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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS CAMPUS DO PANTANAL MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA ACIDENTES DO TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ-MS CORUMBÁ-MS 2016

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

CAMPUS DO PANTANAL

MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA

ACIDENTES DO TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ-MS

CORUMBÁ-MS 2016

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MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA

ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ-MS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, linha de pesquisa Saúde e Trabalho da População de Fronteira, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos Fronteiriços. Orientadora: Profª. Drª. Vanessa Catherina Neumann Figueiredo

CORUMBÁ-MS 2016

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MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA

ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ-MS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, linha de pesquisa Saúde e Trabalho da População de Fronteira, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos Fronteiriços.

Data da Aprovação: 30/06/2016.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Vanessa Catherina Neumann Figueiredo

(UFMS/CPAN) Presidente

_______________________________________________________ Prof. Dr. André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL)

Titular

_______________________________________________________ Prof. Dr. Edgar Aparecido da Costa (UFMS/CPAN)

Titular

_______________________________________________________ Prof. Dr. Luis Fernando Galvão (UFMS/CPAN)

Suplente

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Para Ana Claudia e Ana Lara, pessoas

que dão razão à minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos trabalhadores brasileiros que, com os seus impostos, custearam os

meus estudos de mestrado numa universidade pública de excelência.

À Ana Claudia, companheira leal e esposa querida, por me estimular nos

momentos em que eu próprio não tinha forças para prosseguir. A ela eu agradeço

por sempre estar ao meu lado e por me amar incondicionalmente. Ao meu raiozinho

de sol, Ana Lara, por ter compreendido as minhas ausências durante o período do

mestrado.

Aos meus pais, José Cláudio e Neira, trabalhadores incansáveis que me

ensinaram, com palavras e ações, o real sentido do trabalho.

À colega de magistratura Anna Paula da Silva Santos, Juíza Titular da Vara

do Trabalho de Corumbá-MS, pela autorização de acesso aos dados documentais

que serviram de base para a pesquisa quantitativa, e aos servidores daquele Juízo,

em especial ao William Pinto Melo, pelo auxílio na “garimpagem” dos processos

judiciais envolvendo as empresas do setor mineral.

Aos amigos-irmãos César Paschoal e Luiz Augusto, advogados laboriosos e

competentes, por terem me dado suporte em períodos nebulosos da minha vida

profissional, quando o mal tentou, sem êxito, superar o bem. Aos profissionais da

saúde Janaína Begossi Lavarda e Afonso Mendes Medeiros, por terem me

mostrado a luz quando eu só enxergava a escuridão.

Ao Bruno e à Joyce, pela hospitalidade durante as aulas do mestrado em

Corumbá.

Ao Prof. Dr. Sebastián Valverde e ao Prof. Dr. Hernán Palermo,

pesquisadores da UBA/CONICET, por me ciceronearem durante a minha estada

em Buenos Aires como bolsista da CAPES e por terem compartilhado comigo seus

conhecimentos científicos sobre antropologia social e do trabalho.

Aos diletos professores do Mestrado em Estudos Fronteiriços, em especial

aos Dres. Marco Aurélio Machado de Oliveira, Carlos Martins Júnior e Paulo Marcos

Esselin, cujos ensinamentos sobre a fronteira me ajudaram a superar a visão

simplista difundida pelo senso comum acerca de um tema tão denso e complexo.

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Aos colegas do MEF Ricardo, Paulo Renato, Alex, Vinicius, Rosa, Lucimari,

Thiago, Anderson, Fernanda, José Márcio, Massilon, Norma e Rainne, pela boa

convivência durante o curso e pela troca de informações e experiências.

Ao João Hiran, competente secretário do mestrado, pelo suporte

administrativo e por sempre ter estado à disposição.

Ao advogado João Alfredo Danieze, por ter me possibilitado o contato direto

com algumas empresas do setor mineral de Corumbá. Aos engenheiros Nilzo e

Juércio, e ao geólogo Rafael, pelas informações técnicas sobre siderurgia e

mineração. Aos sindicalistas Johans e Cassiano, por terem me ajudado a

compreender o setor mineral e as angústias e necessidades dos trabalhadores

desse importante segmento industrial.

À minha orientadora, Profª. Drª. Vanessa Catherina Neumann Figueiredo,

que não mediu esforços para me indicar o caminho correto a seguir e que sempre

me recebeu com um sorriso no rosto. Sua paixão pelo magistério superior e pela

pesquisa sobre o mundo do trabalho é contagiante. Obrigado por tudo!

Aos Professores Dres. Edgar Aparecido da Costa, André Luis Vizzaccaro-

Amaral e Luis Fernando Galvão, por aceitarem participar das bancas de

qualificação e defesa desta dissertação, sugerindo acréscimos valiosos para

aprimorar o meu trabalho científico.

À CAPES, pela bolsa de estudos no exterior, esperando que esse programa

de intercâmbio continue beneficiando os pesquisadores e investigadores

brasileiros.

Aos colegas do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul,

profissionais incansáveis na busca pela efetivação dos direitos trabalhistas,

esperando que esta dissertação os convença da necessidade de retorno do ofício

do MPT à cidade de Corumbá-MS.

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“De que me serve fabricar um bom ferro,

se meu próprio interior está cheio de

escórias?”

(Goethe)

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SUMÁRIO

Resumo…………………………………………………………………………... 10

Resumen…………………………………………………………………………. 11

Lista de ilustrações……………………………………………………………… 12

Lista de tabelas………………………………………………………………….. 13

Lista de quadros…………………………………………………………………. 14

Lista de gráficos…………………………………………………………………. 15

Lista de abreviaturas e siglas…………………………………………………... 16

Introdução …………………………...………………………………………….. 19

1 A Saúde do Trabalhador ……………………………………………………. 28

1.1 Relaçõesd entre trabalho, saúde-doença e acidentes laborais na

fronteira: território e territorialidades…………………..……………………….

35

1.2 Revisão da literatura: agravos à saúde do trabalhador no setor

mineral…………………………………………………………………………….

38

1.3 O setor mineral em Corumbá: breve histórico e configuração

produtiva………………………………………………………………………….

44

2 Metodologia …………………………………………………………………... 53

3 Resultados e discussão …..………………………………………………… 62

3.1 Descrição do processo de produção do setor mineral…………………… 62

3.2 Extração de minério de ferro e as cargas envolvidas nesse processo

produtivo…………………………………………………………………….........

64

3.3 Siderurgia e as cargas envolvidas nesse processo

produtivo………………….…….....................................................................

71

3.4 Organização do trabalho e gestão de pessoas no setor mineral de

Corumbá………………………………………………………………………….

79

3.5 Mapeamento dos acidentes de trabalho e agravos extraídos dos

processos judiciais………………………………………………………………

82

3.6 Dando voz aos trabalhadores: percepção e consequências dos

infortúnios laborativos…………………………………………………………...

90

3.6.1 Processo de trabalho e relação com acidentes e adoecimentos…… 91

3.6.2 Percepção do nexo causal entre processo do trabalho e

acidentes/adoecimentos………………………………………………………...

97

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3.6.3 Percepção sobre a atuação sindical e repercussões nas condições

de saúde e segurança do trabalho……………………………………………..

102

3.6.4 Percepção sobre a adequação dos serviços de atenção à saúde do

trabalhador na fronteira………………………………………………………….

104

3.6.5 Percepção sobre a justiça das decisões proferidas pelo Poder

Judiciário Trabalhista……………………………………………………………

109

3.6.6 Repercussão dos acidentes/adoecimentos na vida profissional,

pessoal e familiar das vítimas…………………………………………………..

111

Considerações finais ………………………………………………………….. 115

Referências …………………………………………………………………....... 118

APÊNDICE A – Entrevista de Tales…………………………………..……….. 132

APÊNDICE B – Entrevista de Pitágoras………………………………………. 149

APÊNDICE C – Entrevista de Heráclito………………………………………. 168

APÊNDICE D – Entrevista de Sócrates……………………………………….. 178

APÊNDICE E – Entrevista de Platão…………………..………………………. 198

APÊNDICE F – Principais desgastes encontrados no setor mineral……….. 209

APÊNDICE F – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido……………… 210

APÊNDICE G – Roteiro de Entrevista…………………………………………. 214

ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética…………………………………… 216

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RESUMO

Esta pesquisa quantitativa-qualitativa teve por objetivo geral compreender o processo de trabalho e sua relação com os acidentes e adoecimentos de trabalhadores no setor mineral de Corumbá-MS. Mediante uma abordagem econômica, social e subjetiva da categoria “Trabalho”, de matriz marxiana, foram mapeados os acidentes e doenças laborais e descritos os fatores ambientais e organizacionais que contribuíram para o desenvolvimento desses eventos, sendo que a pesquisa teve a intenção de investigar a relação entre o processo produtivo e a presença de sofrimento diante dos agravos gerados no trabalho, de forma a identificar de que maneira os trabalhadores desse importante segmento industrial na fronteira Brasil-Bolívia têm enfrentado tal vivência, incluindo a satisfação com as instâncias que deveriam prezar por sua saúde e segurança. Para isso foram analisados 36 (trinta e seis) processos judiciais trabalhistas do período de 2009-2014 que tramitaram perante a Vara do Trabalho de Corumbá-MS, dentre os quais foram selecionados para entrevista cinco trabalhadores que postularam indenizações pecuniárias em juízo. Também foram visitadas as empresas mineradoras e siderúrgicas da cidade de Corumbá e os respectivos sindicatos profissionais localizados na cidade. O exame dos processos judiciais demonstrou que os infortúnios laborativos no setor mineral de Corumbá atingem quase que exclusivamente trabalhadores do sexo masculino (97,14%), sendo que desse universo 69,44% das ações estão relacionadas a acidentes do trabalho e 38,88% a doenças ocupacionais. Da totalidade das ações, 27 (75%) dizem respeito a trabalhadores diretos e 9 (25%) a trabalhadores indiretos (terceirizados). As causas mais frequentes para os acidentes e doenças ocupacionais foram as condições inseguras, treinamento insatisfatório, não fornecimento e/ou fornecimento insuficiente de equipamentos de proteção individual, havendo também relatos de assédio moral e pressão por desempenho ou cumprimento de metas como fatores desencadeantes de adoecimento laborativo. A idade média apresentada pelos trabalhadores acidentados/adoecidos foi de 35/38 anos e as funções em que ocorrem mais acidentes foram aquelas relacionadas a trabalhos braçais e/ou que exigem pouca qualificação. As entrevistas indicaram que apesar de os entrevistados relacionarem seus acidentes/adoecimentos ao labor realizado nas empresas do setor mineral de Corumbá, eles não tiveram a exata percepção de que a causalidade dos infortúnios decorreu do processo de trabalho ao qual estavam submetidos, reproduzindo eles próprios a ideologia hegemônica de culpabilização do trabalhador, isentando a empresa da sua responsabilidade em promover um local de trabalho seguro. Também demonstraram que o grau de participação ou de omissão do sindicato pode interferir nas questões de saúde e segurança do trabalho, repercutindo no aumento ou diminuição da acidentalidade e adoecimentos laborativos. Os entrevistados percebem que os serviços de saúde relacionados à Saúde do Trabalhador em Corumbá são ineficientes, morosos e inadequados se comparados com a estrutura de atendimento disponível em Campo Grande, para onde os trabalhadores da fronteira são enviados para tratamentos e exames nos casos mais complexos.

PALAVRAS-CHAVE: setor mineral; acidentes de trabalho; doenças ocupacionais; Corumbá; fronteira.

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RESUMEN

Esta investigación cuantitativa-cualitativa tuvo por objetivo general comprender el proceso de trabajo y su relación con los accidentes y enfermedades de trabajadores en el sector minero de Corumbá-MS. Mediante un abordaje económico, social y subjetivo del concepto de Trabajo, fueron resaltados elementos ontológicos y teleológicos de matriz marxiana, elevando la categoría del Proceso de Trabajo como fundamento analítico importante tanto para la colecta de datos como para el análisis de la investigación. Además de mapear los accidentes y enfermedades laborales y describir factores ambientales y organizacionales que contribuyeron para esos eventos, la investigación tuvo la intensión de explorar la relación entre el proceso productivo y la presencia de sufrimiento delante de los agravios generados en el trabajo, con el fin de identificar de qué manera los trabajadores de ese importante segmento industrial en la frontera Brasil-Bolivia han enfrentado tal vivencia, incluyendo la satisfacción con las instancias que deberían cuidar por su salud y seguridad. Para eso fueron analizados 36 (treinta y seis) procesos judiciales laborales del periodo de 2009-2014 que tramitaron ante la Vara del Trabajo de Corumbá-MS. También fueron entrevistados 5 (cinco) trabajadores que postularon esas indemnizaciones económicas en juicio, visitadas las empresas mineras y siderúrgicas de la ciudad de Corumbá y los respectivos sindicatos profesionales. El examen de los procesos judiciales demostró que los infortunios laborales en el sector mineral de Corumbá alcanzan casi exclusivamente trabajadores del sexo masculino (el 97,14%), siendo que de ese universo el 69,44% de las acciones están relacionadas a accidentes de trabajo y el 38,88% a enfermedades ocupacionales. De la totalidad de las acciones, 27 (el 75%) son al respecto de trabajadores directos y 9 (el 25%) a trabajadores indirectos (tercerizados). Las causas más frecuentes para los accidentes y enfermedades ocupacionales fueron las condiciones inseguras, entrenamiento insatisfactorio, no suministro y/o suministro insuficiente de equipamientos de protección individual, sin embargo, también hubo relatos de asedio moral y presión por desempeño o cumplimiento de metas como factores desencadenantes de enfermedad laboral. La edad media de los trabajadores accidentados/enfermos es de 35/38 años y las funciones en que ocurren más accidentes son aquellas relacionadas a trabajos manuales y/o que exigen poca calificación. Las entrevistas indicaron que, a pesar de los entrevistados relacionar sus accidentes/enfermedades a la labor realizada en las empresas del sector minero de Corumbá, ellos no tuvieron la exacta percepción de que la causalidad de los infortunios ocurrieron del proceso de trabajo al cual estaban sometidos, reproduciendo la ideología hegemónica de culpabilidad del trabajador, eximiendo a la empresa de su responsabilidad en promover un local de trabajo seguro. Las entrevistas también demostraron que el grado de participación o de omisión del sindicato puede interferir en las cuestiones de salud y seguridad del trabajo, repercutiendo en el aumento o disminución de la accidentalidad y enfermedades laborales. Los entrevistados perciben que los servicios de salud relacionados a la Salud del Trabajador en Corumbá son ineficientes, morosos e inadecuados comparados con la estructura de atendimiento disponible en Campo Grande, para donde los trabajadores de la frontera son enviados para tratamientos y exámenes en los casos más complejos. PALABRAS LLAVE: Sector minero; Accidentes de trabajo; Enfermedades ocupacionales; Corumbá; Frontera.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Extração de minério de ferro por desmonte mecânico…………... 64

Figura 2 – Pátio de beneficiamento……………………………………………. 65

Figura 3 – Pátio de minério……………………………………………………... 67

Figura 4 – Barragem de rejeitos………………………………………………... 68

Figura 5 – Galpão de descarga do carvão…………………………………….. 72

Figura 6 – Silos de estocagem de minério de ferro e carvão………………… 73

Figura 7 – Esquema de funcionamento de alto-forno………………………... 73

Figura 8 – Esquema de produção do ferro-gusa……………………………... 74

Figura 9 – Vista lateral externa do alto-forno. Roda de gusa………………... 74

Figura 10 – Pátio de estocagem do ferro-gusa……………………………….. 75

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13

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Empregados próprios e terceirizados no setor mineral de

Corumbá em 2015……………………………………………………………….

82

Tabela 2 – Causas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais

mencionadas nos processos trabalhistas envolvendo empresas do setor

mineral de Corumbá (2009-2014)……………………………………………...

85

Tabela 3 – Funções exercidas por trabalhadores conforme mencionadas

nos processos trabalhistas – setor mineral de Corumbá (2009-2014)……...

86

Tabela 4 – Média etária, salarial, tempo na função, tempo de afastamento,

CAT emitidas e afastamentos pelo INSS – Mineração (2009-2014)………..

88

Tabela 5 – Média etária, salarial, tempo na função, tempo de afastamento,

CAT emitidas e afastamentos pelo INSS – Siderurgia (2009-2014)………..

88

Tabela 6 – Principais desgastes encontrados na mineração……………….. 209

Tabela 7 – Principais desgastes encontrados na siderurgia………………… 209

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14

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Funções e remunerações na Indústria Extrativa Mineral de

Corumbá (2014)………………………………………………………………….

80

Quadro 2 – Funções e remunerações na Indústria Siderúrgica de Corumbá

(2014)…………………………………………………………………………......

80

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Descritores utilizados para pesquisa na plataforma

Scielo………………………………………………………………………………

57

Gráfico 2 – Descritores utilizados para pesquisa na plataforma

Lilacs………………………………………………………………………………

57

Gráfico 3 – Descritores utilizados para pesquisa na Biblioteca Central da

UFMS..……..................................................................................................

58

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

art. artigo

BA Bahia

BR Brasil

Brasider Sociedade Brasileira de Siderurgia

CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CAT Comunicação de Acidente de Trabalho

CBO Classificação Brasileira de Ocupações

CEREST Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

CF Constituição Federal

CID Código Internacional de Doenças

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CNPS Conselho Nacional de Previdência Social

CNS Conselho Nacional de Saúde

Comin Corumbá Mineração

Convap Construtora Vale do Piracicaba

Cosimat Companhia Siderúrgica Mato-grossense

CVRD Companhia Vale do Rio Doce

DF Distrito Federal

DORT Doenças Oesteoarticulares Relacionadas ao Trabalho

EPI Equipamento de Proteção Individual

Fe Ferro

Fe2O3 Óxido de Ferro (hematita)

fig. figura

FOB Free on Board

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

inc. inciso

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

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JT Justiça do Trabalho

LER Lesões por Esforços Repetitivos

Lilacs Latin American and Caribbean Health Science Literature

MCR Mineração Corumbaense Reunida

Metamat Companhia Mato-grossense de Mineração

MG Minas Gerais

MME Ministério de Minas e Energia

MPS Ministério da Previdência Social

MP Ministério Público

MPT Ministério Público do Trabalho

MT Medicina do Trabalho

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

NBR Norma Brasileira

NR Norma Regulamentadora

NTEP Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário

OIT Organização Internacional do Trabalho

Org. organizado

p. página

PA Pará

PAIR Perda Auditiva Induzida por Ruído

PDV Plano de Demissão Voluntária

PIB Produto interno bruto

PLC Programmable Logic Controller

PNS Pesquisa Nacional de Saúde

PNSST Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho

Qtde. Quantidade

RAIS Relação Anual de Informações Sociais

RENAST Rede Nacional de Ação Integral à Saúde

S.A. Sociedade Anônima

sal. min. salário mínimo

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Scielo Scientific Electronic Library Online

SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade

SO Saúde Ocupacional

Sobraimove Sociedade Brasileira de Imóveis

Sobramil Sociedade Brasileira de Mineração

Socomar Sociedade Comercial e Marítima

SST Saúde e Segurança do Trabalho

ST Saúde do Trabalhador

SUS Sistema Único de Saúde

TRT Tribunal Regional do Trabalho

TST Tribunal Superior do Trabalho

UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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INTRODUÇÃO

A discussão sobre a saúde dos trabalhadores no contexto industrial envolve

a compreensão dos acidentes e adoecimentos1 em relação com o mundo laboral.

Passa, portanto, pela definição de trabalho e pela análise dos padrões de

acumulação do capital, o que implica reconhecer que a maneira como o trabalhador

se insere e se relaciona com o processo produtivo irá impactar na sua saúde.

O trabalho é caracterizado como valor social e forma de integração na

sociedade, o modo pelo qual as pessoas conseguem uma renda para o sustento

próprio e familiar (ARAÚJO et al, 2006), além de ser essencial “para a construção,

desenvolvimento e complementação da identidade, ou seja, para a constituição da

vida psíquica na idade adulta e o fortalecimento da saúde mental” (FIGUEIREDO;

NASCIMENTO, 2015).

Navarro e Padilha (2007) definem o trabalho como elemento estruturante e

ponto de partida para a humanização do ser social, enquanto Antunes (2005)

destaca que o trabalho é central na vida do homem, pois por intermédio dele o ser

humano transforma a natureza, ao tempo em que também é transformado e

emancipado pela atuação exercida sobre ela. Marx (2003, p. 116) ressaltou a

importância do trabalho ao designá-lo como “atividade vital consciente”, o ato que

distingue o homem dos animais irracionais.

Com efeito, o modo como o homem realiza o seu trabalho é denominado de

processo de trabalho. Este, por sua vez, é orientado em razão de uma finalidade,

que consiste na produção de um dado objeto para responder a alguma necessidade

humana, determinada ou condicionada pelo desenvolvimento histórico das

sociedades (FARIA; WERNECK; SANTOS, 2009).

Como pontua Antunes (2005), ao passo que é necessário reconhecer o

potencial emancipador do trabalho humano, também é preciso admitir que a forma

1 Apesar de reconhecermos que as “doenças ocupacionais” constituem espécie do gênero “acidentes de trabalho”, conforme preceitua a Lei 8.213/91, nesta dissertação fizemos a distinção entre os termos para evidenciar que os “acidentes de trabalho”, também denominados de “típicos”, são aqueles eventos abruptos que causam lesão corporal, perturbação funcional, morte, perda ou redução temporária da capacidade de trabalhar. As “doenças ocupacionais”, por sua vez, não decorrem de um evento súbito, de modo que o adoecimento é um processo que se prolonga no tempo, por vezes dificultando a demonstração do nexo causal entre o trabalho e a enfermidade experimentada pelo trabalhador.

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como ele se desenvolve sob o modelo capitalista resulta em alienação2, sofrimento

e adoecimento.

Isto porque o pressuposto do modo de produção capitalista é valer-se do

sobretrabalho (ou trabalho humano não remunerado), que pode ocorrer tanto pelo

elastecimento da jornada (mais-valia absoluta) quanto pela intensificação do

trabalho (mais-valia relativa) mediante o auxílio de máquinas (MARX, 1983).

Oliveira (2011, p. 74) esclarece que essas formas de apropriação não

remunerada do trabalho humano não resultam somente na produção de bens

dotados de valor de uso, mas também de bens com valor de troca e,

consequentemente, na mais-valia, formando um excedente que comporá o lucro do

capitalista. Consequência lógica, o processo de valorização ou de produção de

mais-valia é de vital importância e o fim último para o modelo de produção

capitalista, que só pode ser realizado “em condições que possibilitem a

lucratividade”.

Assim, além de constituir o meio onde são produzidos bens ou valores de

uso, o processo de trabalho relaciona-se intrinsecamente com a realização do

processo de valorização, “associado ao fato de constituir-se num espaço de

confronto entre forças antagônicas entre capital e trabalho”. No que concerne ao

binômio saúde-doença, o processo de trabalho representa o momento em que

tomam forma os padrões de desgaste-reprodução dos seres humanos (OLIVEIRA,

2011, p. 74).

Esses padrões de desgaste são consequências de cargas cuja intensidade

depende da forma de produzir, da organização e da divisão do trabalho, associadas

às relações de força entre capital e trabalho. Conforme OLIVEIRA (2011, p. 75) “as

cargas podem ser analisadas separadamente, mas na concretude do processo de

trabalho elas interatuam entre si e com o corpo do trabalhador”, motivo pelo qual o

trabalho tem que ser compreendido não somente como processo corporal, mas

também e principalmente, “como uma expressão concreta da relação de exploração

através de sua organização e divisão” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p.107).

2 A expressão é usada como sinônimo de “estranhamento”, referindo-se à separação do produtor de seu produto, que ocorre num contexto histórico definido, mediante uma “relação de expropriação, dominação e mesmo de hostilidade” (HELOANI, 2010)

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Almejando atingir um processo de valorização cada vez mais eficiente (e

lucrativo), as sucessivas revoluções industriais concretizaram o modo de produção

capitalista, subvertendo o sentido do labor humano por intermédio de métodos

“coercitivos e violentos”, garantindo a submissão e a adaptação do homem às

rígidas disciplinas de sistemas fabris que impuseram “ritmo e intensidade do

trabalho em nada compatíveis com a plasticidade e os limites biopsicossociais dos

indivíduos” (FRANCO, 2011, p. 172).

Nos espaços fabris a baixa qualidade das condições ambientais, a divisão

do trabalho entre os que pensam (gerentes) e os que executam (trabalhadores), o

uso de métodos científicos para maior eficiência e produtividade, a eliminação dos

tempos inúteis, a seleção e treinamento de pessoas para tarefas prescritas e cada

vez mais simplificadas, a adoção da linhas de montagens mecanizadas, dentre

outras práticas voltadas para a reprodução ampliada do capital, reduziram as

possibilidades de desenvolvimento e de autorrealização do homem por meio do

trabalho, proliferando mutilações e adoecimentos laborativos desde o século XIX e,

hodiernamente, as epidemias de LER (lesões por esforços repetitivos), DORT

(doenças oesteoarticulares relacionadas ao trabalho) e de transtornos mentais

(FRANCO, 2011).

A alienação do trabalhador, então, tem origem no processo de trabalho. É

nesse momento que se constata que o trabalho é sofrimento e não realização

humana. Trabalha-se para sobreviver, para alguém e por alguém. Como coloca

Antunes (2005, p. 70), “sob o capitalismo, o trabalhador não se satisfaz no trabalho,

mas se degrada; não se reconhece, mas se nega”.

Nesses termos, a atividade laborativa estabelece uma relação direta e

permanente com a saúde do trabalhador, de modo que a expectativa de vida e a

higidez física e mental de quem trabalha dependem, em última instância, das

condições e da intensidade com que se usa a força de trabalho (NEFFA, 2015).

Essa percepção, que não é nova e que começou a despontar com os

estudos de Agrícola e Ramazzini a partir do século XVI, especialmente em relação

ao trabalho realizado na mineração (MORERA; GARRIDO; VILLANUEVA, 2011;

PAZ, 2014), ficou mais evidente com o esgotamento do padrão taylorista-fordista

de produção, suplantado a partir do início dos anos setenta do século XX pelo

modelo de acumulação flexível (HARVEY, 2013; SENNET, 2012), que inaugurou a

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crise da sociedade salarial (CASTEL, 1998), consubstanciada por tendências

globalizantes de desregulamentação, precarização de direitos sociais e

desemprego estrutural, com implicações nos ambientes de trabalho e na

capacidade de resistência dos trabalhadores.

Diante da crescente terceirização, jornadas exaustivas, polivalência e

enfraquecimento dos sindicatos profissionais, os operários são compelidos a

enfrentar o paradoxo de permanecer no mercado de trabalho em tempos de cultura

do não-emprego (BAUMANN, 2005), sujeitando-se a processos produtivos que

esperam contar com mão de obra que aceita quaisquer condições para atender ao

novo ritmo e às rápidas mudanças exigidas pelo capital (DRUCK, 2011).

A esse respeito, Marglin (1989, p. 41) afirma que “o operário não é livre para

decidir como e quanto quer trabalhar para produzir o que lhe é necessário; mas é

preciso que ele escolha trabalhar nas condições do patrão ou não trabalhar, o que

não lhe deixa nenhuma escolha”. Essa, pois, é uma outra contradição marcante:

enquanto parte significativa da classe trabalhadora padece com o excesso de

trabalho, outros sofrem3 com a sua falta (NAVARRO; PADILHA, 2007).

Apesar da abrangência globalizada dessa conjuntura, ela pode ser mais

claramente percebida, estudada e analisada nas cidades ou regiões em que as

possibilidades de inserção formal no mercado de trabalho são muito restritas,

concentrando-se em algumas poucas empresas e/ou em setores específicos da

economia, como ocorre em Corumbá, município sul-mato-grossense localizado em

faixa de fronteira, distante 426 quilômetros da capital Campo Grande.

Com população estimada em 108.010 habitantes (IBGE, 2014) e

contemplada pela natureza com significativas jazidas de minério de ferro e de

manganês de excelente qualidade para a produção de gusa e derivados (GODOI

et al, 2001), a cidade atraiu a partir de 1940 (COSTA 2013; LAMOSO, 2001;

PÓVOAS, 1977) importantes mineradoras e siderúrgicas que até dezembro de

2013 empregavam 2.472 trabalhadores, dos quais 1475 na indústria extrativa e 997

na indústria de transformação (MTE, 2013).

3 Conforme Figueiredo e Nascimento (2015), Barros e Oliveira (2009), Santos (2008) e Ribeiro (2007), o estado de desemprego pode ocasionar a falta de sentido ou de significado para a vida, gerando uma situação de vulnerabilidade social, além de desordem simbólica e psíquica, acompanhada por sentimentos de medo, tristeza e ansiedade.

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Ao longo dos anos o setor mineral foi responsável pelo bom desempenho do

produto interno bruto (PIB)4 per capita, pela elevação da média salarial5 e pelo

pagamento de royalties6 para Corumbá, criando uma perspectiva que relaciona o

progresso da cidade à existência e à permanência das mineradoras e das

siderúrgicas no município (COSTA, 2013), fator político-econômico-social que

converge para uma importância material e simbólica desse seguimento industrial

na localidade.

Se por um lado as mineradoras e siderúrgicas parecem ser capazes de

oferecer benefícios econômicos e boas oportunidades de emprego e renda para os

trabalhadores dessa específica região fronteiriça, por outro lado seus processos de

trabalho são associados a graves acidentes e adoecimentos (NERY; ALVES, 2011;

BOUYER; BARBOSA, 2010; SOUZA; MINAYO; CAVALCANTE, 2007; LIMA;

DEUSDEDIT JÚNIOR, 2006; GUIMARÃES; TEIXEIRA, 2003; GANNE, 2000),

sendo enquadradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 1978) como

atividades extremamente nocivas para os trabalhadores, expondo-os

continuamente a diversos agentes prejudiciais à saúde (SOUSA et al, 2015).

Isso é especialmente preocupante pelo fato de o Brasil ocupar o terceiro

lugar no ranking mundial de países produtores de minério de ferro, com 386 milhões

de toneladas/ano e ser o detentor de 13,6% das reservas mundiais lavráveis (23

bilhões de toneladas), dos quais 13,1% (3 bilhões de toneladas) estão em Mato

Grosso do Sul, montante superado apenas pelo Estado de Minas Gerais, que conta

com 72,5% (16 bilhões de toneladas) das reservas nacionais (DNPM, 2014).

4 Segundo o IBGE (2012a), o PIB per capita de Corumbá (R$ 35.663,76) posiciona-se à frente do PIB de Campo Grande (R$ 21.071,17), de Dourados (R$ 24.612,46) e de Três Lagoas (R$ 32.170,20). Disponível em http://cod.ibge.gov.br/3PIQW. Acesso em 29 maio.2015. 5 De acordo com o IBGE (2012b), Corumbá é o quarto município em número de trabalhadores assalariados no Estado de Mato Grosso do Sul(15.667), atrás de Campo Grande (260.787), Dourados (56.130) e Três Lagoas (33.974). Entretanto, quanto à média de salários mínimos pagos aos trabalhadores, Corumbá (3,0 s.m.) se posiciona à frente de Dourados (2,5 s.m.) e de Três Lagoas (2,8 s.m.), ficando muito próxima do primeiro lugar, que é de Campo Grande (3,4 s.m.). Disponível em http://cod.ibge.gov.br/34PSZ e em http://cod.ibge.gov.br/2R9WH. Acesso em 29 maio.2015. 6 Dados mais recentes disponibilizados pelo Ministério das Minas e Energia (2010; 2011) dão conta de que no ano de 2009 somente a comercialização de minérios metálicos (ferro e manganês) alcançou a cifra de R$ 281.890.414,00, sendo que em 2011, a cidade de Corumbá arrecadou R$ 21.019.657,99 a título de compensação financeira pela exploração de recursos minerais.

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No Brasil, as estatísticas oficiais (MPS, 2013) mais recentes registraram um

total de 717.9117 infortúnios laborativos no ano de 2013, sendo que desse total

17.578 acidentes ocorreram no setor mineral, o que significa mais de 48 acidentes

por dia ou um acidente a cada trinta minutos, colocando o país na 4ª posição

mundial em quantidade de acidentes e adoecimentos laborativos (MPS, 2014).

Parte desses infortúnios laborativos aportam na Justiça Especializada sob o

formato de ações judiciais nas quais os trabalhadores, muitas vezes inválidos e

praticamente descartados do mundo do trabalho, postulam reparações financeiras

em face dos (ex-) patrões, alegando que as enfermidades e os acidentes têm nexo

de causalidade com as condições laborativas desfavoráveis.

No ano de 2014 a Justiça do Trabalho no Brasil recebeu 2.344.351 novas

ações trabalhistas, das quais 169.717 ações versaram sobre pedidos relacionados

direta ou indiretamente à saúde do trabalhador, assim discriminadas: 44.204 ações

sobre indenizações por doenças ocupacionais; 26.654 ações sobre atos

discriminatórios no trabalho; 22.393 ações sobre estabilidade acidentária; 76.466

ações sobre indenização por acidentes de trabalho (TST, 2014).

Em Corumbá foram ajuizadas 4.310 ações trabalhistas entre meados de

2009 a meados de 2014 (TRT24, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2015), das quais

894 envolviam reclamações contra as empresas do setor mineral instaladas no

município, sendo que desse total 74 causas versaram sobre acidentes de trabalho

e doenças ocupacionais relacionadas ao trabalho nas mineradoras e siderúrgicas8.

7 Conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social (MPS, 2013, p. 575), do total de 717.911 infortúnios, 559.081 tiveram emissão de comunicação de acidente de trabalho (CAT), referentes a 432.254 acidentes típicos, 111.601 acidentes de trajeto e 15.226 doenças ocupacionais. O restante dos acidentes, totalizando 158.830 eventos, não tiveram CAT emitida pelo empregador. É importante destacar que alguns estudos indicam que os números produzidos pelo Ministério da Previdência Social (MPS) não refletem a realidade dos acidentes e adoecimentos laborais no Brasil, em razão das subnotificações. Nesse sentido, Maia et al (2015), fazendo referência à pesquisa nacional de saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentam 4.948.000 acidentes de trabalho no ano de 2013, isto é, quase 7 vezes mais a quantidade mencionada pelo MPS.

8 Esses dados estatísticos são relevantes por duas razões: a) os infortúnios laborativos representam quase 10% das reclamações trabalhistas envolvendo empresas do setor mineral, o que já é significativo em termos globais; b) os dados podem estar subestimados, seja porque os trabalhadores não conseguem perceber o nexo causal entre os infortúnios e os processos de trabalho na mineração e na siderurgia, conforme procuraremos demonstrar neste trabalho, seja porque o setor mineral representa as melhores colocações no mercado formal de trabalho em Corumbá, sujeito a picos de demissão e recontratação, razão pela qual o trabalhador receia denunciar seu acidente em juízo.

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Essa tendência9 à judicialização revela, a um só tempo, que a Saúde do

Trabalhador, como campo de pesquisa e de ação, não tem garantido mudanças10

em prol de empregos decentes e seguros, que ofereçam condições dignas e justas

de trabalho, ao passo que também demonstra que a forma repressiva e pontual de

intervenção jurídica soluciona o problema apenas sob o aspecto individual, sem

resolver, contudo, a generalizada e preocupante questão social de descartabilidade

de homens e mulheres que vivem do trabalho (DRUCK, 2011).

Ademais, a condição fronteiriça de Corumbá, caracterizada pelo

isolamento11 geográfico em relação à capital Campo Grande, representa uma

variável importante no que se refere a pouca presença de agentes públicos e

instituições que poderiam representar uma melhoria dos níveis de saúde e

segurança dessa atividade ocupacional, dificultando o acesso da população na

reivindicação dos seus direitos e a possibilidade de maior controle e vigilância sobre

as condições e a gestão do trabalho no setor mineral.

A esse respeito, a condição fronteiriça está representada pela restrição ou

ausência de serviços públicos (DORFMAN, 2008; DORFMAN; CARDIN, 2014).

Nesse sentido, entendemos que ainda cabe discutir a fronteira brasileira como local

distante, de pouco desenvolvimento, historicamente abandonada pelo Estado,

marcada pela dificuldade de acesso a bens e serviços públicos e pela inobservância

de condições de cidadania (GADELHA; COSTA, 2007).

9 Essa tendência à judicialização pode ser inferida em razão do crescente aumento do número de processos trabalhistas. Conforme TST (2014, p. 7), em 2010 foram ajuizadas 2.009.004 ações; em 2011 foram ajuizadas 2.135.216; em 2012 foram ajuizadas 2.269.388 ações; em 2013 foram ajuizadas 2.409.945 ações.

10 Afirmamos isso ao compararmos as estatísticas brasileiras referentes à acidentalidade no trabalho. Em 2010 foram registrados oficialmente 529.793 acidentes; em 2011 foram registrados oficialmente 543.889 acidentes; em 2012 foram registrados oficialmente 546.222 acidentes; em 2013 foram registrados oficialmente 559.081 acidentes. Desse modo, apenas os números oficiais sinalizam um incremento de quase 30.000 acidentes de trabalho típicos num período de 4 anos. 11 A cidade de Corumbá interliga-se com Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio da BR 262, rodovia federal de boa qualidade e conservação, além de possuir conexão com o país vizinho (Bolívia) por hidrovia e com o Estado de São Paulo por via aérea, com voos regulares que partem do aeroporto internacional da cidade com destino à Campinas (Aeroporto Internacional de Viracopos). Em razão disso, entendemos que o isolamento geográfico acima mencionado é mais simbólico do que físico, integrando um discurso ideológico que se presta a muitos fins, dentre eles justificar a ausência de instituições, de agentes públicos e de serviços públicos ligados ao campo da Saúde do Trabalhador.

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Sendo assim, não há como avançar na integração plena de cidades-gêmeas,

vinculadas a países diferentes, ou mesmo priorizar essa abordagem, se a

integração interna entre cidades fronteiriças e os seus respectivos centros

decisórios de poder ainda é claudicante.

Aliás, entendemos que esse ponto de vista é o que melhor acomoda a

situação mais recente dos operários do setor mineral concernente ao acesso aos

serviços e instituições ligadas à saúde do trabalhador em Corumbá. Nesse caso, a

percepção dos trabalhadores retrata uma das facetas da “fronteira vivida”,

expressão cunhada por Nogueira (2004) para designar o significado da fronteira

para quem está e vive na fronteira.

Com efeito, para Euzébio (2014), “a presença de instituições públicas no

território qualifica o lugar”. Segundo esse autor as instituições públicas são

consideradas “significativos objetos geográficos […]. Elas provêm os serviços

básicos à população e se constituem em agente de inserção social e promoção da

cidadania, tarefa básica que faz parte da missão constitucional do Estado”.

A importância da presença dessas instituições públicas, no que pertine à

Saúde do Trabalhador como campo de pesquisa e ação é fundamental para a

concretização da Constituição Federal de 1988 na parte em que menciona ser

dever do Estado oferecer acesso universal e igualitário aos serviços para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, estes considerados como sendo de

“relevância pública”.

Nesse sentido, Faria e Bortolozzi (2013, p. 145-146) destacam que “não é

possível que a saúde seja acessível a todos, indistintamente, se as pessoas não

têm acesso ao sistema. E o acesso depende, obviamente, dos serviços nos

territórios”. Acrescentam esses autores, ainda, que “um sistema de saúde só pode

ser considerado universal quanto atende a todas as necessidades, de todos os

cidadãos, em todo e qualquer lugar equitativamente”

Levando-se em conta os resultados pouco efetivos para a diminuição de

acidentes, doenças e mortes de trabalhadores, e sendo a mineração e a siderurgia

as principais atividades industriais de Corumbá, surgiu a necessidade de adquirir

conhecimentos e produzir informações que pudessem contribuir para a alteração

desse panorama e para o aprimoramento de instituições que atuam no campo da

Saúde do Trabalhador, além da própria Justiça do Trabalho de Mato Grosso do Sul,

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pois “não se pode falar em trabalho digno ou decente sem se garantir as condições

de segurança e saúde na prestação dos serviços” (OLIVEIRA, 2011, p. 134), uma

vez que “um trabalho digno é necessariamente um trabalho seguro” (OIT, 2009, p.

11).

Diante disso, esta pesquisa teve por objetivo geral compreender o processo

de trabalho e sua relação com os acidentes e adoecimentos de trabalhadores do

setor mineral de Corumbá. Além de mapear os acidentes e doenças laborais em

relação com o processo produtivo e descrever fatores ambientais ou das próprias

lesões, mutilações, morbidades ou doenças, este estudo teve a intenção de

investigar a relação entre o processo produtivo e a presença de sofrimento diante

dos agravos gerados no trabalho, de forma a compreender de que maneira os

trabalhadores têm enfrentado essa vivência, incluindo sua satisfação com as

instâncias que deveriam prezar por sua saúde e segurança.

Para isso o estudo buscou:

a) Descrever o processo produtivo do setor mineral e seus efeitos sobre

a saúde dos trabalhadores na região da fronteira Brasil-Bolívia;

b) Verificar de que maneira os trabalhadores estabelecem o nexo causal

entre as atividades que desenvolveram no setor mineral e seu estado de saúde-

doença;

c) Conhecer a trajetória de vida dos trabalhadores depois que

adoeceram ou se acidentaram, e sua repercussão dentro e fora do trabalho.

Além da presente introdução, a dissertação conta com três capítulos. No

primeiro abordamos o conceito de Saúde do Trabalhador e o seu escopo como

campo de ação e de pesquisa. Tratamos das relações entre trabalho, saúde-

doença e acidentes laborativos na fronteira e fizemos a revisão da literatura sobre

os agravos à saúde do trabalhador no setor mineral. Discorremos, ainda, sobre o

setor mineral, fazendo um breve histórico sobre esse segmento industrial e como

se dá a sua configuração produtiva em Corumbá. A metodologia foi tratada no

segundo capítulo, ao passo que os resultados foram indicados e discutidos no

terceiro capítulo. Finalmente, por ocasião das considerações finais, pontuamos

algumas conclusões que reputamos pertinentes para a melhoria da saúde dos

trabalhadores do setor mineral na fronteira do Brasil com a Bolívia.

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1 A SAÚDE DO TRABALHADOR

Enquanto especialidade médica a preocupação com a saúde dos

trabalhadores surgiu na Inglaterra com o advento da Medicina do Trabalho, na

primeira metade do século XIX, no contexto da I Revolução Industrial, resumindo-

se naquela época à utilização de serviços médicos pelas empresas com o objetivo

de selecionar pessoal para contratação, controlar o absenteísmo dos operários e

provocar um retorno mais rápido da força de trabalho adoecida à produção

(MENDES; DIAS, 1991; OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).

Com o avanço da tecnologia industrial e o desenvolvimento de processos

produtivos com ênfase no uso de equipamentos mecânicos e novos produtos

químicos, cresceu a quantidade de acidentes e de mortes nas fábricas após a II

Guerra Mundial, causando enormes prejuízos econômicos às empresas e

seguradoras privadas. Nesse cenário, tornou-se indispensável deslocar a

intervenção focada exclusivamente nos trabalhadores para alcançar os ambientes

laborais, mediante a atuação de equipes profissionais multidisciplinares, fazendo

surgir o modelo da saúde ocupacional (MENDES; DIAS, 1991).

A eficácia desse modelo passou a ser contestada com mais veemência

cerca de duas décadas depois por trabalhadores de países industrializados que

começaram a reivindicar maior participação operária nos assuntos de saúde e

segurança dentro dos espaços fabris, tipificados em situações concretas de

sofrimento, doenças e mortes (RIGOTTO, 1990), dando início a uma nova forma

de compreender e atuar na relação saúde-trabalho, conformando o campo da

Saúde do Trabalhador.

No Brasil, o movimento em prol da participação dos trabalhadores em busca

de mais segurança e saúde nos locais de trabalho emergiu somente a partir da

década de 1980, durante o período de redemocratização política do país, trazendo

um “novo pensar sobre o processo saúde-doença e o papel exercido pelo trabalho

na sua determinação” (MENDES; DIAS, 1991). As reivindicações sindicais por

melhores condições de trabalho culminaram por influenciar a Constituição Federal

de 1988, que estabeleceu a saúde como um direito social e fundamental do

trabalhador (art. 6º; art. 196; art. 197; art. 200, II), a ser protegida por políticas

públicas mantidas e coordenadas pelo sistema único de saúde (SUS).

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De acordo com Lacaz (2007), o campo da Saúde do Trabalhador (ST) é uma

área de pesquisa e ação que se dedica ao estudo da relação entre trabalho e

processo de saúde-doença a partir da compreensão de que o processo de trabalho,

como cenário da exploração e da confrontação de classes, tem alto poder

explicativo na gênese dos agravos à saúde (MINAYO-GOMES; LACAZ, 2005, p.

799). Assim, determinadas condições a que os trabalhadores se submetem geram

um perfil de adoecimento específico, de acordo com o trabalho que realizam. Com

efeito, Figueiredo (2008, p. 63) salienta que:

A saúde do trabalhador é resultante de todo um conhecimento acumulado na área da Saúde Coletiva, que, influenciada pelo materialismo histórico dialético, busca articular as condições sociais, econômicas, políticas e culturais - consideradas determinantes para a compreensão das relações no espaço de trabalho e do perfil de reprodução social – com as características dos processos de trabalho com potencial impacto na saúde.

Para Laurell e Noriega (1989, p. 205) as “cargas de trabalho” caracterizam

os elementos do processo de trabalho que “interatuam dinamicamente entre si e

com o corpo do trabalhador, gerando processos de adaptação que se traduzem em

desgaste”, este último entendido como a perda da capacidade potencial e/ou efetiva

corporal e psíquica do trabalhador em adaptar-se às condições adversas

encontradas no ambiente de trabalho (COUTINHO NETO, 1998; KIRCHHOF et al,

2011).

Em termos práticos, as cargas de trabalho podem ser consideradas atributos

de determinados processos de trabalho, cuja presença no ambiente laboral

maximiza a possibilidade de que um grupo de trabalhadores expostos submeta-se

ta uma maior deterioração física e/ou mental, comparativamente àqueles que não

ficaram expostos ou que tiveram uma exposição diferenciada a tais atributos

(COUTINHO NETO, 1998; FACCHINI, 1993).

Consoante Laurell e Noriega (1989) e Kirchhof et al (2011), essas cargas

podem ser divididas em dois grupos: as cargas de materialidade externa ao corpo

do trabalhador, passíveis de observação no ambiente de trabalho, e as de

materialidade interna ao corpo do trabalhador, as quais só se manifestam por meio

de um distúrbio ou de uma doença.

As cargas de materialidade externa subdividem-se em cargas físicas (ruído,

calor, frio, umidade, iluminação, etc.); cargas químicas (fumaças, vapores, gases,

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líquidos, pastas, etc.); cargas biológicas (fluidos e secreções animais ou de seres

humanos, manipulação de materiais contaminados, etc.); e cargas mecânicas

(derivadas de instrumentos e materiais que compõem o ambiente de trabalho, tais

como máquinas e equipamentos).

De outro lado, as cargas de materialidade interna fragmentam-se em cargas

fisiológicas (derivadas do esforço físico, posições incômodas e inadequadas,

alterações no relógio biológico em razão da alternância de turnos de trabalho, etc.)

e cargas psíquicas (relacionadas a situações de trabalho sob tensão prolongada ou

pelo uso limitado do conhecimento e habilidades do trabalhador, tais como

monotonia, repetitividade, imposição de metas e resultados, supervisão

excessivamente exigente, falta de autonomia, trabalho parcelado, dentre outras).

Discorrendo acerca dos impactos das cargas de trabalho e do desgaste

sobre as condições de saúde-doença dos grupos humanos, em determinado

processo de trabalho, Oliveira (2011, p. 77) esclarece que:

eles resultam “das características próprias do sistema capitalista de produção, que estão presentes na luta entre capital e trabalho, na busca de maior produtividade, competitividade, associado às inovações tecnológicas, à exploração do trabalho e à acumulação do capital. Desta forma, a análise do processo de produção de maneira global é o que nos possibilita compreender como as cargas de trabalho e o desgaste atuam sobre os trabalhadores.

Desse modo, para estudar a saúde dos trabalhadores é fundamental levar

em consideração o tipo de produção, as empresas existentes no território estudado

bem como o contexto laboral em que o trabalho é desenvolvido, porque apesar das

cargas e dos desgastes se manifestarem nos indivíduos, é somente em nível

coletivo que ele ganha dimensão.

Assim, a Saúde do Trabalhador não se limita apenas às avaliações dos

riscos fisiológicos da atividade empresarial ou às condições de trabalho nos

espaços laborais. Encerra, também, uma análise do “processo simbólico, ético,

afetivo, político, social e relacional” (BARBOZA, 2008, p. 282), intimamente atrelado

à cidadania, aos direitos humanos e à justiça social, fatores que não podem ser

dissociados da gestão e da organização do trabalho adotada no mundo

contemporâneo.

Ao contrário do que ocorria nas etapas da Medicina do Trabalho (MT) e da

Saúde Ocupacional (SO), em que o trabalhador apenas “assistia ao desenrolar dos

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acontecimentos, mas não contava com articulação suficiente para reivindicar,

apesar de ser o principal interessado” (OLIVEIRA, 2011, p. 64), o campo da ST, por

ter sua origem a partir dos movimentos operários, incorporou a ideia do trabalhador

protagonista, capaz de promover mudanças a partir de seus saberes sobre o seu

ofício, “participando do controle da nocividade, da definição consensual de

prioridades de intervenção e da elaboração de estratégias transformadoras”

(LACAZ, 2007, p. 760).

Assim, o campo da ST passa a englobar as vivências, a compreensão, a

percepção e a subjetividade dos trabalhadores na busca da modificação das

condições a que estão submetidos, já que são eles que realizam as atividades

laborais e conhecem todos os processos e os riscos aos quais estão expostos no

seu cotidiano.

Por isso, para Mendes e Dias (1991, p. 347), “a Saúde do Trabalhador

considera o trabalho, enquanto organizador da vida social, como espaço de

dominação e submissão do trabalhador pelo capital, mas igualmente, de

resistência, de constituição e do fazer histórico”.

A saúde passa então a ser compreendida como um fenômeno complexo que

transcende a mera eliminação de agentes patológicos, abrangendo também fatores

psicológicos e sociais, e sua promoção teria relação com a condenação de “todas

as formas de conduta que violentam o corpo, o sentimento e a razão humana

gerando, consequentemente, a servidão e a heteronomia” (SAWAIA, 1995, p. 157).

Foi na trilha da nova Carta Política de 1988 que houve a edição da Lei

Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990), que incorporou e

definiu o conceito de Saúde do Trabalhador (art. 6º, § 3º) como um conjunto de

atividades que se destina “à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores,

assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores

submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho”, detalhando

as atribuições e competências do SUS nessa seara.

Fruto das lutas pela melhoria da qualidade de vida, as ações voltadas para

a promoção da saúde dos trabalhadores passam a ser orientadas pelo art. 200 da

Constituição Federal, sendo criadas a Rede Nacional de Ação Integral à Saúde do

Trabalhador (RENAST) e os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador

(CERESTs), concebidos para ocuparem papel relevante de pólos irradiadores da

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cultura da centralidade do trabalho no processo de produção social das doenças e,

ainda, lócus de articulação inter e intrassetorial das ações de ST no respectivo

território de abrangência, possuindo como uma de suas principais atribuições

acolher, discutir e prover soluções às demandas dos movimentos sociais

relacionados com a situação da saúde e trabalho (Portaria nº 2.437, de 7 de

dezembro de 2005).

A tutela da saúde e da segurança do trabalhador também foi objeto de

regulamentação específica na lei geral de benefícios previdenciários (Lei n. 8.213,

de 24 de julho de 1991), que passou a definir os acidentes de trabalho típicos (art.

19) como sendo aqueles que ocorrem “pelo exercício do trabalho a serviço de

empresa […], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a

morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o

trabalho”.

Quanto às doenças ocupacionais, a Lei 8213/91 (art. 20) equiparou-as aos

acidentes típicos, definindo a doença profissional como um evento produzido e

desencadeado por atividades específicas constantes, e as doenças do trabalho

como aquelas adquiridas ou desencadeadas “em função de condições especiais

em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”, conforme

relação a ser elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

Até mesmo os infortúnios ocorridos fora do local e do horário de trabalho

foram objeto de regulamentação pela Lei 8213/91 (art. 21, II), ficando equiparados

aos acidentes ocorridos dentre da empresa desde que o trabalhador esteja

executando ordens ou a serviço do empregador.

Os infortúnios ocorridos no percurso residência-trabalho-residência

receberam o mesmo tratamento legal (art. 21, II), assim considerados aqueles

eventos que, ligados ao trabalho que mesmo não tendo sido a causa única haja

contribuído diretamente para a morte, redução ou perda da sua capacidade para o

trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação,

além de outras situações equivalentes.

Também foi importante o reconhecimento legal expresso de que as

concausas se equiparam ao acidente de trabalho (art. 21, I), sendo definidas como

“o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja

contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua

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capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a

sua recuperação”.

No ano de 2004 foi instituído o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário

(NTEP) por intermédio da Resolução 1.236 do Conselho Nacional de Previdência

Social (CNPS), “propondo a presunção do nexo acidentário (B91) como política

básica da análise das doenças profissionais e do trabalho” (VERTHEIN; MINAYO-

GOMES, 2013, p. 285).

Esse mecanismo legal, posteriormente agregado à Lei de Benefícios

Previdenciários no art. 21-A, atendeu antigas reivindicações de trabalhadores e de

profissionais de saúde ao estabelecer uma nova referência para a análise do nexo

causal entre doença e trabalho, articulando como dado primário de critério

epidemiológico o Código Internacional de Doenças (CID) e a Classificação Nacional

de Atividades Econômicas (CNAE) de cada empresa.

Conforme Verthein e Minayo-Gomes (2013, p. 286), esse cruzamento de

dados entre CID e CNAE é um indicador estatístico que “permite a visibilidade dos

ramos de atividade econômica que apresentam patologias acima da média da

população em geral, servindo, em plano paralelo, para o mapeamento de fatores

de risco”, independentemente da expedição de CAT pelo empregador.

Enquanto um campo interdisciplinar, a ST convoca outras áreas de

conhecimento e prática para uma ação conjunta em prol da prevenção da saúde

dos trabalhadores, sem excluir a participação das instâncias jurídicas. A grande

questão é que nesse âmbito tem prevalecido muito mais a atuação repressiva, com

ênfase para as indenizações pecuniárias, e pouca importância tem sido atribuída

às modalidades preventivas de proteção aos agravos à saúde dos trabalhadores,

tornando relevante o questionamento acerca da atuação da Justiça do Trabalho e

do Ministério Público do Trabalho (MPT) no campo da ST.

No que pertine ao Ministério Público (MP), a CF/88 atribuiu-lhe a função

institucional de zelar pelos direitos assegurados na Constituição, “promovendo as

medidas necessárias a sua garantia” (art. 129), sendo este justamente o caso dos

serviços de saúde (art. 197). A Carta Constitucional também conferiu ao MP

atribuição para promover ações judiciais com a finalidade de proteção do meio

ambiente, inclusive o meio-ambiente do trabalho, e de outros interesses difusos e

coletivos, que também abrangem a saúde do trabalhador.

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Na Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, consta como uma das

atribuições do MPT a instauração de “inquérito civil e outros procedimentos

administrativos […] para assegurar a observância dos direitos sociais dos

trabalhadores” (art. 84), inseridos nesse contexto a prevenção à saúde e a garantia

de meio-ambiente laboral hígido com vistas à eliminação, neutralização ou redução

dos riscos inerentes ao trabalho.

A atuação do MPT no campo da saúde do trabalhador pode ocorrer de forma

preventiva também na esfera extrajudicial, por exemplo, quando o órgão propõe

termos de ajustamento de conduta para empresas e empregadores que

descumprem normas de saúde e segurança nos ambientes laborativos; quando

requisita os serviços de inspeção do trabalho junto ao MTE para apuração de

denúncias de irregularidades; ou, judicialmente, nas hipóteses em que maneja

ações civis públicas para compelir empresas e empregadores a cumprir a

legislação de proteção à saúde do trabalhador.

A Justiça do Trabalho entra nesse circuito com o poder de coercibilidade

estatal, não atribuído ao MPT, de compelir o empregador a cumprir as normas

trabalhistas de saúde e segurança do trabalho12. Nesse sentido, há um necessário

e indissociável entrelaçamento de atuação entre o MPT e Justiça Especializada,

pois esta não pode agir sem a provocação do MPT, ao passo que este não tem o

poder de obrigar as empresas a cumprir a legislação sem que para isso exista uma

decisão judicial emanada da Justiça do Trabalho.

Sob o aspecto individual, a Justiça do Trabalho tem a competência atribuída

pela CF/88 de julgar os litígios entre trabalhadores e empregadores oriundos da

relação de trabalho, aí inseridos os pedidos de indenização em razão de acidentes

de trabalho e doenças ocupacionais, nas hipóteses em que for comprovada a culpa

do empregador no infortúnio laborativo. Todavia, pensamos que se houvesse

efetiva atuação preventiva dessas instituições ao lado ou em associação com

aquelas mencionadas expressamente no Decreto 7.602/201113, as ações

12 De acordo com a Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal, “compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores” 13 O referido decreto dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), estabelecendo objetivos, princípios e diretrizes relativas à saúde do trabalhador e responsabilidades institucionais do Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde e Ministério da Previdência Social no campo da ST.

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reparatórias poderiam tornar-se a exceção e não mais a regra, como tem ocorrido

atualmente.

1.1 Relações entre trabalho, saúde-doença e acident es laborais na

fronteira: território e territorialidades

O entendimento dos acidentes e agravos relacionados ao trabalho implica

em aceitar que a forma como as pessoas vivem e trabalham em um determinado

lugar e tempo, ou seja, como se inserem socialmente, delineará suas morbidades

e causas de mortalidade (DIAS, 2001). Nesse sentido, esta pesquisa se propõe a

compreender os acidentes e doenças laborais em inter-relação com o processo

social, em que a saúde-doença é determinada por múltiplos fatores marcados pela

degradação do contexto do trabalho pelo capitalismo (THOMAZ JUNIOR, 2011;

LOURENÇO, 2009).

Para Monken, Barcellos e Porto (2013, p. 162) “a promoção da saúde

coletiva analisa, como uma de suas questões centrais, os condicionantes ou

determinantes históricos e sociais dos fenômenos de saúde em populações e

lugares concretos”, de modo que entendemos que não se pode prescindir do

trabalho como importante categoria para o entendimento do processo de saúde-

adoecimento de grupos ocupacionais na fronteira.

Com isso, expressões e termos geográficos tais como território, espaço,

lugar, territorialidade e desterritorialidade têm despertado o interesse e sido

frequentemente utilizados no contexto da promoção, prevenção e vigilância em

saúde pública, e se relacionam com o campo da saúde do trabalhador.

A noção de território é compreendida como um espaço atravessado e

delimitado por e a partir de relações de poder (SOUZA, 1995; COSTA, 2009), onde

vive uma população definida e onde a organização da vida dessas pessoas em

sociedade obedece a um processo historicamente construído. No território se

evidenciam as condições sociais, econômicas, políticas e culturais, as quais

articuladas às características dos processos de trabalho têm potencial impacto na

subjetividade, na qualidade de vida e na higidez dos operários.

Para Santos (2014, p. 2), “é por meio do trabalho que os territórios são

construídos, no sentido de que há uma finalidade para este território, que se altera

com o desenvolvimento das forças produtivas”. Conforme essa autora:

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[…] a constituição dos territórios, bem como seu ordenamento deve ser entendido não apenas como unidade, mas como unidade e diversidade, pois se estamos falando em uso de território, isso implica diferentes formas de vivenciá-lo de dentro, pelos diferentes grupos ali inseridos, através de diversas formas de expressão da relação capital x trabalho (SANTOS, 2014, p. 2).

Nesse aspecto, o território reproduz, em escala dimensionada, a mesma

dialética observada no contexto das relações de trabalho. Saquet (2013, p. 49)

pondera que o território “é substantivado, material e imaterialmente, por sujeitos,

grupos e classes sociais que estão em constante interação, conflitos e disputas”,

cada qual tentando impor as suas vontades sobre um determinado espaço

geográfico, isto é, exercendo suas territorialidades.

Sack (1986 apud MONKEN; BARCELLOS; PORTO, 2013, p. 163) enfatiza

que a territorialidade deve ser entendida como a tentativa “de afetar, influenciar ou

controlar pessoas, fenômenos e relações, através da delimitação e da afirmação

de controle sobre uma área geográfica”, sendo o território a área em questão. Essas

ações, que constituem as territorialidades, não objetivam necessariamente o

controle físico do território, mas têm a intenção de impor uma dominação simbólica

sobre ele.

No caso de Corumbá, reconhecemos que o setor mineral domina

simbolicamente o território, exercendo territorialidades por intermédio da sua

representatividade econômica. Sob tal ângulo, apesar dos impactos ambientais que

esse setor produtivo desencadeia (VERÍSSIMO; VALCARCEL, 1992), bem como

os conflitos deflagrados pela posse da terra e o uso da água (COSTA, 2013), ele

ainda é visto pelos trabalhadores da cidade como uma importante fonte geradora

de emprego e renda, especialmente pelo fato de Corumbá estar geograficamente

afastada da capital e limitada em oferecer oportunidades de emprego, criando uma

relação de dependência que é própria do sistema capitalista, a qual pode ser

visualizada a seguir:

a) Segundo o IBGE (2012), o PIB per capita de Corumbá (R$ 35.663,76)

posiciona-se à frente do PIB de Campo Grande (R$ 21.071,17), de Dourados (R$

24.612,46) e de Três Lagoas (R$ 32.170,20);

b) Dados recentes disponibilizados pelo Ministério das Minas e Energia

(2010; 2011) dão conta de que no ano de 2009 somente a comercialização de

minérios metálicos (ferro e manganês) alcançou a cifra de R$ 281.890.414,00,

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sendo que em 2011 a cidade arrecadou R$ 21.019.657,99 a título de compensação

financeira pela exploração de recursos minerais;

c) Informações extraídas do CAGED, relativas a 31/12/2013 indicam que o

setor mineral empregava 2.472 trabalhadores, assim divididos: 1475 na indústria

extrativa mineral e 997 na indústria de transformação mineral (MTE, 2013);

d) Ainda conforme o IBGE (2012), Corumbá é o quarto município em número

de trabalhadores assalariados no Mato Grosso do Sul (15.667), atrás de Campo

Grande (260.787), Dourados (56.130) e Três Lagoas (33.974). Entretanto, quanto

à média de salários mínimos (sal. min.) pagos aos trabalhadores, Corumbá (3,0 sal.

min.) se posiciona a frente de Dourados (2,5 sal. min.) e de Três Lagoas (2,8 sal.

min.), ficando muito próxima do primeiro lugar, que é de Campo Grande (3,4 sal.

min.).

Nos momentos de crise econômica é mais fácil observar a relação de poder

das empresas frente à dependência e falta de perspectivas de ação da população.

Isso torna-se bastante perceptível, por exemplo, nas fases de declínio do preço das

matérias-primas comercializadas pelas mineradoras, quando emerge o discurso

desterritorializante de fechamento de portas e mudança dos investimentos para

outras localidades alegadamente mais lucrativas, ou mesmo paralisação

temporária das atividades de extração e transformação até que o mercado

apresente preços vantajosos.

Outra estratégia empresarial é mencionar a localização geográfica da cidade

e a deficiência da infraestrutura de transportes para justificar demissões, corte de

investimentos ou redução de benefícios indiretos pagos aos trabalhadores por força

de negociação coletiva.

Evidentemente esses discursos ameaçam os trabalhadores pela

possibilidade real do desemprego numa cidade com diminutas oportunidades de

ocupação profissional, afetando e influenciando a capacidade de resistência no

contexto laboral.

A atuação dos sindicatos profissionais também passa a ser pautada por

essas ameaças, repercutindo nas negociações coletivas e nas reivindicações por

melhores condições de trabalho, saúde e segurança. O padrão de lutas e de

confrontos entre patrões e empregados é substituído pelo espírito colaborativo,

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cooperativo e pelo consenso de que é necessário preservar os empregos a

qualquer custo.

Neste cenário, as medidas de prevenção, preservação e proteção da própria

saúde são o que menos importam para os trabalhadores, afinal, ter um emprego,

mesmo que inseguro ou precário, é melhor do que não ter nenhum.

Essa postura tem relação direta com as questões atinentes à acidentalidade

e ao adoecimento advindas dos processos laborais, na medida em que a posição

de subjugação dos trabalhadores e sindicatos diante do temor frente às situações

de desamparo os impedem de ocupar o lugar de protagonistas da própria história,

inibindo-os de agir sobre as condições e organização do trabalho, a fim de

transformá-las.

1.2. Revisão da literatura: agravos à saúde do trab alhador no setor

mineral

Estudos sobre o trabalho no setor mineral e os seus efeitos na saúde dos

operários não são recentes, visto que desde antes da I Revolução Industrial

diversos e relevantes estudos foram desenvolvidos em busca da compreensão das

vivências, doenças e acidentes de trabalho em relação com as atividades

realizadas, a organização e as condições de trabalho.

No século XVI Georgius Agrícola, ao descrever as operações minerais e

metalúrgicas, detectou problemas de saúde relacionados à extração de minérios,

dentre elas a asma em decorrência das fuligens suspensas no ar. No seu livro De

Re Metallica, esse médico germânico deu especial atenção para essa doença em

razão de sua rápida evolução e agravamento, incitando a busca por novos

conhecimentos sobre ela, que posteriormente foi denominada de pneumoconiose

causada pela sílica livre (PAZ, 2014).

Ramazzini também detalhou as enfermidades que atingiam os trabalhadores

das minas (MORERA; GARRIDO; VILLANUEVA, 2011), dedicando o primeiro

capítulo de seu livro De Morbis Artificum Diatriba a esse assunto. De acordo com o

médico italiano, os trabalhadores nas minas estavam propensos a desenvolver

enfermidades relacionadas à inalação de partículas nocivas à “natureza humana”,

tais como a asma e a silicose. Além disso, atribuiu aos mineiros a realização de

movimentos violentos e repetitivos, mediante posturas inadequadas do corpo que

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“alteraria a natural estrutura da máquina vital” (MORERA; GARRIDO;

VILLANUEVA, 2011, p. 15)

No Brasil, a ocorrência de pneumoconioses foi pesquisada por Lido et al

(2008) na cidade de Campinas (SP), e foi verificada sua correlação com a

mineração a céu aberto. No seu estudo foram analisadas as fichas de atendimento

ambulatorial no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), sendo identificados 1147 casos positivos de pneumoconioses, 1061

referentes à silicose, média etária dos trabalhadores na faixa dos 46 anos, com

tempo médio de 16 anos de exposição aos agentes causadores. A indústria

cerâmica foi a que apresentou mais pessoas afetadas (77,67%), ao passo que a

mineração de superfície apresentou um dos menores índices de adoecimento por

pneumoconioses (4,91%).

No mesmo ano, Ribeiro et al (2008) divulgaram pesquisa sobre a exposição

ocupacional à sílica no Brasil, tomando como parâmetro o ano de 2001. Os setores

econômicos e as ocupações foram reunidas em uma matriz de exposição com 347

categorias ocupacionais por 25 subsetores econômicos. A quantidade de

trabalhadores por ocupação foi extraída da RAIS. A exposição à sílica foi avaliada

e classificada por dois peritos em quatro categorias, de acordo com a frequência

semanal de exposição no ambiente de trabalho. Os resultados da pesquisa

apontaram que 85,7% dos trabalhadores foram considerados não-expostos à sílica;

2,65% possivelmente expostos; 6,52% provavelmente expostos; e 5,6%

definitivamente expostos. Os setores com maior prevalência de exposição foram a

construção civil (65%), extração de pedras (59%), indústria de extração mineral não

metálico (55%) e metalurgia (24%). Concluíram os pesquisadores que a

prevalência de trabalhadores definitivamente expostos à sílica, no Brasil, no ano de

2001, era maior do que na Europa, no mesmo período.

Carneiro et al (2002) analisaram o perfil de 300 trabalhadores expostos à

sílica, os quais foram atendidos no ambulatório de um hospital em Belo Horizonte

(MG) entre os anos de 1989 e 2000. A média de idade dos pacientes expostos foi

de 51 anos, com tempo médio de exposição de 15,6 anos. Diagnosticaram-se

radiologicamente 126 (42%) casos de silicose, constatando-se que, quanto mais

avançada a categoria radiológica da doença, piores foram os resultados à

espirometria e mais frequentes as associações com tuberculose e com limitação

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crônica ao fluxo aéreo. O mercado de trabalho formal representou o principal

vínculo empregatício, sendo a mineração a principal atividade exercida,

responsável pela exposição de 197 indivíduos (66%). Os trabalhadores do mercado

informal foram aqueles que apresentaram achados radiológicos indicativos de

formas mais avançadas da doença, sugerindo piores condições de exposição à

sílica neste grupo de trabalhadores.

A poluição atmosférica por material particulado na mineração a céu aberto

foi analisada e discutida por Almeida (1999). A justificativa para o estudo foi o fato

de a poluição atmosférica acarretar efeitos deletérios sobre a saúde humana,

notadamente irritação nos olhos e das vias respiratórias, redução da capacidade

pulmonar, aumento da suscetibilidade a infecções virais e doenças

cardiovasculares, redução da performance física, agravamento de doenças

crônicas do aparelho respiratório, tais como bronquites e pneumoconioses, dentre

outros males. No estudo, relatou-se que partículas muito grandes (15µm ou mais),

quando inaladas, não ultrapassam as vias aéreas superiores. De outro lado,

partículas menores (10µm ou menos), se inaladas, chegam até o sistema

respiratório inferior, atingindo os alvéolos. O resultado do estudo demonstrou que

as minas a céu aberto, de médio e grande portes, possuem mais poluição

atmosférica do que nos centros urbanos, todavia, as partículas respiráveis

inferiores a 10µm não representavam mais do que 10% do total encontrado no ar

analisado. Os principais elementos químicos detectados em suspensão foram o

cálcio (35,42%) e o silício (15,72%).

Em termos psíquicos, Guimarães e Teixeira (2003) pesquisaram a

associação entre transtornos mentais e trabalho em turnos alternados de

revezamento em uma grande empresa de mineração de ferro em Itabira (MG). A

amostra envolveu 580 trabalhadores homens com idade entre 18 e 60 anos e pelo

menos um ano de serviço. Desse universo, 96 trabalhadores apresentavam

problemas psiquiátricos durante a realização da pesquisa. O resultado demonstrou

que dentre os trabalhadores adoecidos, 79 trabalhavam ou tinham trabalhado em

turnos de revezamento, indicando a pesquisa que há forte associação entre doença

mental e trabalho atual ou anterior em turnos alternados, com um risco para

adoecimento mental duas vezes maior para os expostos a turnos de revezamento.

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A relação entre transtorno mental e trabalho foi pesquisada numa siderurgia

de Minas Gerais por Lima e Deusdedit Júnior (2006), por solicitação do respectivo

sindicato profissional local. A preocupação da entidade sindical surgiu em razão

do aumento dos afastamentos previdenciários por depressão. O estudo constatou

um quadro de deterioração acentuado da saúde dos operários relacionado às

condições de trabalho após a privatização da empresa, sendo que o Plano de

Demissão Voluntária (PDV), o incremento de jornadas de 12 horas e a terceirização

dos serviços contribuíram para a instauração do quadro depressivo dos

trabalhadores afastados.

Souza, Minayo e Cavalcante (2007) realizaram estudo sobre a taxa de

suicídios no Município de Itabira-MG, no período compreendido entre 1990 e 2001,

identificando uma tendência de aumento desses eventos entre homens num

período que coincidiu com a privatização de uma grande mineradora existente

naquela cidade e cujos índices de ocorrência foram mais elevados do que a média

das demais cidades brasileiras no mesmo interstício. Como base de dados,

valeram-se do cruzamento de informações disponíveis no batalhão da Polícia

Militar e cartório de registro civil daquele município minerador mineiro, além das

informações disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do

Ministério da Saúde. Analisaram internações hospitalares do período, bem como o

sexo, idade e ocupação das vítimas.

Alterações auditivas sugestivas de perda auditiva induzida por ruído (PAIR)

e os principais sintomas otorrinolaringológicos em trabalhadores da metalurgia

foram estudadas por Araújo (2002) entre janeiro e março de 2002, na cidade de

Goiânia-GO. Foram entrevistados 187 trabalhadores de uma metalúrgica,

posteriormente submetidos a exames audiométricos. O resultado foi de 21%

sugestivo para PAIR, 72% normal e 7% sugestivo de outras doenças auditivas. Em

conclusão, o pesquisador relatou a existência de alto ruído no ambiente de trabalho

e a não utilização e/ou não fornecimento de EPI, entendendo que na indústria

metalúrgica há ocorrência de alterações sugestivas de PAIR e outras queixas

auditivas significativas relacionadas ao trabalho.

Peixoto (1981) analisou a infortunística ocular em uma indústria siderúrgica

de Minas Gerais, entre 1967 e 1978. Partindo de uma amostra de 11.135 fichas de

acidentes de trabalho, verificou que 13,39% eram referentes a acidentes oculares,

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caindo para 9,78% a partir do ano de 1979, após intensificação de campanhas

preventivas. A maioria dos acidentes foi considerada leve, apesar de alguns

operários terem relatado distúrbios visuais graves e cegueira.

Na cidade de Corumbá, Ganne (2000) verificou as características, as

demandas de serviços de saúde e custos decorrentes dos acidentes de trabalho

por meio da análise das CAT´s registradas no posto local do Instituto Nacional de

Seguridade Social (INSS), entre os anos de 1996 e 1997, período em que a cidade

contava com duas empresas de extração de minerais metálicos e uma siderúrgica.

Do total de 252 acidentes de trabalho, constatou-se que a siderurgia era

responsável por 12,31% (31) e a extração de minerais metálicos por 8,34% (21)

dos infortúnios oficialmente registrados. Com base nos registros analisados

constatou-se que 132 trabalhadores (52,38%) tinham até 35 anos, dentre estes sete

(2,78%) eram menores de 18 anos, 84 (33,33%) tinham idade entre 36 e 47 anos

e 36 (14,29%) trabalhadores apresentaram idade superior a 47 anos. Do universo

de 252 trabalhadores acidentados, 14 eram do sexo feminino e 238 do sexo

masculino. Na mineração e na siderurgia todos os acidentados eram homens,

sendo que as maiores taxas de acidentes ocorreram nas funções de serviços gerais

(58), motoristas e operadores de máquinas (18), eletricistas (13), mecânicos (13),

auxiliares e ajudantes (10). Na indústria de extração de minerais metálicos, o salário

médio era de R$ 584,09 e na siderurgia importava em R$ 306,38. O mês com maior

número de acidentes foi janeiro; a estação do ano com mais infortúnios foi o outono;

e o dia da semana com maior registro de acidentes foi a segunda-feira. As causas

mais frequentes dos acidentes foram: impactos causados por objetos ou queda de

objetos; quedas causadas por animais; acidentes causados por máquinas,

aparelhos, equipamentos ou ferramentas; meio de transporte incluindo queda,

colisão e atropelamento; outras quedas ou perda de equilíbrio; condições inseguras

de andaimes, escadas ou similares; acidentes causados por corrente elétrica;

esmagamento causados por objetos; LER; PAIR. A localização mais frequente das

lesões registradas foi nos membros inferiores e superiores, dedos das mãos, pés e

região lombar. As fraturas, lombalgias e queimaduras figuraram entre os

diagnósticos prováveis mais frequentes. Na siderurgia 12 (38,71%) acidentes

resultaram em afastamento do trabalho, sendo 4 desses afastamentos superiores

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a 60 dias. Em relação à mineração, 18 acidentes (85,71%) resultaram em

afastamento, 4 deles superiores a 60 dias.

Candia et al (2009) analisaram os acidentes fatais na mineração peruana

entre os anos de 2000 até maio de 2008, concluindo que a mineração subterrânea

apresenta-se como de maior risco, se comparada com a mineração a céu aberto.

Nesse estudo, os pesquisadores constataram que os acidentes mais

representativos disseram respeito a queda de rochas em escavações subterrâneas

(36,53%), trânsito de pessoas (9,23%), queda de pessoas (9,04%),

escorregamento de terrenos (7,91%) e intoxicações (7,16%). Ponderaram que a

grande maioria desses acidentes decorreu de condições inseguras de trabalho,

normalmente projetos inadequados das minas, inadequada manutenção de

equipamentos, supervisão inadequada ou a combinação desses fatores.

Nery e Alves (2011) realizaram estudo junto a 10 ex-trabalhadores de uma

grande mineradora na cidade de Brumado (BA), e verificaram que o processo e as

condições de trabalho eram desgastantes, gerando doenças auditivas por conta do

ruído excessivo, ausência de fornecimento e/ou uso inadequado de EPI por falta

de treinamento, problemas respiratórios, problemas de coluna entre os motoristas

e britadores, e ameaça dos trabalhadores serem demitidos quando adoentados.

Abranches (2000) analisou os fatores de risco relacionados com os agravos

em trabalhadores do setor de manutenção em uma indústria siderúrgica,

encontrando maior prevalência de traumas e ferimentos nas mãos, dores

musculares e cansaço em homens com 1º grau de escolaridade e idade entre 31 e

40 anos. Os principais riscos foram ruído, poeira de carvão mineral e ritmo intenso

de trabalho.

Sobre a relação entre subjetividade e segurança no trabalho, Bouyer e

Barbosa (2010) produziram investigação no setor de manutenção de uma empresa

de mineração de grande porte. A escolha do setor justificou-se pelo fato de ter sido

o que gerou maior número de infortúnios no período compreendido entre 1992 até

2005. A pesquisa demonstrou que o emprego de métodos de segurança do trabalho

que prestigiam o diálogo e o intercâmbio subjetivo de experiências vividas e

conhecimentos sobre os riscos de acidentes e doenças do trabalho pelos próprios

operários mostraram-se mais efetivos do que os programas tradicionais de SST, os

quais não abrem espaço para a comunicação e o diálogo coletivo.

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1.3 O Setor Mineral em Corumbá: breve histórico e c onfiguração

produtiva

De acordo com Lamoso (2001) e Costa (2013) a exploração mineral em

Corumbá só ganhou impulso a partir de 1940, quando o Estado de Mato Grosso

firmou um contrato com a Sociedade Brasileira de Mineração (Sobramil) para a

exploração do manganês e do minério de ferro (PÓVOAS, 1977). Estava em curso

a II Guerra Mundial, de modo que havia grande interesse americano em expandir

as importações de minério para o esforço de guerra, notadamente porque a União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) respondia por quase 75% da

produção mundial de manganês, razão pela qual os americanos não tinham outra

saída a não ser buscar essa matéria prima em países periféricos com reservas

exploráveis em curto prazo, caso do Brasil (LAMOSO, 2001).

Esses fatores externos, atrelados ao crescimento industrial interno daquela

época, favoreceram a diversificação dos objetivos sociais da Sobramil, que

verticalizou suas atividades14 ao criar a Sociedade Brasileira de Siderurgia

(Brasider), com a instalação de um alto-forno na cidade de Corumbá, e a Sociedade

Brasileira de Imóveis (Sobraimove), esta última responsável por centralizar a

compra de terras para projetos de reflorestamento, porquanto era indispensável a

produção de madeira para abastecer o alto-forno da siderúrgica15.

Todavia, com o passar do tempo, a euforia econômica que ocorreu com a

ativação do alto-forno esmaeceu. A escassez do carvão e o alto custo para

transportá-lo até a siderúrgica desestimulou o processo de agregação de valor ao

minério, motivo pelo qual a atividade de siderurgia teve que ser paralisada no final

da década de 1970, quando Corumbá voltou a ser apenas exportador de ferro em

estado bruto.

Nesse interregno, a Sobramil associou-se à Companhia Meridional

(CORRÊA FILHO, 1969), subsidiária da americana United States Steel

14 Brito (2011a) menciona também a criação da Sociedade Comercial e Marítima (Socomar), com sede na Argentina, que tinha por objetivo social realizar o transporte fluvial do minério de ferro extraído em Corumbá. 15 A criação dessas empresas e a instalação do alto-forno para agregar valor ao minério bruto extraído das minas de Urucum movimentou o comércio da cidade e atraiu para a região cerca de 2.000 pessoas, um acréscimo de 10% à população local que, na época, era de aproximadamente 20.000 habitantes (LAMOSO, 2001).

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Corporation. Primeiramente firmaram uma sociedade na qual a Sobramil

participava com 59% do capital e a Companhia Meridional com 41%16. De acordo

com Lamoso (2001, p. 236), essa associação perdurou até 1953, quando então a

renovação de concessão de lavra passou a ser exclusiva da Sobramil.

O rompimento da sociedade não impediu, entretanto, que a Companhia

Meridional continuasse adquirindo minérios de Corumbá. Isso porque apesar do

término da associação empresarial, Sobramil e Companhia Meridional entabularam

acordo comercial que garantiu a preservação de interesses americanos na

conturbada geopolítica mineral17. O remanescente deveria ser vendido para as

indústrias nacionais, pois assim determinava o contrato de concessão subscrito em

1953.18

Nesse formato, a Sobramil enviava o manganês para os Estados Unidos por

via fluvial, levando o produto até o porto de Nova Palmira, no Uruguai, onde era

feito o transbordo para navios de longo percurso com destino à América do Norte.

De outro lado, o ferro-gusa produzido no alto-forno e destinado ao mercado interno,

era transportado por via férrea de Corumbá até Bauru pela estrada de ferro

Noroeste do Brasil e, dali até São Paulo, a viagem continuava pela linha férrea da

Fepasa.

Os custos do transporte do minério dificultavam a competitividade do ferro-

gusa produzido em Corumbá quando comparados com aquele beneficiado em

Minas Gerais. Nesse caso, a localização geográfica supostamente acarretava

16 Essa divisão societária decorreu de imposição legal. O art. 6º do Código de Minas, de 1940, impedia a exploração de minérios por estrangeiros. Com o advento da Constituição Federal de 1946, a redação dada ao art. 153, § 1º, da nova Carta Política abriu brecha para a participação de empresas com capital estrangeiro, desde que constituídas no Brasil e com participação acionária minoritária. 17 Mastrobuono (1957 apud LAMOSO 2001) escreveu que em 1952 os Estados Unidos implantaram a política do battle act, segundo a qual foi países aliados eram proibidos de exportar matérias-primas que pudessem ser usadas na fabricação de armas ou outros aparatos militares pela URSS. Em retaliação, a URSS também proibiu a exportação de manganês para os Estados Unidos, que então teve que buscar parceiros para se abastecer desse minério, dentre eles o Brasil. Precavidos e com o objetivo de sustentar a política do battle act que estava em vias de implantação, desde 1946 os americanos estocavam manganês na cidade de Pittsburg, na Pensilvânia, onde já existiam mais de 8 milhões de toneladas daquele minério no ano de 1956. 18 Bueno (2010, p. 353) anota que nesse período “O Estado foi o principal ‘empresário’ do Brasil na Era Vargas, e seu campo de atuação essencial se deu nas medidas protecionistas à indústria e na nacionalização dos recursos minerais”.

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interferência direta nos preços de frete e transporte uma vez que, já naquela época,

São Paulo era o grande consumidor interno de minério e seus derivados.

Lamoso (2001) reporta, a respeito disso, que em meados da década de

1960, o então deputado federal por Minas Gerais, Milton Campos, propôs a

proibição das exportações de manganês, liberando apenas o Estado de Mato

Grosso e o Amapá19.

Em reação, surgiu em Mato Grosso um movimento pela criação de uma

companhia local, a Companhia Siderúrgica Mato-Grossense (Cosimat), que

agregasse valor ao minério extraído em Corumbá e que produzisse ferro-gusa,

arame liso, pregos, vergalhões, arame farpado e laminados, dentre outros produtos

decorrentes do beneficiamento do ferro extraído de Urucum.

Entretanto, a essa altura dos acontecimentos o alto-forno da Sobramil já

tinha sido desativado e a empresa perdido a concessão de exploração. Lamoso

(2001) ressalta que desde 1972 a empresa já não extraía mais minério de Urucum

em razão do total desinteresse da parceira United States Steel Company, que

estava auferindo lucros com a exploração das jazidas no Gabão.

Quanto à criação de uma empresa local, Lamoso (2001) destaca que o

empreendimento não saiu do papel por fatores estruturais da região, tais como a

insuficiência energética para a manutenção de altos-fornos e a viabilidade

econômica do projeto para os padrões da época.

Não tendo prosperado a tentativa de colocar em prática a siderúrgica de

Corumbá, o Estado de Mato Grosso instituiu a Companhia Mato-grossense de

Mineração (Metamat), em 14 de dezembro de 1971, com a “finalidade de atuar no

campo da pesquisa, lavra, compra, venda, comércio internacional, industrialização

e transporte de minerais metálicos e não metálicos, de explorar e administrar

jazidas próprias ou de terceiros” (MATO GROSSO, 2012, p. 2).

Todavia, a ausência de recursos financeiros e de pessoal técnico

especializado para tais misteres levou a empresa a se associar à Companhia Vale

do Rio do Doce, na época uma estatal federal, para a exploração dos minérios

existentes no município, resultando na criação da Urucum Mineração S.A., que

19 O Amapá ainda era um Território Federal, criado pelo Decreto-Lei 5812, de 13 de setembro de 1943. Conforme salientado anteriormente, no Amapá foram descobertas importantes reservas de manganês, no município de Serra do Navio.

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também contou em sua composição estatutária com a participação da Convap

(Construtora Vale do Piracicaba), empresa de construção civil pertencente a

Alcindo Vieira20.

Iniciando as atividades operacionais em agosto de 1976, a produção da

Urucum Mineração destinou-se essencialmente à exportação. Naquele ano 90% do

minério extraído foi negociado com a empresa japonesa Nissoiwai e o

remanescente destinado a uma indústria paulista de metalurgia (LAMOSO, 2001).

Contudo, esse perfil exportador trouxe problemas posteriores à Urucum, uma vez

que os desdobramentos da crise do petróleo levaram o mundo à recessão

econômica e, com isso, a retração na comercialização do minério mostrou-se

inevitável.

Com a divisão política e administrativa do Estado de Mato Grosso, ocorrida

oficialmente em 11 de outubro de 1977, o capital social da Urucum Mineração

também foi redimensionado, passando a ficar dividido da seguinte forma: Metamat

28%, Estado de Mato Grosso do Sul 18,66%, Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)

46,66% e Convap 6,68%.

A divisão territorial levou o Estado de Mato Grosso, por intermédio da

Metamat, a vender sua participação para a CVRD. O Estado de Mato Grosso do

Sul, ainda incipiente, também resolveu colocar à venda sua parte no negócio. Como

a Convap já havia vendido sua participação para a CVRD, esta empresa passou a

ser detentora exclusiva de 100% das ações da Urucum Mineração S.A.

Lamoso (2001) registra que na década de 1990 apenas a Urucum Mineração

e a Mineração Corumbaense Reunida (MCR) exploravam ferro e manganês no

município, esta última constituída em 1974 para explorar manganês com lavra

subterrânea nos morros de Santa Cruz e São Domingos. Inicialmente a MCR

pertencia a Elísio Curvo e Grupo Tragtemberg, mas em 1991 foi vendida para Eike

Batista, o qual se associou com a empresa Rio Tinto Brasil (subsidiária da anglo-

australiana21 Rio Tinto), para a efetivação dessa compra.

20 Lamoso (2001) explicita que a divisão acionária da Urucum Mineração, em sua constituição inicial, foi assim ordenada: CVRD, com 46,66%; Metamat, com 46,66%; e Convap, com 6,68%. 21 Informação divulgada no sítio oficial da Prefeitura Municipal de Corumbá na rede mundial de computadores em 30 de janeiro de 2009 sob o título “Compra da MCR pela Vale será positiva para Corumbá”. Disponível http://www.corumba.ms.gov.br/noticias/compra-da-mcr-pela-vale-pode-ser-positiva-para-corumba/5023/. Acesso em 1º fev.2015.

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Após diversos investimentos feitos pela MCR em pesquisa geológica,

transporte fluvial, equipamentos e sistemas de gerenciamento, ela foi vendida em

2009 para a Vale S.A. num negócio de US$ 750 milhões. A compra da Urucum

Mineração e da MCR pela Vale S.A. tornou essa empresa a protagonista nos

negócios relativos à extração de minérios na região.

Outra empresa que passou a atuar na cidade no ramo do setor mineral foi a

MMX, de Eike Batista, por intermédio da MMX Metálicos Corumbá Ltda. (siderurgia)

e da MMX Corumbá Mineração Ltda. (extração de minério de ferro). Com a MMX

Metálicos, que passou a funcionar em 2005, o objetivo era a produção de ferro-

gusa, tanto que a empresa instalou dois altos-fornos na cidade (em 2007 e 2008).

Após esses investimentos, em 2009 a MMX Metálicos (parte da siderurgia) foi

negociada com a Vetorial Siderúrgica pelo valor de US$ 100 milhões, ao passo que

em 2014 a MMX Corumbá Mineração arrendou a extração de minérios para a Vetria

S.A.22, pelo período de 36 meses, pelo montante mensal de US$ 500.000,00, com

direito de opção de compra pelo arrendatário ao final do prazo ajustado no

arrendamento.

A Vetorial, por sua vez, atua em Corumbá no ramo da siderurgia (explorando

os altos-fornos que pertenciam à MMX Metálicos) e da extração de minérios, por

intermédio da Vetorial Siderurgia e Vetorial Mineração (antiga Corumbá Mineração

- Comin). A empresa criada em 1969 tem sede em Belo Horizonte e nos últimos

anos concentrou seus esforços de produção no Mato Grosso do Sul, onde também

atua no ramo da siderurgia em Campo Grande e Ribas do Rio Pardo23.

Em dezembro de 2011, Corumbá recebeu com esperança a notícia da

criação da Vetria Mineração S.A., um consórcio formado pelas empresas Vetorial

Mineração S.A., All América Latina Logística S.A. e Triunfo Participações S.A.

Conforme informações oficiais divulgadas pelas empresas, o consórcio tinha como

22 Em 8 de dezembro de 2014 as empresas que se associaram para a criação da Vetria S.A. desfizeram o negócio e, desse modo, os direitos do arrendamento para a exploração de minério passaram às mãos da Vetorial Siderurgia Ltda., conforme “Fato Relevante” divulgado no site institucional da Empresa MMX Mineração e Metálicos S.A. (disponível em http://www.mmx.com.br/listgroup.aspx?idCanal=Xoe4t+TfUttgbDO0ZQMHjw==. Acesso em 2 fev.2015. 23 Informação disponível em http://www.vetorial.ind.br/pt/a-vetorial/quem-somos. Acesso em 2 fev.2015.

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objetivo a solução integrada para logística, extração, beneficiamento e exportação

de minérios, bem assim a intenção de investir o valor de R$ 7,6 bilhões. A Vetorial

(detentora de 33,83% das ações) entrou no negócio com a propriedade dos direitos

de extração dos minérios, ao passo que a All América Latina (detentora de 50,38%

das ações) forneceria sua linha férrea para o transporte até São Paulo e a Triunfo

Participações (detentora de 15,79% das ações) com galpões para armazenamento

dos minérios no Porto de Santos24.

A união dessas três empresas parecia ser a solução ideal para o propalado

entrave no efetivo desenvolvimento do setor mineral no município: o transporte e o

custo do frete. Em dezembro de 2013 a Vetria divulgou ao mercado a reavaliação

dos investimentos em razão de resultado de pesquisa geológica, informando a

intenção de ampliar a extração de 20 milhões de toneladas de minério para 27,5

milhões de toneladas/ano.

Grandes expectativas foram geradas na cidade em razão desse

empreendimento de vulto, que contou com o apoio oficial do município (CORUMBÁ,

2013). Entretanto, um ano depois, em dezembro de 2014, as empresas

surpreenderam a cidade e o mercado noticiando a descontinuidade do consórcio

em razão da queda contínua dos preços do minério de ferro no mercado

internacional25.

Sustentaram que em 2001 o valor da tonelada importava em US$ 200,00, ao

passo que em 2014 essa importância regrediu para US$ 70,00 a tonelada, sendo

que os custos estimados da produção giravam em torno de US$ 71,00 a tonelada.

Explicaram que a razão da queda nos preços foi o desaquecimento da economia

chinesa26.

Atualmente operam na região as empresas Urucum Mineração e Mineração

Corumbaense Reunida, ambas integrantes do grupo Vale S.A., além da Vetorial

24Informação disponível em http://pt.rumoall.com/mobile/conteudo_mobile.asp?idioma=0&tipo=361&conta=28&id=164005. Acesso em 25 jan.2016. 25Informação disponível em http://ri.all-logistica.com/all/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&tipo=361&conta=28&id=206771. Acesso em 2 fev.2015. 26 Informação disponível em http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN0JO2F820141210. Acesso em 2 fev.2015.

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Mineração e Vetorial Siderurgia, do grupo Vetorial. A empresa MMX Corumbá

Mineração Ltda. continua existindo formalmente, na medida em que ainda é

detentora de direitos de lavra arrendados para a Vetorial Mineração, todavia, não

desenvolve nenhuma operação industrial no município.

Durante o trabalho de campo também tivemos conhecimento da existência

formal da empresa Mineração Pirâmide Participações Ltda., que em agosto de

200827 vendeu 49% do capital social para a Arcelor Mittal, empresa de origem

indiana com sede em Luxemburgo, que atua em 60 países e considerada líder

mundial em siderurgia28. Apesar de diversas tentativas de localizar a empresa na

cidade, não obtivemos êxito nesse objetivo, mesmo após contatos diretos com a

própria Arcelor Mittal no Brasil.

Finalmente, em 2014 entrou em operação no município a Granha Ligas

Ltda., empresa com sede em São João Del Rey (MG). Além da unidade fabril de

São João Del Rey, possui mais duas fábricas, uma em Conselheiro Lafaiete (MG)

e outra em Corumbá. Essa empresa é a terceira maior do Brasil na fabricação de

ferro-ligas, sendo 80% da sua produção destinada ao mercado interno e 20%

exportada para o mercado europeu e sul-americano (CORUMBÁ, 2014).

Diante do quadro atual acima exposto, é possível concluir que em Corumbá

as empresas de mineração e de siderurgia, mesmo sendo formalmente distintas,

desenvolvem atividades coordenadas e linearmente sucessivas em suas

operações técnicas e de produção, num regime de conjugação de interesses

produtivos, enquadrando-se portanto no conceito de cadeia produtiva, sendo este

o principal motivo de aglutiná-las para o estudo relacionado aos acidentes de

trabalho e doenças ocupacionais.

Segundo Michels e Yanaguita (2004, p. 32), “a cadeia de produção é um

conjunto de ações econômicas que presidem a valoração dos meios de produção

e asseguram a articulação das operações”. Corroborando com essa linha de

raciocínio, Batalha (1997, p. 24) sustenta que a cadeia produtiva contempla:

[…] uma sucessão de operações de transformação dissociáveis, capazes de ser separadas e ligadas entre si por um encadeamento técnico […] e também um conjunto de relações comerciais e financeiras que

27 Disponível em http://economia.uol.com.br/ultnot/valor/2008/08/11/ult1913u93552.jhtm. Acesso em 30 mar.2015. 28Disponível em http://www.nytimes.com/2006/06/25/business/worldbusiness/25iht-steel.html?_r=1&. Acesso em 30 mar.2015.

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estabelecem, entre os estados de transformação, um fluxo de trocas, situado de montante à jusante, entre fornecedores e clientes.

A concepção de cadeia produtiva como uma corrente cujo elo inicial é a

extração e o manuseio da matéria-prima, culminando com a distribuição do produto,

bem ou serviço acabado também encontra eco na literatura econômica estrangeira.

Monfort (1983, p. 3) esclarece que “o conceito de cadeia produtiva faz referência à

ideia de que um produto, bem ou serviço, é colocado à disposição do consumidor

final por uma sucessão de operações realizadas por diferentes unidades

interligadas”.29 É dentro dessa concepção que se insere a noção de setor mineral

que abrange a indústria extrativa mineral e a indústria de transformação mineral

(MICHELS; YANAGUITA, 2004).

Vale (1997, p. 12-13; 2001, p. 3) enfatiza a necessidade de “enfocar

sistemicamente a inter-relação entre os diferentes subsetores produtivos que

formatam as estruturas da indústria extrativa mineral e da indústria de

transformação mineral”, porque embora distintas, apresentam intenso grau de

integração industrial.

Essa inter-relação sistêmica pode ser verificada empiricamente no

transcurso da história e da constituição do setor mineral em Corumbá, observada

atualmente, por exemplo, entre as empresas Vetorial Mineração e Vetorial

Siderurgia, ambas em operação, em que a primeira fornece para a segunda o

minério de ferro necessário para a redução a ferro-gusa.

Ademais, o conceito de cadeia produtiva do setor mineral repercute na

atuação voltada para a Saúde do Trabalhador e na compreensão dos acidentes e

doenças ocupacionais, na medida em que a conjugação de esforços industriais

coordenados também configura o que se denomina no Direito do Trabalho de

“grupo econômico”. De acordo com o artigo 2º, § 2º30, da Consolidação das Leis do

29 Tradução nossa. O texto original conta com a seguinte redação: “Le concept de filière fait, lui, référence à l’idée qu’un produti, bien ou service, est mis à la disposition de son útilisateur final par une succession d’opérations effectuées par des unités ayant des activités diverses”. 30 “Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço[...] § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

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Trabalho (CLT), emerge o grupo econômico quando duas ou mais empresas,

embora dotadas de personalidades jurídicas distintas, se unem ou se coligam para

um melhor desempenho no mercado.

Do ponto de vista das ações judiciais, configurado o grupo econômico,

exsurge responsabilidade solidária para as empresas tomadoras de serviços, isto

é, passam a ser consideradas fictamente como empregador único (Súmula 129 do

TST), de modo que na hipótese de uma adversidade laboral, havendo participação

culposa ou dolosa de uma ou de ambas as empresas, todas responderão

passivamente, cada qual com o seu patrimônio próprio, para indenizar o trabalhador

acidentado e/ou enfermo em razão do trabalho, até o limite da indenização

arbitrada.

Sob o enfoque da vigilância e da prevenção em ST, a conjugação de

esforços produtivos entre mineração e siderurgia pode viabilizar estudos e análises

conjuntas dos processos de trabalho da mineração e da siderurgia, pois se essas

empresas se ativam de forma coordenada, natural que seus modos de produção

devam ser explorados conjuntamente.

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2 METODOLOGIA

A complexidade dos aspectos objetivos e subjetivos implicados na análise

da relação existente entre trabalhador, processo de trabalho e saúde-doença,

levou-nos a adotar métodos quantitativos e qualitativos para a coleta e tratamento

de dados, entendendo que eles se complementam e propiciam resultados e

conclusões mais próximos da realidade (AZEVEDO et al, 2013).

A esse respeito Minayo e Sanches (1993, p. 247) asseveram que os métodos

qualitativos e quantitativos, quando empregados isoladamente, podem não ser

suficientes para englobar toda a realidade. Sob o ponto de vista metodológico

consideram que não há contradição, tampouco continuidade, entre investigação

quantitativa e qualitativa, pois enquanto “a primeira atua em níveis de realidade,

onde os dados se apresentam aos sentidos […] a segunda trabalha com valores,

crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões”.

No presente trabalho a coleta desses dados foi fracionada em duas etapas,

observando-se as técnicas descritas por Marconi e Lakatos (2010). Na primeira

etapa houve uma pesquisa quantitativa indireta, de natureza documental

retrospectiva, em fontes primárias escritas (processos judiciais) e em fontes

secundárias (livros, teses, dissertações, artigos e imprensa escrita).

A pesquisa documental em fontes primárias escritas consistiu no exame do

conteúdo das ações trabalhistas ajuizadas na Vara do Trabalho de Corumbá entre

2009 e 201431, envolvendo trabalhadores e empresas do setor mineral, nas quais

houve pedidos de indenização em razão de acidentes de trabalho e/ou doenças

ocupacionais.

Vizzacaro-Amaral (2013) destaca que o uso de processos judiciais nas

pesquisas cientificas é vantajoso, pois existe um compromisso assumido pelas

partes do processo (autor e réu) em relação aos fatos debatidos nos autos e às

31 Esse lapso temporal de cinco anos corresponde ao prazo prescricional para ações judiciais objetivando a reparação civil de eventuais agravos à saúde decorrentes do trabalho (art. 7º, incisos XXVIII e XXIX, da CF/88). Desse modo, o trabalhador acidentado tem o prazo de cinco anos para ir a juízo reivindicar eventuais direitos desrespeitados pelo empregador em razão do infortúnio laborativo. Passado esse prazo, nada mais poderá ser postulado judicialmente. O recorte temporal da pesquisa procurou guardar relação com o referido prazo legal, entendendo-se também que um período de análise superior a cinco anos dificultaria a compreensão dos processos de trabalho utilizados no setor mineral, os quais evoluem rapidamente em razão das inovações tecnológicas.

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teses defendidas, inclusive sob pena de responsabilidade civil, criminal e por

litigância de má-fé.

Marconi e Lakatos (2010, p. 161), por sua vez, enfatizam que os documentos

jurídicos “constituem uma fonte rica de informes do ponto de vista sociológico,

mostrando como uma sociedade regula o comportamento de seus membros e de

que forma se apresentam os problemas sociais”.

Nessa mesma linha Pierucceti e Navarro (2012) salientam que a quantidade

e variedade dos dados contidos nos processos judiciais são enormes, fazendo dos

processos trabalhistas uma opção para pesquisa sobre acidentes e doença

relacionados ao trabalho.

Para localizar esses processos na base informatizada da unidade judiciária

trabalhista de Corumbá foi utilizado o seguinte procedimento: a) inicialmente foi

feita a pesquisa pelo ramo de atividade industrial indicada no cadastramento dos

processos ajuizados no município de Corumbá no período entre meados de 2009

e meados de 2014, resultando em 894 processos; b) em seguida, foi utilizado o

indexador por assunto “acidentes de trabalho”, indicando a existência de 74

processos nessa situação.

A partir daí foi realizada a leitura de cada processo para verificar quais

haviam sido efetivamente julgados e/ou instruídos com a coleta de depoimentos

pessoais e testemunhais, resultando em 36 processos. Nessa leitura foi realizada

uma análise preliminar crítica considerando-se o contexto social e a conjuntura

econômica local da época em que foram produzidos, pois conforme Cellard (2012,

p. 300) para produzir uma análise documental o pesquisador deve possuir um

conhecimento da sociedade cujos depoimentos ele interpreta.

Outra preocupação que norteou a análise documental foi a confiabilidade e

a fidedignidade dos textos (CELLARD, 2012). Considerando que num processo

judicial trabalhista cada litigante (no caso, trabalhadores e empresas) procura

convencer o juízo quanto à verossimilhança de sua tese jurídica, as quais são

nitidamente antagônicas e contraditórias, a dinâmica dos fatos relativos aos

acidentes e adoecimentos, conforme narrados na petição inicial (pelos autores) e

na contestação (pelas empresas), foram considerados em associação com os

depoimentos das testemunhas ouvidas nos respectivos processos, com as perícias

realizadas por determinação do magistrado trabalhista e posteriormente

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comparadas com os depoimentos colhidos nas entrevistas realizadas na pesquisa

de campo.

É importante mencionar que não foram contabilizados para os efeitos

quantitativos deste mapeamento os processos judiciais em que houve desistência

da ação pelo autor; extinção do processo por falta de pressupostos processuais

(que nada mais é do que o arquivamento prematuro do feito, pelo juiz, em razão da

falta de algum requisito essencial de validade previsto expressamente na lei

processual); e transação judicial antes da audiência de instrução e/ou da audiência

de julgamento.

Com base nas informações extraídas dos processos judiciais foram

mapeadas informações relevantes para delinear o ambiente físico e situacional em

que os acidentes e adoecimentos aconteceram, levando-se em consideração os

infortúnios de acordo com a espécie (acidentes típicos, de trajeto ou doenças), a

quantidade de óbitos, natureza dos vínculos trabalhistas (empregados efetivos ou

terceirizados), características pessoais das vítimas (sexo, idade, salário ou

remuneração, tempo na empresa e na função), atividades exercidas, locais dos

eventos, partes do corpo atingidas, causas atribuídas aos acidentes e

adoecimentos, além de informações concernentes aos processos trabalhistas

propriamente ditos, tais como o tempo de tramitação desde a propositura da ação

até o julgamento final, tempo de realização das perícias e resultado dos

julgamentos.

As informações organizacionais complementares e necessárias para a

análise e mapeamento dos acidentes e doenças laborais verificados nos processos

judiciais trabalhistas se deram mediante visita às empresas nas quais os agravos

ocorreram, bem como por meio de entrevistas junto aos representantes sindicais

do setor, como realizado na pesquisa de Araújo e Oliveira (2006).

Com isso, buscou-se analisar os dados judiciais em associação com o

processo de trabalho realizado no contexto industrial, sendo que para tanto nos

propusemos a visitar as quatro empresas do setor mineral atualmente em atividade

na cidade de Corumbá. Salientamos, entretanto, que as empresas 3 e 4 não

forneceram autorização para visitação in loco, apesar de terem contribuído com

algumas informações verbais relevantes para a pesquisa, sendo que outros dados

complementares relevantes foram obtidos junto aos dirigentes sindicais durante as

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56

reuniões realizadas nas sedes dos respectivos sindicatos profissionais. É

importante esclarecer que em algumas dessas reuniões os representantes das

empresas 3 e 4 fizeram-se presentes a convite do próprio sindicato dos

trabalhadores na indústria extrativa mineral.

Além disso, como nos foi informado pelos dirigentes sindicais que os

processos produtivos das empresas 3 e 4 não eram substancialmente diferentes

daqueles utilizados pela Empresa 1, valemo-nos também dos dados e informações

coletados nesta última empresa durante as visitas lá realizadas. Também

ressaltamos que as empresas não foram identificadas nominalmente para

preservar o anonimato.

As obras de suporte para a revisão da literatura, desdobramento da primeira

etapa da pesquisa documental, com investigação em fontes secundárias, foram

selecionadas por intermédio das plataformas32 Scientific Electronic Library Online

(Scielo), Latin American and Caribbean Health Science Literature (Lilacs) e

Pergamum (Biblioteca Central da UFMS), por meio dos seguintes descritores:

a) na plataforma Scielo: “acidentes de trabalho” e “mineração” (três obras);

“setor mineral” (35 obras); “doenças ocupacionais” (91 obras); “siderurgia” (65

obras); “Itabira” (17 obras); “doenças ocupacionais” e “mineração” (uma obra);

“indústria extrativa mineral” e “acidentes” (nenhuma obra); “indústria extrativa

mineral” e “doenças ocupacionais” (nenhuma obra); “Corumbá” e “mineração”

(nenhuma obra); “Corumbá” e “acidentes de trabalho” (uma obra); “Acidentes de

trabalho” (505 obras);

32 Optamos por essas plataformas porque, se comparadas com o banco de teses da CAPES, proporcionaram maior quantidade de material para investigação, análise e comparação com a realidade estudada em Corumbá-MS. A título de exemplificação, com os mesmos descritores utilizados para busca na Scielo, obtivemos os seguintes resultados no banco da CAPES: “acidentes de trabalho” e “mineração” (nenhuma obra); “setor mineral” (1 obra não relacionada); “doenças ocupacionais” (6 obras não relacionadas); “siderurgia” (9 obras não relacionadas); “doenças ocupacionais” e “mineração” (nenhuma obra); “indústria extrativa mineral” e “acidentes” (nenhuma obra); “indústria extrativa mineral” e “doenças ocupacionais” (nenhuma obra); “Corumbá” e “mineração” (nenhuma obra); “Corumbá” e “acidentes do trabalho” (nenhuma obra); “acidentes do trabalho” (20 obras não relacionadas). As buscas foram feitas por palavras-chave em http://capesdw.capes.gov.br/?login-url-success=/capesdw/.

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Gráfico 1 – Descritores localizados na plataforma Scielo

Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

b) na plataforma Lilacs: “acidentes de trabalho” e “siderurgia” (16 obras);

“mineração céu aberto” (sete obras); “mineração” e “doenças ocupacionais” e

“acidentes” (92 obras); “siderurgia” e “doenças ocupacionais” e “acidentes” (três

obras); “saúde do trabalhador” e “mineração” (41 obras).

Gráfico 2 – Descritores localizados na plataforma Lilacs

Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

c) na Biblioteca Central da UFMS: “acidentes do trabalho” (13 obras);

“Corumbá” (34 obras); “mineração” (três obras); “siderurgia” (uma obra).

0

100

200

300

400

500

600 Acidentes de trabalho e

mineração

Setor mineral

Doenças ocupacionais

Doenças ocupacionais e

mineração

Corumbá e acidentes de

trabalho

Acidentes de trabalho

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100Acidentes de trabalho e

siderurgia

Mineração céu aberto

Mineração e doenças

ocupacionais e acidentes

Siderurgia e doenças

ocupacionais e acidentes

Saúde do trabalhador e

mineração

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Gráfico 3 – Descritores localizados na Biblioteca Central da UFMS

Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

Para a seleção das obras mais relevantes foi observado o critério do

idioma33, prestigiando-se as escritas no idioma nacional, e o critério do assunto,

tendo os infortúnios laborativos na mineração de minerais metálicos e na siderurgia

(ou metalurgia, que é gênero no qual se enquadra a siderurgia como espécie),

como temática principal ou pelo menos abordados nas obras, ainda que de forma

indireta.

Após a sistematização dos dados coletados nos processos judiciais e

bibliografias escolhidas, foi dado início à segunda etapa da pesquisa, de feição

qualitativa, com a entrevista semiestruturada de (ex)trabalhadores34 do setor

mineral, selecionados pelos seguintes critérios de inclusão: a) terem mantido

vínculo empregatício direto ou indireto com as empresas do setor mineral de

Corumbá; b) terem ajuizado ação trabalhista no período compreendido entre 2009

e 2014 pleiteando indenização pecuniária em razão de infortúnios laborativos; c)

terem se mostrado disponíveis, isto é, aqueles que foram efetivamente localizados

33 Utilizamos esse critério porque a análise dos textos em outros idiomas, em razão da quantidade, demandaria tempo considerável que poderia comprometer a conclusão da pesquisa. Ademais, muitos dos trabalhos em idioma espanhol ou em inglês tratavam de sistemas de mineração de ouro e prata, cujos métodos de extração demandam processos de trabalho diferentes daqueles empregados na extração do minério de ferro.

34 Mencionamos (ex)trabalhadores porque em relação aos cinco entrevistados, dois já se encontravam aposentados, dois afastados pelo INSS em razão dos infortúnios laborativos e um ainda em atividade no setor mineral, porém, em empresa diversa daquela em que sofreu o acidente de trabalho.

0

5

10

15

20

25

30

35

Acidentes do trabalho

Corumbá

Mineração

Siderurgia

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e que, voluntariamente, se prontificaram a manifestar opinião pessoal acerca das

perguntas formuladas pelo entrevistador.

No total foram entrevistados cinco (ex) trabalhadores entre os meses de

agosto e setembro de 2015, sendo quatro da siderurgia (Tales, Pitágoras, Heráclito

e Sócrates) e um da mineração (Platão). Esses (ex) trabalhadores foram

identificados por nomes fictícios, em razão do dever de confidencialidade imposto

pela Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). As entrevistas

de Tales e Platão foram colhidas em Corumbá, na residência dos entrevistados;

Pitágoras e Heráclito foram entrevistados em Ladário, também em suas respectivas

residências; Sócrates, residente em Dourados, foi entrevistado em Campo Grande,

na antessala de um consultório médico, local onde realizaria exames para posterior

apresentação ao INSS. A gravação das entrevistas foi feita somente em áudio,

sendo utilizado para a transcrição o programa Express Scribe Transcription, versão

5.78, da empresa NCH Software, com licença de utilização gratuita. O histórico dos

entrevistados, à época das entrevistas, era o seguinte:

Tales – 51 anos, casado, 2º ano do 2º ciclo do ensino fundamental (antiga

6ª série), afastado pelo INSS (em gozo de benefício previdenciário em razão do

acidente). Duração da entrevista: 37 minutos e 33 segundos.

Pitágoras – 42 anos, siderúrgico, casado, ensino médio completo e curso

técnico completo de mecânico pelo Senai, aposentado por invalidez. Duração da

entrevista: 46 minutos e 06 segundos.

Heráclito – 39 anos, casado, ensino médio completo, empregado de

empresa mineradora. Duração da entrevista: 16 minutos e 13 segundos.

Sócrates – 47 anos, divorciado, ensino médio incompleto, em gozo de

benefício previdenciário (auxílio doença-acidentário). Duração da entrevista: 40

minutos e 26 segundos.

Platão – 64 anos, casado, ensino médio completo, aposentado por tempo de

contribuição. Duração da entrevista: 27 minutos e 48 segundos.

A respeito da quantidade de trabalhadores entrevistados, Fraser e Gondim

(2004, p. 147) destacam que na fase de entrevistas o critério numérico não é o mais

importante, “já que a finalidade não é apenas quantificar opiniões e sim explorar e

compreender os diferentes pontos de vista que se encontram demarcados em um

contexto”.

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O escopo das entrevistas foi verificar se os trabalhadores percebiam as

cargas envolvidas na realização de suas atividades e no que consistiam essas

cargas; se as condições e a organização de trabalho eram adequadas para a

promoção de saúde e evitar acidentes; se o sindicato agia no contexto laboral na

promoção de saúde e na garantia de direitos por um trabalho decente; se o acidente

e/ou o adoecimento do qual esses trabalhadores foram vítimas influenciou a sua

vida dentro e fora do contexto laboral e de que forma; e se estavam satisfeitos com

a atuação da Justiça do Trabalho frente às ações que moveram por conta dos

agravos à saúde decorrentes do trabalho. Nesse sentido, a formulação das

questões submetidas aos entrevistados baseou-se nos objetivos gerais e

específicos traçados para a pesquisa.

Para a interpretação dos dados contidos nas entrevistas foi utilizado o

método da análise de conteúdo proposto por Bardin (2004). Para tal fim o relato

dos entrevistados foi organizado em blocos dentro de uma tabela contendo

informações sobre categoria, subcategoria, unidade de registro e unidade de

contexto.

As categorias foram definidas conforme os objetivos traçados para a

pesquisa, sendo classificadas por temas, da seguinte forma: 1) Processos de

trabalho e relação com acidentes e adoecimentos; 2) Nexo causal entre processos

de trabalho e acidentes/adoecimentos; 3) Percepção da atuação sindical e

repercussão nas condições de saúde e segurança do trabalho (SST); 4) Percepção

sobre a adequação dos serviços de atenção à saúde do trabalhador (ST) na

fronteira; 5) Percepção sobre a justiça das decisões proferidas pela Justiça do

Trabalho (JT); 6) Repercussão dos acidentes/adoecimentos na vida profissional,

pessoal e familiar das vítimas.

A partir das categorias foram delineadas as subcategorias, de modo a

desmembrar os temas principais em assuntos específicos. Nesse sentido, por

exemplo, na categoria “Nexo causal entre processos de trabalho e

acidentes/adoecimentos” foram utilizadas as seguintes subcategorias: a) Cargas

que poderiam gerar acidentes/adoecimentos na função/atividade exercida; b)

Acidentes/doenças anteriores; c) Razões/motivos para o acidente/doença.

Nas unidades de contexto foram inseridas as respostas fornecidas pelos

entrevistados e que contextualizam a unidade de registro no decurso da entrevista.

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Finalmente, cumpre-nos destacar que a presente pesquisa se propôs a

respeitar as disposições estampadas na Resolução 466/2012 do CNS, tendo

recebido parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em 25 de agosto de 2015, sob nº 1198230,

conforme consta do processo nº 43284615.2.0000.0021.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo tratamos do processo produtivo no setor mineral de Corumbá

e a possibilidade de adoecer ou de sofrer acidentes diante de cargas de trabalho

relacionadas com as atividades industriais da mineração e da siderurgia. A

identificação dessas cargas foi realizada durante nossas visitas às unidades fabris

e também pelo cotejo dos processos judiciais trabalhistas que tramitam na Vara do

Trabalho de Corumbá.

Além disso, apresentamos os resultados da pesquisa em termos

quantitativos e qualitativos, alinhavando-os com uma discussão teórica acerca

desses achados, inclusive verificando eventual relação entre eles e outros estudos

mencionados na revisão da literatura.

3.1 Descrição do processo de produção do setor min eral

De acordo com Alves (1973), a indústria extrativa mineral consiste no

conjunto de atividades que tem por escopo descobrir, avaliar, desenvolver e extrair

substâncias minerais úteis, encontradas na superfície ou no interior da terra,

caracterizadas pelos seguintes estágios (GIRODO, 2005):

a) Prospecção: é o reconhecimento da ocorrência geral de um depósito

mineral usando técnicas geológicas como a cartografia, topografia, geologia

estrutural, geotectônica e informática;

b) Pesquisa ou exploração: é o reconhecimento detalhado do depósito

mineral, por meio de estudo para conhecer a viabilidade do aproveitamento

econômico da jazida. São realizadas amostragens mediante sondagens e/ou

abertura de poços e trincheiras para acesso e exame dos materiais depositados no

solo e subsolo. Nestes dois últimos casos, a remoção da sobrecarga (material

superficial que impede acesso ao corpo mineral) se dá por meio de máquinas

escavadeiras, explosões ou métodos hidráulicos;

c) Desenvolvimento: compreende as atividades de implantação do

projeto de aproveitamento econômico da jazida mineral, pressupondo que a jazida

já tenha sido estudada e pesquisada;

d) Lavra: processo voltado à extração do minério do ponto de origem,

passando pelo transporte até o local de uso ou de beneficiamento;

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e) Descomissionamento: implica na recuperação dos terrenos

degradados pela atividade minerária e a desativação da mina por questões

ambientais.

Já a indústria de transformação mineral é definida por um conjunto de

atividades que objetiva transformar matéria-prima em produto final ou transformar

matéria-prima em produto intermediário para outras indústrias de transformação.

Para Vale (2001) a transformação pode ser distribuída em quatro etapas:

a) Transformação Intermediária: tem início a partir da última etapa

pertinente à indústria da extração mineral (beneficiamento do minério). Nesta fase,

não se transforma o minério em produto final, pronto e acabado, mas em insumo

para outras indústrias, como a siderurgia, que transforma o minério de ferro em

gusa, que vendido às aciarias é posteriormente agregado a outros compostos para

a fabricação do aço;

b) Transformação Final: contempla as operações situadas entre a

transformação intermediária e o consumo final. Michels e Yanaguita (2004)

exemplificam nesta etapa as produções de esquadrias de alumínio, laminados e

utensílios de metal vinculados a bens de consumo final, duráveis ou não, assim

como bens de capital, como edifícios, navios e trens;

c) Consumo intermediário: contempla operações nas quais os bens de

origem mineral assumem feição econômica, apesar de permanecerem como

insumos industriais, como o caso do coque para uso na siderurgia;

d) Reciclagem e recuperação: abrange o processamento de sucatas de

origem mineral resultantes do processo produtivo ou disponibilizadas em bens de

consumo descartados. A coleta e o processamento de latas usadas de alumínio

são exemplos dessa etapa.

Constatamos durante as visitas realizadas às empresas 1 e 2 que o processo

produtivo do setor mineral em Corumbá segue todos os estágios da indústria

extrativa mineral até o beneficiamento, fase em que os minérios são lavados para

a separação de impurezas e lama e depois classificados.

A partir daí emergem duas possibilidades: a primeira é a comercialização

dos minérios in natura para compradores de fora do município, havendo ainda a

possibilidade da matéria-prima servir de insumo para a transformação, já que os

minérios por si só não possuem serventia para utilização isolada; e a segunda é a

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interface com a indústria de transformação, quando os minérios são aplicados como

insumos associados a outros produtos para a produção de ferro-gusa e ferro-ligas

nas siderurgias, com a finalidade de serem comercializados (MICHELS;

YANAGUITA, 2004).

Importante frisar que não há na cidade nenhuma indústria siderúrgica com

capacidade para realizar a transformação final dos minérios em aço e seus

derivados35, de modo que a cadeia produtiva é interrompida após a fabricação do

ferro-gusa, vendido para acearias de outros Estados brasileiros, além do Paraguai

e Argentina.

3.2. Extração de minério de ferro e as cargas envol vidas nesse

processo produtivo

Em Corumbá o minério de ferro é lavrado exclusivamente a céu aberto, no

sistema de bancadas horizontais com formação de encostas, exploradas mediante

desmonte mecânico (fig. 1) feito com máquinas escavadeiras, pás-carregadeiras

ou tratores, mas sem o uso de detonações.

Figura 1 - Extração de minério de ferro por desmonte mecânico

Fonte: Empresa 1 (2015)

Os explosivos são dispensáveis porque a matéria orgânica que impede o

acesso aos minerais é de apenas 0,5 metros de espessura. Ademais, pelo fato do

minério superficial se fragmentar facilmente devido à lixiviação da sílica pelo

35 Para Brito (2011b) o funcionamento do pólo siderúrgico de Corumbá tem sido adiado, em grande medida, pela estratégia de mercado utilizada pela maior mineradora local de não agregar valor ao minério extraído na cidade.

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intemperismo, o teor de ferro é mais alto, sendo mais fácil a escavação com o uso

de máquinas36. Após o desmonte, o material é acondicionado pelas máquinas em

caminhões de médio porte e transportado até o pátio de beneficiamento.

No pátio (fig. 2), os caminhões que chegam das frentes de lavra

descarregam os minerais diretamente no britador, maquinário de grande porte que

fica em desnível relativamente ao pátio de manobra dos caminhões, de modo a

facilitar o basculamento direto da carga dentro do vão de abertura superior do

equipamento.

Figura 2 – Pátio de beneficiamento

Fonte: Empresa 1 (2015)

Em época de produção acelerada há maior movimentação de caminhões e

o descarregamento pode acontecer de modo diverso, a fim de evitar filas no pátio

de beneficiamento. Quando isso ocorre, enquanto um caminhão bascula a carga

na boca do britador os demais veículos despejam o mineral em um monte no centro

do pátio, que depois é empurrado para dentro do britador por meio de pás-

carregadeiras, ganhando agilidade o processo de descarregamento e alimentação

do britador, propiciando que os caminhões estejam sempre em movimento,

transportando a carga da frente da lavra até o pátio ou fazendo o caminho inverso.

36 Informações técnicas fornecidas pelo Gerente de Geologia da Empresa 1 durante visita pessoal realizada nas instalações daquela empresa em 04.03.2015. De acordo com esse profissional, a lixiviação nada mais é do que a lavagem, pela chuva, do solo desprovido de cobertura vegetal, causando o carreamento de minerais solúveis.

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Em termos de segurança, como a descarga na boca do britador é feita em

nível de terreno mais elevado, a barreira limitadora que impede a queda do veículo

é feita por duas fileiras sobrepostas de pneus usados, os quais são fixados ao solo.

As vias de acesso entre as frentes de lavra e o pátio de beneficiamento

acompanham a topografia do terreno (caracterizada por aclives e declives por

vezes extremamente acentuados, com formação de ribanceiras) e as configurações

de superfície (solo com pedriscos soltos, que potencializam a derrapagem de

veículos), sendo que a proteção lateral dessas vias é feita por barreiras de

contenção, denominadas “leiras”, compostas de materiais extraídos durante o

processo de decapagem37.

A britagem, por sua vez, é o primeiro processo da fase de cominuição dos

minerais. Nessa etapa os blocos maiores são reduzidos a uma granulometria

conveniente para a utilização em alto-fornos. A redução em forma de grãos objetiva

liberar o mineral valioso e descartar a ganga.

Caso a granulometria desejada não seja alcançada num único processo de

britagem o material resultante é direcionado por esteiras para um segundo britador.

Na obtenção da granulometria desejada tem importância o processo de

peneiramento, que realiza a separação do material segundo o tamanho geométrico

das partículas (CARRISSO; CORREIA, 2004). Definida a granulometria, o próximo

passo é a realização da concentração, etapa em que a ganga será separada do

minério de ferro.

Em Corumbá as empresas mineradoras utilizam o sistema de jigagem,

consistente em separar minerais de diferentes densidades. Exemplificando, o

minério de ferro é encontrado na natureza na forma de rochas de quartzo e

hematita. O quartzo é mais leve que a hematita e no processo de jigagem esses

compostos são separados juntamente com a sílica e a alumina.

Trata-se de um método físico de separação hidráulica por repetida expansão

(dilatação) e contração (compactação) vertical de um leito de partículas pelo

movimento pulsante de água, resultando na “estratificação do leito, que

corresponde à separação das partículas em camadas ou estratos de densidades

crescentes desde o topo até a base” (BARCELOS, 2010, p. 1).

37 Processo anterior à extração, que permite a retirada da cobertura de solo (material estéril, tais como argila, rocha alterada, etc.) para se chegar à formação mineral economicamente viável.

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Ainda conforme Barcelos (2010), a jigagem é o processo mais econômico de

concentração mineral, na medida em que apresenta alta capacidade de

processamento e baixo custo de investimento e operação, além de ser menos

agressivo ao meio ambiente, uma vez que não utiliza reagentes químicos.

Esse processo também lava o minério, soltando a lama e outros materiais

indesejados, tais como siltes, argilas, sílica e alumina. A secagem é feita ao sol.

Após a secagem o material é transportado para o pátio de minério (fig. 3) e

distribuído em montes específicos conforme a granulação, sendo que por lá fica

aguardando o transporte, que pode ocorrer por via férrea, rodoviária ou barcaças,

de acordo com a logística de cada empresa.

Figura 3 – Pátio de minério

Fonte: Empresa 1 (2015)

A água resultante da lavagem dos minérios escoa até um local previamente

definido, formando as barragens (fig. 4) de rejeitos38. Esse material é inservível e

não possui valor econômico, mas deve ser controlado e monitorado em razão de

exigências ambientais, na medida em que a sílica e a alumina são consideradas

contaminantes do meio-ambiente.

38 De acordo com a NBR 13028 (ABNT, 2006), rejeito é “todo e qualquer material não aproveitável economicamente, gerado durante o processo de beneficiamento de minérios”.

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Figura 4 - Barragem de rejeitos

Fonte: Empresa 1 (2015)

Na fase de desmonte são utilizadas escavadeiras e pás-carregadeiras para

a retirada do minério de ferro e sua colocação nas caçambas dos caminhões, os

quais possuem bom estado geral de conservação, com cabines climatizadas e

operam com vidros fechados, reduzindo a possibilidade de perdas auditivas em

razão dos ruídos oriundos dos motores das máquinas e caminhões.

Na frente de lavra, a possibilidade de o trabalhador desenvolver problemas

posturais ocorre quando a máquina carregadeira despeja o mineral na caçamba

dos caminhões. Esse processo pode causar solavancos no veículo que recebe a

carga, movimentando bruscamente o motorista dentro da cabine. O piso do terreno

por onde transitam os caminhões não é acidentado em demasia, havendo poucos

buracos ou irregularidades, com as pistas conservadas em estado razoável/bom e

molhadas rotineiramente, conforme constatado in loco no dia em que as instalações

da mineradora foram visitadas.

Entretanto, essas condições se constituem em potenciais cargas

fisiológicas39, acarretando posturas forçadas que afetam principalmente a região da

coluna lombar e cervical, pois os motoristas de caminhão e os operadores de

39 Nesse sentido, Felippe et al (2012) afirmam que posturas forçadas e movimentos repetitivos, além da permanência por longos períodos sentados, têm sido causas de problemas musculares e articulares em motoristas de caminhão.

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máquinas trabalham permanentemente sentados e com poucas possibilidades de

mudanças de posição durante a jornada, sendo submetidos a sistemática

movimentação de alavancas (do câmbio dos caminhões e/ou para movimentar as

pás), além de realizarem seus trabalhos em sistema de turnos ininterruptos,

abrangendo períodos de trabalho no turno da noite.

O procedimento de molhar o terreno por onde transitam as máquinas,

caminhões e demais veículos leves utilizados no trabalho das minas é determinado

pela NR 22 (item 22.17.5)40 do Ministério do Trabalho e Emprego. O propósito é

evitar a dispersão de poeiras minerais no ambiente de trabalho, de modo a

resguardar os trabalhadores contra doenças respiratórias.

Essa medida de proteção coletiva, entretanto, acarreta um potencial risco de

acidentes de trânsito, pois a lama formada pela umidificação do terreno, com o

intenso tráfego de veículos, é projetada nas placas de sinalização existentes por

todo o percurso, dificultando e/ou literalmente impedindo a visualização dos sinais

de advertência.

Nesse caso, torna-se imperativo que as empresas mantenham as placas e

demais objetos de sinalização constantemente visíveis, o que nem sempre

acontece, conforme constatamos, pois no trajeto da rodovia BR 262 até a frente de

lavra observamos pelo menos quatro placas de sinalização totalmente cobertas de

lama.

Também são consideráveis os riscos de os veículos caírem em ribanceiras

existentes por todo o trajeto entre a frente de lavra e o pátio de beneficiamento. Há

descidas extremamente íngremes que, no caso de caminhões carregados de

minério, potencializam acidentes em caso de pane no sistema de freios. As leiras

de proteção existem em todo o percurso, mas visualmente parecem ser

insuficientes para impedir com eficiência a queda de um caminhão em caso de

descontrole do veículo.41

40 “As superfícies de máquinas, instalações e pisos dos locais de trânsito de pessoas e equipamentos, devem ser periodicamente umidificados ou limpos, de forma a impedir a dispersão de poeira no ambiente de trabalho”.

41 Nesse sentido, durante a elaboração dessa dissertação, mais exatamente no dia 13.4.2015, ocorreu um acidente fatal nessas condições na Empresa 1 (fora do período analisado nos processos, mas que ilustra bem a fragilidade das leiras de proteção), de modo que o veículo desgovernado caiu numa ribanceira de mais de 20 metros de altura. A queda livre e o peso do minério na caçamba do caminhão prensaram o condutor do veículo no interior da cabine,

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Também há acentuado risco de queda do veículo no momento em que se

efetua a descarga do mineral, pois o britador está em desnível em relação ao

caminhão e a limitação é feita apenas com pneus usados fixados ao solo.

Apesar da visita à mineradora ter ocorrido no período matutino/vespertino,

constatamos uma aparente escassez/inexistência de pontos de iluminação nos

trajetos dos caminhões, potencial fator de risco para colisões e outros acidentes

mais graves no período noturno, relembrando que a produção ocorre

ininterruptamente, com os operários se ativando em sistema de turnos de

revezamento.

Na fase de beneficiamento as cargas estão relacionadas aos ruídos

provenientes das esteiras, máquinas de britagem e jigagem, além de riscos de

esmagamento de dedos e mãos, principalmente em relação aos funcionários que

exercem a função de coletores (ou mostradores) de minério, verificando a

granulometria.

De igual modo, há cargas químicas relacionadas à poeira que surge quando

o minério é despejado no britador e no momento em que ele corre pelas correias,

sendo posteriormente despejado no pátio de beneficiamento.

Conquanto o trabalho seja realizado a céu aberto, circunstância que

minimiza problemas respiratórios se comparados aos ambientes enclausurados, é

certo que os operários que ficam próximos às esteiras e equipamentos de

cominuição são atingidos diretamente pela dispersão de partículas em suspensão.

Nesta etapa também ocorre a possibilidade de exposição dos operários à

incidência direta de radiação solar, propiciada justamente pelo trabalho realizado a

céu aberto, visto que os trabalhadores usam uniformes de mangas curtas e caso

não haja oferta de protetores solares e/ou outras formas de mitigação, os efeitos

do sol podem ser nocivos para esses operários.

A utilização intensiva de máquinas durante a produção gera cargas

relacionadas à reparação mecânica e/ou elétrica dos equipamentos utilizados para

o beneficiamento e/ou no reparo dos veículos, escavadeiras e pás-carregadeiras.

acarretando seu óbito. Informação disponível em http://www.diarionline.com.br/?s=noticia&id=75849. Acesso em 27 abr.2015.

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Essas cargas decorrem de posições forçadas durante o conserto dos

equipamentos, transporte, colocação e/ou retirada de peças com peso excessivo,

além de riscos elétricos.

No transporte de rejeitos observou-se cargas similares àqueles constantes

na etapa de desmonte, notadamente quanto à descarga nos caminhões do material

denominado “bota-fora”.

Há, ainda, importantes riscos relacionados ao trânsito na rodovia BR 262,

que liga as minas ao centro da cidade de Corumbá. Os trabalhadores são levados

às frentes de serviço em ônibus disponibilizados pelas empresas e para chegar ao

local de trabalho o percurso é feito em rodovia federal de considerável movimento,

não só de veículos particulares, mas também de caminhões das próprias

mineradoras e/ou de empresas terceirizadas que fazem o transporte do minério de

ferro, além de diversos animais na pista, por tratar-se de região pantaneira com

imensa diversidade de fauna.

Nos processos de trabalho ora destacados sobressaem-se as seguintes

profissões/funções: motoristas de caminhão; operadores de pá-carregadeiras;

operadores de painel; separadores de minério; mecânicos; auxiliares de mecânico;

eletricistas; borracheiros; abastecedores de veículos; e vigilantes.

3.3 Siderurgia e as cargas envolvidas nesse process o produtivo

Depois de realizado todo o processo de beneficiamento do minério de ferro

na indústria extrativa, o resultado da produção, em forma de granulados ou finos

de minério, é comercializado para siderúrgicas do Estado e para outras empresas

do ramo no Brasil e no exterior.

Na siderúrgica de Corumbá o minério de ferro é adquirido na forma

granulada, com espessura pré-determinada pela empresa compradora, e chega à

indústria em caminhões, onde é depositado em local apropriado até o momento de

ser transportado por esteiras para o depósito de secagem.

O carvão vegetal também chega à indústria siderúrgica por intermédio de

caminhões da própria empresa siderúrgica, proveniente das próprias áreas de

plantio de eucalipto em diversas cidades do Mato Grosso do Sul, ou por intermédio

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de transporte terceirizado, quando as áreas de plantio de eucalipto da empresa não

são suficientes para abastecer a siderúrgica42.

Os caminhões da siderúrgica, ao chegarem com o carvão, são tombados

para que a carga seja transportada por esteira até o depósito de secagem. Já o

carvão adquirido de terceiros é descarregado manualmente dentro de um galpão

fechado (fig. 5). A descarga manual ocorre porque os caminhões das terceirizadas

não são apropriados para serem virados mecanicamente junto com a carga.

Figura 5 – Galpão de descarga do carvão

Fonte: Empresa 2 (2015)

Essas fornecedoras terceirizadas também não se interessam em adaptar os

caminhões, pois chegam na cidade carregados de carvão e voltam com frete de

cimento ou outros produtos, de modo que a alteração dos veículos para o

tombamento do carvão inviabilizaria o transporte desses outros tipos de carga.

Na siderurgia, o carvão possui dupla finalidade: combustível de alto-forno

para a fusão do minério de ferro (Fe2O3) e como redutor que, associado ao

oxigênio, se desprende do minério em altas temperaturas, deixando livre apenas o

ferro (Fe). Nos silos de estocagem fechados (fig. 6) minério de ferro e carvão são

separados em compartimentos específicos para posteriormente serem

transportados por esteiras para o enfornamento.

42 Informação verbal repassada pelo Engenheiro de Segurança durante visita realizada à Empresa 2 no dia 4.3.2015.

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Figura 6 – Silos de estocagem de minério de ferro e carvão

Fonte: Empresa 2 (2015)

No alto-forno (fig. 7), as cargas de carvão, minério de ferro e fundentes são

depositados em camadas sobrepostas e submetidos a temperaturas de até 1.500

graus Celsius para o processo de redução.

FIGURA 7 – Esquema de funcionamento de alto-forno43

Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfVTMAH/alto-forno-carvao-vegetal

Com o auxílio de grandes e potentes ventiladores, movidos a energia

elétrica, sopra-se ar quente para dentro do alto-forno, a fim de auxiliar a combustão

do carvão vegetal e gerar calor para o derretimento dos materiais necessários à

43 Legendas: 1.Ventaneiras; 2. Zona de fusão;3. Zona de redução dos óxidos de ferro;4. Zona de redução dos óxidos de ferro;5. Goela;6. Alimentação de carga metálica (minério de ferro granulado), Fundentes (calcário, quartzo e dolomita) e combustível redutor (carvão vegetal); 7. Escapamento de gases;8. Camadas de carga metálica e combustível (carvão vegetal); 9. Não é mais utilizado um canal específico para remoção de escória. Atualmente a escória que é mais leve que o ferro-gusa, é removida junto com este pelo furo de vazamento e separada por um sifão no canal de corrida que fica na área de vazamento fora do forno; 10. Canal principal para vazamento de ferro-gusa e escória; 11. Chaminé para escoamento dos gases liberados.

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obtenção do gusa. O ar soprado pelos ventiladores chega até o interior do alto-

forno por intermédio de ventaneiras, que são peças acopladas na carcaça do alto-

forno, altamente resistentes ao calor.

Nesse processo de redução (fig. 8), o ferro se liquefaz e é chamado de gusa

ou ferro de primeira fusão. Impurezas como calcário e sílica formam a escória, que

apesar de imprestável para o processo siderúrgico, pode servir de matéria-prima

para a fabricação de cimento.

Figura 8 – Esquema de produção do ferro-gusa

Fonte: Machado (2007)

O ferro em estado líquido sai pela parte inferior do alto-forno, e corre por um

canal que o conduz até as rodas de gusa (fig. 9), que são pequenas fôrmas que

modelam o ferro líquido até o estado de solidificação. A separação da escória

ocorre por densidade.

Figura 9 – Vista lateral externa do alto-forno. Roda de gusa.

Fonte: Empresa 2 (2015)

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Enquanto as rodas giram continuamente em torno de um eixo central, um

operário vai virando as fôrmas e despejando o gusa já solidificado em um

compartimento abaixo da roda giratória, onde esfria naturalmente até a temperatura

ambiente.

O alto-forno funciona ininterruptamente e os empregados que se ativam junto

a ele trabalham em sistema de turnos de revezamento. O forneiro é responsável

por tamponar o alto-forno durante o processo de fusão e, posteriormente, “vazar” o

forno para o escoamento do gusa líquido e da escória, ambos em estado líquido.

Após o esfriamento do gusa, a carga é armazenada em local adequado (fig. 10) até

que o comprador retire o material na usina44.

Figura 10 - Pátio de estocagem do ferro-gusa

Fonte – Empresa 2 (2015) A escória pode ser negociada com fábricas de cimento. O gás gerado no

alto-forno é redirecionado para uma usina termoelétrica de propriedade da

siderúrgica. Desse modo, a unidade fabril é autossuficiente em energia elétrica,

sendo que a energia excedente é vendida para a concessionária de energia elétrica

que opera em Mato Grosso do Sul45.

44 A siderúrgica de Corumbá atualmente trabalha no sistema de retirada do produto pelo comprador. Esse formato maximiza os lucros, pois o transporte da carga fica por conta de quem a adquire. Esse sistema de preços é chamado de FOB Usina ou FOB Fábrica (MATAREZIO, 2009) 45 Informação verbal obtida durante a visita feita à unidade fabril em 04.3.2015.

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No que pertine à análise de possíveis acidentes e adoecimentos, interessou-

nos inicialmente o descarregamento manual de carvão, que demanda a utilização

de força física pelos operários, movimentos anti-ergonômicos, além de intensa

exposição à poeira de carvão em suspensão no ar.

O ambiente em que ocorre o descarregamento é fechado, na forma de um

grande galpão, onde o caminhão entra carregado com o carvão. Os trabalhadores,

então, sobem ao topo do veículo e começam a descer os sacos. Não pudemos ter

acesso ao peso dos sacos de carvão que estavam sendo descarregados no

momento de nossa visita à empresa, porém, nos processos judiciais analisados na

Vara do Trabalho de Corumbá, o peso comprovado deles variava entre 35 e 65

quilos, dependendo se estavam secos ou molhados.

As cargas nessa fase do processo produtivo variam desde o levantamento

de peso contínuo, utilizando apenas força física individual, passando por queda dos

veículos, entorses e fraturas devido às condições do piso dos caminhões

terceirizados, nem sempre em bom estado de conservação. A iluminação

inadequada dentro do galpão, inclusive durante o dia, pode ser outro potencial fator

de agravo à saúde dos trabalhadores.

A poeira de carvão mineral em suspensão no ar pareceu-nos extremamente

gravosa aos descarregadores. Mesmo à distância, pudemos perceber que alguns

usavam máscaras do tipo simples, porém, ao menos um cobria o rosto apenas com

uma camiseta. Suas roupas estavam cobertas de fuligem de carvão.

Indagado sobre as razões pelas quais o descarregamento não poderia

ocorrer a céu aberto, a fim de facilitar a dispersão da poeira do carvão para não

prejudicar tanto o aparelho respiratório dos trabalhadores, o representante da

siderúrgica nos disse que o descarregamento ao ar livre poderia comprometer o

meio-ambiente, de modo que, palavras dele, “entre o custo humano e o custo

ambiental, a empresa infelizmente tinha que optar pelo custo humano”.

Essa decisão administrativa construiu-se após a percepção de que a

fiscalização ambiental é muito mais presente, efetiva e onerosa para a empresa, se

comparada com a fiscalização trabalhista, que não dispõe de auditores em

Corumbá, aliado ao fato de os valores das multas trabalhistas serem ínfimos. Não

se trata, ao nosso entender, de desdém da empresa em relação à fiscalização do

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Ministério do Trabalho, mas de uma visão gerencial que avalia custos de produção,

enquadrada e justificada dentro de um viés absolutamente capitalista.

Quanto ao volume, as informações repassadas pela empresa dão conta de

que, diariamente, são descarregados 3000 metros cúbicos de carvão mineral,

sendo que cada caminhão possui capacidade média para 70 metros cúbicos.

Nesses termos, faz-se necessária a descarga de 42 caminhões por dia. Para isso,

utilizam-se de quatro turmas, com oito operários cada, totalizando 32 trabalhadores,

que se alternam no trabalho mediante turnos de revezamento.

Conforme a empresa nos informou, o pagamento desses trabalhadores

ocorre de forma mista, isto é, um salário fixo acrescido de adicional de produção, à

base de R$ 0,40 por metro cúbico. Esse valor é resultado da produção individual

do trabalhador e da média da produção global da turma de operários, se

assemelhando muito com a forma de remuneração empregada no sistema toyotista

de produção, em que os trabalhadores se autofiscalizam para não terem prejuízos

em relação ao acréscimo variável de remuneração.

Outro fator que nos pareceu bastante gravoso foi o excessivo barulho,

audível em boa parte da planta industrial, muito provavelmente oriundo do grupo

de grandes ventiladores que sopram ar quente pelas ventaneiras ou, então, da

usina termoelétrica que abastece a unidade fabril. Trabalhadores que circulavam

externamente à região do alto-forno não usavam protetores auriculares, apesar de

para nós o barulho ser bastante incômodo para quem não estava acostumado com

ele.

No alto-forno a carga é predominantemente física, decorrente do calor

excessivo que pode variar entre 1000 e 1500 graus celsius, podendo provocar

queimaduras provenientes de material líquido incandescente. Os trabalhadores

nesse local utilizam vestimenta de raspa de couro, mas há determinação judicial46

proferida pela Vara do Trabalho de Corumbá, atualmente sendo questionada em

grau de recurso pela empresa junto ao TST, em Brasília (DF), na qual restou

determinada a utilização de vestimenta aluminizada.

O monóxido de carbono presente na produção do gusa também nos pareceu

uma carga química que deva ser levada em consideração e constantemente

46 Ação Civil Pública nº 515-35-2011.5.24-0041.

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monitorado. Além disso, há cargas provenientes de operações de manutenção

externa ou interna no alto forno, como troca de refratários, que além de envolverem

trabalhos em ambiente confinado expõem os trabalhadores à poeira desses

materiais. O mesmo deve ser dito da poeira da escória de alto forno, que contém

dentre outros elementos sílica, alumina e óxido de cálcio.

Nas rodas de gusa o mecanismo pode acarretar acidentes por esmagamento

de membros superiores, além de cargas fisiológicas em razão da posição exigida

para o trabalho. Também notamos repetição de movimentos para retirar o gusa em

estado sólido das fôrmas que compõem o conjunto da roda de gusa.

O conserto, instalação e manutenção de máquinas e equipamentos também

demanda possibilidade de considerável agravo para a saúde dos operários

envolvidos nessas tarefas, principalmente quedas e acidentes elétricos. Tal qual

ocorre com os trabalhadores da mineração, há importantes riscos relacionados ao

trânsito na rodovia BR 262, que liga as minas ao centro da cidade de Corumbá.

Os trabalhadores são levados às frentes de serviço em ônibus

disponibilizados pelas empresas e para chegar ao local de trabalho o percurso é

feito em rodovia federal de considerável movimento, não só de veículos

particulares, mas também de caminhões das mineradoras e/ou de empresas

terceirizadas que fazem o transporte de minério de ferro, além de diversos animais

na pista, por tratar-se de região pantaneira com imensa diversa de fauna.

Nos processos de trabalho ora destacados sobressaem-se as seguintes

profissões/funções: metreiros de carvão (medem a quantidade de carvão que

chega na indústria); descarregadores de carvão; tripers do carvão (controlam nos

silos o sistema automatizado que regula a quantidade de carvão que é despejado

nos alto-fornos); encarregados de pátio; operadores de carregamento

(responsáveis pelo abastecimento do alto-forno com minérios e fundentes);

operadores de PLC (sigla que designa a sala de comando do alto-forno); forneiros;

lingotadores; operadores de ponte (controlam velocidade da roda de gusa mediante

operação de painel de comando); operadores de pá-carregadeira; motoristas;

operadores de tamboramento (responsáveis pela “lapidação das barras de gusa);

mecânicos, borracheiros; eletricistas; técnicos de termoelétrica; operadores de

termoelétrico; e vigias.

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3.4 Organização do trabalho e gestão de pessoas no setor mineral de

Corumbá

A produção realizada no setor mineral de Corumbá adota, de forma

preponderante, pressupostos tayloristas-fordistas47 48 de divisão técnica do

trabalho, na medida em que é desenvolvida pelos operários de forma parcelada,

com tarefas hierarquizadas, distintas e bem definidas, conforme as fases do

processo produtivo.

A concepção e o controle do trabalho cabem aos diretores, superintendentes

e gerentes, que em sua maioria são provenientes do Estado de Minas Gerais,

comumente chamados de “capacetes brancos”49, ao passo que a execução do

serviço é feita por operários da região, os quais ocupam postos mais simples e são

menos qualificados.

A separação entre trabalho intelectual e manual propicia o aumento da

produtividade, da lucratividade e também hierarquiza as atividades, possibilitando

atribuir valor diferente para cada tipo de função e tarefa desenvolvida dentro do

processo produtivo.

Desse modo, o aumento da produtividade e da lucratividade não ocorre

apenas pela quantidade de minério extraído ou do ferro-gusa produzido, mas

também pela diminuição dos custos da força de trabalho, na medida em que

funções e tarefas mais qualificadas no contexto do processo produtivo recebem

remunerações maiores em contraste com aquelas consideradas mais braçais.

A remuneração de um profissional considerado “qualificado” pode ser de

nove a 15 vezes maior do que aquela que é oferecida ou paga ao trabalhador

“desqualificado”, mesmo que a atividade deste último esteja diretamente

relacionada à produção, como é o caso dos mineiros em relação aos engenheiros

47 De acordo com Antunes (2011), o fordismo e o taylorismo já não são únicos e mesclam-se com outros processos produtivos, tais como o toyotismo. 48 Vizzacaro-Amaral (2011, p. 66) compreende “haver padrões de continuidade/descontinuidade em relação ao binômio taylorismo/fordismo, sobretudo em países em desenvolvimento, como o Brasil”, que congrega estruturas tayloristas-fordistas e toyotistas. 49 Expressão comum entre os trabalhadores braçais ou menos graduados das empresas visitadas, que usam capacetes coloridos, para se referirem aos chefes, gerentes e diretores, que utilizam capacetes brancos.

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de segurança do trabalho (quadro 1 - mineração) e dos operadores de britador em

comparação com os gerentes de produção (quadro 2 - siderurgia).

Quadro 1 – Funções e Remunerações na Ind. Extr. Mineral de Corumbá – 2014 Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) Salário Médio na Admissão

711130 – Mineiro R$ 1.325,00

911305 - Mecânico de Manutenção R$ 1.491,00

213405 – Geólogo R$ 7.077,00

214915 - Engenheiro de SST R$ 11.978,00

Fonte: MTE/CAGED (2014a)

Quadro 2 – Funções e Remunerações na Ind. Siderúrgica de Corumbá – 2014

Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) Salário Médio na Admissão

712120 - Operador de britador R$ 764,67

822115 - Forneiro de fundição R$ 950,56

142525 - Gerente de segurança de T.I. R$ 9.300,00

141205 - Gerente de produção R$ 11.800,00

Fonte: MTE/CAGED (2014b)

A parcelarização das tarefas também beneficia as empresas nos momentos

de oscilação do mercado, quando os preços cotados em bolsas de valores caem

em demasia, inviabilizando ou dificultando a acumulação ampliada do capital,

tornando necessária, entre outras providências administrativas, a dispensa de

trabalhadores.

Nessas ocasiões, as demissões recaem sobre os operários de menor

qualificação, porquanto os encargos trabalhistas afiguram-se de menor monta e,

portanto, menos onerosos para as empresas. De outra parte, quando há

recuperação dos preços no mercado, a recontratação de mão-de-obra fica facilitada

pela disponibilidade de trabalhadores que formam um exército de reserva pronto

para ser cooptado.

A desqualificação profissional, nessa hipótese, atua duplamente em favor

das empresas, seja no ato da dispensa, por acarretar menores encargos, seja na

recontratação/admissão, porque há abundância de oferta de trabalhadores que

aceitam qualquer emprego, com baixas remunerações, justamente porque são

desqualificados.

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Esse quadro de instabilidade no emprego e rotatividade de mão-de-obra nos

postos de trabalho guarda pertinência com os níveis de segurança no trabalho,

conforme apontamentos da OIT (GUIMARÃES, 2012).

A rotatividade no setor mineral é ditada, primordialmente, pelo valor

comercial das matérias primas no mercado mundial de commodities. Nas ocasiões

em que há forte de queda das cotações internacionais, a tendência das empresas

é reduzir postos de trabalho e elevar a produtividade dos trabalhadores

remanescentes com o objetivo de compensar a queda de preços.

Nesse sentido, Faria (2015) pontua que à medida que a lucratividade

diminuiu, as empresas “precisam produzir mais para compensar a queda do preço

do minério. A pressão sobre o trabalhador aumenta o risco de acidentes. Associado

a isso, as empresas reduzem o investimento na segurança”.

A intensa terceirização de mão-de-obra aparece no setor estudado de forma

bastante disseminada, tendo relação direta com a precarização das condições de

trabalho e com a possibilidade de ocasionar acidentes e doenças no âmbito laboral.

Bossi et al (2009, p. 169) estimam que em algumas empresas desse

segmento industrial menos de 40% dos trabalhadores são empregados diretos e

que “os trabalhadores terceirizados, de forma geral, realizam atividades que

envolvem maior risco”. Esses mesmos autores mencionam uma grande mineradora

brasileira que, no ano de 2007, contabilizou 14 acidentes laborativos fatais, dos

quais 11 vítimas eram empregados de prestadoras de serviços terceirizados.

O problema da terceirização, neste aspecto, possui múltiplas faces, pois

além de ser uma prática que precariza as relações entre capital e trabalho, também

gera números subestimados de acidentalidade e de adoecimentos, dificultando a

adoção de medidas preventivas e repressivas para preservar a saúde dos

trabalhadores. Isso acontece porque as estatísticas brasileiras sobre o assunto

consideram o infortúnio dentro do ramo de atividade da empresa contratante e não

no ramo de atividade em que são realizados os serviços terceirizados.

Faria (2015) menciona que na mineração, por exemplo, a taxa de

mortalidade por cada 100.000 habitantes foi de 28,1 trabalhadores em 2013, quatro

vezes mais do que a taxa de mortalidade de outras atividades industriais no mesmo

período, que foi de sete trabalhadores para cada 100.000 habitantes, todavia,

segundo esse mesmo autor, entraram nas estatísticas de mortes apenas os casos

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de vítimas que tinham carteira assinada pelas mineradoras, ou seja, ficaram de fora

os que trabalhavam em empresas terceirizadas, razão pela qual a “taxa é

subestimada e a gravidade do problema é muito maior”.

De acordo com informações obtidas junto às empresas que operam na

cidade, a quantidade de trabalhadores estáveis e terceirizados distribui-se da

seguinte forma:

Tabela 1 – Empregados próprios e terceirizados no setor mineral de Corumbá em 201550 Empresa (a)Trabalhadores

diretos

(b)Trabalhadores

terceirizados

% terceirizado

(a+b)

Empresa 1 155 180 a 200 53-56%

Empresa 2 303 65 17,66%

Empresas 3 e 4 1200 500 29,42%

Fonte: Empresa 1; Empresa 2; Empresa 3; Empresa 4 (2015)

Outra característica do processo produtivo no setor mineral de Corumbá é o

alto índice de mecanização das atividades de extração de minérios e produção de

ferro-gusa. Essa mecanização em larga escala serve aos propósitos do capital,

visto que a comercialização dos minérios e do ferro-gusa é feita por tonelagem dos

respectivos produtos e, nesse caso, quanto maior a escala de produção maior será

o lucro.

Entretanto, o uso intensivo de equipamentos mecânicos na produção resulta

na utilização de trabalho vivo justamente para operar essas máquinas, bem assim

para realizar a manutenção delas, transformando o homem em “vigia da máquina”

(ALVES, 2013, p. 26), e não necessariamente visa melhorar a qualidade de vida do

trabalhador, ou minimizar a possibilidade de adoecimento e acidentes no âmbito do

trabalho. Conforme veremos adiante, muitos dos acidentes levados à Justiça do

Trabalho de Corumbá foram causados durante o trabalho mecanizado.

3.5 Mapeamento dos acidentes de trabalho e agravos extraídos dos

processos judiciais

50 Informações colhidas durante entrevistas realizadas com os representantes das respectivas empresas nos dias 02.3.2015 e 05.3.2015.

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Verificou-se a existência de 36 ações trabalhistas ajuizadas com pedidos de

indenização, sendo 38,88% por doenças ocupacionais51 e 69,44% por acidentes do

trabalho no setor mineral, já sentenciadas ou ainda pendentes de julgamento (mas

com fase concluída de coleta de provas testemunhais), sendo que não houve

constatação de nenhum acidente de trajeto.

Dos 36 processos trabalhistas analisados, 22 (61,12%) tinham no pólo

passivo empresas relacionadas à indústria extrativa mineral, dos quais 68,18%

referiam-se a acidentes de trabalho e 40,90% a doenças ocupacionais. Já 14

processos (38,88%) englobavam empresas ligadas à indústria siderúrgica, dos

quais 71,42% diziam respeito a acidentes de trabalho e 35,71% a doenças

ocupacionais. Ainda, 27 (75%) das ações foram ajuizadas por trabalhadores

diretos, ou seja, empregados das indústrias extrativas e/ou siderúrgica, ao passo

que as outras nove ações (25%) tiveram como autores trabalhadores indiretos, isto

é, terceirizados.

Esses números refletem, em primeiro lugar, que o setor mineral não escapou

da tendência mundial denominada por Alves (2013, p. 149) de “nova precariedade

salarial”, coexistindo nos ambientes de trabalho reestruturados das indústrias

extrativa e de transformação mineral trabalhadores assalariados “estáveis” (diretos)

junto aos assalariados “precários” (indiretos ou terceirizados).

Em segundo lugar, demonstram que sob a égide dessa nova precariedade

salarial, os acidentes e adoecimentos no trabalho atingem, indistintamente, “tanto

os contingentes ‘estáveis’ com emprego por tempo indeterminado […] quanto

contingentes de trabalhadores assalariados ‘precários’ do mercado de trabalho”

(SELLIGMAN-SILVA, 1994 apud ALVES, 2013, p. 148), uma das facetas do

moderno mundo do trabalho que Castel (1998, p. 593) chamou de “vulnerabilidade

de massa”.

Contudo, Alves (2013, p. 149) pondera que os terceirizados ou “precários”

estão mais suscetíveis, no ambiente de trabalho, a acidentes e à insegurança, ao

passo que os trabalhadores efetivos ou “estáveis” ficam mais expostos à pressão

do “trabalho dominado e à presença de exército de reserva que a qualquer

momento pode ocupar o seu lugar”.

51 Em alguns casos a soma dos percentuais supera os 100% porque em três processos foram indicadas, concomitantemente, as duas espécies de infortúnio.

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Nesse sentido, o contexto de contratos precários e flexibilizados é terreno

fértil para o presenteísmo, “em que muitos assalariados, mesmo adoecidos, não

revelam seus sintomas no trabalho nem procuram benefícios pelo medo de perder

o emprego” (FRANCO; DRUCK; SELLIGMAN-SILVA, 2010, p. 241).

Acrescente-se a isso o problema já mencionado anteriormente (FARIA,

2015), no sentido de os acidentes ocorridos com trabalhadores terceirizados na

mineração e na siderurgia serem computados em outras atividades industriais,

lógica estatística igualmente seguida pelo Poder Judiciário, que prevê o

cadastramento das ações judiciais de acidentes e adoecimentos laborais de acordo

com o ramo de atividade da empresa (TST, 2012) que contrata o trabalhador

terceirizado e não daquela que se beneficia dos serviços prestados de forma

terceirizada, fator que também pode justificar o baixo número de acidentes entre

terceirizados no setor mineral de Corumbá.

No caso da presente pesquisa, os processos em que constavam

trabalhadores terceirizados só puderam ser analisados porque os autores dessas

ações trabalhistas também fizeram o pedido de corresponsabilidade das empresas

tomadoras, no caso, das mineradoras e siderúrgicas para quem prestaram

serviços, entretanto, esse pedido de corresponsabilidade nem sempre é feito pelos

advogados dos trabalhadores52.

Entre os casos analisados, 97,14% dos acidentes ou adoecimentos

ocorreram dentro da empresa, e apenas um dos eventos (2,86%) fora do

estabelecimento empresarial, porém, a serviço do empregador, situação que

também caracteriza o infortúnio trabalhista de acordo com o conceito de acidente

de trabalho previsto na legislação previdenciária.

Diante dos processos judiciais analisados várias foram as causas apontadas

para a ocorrência dos acidentes ou o desencadeamento das doenças ocupacionais,

conforme pode ser visualizado na tabela abaixo:

52 No exercício profissional da magistratura trabalhista constatamos que essa omissão pode ocorrer pelos seguintes motivos: a) inépcia profissional do advogado que representa o trabalhador; b) receio do trabalhador de, ao também acionar a empresa tomadora dos serviços, não mais conseguir um posto de trabalho no mesmo estabelecimento, ainda que contratado por empresa terceirizada diversa.

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Tabela 2 – Causas53 de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais mencionadas nos processos trabalhistas envolvendo empresas do setor mineral de Corumbá (2009-2014).

Indústria Extrativa Indústria Siderúrgica

Causas Qtde. % Causas Qtde. %

Condições inseguras 17 47,22 Condições

inseguras

06 22,22

Assédio moral 02 5,55 Assédio moral 01 3,70

Peso excessivo 03 8,34 Peso excessivo 02 7,42

EPI não fornecido e/ou

insuficiente

06 16,66 EPI não fornecido

e/ou insuficiente

07 25,92

Posturas forçadas 02 5,55 Posturas forçadas 02 7,42

Pressão por metas 01 2,78 Pressão por metas 01 3,70

Movimentos repetitivos 03 8,34 - - -

Ruído excessivo 01 2,78 Ruído excessivo 01 3,70

Treinamento insatisfatório

e/ou insuficiente

01 2,78 Treinamento

insatisfatório e/ou

insuficiente

03 11,11

- - - Proteção coletiva

ineficiente

04 14,81

Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

As causas acima elencadas, como as condições inseguras, o não

fornecimento e/ou fornecimento insuficiente de equipamentos de proteção

individual e os treinamentos insatisfatórios guardam pertinência com a precarização

do trabalho na forma de contenção de custos por parte das empresas.

A esse respeito, Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010, p. 232) escreveram

que essas causas atingem tanto segmentos “estáveis” quanto os terceirizados ou

“precários”, pois “tais aspectos evidenciam os equívocos do economicismo ao

menosprezar o que, em verdade, seriam investimentos em saúde e segurança e

não ‘gastos dispensáveis’. Essa postura revela uma negação do valor da proteção

à saúde e à vida”.

53 Quantidade de causas não corresponde à quantidade de processos porque em alguns deles foram mencionadas múltiplas causas.

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O conteúdo das ações judiciais, se comparados com os resultados da

pesquisa de Ganne (2000), evidencia que em juízo há mais espaço para a denúncia

de práticas ligadas à organização do trabalho que podem resultar em infortúnios

laborativos. Nesse sentido, aparecem nos processos o assédio moral e a pressão

por metas como causas de adoecimentos laborativos, ao passo que Ganne (2000)

não identificou essas causas no seu estudo. Concluímos que isso aconteceu

porque em Ganne (2000) os dados da pesquisa foram colhidos nas CAT’s,

documentos que via de regra são preenchidos com informações fornecidas pelas

empresas, ao passo que os processos judiciais refletem informações levadas aos

autos pelo trabalhador, por intermédio do advogado constituído para tal fim.

Sobreleva notar, também, que a maior parte dos trabalhadores que solicitou

indenização pela via judicial era composta por homens (35 ou 97,14%), existindo

reclamação de apenas uma mulher (2,86%) que exerceu a função de líder de

cozinha (2,86%), sinalizando que o setor mineral ainda é um reduto masculino de

trabalho.

As funções ocupadas pelos trabalhadores vítimas de acidentes e

adoecimentos no trabalho foram assim agrupadas:

Tabela 3 – Funções exercidas por trabalhadores conforme mencionadas nos processos trabalhistas - Setor mineral de Corumbá (2009/2014).

(continua) Indústria Extrativa Indústria Siderúrgica

Função Qtde. % Função Qtde. %

Operador de máquinas 01 4,54 Descarregador de

carvão

06 42,85

Coletor de amostras 03 13,65 Mecânico 02 14,28

Topógrafo 01 4,54 Supervisor de

produção

02 14,28

Supervisor de produção 01 4,54 Serviços gerais 03 21,42

Motorista 06 27,30 Operador de

produção

01 7,17

Operador de

beneficiamento

01 4,54 - - -

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Tabela 3 – Funções exercidas por trabalhadores conforme mencionadas nos processos trabalhistas - Setor mineral de Corumbá (2009/2014).

(continuação) Indústria Extrativa Indústria Siderúrgica

Função Qtde. % Função Qtde. %

Líder de cozinha 01 4,54 - - -

Eletricista 01 4,54 - - -

Mecânico 05 22,72 - - -

Auxiliar de mecânico 02 9,09 - - -

Org. por Márcio Alexandre da Silva (2016)

O quadro consolidado de funções denota que os trabalhadores vitimados

desenvolviam atribuições menos qualificadas e de menor complexidade no

contexto organizacional, em cargos hierárquicos subalternos e recebendo salário

baixo pelo serviço prestado.

A idade média dos acidentados e/ou adoecidos não alcança os 40 anos em

ambas as atividades industriais, informação que desperta a atenção porque em

vários dos infortúnios analisados houve constatação pericial de invalidez total e

permanente para o exercício da profissão, resultando no descarte de jovens

trabalhadores que são definitiva e precocemente alijados do mundo do trabalho.

Em relação às funções e idade média dos acidentados, salientamos que os

dados extraídos dos processos judiciais coincidem com aqueles apresentados por

Ganne (2000), de modo que mesmo após mais de uma década, os acidentes e

adoecimentos no setor mineral continuam fazendo mais vítimas dentre os

trabalhadores mais jovens e desqualificados.

Impressiona, outrossim, a constatação de que na indústria siderúrgica, o

tempo médio de afastamento dos trabalhadores acidentados e/ou adoecidos (10

meses e 20 dias) é superior ao tempo médio de efetivo exercício das funções para

as quais foram contratados (7 meses e 10 dias), indicando a seriedade das lesões

experimentadas em razão dos infortúnios.

De um modo geral, constatamos que o trabalho realizado na siderurgia é

muito mais precário e gravoso, na medida em que os acidentes nessa indústria

atingem trabalhadores mais jovens, com média remuneratória inferior, que exercem

há menos tempo a função e que precisam de maior período de afastamentos em

razão dos infortúnios.

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Tabela 4 – Média etária, salarial, tempo na função, tempo de afastamento, CAT emitidas e afastamentos pelo INSS – Mineração (2009-2014).

Mineração

Idade Salário Tempo na

Função

Tempo de

Afastamento

CAT INSS

38,6 anos R$

1.490,92

25m21d 10m3d 11 11

Org. por Márcio Alexandre da Silva (2016)

Tabela 5 – Média etária, salarial, tempo na função, tempo de afastamento, CAT emitidas e afastamentos pelo INSS – Siderurgia (2009-2014).

Siderurgia

Idade Salário Tempo na

Função

Tempo de

Afastamento

CAT INSS

35,3 anos R$

1.488,85

7m10d 10m20d 10 4

Org. por Márcio Alexandre da Silva (2016)

Houve o levantamento de três casos de óbito, todos ocorridos na indústria

extrativa, totalizando 8,33% dos processos analisados. Importante frisar que no

caso dos óbitos, as três ações trabalhistas foram ajuizadas pelos herdeiros dos

trabalhadores falecidos, via de regra por esposas e filhos supérstites54.

Sobre o procedimento adotado na Justiça do trabalho, constatou-se que o

tempo médio de tramitação dos processos, desde a propositura da ação até o

julgamento final, foi de 20 meses e 27 dias na Vara do Trabalho de Corumbá, e de

4 meses e 17 dias no TRT de Mato Grosso do Sul.

O tempo médio para a realização das perícias foi de 13 meses e 12 dias.

Como a unidade judiciária local possui apenas um Juiz Federal do Trabalho e nove

servidores, e tendo recebido de março/2013 a maio/2014 1.033 novos processos55,

os quais se somam aos remanescentes de anos anteriores, é forçoso reconhecer

que o prazo médio para a realização das perícias consome mais da metade do

54 De acordo com Larousse (1995, p. 849), a expressão é proveniente do latim superstitis, significando aquele que sobrevive; sobrevivente.

55 Informação disponível em http://www.trt24.jus.br/www_trtms/fileViwer?id=307. Acesso em 14 fev.2015.

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lapso temporal total para a solução dos feitos devido à falta de peritos disponíveis

para a realização dos laudos, sendo que pelo menos um deles se desloca de

Campo Grande para Corumbá a fim de prestar esse suporte na condição de auxiliar

do juízo.

Das 36 reclamações trabalhistas analisadas, 22 (61,12%) foram

consideradas parcialmente procedentes,11 (30,56%) foram vistas como totalmente

improcedentes, em um processo (2,77%) recorreu-se à conciliação, dois processos

(5,55%) estão pendentes de julgamento, e nenhum caso ainda foi considerado

totalmente procedente.

As empresas, no geral, têm alegado como argumento de defesa o

cumprimento integral das normas de saúde e segurança do trabalho (55,56% ou 20

processos) ou a culpabilidade exclusiva da vítima na ocorrência dos infortúnios

(44,44% ou 16 processos), porém essas estratégias não têm encontrado total

respaldo nas sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho local, apesar do índice

relativamente alto de julgamentos desfavoráveis ao trabalhador (30,56%).

Percebemos, portanto, que é disseminada no campo jurídico a ideia da

culpabilização do trabalhador, seja para não expor a fragilidade da gestão de

segurança da empresa, seja porque, vingada essa tese em juízo, não caberá

indenização alguma ao acidentado ou aos seus familiares, contribuindo para

esterilizar o alcance das normas de proteção social que atribuem aos

empregadores o dever de zelar pela higidez dos ambientes laborativos. Jackson

Filho et al (2013) acrescentam, neste aspecto, que no Brasil a atribuição de culpa

aos trabalhadores vítimas dos acidentes também pode ser considerado um

mecanismo que minimiza ou justifica a inação de instituições públicas responsáveis

por evitar essas verdadeiras tragédias que ceifam milhares de vidas anualmente.

As subnotificações também foram verificadas nos relatos extraídos dos

processos judiciais. Em dois deles uma empresa não emitia CAT por não ter como

explicar para a sua matriz o alto índice de acidentes na filial de Corumbá. Já em

outros dois processos envolvendo empresa diversa, a justificativa para não emissão

da CAT foi o plano de participação nos lucros e resultados, isto é, no caso de

acidentes notificados o coletivo de trabalhadores perderia o acréscimo

remuneratório anual.

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Em outro caso subnotificado, o trabalhador acidentado e sem CAT emitida

foi dispensado quando ainda estava em gozo de licença médica, portanto em

período estabilitário, e mesmo ciente desse fato o sindicato profissional homologou

a despedida sem justa causa, com o compromisso verbal feito pelo representante

da empresa de reintegrar o empregado caso o problema de saúde se acentuasse.

Essas práticas de subnotificações também foram detectadas em outras

localidades em que o setor mineral atua, como Marabá (PA) e Mariana (MG). A

respeito dessas cidades, Jackson Filho et al (2013) relatam que em ações fiscais

realizadas pelo MTE uma das empresas que também atua em Corumbá teria sido

multada em R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) pelo

descumprimento de diversos deveres legais, dentre eles o de comunicar acidentes

de trabalho.

A gravidade dessa última constatação sugere a debilidade dos sindicatos

profissionais locais para combater práticas prejudiciais aos trabalhadores,

revelando o fenômeno que Alves (2005, p. 27) denominou de “crise do sindicalismo

moderno”, como consequência do modelo de organização do trabalho

contemporâneo (ANTUNES, 2011).

Essa tendência também foi observada por Carvalho (2013) e Vieira (2005),

que ao analisarem a ação dos sindicatos profissionais da mineração em Minas

Gerais constataram uma relação passiva e pacífica com as empresas. Segundo os

autores, esse quadro decorre de múltiplos fatores, tais como o pedido dos próprios

trabalhadores que, temendo o risco do desemprego em cidades de pequeno porte,

pedem para que os sindicatos sejam menos agressivos, além da cooptação de

alguns sindicalistas por parte das empresas com o objetivo de “esfacelar o

movimento sindical” (CARVALHO, 2013, p. 107).

3.6 Dando voz aos trabalhadores: percepção e conseq uências dos

infortúnios laborativos

Dar voz aos operários, por intermédio das entrevistas, era de suma

importância para compreender como esses sujeitos, individualmente considerados,

vivem e dão sentido às suas experiências, sentimentos, emoções e representações

em situação de trabalho (CIMBALISTA, 2006; MATTOS, 2011), manifestando suas

subjetividades.

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Ademais, não podemos perder de vista que a saúde do trabalhador, como

campo de pesquisa e ação, parte do pressuposto de que o trabalhador, por

intermédio dos seus saberes e das suas vivências, “pode intervir e transformar a

realidade de trabalho, participando do controle da nocividade, da definição

consensual de prioridades de intervenção e da elaboração de estratégias

transformadoras” (LACAZ, 2007, p. 760).

Com efeito, nesta parte do nosso trabalho apresentamos as manifestações

verbais dos trabalhadores entrevistados, de modo a evidenciar como eles foram

atingidos pelos infortúnios laborais e como esses eventos repercutiram nas suas

vidas, tanto no âmbito profissional, quando nos aspectos familiar, econômico e

emocional.

3.6.1 Processo de trabalho e relação com acidentes e adoecimentos

A história laboral dos entrevistados é marcada pela polivalência e pela

precariedade das condições de trabalho, traços da moderna lógica empresarial

neoliberalizante tendente a maximizar lucros e potencializar a reprodução ampliada

do capital.

Na siderúrgica onde ocorreram os acidentes de Tales, Pitágoras, Heráclito e

Sócrates, todos eles foram admitidos para o exercício de funções cujas

nomenclaturas vagas e imprecisas possibilitavam à empresa exigir dos

trabalhadores contratados o desempenho de múltiplas atividades mediante uma

única retribuição pecuniária.

Nesse sentido, Tales e Pitágoras foram registrados formalmente como

serviços gerais, porém, efetivamente faziam a carga e a descarga de caminhões

de carvão, além da movimentação de outros materiais pesados; Heráclito teve seu

contrato de emprego formalizado na função de “auxiliar de produção”, mas também

se ativava como lingoteiro e forneiro; Sócrates teve sua carteira anotada para a

função de serviços gerais, entretanto, sua mão-de-obra era exigida também para o

alto-forno e a roda de gusa, além do carregamento e descarregamento de carvão

e outros materiais. O mesmo aconteceu com Platão, o único entrevistado que

trabalhou em mineradora, que foi registrado como “auxiliar técnico operacional”,

mas exerceu as funções de carpinteiro e de amostrador de minérios.

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Essa prática não é exclusiva das empresas do setor mineral, estando

amplamente disseminada por outras cadeias produtivas, porquanto legalmente

autorizada pelo art. 456, parágrafo único, da CLT. Conforme o referido dispositivo

legal, à falta de cláusula expressa no contrato de trabalho a respeito das funções

que serão exercidas pelo trabalhador, “entender-se-á que o empregado se obrigou

a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”.

A brecha legal de feição flexibilizadora possibilita que a empresa funcione

com um contingente reduzido de empregados, os quais podem ser realocados a

qualquer momento e em qualquer setor ou departamento produtivo, de acordo com

as necessidades do empregador, constituindo um valioso instrumento de gestão

empresarial para reduzir custos com trabalho vivo e lidar com o absenteísmo e a

rotatividade de mão-de-obra.

O mencionado status funcional genérico situa o trabalhador como um

desqualificado que apesar de ter a obrigação de “fazer tudo” na empresa, em

qualquer setor ou atividade, também “não faz nada”, justamente por não estar

jungido a um estatuto profissional específico.

A partir disso é possível inferir que essa condição contraditória tem

rebatimentos na subjetividade do trabalhador, na medida em que a um só tempo

ele se considera muito importante para a empresa, mas também totalmente

descartável por não ser reconhecido como ocupante de uma função previamente

definida e “estável”.

Tal prática também acarreta a falta de identidade profissional e favorece a

ruptura do espírito de solidariedade de classe que dificulta iniciativas de resistência

por parte do trabalhador no que tange a eventuais ordens abusivas de serviço e

condições degradantes de trabalho, potencialmente desencadeadoras de

acidentes e adoecimentos laborativos.

Resulta disso tudo um grau de vulnerabilidade e de insegurança que é

bastante substancial e significativo no contexto da relação empregatícia, posto que

sentindo-se “descartável”, ao trabalhador nessas condições não é dado rejeitar ou

questionar ordens, nem mesmo aquelas que possam levá-lo a situações de

acentuado risco e sofrimento físico ou psíquico, seja porque necessita do posto de

trabalho para sobreviver, seja porque sabe da existência de um grande número de

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trabalhadores desempregados à procura de uma colocação no mercado formal e

que poderão rapidamente vir a ocupar o seu lugar na empresa.

Nesse contexto, os entrevistados tinham a precisa noção de que a

formalização do contrato de emprego em funções genéricas como “serviços gerais”,

por exemplo, resultava na obrigação de realizar múltiplas e distintas atividades,

como relatado abaixo:

se precisasse de você pra outro serviço você tinha que fazer…Ali, como se diz...era, era pau pra toda obra…eles achava que lá dentro você tinha que desempenhar qualquer tipo de serviço. (Tales) É, trabalhava no carregamento, forno, na roda…todos os serviços…onde eu fosse é…como se diz assim…é…onde eles pediam eu iria. (Sócrates)

Na fala dos entrevistados é possível perceber, também, que a polivalência

era uma das causas do desgaste físico, estando relacionada essa condição

funcional à necessidade de realização de muitas horas extras:

trabalhava muito…não tinha paradeiro…trabalhava de segunda a segunda...muita hora, muita hora extra…quando era descanso eles ligava pra mim...faltava gente eu tinha que repor…tinha gente memo que trabalhava na empresa que não ía porque tava muito esgotado…. num domingo tava assando carne, entendeu…comendo espetinho com a minha família, chegava o carro pra me pegar pra trabalhar...eu ía cansado, entendeu...eu ganhava um pouquinho a mais. (Tales) a gente trabalhava, tinha vez que a gente trabalhava quantas vezes que a gente trabalhava 12 hora…aí as vezes faltava o fulano de tal…ah! “Pitágoras, você fica?...E nós trabalhava a noite. (Pitágoras) às vezes a gente fazia 12 horas. (Heráclito)

A partir da análise dessas entrevistas foi possível observar a exigência de

polivalência e a necessidade de estar o tempo todo à disposição da empresa, não

apenas para dar conta da produção, mas também para suprir lacunas de outros

trabalhadores que, por estarem demasiadamente cansados, faltavam ao serviço.

Essa realidade forçava-os a trabalhar em dias destinados ao repouso semanal,

privando-o do convívio familiar e da recuperação da fadiga resultante do trabalho

fisicamente desgastante.

A falta de descanso necessário para a reposição da energia física e mental

somava-se ao labor braçal fatigante, que envolvia não somente força muscular,

mas também agilidade para cumprimento de metas, com pressão constante do

supervisor, inclusive com ameaças expressas de despedimento, conforme

podemos verificar a seguir:

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você não tinha como pará pra beber água, você não tinha como descansar...os cara ficava "vamo embora", "vamo embora", "vamo embora", "vamo embora"...Era sessenta, setenta, caminhão no pátio, só carreta, eles queria degolá aquilo tudo num dia…Tinha pressão pelo próprio, como chama ele, o supervisor…Ele falava assim “quem num guentá, manda embora...se fazê corpo mole, manda embora. Amanhã tem quarenta lá pra fichá, vou mandar subir gente…se você não descarregasse a carreta que era necessário, entendeu, você tava fazendo corpo mole. (Tales) tinha [metas], lá era só na...no cacete mesmo…”ah, supervisor não dá…não”… “ó, ou você fica ou vou ter que colocar outro”, sempre ameaçando né?... De mandar embora… E cê sabe que é triste você vê um filho pedindo “ô pai me, me dá um…compra um pão pra mim, um leite. (Pitágoras) tinha um cara que cobrava a gente, eu não gosto dele…muito rígido porque cobrava, inclusive nós fomos chamados pra dar aumento, sabe o que ele falou? Que nós ganhava bem, que não precisava de aumento, quer dizer, que só ele tinha esse direito… (Platão)

Interessante notar que a gestão pelo medo não se apresentava como a única

forma de obter o empenho dos operários no cumprimento de tarefas e metas. A

depender da chefia, a colaboração também era extraída por técnicas de gestão

mais sutis, onde uma suposta amizade pessoal entre supervisor e subordinados

poderia render resultados até melhores do que as ameaças explícitas:

Tinha, pressão tinha…pressão tinha…tinha que fazê e tinha que fazê, mas assim, que eles gritava, fala mal assim não…quer dizer, ele, ele, ele com a amizade deles eles fazia trabalha mais entendeu, pior do que o cara pedir com você com raiva, mandá você pro pátio, você não vai fazê, eles já não, já pedia por amizade…psicologicamente ele era assim entendeu…ele usava a psicologia em cima da gente…[e os trabalhadores acabavam] dando mais gás pra eles, entendeu, fazendo até o impossível. (Sócrates)

A sensação de permanente cansaço físico por causa do trabalho

desgastante é evidente no discurso dos entrevistados, bem como o fato de que o

repouso insuficiente interferia no ânimo deles, inclusive com repercussões no

convívio familiar:

tinha dia que eu chegava em casa cara, eu…eu não tinha nem como descansar…Não dava vontade de dar um abraço na minha família...num dava pra...entendeu…sentar com os meus filhos pra conversar, cansado. (Tales) Você trabalhava a noite lá na...fazendo aquele serviço de burro lá jogando o gusa de volta lá pra reaproveitar e chegava de manhã você tava...tava morto...tava cansado memo…você só pensava em cama. (Pitágoras)

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O processo de trabalho extremamente desgastante comprometia a saúde

dos trabalhadores, levando-os ao limite de suas forças físicas, conclusão que pode

ser extraída nas seguintes passagens da entrevista:

tinha nêgo que num guentava, tinha pessoas que...que...que caía, dava cãibra, pessoas que sentia mal…Eu deixei minha parte do meu corpo naquele serviço ali...quando eu se acidentei nesse serviço aí eu tava esgotado cara, cê tá entendendo, eu tava esgotado…Tava esgotado...puta...tava esgotado mesmo cara, num aguentava o meu corpo, num… entendeu? Quando eu caí eu fui com tudo, eu e mais dois, fomo pra baixo. Ali era o cão, ali era, ali era o serviço que vou te contar pra você, era judiado. (Tales) ficamo vários tempo subindo com cilindro de oxigênio...é aquelas, aquela escada até lá no primeiro piso da aonde ficava o forno. Então...era ruim de subir de dois né, então a gente tinha que se virar, a gente jogava o cilindro no ombro e ia embora, só que aquilo ali acabava com a gente. (Pitágoras) rapidez e esforço físico, os dois junto, entendeu…é…cimento refratário, lenha pra você abastecer o forno…os tronco de mais ou menos 40 centímetros assim, lenha pra carregar, pra aquecer o forno lá…é…carregar é…cilindro de oxigênio…essas coisas tinha que levar pra cima…cilindro deve tá com cento e poucos quilos…[carregava] sozinho, porque antigamente não tinha elevador…isso aí acabou com a gente, entendeu? (Sócrates)

Além do desgaste físico demasiado, o treinamento inexistente/insuficiente e

meramente formal para o exercício da função contribuía para a configuração de um

ambiente de trabalho inseguro:

Não, não, nóis foi fichado assim, nóis entremos já direto pra bocada…Foi direto pra carreta…nóis tivemo só um passeio pelo pátio, entendeu...um passeio pelo pátio, aí eles mostraram pra gente, aí depois conversou um pouquinho, explicou né, falou que o serviço lá era assim, tinha que tomar cuidado, mas deu o material e mandou subir. (Tales) é…a gente é…algumas coisas eles dão instrução sim quando você ia pro setor, mas a gente mais aprendia mais por tempo…(Sócrates) …não, não teve esse curso, palestra, fui treinado no laboratório, aprendendo a trabalhar com os companheiros, eles que me ensinaram. (Platão) …só palestras…[aprendia] no dia a dia…o treinamento era de duas horas, às vezes duas horas, às vezes três horas, no período da manhã. Foi uma semana de palestra geral pra poder entrar na empresa, né. (Heráclito) Foi umas provinha lá, eles falaram...mas não foi tipo...tem empresa que você fica duas semana...tem empresa que você fica uma semana, duas semana, falando todos os detalhes...”ó você tem que faze...você não faz isso…você tem que fazer isso…” lá foi tudo na doidice. (Pitágoras)

Corroborando os depoimentos, examinamos nos processos judiciais laudos

periciais onde o expert nomeado pelo juízo relata que o treinamento oferecido aos

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trabalhadores para a descarga operacional do carvão, por exemplo, durava cerca

de uma hora, afigurando-se totalmente ineficaz para prevenir acidentes e

adoecimentos.

A polivalência, nesse caso, atuava como mais um elemento contributivo para

a sinistralidade e/ou adoecimento laboral, na medida em que o trabalhador

inexperiente era exigido em múltiplas tarefas sem a preparação adequada. O

acidente de Heráclito, por exemplo, ocorreu quando ele tinha pouco mais de um

mês de serviço, sendo chamado no período noturno para substituir colega em

função para a qual não havia sido treinado:

meu turno começou onze horas…onze horas…é que eu tava numa área, aí como tinha faltado um lingoteiro, uma parte que fica na roda, aí meu supervisor pediu pra mim…fazer o serviço dele, né, entendeu? Eu tinha acabado de chegar…(Heráclito)

O não fornecimento e/ou a entrega de equipamentos de proteção

inadequados, além de desproteger a saúde dos trabalhadores, é outra causa que

converge para a geração de ambientes inseguros. Apenas para rememorar, na

siderúrgica o descarregamento de carvão ocorria num galpão fechado, devido às

exigências ambientais, pois a dispersão de fuligem de carvão no ar é potencial

causador de prejuízos à fauna e à flora pantaneiras, podendo afetar também a

população que vive nos assentamentos que ficam no entorno da indústria.

Essa exigência ambiental impôs o descarregamento em local enclausurado.

Com a suspensão do pó de carvão no ar ficava dificultada a visão dos trabalhadores

em razão da deficiência de iluminação, somando-se ao fato de que a fuligem do

carvão grudava nos óculos de proteção, além do suor molhar a máscara que era

descartável, fechando-lhe os poros. Segundo a experiência dos descarregadores,

a máscara deveria ser de outro tipo, com abafador acoplado na extremidade, a fim

de possibilitar uma melhor filtragem mesmo molhada.

O fato é que a máscara com abafador foi oferecida aos trabalhadores muito

tempo depois, sendo que até isso acontecer eles ficaram expostos a cargas

químicas que podem ocasionar problemas respiratórios acentuados, conforme

observamos em um dos relatos:

A carreta quando era grande, você descarregava o carvão, entendeu...aquilo embaçava...uma daquela empretecia a cara da gente, empretecia tudinho, o suor caía dentro da máscara…isso aqui da gente ficava tudo duro de carvão, tinha que pular da carreta, cê tinha que pular da carreta lá embaixo pá lavar a cara, pá tirar e...e tussir…nós tinha no começo a máscara que era descartável… Não era ideal pro

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serviço…Faltava o que é necessário...é…o..a máscara, né, a máscara co protetor aqui na frente pra você…” [com abafador]

Foi nesse ambiente que Tales se acidentou, caindo da carreta quando fazia

o descarregamento de carvão a 4,25 metros de altura, consoante dados extraídos

do laudo pericial oficial. Segundo constou do processo judicial, outro colega de

Tales inadvertidamente abriu a lateral da carreta quando Tales se preparava para

atar o cinto de segurança ao talabarte, ocasionando-lhe a queda e fraturas graves

no tornozelo.

Havia pouca ou nenhuma fiscalização do Ministério do Trabalho quanto às

condições laborais e cumprimento da legislação trabalhista. Nos depoimentos dos

trabalhadores entrevistados observamos que essa ação estatal preventiva não era

frequente e, quando ocorria, não surtia o efeito desejado, uma vez que a empresa

ludibriava a ação fiscalizatória alterando artificiosamente o ambiente laborativo

perigoso e prejudicial à saúde dos operários:

Foram [os fiscais], mas só que eles [a empresa] são esperto, que quando a fiscalização vai eles manda limpá tudo…Limpa tudo e põe pessoas na área que sabe conversá, tá entendendo?... só que o pessoal do trabalho entra lá dentro, num faz entrevista com você, vai olhando, vai...num pega o funcionário pra conversá, se pega você pra conversá os cara manda você embora, tá entendendo? (Tales) [os fiscais foram] uma vez só, uma vez só…que [a empresa] avisou todo mundo, eles avisou todo mundo que eles [os fiscais] iam lá que era pra tomá…pra tentar num fazer nada perigoso, que nós era acostumado a fazê porque o pessoal do trabalho ia lá…daí a gente ficou assim, diminuiu o ritmo de trabalho, entendeu, o forno, o pessoal começou a trabalhar mais devagar porque eles estavam lá, até eles ir embora e começou tudo de novo. (Sócrates) Eu nunca…olha acho que só teve um dia só que apareceu isso aí [os fiscais do trabalho] …2011 parece…é…foi nessa época mais ou menos…de 2011, antes um pouquinho de 2011, 2010 chegando pra 2011 que teve… (Platão)

Além disso, a ação fiscal também não era efetiva pois os agentes do Estado

não entrevistavam os trabalhadores para saber deles próprios como eram as

condições e a organização do trabalho, de modo que a atividade fiscalizatória

também era estritamente formal, não resultando em melhorias para os

trabalhadores.

3.6.2 Percepção do nexo causal entre processo de tr abalho e

acidentes/adoecimentos

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Analisando o discurso dos entrevistados, entendemos que eles não tiveram

a percepção exata sobre os fatores que provocaram seus infortúnios laborativos.

Em relação ao entrevistado Tales, afirmamos isso porque ao ser perguntado

sobre os riscos à saúde no trabalho que desenvolvia na siderúrgica, ele foi taxativo

ao relacioná-los apenas ao uso de máscaras inadequadas:

eles dava uma máscara lá que ao mesmo tempo que você tava trabalhando no carvão a gente comia pó…era uma mascrinha daquela que tapava aqui...cê chegava o dia inteiro em casa e tava guspindo carvão…depois que foi a briga lá, entendeu? [por causa da máscara inadequada] A gente já não queria mais subir na carreta devido o poblema de saúde, né? (Tales)

É importante destacar que Tales relatou um embate entre os trabalhadores

e a empresa por causa do fornecimento de máscaras inadequadas, oportunidade

em que os operários ameaçaram paralisar as atividades até que uma máscara com

abafador lhes fosse fornecida.

No entanto, nas demais passagens da entrevista Tales não relatou qualquer

insurgência ou irresignação dos trabalhadores a respeito da ausência de descansos

semanais, nem da quantidade de horas extras realizadas, muito menos do esforço

físico ou pressão por produtividade que os conduzia ao esgotamento corporal,

inclusive privando-os do convívio familiar.

Essa particularidade revela e confirma que os trabalhadores assimilaram o

discurso vigente no sentido de relacionar “trabalho seguro” apenas ao fornecimento

ou não de EPI’s, ignorando que a organização do trabalho é tão ou mais decisiva

para a acidentalidade e os adoecimentos laborativos.

O mais interessante, no entanto, foi verificar que Tales atribuiu grande parte

da responsabilidade pelo seu acidente laboral a outro colega de trabalho,

demonstrando, inclusive, certo rancor e ressentimento em relação ao seu parceiro

de trabalho e reproduzindo, de certa forma, o discurso de culpabilidade dos

trabalhadores, quando limitou a falha da empresa apenas à falta de técnicos de

segurança no local do acidente.

Isso pode ser constatado nas respostas dadas pelo entrevistado Tales

quando lançamos a pergunta “Passado algum tempo desde o seu acidente, você

consegue perceber como e por quê você se acidentou?”:

Consigo, né, cara...eu...eu olho assim, pôxa! eu fico olhando assim e falo "pôxa!...eu ia colocar o cinto, o cara abriu a tampa do caminhão...fui com tudo pra baixo. Já tinha descarregado quatro carretas… Tava, tava com o cinto conectado, aí o cara abriu assim mesmo, entendeu...na hora que eu

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fui colocar o cinto, eu caí com o cinto e tudo na mão…Por quê que hoje o cara que fez aquilo, né, me veio pedir desculpa, entendeu? Pedir desculpa, pedir perdão prá mim...Tudo bem cara, né?...Veio...veio pedir desculpa, entendeu? Com aquela cara de...cínica, entendeu?...eu achei que foi a culpa da empresa porque naquele serviço devia existir o segurança...quando você tá trabalhando com segurança, técnico de segurança, você tá mais garantido, ele tá observando o que você tá fazendo…Num tinha nenhum técnico de segurança ali...imagina você num serviço daquele...não ter o técnico de segurança, entendeu?...eu achei que naquela hora devia...deveria existir, naquele movimento que tava tão acelerado, devia existir um técnico de segurança…(Tales)

O sentimento de revolta e de ressentimento de Tales contra o colega de

trabalho que abriu a tampa da carreta que estava sendo descarregada não lhe

permitiu ponderar, mesmo depois de alguns anos desde o acidente, que talvez esse

seu colega de trabalho estivesse tão ou mais exausto quanto ele próprio, na medida

em que, conforme já assinalamos antes, o coletivo de trabalhadores no setor de

descarregamento estava submetido às mesmas condições precárias de trabalho

polivalente, com realização de excessivas horas extras, trabalho físico exaustivo,

sem treinamento adequado e com visibilidade reduzida no local onde o serviço era

realizado.

Pelo relato de Tales podemos concluir também que o trabalhador que

“causou” o acidente, ao ter ido se desculpar pelo ocorrido, igualmente não percebia

que a organização do trabalho era opressora e potencial causa dos acidentes e

adoecimentos na siderúrgica.

Heráclito, por sua vez, sofreu acidente de trabalho pouco mais de um mês

após a sua admissão na empresa. Esse infortúnio resultou na amputação parcial

do 3º dedo da mão direita desse entrevistado. Contratado para uma função

polivalente e sem receber treinamento, foi convocado no turno da noite para

substituir colega que havia faltado ao serviço. Naquela oportunidade ativou-se em

máquina que nunca tinha operado antes e que deveria permanecer desligada

durante a realização dos serviços. Todavia, quando Heráclito ainda estava

manuseando o equipamento, ele foi religado por outro profissional que estava à

distância, em uma cabine de comando, ocasionando o acidente.

Ao ser indagado sobre a causa do infortúnio, Heráclito foi taxativo ao atribuir

a culpa ao outro colega de profissão:

Meu turno começou onze horas…onze horas…é que eu tava numa área, aí como tinha faltado um lingoteiro, uma parte que fica na roda [de gusa], aí meu supervisor pediu pra mim…pra ele…desse tipo de serviço não [havia sido treinado]…só olhando mesmo assim que eu via como o

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pessoal fazia…Na verdade o acidente não foi falha minha, foi falha do operador da roda…como o forno tava parado, a roda também não funciona e eu fui apertei o botão de emergência pra destombar a forma né…só que lá de cima o operador não viu. Ele foi e rearmou o painel justo quando eu fui tombar ele ligou, quando liga a roda ela gira, pega no tombador e ia pegar a minha mão inteira, eu puxei e pegou só a ponta do dedo. (Heráclito)

Heráclito não se apercebeu que a ordem de realizar serviço para o qual não

havia sido treinado foi determinante para o acidente que o vitimou. Somado a isso,

seu histórico funcional indicava realização de labor em horas extras acima do limite

legal de 10 horas, com o agravante do trabalho noturno, período em que a atenção

e estado de vigilância do ser humano já é naturalmente reduzida em razão do

relógio biológico.

Platão foi diagnosticado com câncer de pele aos 60 anos de idade, alguns

meses após ter se aposentado por tempo de contribuição. Trabalhou numa

mineradora local por aproximadamente 21 anos, sendo que nos últimos 10 anos de

empresa exerceu funções que o expunham à incidência direta de raios solares,

tendo recebido protetor solar somente nos últimos meses de contrato.

Examinando o laudo pericial juntado aos autos da ação indenizatória movida

por Platão constatamos que o perito apontou que a realização de trabalho com

exposição à irradiação solar direta, sem a devida proteção, atuou como fator de

concausalidade para o surgimento do câncer. Entretanto, em sua fala Platão

mencionou o sol como causa de sua doença, tendo sido cientificado disso por

intermédio de terceiros, no caso, do médico que acompanhou o tratamento para a

retirada do câncer:

Era devido ao sol…eu sei por causa do doutor…até esqueci do nome dele…na cirurgia disse que por causa do sol…você pegou recentemente isso daí, só que agora não tem mais jeito, só cirurgia. (Platão)

Sócrates também exercia função polivalente na siderúrgica onde se

acidentou. Contratado como serviços gerais, sua mão de obra era utilizada no

descarregamento de carvão, transporte de cilindros de oxigênio, retirada de sucata,

além de se ativar na roda de gusa e no alto-forno. A movimentação de peso

excessiva e a jornada de 14 horas por dia foram fundamentais para o seu processo

de adoecimento na região da coluna:

…eu subi é com o cilindro nas costas é pra levar na boca do forno lá e quando ei girei, quando eu girei pra descer o cilindro, bateu um ferro lá e girou ao contrário, aí eu machuquei, escutei…estalou tudinho a coluna, eu não podia…eu não conseguia mais andar porque você que tá com alguma

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coisa você vai virar assim…ele bateu e começou a virar ao contrário de novo assim, entendeu, aí que eu pedi pro pessoal ajudar a descer. (Sócrates)

No discurso de Sócrates é possível anotar diversas passagens onde se

refere ao transporte excessivo de peso e à pressão da chefia para o atingimento de

metas de produção. No entanto, ao ser perguntado sobre a causa do seu acidente,

ele fez alusão a um “natural” estado de perigo da atividade siderúrgica, como se o

risco, nesse caso, fosse inerente àquele ramo industrial e impossível de ser

eliminado:

Ali o seguinte, esse forno que o pessoal fala da siderúrgica, você imagina uma panela de pressão…se você tampar aquele que solta aquele…aquele…aquele vapor ali, se você tampa aquilo lá…o pino, aquele pino ali…o que vai acontece com a panela de pressão?...Então, então, ou você faz rapidamente soltá o vapor do forno ou morre todo mundo a quilômetros dali, entendeu, então você tem que abrir, tem que abrir aquilo tem que ser o mais rápido possível, entendeu, você tem que abrir rápido e evacuar pra sair a pressão dele, entendeu, então se você não aguentá ou você faz ou não faz e aí você comete erro…(Sócrates)

Também é digno de nota no discurso de Sócrates que ele se compara a um

soldado na frente de batalha, com o dever de levar a cabo uma missão que lhe foi

confiada e que a segurança dos demais trabalhadores dependia da atuação dele,

daí a necessidade do seu esforço físico e da sua agilidade:

Tem que ser feito, entendeu…você vai numa guerra, os soldado tá tudo ali, você sabe que alguém vai ter que ir na frente, alguém vai tê que fazê o que tem que ser feito…(Sócrates)

Pitágoras também trabalhou na siderúrgica e apresentou problemas de

saúde relacionados à coluna. Diferentemente de Sócrates, que indicou um evento

específico desencadeador da sua enfermidade, a fala de Pitágoras possibilita aferir

que o seu problema de saúde foi se instalando gradativamente.

Durante seu relato Pitágoras indicou que no seu trabalho estava submetido

a pressão por produção e a uma chefia despótica, além de desempenhar jornada

de 12 horas por dia e transportar peso excessivo. Apesar disso, ele não relacionou

o seu adoecimento a essas causas, dando ênfase a um estado geral de

insegurança relacionado à deficiência das plataformas próximas ao alto-forno, à

ausência de dispositivos de parada emergencial da esteira que abastece o alto-

forno e até mesmo à responsabilidade individual dos trabalhadores:

uma pessoa que tá com sono, sei lá, tem gente que gosta de...de farrear...que nem que...toda pessoa tem uma saúde diferente da outra,

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então uma pessoa que Deus o livre desmaia, vai se enroscar nesse rolete e vai morrer...(Pitágoras)

Os relatos acima demonstram que os trabalhadores entrevistados

relacionaram os infortúnios à falta de EPI’s, às condições ambientais do trabalho

e até mesmo responsabilizando outros colegas de profissão, olvidando que a

organização do trabalho na mineração e na siderurgia, por envolver a realização de

muitas horas, trabalho noturno, pressão por metas e desempenho, esforço físico e

polivalência, parece ter sido a principal causa dos acidentes e adoecimentos.

3.6.3 Percepção sobre a atuação sindical e repercus sões nas

condições de saúde e segurança do trabalho

A atuação do sindicato profissional foi vista com bastante reserva pelos

entrevistados, os quais não pouparam críticas aos dirigentes associativos e à forma

como eles tratavam as questões relacionadas à saúde dos trabalhadores, sendo

que “descrédito” e “omissão” são palavras que descrevem bem a percepção dos

trabalhadores ouvidos a respeito do assunto.

Dos cinco entrevistados, três eram sindicalizados e até mesmo estes

percebiam os sindicatos como parte ou extensão da empresa, defensores dos

interesses dos patrões e não dos trabalhadores, colocando em dúvida a

credibilidade das associações profissionais:

Eu sô sindicalizado…só que esse sindicato nosso...metalúrgico...era mais empresa, tá entendendo? Ele era da empresa, tá entendendo?...nunca acreditei [no sindicato]...pagava mas nunca...entendeu? Nunca acreditei nele. (Tales) Não, não falou nada não [o sindicato]…que nada…se pudesse bater mais ni mim ali ainda batia. (Pitágoras) Eu esperava que ele [o sindicato] conseguisse, inclusive quando eu fui falar pra ele, por isso que eu acho que eu não sei, eu não posso julgar, mas deve ter alguma coisa, porque aí quando eu cheguei lá, aí eles falou pra mim, nós perdemos a causa...A (omitido por sigilo) alega que você pegou esse câncer aqui fora. (Platão)

Apesar de o trabalho no setor mineral envolver pressão por produção,

desgaste físico, ameaça de demissões e jornadas exaustivas, não há nos relatos

dos entrevistados qualquer menção a uma intervenção sindical de negociação ou

confronto para minimizar essas práticas deletérias à saúde dos trabalhadores.

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Os entrevistados também destacaram o fato de os sindicatos profissionais

não prestarem qualquer esclarecimento a respeito dos direitos dos trabalhadores

acidentados ou orientação quanto à prevenção de infortúnios laborativos.

Quando eu voltei pá retorná pra empresa, nem o sindicato, entendeu, se mobilizou...num deu uma força sequer…Eu num fui atrás do sindicato porque o sindicato ele num, nessa questão, ele vai falar assim...ah, meu filho, é aquela enrolação tá entendendo, se eu esperasse o sindicato fala assim "não vai não, não corre atrás do que é seu, espera que nós vamos resolver" ia demorar mais, tá entendendo? (Tales) O sindicato não [prestou informações]…que eu lembro do sindicato ele foi lá só pra fazer acordo mesmo, só isso. (Heráclito)

Durante as entrevistas, os trabalhadores deixaram transparecer o

sentimento de abandono tanto por parte das empresas, conforme veremos mais à

frente, quanto por parte da própria agremiação profissional que deveria representá-

los e defender seus interesses:

Não falou nada não…falava que não dava pra fazer nada, que não podia…(Pitágoras) ele não teve esse interesse de querer me ajudar. Isso aí eu falo verdadeiramente que ele nunca teve interesse. Inclusive fui lá conversei com ele tudo, falei que meti a (omitido por sigilo) no pau, ele falou: "porque vc fez isso?" Foi a única palavra dele pra mim. (Platão) Eu...eu fui atrás dele, o sindicato nunca veio… não vai atrás de ninguém não... Ele se negou [a emitir a CAT], o sindicato, eu falei que ele podia ter feito isso pra mim. (Sócrates)

Diante da inércia do sindicato, os entrevistados utilizaram seus próprios

recursos financeiros para custear um advogado que pudesse representá-lo na

Corte trabalhista quando, por lei (art. 592, II, inc. “a”, da CLT), esse dever era das

associações profissionais que, no entanto, foram omissas:

Entrei com ação com advogado próprio. (Heráclito) Não, eu procurei [advogado] por conta própria. (Pitágoras) Eu fui atrás dele [do sindicato] e perguntei se ele não tinha um advogado…como eu tava no INSS eu não tava é pagando o sindicato, como num tava descontando o sindicato de mim, eu não tinha direito. (Sócrates)

Apesar de terem razões para questionar e desconfiar dos sindicatos, os

entrevistados expuseram a necessidade de mudanças na atuação sindical,

notadamente quanto ao que pode ser feito para melhorar as questões relativas à

saúde do trabalhador:

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Eu achava que esse sindicato, ele devia valorizar mais o empregado, tá entendendo...devia tá participando, indo lá pra ver…tinha mais é funcionário atendendo…(Tales) Não...é claro, claro...ir atrás, olhando, perguntando como é que foi, entendeu, correndo atrás do CAT pra mim, entendeu?

Para os entrevistados o sindicato deveria ser mais participativo e

empreender uma atuação incisiva e pontual, como por exemplo, comparecendo nos

locais de trabalho para ter uma noção da realidade das condições e da organização

de trabalho da categoria, mostrando-se mais presentes e disponíveis.

3.6.4 Percepção sobre a adequação dos serviços de a tenção à saúde

do trabalhador na fronteira

Após os acidentes, Heráclito, Sócrates e Tales receberam o primeiro

atendimento por parte dos seus próprios colegas de trabalho. Não mencionaram a

existência de qualquer serviço de emergência oferecido pela empresa para socorro

aos trabalhadores, apesar das atividades de alto risco desenvolvidas na

siderúrgica.

Pitágoras e Platão, por sua vez, experimentaram um processo de

adoecimento gradual, sendo que inicialmente também receberam tratamento

médico privado.

A utilização de convênio médico fornecido pelas empresas para o tratamento

de acidentes e doenças do trabalho foi relatado por todos os entrevistados. Tales,

por exemplo, foi levado da empresa para um hospital particular de Corumbá

(Samec) e logo em seguida removido para Campo Grande, onde inicialmente ficou

internado na Santa Casa, sendo novamente transferido para o Hospital Adventista

do Pênfigo. Sócrates e Pitágoras foram igualmente encaminhados para Campo

Grande a fim de realizarem exames complementares de raio-x, ultrassonografia e

ressonância magnética.

O oferecimento do plano de saúde pelas empresas era encarado por alguns

entrevistados como um ato de benevolência da siderúrgica:

lá em Campo Grande...eles tava lá eles tavam bancando tudo né? Tudos exame, tudo assistência médica, eles nesse ponto eu não posso ter queixa deles. (Tales)

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Apesar do enorme sofrimento que implica um acidente com as

características daquele sofrido por Tales, aparece na fala desse trabalhador o relato

do plano de saúde como uma espécie de compensação oferecida pela empresa na

qual trabalhava, sendo possível inferir que essa percepção pode ser decorrência

direta do processo de negociação coletiva que o sindicato profissional faz com a

empresa para incluir o plano de saúde como um “benefício” atrelado ao contrato de

emprego. Nesse aspecto, a dureza e a insalubridade decorrentes do processo de

trabalho a que os entrevistados estavam submetidos – e que foram responsáveis

pelo seu infortúnio – parecem emudecer-se diante desse “benefício” concedido

pelas empresas.

Mais do que isso, o relato acima expõe uma inconsciente dívida de gratidão

dele para com a empregadora quando diz “nesse ponto eu não posso ter queixa

deles”, não somente esquecendo que o esforço e a entrega em seu trabalho lhe

custaram a mutilação do corpo, mas também que o plano de saúde, visto por ele

como uma “compensação” ou um “benefício”, na verdade correspondia a um direito

adquirido do trabalhador e um dever legal da empresa.

No caso de Tales, o custeio das despesas por parte da empresa perdurou

até o momento em que ele obteve alta do INSS. Retornando ao trabalho depois da

prematura liberação médica, ele foi dispensado apesar de ser detentor de

estabilidade acidentária. Esse mesmo procedimento foi utilizado com Sócrates e

Heráclito. Pitágoras não teve CAT emitida pela empresa, de modo que também não

pode beneficiar-se do direito de permanecer no emprego pelo prazo mínimo de 12

meses previsto na Lei 8213/91.

Tão logo ocorreu sua dispensa, Tales teve suspenso o plano de saúde por

parte da empresa, passando então a ter que custear as despesas de tratamento

com dinheiro do próprio bolso e, muitas vezes, socorrendo-se do atendimento

público. Sócrates também passou por situação parecida e só viu o plano de saúde

restabelecido após ingressar com ação judicial. Platão, por sua vez, deixou de fazer

jus ao plano de saúde oferecido pela mineradora porque aposentou-se e descobriu

o câncer de pele relacionado ao trabalho após a jubilação. Para custear seu

tratamento foi incluído no plano de saúde da esposa, que é funcionária pública

estadual.

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Essas dificuldades resultantes da retirada do convênio por parte das

empresas gerou um sentimento de descartabilidade e de abandono na maioria dos

entrevistados, pois justamente no momento em que eles mais necessitaram do

tratamento médico, as empresas retiraram o “benefício” e demitiram alguns deles

mesmo enfermos:

Depois que eu saí do INSS, ela cortou” [o convênio médico]…Cortaram o meu cartão aí já tinham dado baixa na minha carteira lá, entendeu? (Tales) Que tipo de assistência? Falo assim…tinha o cartão da Unimed…só…me jogou no INSS, nunca pagou uma passagem de ônibus, nunca pagou um remédio, simplesmente me jogou lá pro INSS e acabou…(Sócrates)

O corte abrupto do tratamento médico particular repercutiu negativamente

na vida pessoal dos entrevistados, acarretando-lhe dívidas, problemas familiares e

transtornos psicológicos, conforme veremos mais adiante.

De outro lado, o tratamento médico particular retirou a possibilidade desses

casos chegarem ao conhecimento da rede pública de atenção à saúde do

trabalhador, para as providências pertinentes e acompanhamento do seu caso.

Tales, Heráclito e Sócrates demonstraram desconhecer a existência do CEREST,

na cidade de Corumbá. Pitágoras foi o único entrevistado que chegou ao CEREST,

porém, não obteve auxílio para o seu problema:

eu fui ali naquela CEREST que, que emete o negócio do CAT, aí o, ele, eu…foi uma mulher que me atendeu lá, ela falou “tal dia você vem aí”, aí expliquei…nem sei que doutor que era, não me lembro, expliquei o…a situação…ele falou “olha, seu Pitágoras, o seguinte, já passou do tempo não tem mais como emitir o CAT (Pitágoras).

O discurso dos entrevistados a respeito do Cerest em Corumbá reflete e

confirma o mesmo panorama desanimador apresentado na pesquisa realizada por

Neves (2013, p. 148; 150), na qual restou demonstrado que o Cerest local divulga

seus serviços de modo impreciso e pouco esclarecedor para os usuários,

distribuindo material gráfico (panfletos) com textos que são evasivos e que não se

posicionam “em defesa dos trabalhadores, em relação às condições de trabalho,

que levam aos adoecimentos e acidentes, buscando uma ‘neutralidade’ que deixa

o texto confuso e não esclarece sobre o papel do serviço”, tampouco destaca que

a saúde do trabalhador deve se sobrepor aos interesses produtivos.

Os riscos de acidentes e adoecimentos no trabalho aparecem de forma

naturalizada nesses panfletos elaborados pelo Cerest de Corumbá, relacionados a

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formas corretas e incorretas de posturas e/ou realização de movimentos,

imprimindo a elas um valor moral e, indiretamente, “a quem adoece, como aquele

que ‘não fez certo’, atribuindo ao trabalhador toda a responsabilidade por sua

saúde, como se lhe fosse possível optar, de forma independente, a forma de fazer

este ou aquele trabalho” (NEVES, 2013, p. 154).

Os serviços prestados com maior frequência aos trabalhadores têm foco na

reabilitação, como as sessões de fisioterapia, por exemplo, e poucas são as ações

de prevenção e vigilância. Neves (2013) também destaca que no Cerest de

Corumbá a abertura de CAT não é uma rotina e que os profissionais que lá

trabalham, inclusive os médicos do trabalho, entendem que, no caso de algumas

enfermidades, como LER/DORT, por exemplo, o estabelecimento do nexo causal

é prerrogativa dos médicos ortopedistas, para onde são encaminhados os

trabalhadores.

Até 2013 o Cerest de Corumbá não possuía um mapeamento da saúde do

trabalhador na região, apesar de 90% da população residir no perímetro urbano da

cidade. Neves (2013, p. 180) pontifica que “a produção e sistematização de

informações sobre a saúde do trabalhador não foi uma prioridade para a Cerest

Corumbá, impactando diretamente na sua capacidade de ação junto à

coletividade”.

No caso, dos trabalhadores do setor mineral, esses aspectos podem ser

decisivos para a eficácia dos serviços prestados pelo Cerest, na medida em que o

oferecimento pelas empresas, de planos de saúde aos seus empregados,

dificilmente acarretará o atendimento dos trabalhadores acidentados pelos médicos

da rede pública, reduzindo as chances desses infortúnios chegarem ao

conhecimento do centro regional de saúde do trabalhador.

Por outro lado, quando tiveram que buscar esse atendimento público de

saúde em Corumbá, os entrevistados não colheram boas experiências. Falta de

médicos, demora no atendimento, carência de equipamentos para a realização de

exames complementares básicos, atendimento de má qualidade, foram as

principais reclamações. Ficou evidente no discurso dos trabalhadores que em

Corumbá só tendo dinheiro ou um plano de saúde para ser bem atendido. Em

outras palavras, o trabalhador pobre está fadado a sofrer se necessitar do

atendimento na rede pública:

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…aqui a situação que é muito difícil, se você for correr num médico você vai ter que esperar o dia inteiro pra atender você, tá entendendo? Aqui num funciona assim não, porque você quiser uma consulta boa você tem que arrancar dinheiro do bolso…se vai pagar, se você tem dinheiro, você vai pagar, se você tem o cartão bom vão passar o seu cartão e você vai ficar lá, você vai ser bem cuidado, agora se você for pro hospital, você vai ficar lá jogado. (Tales) É muito mal preparado né? E também…é…má força de vontade…como eu acabei de falar aí, se fosse particular o modo de tratamento né, porque sabendo que você tá sendo particular você tem toda uma estrutura, agora público não…você espera, você vê muita gente esperando na fila aí, até ser atendido…a boa vontade do médico, o modo de tratamento…(Heráclito) …o trabalhador que tá doente já tá…tá ferrado, num tem dinheiro pra pagar uma…uma consulta vamos dizer uns exames, entendeu? Lá tudo é pago, a não ser um raio-x, entendeu? Um raio-x você vai ali e o cara vai achar que você tá com pneumonia…você tá pra morre que ele vai tirar aquilo de você, entendeu? Aí o cara tem que pagá uma…uma…ressonância magnética, um…uma como é que fala…passa pela…ultrassom…um…um…ultrassom, uma chapa, é tudo pago, o cara vai tirar da onde, ele paga aquilo lá fica sem comê, fica sem pra compra o remédio, entendeu? Agora quando tive alguma coisa que possa ajudar o trabalhador com menos custo pra ele…entendeu…uma ressonância magnética é mil reais pra você fazê…(Sócrates)

A fala dos entrevistados também dá a entender que a distância de Corumbá

em relação à capital do Estado é um empecilho à concretização do direito à saúde,

pois, segundo eles a cidade de Campo Grande teria mais condições para um bom

atendimento aos trabalhadores:

Eu acidentei acho que foi num sábado, aí foi domingo, segunda-feira eu viajei pra Campo Grande, fui embora, porque eu tava com a perna já né...a perna...se nóis tivesse pelo menos uma quantia de médica a altura que tem lá [em Campo Grande], médico especializado, num precisava tá correndo daqui lá. (Tales) …dá mais atenção pra quem tá acidentado, atenção mesmo que, entendeu, que comigo mesmo podia ter acontecido coisa grave, entendeu, porque a pessoa tá machucada, ai entra em depressão, aí recebe pagamento do INSS tem que compra remédio, tem que pagá exame, não tem esse dinheiro, tem sei lá, tem que ter um amparo, amparo, entendeu, um amparo, porque aí os cara tem que vim de lá [Corumbá] e tem que vim pra Campo Grande pra fazê um exame, lá [em Corumbá] num tem, aí tem que pagá passagem, cê entendeu…tem um ônibus que vem mais até hoje num sei nem aonde que…entendeu…um colega meu sempre vem aqui [em Campo Grande], acidentando também lá [em Corumbá], ele vem pra Campo Grande…(Sócrates)

Com efeito, quando indagados sobre as providências necessárias para um

melhor serviço de atenção à saúde do trabalhador na fronteira, eles foram

categóricos em mencionar que era preciso mais investimento financeiro, maior

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quantidade de médicos, capacitação dos médicos da rede pública, diminuição no

tempo de espera de atendimento e mais oferta de exames complementares.

3.6.5 Percepção sobre a justiça das decisões profer idas pelo Poder

Judiciário Trabalhista

As entrevistas demonstraram que após os acidentes/adoecimentos os

trabalhadores tiveram sérios problemas financeiros, ocasionados pela perda

involuntária do emprego e/ou pelo corte do plano de saúde fornecido pelas

empresas. Com isso tiveram que custear sozinhos o tratamento médico e,

adoecidos, também se viram impossibilitados de arrumar nova colocação formal no

mercado de trabalho, apesar de alguns deles terem tentado trabalhar mesmo sem

condições físicas:

…como eu fui mandado embora, como eu tinha família, tinha que pagá luz, tinha que pagá água, dá de comê pros meus filhos, eu fui obrigado a procurar outra empresa…[trabalhei] quatro meses e não aguentei mais…Tentei trabalhar, entendeu? Mas eu vi que não tinha mais condições…cada dia eu tava pior…foi o que o meu médico falou: “ou você faz a cirurgia ou você vai ficar aleijado, você vai ficar numa cadeira de rodas, daí você não me procura mais”, entendeu? (Sócrates)

Esses problemas financeiros também são consequência da lógica adotada

pelo sistema previdenciário brasileiro, que paga uma prestação pecuniária mensal

inferior ao salário que o trabalhador receberia na empresa se estivesse em

atividade.

Mutilados, adoecidos e desempregados, os entrevistados expressaram um

sentimento de desvalorização e de abandono por parte das empresas. Tendo dado

“o sangue” pela empresa e deixado lá “uma parte do seu corpo”, conforme nos

relataram Pitágoras e Tales, os entrevistados alimentavam a expectativa de que a

empresa os acolhesse após o acidente, o que não se concretizou.

O sindicato profissional, conforme vimos anteriormente, também não prestou

qualquer auxílio ou informação para esses trabalhadores a respeito dos direitos

decorrentes do acidente/adoecimento laborativo, principalmente quanto à

estabilidade que os protegeria da despedida imotivada, tampouco ofereceu-lhes

assistência jurídica para enfrentarem essa situação de dificuldade e de desrespeito

aos direitos laborais.

Ao recorrerem pessoalmente à empresa, ouviram dos responsáveis pelo

departamento de recursos humanos que “deveriam procurar seus direitos”, sendo

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tratados como se fossem algo sobressalente, sem serventia, porque já não podiam

mais ser aproveitados como força de trabalho:

a empresa ela me deixou numa situação muito precária, entendeu, não me deu assistência, entendeu, não foi procurar saber como que eu tava entendeu, não quis me dar uma força, tá entendendo, eu fui atrás dos meus direito…Tava pagando convenio médico, depois que eu saí ela me largou de mão entendeu?...mandaram procurar meus direito...que ela só ía me pagar o que eu tinha direito, da rescisão do trabalho e ai eu falei pô, eu tô endividado pô, tô com conta, tenho tanta coisa que...”não nós não podemos fazer nada por você”…(Tales) Quando a empresa me abandonou…que eu dei o meu sangue por ela, entendeu? Aí de repente ela fechou as portas, entendeu, num…pelo menos pra falá ó, você tem um seguro de vida…vamo deixa…vamo arrumá…não abandoná…tá certo que quem tava bom procurou outro emprego e foi trabalhar por aí, se virar, mas os que tavam doente, entendeu? (Sócrates) Eu só queria o tratamento, ela [a empresa] recusou…(Platão) …foi outra coisa que eu dei sangue...é por isso...é isso que é a minha raiva…Então, foi isso...se viu eu tava mendigando…Mendigando modo de dizer...mendigando sem serviço…mendigando assim ajuda de um, ajuda de outro (Pitágoras)

Esse panorama é imprescindível para compreendermos que os

trabalhadores procuraram a Justiça Especializada como forma de resgatar a

dignidade perdida ou aviltada, pretendendo uma resposta do Estado para a

violação de preceitos constitucionais básicos relacionados à valorização do

trabalho, ao direito à saúde e à vida.

Não se tratou, portanto, de almejar uma reparação financeira pura e simples,

quer dizer, as ações de indenização não objetivaram o dinheiro em si ou somente

a reparação pecuniária, como se isso fosse uma oportunidade de enriquecimento

fácil ou uma forma de esperteza para alcançar a aposentadoria antecipada, mas

sim o reconhecimento simbólico de que houve um desrespeito a um direito de

personalidade, uma afronta à identidade desses trabalhadores, tendo em vista a

centralidade do trabalho para o ser humano genericamente considerado,

independentemente do valor fixado pelo juiz:

Foi, foi, foi [bem analisado pelo juiz]…foi uma fase que eu vi que eu fui merecido…deu pra mim amenizar a minha situação né...eu acho que em vista em vista do que a empresa pagou pra muita gente, isso pra eles num foi, entendeu...foi um café qualquer entendeu? (Tales) Olha, pode falar que houve [justiça] porque pelo menos o…o que eu peguei pelo menos num…num… num ficou em branco né, eu não posso falar isso, não ficou em branco, apesar desse dinheiro ai que eu peguei,

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pro dono da empresa isso aí pra ele…ele dá de cachê lá prum garçom onde ele mora. (Pitágoras) …eu acredito que eu tenho que agradecer a Deus por tá com esse dinheirinho que saiu ai pra eu poder pagar essas consultas entendeu, que cada consulta minha é R$ 500,00, R$ 400,00, fora os remédio que eu tenho que comprá...e podia ser pior, podia nem tê me pago, porque do jeito que tá o Brasil hoje em dia, você entendeu...quem pode mais é quem tem dinheiro…(Sócrates) Teve sim [justiça]…Pelo menos eu ganhei alguma coisa né? (Heráclito)

Percebemos, todavia, algumas ressalvas inseridas nas falas dos

trabalhadores a respeito do funcionamento e da atuação da Justiça nas causas

relativas a acidentes e adoecimentos laborais.

Tales, por exemplo, queixou-se quanto ao tempo de tramitação do seu

processo, que durou quatro anos até a decisão final (e, posteriormente, mais três

até que ele recebesse a indenização propriamente dita).

Pitágoras demonstrou certa insatisfação quanto ao fato de ter recebido sua

indenização apenas parcialmente, em razão dos descontos previdenciários e

fiscais e o pagamento dos honorários do advogado particular que contratou.

Platão perdeu sua ação judicial e atribuiu isso ao poder econômico da

mineradora. Segundo ele, as testemunhas que deporiam em seu favor para

comprovar a responsabilidade da empresa foram ameaçadas de demissão e por

isso pediram para não serem convocadas a comparecer em juízo.

Sócrates entendeu que foi prejudicado pelo fato de ter trabalhado mesmo

doente. Para ele, o juiz não compreendeu que essa situação decorreu de um estado

de necessidade, para conseguir sustentar a si próprio e os seus familiares. Essa

situação foi relevante para o caso de Sócrates, pois ele teve o valor da indenização

reduzida por esse motivo.

3.6.6 Repercussão dos acidentes/adoecimentos na vi da profissional,

pessoal e familiar das vítimas

Neste ponto da entrevista procuramos identificar como e em qual medida os

infortúnios laborativos afetaram as dimensões pessoal, familiar e emocional dos

trabalhadores que passaram pela experiência desses eventos. Essa preocupação

se justifica porque os estudos e pesquisas acerca dos infortúnios laborais centram-

se primordialmente na busca das causas dos acidentes e adoecimentos, motivo

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pelo qual, na presente dissertação procuramos superar esse paradigma,

avançando também nas consequências desse problema social.

Partimos do pressuposto de que os efeitos do acidente de trabalho e/ou da

doença ocupacional transcendem a individualidade do trabalhador-vítima,

alcançando também as pessoas que compõem o seu círculo sócio-afetivo mais

imediato, afetando emocional e economicamente as dinâmicas familiares que

inegavelmente também sofrem com esse tipo de acontecimento.

Com efeito, as repercussões de um infortúnio laborativo vão muito além das

fronteiras do ambiente de trabalho, pois não raro um acidente ou uma doença

ocupacional podem exigir difícil adaptação da vítima a um novo estilo de vida, forçar

os integrantes do núcleo familiar do trabalhador a um novo patamar econômico com

severas restrições econômicas, alterações comportamentais do

acidentado/adoecido, dentre outros rebatimentos.

No caso dos entrevistados a dimensão pessoal, sob o aspecto profissional,

restou marcada pelo sofrimento, pelo sentimento de descartabilidade e de

inutilidade e pela impossibilidade de retorno ao trabalho:

“Eu nem esperava passar por isso, entendeu? Isso foi uma coisa que tá marcando muito na minha vida, até hoje, entendeu…o INSS me liberou pra voltar pra empresa e eles falaram que não existia vaga pra mim lá dentro, tá entendendo? Que a empresa tinha acabado, entendeu? Já tinha até dado baixa na minha carteira…Eu num posso trabalhar, eu num posso mais fazer o serviço que eu fazia você entendeu? (Tales) …o único erro que a (omitido por sigilo) teve comigo foi tê abandonado, entendeu, porque eu levei atestado, olha aqui ó, tô machucado, e simplesmente ela abandonou, entendeu? Eu não sei se foi gerente, você sabe os seus tão ali machucados, entendeu, aí você pega e simplesmente vende a empresa e ó…descarta eles…tô com 12 pino na coluna, coloquei 12 pino na coluna…minha cirurgia não ficou boa, então minha ressonância magnética tá dizendo que eu tô pior do que tava agora, do que antes, as dores estão mais terríveis que eu não consigo nem tussir nem…às vezes se eu tiver gripado e começar a tussir muito começa a doer…parece que tá querendo abrir minha coluna assim, entendeu? (Sócrates) …porque meu sogro era pedreiro né...tentei ajudar ele não aguentei, não trabalhei nem uma semana com ele...ele falava “ah! Você não tem condição de trabalhar mais não”. (Pitágoras)

Após o acidente alguns entrevistados experimentaram a desconfiança e o

distanciamento dos colegas de trabalho, sobressaindo em seu discurso, ainda que

de modo inconsciente, o incômodo da descoberta da superficialidade das relações

sociais forjadas dentro do ambiente laboral:

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“e vivendo aquilo e eu num...não tinha uma ajuda entendeu? Não tinha a quem eu correr, tá entendendo?...quando eu tava naquela depressão, puxa, era muito difícil achar uma pessoa pra, entendeu? (Tales) e a gozação dos pessoal gozando comigo...”isso é frescura, não sei o quê”…e eu fazendo força ali pra…o refeitório ficava longe da...da...lá da onde a gente trabalhava e pra mim poder almoçar lá era um custo, eu tinha andar um pouco e parar um pouco e vai zoação comigo...esses ficava falando que aquilo lá era tudo invenção minha… (Pitágoras)

Os entrevistados também foram emocionalmente afetados pelos acidentes.

Relatos de choro, irritabilidade, agressividade, depressão e tentativas de suicídio

apareceram nas falas dos trabalhadores ouvidos:

eu cheguei a um ponto que eu não conseguia me enxergar...eu chorava todo dia cara, tá entendendo, por causa da situação…Eu via...eu vi a situação minha, eu via minha vida se acabando ali, cê tá entendendo?...eu chorava...Chorava a noite inteira…cheguei ao ponto até de querer dar um tiro na minha cabeça…Eu tava numa depressão muito forte, muito avançada, tava com uma depressão que olha, só eu memo sei o que que eu tava passando…(Tales) ...emocional, você ficar dentro de casa, deitado, sem fazer nada, com dores aí, você entendeu... tentei o suicídio rapaz, entendeu, tanto com arma de fogo como arma branca...branca...o revolver falhou senão eu tava morto, chegou a perfurar a capsula assim...entendeu...daí cortei os pulso…você é obrigado a suportar...obrigado a suportar...ou você suporta, entendeu...comecei a tomar remédio antidepressivo, aí eu ficava igual bobo, acabava esquecendo as coisa, fazia uma coisa, guardava uma coisa não sabia aonde, uma que eu moro sozinho, né, tem que tá sempre ativo, não sabê onde é as coisa, pra que o que tá acontecendo, aí eu tomava remédio, num sabia o que tava fazendo…(Sócrates)

O aspecto familiar foi afetado de maneiras distintas. Enquanto alguns

entrevistados tiveram um bom suporte dos parentes para enfrentar as situações

desfavoráveis, outros não tiveram o mesmo apoio para superar os momentos de

desespero e angústia resultantes da incapacidade laborativa:

Aí a minha esposa conversava muito comigo, falava: ”Tales, calma Tales”...“Calma Tales, calma Tales”. (Tales) ...familiar...separei da mulher, a gente acabou separando...É, foi por causa do acidente, você tinha muitas dores né, eu me irritava e pedia pra fazê uma massagem, alguma coisa em mim, fazia de qualquer jeito entendeu, aí as brigas começaram a aumentar, de ficar muito em casa, e acabamo separando entendeu...quando você fica em casa, cê tava acostumado a trabalhar, você fica nervoso, você vê que tá faltando as coisas, é...você quer fazer uma coisa não consegue...entendeu...acaba descontando em alguém e acabou que a gente separou...isso aí entendeu, maioria que tá disso aí...só...separou…(Sócrates) no outro dia de novo a perna começou doer, aquilo foi doendo doendo chegou num ponto que eu não aguentei mais andar, num aguentei mais andar, o que que aconteceu, eu já não tava mais pra nada, eu fiquei sete dias, acho que foi sete dias assim no chão, aí o…os pessoal lá de casa

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que tinha que me levar pro banheiro pra mim fazer necessidade fisiológica tudo…(Pitágoras) Isso aí foi verdade, ela [a esposa] me passou pro convênio dela, fui pra CASSEMS, daí eu fiz a cirurgia. (Platão)

Além do aspecto emocional, os entrevistados também viram as dívidas

aumentarem por causa do tratamento médico e da diminuição da renda familiar em

razão do afastamento previdenciário:

…fiquei com contas muito altas…com conta no mercado, fiquei com conta no açougue…Material de construção que eu devia, que eu pagava com o dinheirinho que eu ganhava…E a minha esposa desempregada…passei por uma situação muito difícil, muito, puta, só eu sei né...e eu quando eu tava deitado na cama me dava vontade de lavantá, tá entendendo...querer arrumar alguma coisa pá fazer, a minha situação piorava mais…preocupado porque cada dia que eu olhava minha situação dentro de casa, faltava isso pro meu filho, faltava aquilo pra minha filha, entendeu, eu não podia, não podia mexer, entendeu…(Tales) É, financeiro, você vai pro INSS e você acaba recebendo metade do que você recebia, entendeu, você recebe uma mixaria do INSS, aí você tem que comprar remédio, alimento, pagar luz, água, essas coisa, e acaba num sobrando nada pra você, entendeu, enquanto você trabalhando você já sobrava alguma coisa pro cê né compra roupa pra família, essas coisa...(Sócrates)

As tentativas de suicídio e os episódios de depressão narrados pelos

entrevistados corroboram os estudos de Lima e Deusdedit Júnior (2006), Souza,

Minayo e Cavalcante (2007), estando essas formas de transtornos mentais

associadas à situação involuntária de desemprego e à incapacidade para o

trabalho.

Nessa situação de sofrimento psíquico os trabalhadores não sabem que tipo

de auxílio buscar ou a quem recorrer, uma vez que já não contam mais com a

possibilidade de atendimento médico particular, ao passo que o serviço público de

saúde local, especialmente em relação ao funcionamento do Cerest, é oferecido de

forma pouco eficiente e eficaz, acrescentando mais um pouco de angústia e

ansiedade a quem já está debilitado tanto física quanto mentalmente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi pesquisado concluímos que o processo de trabalho, com

todas as suas cargas – envolvendo condições precárias, polivalência, exaustão

física, excesso de horas extras, fornecimento de equipamentos de proteção

inadequados, ausência de treinamento e/ou treinamento insuficiente, pressão por

produção e ameaça de demissão – somado à ausência de ações preventivas do

Estado, é determinante para os acidentes e adoecimentos laborativos no setor

mineral de Corumbá.

Apesar de os entrevistados relacionarem seus acidentes/adoecimentos ao

labor realizado nas empresas do setor mineral de Corumbá, eles não tiveram a

exata percepção de que a causalidade dos infortúnios decorreu do processo de

trabalho ao qual estavam submetidos, reproduzindo a ideologia hegemônica de

culpabilização do trabalhador, isentando a empresa da sua responsabilidade em

promover um local de trabalho seguro.

O grau de participação ou de omissão do sindicato pode interferir nas

questões de saúde e segurança do trabalho, repercutindo no aumento ou

diminuição da acidentalidade e adoecimentos laborativos.

Os trabalhadores, cada um ao seu modo, percebem que os serviços de

saúde relacionados à ST em Corumbá são ineficientes, morosos e inadequados se

comparados com a estrutura de atendimento disponível em Campo Grande, para

onde os trabalhadores da fronteira são enviados para tratamentos e exames nos

casos mais complexos.

Na percepção dos entrevistados, a saúde do trabalhador é uma questão de

ordem médica, curativa portanto, quando, na verdade, ela pode e deve ser

preventiva, possuindo feição multidisciplinar e envolvendo diversos outros atores,

como a própria fiscalização do trabalho (que se mostra ausente na cidade), o

Ministério Público do Trabalho (que possui atuação reduzida), bem assim o

CEREST, cuja existência era ignorada pela maioria desses trabalhadores.

Esses trabalhadores procuraram a Justiça Especializada como forma de

resgatar a dignidade perdida ou aviltada, pretendendo uma resposta do Estado

para a violação de preceitos constitucionais básicos relacionados à valorização do

trabalho, ao direito à saúde e à vida.

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A atuação da Justiça foi adequada para a maioria dos entrevistados, mas o

valor das indenizações e o tempo para a solução do litígio foram apontados pelos

entrevistados como fator de insatisfação.

O infortúnio laborativo acarretou graves e indeléveis consequências

pessoais, emocionais, financeiras e sociais nos entrevistados, sendo causa de

angústia, depressão, sofrimento físico e psíquico que, apesar de indenizados

pecuniariamente, não desaparecem totalmente após a intervenção do Estado pela

via judicial.

À vista destas constatações, sugerimos as seguintes ações objetivando a

melhora do quadro situacional delineado neste trabalho:

a) Capacitação de dirigentes sindicais e empresas do setor mineral quanto

aos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores acidentados

e/ou adoecidos, especialmente esclarecimentos relacionados à

estabilidade acidentária, assistência jurídica e emissão de CAT nos

casos em que a empresa se nega a elaborar o referido documento e/ou

nas hipóteses de suspeita de infortúnio laborativo. Sugerimos que essa

atividade ocorra a partir do segundo semestre de 2016, com a

participação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus do

Pantanal, envolvendo docentes e discentes dos cursos de Direito e de

Psicologia, além de autoridades vinculadas ao Ministério do Trabalho e

Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho. Os

recursos para a atividade poderão ser captados perante os próprios

sindicatos ou empresas do setor mineral;

b) Capacitação dos membros do Cerest quanto ao atendimento dos

trabalhadores acidentados e/ou adoecidos relacionado à emissão de

CAT nos casos em que a empresa se nega a elaborar o referido

documento e/ou nas hipóteses de suspeita de infortúnio laborativo.

Sugerimos que essa atividade ocorra a partir do segundo semestre de

2016, com a participação da Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul, campus do Pantanal, envolvendo docentes e discentes dos cursos

de Direito e de Psicologia, além de autoridades vinculadas ao Ministério

do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Justiça do

Trabalho. Os recursos poderão ser solicitados ao MPT, provenientes de

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termos de ajustamentos de conduta e/ou de condenações proferidas pela

Justiça do Trabalho de Corumbá em eventuais ações civis públicas;

c) Designação de pelo menos um auditor fiscal do trabalho para ser lotado

no escritório local do Ministério do Trabalho e Emprego. Ação de natureza

político-institucional cuja iniciativa poderá ser da própria Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul, campus do Pantanal, em razão das

considerações feitas na presente dissertação. Além disso, outros atores

locais poderão ser instados a realizar a referida ação, tais como

vereadores, prefeito, deputados estaduais e federais;

d) Designação de um Procurador do Trabalho fixo para atuar no ofício do

Ministério Público do Trabalho em Corumbá, uma vez que atualmente os

procuradores de Campo Grande se revezam na função, comparecendo

na cidade esporadicamente. Ação de natureza político-institucional cuja

iniciativa poderá ser da própria Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul, campus do Pantanal, em razão das considerações feitas na presente

dissertação. Além disso, outros atores locais poderão ser instados a

realizar a referida ação, tais como vereadores, prefeito, deputados

estaduais e federais;

e) Realização de convênio para que a Justiça do Trabalho local possa

utilizar os profissionais do Cerest na elaboração de laudos periciais de

acidentes e doenças do trabalho. Esta ação dependerá de ajuste

institucional entre as partes acima nominadas e, a princípio, não

dependerá de desembolso financeiro. O valor relativo às eventuais

perícias porventura realizadas mediante o aludido convenio poderão ser

pagos mediante rubrica própria existe no orçamento do Tribunal Regional

do Trabalho para essa específica finalidade.

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APÊNDICE A – Entrevista de Tales

M: Entrevista de Tales. Tales, é, qual é a sua idade atual? T: 51 M: 51 anos? E o seu estado civil? T: Casado M: Casado? T: Casado M: Você exerce alguma profissão atualmente? T: Olha, eu tenho várias profissão, né? M: Tá exercendo alguma atualmente? T: Não…agora tô…no momento, eu não tô exercendo a profissão porque eu não tô em condições de trabalho, né? M: E a sua profissão, qual é? T: Olha, eu sô montador de estrutura metálica, sou pedreiro, armador...entendeu? M: Mas não exerce nenhuma delas? T: Não, no momento não, porque devido a minha...a minha machucadura… M: Problema de saúde? T: Eu não tô mexendo mais nessa profissão, entendeu? M: E qual é o seu grau de escolaridade? T: Olha, parei na sexta série. M: Sexta série? T: Sexta série. M: Tales...é...que função e atividades você fazia diariamente na empresa antes do acidente? T: Olha, eu fui contratado pra trabalhar no carvão...entendeu...serviços gerais, né? Então assinaram minha carteira como serviços gerais, mas os serviço que eles fazia lá era diferente disso aí entendeu?

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M: Diferente como? T: Era diferente porque quem trabalha de chapeiro é chapeiro, né? Quem trabalha de descarregamento de carvão, já é descarregamento, né? Só que na carteira eles assinaram como serviços gerais, entendeu? M: O trabalho de serviços gerais seria diferente da função que você fazia? T: Ah! Muito diferente...muito...Lá você era descarregador de carvão, entendeu...depois de um momento você era como se diz...disrolava lona de caminhão, entendeu...você tinha que pegar, pegar praqueta pra assinar, pra tomar nota dos caminhão que entrava na...no garpão...vários serviço, tá entendendo? M: Então te registraram com uma função diferente da que você fazia? T: Diferente, muito diferente! M: Certo. T: E eles achava que lá dentro você tinha que desempenhar qualquer tipo de serviço devido a...não...não falando da carteira da gente, eles via a carteira da gente mas mandava você fazê outros serviço. M: Como era serviços gerais tinha que fazer tudo? T: Ah, tudo, você tinha que trabalhar...se precisasse de você pra outro serviço você tinha que fazer... M: Hã, hã. T: Tá entendendo? M: Entendo. T: Ali, como se diz...era, era pau pra toda obra, cê tá ligado? Não tinha como cê falar assim...”não, não vou fazer esse serviço”, porque você dependia daquele dinheiro todo mês, você tinha que sustentar sua família, pagar casa, pagar água, pagar luz, você tinha que trabalhar. M: Certo...e você percebia algum risco pra sua saúde nas atividades que você fazia? T: Muito...muito...muito...eles dava uma máscara lá...eles dava uma máscara lá que ao mesmo tempo que você tava trabalhando no carvão a gente comia pó, cê tá entendendo? Comia pó... M: Mas a máscara não funcionava?

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T: Não! Era uma mascrinha daquela que tapava aqui...entendeu...dia cê chegava o dia inteiro em casa e tava guspindo carvão, tá entendendo? M: Mas num trocava a máscara? T: Trocava...eles dava de maço, tinha de maço, lá...maço de máscara...cabava aquela pegava outra...a gente pegava 5 ou 6 e botava no bolso. A carreta quando era grande, você descarregava o carvão, entendeu...você…aquilo embaçava...uma daquela empretecia a cara da gente, empretecia tudinho, o suor caía dentro da máscara e você tinha…isso aqui da gente ficava tudo duro de carvão, tinha que pular da carreta, cê tinha que pular da carreta lá embaixo pá lavar a cara, pá tirar e...e tussir. M: Então vocês usavam equipamento de proteção? T: Usava, mas depois que nós fizemo uma reunião pá pedir a máscara, entendeu? M: E era só a máscara o equipamento que eles davam? T: Era só a máscara...dava a máscara, dava o...capacete… M: Precisava de cinto de segurança no seu trabalho? T: Eles davam, entendeu? M: Davam? T: Davam sim...cinto de segurança, capacete entendeu, óculos, botina, roupa entendeu? Era bem...era bem estruturado, mas só que na matéria de…do serviço faltava entendeu? M: Hã, hã. T: Faltava o que é necessário...é…o..a máscara, né, a máscara co protetor aqui na frente pra você… M: Um abafador? T: O abafador. M: E não era esse tipo de máscara? Era aquela máscara descartável? T: Descartável...depois nós fomos debatendo, tivemos...remoemo o pessoal que descarregava né e pedimo a máscara, entendeu? Pedimo a máscara, porque ninguém tava aguentando mais entendeu? E o serviço era muito esforçado, você não tinha como pará pra beber água, você não tinha como descansar...os cara ficava "vamo embora", "vamo embora", "vamo embora", "vamo embora"...

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M: Certo. Então, deixa eu compreender...num período vocês não recebiam máscara e só passaram a receber depois que se reuniram e pediram para a empresa, é isso? T: É…não...nós tinha no começo a máscara que era descartável. M: Essa máscara não era ideal? T: Não era ideal pro serviço. M: Tinha que ser uma máscara mais eficiente, mais elaborada? T: Com certeza, mais elaborada, uma máscara que tampasse aqui pra você trabalha com a jigular… M: Por que se não o suor caía nessa máscara, molhava e daí não filtrava a sujeira? T: Com tudo...ela não tinha filtro essa máscara, era aberta aqui, entendeu, agora com essa outra máscara que nóis recebemo aí nóis comecemo a... M: Que foi só depois? T: É...depois que foi a briga lá, entendeu? A gente já não queria mais subir na carreta devido o poblema de saúde, né? M: Sei. E você foi treinado pra fazer o trabalho que você foi contratado? Você recebeu algum treinamento? T: Não, não. M: Algum curso? T: Não, não, nóis foi fichado assim, nóis entremos já direto pra bocada. M: E já foi trabalhar? T: E já foi direto. M: Contratou e já foi trabalhar? T: Foi direito pra carreta. M: Sem nenhum curso de segurança, um treinamento? T: Não, não, nóis tivemo só um passeio pelo pátio, entendeu...um passeio pelo pátio, aí eles mostraram pra gente, aí depois conversou um pouquinho, explicou né, falou que o serviço lá era assim, tinha que tomar cuidado, mas deu o material e mandou subir. M: Certo!

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T: Tá entendendo? M: Hã, hã. T: Botou a escada na carreta e subiu. M: E você trabalhava muito em horas extras ou não? T: Trabalhava muito, não tinha é…não tinha paradeiro, tá entendendo? Trabalhava de segunda a segunda...muita hora, muita hora extra…era...era quando era descanso eles ligava pra mim...faltava gente eu tinha que repor, tinha gente que...tinha gente memo que trabalhava na empresa não ía porque tava muito esgotado, tá entendendo? Era sessenta, setenta caminhão no pátio, só carreta, eles queria degolá aquilo tudo num dia, tá entendendo? Tinha nêgo que num guentava, tinha pessoas que...que...que caía, dava cãibra, pessoas que sentia mal. M: Então esse trabalho que você realizava quanto você teve o acidente, ele...ele exigia esforço físico? T: Muito, muito. M: E...e...e tinha pressão por produção, por rapidez no descarregamento? T: Tinha pressão pelo próprio, como chama ele, o supervisor que ficava na cabine, você sabe o que ele falava? Ele falava assim “quem num guentá, manda embora...se fazê corpo mole, manda embora. Amanhã tem quarenta lá pra fichá, vou mandar subir gente pra subir, tá entendendo? Hoje que que ele é? Hoje ele saiu expulso da (OMITIDO POR SIGILO), entendeu? Saiu expulso...olha o que que ele fez, tá entendendo? Ele saiu expulso porque ele era homem safado lá dentro, ele atrapassava nota do carvão, tá entendendo? Hoje taí... M: Então...é...falando sobre a sua chefia, né, a pergunta seguinte diz respeito a isso. É, havia pressão por produção, por cumprimento de metas ou outra forma de cobrança? T: Tudo, tudo, tudo, tinha cobrança tudo...e se você não descarregasse a carreta que era necessário, entendeu, você tava fazendo corpo mole, entendeu...tinha dia que eu chegava em casa cara, eu…eu não tinha nem como descansar, tá entendendo? Não dava vontade de dar um abraço na minha família...num dava pra...entendeu…sentar com os meus filhos pra conversar, cansado...num domingo tava assando carne, entendeu…comendo espetinho com a minha família, chegava o carro pra me pegar pra trabalhar...eu ía cansado, entendeu...eu ganhava um pouquinho a mais… M: Seu salário era por produção? T: Não, eu num ganhava por produção, o meu salário era fixo, entendeu? Mas só que era muito esforçado, eu me acabei ali entendeu? Eu deixei minha parte do meu

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corpo naquele serviço ali...quando eu se acidentei nesse serviço aí eu tava esgotado cara, cê tá entendendo, eu tava esgotado, puta…quando eu baixei o cinto pra...uma coisa pra...a coisa o cara abriu a tampa...puta...eu ia colocar o cinto, o cara abriu a tampa do caminhão... M: Esse foi o seu acidente, né? T: O cara abriu o cara abriu a tampa do caminhão sem…sem avisar… M: Você não tava com o cinto conectado no talabarte? T: Tava, tava com o cinto conectado, aí o cara abriu assim mesmo, entendeu...na hora que eu fui colocar o cinto, eu caí com o cinto e tudo na mão… M: Sei. T: Fui pra tudo…fui com tudo pra baixo. Já tinha descarregado 4 carretas. M: Quando aconteceu o acidente…? T: Tava esgotado...puta...tava esgotado mesmo cara, num aguentava o meu corpo, num… entendeu? Quando eu caí eu fui com tudo, eu e mais dois, fomo pra baixo. Ali era o cão, ali era, ali era o serviço que vou te contar pra você, era judiado… M: E Tales, nesse tempo que você trabalhou na empresa, você presenciou ou observou se houve alguma fiscalização do trabalho dos fiscais do trabalho lá na empresa? T: Foram, mas só que eles são esperto, que quando a fiscalização vai eles manda limpa tudo, cê entendeu? Limpa tudo e põe pessoas na área que sabe conversá, tá entendendo? M: Preparam o ambiente? T: É, a empresa não vai receber uma...o pessoal do trabalho...só que o pessoal do trabalho entra lá dentro, num faz entrevista com você, vai olhando, vai...num pega o funcionário pra conversá, se pega você pra conversá os cara manda você embora, tá entendendo...ali a meta deles era aquilo ali cara… M: Entendo. T: Teve muitos acidente ali, cara, teve muito...teve cara que pulou de lá cima lá embaixo, quebrou a perna, puta! M: Esse acidente que você sofreu lá na empresa, foi o primeiro ou você já tinha sofrido algum acidente antes? T: Não, esse foi o primeiro lá… M: Primeiro e único?

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T: Primeiro, graças a Deus, putz, graças a Deus! M: E, Tales, é todo acidente traz alguma consequência, né...é… T: Eu nem esperava passar por isso, entendeu? Isso foi uma coisa que tá marcando muito na minha vida, até hoje, entendeu? M: Então, é sobre isso que eu gostaria de lhe perguntar...que tipo de consequência o acidente trouxe pra sua vida profissional? Você foi demitido? T: Fui! M: Foi demitido? Passou pelo INSS… você não foi readaptado? T: Não, eles num quiseram, diz que não existia entendeu… M: O INSS? T: Não, não, eles da empresa...o INSS me liberou pra voltar pra empresa e eles falaram que não existia vaga pra mim lá dentro, tá entendendo? Que a empresa tinha acabado, entendeu? Já tinha até dado baixa na minha carteira… M: E a sua situação atual, você…é…tá aposentado? T: Não, não tô aposentando, eu tô passando por uma dificuldade até hoje… M: Você tá recebendo benefício do INSS? T: Uma mixaria, cara, nem salário é, nem salário é… M: E ainda sobre o acidente Tales, é, eu te perguntei do aspecto profissional, né...é...teve alguma repercussão também na família, sobre o aspecto emocional, te atrapalhou em alguma coisa dentro da sua casa ou te trouxe problemas financeiros, econômicos? T: Não, na família nunca assim, financeiro, nunca me prejudicaram ...nunca tivemo né. Eu tive problema financeiro meu mesmo, entendeu? M: Por causa do acidente? T: É...tive dificuldade, passei por necessidade, entendeu? eu esperei que a empresa, ela, quando eu chegasse ela ia né me dar uma força, tá entendendo, na onde me deixaram na situação que eu fiquei, entendeu...tive que, puta, emprestar dinheiro pra pagar água, pra pagar luz… M: A sua renda diminuiu por causa do acidente? T: Diminuiu, diminuiu...

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M: Porque você passou a receber pelo INSS menos do que você recebia se tivesse trabalhando, é isso? T: Então, fiquei com contas muito altas, tá entendendo? Fiquei com conta no mercado, fiquei com conta no açougue entendeu? Material de construção que eu devia, que eu pagava com o dinheirinho que eu ganhava entendeu? E a minha esposa desempregada...passei por uma situação muito difícil, muito, puta, só eu sei né...e eu quando eu tava deitado na cama me dava vontade de lavantá, tá entendendo...querer arrumar alguma coisa pá fazer, a minha situação piorava mais… M: Você passou por algum problema de depressão ou psiquiátrico? T: Passei muito, passei muito...eu cheguei a um ponto que eu não conseguia me enxergar, cê tá entendendo? Tive que procurá psicólogo pra conversar, pedi ajuda porque tava com a minha cabeça...sei lá...eu chorava todo dia cara, tá entendendo, por causa da situação e...e vivendo aquilo e eu num...não tinha uma ajuda entendeu? Não tinha a quem eu correr, tá entendendo? Eu via...eu vi a situação minha, eu via minha vida se acabando ali, cê tá entendendo? Aí a minha esposa conversava muito comigo, falava: ”Tales, calma Tales”...entendeu? “Calma Tales, calma Tales”...eu chorava... M: Então você teve o apoio da sua esposa nesse momento? T: Chorava a noite inteira, preocupado porque cada dia que eu olhava minha situação dentro de casa, faltava isso pro meu filho, faltava aquilo pra minha filha, entendeu, eu não podia, não podia mexer, entendeu, tive que depender de pessoas pra me ajudar, entendeu? E eu cheguei de conversar com a psicóloga, entendeu, eu chorei, entendeu, desabafei com ela...ela falou pra mim assim, poxa…você sabe que eu cheguei a um ponto até de dar...sei lá cara, entendeu...cheguei ao ponto até de querer dar um tiro na minha cabeça… M: hum, hum. T: Eu tava numa depressão muito forte, muito avançada, tava com uma depressão que olha, só eu memo sei o que que eu tava passando… M: E Tales, você mantém algum contato ou relacionamento com ex-colegas de trabalho? T: Não. M: Nenhum contato? T: Não, nenhum. M: Por quê? T: Porque a gente...cê fala de colegas de serviço?

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M: De trabalho, que trabalhavam com você na empresa que você se acidentou… T: Não, eu tenho contato com alguns, mais mora longe, entendeu? M: Sei. T: Eles, eles são daquele tipo que eles só…só chegam pra conversar com você quando eles querem né? E quando eu tava naquela depressão, puxa, era muito difícil achar uma pessoa pra, entendeu? M: Ninguém vinha te visitar? T: Eu tinha um amigo, mas ele vinha entendeu, conversava comigo aí embora, mas não era daquele cara que falava assim “você quer dar um passeio”, tá entendendo? “Quer ir no meu carro, quer ir no coisa”... M: Tales, é...passado algum tempo desde o seu acidente, você consegue perceber como e por quê você se acidentou? T: Consigo, né, cara...eu...eu olho assim, pôxa! eu fico olhando assim e falo "pôxa!". Por quê que hoje o cara que fez aquilo, né, me veio pedir desculpa, entendeu? Pedir desculpa, pedir perdão prá mim...Tudo bem cara, né? M: A pessoa que abriu lá...o...alçapão? T: É, o alçapão, bateu na alavanca, entendeu? M: Ele veio se desculpar com você? T: Veio...veio pedir desculpa, entendeu? Com aquela cara de...cínica, entendeu? M: Sim. Você tem a dimensão, a percepção do porquê o acidente aconteceu? Foi culpa sua, foi culpa da empresa? T: Não foi...foi, eu achei que foi a culpa da empresa porque naquele serviço devia existir o segurança...quando você tá trabalhando com segurança, técnico de segurança, você tá mais garantido, ele tá observando o que você tá fazendo. Até onde o cara mexe com o caminhão, ele tá olhando tudo e num tinha nenhum lá... M: Não tinha o quê? Técnico de segurança? T: Num tinha nenhum técnico de segurança ali...imagina você num serviço daquele...não ter o técnico de segurança, entendeu? Quer dizer, se morresse dois, três ali ía...cadê a empresa, se ela era forte no dinheiro, no coisa, cadê o segurança, onde que tava andando, tava dormindo naquela noite? Por quê que naquela hora que aconteceu o acidente comigo, os cara ficaram que nem louco, entendeu? Me botaram lá na ambulância, me deram um copo de anador pra mim tomar pra mim...pra mim chegar em Corumbá, entendeu, com dor, do jeito que eu tava, todo arregaçado, inda fiquei no hospital num apareceu nenhum deles lá pra ver o que

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que aconteceu...eu com cinto de segurança, com tudo, capacete, bota, entendeu? Se não fosse os próprios amigo que tava ali naquela hora que me socorreram, que pularam lá embaixo pra me puxar, entendeu? Eu, eu, eu, eu achei que naquela hora devia...deveria existir, naquele movimento que tava tão acelerado, devia existir um técnico de segurança M: Você acha que a presença do técnico teria evitado o acidente? T: Com certeza! Porque ele tá ganhando pra aquilo ali, tá entendendo? Ele tá ganhando pra aquilo, ele tá olhando o local, porque o cara tá desolado no caminhão, ele tá vendo, tá entendendo, ele tá prestando atenção em tudinho no que tá mexendo na carreta, ele tá mexendo, ele tá prestado atenção em tudinho, o cabo, em tudinho, você tá entendendo? M: Entendi...e você era sindicalizado quando cê tava na empresa, Tales? T: Ah, nóis tinha um sindicato, né cara, mas o sindicato... M: Você era sindicalizado? T: Eu sô sindicalizado...só que esse sindicato nosso...metalúrgico...era mais empresa, tá entendendo? Ele era da empresa, tá entendendo? Era ele, tá entendendo? O que os cara fala ele... M: Mas você era trabalhador da...na época, você era trabalhador da siderurgia T: É, da siderurgia M: E você falou sindicato dos metalúrgicos por quê? Por quê não tinha o sindicato da siderurgia, ainda, na época? T: Não, não tinha, não existia M: Vocês tavam vinculados ao sindicato dos metalúrgicos...dos mineradores? T: É, dos mineradores... M: Tá, entendi...e esse sindicato que você era vinculado na época, promoveu alguma orientação, algum curso de prevenção de acidentes ou doenças do trabalho pra vocês? T: Nunca teve palestra sobre isso...nunca bateu palestra M: Nenhuma orientação, uma conversa? T: Nunca que ele chegou de ...entendeu? A gente tinha mais palestra de manhã, assim, quando saía na parte da manhã tinha uma palestra M: Da empresa né?

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T: É, dentro da empresa lá, o cara o conversava, explicava sobre segurança, alguma coisinha, entendeu, quando chamava você já saía com sono, o cara levava meia hora conversando com você lá. M: E...Tales...é...o sindicato ele prestou algum esclarecimento a respeito do direito que o trabalhador tem de quando ele se acidenta no serviço ele pode permanecer no emprego por pelo menos mais 12 meses, que é a chamada estabilidade? T: Cadê isso aí? Entendeu? Quando eu voltei pá retorná pra empresa, nem o sindicato, entendeu, se mobilizou...num deu uma força sequer...a própria moça do RH da empresa falou pra mim que a empresa não existia mais...que não tinha lugar pra mim trabalhar. Cadê os 12 meses pra eu receber, tá entendendo? ...Num tive como trabalhá, num recebi isso aí, fiquei na onça, não é mesmo? M: E depois do acidente o sindicato te prestou algum auxílio, alguma informação? T: Nunca, nada, nada, nada...nem sequer me procurou, entendeu? Pra saber quem que eu era, entendeu? M: Assistência ele também não te ofereceu...advogado? T: Não, nada, nada. M: O advogado que você entrou com a ação trabalhista você pagou honorários do seu bolso? T: Do meu bolso, do dinheiro que a empresa pagou, eu paguei o advogado M: E o sindicato não te procurou né, Tales, mas você foi atrás do sindicato depois do acidente? T:Eu num fui atrás do sindicato porque o sindicato ele num, nessa questão, ele vai falar assim...ah, meu filho, é aquela enrolação tá entendendo, se eu esperasse o sindicato fala assim "não vai não, não corre atrás do que é seu, espera que nós vamos resolver" ia demorar mais, tá entendendo? A minha situação ela... M: Então você não acreditava na participação do sindicato? T: Não, nunca acreditei...pagava mas nunca...entendeu? Nunca acreditei nele M: E você acha que o sindicato poderia ter uma...um outro tipo de atuação nesses casos ligados a acidentes e doenças, ser mais ativo? T: Muito M: De que forma?

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T: Eu achava que esse sindicato, ele devia valorizar mais o empregado, tá entendendo...devia tá participando, indo lá pra ver... M: E eles não iam na empresa? T: Num ia, nunca iam, nunca iam, entendeu? É sindicato só quando você procura aqui, cê tá entendendo? Quando você chega procurar o sindicato muita vez você nem acha o responsável, tá outro...tá entendendo...um assunto quando ele é grave, você tem que procurar o cara, entendeu, pra você chegar e conversar com ele M: E não tinha isso? T: Não tinha, tinha mais é funcionário atendendo...diz que é sindicato M: Tales, no seu acidente, quem socorreu quando aconteceu o acidente? T: Olha, foi o, foi os meus amigos do trabalho M: Colegas de trabalho? T: Quando eu cai, cara, tudo desceram correndo embaixo né? M: E você passou pelo médico da empresa? T: Não M: Não? T: É...Ah, não, eu passei por um médico deles aqui, mas o médico falou pra mim, sabe o que ele falou, puxa, você tem que aposentá, não tem condição, falou...não tem condição M: O médico da empresa disse isso? T: É, aí falei pra ele tá bom...pensei que ele ia passar o meu papel pros cara me aposentá, ficou naquele pra lá e pra cá...você sabe o que o médico fez? Só me olhou, examinou e foi embora M: O médico da empresa? T: É...escreveu e foi embora M: Falou que você tinha que se aposentar T: É...falou pra mim assim você tem que se aposentar...só escreveu assim no papel e foi embora M: Num pediu nenhum exame, nada, radiografia, nada?

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T: Não...nada...quem pediu foi esses daqui que eu tava aqui...esses médico particular que eu tava fazendo lá pra Campo Grande...Campo Grande pedia né, é chapa essas coisas, aí eu ía pra lá que os médico daqui mandava M: A empresa te prestou algum auxílio, assistência depois do acidente? T: Nada. Ela me jogou pro INSS, tá entendendo? M: Você não tinha um convênio médico? T: Tinha, nas ela cortou né? M: Depois do acidente ela cortou? T: Cortou M: Logo depois do acidente? T: Depois que eu saí do INSS, ela cortou M: Mas no tempo que você precisou se tratar por causa do acidente foi usando o convênio médico da empresa T: Convênio médico...é M: Foi...foi hospital particular que você foi tratado? T: Foi M: Aqui em Corumbá? T: É, pela Unimed, né? M: Pela Unimed. T: Pela Unimed, fiquei mais aqui no Samec né e em Campo Grande também M: Você ficou em tempo...depois do acidente você ficou um tempo aqui em Corumbá e foi removido pra Campo Grande? T: Não, eu já fui direito pra Campo Grande M: Ah, direto para Campo Grande T: Eu acidentei acho que foi num sábado, aí foi domingo, segunda-feira eu viajei pra Campo Grande, fui embora, porque eu tava com a perna já né...a perna... M: Sempre sendo atendido por médicos particulares pagos pelo convênio que a empresa oferecia?

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T: Ela nunca deixou de prestar, né? lá em Campo Grande...eles tava lá eles tavam bancando tudo né? Tudos exame, tudo assistência médica, eles nesse ponto eu não posso ter queixa deles M: Então depois do acidente você num passou por um posto de saúde nem por um hospital público...todo o seu tratamento foi particular T: Enquanto tinha o cartão M: Enquanto tinha o cartão...depois cortaram o seu cartão quando você… T: Recebi a alta médica M: Na alta médica cortaram o cartão? T: Cortaram o meu cartão aí já tinham dado baixa na minha carteira lá, entendeu? lá pro... M: E você precisou continuar o tratamento? T: Precisava M: Da alta? T: Precisei...tô precisando até hoje, só que eu tenho que arrancar do bolso...te que enfrentar fila, tem que entendeu? pedi o exame, tem que correr atrás... M: Você sabe o que é ou conhece o Cerest? Sabe o que é? T: Não M: Não sabe? T: Não sei M: Você acredita que o sistema de saúde em Corumbá está preparado para atender acidentes e doenças de trabalho? T: Não, acho que não M: Não? Por quê? T: Por que aqui é uma falta de médico, né? aqui é uma falta de assim de atendimento, você chega no caso...você...aquela parte de ortopedista bão, entendeu? Se você ....uma cirurgia hoje ela é cara, ela varia menos que seis mil, sete mil, entendeu, e que aqui a situação que é muito difícil, se você for correr num médico você vai ter que esperar o dia inteiro pra atender você, tá entendendo? Aqui num funciona assim não, porque você quiser uma consulta boa você tem que arrancar dinheiro do bolso

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M: Mas você acha que o sistema público aqui, com relação a acidentes não funciona porque é em Corumbá, qual que seria o problema pra ter médicos bons aqui, para atender essa parte de acidentes? T: Investimento né, cara? Investimento, porque médico bom aqui tá tudo na clínica particular, tá entendendo? É muito difícil achar um médico, se chegar a morrer aqui se você num tiver dinheiro para puxar um médico da clínica pra te atender você vão internar você lá e você vai tomar remédio e vai ficar até o médico chegar pra te atender...e se você...e se você chegar no...não ter mais condição, falecer, e aí? O médico vai chegar lá, vai olhar você e vai dar o papel...se você tem dinheiro aqui em Corumbá, você é atendido na hora, tá entendendo, por isso que é bom aqui um plano de saúde, você vai, entra lá e dá o médico tá lá, vai te atender. mas se você não tiver o plano de saúde você vai ficar na fila, tem muita gente na sua frente, entendeu? M: E o fato de corumbá ser muito de longe de campo grande contribui pra essa dificuldade? T: Muito, muito, se nóis tivesse pelo menos uma quantia de médica a altura que tem la, médico especializado, num precisava tá correndo daqui lá, tá entendendo? não precisava...a gente chega lá você tem dificuldade com estadia, tem dificuldade com comida, entendeu? tem que pagar e se a pessoa não tem dinheiro, pra você pegar um barraco pro cê ficar, vai comer como, você vai depender de quem lá se você não tem família...esse ônibus da prefeitura aqui ele vai só quando tem exame pra ir que ele vai...e no caso de uma saúde necessária? M: E o que você acha que poderia mudar pra ficar melhor? T: Aqui em Corumbá? Ah? tem que mudar muita coisa cara, o atendimento, entendeu? Parar com esse negócio de você vai num médico, ter que espera duas três semanas, entendeu? Mais agilidade...mais agilidade, médico pra…pra atendeu bem...pra num precisar tá correndo lá tá fazendo uma radiografia lá em Campo grande, num sei o que, uma cirurgia, entendeu? M: coisa que é básico. T: É...por isso que eu falo pra você médico bom aqui é tudo de clínica....se você tá morre aqui precisa duma cirurgia você correr na Samec tem que ter particular, vai te operar... M: Samec é o hospital particular? T: É...vai botar você lá num quarto particular, se vai pagar, se você tem dinheiro, você vai pagar, se você tem o cartão bom vão passar o seu cartão e você vai ficar lá, você vai ser bem cuidado, agora se você for pro hospital, você vai ficar lá jogado… M: No caso do seu acidente, você passou pelo Samec, mas nem o Samec deu conta de resolver o seu problema? Teve que ir pra Campo Grande?

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T: É...tive que ir pra Campo Grande, entendeu? M: Mesmo sendo lugar bom não deu conta? T: Eu tive em Campo Grande na Santa Casa os médico me desenganaram pô ninguém queria me operar, fiquei lá jogado lá, tomando injeção, emagreci, num comia, tava em depressão, chegô um dia que eu peguei o bandeco voei no meio da parede…mas num vou comê mais, eu quero…entendeu…eu quero operar…minha perna dessa grossura pô, o médico...chamei o médico, o médico falou assim já tá vindo outro médico vai levar você lá pra Três Lagoas para operar lá na saída pra Três Lagoas levou pra outro hospital chegou lá o médico olhou me examinou falou “vou operar você amanhã”...já caí na mesa de operação, operei, entendeu…pelo plano de saúde da empresa, tá entendendo? M: Entendi. E sobre a ques...a atuação da Justiça...é...Tales, que também é um dos objetivos do meu trabalho né, em que momento você resolveu ir pra Justiça do Trabalho por causa do seu acidente? T: Porque a empresa ela me deixou numa situação muito precária, entendeu, não me deu assistência, entendeu, não foi procurar saber como que eu tava entendeu, não quis me dar uma força, tá entendendo, eu fui atrás dos meus direito, tá entendendo? M: Mas a empresa não tava pagando o...convenio médico pra você? T: Tava pagando convenio médico, depois que eu saí ela me largou de mão entendeu? M: Depois que você saiu do hospital, que você percebeu que foi abandonado pela empresa? T: Claro, claro, com certeza...mandaram eu procurar os meus direitos, entendeu...mandaram procurar meus direito...que ela só ía me pagar o que eu tinha direito, da rescisão do trabalho e ai eu falei pô, eu tô endividado pô, tô com conta, tenho tanta coisa que...”não nós não podemos fazer nada por você”…corri atrás. M: E você pensa que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz? T: Olha, eu foi julgado... M: Foi analisado? T: Foi, foi, foi julgado, foi passado pela mão de muitos perito entendeu...foi uma fase que eu vi que eu fui merecido. M: Você entende que a justiça foi feita no seu caso? T: Foi, foi, ela agiu no direito…entendeu…no direito deles, não tem nada contra eles...foi...foi resolvido, foi, foi julgado quatro anos nessa…

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M: O resultado foi o que você esperava...do processo? T: Olha, eu…pra mim foi cara, entendeu…pra mim foi, eu num tenho queixa disso aí não M: Você ficou satisfeito então com a atuação da justiça? T: É, deu pra mim amenizar a minha situação né...eu acho que em vista em vista do que a empresa pagou pra muita gente, isso pra eles num foi, entendeu...foi um café qualquer entendeu? M: Mas apesar de ter sido um café qualquer você entende que o seu caso foi julgado de uma forma justa? T: Claro, com certeza, com certeza...não foi assim como eu chegar, querer entrar e tomar da empresa entendeu não até hoje eu tô sofrendo com as consequências, tá entendendo, com a dor, com tudo, nem isso ai recopera o que eu passei entendeu, que eu estou passando ainda M: O fato de você ter recebido uma indenização é...não te retira a dor que você teve com o acidente T: Não tira de jeito nenhum, de jeito nenhum, nem a… M: Se você voltasse a trabalhar e sofresse um acidente de novo e percebesse que o seu direito não foi respeito você entraria com uma ação novamente Tales? T: Não. Agora num mexo mais com isso entendeu, agora não, já eu já tô...entendeu...não fazeria isso de novo entendeu M: Por quê não? T: Porque eu eu já tô com 51 anos, tá entendendo, e eu voltar trabalhar agora vou fazer o que com essa perna? M: Sim T: Eu num posso trabalhar, eu num posso mais fazer o serviço que eu fazia você entendeu? M: Entendi…então tá Tales, a gente tá encaminhando pro final da entrevista, você queria dizer alguma coisa adicional, pra gente encerrar? T: Olha eu vou falar a verdade pra você, gostei da sua entrevista, uma entrevista muita séria entendeu, muito explicada, então, só espero que né você teja bom proveito dessa entrevista ai entendeu que ela foi com clareza e foi com muita sinceridade, só isso. M: Então tá, obrigado!

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APÊNDICE B – Entrevista de Pitágoras M: Entrevista com Pitágoras. M: Pitágoras, qual é a sua idade atual? P: 42 M: E o seu estado civil? P: Casado M: Casado? M: Exerce alguma profissão atualmente? P: Não, aposentado. M: Aposentado? P: Por invalidez. M: Por invalidez? M: E sua escolaridade, qual é? P: Segundo grau completo e curso técnico formado M: Qual o curso técnico? P: Mecânico. M: Mecânico? P: Industrial. M: Em qual instituição? P: Senai. M: Senai? M: Eu vou fazer primeiro as perguntas sobre condições de trabalho e organização de trabalho na empresa em que você se acidentou, certo? M: Que função e atividade você fazia diariamente na empresa antes do acidente? P: Eu comecei como…é…auxiliar...é...carregamento...serviços gerais, né, só que na carteira, só que lá me jogaram como na área de carregamento.

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M: Carregamento de....? P: Carregamento de ...de ...todas as matérias primas pra fazer o gusa, né? M: Carvão… P: A gente só ficava cuidando…é carvão, minério, a brita e os outros…os outros elementos químicos pra fazer o gusa...então a gente…ficava três, eu e mais dois em cada setor, porque era grande...para observar as correias e desentupir os silos de carvão que lá...é...obstruía direto os silos, os bicos, então tinha que ficar com ferro cutucando pra desentupir, né M: Certo. P: E quando estragava alguma correia lá a gente..é...passava rádio pros mecânicos. M: Entendi...então era registrado como serviços gerais. P: Gerais. M: Mas fazia o descarregamento de..de minério, de carvão? P: De carvão. M: Fundentes, pra abastecer o alto-forno? P: A gente só cuidava né cuidava, porque o minério era caído lá onde eu trabalhava, no setor, mas...no meu caso eu cuidava do carvão, aí cuidava de todas as matérias primas, carvão, minério, pedra brita, quartzo… M: Certo. M: E você percebia algum...algum risco pra sua saúde nessas atividades? P: Olha, primeiro risco que eu olhei lá foi que a primeira coisa que eu vi, que eu até comuniquei lá um supervisor que...num me lembro o nome dele...é...que lá não tinha aquela corda de...acionamento...porque lá o...a passarela que a gente tinha que andar de um lado pro outro olhando lá os roletes, olhando as correias, era...era de 50 cm, quer dizer, era muito pouco, você ficava próximo ao rolete, você sabe que um rolete é perigoso, então a primeira coisa quando eu...eu vi ali foi que ali não tinha é corda de acionamento...você sabe qual que é? M: Essa corda...qual era a utilidade dela? P: Que se Deus o livre de acontecer qualquer...seu braço enrosca ali ou sua roupa ali...sua roupa enrosca no rolete você puxa, você consegue puxar com o outro braço a corda, ela...ela aciona lá no supervisor...

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M: Hã, entendi...é uma forma de manter a segurança do trabalhador que tá sobre a passarela? P: É "previsão, previsão" de acidentes...aí eu comuniquei um...um...um supervisor no me lembro o nome dele não sei é Arildo, mais ou menos isso assim, um gordinho, ele falou “rapaz é memo, você falou uma coisa que até eu que trabalho já tô aposentado num percebi isso”...aí passei na época...passei pra uma segurança do trabalho tamém não me lembro o nome dela tamém...aí ela falou “com o tempo vai...com o tempo a empresa vai fazer isso”...mas uma empresa com uma potência dessa já é pra tá...falei que Deus o livre, principalmente a noite, uma pessoa que tá com sono, sei lá, tem gente que gosta de...de farrear...que nem que...toda pessoa tem uma saúde diferente da outra, então uma pessoa que Deus o livre desmaia, vai se enroscar nesse rolete e vai morrer... M: hum hum. P: E não deu outra...se vê que que aconteceu co...eu não sei se é (omitido por sigilo) que é o nome dele, quase morreu lá, por quê? Porque se tivesse essa...essa cordinha lá do...do...de acionamento...eu não me lembro é, acho que é corda de acionamento que fala, mas é uma corda que qualquer coisinha você pega e já trava na hora, as correias trava na hora. M: hum hum e evita o acidente mais grave? P: Evita o acidente...eu to falando porque eu fiz o curso né...não só dois anos, mas fiz mais dois anos no Senai e aprendi tudo isso aí M: Hum hum...e além desse risco, você percebia algum outro, por exemplo, você fazia movimentação desses materiais, você carregava peso? P: Ah, peso, então, nós ficamos três meses nesse...nesse...nessa área né, só que só ali observando, tipo, tipo espião, observando ali qualquer coisinha ali, inclusive voltando ao assunto, teve um um rapaz que...é...mora em Corumbá, não sei o nome dele, ele caiu, ele caiu duma passarela dessa...era outra coisa errada que fizeram lá, porque ali foi feito nas pressa ali, né...e...e de um lado não tinha escada, foi que ele caiu lá e machucou o joelho, mas graças a Deus não foi coisa grave M: Sei. P: Então, aí eu fiquei...é...nós ficamo três meses num...nesse serviço, aí que que aconteceu? quando o lá na...quando lá onde no forno onde é furava o forno pra escorrer o gusa, que é o ferro em líquido né, antes saía o gusa e mais as...mais as escórias...tinha duas rodas, só que a velocidade dessa roda era incompatível com o fluxo...com o fluxo de ...do gusa...e que que acontecia? é...caía muito...muito...muito ferro líquido no chão e...e formava aqueles pedaço de...pedaço...pedaço grande de ferro...aí o pessoal separava tudo numa máquina lá...é...biboquete...eu sei que depois de um tempo...o supervisor chamou nós é nós três lá do carregamento pra...pra fazer esse serviço...pra reutilizar aquele aquele

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aquele gusa perdido que é ferro liquido que caiu no chão, pra gente jogar na correia pra reutilizar na...eu falei supervisor, esse serviço ele vai acabar com a coluna de todo mundo...ainda falei pra ele...ele falou “mas por quê?”...eu falei ó o tamanho desses ferro gusa...falei outra que aqui nem cinto a gente usa, falei a pessoa pra pegar um...trabalhar no serviço pesado tem que ter um colete...aí ele ainda falou respondeu pra mim...ele falou: “ó, você vai com calma porque a gaveta tá cheio de currículo”...em outras palavras, você sabe o que ele quis dizer...então a gente como disse a gente quando tem família, tem filho, a gente tem que se virar né, eu peguei e fiquei quieto...aí começou os três turnos começaram jogando, só tinha cara esperto, tinha cara que pegava aqueles pedacinho...tinha turno que pegava só...escolhia os pedaços mais pequenos, mas mesmo assim era pesado porque a gente colocava na lata e subia mais ou menos uns 15 degraus pra jogar na correia pra correia. M: Pesava quanto mais ou menos, tem noção? P: De 60, 50, 60 quilos, mais o ruim não é isso…o ruim é que você tinha que subir escada. M: Com o peso? P: Com o peso…aí tinha gusa que pesava, que era grande, tinha que pegar eu e mais outro...aí tinha gusa que pesava o que, vamo coloca aí 100 quilo, e a gente tinha que fazer isso porque o supervisor toda hora tava lá, e ele queria ver aquele monte sumindo...ele falava: “ó pessoal”...teve dia que ele chegou e falou: “ó, o seguinte…o monte não tá sumindo...todo turno pegando aqui tá a mema coisa”...aí eu peguei e falei pra ele “mas o senhor tem que ver que são três turnos, se num tá sumindo é sinal que os dois turnos não tão mexendo com isso aqui”...aí ele falou...ele fez:...”soca o pau, soca pau, vamo sumir com essas coisas aí”...aí...aí subia lá 15 degraus jogava aquele…e era perigoso porque as vezes o...o ferro devido a muito grande é tinha ferro que era meio boleado ele voltava, isso aí era um perigo, ele via isso, eu falava pra esse supervisor...”isso é um perigo, isso é um perigo esse ferro voltar e cair na gente”…”não, não volta, não cai não”...e que mais? aí... M: O senhor usava equipamento de proteção individual? P: Não, era assim, lá a única coisa que dava era uma luva e ...uma luva e... a máscara era…como é que eu posso falar, você tinha que usar uma máscara um mês... M: Máscara de respirar? P: É aquela máscara lá descartável, máscara que você usa praticamente em casa… M: Num trocava todos os dias?

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P: Não...ali era uns...você era pra trocar..”não você já pegou não sei quantas...você tem que usar tantos dias aí”… M: tinha protetor de ouvido? P: Tinha aqueles protetor que eles dava que enfiava no ouvido assim...era...e aquilo também era um perigo também pra dar doença, depois que...depois que inventaram aqueles capacete com...com...aquele abafador já no capacete, aí já deu uma melhorada um pouquinho...aí outra coisa que inventaram lá foi quando o forno entupia chamava nós, sempre e sempre serviço pesado era só pra nós...outro dia eu até me aborreci eu falei pro supervisor “tô virando burro de carga agora?”…que era para subir com cilindro de oxigênio que pesa 110 quilos....isso aí eu sei porque eu como mecânico né...você sabe tudo isso aí...eu falei “supervisor isso pesa 110 quilos”, falei “você vai estourar tudinho nós, já basta o serviço de doido que nós tamo fazendo lá”e ele não gostava muito de mim porque eu falava mesmo… M: Hum hum...e você trabalhava em horas extras? P: Ala, foi outra coisa que eu dei sangue...é por isso...é isso que é a minha raiva, por isso que eu falo, ó a gente trabalhava, tinha vez que a gente trabalhava quantas vezes que a gente trabalhava 12 hora… M: 12 horas? P: 12 horas...aí beleza, de 12 pulou pra 8...aí o que acontecia? Você trabalhava a noite lá na...fazendo aquele serviço de burro lá jogando o gusa de volta lá pra reaproveitar e chegava de manhã você tava...tava morto...tava cansado memo…você só pensava em cama...aí as vezes faltava o fulano de tal…ah! “Pitágoras, você fica?”…”ah, supervisor não dá…não”… “ó, ou você fica ou vou ter que colocar outro”, sempre ameaçando né?... M: Ameaçando de… P: De mandar embora… M: Hum hum... P: E cê sabe que é triste você vê um filho pedindo “ô pai me, me dá um…compra um pão pra mim, um leite”… M: E você… P: E nós trabalhava a noite, mas ficamo vários tempo subindo com cilindro de oxigênio...é aquelas, aquela escada até lá no primeiro piso da aonde ficava o forno. Então...era ruim de subir de dois né, então a gente tinha que se virar, a gente jogava o cilindro no ombro e ia embora, só que aquilo ali acabava com a gente. M: A minha pergunta próxima tem a ver com isso…o trabalho que você realizava quando ocorreu o acidente ou a doença exigia rapidez ou esforço físico?

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P: Os dois. M: Os dois? P: E outra coisa: é ali onde tinha plataforma eu me lembro bem, tinha plataforma que a tinha uma plataforma muito grande lá que que descia minério, descia brita, descia o quartzo...e descia o outro tipo de material que eu não me lembro na memória...então caía muito lá debaixo...então todo o final de turno era sempre nós, você tinha que ir lá de baixo, não tinha como você ficar de pé lá, você tinha que trabalhar abaixado, pegava uma enxada, puxava aquilo ali, você ficava assim tipo 90 graus, e o pior não era isso, o pior é que você tinha que vim com carrinho assim...inda falava pros cara “rapaz, essa firma aqui tá certo, ela tá pagando bem, mas nós vamos sair tudo morto daqui”. M: E, Pitágoras, você foi treinado pro trabalho para o trabalho para o qual você foi contratado? Você recebeu algum treinamento antes de começar o trabalho na empresa? P: Treinamento que eu me lembro nóis tivemos uns...uns treinamento rápido ali no...ali na antiga Seleta, lá na empresa que eu me lembre num... M: Rápido. O que você fala rápido? P: Foi umas provinha lá, eles falaram...mas não foi tipo...tem empresa que você fica duas semana...tem empresa que você fica uma semana, duas semana, falando todos os detalhes...”ó você tem que faze...você não faz isso…vc tem que fazer isso”… M: Isso não aconteceu nessa empresa? P: Lá não...lá foi tudo na doidice. M: Doidice é chegar e já trabalhar? P: É. Outra coisa que eu vi que não tinha...elevador...rapaz o dono duma empresa dessa que tem dinheiro não tenho nada que ver com a vida dele...eu acredito que o coitado nem disso sabe...mas ele...ele…o cara coloca um engenheiro pra fazer uma coisa dessa o cara deve ter alguma coisa na cabeça...como que você vai fazer um forno de...de…não sei se era 15 metro, num me lembro quantos metro que tinha, eu sei que era grande, que não tem elevador...vai na Itaú você vai ver, na Itaú ali é tudo direitinho as coisas lá, lá você não pega peso, lá não tem nada disso não, lá tem elevador, lá tem tudo, tem guincho… M: E como que era sua chefia, o Pitágoras? Tinha pressão por produção? P: Tinha lá. M: Metas, outras formas de cobrança?

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P: Tinha, lá era só na...no cacete mesmo. M: Como cacete? P: “Vamo produzir, vamo produzir”… e quando é...o forno parava lá ninguém ficava parado não, “vamo limpá, vamo”...falei puxa nem isso a gente... M: Então tinha essa cobrança excessiva… P: Tinha cobrança… M: Você achava que era excessiva? P: Era excessiva demais. M: Eles eram muito duros? P: Muito duros e outra coisa quando faltava olha só quando falta gente lá do descarregamento de carvão, era outro serviço doido lá inclusive nem sei se morreu, teve um cara que acho que quebrou a perna, nem sei onde como que ele tá hoje, um moreninho… M: Eu entrevistei ele hoje, o Tales. P: Ele tá encostado ainda? M: Sim. P: Então, colocava nois lá pra fazer aquilo e nem treinamento nós tivemos...colocava nóis lá… quantas e quantas vezes eu fui pra lá… M: Deslocado pra outra função? P: É...e não adiantava você falar “supervisor”...ele não queria nem saber...num queria nem saber. M: Tinha que fazer? P: Cê tinha que fazer. M: E no período, no tempo que você trabalhou lá Pitágoras, você presenciou alguma fiscalização por parte dos fiscais do trabalho? P: Que eu me lembre não. M: Não?

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M: É...esse problema de saúde que você teve na empresa, foi o primeiro ou você já tinha tido outros problemas de saúde antes? P: Não...não…que eu me lembro começou em 2008...eu me lembro até o dia, porque esses dias aí eu tava ó, porque eu até hoje tenho tratamento médico né...inclusive eu, eu tô até proibido de tirar raio x, ressonância e tomografia porque… M: Tirou muito? P: Eu tô com a sacola que tá cheia, ainda ontem eu tava olhando que eu tô, tá vindo a caravana da saúde aí eu tô tentado fazer uma cirurgia no nariz, como eu tô falando a minha respiração é pouca, aí…aí eu vi o primeiro exame que eu fiz foi dia 15 de outubro que eu até faltei na empresa...a minha perna tava começando a doer mas eu achava que era perna, ai eu fiquei afastado três dias, quando voltei pra lá o supervisor já começou a me falar as coisas pra mim, que eu tava faltando...”supervisor não é isso não, o negócio é a minha perna começou a doer e eu não aguentei a andar”, aí eu comecei de novo naquele serviço doido lá de pegar peso, ai teve um dia que eu senti minha perna formigar, eu falei pra ele é, chamava (omitido por sigilo), supervisor (omitido por sigilo), “supervisor (omitido por sigilo) é o seguinte a minha perna tá doendo muito, tá formigando”, ai ele falou, “então para aí vai lá na… aproveita que o doutor taí, vai lá pra ele te dar remédio”. Era o Dr. (omitido por sigilo). Isso aí acho que foi num me lembro se foi na terça ou quarta, não me lembro, aí eu fui ele me deu injeção, deu uma melhorada, achei que ia ficar lá descansando, voltei, mandou de novo lá pro serviço. M: Só deu remédio e mandou voltar? P: Não, ele deu uma injeção. M: Pra dor? P: É, pra dor, não sei que injeção que era, ai no outro dia de novo a perna começou doer, aquilo foi doendo doendo chegou num ponto que eu não aguentei mais andar, num aguentei mais andar, o que que aconteceu, eu já não tava mais pra nada, eu fiquei 7 dias, acho que foi 7 dias assim no chão, aí o…os pessoal lá de casa que tinha que me levar pro banheiro pra mim fazer necessidade fisiológica tudo, aí meu cunhado conseguiu me pegar me levar lá no Dr. (omitido por sigilo), assim mesmo quando cheguei lá no Dr. (omitido por sigilo) abriu pra mim entrar que eu entrei lá já cai no chão, não aguentava nem ficar sentado, ai o Dr. (omitido por sigilo) falou: “ah, eu já sei o que que é isso com você”, mas ele não falou nada...eu falei “o que é dotor?”…ele falou: “você vai saber”. Isso foi numa, acho que foi numa quinta-feira, aí ligeirinho ele deu encaminhamento pra mim fazer...é...como fala...é...que entra dentro do tubo lá? M: Tomografia? P: Não, é…

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M: Ressonância? P: Ressonância...eu falei: “doutor…mas eu vou sozinho? Num tô nem aguentando andar, como que eu vou ir?”...”bom você se vira”, falou assim, “dá seus pulos, vê lá com a empresa, sua empresa tem que se virar”. Poxa, aí beleza, e peguei lá o encaminhamento e pra mim ir lá na siderurgia lá pedir…lá mesmo eu telefonei lá na siderurgia, o escritório era lá, acho que era lá, se não me engano...aí mandaram ir lá...lá vai eu carregado lá no ponto pra pegar o ônibus e a gozação dos pessoal gozando comigo...”isso é frescura, não sei o quê”…e eu fazendo força ali pra… M: Pessoa que você fala são seus colegas? P: Meus colegas…aí beleza, me deram as duas passagem aí meu cunhado um dia me levou lá na Andorinha pra mim pegar o ônibus e…o…e…a primeira coisa que eu pensava nos pulicia, se os pulicia mandarem eu sair, como eu vou sair dessa banco aqui, aí peguei o banco fui ajeitando devargarzinho, fiquei na posição assim mais ou menos assim, eu falei “bom daqui eu não vou mexer pra nada”, e eu pensado se tiver uma barreira e os pulicia mandar eu descer eu não vou descer não, como é que eu vou descer daqui…daí beleza, graças a Deus não teve...era de noite…chegou lá em Campo Grande esperei todo mundo descer, ai fiz força, fiz força, aí pedi auxilio prum senhor lá, e ele ajudou eu descer, aí eu sai pulando com uma perna, também não aguentei muito, aí ainda bem que tinha na época a rodoviária velha, aí chamei um taxi lá. M: Era mais no centro né? P: É, ai chamei um táxi lá, só dei sinal com a mão, aí ele ajudou também, pegou no ombro me ajudou ele falou “o que que foi?”…o meu joelho, eu achava que era o joelho, a perna, aí me levou, me ajudou descer...aí paguei com o meu próprio dinheiro, peguei o número dele de volta, aí ligeirinho eu fiz, num demorou muito...eu não me lembro se foi na Cemed, acho que foi na Cemed parece...Cemed M: Pitágoras, que tipo de consequência esse problema de saúde que você teve lá na empresa, trouxe pra sua vida profissional, você chegou a ser demitido? P: Não. M: Não? da Empresa? P: Então, é isso que eu tô falando, aí eu conversei com o supervisor, falei, eu chamei ele em particular né…fa…ele chamava (omitido por sigilo), “como é que vai ficar aí?…vou querer um documento aí porque eu…eu fiz um exame aí que deu uma porrada de coisa na minha coluna, eu falei pro senhor, deu hérnia de disco, mexeu até com o nervo”. Eu tenho que ficar, até hoje eu tenho que tomar remedo controlado aí, mexeu com várias coisas da coluna, ele bateu no meu ombro e falou “é o seguinte vamo fazer um acordo...ô…a empresa não vai mandar você embora, confia ni mim”, porque ele sabe, ele sabe se eu pegasse um cat, você vê, por isso que eu falo, burro velho que eu sô por quê que eu num corri atrás disso antes, fui na onda dele…

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M: Não teve cat no seu caso? P: Não teve...ele falou…ele falou “num precisa você pegar documento que a empresa não vai mandar voce embora, pode confiar ni mim, porque você tá com laudo aí que você tá doente, você se acidentou aqui”...eu falei “mas não tá como acidente porque vai ficar”…falei “como vai colocar acidente se não tem nada comprovando?”...ele falou “não, não precisa você dar parte de nada não”, quer dizer, ele ficou com medo né, porque acho que ele falou “o quê? vai pegar pro meu lado também”, porque o segurança, no mínimo, ia fazer um monte de pergunta lá, ía sobrar pra ele, ai eu confiei nele né, ele falou o seguinte: “vou deixar você num…lá onde mexe com tinta”, onde mexia com teor de carvão, ele falou “você vai ficar só aí, o cara vai ensinar você”… M: No laboratório? P: Isso, inclusive a crise já tava começando nessa época né, a crise de 2009, aí eu ficava na marra ali, tinha dia que eu nem ia trabalhar, eu ligava pra ele e falava “ó, supervisor, o seguinte, num tô em condição não”...”não tá bom, você traz só o…como é que fala?...o M: O atestado? P: O atestado...aí saiu esses curso aí né...ai fui no médico, o médico falou “bom Pitágoras é o seguinte, eu não vou encostar você porque vocês num tão trabalhando”...eu falei “mas, mas vai ter um curso que a gente vai ter que participar”, eu falei “eu não sei se eu vou aguentar”...ele falou “quantas horas que é?”... eu falei…eu falei “deve ser umas três horas mais ou menos”...aí o Dr. (omitido por sigilo) falou “bom, então você faz esses curso aí que vai ser bom pra você, vai continuar o tratamento, depois vamo ver o que vai acontecer aí”...aí peguei, ainda bem que o curso era ligeiro, era ligeirinho os curso lá na ...no...num prejudicou minha saúde. M: E o acidente te trouxe algum problema familiar, emocional ou econômico? P: Trouxe tudo isso aí... M: E que tipo de problema familiar, Pitágoras? P: Familiar porque eu já não era o mesmo né...quando você é uma pessoa 100%, digamos 100% entre aspas né...você tá tudo beleza, mas você começou cair...cair a sua pro...produtividade, seja na família ou qualquer lugar, você já não vai mais prestar né? M: Emocionalmente você precisou tomar algum medicamento? P: Até hoje eu tô tomando isso ai. M: Você teve qual problema emocional?

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P: Eu fiquei...eu fiquei com depressão por causa que aqui em casa...ficava pensando puxa eu estudei tanto e peguei dinheiro do meu bolso pra pagar o Senai aí...fui assaltado três, três vezes assaltado…atiraram…chegaram até atirar ni mim aí...pra mim ver hoje em dia esse diploma aí...certificado aí dependurado à toa aí, por que o que eu pensava né era fazer…terminar, como eu já tinha terminado, fazer uma faculdade né, sei lá, engenharia mecânica lá pra Campo Grande porque aqui não tem...só que isso aí interrompeu tudo. M: E problema econômico P: O problema econômico lascou tudo, aí já não era mais aquelas coisa que a gente…que a gente tinha antes né? M: Diminui sua…sua renda? P: Diminuiu muito, caiu…posso falar três vezes mais. M: E como que você enfrentou ou ainda tá enfrentando essas dificuldades? P: Eu tô empurrando com a barriga aí, a primeira coisa é fé em Deus né, fé em Deus. M: Você mantém algum contato, relacionamento com ex-colegas de trabalho? P: Num vi mais ninguém, quase também…num vou exagerá não, quase 700 pessoas lá, você vê, Corumbá e Ladário num é grande, mas você não vê ninguém, eu tô falando isso daí é que você entrevistou ele, Heráclito...como é o nome mesmo? M: Heráclito P: É, então, porque ele mora ali perto, ele…é muito difícil, eu vê ele. M: Mesmo morando perto vocês não têm contato? P: Não, não, não vi mais ninguém M: e passado algum tempo desde o acidente né, já faz alguns anos, você consegue perceber como e por quê você teve esse problema de saúde? P: Então, como eu disse pra você, até quanto eu entrei na (OMITIDO POR SIGILO) eu não tinha nada, olha eu…eu sempre fazia minhas caminhada, eu nunca fui de abusar…negócio de exercício físico, eu gostava de fazer minhas caminhada todo dia, hoje em dia nem isso eu faço, e tô só criando barriga aí...interrompeu isso, aí então…depois que…que eu…eu…aconteceu esse negócio lá, porque antes eu nunca tinha sentido nada, como eu já tinha falado pra você. M: Então você relaciona isso mesmo ao seu trabalho, não a uma outra…

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P: Outra coisa foi o negócio da respiração, que eu não tinha, não tinha isso, cada vez tá piorando mais, eu não tinha falta de ar e lá você, lá tinha aquele pó de ferro, aquele pó de ferro ele acaba memo com...você chegou a ver a chuva de pó de ferro? você vê… M: Você chegou a ser diagnosticado com silicose ou não? P: Não, não fizeram exame disso ai ni mim não...e eu sei que pra entrar na empresa nos fizemo tanto exame que foi duas se…foi quinze dia de exame...foi tanto exame que até eu fiquei bobo…falei “puxa!”, falei “a empresa…é sinal que a empresa…” M: se preocupa? P: É, mas quando chegou lá que eu vi lá falei “ah! não é nada disso não, o exame é bem feito, mas pelo que eu tô vendo aqui tá tudo diferente”. M: E você era sindicalizado durante o tempo que você era empregado da empresa? P: Não, não, que eu me lembre não. M: Por quê, por quê você não era, Pitágoras? P: Porque nunca falaram nada pra mim de…de sindicato. M: É? P: Eu participava assim de…da…como é que fala…da…da convenção que eu tinha né…quer dizer só teve um ano e ali só durou dois anos. M: E o sindicato da sua categoria na época, cê lembra qual era? P: Num me lembro, só sei que ficava ali na rua 7 de setembro o sindicato M: Você lembra o nome do presidente? P: Era um baixinho que chamava…puxa! M: (omitido por sigilo)? P: Não, não, (omitido por sigilo) é da mineração...chamava não sei se era (omitido por sigilo) parece, não me lembro não...eu acho que nem daqui ele era...era um baixinho M: Sei...e esse sindicato ele promoveu alguma orientação a respeito de prevenção de acidentes, doenças do trabalho, curso, palestra pra vocês, quando vocês trabalharam lá na (OMITIDO POR SIGILO)? P: Nada, rapaz, ali de vez em quando que eles passava algumas coisas ali

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M: Quem, o sindicato? P: Não, a empresa. M: Tô perguntando do sindicato. P: O sindicato não. M: Não?...É…depois que você adoeceu, o sindicato prestou algum esclarecimento a respeito do direito que o trabalhador doente ou acidentado tem de permanecer no emprego por pelo menos 12 meses, que é a estabilidade? P: Não, eu fui lá, quando eu recebi a carta de demissão que eu fiquei desesperado falei “poxa, e agora?”…na verdade eu ainda tava ruim ainda...eu primeiro fui no advogado ele falou “ó, vai lá no sindicato”…fui lá no sindicato tava lá o baixinho, acho que era (omitido por sigilo) o nome dele, era não, é, (omitido por sigilo), e…e tinha aquela outra morenona lá, não sei se era (omitido por sigilo) que era o nome dela, aí eu conversei com ela, aí eu…eu me lembro bem que a (omitido por sigilo) ainda falou “é onte é, ontem ou anteonte nós tivemo uma reunião com o Dr. (omitido por sigilo) a seu respeito”...mas só que na hora aquilo ali voou só que como eu num...ficou guardado na mente depois…que depois caiu a ficha, eu falei “ah! acho que o Dr. (omitido por sigilo) falou daquilo ali que do negócio lá do que eu fui que eu fui lá na... no escritório dele”, porque primeiro eu fui lá conversar com ele depois que eu fui no sindicato M: Mas sobre a estabilidade o sindicato explicou como é que funcionava? P: Não falou nada não…falava que não dava pra fazer nada, que não podia, é…era só (omitido por sigilo), mas eu falei já fui no (omitido por sigilo) lá e o (omitido por sigilo) quer me segurar e já até assinei…”bom se você já assinou não podemo fazer nada...a única coisa que a gente pode fazer é”...e outra coisa que fizeram errado...depositaram primeiro, antes, antes de acertar com nós...é depositaram nosso acerto na conta depois que acertaram… M: No sindicato? P: Tudo errado isso ai M: Então o sindicato não te prestou nenhum auxílio ou informação? P: Nada...todo mundo virou as costas pra mim! M: E você acha que o sindicato poderia ter atuado de outra forma nessa questão…da sua doença? P: Eu conversei com a (omitido por sigilo)…eu conversei com a (omitido por sigilo)…a (omitido por sigilo)...como uma mulher eu acredito num se intera muito disso mas pelo menos o (omitido por sigilo), acho que é (omitido por sigilo), ele como já é uma pessoa mais experiente podia falar “não, Pitágoras, você tem

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direito”...porque, ó, eu corri, eu corri atrás do supervisor… “ah! mais você ficar...não vai mandar você embora não o quê”…sei o que depois que eu recebi a carta lá de demissão não vi mais ninguém...fui no advogado, o advogado foi até de boa comigo, falou…mostrei as papelada pra ele “ah! realmente você…ele falou “num vô nem assina nada, você vai lá no (omitido por sigilo)”...fui no (omitido por sigilo), o (omitido por sigilo), aí que o (omitido por sigilo) falou aquele negócio pra mim voltei no sindicato lá… M: Esse advogado que você procurou… P: Dr. (omitido por sigilo). M: Dr. (omitido por sigilo), mas ele foi indicação do sindicato ou você que foi procurar por conta própria? P: Não, eu procurei por conta própria. M: O sindicato não te ofereceu nenhuma orientação? P: Não, não falou nada não…que nada…se pudesse bater mais ni mim ali ainda batia… M: E quem te socorreu quando você adoeceu? Quem te prestou auxílio quando você começou a sentir as primeiras dores, passou mal na empresa? Foram os próprios colegas? P: Então...como eu tô falando a dor começou aos poucos né, a perna foi formigando e o refeitório ficava longe da...da...lá da onde a gente trabalhava e pra mim poder almoçar lá era um custo, eu tinha andar um pouco e parar um pouco e vai zoação comigo...esses ficava falando que aquilo lá era tudo invenção minha… M: Frescura… P: É...só que nunca pedi ajuda pra ninguém porque o…o pessoal tava me vendo ali...tava...como eu tô falando eu fiz o possível né, quando eu vi que num aguentei mais já tava em casa...que eu ia…fui levantar pra…pra tomar banho, pra ir pro trabalho já não mais sentia mais a minha perna...que eu fiz eu cai no chão aí tentei levantar e não consegui, aí já....ainda aconteceu isso comigo, aí que eu fiquei sete dias de…de… M: De atestado? P: É na verdade eu num procurei médico, como eu ia procurar médico deitado? M: E você passou pelo médico da empresa? P: Eu passei, fiquei uma semana, mas isso é só injeção, injeção, injeção… M: E ele falava o quê do seu problema?

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P: Então, foi ele que mandou, ele que deu a ordem...ele falou o seguinte “vai lá no Dr. (omitido por sigilo), fala pra ele fazer isso”...eu falei “não, o Dr. Sando já passou isso aí mesmo...eu nem sabia o que era ressonância…O Dr. (omitido por sigilo), ele falou “porque pô você tá com uma semana tomando injeção aqui e não sara e pelo que eu tô vendo deve ser”...ele falou é…”deve ser alguma hérnia de disco que você tem”...eu nem sabia o que era hérnia de disco, num sabia o que era ressonância… M: E só pra ficar bem claro, Pitágoras, o médico da empresa ele te atendeu, ele te aplicou as injeções, ele pediu ressonância, mas na hora de mandar embora ele disse que você tava apto pra ser demitido? P: Tava apto, ainda me mandou tomá no cu, me chamou de burro, aquilo ali foi…foi uma das piores ofensas que eu, que eu, que acho que doeu mais do que a dor que eu tava sentindo na coluna. M: Hum hum…e pra ficar bem claro, a empresa prestou algum tipo de auxílio, assistência, após a sua doença? P: Quê? Prestou nada… M: Nenhuma? P: Nenhuma. M: Você foi encaminhado pra onde após essa…essa doença? Você foi encaminhado pro hospital público, hospital particular, você passou por um posto de saúde? P: Não, eu, como eu já tava com o Dr. (omitido por sigilo) eu fiquei com ele… M: Dr. (omitido por sigilo) é médico particular? P: É particular. M: E quem custeava essa…esse… P: A empresa. M: Convênio médico? P: Unimed M: Tá, depois que você foi demitido, foi mantido esse convênio? P: Ficou três meses só.

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M: Três meses...depois que acabou o convênio, como é que você prosseguiu o seu tratamento? P: Ah! Meu Deus do céu, aí foi, aí foi pelo SUS...foi o último suspiro… M: Em Corumbá? P: Corumbá e Ladário. M: Corumbá e Ladário? P: É, porque em Ladário, vou falar toda a verdade, em Ladário não tem nada aqui, só tem o nome de Ladário. M: Você me disse que não foi aberta a CAT, quando você passou pelo SUS, depois que acabou o seu convênio médico, ninguém do SUS…da rede pública, percebeu que esse seu problema era relacionado ao trabalho e fez o encaminhamento, abertura da CAT? P: Não, eu fui ali naquela Cerest que, que emete o negócio do CAT, aí o, ele, eu…foi uma mulher que me atendeu lá, ela falou “tal dia você vem aí”, aí expliquei…nem sei que doutor que era, não me lembro, expliquei o…a situação…ele falou “olha, seu Pitágoras, o seguinte, já passou do tempo não tem mais como emitir o CAT”. M: Quanto tempo tinha passado? P: Não me lembro mais não. M: Mais ou menos… P: Acho que já tinha passado, acho que um ano parece… M: É? P: Acho que é um ano porque como disse pra você, eu num tava achando serviço, quer dizer serviço tinha bastante na minha área, na minha área e em outras área e em todo lugar que eu ia pô, mas eu falei “mas tá acontecendo alguma coisa, o pessoal lia o meu currículo “porra, currículo bem recheado...tal dia vamo selecionar você”...ficava ansioso, puta ficava alegre, nada, quem ajudava eu era minha irmã, meu sogro com algumas coisa aí né...aí ia noutra empresa nada...inclusive até eu mandei dois currículo pra (OMITIDO POR SIGILO) Mineração...eu nem me lembro o rapaz lá, o nome dele, ele ligou pra mim na época, ele falou “o…o supervisor falou que vai chamar você quarta-feira porque ele gostou do seu currículo”, e ele falou “vai precisar de quatro…de quatro mecânico e quatro auxiliar de mecânico”…falei “não, até pra serviços gerais eu ia”…aí não telefonava também...aí depois que caiu a ficha...falei “ah! já sei”...falei “provavelmente o (omitido por sigilo) deixou registrado lá no computador lá tudo os meus”… M: Problemas de saúde?

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P: É que aconteceu comigo…porque eu lembro que quando eu dei pra ele a ressonância ele pegou…ele falou que não era nada pra ele, mas ele pegou, eu lembro, ele tirou xerox...é xerox...é…é xerox...e eu vi ele escrevendo lá no computador e ainda pensei…falei “mas ele tá falando…”…eu pensei comigo mesmo…”ele tá falando que não é nada porque que ele tá…tirando xerox?”...aí depois, depois de alguns dias que a menina falou “ah! o Dr. (omitido por sigilo) teve uma reunião com nóis falando ao seu respeito”…só que ela, eu…eu não perguntei pra ela sobre o quê… M: O que que ele falou? P: Mas acho que era sobre isso. M: E, Pitágoras, você acredita que o sistema público de saúde aqui em Corumbá, Ladário, tá preparado pra atender acidentes e doenças do trabalho? P: Olha, eu acho que não porque...eu vou falar uma coisa pro cê…tá com quatro anos que eu tô esperando uma é...ser chamado lá em Campo Grande porque aqui não tem...é...por um neuro, neurocirurgião, eu tô quatro anos na fila esperando pra ser chamado pra avaliação. M: Aqui não tem? P: Não tem. M: E é relacionado com o seu problema de saúde na empresa? P: É...porque é eu tô com vários encaminhamento aí pra operação, então pra operar primeiro você tem que fazer uma avaliação, aí eu fiz já na época que eu fiz pelo SUS a inscrição pra avaliação e ó quatro anos até hoje não me chamaram. M: E o que acha que poderia mudar quanto ao atendimento dos trabalhadores acidentados ou doentes por causa do trabalho aqui na fronteira? P: Puxa, aí...tinha que mudar muita coisa porque… M: Por exemplo, o que que você acha que poderia mudar pra melhorar? P: Eu acho assim que devia dar mais palestras, palestras, principalmente pras empresas né, coitado o trabalhador as vezes tá ali, às vezes não tá nem sabendo de nada, que muita das vezes o trabalhador até é pressionado a fazer coisa ali que…que ele faz mais por causa do ...por causa da familia né? M: Então falta uma prevenção, é isso? P: É, prevenção né?

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M: Vocês serem mais treinados para a prevenção de acidentes e doenças, seria isso? M: Quanto ao seu processo na justiça, nós estamos finalizando tá, em que momento você resolveu ir pra Justiça do Trabalho por causa da sua doença? P: Então, foi isso...se viu eu tava mendigando… M: Mendigando? P: Mendigando modo de dizer...mendigando sem serviço…mendigando assim ajuda de um, ajuda de outro, mamãe me dava uma coisa, meu sogro me dava outro, assim ía..tentei fazer alguns bico, num aguentei, ajudar ...porque meu sogro era pedreiro né...tentei ajudar ele não aguentei, não trabalhei nem uma semana com ele...ele falava “ah! Você não tem condição de trabalhar mais não”...eu sei que como aí aí que vem aquela história...só promessa, ia no serviço...”ah!, puxa, nós vamo chamar você tal dia”…”sua…seu currículo é bom”...nada...aí eu parei um dia pra pensar, falei “não, já que a empresa fez isso comigo, vou procurar meus direito, porque num vai a empresa não vai me pagar nada...” M: E foi ai que você resolveu entrar na justiça? P: Aí que eu resolvi. M: E procurou um advogado particular? P: Isso. M: Porque o sindicato não te deu um suporte jurídico? P: Não deu…ninguém...tudo mundo virou as costas pra mim… M: E você pensa que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz do trabalho? P: Eu não sei não…acho que faltou muita coisa ali, hein, porque… M: O que você acha que faltou? P: Eu digo assim em termos de ...de remuneração...eu num...não foi praticamente nada não. M: Remuneração que você fala foi o valor da indenização? Você recebeu quanto, você lembra? P: É, o valor…eu recebi a primeira parcela, eles pagaram, eles fizeram um contrato de...um adiantamento de 30% e acho que foi a primeira vez deu R$ 16.000,00 e ficou 6 parcelas de…de acho que de… sete, sendo que a última parcela eu…eu olhei lá o valor deu dez mil e pouco, eu não vi nem o cheiro desse dinheiro…

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M: Você achou então que você merecia uma indenização maior, é isso? P: Olha, pelo que eu, pelo que eu passei ali, com certeza! M: E o juiz te ouviu durante a tramitação do processo? P: Ouviu, quer dizer ouviu o, ouviu o advo...o...como fala o... M: As testemunhas? P: As testemunhas. M: Mas você…sentou você na frente dele, fez perguntas pra você? P: Isso...pra mim…que eu me lembre acho que ele não fez pergunta pra mim não… M: Não tem certeza… P: Não tô lembrado não. M: E, por fim, a última pergunta, qual o seu sentimento quanto ao resultado do julgamento? Você acha que houve justiça no seu caso? P: Olha, pode falar que houve porque pelo menos o…o que eu peguei pelo menos num…num… num ficou em branco né, eu não posso falar isso, não ficou em branco, apesar desse dinheiro ai que eu peguei, pro dono da empresa isso aí pra ele…ele dá de cachê lá prum garçom onde ele mora. M: Então, Pitágoras, a gente finalizou a entrevista, eu agradeço e se você quiser falar alguma outra coisa antes de a gente encerrar você fica à vontade. P: Não, é só isso mesmo...o que eu fiquei injustiçado também...bom, apesar que tava no…na…na proposta, mas eu não entendi…que ficou 30% combinado a pagar e mais 6 parcelas, aí a última parcela que eu fui ver tava um valor maior que era dez mil e pouco só que esses dez mil e pouco eu não vi nada, porque aí depois que eu fui lá ver porque que eu não fiquei com nada, mas porque foi porque foi cinco mil pro inss, dois mil pro imposto de renda, os dois perito, aí sobrou mil setecentos e pouco pro advogado...eu sei que pra mim não fiquei com nada. M: Da última parcela? P: Não fiquei com nada...e o que eu peguei eu vou terminar logo aqui [a casa] aqui porque já tava com 5 anos tentando terminar aqui que foi onde comprei o restante do material e paguei os pedreiro. M: Tá bom, eu agradeço pela entrevista, obrigado Pitágoras!

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APÊNDICE C – Entrevista de Heráclito

M: Entrevista com Heráclito. Heráclito, qual a sua idade atual? H: 39 M: e o seu estado civil? H: casado M: Qual é a sua profissão atual? H: Operador mantenedor mecânico M: Em qual empresa? H: Vale M: Sua escolaridade? H: Ensino médio completo M: 3º ano do segundo grau? H: Isso. M: Qual a função e a atividade que você fazia na empresa que você se acidentou? H: Era auxiliar de produção, mas prestava serviço como forneiro. M: E você foi registrado com qual função na carteira, você lembra? H: Auxiliar de produção. M: Mas fazia também forneiro? H: Fazia forneiro e lingoteiro. M: E lingoteiro? E você percebia algum risco pra sua saúde nessas atividades dentro da empresa? H: Ah! Percebia, né! Todo lugar da empresa tem risco. M: Que tipo de risco, Heráclito? H: Ah! A fumaça do forno, né? O gás que saía era bravo do lado do...eu não me recordo agora o nome do gás...gás metano M: gás metano? E era quente lá?

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H: Muito quente. A temperatura do forno chegava a 1450. M: Graus? H: Graus Celsius. M: E você usava equipamento de proteção individual? H: Usava. M: Quais? H: Era um…casaco perme...permeabilizado né, de amianto, luva especial pra trabalhar no forno, capacete, óculos e abafador. M: E você usava isso desde o começo? H: Desde o começo M: Sempre que você trabalhou lá você recebeu o equipamento? H: Sempre. M: Você trabalhava em horas extras? H: Às vezes a gente fazia 12 horas M: 12? H: 12 horas M: E folgava? H: 12 M: Folgava 12? M: E o trabalho que você realizava quando ocorreu o acidente exigia esforço físico, ou rapidez, trabalho muito acelerado? H: Não, tinha que ter agilidade né, na área...é isso, mas esforço físico não. M: Carregamento de peso não tinha? H: Não, não. Eu era tombador, você só tinha que virar a forma pro gusa cair, só isso. M: E você foi treinado pro trabalho para o qual você foi contratado?

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H: Fui. M: Foi? M: Você recebeu treinamento de que tipo? Você teve cursos antes, palestras? H: Não, só palestras. M: Só palestras? O serviço efetivo você foi aprendendo conforme foi trabalhando? H: Isso. No dia a dia. M: Você tinha trabalhado nisso antes, já... antes do acidente? H: Não. M: Você lembra quanto tempo durou o treinamento que você teve de palestras? H: O treinamento era de duas horas, às vezes duas horas, às vezes três horas, no período da manhã. Foi uma semana de uma palestra geral pra poder entrar na empresa, né. M: Foi durante uma semana, duas horas por dia? H: É, uma semana, duas horas...às vezes era duas horas de um tipo de serviço, duas horas de outra área... M: Mas no total, uma semana? H: Uma semana...como é que fala?...adaptação que fala. M: E como que era a sua chefia? tinha pressão por produção...cumprimento de metas? H: Não, não…era tranquilo. M: Tranquilo? Não era muito rigoroso, rígido? H: Não, não. M: O tratamento era bom? H: O tratamento era excelente! M: E durante o tempo que você trabalhou nessa empresa, Heráclito, que você sofreu o acidente, você observou se teve alguma fiscalização do trabalho lá? H: Que eu me lembre não.

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M: Não? H: Não. M: Esse acidente que você sofreu la foi o primeiro, ou vc ja tinha sofrido outro antes? H: Não, foi o primeiro. M: Foi o primeiro? E que tipo de consequência esse acidente trouxe pra sua vida profissional? H: Pra minha vida profissional? M: Você foi demitido depois do acidente? H: Não. M: Não? H: Eu sai quando a empresa fechou M: Fechou? H: Mas fiquei quatro meses fazendo curso na faculdade, né? M: Você se acidentou...é...quando vc tinha em torno de um mês de trabalho, né? H: Não. Era mais. M: Mais? H: Já tinha já mais... M: Aí você sofreu o acidente, se recuperou e voltou a trabalhar e depois a empresa fechou? H: A empresa fechou. M: Você não foi mandado embora? H: Não, não. M: Tá. Teve comunicado de acidente no seu caso? H: Teve. M: Teve?

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H: Teve, aí depois eles vieram aqui em casa pra mim preencher a documentação né?...cad que fala, né? M: CAT H: CAT? M: É! O pessoal da empresa veio aqui? H: Veio o técnico de segurança que veio junto com...hummm...não lembro o nome do outro. M: Preencheu quanto tempo depois a CAT, vc lembra...do acidente? H: Do acidente...foi depois de 4 dias, parece. M: 4 dias após o acidente? H: Isso. Que eu sofri o acidente era uma hora da madrugada...meia noite e meia mais ou menos. M: hum hum...Seu turno tinha começado que horas no dia do acidente? H: Meu turno começou onze horas...onze horas...é que eu tava numa área, aí como tinha faltado um lingoteiro, uma parte que fica na roda, aí meu supervisor pediu pra mim… M: fazer o serviço dele? H: Fazer o serviço dele, né, entendeu? Eu tinha acabado de chegar. M: E esse serviço que você foi fazer você não tinha treinamento pra ele? H: Pra ele...desse serviço não...só olhando mesmo assim que eu via como o pessoal fazia. M: hã hã...então você foi substituir um colega de trabalho numa outra função e nisso você se acidentou? H: hã hã. M: No turno da noite ainda? H: No turno da noite M: E o acidente Heráclito, ele te trouxe algum problema familiar, emocional ou econômico? Você teve diminuição de salário, você teve depressão, algum problema psicológico?

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H: Não, não. M: Não? Suportou bem?...E você mantém algum contato ou relacionamento com ex-colegas de trabalho dessa empresa que você se acidentou? H: Mantenho...assim, com alguns que hoje em dia trabalham comigo lá na outra empresa. M: É... passado algum tempo desde o acidente, você consegue perceber porque você se acidentou? Você tem essa dimensão porque aconteceu o acidente? H: Na verdade o acidente não foi falha minha, foi falha do operador da roda...como o forno tava parado, a roda também não funciona e eu fui apertei o botão de emergência pra destombar a forma né, porque a forma pesa 250 quilos se não me engano e você com uma alavanca você faz a força que não chega a 100 quilos...aí eu apertei o botão de emergência e fui pra tombar ela, só que lá de cima o operador não viu. Ele foi e rearmou ela no painel justo quando eu fui tombar ele ligou, quando liga a roda ela gira, pega no tombador e ia pegar a minha mão inteira, eu puxei e pegou só a ponta do dedo. M: Você era sindicalizado quando você trabalhava nessa empresa que aconteceu o acidente? H: É....pagava por mês que fala. M: pro sindicato? H: Isso, pro sindicato. M: E o sindicato da sua categoria promoveu alguma orientação pra vocês a respeito de prevenção de acidentes, como cursos, palestras, algum outro treinamento...o sindicato? H: O sindicato não...que eu lembro do sindicato ele foi lá só pra fazer acordo mesmo, só isso. M: Só? H: Só acordo com a empresa. M: Não teve nenhum tipo de orientação de prevenção de acidentes? H: Não. M: E o sindicato prestou algum esclarecimento pra você depois do seu acidente de que como você sofreu um acidente você teria uma estabilidade de 12 meses depois desse acidente que não poderia ser dispensado por conta desse acidente? H: Não.

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M: Não?...E o sindicato prestou pra você algum auxilio ou orientação jurídica após o acidente...fornecendo um advogado? H: Não. M: Porque você entrou com ação, né? H: Entrei com a ação com advogado próprio. M: Com advogado particular? H: isso. M: Não teve um..um advogado indicado pelo sindicato? H: Não. M: Você procurou o sindicato depois do acidente? H: Não, não procurei porque o sindicato, se não me engano, não era aqui. M: Não era aqui? H: Não. O sindicato dos metalúrgicos não era aqui. M: E você acha que o sindicato poderia ter outra atuação nessas questões de acidentes e doenças do trabalho? H: Eu creio que sim, se fosse aqui a sede né, se tivesse um representante aqui, eu acho que seria até melhor...me orientasse melhor né? M: hum hum. E quem te socorreu quando você se acidentou? H: Quando eu me acidentei eu peguei...na hora do acidente que eu puxei e a minha luva ficou presa lá no negócio que eu olhei meu dedo ficou tudo branco aí eu mesmo saí correndo e deu tempo de chegar na enfermaria, o enfermeiro tava lá e... M: Você foi atendido na enfermaria da empresa? H: Na enfermaria direto e de lá só fiz a sutura do dedo e vim embora pra cidade M: Você passou pelo médico da empresa depois do acidente? H: Depois do acidente. M: Passou? Ele falou alguma coisa pra vc? H: Num lembro.

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M: Não lembra? H: Não lembro. M: A empresa te prestou algum auxílio, assistência, após o acidente? H: Ah...veio na minha casa, veio sim. M: Veio pra ver como você estava? H: Como que eu tava. M: Você tinha convênio médico na época? H: Tinha. M: Você foi tratado por médico particular ou hospital público? H: Particular. não...particular….Prontomed. M: Prontomed? Você sabe o que é cerest?...Ou nunca ouviu falar? H: nunca ouvi falar. M: Você acredita que o sistema público de saúde em Corumbá tá preparado pra atender acidentes de trabalho e doenças do trabalho? H: Não. M: Não? Porque você acha isso Heráclito? H: É muito mal preparado né? E também...é...má força de vontade. M: De quem? H: Dos próprios médicos e dos enfermeiros...se for...já fala...público...agora se fosse particular, sabendo que ia tá ganhando muito mais... M: Você acha que pelo fato de ser público o atendimento é ruim? H: É ruim. M: Porque os médicos preferem atender pelo particular porque eles ganham mais? H: Com, certeza! Ganham mais.

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M: E o que você acha que podia mudar quanto a isso aqui em Corumbá, quanto ao atendimento de trabalhadores que se acidentam ou ficam doentes por causa do trabalho? H: Não vou dizer melhor preparação dos médicos e enfermeiros...como eu acabei de falar aí, se fosse particular o modo de tratamento né, porque sabendo que você tá sendo particular vc tem toda uma estrutura, agora público não...você espera, você vê muita gente esperando na fila aí, até ser atendido a boa vontade do médico...o modo de tratamento. M: Sei... já estamos finalizando, vou fazer só as últimas perguntas. Em que momento você resolveu entrar com uma ação na Justiça do Trabalho por causa do seu acidente? H: Na verdade, não foi nem pelo acidente, eu entrei...ei procurei o advogado pra ver...reaver minhas horas extras que muita gente...a gente trabalhava e não vinha as horas extras, entendeu? Aí como que eu sofri o acidente o médico...o advogado eu tinha levado tudinho as papeladas mas não pra entrar na Justiça a respeito do meu acidente...o médico que...o advogado que falou assim: “ó, nesse aqui a gente não vai ganhar muita coisa não e pode ser demorado, mas como você me trouxe um monte de documentação que eu vi que você sofreu um acidente...perda da metade da primeira falange do dedo, tem como a gente entrar com isso aqui...isso aqui é certeza a gente ganhar um pouquinho mais”. M: Então foi por isso que você resolveu? H: Por isso que eu resolvi. M: Na verdade você foi atrás das suas horas extras e o pedido de indenização pelo acidente entrou junto? H: Entrou junto...e no entanto eu ganhei só pelo acidente, pelas horas extras não ganhei nada. M: Você pensa que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz? H: Tenho minhas dúvidas, né? M: Porque, Heráclito? H: O valor que eu peguei. M: Por causa do valor? H: É (risos). M: O juiz te ouviu durante o tempo que o processo tramitou na Justiça? Você sentou na frente dele, ele te fez perguntas?

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H: Na frente dele. M: Você foi ouvido então? H: Fui ouvido...eu fui ouvido, o advogado e até uma técnica de segurança que entrou a favor da empresa sendo que não tava no...na hora do acidente. M: Sei. H: Quis me prejudicar, só que como eu sabia que técnico de segurança não ficava na empresa depois das 18 horas, eu mandei...eu pedi pro juiz pra reaver o horário. M: Que o técnico estava? H: Isso...que ele bateu o cartão né...daí o juiz pediu pra ela se retirar da sala que ali não era lugar de mentira, que ela poderia ser processada. M: Última pergunta, Heráclito. Qual o seu sentimento quanto ao resultado do julgamento? Você acha que teve justiça no seu caso? H: Teve sim. M: Teve? Mesmo com o valor inferior ao que você queria? H: Pelo menos eu ganhei alguma coisa né? M: Tá bom Heráclito. H: Eu fiquei depois do acidente, eu fui procurar serviço na empresa que tinha comprado a (OMITIDO POR SIGILO) né...aí quando fui passar pelo segundo processo da documentação, aí me dispensaram, num cheguei nem de fazer a entrevista. M: Você achou que foi por causa da ação? H: Foi por causa da ação. Porque o meu nome ainda estava registrado...tinha menos de 5 anos. M: Tá bom Heráclito, a gente concluiu a nossa entrevista. Você quer falar mais alguma coisa? H: Não. Tá tranquilo. M: A gente pode encerrar? H: Tá bom. Tá bom. M: Obrigado, Heráclito!

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APÊNDICE D – Entrevista de Sócrates

M: Entrevista com Sócrates. Sócrates, qual é a sua idade atual? S: 47 anos. M: 47? M: Seu estado civil? S: Solteiro. M: Profissão atual? S: Forneiro. M: Você está exercendo essa profissão? S: Não. M: Não? Seu nível de escolaridade? S: Segundo ano do segundo grau. M: Segundo ano do segundo grau. Que funções e atividades você fazia diariamente na empresa antes do acidente? S: É, trabalhava no carregamento, forno, na roda...todos os serviços... M: E você... S: Onde eu fosse é...como se diz assim... M: Necessário... S: É...onde eles pediam eu iria. M: Você foi registrado então como forneiro? S: Não, não...atualmente? M: Não, na época que você foi contratado. S: Não…é...serviços gerais. M: Serviços gerais? Por isso é que te chamavam pra fazer todo tipo de serviço que fosse necessário. E você percebia algum risco pra sua saúde nessas atividades? S: Todo setor tem risco de saúde. Tanto pó de carvão, como pó de minério, pó de ferro, entendeu, calor, se queimar, entendeu? Todos os setores ali é perigoso.

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M: Hum hum...e você usava equipamentos de proteção individual? S: Usava. M: Quais? S: É...a botina de biqueira de aço, perneira, entendeu, capacete, abafador, luva, entendeu, o que mais...como é que chama o... M: Máscara? S: Máscara e ...isso aí tudo eu usava. M: E sempre você recebeu, desde quando você começou a trabalhar? S: Desde quando começou a trabalhar. M: E você trabalhava em horas extras? S: Trabalhava. M: Você lembra em média quantas horas? S: 14 horas...fazia 8 e...8 pra 14... M: Seis. S: Seis horas a mais, entendeu? M: Normalmente você trabalhava isso? S: Não, não, isso quando tinha problema de forno assim, entendeu, quando tinha problema assim tinha que ajudar uma turma ajudar a outra. M: Durante a semana em média quantos dias você trabalhava em horas extras. S: Dois ou três dias fazia extra. M: E o trabalho que você realizava quando aconteceu o seu problema de saúde, exigia rapidez ou esforço físico? S: Rapidez e esforço físico, os dois junto, entendeu...ali tudo o que...ali M: Que tipo de esforço? S: É...cimento refratário, lenha para você abastecer o forno. M: Tinha que carregar.

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S: Carregar. Os tronco de mais ou menos 40 cm assim, lenha pra carregar, pra aquecer o forno lá...é...carregar é...cilindro de oxigênio...essas coisas tinha que levar pra cima. M: Isso pesava em média quantos quilos? S: Cilindro deve tá com centos e poucos quilos. M: Você transportava sozinho? S: Sozinho, porque antigamente não tinha elevador, agora tem elevador, tem... M: Na sua época não tinha? S: Não, no começa não tinha nada disso, isso aí que acabou com a gente, entendeu? E fazia formiguinha, você já viu trabalho de formiguinha com toco de lenha? M: Hum hum. S: Então 8 horas pra sair os toco de lenha de um pro outro assim, ó, pra carregar os forno, pra aquecer né os glendon, aquecer os glendon lá...então era caminhões e caminhões de toco de lenha pá aquecer os glendon. M: Entendi...e você foi treinado pra fazer o trabalho pro qual você foi contratado? S: É...a gente é...algumas coisas eles dão instrução sim quando você ia pro setor, mas a gente mais aprendia mais por tempo, como que era... M: Ia fazendo, olhava e aprendia. S: E aprendia. M: mas você teve tipo um treinamento, curso? S: No começo tinha que fazê. O que eles mandava tinha que fazê. M: Era contratado e já ia trabalhar? S: Isso? M: Hum hum...e como que era a sua chefia? S: Assim, modo de tratar a gente? M: Tratamento.

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S: Não, excelente, não tenho o que reclamá deles, não tenho o que reclamar deles, entendeu? M: tinha pressão por produção...por metas? S: Tinha, pressão tinha...pressão tinha...tinha que fazê e tinha que fazê, mas assim que eles gritava, fala mal assim não...quer dizer, ele, ele, ele com a amizade deles eles fazia trabalha mais entendeu, pior do que o cara pedir com você com raiva, manda você pro pátio, você não vai faze, eles já não, já pedia por amizade. M: Você se envolvia? S: Envolvia e acabava fazendo. M: Dando mais gás. S: Dando mais gás pra eles, entendeu, fazendo até o impossível. M: Entendi. S: Por causa da amizade dele, por causa do jeito de tratar a gente, entendeu? M: Era um bom chefe? S: Psicologicamente ele era entendeu...ele usava a psicologia em cima da gente. M: E durante o tempo em que você trabalhou na empresa em que você teve esse problema de saúde, você observou se houve alguma fiscalização do trabalho? R: Uma vez só, uma vez só...que avisou todo mundo, eles avisou que eles iam lá que era pra toma...pra tentar num fazer nada perigoso, que nós era acostumado a faze porque o pessoal do trabalho ia lá...daí a gente ficou assim, diminuiu o ritmo de trabalho entendeu, o forno, o pessoal começou a trabalhar mais devagar porque eles estavam lá até eles ir embora e começou tudo de novo... M: Sei...mas foi uma vez só? S: Não...é que eles foram uma vez só. M: Tá... S: E houve denúncia né...denunciaram lá e eles foram lá pra ver lá. M: Por causa de uma denúncia? S: É, falaram que...não mandaram o cara embora, aí o barulho lá é terrível, o barulho na siderúrgica lá é terrível, o barulho, falaram que, porque eles não tavam pagando a insalubridade exigida, eles nunca pagaram insalubridade, entendeu?

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M: E você lembra que ano foi isso? S: 2008...2009... M: Por aí. S: Por aí. M: Tá. É, esse acidente que você sofreu foi o primeiro lá ou você já tinha sofrido outro? S: Não, foi o primeiro. M: Foi o primeiro…primeiro e único. S: Primeiro e único…primeiro e único...eu subi é com o cilindro nas costas é pra levar boca do forno lá e quando eu girei, quando eu girei pra descer o cilindro, bateu num ferro lá e girou ao contrário, aí eu machuquei, escutei...estalou tudinho a coluna, eu não podia...eu não conseguia mais andar porque você vê que tá com alguma coisa você vai virar assim...ele bateu e começou a virar ao contrário de novo assim, entendeu, aí que eu pedi pro pessoal pra ajudar a descer... M: E você tava manuseando uma alavanca? S: Não, é o cilindro de oxigênio. M: Cilindro de oxigênio, que é esse que pesa cento e vinte e poucos quilos? S: Mais ou menos, mais ou menos, num pesei, eu tô dizendo assim… M: Em torno, em torno… S: Essa alavanca era trilho, trilho de trem, entendeu, tem 3 metros e 30, era trilho, só fazia a ponta que era prá tirar o jacaré da boca do entendeu? M: Entendo. E que tipo de consequência esse acidente trouxe pra sua vida profissional? S: Porque não conseguia nem abaixar, não conseguia fazer força, inflamava o nervo, que me machucou, um monte de problema, porque qualquer coisa que eu fazia não podia, não conseguia nem andar direito. M: Você foi demitido? S: Fui demitido. M: Da empresa? S: Isso...não, a empresa parou né, mandou todo mundo embora.

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M: Ela parou de funcionar e demitiu todo mundo? S: Isso...vendeu lá pra Vetorial de porteira fechada. M: Então a sua situação atual você não está trabalhando mas está recebendo pelo INSS? S: INSS. M: Em razão desse acidente…isso aconteceu lá atrás… S: Isso . M: Não foi aposentado ainda? S: Não, tô com 12 pino na coluna, coloquei 12 pino na coluna...minha cirurgia não ficou boa, então minha ressonância magnética tá dizendo que eu tô pior do que tava agora, do que antes, as dores estão mais terríveis que eu não consigo nem tussir nem...às vezes se eu tiver gripado e começar a tussir muito começa a doer...parece que tá querendo abrir minha a coluna assim, entendeu? M: E você não exerceu nenhuma outra atividade profissional? S: Não, não. M: E..e...e esse acidente Sócrates, ele além do problema profissional, ele também te trouxe algum problema familiar, emocional ou econômico? S: Trouxe, principalmente econômico também, emocional, tudo. M: Você pode falar um pouco mais sobre isso? S: Posso ué. É, financeiro, você vai pro INSS e você acaba recebendo metade do que você recebia, entendeu, você recebe uma mixaria do INSS, aí você tem que comprar remédio, alimento, pagar luz, água, essas coisa, e acaba num sobrando nada pra você, entendeu, enquanto você trabalhando você já sobrava alguma coisa pro cê né compra roupa pra família, essas coisa...emocional, você ficar dentro de casa, deitado, sem fazer nada, com dores aí, você entendeu...familiar...separei da mulher, a gente acabou separando... M: Você percebe que essa separação foi por causa do acidente? S: É, foi por causa do acidente, você tinha muitas dores né, eu me irritava e pedia pra fazê uma massagem, alguma coisa em mim, fazia de qualquer jeito entendeu, aí as brigas começaram a aumentar, de ficar muito em casa, e acabamo separando entendeu...quando você fica em casa, cê tava acostumado a trabalhar, você fica nervoso, você vê que tá faltando as coisas, é...você quer fazer uma coisa não consegue...entendeu...acaba descontando em alguém e acabou que a gente separou...isso aí entendeu, maioria que tá disso aí...só...separou…

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M: Sim. E sobre o problema emocional, você teve depressão? S: Nossa, depressão foi terrível né? A depressão foi terrível, porque uma que você perde o emprego, a outra por causa que você vai pro INSS de 3 em 3 meses o perito lá que qué fazê você volta a trabalhar sendo que você sabe que você não pode mais trabalhar, entendeu, você é humilhado no INSS, ofendido lá pelo, pelo, pelos perito entendeu...fala…o perito de Corumbá memo fala que nenhum médico de Corumbá presta, é por isso que eu fui pra Dourados pra me consulta com um médico, o perito também lá em Dourados e vou consultar agora em Campo Grande com o médico que fez minha cirurgia, e três médicos que eu tô...três ortopedista entendeu, quero ver o que ele vai dizer agora com três médicos me dando um laudo só, entendeu? M: E essa sua depressão foi leve...chegou a um estado mais crítico? S: Nossa...chegou...não...tentei o suicídio rapaz, entendeu, tanto com arma de fogo como arma branca...branca...o revolver falhou senão eu tava morto, chegou a perfurar a capsula assim...entendeu...daí cortei os pulso. M: e hoje você está melhor? S: É, com o tempo você vai indo. Melhora um pouco, né? É que, como é que eu vou explicar pra você...você é obrigado a suportar...obrigado a suportar...ou você suporta, entendeu...comecei a tomar remédio antidepressivo, aí eu ficava igual bobo, acabava esquecendo as coisa, fazia uma coisa, guardava uma coisa não sabia aonde, uma que eu moro sozinho, né, tem que tá sempre ativo, não sabê onde é as coisa, pra que o que tá acontecendo, aí eu tomava remédio, num sabia o que tava fazendo, acabei largando, não tomo mais não M: Hum hum. E como é que você tá enfrentando essa dificuldade? S: Rapaz, só por Deus né, me apeguei a Deus, me apeguei a Deus e pedi pra ele me ajudá, é...remédio não adianta não, é a mesma coisa que, não sei...você toma remédio agora mas depois no outro dia você tá pior ainda...entendeu? M: E...é...Sócrates, você mantém algum contato ou relacionamento com ex-colegas de trabalho dessa empresa? S: Quase todos, quase todos eles. M: É telefônico, é pessoal? S: É pessoal né...até hoje eu tenho telefone, pessoalmente, eu sei onde eles moram, né? M: E vocês ainda conversam sobre coisas do trabalho?

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S: Conversam, aquilo ali era uma aventura diária né, todo dia era uma aventura...então é...é...siderúrgica parada, então você já sabia que você tava ferrado, se você chegava na estrada ali e via a siderúrgica trabalhando era uma alegria pra gente...chegava...não, tá tudo em paz...mas se chegá e tivé tudo parado já sabia que então tava ferrado, já que o seu trabalho ia sê dobrado, o esforço ia sê, entendeu? M: Por causa do forno? S: Do forno e se tem que..é usina é...siderúrgica parada já sabe que tá tudo entupido, os bico tão entupido, a...é...limpeza tem que ir na, na, na tremonha fazê limpeza...é muito calor, gás, inalando...é...sai muito gás ali, se você inalar ele você nem vê a hora que você cai... M: Que gás? S: É...é o gas é...que o calor libera... M: Metano? S: Não, é... M: Carbônico? S: É, acho que é o carbônico...aquele derruba qualquer pessoa ali...é isso M: Hum, hum...E passado já algum tempo né desde o acidente, você consegue perceber como e por quê você se acidentou? S: Consigo. Ali o seguinte, esse forno que o pessoal fala da siderúrgica, você imagina uma panela de pressão...você sabe o que é uma panela de pressão né? M: Sim, sei. S: Se você tampar aquele que solta aquele…aquele…aquele vapor ali, se você tampá aquilo lá… M: O pino? S: O pino, aquele pino ali...o que que vai acontecê com a panela de pressão? M: Explode. S: Então, então, ou você faz rapidamente soltá o vapor do forno ou morre todo mundo a quilômetros dali, entendeu, então você tem que abrir tem que abrir aquilo lá e aquilo tem que ser o mais rápido possível, entendeu, você tem que abrir rápido e evacuar pra sair a pressão dele, entendeu, então se você não aguentá ou você faz ou não faz e aí você comete erro, mas por quê? Tem que se feito, entendeu...você vai numa guerra, os soldado tá tudo ali, você sabe que alguém vai

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ter que ir na frente, alguém vaí tê que fazê, entendeu e é tem que faze o que tem que se feito, uma que era ordem de fazê, o supervisor mandava fazê, entendeu, quando você chegava lá e colocava 10, pelo menos 10 cilindro pra eles começarem, aí você reduzia a velocidade, você ja vinha mais com...com... pedia pra um amigo ajudá você, entendeu, pra ir subindo escada com ele, mas no começo ou você faz rápido e tem que pensá muito rápido ali ó... M: Muita pressão? S: Muita pressão...se não escapa, escapa que é pra aquilo lá não voá e não matá todo mundo ali ó...então quem trabalho lá sabe disso que é perigoso ali ó. M: Entendo...e você era sindicalizado quando você trabalhava nessa empresa? S: Nunca, não, não, não. M: Não era? Por quê? S: Não sei, não sei te explicá, simplesmente não..é...acho que é no finalzinho que apareceu, que é o (omitido por sigilo) né, no finalzinho que apareceu o sindicato lá mas... M: Ah, então não tinha? S: Não tinha. M: Não tinha...e...bom, se não tinha o sindicato, minha próxima pergunta é a seguinte: o sindicato da sua categoria promoveu alguma orientação a respeito de prevenção de acidentes, doenças do trabalho, cursos, palestras, algum tipo de treinamento pra vocês? Porque me parece que na sua época o sindicato era em Campo Grande. S: Não, então, nós tinha CIPA né...então tinha CIPA, a CIPA fazia isso aí com nós... M: O sindicato? S: O sindicato não cheguei de vê não, teve uma vez...não...teve o sindicato de Campo Grande fez uma vez isso aí com a...entendeu...que foi uns acordo que ele fez aí, mas que falá que...que ele convivia com nós ali entendeu, o sindicato, nunca vi ali não. M: Hum hum. S: Ele veio uma vez que teve um acordo, negócio de hora extra, negócio de...mas de fazê ali ó... M: Mas de prevenção de acidentes? S: Não...se tinha aí desconheço.

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M: E esse sindicato, mesmo ele na época sendo em Campo Grande, ele prestou algum tipo de esclarecimento pra você a respeito do direito que o trabalhador acidentado tem de permanecer no emprego por pelo menos 12 meses após sofrer um acidente, que é a chamada estabilidade? S: Eu fiquei sabendo por um...é...assim com...com amigos né, que...que você...se você...se tem...se você tá pelo INSS e se você voltá a trabalhar, a empresa é obrigada a te aguentá um ano e depois de um ano ela te manda embora...e você vai trabalhar aonde depois que você tiver tudo... M: Você soube pelos colegas e não pelo sindicato? S: Pelos colegas e não pelo sindicato... M: E o sindicato prestou algum tipo de auxilio ou informação após o seu acidente? S: Eu fui atrás do...do..do...do sindicato que é do (omitido por sigilo) lá... M: E aí já era em Corumbá? S: É...pra vê se ele me arrumava um advogado o negócio do CAT né que eu tinha que tá, tá, que o pessoal tava se negando a fazê, entendeu, ele me apresentou advogado e depois falou que...o advogado mais me enrolou do que correu atrás, eu mesmo fui lá levei o documento lá pro pessoal...pô falei com você la em Corumbá né, daí eles mesmo foram lá e que me deram o CAT, senão nem o... M: Depois de quanto tempo do seu acidente que a empresa emitiu o CAT? S: Mais de um ano. M: Mais de um ano depois? S: Só que eu tinha testemunha, né? O pessoal viu. M: Você já tinha entrado com a ação ou ainda não? S: Já. M: Ah, foi depois que você entrou com a ação judicial que eles fizeram a CAT? S: Porque ali, pra empresa, quando ela faz o CAT, aí o que que acontece? Se tivé 5 dias de...trabalhado sem acidente, aí já elimina isso aí e já começa entendeu...e o acidente vai aparecê, entendeu...aí eles procura nunca faze o CAT, nem fazê nada, tentá abafá, por que se entendeu...pra não ter digamos assim é a empresa...é...ela fica bem, bem vista sem acidentes, e quando acontece acidente aí entendeu por exemplo trezentos e poucos dias sem acidente, aconteceu um acidente o que acontece com os 305 dias?...acabou...já era…

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M: Então é uma forma de mascarar o que acontecia? S: Isso, entendeu? M: Não emitida a CAT por isso...e o sindicato te ofereceu alguma de espécie de orientação jurídica após o acidente? S: Não. M: Esse advogado que o sindicato te indicou, você conversou com ele? S: Eu...eu fui atrás dele, o sindicato nunca veio… não vai atrás de ninguém não...eu fui atrás dele e perguntei se ele não tinha um advogado, mas aí o (omitido por sigilo) falou que como eu tava no INSS eu não tava é pagando o sindicato, como num tava descontando o sindicato de mim, eu não tinha direito... M: E você entrou com a ação então com advogado particular? S: Particular. M: É...você acha que o sindicato, no seu caso, poderia ter outro tipo de atuação...em relação ao acidente? S: Ó, no começo, quando eu...no começo do sindicato ali ó, quando ele começou a surgir em Corumbá mesmo, as coisas até eu...você via que a pessoa tava tentando melhorar, a...a vida do trabalhador, entendeu? Mas agora com o tempo, pelo que eu tô sabendo ai já não liga muito mais não, entendeu? Não se esforça tanto como antes. M: Hum, hum. S: Eu não posso falar muita coisa porque eu não tô lá trabalhando, eu tô, entendeu...tô pelo INSS. M: Mas no seu caso específico na época, você acha que o sindicato podia ter atuado de outra forma? S: Não...é claro, claro...ir atrás, olhando, perguntando como é que foi, entendeu, correndo atrás do CAT pra mim, entendeu? M: Você sabia que o sindicato pode emitir a CAT se o...se o empregador se negar a fazer isso? S: Ele se negou, o sindicato, eu falei que ele podia ter feito isso pra mim. M: Ele também se negou? S: Também se negou.

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M: E justificou porquê? S: Ele falou que ele não podia fazer o CAT, era só a empresa, mas ele sabendo, tendo testemunha, sabendo o que aconteceu, sabendo do acidente que aconteceu ele num...num...num...num se prontificou... M: É...Sócrates, quem te socorreu quando você se acidentou? S: Ah, meus colegas de serviço mesmo que já tava no final já da…entendeu…da...da...da...do expediente, entendeu, aí só que na hora tava com o sangue muito quente assim, entendeu, não senti doer muito, depois que eu subi no ônibus, que é uma hora de...de...de...de viagem, que é de onde eu trabalho a cidade onde eu moro...então foi quando eu fui descer do ônibus, entendeu, quando eu levantei eu não consegui mais levantar do ônibus, quando eu fui levantar pra descer pra pra ir pra casa, eu já não consegui, quer dizer o pessoal me ajudou a descer do ônibus, aí eu liguei pra minha filha, minha filha veio, me abraçou e me levou pra casa...eu cheguei devagarzinho em casa, aí no outro dia fui procurar médico, essas coisas, entendeu? M: Você passou por um médico da empresa? S: Não. M: Foi um médico de hospital público ou médico particular? S: Não...particular. M: Particular? S: É, da Unimed, eles pagavam Unimed. M: Ah, você tinha convênio médico? S: Isso, convênio médico. M: E o que que o médico te falou a respeito do seu problema na coluna? S: Na época, da primeira vez ele pediu né pra batê uma chapa, depois pra fazê uma ressonância, fazê um...como é que chama...uma ressonância magnética...aí que acusou né que tinha machucado a...que tinha…que deu torção né...aí tinha machucado a coluna...eu não sei te explicar direito porque não tá aqui, ficou lá na outra mala ô... M: Você passou por uma cirurgia depois né? S: Isso...depois agora faz o quê...faz um ano que eu passei por uma cirurgia por causa desse foi se agravando, agravando cada vez mais, daí o médico me recomendou que eu tinha que fazer cirurgia, coloquei 12 pino de...entendeu...só que eu tô sentindo mais dores do que antes agora, tô...não consigo me virar na

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cama, não consigo andar que começa a doer as minhas pernas, eu sinto muitas dores, e tô sobrevivendo desse jeito aí...entendeu? M: A empresa prestou pra você algum tipo de auxílio ou assistência após o acidente? S: Que tipo de assistência? Falo assim…tinha o cartão da UNIMED. M: Só? S: Só...me jogou no INSS, nunca pagou uma passagem de ônibus, nunca pagou um remédio, simplesmente me jogou lá pro INSS e acabou... M: E o convênio que você usa hoje é o que a empresa te fornece? S: Então, era UNIMED e aí depois ela cortou a UNIMED, agora tá colocando um plano da Santa Casa ali, que não faz, num tem, não cobre nada né, nem cirurgia, não cobre nada... M: E Ela tá fornecendo esse...esse convênio por causa da ação judicial que você entrou? S: É... M: E você foi encaminhado pra onde após o acidente? Foi pra um hospital particular também? S: Isso... M: Ou passou por um hospital público? S: Não...quando eu fiz a cirurgia? Foi o hospital particular ali que o plano cobria né? M: Certo. Nunca passou por um hospital público? S: Passei...no SUS você fala né? M: É. S: Passei. M: Em que momento? S: Ah, quando...quando as dores estavam terríveis assim...principalmente pronto socorro, você entendeu? Do pronto socorro de vez em quando travava tudo aí me levava pro pronto socorro... M: Lá em Corumbá?

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S: Lá em Corumbá, né, porque só tem pronto socorro lá só...Então quando travava assim era pronto socorro na hora, aí tomava injeção pra dor, entendeu, pra...pra...é anti-inflamatório, essas coisas aí. M: E nessas vezes que você foi atendido em hospital público, você mencionou que esse seu problema era por causa do trabalho ou algum médico te perguntou sobre isso? S: Não...eu falava que era coluna, que tinha machucado minha coluna. M: E ele não perguntava do que você trabalhava? S: Não. M: Não? Você sabe o que é Cerest? S: Não. M: Nunca ouviu falar? S: Que que é Cerest? M: Centro de Referência de Saúde do Trabalhador. S: Existe isso? Aonde? M: Em Corumbá existe...Você acredita que o sistema de saúde em Corumbá está preparado para atender acidentes e doenças do trabalho? S: Não. M: Por quê, Sócrates? S: Num tem, entendeu? Num tá, num tá preparado não. M: Mas você acha isso por quê? S: Não, porque num tem a...se tem só...o trabalhador que tá doente já tá...tá ferrado, num tem dinheiro pra pagar uma…uma…uma consulta vamos dizer uns exames, entendeu? Lá é tudo pago, a não ser um raio-x, entendeu? Um raio-x você vai ali e o cara vai achar que você tá com pneumonia...você tá pra morrê que ele vai tirar aquilo de você, entendeu? Aí o cara tem pagá uma…uma…uma ressonância magnética, um...uma como é que fala...passa pela... M: Ultrassom? S: Ultrassom, um...um...ultrassom, uma chapa, é tudo pago, o cara vai tirar da onde, ele paga aquilo lá fica sem comê, fica sem pra comprá o remédio, entendeu? Agora

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quando tivé alguma coisa que possa ajudar o trabalhador com menos curso pra ele...entendeu...uma ressonância magnética é mil reais pra você fazê... M: E o que que você acha que poderia mudar quanto a isso lá em Corumbá...quanto a esse atendimento dos trabalhadores acidentados lá na fronteira? S: Mudá ali…é... M: Prá melhorar. S: Não, prá melhorá...dá mais atenção pra quem tá acidentado, atenção mesmo que, entendeu, que comigo mesmo podia ter acontecido coisa grave, entendeu, porque a pessoa tá machucada, aí entra em depressão, aí recebe pagamento do INSS tem que comprá remédio, tem que pagá exame, não tem esse dinheiro, tem sei lá, tem que ter um amparo, amparo, entendeu, um amparo, porque aí os cara tem que vim de lá e tem que vim pra Campo Grande pra fazê um exame, lá num tem, aí tem que pagá passagem, cê entendeu...tem um ônibus que vem mas até hoje num sei nem aonde que...entendeu...um colega meu sempre vem aqui, acidentado também lá, ele vem pra Campo Grande... M: Você acredita que a distância de Corumbá em relação a Campo Grande tem alguma interferência nisso? S: Claro que tem. São 450 quilômetros né? Então, se você precisá, você tem que ir lá pedi, pra arrumá uma vaga pra você, pra você vim pra cá, para você não pagá passagem, mas chegando aqui você tem que pagá, num tem jeito, faz exame pro você fazer um médico particular pra te atender, por que aqui o SUS aqui se você for consultar pelo SUS aqui em Campo Grande você vai ter que esperar a sua vez, vai ter 300, 400 pessoas na sua frente, até lá você já tá todo, entendeu, eu acho que cada um, que cada uma cidade devia ter o seu para cuidar, entendeu...dos principalmente dos doente...que o cara tá...mesmo que ele for trabalhador ele se acidentou no serviço, de tanto trabalhar ele arrebentou a coluna dele, ele precisava tê mais apoio ali, apoio, principalmente da própria empresa, entendeu? Que quando o cara tá bom o cara o...entendeu...bom M: Enquanto ele é util... S: Aí depois que ele ficou doente não presta pra nada e joga o cara pro INSS e lá quem dá conta do trabalhador é o perito, aí ele faz...eu acho que num...não devia ser o nome de perito, deles, devia ser o nome diferente, que você chega lá ele...o que ele qué é uma chance de fazê você trabalhá, num importa se tivé doente, entendeu, o cara nem examina você...ele vai, pega o seu laudo assim, lê...entendeu...aí olha pro cê, fala: "levanta, olha pra lá, pra cá"...nem fala se vai te dar essa alta ou não, manda você pegá o papel lá na frente...você vê já tá... M: Você sai sem saber o resultado? S: Resultado, entendeu, nem pra falar pra você ali ó...comigo não aconteceu, mas aconteceu já com gente, entendeu...eu vejo passoas aí aposentando que tirou um

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dedo, quebrou um dedo da mão aposentado aí e cara com problema sério mesmo não consegue... M: Que é o seu caso... S: É, num consegue... M: Sócrates, a gente tá encaminhando pro final, né, mas eu ainda tenho quatro perguntas pra te fazer. Em que momento você resolveu entrar com uma ação na Justiça do Trabalho por causa do seu acidente? S: Quando a empresa me abandonou...que eu dei, eu dei o meu sangue por ela...entendeu? Aí de repente ela fechou as portas, entendeu, num...pelo menos num deixou alguém pá...pá cuidá de você pelo menos pra falá ó, você tem um seguro de vida...vamo deixa...vamo arrumá...não abandoná...tá certo que quem tava bom procurou outro emprego e foi trabalhar por aí, se virar, mas os que tavam doente, entendeu? M: Quer dizer, se ela tivesse te dado suporte você não teria entrado? S: Não, entendeu, o único erro que a (OMITIDO POR SIGILO) teve comigo foi te abandonado, entendeu, porque eu levei atestado médico, olha aqui ó, tô machucado, e simplesmente ela abandonou, entendeu? Eu não sei se foi gerente, você sabe os seus tão ali machucados, entendeu, aí você pega e simplesmente vende a empresa e ó...descarta eles... M: E nem a Vetorial também... S: E outra...a (OMITIDO POR SIGILO) tinha a siderúrgica e tinha a...a...a...mineração da (OMITIDO POR SIGILO). Porque que não remanejou o pessoal, entendeu? M: Porque a (OMITIDO POR SIGILO) Siderúrgica parou de funcionar mas a mineração continuou? S: A mineração continuou...podia tá lá o serviço...entendeu...não, simplesmente não quis nem saber, mandou embora...podia falá "você vai fazer esse serviço mais leve e nós vamos tratar o que aconteceu com você", mas ela não quis saber não, simplesmente mandou, entendeu... M: Entendi...E você pensa que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz? S: Não...não foi. M: Por quê? S: Porque assim...como é que eu vou explicar pra você? Os documentos que eu tinha não foi porque ele...como eu fui mandado embora, como eu tinha família, tinha que paga luz, tinha que paga agua, da de come pros meus filhos, eu fui obrigado a

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procurar outra empresa, então o que que o advogado da (OMITIDO POR SIGILO) alegou que eu fui trabalhar em outra empresa e que eu tava bem, cê entendeu? Mas o…ele num vê que se eu não dava de comê pros meus filhos, num pagá luz, num pagá água, o que eu faço da minha vida, se eu não fosse procurar outro emprego vou pedir dinheiro pra quem? M: Você trabalhou em outra empresa quanto tempo? S: Quatro meses e não aguentei mais. M: Em que função? S: Forneiro...entendeu? M: Você ainda tentou fazer outro serviço? S: É...tentei...então, depois disso aí que eu entrei com a ação, porque não teve jeito, num dava mais pra trabalhar... M: Quer dizer, antes mesmo de entrar com a ação você tentou trabalhar de novo? S: Tentei trabalhar, entendeu? Mas eu vi que não tinha mais condições...cada dia eu tava pior...foi o que o meu médico falou: "ou você faz a cirurgia ou você vai ficar aleijado, você vai ficar numa cadeira de rodas, daí você não me procura mais", entendeu? M: Entendi...e você acha então que o seu caso não foi bem analisado? S: Não, não foi bem analisado... M: Mas você ganhou uma indenização... S: Mas essa indenização eu tô usando pra compra remédio, pra fazê...é…minhas...meus exames médicos né, pagando médico...médico aqui em Campo Grande o cara me cobrou R$ 400,00 pra fazê uma...uma consulta...R$ 400,00... M: E...e ainda quanto a ação trabalhista, o juiz te ouviu durante a tramitação do processo? S: Não...é... M: Ele sentou você na frente dele, fez perguntas pra você? S: Isso aí eu tinha meus...por exemplo assim...as testemunhas, né...as minhas testemunhas mesmo foram mais as pessoas que...que não eram do meu setor, num sabiam nem o...entendeu, num souberam nem explicar pro juiz... M: Mas você foi ouvido?

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S: Eu falei pra ele, eu falei com ele...quer dizer teve...teve pessoas que tavam contra também...da mesma empresa nossa...que tava da mineração...eu acredito que seja assim ó "ou vocês testemunham a favor da empresa ou vocês vão ser mandados embora", porque eu não acreditei o cara chegá e falá que nós nunca carregamo o cilindro lá no ombro, entendeu? M: E as testemunhas que você levou não eram do seu setor por quê? S: Não, nem da minha turma, num eram nem do... M: Por que eles não quiseram? S: Eles foram lá porque eles era da mineração, eles tavam trabalhando ainda, eles ficaram trabalhando na mineração...e o cara que for lá...que tava...que for lá num era nem do meu setor, eles num faziam entendeu...outra, eu falei pro juiz...pedi permissão pro meu advogado...falei pro juiz "eu posso falá? esse rapaz que tá testemunhando contra nós, ele num é do nosso setor...entendeu...e quando ele...ele entrou na empresa eu já tava há 7 meses trabalhando na empresa, quer dizer, ele num entrou desde o começo como eu...quando eu conheço até os ferro que foram usado pra fazê aqui a usina quando começou ali ó...até o estaqueamento onde foi estaqueado eu trabalhava na empresa...na outra empresa estaqueando tudinho, então eu conheço desde o começo aqui, desde que começaram a desmatar aqui pra fazer e esse senhor ai num sabe nem o que ele tá falando, entendeu? Quando colocaram o elevador depois...8 meses...7 meses que foram colocar o...o...o elevador pra poder levar essas...quando ele chegou eu já tinha quase um ano de serviço, pode olhar a carteira dele e olha a minha”, falei pra ele... M: E, por fim, Sócrates, a nossa última pergunta, é qual o seu sentimento quanto ao resultado do julgamento do seu processo...você acha que houve justiça? S: Em termos né, em termos...aqui no Brasil se você achá que você vai tirar 100% entendeu...dificilmente...em termos...eu acredito que eu tenho que agradecer a Deus por tá com esse dinheirinho que saiu ai pra eu poder pagar essas consultas entendeu, que cada consulta minha é R$ 500,00, R$ 400,00, fora os remédio que eu tenho que comprá...e podia ser pior, podia nem tê me pago, porque do jeito que tá o Brasil hoje em dia, você entendeu...quem pode mais é quem tem dinheiro, quem tem dinheiro é o Eike Batista, eu não tenho, você entendeu, num tô dizendo ele pode chegar paga…tal…só isso aqui pra ele…o restando eu dou pra você…e aí...num tô acusando em nada entendeu, mas quem manda hoje é quem tem dinheiro por que o trabalhador, ainda mais o acidentado, ai é que num vale bosta nenhuma mesmo. M: Mas, no geral, você acha que ficou satisfeito? S: Não, eu num fiquei satisfeito... M: Com a atuação da Justiça? S: Não, ninguém...eu num fiquei satisfeito...

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M: Mas também não foi injusto? S: Não, eu acho assim que podia ser pior, como eu te falei, entendeu? O juiz principalmente ele falou não...é porque eu vejo assim, eu queria que eles fossem lá, sem avisá...chega lá ah, nós vamos tal dia e tal hora...não adianta, não vai pegá nada...num vai pegá nada...chega lá, manda o porteiro abrir e entra pra dentro, você vai vê, aí você pega as coisa...num adianta você entrá numa siderúrgica, numa metalúrgica avisando que você vai lá visitá...que quem num tivé uniforme, quem num tivé aquela botina, vamo colocar tudo dentro do banheiro lá trancado lá, entendeu? Aí vai aparece só os bonitinho...não adianta avisá que vocês vão lá...o Ministério do Trabalho vai lá ou algum...entendeu...pra ver como é que é...vai lá e entra pra dentro aí você vai pegá...se você falá, até a comida melhora quando o pessoal vai lá, entendeu? M: Mudavam a comida? S: Mudavam a comida, ué? Entendeu? O café da manhã era com leite, café com pão, leite, entendeu...mas por quê? Já sabia que o Ministério ia lá, entendeu? Então num adianta, você num vai pegá nada...quando os cara...quando o cara do Ministério pensá que eles vão lá, eles já tão sabendo dentro da empresa, entendeu? Aí num adianta, num pega nada... M: Então tá Sócrates, eu agradeço a sua entrevista, essa era a nossa última pergunta, você deseja falar mais alguma coisa? S: Não, o que eu tinha que falar eu já falei, é isso mesmo... M: Podemos encerrar? S: Entendeu...que eu...como eu falo o Ministério do Trabalho se quisé pega e ir...entendeu... é checa mesmo, checá quem tá trabalhando...tem gente até que nem, nem assinava carteira, num assinou, assinava depois de três, quatro meses que o cara tá trabalhando, o Ministério num vê isso aí não, cê entendeu, então eu acho que esse Ministério...começá...do Trabalho começá a batê, mas sem avisar, vou lá...pega...ai pega...pega muita coisa errada. M: E você acha que isso também é uma condição pra mudar a situação atual? Ter mais fiscalização de surpresa? S: Isso, aí vai ver a realidade do trabalhador, enquanto eles estiverem esquentando a cadeira lá sentadinho no ar condicionado deles, vai mudar bosta nenhuma não, isso que eu falei, sou sincero e assino qualquer tipo de documento...num me arrependo do que eu falo, porque eu sei como é que é, eu fui escondido dentro do banheiro até o Ministério sair...três meses sem uniforme na empresa, entendeu, trabalhando com a roupa que eu tinha de casa...então já me esconderam assim... M: Nessa empresa que você sofreu acidente?

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S: Não...não...outras empresas por aí, entendeu? A melhor que teve em Corumbá de todas foi a (OMITIDO POR SIGILO)...o único poblema que ela abandou entendeu...o pessoal que se machucou trabalhando...entendeu, fazendo os dono ganharem dinheiro...eu...esqueceu, vendeu e esqueceu o pessoal doente, você é obrigado a procurar seus direitos, não é verdade? M: Verdade. S: Obrigado ué...porque que você...até a mulher hoje se você separou, largou ela na pior, ela leva você na justiça e coloca você ali ó... M: Verdade. Então tá bom Sócrates, obrigado pela entrevista... S: Se precisar tamos ai!

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APÊNDICE E – Entrevista de Platão

M: Entrevista com Platão. P: Mas não vai filmar não, né? M: Não, não vou filmar, só gravar. P: Eu não sou muito fotogênico, vai ficar horrível! M: Não, só gravar. Pra provar depois que a entrevista foi realmente feita e em nenhum momento seu nome vai ser divulgado, em nenhum momento seu endereço e dados pessoais vão ser mencionados na minha pesquisa, certo, seu Platão? Seu Platão, qual a sua idade atual? P: 64 anos M: 64? Seu estado civil? P: casado M: O sr. exerce alguma profissão atualmente? P: Olha eu continuo trabalhando na parte de carpintaria. Você viu como é que é a minha bagunça ali? M: Sim. Carpinteiro? P: Eu sou marceneiro e carpinteiro, mas eu uso a carpintaria. O pessoal pede pra reformar porta, eu reform, colocação de porta, eu faço isso aí. M: E a sua escolaridade? P: Eu tenho ensino, como é que fala, ensino médio. M: Ensino médio, até o terceiro ano do segundo grau? P: Exatamente! Formei tudo certinho. Ensino médio. M: É...qual era a sua função na empresa que o sr. se adoeceu? P: Quando eu entrei na empresa, entrei como carpinteiro, aí depois houve um acidente lá dentro da carpintaria e o mestre da marcenaria ele foi fazer um coisa de esmeril e o esmeril quebrou, estourou a vista dele. A vale acabou com a carpintaria. M: Acabou com a sessão? Daí o senhor mudou de função? P: É. eu era muito querido na empresa...pro Dr. (omitido por sigilo). Ele me chamou e falou o seguinte pra mim. Era Dr. (omitido por sigilo). Ele falou: “Seu Benê, eu não sei o que fazer com você. Você é o melhor funcionário que eu considero

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atualmente, que trabalhou comigo que nunca me deu problema e você só tem uma falta na empresa... eu só tinha uma. Todos os anos que eu trabalhei na Vale! Foi no dia do Tetra, tomei whisky, tava sem dinheiro...eu falo isso foi real na minha vida, tenho que ser honesto, e aí não aguentei subir pro morro, aí ele falou: "eu não vou te mandar embora, não tem como, você aceita trabalhar no laboratório?" Eu disse: aceito. Aí fui trabalhar no laboratório. M: Então o Sr. mudou de carpinteiro pra trabalhar no laboratório? P: Aí que eu fui pro pátio, só pra tirar amostra no sol, o dia inteiro. Foi onde aconteceu isso aí. M: E o Sr. percebia algum risco pra sua saúde nessa atividade de laboratório? P: A gente percebia, por causa do sol muito quente, a gente pedia as coisas e na época eles não deram nada. M: Que coisas? P: Era esse protetor solar. Eles não deram. Quem quisesse comprava. Aí quando foi já pertinho, antes de eu sair, chegou um supervisor, ele foi com a minha cara, todo mundo aqui sabia. Ele até ficou sentido comigo de botar a firma no pau, aí esse mandou providenciar, aí veio o protetor solar, depois... M: Depois te quantos anos já que o sr. estava trabalhando já sob o sol? P: Acho que eu saí com…foram vinte e cinco anos, não...vinte e cinco anos de Vale, aí acho que tinha um um ano ele chegou aí que providenciou esse aí...ele pro...acho que uns seis meses antes de eu aposentar que providenciaram isso aí. M: Antes disso não tinha protetor? P: Não tinha, a Vale não dava nada. Aí com esse supervisor, chamava (omitido por sigilo)…esse homem aí...alguns fala até o nome dele...ele foi com a minha cara, gostava de mim, inclusive pra mim sair da Vale ele não queria que eu saísse da Vale. M: O Sr. foi aposentado, né? P: Eu posentei por minha conta...eu tinha 37 anos de serviço, com 60 anos, aí ele falou "não vou te mandar embora, você fica aqui mesmo", aí eu falei, Dr. eu já enjoei disso aqui, por causa desse sol que acaba comigo, pelo amor de Deus...ai ele mandou eu pro, ele falou que ia falar com o diretor, gerente dele, qualquer situação dessa aí, aí ele falou com esse cara e aí conseguiu pra mim...tinha um... M: Mas só no finalzinho então, quando o senhor já tava saindo? P: É, tava saindo.

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M: E o Sr. descobriu que era câncer depois que saiu da empresa? P: Eu tinha 30 dias que eu sai da empresa, mas quando eu tava lá, presta bem atenção, olha a malandragem deles. Eles intimaram o enfermeiro, o enfermeiro já vinha fazendo curativo...ele falava "vai sarar", "vai sarar". M: O enfermeiro da empresa? P: Da empresa. E ele fazia o curativo e não sarava.."vai sarar"...aí tudo esse...eu citei o nome dele, agora eu esqueci o nome dele, faz muito tempo. M: Mas também não tem problema se o Sr. não lembrar. P: O enfermeiro foi ameaçado pela empresa pra ser mandado embora e ele não testemunhou ao meu favor. M: Ele não foi na audiência pra testemunhar? P: Não. M: Tá. P: Ele não...o juiz intimou ele e a outra enfermeira que chama eu de pai...ela veio aqui e falou...ele não vai testemunhar. Ele sabe que o Sr. tá certo, mas a empresa vai mandar ele embora. M: hum hum. E além do protetor solar, que o Sr. achava que era necessário, o Sr. usava algum outro tipo de equipamento de proteção, no seu trabalho? P: Usava o óculos, eu usava. M: Capacete? P: Capacete, tudo. Isso eu usava. M: É só o protetor mesmo que não deram, só deram no final? P: No final, por isso que esse cara pra mim, quando ele apareceu, ele foi na audiência, ele ficou triste comigo, queria nem falar comigo, mas fazer o quê? M: O senhor mudou a função, né, de marceneiro, que acabou a marcenaria e a carpintaria, passou pro laboratório. Quando o ser passou pro laboratório, o sr. foi treinado pro serviço que o Sr. realizava? P: Treinado...treinado la dentro trabalhava tudinho, usava luva, tudo. M: Teve curso, palestra, treinamento adequado?

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P: Teve...não, não teve esse curso, palestra, fui treinado no laboratório, aprendendo a trabalhar com os companheiros, eles que me ensinaram. M: Ah, então o Sr. foi trabalhando e aprendendo ao mesmo tempo? P: Positivo! M: Ah! Esse foi o treinamento que o Sr. tá me relatando. Tá. E como que era a sua chefia, seu Platão? Tinha pressão por produção, cumprimento de metas? P: Antes do (omitido por sigilo), tinha um cara que cobrava da gente, eu não gosto dele, e esse...pode falar essa palavra? M: Pode. P: Ele foi puteado pelo (omitido por sigilo) que expulsou ele da área...ele que era nosso chefe. M: Ele era muito rigido? P: Muito rígido porque cobrava, inclusive nós fomos chamados pra dar aumento, sabe o que ele falou? Que nós ganhava muito bem, que não precisava de aumento, quer dizer, que só ele tinha esse direito...aí o (omitido por sigilo) quando soube disso expulsou ele do pátio, veio assumiu e falou pra ele: "vou dobrar o salário dos seus funcionários"...dobrou o nosso salário, por isso que eu melhorei um pouco pra receber. Ele dobrou meu salário integral, dobrou em duas vezes...que era a frente do serviço, a prioridade da Vale seria a frente de serviço, que era ali a frente que é o laboratório, nós fazia carregamento de gôndola, tudo isso daí. M: Tinha coleta de minério também? P: Olha, o meu serviço era no pátio com sol, receber os caminhão, fazer os lote, tudo isso eu fazia no sol, por isso que eu saí. M: hum hum. P: Agora, esse lance aí que eu fiquei mordido com esse...com a Vale foi esse lance aí de ele não ter coragem de falar que ele fez curativo, que é isso que na audiência falou que nenhum enfermeiro fez curativo em mim. E lá dentro da Vale tem dez colega meu que deu nome pra mim testemunhar, eles ameaçaram mandar embora na época e nenhum deles veio. M: Aí o senhor não conseguiu fazer a prova que o sr. precisava? P: Que foi pego lá na Vale. M: E durante o tempo que o Sr. trabalhou la Sr. Platão, na empresa, o Sr. viu algum fiscal do trabalho indo na empresa, pra fazer fiscalização? Presenciou isso?

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P: Só depois da chegada do (omitido por sigilo). M: Só depois? Isso foi mais menos em que ano? P: Ah, agora sim. M: Mais ou menos. Nós estamos em 2015 e o Sr. saiu em...saiu em 2011. P: 2011 parece...é...foi nessa época mais ou menos...de 2011, antes um pouquinho de 2011, 2010 chegando pra 2011 que teve...aí a Vale começou montar palestras com tudo pra evitar o lance de acidentes. M: Foi só essa vez que foi fiscal lá? O Sr. trabalhou 20 anos né? P: Aí depois a Vale começou a botar gente da parte dela pra fiscalizar. M: Técnico de segurança? P: É. M: Mas fiscal do trabalho mesmo, só uma vez? P: Eu nunca...olha acho que só teve um dia só que apareceu isso aí. M: É...essa doença que o senhor teve lá na empresa, foi somente essa?... Somente o câncer de pele de problema de saúde lá, ou o senhor teve outra doença durante o período que o sr. teve trabalhando? P: Não, acidente nunca tive...quando um houve um problema comigo, foi quando apareceu pressão alta e a glicose, mas nesse ponto tinha um tal de Dalmo que trabalhava lá, na hora ele me socorreu, ele me levou pro pronto socorro, pro Dr...como é que é o nome…como é que é o nome desse medico mesmo…Dr. (omitido por sigilo)...aí já levaram eu pro hospital e já viu que a gliocose tava alta, ele deu assistência no mesmo dia, daí no outro dia eu já fui trabalhar. M: Então, no caso do Sr., só repetindo, o senhor só teve ciência de que era câncer de pele depois que o senhor já tinha se aposentado? P: Positivo! E eu fui, inclusive, eu procurei o Dr. (omitido por sigilo), ele saiu da empresa, senão ele teria me ajudado...o que que aconteceu...ele saiu da empresa porque ele tinha o laboratório, não sei se vc conhece, o Labore lá. Eu falo Labore, ele tinha o Labore, ai ele saiu...eu mesmo já conversei com ele sobre isso. Então Benê, se eu tava lá, esse enfermeiro ia testemunhar. M: E o seu problema de saúde? P: Aí, escuta só, aí eu liguei pra essa mulher que ficou no lugar dele. Ela falou "vc tinha que ter falado 30 dias antes"...30 dias que eu tinha saído da empresa ela não

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quis me dar assistência, não me deu convênio e não fez nada comigo...Eu liguei, falei com essa mulher. M: A partir do momento que o Sr. já tinha se aposentado, o Sr. perdeu o convênio da empresa, certo? E essa doença que o senhor reputa ter sido causada pelo seu trabalho, seu Platão, te trouxe algum problema familiar, emocional ou econômico? P: Acho que nisso aí num... M: Não teve repercussão? P: Não. Filha: não fosse o trabalho da mamãe, ele teria perdido toda a orelha. M: É mesmo? P: é...não...não Maria... Filha: você foi pra CASSEMS. P: Isso aí foi verdade, ela me passou pro convênio dela, fui pra CASSEMS, daí que eu fiz a cirurgia. M: Ah, então o senhor conseguiu se tratar porque a sua esposa trabalhava, trabalha e tinha um convênio médico? P: Isso. Fiz a cirurgia lá. M: Senão, talvez o Sr. teria prejuízo no tratamento? Filha: se fosse pelo SUS ele tinha perdido tudo a orelha. M: O senhor mantém algum contato, relacionamento com ex-colegas de trabalho? P: Mas têm muitos deles que são meus amigos M: Muitos...continua convesando com eles, se encontrando? P: Continuo M: E seu Platão, passou bastante tempo já que o senhor descobriu a sua doença, né, o senhor consegue perceber como e por quê o senhor adoeceu? O senhor tem clareza disso? P: Era devido ao sol...eu sei por causa do doutor..até esqueci o nome dele...na cirurgia disse que por causa do sol...você pegou recentemente isso daí, só que agora não tem mais jeito, só cirurgia.

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M: E na época que o Sr. trabalhava, o Sr. era sindicalizado? P: Eu era, mas o sindicato nunca me deu...nunca procurou me dar apoio. M: E ele, durante o tempo que o senhor trabalhava lá, o sindicato comparecia pra esclarecer pra vocês como prevenir doenças, como prevenir acidente de trabalho, algum treinamento? P: Não...nunca teve uma reunião. M: Então o sindicato nunca orientou vocês quando o senhor trabalhava, a respeito de como prevenir doenças, acidentes? P: (omitido por sigilo) ele também é fluminense, ele é meu amigo, mas ele não teve esse interesse de querer me ajudar. Isso aí eu falo verdadeiramente que ele nunca teve interesse. Inclusive fui lá conversei com ele tudo, falei que meti a Vale no pau, ele falou: "porque você fez isso?" Foi a única palavra dele pra mim. M: E nesse momento, o senhor procurou o sindicato então? P: Procurei, mas num... M: E nesse momento que o senhor procurou o senhor teve algum esclarecimento… P: Eu queria o convênio só, mas a partir do momento que não arrumaram pra mim, eu desisti. M: Mas o senhor teve algum esclarecimento a respeito de que a sua doença, se ela fosse realmente comprovada, que era do trabalho, o senhor teria direito a uma estabilidade no emprego? P: Não. Eu ia receber pelo advogado...eu ia receber uma indenização. M: Hum, hum. P: Eu já tinha feito a cirurgia, então eles poderia até...o convênio médico pra mim era o melhor...o convênio médico da (omitido por sigilo) era excelente...era dez...inclusive aconteceu um lance com a minha esposa que eu devo muito pra (omitido por sigilo). Ela teve um tumor na cabeça e ela foi desenganada pelo médico...ela ia morrer... e aí nós tivemos que ir pra Campo Grande e esse Dr. (omitido por sigilo), quando ele tava lá...ele me chamou mas na hora...me mandou pra Campo Grande junto com a minha esposa me dando férias adiantada...já tava vencida, mas tava programada pra três meses. M: Ele facilitou as férias. P: Facilitou, eu fiquei em Campo Grande com ela, teve que serrar a cabeça pra tirar o tumor.

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M: E o sindicato ele te forneceu auxilio jurídico pro Sr. entrar com a ação trabalhista ou o Sr. teve que contratar advogado particular? P: Eu que fiz por minha conta isso, porque eu não quis procurar ele, porque já que eles não conseguiram o convênio médico pra mim, eu também num ia correr atrás deles...eu quis tentar resolver com o advogado. M: O senhor esperava uma atuação diferente do sindicato? P: Eu esperava que ele conseguisse, inclusive quando eu fui falar pra ele, por isso que eu acho que eu não sei, eu não posso julgar, mas deve ter algum coisa, porque aí quando eu cheguei la, aí eles falou pra mim, nós perdemos a causa...A Vale alega que você pegou esse câncer aqui fora...por isso que eu falei aquela hora, ainda falei pra ele...você quer que eu traga o Dr. (omitido por sigilo) aqui...ele já tinha saído, mas ele ia lá, ele gosta de mim, esse cara é gente fina comigo, e ele que falou que ele ia lá...eu conversei com ele, ele falou "eu vou lá se o advogado me chamar, eu vou lá". M: E a respeito dessa sua doença, né, o Sr. passou por um médico da empresa pra verificar, pra analisar? P: Não. Só o enfermeiro que fazia curativo quando eu trabalhava com problema lá dentro. M: E depois que o Sr. saiu da empresa, ela não te ofereceu nenhum tipo de auxílio? P: Inclusive esse cara ainda trabalha lá, ele é meu amigo, mas ele foi ameaçado, o nome dele é (omitido por sigilo), balanceiro...e ele é santista...ele me levava lá que ele era balanceiro, na hora do almoço ele cansou de me levar lá para fazer o curativo...ele me levava lá e o cara fazia o curativo...ele me levava...se algum dia você conhecer esse (omitido por sigilo), trabalha lá, ele pode confirmar isso pra mim que ele me levou lá, ele me levou, se ele negar, ele é crente, ele não pode mentir...ele me levava lá pra fazer o curativo. M: Quanto o Sr. descobriu que tava com esse problema, o senhor foi na empresa? P: Não, não fui...liguei pra ela. M: Eles te prestaram algum auxílio? P: Nada. Ele falou que já tinha perdido o convênio, que eu tinha que procurar o SUS. Aí a mulher fez esse negócio do convênio médico e aí... M: Então o Sr. acabou nem passando por um hospital público, posto de saúde, nada, foi direto prum médico particular? P: Pelo convênio dela. M: Que era a CASSEMS?

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P: CASSEMS. M: O Sr. acredita que o sistema público de saúde aqui de Corumbá ele tá preparado pra atender esse tipo de doença do trabalho, acidente do trabalho? P: Não tá porque eu fui desenganado em Corumbá, nem aqui em Corumbá não tinha... M: Desenganado porque não tinha solução pro seu problema de saúde? P: Não, eu não...a minha esposa...eu me confundi já...minha esposa foi desenganada que aqui ela ia morrer, teve que ir embora pra Campo Grande. M: Fazer um tratamento particular em Campo Grande? P: Pra fazer a cirurgia da cabeça. M: E o que o Sr. acha que poderia mudar aqui em Corumbá em relação a esse atendimento público aos trabalhadores que adoecem e se acidentam...por que aqui é um grande problema essa questão da saúde, o que o senhor acha? P: A minha teoria é que aqui é o fim do mundo, tá falado pelos palavrão do pessoal que aqui é o "cu do mundo"...eu acho que o governo nunca vai se interessar pelo cu do mundo? M: O fim do mundo porque é muito longe? P: Porque aqui é o final do Brasil...cu do mundo...Como é que vai fazer, nem médico de fora trabalha aqui... M: Entendo...E sobre o seu processo? P: Até hospital daqui tá crítico. Se você fazer pesquisa no hospital vai ver que tá crítico. M: É, eu vi que o estado geral do hospital não é bom. P: E o governo nunca vai investir aqui. (intervenção da esposa) M: E sobre o seu processo na Justiça, seu Platão, já encaminhando pro final da entrevista, em que momento o senhor resolveu ir pra Justiça reclamar seu direito? P: Porque meus colegas tudo falava, minha esposa, depois minha filha mais velha que mudou pra Campo Grande, tudo ficava em cima de mim. Meu cumpradre meu deu conselho sobre isso, minha comadre, meu cumpradre Hermínio, Diana, tudo falava, Benê sua esposa acha que você tem esse direito, vai cara, procura, todo

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mundo tá falando que você vai ganhar, vai lá, procura, ai eu fui né, porque eu num ia fazer isso. M: Você acha que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz? P: Não. M: Por quê? P: Porque é o seguinte, o que ela alegou que eu peguei esse câncer fora é mentira, eu peguei lá dentro, o senhor tá confirmando aí que os enfermeiros faziam curativo, o senhor não tinha isso aqui fora...e trabalhei 21 anos direito, agora que eu lembrei, 21 anos de (omitido por sigilo). M: No sol? P: No sol não...no sol foi 10 anos mais ou menos que eu fui pro sol...fui diretamente pro laboratório e aí... M: Na sua cabeça só podia ser lá que o senhor pegou o câncer? P: Foi...a advogada não podia alegar isso que eu peguei aqui fora. M: Mas em relação ao juiz, o senhor acha que ele julgou adequadamente o seu caso? P: Eu nem fui lá, é isso que me dói, o advogado falou que nós perdemos a questão. M: Mas o senhor não prestou um depoimento? Você não foi na audiência? P: Primeira audiência foi, tava até o (omitido por sigilo), aí essa audiência foi meus colegas tudinho, foi um motorista, dois motoristas...foi gente comigo. M: O juiz sentou o senhor na frente dele pra te ouvir? P: Ouviu tudo, o meu advogado ele tava lá, tava todo mundo lá, aí teve um cara que não me conhecia que ele sabia...aí o juiz mandou eu ficar quieto...que ele falou assim...que ele falou que nós tinha todinho…como é que fala...o negócio de segurança? M: Técnico? Equipamento? P: Que eu tinha os equipamentos de segurança todinho. Eu falei não, nisso aí você tá mentindo, você é mentiroso que eles tão mandando você mentir, você sabe que isso aí só entrou depois que o (omitido por sigilo) chegou que ele pediu isso. Eu ainda falei...ele taí...ele tava lá na sala eu falei...(omitido por sigilo) isso é verdade...você providenciou isso, não ele vir falar que tinha protetor solar, que está mentido, o cara é mentiroso, safado e mentiroso...o juiz disso "cala a boca"...falei lá ué.

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M: E, seu Platão, a última pergunta, qual que é o seu sentimento hoje sobre o resultado do seu processo, você acha que houve justiça no seu caso? P: Não. M: Não pelo fato de o senhor não ter ganho ou pelo fato de que o senhor achou que faltou uma análise adequada do seu caso? P: Eu acho que eles teriam o direito de me examinar e me encaminhar e me curar...me dar o convênio. M: O senhor só queria o tratamento, é isso? P: Eu só queria o tratamento, ela recusou, por isso eu fiquei com raiva que ai meus cumpadre, a mulher...se ela não quis te atender, põe na justiça, aí essa minha filha mais velha ficava no meu pé e a mulher e esse cumpadre meu...larga mão cara...você vai ganhar essa questão, mas num ganhei. (intervenção da mulher) M: A empresa mandou o Sr. fazer algum exame? P: Não. Isso aí...quem tinha que fazer isso, aquele enfermeiro falou que era só uma mordida de mosquito e ele fazia o curativo M: Pelo que eu entendi, quando o senhor teve essa ferida no ouvido o senhor tava trabalhando? P: Tava trabalhando. O enfermeiro tratava mas não pediu nenhum exame. Esse (omitido por sigilo), se ele for um cara legal, ele vai lembrar...eu não quis citar o nome dele porque ele falou pra mim que ele iria perder o emprego porque ele tinha dois filhos...eu falei não, eu não vou citar seu nome não, eu não citei o nome dele...mas o (omitido por sigilo) ele me levou umas três vezes lá pra eu fazer o curativo...ele levou. (intervenção da mulher) P: O meu arrependimento é eu não falar... (intervenção da mulher) M: Seu Platão, nossa entrevista chegou a fim, o senhor quer falar mais alguma coisa? P: Não, não.

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APÊNDICE F – Principais desgastes no setor mineral

Tabela 6 – Principais desgastes encontrados na mineração

DESCRIÇÃO CID-10 % Fraturas e Traumatismos S00 a T14 52

Hérnias K40 a K46 31 Cardiopatias I30 a I52 9

Neoplasias malignas de pele C43 a C44 4 Perda auditiva H60 a H95 4

Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

Tabela 7 – Principais desgastes encontrados na siderurgia

DESCRIÇÃO CID-10 % Fraturas e Traumatismos S00 a T14 53

Hérnias K40 a K46 27 Queimaduras T20 a T32 14

Doenças respiratórias J00 a J99 6 Org. Márcio Alexandre da Silva (2016)

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APÊNDICE G – Termo de Consentimento Livre e Esclare cido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Conforme Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012 do CNS-MS)

Título do Projeto: ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS

OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ

Prezado Senhor(a),

Este Termo de Consentimento pode conter palavras e/ou informações

que você não entenda. Peça ao pesquisador que explique as palavras ou

informações não compreendidas completamente.

O(A) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar, de forma

voluntária, de uma pesquisa científica intitulada ACIDENTES DE TRABALHO E

DOENÇAS OCUPACIONAIS NO SETOR MINERAL DE CORUMBÁ, realizada sob

a responsabilidade de MARCIO ALEXANDRE DA SILVA, mestrando em Estudos

Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal

(Corumbá-MS). No caso do(a) senhor(a) concordar em participar, favor assinar ao

final do documento. O(A) senhor(a) receberá uma cópia deste termo onde consta o

telefone e endereço do pesquisador responsável.

A pesquisa pretende conhecer a percepção do trabalhador sobre a

relação entre trabalho e agravos à saúde no setor mineral de Corumbá. O estudo

será realizado com (ex)-trabalhadores das empresas de mineração e de siderurgia

de Corumbá e que ajuizaram ações trabalhistas em face dessas mesmas empresas

em razão de acidentes ou doenças do trabalho.

Além disso, também é intenção dessa pesquisa verificar, sob a ótica

do trabalhador acidentado que ajuizou ação trabalhista, se a atuação do Poder

Judiciário foi adequada e justa, bem assim apontar as principais dificuldades para

a implementação de medidas de segurança e saúde para o trabalhador da

mineração na fronteira Brasil-Bolívia.

Se aceitar participar deste estudo, será solicitado que responda a

perguntas mediante realização de entrevista, que poderá ser gravada em áudio e/ou

vídeo. Nesse caso, a guarda do material coletado em áudio e/ou vídeo ficará sob a

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inteira responsabilidade do pesquisador, durante o prazo de 5 anos, sendo que após

esse lapso temporal o material será inteiramente destruído. Esclarece-se que a

entrevista não será utilizada, explorada ou reproduzida para outros propósitos que

não aqueles vinculados à pesquisa referenciada no título.

O pesquisador responsável acompanhará o(a) senhor(a) durante o

tempo em que estiver respondendo às perguntas feitas na entrevista, devendo

fornecer-lhe explicações e orientações. A entrevista levará em média 30 minutos

para ser realizada, em uma única sessão, no vosso endereço residencial ou outro

local de sua preferência.

O desenvolvimento da pesquisa não envolve riscos previsíveis à sua

saúde, todavia, os questionamentos acerca das condições de trabalho, organização

do trabalho e/ou relativos à dinâmica dos acidentes/adoecimentos pode gerar

desconforto, aborrecimentos e constrangimentos.

De qualquer modo, esta pesquisa foi planejada de modo a existir um

mínimo de possibilidade de ocorrência de quaisquer danos à dimensão física,

psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, tanto

durante como após a coleta de dados.

Mesmo assim, fica garantido a quem aceitar participar da pesquisa a

liberdade de abandonar o projeto e desistir do mesmo tão logo se sinta de alguma

forma constrangido, ou por quaisquer outros motivos, que não precisam ser

justificados. Sua participação não é obrigatória, e o(a) senhor(a) tem o direito de

não querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, retirando seu

consentimento sem penalidades ou prejuízos de qualquer natureza.

Ao participar desta pesquisa o(a) senhor(a) não terá nenhum

benefício direto. Contudo, espera-se que este estudo traga informações importantes

e esclarecedoras sobre aspectos ligados à saúde e ao trabalho dos operários do

setor mineral de Corumbá, de forma que o conhecimento que será construído a

partir desta pesquisa possa nortear reflexões e práticas de prevenção e promoção

à saúde, por meio de informações que visem diminuir possíveis riscos à saúde dos

trabalhadores.

A aplicação da entrevista será o único procedimento a ser realizado

junto ao(à) senhor(a). Não será garantido qualquer tipo de tratamento gratuito,

cuidado médico ou de saúde em geral aos participantes da pesquisa.

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O(A) senhor(a) não terá nenhum gasto com a sua participação no

estudo e também não receberá pagamento pelo mesmo, sendo que sua identidade

será mantida em sigilo. A menção à sua pessoa, no decorrer da pesquisa, será feita

mediante a utilização das iniciais e/ou de pseudônimos/nomes fictícios.

O(A) senhor(a) não será identificado(a) quando a sua entrevista for

utilizada, seja para propósitos de publicação científica ou educativa. As entrevistas

serão guardadas em lugar seguro, sob a responsabilidade do pesquisador

responsável. De modo algum será revelada sua identidade, número de documentos,

telefone ou empresa para a qual trabalhou.

Sua participação neste estudo é muito importante e voluntária.

Terminada a pesquisa, os resultados, que são de inteira responsabilidade do

pesquisador responsável, estarão à sua disposição, através de seu contato.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMS.

Em caso de dúvidas e/ou denúncias, o Comitê poderá ser contatado também

através do telefone (67) 3345-7187, ou email [email protected].

O pesquisador responsável poderá fornecer qualquer esclarecimento

sobre o estudo podendo tirar dúvidas do projeto e de sua participação em qualquer

momento da pesquisa, bastando estabelecer contato no seguinte endereço e/ou

telefone:

Nome do pesquisador: MARCIO ALEXANDRE DA SILVA

Endereço: Av. Rio Branco, 1270, Vila Mamona, Corumbá/MS -

CEP:79304-902

Telefone: (67) 3234-6863 Email: [email protected]

Declaração de Consentimento: Li ou alguém leu para mim as

informações contidas neste documento antes de assinar este termo de

consentimento. Declaro que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste

estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para

todas as minhas dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido. Compreendo que sou livre para me retirar do

estudo em qualquer momento, sem perda de benefícios ou qualquer outra

penalidade. Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar

deste estudo.

AUTORIZO USO DE IMAGENS E/OU GRAVAÇÃO ( )SIM ( ) NÃO

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Nome do Participante (em letra de forma):

______________________________

Assinatura do

Participante:____________________________Data:___/___/___

Obrigada pela sua colaboração e por merecer sua con fiança

Nome do Pesquisador: MÁRCIO ALEXANDRE DA SILVA

Assinatura do

Pesquisador:___________________________Data:___/___/___

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APÊNDICE H – Roteiro de Entrevista

Dados Pessoais

Nome:

Idade:

Estado Civil:

Profissão atual:

Escolaridade:

CONDIÇÕES DE TRABALHO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Que função e atividade você fazia diariamente na empresa antes do acidente?

Você percebia algum risco para a sua saúde nessas atividades?

Você usava EPI’s? Quais?

Você trabalhava em jornada extraordinária?

O trabalho que você realizava quando ocorreu o acidente/doença exigia rapidez ou esforço físico?

Você foi treinado para fazer o trabalho para o qual foi contratado? No que consistiu esse treinamento e quanto tempo durou?

Como era a sua chefia? Havia pressão por produção, cumprimento de metas ou outras formas de cobrança?

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO

Durante o tempo em que você trabalhou na empresa em que sofreu o acidente, você observou se houve alguma fiscalização por parte dos fiscais do trabalho? Como foi?

SOBRE O ACIDENTE/ADOECIMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Esse acidente (ou doença) foi o(a) primeiro(a) ou já havia sofrido outro acidente anteriormente?

Que tipo de consequências o acidente/doença trouxe para a sua vida profissional (foi demitido, readaptado; ou está encostado pelo INSS)?

O acidente lhe causou algum problema familiar, emocional ou econômico?

Como você enfrentou ou está enfrentando essas dificuldades?

Você mantém algum contato ou relacionamento com os seus ex-colegas de trabalho? Por quê?

PERCEPÇÃO DO NEXO CAUSAL

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Passado algum tempo desde o acidente/doença, você consegue perceber como e por quê se acidentou?

ATUAÇÃO DO SINDICATO

Você era sindicalizado? Por quê?

O sindicato da sua categoria profissional promoveu alguma orientação a respeito de prevenção de acidentes e adoecimentos do trabalho, tais como cursos, palestras ou treinamentos?

O sindicato prestou algum tipo de esclarecimento a respeito do direito que o trabalhador acidentado tem de permanecer no emprego por no mínimo 12 meses após a ocorrência de um acidente de trabalho?

O sindicato prestou algum tipo de auxílio ou informação após o seu acidente?

O sindicato indicou ou lhe ofereceu alguma espécie de orientação jurídica após o acidente?

Você procurou o sindicato após o acidente? Por quê?

Você acha que o sindicato poderia ter outra atuação nas questões sobre acidentes e doenças do trabalho?

SAÚDE PÚBLICA

Quem te socorreu quando você se acidentou?

Você passou por um médico da empresa? E o que ele falou a respeito?

A empresa prestou algum tipo de auxílio ou assistência após o acidente ou doença? Qual?

Você foi encaminhado para onde após o acidente? Você procurou um hospital público, posto de saúde ou Cerest?

Você acredita que o sistema de saúde em Corumbá está preparado para atender acidentes e doenças do trabalho? Por quê?

O que você acha que poderia mudar quanto ao atendimento de trabalhadores acidentes ou doentes por causa do trabalho na fronteira?

ATUAÇÃO DA JUSTIÇA

Em que momento você resolveu ir para a Justiça do Trabalho por causa do seu acidente/doença do trabalho?

Você pensa que o seu caso foi analisado adequadamente pelo juiz? Por quê?

O juiz te ouviu durante a tramitação do processo?

Qual o seu sentimento quanto ao resultado do julgamento? Você acha que houve justiça?

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ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética

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