poderia admitir que

atos civilmente ineficazes, mas com conteúdo inidôneo, ficassem com sua

eficácia restringida enquanto que os atos civilmente válidos, mas com conteúdo

impróprio ou contrário ao direito prevalecesse.

Apesar disso, é sabido que no direito romano o fato de alguma regra

processual importante não ser observada em uma determinada decisão judicial

não era causa de rescisão desta, já que para este tipo de ato não era

necessário denunciá-lo através de recurso, nem tampouco de ação autônoma.

A decisão era simplesmente considerada inexistente (nulla sententia, que

significa dizer nenhuma), por isso, era esta alegável a qualquer tempo, não

importando se esta inclusive fosse ferir a actio iudicati.

Mas foi no direito Italiano com a máxima influência dos germânicos e

elementos romanos, que se consolidou o entendimento de que era necessário

criar um remédio que pudesse, de modo autônomo, denunciar os erros in

procedendo, um remédio judicial, no qual foi denominado querela nullitalis, que

não tem aspecto de ação, mas de imploratio officii iudicis. Este comportava

basicamente duas espécies à saber: a querela nullitatis sanabilis e a querela

nullitatis insanabilis. A primeira ligada ao vício sanável no ato jurídico e a

segunda ligada a vícios que não se convalesciam com o passar do tempo.

Como medida excepcional, a primeira foi utilizada em grande parte dos

ordenamentos europeus, sendo, porém absorvida pela apelação; o que

1vide a respeito PONTES DE MIRANDA, Tratado de Ação Rescisória das sentenças e de outras decisões, 4a edição, forense, RJ, 1964, pg. 64.

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drasticamente não ocorreu com a segunda que desapareceu por falta de

utilidade.2

Mas a verdade foi que a querela não foi o único remédio que surgiu para

angariar a decisão inócua, junto com ela também se utilizou a restitutio in

integrum, que nasceu no direito romano, mas que teve sua força bem ampliada

pelo direito comum. Neste tipo de impugnação, o objeto dela não era atacar

uma sentença ou decisão que contivesse algum vício, seja ele material ou

processual; mas o seu principal objetivo era desconstituir aquela decisão que

era proferida contra a equidade. Em outras palavras, este remédio se servia

basicamente para atacar as sentenças que eram julgadas contra a injustiça, já

que se poderia criar um mal maior que seria a existência de uma manifestação

do Estado sobre determinado fato contrário à ordem jurídica3.

No direito brasileiro se observa que ocorreu uma fusão dos institutos,

tendo em vista que ora encontramos elementos da querela nullitatis; ora

elementos da restitutio in integrum.

No rol do art. 485 encontramos a possibilidade de se pedir a rescisão da

sentença quando na eventualidade da obtenção de documento novo, da qual a

parte não poderia dispor no momento do processo e que se tivesse sido

demonstrado teria mudado o rumo do julgamento. Neste caso especificamente

não há nenhuma espécie de vício, a sentença é perfeita. Mas o legislador

previu esta hipótese preocupando-se principalmente com as injustiças das

decisões. Ora aí está demostrado, de forma clara, a aplicação do restitutio

integrum.4

Já no direito português, encontramos um significativo avanço na

dicotomia do ordenamento jurídico, tendo em vista que o Código Felipino, a

Ordenação do L. III, Tít. LXXXV, previa que “sentença que é per direito

2 MOREIRA, José Carlos, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, arts 476 a 565, 6a ed., Forense, RJ, 1994; p.100.3 . Idem, p. 1024 MOREIRA, Ob. Cit. p.100.

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nenhuma, nunca em tempo algum passa em cousa julgada”5. Entendemos que

a prática do dispositivo descrito se encaixaria nas hipóteses onde o processo

fosse inexistente, como é o caso do processo sem a citação ou com citação

inválida.

De qualquer forma o Brasil que sofreu muita influência de Portugal, pois

optou pela dicotomia dos recursos, ou seja, em ações autônomas de

impugnação.

Logo após a estes fatos o instituto foi previsto no regulamento 737, de

1850, que preconizava em seu art. 680, as possíveis causas de nulidades que

seriam adaptadas aos seguintes casos:

§1º - Sendo dado por juiz incompetente suspeito, peitado ou subornado;

§2º - sendo proferida contra a expressa disposição da legislação

comercial(e, posteriormente, da processual civil, segundo o que prescreveu

o Decreto nº 763, de 19/09/1890);

§3º - Sendo fundada em documentos ou depoimentos julgados falsos em

juízo competente;

§4º - Sendo o processo em que ela foi proferida anulado em razão das nulidades

referidas no capítulo antecedente6.

Preservar o que é justo, sem dúvida essa foi a maior preocupação do

legislador brasileiro, tanto o foi que com a vigência da Constituição de 1891

abriu-se a possibilidade de os Estados criarem seus próprios Estatutos

Processais. Com isso houve expressa previsão do instituto no Código de

Processo da Bahia, art. 1361; do Distrito Federal, art. 302; do de Minas Gerais,

5 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, ed. da Universidade de SP, SP, 1981,p. 556 FADEL, Sérgio Sahione, A Ação Rescisória e o Novo Código de Processo Civil, MSR – Biblioteca do Tribunal de Justiça. 347.959 – F1 44 a.p. 9

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art. 173; do Rio Grande do Sul, art. 504; do Rio de Janeiro, art. 2.276; e do de

Pernambuco, art. 162.8

E assim prosseguiu até a entrada em vigor do Código de Processo

Nacional, que regulamentou à partir de1939 toda a norma processual em todo

o território nacional. Mais uma vez a ação rescisória teve sua expressa

previsão no art. 798 que reza:

art. 798: Será nula a sentença:

I – quando proferida:

a) por juiz peitado, impedido ou incompetente ratione materiae;

b) com ofensa à coisa julgada;

c) contra literal disposição de lei;

II – quando o seu principal fundamento for prova declarada falsa em juízo criminal,

ou de falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória.7

Como podemos constatar do texto acima, desde que praticamente

surgiu o direito, sempre houve a preocupação dos legisladores das

ultrapassadas épocas em nulificar os atos contrários ao ordenamento jurídico,

dando ênfase e procurando sempre, a justiça das decisões com amparo na

norma legal.

Mas com relação ao tema da violação de disposição literal de lei, em

pesquisa realizada, constatou-se que as primeiras notícias que se tem sobre a

decisão que viola disposição o dispositivo é na Constituição 2a de Alexandre

(“quando provocare nom et naecesse” – VII, 64), da ordenação (L. 3º, Titulo 75,

segundo a qual era possível a todo o tempo a revogação da sentença “que é

7 Idem p.9/14.

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dada contra direito expresso”)8. Em análise do dispositivo vemos que a

sentença que ofendia um direito, não importando qual a espécie, era possível

pedir a desconstituição da decisão revestida da vicissitude que se analisa.

Ainda no campo legal temos o art. 680, §2º, do Regulamento nº 737de 1850

que rezava “sendo proferida contra expressa disposição de lei comercial”.

Na visão do ilustre jurista Sabriano de Souza citado por COQUEIJO

COSTA9, este artigo tinha como finalidade precípua à de “prevenir a hipótese

de uma contradição flagrante, formal, manifesta, entre a tese legal e em

princípio em que se tenha baseado a sentença para condenar ou absolver”.

Isso se dá basicamente tendo em vista que é competência única e exclusiva do

Estado de dizer o direito, mas o fato de haver pronunciamentos contrários a

norma jurídica por parte do próprio Estado faz pressupor uma das maiores

avenças a toda a ordem estatal conhecida.

1.2 Conceito

A melhor doutrina aponta com muita veemência que quando buscamos

um conceito de determinado objeto se faz plenamente necessário um estudo

prévio e qualificado do tema a fim de que não escape ao conceito outras

causas relevantes. O art. 485 do Estatuto Processual Civil prevê que “a

sentença já transitada em julgado pode ser rescindida quando:”.

Como se observa do próprio artigo, no rol do artigo 485 só se poderá

rescindir a sentença. Para entendermos melhor o conceito da rescisória é

necessário diferenciar a nulidade, a inexistência e a ineficácia.

Para José Carlos Barbosa Moreira10, a sentença inexistente é:

8 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, ed. da Universidade de SP, SP, 1981,p. 559 SOUZA, Sabriano, Op. Cit. apud COSTA, Coqueijo, Op. Cit. p.55.10 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, arts 475 a 565, Vol V, 1994, p, 106.

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A sentença desprovida de elemento essencial, como o dispositivo, ou

proferida em ‘processo’ a que falte pressuposto de existência, qual seria

o instaurado perante órgão não investido de jurisdição, é sentença

inexistente, e será declarada tal por qualquer juiz, sempre que alguém a

invoque, sem necessidade ( e até sem possibilidade) de providência

tendente a desconstituí-la: não se constitui o que não existe.

Devemos reparar que o iminente jurista coloca entre aspas a palavra

processo, ele quis dar a idéia de que apesar da utilização do termo, o mesmo

não poderá produzir efeitos no ordenamento por que simplesmente ele nunca

existiu já que lhe faltou um elemento imprescindível a sua existência.

Seguindo essa mesma linha encontra-se o posicionamento do jurista

ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO11, que fala em seu livro que:

Os elementos gerais, sintetizando o que foi dito neste parágrafo até aqui, são,

pois, aqueles sem os quais nenhum negócio existe. Podem ser: a) intrínsecos (ou

constitutivos): forma, objeto e circunstâncias negociais e b) extrínsecos (ou

pressupostos): agente, lugar e tempo do negócio.

E a sentença inexistente se diferencia da ineficaz no sentido de que a

última tem plena existência no ordenamento jurídico. Para Caio Mário da Silva

Pereira12 a ineficácia é a “ recusa de efeitos quando, observados embora os

requisitos legais, intercorre obstáculo extrínseco, que impede se complete o

ciclo de perfeição do ato.”. O ato então será ineficaz quando embora exista no

ordenamento jurídico e embora seja completo, há algo impeditivo que lhe tira a

conclusão dos efeitos que são previstos e esperados.

11 AZEVEDO, Antonio Junqueira, Negócio Jurídico, existência, validade e eficácia,4a ed., editora Saraiva, SP,2002, p. 34. 12 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol. I, 19a ed; Forense, RJ, 2000,p. 404.

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A sentença será então nula quando esta for proferida sem a

observância de um preceito fundamental de validade. Para TEREZA ARRUDA

ALVIN PINTO13 a nulidade “é o estado em que se encontra um ato, que lhe

torna passível de deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos,

destroem-se os já produzidos.”. Cite-se como exemplo a sentença ultra-petita.

A rescindibilidade do ato emanado do Estado só se dará nas hipóteses

das nulidades, quando a sentença tiver alcançado o trânsito em julgado. E no

caso não será qualquer nulidade que se transformará em causa de rescisão da

sentença, mas aquelas que estão arroladas nos incisos do art. 485 do CPC.

Então podemos conceituar a Ação Rescisória como uma modalidade de

ação autônoma e independente que visa desconstituir uma sentença que tenha

analisado o mérito e, pedindo um novo julgamento para a questão.

Voltando a questão do conceito, na visão do Jurista Modestino M.

Netto.14, equivocaram-se os autores Bueno Vidigal e Amaral Santos na

conceituação da medida, já que não conseguiram de forma plausível dar a

perfeita idéia do instituto. E este faz sua crítica com as seguintes palavras:

Incompleta, dessarte, a definição de Bueno Vidigal, adotada por Amaral

Santos, de que “a rescisória é a ação pela qual se pede a declaração da

nulidade da sentença”, aliás, respaldados no segundo.

E conclui o mesmo autor15 o seu raciocínio com as seguintes

palavras:

13 PINTO, Tereza Arruda Alvin, Nulidades da Sentença, editora RT, SP, 1987, p. 62. 14 NETTO, Modestino Martins, Da Ação Rescisória cível e trabalhista, Edições Trabalhistas S.A, RJ, 1976; p.28.15 Idem, p. 28

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Como pacífico, toda a sentença tem uma parte declarativa que, em

relação à ação rescisória, será a de pronunciar a nulidade da sentença

rescindenda. Mas nem só essa parte. Ao reconhecer a nulidade, o juízo

rescindente decide pela extinção da relação jurídica expressa na

sentença declarada nula e, por via de conseqüência, RESCINDIDA

Já na excelentíssima visão do grande jurista José Carlos Barbosa

Moreira:

“ Chama-se Rescisória à ação por meio da qual se pede a

desconstituição da sentença trânsita em julgado, com eventual

rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.

E mais uma vez, o autor Modestino M. Netto faz a sua crítica ao conceito

ora dado por Moreira com as seguintes palavras:

Incompleta, por tudo isso, também a definição de J.C. BARBOSA

MOREIRA, (Coment. Ao Cod. Proc. Civil, Forense, Vol V, pg. 95) quando

diz que RESCISÓRIA é a ação por meio do qual se pede a

desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual

rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”. Em verdade, pede-se a

desconstituição, por eivada a sentença de vício INSANÁVEL, de

NULIDADE, posta diante do juiz, o que inocorreria de outra forma pela

barreira da “res judicata”, para reconhecer a NULIDADE e PRONUNCIÁ-

LA, a fim de RESCINDIR A SENTENÇA NULA, restituindo o feito ao

“statu quo ante”, para retomada do curso de uma causa

DEFINITIVAMENTE ENCERRADA PELO TRANCAMENTO DA “RES

JUDICATA.

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Em nossa concepção não deve prevalecer a opinião ora dada pelo autor

pela análise dos seguintes argumentos. Como dissemos anteriormente ao

conceituar determinado objeto deve se dar a sua idéia principal não entrando

em peculiaridades, que seriam as características do instituto. Não

concordamos com tal crítica tendo em vista que ação rescisória não se dá

apenas quando falamos em nulidade da decisão judicial, pois haverá

possibilidade também de se perquirir a demanda desconstitutiva quando o

prejudicado com o julgado obtiver documento novo. Nesse caso não há

nenhum vício na sentença que se encontra em perfeita consonância com o

ordenamento jurídico, mas há sim, mera possibilidade de o autor da demanda

pedir a desconstituição da decisão se baseando no fato de que se tivesse tal

documento na época do julgado com certeza mudaria o curso da medida

judicial pleiteada.

O conceito que fora proposto pelo prof. José Carlos Barbosa Moreira

traz a idéia principal do instituto, pois a ação rescisória visa tão somente atacar

a sentença que foi revestida da coisa julgada, que contenha ou não algum dos

vícios previstos na lei processual. É necessário, entretanto, bastante cuidado,

já que a medida servirá tão somente para atacar a sentença, nunca a coisa

julgada, pelo simples fato de ser ela somente efeito da decisão proferida.

Lembra também o professor e jurista HUMBERTO THEODORO JR.16

em sua obra que o posicionamento do jurista Bueno Vidigal que defende que a

ação rescisória é uma “ação pela qual se pede a declaração de nulidade da

sentença”. Para o professor com o devido respeito ao autor, defende que tal

entendimento não deve prevalecer, tendo em vista que só se pode falar em

nulidade quando estamos diante de um processo em curso, ou em outras

palavras, o remédio apropriado para atacar a nulidade é o recurso, nunca a

rescisória, tendo em vista que esta somente servirá para atacar uma sentença

ou acórdão com um vício.

16 VIDIGAL, Bueno, e SANTOS, Amaral, Op. Cit. Apud JÚNIOR, Humberto Theodoro, pg.592.

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Ainda o professor17 explica com muita propriedade que apesar do nulo

jamais produzir efeito, não necessitando, por óbvio nenhuma declaração de

nulidade; no caso da sentença transitada em julgado é necessário pleitear a

desconstituição da sentença, pois caso esta não ocorra, o julgado prevalecerá

por força constitutiva das coisas julgada.

Então podemos concluir que o que é nulo no processo continuará sendo

até que alguém o declare ou ocorra o trânsito em julgado da decisão. Existindo

esta última, o que era nulo, o deixará de ser. Mas este poderá se tornar um

vício na sentença se houver a possibilidade de sua previsão em algum inciso

do artigo 485 do CPC.

1.3 Natureza Jurídica

Para que venhamos descobrir a natureza jurídica do instituto é preciso

uma análise para se saber o que aquele objeto representa para o direito. No

direito anterior a doutrina se dividia, uns defendendo ser a Ação Rescisória um

recurso, outros defendiam ser uma ação autônoma de impugnação.

Hoje é pacífico18 o entendimento que a ação rescisória é uma ação

autônoma, que não se confunde como uma espécie de recurso, pois este visa

à discussão de uma matéria processual ou material em um determinado

processo da decisão do órgão jurisdicional anterior que proferiu a sentença;

enquanto que a Ação Rescisória visa atacar a sentença revestida com alguma

espécie de vício, que é um ato imperativo do Estado, com o objetivo de

desconstituí-la.

17 JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 38 ed. forense, RJ,2002, p. 592.18 . Entre todos, José Carlos Barbosa Moreira, Alexandre Câmara, Humberto Theodoro Júnior, entre outros.

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Na visão do jurista ANTONIO MACEDO DE CAMPOS19, que possui o

mesmo entendimento que PONTES DE MIRANDA20, a ação rescisória “é uma

ação constitutiva negativa”, ou seja, é uma medida desconstitutiva que tem

como objeto aniquilar a decisão que ofende um dos incisos apontados no 485

do CPC."

Apoiamos a posição do citado autor já que o instituto tem como causa

a destruição da sentença que ofendeu uma das normas de ordem pública que

estão arroladas no estatuto processual vigente.

19 CAMPOS, Antonio de Macedo, Ação Rescisória de Sentença, Sugestões literárias. S/A, SP, 1976, pg.72.20 MIRANDA, Tratado da Ação Rescisória das sentenças e de outras decisões, 4a edição, forense, RJ, 1964, p.14

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CAPÍTULO II

2.1 Pressupostos

Muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência sobre os pressupostos

da ação rescisória, pois ocorreu uma mudança significativa no novo estatuto

processual de 73 em comparação ao CPC de 39, já que no anterior era clara a

possibilidade da rescisão de qualquer sentença seja de mérito ou somente

terminativa. Sendo que no atual código temos a possibilidade única de rescindir

somente as decisões com julgamento de mérito. Mas em contra partida, temos

um aumento das possibilidades de se poder desconstituir a decisão revestida

de certa iniquidade.

Para o professor ANTONIO MACEDO DE CAMPOS21, apoiando a visão

do jurista JOSÉ FREDERICO MARQUES, dois são os pressupostos para que a

ação rescisória seja devidamente recebida, são estes:

a) existência de sentença passada em julgado, esclarecendo que o art. 485

do CPC menciona expressamente sentença de mérito;

b) possibilidade de invocação de causas de anulação da sentença, todas

previstas em lei.

Nesse ponto não há divergência na doutrina e na jurisprudência sendo

defendida este ponto de vista por vários processualistas como Humberto

Theodoro Júnior22, Alexandre Câmara23, José Carlos Barbosa Moreira24 e

outros.

21 CAMPOS, Antonio Macedo, Ação Rescisória de Sentença, 2 ed. editora Sugestões Literárias S/A, SP, 1976,p. 85.22 JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 38 ed, Forense, RJ, 2002, p. 593.23 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. II, 3a edição, editora Lumens Juris, RJ, 2000, p. 09.

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Versaremos a seguir sobre ao dois requisitos citados.

2.1.1 Transito em julgado

Em nosso ordenamento jurídico, um dos requisitos para que possa se

impugnar a sentença buscando a sua rescisão é que esta tenha transitado em

julgado. Para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA25, a sentença será

rescindível quando contra ela “não se admitir nenhuma espécie de recurso”,

seja “ordinário ou extraordinário”, nem ainda sujeita a revisão “ex vi legis” ao

duplo grau de jurisdição. A partir dessa análise é que podemos concluir que

não se poderá no atual código impugnar, via de regra, a decisão terminativa, já

que nesta ocorre somente à preclusão formal da matéria, podendo esta ser

discutida em outro processo. Em outras palavras, o fato de o processo ter sido

extinto sem julgamento do mérito não impede que o autor possa renovar a lide.

O autor que intentasse a medida desconstitutiva com o objetivo de

rescindir o ato judicial sem que este tenha analisado o mérito da questão,

estaria esta ação sem interesse processual, já que é possível ao autor discutir

a matéria em outro processo. Neste caso, o próprio relator do tribunal poderá

declarar o autor carente de ação, extinguindo o processo sem julgamento do

mérito.

Mas as questões provenientes do trânsito em julgado não param por aí,

já que existem casos de sentenças que não operam o trânsito em julgado,

como é o caso das sentenças proferidas em ação de alimentos, que segundo a

lei que a regula não transita em julgado (Lei 5478/78, art. 15). Diz o citado

artigo que: “Art.15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e

24 MOREIRA, José Carlos Barbosa, coment. Cod. Proc. Civil, arts 475 a 565, Vol V, 6a edição, editora forense, RJ,1994, p. 115/117. 25 Idem, p.115.

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pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação

financeira dos interessados26.”

Analisando literalmente a norma constata-se que será impossível o

ingresso da ação rescisória já que faltaria interesse em postular a medida, pois

não haveria impedimento para autor em renovar a demanda. E neste sentido

encontram-se alguns acórdãos (JTJ 176/248).

Mas o posicionamento que mais se coaduna com a ordem jurídica ao

nosso ver, está ligado a entendimento defendido por NELSON NERI JR27, que

destaca que apesar da norma de caráter alimentar dizer que a decisão não

transita em julgado; este autor explica que estas sentenças possuem intrínseca

a cláusula “rebus sic stantibus”, o que no caso explicaria a formação da coisa

julgada, e posteriormente, a revisão da causa. Relata o grande jurista que:

A sentença de alimentos tem ínsita a cláusula rebus sic stantibus. Ainda

que literalmente a LA 15 diga que “não transita em julgado”, a sentença

proferida em ação de alimentos é, sim, coberta pela autoridade da coisa

julgada, sendo suscetível de ser impugnada por ação rescisória.

(RJTJSP 60/280). Em virtude da cláusula rebus sic stantibus, caso mude

a situação de fato, pode ser ajuizada nova ação de revisão ou

exoneração da pensão alimentícia. Esta será outra, nova ação, porque

fundada em outra causa de pedir: não é idêntica a anterior (CPC, art.

301, §2º). Assim o ajuizamento da segunda ação e a sentença que será

nela proferida não ofenderão a coisa julgada anterior.

Nesse mesmo sentido, temos as palavras do MODESTINO M. NETTO,

que em seu livro diz que:

26 BRASIL, Lei Ordinária Federal nº 5478/78, Editora Saraiva.27 JÚNIOR, Nelson Nery, e NERY, Rosa Maria de Andrade, Cód. Proc. Civil Comentado, 6a edição, editora Revista dos Tribunais, 2002, SP, p. 799.

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CLÁUSULA “REBUS SIC STANTIBUS” – De considerar, ainda, as

denominadas sentenças com cláusula “rebus sic stantibus”, ou decisões

instáveis, ou sentenças determinativas, que, para alguns, se incluem

entre as decisões que não produzem a coisa julgada. São sentenças

com fundamento no art. 471 do Cód. Proc. Civil: “Art. 471. Nenhum juiz

decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide,

salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio

modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte

pedir a revisão do que foi estatuído na sentença.

E reforça o seu entendimento com as seguintes palavras:

Tais julgados decidem de RELAÇÕES CONTINUATIVAS, que se

desdobram no tempo e ‘segundo KOHLER, a sentença foi dada, em tais

casos, na pressuposição de que, mudando as circunstâncias, ocorra a

modificação’. Existe, pois, reserva implícita, que se faz explícita com o

outro e posterior julgado, cláusula “rebus sic stantibus” implícita

(PONTES DE MIRANDA, Com, Cód. Proc. Civil, 1959, Vol. IV, pág.

120).28

Como visto, o caso perfeitamente se encaixa com a norma adjetiva, não

havendo por tanto nenhum impedimento para que a sentença transite em

julgado. Assim fica provado que é possível o ingresso da ação rescisória neste

tipo de sentença. Esse entendimento cresce na jurisprudência possuindo até

pronunciamentos do STJ29.

28 NETTO, Modestino Martins, Da Ação Rescisória Cível e Trabalhista, edições trabalhistas SA, RJ, 1976, p.160/16129 STJ – 4a Turma, Resp 12.047-SP, rel. Min. Athos Carneiro, j.18.02.92, não conheceram, v.u; DJU 9.3.92, p. 2.585, RJTJESP 43/288, 60/280.

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2.1.2 Sentença de mérito

Para que ocorra a decisão é requisito da medida desconstitutiva a

análise do mérito. Ou em outras palavras, para que seja recebida a ação

rescisória com possibilidade de atacar a decisão judicial é necessária que haja

uma decisão que julgue o mérito que alimentava a lide. Isso se dá tendo em

vista que as decisões que, em regra, não analisam o tema central da

controvérsia não impedem que o autor ingresse com a medida judicial para

que o poder judiciário aprecie a demanda.

Por isso apesar de o art. 269 do CPC estipular as hipóteses de onde a

sentença termina “com julgamento do mérito”, o entendimento que prevalece

hoje é no sentido de que somente nas hipóteses onde o juiz avalia a lide é que

se pode falar em rescisão. Lide na visão do Prof. ALFREDO BUZAID citado por

ANTONIO MACEDO DE CAMPOS30, é “um conflito de interesses caracterizado

pela pretensão resistida”, e somente nesse caso é que poderemos falar em

rescisão. O que significa dizer que somente os casos dos incisos I, IV do 269 é

que poderá se dar o ataque da rescisória já que somente nestas se produzirá à

coisa julgada com a prestação jurisdicional definitiva.

Isso se dá pelo fato de que apesar do artigo citado utilizar a expressão

em seu caput “de mérito”, não poderá à luz deste instituto perquirir a rescisão

da sentença caso ocorra alguma daquelas hipóteses prevista no inciso II, III, ou

V, pois naquelas não poderá falar que o magistrado apreciou o mérito da lide e

na linguagem da medida desconstitutiva só poderão ser objeto as que assim

procederem.

Entretanto, tais manifestações judiciais não ficarão isentas de revisão

pois nestes casos perfeitamente é cabível a ação anulatória, prevista no art.

486 do CPC, aonde irá se observar o que disciplina legislação substancial.

30 BUZAID, Alfredo, Op. Cit. Apud, CAMPOS, Antonio Macedo, Op. Cit. p. 86.

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Antes de adentrarmos ao tema da coisa julgada analisaremos a

possibilidade de se rescindir a sentença homologatória de sentença

estrangeira, já que esta também não possui um cunho decisório, ou seja não

avalia o mérito da questão.

Em virtude deste fato, alguns juristas31 entendem que não poderá esta

decisão ser atacada pela rescisória, já que o pressuposto da mesma é que a

decisão judicial tenha analisado o mérito da lide. Como na homologação de

sentença estrangeira a única questão a ser ventilada é a validade desta no

território que foi expedida, não haveria a possibilidade de rescindir tal decisão,

em virtude dos fundamentos que foram, apontados no início deste tópico32.

Entretanto para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA33, será possível o

ingresso da medida desconstitutiva para atacar este tipo de decisão proferida

pela jurisdição brasileira. Defende este posicionamento fundamentando que

para efeito de pressuposto da rescisória neste caso, o mérito não é a lide

propriamente dita, mas a validade do processo produzido em sede estrangeira.

Ocorrendo qualquer violação no devido processo legal no país alienígena e

tendo esta sentença sido homologada pelo STF, possível será o ingresso da

medida desconstituiva para rescisão do julgado, afim de que aprecie e julgue a

causa .

2.2 Coisa Julgada

Sabemos que a coisa julgada é aquela que torna imutável e indiscutível

uma decisão, seja dentro do mesmo processo ou não. Também é de nosso

31 SANTOS, Ernane Fidélis, Manual de Direito Processual Civil, Vol. II, 8a ed, Saraiva, 2002, p. 608. 32 FADEL, Sérgio Sahione, Ação Rescisória e o Novo Código de Processo Civil, MRS, Biblioteca do Tribunal de Justiça, 347.959 F1 44a, p.118.33 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, arts 476 a 565, 6a ed., Forense, RJ, 1994, p. 114.

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conhecimento que esta é pressuposto da ação rescisória já que é justamente

ela que irá inibir que as partes possam renovar a lide.

Há controvérsia sobre o efeito que a ação rescisória produz em relação

à coisa julgada. Há aqueles34 que defendem que a medida desconstitutiva irá

somente afastar a coisa julgada tendo em vista a sua imutabilidade. Outros35

entretanto, entendem que a ação rescisória irá destruir a coisa julgada, já que a

lide é novamente avaliada dentro do processo. Acreditamos que o melhor

posicionamento esteja com este último pois a coisa julgada não é efeito da

sentença, mas qualidade daquela. Sendo assim, a ação rescisória irá acabar

com a coisa julgada, permitindo ao magistrado a análise do deslinde, podendo

julgar contrariamente ao que foi decidido em feito anterior.

Nesse mesmo sentido temos o posicionamento do grande jurista

ALEXANDRE CÂMARA36, que relata que: “ ‘A ação rescisória’ faz desaparecer

a coisa julgada, o que implica remoção do obstáculo à nova discussão acerca

daquilo que já havia sido decidido por sentença firme.”

Isso se dá tendo em vista que a coisa julgada está ligada ao conteúdo

da sentença. Assim, ocorrendo à ação desconstitutiva, se esta for julgada

procedente e houver mudança no entendimento do aplicador da norma poderá

ele julgar contrariamente ao que foi decidido na primeira sentença. Nesse caso,

não se pode falar em afastamento da coisa julgada já que se mudando o

conteúdo da sentença, temos a aniquilação da coisa julgada que se operou no

feito anterior.

E este fato não fere em nada na disposição prevista em nossa Carta

Magna, (art.5º, XXXVI), já que a coisa julgada não possui proteção

constitucional absoluta. Para que o leitor compreenda melhor o que se diz,

34 MOREIRA, Ob. Cit. p. 10635 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil,. Vol II, 3 ed, Editora Lumens Juris, RJ, 2000, p. 07.36 Idem, Idem.

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citaremos as palavras de PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA37, que citado

por JOSÉ AUGUSTO DELGADO, que nos fala da coisa julgada na

Constituição Federal:

Consoante se observa da leitura do dispositivo, a regra nele esculpida se

dirige ao legislador ordinário. Trata-se, pois, de sobre-direito, na medida em

que disciplina a própria edição de outras regras jurídicas pelo legislador ou

seja, ao legislar é interdito ao poder legiferante ‘prejudicar’ a coisa julgada.

É esta a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional.

Tudo o mais no instituto é matéria objeto de legislação ordinária.

Daí podemos concluir que a força atribuída à coisa julgada na Lei Maior

só limita a esfera legislativa, criando um requisito obrigatório para o legislador

infra-constitucional que terá sua liberdade abreviada. Assim, todas as outras

regras devem estar em plena igualdade jurídica, por se tratar de matéria abaixo

da Constituição.

2.3 Decisão rescindenda

Há que se frisar ainda que, na hipótese de ocorrer algum recurso para a

esfera superior, se esta acolher o recurso, será contra ele que deverá ser

dirigida a rescisória, pois esta é que decidirá o mérito da causa. Nessa mesma

linha de pensamento, temos o posicionamento do grande jurista JOSÉ

37 LIMA, Paulo, Op. Cit. Apud Delgado, José, Coisa Julgada Inconstitucional, Coordenação Carlos Valder do Nascimento, 2a ed, América Jurídica, RJ, 2004, p.40.

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CARLOS BARBOSA MOREIRA38, que diz: “ ... se contra a sentença se interpôs

algum recurso, e este chegou ao órgão ad quem, só se pode dizer que ela

transitou em julgado, caso este órgão deixe de conhecer o recurso, ou --- na

hipótese equivalente --- o relator, com fundamento em alguma norma legal

(e.v.; Lei 8038-90, art. 38), o rejeite por inadmissível”

Grande discussão se deu na jurisprudência e na doutrina para se saber

o que era rescindível, ou seja, qual a decisão que era possível de se

desconstituir quando a parte sucumbente impetra o recurso e este é julgado

deserto. O STF e o JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA39, entendem que

somente é atacável a decisão que cujo o mérito tenha julgado, não se podendo

fugir dessa assertiva. Entretanto para PONTES DE MIRANDA40 ,a ação

rescisória tem a plenitude de atacar também a decisão que não seja de mérito,

desde que dessa não se pudesse utilizar nenhuma espécie de recurso, ou em

outras palavras, havendo decisão terminativa que impeça que seja discutida

novamente a matéria, se poderá a qualquer instante pleitear a rescisão da

mesma, naturalmente dentro do prazo que será objeto de estudo mais à frente.

Nessa mesma linha de pensamento, apresentamos um trecho do

trabalho publicado pelo professor Antonio Aurélio Abi Ramia Duarte41 expositor

da EMERJ, que dizia:

Assim, decisões que não atinjam o mérito da demanda impedem que a

ação seja novamente intentada, podem e devem ser desconstituídas,

porquanto seria extremamente grave que, da definitividade das decisões,

resultasse uma situação atentatória ao direito.

38 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Cód. Proc. Civil, Vol. V, arts 476 a 565, 6a ed., Forense, RJ, 1994, p.116.39 Idem, p. 113, nota 34.40 MIRANDA, Pontes, Coment. Cód. Proc. Civil, Tomo VI, 3a ed, Forense, 1995, p. 109.41 DUARTE, Antonio Aurélio Rabi Ramia, Rescindibilidade da Coisa Julgada Formal, Disponível em:

<site:http://www.netflash.com.br/justicavirtual/artigos/art47.htm.>data: 25-ago-05, às 23:38:40.

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E para justificar o seu posicionamento, explanou o seguinte julgado:

Rescisória. Coisa julgada material. Coisa julgada formal. Acórdão que

não aprecia mérito. Violação a literal dispositivo de lei. Prazo. Intimação

em feriado. Dies a quo. A coisa julgada formal é elemento da coisa

julgada material, porque esta se forma com a ocorrência daquela.

Portanto, pode ser atacada pela ação rescisória a decisão que inadmite

o recurso, se tal decisão criou a coisa julgada formal. (TJ-MG, CPC nos

Tribunais, Darcy Arruda Miranda Junior e os, p.5074)

Então há que se entender aqui o seguinte problema, a regra é a rescisão

da sentença de mérito, ou seja, aquela decisão que aprecie o pedido feito pelo

autor na medida jurisdicional pleiteada. Caso o vício esteja intrinsecamente na

decisão que não analisou o mérito proferida por juiz de 1º grau, não se poderá

ajuizar a rescisória, tendo em vista que o autor poderá renovar a demanda.

Mas quais serão aquelas decisões que ao não apreciarem o mérito

impedem que o autor intente novamente a demanda? Temos como exemplo o

acolhimento pelo juiz da perempção, litispendência e coisa julgada previstas no

Estatuto Processual vigente, no artigo 267, V c/c art. 268 e ainda na hipótese

de o autor der causa ao abandono da causa por mais de três vezes conforme

previsto no parágrafo do mesmo artigo.

Nestes casos além não haver julgamento do mérito da pretensão, ainda

o autor fica impossibilitado de ingressar com uma nova medida para discutir

novamente a matéria que foi ventilada na ação ajuizada. Diante deste fato se

ficar constatado qualquer dos vícios previstos incisos do art. 485 do CPC

autorizado está a rescisão da sentença.

Seguindo este mesmo raciocínio se ocorrer por exemplo, uma decisão

interlocutória irrecorrível revestida com um vício, poderá se pedir a rescisão

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dessa decisão, pois esta apesar de não julgar o mérito, impede que o autor

renove a demanda.

Destaca-se desde logo que o tema não é pacífico na jurisprudência

havendo decisões no sentido que entendem ser possível à rescisão do julgado

com violação literal de lei nas decisões interlocutórias e outro tantos

defendendo que não é possível o ingresso da medida por ser decisão que não

aprecia o mérito42.

42 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002 p.501.

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CAPÍTULO III

3.1 Petição Inicial

A peça inaugural da rescisória não é muito diferente da petição inicial

que conhecemos pois esta deverá observar sempre os requisitos dos artigos

282 e 283 do CPC, que reza o que a petição inicial deve conter. Analisando do

ponto de vista processual analítico, percebe-se claramente mais uma prova de

que a ação rescisória não pode e não poderá ser jamais considerada como um

recurso, já que esta obedece taxativamente à imposição feita a toda e qualquer

inicial.

Dispõe o art. 488 do CPC:

Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos

requisitos essenciais do artigo 282, devendo o autor:

I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo

julgamento da causa;

II – depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da

causa, a título de multa, caso a ação seja, por unaminidade de votos,

declarada inadmissível, ou improcedente43.

Como já foi dito, a ação rescisória deve conter necessariamente em sua

inicial todos os requisitos previstos no estatuto processual para a sua efetiva

validade. Apesar da norma legal utilizar o termo “ requisitos essenciais”,

podemos concluir que ali não há requisito que não seja essencial, já que pela

simples falta de qualquer uma daquelas exigências obstará que a peça seja

43 BRASIL, Lei Ordinária Federal, nº5869/73

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recebida. Nesse caso, cabe ao magistrado ordenar que o autor emende ou

complete a inicial. Ocorrendo o prazo sem a devida e competente regularização

da peça, caberá ao julgador indeferir a petição inicial, extinguindo o feito sem

julgamento do mérito.

COQUEIJO COSTA44, cita em seu livro as palavras de PONTES DE

MIRANDA, que defende a tese de que não é caso de inépcia da inicial da

rescisória o fato de seu autor não indicar os fundamentos jurídicos do pedido,

apesar de tal posicionamento contrariar em tese o que dispõe o inciso III do ar.

282 do CPC, que solicita que na inicial deva ter “os fundamentos jurídicos do

pedido”. Corrobora o autor com o entendimento de MIRANDA, mas coloca uma

ressalva, pois para ele no caso de rescisão onde se aponte como causa

petendi o inciso V do art. 485, é vedado ao juiz utilizar o iura novit cúria45 .

Como em outras peças processuais, não é determinante na ação

rescisória que a inicial seja dirigida ao órgão competente para que esta venha a

ser válida, cabendo ao juiz verificando ser ele incompetente, declarar-se como

tal, e, enviar os autos para o órgão que ele considere competente para apreciar

a matéria.

Bem diferente desta, é a hipótese na qual a ação se funda na decisão

que não era a competente para a rescisão, ou seja, quando a ação é proposta

em “erro na identificação da decisão rescindenda”. Esta se dá quando ao invés

do autor apontar para a rescisão o acórdão que decidiu literalmente a lide, ele

aponta a sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. Ora, nesse caso

especificamente não podemos falar que houve erro na identificação do órgão,

só simplesmente a inicial foi encaminhada ao órgão indicado na peça

processual, em virtude de má identificação da decisão a ser rescindida. Neste

caso, nada poderá fazer o relator à não ser indeferir a petição inicial, pois neste

caso não é lícito ao órgão judicial modificar o pedido46.

44 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, editora da Universidade de SP,SP,1981, p. 87.45 Idem. Idem.46 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts 475 a 565, RJ,1994, p.175.

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Contudo apontamos e frisamos a importância do artigo 283 do CPC, já

que este exige que “a petição seja instruída com os documentos indispensáveis

à propositura da ação”. Ora, grande parte da doutrina e da jurisprudência já se

posicionaram a respeito deste dilema, explicando que os documentos

indispensáveis para que se ajuíze a ação rescisória serão: 1 – “A guia do

depósito prévio; 2- A decisão rescindenda e 3 - A certidão do seu trânsito em

julgado47.”

Com esse entendimento, o TST fixou também a Súmula 107 que reza:

“É indispensável à juntada à inicial da ação rescisória da prova do trânsito em

julgado da decisão rescindenda, sob pena de indeferimento liminar”. Nesse

ínterim podemos concluir que é necessário à parte autora provar que já houve

o trânsito em julgado para que a sua ação seja definitivamente recebida. Essa

questão da prova que o autor deve produzir deverá ser rigorosamente

observada, já que cabe a ela o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito

(CPC, art. 333, I).

Entretanto decidiu o STF48 que apesar de a prova do trânsito em julgado

ser obrigatória não poderá o relator extinguir o feito declarando o autor carente

de ação desde logo, devendo o mesmo dar o prazo do art. 284, para que o

autor realize a citada prova.

Há ainda a hipótese de a desconstituição do julgado não ser

necessariamente seguido pelo novo julgamento feito pelo tribunal. Haverá

casos de o tribunal rescindir a sentença e encaminhar os autos para que estes

sejam devidamente julgados pelo órgão competente. É o que se dá, por

exemplo, na rescisão com base na incompetência absoluta, a não ser que

obviamente, seja competente para apreciar a matéria o próprio Tribunal49.

47 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, editora da Universidade de SP,SP,1981, p. 85.48 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002, p. 503.49 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol. V, arts 475 a 565,RJ,1994, p. 176.

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3.1.1 O Pedido

Como em toda peça processual a inicial deve conter um pedido. Este é,

sem sombra de dúvida, um dos elementos essenciais que devem constar na

petição, (CPC, art.282), a sua falta resultará tão somente no indeferimento da

inicial com base no § Ú do art. 295, I do CPC. Na ação rescisória o autor deve

“cumular o pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento”. No

estatuto processual de 73 foi definido o que era impreciso na doutrina que

gerava grandes discussões e posicionamentos diferentes sobre a possibilidade

ou não de cumulabilidade do indicium rescindens e do iudicium rescisorim, já

que são as etapas em que se desdobram a ação50.

Normalmente na ação rescisória se pedirá obrigatoriamente: a rescisão

da sentença e o novo julgamento para a demanda. A expressão usada pelo

código “se for o caso”, é a exceção desta regra particular que será na hipótese

de o autor querer somente desconstituir a sentença, não sendo obrigatório a

ele pedir o novo julgamento.

Ainda com relação à possibilidade da cumulação dos pedidos entende-

se que essa prerrogativa não é mera faculdade para o interessado, tendo em

vista que, se o autor não solicitar a acumulação dos pedidos, dará o magistrado

prazo para que o mesmo emende a inicial, (10 dias).

Se ocorrendo o transcurso do prazo sem a necessária modificação, não

restará saída ao juiz de salvar a inicial, pois deverá, por si só, indeferi-la, já que

não pode o representante do Estado suprir o pedido de novo julgamento, pois

se assim o fizer, estaria decidindo além do que o autor pediu, ferindo deste

modo, a regra do artigo 293 do CPC 51.

50 Idem51 Idem, p. 176/177.

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40

Com posicionamento contrário encontra-se o jurista COQUEIJO

COSTA52, pois para ele apesar de a acumulação ser obrigatória, pode o juiz de

ofício supri-la. Este autor cita em seu livro o posicionamento do jurista PONTES

DE MIRANDA, no qual relata que: “Aliás, como doutrina Pontes de Miranda, ‘o

autor não está inibido de pedir somente o ofício recendente, se possível, posto

que se haja de supor, na dúvida, que pediu os dois’ (‘Comentários ao CPC’,

Tomo IV, Forense, pág. 213)”.

Por isso este autor defende que a falta do pedido de novo julgamento

não é causa de indeferimento da inicial podendo o magistrado, se quiser, pedir

ao autor que emende a inicial.

Lembra ainda este jurista que não será em todas as hipóteses que se

pedirá ao Estado que este profira um novo julgamento para a demanda. De

fato, ocorrendo à hipótese prevista no inciso IV (ofensa à coisa julgada), não

será necessário pedir um novo julgamento para a demanda já que a simples

desconstituição da sentença posterior restaurará os poderes advindos na

primeira decisão.

Há ainda um acórdão proferido no Tribunal do Estado do Rio de Janeiro

que reconheceu outra possibilidade de só se admitir o juízo rescindens. Eis o

acórdão:

Ação rescisória. Violação literal de disposição de lei. Morte de advogado

do autora. Causa de suspensão do processo desde a dato de sua

ocorrência, mesmo que o juiz só venha a tomar conhecimento ao depois.

Suspensão que se opera "ex tunc". Quebra do princípio do contraditório.

Nulidade dos atos praticados no período da suspensão, inclusive do

sentença, Arts. 264, I, 266, e 485, V, todos do CPC. Conforme estatui a

lei processual civil (arts. 264, I e 266), a morte do procurador da porte

importo suspensão do processo, e enquanto suspenso o feito é defeso

praticar qualquer ato processual, à exceção dos reputados urgentes,

52 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, LTr, editora da Universidade de SP, SP, 1981, p.89.

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41para evitar dano irreparável. A suspensão decorre do fato apontado;

logo, inicia-se desde o momento em que ele ocorra, pois o despacho que

a determina limita-se a tornar certa a ocorrência do fato. A suspensão

opera-se 'lex tunc". A nulidade do processo, por ofensa aos arts. 264,I, e

266 do CPC, autoriza a rescisão do sentença, para o prosseguimento do

feito: mas não o julgamento do pedido "rescissorium". (Brasil, TJRJ, 13a

Câmara Cível, AR nº 00129, Desemb. Nametala Machado Jorge, Julg.

Em 15-12-03. Disponível em :www.tjrj.gov.br/jurisprudências. Acesso

em:18-08-05, às 00:16:40.

Aplaudimos a inteligência do acórdão já que houve prejuízo a ampla

defesa quando não houve a suspensão do processo. Nesse ínterim não se

poderia falar em juízo rescisorium pois foram considerados nulos todos os atos

praticados depois da morte do procurador, e neste caso, deve o processo

retornar a seu estado a quo.

Partindo-se deste assertiva podemos concluir que na ação rescisória se

pedirá obrigatoriamente:

1. A rescisão da sentença; e,

2. O novo julgamento para a demanda.

Com relação à segunda hipótese, pode-se dizer que esta em regra é

obrigatória, entretanto precisaremos esclarecer alguns pontos. Assim poderá

ocorrer de a desconstituição do julgado não ser necessariamente seguido pelo

novo julgamento feito pelo tribunal, já que haverá a hipótese de o tribunal

rescindir a decisão e encaminhar os autos para que estes sejam devidamente

julgados pelo órgão competente. Isso se dá, por exemplo, no fato de a

sentença estiver com vício fundamentado na incompetência absoluta. A

exceção a esta regra seria a circunstância de ser o próprio tribunal que

desconstituiu a decisão, ser o competente para apreciar a matéria53.

53 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol. V, arts. 475 a 565, RJ, 1994, p.176/177.

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3.1.2 Valor da Causa

Como se sabe, é exigência da lei processual que toda ação deve ter um

valor, (CPC, art. 258), já que esta configura um dos elementos essenciais da

petição inicial. No que se refere à Ação Rescisória o valor da causa será o

referencial para se saber qual o valor do depósito que será efetuado por

exigência do art. 488, II do Código de Ritos.

O artigo 258 do Código de Processo Civil não disciplina qual será o valor

da causa na ação rescisória. Nesse caso, será tarefa da doutrina e da

Jurisprudência apontar qual será o valor que deverá ser dado à demanda.

Isto posto, deve-se verificar se a medida desconstitutiva irá atacar a

decisão por completo ou só parcialmente. Isso é importante, pois será deste

fato que saberemos qual o valor que será atribuído na rescisória.

Enfrentando o tema, o professor carioca54 destacou que em virtude da

omissão legislativa, deve-se resolver o impasse de acordo com os princípios

gerais. Nessa linha coloca este jurista que deverão ser observadas as

seguintes assertivas:

a)que o valor da causa se fixa, basicamente, em função do que o autor

pretende conseguir, ou seja, do pedido; b) que a ação rescisória não é

mero prosseguimento da causa em que foi proferida a sentença

rescindenda, mas ação distinta e autônoma, a cujo exercício

corresponde a um novo processo, inconfundível com o anterior; c) que,

mesmo quanto ao rejulgamento da causa, nas hipóteses em que caiba, a

pretensão deduzida pode não coincidir, em sua significação econômica,

com a apreciada no primeiro feito.

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Isso significa dizer que o valor atribuído à ação rescisória poderá ser o

da ação que se deseja rescindir, mas não obrigatoriamente já que haverá

casos em que o valor poderá ser maior do que a demanda rescindenda; outros

que poderá ser menor. Esses casos ocorrerão em virtude do objeto que se

deseja rescindir.

3.2 O Depósito

Esse depósito, segundo a lei será sempre exigível do autor que querer

desconstituir uma decisão, exceto para a União, Estados, Municípios, (CPC,

art. 488, §Ú).

Com relação ao seu valor será de 5% do valor da causa na rescisória. A

quantia depositada em juízo terá praticamente dois efeitos:

a) Impedir que a ação rescisória se torne um recurso; e,

b) Recompensar o acionado em caso de indeferimento da ação.

O primeiro efeito se justifica pelo fato de que o futuro autor da rescisória

ao perder o valor do depósito em favor do futuro réu fará com que o mesmo

reflita sobre a possibilidade ou não de acionar o Estado com a medida

desconstitutiva.

Antes de mencionar a justificativa do segundo elemento frise-se que o

réu somente irá receber a quantia depositada se a ação for julgada

inadmissível ou ainda improcedente por unanimidade. Neste episódio entendeu

o legislador que a justa causa que seria uma das constatações previstas no art.

54 Idem, p.178.

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485 deveria efetivamente ser mostrada da inicial. Sendo assim, julgada a causa

improcedente por unanimidade, a perda do depósito seria uma espécie de

punição a ser aplicada ao autor da rescisória.

Entendemos que se justificaria o segundo elemento partindo do princípio

da tranqüilidade e da paz social, pois o fato de alguém que discorda da decisão

judicial vier toda vez ingressar com uma ação para desconstituí-la, muitas das

vezes sem fundamento apropriado, seria um verdadeiro aborrecimento para a

pessoa que obteve a prestação jurisdicional do Estado de ser importunada pela

mesma pessoa que não teve o seu direito reconhecido. Malgrado esse

entendimento, grande parte da doutrina sustenta que esse depósito deveria ser

revertido para o Estado tendo em vista a demanda gastaria o tempo e a mão-

de-obra do Estado, tendo esse então prejuízo com uma demanda imotivada,

pois afinal de contas o acionado é o Estado.

Diversamente como ocorre na condenação das custas e dos honorários

advocatícios que tem natureza indenizatória já que visa recompor da quantia

que efetivamente se perdeu; a multa na rescisória tem por finalidade específica

desestimular as possíveis demandas que poderiam dar ensejo a várias

multiplicações da rescisória.

É pacífico o entendimento doutrinário555657 com relação ao afastamento

do depósito para as pessoas que fazem jus a gratuidade de justiça,

entendendo assim como gratuitas as hipóteses arroladas no art. 3º da Lei

1060/50 que delimita o alcance da gratuidade. Isso se dá tendo em vista que se

não fosse dado o direito a essas pessoas da rescisória, mitigado estaria o

direito a ação e consequentemente se estaria infringindo o art. 5º XXXV da

Carta Política.

Entretanto o tema não é pacífico na jurisprudência existindo julgados

que entendem que mesmo os beneficiários da justiça gratuita devem efetuar o

55 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, editora da Universidade de SP, SP, 1981, p.90.56 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Com. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts. 475 a 565, RJ, 1994, p.180/181.

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pagamento do depósito (RT 619/147) 3 votos a 2, 622/141 (2 votos vencidos),

JTA 93/14, 105/427 (3 votos a 2), Lex-JTA 153/9.

Já se decidiu que a massa falida encontra-se dispensada de realizar o

depósito para demanda, no entanto, fica a mesma condenada ao seu

pagamento caso seja parte vencida na rescisória.

Se omitiu entretanto o legislador brasileiro com relação à forma de que

se fará o depósito, sendo porém a prática judiciária firmada no sentido de que o

depósito fosse efetuado mediante guia de juízo, antes de ser despachada a

inicial. Acrescenta-se ainda que tal solução foi indicada pela Comissão

Revisora do anteprojeto mas esta não foi acolhida pelo Congresso Nacional.

Contudo, apesar da omissão legislativa essa é a praxe forense onde se

entendeu que o melhor caminho a ser traçado seria o da guia de juízo, através

da Secretaria.

Deve destacar-se que o depósito é ato imprescindível para o

recebimento da ação rescisória, logo se conclui que é condição sine qua non

para que o relator receba a inicial. Há o entendimento de que poderá o relator

receber a peça através da distribuição, mas não será lícito ao mesmo deferi-la

sem que ocorra o depósito.

Há, inclusive entendimento jurisprudencial que em caso de depósito

insuficiente deverá o relator dar prazo para que o autor complemente. Caso

não o faça, deverá o processo ser extinto sem o julgamento de mérito, pelo art.

267, IV do CPC.(TRF- 1a Seção, AR 1.213 – Ag.Rg-SP, rel. Min. Costa Leite, j.

4.12.85, DJU,; 22.05.86, p. 8632; Lex – JTA 148/17)58.

Existe um entendimento de que a falta de disposição legal poderá ser

suprida pelos regimentos interno dos Tribunais. A controvérsia que existia é

57 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil,. Vol II, 3 ed, Editora Lumens Juris, RJ, 2000, p.22.58 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002, P.515/516.

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com relação ao prazo para que ocorresse o depósito. Para José Carlos

Barbosa Moreira59, este deverá ser efetuado dentro do lapso temporal de 5 dias

a contar da expedição da guia de depósito. Já Pontes de Miranda60 defende

que o prazo preclusivo será de 10 dias tendo em vista a regra prevista no art.

284 do CPC. O entendimento deste último autor se apóia basicamente no

sentido de que sendo o depósito imprescindível para a ação, este considera

como essencial para a mesma.

Para se saber qual a posição é realmente a que mais se coaduna com

o ordenamento jurídico devemos analisar o dilema buscando descobrir qual a

natureza jurídica do depósito. Tendo em vista que o último é requisito de

admissibilidade da ação rescisória podemos afirmar então que a sua natureza

jurídica será tão somente de condição de procedibilidade. Sendo assim iremos

apoiar o pensamento do ilustre mestre José Carlos Barbosa Moreira, já que

não sendo o depósito um requisito da petição inicial, o prazo para efetuá-lo

será de 5 dias. Aliás esse é o entendimento do Tribunal de Justiça do RJ que

previu em seu regimento interno tal prazo61.

3.3 DECADÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO

Antes de tratarmos sobre o tema da decadência na ação rescisória

faremos uma breve exposição sobre decadência que será necessário para

alcançar o entendimento que se busca neste trabalho.

A doutrina mais autorizada conceitua a decadência como a perda do

direito de ação e a prescrição como a perda da pretensão do direito. Entretanto

na decadência não se pode falar em perda do direito de ação, pois este é

59 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts 475 a 565, ed. forense, RJ, 1994, p. 182.60 MIRANDA, Pontes, Tratado da Ação Rescisória das sentenças e de outras decisões, 4 ed, Forense, RJ, 1964, p. 89.

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imprescritível diante da ótica constitucional (CRFB/88, art. 5º), podendo

qualquer pessoa a qualquer tempo exercer o direito de ação que é ilimitado. O

que ocorre aqui é que o judiciário julga de plano, negando o direito a que o

autor postula. Nesse caso, o termo mais apropriado seria a perda do direito via

judiciário em virtude do tempo.

E para que falamos isso? O que isso tem a ver com a decadência na

ação rescisória? Veremos agora porque.

A ação rescisória tem como objetivo principal atacar a sentença

proferida pelo judiciário que na qual irá se apontar uma causa petendi que

deverá ser grave para que a rescisão ocorra. Trata-se de direito decadencial

tendo em vista que o autor não poderá se utilizar daquele direito como defesa

em outro processo.

Bom, dispõe o art. 495 do Código de Processo Civil que: “Art. 495. O

direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do

trânsito em julgado da decisão”.

O dispositivo é bem claro e não deixa dúvidas. O prazo de propor a

medida desconstitutiva é decadencial, o que significa dizer que não se

interrompe e nem suspende. Também é fato que o dispositivo diz que a

contagem do prazo será efetuada a partir do trânsito em julgado do processo.

Mas na verdade uma questão fica em aberto pois como se saberá

contar o trânsito em julgado de uma decisão? Para respondermos a esta

indagação citaremos agora as principais hipóteses feitas pelo professor62, que

diz respeito ao momento trânsito em julgado:

61 Ver, Regimento Interno do TJRJ, art. 133.62 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, editora da Univercidade de SP, SP, 1981, p. 119.

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a) a sentença originariamente irrecorrível transita em julgado no

momento de sua publicação, que será o termo inicial do prazo para a

propositura da ação rescisória;

b) se a sentença é recorrível, mas o recurso não foi interposto, o trânsito

em julgado dá-se no termo ad quem do prazo recursal;

c) se o recurso foi interposto intempestivamente, também passa em

julgado no termo final do recurso;

d) se a sentença era recorrível e o recurso foi manifestado em tempo,

mas decorreu in albis o prazo para o preparo, a coisa julgada se forma

no dies ad quem do prazo para o preparo;

e) se houve desistência do recurso, o dies ad quem do prazo

decadencial firma-se no instante em que é validamente requerida;

f) se a parte renuncia ao direito de recorrer, ou aceita a decisão, esta

faz caso julgado no momento da denúncia ou da aceitação, correndo daí

o prazo para a rescisória;

g) se houve sucumbência recíproca, a parte que não recorreu pode

propor ação rescisória, não obstante tenha havido recurso do litigante

contrário e então o trânsito em julgado, para ela, dá-se no termo ad

quem do prazo recursal.

Inobstante a tais dados há uma controvérsia na doutrina que preocupa

em muito o profissional do direito. Trata-se de saber se interposto um recurso e

este tendo ficado mais de dois anos para ser julgado no tribunal, após a sua

análise, a Eg. Corte entende que o mesmo é inadmissível e o declara assim.

Será que a parte poderá propor a ação rescisória nesse caso já que nesta

hipótese irá se contar o prazo a partir da decisão de mérito e não da decisão

que denega o recurso. Será que o autor perderá o seu direito de ação?

O jurista JOSÉ AUGUSTO SILVA LEITE, ao enfrentar o tema de quando

irá começar o prazo para rescisória, destacou o pensamento de vários juristas.

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Entre estes se encontram JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA e ADDA

PELLEGRINE GRINOVER, que segundo o autor entendem que o interessado

poderia propor a ação rescisória estando próximo à extinção do biênio, e pedir

a suspensão da mesma, para que caso o recurso fosse improcedente ou

inadmissível, o tribunal declarando como tal, poderia receber a medida

desconstitutiva.

Isso ocorre por que estes autores acolhem a premissa defendida por

PONTES DE MIRANDA63, que defende que este tipo de decisão tem cunho

declaratório, logo, os efeitos produzidos por esta serão ex tunc, retroagindo os

efeitos da coisa julgada à data da publicação da sentença. Ocorre que tal

posicionamento recebeu algumas críticas que não podiam passar

despercebidas. Sendo assim citaremos os comentários do jurista JOSÉ

AUGUSTO SILVA LEITE64, que em seu artigo sobre o assunto diz que:

A toda prova, essa tese de Pontes de Miranda e Barbosa Moreira

necessita de uma melhor reflexão, já que não identificamos nenhuma

regra de hermenêutica que possa justificar o interesse processual na

propositura de ação rescisória sem o seu pressuposto de constituição: o

trânsito em julgado.

Sendo assim é correto a afirmação de que não seria possível ao autor

da rescisória acionar o Estado com a medida a título de cautela, pois esbarraria

no requisito do trânsito em julgado, imprescindível para toda e qualquer ação

rescisória.

63 MIRANDA, Pontes, Tratado da Ação Rescisória de Sentença e de outras decisões, 4 ed, forense, RJ, 1964, p. 252/253.64 LEITE, José Augusto Silva, O termo inicial do prazo para propositura da ação rescisória, texto disponível em <www.mundojuridico.adv.br/htlm/artigos/documento/texto771.htm.> Acesso em 16-Ago-2005 às 22:36:45.

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Em outras palavras, se o autor intentasse a ação antes de ocorrer o

trânsito em julgado da decisão está seria extinta sem julgamento do mérito,

pois faltaria ao autor da rescisória interesse processual.

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CAPÍTULO IV

4.1 LAPSO TEMPORAL DA LEI

É essencial que se apure qual o momento em que a decisão proferida

pelo Estado-juiz irá ferir uma norma jurídica, pois só assim é que se poderá em

linhas gerais se pedir a rescisão do ato considerado inócuo perante o

ordenamento jurídico.

Como é notório, os nossos legisladores estão a todo o tempo editando

leis que tem por objetivo, segundo eles, o bem estar da nação. Contudo seria

um descuido a não afirmação de que a cada lei que entra em vigor no

ordenamento jurídico, acaba causando a revogação ou derrogação de outra,

fato que pode acarretar inúmeras conseqüências nos atos judiciais, pois afinal

de contas todo ato emanado do órgão estatal dever ser feito dentro da

legalidade, sob pena de ferir até o todo apanhado jurídico de princípios

existentes no mundo normativo.

Analisando sob este dogma, será necessário investigar se a lei que entra

em vigor deve substancialmente ser aplicada no curso do processo ou no final

dos mesmo, neste caso devendo o ato jurídico ficar adstrito à lei anterior, fato

que assim impediria a rescisão da decisão pelo instituto da rescisão sob o

fundamento da violação literal de lei.

A lei de introdução ao Código Civil ao tratar da matéria clausulou que a

lei que entra em vigor não pode desrespeitar o ato jurídico perfeito, o direito

adquirido e a coisa julgada, (LICC, art. 60 ). Neste mesmo sentido seguiu o

nosso legislador do poder constituinte originário ao elaborar em cláusula pétrea

o preceito ora citado.(CRFB/88, art. 50 , XXXVI). Ao nosso ver, a intenção

racional do legislador foi à proteção da coisa julgada, que é o que interessa no

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caso, em relação ao legislador infra-constitucional, protegendo-a de qualquer

reforma por parte deste órgão incumbido de criar as leis em nosso país.

Mas o que isso tem a ver com a matéria estudada por nós?

Simplesmente tudo. Partindo do raciocínio ora exposto podemos dizer que toda

lei que entra em vigor antes de transitar em julgado a decisão jurisdicional do

Estado, deve o mesmo aplicá-la já que a ordem da não aplicação é somente

no que concerne à coisa julgada. Em outras palavras, diante da ordem

constitucional vigente só não caberia a aplicação da lei a um determinado caso

concreto se, e somente se, aquele já detinha um mérito final apreciado não

podendo as partes no caso impetrar nenhum recurso, ou em outras palavras

quando a decisão já tiver transitado em julgado.

Então caro leitor o que constituinte originário fez foi só simplesmente

restringir os efeitos da lei com relação à coisa julgada, e que o legislador não

ampliou não cabe ao intérprete fazê-lo, sob pena inclusive a afronta ao sistema

de princípios.

Então podemos concluir esta parte afirmando que a ação rescisória deve

atacar a decisão que não se insere na nova ordem constituída, ou em outras

palavras, a sentença que for baseada em texto de lei revogado, ab-rogado ou

derrogado, causando neste caso prejuízo à parte contrária que terá interesse

na tutela jurisdicional.

Seguindo este mesmo entendimento foi que o legislador de 73 fez

constar no Livro V – “Das Disposições Finais e Transitórias”, em seu artigo

1211 a obrigatoriedade da aplicação da legislação pertinente até mesmo nos

processos pendentes65. Isso mostra que já naquela época detinha o legislador

tal entendimento de que a norma vigente é a norma aplicável.

Antes de adentrarmos ao mérito da revogação das leis devemos verificar

em qual lapso temporal a nova ordem estatal entrará em vigor, ou seja, a partir

de qual momento que àquela lei entrará em vigor produzindo todos os seus

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efeitos. A regra geral, inserta na LICC diz que a lei nova entrará em vigor no

prazo de 45 dias após a publicação oficial. (art. 1o ).

Ora, se existe a regra é porque temos a presença da exceção, mas

quando ela será aplicada? Se a lei é publicada, mas omissa com relação ao

prazo em que esta entrará em vigor, deverá ser-lhe aplicada à regra, ou seja, a

mesma entrará em vigor no prazo de 45 dias.

Caso a lei estipule prazo para a sua vigência, será aquele respeitado.

Assim, se a lei previu um prazo de 90 dias para a sua entrada em vigor e se

houve trânsito em julgado da decisão dentro deste período, não poderá o

prejudicado argüir afronta à lei nova, já que antes de a mesma ter intensa

obrigatoriedade no plano jurídico já havia ocorrido os efeitos da coisa julgada.

A LICC declara três espécies de possibilidades de revogação que deve

atuar em torno o ordenamento jurídico. Primeiramente, uma lei estará revogada

quando outra expressamente a declare. Este é a mais fácil de ser constata já

que ao ser publicada a lei nova esta dirá, expressamente, qual a norma que

está sendo revogada por aquela lei. Assim, ao ser prolatada uma decisão

judicial o interessado deverá verificar se àquela decisão que lhe deverá ser

desfavorável, extinguiu o mérito da questão com a lei nova ou a lei velha; se

com a última, não haverá dúvidas de que essa decisão poderá ser rescindida.

O problema complica-se quando a revogação se dá quando a lei nova

for incompatível com a anterior. Nesse caso, será necessário um minucioso

estudo já que deverá o aplicador da norma verificar qual a norma inserida

naquela lei foi revogada pela lei nova. Ora é impossível conhecer todas as leis

que são editadas pelo legislativo, querer que o juiz conheça de todas as leis

que são criadas seria fugir da própria realidade brasileira.

Pensando nisso foi que o legislador de 73 previu no CPC, o que o juiz

deverá saber, por exclusão, a norma federal, tendo em vista que aponta que

qualquer lei municipal, estadual, estrangeira ou consuetudinária deverá a parte

65 BRASIL, Lei Ordinária Federal nº 5869-73.

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provar a vigência e o teor da lei, se assim o juiz o requerer.(CPC, art. 337). O

que significa dizer que é obrigatório ao magistrado conhecer de toda e qualquer

lei federal, aplicando a mesma sempre no caso concreto que lhe é levado.

Bom, a outra possibilidade de revogação de uma lei segundo o Dec-lei

4657/42, é quando a lei nova regula inteiramente a matéria ventilada na lei

pretérita. Somente neste caso, não vejo interesse para a rescisória é o motivo é

único. Quando a parte ingressa em juízo com a pretensão de rescindir uma

sentença o seu interesse é somente um, o de conseguir que através daquela

rescisão o seu direito seja declarado melhor do que a da parte contrária. Se a

lei nova em nada inova a situação jurídica, não há porque o autor ingressar

com uma rescisória tendo em vista em que nada mudará a situação já proferida

com trânsito em julgado; a não ser é claro, que a nova norma legal tenha

introduzido em seu texto algo que lhe autorize a rescisão.

O saudoso jurista Silvio Rodrigues66 ao tratar da matéria dizia que caso

não houvesse “colidência entre os dois textos, porque a lei nova apenas

estabelece disposições a par das existentes e com ela compatíveis, a primeira

continua a subsistir”. Significa dizer que se há duas normas no ordenamento

jurídico que não se contradizem, mas pelo contrário uma complementa a outra

não há que se falar em revogação da matéria ventilada anteriormente a lei

nova.

Falando nisso não poderia deixar passar em branco a “pequena”

controvérsia existente sobre a vigência do Novo Código Civil, ou seja quando

efetivamente este passou a produzir efeitos no ordenamento jurídico. Há

aqueles que entendem que o mesmo entrou em vigor no dia 11 de janeiro de

2003 e outros que entendem que o NCC começou a viger no dia 12 de janeiro.

Isso parece sem relevância, mas este problema caro leitor é o suficiente para

haver a possibilidade da rescisão do julgado por violação a literal disposição de

lei e vou lhe explicar por que.

66 RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, parte geral, Vol. I, ed 32, Editora Saraiva, 2002, SP, p.16.

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Como se sabe o Código de 2002 foi publicado no dia 11/01/2002 e

analisando o disposto no artigo 2044, entende-se a nova ordem entrará

somente em vigor no dia 11-01-03, já que tal artigo dispõe que a lei nova

entrará em vigor 1(um) ano após a sua publicação.

Então analisando pela pura e simples leitura dos artigos podemos

compreender que tal norma entraria em vigor no dia 11-01-03, já que pelo

sistema da interpretação literal não haveria dúvidas a este respeito.

Entretanto a defesa para os que entendem que o Código vigorou no dia

12-01-03 está na lei Complementar nº 95/88, que foi elaborada com obediência

ao preceito da Carta Maior previsto no art. 59.

Diz a lei em seu §1º do art. 18 que “ A contagem do prazo para a

entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a

inclusão da data da publicação e do ultimo dia do prazo, entrando em vigor no

dia subsequente à sua consumação integral.”

Ora se a contagem se faz incluindo a data da publicação e o último dia

do prazo, temos aí os dias 11-01-02 e 11-01-03 (primeiro e último) e se entrará

em vigor no dia subsequente a consumação integral, entendo que a lei que

regula toda a atividade particular do Brasil entrou em vigor no dia 12 e não no

dia 11 conforme alguns sustentavam67.

Se a sentença transitou em julgado no dia 11 de Janeiro de 2003 onde o

juiz aplicou a lei ao caso concreto do Código de 2002, teremos então uma

afronta ao dispositivo já que ainda naquela data vigia o Código pretérito.

Ocorrendo tal fato, e tendo esta decisão transitado em julgado é cabível a ação

rescisória para reformar a decisão, fazendo com que se aplique à legislação

em vigor na época da vigência da lei.

67 O assunto foi objeto de palestra ministrada de professor e Procurador José Maria Leoni Lopes de Oliveira, no auditório da EMERJ, 14 -JAN –2003. Tema: Questões da Parte Geral do Direito das Obrigações e dos contratos no Novo Código Civil.

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Para se caracterizar a literal violação de disposição legal, são festejadas

as palavras de SÉRGIO RIZZI, reproduzidas por COQUEIJO COSTA68:

viola-se literalmente a lei quando a sentença: a) nega validade a uma lei

válida; b) dá validade a uma lei que não vale; c) nega vigência a uma lei

que ainda vigora; d) admite a vigência de uma lei que ainda não vigora

ou já não vigora; e) nega aplicação a uma lei reguladora da espécie; f)

aplica uma lei não reguladora da espécie; g) interpreta erroneamente a

lei, ferindo-lhe o sentido literal.

E em perfeito entendimento a estas posições apresentamos um julgado

do Superior Tribunal de Justiça69.

Ação rescisória. Violação de lei. Caderneta de poupança.

Inaplicabilidade da lei nova quando o período aquisitivo já se houver

iniciado. Inexistência de controvérsia quanto à impossibilidade de

aplicação retroativa da lei. Fevereiro de 1989. Jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça no sentido de que o índice aplicável é de 1,4272.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs.Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos

votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em

parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento.

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Ari

Pargendler e Menezes Direito.( STJ, 3a T., Resp 142883/SP, rel Min.

Eduardo Ribeiro, DJ 28-08-2000, p. 73).

68 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, ed. da Universidade de SP, SP, 1981, p.58.69 STJ, 3a T., Resp 142883/SP, rel Min. Eduardo Ribeiro, DJ 28-08-2000, p. 73. Disponível em www.stj.gov.br/jurisprudencia.> Acessado em 21-ago-05 às 22:48:42.

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4.2.0 DECISÃO QUE VIOLA TEXTO LITERAL DE LEI

Manteve o código de 1973 a mesma conduta aplicada ao código de

1939, já que em nada modificou a dicção do inciso V art. 485 do Estatuto

Processual. Em épocas atrás grande controvérsia se deu com relação ao tema,

já que a Comissão Revisora entendia que a melhor expressão a ser usada era

o de “direito em tese”, pois realizando deste modo iria diminuir bastante as

críticas feitas no Código anterior. Segundo a melhor doutrina a expressão ora

citada, daria margem ao entendimento de que só seria rescindível a luz do

inciso V a sentença que ofende um direito que o autor acha que possui. Desta

maneira a norma regulamentadora iria se atrelar ao princípio do “iura novit

curia” , pois somente ao magistrado é dado o poder de dizer o direito.

Mas voltando ao comando estatal, é necessário frisar que a norma

processual aponta somente para rescisão o requisito da “violação de

disposição literal de lei”, em nada dispondo sobre qual ramo seria esta

expressão aplicável.

Tendo em vista a omissão legislativa entende-se que o vocábulo “lei” no

sentido da norma deve ser entendido em sentido amplo. Assim na ilustração da

norma a lei violadora poderá ser constitucional, lei complementar, lei ordinária,

lei delegada, medida provisória, decreto legislativo, a resolução (CRFB/88, art.

59), o decreto emanado do executivo, os atos normativos baixados por órgão

do poder judiciário (CRFB/88, art. 96, I, “a”) e o regimento interno70.

Não importa no sentido do texto a fonte legislativa da lei violada, quer

seja a União, Estados, Municípios. Também não nos interessa se a violação se

deu em norma de direito positivo ou de legislação estrangeira desde de que é

claro, que essa norma venha a ser aplicada ao caso concreto em julgamento.

70 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts 475 a 565, edit. Forense, RJ, 1994, p.130.

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Também não há sentido para distinguir se a lei infligida seja de direito

interno ou internacional, ou se a norma nacional seja de cunho substantivo ou

adjetivo. O fato é que em qualquer das hipóteses acima tratada se poderá

ajuizar a demanda constitutiva, que terá como base a infração a uma dessas

normas apontadas à cima.

A doutrina ainda na vigência do código de 1939 se dividia com relação

ao último episódio citado. BUENO VIDIGAL, citado por COQUEIJO COSTA71

defendia que a abrangência da lei só alcança a norma de direito material,

enquanto que para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA72, ANTONIO

MACEDO DE CAMPOS73 e grande parte da jurisprudência entendiam que

poderia ser também possível à argüição da violação tanto da norma material

como também da processual.

Hoje não existe mais esta discussão, já que se consolidou o

entendimento de que tanto a norma substancial como a adjetiva são passíveis

que provocarem o vício que poderá dar ensejo à rescisão do julgado.

Mas ainda em relação ao tema, há aqui algo bastante que nos interessa

já que a jurisprudência dos tribunais brasileiros criou uma condição para a ação

rescisória através da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, eis o teor da

súmula:

343.Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a

decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais.

71 COSTA, Coqueijo, Ação Rescisória, Ltr, ed. da Universidade de SP, SP, 1981, p. 57/58.72 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts 475 a 565, edit. Forense, RJ, 1994, p.130.73 CAMPOS, Antonio Macedo, Ação Rescisória de Sentença, 2 ed. editora Sugestões Literárias S/A, SP, 1976, p.71.

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Como vemos não será em qualquer hipótese de violação literal

disposição de ei autorizará a rescisória pois quando o tema for de interpretação

controvertida não é aconselhável que se prolongue à discussão, já que não se

alcançaria a segurança jurídica que tanto se almeja.

Entretanto os profissionais do direito ao longo dos anos tentaram fugir do

teor da súmula com a finalidade de que suas ações fossem recebidas pelos

tribunais. Neste sentido já se julgou procedente a rescisória quando a

controvérsia oriunda do texto legal ocorreu após o acórdão rescindendo.

Também não fere a súmula 343 quando a divergência ocorrer dentro um

único tribunal desde que esse entendimento seja contrário ao entendimento do

Excelso Pretório.

Grande controvérsia há na jurisprudência sobre a aplicabilidade da ação

rescisória quando a divergência existente na época do acórdão rescindendo se

tornou pacífico nos tribunais. Há acórdãos entendendo que tendo se pacificado

a controvérsia nos tribunais é perfeitamente cabível a rescisória contra acórdão

que adotou entendimento ao contrário ao que se pacificou.(RSTJ 96/441). De

outro lado estão aqueles tribunais que se posicionam no sentido de que mesmo

que o acórdão rescindendo tenha adotado entendimento contrário ao que ficou

pacífico, não cabe a rescisória pelo simples fato que a exigência contida na

súmula é que a controvertida seja ao tempo do acórdão rescindendo (STJ-2a

Seção, AR 159-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 8.11.89, v.u.; DJU 4.12.89,

p. 17.872. “apud” Bol. AASP 1.626/47, em. 05).

No entanto no próprio Superior Tribunal de Justiça houve uma certa

tendência a amenizar a aplicabilidade da súmula 343 quando embora o texto

legal fosse de interpretação controvertida o acórdão rescindendo adotou um

posicionamento que de acordo com aquele tribunal violaria a disposição literal

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de lei. (STJ-1a Seção, AR 46-SP, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 28.11.89,

julgaram procedente a ação, maioria, DJU 18.12.89, p. 18.45474).

Ainda no âmbito jurisprudencial adotou o1o TASP a súmula 3 que reza:

“Descabe o ajuizamento de ação rescisória quando fundado em nova

adoção de interpretação de texto legal. (RT 624/100, com remissão a RT

526/109 e JTA 58/22; cf. JTA 97/9).”

O que se pode entender desta súmula é que não se pode querer

ingressar com a ação rescisória contra um determinado acórdão só porque

aquele tribunal mudou o entendimento sobre a interpretação aplicável aquela

lei75.

4.2.1 Decisão que fere um texto de lei processual

Ao analisar uma norma de direito processual percebemos que o seu real

e principal objetivo é o devido processo legal, sendo observado o princípio da

reserva legal para justamente ter-se a garantia da ampla defesa prevista em

nossa Carta Maior como cláusula pétrea. Partindo desse entendimento

podemos dizer que tal afronta deverá ser grave a ponto de se transformar em

vício após o trânsito em julgado. Se tal violação não for grave perde o autor o

interesse de desconstituí-la já que a não observância da mesma em nada

altera o curso da lide, sofrendo esta no caso os efeitos da preclusão.

Além disso é válido que se observe que não é qualquer norma

processual violada que objetivamente dará ensejo a rescisória, já que há

74 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002, pg. 505/506.75 Sobre o assunto veja o maravilhoso trabalho de Eduardo Heitor Porto. “Ação Rescisória em face de alteração de posicionamento jurisprudencial”. Texto retirado na Revista dos Tribunais, ano 91. Julho de 2002, Vol 801,p.124/129.

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normas mais e outras menos importantes para a perfeita consecução da lide.

Entendemos que para ocorrer à rescisão do julgado se torna necessário que a

afronta esteja intrinsecamente clara a um dos princípios do direito processual

estabelecidos na Constituição, ou que sejam normas de caráter público.

Tem-se entendido que o inciso v da art. 485 do CPC não prejudica a

possibilidade de rescisão da sentença que afronte norma processual desde que

esta afete a validade da sentença de mérito. Assim é caso de rescisão da

sentença quando se deixou de observar a norma prescrita no art. 552§1º do

CPC que determina que “entre a data da publicação da pauta e a sessão de

julgamento mediará, pelo menos, o espaço de 48 (quarenta e oito) horas.” Logo

se o feito dos processos nos tribunais não respeitarem tal prazo é possível o

ajuizamento da rescisória.

Para o STJ só existirá nulidade a inobservância de tal prazo se for feita

sem a presença das partes(Súmula 117 do STJ), o que em nada influencia

quanto ao cabimento da rescisória, já que o seu único requisito é que a

violação seja literal.

Seguindo esta mesma linha de pensamento também será possível a

rescisão do acórdão se durante a audiência de instrução e julgamento da

causa principal ocorreu sem regular intimação do advogado da parte vencida

ou ainda no curso do processo em que se realiza o saneamento não se realiza

a citação do cônjuge nos casos em que era obrigatória.

Também se argúi a afronta ao texto legal se no curso do processo em

que ocorra a denunciação da lide, a decisão final do magistrado não julga a lide

secundária que é o objeto da denunciação.

Para fixarmos bem o tema devemos esboçar algumas peculiaridades

concernentes aos atos processuais que poderão ser declarados nulos no

processo. E isso é importante pois somente este é que autorizarão a rescisão

do julgado.

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Nesse sentido exporemos as palavras da grande jurista TEREZA

ARRUDA ALVIN PINTO76, que ao enfrentar o problema destacou suas

principais peculiaridades que constatou após pesquisa realizada em vários

acórdãos. Diz a referida autora que:

Princípios que aparecem com mais freqüência na jurisprudência:

I. para fundamentar argüições de nulidades – (cerceamento de defesa);

1. existência de prejuízo

2. não atendimento ao princípio do contraditório

3. não ter havido comunicação.

E a mesma autora ainda cita, as principais causas de rejeição de

argüições de nulidades que são:

II. para não acolher, ou acolher parcialmente, argüições de nulidades:

1. ausência de prejuízo

2. instrumentalidade das formas

3. aproveitamento.

76 PINTO, Tereza Arruda Alvin, Nulidades Processuais da Sentença, ed. RT, SP, 1987, pg. 122.

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Conforme vemos para que se tenha plena certeza de que a afronta ao

dispositivo dará ensejo à rescisão do julgado necessário é a presença dos

elementos firmados acima.

4.2.2 Decisão que viola um Decreto-lei

Como nós sabemos a expressão Dec- Lei não foi recepcionado pela

Constituição Federal, não podendo ninguém ser obrigado fazer alguma coisa

senão em virtude de lei (CFRB/88, art.5º). Entretanto, uma ressalva se faz

tendo em vista que alguns Decretos foram recepcionados pela Carta Magna

naquilo que a ela não contradiz, tendo portanto o mesmo um status de lei

ordinária.

Sendo assim sendo esta lei aplicável ao caso concreto e estando a

mesma em pleno vigor não obsta a aplicação da rescisória com fundamento a

violação literal de lei, desde que ocorra normalmente o trânsito em julgado da

decisão rescindenda.

Mas o que ocorre quando a decisão rescindenda é baseada no Dec. Lei

não recepcionado pela Constituição? Será possível a rescisão deste julgado?

Na nossa concepção, a norma que não foi recepcionada pela

Constituição é inexistente no mundo jurídico, logo a decisão que julga de

acordo com esta norma a faz com nenhuma norma, logo possível à rescisão do

julgado que deveria ter julgado com a lei vigente reguladora do objeto e em

caso de não havê-la, de acordo com a analogia.

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4.2.3 Decisão que fere uma lei estadual

Neste caso também não há nenhum impedimento para o ingresso da

ação rescisória com base na violação a disposição literal de lei desde que

cumpridos e examinados seus pressupostos.

O grande problema nesse tema a ser enfrentado é com relação à

suposto inconstitucionalidade da lei estadual, seja material ou formal, aplicável

ao caso concreto, já que muito se discute se tal ato jurisdicional deve ser

declarado inexistente pois se confronta com a norma constitucional ou se deve

ser tratado como um ato rescindível tendo em vista a existência de um vício

grave que se emana do mesmo.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e JULIANA CORDEIRO DE

FARIA77, ao acolher o posicionamento do professor JOSÉ ALBERTO DOS

REIS, defendem que todo ato jurisdicional que fere a constituição não deve ser

declarado inexiste pois para eles “ A sentença para ser tida como inexistente

tem de apresentar-se como “um mero acto material ... um simples estado de

facto, com a aparência de sentença, mas absolutamente insuscetível de vir a

ter a eficácia jurídica de sentença”“.

Isso significa dizer que não se pode nulificar o caráter jurisdicional da

sentença proferida em processo regular, produzindo todos os efeitos da coisa

julgada ainda que esta venha ferir a Constituição.

Para estes processualistas a sentença tem e deve ser rescindível pois

não é pelo fato de a decisão afrontar dispositivo constitucional é que esta será

inexistente, pois só se consideraria a tal “ proferida por quem não é juiz ou

77 REIS, José Alberto, Op. cit. Apud, JÚNIOR, Humberto, e FARIA, Juliana, Op.cit. Coisa Julgada Inconstitucional, 2a ed, Coordenador Carlos Valder do Nascimento, América Jurídica,RJ, 2004, p.100.

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lançada sem o pressuposto de um processo que pudesse sustentá-la, ou ainda aquela

a que faltasse a conclusão ou dispositivo78”.

Tem-se o entendimento que presentes os pressupostos de existência da

decisão judicial não há que se falar em inexistência, mas somente se

questionará sobre a validade do ato emanado pela autoridade investida da

jurisdição.

Fora desses casos existe ainda outras indagações a realizar pois como

ficará a atuação da rescisória quando uma norma que foi aplicada ao caso

concreto for declarada inconstitucional? Poderá ela ser desconstituída em

qualquer grau de jurisdição? O que ocorre com sentenças que decretaram a

inconstitucionalidade da lei no controle difuso e vem o STF declara a norma

constitucional? Será possível a rescisão desses julgados? Será este tema que

iremos abordar no final deste trabalho.

4.2.4 Decisão que viola Medida Provisória

Para José Carlos Barbosa Moreira79 é possível a rescisão do julgado

que afronta uma medida provisória, já que a mesma possui o status de lei no

momento de sua vigência e que ainda não houve qualquer discriminação da lei

processual com relação a qual lei violada poderia dar ensejo à rescisão. E

nesta hipótese mais uma vez é cabível a utilização do princípio geral do direito

no seguinte dogma, “o que o legislador não restringiu não cabe ao intérprete

fazê-lo.”

Entretanto, para analisarmos se é possível ou não ingresso da ação

rescisória deveremos verificar os aspectos cruciais que envolvem o tema, ou

78 Idem.p.10179 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Coment. Cód. Proc. Civil, Vol V, arts 475 a 565, edit. Forense, RJ, 1994, p.129.

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seja, os requisitos e pressupostos e características da medida provisória como

lei obrigatória no ordenamento jurídico.

É notório entre nós que para que o poder executivo emita uma medida

provisória são necessários dois requisitos. O primeiro deles é a relevância e o

segundo é a urgência.

Criou-se a medida provisória com força de lei para amparar a justiça

social na sociedade, pois situações há que não se poderia esperar a discussão

dos congressistas para depois criar uma lei que tenha como objeto regular

aquela caso emergente que se não fosse tomada nenhuma providência, um

caos maior se ergueria.

Para entendimento e compreensão da indagação feita no início é

necessário que se compreenda que esta medida poderá ser aprovada pelo

Congresso Nacional ou não. Se aprovada, irá se transformar em lei ordinária e

nesse caso a nossa discussão se encerra. No entanto, caso o Congresso não

aprove a MP, surgirá duas questões: a) a situação jurídica regulada pela MP

permanecerá valendo caso o poder legislativo emita um Decreto Legislativo

que regulará os efeitos da matéria ventilada na medida provisória. b)o

Congresso não emite tal instrumento, fato este que prejudicará os efeitos

produzidos pela medida, tendo como efeito ex tunc, retroagindo no tempo à

data do ato80.

Partindo então do exposto, entendemos não ser possível o ingresso

da rescisória para rescindir decisão que viola a MP, já que esta é uma medida

atípica que tem objeto bem definido que é legislar sobre uma determinada

situação jurídica que precisa ser regulada com máxima urgência. A única

situação que entendemos cabível de rescisão é na hipótese de os efeitos da

Medida Provisória serem regulados através de uma Decreto Legislativo. Mas aí

neste caso, não se pode falar um decisão que fere a MP, pois a decisão estará

80 MORAIS, Alexandre ,Direito Constitucional, 9 ed. Atualizada com a EC nº31/00, SP, editora Atlas, 2001, pg. 539.

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contra os efeitos produzidos pela mesma, tendo amparo legal de existência por

causa do Decreto Legislativo.

Segue assim o posicionamento do STJ.

PROCESSUAL CIVIL.DIREITO INTERTEMPORAL. PRAZO PARA

AJUIZAR AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 188, DO CPC. MP Nº 1.703-14.

ALCANCE.

Nossa tradição jurídica de direito intertemporal consagra o princípio de

que a lei processual nova tem eficácia imediata, incidindo sobre os atos

processuais praticados a partir do momento em que se tornam

obrigatórias, sem alcançar, todavia, os atos consumados sob o império

da legislação anterior, à luz do princípio tempus regit actum, sob pena de

retroagir para prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada. Não sendo a Medida Provisória convertida em lei em

tempo oportuno, perde sua eficácia, restabelecendo-se a legislação

então em vigor. Recurso especial não conhecido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da

Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não

conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas

taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs.Ministros

Hamilton Carvalhido, Fernando Gonçalves e Fontes de Alencar. Ausente,

por motivo de licença, o Sr.Ministro William Patterson81.(STJ,6A T;Resp

250580/PB,rel. Min. Vicente LeaL, DJ 04-09-2000, P.204.)

81 STJ,6A T;Resp 250580/PB,rel. Min. Vicente LeaL, DJ 04-09-2000, P.204. Disponível em <www.stj.gov.br/jurisprudencia>. Acessado em 29-Ago-2004. Às 23:32:41.

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4.2.5 Decisão que viola um Pacto Internacional

Sobre a possibilidade de ataque a sentença que viola um pacto

internacional a que se fazer algumas considerações antes de ingressarmos no

tema.

Como é cediço, o tratado internacional entra em vigor na legislação

interna depois do consentimento do presidente da República e do Congresso

Nacional. É certo que se afirme que esta norma terá status de lei ordinária e

quanto a isso já existe um entendimento majoritário em nossa jurisprudência.

Fato que nos interessa é com relação a sua eficácia já que fica claro que

a partir da sua entrada em vigor passará ele a produzir todos os efeitos

jurídicos.

Entrando o mesmo em vigor toda e qualquer lei ordinária que regule a

mesma matéria prevista lá no pacto será revogada. Também será a lei que

conflitar diretamente com o pacto internacional. Nesse ínterim surgem as

seguintes questões:

Poderá ser a sentença ou qualquer outra decisão judicial ser acionada

pela rescisória pelo fato de a mesma não aplicou o pacto que já vigorava na

época? Entendemos que não há impecilio para tal já que ao juiz cabe decidir o

caso concreto de acordo com a legislação em vigor; se julgar contra legem que

se encontra em vigor é plenamente possível o ingresso com a ação rescisória

com fundamento no inciso V do art. 485 do estatuto processual vigente.

Grande questão que se verifica no entanto é da possibilidade do

ingresso da rescisória quando ocorrendo direito conexo, o magistrado não

aplica a norma estrangeira competente. Sabemos que as regras de sobre

direito são específicas e com finalidade de direcionar o aplicador do direito.

Trata-se de um incidente processual, no qual o juiz antes de adentrar no mérito

da questão deverá decidir qual norma deverá aplicar. Nesse episódio,

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ocorrendo inobservância da matéria, podemos afirmar que será possível o

ingresso da medida desconstitutiva para que o juiz aplique a legislação correta

com a finalidade da justa aplicação do direito.

4.2.6 Decisão que fere Regimento Interno do Tribunal

Há aqui uma questão interessante, pois se falou neste trabalho que era

possível rescindir a decisão judicial que ferisse a disposição literal de lei,

outrora, faz-se necessário verificar se existe possibilidade de atacar uma

sentença que inobservou o regimento interno do Tribunal de origem.

Para compreendermos bem o que se propõe a discutir deveremos ter

em mente se será obrigatória ou não ao julgador as disposições concernentes

ao regimento interno. Nesse ínterim citamos as palavras do professor carioca82,

que fala:

Por fim, são fontes formais do Direito Processual os regimentos internos dos

tribunais. Estes são conjuntos de normas que regem o funcionamento

interno do tribunal, dispondo, por exemplo, sobre a sua composição. Tais

regimentos, porém, podem conter (e efetivamente contêm) normas

processuais, como, por exemplo, as regras contidas nos regimentos

internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

acerca do procedimento a ser observado no recurso de embargos de

divergência (a propósito, consulte-se o disposto no art. 546 do CPC).

82 CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, 2a edição, editora Lumens Juris, RJ, 2000, p. 19

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Considerando que as normas do regimento interno são fontes formais do

direito, conclui-se que estas devem ser observadas dentro do processo, já que

se trata de norma não dispositiva.

A questão a saber neste momento se será possível rescindir o acórdão

de determinado tribunal por violação ao seu regimento interno. Podemos

concluir que sim, tendo em vista a sua obrigatoriedade. Inclusive sobre o

assunto já se decidiu que “Enseja a rescisória, com base no art. 485 do CPC a

violação de dispositivo constante de regimento interno, editado no exercício da

competência privativa dos tribunais deferida pelo art. 96, I, ‘a’, da Constituição83”

Vemos nesse caso a possibilidade da rescisão do julgado com base

neste assunto. Entretanto não podemos deixar de falar que a norma regimental

violada deverá ser de cunho processual, pois somente desta forma é que se

poderá detectar livremente a existência do prejuízo.

4.2.7 DECISÃO QUE FERE UMA NORMA

CONSTITUCIONAL

A partir de agora entraremos num dos temas mais fascinantes do estudo

da ação rescisória pois como sabemos todas as disposições que ferem a Carta

Maior em nosso ordenamento jurídico são nulas de pleno direito não

produzindo nenhum efeito, sendo que esta nomenclatura está sendo bastante

questionável pelo fato de se confundir o nulo com o ineficaz. Sendo certo

afirmar que a única coisa que autoriza dizer que o ato nulo não produz efeitos é

que se reconhecendo a sua nulidade, esta declaração tem efeitos ex tunc,

retroagindo, por tanto, a data do ato.

83 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002 p. 507.

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Sabemos que todo e qualquer ato emanado pelo Estado deve obedecer

aos ditames constitucionais sob pena de ser declarada a sua nulidade. E isso

ocorre tanto no legislativo através de edição de leis, como no executivo,

quando da edição de um decreto. Nesse caso deve-se entender por pura lógica

que os atos judiciais não podem ficar imunes a este requisito de validade a

todo ato emanado do Estado. Sendo assim, podemos concluir que nas três

funções do Estado só haverá ato jurídico válido se este não contrariar a

Constituição.

A grande questão a ser debatida aqui é a validade de um ato judicial que

deixa de aplicar uma lei alegando a sua inconstitucionalidade e depois vem o

Supremo Tribunal Federal e declara tal lei constitucional. Será possível o

ingresso da rescisória para rescindir a decisão que acolheu tal norma como

inconstitucional? E o que veremos a seguir.

Sabemos que é possível e lícito aos Tribunais manterem pelo controle

difuso a declaração de inconstitucionalidade de norma aplicada ao caso

concreto. Também sabemos que o fato de o STF declarar constitucional ou

inconstitucional a norma pelo controle difuso não vincula os outros Tribunais

que podem continuar discordando do entendimento proferido pela Suprema

Corte. Nesse caso iremos pesquisar se será possível a rescisão do julgado do

Tribunal que julgou contrariamente ao STF, destacando sempre que o mesmo

é o guardião da Constituição.

Para responder a estas indagações, citamos o julgado do Superior

Tribunal de Justiça, 84 quer assim decidiu:

84 BRASIL, Cód. Proc. Civil e Legislação Processual em vigor; organização e notas Theotônio Negrão, com colaboração de José Roberto Gouvêa, 33 ed. Saraiva, SP, 2002, p. 504.

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Ação Rescisória. Art. 485-V, CPC. Declaração de Inconstitucionalidade,

pelo STF, de preceito legal no qual se louvara o acórdão rescindendo.

Cabível a desconstituição, pela via rescisória, de decisão que deixa de

aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica por tê-la de

acordo com a Carta Magna (STJ-3a Seção, AR976-CE, rel. Min. José

Arnaldo, j. 22.3.00, julgaram procedente. v.u; DJU 15.5.00, p. 118, em.).

Então, podemos concluir que havendo declaração de

inconstitucionalidade ou de constitucionalidade proferida pelo STF, qualquer

julgado que esteja com decisões que possuam entendimento contrário ao que

predito pela Corte Suprema, poderá esta decisão ser rescindida.

E se esta lei declarada pelo STF for de interpretação controvertida nos

Tribunais, poderá a rescisão ser impedida pela Súmula 343 do STF? Para

sabermos isso, analisaremos o que dita a referida súmula.

“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a

decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação

controvertida nos tribunais.”

Então caro leitor ao teor da Súmula da Corte Maior se a lei aplicada a

decisão for controvertida, logo inviável é a rescisória para rescindir este tipo de

decisão com esta causa petendi.

Logo, podemos concluir que caso haja grande divergência nos Tribunais

sobre a constitucionalidade da lei que será a base para a rescisão do julgado,

não poderá a decisão ser impugnada via ação rescisória. E esse era inclusive

o entendimento da Suprema Corte.

Para demonstra isso, citaremos as palavras do Ministro Moreira Alves,

que citado por Adda Pellegrini, diz que:

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Se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescidenda, era

controvertida a interpretação do texto legal por ela aplicado, não se

configura a violação literal de dispositivo de lei, para justificar a sua

rescisão – art. 485, V, do CPC – ainda que a jurisprudência do STF

venha, posteriormente, a fixar-se em sentido contrário(RTJ 91/312) (sem

grifos no texto).

Entretanto, a jurisprudência, principalmente o STJ e o STF, vem

entendendo sobre o afastamento da referida súmula quando a divergência for

oriunda de norma constitucional.

Nesse ínterim já foi decidido que a aplicabilidade da súmula 343 do STF

deve se restringir a controvérsia da interpretação de lei federal e ‘não quanto

ao conflito de regra constitucional, em face da respectiva supremacia.(STJ-3a

Seção, AR 477-CE, rel. Min. Edson Vidigal, j. 11.6.01, julgaram procedente,

v.u; DJU 20.8.01, p. 345)85’.

Com esse mesmo pensamento, Adda Pellegrini, enfrentando o tema,

descreve as palavras do Ministro Cunha Peixoto, do STF, que relata sobre o

assunto:

Em verdade, a hipótese é simples. Pretende a recorrente rescindir um

acórdão que aplicou dispositivo legal posteriormente declarado

inconstitucional. Ora, segundo nos parece, lei inconstitucional não

produz efeito e nem gera direito, desde o início. Assim, sendo,

perfeitamente comportável é a ação rescisória. (RTJ 101/209).

85 Idem, p. 506.

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Não há dúvida que a tendência de toda a jurisprudência é no sentido de

mudarem para esta orientação. Contudo o problema não termina aqui, já que

deveremos analisar quais as hipóteses em que será possível a desconstituição

do julgado, alegando como justa causa a lei inconstitucional.

A jurista Adda Pelegrini86, numa rica obra explica com muita precisão

como se irá impugnar uma decisão que acolhe lei inconstitucional ou

constitucional, tendo posteriormente o Supremo ter declarado contrariamente

ao acórdão. Eis as hipóteses:

a) se a declaração de inconstitucionalidade ocorre em ação direta,

vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário e impedindo

divergências de interpretação com efeitos ex tunc, a súmula nº 343 do

STF, não incidiria, sendo cabível ação rescisória para desconstituir

julgado que aplicou a lei posteriormente declarada inconstitucional;

b) dando-se a declaração de inconstitucionalidade pela via do controle

difuso, até que o Senado não suspenda a execução da lei, é

perfeitamente possível a mudança de orientação para os demais

tribunais, incidindo a Súmula nº 343, a impedir a ação rescisória para a

divergência de interpretação;

c)ainda no sistema difuso de controle, após a suspensão da lei pela

Senado, não é mais permitida a divergência jurisprudencial. Se se

entender – segundo a melhor doutrina – que a perda da eficácia da lei

tem efeitos ex nunc, essa proibição valerá somente para o futuro. Mas a

aceitar-se a posição do Supremo Tribunal Federal, no sentido de a perda

de eficácia Ter efeitos ex tunc, caberia ação rescisória para desconstituir

julgado que tenha aplicado lei posteriormente declarada inconstitucional.

Não incidiria, nessa interpretação, a Súmula nº 343;

86 Para saber mais sobre o assunto veja a excelente obra desta autora: Marcha para o Processo, ed. Forense universitária, RJ, 2000. P. 3/16.

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d)a declaração de constitucionalidade, em ação direta (pela ação

declaratória da constitucionalidade ou mesmo pela ação direta de

inconstitucionalidade, se julgada a lei constitucional pela maioria

absoluta dos membros do órgão julgador), faz coisa julgada erga ommes

ex tunc, vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário e impedindo

interpretações divergentes.

e)Se a declaração de constitucionalidade for incidental, pela via do

controle difuso, a decisão não tem efeitos vinculantes, podendo os

tribunais continuar a divergir sobre a interpretação constitucional e

incidindo plenamente a súmula nº 343, a impedir a ação rescisória para

desconstituir julgados que tenham considerado a lei inconstitucional.

Assim essas são as hipóteses em que se poderá atacar ou não a

decisão de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal.

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CONCLUSÃO

A ação rescisória, como medida autônoma, é muita das vezes a única

opção para o litigante que passou talvez anos aguardando uma prestação

jurisdicional e de repente vê o seu direito tolhido por quem justamente tem o

dever de zelá-lo.

Com relação a violação literal de disposição de lei, vimos que apesar do

vocábulo lei ter alcance amplo, não são em todas as hipóteses de normas que

se poderá rescindir o julgado, já que no caso da Medida Provisória não

encontramos argumentos favoráveis a rescindir a decisão, tendo em vista o sua

natureza.

Apesar de os tribunais fazerem questão de frisar que a ação rescisória

não é recurso em suas ementas, é certo que se afirme que estes ainda tratam

o instituto como se assim o fosse. Dizemos isso, pelo fato de que apesar do

norma de 73 não ter acolhido o que previa o estatuto de 39 onde se previa que

a ação rescisória não se presta para corrigir a injustiça da decisão ou para

atacar decisum que contenha interpretação errônea, continua até os dias atuais

os tribunais decidindo desta forma.

Critica-se este posicionamento já que a interpretação errônea do

magistrado causa uma lesão direta no direito do litigante e, isso em linhas

gerais é tudo que não pode acontecer. Entretanto, fica aqui uma ressalva já

que se o juiz pronuncia na sentença uma interpretação que nada se conduz

com o da norma, deve o interessado utilizar o devido processo legal para

impugnar tal decisão. Se ficou inerte, é por que não teve interesse na busca de

seu direito, logo também este será ao nosso ver carecedor da ação

desconstitutiva.

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Com relação a injustiça da decisão, há que se entender que caso essa

injustiça ocorra em virtude de inobservância de norma de ordem pública, claro

e evidente é a possibilidade de atacar este julgado com base na violação de

disposição literal de lei.

Um outro motivo que nos leva a crer que para os tribunais a medida

desconstitutiva é um recurso é a súmula 343 do STF, pois esta impede que o

tribunal proferia a prestação jurisdicional que ao meu ver, além de ilegal, é

inconstitucional.

É ilegal tendo em vista que o ato da administração pública como um

todo, quando de cunho decisório é vinculado, ou seja, não pode o magistrado

fugir da letra da lei. Isso significa dizer em outras palavras que o juiz só pode

fazer o que a lei manda. Logo, como não há qualquer preceito que autorize ao

judiciário criar uma condição de procedibilidade para uma ação, entendo que

tal súmula é ilegal.

É inconstitucional pelo simples fato de impedir que uma pessoa que se

sinta lesada em seu direito vá até ao judiciário e obtenha dele a prestação

jurisdicional definitiva. Não pode o judiciário fechar os olhos para esta

realidade. A rescisória é uma ação desconstituiva que visa, em regra, atacar o

erro judiciário restabelecendo ao litigante a possibilidade de lutar pelo seu

direito.

O erro judiciário na esfera civil não sofre os ditames da responsabilidade

civil, pelos menos é o que a maioria da jurisprudência e doutrina defendem; a

não ser nos casos previstos no CPC, art. 133, I e II (entendimento do STF). Por

isso deve o magistrado olhar com sensibilidade para os autos com o intuito de

verificar se houve ou não lesão ao direito da parte autora.

Nesse ínterim, pode-se afirmar que medida constitutiva negativa irá tão

somente reparar uma lesão pelo próprio Estado a um dos litigantes no

processo. Por isso, mesmo nas hipóteses em que a lei for controvertida deve o

tribunal receber a rescisória e dar a devida prestação jurisdicional.

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O que não pode ocorrer, via de fato, é a negação da prestação

jurisdicional com o argumento na paz social. A segurança jurídica prevista em

nossa Carta Maior é aquela onde a pessoa que a detém tem certeza que após

anos de espera pela prestação jurisdicional, que esta seja devidamente justa.

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