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Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo: 01719/08.3BEVIS Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo Data do Acordão: 22-06-2012 Tribunal: TCAN Relator: José Augusto Araújo Veloso Descritores: IMPUGNABILIDADE APROVAÇÃO DE PROJECTO DE ARQUITECTURA CASO RESOLVIDO RELATIVO CADUCIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA Sumário: I. O tribunal deve decidir as questões suscitadas pelas partes, mesmo usando novos argumentos, mas não deve decidir questões novas se não forem de conhecimento oficioso; II. O tribunal não terá de apreciar questões, mesmo suscitadas pelas partes, caso o seu conhecimento tenha ficado prejudicado pela solução dada a outras cuja apreciação as devia preceder; III. A partir da entrada em vigor do CPTA, e, nomeadamente, do seu artigo 51º, a impugnabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura passou a ser inegável, pois constitui, em princípio, o reconhecimento definitivo da conformidade desse projecto com instrumentos de gestão territorial, com normas relativas à estética das edificações e à sua inserção urbana e paisagística, introduzindo, assim, efeitos positivos na esfera jurídica do respectivo requerente, que, eventualmente, podem ser lesivos de interesses de terceiros ou de interesses difusos; IV. A centralidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, que já existia no âmbito do RJLMOP, saiu reforçada no actual RJUE, constituindo, essa aprovação, caso resolvido relativo [rebus sic standibus] quanto às questões que nele foram apreciadas;

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Page 1: Acórdãos TCA1

Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 01719/08.3BEVIS

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo

Data do Acordão: 22-06-2012

Tribunal: TCAN

Relator: José Augusto Araújo Veloso

Descritores: IMPUGNABILIDADE

APROVAÇÃO DE PROJECTO DE ARQUITECTURA

CASO RESOLVIDO RELATIVO

CADUCIDADE

OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Sumário: I. O tribunal deve decidir as questões suscitadas pelas partes, mesmo usando novos argumentos, mas não deve decidir questões novas se não forem de conhecimento oficioso;

II. O tribunal não terá de apreciar questões, mesmo suscitadas pelas partes, caso o seu conhecimento tenha ficado prejudicado pela solução dada a outras cuja apreciação as devia preceder;

III. A partir da entrada em vigor do CPTA, e, nomeadamente, do seu artigo 51º, a impugnabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura passou a ser inegável, pois constitui, em princípio, o reconhecimento definitivo da conformidade desse projecto com instrumentos de gestão territorial, com normas relativas à estética das edificações e à sua inserção urbana e paisagística, introduzindo, assim, efeitos positivos na esfera jurídica do respectivo requerente, que, eventualmente, podem ser lesivos de interesses de terceiros ou de interesses difusos;

IV. A centralidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, que já existia no âmbito do RJLMOP, saiu reforçada no actual RJUE, constituindo, essa aprovação, caso resolvido relativo [rebus sic standibus] quanto às questões que nele foram apreciadas;

V. O facto impeditivo da caducidade de 2 anos prevista no artigo 16º nº4 do Decreto Regulamentar nº46/1997, de 17.11, que reclassifica a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto, é o acto final de licenciamento e não a aprovação do projecto de arquitectura;

VI. A não ser que a lei diga o contrário, a caducidade resulta de forma automática do decurso do respectivo prazo, sendo meramente declarativa, não constitutiva, a decisão que a aprecia ou oficiosamente ou a pedido.*

Page 2: Acórdãos TCA1

* Sumário elaborado pelo Relator

Data de Entrada: 15-07-2011

Recorrente: F. ..., Ldª

Recorrido 1: Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade e Município de Aveiro

Votação: Unanimidade

Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional

Decisão: Nega provimento ao recurso

Aditamento:

Parecer Ministério Publico: Não emitiu

1

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

FC. …, Lda. - com escritório na rua …, Avanca, Estarreja - interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Aveiro – 29.03.2011 – que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial que intentou contra o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP, [ICNB] e o contra-interessado Município de Aveiro [MA] – nessa acção especial a autora pediu ao TAF que anule o despacho de 25.08.08 da Vice-Presidente do ICNB, que determinou o embargo da obra por ela levada a cabo, e pediu, a título subsidiário, e para o caso de se vir a entender que a autorização emitida em Maio de 2001 caducou, condene o réu ICNB a emitir uma nova, tendo em conta que não se trata de nova construção mas de uma remodelação.

Conclui assim as suas alegações:

Page 3: Acórdãos TCA1

1- Estando vigente à data em que entrou em vigor o Decreto Regulamentar nº46/97 o DL nº445/91 que regulava o licenciamento de obras, importa apurar, à luz desse diploma legal o que se deve entender por licenciamento e o que alterou com o actual RJUE;

2- A relevância da aprovação do projecto de arquitectura e a definição de questões nomeadamente de planos que tal encerra é actualmente distinta da que vigorava aquando do DL nº445/91. Deve entender-se que licenciamento para os efeitos do artigo 16º do Decreto Regulamentar 46/97 se deve considerar, actualmente, coincidente com a aprovação do projecto de arquitectura. Não houve, portanto, caducidade da autorização. Esta questão foi suscitada na nossa petição inicial, e não foi abordada pelo acórdão recorrido, o que constitui violação da alínea d) do nº1 do artigo 668º do CPC;

3- Sendo a aprovação do projecto de arquitectura anterior à RCM 76/2005, onde foi apreciada a autorização emitida pelo ICNB, não pode ser fundamento ao embargo tal RCM pois que é posterior;

4- Mesmo que se considerasse estarmos perante situação de caducidade da autorização do ICNB tal não opera ope legis sendo necessário acto da administração que o declarasse, sendo que antes deveria conceder à ora recorrente o direito de audição, tanto mais que o comportamento das entidades públicas, incluindo-se o ICNB, foi no sentido de criar uma legitima confiança no recorrente da legalidade da sua actuação. Também esta questão não foi abordada no acórdão recorrido;

5- O acto impugnado viola o princípio da proporcionalidade;

6- Se considerarmos que ocorreu a caducidade da autorização emitida pelo ICN tal equivale à inexistência da mesma. Ora a sanção para a sua inexistência, nos termos do artigo 19º da RCM 76/2005, é uma coima, sendo pois um acto meramente anulável carecendo assim o ICNB de competência para declarar tal;

7- Porque se não está perante novas construções, mas apenas perante a remodelação do até aí existente e licenciado não tem aplicação o fundamento invocado de violação das alíneas c) e d) do artigo 7º da RCM 76/2005;

8- Tendo sido solicitado pela entidade instrutora do procedimento [Câmara Municipal de Aveiro] a emissão do parecer/autorização do ICNB tinha este Instituto de se pronunciar, nos prazos legais, pois para tal foi solicitado. Não é o alegado facto de ter já sido emitido o alvará de licença que justifica tal inacção pois que foi no âmbito do procedimento de licenciamento, reaberto pelas interrogações colocados pelo ICNB ao município, que foi solicitado tal pronúncia ao ICNB;

9- Sendo o Presidente da Câmara órgão competente para providenciar pela consulta das entidades externas, não pode ser assacada responsabilidade à ora recorrente pela não consulta, nomeadamente por a não ter promovido, e tanto mais que apenas pode ter intervenção se o Presidente o não tiver providenciado.

Termina pedindo o provimento do recurso, e a procedência da acção administrativa especial.

Page 4: Acórdãos TCA1

O recorrido ICNB contra-alegou, concluindo assim:

1- Omissão de pronúncia sobre a interpretação do termo licenciamento:

O acórdão recorrido pronuncia-se a página 25 sobre a questão do significado do termo “licenciamento” previsto no artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11;

Nos termos do artigo 660º, nº1, do CPC, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas “as questões” invocadas pelas partes, mas já não, necessariamente, sobre todos os argumentos invocados para cada uma delas;

No mesmo sentido pronunciou-se o STA no seu AC de 21.04.1994;

A interpretação a dar ao termo “licenciamento” comparando, para tal, os diplomas jurídicos que se sucederam em matéria de urbanização e edificação é apenas um douto argumento do recorrente – pois a sua questão de fundo é saber se a aprovação do projecto inicial de arquitectura, só por si, é o acto de “licenciamento” visado no artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11;

Acresce que o ICNB, emitiu a 04.05.2001 um parecer favorável mas condicionado, ou seja, não definitivo;

O projecto de arquitectura é meramente um iter preparatório do procedimento administrativo que culmina com o licenciamento, conforme AC do STJ de 12.03.2008 e de 14.12.2005;

E sobre isso a decisão recorrida pronunciou-se adequada e fundamentadamente, conforme citação supra, devendo ser mantida;

2- Sobre a omissão de pronúncia quanto à inoperatividade ope legis da caducidade:

Também aí “A questão” do recorrente é a de saber se o parecer do recorrido caducou, ou não, nos termos do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, e “um dos argumentos” aduzidos pelo mesmo é o de que tal caducidade não opera automaticamente;

Mas o «facto determinante da caducidade» é, tão só, objectivamente, o decurso de dois anos após a emissão do parecer, nos termos do artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, tal como o acórdão recorrido transcreve e sublinha, ele próprio, a páginas 26 e conclui a página 27;

Ver, entre outros, o AC do STA de 23.10.2007: «[…] o mesmo está extinto, por caducidade, por força vinculativa da lei e por ter ocorrido um facto objectivo – decurso do prazo para conclusão da construção, sem que as obras se tenham, sequer, iniciado – portanto sem dependência da vontade discricionária da Administração e sem que esta tenha abertura legal para poder determinar que o acto retome eficácia. A declaração de caducidade, neste caso, não é constitutiva e, ainda que venha a ser revogada, não afectará a realidade objectiva. O acto está caducado e assim continuará, sem produzir quaisquer efeitos [...]»;

Em conclusão, o parecer do recorrido ICNB, IP, caducou automaticamente, por força da lei e decorridos dois anos após a sua emissão, a decisão recorrida pronunciou-se sobre a questão do recorrente e deve, por isso, ser mantida;

Page 5: Acórdãos TCA1

3- Sobre a aplicação da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 03.12:

O recorrente alega que o acórdão recorrido não poderia ter invocado a Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03, uma vez que o projecto de arquitectura em causa deu entrada na Câmara Municipal de Aveiro em data anterior [28.01.2001];

Ora, em meados de Janeiro de 2008 foram detectados trabalhos de preparação de terreno e escavação para implantação de nova construção, subsequente à demolição de construção existente, ocorrida por volta de Outubro/Novembro de 2007 [factos nºs 13 a 14 dados como provados no acórdão recorrido];

Face à ocorrência, o recorrido ICNB, IP, consultou o processo existente e o último documento enviado à Câmara Municipal de Aveiro datava de 04.05.2001 e consistia num parecer favorável condicionado, ou seja, não definitivo;

E veio a saber que tinha sido emitido o alvará nº26/2007 pela Câmara Municipal de Aveiro [facto nº12 dado como provado no acórdão recorrido];

Pelo que o recorrido ICNB, IP, determinou o embargo a 25.08.2008;

Ora, a partir de 22.03.2005, data da entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03 [artigo 22º], na área de intervenção daquele plano, passaram a ser interditas a realização de novas obras de construção e a alteração à morfologia do solo por escavações ou aterros, nos termos do artigo 7º, nº1, alíneas c) e e);

O recorrente havia procedido à demolição das edificações existentes e a obra em causa é toda ela uma obra NOVA [facto nº13 dado como provado no acórdão recorrido];

E perante um parecer caducado, ou seja, inexistente na ordem jurídica, e que já de si era um parecer condicionado, uma licença nula por esse facto e uma obra iniciada no ano de 2007 o recorrido ICNB, só poderia averiguar da legalidade da obra à luz da lei então em vigor - a Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03;

Pelo que não procede também o argumento de que o acórdão recorrido padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito ao considerar aplicável o artigo 7º, nº1, alíneas c) e e) da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03, que interdita naquela área novas construções;

E não procede, também, o argumento do recorrente de que o licenciamento é meramente anulável nos termos do artigo 19º da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03 – pois como se viu supra, tal licenciamento é nulo, nos termos conjugados dos artigos 2º, nº2, alínea c), e 103º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial [DL nº380/99, de 22.09, e suas alterações], 11º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, e 68º, alínea a), do RJUE;

Devendo ser mantida, por isso, a decisão recorrida;

4- Sobre a alegada violação do princípio da proporcionalidade:

Page 6: Acórdãos TCA1

O recorrente alega, em suma, que o recorrido ICNB, poderia ter utilizado uma medida de tutela menos gravosa do que o embargo e que tal acto é contrário ao interesse público e dos particulares;

Sobre a ponderação entre os interesses públicos e privados já existe abundante jurisprudência uniforme no sentido de que em matéria do bem público “ambiente” [artigo 66º da CRP e artigos 2º e 3º da Lei de Bases do Ambiente - Lei nº11/87, de 07.04, e suas alterações] os bens particulares, nomeadamente o de propriedade, são sempre de valor inferior e economicamente reparáveis, ao contrário daquele;

Veja-se, a título de exemplo, o AC do STA de 25.06.2003;

Quanto à alegada violação do interesse público, com o argumento de que a obra embargada melhoraria o ambiente naquela área: a obra em causa é nova, não há qualquer remodelação, o parecer do recorrido ICNB, IP havia caducado e a licença camarária era nula [ver supra “Sobre a aplicação ao caso da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005”], pelo que não podia o recorrido ICNB, IP, mais fazer senão embargar, nos termos imperativos e sem margem para discricionariedade do artigo 7º, nº1, alíneas c) e e) da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03, que interdita, sem mais, a construção naquela área;

Sob pena de violação da referida Resolução e dos princípios constitucionais da legalidade e da separação dos poderes legislativo e executivo, nos termos dos artigos 2º, 3º, nº3, 266º, nº2 e 112º da CRP;

Pelo que o acto impugnado defendeu correctamente o interesse público e o acórdão recorrido não incorreu em erro de direito ao considerar o mesmo válido, devendo ser mantido;

5- Sobre o termo do procedimento:

Alega o recorrente que o recorrido ICNB, IP, deveria ter emitido segundo parecer quando foi para tal solicitado pela Câmara Municipal de Aveiro a 08.04.2008, quando a licença já tinha sido aprovada por despacho de 22.12.2005 [ver facto nº11 dado como provado no acórdão recorrido];

Dizendo que o procedimento não estava encerrado e que tanto bastava para que o ICNB, IP, tivesse a obrigação legal de emitir segundo parecer;

Ora, nos termos do RJUE [aprovado pelo DL nº555/99, de 16.12, e suas alterações] há dois procedimentos aplicáveis aos autos - de informação prévia, com consultas a entidades externas cujos pareceres condicionem a informação a prestar, nos termos do artigo 15º do RJUE;

E de pedido de licenciamento, com o mesmo tipo de consultas, nos termos dos artigos 18º e 19º daquele diploma;

O projecto em causa só poderia ter sido apreciado ao abrigo destes procedimentos e cumprindo a sequência de actos administrativos estipulados pelos artigos 15º e seguintes e 18º e seguintes do RJUE;

Page 7: Acórdãos TCA1

E após a aprovação da licença por despacho a 22.12.2005, o recorrido ICNB, IP, apenas poderia ter emitido novo parecer a pedido da Câmara numa situação: de caducidade ou de revogação da licença, prevista nos artigos 71º e seguintes do RJUE, o que não é a situação dos presentes autos, pois a licença é nula, podendo apenas dar origem ao procedimento previsto nos artigos 67º e seguintes e fundamentar o embargo da obra [ver supra “sobre a aplicabilidade da Resolução do Conselho de Ministros nº76/2005, de 21.03”];

Pelo que o acórdão recorrido decidiu bem e deve ser mantido;

6- Sobre a impossibilidade do recorrente para solicitar nova consulta:

Sobre a alegada impossibilidade refere Santos, J. A., RJUE Anotado e Comentado, 3ª edição, Dislivro, 2001, página 195, sobre os artigos 18º e 19º do RJUE: «Compete ao Presidente da câmara municipal promover a consulta às entidades […] O interessado pode, no entanto, solicitar previamente os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes, entregando-os com o requerimento inicial do pedido de licenciamento […] O interessado pode solicitar a passagem de certidão da promoção das consultas devidas, a qual será emitida pela câmara municipal no prazo de oito dias. Se a certidão for negativa, o interessado pode promover directamente as consultas que não hajam sido realizadas ou pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal a fazê-lo, nos termos do artigo 112º do presente diploma. O parecer, autorização ou aprovação das entidades consultadas deve ser recebido pelo presidente da câmara municipal ou pelo requerente, consoante quem houver promovido a consulta […]»;

Pelo que tanto basta para concluir que a decisão recorrida não incorreu em erro de direito ao imputar ao recorrente parte da responsabilidade pela situação, devendo ser mantida.

Termina pedindo a confirmação do decidido pelo TAF.

O MA também contra-alegou, concluindo assim:

1- O ICNB emitiu parecer favorável à pretensão da autora condicionado ao cumprimento de dois pressupostos: [1] à prévia definição da cota de soleira do edifício, uma vez que se pretende que o edifício assente numa plataforma sobrelevada, de forma a ficar acima da cota da EN 327, também esta omissa no processo, não devendo a diferença de cotas ser superior a 0,50m; [2] à confirmação, pelos Serviços desta Câmara Municipal, da área total de construção que se considera legal, uma vez que as construções existentes não respeitaram o projecto aprovado;

2- Tais condicionantes seriam aferidas em obra, quando fosse iniciada a reconstrução do empreendimento, o que ditou a própria aprovação do projecto de arquitectura;

3- Tendo em consideração o princípio tempus regit actum, a aprovação do projecto de arquitectura não é subsumível às disposições do PORNDSJ, na medida em que o mesmo foi apreciado e aprovado num momento anterior ao início de vigência do aludido plano, pelo que a sua aplicação retroactiva só poderia aceitar-se, salvo se o próprio Plano dispusesse noutro sentido, prescrevendo expressamente a sua aplicabilidade a processos de licenciamento pendentes, o que não sucedeu;

Page 8: Acórdãos TCA1

4- Acresce que o acto administrativo da aprovação do projecto de arquitectura é validamente emitido se não contrariar as normas vigentes no momento em que for praticado, sendo-lhe indiferente qualquer alteração normativa superveniente, atento a que momento destinado à verificação da conformidade é o da apreciação do projecto de arquitectura;

5- Apesar de o artigo 16º nº4 do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11 estabelecer que “As autorizações emitidas pela comissão directiva da Reserva Natural ao abrigo do presente diploma caducam decorridos dois anos sobre a data da sua emissão, salvo se nesse prazo as autoridades competentes tiverem procedido ao respectivo licenciamento”, a caducidade, em sede de direito administrativo, tem que ser expressamente declarada, o que não aconteceu;

6- Nos termos do artigo 60º do DL nº555/99, de 16.12, na redacção do DL nº177/2001, de 4.06, “A concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor, ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação”.

Termina pedindo o provimento do recurso da autora, bem como a procedência da sua acção.

O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].

De Facto

No tocante ao julgamento sobre a matéria de facto, que não se mostra impugnado, e porque não vemos necessidade de proceder a alterações no âmbito do que aí foi dado como provado, remetemos, apenas, para os termos dessa decisão do TAF de Aveiro [ver as folhas 9 a 17 do acórdão recorrido, que correspondem a folhas 229 a 237 do suporte físico dos autos. Ver o artigo 713º nº6 do CPC ex vi 140º do CPTA].

De Direito

I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. A autora da acção administrativa especial pediu ao TAF de Viseu [sendo que a acção transitou, posteriormente, para o TAF de Aveiro] que anulasse o despacho de 25.08.08 da Vice-Presidente do ICNB, que determinou o embargo da obra por ela levada a cabo, e pediu, a

Page 9: Acórdãos TCA1

título subsidiário, e para o caso de se vir a entender que a autorização/parecer emitida em 04.05.2001 caducou, que condenasse o ICNB a emitir outra nova, tendo em conta que não estamos face a nova construção, mas antes a uma remodelação.

Para tanto, defende que a autorização/parecer emitida pelo ICNB em 04.05.2001 não caducou, antes se consolidou com a aprovação do projecto de arquitectura em 19.01.2002 [invoca a favor desta tese o disposto no artigo 20º, nº1, nº3 e nº6, do RJUE aprovado pelo DL nº555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL nº177/2001, de 04.06], mas que, mesmo que se entendesse que esse prazo de caducidade tinha a ver com a data da aprovação do licenciamento, em 22.12.2005, certo é que o incumprimento do mesmo nada tem a ver com a sua conduta, sendo totalmente abusivo fazer cair sobre ela as consequências dos atrasos da Administração. E por isso, conclui, o acto de aprovação do licenciamento não é nulo, como pretende o réu ICNB através do despacho impugnado.

Defende, ainda, que este acto de aprovação do licenciamento não é nulo com base em alegada violação do artigo 7º, alíneas c) e e), da Resolução do Conselho de Ministros 76/2005, por não se verificarem, no caso, as hipóteses de interdição aí previstas [refere em abono da sua tese os artigos 2º, 4º e 16º, dessa RCM nº76/2005, e 67º e 60º do RJUE invocado pelo réu].

Acrescenta que a circunstância do ICNB nada ter dito, de facto, ao seu início e prosseguimento das obras, apesar de ter sido avisado disso mesmo, configura violação dos princípios da boa-fé e eficiência.

Por fim, alega que se ocorrer caducidade da autorização/parecer do ICNB de 04.05.2001, então, atento o preceituado no artigo 16º nº2 da RCM 76/2005, a solicitação feita pela CMA em 08.04.2008, e porque estamos perante obra de reconstrução, deverá o réu ICNB emitir uma nova autorização/parecer.

O TAF de Aveiro julgou improcedente o pedido impugnatório, por considerar que o embargo, face aos fundamentos em que se estribou, foi determinado em obediência aos pressupostos de facto e de direito exigidos por lei [ver designadamente artigos 7º, nº2 alínea f), 11º, alínea a), 16º, nº4 e nº5, do Decreto-Regulamentar nº46/1997], e improcedeu, também, o pedido subsidiário dirigido à condenação à prática do acto tido como legalmente devido, por considerar não verificados os respectivos requisitos legais [refere-se aos artigos 19º, nº1, nº5 e nº8 a nº11, do RJUE, 16º, nº3, do Decreto-Regulamentar 46/97, de 17.11, e 67º do CPTA].

A autora, ora enquanto recorrente, imputa uma nulidade e erro de julgamento de direito ao acórdão recorrido. Nulidade com base em alegada omissão de pronúncia [668º nº1 alínea d) CPC]. Erro de julgamento de direito quanto à improcedência do pedido impugnatório e quanto à improcedência do pedido condenatório.

Não é posto minimamente em causa, neste recurso jurisdicional, o julgamento efectuado pelo TAF quanto à matéria de facto, que, por isso mesmo, temos como assente quer na sua fidelidade quer na sua suficiência.

À apreciação daquela nulidade e destes erros de julgamento se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional.

Page 10: Acórdãos TCA1

III. Da nulidade imputada ao acórdão recorrido.

Alega a recorrente que o TAF de Aveiro, no seu acórdão, omitiu pronúncia sobre duas questões que por ela tinham sido suscitadas na petição inicial: - a da interpretação a dar ao termo licenciamento previsto no artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, à luz do regime do licenciamento de obras; - e a da inoperatividade automática da caducidade prevista, também, nessa norma legal.

Efectivamente, o artigo 668º nº1 do CPC [aplicável supletivamente por força do artigo 1º do CPTA], comina com a nulidade a sentença, ou o acórdão, em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar [d)].

O âmbito jurídico desta causa de nulidade já está sobejamente delimitado pela doutrina e pela jurisprudência. Limitar-nos-emos, pois, a aflorá-las, no intuito único de enquadrar a questão a decidir.

Assim, é verdade que o tribunal deverá decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja solução esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha conhecimento oficioso de outras [artigo 660º nº2 CPC, e 95º nº1 do CPTA]. Porém, e neste âmbito, há que distinguir entre questões e fundamentos, pois que se a alínea d) do artigo 668º sanciona com a nulidade o conhecimento de uma questão [porque não suscitada nem de conhecimento oficioso], ou a omissão de conhecimento de questão que foi suscitada [ou que é de conhecimento oficioso], já não proíbe que o juiz decida o mérito da causa, ou as questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em razões jurídicas novas [porque não utilizadas pelas partes - note-se que, quanto a razões de facto, sempre o julgador estará limitado pelo princípio do dispositivo – artigos 264º e 664º do CPC ex vi 1º CPTA], ou deixe de apreciar algum dos fundamentos que estribam questões suscitadas pelas partes. Deste modo, questões, para o referido efeito sancionatório, são todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requerem a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de um qualquer acto especial, quando debatidos entre elas [Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112; ver Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228; ver, entre outros, AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816, AC STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; AC STA de 10.03.2005, Rº046862]. O importante é, pois, que o tribunal decida as questões suscitadas pelas partes, mesmo usando argumentos novos, e não decida questões novas se não forem de conhecimento oficioso. Mas, note-se, o tribunal não terá que apreciar questões, mesmo suscitadas pelas partes, no caso de terem ficado prejudicadas pela solução dada a outras cujo conhecimento as devia preceder.

No nosso caso, a interpretação a dar ao termo licenciamento, que é previsto no artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, à luz do regime do licenciamento de obras, traduz-se em mais um argumento, um fundamento, utilizado pela aí autora na ânsia de fazer vingar a sua tese sobre a consolidação da autorização/parecer emitido pelo então ICN com a

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aprovação do projecto de arquitectura, e, assim, concluir-se pela ilegalidade da caducidade daquela. Temos, pois, que a questão da caducidade, ou não, da autorização/parecer, é a verdadeira questão a exigir pronúncia do TAF, sendo a interpretação a dar ao termo licenciamento um mero fundamento da mesma.

Ora, devidamente compulsado o acórdão recorrido, verificamos que nele foi tratada não só a questão da caducidade, mas também o concreto fundamento reclamado pela ora recorrente. Senão vejamos este trecho do acórdão:

[…]

Ora, independentemente da bondade dos argumentos aduzidos pela autora, a propósito da qualificação do acto de aprovação do projecto de arquitectura […] o certo é que, como aliás a autora acaba por reconhecer, nos termos em que é desenhado no Regime Jurídico de Urbanização e Edificação [aprovado pelo DL nº555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL nº177/2001, de 04.06, aplicável à situação dos autos, atento o princípio tempus regit actum] o procedimento de licenciamento não é a aprovação do projecto de arquitectura [prevista no artigo 20º nº3 do RJUE] que consubstancia o acto de licenciamento, já que esse constitui a decisão final do respectivo procedimento previsto no artigo 23º do RJUE, no que aliás são também consentâneas a Doutrina e Jurisprudência citadas. Assim, é a decisão final do procedimento de licenciamento [proferida nos termos do artigo 23º do RJUE] que constituiu o acto de licenciamento. Pelo que é por referência àquela decisão final, e não por referência ao acto de aprovação do projecto de arquitectura [a que se refere o artigo 20º nº3 do RJUE], como se verá, que deve ser aferido o prazo de caducidade de dois anos a que alude o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11. Não procedendo, neste aspecto, a arguição da autora.

[…]

De igual modo, também a falta de operatividade automática da caducidade referida no nº4 do artigo 16º do dito Decreto Regulamentar foi articulada pela aí autora como fundamento, mais um, em favor da tese, que é a sua, que defende a vigência da autorização/parecer do ICNB. E não obstante ser fundamento, e não questão, mais uma vez não é verdade que mesmo esse fundamento não tenha sido tratado no acórdão recorrido. Nele se diz, de facto que […] No caso dos autos foi obtida e concedida autorização prévia […] a qual foi emitida em 04.05.2001 pelo ICN […]. Todavia, não obstante o projecto de arquitectura que havia sido apresentado em 28.01.2001 pela autora ter sido aprovado por despacho de 19.01.2002 […] apenas em 22.12.2005 foi proferido despacho pelo qual foi proferida a decisão final de aprovação do pedido de licenciamento, que veio a ser notificado à autora por ofício de 29.12.2005 […]. Assim sendo, é forçoso concluir que à data em que foi proferida aquela decisão de licenciamento municipal [22.12.2005] já haviam decorrido os dois anos a que alude o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11. Sendo irrelevante, nesta sede, a quem são imputáveis as circunstâncias que motivaram o hiato temporal decorrido entre uma data e outra […]. Ora, neste trecho do acórdão está subjacente, sem dúvida, a tese contrária à defendida pela autora e ora recorrente, no sentido da operatividade ope legis da caducidade prevista na referida norma legal.

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Em face do exposto, e sem necessidade de mais delongas, deve ser julgada improcedente a nulidade, por omissão de pronúncia, que foi imputada pela recorrente ao acórdão recorrido.

IV. Dos erros de julgamento de direito.

Como já deixamos dito, no ponto II supra, a recorrente imputa ao acórdão do TAF erro de julgamento de direito quanto ao decidido sobre o pedido impugnatório e quanto ao decidido sobre o pedido de condenação à prática do acto tido por legalmente devido.

No que concerne à improcedência do pedido de anulação do acto impugnado, a recorrente diz que o julgamento do TAF é errado, com base no seguinte: - o licenciamento referido no artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, deve ser interpretado como referindo-se à aprovação do projecto de arquitectura, e que, por isso, não ocorreu a caducidade da autorização/parecer do ICNB; - as normas da RCM 76/2005, de 21.03, porque posteriores à aprovação do projecto de arquitectura, não podem fundamentar o embargo; - mesmo que se considerasse como termo ad quem da caducidade o licenciamento final da obra, certo é que a caducidade não opera automaticamente, e não foi declarada; - o acto impugnado viola o princípio da proporcionalidade; - a caducidade da autorização do recorrido conduziria, quando muito, à anulação do acto de licenciamento da obra, não à sua nulidade; - e mesmo a admitir a aplicação ao caso da RCM nº76/2005, de 21.03, as alíneas c) e e) do seu artigo 7º nunca seriam aplicáveis ao caso.

No tocante à improcedência do pedido de condenação à prática do acto legalmente devido, e segundo a recorrente, o julgamento do TAF é errado, com base no seguinte: - perante a solicitação feita pelo MA ao ICNB, na informação datada de 08.04.2008, este teria de sobre ela se pronunciar dentro dos prazos legais; - não pode ser assacada à recorrente responsabilidade pela não consulta de entidades exteriores ao MA.

Cumpre-nos, antes de prosseguir, e porque o objecto do recurso jurisdicional é constituído pelo acórdão recorrido, que nele deverá ser afrontado pelo recorrente, dizendo do que discorda e porque discorda, fazer uma triagem das questões que, alegadas e levadas às conclusões de recurso, constituem realmente objecto deste recurso jurisdicional [artigos 676º nº1 e 684º nº3 CPC; a propósito, AC STA/Pleno de 03.04.2001, Rº39531; AC STA de 09.05.2001, Rº47228; AC STA de 14.12.2005, Rº0550/05].

Constatamos, assim, que relativamente ao pedido impugnatório não foram abordadas, no acórdão recorrido, as causas de invalidade relativas à violação do princípio da proporcionalidade e ao erro sobre os pressupostos de facto e de direito concernentes às alíneas c) e e) do artigo 7º da RCM nº76/2005, de 21.03, melhor, do Regulamento do Plano de Ordenamento da Reserva Natural das Dunas de São Jacinto [RPORNDSJ] aprovado por essa Resolução do Conselho de Ministros.

Resulta, pois, que os alegados erros de julgamento referentes a essas causas de invalidade não o são, porque nem sequer foi feito o respectivo julgamento de direito, sendo certo que não foi invocada, e agora pela recorrente, a pertinente omissão de pronúncia.

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Tais fundamentos de erro de julgamento não serão, portanto, objecto de apreciação por este tribunal superior, que não pode, nem deve, nestas circunstâncias, apreciá-los em primeira instância.

V. Relativamente ao pedido de anulação do acto impugnado, foi o seguinte o julgamento do TAF de Aveiro:

[…]

[…] o certo é que, como aliás a autora acaba por reconhecer, nos termos em que é desenhado no RJUE [aprovado pelo DL nº555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL nº177/2001, de 04.06, aplicável à situação dos autos, atento o princípio tempus regit actum] o procedimento de licenciamento, não é a aprovação do projecto de arquitectura [prevista no artigo 20º nº3 do RJUE] que consubstancia o acto de licenciamento, já que esse constitui a decisão final do respectivo procedimento previsto no artigo 23º do RJUE, no que aliás são também consentâneas a Doutrina e Jurisprudência citadas. Assim, é a decisão final do procedimento de licenciamento [proferida nos termos do artigo 23º RJUE] que constitui acto de licenciamento. Pelo que é por referência àquela decisão final, e não por referência ao acto de aprovação do projecto de arquitectura [a que se refere o artigo 20º nº 3 RJUE], como se verá, que deve ser aferido o prazo de caducidade de dois anos a que alude o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11. Não procedendo, neste aspecto, a arguição da autora.

Atentemos no disposto no artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11 – diploma que na sequência da publicação do DL nº19/93, de 23.01 [que criou o novo quadro de classificação das áreas protegidas nacionais] reclassificou, segundo os critérios aí estabelecidos, como reserva natural a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto [que já havia sido criada pelo DL nº41/79, de 06.03] – onde se insere o prédio da autora, ao abrigo de cujos nºs 4 e 5 foi proferida a decisão de embargo aqui impugnada.

É o seguinte o disposto naquele artigo:

Artigo 16º

Autorizações

1- Salvo disposição em contrário, as autorizações emitidas pela comissão directiva da Reserva Natural não dispensam outros pareceres, autorizações ou licenças que legalmente forem devidos.

2- A Reserva Natural pode fazer depender de uma avaliação de impacte ambiental, como formalidade essencial, nos termos do DL nº186/90, de 6 de Junho, e do Decreto Regulamentar nº38/90, de 27 de Novembro, a autorização para os actos e actividades referidos no artigo 11º.

3- Na falta de disposição especial aplicável, o prazo para a emissão das autorizações pela comissão directiva da Reserva Natural é de 60 dias.

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4- As autorizações emitidas pela comissão directiva da Reserva Natural ao abrigo do presente diploma caducam decorridos dois anos sobre a data da sua emissão, salvo se nesse prazo as entidades competentes tiverem procedido ao respectivo licenciamento.

5- São nulas e de nenhum efeito as licenças municipais ou outras concedidas com violação do regime instituído neste diploma.

Inserindo-se, como se insere, o prédio da autora [identificado em 1 supra da factualidade assente] em área abrangida pela Reserva Natural das Dunas de São Jacinto [nos termos em que a mesma foi classificada e definida pelo Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11] necessário é que no âmbito do licenciamento da intervenções urbanísticas, mormente aquela para a qual a autora requereu em 28.01.2001 nos serviços do MA o respectivo licenciamento [operação que ali apelidou de «reconstrução de um empreendimento turístico» para aquele local, nos termos do requerimento que constitui o documento nº15 do PA remetido pelo MA], sejam efectuadas consultas às entidades externas, no caso o então ICN [ver artigo 19º nº1 do RJUE], com vista à obtenção da autorização prévia a que, nos termos do disposto no artigo 11º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, estão sujeitos os seguintes actos e actividades a levar a cabo em área abrangida por aquela Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto:

a) A realização de obras de construção civil, designadamente novos edifícios e reconstrução, ampliação ou demolição de edificações, exceptuando as obras de simples conservação, restauro, reparação ou limpeza;

b) A alteração do uso actual dos terrenos ou da morfologia do solo por novos povoamentos florestais ou sua reconversão;

c) A alteração à morfologia do solo pela abertura de poços, furos e captações;

d) A alteração à morfologia do solo pela modificação do coberto vegetal através da realização de cortes rasos de povoamentos florestais, bem como pela redução do coberto arbóreo ou arbustivo e pelo corte individual de espécies arbóreas e arbustivas autóctones, exceptuando as situações de emergência, nomeadamente as decorrentes de combate a incêndios;

e) A abertura de novas estradas, caminhos ou acessos, bem como o alargamento ou qualquer modificação dos existentes, e obras de manutenção e conservação que impliquem a destruição do coberto vegetal;

f) A instalação de infra-estruturas eléctricas e telefónicas, aéreas e subterrâneas, de telecomunicações, de gás natural, de saneamento básico e de aproveitamento de energias renováveis fora dos perímetros urbanos;

g) A instalação, afixação, inscrição ou pintura mural de mensagens de publicidade ou propaganda, temporárias ou permanentes, de cariz comercial ou não, incluindo a colocação de meios amovíveis, fora do perímetro dos aglomerados urbanos, com excepção da sinalização específica da Reserva Natural ou da respectiva Câmara Municipal;

h) A recolha de amostras geológicas e de espécies zoológicas e botânicas sujeitas a medidas de protecção, que pela sua natureza não decorrem da normal actividade agrícola.

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No caso dos autos foi obtida e concedida autorização prévia, em sede de consulta externa promovida pelo MA, a qual foi emitida em 04.05.2001 pelo ICN [junta a folha 26 dos autos] – ver 7 e 8 supra da factualidade assente.

Todavia, não obstante o projecto de arquitectura que havia sido apresentado em 28.01.2001 pela autora ter sido aprovado por despacho de 19.01.2002 [ver 6 a 9 supra da factualidade assente], apenas em 22.12.2005 foi proferido despacho pelo qual foi proferida a decisão final de aprovação do pedido de licenciamento, que veio a ser notificado à autora por ofício de 29.12.2005 [ver 11 supra da factualidade assente].

Assim sendo, é forçoso concluir que à data em que foi proferida aquela decisão de licenciamento municipal [22.12.2005] já haviam decorrido os dois anos a que alude o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11. Sendo irrelevante, nesta sede, a quem são imputáveis as circunstâncias que motivaram o hiato temporal decorrido entre uma data e outra, e por conseguinte a invocação de ocorrer abuso de direito ou de que deveria ter sido suspenso o procedimento nos termos do artigo 31º do CPA [ver artigos 35º a 39º da petição inicial], já que, por um lado, estamos em face de um acto vinculado, e por outro a entidade que conduziu o processo de licenciamento e proferiu o respectivo acto final de licenciamento [o MA] é distinta e autónoma da entidade que emitiu, e que é a quem incumbe, nos termos da lei, emitir a respectiva autorização prévia [o ICN]. Quando muito tal juízo de imputação apenas será relevante em sede de respectiva responsabilização, sendo certo, porém, que na eminência do decurso do prazo de caducidade da autorização prévia sempre existiria a via de pedido de renovação de tal autorização ou de emissão de nova. O que não foi feito nem pelo MA nem pela autora. Nem é de acolher a argumentação de que a autora lança mão [ver 2º parágrafo do artigo 54º da petição inicial] de que o ICNB, IP deveria ter emitido autorização e que não o fez apesar de solicitado para tal em Abril de 2008 pelo MA. É que quando no seu ofício de 08.04.2008 [junto a folhas 32-33 dos autos] o MA presta as informações que haviam sido solicitadas pelo ICNB, IP, fazendo, a final, a seguinte menção «nestes termos apelamos à Vossa compreensão para o lapso decorrido na falta de resposta às questões do parecer do ICN e solicitamos a emissão do parecer favorável» [ver 15 supra da factualidade assente] não só há muito havia caducado o acto de autorização prévia [de 04.05.2001] mas também há muito havia sido emitido o acto final de licenciamento [o referido despacho de 22.12.2005].

Tendo já caducado a autorização prévia à data em que foi emitido o acto de licenciamento, conforme vimos supra [ver nº5 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11] forçoso é também concluir, como fez o ICNB, pela nulidade do acto de licenciamento [ver nº6 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11].

Nada há, a apontar, neste aspecto, à actuação do ICNB, quando em 25.08.2008 decidiu embargar a obra, pelos fundamentos em que o fez, tendo actuado em obediência à lei e observância dos seus requisitos e pressupostos de facto e de direito – designadamente, ver artigos 7º nº2 alínea f), 11º alínea a), 16º nºs 4 e 5 do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11.

Improcede, pois, o pedido impugnatório dirigido ao despacho de 25.08.2008 da Vice-Presidente do ICNB, IP, que determinou, nos termos da Informação 68/GJ/08 a que aderiu, o embargo da obra.

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[…]

Em causa está o despacho de 25.08.2008 da Vice-Presidente do ICNB, IP, que decretou o embargo da construção de empreendimento turístico na área de Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto [RNDSJ], à margem da EN 327, levada a cabo pela dona da obra, ora recorrente, ao abrigo do alvará de licença administrativa nº26/2007, da CMA, com fundamento na informação nº68/GJ/08.

Esta informação, fundamento do acto impugnado, conclui assim:

[…]

IV. Proposta de decisão

Face ao expediente que corporiza o presente procedimento e atendendo aos termos da pronúncia apresentada pela interessada sociedade FC. …, Lda., mostra-se juridicamente sustentada uma eventual determinação imediata das obras a decorrer na EN 327, na freguesia de S. Jacinto, concelho de Aveiro, com os seguintes fundamentos de facto e de direito:

a) Inexistência de parecer prévio da RNDSJ por força da caducidade do parecer/autorização condicionada emitida ao abrigo pelo ofício 258/2001 RPNA de 4 de Maio de 2001, com fundamento no nº4 do artigo 16º do DR 46/97, de 17 de Novembro, porquanto decorridos dois anos sobre aquela data não foi proferido o respectivo licenciamento, sendo este datado de 22.12.2005 - facto que torna tal licenciamento nulo e ineficaz;

b) Violação das alíneas c) e e) do artigo 7º do RCM 76/2005, de 21 de Março, que aprovou o Plano de Ordenamento da Reserva Natural das Dunas de São Jacinto, uma vez que a obra [composta de empreendimento turístico de tipo Estalagem] que o requerente está a edificar na EN 327, na freguesia de S. Jacinto, concelho de Aveiro, titulada pelo alvará 26/2007 emitido em 29.10.2007, pela CMA, bem como as escavações ocorridas, consubstanciam actos interditos na área em causa nos termos dos citados preceitos – facto que também torna tal licenciamento nulo e ineficaz por violação do artigo 67º do RJUE.

Há, pois, dois motivos fundamentais que determinam o embargo da obra, que são a falta de parecer prévio da RNDSJ, por força da caducidade da autorização condicionada emitida, em 04.05.2001, pelo então ICN, e a alegada violação das alíneas c) e e) do artigo 7º da RCM nº76/2005, de 21.03, que aprovou o Plano de Ordenamento da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto [PORNDSJ]. Mas, note-se, este último motivo apenas surge, na economia do despacho impugnado, porque nele se considerou ter caducado a autorização de 04.05.2001, pois se assim não fosse não poderia ser aplicado ao caso o PORNDS, isto por imposição do princípio segundo o qual tempus regit actum.

O TAF entendeu que o licenciamento referido no nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, é o licenciamento final da obra, e não a aprovação do seu projecto de arquitectura, e, por isso mesmo, concluiu ter caducado a autorização emitida em 04.05.2001. Entendeu, também, que esta caducidade opera automaticamente, não precisando de ser declarada pelo ICNB.

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A primeira questão a resolver, por basilar, é pois a de saber se a autorização/parecer emitida pelo então ICN em 04.05.2001 caducou ou não caducou. E isso passa por interpretar correctamente o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17 de Novembro [9º CC].

É sabido que a jurisprudência do STA afirmou, e durante muito tempo, que o acto de aprovação do projecto de arquitectura não era, em princípio, acto contenciosamente impugnável por terceiros, nem acto constitutivo de direitos, designadamente do direito de construir em sua conformidade, para o próprio beneficiário.

Entendia-se que essa aprovação constituía acto preparatório da decisão final de licenciamento, sem autonomia funcional para, por si só e desde logo, ter uma eficácia lesiva imediata e efectiva na esfera jurídica de terceiros. É que após a prolação dessa autorização teriam de ser praticados outros actos, antes de ser proferida a decisão final sobre o pedido de licenciamento de construção, e por essa razão ele não surgia como acto horizontalmente definitivo, admitindo-se a sua impugnabilidade imediata apenas excepcionalmente, em situações em que essa aprovação pudesse determinar, por si só, efeitos lesivos na esfera jurídica de terceiros.

Esta visão das coisas decorria do princípio da impugnação unitária, vertido no artigo 25º nº1 da LPTA, onde se afastava a recorribilidade de actos inseridos em procedimentos administrativos que, por não lhe porem termo, não eram tidos como horizontalmente definitivos. Esta norma de 1985 - a LPTA foi aprovada pelo DL nº267/85 de 16.07 - posteriormente confrontada com a nova redacção dada ao artigo 268º nº4 da CRP pela Lei Constitucional nº1/89, veio a gerar dúvidas de constitucionalidade, nomeadamente quando aplicada ao acto de aprovação do projecto de arquitectura, dúvidas essas que acabaram resolvidas, a seu favor, pelo Tribunal Constitucional [AC TC nº40/2001, de 31.01.2001, Rº405/99, no qual se escreve que o acto administrativo de aprovação de um projecto de arquitectura, inserido num procedimento que conduz à emissão de outro acto administrativo final (…), enquanto acto funcionalmente não autónomo porque susceptível de ser alterado, não deve ser destacado do procedimento administrativo, pois não se reveste de autonomia quanto a eventuais efeitos lesivos, já que o acto administrativo em que culmina o procedimento administrativo é que lesa directamente o particular, consumindo, pela afirmação da legalidade das obras a efectuar, os efeitos produzidos pelo anterior acto].

Não obstante a doutrina ir defendendo, de forma praticamente unânime, tese contrária à que ia sendo adoptada pela jurisprudência nomeadamente do STA, esta ia retorquindo que a sua interpretação e aplicação da lei era a que correspondia à opção legislativa feita na LPTA sobre o critério de recorribilidade contenciosa de actos administrativos, e que, por isso mesmo, era esse o critério que num Estado de Direito teria de ser adoptado pelos tribunais, salvo nos casos em que, por força de norma especial ou de norma de hierarquia superior, tivesse de ser admitida a impugnabilidade contenciosa imediata de actos administrativos inseridos em procedimento, e que, assim, […] os actos de aprovação do projecto de arquitectura eram actos preparatórios da decisão final sobre o pedido de licenciamento de construção, pois àqueles actos se seguiam outros actos procedimentais e, por isso, careciam de definitividade horizontal, não sendo, em regra, susceptíveis de impugnação contenciosa directa, só o sendo quando afectassem imediatamente a esfera jurídica de quem os pretendesse impugnar,

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situação em que a impugnabilidade contenciosa imediata era imposta pelo artigo 268º, nº4, da CRP [citação retirada do AC STA de 25.01.2006, Rº01127/05. Sobre a referida posição do STA ver, entre muitos outros, AC STA de 21.03.96, Rº39097; AC STA de 10.04.97, Rº039573; AC STA de 05.05.98, Rº43497; AC STA de 17.11.98, Rº43772; AC STA de 30.09.99, Rº44672; AC STA de 20.01.2000, Rº045166; AC STA de 23.05.2000, Rº45768; AC STA de 28.11.2000, Rº46506; AC STA de 23.01.2001, Rº47017; AC STA de 08.02.2001, Rº45490; AC STA de 21.02.2001, Rº45789; AC STA de 27.03.2001, Rº47007; AC STA de 05.04.2001, Rº47319; AC STA de 16.05.2002, Rº47070; AC STA de 22.10.2003, Rº660/02; AC STA de 24.11.2004, Rº1878/02; AC STA de 05.04.2005, Rº100/04; AC STA de 19.04.2005, Rº1415/04; AC STA de 14.12.2005, Rº01017/05; AC STA de 14.03.2006, Rº1016/05; AC STA de 12.03.2008, Rº082/07; e sobre a referida posição oposta, da doutrina, ver, entre outros, Fernanda Paula de Oliveira, Duas Questões no Direito do Urbanismo: Aprovação do Projecto de Arquitectura (Acto Administrativo ou Acto Preparatório?) e Eficácia de Alvará de Loteamento (Desuso?), in CJA, nº13, 1999, páginas 10 a 55; Fernanda Paula de Oliveira, in Direito do Urbanismo, Casos Práticos Resolvidos, Almedina, 2005, página 161; António Duarte de Almeida, A Natureza da Aprovação do Projecto de Arquitectura e a Responsabilidade pela Confiança no Direito Administrativo, in CJA, nº45, Maio/Junho de 2004, páginas 20 a 35; João Gomes Alves, Natureza Jurídica do Acto de Aprovação Municipal do Projecto de Arquitectura, in CJA, nº17, 1999, página 13 e seguintes; Mário José de Araújo Torres, Tendências Dominantes da Jurisprudência do STA em Matéria de Tutela Administrativa e de Urbanismo e de Ordenamento do Território, in Novas Perspectivas de Direito Público, Lisboa, IGAT, 1999; Mário José de Araújo Torres, Ainda a (in)impugnabilidade do Acto de Aprovação do Projecto de Arquitectura, em Anotação ao AC do Tribunal Constitucional nº40/2001, CJA, nº27, páginas 41 e seguintes; António Cordeiro, in Arquitectura e Interesse Público, Coimbra, Almedina, 2008, páginas 281 e seguintes; Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2007, páginas 309 e 310; Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, volume I, páginas 344 e 245].

Este exercício de interpretação e aplicação do artigo 25º nº1 da LPTA de acordo com o artigo 268º nº4 da CRP, que veio exigindo algum engenho e arte à jurisprudência, que na área concreta do acto de aprovação do projecto de arquitectura vinha sendo pressionada pela doutrina, acabou por impor, logo que foi possível, uma alteração da opção legislativa sobre o critério da impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos.

Assim, em Janeiro de 2004, com a entrada em vigor do CPTA, o seu artigo 51º situou o critério da impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos no âmbito constitucional: Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos [nº1].

Afastado o critério da impugnação unitária [como, aliás, se evidencia na exposição de motivos da Proposta de Lei nº92/VIII, in Diário da Assembleia da República de 19.07.2001], e feita clara opção pelo critério da eficácia externa do acto, especialmente se for lesiva de direitos ou interesses protegidos pela lei, ficou aberta a porta a nova abordagem do acto de aprovação do projecto de arquitectura em termos impugnativos. A questão que agora se coloca aos tribunais administrativos não é a de saber qual a melhor solução no caso concreto, mas aplicar a que foi

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consagrada pelo legislador, e que é a da externalidade dos efeitos, mormente lesivos, do acto administrativo.

Assim, com a bênção da lei, a jurisprudência passou a entender, de mãos dadas com a doutrina, que […] o acto de aprovação do projecto de arquitectura é um verdadeiro acto administrativo, onde a administração aprecia uma série de condições exigidas por lei que ficam definitivamente decididas, tornando-se, por isso, aquele acto, relativamente a estas, constitutivo de direitos. De tal modo que essas questões não podem voltar a ser postas em causa e discutidas no decurso do procedimento de licenciamento se aquela apreciação for válida, e sendo, também por isso, tal acto vinculativo para a câmara municipal na deliberação final [citação retirada do AC TCAN de 11.02.2011, Rº00133/04. Em sentido idêntico, e entre outros, ver AC TCAN de 25.09.2008, Rº614/06, confirmado, em recurso de revista, pelo AC STA de 09.12.2009, Rº019/09; AC do TCAS de 28.10.2009, Rº4110/08 - comentado por Fernanda Paula Oliveira, in CJA, nº84, Novembro/Dezembro de 2010; AC TCAS de 25.03.2010, Rº1460/06; AC TCAS de 24.06.2010, Rº3250/07].

A impugnabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura passou a ser inegável, pois constitui, em princípio, o reconhecimento definitivo da conformidade desse projecto com os instrumentos de gestão territorial, com as normas relativas à estética das edificações e à sua inserção urbana e paisagística, introduzindo efeitos positivos na esfera jurídica do requerente, que, eventualmente, podem ser lesivos de interesses de terceiros ou de interesses difusos.

Efectivamente, e ao abrigo do então artigo 17º nº1 do RJLMOP [Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares aprovado pelo DL nº445/91, de 20.11, alterado pela Lei nº29/92, de 05.09, e pelo DL nº250/94, de 15.10] A apreciação do projecto de arquitectura incide sobre a verificação de conformidade com plano de pormenor ou com o alvará de loteamento e com outras normas legais ou regulamentares em vigor, bem como sobre o aspecto exterior dos edifícios e sua inserção no ambiente urbano e na paisagem. E ao abrigo do actual artigo 20º do RJUE [Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo DL nº555/99, de 16.12, com a redacção dada pelo DL nº177/2001, de 04.06, e, ultimamente, pela Lei nº60/2007, de 04.09], a apreciação do projecto de arquitectura incide, por princípio, sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto.

Com a aprovação do projecto de arquitectura a Administração aprecia, como vemos, uma série de condições exigidas por lei, que ficam definitivamente decididas, tornando-se tal acto, relativamente a elas, constitutivo de direitos, pelo menos do direito a que tais questões não voltem a ser postas em causa e discutidas no decurso do procedimento de licenciamento se aquela apreciação for válida, e sendo, por isso, vinculativo para a respectiva câmara municipal na deliberação final de licenciamento.

Temos, pois, que se aprovação do projecto de arquitectura já era, ao abrigo do antigo RJLMOP o acto central do procedimento de licenciamento de obras particulares, viu reforçada essa

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centralidade com o actual RJUE, constituindo a sua aprovação caso resolvido relativo [rebus sic standibus] quanto às questões que nele foram apreciadas.

Ora bem. Quando a ora recorrente reivindica a consolidação da autorização/parecer emitida pelo ICN em 04.05.2001 com o acto de aprovação do projecto de arquitectura, ocorrido a 19.01.2002, é toda esta problemática jurídica que está como pano de fundo, e que, por via disso, sentimos aqui necessidade de resumir a fim de enquadrar devidamente a sua questão.

Na verdade, quando, a 18.11.1997, entrou em vigor o Decreto Regulamentar nº46/97, que reclassificou a RNDSJ, estava vigente a LPTA e o RJLMOP, ou seja, estava no seu auge a referida questão jurídica acerca da impugnabilidade ou não do acto de aprovação do projecto de arquitectura. E assim, presumindo, como devemos, que o legislador esteve atento às circunstâncias, nomeadamente jurídicas, em que a lei foi elaborada, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e consagrou as soluções mais acertadas [artigo 9º CC], deveremos concluir que quando fixou os termos da caducidade da autorização emitida pelo então ICN ao abrigo desse diploma o fez usando termos correctos e apropriados à cultura jurídica então vigente, sendo que a mesma apontava para a falta de impugnabilidade contenciosa do acto de aprovação do projecto de arquitectura, porque, em princípio, o acto impugnável seria o acto final de licenciamento da construção. E além disso, o RJLMOP então em vigor [o RJUE só apareceria dois anos depois] nunca se referia ao acto de aprovação do projecto de arquitectura como acto de licenciamento, sendo esta designação reservada apenas para o acto final do respectivo procedimento administrativo.

Deste modo, quando estipula, no artigo 16º nº4 do dito Decreto Regulamentar que as autorizações emitidas pela RNDSJ ao abrigo do presente diploma caducam decorridos dois anos sobre a data da sua emissão, salvo se nesse prazo as entidades competentes tiverem procedido ao respectivo licenciamento, o legislador de 1997 apenas poderia estar a referir-se ao acto de licenciamento final do procedimento de obras particulares.

E, aliás, tem toda a lógica, lógica jurídica, que o legislador tenha pretendido impedir a caducidade de dois anos [artigo 331º do CC] apenas quando for proferido o acto final que permite à entidade emitente da autorização controlar, e fiscalizar, o cumprimento das condições que nela tenha imposto. Como interessado directo no cumprimento dessas condições, o então ICN poderia impugnar contenciosamente esse acto final de licenciamento.

E cremos que a alteração destas circunstâncias jurídicas em que o diploma legal em referência foi elaborado, operada pela entrada em vigor do RJUE, em 1999, e do CPTA, em 2004, não impõem, no nosso caso, uma interpretação actualista do disposto no seu artigo 16º nº4. E por duas razões fundamentais. Por um lado, surge inultrapassável, a nosso ver, o elemento literal da norma, por referir-se ao respectivo licenciamento, sendo certo que o legislador, tanto no RJLMOP como no RJUE nunca se refere à aprovação do projecto de arquitectura como licenciamento. Por outro lado porque essa interpretação actualista, e sempre na nossa perspectiva, defraudaria, indevidamente, legítimas expectativas geradas na entidade emitente da autorização pelo próprio legislador, que, a meio do jogo, lhe retirava a possibilidade de poder controlar, e fiscalizar, o cumprimento das condições nela impostas. E não pode o julgador frustrar a tal ponto os desígnios do legislador.

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Impõe-se concluir, pois, que o facto impeditivo da caducidade de 2 anos prevista no artigo 16º nº4 do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, é o acto final de licenciamento e não a aprovação do projecto de arquitectura.

Tal como decorre da lei, a caducidade, quando estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, deverá ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, todavia, quando respeita a matéria não excluída da disponibilidade das partes, tem, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita [artigos 333º e 303º do CC].

No nosso caso, o ICNB invocou a caducidade da sua autorização aquando do despacho impugnado. Porém, a recorrente defende que, não obstante esta invocação, a caducidade, para ser eficaz, deveria ser declarada pelo ICNB logo que ocorresse, e com audiência prévia dela mesma, enquanto interessada.

Cremos que não lhe assiste razão. Efectivamente, a não ser que isso decorra expressamente da lei, como acontece com o artigo 71º, nº5, do RJUE, a caducidade resulta de forma automática do decurso do respectivo prazo, sendo meramente declarativa, não constitutiva, a decisão que a aprecia ou oficiosamente ou a pedido. E é isto o que deveremos concluir dos termos em que ela é estabelecida no artigo 16º, nº4, do Decreto Regulamentar nº46/97, pois que, decorridos os 2 anos sobre a data da emissão da autorização sem que tenha sido licenciada a respectiva obra, a autorização caduca automaticamente, bastando-lhe ser invocada, e não declarada, para ser eficaz.

Resulta, portanto, que quando em 25.08.2008 o recorrido, ICNB, invoca a caducidade da autorização que havia emitido em 04.05.2001, limitou-se a constatar uma derivação legal, da qual resulta que após o decurso de 2 anos sobre essa data de emissão deixou de haver, no procedimento de licenciamento do MA, a indispensável autorização do ICNB para poder ser licenciada a obra requerida pela ora recorrente.

E a consequência desta falta resulta, expressamente, do nº5 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, segundo o qual são nulas e de nenhum efeito as licenças municipais ou outras concedidas com violação do regime instituído neste diploma. E o licenciamento camarário de 22.12.2005 foi, pelo exposto, concedido sem autorização do ICNB.

Esta violação do regime instituído pelo Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11, é assim indutora da nulidade do licenciamento da obra da recorrente, não levando à sua mera anulabilidade, como ela parece pretender na sua alegação.

Não esquecemos que a nossa recorrente se queixa da conduta activa dos serviços do MA, que emitiram o alvará de licenciamento e cobraram as respectivas taxas, e ainda da conduta passiva do ICNB, que nada fez até decretar o embargo da obra, tudo contribuindo para nela se gerar uma convicção de legalidade que veio a sair frustrada.

Todavia, como bem salienta o acórdão do TAF, estas condutas, certamente relevantes, deverão ser apreciadas em sede própria, que é a da eventual responsabilização dessas entidades pelo desfecho do caso e pelos danos causados à dona da obra embargada. Pedido esse que não vem formulado nesta acção administrativa especial, na qual apenas está em causa a legalidade impugnada e a legalidade devida no caso sub judice.

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Deverá, por conseguinte, resultar confirmada a decisão do TAF de Aveiro no tocante à improcedência do pedido de anulação do acto impugnado, ou seja, do despacho de 25.08.08 da Vice-Presidente do ICNB que determinou o embargo da obra da ora recorrente.

VI. Relativamente ao pedido de condenação à prática de acto devido, foi o seguinte o julgamento do TAF:

[…]

A autora peticionou ainda, de forma subsidiária, e em caso de improcedência do pedido impugnatório formulado, que o réu ICNB, seja condenado a emitir nova autorização. O que configura, assim, um pedido de condenação do réu na prática de acto administrativo considerado devido no entender da autora.

Já considerámos supra que à data em que foi proferida a decisão de licenciamento municipal [22.12.2005] já haviam decorrido os dois anos a que alude o nº4 do artigo 16º do Decreto Regulamentar 46/97, de 17.11, concluindo-se, face à caducidade da autorização prévia à data em que foi emitido o acto de licenciamento, pela nulidade desse acto [ver nº6 do artigo 16º do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11], como fez o ICNB, IP.

E também já considerámos ser irrelevante, nesta sede, a quem são imputáveis as circunstâncias que motivaram o hiato temporal decorrido entre uma data e outra, atenta a natureza vinculada do acto em causa, e a circunstância de serem distintas e autónomas [tendo distintas atribuições e competências legais] as entidades envolvidas].

Também já referimos que na eminência do decurso do prazo de caducidade da autorização prévia sempre existiria a via de pedido de renovação de tal autorização ou de emissão de nova. O que não foi feito nem pelo MA nem pela autora, tendo já sido referido não ser de acolher a argumentação de que a autora lança mão [ver 2º parágrafo do artigo 54º da petição inicial] no sentido de que o ICNB, IP, deveria ter emitido autorização e que não o fez apesar de solicitado para tal em Abril de 2008 pelo MA. Com efeito quando no seu ofício de 08.04.2008 [pelo qual prestou as informações que haviam sido solicitadas pelo ICNB, IP – ver 15 supra da factualidade assente] o MA fez a seguinte menção «nestes termos apelamos à Vossa compreensão para o lapso decorrido na falta de resposta às questões do parecer do ICN e solicitamos a emissão do parecer favorável» não só há muito havia caducado o acto de autorização prévia [de 04.05.2001] mas também há muito havia sido emitido o acto final de licenciamento [o referido despacho de 22.12.2005], pelo que tal “solicitação” ocorreu já fora do procedimento de licenciamento, e só nesse âmbito seria de admitir a formulação de tal pedido pelo MA com o consequente dever de decisão por parte do ICNB, IP [ver artigo 19º nºs 1, 5 e 8 a 11 do RJUE , e 16º nº3 do Decreto Regulamentar nº46/97, de 17.11].

Não se pode assim dizer, no caso, que o réu ICNB, IP, tenha sido colocado perante o dever legal de decidir a que alude o artigo 9º do CPA, nem, concomitantemente, que se encontrem preenchidos os pressupostos para que seja condenado, no âmbito da presente acção, na emissão de novo acto autorizativo para a obra em causa, previstos no artigo 67º do CPTA. Sem prejuízo, naturalmente, do dever de decisão que possa recair se e quando for apresentado

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pela autora requerimento dirigido à Administração nesse sentido [o que, como se viu e decorre da factualidade assente não foi feito pela autora].

Posto isto, julga-se também improcedente o pedido condenatório subsidiariamente formulado pela autora.

[…]

Este julgamento está correcto.

Na verdade, a solicitação feita pelo MA no ofício de 08.04.2008, no final das informações que presta ao ICNB, a seu pedido, não pode deixar de ser integrada no âmbito de um procedimento que já estava terminado. Daí que a solicitação do MA soe a pedido de sanação do licenciamento nulo por falta de autorização do ICNB. Aliás, pelo seu teor, sobretudo pelo apelo à compreensão do ICNB quanto à falta de resposta às questões decorrentes da autorização condicionada, parece, até, que o MA entendia essa autorização, do então ICN, como ainda não definitiva, mas antes sujeita a confirmação do cumprimento das duas condições nela exigidas. O que vem ao encontro daquele poder de controlo, e de fiscalização, de que falamos acima.

Deste jeito, dirigindo-se a solicitação de parecer favorável, feita nesses termos, a procedimento que já estava findo, não se impunha ao ICNB o dever de a decidir, mas, quando muito, o dever de informar o que entendia sobre a situação. O que acabou por fazer, cerca de 4 meses depois, com a prolação do despacho impugnado, em que ele invocou a caducidade da autorização de 04.05.2001 e considerou que, em face do RPORNDSJ, nomeadamente das alíneas c) e e) do artigo 7º, a autorização pretendida não poderia ser concedida.

Deverá, portanto, improceder totalmente o recurso jurisdicional, e ser mantido o acórdão recorrido, do TAF de Aveiro.

Decisão

Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional e manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça reduzida a metade - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ.

D.N.

Porto, 22.06.2012

Ass. José Augusto Araújo Veloso

Ass. Fernanda Brandão

Ass. João Beato Oliveira Sousa