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Adélia Maria Nehme Simão e Koff Escola, Conhecimentos e Culturas: projetos de investigação como estratégia teórico-metodológica de reorganização curricular Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientador: Profª. Vera Maria Ferrão Candau Rio de Janeiro Abril de 2008

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Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Escola, Conhecimentos e Culturas:

projetos de investigação como estratégia teórico-metodológica de reorganização curricular

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientador: Profª. Vera Maria Ferrão Candau

Rio de Janeiro Abril de 2008

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Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Escola, Conhecimentos e Culturas: projetos de investigação como estratégia

teórico-metodológica de reorganização curricular

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª. Vera Maria Ferrão Candau Orientadora

Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª. Tania Dauster Magalhães e Silva Departamento de Educação - PUC-Rio

Profª. Alice Ribeiro Casimiro Lopes

UERJ

Profª. Marli Eliza Dalmazo Afonso de André USP

Prof. Paulo Fernando C. de Andrade Coordenador Setorial do Centro de

Teologia e Ciências Humanas

Rio de Janeiro, 17 de abril de 2008.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Adélia Maria Nehme Simão e Koff, graduou-se em Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa – licenciatura em 1972, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Obteve o título de Mestre em Educação pela PUC-Rio, em março de 1987, com a dissertação “Formação de Professores para a Escola Básica: realidade e perspectivas”, orientada pela professora Vera Maria Ferrão Candau. É professora da Universidade Estácio de Sá, com atuação nos Cursos de Pedagogia e de Especialização lato sensu em Docência do Ensino Superior. Atua como professora de Didática do Ensino Superior no Curso de Especialização lato sensu em Educação Ambiental, na PUC-Rio. É Coordenadora Editorial e de Produção Gráfica da Revista Novamerica, editada pela ONG Novamerica. Atua como consultora educacional junto a diversas instituições públicas e privadas para o desenvolvimento de diferentes projetos nas áreas de Educação e Cultura. Tem larga experiência na produção de multimídias didáticas e paradidáticas e no desenvolvimento de progamas de formação de professores e outros agentes educacionais e culturais.

Ficha Catalográfica

Koff, Adélia Maria Nehme Simão e Escola, conhecimentos e culturas: projetos de investigação como estratégia teórico-metodológica de reorganização curricular / Adélia Maria Nehme Simão e Koff ; orientador: Vera Maria F. Candau. – 2008. 298 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Organização do currículo/conhecimento escolar. 3. Integração curricular. 4. Currículo por disciplina. 5. Projetos de trabalho/projetos de investigação. I. Candau, Vera Maria F. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

CDD: 370

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Ao João (meu sobrinho-neto) A quem amo com toda paixão.

Nele, a expressão do meu amor pelas crianças e pelos adolescentes

desse país, que me mobilizam para defender o direito que têm à

educação de qualidade.

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Agradecimentos À minha orientadora, professora Vera Maria Ferrão Candau, sempre ao meu lado, criando desafios e incentivando meu crescimento profissional e intelectual, pelos nossos diálogos e pela confiança em mim depositada na realização desse trabalho. Às minhas professoras do doutorado Zaia Brandão, Sonia Kramer, Isabel Alice Lelis e Tânia Dauster da PUC-Rio e Alice Casimiro Lopes na UFRJ, com quem mantive ricos e intensos diálogos e que também contribuíram muito para o meu crescimento intelectual. Às professoras Tânia Dauster e Alice Casimiro Lopes, pela especial colaboração nos momentos da qualificação I e II. À minha banca examinadora, constituída pelas professoras Alice Casimiro Lopes, Marli Eliza André, Tânia Dauster e Rosália Duarte pela honra de aceitarem o convite para analisarem as minhas reflexões e certamente enriquecê-las. Às coordenadoras da Pós-Graduação Alícia Bonamino, Sônia Kramer e Rosália Duarte e suas equipes, pela assistência permanente ao longo desses quatro anos. À direção e à equipe da 5ª série do Colégio Amanhecer, cujo apoio, acolhida e contribuição tornaram essa pesquisa possível. À PUC-Rio e à Universidade Estácio de Sá pelas bolsas de estudo que me concederam, viabilizando a realização desse meu doutorado. Aos/às meus/minhas colegas do doutorado pelo incentivo e trocas constantes ao longo dessa jornada. Aos/às diversos amigos/amigas do Gecec, sempre parceiros/as e desafiadores/as. À Maria das Graças Nascimento pela amizade carinhosa, parceria, constantes trocas, reflexões críticas e pelo inestimável apoio na revisão desse trabalho. Às minhas amigas queridas e parceiras de profissão Carmen Teresa Gabriel e Cláudia Hernandez Barreiros pela disponibilidade com que sempre me ouviram e com quem muito aprendi.

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Às amigas também muito queridas Susana Sacavino, por me liberar de outras tarefas profissionais e me conceder o apoio necessário para que eu tivesse tranqüilidade ao longo da elaboração desse relatório, e Cristina Nogueira pela disponibilidade ao me ajudar com as traduções para o inglês. À Zélia Damaceno, fiel companheira, pela competente digitação do meu diário de campo e transcrição das entrevistas.

À Mônica que mesmo ocupada com o seu bebê, também ajudou na digitação. Aos/às demais amigos/as pelas palavras de estímulo e que sempre me ajudavam a seguir em frente. Ao meu amado pai (com muita saudade), pela cumplicidade, pelo sorriso largo nas minhas conquistas e por seu amor sempre presentes na minha vida. À minha amada mãe, que sempre me ensinou a não desistir nunca diante de um desafio e que durante todos os dias dessa jornada esteve ao meu lado, me incentivando, com o seu amor e suas sábias palavras, a cumprir mais essa tarefa. Às minhas irmãs Christina e Yonne, que sempre apostaram em mim, pelo carinho e pelas intensas orações que me encheram de graças e me ajudaram a vencer esse desafio. Aos meus sobrinhos e às minhas sobrinhas (filhos e filhas do meu coração) Ronaldo, Fernanda, Paula, Pedro e Luiza, que me dão motivo para viver e acreditar que é possível construir um mundo melhor. Aos/às demais integrantes do meu núcleo familiar que com suas palavras de incentivo me ajudaram a chegar até aqui. Ao Zeca, meu amor, pelo cuidado e paciência que teve comigo durante todo esse tempo de estudo e produção e, principalmente pelos momentos, cuja presença era garantia de inspiração.

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Resumo

Simão e Koff, Adélia Maria N.; Candau, Vera Maria F. Escola, Conhecimentos e Culturas: projetos de investigação como estratégia teórico-metodológica de reorganização curricular. Rio de Janeiro, 2008, 298 p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Trata-se de um estudo de caso, de inspiração etnográfica, cujas observações participantes, entrevistas individuais e coletivas, bem como as análises documentais foram realizadas no período de 2005/2006, abrangendo espaços, tempos e sujeitos da quinta série do Ensino Fundamental de uma escola privada, situada na Zona Sul do Rio de Janeiro e reconhecida pela comunidade de educadores por sua excelência. Trata-se, portanto de uma pesquisa de natureza qualitativa que se insere no conjunto de estudos sobre a instituição escolar, de um modo geral e que, mais especificamente, se dedica ao tema da organização do currículo e do conhecimento escolar. Nesse sentido, busca conhecer e compreender o que estava acontecendo no interior de uma experiência pedagógica de caráter inovador que estava sendo desenvolvida desde 2003, quando a escola faz a opção de trabalhar mediante projetos de investigação. Privilegiando como focos de discussão aspectos que se relacionam à tensão currículo integrado e currículo por disciplina, à constituição e/ou organização do conhecimento escolar, aos limites e possibilidades da escola como espaço de circulação e/ou cruzamento de conhecimentos e culturas e, ainda, às próprias características da configuração de uma prática didática centrada em projetos, o estudo em pauta encontra em autores tais como Fernando Hernandez, Pérez Gómez, Basil Bernstein, Jurjo Torres Santomé, Alice Casimiro Lopes, entre outros, elementos para fundamentar suas análises e interpretações. Questões como: a apropriação de diferentes espaços como lugares de aprendizagem, a construção da autonomia dos/as alunos/as e o seu papel de protagonistas, o impacto do trabalho coletivo dos/as professores/as, a manutenção das disciplinas como tecnologia da organização curricular, bem como a possibilidade ressignificar o lugar que ocupam no trabalho por e com projetos, o diálogo entre diferentes conhecimentos e a construção do conhecimento escolar, o uso de múltiplas linguagens e os projetos de investigação emergem e são objetos de reflexão. A intenção é oferecer subsídios para o aprofundamento da reflexão e da produção do conhecimento sobre a escola percebida como uma instituição que, além de estar atenta às necessidades que marcam a complexidade do século XXI, seja comprometida com a formação de cidadãos e cidadãs mais críticos/as, criativos/as, autônomos/as e sujeitos da construção de um mundo menos dogmático e mais solidário.

Palavras-chave: Organização do currículo/conhecimento escolar; integração curricular; currículo por disciplina; projetos de trabalho/projetos de investigação.

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Abstract

Simão e Koff, Adélia Maria N.; Candau, Vera Maria F (Advisor). The School, Knowledge and Culture(s): investigative projects as a theoretical-methodological estrategy of curricular organization. Rio de Janeiro, 2008, 298 p. Thesis – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This is a case study with an ethnographic approach whose participant observations, individual and collective interviews as well as documental analysis were carried out in 2005/ 2006. The study encompasses space, time and subjects of a fifth grade group in a private school located in the Zona Sul of Rio de Janeiro. The school is well-reputed for its excellence in the educational community. It is a qualitative study that fits into a broader group of studies on the institution of the school, focusing more specifically on the organization of the curriculum and on school knowledge. To this end, it seeks to understand what happened in the context of an innovative pedagogical experiment started in 2003, when this particular school chose to work within the framework of investigative projects. Placing in the foreground, as foci for discussion, aspects relating to the tension between an integrated and a subject-based curriculum, to the constitution and/ or organization of school knowledge, to the limits and possibilities of the school as a space for the circulation and /or crossing of knowledge and culture(s) as well as to the characteristics of a pedagogic practice centered on projects, the study sought elements to support its analysis and interpretations in authors such as Fernando Hernandez, Pérez Gómez, Basil Bernstein, Jurjo Torres Santomé, Alice Casimiro Lopes, among others. The following questions arose and were the object of our reflection: the appropriation of different spaces as places for learning; the construction of students’ autonomy and their role as protagonists; the impact of teachers’ collective work; the preservation of subjects as a technology for curricular organization as well as the possibility of re-signifying their place in project-based work; the dialogue between different types of knowledge and the construction of school knowledge; the use of different media and investigative projects. Our goal is to offer a contribution towards a widening of the reflection and production of knowledge about schools as institutions that besides being aware of the needs characterizing the complexity of the XXI Century are also committed to the education of critical, creative, autonomous citizens, the subjects in the construction of a less dogmatic, more sympathetic world.

Key-words: Curricular organization/school knowledge; curricular integration; subject-based curriculum; work projects/investigative projects.

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Sumário 1 A Título de Introdução: a instituição escolar em questão ............. 11

2 Caminhos Percorridos: sobre a metodologia ................................ 17

2.1 Situando o estudo/a pesquisa ....................................................... 17

2.2 Apenas como pontos de partida ................................................... 23

2.3 O “caso” objeto de estudo ............................................................ 25

2.4 As observações participantes ....................................................... 30

2.5 As entrevistas individuais .............................................................. 32

2.6 As entrevistas coletivas ................................................................. 36

2.7 Análise documental ....................................................................... 39

3 Sobre os Referenciais Teóricos .................................................... 42

3.1 Inovação pedagógica ...................................................................... 42

3.2 Projetos de trabalho e/ou projetos de investigação ...................... 46

3.3 Currículo por disciplina e/ou integração curricular ........................ 51

3.4 A escola como espaço de cruzamento de saberes,

conhecimentos e culturas ............................................................. 58

3.5 Saber(es), conhecimento(s) e cultura(s): lidando com diferentes

conceitos ....................................................................................... 61

4 O Colégio Amanhecer ................................................................... 67

4.1 Memória e história ......................................................................... 68

4.2 Um cenário em destaque .............................................................. 72

4.2.1 O espaço escolar: um breve panorama ........................................ 73

4.2.2 Salas de aula e corredor: espaços em interação .......................... 78

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4.2.3 Laboratório de Informática e biblioteca: novos espaços em

movimento ..................................................................................... 83

4.3 Sobre a grade curricular e o horário escolar ................................. 89

4.4 Delineando rostos e perfis: os sujeitos da pesquisa ..................... 94

4.4.1 Os/as alunos/as ............................................................................ 94

4.4.2 Os/as professores/as e os/as orientadores/as .............................. 100

5 Os projetos de Investigação em Movimento ................................. 105

5.1 O fio da meada .............................................................................. 106

5.2 Os projetos de investigação: sobre princípios, rotinas e práticas . 113

5.2.1 Um panorama geral ...................................................................... 118

5.2.2 O momento do trabalho pessoal ................................................... 132

5.2.3 O momento dos estudos específicos das disciplinas .................... 144

5.2.4 Os projetos de investigação: reinventando o formato escolar? .... 160

6 Projetos de Investigação: ampliando o olhar ................................ 165

6.1. Os ofícios de aluno/a e de professor/a: novas configurações ...... 165

6.1.1 Com o foco nos/as alunos/as ........................................................ 166

6.1.2 Sobre o ofício de professor/a ........................................................ 178

6.2 Reuniões pedagógicas: sujeitos em interação .............................. 184

6.3 A avaliação da aprendizagem em questão ................................... 197

7 Uma alternativa para reinventar a escola ..................................... 206

8 Referências Bibliográficas ............................................................. 219

Anexos .......................................................................................... 227

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1 A Título de Introdução: a instituição escolar em questão

Concebida para educar crianças e jovens, entendo que não é exagero dizer

que a escola, principalmente no século XX, foi um ponto de referência

significativo de toda a ação educativa intencional ou, se preferirem, formal e que,

ainda hoje, é uma instituição importante, central mesmo, na vida das pessoas e da

sociedade.

Fundamental na constituição do próprio ethos da modernidade, ela tem sido um dos pilares do processo de transmissão e inculcação de condutas, normas e saberes que transformam crianças e jovens em seres educados, portadores das habilidades que habilitam a viver em um mundo que proclama almejar a ordem e a convivência harmoniosa, respaldado na supremacia da razão (COSTA, 2003).

Além disso, já se passaram cerca de pouco mais de duzentos anos (no

Brasil, pouco mais de cem anos) desde a invenção da escola e seu ideário e

formato original - que prevê espaços e tempos específicos destinados à

aprendizagem, uma determinada configuração institucional e, ainda, uma

determinada organização pedagógica - parecem se manter muito próximos

daqueles que a caracterizavam na emergência do mundo moderno. E mais do que

isso, parecem se manter hegemônicos e naturalizados (CANÁRIO, 2006).

Por sua vez, é possível afirmar que essa mesma escola também passou por

várias transformações e já há um bom tempo está em questão. O que significa

dizer que, ao longo de sua existência e sucessivamente, a instituição escolar

passou por mutações que a fizeram caminhar “de um modelo de certezas para um

modelo de promessas e, finalmente, para um terceiro, marcado pela incerteza”

(CANÁRIO, 2006, p. 13).

E é nessa última perspectiva que, em várias partes do mundo, inclusive no

Brasil, uma pergunta tem sido formulada com muita freqüência pelos educadores

de diferentes formações, crenças e perspectivas analíticas: a escola tem futuro?

Vale dizer que para mim essa é uma pergunta síntese, na medida em que ela

expressa e sistematiza vários outros questionamentos do tipo: por que a escola

fracassa? Por que os/as alunos/as não conseguem mais aprender, quando o que

está em jogo é o que se ensina na escola? Por que o modelo ou até mesmo os

modelos de escola, tal como os concebemos até hoje, faliram? Para que serve,

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atualmente, a escola se o conhecimento está acessível em muitos outros lugares?

Por que as crianças e os jovens têm tanto desinteresse pela escola, hoje?

Ao mesmo tempo, entendo que essas questões sobre o destino da escola

tendem a se justificar e a se alimentar das inúmeras críticas que lhe são feitas,

como por exemplo, aquela que ressalta que quando desafiada a se posicionar

frente à existência de uma revolução tecnológica sem precedentes que afeta, entre

outros aspectos, os chamados processos de produção, disseminação e consumo de

conhecimentos, frente à globalização da sociedade que atinge os sistemas

produtivos, de organização do trabalho e o próprio modelo vigente de

desenvolvimento econômico que tem gerado significativa exclusão social e,

também, frente às mudanças de paradigma da ciência e do conhecimento que

influem na pesquisa, na produção do conhecimento e, conseqüentemente, no

processo de ensino-aprendizagem, à crise ambiental e ética, a escola parece se

manter, na maioria das situações, distante e cristalizada.

Outra crítica também muito comum tem sido aquela que denuncia o seu

caráter padronizador, homogeneizador e monocultural (CANDAU, 2000a),

transformando-a num espaço que dialoga pouco ou sequer dialoga com a(s)

cultura(s) de referência dos sujeitos que dela participam.

A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e dos povos desfavorecidos (exceto os elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou dos maus tratos, o racismo e a xenofobia, as conseqüências do consumismo e muitos outros problemas que parecem “incômodos”. Consciente ou inconscientemente se produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente (GIMENO SACRISTÁN, 1995, p. 97).

Todas essas críticas, entre outras que poderiam ser aqui apontadas,

sugerem a escola dos nossos dias como um lugar desinteressante e pouco

comprometido com a realidade complexa que marca o século XXI e na qual ela

está inserida, levando, inclusive, alguns educadores a expressarem o que se

convencionou chamar de ‘crise da escola’.

Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que ela está cada vez mais desenraizada da sociedade. Como referi antes, a educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno. Foi principalmente pela via escolar que a espacialidade e temporalidade

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modernas se estabeleceram e se tornaram hegemônicas. [...] Mas o mundo mudou e continua mudando, rapidamente sem que a escola esteja acompanhando tais mudanças (VEIGA-NETO, 2003, p. 110).

Nesse sentido, Candau (2006, p. 35) destaca:

Acreditamos que o mal-estar presente nas nossas escolas, entre os educadores e educadoras, assim como entre os alunos e alunas, exige que nos enfrentemos com a questão da crise atual da escola não de um modo superficial, que tenta reduzi-la à inadequação de métodos e técnicas, à introdução das novas tecnologias, ou ao ajuste da escola à lógica do mercado e da modernização. Para nós a crise da escola se situa em um nível mais profundo...

Tal alerta talvez explique porque as diversas e constantes reformas

educacionais que nos últimos quarenta anos atingiram os sistemas de ensino, de

um modo geral, parecem não ter alcançado os seus objetivos, ou seja, não

responderam satisfatoriamente a toda ordem de problemas que esses sistemas

tiveram que enfrentar ou enfrentam até hoje.

Segundo Canário (2006, p. vii), por exemplo,

O diagnóstico atual da escola é sombrio e as referências à sua “crise” são recorrentes, por três razões principais: baseada em um saber cumulativo e revelado, a escola é, hoje, obsoleta, sofre de um déficit de sentido para os que nela trabalham, além de ser marcada por um déficit de legitimidade, na medida em que faz o contrário daquilo que promete, originando legiões de insatisfeitos.

Em função desse contexto, alguns educadores têm decretado o fim da

escola ou, para ser mais precisa, têm proclamado a sua decadência, principalmente

quando ela teima em “estabelecer uma ordem estável e ordenada em torno de

finalidades homogêneas” (DUBET, 1998), e destacam que essa escola não faz

mais sentido em um mundo onde ocorrem mudanças rápidas, intensas e em todas

as direções/dimensões e que, a todo o momento, sugerem novas formas de ser e

viver.

Mas existem também outros educadores (dentro os quais eu me incluo)

que refutam a sua inutilidade ou o seu anacronismo e sublinham a necessidade da

escola ser repensada, recriada mesmo, na perspectiva de ser

Um espaço de busca, construção, diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo o processo educativo (CANDAU, 2000, p.15).

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Cabe destacar que reconheço que ainda hoje (mesmo diante de todo o

aparato tecnológico de informação e comunicação) a escola pode ser um espaço

privilegiado para a apropriação crítica dos conhecimentos já sistematizados e

relevantes como instrumento para compreensão e mudança da realidade e, mais

ainda, pode ser um espaço para o diálogo e/ou confronto entre o conhecimento

científico, algumas vezes denominado conhecimento erudito ou cultura crítica

(PERÉZ GÓMEZ, 2001) e os demais conhecimentos e culturas que nela circulam.

Entendo, portanto, que a escola pode ser, para além de um espaço de

aquisição crítica, um lugar de produção de conhecimentos (conhecimentos

escolares), construídos a partir do diálogo entre diferentes conhecimentos e

culturas que para ela convergem e nela se cruzam.

Nesse sentido, reconheço que a escola pode ser um lugar para o exercício

da observação, da reflexão, da análise crítica, bem como do debate/diálogo plural

entre diferentes, onde as suas diferenças são valorizadas, sem deixar de lado a

busca pela igualdade de condições, de direitos e realizações e onde se possa

formar para a conquista da cidadania nas diversas dimensões da vida cotidiana,

contribuindo, assim, para a construção de uma nova sociedade, mais justa,

solidária e, porque não, mais feliz.

E é nessa direção que reafirmo que a instituição escolar ainda tem um

papel relevante na formação das crianças e dos jovens, mas que é preciso

desvendar e/ou descobrir caminhos alternativos que possam ser mobilizados e

apropriados, na perspectiva da reinvenção dessa escola que desejo, precisa e pode

ser mais plural, democrática, capaz de responder aos desafios de nossa

contemporaneidade e de formar cidadãos e cidadãs, sujeitos da construção de um

mundo menos dogmático e mais solidário.

Vale sublinhar que, quando estou me referindo a reinventar a escola, não

estou pensando em se jogar tudo fora e anular as diversas conquistas - mesmo que

insuficientes para transformá-la – que provavelmente já foram feitas até aqui. Mas

como Costa (2003, p. 22), reconheço que:

Se a escola da modernidade não se sustenta mais, ela se transmuta, se hibridiza em múltiplos cruzamentos e se reproduz nos infinitos discursos que sobre ela se enunciam. Ela certamente não é de um único jeito, não toma uma só forma. Ela própria já começa a se reconhecer como território da diversidade, contorcionista da incerteza, prisioneira dos poderes que a dobram. Mas uma escola que fala a

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língua de seu tempo-espaço poderia continuar fazendo a diferença no processo de socialização e de educação dos humanos.

Por outro lado, entendo que para caminhar na perspectiva da sua

reinvenção é necessário avançar o debate em torno de vários temas que, como

Candau (2007), reconheço são diferentes dimensões da atual problemática da

educação escolar, como por exemplo: a tensão qualidade-quantidade, modos de

organização e dinâmica interna das escolas, bem como de suas práticas

educativas, concepções e organização do currículo e/ou do conhecimento escolar,

papel da escola e suas relações com outras práticas sociais, disciplina, indisciplina

e violência escolar, avaliação da aprendizagem, formação de professores/as entre

outros e rever posturas em relação a esses mesmos temas e suas diferentes

dimensões.

E, mais uma vez em consonância com Canário (2006, p.12), “defendo,

como idéia central, a tese de que uma reinvenção da escola e do ofício de

professor supõe um questionamento crítico e a superação da forma escolar, ou

seja, do modo como a escola atual concebe os processos de aprender e ensinar.”

Em outras palavras, pressupõe colocar em debate o modo de viver a

prática educativa, discutindo, portanto, o que entendo são os seus modos de

organizar tempos e espaços, relações, conteúdos e conhecimentos, métodos,

técnicas e recursos, linguagens, planejamento e avaliação, ou seja, requer colocar

em discussão os modos como o currículo e a prática didática são organizados e/ou

vividos pela escola.

Contudo, reconheço que não basta promover transformações teórico-

metodológicas para fazer avançar a escola, o que significa dizer que entendo que

não é suficiente transformar “modos de” para mudar a escola. Sei que há várias

outras questões em jogo, mas considero que esse é um aspecto central e

significativo na construção de uma outra escola e, portanto, de uma outra

educação (CANÁRIO, 2006).

E foi por ter essas questões como referência que me propus a

estudar/pesquisar acerca dos significados e dos sentidos atribuídos pelos seus

protagonistas (equipe técnico-pedagógica, professores/as e alunos/as), bem como

as características de uma dada experiência escolar de reorganização curricular e da

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prática educativa, que se autodefine como uma experiência inovadora1 e que se

propõe a reinventar os ‘modos de’ conceber e fazer a escola, adotando como

estratégia trabalhar por e com projetos.

Em outras palavras, foi levando em conta esse contexto de reflexões e

preocupações em torno da escola, que considerei oportuno e tomei a decisão de

realizar um estudo de caso acerca de uma proposta pedagógica específica,

comprometida com a vivência de novas concepções e/ou maneiras de ensinar e

aprender, desenvolvida por uma escola privada e reconhecida pela comunidade de

educadores do Rio de Janeiro. Tinha e tenho a convicção de que é preciso

conhecer, compreender e interpretar outras possibilidades de escola para poder

caminhar e contribuir no sentido de sua reinvenção, de modo que ela possa

responder às interpelações e aos desafios de nosso tempo.

E são: os caminhos metodológicos que tracei para viabilizar a minha

pesquisa (Capítulo II), os referenciais teóricos que priorizei para fundamentar

minhas reflexões (Capítulo III), os princípios gerais, espaços, tempos e sujeitos

que caracterizam a escola objeto do estudo (Capítulo IV), as suas características

e/ou modos de viver e/ou de realizar os projetos de investigação e suas

implicações no que se refere à reorganização do currículo e do conhecimento

escolar, bem como à forma de fazer e/ou viver a escola (Capítulos V e VI) e as

conclusões e/ou as novas questões suscitadas pelo meu estudo, segundo as minhas

análises e interpretações, sempre buscando um diálogo com os diferentes autores

de referência, que apresento na seqüência desse trabalho.

1Dias e outras (2004, p. 230), coordenadoras da experiência objeto do meu estudo, ressaltam: “o que inaugura esta prática pedagógica como inovadora, é o fato de aceitarmos o desafio da desinstalação, de desfazer certezas, conviver com o provisório, ressignificar determinadas opções, aceitar riscos inerentes a toda mudança. E complementam: “é sempre bom lembrar que o que desejamos é recriar, reinventar o trabalho pedagógico e assim obter uma melhor sintonia entre esse trabalho, o mundo e nossos alunos. [...] “Estamos lidando com uma proposta nova e, por isso, é importante estarmos o tempo todo retomando o que a orienta”.

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2 Caminhos Percorridos: sobre a metodologia

Esse capítulo tem como objetivo discorrer sobre os aspectos teórico-

metodológicos que orientaram a minha pesquisa de campo, bem como os

procedimentos que foram utilizados para a sua concretização.

2.1 Situando o estudo/a pesquisa

Estudar/pesquisar acerca das concepções e práticas vivenciadas na e pela

escola, ou seja, estudar/pesquisar sobre os processos de ensino-aprendizagem por

ela concebidos e nela implementados, na tentativa inclusive de contribuir para o

avanço da construção de caminhos alternativos para a sua realização não é,

segundo o meu entendimento, uma tarefa nem inédita, nem tampouco original.

Entretanto e de acordo também com a minha perspectiva, essa tarefa ainda não

esgotou todas as suas possibilidades, o que me anima a considerar que o estudo,

cujos resultados ora apresento, pode contribuir para o avanço dessas investigações

e análises.

Reitero que estudei/pesquisei sobre uma prática didática específica, de

caráter inovador, que tem como pressuposto básico a reorganização do

currículo/do conhecimento escolar, centrada em projetos de trabalho, com a

intenção de oferecer subsídios para a construção de outras e/ou novas

possibilidades de concepção e práticas escolares que implicam outras e/ou novas

possibilidades de relação entre professor/a-aluno/a-conhecimentos/culturas, bem

como de articulação entre o contexto intra e extra-escolar em suas diferentes

dimensões, na perspectiva, inclusive, de facilitar e/ou promover uma maior

aproximação entre o trabalho escolar e a vida de seus atores.

Vale dizer que reconheço que diversas têm sido as alternativas de análise

da escola. Assim, por exemplo, há estudos centrados na questão do professor

(suas histórias, identidades, saberes, papéis, competências, formação, etc.), dentre

os quais é possível citar alguns exemplos: Andy Hargreaves (1996, 1997, 1998,

1998a e 2002), Antonio Nóvoa (1991, 1991a, 1992 e 1995), Maurice Tardiff

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(1991 e 2002) e Philippe Perrenoud (2001 e 2000) que, com freqüência, têm

inspirado a atual produção brasileira.

Há outras reflexões que estão mais preocupadas com o ofício de aluno e as

diferentes questões relacionadas à sua aprendizagem, onde vale destacar as obras

de Philippe Perrenoud (1995) e de Jose Gimeno Sacristán (2005).

E existem aqueles/as como Alice Casimiro Lopes (1997, 1999, 1999a,

2000 e 2006), Antonio Flávio Moreira (1999, 2003 e 2007), André Chervel

(1990), Fernando Hernández (1998, 1998a e 2000), José Gimeno Sacristán (1998

e 2000), Jurjo Torres Santomé (1998), Mario Sergio Cortella (2004) e Yves

Chevallard (s.d.), entre outros/as, que se dedicam a investigar o tema do

conhecimento, ou melhor, da reelaboração do conhecimento no processo de

ensino-aprendizagem, e cujos trabalhos expressam diferentes abordagens e/ou

dimensões que procuram responder a uma variada gama de questões, como por

exemplo: o que ensinar? O que envolve o processo de seleção e/ou de produção de

conteúdos na escola? Com que concepções de conhecimento e de cultura

trabalhar? Quais as implicações da transposição ou mediação didática – do

conhecimento científico para o conhecimento escolar? Quais as possibilidades

e/ou alternativas de organização do currículo e/ou do conhecimento escolar, entre

inúmeras outras.

É possível afirmar que, no conjunto dessas diversas linhas de reflexão,

desenvolvi um estudo/pesquisa centrado no tema da organização do currículo/do

conhecimento escolar, procurando compreender e interpretar o que acontece no

âmbito dessa organização e, conseqüentemente, com a prática didática escolar,

quando esta se desenvolve centrada em projetos de trabalho.

Cabe registrar que, antes mesmo de fazer um mergulho mais profundo no

meu objeto de estudo/pesquisa, optei pela realização de um estudo de campo

exploratório, na perspectiva de aprimorar a definição do próprio objeto e/ou dos

problemas a serem investigados, além de obter subsídios que me ajudassem a

formular melhor as minhas perguntas de pesquisa. Eu tinha consciência de que era

preciso certo engenho e arte para construí-las e como Costa (2005, p. 200) assumia

que

As perguntas que me ocupo aqui são aquelas que dão sentido ao trabalho investigativo, aquelas que mobilizam quem pesquisa, remexem todo o campo dos saberes e deixam tudo em aberto, um misto de incerteza e promessa. Tais perguntas emergem de uma certa insatisfação, de uma certa instabilidade, de uma

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certa dúvida, de uma certa desconfiança, de uma certa insegurança aventurosa que fazem do perguntar, como diz Hans-Georg Gadamer (1999, p.540), mais um padecer que um fazer. Parece que nenhuma indagação nasce de um vazio, sem um território e sem um tempo que fecunda as idéias, as dúvidas e as inseguranças.

E foi por entender que eu precisava de um ‘chão’ para construir essas

perguntas e aguçar o meu olhar sobre o objeto e/ou problemas de pesquisa que, ao

longo do ano letivo de 2005, fiz um estudo de campo de caráter exploratório em

uma escola que, eu sabia, havia optado por rever sua organização curricular e

trabalhar por projetos. Vale registrar que, em 2003 e por força das minhas

atividades profissionais, eu tinha feito alguns contatos com a experiência em

questão e, em 2004, durante o XI Encontro Nacional de Didática e Prática de

Ensino, pude participar de um debate acerca desse trabalho realizado pela escola,

que daqui para frente passo a chamar de Colégio Amanhecer.

Vale aqui um entre parênteses para registrar que a proposta/experiência do

Colégio Amanhecer se caracteriza por implementar uma prática pedagógica que

enfatiza a vivência de projetos de investigação, na perspectiva de valorizar a

integração curricular e o diálogo entre diferentes conhecimentos e culturas. Nesse

sentido, reorganiza-se o tempo escolar em dois grandes momentos. Um deles é

destinado ao trabalho pessoal, cujo objetivo é estimular o trabalho autônomo –

individual e/ou coletivo – centrado em temas geradores de interesse dos/as

alunos/as e que busca articular suas realidades mais próximas ou não e as demais

características do mundo contemporâneo. Outro momento é reservado ao trabalho

e/ou estudo no interior das diversas disciplinas, visando ampliar e aprofundar os

conhecimentos e que, sempre que possível, deve fazer links, ou seja, estar

integrado ao momento anterior (DIAS e outras, 2004).

Cumpre destacar que meu estudo exploratório envolveu 102 horas de

observações participantes2 das reuniões pedagógicas que eram realizadas pelas

orientadoras (pedagógica e educacional) e pelos/as professores/as de 5ª e 8ª séries

2Posso dizer que fiz observações participantes, na medida em que fiz observações diretas e por um longo período de fatos, acontecimentos, situações, sujeitos em interação, guardando certo grau de introspecção (DENZIN, 1978, In: LÜDKE e ANDRÉ, 1986). Cabe sublinhar, contudo, que procurei me manter numa posição intermediária e/ou de equilíbrio, quanto ao grau e/ou à intensidade da minha participação, levando em conta a idéia de um continuum entre um completo insider e um completo outsider (JORGENSEN, 1989, In: SARMENTO, 2003). Entendo, desse modo, que nunca fui uma participante total, já que o grupo e/ou a escola conheciam o meu estudo e tinham consciência do meu papel de pesquisadora. Nesse caso, creio que posso me enquadrar no que Sahran Merriam (1988, In: SARMENTO, 2003) chama de observador como participante.

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do Ensino Fundamental, bem como da semana pedagógica que aconteceu no

início do período letivo e dos momentos de culminância dos trabalhos

desenvolvidos pelas/os crianças/adolescentes ao final de cada semestre. Com os

resultados desse estudo, alguns deles sistematizados em dois textos elaborados por

mim (Currículo Integrado e Currículo por Disciplina: reflexões a partir de uma

proposta3 e Reuniões Pedagógicas: um espaço para o exercício da integração

curricular)4, pude obter mais e novos elementos para a formulação das minhas

questões e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da minha pesquisa

propriamente dita.

Paralelamente à realização desse estudo exploratório realizado no Colégio

Amanhecer e considerando a minha intenção de fazer um estudo de caso de

natureza qualitativa e de inspiração etnográfica, procurei ampliar as minhas

leituras, buscando me aprofundar nos aspectos teórico-metodológicos

relacionados ao fazer etnográfico. Nesse caso e depois do estudo de alguns textos

de Clifford Geertz (1978), Georg Simmel (1978), Gilberto Velho (1980 e 1981),

Ricardo Vieira, (1999), Roberto Cardoso de Oliveira (1998), Ruth C. L. Cardoso

(1986), Tânia Dauster (2003 e 2004) e Wlliam Foot-Whyte (1980), pude perceber

que para melhor apreender, entender e interpretar o meu objeto de pesquisa era

necessário compreender o “outro” nos seus próprios termos (DAUSTER, 2004),

que os acontecimentos e/ou fatos são sempre relacionais e que a minha

interpretação é uma construção pessoal e possível (GEERTZ, 1978) sobre a

experiência estudada e que mesmo assim o texto produzido a partir de minhas

análises não se transformaria em um romance de ficção, ao contrário, poderá

contribuir para a construção do conhecimento no campo da Educação. A

propósito, escrevi o texto Antropologia e Educação: um diálogo produtivo

(2005)5, onde procurei expressar, a partir das leituras que fiz, as minhas reflexões

sobre o fazer etnográfico.

Procurei intensificar também minhas leituras em torno de estudos sobre a

escola. E, nesse sentido, analisei alguns textos de Agnes Van Zanten (2000),

Dominique Juliá (2001 e 2002), François Dubet (1994), Jean Claude Forquin 3 Texto elaborado em 2004, como requisito para avaliação da aprendizagem de uma das disciplina que cursei durante o doutorado. 4Artigo publicado no VII Colóquio sobre Questões Curriculares e III Colóquio Luso-brasileiro sobre Questões Curriculares, fevereiro de 2006. 5Este texto foi elaborado como requisito para avaliação da aprendizagem na disciplina de Antropologia e Educação, que cursei no primeiro semestre de 2005.

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(1993), João Barroso (1996), Luc Brunet (1992), Peter MacLaren (1992 e 1997),

Regine Sirota (1994) e Rui Canário (1996 e 2006), o que me permitiu aprofundar

conhecimentos acerca da pluralidade dos estudos sobre a instituição escolar e, a

partir daí, delinear melhor quais seriam os caminhos da minha pesquisa enquanto

pesquisa sobre e na escola.

As reflexões sobre a relação cultura e cotidiano escolar, cultura e clima

organizacional da escola, cultura escolar, cultura da escola, cultura na escola,

rituais na escola, práticas culturais no espaço escolar, a experiência escolar para os

diferentes segmentos sociais, autonomia da e na escola, o tempo escolar, entre

outros contribuíram para que eu fosse aguçando e afinando o meu olhar sobre os

“acontecimentos” e “práticas” vividos na escola, principalmente no Colégio

Amanhecer, a escola-objeto do meu estudo exploratório.

Além disso, ainda nessa fase, o estudo de alguns textos de autores, como

Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (2002 e 2002a), Antônio Flavio

Moreira e Vera Maria Candau (2003 e 2007), Basil Bernstein (1984, 1996 e

1998), Fernando Hernández e Montserrat Ventura (1998), Fernando Hernández

(1998, 1998a e 2000), Ivor Goodson (1995 e 1997), Jean-Pierre Boutinet (2002),

José Gimeno Sacristán (1995, 1998, 2000 e 2005), Jurjo Torres Santomé (1998) e

Pérez Gomez (1994 e 2001), me ajudou a aprofundar nas questões relacionadas à

temática do currículo, do conhecimento escolar e dos projetos de trabalho. O que

significa dizer que principalmente questões como, por exemplo, a tensão entre

currículo integrado e currículo disciplinar, a problemática do conhecimento

escolar – seleção e/ou produção dos conhecimentos na escola, os diferentes

conhecimentos que circulam na escola, as relações entre conhecimentos e culturas

–, a antropologia dos projetos e suas características foram por mim aprofundadas,

permitindo-me perceber que se constituíam em referentes de análise significativos

para os meus propósitos.

Posso dizer, então, que tanto a pesquisa exploratória como as leituras

teóricas realizadas nesse período foram significativas e criaram as condições

necessárias para que eu pudesse definir melhor não só o objeto da minha

investigação (abrangência, natureza das perguntas, dos problemas, dos objetivos e

os principais focos da pesquisa propriamente dita), como também os autores com

os quais eu poderia/deveria dialogar (com ou contra) para dar conta do meu

estudo/pesquisa.

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Reafirmando: um estudo centrado no tema da (re)organização curricular na

escola, procurando, de modo mais específico, investigar como a prática didática

escolar centrada em projetos, na visão de seus protagonistas, estava favorecendo a

construção e a vivência de modos alternativos de (re)organização do

conhecimento escolar6, tendo como pressuposto a idéia de que a escola pode ser

um espaço de relações privilegiadas com diferentes conhecimentos e culturas que

nela se cruzem, como destaca Pérez Gómez (2001, p. 17):

Já propus considerar a escola como um espaço de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica, que a distingue de outras instituições e instâncias de socialização e lhe confere sua própria identidade e sua relativa autonomia, é a mediação reflexiva daqueles influxos plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações, para facilitar seu desenvolvimento educativo.

Conhecer e analisar uma alternativa didática de (re)organização curricular,

ou melhor, uma experiência pedagógica vivida em uma escola, cuja proposta se

caracteriza por estabelecer novas e diferentes relações com os diferentes

conhecimentos e culturas que nela circulam, entendendo-os como históricos,

plurais, dinâmicos, integrados e que, nessa perspectiva, está buscando um

permanente diálogo com a realidade dos sujeitos nela envolvidos, foi então a

minha proposta, mas também a minha aposta, uma vez que acredito que os

resultados desse meu trabalho podem contribuir para a reinvenção da escola, na

direção já explicitada.

Minha intenção foi e é, portanto, oferecer subsídios para o aprofundamento

da reflexão e da produção do conhecimento sobre a escola percebida como uma

instituição que, além de responder aos desafios do século XXI, seja comprometida

com a formação de cidadãos e cidadãs mais críticos/as, criativos/as, autônomos/as

e solidários/as.

Posso afirmar que o meu trabalho se insere no conjunto de estudos sobre a

instituição escolar, tomando a sua organização curricular, de um modo geral, e a

6Vale dizer que, para efeito deste trabalho estou considerando conhecimento escolar como (1) “um conhecimento selecionado a partir de uma cultura social mais ampla, que passa por um processo de transposição didática, ao mesmo tempo que é disciplinarizado; (2) constitui-se no embate com os demais saberes sociais, diferenciando-se dos mesmos. Em síntese, o conhecimento escolar define-se em relação aos demais saberes sociais, seja o conhecimento científico, os conhecimentos cotidianos ou os saberes populares”. (LOPES, Alice R. Casimiro, 1999a, p. 24). Entendo, portanto, que o conhecimento escolar é uma construção específica e não simplesmente uma reprodução simplificada de outros conhecimentos produzidos fora do universo escolar.

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sua organização do conhecimento escolar, mais especificamente, como objeto

e/ou foco privilegiado da investigação.

Vale ressaltar, contudo, que entendo que a escola precisa se reconhecer

como um sistema, ser capaz de “se pensar” de forma sistêmica, quer dizer,

“pensar em sua complexidade interna e em suas dependências externas, de

construir uma visão de conjunto de seu funcionamento e de seu ambiente, bem

como de propor linhas de ação coerentes” (PERRENOUD, 2001, p.49) e, por isso,

reconheço que os resultados alcançados com esse meu trabalho expressam apenas

uma parte, um aspecto, de toda a complexidade e das diferentes dimensões que

envolvem a escola, o currículo7 e, portanto, o processo de ensino-aprendizagem

nela implementado.

2.2 Apenas como pontos de partida

Antes de detalhar os caminhos metodológicos que percorri para fazer a

minha pesquisa, parece oportuno registrar que fui para o campo com algumas

perguntas a priori definidas, mas que longe de esgotar as possibilidades das

questões que poderiam surgir e que certamente surgiram no contato direto com a

experiência, elas cumpriam um papel inicial de me mobilizar, dar algum sentido

ao meu trabalho de campo e ao mesmo tempo anunciar por onde eu estava

pretendendo caminhar ou me aventurar e também quais eram as minhas

inquietações. São perguntas que nasceram não de um vazio (GADAMER, 1999),

mas a partir das muitas idéias decorrentes, tanto do estudo de campo exploratório,

como das leituras teóricas que fiz. São perguntas que, longe de limitar minhas

indagações, elas tinham o sentido de me abrir um campo de possibilidades e

saberes, além de deixarem tudo em aberto, com um misto de incerteza e promessa

(COSTA, 2005).

7É oportuno lembrar que existem distintas concepções de currículo. Entretanto, adoto neste trabalho um conceito amplo que relaciona currículo a todos os empreendimentos pedagógicos realizados na escola para viabilizar, processos de ensinar e aprender em suas diferentes dimensões. Ou seja, em consonância com MOREIRA e CANDAU (2007, p. 18), estou entendendo currículo “como as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para construção das identidades de nossos estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas.”

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Tais perguntas foram assim formuladas: (1) Quais os significados e

sentidos atribuídos aos projetos de investigação8 pelos diversos sujeitos que dele

participam e/ou o constroem? (2) Quais os limites e os alcances desses projetos de

investigação, enquanto uma alternativa didática inovadora para lidar com

diferentes conhecimentos e culturas que circulam na escola, inclusive para

viabilizá-la como um lugar de cruzamento desses mesmos conhecimentos e

culturas, segundo esses mesmos sujeitos? (3) Quais são os pressupostos, critérios

e elementos configuradores dos projetos de investigação desenvolvidos pela

escola que estão favorecendo modos alternativos de lidar com diferentes

conhecimentos e culturas e que poderiam, assim, estar favorecendo processos de

ensino-aprendizagem conectados com o estabelecimento de relações entre o

trabalho escolar e a vida dos/as professores/as, alunos/as e demais sujeitos que

deles participam, podendo contribuir para um melhor conhecimento de si mesmos,

da realidade que os cerca e talvez criar possibilidades de sua transformação?

Vale sublinhar que entendo que essas perguntas eram e são relevantes na

medida em que considero que os significados e os sentidos atribuídos pela

direção, pelos/as orientadores/as, professores/as, funcionários/as, alunos/as e seus

familiares à experiência objeto do estudo e, ainda, os modos como a descrevem,

interpretam e analisam são construídos em função dos papéis e lugares que esses

sujeitos ocupam na instituição escolar e, portanto, são plurais. E por isso mesmo,

a identificação desses significados, sentidos e modos de descrição, interpretação e

análise podem fornecer subsídios para a construção de conhecimentos acerca das

questões relacionadas à (re)organização do currículo e/ou do conhecimento

escolar, aos limites e possibilidades da adoção de uma organização por projetos,

na perspectiva inclusive da integração curricular e à função social da escola no

que tange a sua relação com diferentes conhecimentos e culturas.

Com essas perguntas e até mesmo com uma hipótese norteando o meu

trabalho – a idéia de que a adoção dos projetos de investigação poderia facilitar ou

viabilizar a escola como lugar de circulação, intercâmbio, diálogo, tensão e

confronto entre diferentes conhecimentos e culturas -, reitero que realizei um

8Durante o estudo exploratório pude confirmar (lembro que eu havia tido contato com a proposta em 2004 no XI ENDIPE) que o Colégio Amanhecer se referia aos projetos de trabalho e/ou didáticos como projetos de investigação.

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estudo de caso de caráter etnográfico e, portanto cuidei de me manter sempre

aberta para o que o campo tinha para me dizer.

Foi então que com essa perspectiva, procurei:

conhecer e analisar a experiência do Colégio Amanhecer de

reorganização do currículo e do conhecimento escolar que adota como

sua estratégia teórico-metodológica fundamental a realização de

projetos de investigação, buscando compreender a sua gênese e os

porquês de sua criação;

identificar os fundamentos que a sustentam, analisando em que medida

e como os princípios e/ou pressupostos que orientam sua concepção

estão sendo incorporados;

identificar os significados e sentidos que os diferentes sujeitos

atribuem à experiência por eles vivida;

analisar como se dá o envolvimento desses diferentes sujeitos

(diretores/as, orientadores/as, professores/as e alunos/as) e sua relação

com os projetos de investigação que estão sendo desenvolvidos;

analisar os modos concretos adotados para o desenvolvimento dos

projetos de investigação, procurando compreender como os sujeitos

que dele participam definem suas diferentes características,

configurações e/ou estratégias e em que medida esses aspectos se

constituem em formas alternativas de relação com diferentes

conhecimentos e culturas e valorizam a perspectiva da escola como

espaço de cruzamento de conhecimentos e culturas.

2.3 O “caso” objeto de estudo

Levando em conta que o Colégio Amanhecer tinha uma proposta

institucionalmente definida (DIAS e OUTRAS, 2004)9 e já estava trabalhando

nessa perspectiva há cerca de quatro anos, com ênfase no segmento de 5ª à 8ª

série, tomei a decisão, após o estudo exploratório, de manter tal experiência como

9Por meio das conversas informais travadas ao longo do estudo exploratório pude constatar que a experiência do colégio tinha uma conotação institucional. Além disso, a idéia de que a proposta expressava uma decisão da instituição foi significativamente ratificada nas entrevistas que mais tarde realizei.

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meu campo de investigação, considerando-o inclusive um campo de pesquisa

fértil para os meus propósitos.

Vale sublinhar que, ao longo de todo o ano letivo de 2006, procurei

‘olhar’, ‘ouvir’ e ‘escrever’ (OLIVEIRA, 1998) sobre a experiência do Colégio

Amanhecer, mantendo-me fiel a idéia de realizar um estudo de inspiração

etnográfica que me permitisse construir conhecimento acerca dessa experiência, a

partir de minhas análises e interpretações, mesmo que entendendo-as como

parciais e provisórias.

Fazer esse trabalho, tendo como objeto de estudo uma escola particular,

situada em um bairro nobre da zona sul, do município do Rio de Janeiro, me

colocou diante de um desafio: estudar o familiar, mas estudar o familiar como se

fosse o outro (DA MATTA, 1981). Assim, coerente com os ensinamentos de

Velho (1980), minha tarefa foi a de ‘estranhar’ o familiar, procurando captar as

lógicas e as especificidades dessa experiência particular, a experiência do Colégio

Amanhecer. Parece-me oportuno explicitar que tal experiência me é familiar, de

um lado, porque essa escola está situada em uma comunidade que faz parte do

meu cotidiano. Vários professores/as e alunos/as integram grupos sócio-culturais

com os quais me relaciono no meu dia-a-dia e, por outro lado, porque mantenho

alguns vínculos profissionais com alguns membros da escola. Acredito, contudo,

que esse meu envolvimento com a instituição não impossibilitou a realização de

um estudo sério, consistente e de caráter interpretativo, uma vez que procurei

manter uma atitude de estranhamento permanente diante do meu objeto de

investigação.

Segundo Velho (1980, p. 18),

Isso é possível, sem necessariamente levar à loucura, porque a vida social e a cultura se dão em múltiplos planos, em várias realidades que estão referidas a níveis institucionais distintos. O indivíduo na sociedade moderna move-se entre esses planos, realidades, níveis e constitui sua própria identidade em função deste movimento.

Além disso, ainda em articulação com as reflexões de Velho (1981), o fato

de investigar o familiar não significa necessariamente ter conhecimento sobre ele.

O Colégio Amanhecer e diferentes pessoas que nele atuam me são familiares sim,

seja pela proximidade, seja pelas relações que mantemos. Tanto a escola como as

pessoas que nela trabalham fazem parte da minha própria sociedade, são meus

vizinhos, alguns são meus contemporâneos, outros nem tanto. Tudo é bastante

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familiar, mas com certeza tal familiaridade não é homogênea e, principalmente,

meu conhecimento sobre o próprio funcionamento da escola e mesmo sobre seus

integrantes era muito pouco e, certamente, desigual, ou seja, marcado por

diferentes relações de poder.

[...] Em princípio, dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Isso, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em uma situação social nem as regras que estão por detrás dessas interações, dando continuidade ao sistema (VELHO, 1981, p.127).

Gostaria ainda de reiterar que, para poder me aproximar, analisar,

compreender e interpretar os possíveis significados e sentidos acerca da

experiência que foi objeto de minha investigação, tentei fazer uma ‘descrição

densa’ (RYLER in GEERTZ, 1978) sobre ela, na tentativa de ‘construir uma

leitura’ de suas múltiplas e complexas teias, representações, estruturas, códigos,

regularidades, incoerências, etc. Como diz Geertz (1978, p. 7):

Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado.

Para fazer isso e como, mais uma vez, me ensina Geertz (1978), além de

ter feito uma intensa e sistemática observação participante, mantive meu diário de

campo com muitas anotações, entabulei conversas informais, fiz entrevistas

individuais com a direção, os/as orientadores/as (pedagógico e educacional), os/as

professores/as e coletivas com os/as alunos/as, bem como analisei a documentação

pedagógica disponível, procurando fazer um esforço no sentido não apenas de

realizar uma ‘descrição densa’, mas também de promover uma articulação entre

esse modo de fazer e a teoria que o orienta.

Vale observar que estou ciente de que esse meu trabalho, se constitui em

uma interpretação possível, a minha interpretação, algo modelado, algo

construído, fabricado - para usar expressões do próprio Geertz (1978) -, sobre o

meu objeto de estudo. Reconheço que o que consegui realizar é, portanto, fruto do

‘meu olhar’, do ‘meu ouvir’ e do ‘meu escrever’. Em outras palavras, é fruto das

minhas próprias interpretações, ou seja, é fruto de uma ‘leitura’ possível da

experiência em pauta (GEERTZ, 1978, p.13). Entretanto, preciso ressaltar que, em

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consonância com as características de um estudo de natureza etnográfica, procurei

estar sempre atenta aos ‘pontos de vista’ dos seus protagonistas e analisá-los

segundo uma perspectiva relacional nos ‘termos’ desses mesmos sujeitos.

Sistematizando, posso afirmar que realizei:

observações participantes das práticas pedagógicas vivenciadas no

Colégio Amanhecer pelas turmas da 5ª série10 dentro e fora da sala de

aula, procurando concentrar a atenção nas diferentes dimensões do

processo ensino-aprendizagem, desenvolvido com base nos projetos de

investigação, dando ênfase à natureza das relações entre professor/a e

aluno/a e entre os/as próprios/as alunos/as, das atividades

implementadas, dos ‘conteúdos’ veiculados/produzidos e como se

inter-relacionavam, dos recursos e linguagens utilizadas, das

concepções e estratégias de avaliação adotadas, bem como às

alternativas de articulação com o contexto social, político e cultural em

que está inserida, procurando sempre ter presente como esses aspectos

se relacionavam com a problemática da reorganização do currículo

e/ou do conhecimento escolar.

observações participantes de outras atividades pedagógicas, tais como

a semana pedagógica, as reuniões semanais de planejamento, os

Conselhos de Classe, os eventos extra-classe, sempre tendo como

referência as turmas da 5ª série;

entrevistas individuais com a direção, com a equipe de orientação e

com os/as professores/as da 5ª série, que participam do processo de

concepção, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação da

experiência, de modo a identificar e compreender os sentidos e os

significados acerca do trabalho que desenvolvem, bem como os modos

concretos como esse trabalho é implementado.

entrevistas coletivas com os/as alunos/as, na perspectiva de perceber

como entendem e lidam com os projetos de investigação.

análise documental, incluindo o estudo do programa adotado e das

respectivas grades curriculares e horários da 5ª série, dos materiais e

registros distribuídos nas reuniões de planejamento pedagógico, das

10O que corresponde hoje ao 6º ano do Ensino Fundamental. No entanto, mantive neste relatório a referência à 5ª série porque essa era a nomenclatura usada no momento da pesquisa.

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propostas de trabalho, planos e projetos semestrais, das fichas

elaboradas para orientar a realização das atividades vinculadas aos

projetos de investigação, das provas e/ou exercícios de avaliação, bem

como a análise dos textos que podem ser considerados de

fundamentação, como os registros relativos à própria proposta sócio-

educativa e a revista comemorativa dos 50 anos da escola, buscando

sempre contextualizar as circunstâncias em que foram produzidos.

A opção de ter centrado o meu estudo nas três turmas da 5ª série do Ensino

Fundamental está relacionada a alguns aspectos que considerei relevantes e que

foram percebidos durante a minha pesquisa exploratória: (1) o fato da experiência

ter sido implantada progressivamente, começando pelas turmas da 5ª série, o que

significa que, no momento do meu trabalho de campo, essa era a série onde a

experiência em pauta tinha sido mais vivenciada11, (2) o fato desse segmento

contar, portanto, com uma equipe de professores/as que tinha mais de três anos de

reflexão em torno dos projetos de investigação, (3) mas, ao mesmo tempo, ser a

série onde os/as alunos/as experimentam trabalhar com os projetos de

investigação pela primeira vez, exigindo um constante repensar da proposta em

função dos novos grupos que se formam, (4) a importância de poder acompanhar

de modo longitudinal e abrangente o desenvolvimento dos projetos de

investigação, de modo que fosse possível analisar as suas diferentes dimensões e

as configurações que assumem ao longo de sua realização, bem como as relações

que com eles são estabelecidas por seus protagonistas e (5) a não viabilidade de

fazer um amplo e profundo ‘mergulho’ (o que entendo ser uma exigência de um

estudo de caráter etnográfico) em todas as séries, já que para fazer isso era preciso

ter uma disponibilidade ainda muito maior de tempo (pessoal e mesmo

institucional) para realizar todas as observações e entrevistas necessárias.

Posso reiterar, portanto, que realizei um estudo de caso de inspiração

etnográfica, onde a escolha do objeto de estudo – o Colégio Amanhecer – ganhou

ênfase por sua especificidade – o tipo de experiência de reorganização curricular e

do conhecimento escolar que desenvolve. E onde também ganharam destaque os

11É importante dizer aqui que o Colégio Amanhecer começou a conceber, planejar e discutir sua (re)organização curricular na perspectiva dos projetos de investigação em 2002 e que sua implantação inicial ocorreu já no primeiro semestre de 2003. Além disso, a experiência seguia acontecendo, tendo atingido a 1ª série do Ensino Médio no primeiro semestre de 2006.

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significados e sentidos que os diferentes sujeitos ou atores que dela participam

atribuem a tal experiência.

Quero reafirmar que procurei ficar atenta a tudo que foi expresso, seja por

meio da linguagem em suas diferentes formas de manifestação, seja através das

ações desses mesmos sujeitos e assim procurei captar suas perspectivas, buscando

compreender o ‘caso’, que foi objeto do meu estudo em profundidade e na sua

totalidade, com todo o seu dinamismo e complexidade (ANDRÉ, 2005). E que

busquei estar sempre atenta, tanto aos traços e pormenores, como aos

acontecimentos significativos presentes no seu cotidiano (SARMENTO, 2003).

2.4. As observações participantes

No que se refere a esse procedimento metodológico, vale ressaltar que, ao

longo de 2006, realizei 180 horas de observações participantes12, abrangendo: (1)

os momentos do trabalho pessoal, realizados tanto no interior das chamadas salas

de aula convencionais, como em vários outros espaços (na biblioteca, nos

laboratórios de informática e de ciências, no auditório, no corredor do andar onde

funcionava a quinta série, no ginásio, na sala de audiovisual), (2) os momentos de

estudos específicos das diversas disciplinas, (3) os momentos de culminância dos

projetos, (4) a hora do recreio, (5) a semana pedagógica realizada no início do ano

letivo, (6) as reuniões de planejamento pedagógico que aconteciam todas as

segundas feiras, (7) as reuniões de Conselho de Classe, avaliação e fechamento do

semestre, (8) os intervalos nas salas dos professores/as e (9) algumas festas ou

atividades extraclasse como o dia da solidariedade, a festa junina e alguns eventos

relacionados à comemoração dos 50 anos da escola.

Durante tais observações, procurei voltar a minha atenção para vários

aspectos privilegiando, contudo, as características e formas de utilização dos

diferentes espaços escolares, as rotinas vividas pelos/as alunos/as e professores/as,

nesses diversos lugares, procurando perceber inclusive o que era comum, bem

como as diferenças, levando em conta o momento do trabalho pessoal e aquele

12Aqui só estão computadas as horas de observações participantes realizadas em 2006, que somadas às 102 horas de observações realizadas durante o estudo exploratório totalizam 282 horas de inserção no campo. A título de curiosidade e para comprovar que fiz uma longa imersão no campo, meu diário de campo tem 302 páginas digitadas.

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dedicado ao estudo específico das disciplinas. Procurei observar também as

características e estratégias adotadas no desenvolvimento desses dois momentos, a

natureza das relações vividas nos diversos lugares e momentos pelos diferentes

sujeitos, protagonistas dos projetos de investigação e de suas atitudes frente à

diversidade das situações e acontecimentos inerentes às atividades e/ou práticas

escolares propostas pelos projetos. Procurei ficar atenta ainda a questões como: o

uso do tempo escolar, as dinâmicas e/ou procedimentos didáticos e de avaliação

utilizados nos momentos de trabalho pessoal e de estudo específico das

disciplinas, a natureza e função dos recursos e linguagens, conteúdos e/ou

conhecimentos trabalhados.

Cumpre ressaltar que, além de ter observado praticamente todas as

reuniões de caráter pedagógico realizadas semanalmente de 13h às 15h, observei

todos/as os/as professores/as da quinta série em ação, não só quando responsáveis

pela dinamização do trabalho pessoal, como também diante de suas disciplinas

específicas, o que significou estar na escola, durante um ano letivo, no mínimo

três e no máximo quatro dias por semana.

Nessa perspectiva, acho que posso dizer que fiz um ‘mergulho’ intenso e

extenso nos acontecimentos e nas práticas na tentativa de perceber, entender e

analisar as suas características, normas ou regras, regularidades, não

regularidades, valores, teias de relação, comportamentos, tensões e conflitos

presentes, sempre movida pelo desejo de compreender e tentar interpretar a

experiência pesquisada, sem, contudo, deixar de manter um distanciamento

crítico, a fim de escapar das redes de significação que pudessem estar sendo

naturalizadas (SARMENTO, 2003).

A intenção era e acho que consegui realizar observações participantes, mas

sem perder a capacidade de me surpreender (CARDOSO, 1986).

Por outro lado, preciso registrar que mantive com os sujeitos/atores desses

acontecimentos e práticas um clima de integração que favoreceu minha

participação como pesquisadora, minimizando qualquer ‘leitura’ distorcida das

minhas funções e evitando que as observações que fiz fossem consideradas como

uma espécie de avaliação das práticas o que certamente teria afetado os resultados

do meu trabalho, já que os sujeitos/atores, diante desta interpretação equivocada

do meu papel, poderiam assumir “não a sua própria lógica, mas a perspectiva do

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que se espera que o investigador ache correto ou desejável” (SARMENTO, 2003,

p. 161).

Além disso, acho que posso dizer que, ao longo de minhas observações,

procurei tanto manter uma conduta que buscava favorecer um distanciamento

crítico do familiar, ou seja, um estranhamento produtivo, como também me

afirmar “como mais um de nós, só que com tarefa própria” (SARMENTO, 2003,

p. 161).

Outro aspecto que gostaria de comentar e que acredito seja significativo para

situar os dados coletados, a partir das observações participantes que realizei, diz

respeito às minhas anotações e/ou registros de campo. Posso dizer que meus registros

são um misto de informações descritivas (anotei tudo o que eu era capaz de ver e

ouvir na seqüência em que os fatos e/ou acontecimentos e/ou situações e/ou falas iam

acontecendo) e de impressões pessoais (quase todas as vezes que eu acabava de fazer

uma observação participante eu acrescentava meus próprios comentários ao que eu

tinha presenciado e registrado, procurando destacar aspectos que tinham chamado a

minha atenção). Ressalto também que em diferentes oportunidades entabulei

conversas informais com os/as orientadores/as, professores/as e alunos/as, buscando

clarear e/ou afinar essas minhas impressões. Posso dizer que essa sistemática foi me

ajudando a construir, ao longo do tempo, uma narrativa sobre a experiência e,

portanto uma descrição e interpretação sobre ela.

2.5. As entrevistas individuais

Quanto às entrevistas individuais, entendo que elas foram um

procedimento complementar à observação participante, tendo sido realizadas a

partir de um roteiro semi-estruturado13 e que permitiu que os/as entrevistados/as14:

(1) localizassem-se do ponto de vista social, cultural e profissional e (2)

expressassem suas visões sobre a experiência em curso, considerando possíveis e

diferentes eixos de discussão e análise, tais como: a questão da inovação

pedagógica e da reorganização curricular, da tensão entre currículo disciplinar e

integração curricular, do tratamento dado ao conhecimento escolar, da função

13É possível consultar os roteiros que estão disponíveis como anexos 1 e 2 desse trabalho. 14 No anexo 3, o quadro geral dos entrevistados/as.

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social da escola e/ou do processo de ensino-aprendizagem e suas relações com

diferentes conhecimentos e culturas, da escola e/ou do processo de ensino-

aprendizagem como espaço de cruzamento de diferentes conhecimentos e culturas

e, ainda, o tema dos pressupostos, características e configurações do projeto de

investigação, nesse contexto de reflexão.

Vale informar que o roteiro funcionou bem, embora em algumas ocasiões

e em função do próprio andamento da entrevista eu tenha tido a necessidade de

ampliar e/ou reformular algumas perguntas e/ou ainda criar novas seqüências.

É oportuno ressaltar que as entrevistas individuais15 com a diretora geral

(1), com a equipe da orientação pedagógica e educacional (4) e com todos/as os/as

professores/as da quinta série (11) foram realizadas em um clima de conversação

bastante aberto e informal. É possível até mesmo afirmar que os/as

entrevistados/as se mostraram bastante disponíveis (cada entrevista teve uma

duração que variou entre uma e duas horas). Sempre realizadas na escola, em

espaços e horários previamente agendados (apenas uma das entrevistas aconteceu

na minha casa), acredito que as entrevistas, seja pelo tom de colaboração que

predominou, seja pelo significativo grau de reflexão dos sujeitos entrevistados ou

por conta da expressão sempre interessada em contribuir com uma pesquisa, cujo

objetivo era compreender de modo mais profundo a prática educativa que eles/as

estavam vivendo, favoreceram a emergência de opiniões e interpretações, bem

como a superação de narrativas idealizadas ou ficcionais (SARMENTO, 2003.)

acerca dos projetos de investigação e de uma série de circunstâncias e dimensões

que envolvem a sua realização.

Um aspecto que considero relevante e que pude constatar durante as

entrevistas é que a maioria das falas fluiu com muita facilidade. Posso dizer que

foram poucos os momentos em que registrei silêncio ou hesitação diante de uma

pergunta, sugerindo um grau significativo de reflexão sobre o trabalho, sua

complexidade, limites e possibilidades. Ao mesmo tempo, pude registrar que

nenhum/a dos/as entrevistados/as se furtou de falar sobre problemas, tensões e até

conflitos, nem mesmo sobre a necessidade de corrigir rumos. Um dos

depoimentos ilustra bem essa afirmativa:

15Vale observar que foram 16 entrevistas, totalizando cerca de 30 horas de gravação. Apenas o professor de Francês não pode ser entrevistado.

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Há muitos [a entrevistada está falado sobre conflitos]. Por temperamento, por maneiras de pensar. Não acho ruim não, porque equipe nenhuma vai ser homogênea. Acho que a gente cresce também assim. Mas as pessoas pensam de modo diferente também. [...] Por exemplo, você vê assim: dizem que aceitam essa forma de trabalhar, mas mesmo na equipe técnica é discurso ainda. [...] Uns mais do que outros. Tem também esses escorregões, só que eu acho normal isso. Muitas pessoas não acham, mas ninguém muda assim. Nem vai mudar totalmente. Mas isso não boicotando, não impedindo, não sendo obstáculo... Eu acho isso rico. [...] Eu acho que muitas vezes poderia funcionar melhor. Muitas vezes eu sinto assim, da parte dos professores, a equipe toda. Eles falam uma coisa e aí a reunião acabou e não deu tempo de terminar de planejar. Aí eles chegam no terceiro dia da semana que não conseguiram planejar tudo, chegam para gente assim: “o que a gente vai fazer? Não tem nada pronto”. A minha vontade é dizer: “é mesmo, mas vocês não planejaram? Não sei, vocês é que vão resolver”. Mas aí a gente acaba fazendo como mãe. “Ah! vamos fazer isso”. [...] Eu acho que ainda eles depositam em nós, que somos os representantes institucionais, o seguinte: “não, vocês resolvam”. Ainda tem um pouco disso. Já melhorou muito, porque às vezes eles já chegam dizendo assim: “não deu tempo, a gente vai ter que dar um jeito de se encontrar, a gente pode pegar dois ou três e arrumar uma janela”. Então você vê um movimento de busca. Mas muitas vezes é uma forma de resistência, você jogar: “o que vou fazer?” Ou então chegar na hora H: “não foi feito isso”. Como não foi feito isso? “Não deu tempo”. E agora? “Não sei”. Agora vocês resolvem. Como dizendo: “não foram vocês que escolheram isso?” Ainda existe isso. Isso é um conflito. [...] Outro conflito aparece aí do tipo: “não tem material, também não vou correr atrás...” É a maneira de você resistir a alguma coisa. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 8 de novembro de 2006)

Além disso, pude constatar momentos de muita emoção – vários se

emocionaram chegando até às lágrimas, principalmente quando o tema era

relacionado a contarem sobre suas trajetórias e experiências naquela escola e,

principalmente sobre os vínculos afetivos e mesmo profissionais que estabeleciam

com ela. Alguns depoimentos ou registros feitos por mim durante as entrevistas

expressam de modo significativo essas observações. Destaco um desses

depoimentos, apenas para exemplificar.

Olha não sei, está me passando assim... [Ela está acrescentando comentários no final da entrevista]. Essa escola aqui faz parte da minha vida sabe. Eu até falo isso com um pouco de emoção. [Aqui a voz da professora fica embargada]. Eu vejo assim que a gente tem que ter uma abertura de espírito para trabalhar com qualquer um. Não achar que o que a gente sabe é mais que o outro. Eu acho que a gente tem que ter uma humildade, essa palavra é um pouco pejorativa, de ter consciência que o outro vai me acrescentar e que as coisas não são exatamente só como eu planejei, como eu quero, como eu penso. Mas que nós temos uma interação de equipe, que cada um acrescenta assim a seu modo, ao seu jeito, no seu momento, da sua maneira. Então eu acho que é uma flexibilidade, para poder também trabalhar com as pessoas envolvidas, sabendo aceitar cada uma como ela é, cada pessoa como ela é. E porque que eu falo assim: que eu fico emocionada quando eu falo desse colégio? Porque eu acho que colégio traz isso na sua filosofia. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006)

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Devo destacar também que considero que a minha interação com os/as

entrevistados/as funcionou, criando condições favoráveis tanto para o curso das

entrevistas, como para a natureza das informações que foram emergindo

(SZYMANSK, 2004). Provavelmente, uma das explicações possíveis para que

isso pudesse ter acontecido está relacionada ao fato de que, no momento em que

elas foram realizadas, eu já tinha bastante tempo de contato e troca, tanto com

os/as professores/as, como com a equipe técnica (muitos deles/as há quase um ano

e meio), em função das observações participantes que realizei desde o momento

do estudo exploratório.

Nesse sentido, foi possível manter e valorizar durante as entrevistas um

diálogo bastante horizontal16 entre a entrevistadora e os/as entrevistados/as. Mas

acho que é preciso dizer que procurei evitar um processo de identificação com o

outro (no caso com os/as entrevistados/as) para não comprometer a minha

compreensão de seus pontos de vista e, conseqüentemente, a produção de

conhecimentos sobre eles (ROMANELLI, 1998). Procurei, então, estar atenta a

tudo o que ia sendo dito ao longo dos depoimentos e também a todos os sinais -

gestos, atitudes, metáforas, ausências e silêncios (nesse último caso, bem poucos)

que poderiam estar marcando esse processo de comunicação e troca.

Por sua vez, não nego que a possibilidade de termos vivido uma interação

positiva – pesquisadora e entrevistados/as – (e aqui eu estou me referindo à

disponibilidade e à abertura para refletir sobre o próprio trabalho) tenha

acontecido também em função do fato de que era uma pesquisa para o Programa

de Pós-Graduação da PUC e todo o significado que isso tem no contexto da escola

que, inclusive, mantém com aquela universidade relações institucionais, ou seja, é

um espaço aberto ao estágio e à formação de professores/as.

Pude constatar por parte de alguns/mas entrevistados/as, bem poucos é

verdade, uma preocupação em poder “responder certo” às questões da entrevista e,

às vezes, se referindo ao fato da possibilidade da pesquisadora “saber” mais sobre

principalmente algumas perguntas tidas como de natureza teórica como, por

exemplo, a relação entre conhecimentos, culturas e escola. Alguns trechos das

entrevistas demonstram tal preocupação.

16É necessário dizer que não estou desconsiderando a assimetria que marca as relações entre pesquisador/a e entrevistados/as.

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Eu sou muito ruim para me expressar, espera aí. Meu marido outro dia estava me dizendo que não tem nada disso, que eu tenho facilidade de me expressar, mas eu não sinto. Não sinto isso. Eu tenho dificuldades, às vezes. Eu tenho dificuldade para falar, me foge às vezes. [Ela está se referindo à diferença entre conhecimentos e culturas] Ah! Você me pegou para fazer essa diferença, eu tenho a minha diferença mais eu estou com dificuldade. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 6 de novembro de 2006) Acho que cultura é o que a gente vive. O que a gente está vivendo. Onde a gente vive. Com quem a gente se relaciona. É o nosso dia-a-dia mesmo. [...] Tu fazes umas perguntas difíceis!!!!!!! (risos) [...] Eu acho assim, a escola recebe essa cultura que vem de fora e também tem o papel de acrescentar outros conhecimentos além. Trabalhar com esses conhecimentos, com a cultura que vem e ainda acrescentar novos conhecimentos para esses alunos. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006)

Vale dizer que entendo que tais considerações sobre a natureza das

relações vividas durante as entrevistas são relevantes, na medida em que acredito

que muito dos significados e sentidos que foram construídos o foram no interior e

a partir do tipo de interação que conseguimos estabelecer.

Acho importante sublinhar, então, que mesmo tendo vivido o que poderia

chamar de uma boa interação ou uma interação marcada pela empatia com os/as

entrevistados/as, procurei não perder a capacidade de uma escuta atenta e crítica

para buscar entender o outro, levando em conta as suas próprias perspectivas ou,

em outras palavras, nos seus próprios termos.

2.6 As entrevistas coletivas

Mesmo tendo entabulado muitas conversas informais com as/os

crianças/adolescentes, enquanto fazia as observações em diferentes espaços por

onde elas/eles circulavam na escola, na maioria das vezes por conta da realização

das várias atividades associadas ao momento do trabalho pessoal e até mesmo

durante os recreios, tendo a oportunidade de colher suas opiniões e/ou visões

sobre o trabalho por projetos (cheguei a gravar e transcrever algumas dessas

conversas, cujos textos fazem parte do meu diário de campo), optei por realizar

entrevistas coletivas, com dois grupos, de modo que eu pudesse aprofundar os

pontos de vista dos/as alunos/as das três turmas da 5ª série acerca da experiência

que estavam vivendo na escola.

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Tais entrevistas, apoiadas por um roteiro semi-estruturado17, foram

gravadas em áudio e vídeo no estúdio situado no quinto andar da escola, criado

para dar suporte às produções realizadas inclusive pelas/os crianças/adolescentes e

que havia sido recém inaugurado. Foram feitas cerca de 5 horas de gravação com

todo o aparato tecnológico que uma atividade dessa natureza exige. Nesse sentido,

diferentemente das entrevistas individuais, onde só participavam a entrevistadora

e o/a entrevistado/a, aqui a conversa foi feita em grupo e acompanhada por três

profissionais que tinham a responsabilidade de dar o suporte técnico necessário

para a captação de imagem e som, bem como para o registro da reação dos/as

alunos/as ao longo das entrevistas.

No que tange à constituição dos grupos, procurei constituí-los levando em

conta os seguintes critérios: número equilibrado de crianças/adolescentes das três

turmas, número equilibrado de meninos e meninas, presença de alunos/as que

aceitassem participar espontaneamente, ou seja, eles/as seriam convidados e não

recrutados. Tendo em vista as dimensões do estúdio e a disponibilidade da equipe

técnica, previ que o trabalho seria realizado durante uma manhã de 8h às 13h com

a presença de doze (12) alunos/as em cada grupo. Todavia, quando fui pela

primeira vez às turmas para convidá-los/as (as entrevistas coletivas não foram

previamente agendadas) só consegui que nove (9) crianças/adolescentes se

apresentassem, sendo seis (6) meninas e três (3) meninos. Entretanto, quando

retornei às turmas para constituir o segundo grupo, tive dificuldade de limitar o

número de participações já que agora muitos/as queriam fazer parte da pesquisa

(creio que os comentários dos/as alunos/as que participaram do primeiro momento

de gravação contribuíram para tal mobilização). O segundo grupo contou, então,

com a participação de quatorze (14) crianças/adolescentes, sendo cinco (5)

meninas e nove (9) meninos.

Assim sendo, as entrevistas coletivas contaram com a participação de 23

crianças/adolescentes, sendo nove (9) da 5ª série A, sete (7) da 5ª B e sete (7) da

5ª C, abrangendo 11 meninas e 12 meninos, a maioria estudando na escola desde o

grupo 1 da Educação Infantil.

17Esse roteiro também se encontra à disposição para consulta no anexo 4 desse trabalho. Todavia, em função da dinâmica de uma entrevista coletiva, ele foi sendo adaptado à medida que a conversa fluía. Desse modo, em cada grupo o roteiro tomou uma configuração um pouco diferente. A reprodução das perguntas também está no anexo 4, que poderá ser consultado para que se perceba a natureza das adaptações.

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Faço aqui toda essa descrição, pois esses critérios que utilizei para formar

os grupos e sua constituição certamente têm um significado para o resultado dos

depoimentos que consegui captar. Além disso, é preciso registrar que, durante as

entrevistas coletivas, eu e os/as alunos/as mantivemos uma interação marcada por

um clima de cordialidade e troca e acredito que isso aconteceu porque eles/as já

estavam habituados com a minha presença nas suas turmas há quase nove meses

por conta das minhas observações participantes.

Por sua vez, foi possível constatar um ambiente de integração entre as/os

próprias/os crianças/adolescentes, mesmo entre aquelas/aqueles que pertenciam a

turmas diferentes. Considero que esses são fatores que contribuíram para que,

durante as gravações, a maioria deles/as se mostrasse desinibida e participativa.

Registros sobre a reação dos grupos feitos ao longo da gravação são expressivos.

Começou a gravação do primeiro grupo. Uma mobilização inicial e todos se mostraram animados, querendo tirar dúvidas sobre a dinâmica da atividade. [...] Ao longo da conversa/entrevista o envolvimento e a participação das/os crianças/adolescentes foi ficando cada vez mais efetivo e eles foram ficando cada vez mais interessados no assunto. [...] Até esse momento estão todos envolvidos com a discussão, ora falando, ora só prestando atenção. Estimulo a participação dos mais calados e imediatamente eles respondem. [...] Há uma certa dificuldade para concluir a conversa, pois percebe-se que ainda há muita motivação para o assunto. No final da gravação eles demonstram satisfação, aplaudindo a atividade. (22 de novembro de 2006) Tem início a gravação do segundo grupo, que começa logo depois do recreio e, por isso mesmo, foi preciso um certo trabalho para acalmar as/os crianças/adolescentes. [...] Começa uma conversa sobre o trabalho por projetos e nesse momento se dá uma série de participações espontâneas e todos estão prestando muita atenção à conversa. [...] Nesse grupo, diferente do anterior, os meninos participam mais do que as meninas e é preciso estimulá-las. Logo elas começam a participar. [...] Quando perguntados/as sobre o que é a culminância muitos querem explicar. Um começa e os demais vão completando as explicações. [...] Uma breve parada para trocar a fita e todos/as demonstram descontração. Parecem empolgados com a oportunidade. [...] Quando um responde a uma pergunta, logo o grupo todo mostra entusiasmo e quer completar. (22 de novembro de 2006)

Outro fator que considero pode ter contribuído para que as entrevistas

coletivas fossem bastante produtivas, ou seja, expressassem significativas

discussões sobre o que estava sendo perguntado, estaria relacionado à construção

do hábito de refletir sobre a vivência dos projetos de investigação, já que os/as

alunos/as eram freqüentemente estimulados não só a fazer sua auto-avaliação,

como também apresentar idéias e/ou comentários sobre o desenvolvimento dos

trabalhos.

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É oportuno registrar que eles/as não pareceram nem um pouco inibidos

diante das câmeras. Apenas um aluno me perguntou se o material ia ser divulgado

ou não, pois ele gostaria de ficar a vontade para “dizer tudo o que pensa sem

magoar nenhum professor”.

2.7 A análise documental

Sobre este procedimento, posso dizer que, dada à natureza, variedade e

quantidade de documentos que tive acesso, procurei analisá-los na perspectiva de

poder aprofundar e/ou obter informações (LÜDKE e ANDRÉ, 1986) que

servissem de base às interpretações construídas a partir das observações e das

entrevistas. Vale sublinhar que considero que os documentos que foram objeto de

minha análise podem ser agrupados em duas categorias: de um lado, os textos

relativos aos fundamentos da experiência desenvolvida pelo Colégio Amanhecer

e, de outro, os documentos com informações técnico-pedagógicas emitidas para

orientar e/ou sistematizar a realização dos projetos em suas diferentes etapas, ou

seja, concepção e planejamento, realização e avaliação.

No que tange à primeira categoria, incluo o livro Educar em Tempos

Difíceis e Revista 50 anos da Instituição.

Já em relação à segunda categoria, trabalhei sobre:

os planos de curso das diferentes disciplinas de 2006;

as grades e horários referentes aos anos de 2002, 2005 e 2006;

os vários textos que compõem os projetos de investigação 2006.1 e

2006.2 da 5ª série, incluindo os seus índices e os seus mapas

conceituais;

as sínteses dos planos de trabalho para cada semestre com os

respectivos conteúdos programáticos que deveriam ser abordados e

integrados, a partir do tema dos projetos;

os cronogramas das atividades semanais relativas ao momento do

trabalho pessoal;

as fichas com a descrição detalhada dessas atividades, além de várias

fichas de atividades e/ou exercidos elaborados para a realização nos

momentos de estudos específicos das diversas disciplinas;

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as fichas com os resultados da avaliação dos/as alunos/as;

os modelos de provas e/ou exercícios para a avaliação da

aprendizagem;

as pautas das reuniões pedagógicas de segunda-feira.

Posso afirmar que a análise desses documentos se mostrou produtiva, uma

vez que considero que as informações neles disponíveis me ajudaram a confirmar

uma dada interpretação, por exemplo, quanto à ênfase ou não aos conteúdos ditos

programáticos ou quanto à possibilidade ou não de incorporar diferentes

linguagens às práticas pedagógicas ou quanto à ênfase ou não dada às atividades

de cunho coletivo ou, ainda, quanto à natureza participativa ou não da gestão dos

projetos, entre outras. Por sua vez, na medida em que eu queria entender os

significados e sentidos atribuídos aos projetos por seus protagonistas, o que faz

com que a linguagem desses sujeitos seja crucial para a minha investigação,

(LÜDKE e ANDRÉ, 1986) analisar um material, quase todo ele, produto de seus

próprios registros me permitiu afinar minhas interpretações acerca desses

significados e sentidos.

É preciso dizer que pude trabalhar com uma quantidade significativa

desses materiais18 - documentos que considero de natureza técnica e oficial

(LÜDKE e ANDRÉ, 1986) - elaborados pelos/as professores/as e pela equipe de

orientação, quase sempre, coletivamente, e que expressam o cotidiano dos

projetos de investigação. Tais documentos me foram disponibilizados,

progressivamente, ao longo das reuniões de planejamento pedagógico, no mesmo

momento em que eram distribuídos para todos/as os/as participantes daquelas

reuniões ou, então, eram deixados em um escaninho que foi destinado à

pesquisadora e que ficava no mesmo armário dos/as professores/as.

Nessa perspectiva, creio que posso afirmar que não trabalhei com

documentos, a partir de escolhas arbitrárias, mas sim com todo um conjunto de

materiais utilizados para apoiar o desenvolvimento dos projetos de investigação e,

nesse sentido, pude considerá-los como mais um dado para as minhas análises e

interpretações.

Cumpre destacar que para realizar a análise desses documentos procurei

fazer repetidas leituras, tentando identificar princípios, pressupostos e,

18Toda a produção do ano de 2006 foi disponibilizada para a pesquisa e alguns exemplos estão disponíveis no anexo 5 para consulta.

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principalmente, modos concretos de fazer acontecer os projetos, tanto quanto aos

conteúdos, como em relação aos procedimentos metodológicos e recursos

didáticos valorizados e/ou utilizados, seja pela freqüência e/ou regularidade com

que aparecem, seja pelo tipo de destaque que é dado ou, até mesmo, pela

possibilidade de identificar coerências ou não em relação ao observado ou

registrado nas entrevistas.

Para finalizar esse capítulo, é oportuno fazer mais duas observações. Em

primeiro lugar que procurei não só utilizar os procedimentos metodológicos

próprios de uma etnografia, mas principalmente fazer uma escrita etnográfica.

Isso significa reiterar que procurei fazer uma densa descrição, tentando, não só

descrever os acontecimentos, eventos, situações, falas, silêncios, gestos, sinais,

mas principalmente analisá-los e interpretá-los, acolhendo os pontos de vistas do

outro (os protagonistas da experiência) e procurando identificar as teias de

significado e sentidos construídos, a partir das diferentes relações estabelecidas no

contexto da própria experiência do Colégio Amanhecer.

E em segundo lugar que, embora eu tenha construído um amplo e

significativo acervo de dados, em função do tempo que passei no campo (desde o

estudo exploratório, foram cerca de dois anos letivos) e da pluralidade dos

procedimentos metodológicos que adotei, reitero que procurei manter como eixo

central das minhas análises e/ou interpretações as questões relativas à

(re)organização do currículo e/ou do conhecimento escolar.

Em outras palavras, mesmo considerando que eu tinha e tenho a minha

disposição um vasto material empírico, fiz um esforço de análise e interpretação,

procurando articular os diversos aspectos e/ou dimensões percebidos ao longo da

pesquisa de campo e como eles se relacionavam com os temas por mim

privilegiados e que reconheço como focos centrais da minha pesquisa, ou seja: o

trabalho por projetos e o que isso implica em termos de reorganização curricular

e/ou do conhecimento escolar, enfatizando não só a tensão currículo integrado –

currículo por disciplina, como também às questões referentes à escola como

possibilidade de ser um lugar ou não de produção de conhecimentos que se

constroem, segundo uma perspectiva de circulação e/ou de cruzamento de

diferentes conhecimentos e culturas.

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3 Sobre os Referenciais Teóricos

Embora reconheça que um estudo de caso não deva partir de um esquema

teórico fechado para não limitar possíveis interpretações e impedir a descoberta de

novas relações que podem acrescentar aspectos novos à problemática que

configura o objeto da pesquisa (ANDRÉ, 2005), apresento nesse capítulo alguns

referenciais teóricos que utilizei, tanto para facilitar a minha aproximação e olhar

sobre o objeto da minha investigação, como também para apoiar e/ou fundamentar

a interpretação dos meus achados, dentro de um campo de análise e de temas

coerentes com as minhas inquietações e interesses enquanto pesquisadora no

âmbito desse trabalho.

Tais referentes, portanto, além de terem contribuído para que eu superasse

uma mera descrição a-teórica (LIJPHART, 1971), me ajudaram a ‘costurar’ o

material empírico e conseqüentemente a manter minhas análises e interpretações

focadas nos objetivos do meu estudo. Entretanto, quero ressaltar que não pretendi

esgotar, nesse capítulo, a apresentação e/ou a reflexão acerca desses referenciais

teóricos e/ou eixos de discussão que elegi inicialmente como significativos. Ao

contrário, aqui apenas os anuncio para retomá-los de modo mais abrangente e, até

mesmo ampliá-los, sustentando as reflexões e análises que faço nos demais

capítulos.

3.1. Inovação pedagógica

Um dos meus eixos de reflexão está relacionado ao tema da inovação

pedagógica, considerando que, para mim, a experiência do Colégio Amanhecer

centrada nos projetos de investigação, pode ser interpretada como uma inovação,

ou melhor, construída sob a ‘aura’ de uma inovação, lembrando inclusive a fala de

uma das orientadoras pedagógicas, registrada numa reunião de planejamento.

É sempre bom lembrar que o que a gente quer é recriar, reinventar o trabalho pedagógico e assim obter uma melhor sintonia entre este trabalho, o mundo e os nossos alunos. [...] Estamos lidando com uma proposta nova. Por isso, é importante o tempo todo estarmos retomando o que a orienta. (professora Marta – membro da equipe técnica)

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Ou ainda recordando o texto que foi distribuído para provocar reflexão e

debate entre os/as professores/as de 5ª a 8ª, durante a abertura da Semana

Pedagógica de 2005. A inovação é um compromisso geral de toda a escola. Podemos afirmar que, assim como todos os docentes e os alunos representaram um papel ativo nessa inovação, nem todos tiveram a mesma vivência e envolvimento. Por se tratar de uma inovação, cujo êxito não depende de um material, de uma técnica ou de uma metodologia concreta, mas do como são veiculadas as concepções psicopedagógicas na interação entre o professor e os alunos, é lógico, pois, que a inovação dos projetos apresente na prática aspectos claramente diferenciáveis de um docente para o outro (HERNÁNDEZ E OUTROS, 2000, p.159).

Reitero, portanto, que entendo que a (re)organização curricular, de uma

maneira geral e os projetos de investigação, em particular, propostos pelo Colégio

Amanhecer estão acontecendo em um contexto de inovação pedagógica. Todavia,

cabe aqui um esclarecimento: algo pode ser novo para um indivíduo e não para

outros dentro de um mesmo sistema e, por isso mesmo, ao invés de pensar a

proposta da escola apenas como uma inovação pedagógica, procurei interpretá-la,

a partir dos vários olhares dos sujeitos que com ela estavam estabelecendo algum

tipo de relação, lembrando que o campo de estudo e pesquisa de tal experiência é

bastante heterogêneo, seja em função das várias conceitualizações que a definem,

seja por causa das diferentes formas que assume na prática (HERNÁNDEZ E

OUTROS, 2000).

Nesse contexto de reflexão e dada a polissemia do termo e a sua

complexidade, House (1988) aponta três momentos, situando diferentes

perspectivas que nortearam o desenvolvimento de investigações relacionadas à

noção e à prática da inovação. O primeiro, situado principalmente em meados dos

anos 70, está marcado por um enfoque sistêmico e racional, associado à

necessidade de responder ao progresso tecnológico em várias áreas ou setores e

que dá mais ênfase às mudanças nos métodos e nos materiais do que nos

conhecimentos e nas relações entre os diversos atores da prática educativa. O

segundo, de caráter político e que emerge nos anos 80, envolve mais as questões

relacionadas aos conflitos e compromissos que seriam inerentes à adoção de uma

inovação. Em outras palavras, surge a partir da tensão entre essas confluências e

desencontros e, neste caso, a inovação seria o próprio resultado da negociação e

dos compromissos firmados. Já a terceira perspectiva, uma tendência do final da

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década de 80, enfatiza a sua dimensão cultural, reconhecendo que os diversos

sujeitos que dela participam são integrantes de distintas culturas ou subculturas e,

portanto, tendem a expressar pontos de vista, conflitos, valores, crenças e a adotar

significados diferentes em relação à sua realidade e à própria experiência da

inovação. Neste caso, a inovação é focalizada como uma interação de culturas

diferenciadas e o estudo sobre como as pessoas a interpretam ganha ênfase.

Vale reafirmar que foi nesta última direção que procurei situar as minhas

interpretações e análises, ou seja, “uma inovação não pode ser considerada de um

único ponto de vista ou focalizando um só aspecto” (HERNÁNDEZ E OUTROS,

2000, p. 28). Desse modo, procurei entender a experiência do Colégio Amanhecer

levando em conta, não só as diversas dimensões e/ou aspectos que a constituem,

como também a pluralidade de olhares expressos por seus diferentes sujeitos, em

função inclusive dos papéis que desempenham: direção, orientação, supervisão,

docência e discência.

Além disso, parece-me que é oportuno destacar que, de um modo geral, as

inovações pedagógicas tendem a ser adotadas, a partir de decisões centralizadas -

de cima para baixo -, o que, muitas vezes significa que elas começam e terminam

em si mesmas e que os diferentes sujeitos que dela participam procuram apenas se

adaptar a uma situação pré-estabelecida, segundo uma “racionalidade lógico-

responsiva” (POPKEWITZ, 1984, in HERNÁNDEZ E OUTROS, 2000).

E mais do que isso, diferentes pesquisas realizadas para analisar o

resultado da adoção de inovações assim implantadas constataram que a maior

parte delas fracassou, principalmente porque não deram importância ao papel

dos/as professores/as na sua concepção e realização nas escolas. Segundo Fullan

(1982, in HERNÁNDEZ, 2000, p. 25), “a mudança em educação depende do que

os professores fazem e pensam”, o que reforçou a minha tentativa de buscar

compreender, no interior de uma experiência específica de inovação, como eles/as

estavam situando e/ou definindo a sua participação nesse trabalho, seja para, a

partir daí, fazer avançar sua própria prática, seja para construir conhecimento

acerca do próprio significado da função docente no contexto das mudanças

pedagógicas implementadas pela escola.

Para me ajudar a compreender e interpretar melhor a inovação curricular

e/ou da prática pedagógica em curso no Colégio Amanhecer, recorri, mais uma

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vez, ao texto de Hernández e outros (2000, p. 29) onde destacam a formulação de

Gonzaléz e Escudero (1987) que consideram a inovação como

Uma série de mecanismos e processos que são o reflexo mais ou menos deliberado por meio do qual se pretende introduzir e promover certas mudanças nas práticas educativas vigentes. Mecanismos e processos que são o reflexo de uma série de dinâmicas explícitas que pretendem alterar idéias, concepções e metas, conteúdos e práticas escolares, em alguma direção renovadora em relação à existente.

Segundo esses mesmos autores, trata-se de uma acepção que implica

considerar a inovação como algo complexo, multidimensional e onde os processos

interativos são uma constante. Em outras palavras, creio que tal acepção implica

‘ver’ e ‘registrar’ mudanças nos conteúdos curriculares e nas suas seqüências, nos

processos de ensino e aprendizagem, incluindo entre outros aspectos suas

estratégias e atividades, nos produtos, nos materiais e idéias e, até mesmo, quanto

ao papel das pessoas e as relações que elas estabelecem com as mudanças, bem

como ‘ver’ e ‘registrar’ seus princípios, fundamentos, processos e as intenções

que a motivaram e sustentam.

Posso afirmar que esses foram alguns dos parâmetros que adotei para

problematizar a experiência do Colégio Amanhecer. Como ponto de partida eles

não só orientaram o meu ‘olhar’ e ‘diálogo’ com os sujeitos que dela participam,

como também minhas análises e interpretações, procurando sempre identificar e

até mesmo privilegiar, outros aspectos ou questões apontadas pelos seus

protagonistas.

Reafirmo que procurei compreender e interpretar as condições, os

elementos e os fatores que estariam propiciando diferentes percepções de um

mesmo processo de inovação – um processo de (re)organização curricular e do

conhecimento escolar, centrado no trabalho por projetos –, o que me parece ser

uma importante ferramenta de conhecimento tanto para os que com ela estão

envolvidos, como para outros interessados no tema de uma maneira mais geral.

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3.2 Projetos de trabalho e/ou projetos de investigação19

Segundo Torres Santomé (1998, p. 9 e 10), há muito que os estudos sobre

o significado dos processos de escolarização, bem como sobre os ‘conteúdos

culturais’ que são trabalhados na escola apontam para o distanciamento entre a

realidade e as instituições escolares e, nesse caso, destaca que é preciso insistir:

Na necessidade de que as questões sociais de vital importância, os problemas cotidianos sejam contemplados no trabalho curricular nas salas de aula e escolas. E como estratégia para explicitar esta necessidade, utiliza-se um vocábulo que resume esta filosofia. Assim no início deste século, aparecem os termos “método de projetos”, segundo William H. Kilpatrick, “centros de interesse”, segundo Ovide Decroly, “globalização”, etc.

Todavia ele mesmo ressalta:

Na hora de pesquisar o verdadeiro significado desta proposta, considero imprescindível reconstruir o que estava acontecendo em outras esferas sociais, especialmente no mundo da produção. Essa revisão pode nos fornecer informação suficientemente significativa para aprofundar estes conceitos e chegar a compreender seu verdadeiro alcance. Dessa maneira não será necessário mudar freqüentemente de nome, devido à coisificação do conceito ou sua distorção ou manipulação. Compreender a filosofia de fundo também ajuda a analisar as propostas e práticas etiquetadas com tais termos (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 10).

Consoante com essas reflexões e no sentido de fazer avançar a discussão

sobre a forma escolar e suas possibilidades de reinvenção, com ênfase nas

questões de reorganização do currículo e do conhecimento escolar e, ainda

levando em conta que a experiência do Colégio Amanhecer está centrada no

desenvolvimento do que a escola convencionou chamar de projetos de

investigação, procurei compreender tanto os aspectos e dimensões dos contextos

intra e extra-escolares que estavam contribuindo para a sua configuração, como

também entender com que conceito(s) de projetos de investigação seus

protagonistas estavam operando, tendo em vista, inclusive, a polissemia também

desta expressão.

19Cabe dizer que reconheço a existência de muitas outras expressões para designar a idéia de projeto no campo da Educação – projeto educativo, projeto de escola, projeto didático, projeto pedagógico, pedagogia de projetos, metodologia de projetos, método de projetos, etc. e que essa variação provavelmente vem acompanhada de uma pluralidade de conceitos, significados e práticas. No âmbito desta proposta, estou considerando o termo projeto de trabalho, de um modo geral, e projeto de investigação, de forma mais específica, já que esta expressão é adotada pela escola, conforme pude constatar desde o meu estudo exploratório.

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Todavia, quero sublinhar que, para além do registro de uma definição ou

definições adotadas pela escola, considerei mais relevante compreender quais

eram as motivações, os fundamentos e princípios que estavam orientando a

realização desses projetos, seja no plano de sua formulação, seja na prática

cotidiana propriamente dita.

Vale destacar que a própria escola afirma que seu ponto de partida, ou

seja, sua primeira inspiração para a adoção de uma organização curricular por

projetos foram as propostas de Hernández20, o que me levou a considerar oportuno

estabelecer um diálogo mais freqüente com este autor, ao longo das minhas

análises.

Segundo Hernández e Ventura (1998, p. 57), os projetos de trabalho estão

vinculados à perspectiva do conhecimento globalizado e relacional - uma noção

que está associada a um processo muito mais interno do que externo e, nessa

perspectiva, à idéia de uma estrutura de aprendizagem, entendida como uma visão

que assume que “as pessoas estabelecem conexões a partir dos conhecimentos que

já possuem e, em suas aprendizagens, não procedem por acumulação, e sim pelo

estabelecimento de relações entre diferentes fontes e procedimentos para abordar

a informação.”

De acordo com esses mesmos autores, embora o enfoque globalizador e

relacional possa ser adotado em diferentes maneiras de organizar os conteúdos

curriculares (por disciplina, atividades, centros de interesse, temas ou projetos), os

projetos de trabalho são os que possibilitam maior flexibilidade e abertura no

planejamento para por em prática tal enfoque.

Para eles, os projetos de trabalho são uma modalidade de articulação dos

conhecimentos escolares, uma forma de organizar as atividades de ensino-

aprendizagem

Que implica considerar que tais conhecimentos não se ordenam de uma forma rígida, nem em função de algumas referências disciplinares pré-estabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos. A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação: (1) ao tratamento da informação e (2) à relação entre os diferentes conteúdos em torno

20No texto Ensinar e Aprender: uma aventura cotidiana, as autoras DIAS, FREIRE e EGGER (2004, p. 231) - orientadoras pedagógicas e/ou educacionais do Colégio Amanhecer - afirmam que tal experiência “inspira-se nos projetos de trabalho de Hernández”, o que depois pude comprovar ao longo da minha pesquisa de campo, tanto nas conversas com a equipe técnica, como também nos depoimento dos/as professores/as.

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de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente de diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio. [...] Um projeto pode organizar-se seguindo um determinado eixo: a definição de um conceito, um problema geral ou particular, um conjunto de perguntas inter-relacionadas, uma temática que valha a pena ser tratada por si mesma... Normalmente superam-se os limites de uma matéria (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998, p.61).

Os projetos de trabalho valorizam um sentido da aprendizagem que quer

ser significativo, ou seja, que pretende conectar o que os/as alunos/as já sabem

com a temática a ser trabalhada. E, quanto mais o/a professor/a for capaz de fazer

essas conexões, mais favorável será a atitude do/da aluno/a para o conhecimento e

melhores serão as condições para a sua aprendizagem. “Globalização e

significatividade são, pois, dois aspectos essenciais que se plasmam” nos projetos

(Hernández e Ventura, 1998, p. 63).

Além disso, eles destacam que “as informações necessárias para construir

os projetos não estão determinadas de antemão, nem depende do educador ou do

livro-texto, está sim em função do que cada aluno já sabe e da informação com a

qual se possa relacionar dentro e fora da escola” (HERNÁNDEZ E VENTURA,

1998, p.64).

Cabe registrar que entendo existir uma estreita relação entre a questão da

(re)organização do currículo, do conhecimento escolar e os projetos de trabalho

(para mim, o trabalho por projetos é uma das possibilidades dessa reorganização),

na medida em que tal prática pode, inclusive, favorecer espaços de integração

curricular, bem como de circulação e/ou construção de conhecimentos e culturas,

respeitados alguns aspectos que, segundo os próprios Hernández e Ventura

(1998), devem ser levados em conta no desenvolvimento desses projetos, tais

como: o protagonismo dos/as alunos/as, seja na escolha de temas, na formulação

de hipóteses ou na elaboração das perguntas a respeito do que se deseja saber; a

parceria dos/as professores/as na definição de um índice para orientar a pesquisa

em múltiplas e variadas fontes de informação; a sistemática organização e/ou

realização de dossiês ou sínteses, bem como a elaboração de diversos produtos,

criados em diferentes linguagens para expressar as descobertas e/ou as

aprendizagens realizadas; o incentivo à auto-avaliação e à avaliação recíproca,

contínua e global dos resultados alcançados.

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A vivência de inúmeras e múltiplas atividades individuais e/ou coletivas, o

uso de variados espaços de trabalho e a flexibilização dos tempos escolares

(HERNÁDEZ, 1998) são outros aspectos relevantes na configuração dos projetos,

enquanto uma estratégia possível de (re)organização do currículo e da prática

educativa na escola.

Nesse ponto vale um registro, pelo menos como uma referência a mais,

para dizer que considero que a atual proposta de trabalhar por e com projetos pode

ser compreendida como uma releitura do ‘método de projetos’, cuja formulação

original está associada ao educador norte americano William Kilpatrick. Autor e

método tornaram-se conhecidos no Brasil, a partir do Movimento da Escola Nova,

que, em confronto com os princípios e métodos da pedagogia tradicional, propôs a

adoção de métodos mais ativos, buscando, principalmente, superar uma

perspectiva centrada na transmissão de conhecimentos pelos/as professores/as

para incentivar uma participação e/ou atividade intensa dos/as alunos/as na

construção do conhecimento.

Todavia, vale sublinhar que entendo que trabalhar por e com projetos tal

como está proposto pelos autores mais contemporâneos, como os próprios

Hernández e Ventura (1998), Hernandez e outros (2000), Alvarez e outros (2004),

por exemplo, pode ser percebido (pelo menos como princípio) como uma proposta

que quer superar a dimensão técnica tão presente quando se trata de um ‘método’

para sugerir uma nova postura que propõe repensar a escola, o currículo e a

prática pedagógica. O que, como de certa forma já apontei, exige, entre outros

aspectos, repensar os tempos e os espaços escolares, a forma de lidar com os

conteúdos das diversas áreas, com o mundo da informação, com as experiências

cotidianas, além de repensar as possibilidades de aproximação entre a escola e a

realidade, para poder conhecê-la e nela intervir.

Mesmo considerando que as formulações até aqui apresentadas foram

apenas um ponto de partida, uma ‘inspiração’ para o Colégio Amanhecer, creio

que o diálogo com tais idéias e seus autores me ajudou a analisar e interpretar

como a equipe da escola concebe e configura os seus próprios projetos de

investigação.

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Ainda no que tange a esse eixo de reflexão, procurei estabelecer relações

entre a vivência do projeto de investigação e a questão do trabalho coletivo21.

Nesse sentido, busquei compreender as ‘tramas’ e a natureza das negociações ou

articulações estabelecidas - entre os/as próprios/as professores/as, entre eles/as e a

equipe de orientação, entre os/as professores/as e os/as alunos/as - na construção

dos projetos de investigação. Aqui, um diálogo com Boutinet (2002) também me

ajudou a interpretar as relações que aconteciam ao longo da concepção e do

desenvolvimento dos projetos no Colégio Amanhecer.

Ao refletir sobre o que chama de antropologia do projeto22, esse autor

afirma que “qualquer projeto, até mesmo o mais pessoal, é fundamentado na

lógica da interação” (BOUTINET, 2002, p. 257). E acrescenta:

Em sua dupla ancoragem, individual e coletiva, o projeto deve poder assegurar-se de que nenhuma instância se arrogue à pretensão de se querer abusivamente proprietária do que não lhe pertence. Ele se apresenta como uma propriedade compartilhada, na qual cada um sabe reconhecer a sua dívida (BOUTINET, 2002, p. 257).

Nesta perspectiva, a análise de como a tensão indivíduo-coletivo se

expressava nos projetos de investigação do Amanhecer e do significado que ela

adquire para os seus protagonistas, foi relevante, inclusive, no sentido de me

permitir entender melhor como as demais tensões presentes e até configuradoras

da experiência em pauta, tais como: trabalho pessoal (individual e coletivo) e

estudo por disciplina; integração curricular e organização disciplinar;

conhecimento escolar e demais conhecimentos, saberes e culturas eram percebidas

e apropriadas no desenvolvimento dos referidos projetos.

21Já na fase do estudo exploratório, pude constatar a importância do trabalho coletivo expressa, tanto pela freqüência com que os trabalhos de grupo eram realizados, como em função das inúmeras vezes que ouvi professores/as e alunos/as evocarem a importância de pensar e/ou fazer junto as atividades escolares inerentes a cada um desses segmentos. 22Boutinet (2002) se refere à sua intenção de construir uma antropologia do projeto, compreendida em uma perspectiva multidimensional, uma vez que considera a existência de diferentes conceitos, instâncias, situações, níveis, tempos e espaços associados à idéia de projetos. Tal autor apresenta, portanto, diversas possibilidades de projetos, ao mesmo tempo, que busca construir procedimentos unificadores para a sua análise.

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3.3 Currículo por disciplina e/ou integração curricular

Refletir sobre a tensão entre currículo por disciplina e/ou integração

curricular, na tentativa de avançar a compreensão acerca da proposta concebida e

vivida pela escola se constituiu em mais um eixo de minhas análises. E justifico:

segundo Dias e outras (2004, p. 231 e 234), que, lembro, são também orientadoras

pedagógicas e/ou educacionais do colégio, a nova proposta, ou seja, desenvolver o

trabalho pedagógico centrado em projetos tem como uma de suas finalidades

promover a integração curricular entre as diferentes disciplinas, com o objetivo de

estabelecer “um constante diálogo e redes entre os conhecimentos de cada

componente curricular”, além de “eleger temas-geradores dos projetos de

investigação que, aliados a estratégias de pesquisa, estabeleçam pontes entre os

conhecimentos escolares das disciplinas”. São essas mesmas autoras/orientadoras

que me parecem cumprem a função de incentivar todo um movimento em torno

dessa integração, quando provocam o debate e a reflexão, perguntando:

Como organizar as atividades dos projetos de investigação, favorecendo a integração entre as áreas de conhecimento e destas com os temas geradores? Como estabelecer relações entre o tema e o currículo específico das disciplinas, envolvendo novos critérios de seleção e organização? Como superar uma concepção linear do conhecimento escolar, em que os pré-requisitos são considerados norteadores da seleção dos conceitos e conteúdos e sua distribuição nas séries? (DIAS e OUTRAS, 2004, p. 238)

Perspectiva de integração que pude confirmar durante a minha pesquisa de

campo. Quando eu perguntava, por exemplo, sobre como descreveriam a proposta

da escola ou sobre os princípios que estavam norteando tal experiência, o tema, ou

melhor, a busca da integração aparecia com freqüência. Um dos depoimentos que

colhi me parece um bom exemplo para ratificar essa perspectiva.

Eu costumo dizer e não sei se as pessoas entendem bem que a proposta pedagógica e filosófica do Amanhecer valoriza experiências de trabalho e de aprendizagem de forma muito coletiva. [...] Mas procura dar um sentido de integração entre as disciplinas, dos conteúdos, dos temas contemporâneos, organizando projetos de trabalho que são temáticos, que envolvem conteúdos específicos das diversas disciplinas em forma de atividades de pesquisa e que são trabalhados por vários professores em várias linguagens, em várias fontes de pesquisa. E que o aluno procura relacionar, através das propostas que os professores fazem, essa experiência da investigação, sistematizando um pouco mais nas aulas específicas. Já que são os mesmos conteúdos que aparecem,por exemplo, na aula de Geografia e aparecem também em tema de pesquisa.

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Tentando dialogar... Tentando fazer o aluno perceber que um assunto pode estar sendo estudado em diversas disciplinas, com olhares muito próprios e com formas de ensinar e aprender que são diferentes. (Marta – membro da equipe técnica - 9 de novembro 2006)

Diante dessas considerações, posso afirmar que a integração curricular é

uma meta explicita por parte da escola, ainda que mantido o contexto de base

disciplinar, o que me levou a caminhar no sentido de procurar compreender como

eram percebidos os limites e as possibilidades dessa articulação/intercâmbio entre

as diversas disciplinas, no caso, quando a escola trabalha por e com projetos,

buscando entender, inclusive, como essas percepções afetavam a própria vivência

da proposta de integração curricular, no Colégio Amanhecer. Contudo, é oportuno

dizer que entendo que viver essa articulação no cotidiano escolar é viver uma

tensão inevitável, uma vez que acredito que é necessário considerar as reflexões

feitas por Lopes e Macedo (2002, p. 82), quando afirmam que

As tentativas de articulação de campos disciplinares no currículo escolar seguem a mesma lógica de constituição das disciplinas escolares. Ou seja, independentemente dos discursos de articulação disciplinares, a matriz disciplinar persiste como instrumento de organização e controle do currículo. Ainda que as atividades curriculares possam estar organizadas segundo lógicas diversas das aceitas na constituição dos campos científicos, as disciplinas escolares tendem a se manter como “tecnologia” de organização curricular relacionadas aos fins sociais do conhecimento e da educação.

Talvez aqui seja oportuno fazer um entre parênteses para lembrar que,

embora possam existir diferentes maneiras de se organizar o currículo e,

conseqüentemente, o conhecimento escolar, o processo de disciplinarização “é,

sem dúvida, o principal constituinte do conhecimento escolar em nossa época”

(LOPES, 1999a, p. 176). Uma constatação que procurei considerar e

problematizar quando em diálogo, principalmente com os/as orientadores/as e

professores/as do Colégio Amanhecer, para poder entender que relações a escola

estava estabelecendo entre esse processo e o trabalho centrado em projetos,

levando em conta, inclusive a questão da polissemia do conceito de disciplina

escolar.

Segundo Lopes (2000), é comum interpretá-la como disciplina científica

adaptada para fins de ensino, sem considerar, contudo, o processo de

recontextualização do conhecimento escolar. Nesse sentido, as disciplinas

escolares seriam pensadas, do ponto de vista de seus conteúdos, como

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equivalentes às disciplinas científicas ou acadêmicas, construídas em instituições

de pesquisa e/ou na academia e, no que se refere aos seus métodos, fruto da

Pedagogia, “sem que houvesse nenhum espaço autônomo para as disciplinas [eu

acrescentaria aqui o adjetivo escolares]23 e a Pedagogia fosse reduzida,

igualmente, à elaboração de métodos de ensino” (LOPES, 1999a, p. 179).

Como Lopes (1999a), considero que este conceito de disciplina escolar é

equivocado, na medida em que desconsidera um diálogo inevitável entre conteúdo

e forma, bem como a possibilidade da construção de novos conhecimentos a partir

dele. Endosso, portanto, a posição de que as disciplinas escolares não são meras

‘cópias’ das disciplinas científicas reduzidas ou simplificadas para fins didáticos.

Certamente, elas têm identidade e histórias próprias e, embora essas histórias

possam, algumas vezes, se aproximar das histórias de suas disciplinas de

referência, elas não são homogêneas, ao contrário, há uma série de fatores sociais,

políticos, que ultrapassam uma dimensão puramente epistemológica na sua

criação (LOPES, 2000). Algumas disciplinas foram até criadas para acontecer

apenas na escola e são fruto das mais diversas demandas sociais.

Tendo em vista esse contexto de reflexões, reitero que considerei oportuno

tratar dessas questões ao analisar a proposta do Amanhecer, buscando perceber

como a equipe da escola definia disciplina escolar e que sentido(s) lhe eram

atribuídos no âmbito da (re)organização curricular e do conhecimento escolar em

curso, tendo em mente que a escola valoriza uma organização mais integrada do

currículo porque deseja, entre outros objetivos, superar possíveis limites de uma

organização disciplinar, como, por exemplo, a fragmentação excessiva dos

conteúdos escolares e o distanciamento entre eles e a realidade cotidiana dos/as

alunos/as.24

Ao situar o Colégio Amanhecer no contexto das políticas e práticas que

valorizam a integração curricular, sem, contudo romper com uma organização

23Essa é uma observação feita por mim. 24Vale dizer que não ignoro que alguns educadores refutam essas críticas afirmando, de um lado, que elas podem estar considerando a disciplina escolar como algo que decorre diretamente da disciplina científica (Lopes, 2000) e, de outro lado, que esses problemas não são uma exclusividade do currículo disciplinar e que, mesmo em uma organização curricular marcada pela perspectiva da integração, prevaleceria ainda uma matriz disciplinar e mais do que isso a adoção de tal matriz não impediria a criação de mecanismos de integração, seja pela criação de novas disciplinas, seja pela articulação de disciplinas isoladas (Lopes e Macedo, 2002, p. 74).

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curricular por disciplina25, procurei fundamentar ainda mais as minhas

interpretações, tendo presente alguns estudos que analisam, por exemplo, as

vantagens dos vários mecanismos que podem incentivar e/ou favorecer a

integração dos conhecimentos nos processos de ensino-aprendizagem, bem como

aqueles que discutem diferentes propostas de organização curricular - currículo

integrado, globalizado ou interdisciplinar, por exemplo - e que me parecem são

estudos formulados quase sempre a partir do diálogo e/ou confronto com o

currículo disciplinar.

Nessa direção, autores como Bernstein (1998) e Torres Santomé (1998)

foram por mim escolhidos como interlocutores adequados.

Quanto a Bernstein (1998), posso dizer que levei em conta dois princípios

fundamentais presentes nas suas formulações teóricas. Os princípios de

classificação e enquadramento, no caso, aplicados à análise da estrutura curricular.

Segundo esse autor, há duas possibilidades de classificação da estrutura curricular.

De um lado, os currículos de código seriado, também chamados de currículos

seriados ou compartimentados ou por coleção, onde a classificação das

disciplinas, do tempo, do espaço e das relações pedagógicas são bastante rígidas.

Os sujeitos dessas relações têm seus papéis bem definidos e isolados e, portanto,

elas são bastante hierarquizadas. O/a professor/a, por exemplo, é aquele/a que, na

maioria das vezes, define tudo e controla os processos de comunicação. De um

modo geral, nessa vertente, os ‘conteúdos’ não estão abertos à discussão e ao

questionamento (BERNSTEIN, 1998).

De outro lado, os currículos de código integrado ou currículos integrados

que se caracterizam por uma maior flexibilidade nas fronteiras disciplinares, nos

papéis desempenhados pelos sujeitos das relações pedagógicas e, ainda, na

organização do tempo e dos espaços dessas relações. Tais relações são, portanto,

menos isoladas e hierarquizadas. Em outras palavras, são relações pedagógicas

mais horizontais e marcadas pelo diálogo. Aqui, incentiva-se a autonomia do

aluno e até seu protagonismo.

25Várias foram as situações em que pude observar que a equipe da escola procurava viver a tensão entre essas diferentes perspectivas ou, até mesmo, articulá-las, como bem expressa o depoimento de uma de suas orientadoras pedagógicas: “lembro que dois princípios básicos nos motivam a trabalhar com os projetos de investigação. A busca da integração curricular e a busca da interdisciplinaridade” (Marta – 2005).

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Bernstein (1998) destaca ainda o princípio de enquadramento, utilizando-o

para analisar as diferentes formas de comunicação que acontecem em qualquer

relação pedagógica. É ele mesmo quem o define: “podemos decir que el

enmarcamiento se refiere a los controles sobre la comunicación en las relaciones

pedagógicas locales interactivas: entre padres e hijos, profesor y alumno,

trabajador social y cliente, etc.” (BERNSTEIN, 1998, p. 44).

Para esse autor, o enquadramento regula as relações dentro de um

contexto, se refere às relações entre os que transmitem e os que adquirem o

conhecimento e à natureza do controle que se exerce sobre a seleção, seqüência,

ritmo, critérios e base social da comunicação. De acordo com Leite (2007, p. 27),

Enquanto a classificação traduz as relações sociais de poder, o enquadramento vai traduzir mais especificamente as disposições de controle sobre as comunicações nas relações pedagógicas locais. Se a classificação define os limites dos discursos e gera regras de reconhecimento, o enquadramento gera regras de realização: o primeiro princípio regula o “quê” e o segundo regula o “como” dos significados produzidos nas interações comunicativas pedagógicas.

No caso da educação escolar, como afirma o próprio Bernstein (1998), é

possível ter uma gradação (de alto grau até baixo grau), tanto no que refere à

classificação, quanto ao enquadramento. Quanto mais alto o grau, mais próximo

de um currículo do tipo coleção e, ao contrário, quanto mais baixo o grau, mais

próximo de um currículo integrado. Nesse sentido e para entender a estrutura

curricular do Colégio Amanhecer, procurei perceber quais eram os mecanismos de

poder e controle que estavam ‘regulando’ a prática pedagógica naquela

instituição. Busquei também analisar como eram caracterizados os processos de

construção dessa prática e em que medida, por exemplo, eram coletivos ou não,

partilhados ou não por todos os sujeitos envolvidos. E mais ainda, procurei

perceber quais eram os princípios que estavam norteando a opção por esse, ou

seja, o caminho da integração curricular, sem romper com as disciplinas e a quem

e a que estava servindo.

Em outras palavras, posso afirmar que em minhas análises procurei levar

em conta os graus de classificação e enquadramento referentes à estrutura

curricular proposta pela escola e os dispositivos utilizados ou não para a sua

flexibilização. Vale destacar que, como Bernstein (1998), entendo que os

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processos de classificação e enquadramento são, muitas vezes, reflexos de fatores,

condições ou pressões sociais e culturais.

Por sua vez, acredito que as reflexões sobre currículo globalizado26 e

interdisciplinar27 feitas por Torres Santomé (1998) também foram úteis para fazer

avançar ainda mais as minhas análises e, conseqüentemente a minha compreensão

acerca da proposta de integração curricular do Colégio Amanhecer.

Segundo este autor, organizar um currículo ultrapassando os limites das

disciplinas ajudaria “a desvelar as questões de valor implícitas nas diversas

propostas disciplinares ou soluções disciplinares, permitindo constatar com maior

facilidade dimensões éticas, políticas e sócio-culturais que as visões

exclusivamente disciplinares tendem a relegar a um segundo plano” (TORRES

SANTOMÉ, 1998, p. 26).

E é ele ainda quem chama a atenção para o fato de haver uma tendência

mundial no sentido de que educação obrigatória procure

Obter uma integração de campos de conhecimento e experiência que facilitem uma compreensão mais reflexiva e crítica da realidade, ressaltando não só dimensões centradas em conteúdos culturais, mas também o domínio dos processos necessários para conseguir alcançar conhecimentos mais concretos e, ao mesmo tempo, a compreensão de como se elabora, produz e transforma conhecimento, bem como as dimensões éticas inerentes a essa tarefa. [...] O currículo globalizado e interdisciplinar converte-se assim em uma categoria “guarda-chuva” capaz de agrupar uma ampla variedade de práticas educacionais desenvolvidas em sala de aula, e é um exemplo significativo do interesse em analisar a forma mais apropriada de contribuir para o processo de ensino-aprendizagem (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 27).

Por sua vez, Torres Santomé (1998) afirma que a concepção ou a filosofia

da globalização e da interdisciplinaridade curricular pode estar presente em 26Segundo Torres Santomé (1998, p.33), neste contexto de prática educativa, o conceito de globalização “está relacionado a uma forma metodológica específica de organizar o ensino para facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal dos alunos” e, na sua origem, foi construído a partir de uma argumentação de natureza psicológica que enfatiza a característica global da percepção infantil. Para ele, “quanto mais geral ou amplo for o conteúdo a ser trabalhado nas salas de aula, maiores serão as possibilidades do mesmo ser significativo e motivador para os alunos” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 43). Creio que posso afirmar que se trata de um conceito que se opõe à idéia de uma excessiva fragmentação dos conteúdos. 27Trata-se, de acordo com Torres Santomé (1998, P. 62) da interação ou do intercâmbio entre disciplinas, podendo se concretizar segundo diferentes modelos e variáveis. “O termo interdisciplinar surge ligado à finalidade de corrigir possíveis erros e a esterilidade acarretada por uma ciência excessivamente compartimentada e sem comunicação interdisciplinar”. Torres Santomé (1998, p. 44) afirma que há pessoas que a defendem como uma resposta possível à complexidade dos problemas da sociedade atual. E outras que a consideram “uma conseqüência das interrogações sobre os limites entre as diferentes disciplinas e organizações do conhecimento, frente à possibilidade de obter maiores parcelas de unificação do saber”.

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diferentes concepções pedagógicas (positivista, comportamental, construtivista ou

crítica), mas que, certamente, sua conceitualização não será a mesma. Nesse

sentido, ressalto que, além de procurar entender como o Colégio Amanhecer

definia a sua proposta de integração curricular, busquei compreender como sua

equipe concebia o próprio processo de ensino-aprendizagem. Em outras palavras,

procurei investigar com que conceitos de ensinar e de aprender a escola estava

trabalhando e como isso se refletia ou afetava a concepção de sua proposta de

integração curricular.

Ainda dentro desse mesmo eixo de discussão, cabe sublinhar que a análise

de diferentes organizações curriculares implica diferentes formas de conceber a

organização do conhecimento escolar e, nesse caso, procurei enfrentar as questões

decorrentes da tensão entre uma lógica disciplinar e uma lógica mais

contextualizada e associada ao cotidiano, inclusive, no contexto do entendimento

da escola como um espaço de cruzamento de diferentes saberes, conhecimentos e

culturas.

Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 73), de um modo geral, os estudos

sobre a organização do conhecimento escolar

Podem ser divididos entre aqueles que defendem ser a organização do conhecimento escolar – seqüência de conteúdos selecionados e divisão em campos do saber – um processo baseado na estrutura lógica da disciplina, devendo a escola exclusivamente simplificar o conhecimento para o ensino, e aqueles que entendem se tratar de um processo mais amplo de reconstrução dos saberes, cabendo à escola a produção dos saberes escolares.

Diante desses dois caminhos, posso afirmar que me situo no contexto da

segunda perspectiva, tendo em vista, inclusive, meu entendimento da escola como

um espaço privilegiado para a produção de saberes, conhecimentos e culturas e

não uma mera instância de reprodução simplificada, o que me fez olhar para o

Colégio Amanhecer, buscando perceber que direção ele estava enfatizando e, mais

do que isso, como a realização dos projetos de investigação estava lidando com o

tema, seja da transmissão, seja da produção de conhecimentos.

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3.4 A escola como espaço de cruzamento de saberes, conhecimentos e culturas

Outro eixo de reflexão que considerei relevante diz respeito ao papel da

escola no que tange a saberes, conhecimentos e culturas que nela convivem.

Embora acredite que os/as educadores tendam a estar cientes de que os sujeitos da

prática educativa escolar vivenciam diferentes culturas, concordo com Gimeno

Sacristán (1995, p. 97) quando afirma que

A cultura dominante da sala de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais, e dos povos desfavorecidos (exceto os elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou dos maus-tratos, o racismo e a xenofobia, as conseqüências do consumismo, e muitos outros temas que parecem ‘incômodos’. Consciente e inconscientemente se produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente.

O que sugere uma cultura escolar que, na maioria das vezes, ignorando a

realidade plural dos contextos, “apresenta um caráter monocultural” (CANDAU,

2000a, p. 64).

Além disso, entendo como Lopes (1999a, p. 104) que

O processo de constituição do conhecimento escolar ocorre no embate com os demais saberes sociais, ora afirmando um dado saber, ora negando-o; ora contribuindo para a sua construção, ora se configurando como obstáculo a sua elaboração por parte dos alunos.

Nesse sentido e considerando que pude constatar ao longo da pesquisa de

campo que os/as professores/as co Colégio Amanhecer, com freqüência,

apontavam certo desconforto e expressavam uma permanente inquietação diante

de questões como, por exemplo: “que conteúdos privilegiar? Como articular os

conteúdos ditos programáticos com aqueles que os/as estudantes demonstram

interesse e que quase sempre estão mais vinculados ao seu dia-a-dia do que

àqueles pré-estabelecidos no currículo? Como fazer dialogar os conhecimentos

científicos com as experiências que os/as alunos/as trazem para a escola?”, reitero

que no contexto da minha pesquisa, adotei como um pressuposto a possibilidade

da escola e, mais especificamente do próprio processo de ensino-aprendizagem, se

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constituir como um lugar onde diferentes saberes, conhecimentos e culturas se

articulam. Em outras palavras, conceber a vida escolar como um

Espaço vivo, fluido e de complexo cruzamento de culturas28 [...] entre as propostas da cultura crítica, alojadas nas disciplinas científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, refletida nas definições que constituem o currículo; os influxos da cultura social, constituída pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura institucional, presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios da escola como instituição específica; e as características da cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno através das experiências nos intercâmbios espontâneos com seu meio (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17).

E reafirmo que foi nessa linha de reflexão que procurei entender, de modo

particular, como os diversos sujeitos do Colégio Amanhecer percebiam a

possibilidade da escola favorecer o cruzamento - ressaltando que este pode se dar

em um continuum que vai do diálogo com ao diálogo contra - entre os diferentes

saberes, conhecimentos e culturas.

Vale dizer ainda que pensar a escola como um espaço que pode favorecer

esse cruzamento me exigiu enfrentar uma discussão mais ampla sobre o papel da

escola considerando-a parte integrante de um contexto onde a tensão entre

modernidade e condição pós-moderna parece marcar, de modo significativo, a

vida cotidiana e, conseqüentemente, o projeto de educação das novas gerações, a

escola e suas propostas curriculares, como alerta Peréz Gómez (1994, p. 84):

Es evidente que la concepción posmoderna ha puesto de manifesto enormes lacunas en el desarrollo del pensamiento, la cultura y la educación de la época moderna. [...] Del mismo modo es tambiém evidente que muchas de las propuestas que circulan en la vida cotidiana posmoderna, no pueden considerarse educativas por cuanto no facilitam el desarrollo consciente ni del pensamiento, ni de los sentimientos y afectos, ni de las condutas de los individuos. De todos modos, y posto que la condición posmoderna de la sociedad es innegable y a través de sus omnipresentes influjos condiciona el crecimiento de las nuevas generaciones, la escuela ha de enfrentarse al reto de intervenir adequadamente ante tales exigencias y circunstancias.

Considerando esse contexto onde, como lembra o próprio Pérez Gómez

(1994), já não cabem certezas absolutas que possam ordenar os intercâmbios

humanos e a organização da vida pública, onde as respostas devem surgir a partir

de construções coletivas de argumentos apoiados na reflexão pessoal e no

28As definições de cada uma dessas categorias de cultura (crítica, acadêmica, social, institucional e experiencial), segundo Pérez Gómez (2001) são apresentadas logo a seguir.

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confronto de diferentes pontos de vista, bem como na experimentação e avaliação

de projetos democráticos, onde princípios como liberdade individual, igualdade de

oportunidade, respeito às diferenças, participação democrática devem ser

valorizados, a prática educativa assume a centralidade e o fortalecimento do

sujeito como seu objetivo prioritário e, nesse sentido,

El énfasis no debe situarse ni en la asimilación de la cultura privilegiada, sus conocimientos y sus métodos, ni en la preparación para las exigencias del mundo del trabajo o para el encaje en el proyeto histórico colectivo, sino en el enriquecimiento del individuo, constituido como sujeto de sus experiencias, pensamientos, deseos y afectos. [...] Por otra parte, facilitar la transición, en la escuela, del individuo a sujeto no es una tarea al alcance del mero aprendizaje académico de las disciplinas, requiere la vivencia consciente, rica y compleja, a veces placentera y frecuentemente polémica, de la cultura. Significa tanto reproducir como transformar y recrear con y sobre los recursos vulgares y cultos que ahora se ponen en tensión en el individuo y en el grupo (PÉREZ GÓMEZ, 1994, p.85).

Para este autor, viver a cultura na escola, interpretando-a, reproduzindo-a

ou recriando-a, mais do que ‘aprendê-la’ academicamente vai requerer tratá-la

com a mesma amplitude e flexibilidade da vida o que implica conceber a aula

como um fórum de debates e trocas multiculturais e ampliar os procedimentos

lógicos para a construção de diferentes conhecimentos.

Sou consciente, portanto, de que essa perspectiva implica ter a dimensão

cultural como relevante e até mesmo central na construção e (re)organização do

currículo escolar o que, por sua vez, sugere a necessidade do desenvolvimento de

novos olhares e posturas sobre essa (re)organização e ter presente que

Em vez de preservar uma tradição monocultural, a escola está sendo chamada a lidar com a pluralidade de culturas, reconhecer os diferentes sujeitos socioculturais presentes em seu contexto, abrir espaço para a manifestação e valorização das diferenças. É essa, a nosso ver, a questão hoje posta. A escola sempre teve dificuldade de lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar (MOREIRA e CANDAU, 2003, p. 161).

Reitero, portanto, que foi levando em conta mais esse contexto de

reflexões que procurei analisar e interpretar como o Colégio Amanhecer estava

lidando com esse desafio e em que medida os projetos de investigação

desenvolvidos pela escola podem ser considerados uma resposta à sua superação.

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3.5 Saber(es), conhecimento(s) e cultura(s): lidando com diferentes conceitos

Para poder discutir e pensar a escola como um espaço de cruzamentos de

saberes, conhecimentos e culturas foi necessário caminhar ainda no sentido de

desvendar com que conceitos de saber, conhecimento e cultura a escola estava

operando, uma vez que reconheço que eles são polissêmicos e que, às vezes, são

utilizados indistintamente.

Contudo, é possível identificar na literatura reflexões que buscam discutir

e explicitar o que distingue esses conceitos, suas especificidades e apontar ou, até

mesmo, categorizar a existência de diferentes saberes, conhecimentos e culturas.

Lopes (1999a, p. 65, 66 e 67), por exemplo, aponta diferentes conceitos de

cultura: uma primeira perspectiva que a relaciona à idéia de “ter inteligência,

refinamento, estar em um plano superior na escala social”, outra que a define

como “conjunto de saberes possuídos coletivamente por um grupo social ou por

uma civilização” e que, nesse sentido, associa cultura “à formação do espírito

humano, à civilização, ao progresso, saber, ilustração, instrução, desenvolvimento,

seja do espírito ou de um grupo social”, outra concepção que não só amplia, como

rompe com as versões anteriores, onde “a cultura é apresentada como uma

articulação entre o conjunto de representações e comportamentos e o processo

dinâmico de socialização constituindo o modo de vida de uma população

determinada”.

Lopes (1999a, p. 67) destaca ainda um quarto conceito de caráter mais

filosófico, que não exclui o anterior e que entende cultura como “esse feixe de

representações, de símbolos, de imaginário, de atitudes e referências, suscetíveis

de irrigar, de modo bastante desigual, mas globalmente, o corpo social”.

Por sua vez, Candau (2000a, p. 61) entende que é preciso ultrapassar uma

visão reducionista de cultura, que dá ênfase às suas dimensões artística e

intelectual, e privilegiar uma perspectiva que vê a cultura “como estruturante

profundo do cotidiano de todo grupo social e se expressa em modos de agir,

relacionar-se, interpretar e atribuir sentido, celebrar, etc.”

Ao mesmo tempo, Santos e Nunes (2003, p. 27), afirmam que é preciso

romper com a idéia de cultura definida

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Como repositório do que de melhor foi pensado e produzido pela humanidade e, assim, baseada em critérios de valor, estéticos, morais ou cognitivos que, definindo-se a si próprios como universais, eliminam a diferença cultural ou a especificidade histórica dos objetos que classificam.

Afirmam ainda que é necessário superar uma concepção que reconhece a

pluralidade de culturas, mas “definindo-as como totalidades complexas que se

confundem com as sociedades, permitindo caracterizar modos de vida baseados

em condições materiais e simbólicas” (SANTOS e NUNES, 2003, p. 27) e

incorporar a cultura como “um conceito estratégico central para a definição de

identidades e de alteridades no mundo contemporâneo, um recurso para a

afirmação da diferença e da exigência do seu reconhecimento e como um campo

de lutas e contradições” (SANTOS e NUNES, 2003, p.28).

Em consonância com Pérez Gómez (2001, p. 17), creio que posso dizer

que entendo

Cultura como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos compartilhados por um determinado grupo social, o qual facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um marco espacial e temporal determinado. A cultura é, portanto, o resultado da construção social, contingente às condições materiais, sociais e espirituais que dominam um espaço e tempo. Expressa-se em significados, valores, sentimentos (materiais e simbólicos) que circundam a vida individual e coletiva da comunidade.

E que, portanto, reconheço a dimensão cultural (tanto no nível individual,

como coletivo) como configuradora do humano, sem deixar de considerar

significativas as suas demais dimensões (social, econômica, política, ideológica),

bem como as possíveis inter-relações entre estas dimensões e a própria dimensão

cultural, uma vez que “os fenômenos culturais não podem ser considerados, de

maneira idealista, como entidades isoladas; para entendê-los, é preciso situá-los

dentro do conflito das relações sociais nas quais adquirem significação” (PÉREZ

GÓMEZ, 2001, p. 15).

Sobre os conceitos de saber e conhecimento, Lopes (1999a, p. 95) chama a

atenção de que eles são considerados sinônimos por alguns autores, enquanto

outros “optam por diferenciá-los, e atribuem o termo saber um sentido mais amplo

do que ao de conhecimento.”

Dentre aqueles que se enquadram no primeiro caso, Lopes (1999a) cita,

por exemplo, Japiassu (1991, p. 15) para quem o saber é

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Um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos organizados suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino. Nesse caso bastante lato, o conceito de saber poderá ser aplicado à aprendizagem de ordem prática (saber fazer, saber técnico...) e, ao mesmo tempo, às determinações de ordem propriamente intelectual e teórica.

Já no caso daqueles que distinguem saber de conhecimento, Lopes (1999a)

aponta, por exemplo, Foucault, para quem o conhecimento englobaria os saberes

sistematizados e organizados, segundo rigorosas normas de verificação e

coerência, abrangendo o conhecimento científico e as disciplinas do campo das

humanidades, ambos de caráter racional, enquanto os demais saberes são oriundos

de distintas e autônomas práticas discursivas presentes nas práticas sociais.

De acordo com esta mesma autora, embora tais abordagens sejam bem

distintas elas convergem para uma perspectiva pluralista da interpretação dos

saberes. Lopes (1999a, p. 96) destaca, contudo, que na medida em que defende

A perspectiva pluralista para a razão e o entendimento da história como um processo descontínuo, os saberes devem ser aceitos dentro de um contexto de heterogeneidade. Existem diferentes formas de conhecer, capazes de constituir diferentes instâncias de saber, frutos de diferentes práticas, que podem ou não adquirir um estatuto científico.

Dada essa diversidade de enfoques, creio que, é importante explicitar que

assumo, em consonância com as reflexões de Lopes (1999a, p. 97), uma

perspectiva pluralista, que reconhece a diferenciação epistemológica dos saberes,

que não se confunde com uma distinção axiológica, no caso, construída,

principalmente, segundo critérios ideológicos.

Aceitar a diferença, o desigual, admitir o dissenso é o primeiro passo para desmascarar estratégias que, em nome de uma pseudo democratização dos saberes, homogeneíza a cultura e o conhecimento e reprime o que não se coaduna com a racionalidade dominante, definida como a única possível para dar respostas a todas as questões.

Nesse sentido e reconhecendo que me identifico com a idéia de que o

saber é mais amplo, não se reduz apenas a conhecimento (associado, para mim, à

idéia de algo sistematizado), acredito que, para além de uma discussão se os

termos saber e conhecimento são sinônimos ou não, podem ou não ser usados

indistintamente, o mais importante é considerar a existência de diferentes saberes

e conhecimentos e descartar qualquer tentativa de hierarquizá-los.

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Por outro lado e com o objetivo de obter mais subsídios para as minhas

análises, recorri ainda a Perez Gómez (2001) e às suas definições de cultura

crítica, cultura social, cultura institucional, cultura experiencial e cultura

acadêmica, procurando as aproximações entre as suas conceituações e aquelas

formuladas pelos outros autores com os quais também dialoguei no âmbito desse

meu estudo.

Pérez Gómez (2001, p. 21) entende

Por cultura crítica, alta cultura ou cultura intelectual o conjunto de significados e produções que, no âmbito do saber e do fazer, os grupos humanos foram acumulando ao longo da história. É um saber destilado pelo contraste e o escrutínio público e sistemático, pela crítica e reformulação permanente, que se aloja nas disciplinas científicas, nas produções artísticas e literárias, na especulação filosófica, na narração histórica... Esta cultura crítica evolui e se transforma ao longo do tempo e é diferente para os diferentes grupos humanos.

E, nesse caso, tal definição, me remete ao que Lopes (1999a) e Arnay

(1998), por exemplo, tendem a chamar de conhecimento científico, filosófico e

artístico de uma determinada sociedade.

Por sua vez, para Pérez Gómez (2001, p. 83)

Compõem a cultura social, os valores, as normas, as idéias, as instituições e os comportamentos que dominam os intercâmbios humanos em sociedades formalmente democráticas, regidas por leis de livre mercado e percorridas e estruturadas pela onipresença dos poderosos meios de comunicação de massa.

E que, de acordo com este mesmo autor, se diferencia da cultura crítica

uma vez que os significados que nela circulam “não sofreram o contraste público,

sistemático, crítico e reflexivo, ao contrário, se difundem e se assimilam seus

conteúdos por via da sedução, da persuasão ou da imposição” (PÉREZ GÓMEZ,

2001, p.83).

Pérez Gómez (2001, p. 131) chama a atenção também para a existência de

uma cultura institucional, pois, a exemplo de qualquer outra instituição social, “a

escola desenvolve e (re)produz sua própria cultura específica”, constituída pelo

conjunto de significados e comportamentos que gera, ou seja, pelas suas tradições,

costumes, rotinas, rituais, condicionando o tipo de vida que nela se desenvolve,

reforçando a vigência de valores, de expectativas e de crenças ligadas à vida

social dos grupos que a constituem e influenciando as aprendizagens - tanto

vivenciais como acadêmicas - dos indivíduos que nela circulam.

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Trata-se, em outras palavras, da cultura da escola, para usar a expressão de

Forquin (1993, p. 167), “com seus ritmos, seus ritos, sua linguagem, seu

imaginário, seus modos próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio

de produção e gestão de símbolos.”

Pérez Gómez (2001, p. 205) define também o que ele chama de cultura

experiencial, considerando-a como

A peculiar configuração de significados e comportamentos que os alunos e as alunas elaboram de forma particular, induzidos por seu contexto, em sua vida prévia e paralela à escola, mediante os intercâmbios “espontâneos” com o meio familiar e social que rodeiam a sua existência.

Para ele, a cultura experiencial do indivíduo está marcada pelo seu

contexto local, pela sua comunidade e pela sua história biográfica e é construída,

quase sempre, por aproximações empíricas e sem elaborações críticas. Trata-se,

me parece, do que outros autores denominam de cultura social de referência ou

“universos sociais de referência” (CANDAU, 2000a, p. 76) ou também saberes da

experiência (TARDIFF, 2002, p. 263) ou saberes cotidianos (LOPES, 1999a) ou,

ainda, conhecimentos cotidianos (ARNAY, 1998).

Pérez Gómez (2001, p. 259) classifica ainda o que chama de cultura

acadêmica, entendendo-a

Como a seleção de conteúdos destilados da cultura pública (ou crítica29) para o seu trabalho na escola: conjunto de significados e comportamentos cuja aprendizagem se pretende provocar nas novas gerações através da instituição escolar. A cultura acadêmica se concretiza no currículo que se trabalha na escola em sua mais ampla acepção.

E, nesse caso, também denominada de cultura escolar (FORQUIN, 1993)

ou conhecimento escolar (LOPES 1999a e ARNAY, 1998), além da seleção dos

conteúdos, envolve “um processo de reorganização, reestruturação e ‘transposição

didática’ para tornar estes conteúdos assimiláveis pelos/as alunos/as” (CANDAU,

2000a, p.66).

Todavia, cabe aqui ressaltar que, a respeito da cultura escolar, existem

diferentes modos de entendê-la e/ou defini-la. Se por um lado me parece que

Pérez Gómez e Forquin enfatizam a dimensão conhecimento-objeto a serem

trabalhados na escola, posso constatar, por outro lado, que certos autores, como 29O acréscimo (ou crítica) é meu.

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Gimeno Sacristán (1995, p. 88), por exemplo, vão além dessa concepção para

considerá-la “como o jogo de intercâmbios e interações que são estabelecidos no

diálogo da transmissão-assimilação e onde se entrecruzam crenças, aptidões,

valores, atitudes e comportamentos” presentes neste processo. Ou ainda como no

caso de Juliá (2001, p. 10) que a descreve

Como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

E que, por isso mesmo, segundo a própria Dominique Juliá, (2001, p. 10)

“não pode ser estudada sem que se analisem suas relações conflituosas ou não

com o que ela chama de suas culturas contemporâneas - cultura religiosa, política

ou popular.”

Cabe chamar a atenção para o fato de que todas essas são categorizações30

possíveis e, por isso mesmo, ao longo de meu trabalho, procurarei entender, não

só como os protagonistas do Colégio Amanhecer definiam esses diferentes

conceitos, mas principalmente como estavam lidando e/ou se relacionando com os

diferentes saberes, conhecimentos e culturas no trabalho que desenvolvem

centrado em projetos.

30Vale reiterar que entendo que as categorias formuladas por Pérez Gómez e aqui apresentadas, principalmente aquelas referentes à cultura crítica e à cultura acadêmica podem ser considerada neste contexto como equivalentes às categorias conhecimento científico e conhecimento acadêmico ou escolar, respectivamente.

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4 O Colégio Amanhecer

Nesse capítulo e em primeiro lugar, procuro situar e contextualizar o

Colégio Amanhecer e, nesse caso, dou destaque para alguns elementos de sua

história – permanências, movimentos e/ou transformações, princípios que entendo

orientam as suas ações, enfatizando aqueles que levaram a escola a fazer

mudanças na sua proposta pedagógica, a partir de 2002. Busco também descrever

o cenário propriamente dito, ou seja, a questão do espaço físico e elementos que o

integram – como é e o que lhe confere identidade, além de introduzir aspectos

referentes ao clima da escola, procurando refletir como tais aspectos podem estar

relacionados à concepção e à realização de sua prática educativa centrada nos

projetos de investigação.

Em seguida, busco refletir sobre as transformações que acontecem na

grade curricular e nos horários escolares, procurando fazer comparações entre o

ano que antecede a adoção dos projetos e os posteriores e que coincidem com o

período da minha pesquisa de campo, bem como descrever e situar o perfil dos

orientadores/as, professores/as e alunos/as que compõem o universo pesquisado,

procurando sublinhar: quem são e como se descrevem os/as profissionais que

atuam junto à 5ª série, além de quem são, ou melhor, como interpretei os/as

alunos/as da 5ª série, dando ênfase à pluralidade desses sujeitos ‘aparentemente

homogêneos’ que integram o contexto da escola.

Procurei, desse modo, analisar e interpretar as características e/ou

configurações dos princípios, espaços, tempos e sujeitos que estariam marcando,

ou seja, constituindo-se em pano de fundo que ‘envolve’ a proposta de

reorganização do currículo e do conhecimento escolar vivida pelo Amanhecer.

Entendo que refletir sobre esses aspectos pode contribuir para ampliar a descrição

do ambiente onde os projetos de investigação estão acontecendo e como isso pode

estar afetando o próprio acontecer desses projetos.

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4.1 Memória e história

No momento em que me propus a realizar um estudo etnográfico acerca da

proposta do Colégio Amanhecer, sabia que teria que buscar interpretar como tal

experiência era lida, pensada, definida, caracterizada e mesmo vivida pelos/as

seus/suas protagonistas. Em outras palavras, teria que buscar compreender e

interpretar o mapa, o código, a cultura que partilhada por aqueles indivíduos

tornava-os parte de um grupo e através da qual eles/as estavam concebendo,

classificando, organizando, desenvolvendo e/ou vivendo (DA MATTA, 1981)

suas práticas escolares centradas nos projetos de investigação.

Ao mesmo tempo, logo nos primeiros contatos que fiz com alguns desses

sujeitos constatei que a construção desse mapa, código ou cultura deveria ser

apreendida e analisada como parte de um movimento de longa duração. E isso

significa dizer que a atual experiência do Colégio Amanhecer não pode ser

interpretada apenas como fruto de contingências ou do simples desejo de dar

respostas mais atualizadas e/ou antenadas com as necessidades do mundo atual,

mas pode ser entendida como parte de um movimento que acontece há 50 anos,

onde permanências e mudanças parecem estar em constante diálogo e tensão.

Pequenos textos extraídos da revista Colégio Amanhecer. 50 Anos:

histórias de muitas vidas (2006) ilustram esse movimento e sugerem uma história

marcada por um continuum de transformações.

O calendário dá uma resposta precisa: 50 anos! Mas há outras maneiras de registrar a passagem do tempo! O tempo traz movimentos, transformações, os passos da caminhada... Enquanto as folhas do calendário vão passando, mudam as circunstâncias, as necessidades, os desafios. E cada momento pede a sua resposta, seu posicionamento. A luta por manter-se fiel a si mesmo pede muitas mudanças e pode orientar o nosso olhar sobre o Colégio Amanhecer de ontem e hoje. Algumas mudanças marcaram momentos importantes dessa longa caminhada. (p. 8)

Ao longo de seus 50 anos, o Amanhecer tem procurado uma constante atualização pedagógica, que atenda à realidade de seus alunos e às necessidades dos tempos. Na década de 60 e, portanto, pouco tempo após a criação do Colégio, começou a ser divulgada no Brasil a metodologia montessoriana que, de São Paulo, chegou logo ao Rio de Janeiro, onde teve ampla difusão. [...] Após o início da implantação da nova metodologia de trabalho, o Amanhecer promoveu cursos de formação para seus professores e para os de várias escolas que caminhavam na mesma direção. Com isso procurávamos aprofundar no conhecimento dessa metodologia que supunha participação ativa dos alunos. (p. 10)

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Ao longo do século XX, faziam-se sentir mudanças na sociedade, sempre em ritmo acelerado. As gerações que se sucedem no Amanhecer vão trazendo novos traços em seu perfil e tudo pede uma adequação a essas novas gerações para atingir melhores os seus objetivos educacionais. [...] Celebrar essa caminhada de meio século, sobretudo em uma instituição educacional, nos obriga a olhar o futuro. Tudo que se faz no hoje constrói o amanhã. A estrada continua com seus desafios constantes e imprevisíveis como a própria vida. (p. 11)

Outro depoimento, agora obtido por meio de conversas informais com a

orientação pedagógica e extraído do meu diário de campo, ajuda a reforçar não só

a idéia da existência desse movimento, como também de que a atual proposta da

escola tenha se inspirado nas experiências do passado.

O trabalho pessoal tem origem na educação personalizada. Era uma proposta do passado (anos 60). O aluno com monitoria, com fichas de orientação, o trabalho individualizado (por disciplina). Alguma autonomia do aluno. Chegou até os anos 70 e depois voltou ao modelo excludente disciplinar. Mais recentemente, outras disciplinas trabalhavam assim por projetos. (professora Marta – membro da equipe – 10 de maio de 2006)

Inspiração que, entendo, vai muito além da simples apropriação ou

reinterpretação de modelos estratégico-metodológicos e avança no sentido de

resgatar e/ou ressignificar os princípios que, ao longo do tempo, vêm orientando

as práticas educativas implementadas pelo Colégio Amanhecer.

E são, portanto, esses princípios, cujas raízes têm como referência a

Pedagogia que inspira o trabalho da escola31 e que recentemente teriam sido

atualizados na Proposta Sócio-educativa da Instituição na América Latina32, que

estariam fundamentando e reorientando as atuais concepções de currículo e

práticas no Amanhecer, como sugere o depoimento a seguir.

Eu acho que essa proposta vem ao encontro das transformações que a sociedade está vivendo. [...] Na minha monografia em Psicologia eu procurei justamente entender um pouco o jovem e as famílias hoje em dia, com essa

31Na obra Educar em Tempos Difíceis. Proposta Sócio-Educativa da Instituição na América Latina, editada em 2002 são feitas referências a essa Pedagogia, ressaltando que seu “estilo pedagógico e didático inspira-se nas preocupações do movimento da escola-nova o que significa valorizar a atividade dos sujeitos da educação, criar ambiente educacionais onde a expansão e alegria sejam a tônica, ligar as ações educacionais com a vida, valorizar o afetivo, o lúdico e o artístico, a participação de todos nos processos e nas organizações, uma relação estreita entre educadores e educandos”. (p. 25) 32Compromisso social, ênfase nas dimensões global, regional e local, memória, identidade e projeto, valorização do diálogo intercultural e de uma pedagogia situada, participativa e interdisciplinaridade, educadores lúcidos, comprometidos e como agentes culturais, reconhecimento do papel das novas tecnologias na construção dos conhecimentos, valorização do trabalho coletivo e da formação continuada dos professores, currículos contextualizados e renovados, são alguns exemplos dos princípios que devem nortear hoje as propostas pedagógicas da Instituição e que estão discutidos na obra ora citada. (Educar em Tempos Difíceis, 2002, p. 32 a 36)

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mudança tão grande na sociedade, no mundo, que eu acho que não é só no Brasil. E acho que pedagogicamente é o que está acontecendo também com a Instituição, entendeu? Eu acho que essa Proposta Sócio-educativa não vem como uma coisa de busca só do novo não. Acho que vem na busca de poder compreender e viver numa sociedade moderna, atual, de grandes modificações. Como é que eu vejo isso? [...] Eu acho que a proposta como essência é isso. É você trabalhar todas as culturas aí ampliando, que não é uma cultura, que eu acho que antigamente a escola tentava ver como se a cultura fosse conhecimento. Eu acho que essa proposta amplia isso. É tratar com as diferentes culturas, com as diferentes pessoas, com as diferentes maneiras de atuar, de trabalhar, de olhar o mundo, buscando uma aceitação melhor. Para mim a proposta é isso. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

Posso afirmar que apreender esse movimento, identificando os seus

pressupostos, me ajudou a analisar e a construir uma melhor compreensão dos

sentidos e significados que são atribuídos à experiência do Amanhecer pelos/as

seus/suas atuais protagonistas, que parecem estar fortemente marcados/as e, na

maioria das vezes, identificados/as com esse movimento e seus princípios. Os

depoimentos, a seguir, são dois exemplos bastante expressivos.

Bom, um ponto que já me ocorre na cabeça é questão de ser interdisciplinar. Ou seja, as questões não estão isoladas, elas se interligam, existe um link entre as coisas. Essa já é uma idéia que já me encanta no projeto, porque a vida ela não tem partes, as coisas não estão compartimentadas e fechadas em gavetas, a gente percebe que as coisas se interligam e um dos princípios já que eu vejo é essa coisa dos assuntos terem ligação uns com os outros. E a gente vê até na natureza quando acontece uma questão ecológica como isso interfere, de uma maneira geral no país, no clima, na economia... Então a gente vê que a vida é uma coisa que é em rede. Eu acho que um dos princípios é esse: também saber trabalhar em equipe. E que a gente vê hoje em dia nos trabalhos, no mundo do trabalho o que é exigido... Às vezes, as pessoas são muito competentes no saber, mas elas não estão conseguindo trabalhar em equipe, a questão da flexibilidade, a flexibilidade de pensamentos, flexibilidade de temperamento, saber esperar sua vez, saber interagir com outro, saber escutar a opinião do colega que é diferente da sua, trabalhar com diferentes pessoas. Eu diria que a interdisciplinaridade, a flexibilidade, a criatividade, um pensamento criativo, um pensamento divergente no sentido aberto... (professora Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006) [...] Nós estamos tendo reuniões para discutir a filosofia do colégio, a filosofia da Instituição Amanhecer. Tem sido, aliás, muito proveitosa e a gente ainda vai ter mais um módulo no próximo semestre, vai discutir exatamente isso. É assim: onde que a filosofia da Instituição aborda a prática pedagógica. Em que momento, em que ponto elas se tocam. [...] Quer dizer, a Instituição tem uma linha... [...] A idéia de fato é formar esse aluno para ser um investigador. Investigador da realidade. Então me parece que essa idéia de projeto de investigação tem a ver justamente com o objetivo final, que é formar esse aluno investigador, capaz de ter essa reflexão sobre a realidade, de pensar o seu mundo, de se tornar um cidadão mais completo... Mas a escola está em uma linha interessante para alcançar. [...] tem outros princípios paralelos, vamos dizer assim. Para mim talvez não ressaltem tanto, não sejam tão ressaltados, mas que são importantes na composição, como por exemplo, trabalhar em grupo, saber conviver, trabalhar o seu individualismo a favor de um coletivo. A gente vê uma sociedade hoje extremamente individualista. Isso é uma preocupação, e tem que

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ser uma preocupação de qualquer escola, de qualquer instituição escolar, educacional, a gente tem que pensar nisso. De certa forma, o projeto de investigação, de certa forma não, mas de uma maneira bastante interessante e relevante, ele trabalha com essa questão do grupo, de ouvir o outro, de levar em consideração a opinião do outro, de saber também expor a sua opinião, a sua conclusão a partir daquela pesquisa, claro que em cada série de um determinado nível, mas a idéia é essa também. Penso que esse é um outro fundamento importante. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Desse modo, é possível dizer que incentivar a criatividade, a atitude

flexível, o respeito ao pensamento divergente, o trabalho em equipe, a formação

do ‘investigador’ para refletir sobre a realidade, o diálogo entre a escola e o

contexto na qual ela esta inserida, a interdisciplinaridade são alguns dos princípios

que orientam hoje a concepção e a própria maneira de sentir e viver a prática

pedagógica do Colégio Amanhecer e que, na verdade, são construções históricas,

que expressam um conjunto de crenças e valores, ou seja, um código que

configura uma cultura particular – a cultura da Instituição Amanhecer – e que, por

isso mesmo, como ensina Da Matta (1981) não é algo que simplesmente um grupo

escolheu, mas ao contrário, é alguma coisa que está dentro e fora de cada um dos

indivíduos que integram o colégio, como as regras de um jogo, e cujo

entendimento e incorporação permite que eles/as criem e joguem o próprio jogo.

Entendo, portanto, que são esses mesmo princípios, construídos ao longo

do tempo e agora ressignificados, que ‘empurraram’ o Amanhecer, no sentido de

redefinir os seus rumos, a partir de 2002, tal como registrado no texto Ensinar e

Aprender: uma aventura cotidiana (DIAS e OUTRAS, 2004, p. 230).

Para que tal proposta educativa possa realizar-se em consonância com nossas crenças e princípios, estabelecemos, foram definidas algumas ênfases que devem permear a prática e entre as quais destaca-se a seguinte: desenvolver currículos contextualizados e renovados-situados com o momento histórico; abertos; flexíveis; personalizados, que promovam uma cultura da paz, da solidariedade e dos direitos humanos, que favoreçam o protagonismo juvenil e a interculturalidade.

Nessa perspectiva, reitero que são esses princípios, construídos e sempre

revistos ao longo da história do Amanhecer, que marcam e configuram a atual

proposta de reorganização do currículo e do conhecimento escolar e que, por sua

vez, marcam e configuram a natureza das relações que os diferentes sujeitos

estabelecem entre si e, enquanto grupo, com o Colégio e com o trabalho que nele

realizam cotidianamente (DA MATTA, 1981).

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Cabem aqui três observações especificamente quanto ao tema da natureza

dos princípios valorizados pela escola – os depoimentos e os textos até aqui

apresentados são bastante expressivos – e que dizem respeito ao foco principal do

meu estudo. A primeira relativa à crença na necessidade de construir currículos

mais contextualizados, presente como uma idéia força e que ajudaria a estabelecer

links entre o que a escola faz, a vida e a possibilidade de transformar a realidade. A

segunda referente à perspectiva interdisciplinar como uma estratégia importante

para favorecer tal contextualização. E ainda a preocupação com o protagonismo do

indivíduo, mas em relação com o coletivo, na construção e prática desse currículo.

4.2 Um cenário em destaque

Descrever, mas principalmente buscar interpretar os significados da

arquitetura, dos equipamentos, dos objetos e dos demais elementos que entendo

compõem o cenário33 do Colégio Amanhecer é a minha proposta nesse item.

Como Frago (2001, p. 61), considero que

Qualquer atividade humana precisa de um espaço e um tempo determinados. Assim acontece com o ensinar e o aprender, com a educação. Resulta disso que a educação possui uma dimensão espacial e que, também, o espaço seja, junto com o tempo, um elemento básico, constitutivo, da atividade educativa.

Minha intenção é, portanto, analisar como esse cenário nas suas múltiplas

dimensões dialoga com e, mais do que isso, vai se construindo e se delineando

junto com a prática educativa vivida na escola. Quer dizer, entender como os

espaços e toda série de elementos que o constituem, pela forma de ocupação e

uso, dão sentido, expressam valores e até mesmo conferem identidade à proposta

pedagógica do Amanhecer. Em outras palavras, entender de modo mais

específico, que relações existem entre o uso dos espaços e a questão da

33 Cabe aqui observar que o que estou chamando de cenário refere-se à dimensão espaço e que, como Veiga-Neto, entendo-o como algo construído “e, portanto, não-natural” (2002, p. 207), o que no contexto dessas minhas reflexões é significativo, uma vez que percebo o cenário (os espaços físicos com os elementos que o compõem) do Colégio Amanhecer como uma construção que ao mesmo tempo em que reflete vai configurando/dando forma à proposta da escola em pauta. Além disso, cabe ressaltar que estou separando as dimensões espaço e tempo apenas para fins analíticos, já que também reconheço que “ambos são, no limite, indissociáveis” (VEIGA-NETO, 2002, p. 207).

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organização do currículo e do conhecimento escolar, tendo em vista o trabalho

centrado nos projetos de investigação.

E para fazer isso, procurei ‘olhar’ e compreender desde a localização mais

geral da escola e sua relação com outros espaços e lugares, o conjunto de sua

edificação, para então ‘mergulhar’ em alguns lugares específicos dos quais me

aproximei com maior intensidade e por mais tempo.

4.2.1 O espaço escolar: um breve panorama

Situado em uma região urbana, predominantemente residencial, com

muitos edifícios, mas aonde ainda existem várias casas, algumas ocupadas por

pessoas que moram há muitos anos no bairro, além da presença de uma extensa

comunidade popular e que dispõe de áreas de lazer com parques arborizados,

museus, clubes, centros culturais, teatros, cinema, inúmeras instituições

educativas, inclusive uma universidade, hospitais, postos de saúde, um variado e

intenso comércio local, entre outros serviços, está o Colégio Amanhecer, que pelo

tempo de existência (50 anos), parece que cresceu e fez história, integrado ao

crescimento e à história do bairro que o abriga e à tessitura da trama urbana que

caracteriza a evolução desse mesmo bairro.

Uma breve leitura da revista comemorativa do seu cinqüentenário, de onde

destaco um trecho, pode comprovar essa impressão.

O bairro naqueles anos (1955) era um bairro pacato que apenas tinha um bonde para atravessar a rua principal. Passava devagar, deixando muito tempo entre uma viagem e outra... [...] A casa onde começaram as aulas era a antiga casa de uma família tradicional do bairro, sofreu pequenos reparos e adaptações, conservando-se o amplo parque e o riacho que ainda existem. [...] Quando foi construído o prédio atual, o edifício teve que ser recuado e a árvore que estava dentro da antiga propriedade ficou do lado de fora. [...] Começamos o colégio com uma turma, a chamada, naquela época, de “admissão”, que corresponde hoje à quinta série do Ensino Fundamental. [...] Pouco a pouco o colégio foi crescendo com o “ginásio”, o número de alunas oriundas dos diferentes bairros da zona sul do Rio de Janeiro se multiplicando. Com a ampliação das atividades a casa ficou pequena. Era necessário um espaço mais adequado. (p. 12)

Hoje, o Amanhecer é uma escola que ocupa um prédio de cinco andares de

arquitetura simples, de certa forma imponente pelas dimensões, mas funcional. Os

seus diversos espaços - salas de aula, dos/as professores/as, das diferentes

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coordenações, os laboratórios de ciências, de informática e audiovisual, o estúdio

de gravação, a biblioteca, os corredores, entre outros – são bem amplos, claros,

arejados e parecem ter sido projetados para abrigar os/as alunos/as com conforto e

segurança. Extensos pátios, cobertos ou inteiramente ao ar livre, rodeados de

árvores centenárias, um ginásio, uma cantina e uma capela completam a

paisagem. São espaços de uma arquitetura escolar, cuja estrutura física e

materialidade, me parece, expressam seu sistema de valores e de princípios, como

também refletem suas concepções pedagógicas, tanto nos seus aspectos mais

gerais, como técnicos. (ESCOLANO, 2001)

Esses valores, princípios e/ou concepções podem ser captados, seja pelo

uso de diversos ambientes como ‘lugar de aprendizagem’, sugerindo a valorização

de um conceito de sala de aula, que vai muito além dos espaços convencionais a

ela destinados, seja pela presença de outros lugares para brincar, jogar, praticar

esportes, criar, representar e também rezar (Amanhecer é uma escola

confessional), seja pela adoção de um mobiliário que favorece a prática de

atividades coletivas (tanto nas salas de aula, onde as mesas e as cadeiras são leves

e têm desenho especial para facilitar o deslocamento, o encaixe e, assim, favorecer

a organização do ambiente para trabalhar em grupo, como no ginásio e nos pátios

equipados com recursos que estimulam a prática de jogos e esportes coletivos),

seja pela presença de múltiplos equipamentos e/ou recursos didáticos (dos livros

aos mais avançados recursos de computação e multimídia) que estimulam e dão

suporte à realização de pesquisas, estudos e a produção audiovisual, seja pela

existência de espaços próprios (diferentes salas para descanso, encontros de

estudo, reuniões de planejamento pedagógico por série e gerais) que estimulam a

convivência e a troca entre professores/as.

Todavia, vale aqui uma observação que considero relevante: a ampliação

e/ou diversificação e/ou reorganização tanto dos ambientes que chamei de

‘lugares de aprendizagem’, como dos móveis, equipamentos e recursos didáticos

acontece(m), principalmente e de modo mais expressivo, nos tempos destinados

ao momento do trabalho pessoal, momento em que é possível constatar ênfases,

por exemplo, nas ações de pesquisa, na realização de trabalhos em grupo e nas

atividades de expressão e/ou produção dos/as alunos/as. Em outras palavras, os

espaços parecem ser utilizados de um modo mais convencional – principalmente

aqueles destinados à aprendizagem, afetando inclusive a disposição das mesas e

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cadeiras dos alunos/as nas salas de aula - no momento dedicado ao estudo

específico das disciplinas, quando o protagonismo dos/as professores/as e as

atividades de transmissão de conteúdos ganham destaque.

É possível dizer que, do ponto de vista da apropriação dos espaços, há

duas tendências: uma que inova e flexibiliza o uso dos espaços e que está mais

associada ao momento da realização do trabalho pessoal e outra que utiliza esses

mesmos espaços de um modo mais convencional e que acontece no momento

dedicado ao estudo específico das disciplinas. No entanto, observa-se esforços no

sentido da aproximação entre esses dois momentos, como expressa, o depoimento

a seguir.

[...] E o que a gente vem percebendo com a experiência, a reflexão sobre a prática e sobre o trabalho é que a própria disciplina que tinha uma estrutura mais rígida, ela também vem se modificando, por essa reflexão. Seja na sua seleção de conteúdo, que se torna mais flexível, nas abordagens mais investigativas, que sempre existiram, mas hoje ela tomou um caráter mais próximo disso. O que mais? Também a postura, as atitudes na relação aluno-professor se tornam hoje mais dialogadas, mais negociadas, mais horizontais. Atividades que antes eram restritas ao trabalho pessoal, só porque tinham o aspecto da pesquisa ou de um tema, hoje são dialogadas e incorporadas na disciplina. Então penso que hoje a identidade de um currículo que a gente vem trabalhando tem momentos menos nítidos entre o estudo especifico das disciplinas e o trabalho pessoal. Há uma possibilidade de diálogo, resguardando as suas diferenças. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Contudo, posso dizer que o colégio adota também o que Escolano (2001)

chama de uma espacialização disciplinar, na medida em que, além da existência

de turnos (manhã e tarde) preenchidos pelas crianças e/ou pelos adolescentes de

acordo com suas faixas etárias e nível de escolaridade, variáveis que também

orientam os horários dos recreios, há andares específicos para cada segmento, o

que segundo esse mesmo autor está relacionado ao controle da movimentação

dos/as alunos/as, à regulação da disciplina e à fixação de rotinas que auxiliam,

inclusive, na administração do tempo.

No Amanhecer, a ‘decoração’ interior é muito colorida e diversificada,

criando um visual bastante agradável, plural e que quase sempre é produto do

trabalho dos/as alunos/as, principalmente das/dos crianças/adolescentes.

Entretanto, a intenção parece ser muito mais do que simplesmente ‘decorar’ a

escola, mas sim dar visibilidade ao que os diversos grupos estão estudando e

aprendendo e, principalmente, às suas produções.

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Apoiados em cavaletes espalhados pelos diversos espaços de circulação ou

fixados nas paredes dos diferentes ambientes e, até mesmo, no entorno das

escadas, é possível ver muitos murais relacionados aos temas e/ou assuntos das

pesquisas, estudos e atividades em andamento, além de cartazes associados a

campanhas de mobilização e/ou conscientização. Durante o período dedicado as

minhas observações, pude registrar a presença de vários painéis e/ou cartazes

sobre, por exemplo, questões relativas à construção de uma cultura da

fraternidade, da solidariedade e da paz; às eleições para governadores e

presidente; à preocupação com o meio ambiente; à problemática do preconceito e

da discriminação; à olimpíada esportiva promovida pela escola e à escolha de um

novo logo para o colégio. Além de alguns dedicados à comemoração de datas

festivas ou especiais no contexto da escola, como o dia das Mães, a Páscoa e,

principalmente, os 50 anos do colégio, como expressa esse meu registro:

Pelos murais da escola a certeza de que os 50 anos foram/estão sendo bem comemorados. Isto fica visível nos painéis comemorativos. Vários refletem/registram mensagens de parabéns. Há até um bolo tamanho gigante nos corredores do 1º andar. (23 de outubro de 2006)

Acredito, portanto, que a criação da maioria desses murais põe em

destaque alguns aspectos que entendo são valorizados pela escola, tais como: a

produção dos/as próprios/as alunos/as, utilizando diferentes linguagens (no caso, a

linguagem visual dos desenhos, ilustrações e fotos, ou seja, da produção gráfica),

o diálogo com questões que fazem parte do cotidiano e/ou da realidade que

ultrapassa os muros escolares, uma formação humanística e comprometida com a

transformação da sociedade.

Ainda em relação aos murais, cabe aqui um destaque para a exposição de

fotos (nesse caso concebida pelo departamento de audiovisual da escola), evento

que, entre inúmeros outros, foi realizado como parte das comemorações dos 50

anos do Colégio Amanhecer. Nos vinte painéis, que ocupavam as paredes no

entorno das escadas, do primeiro ao quinto andar, memória e história. São fotos e

textos que, organizados cronologicamente, compõem um mosaico de imagens,

idéias e acontecimentos que vão marcando a vida da escola e construindo a sua

identidade.

Uma viagem que começa em 1955 e nos remete até 2006 e onde foi

possível perceber, seja pelas fotos, seja pelas frases em destaque, seja pelos textos

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informativos, que a escola tem mesmo seus alicerces ‘fincados’ na Pedagogia que

a inspira e está sempre em movimento, buscando se atualizar, no que se refere às

suas formas de gestão e organização, à sua prática educativa e a tudo o que a ela

diz respeito: desde o modo de concebê-la até mesmo a incorporação de novos

recursos como a construção de laboratórios de ciências e informática, por

exemplo. Para sustentar essas reflexões, alguns trechos das minhas anotações de

campo são bastante significativos:

Outubro de 2006. Ao longo dos vinte painéis eu posso ler textos que expressam os fundamentos, os objetivos, as metas e as ações realizadas pela escola desde a sua inauguração até os nossos dias. Eu posso ver imagens que mostram os diferentes personagens que foram fazendo sua história e as transformações de toda ordem que ocorreram ao longo de sua existência – nas suas construções e nos espaços ocupados, na forma de conduzir a escola, nos projetos pedagógicos, nas atividades, nas suas funções sociais. Eu posso ver um constante movimento... (9 de outubro de 2006) [...] O texto de um desses painéis é bastante expressivo para sintetizar o momento atual: os projetos de investigação apontam um jeito novo de caminhar. Professores e alunos despertam novos interesses em torno de temas contemporâneos e formas de trabalho que valorizam a pesquisa e as diferentes linguagens. Tudo isso provoca e estimula o conhecimento interligado entre as áreas de ensino, permitindo a descoberta da riqueza do trabalho coletivo, cooperativo e solidário. “Então você acredita que é fazendo que mais progride? Acredito e pratico. Então para que o projeto? Porque, em geral, uma coisa não está em conflito com a outra. Projetar não é obstáculo para agir, nem implica inação, mas antes é o caminho para chegar à execução”. (9 de outubro de 2006)

Reitero, assim, que foi possível captar pela ‘leitura’ dos painéis um

constante movimento de transformação, não só nas concepções e processos

pedagógicos, mas também no cenário: da casa ao prédio ou da única sala a uma

multiplicidade de espaços de aprendizagem. Espaços que parecem se modificar,

multiplicar e diversificar para dar conta do crescimento quantitativo da escola sim,

mas principalmente, para responder às exigências das práticas educativas que vão

se transformando ao logo do tempo e conseqüentemente impondo mudanças ao

cenário escolar.

Um cenário que, como ressalta Escolano (2001, p. 45), mais do que uma

função pragmática, adquire uma dimensão semântica. Um cenário que, pela sua

configuração arquitetônica e elementos e/ou equipamentos que o compõem,

expressa um sistema de intenções, valores e discursos. Um cenário que, em outras

palavras,

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Pode ser visto como um programa educador, ou seja, um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ele seja, por si mesmo, bem explícito ou manifesto. A localização da escola e suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende.

Nessa perspectiva e para melhor compreender como o cenário do Colégio

Amanhecer expressa, segundo minhas análises, os padrões culturais e pedagógicos

de sua experiência, creio que é preciso desvendar com mais detalhes alguns

espaços que entendo são muito expressivos da identidade da escola, em geral e da

sua atual proposta pedagógica centrada nos projetos de investigação, em

particular.

Considerando, entretanto, que o meu olhar estava prioritariamente voltado

para a 5ª série, o que apresento, a seguir, são espaços por onde circulei com maior

freqüência por conta das minhas observações participantes.

4.2.2 Salas de aula e corredor: espaços em interação

Acho que vale um destaque para as salas de aula que poderíamos aqui

chamar de convencionais34, uma vez que como eu já mencionei, há muitos outros

lugares de aprendizagem.

São três salas, dispostas ao longo do mesmo corredor e bem próximas uma

da outra, criando condições bastante favoráveis à comunicação e à troca entre

os/as professores/as e os/as alunos/as, principalmente no momento do trabalho

pessoal. Em algumas ocasiões, essa disposição parecia servir como uma luva à

estratégia de gerenciamento dos grupos. Explicando melhor: dependendo do

andamento das atividades do projeto, um/a mesmo/a professor/a era mobilizado/a

para acompanhar e orientar mais de uma turma simultaneamente, enquanto outro/a

levava um grupo para o laboratório de informática e/ou para a biblioteca. Além

34Parece-me que cabe aqui um comentário: embora reconheça que provavelmente essas salas não apresentem diferenças significativas em relação a outras escolas, fiz a opção de analisá-las, na medida em que quis refletir sobre as suas características e a posição relativa que ocupam no contexto da proposta do Colégio Amanhecer e, principalmente as diferenças de utilização em função dos dois momentos que caracterizam nessa escola a vivência dos projetos de investigação: momento de trabalho pessoal e de estudo específico das disciplinas.

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disso, quando uma turma tinha dúvidas - fosse de conteúdo ou mesmo de natureza

metodológica - era possível consultar, com facilidade, qualquer um/a dos/as

professores/as que estava na turma ao lado.

Tal disposição parecia facilitar, ainda, o desenvolvimento das atividades

realizadas por grupos formados com alunos/as das três turmas, prática muito

comum na vivência dos projetos, principalmente no momento do trabalho pessoal.

Entretanto, acho que posso dizer que, ao mesmo tempo em que a disposição das

salas favorecia uma dinâmica mais flexível de organização dos grupos das

diferentes turmas (A, B e C) e o próprio trabalho colaborativo, também facilitava

o controle da disciplina e da movimentação dos/as alunos/as. Como Escolano

(2001, p. 27), entendo que

Os espaços educativos, como lugares que abrigam a liturgia acadêmica, estão dotados de significados e transmitem uma importante quantidade de estímulos, conteúdos e valores do chamado currículo oculto, ao mesmo tempo em que impõem suas leis como organizações disciplinares.

Com formato retangular, cada um dos quatro lados dessas salas de aula tem

as suas peculiaridades.

Um deles, onde fica a porta de entrada, tem metade da sua parede feita de

vidro, garantindo maior luminosidade e amplitude ao ambiente, além de sugerir

uma integração entre a sala e o corredor. Integração que acontece de fato e com

mais freqüência no momento do trabalho pessoal, quando os/as alunos/as se

distribuem ou se espalham por esses dois lugares, ocupando-os como se um fosse

a extensão do outro, para a realização de algumas atividades específicas como a

montagem de painéis, cartazes, jogos ou maquetes. Um trecho das minhas

anotações de campo pode reforçar essa idéia.

Os alunos estão produzindo diferentes páginas do almanaque, por isso se distribuem na sala e no chão do corredor para colorir, colar, escrever. 99% das turmas (agora) A e C, misturadas estão no corredor, estão montando os almanaques, na verdade algumas folhas do almanaque e registrando em textos, imagens, desenhos e colagens o resultado de suas pesquisas. O professor Mateus está à frente desses dois grupos. Os/as alunos/as estão sentados no chão ou mesmo deitados/as, colando, escrevendo, recortando. Trabalho e brincadeiras se misturam nesse momento. [...] Vários alunos da 5ª C e A continuam no corredor elaborando suas páginas do almanaque. Eles trabalham em grupo e sem a tutela direta do professor. Alguns enquanto trabalham, conversam. Uns pintam, outros recortam, outros escrevem, outros estão só zoando. Percebo que alguns/vários discutem entre si a realização do trabalho – Discutem no sentido de que “brigam” sobre o “como fazer”. Às vezes eles procuram o professor como árbitro e ele tem que intervir para que cheguem a um acordo. [...] Agora o

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professor sai da sala e vai outra vez olhar os grupos lá fora (no corredor). Volta à sala e um grupo de meninas comunica a ele o que conseguiram realizar. Ele então brinca de bater as mãos espalmadas dele e delas e gritam yes. São 10h e 50min e as crianças continuam fazendo as páginas do almanaque, no interior da sala e no corredor. É a sala de aula ocupando diferentes lugares. [...] Muitos já estão na sala, outros ainda no corredor... Entre muitas conversas e brincadeiras eles vão concluindo o trabalho pessoal pelo menos por hoje. São 11h e 30min e é hora de começarem a se preparar para o último tempo: a prova de Geografia. (15 de setembro de 2006)

E assim, o chão do corredor vira uma extensa mesa ou várias mesas em

que diferentes grupos, de acordo com os resultados de suas pesquisas, segundo

seus interesses, gostos e ritmos montam os seus trabalhos, enquanto, no mesmo

horário, outros/as alunos/as ocupam a sala para partilhar informações, concluir a

elaboração coletiva ou individual de um texto. Tudo isso realizado pelos/as

alunos/alunas de maneira bastante autônoma, mas sob a orientação e olhar dos/as

professores/as que circulam entre esses espaços-lugares que são físicos, materiais,

mas também de muita construção cultural (FRAGO, 2001).

Sala e corredor integrados como um só lugar, gerando fluxos energéticos

(FRAGO, 2001) que parecem expressar muito do clima vivido durante o momento

do trabalho pessoal. Com freqüência, pude perceber que nesses espaços se

misturavam diferentes ações e linguagens, como trocar informações, descobrir,

escrever, colorir, desenhar, colar, brincar, aprender e criar. Mas onde também,

pude constatar aconteciam discussões, conflitos, negociações e acordos.

Sala e corredor integrados como um só lugar cumprindo, portanto, não só

funções produtiva e educativa, mas também organizativa e disciplinar

(ESCOLANO, 2001).

Mais um trecho do meu diário de campo reitera essa interpretação.

Às 10 horas as crianças voltam do recreio. Estão agitadas, é claro. A professora Cibele volta para animar o tempo do trabalho pessoal. [...] “Vocês hoje têm uma meta para a primeira meia hora”. [...] Jogar o jogo de hoje. Cada grupo vai ter que testar o seu e de pelo menos mais dois grupos. Trouxeram o dado? Pergunta a professora. Ninguém pediu um. Um aluno grita: sei fazer um dado. Cibele pede silêncio e pede para formar os grupos. [...] Rapidamente eles se organizam em grupos de quatro alunos. [...] O tipo de carteira facilita a organização dos grupos. [...] É o jogo dos bairros. Cada grupo trabalha com dois bairros (um próximo, outro distante). [...] Alguns grupos são mistos (meninos e meninas), mesmo que com números diferentes. [...] A turma está toda trabalhando animadamente. [...] Os grupos estão ultimando a produção das cartelas, dos pinos e dos dados (ou nº.). Eles conversam entre eles para acertar a conclusão do trabalho, trocam idéias, discutem o que e como fazer. [...] Agora os alunos parecem mais agitados. A professora Cibele vai embora e entra a professora Nair que começa um passeio pelos grupos. Três grupos estão fora de seu lugar, andando pela sala. [...] Nair sugere: vamos marcar o horário para

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fazer o troca-troca dos jogos. Daqui a cinco minutos começa o troca-troca, completa a professora. Os grupos que estavam do lado de fora (no corredor) entram para trocar os jogos. O barulho e agitação estão generalizados. Os grupos começam a troca. [...] No grupo da direita uma discussão. Os meninos querem jogar no chão, as meninas não. Nair tenta mediar. [...] Durante o trabalho pessoal os alunos circulam muito pela sala. [...] Na verdade, os grupos que estão do lado de fora estão jogando por lá. Alguns jogam calmos, outros fazem bagunça. Nada muito agitado. [...] Pouco a pouco o material e as pastas vão sendo devolvidas e a professora pede: “voltando a mesa para o lugar”. [...] As mesas vão voltando para o lugar (é incrível). As mesas são arrastadas, mas fazem pouco barulho. As carteiras voltam para a fila sinalizando que a aula de Artes vai começar. [...] Pouco a pouco tudo vai para o lugar: jogos, pastas, carteiras, cadeiras, alunos e alunas. Quase metade da sala está em pé, são 11h e 43min. E a professora Nair lembra: “a quinta B está esquecendo o nosso horário da aula” - a aula de Artes começa às 11h e 40min. (26 de abril de 2006)

Voltando à descrição das salas, há também a parede das janelas bem grandes

que garantem uma boa iluminação natural e quando o sol está muito forte longas

persianas são acionadas para proteger o ambiente. Ocupando todo o espaço em

baixo das janelas ou bem próximo delas existem vários armários - uma parte deles é

reservada para as crianças do turno da tarde, enquanto a outra serve para guardar as

pastas tipo portfólio dos/as alunos/as da 5ª série com as fichas de atividades e todos

os textos que são fruto do trabalho pessoal. Trechos do meu diário de campo são

ilustrativos do papel que elas desempenham na rotina da sala de aula:

A professora Luana está em pé (encostada no quadro), em silêncio. Os monitores (três) estão distribuindo as pastas. [...] Luana continua em silêncio, aguardando a conclusão da distribuição das pastas. Pergunta pela pasta de uma das alunas que ainda não voltou do recreio. O monitor apanha a pasta no armário e deixa na mesa dela. (28 de abril de 2006)

“Guardando a pasta”, fala a professora Nair. E isso marca o encerramento do trabalho pessoal. Nair fala comigo: “é muita coisa” e apaga o quadro. E continua para a turma: “vamos lá, é hora da aula de Artes. “Pegando o último trabalho. Gente, vamos lá! Material de Artes em cima da mesa”. A turma está guardando as pastas e ao mesmo tempo se organizando para aula de Artes. Imediatamente as carteiras organizadas em grupo viram fileiras. E a professora Nair pergunta: “todo mundo guardou a pasta?” O movimento de apanhar a pasta e guardar a pasta simboliza começar e concluir o trabalho pessoal do dia. (7 de junho d e 2006)

São armários e pastas que, como outros elementos desse cenário, parecem

cumprir um papel educativo, ‘ensinando’ meninos e meninas a se organizarem, ao

mesmo tempo em que têm uma função simbólica de ‘abrir’ (quando as pastas são

distribuídas) e ‘fechar’ (quando elas são recolhidas) o momento do trabalho

pessoal e, nesse sentido, parecem guardar uma ‘íntima relação’ (ESCOLANO,

2001) com os projetos de investigação vividos pelo Colégio Amanhecer. Na

verdade, me parecem guardar uma estreita relação com o momento do trabalho

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pessoal, já que na hora do estudo específico das disciplinas não observei essas

pastas sendo utilizadas.

Compondo o retângulo, as duas paredes que formam a frente e os fundos

das salas de aula. Na primeira, um quadro verde e na outra um amplo mural que,

na maioria das vezes, é utilizado para expor os trabalhos realizados pelas crianças

do turno da tarde. Por sua vez, uma agenda-cartaz, além da pessoal, ambas

preenchidas pelas/pelos próprias/próprios crianças/adolescentes da 5ª série, com

anotações sobre o dever de casa, ocupa um lugar de destaque – ora ao lado do

quadro verde, ora no mural. Sempre atualizada parece ter a função de organizar e

controlar aquelas atividades. Registros feitos no meu diário de campo podem

confirmar essa idéia.

A professora Wanda sugere que eles guardem o material de Português e peguem o de Geografia. A turma obedece. Estão calmos aguardando o professor Mateus. Antes a professora Wanda olhou no mural a quantidade de deveres de casa já programados para verificar se há um equilíbrio nas solicitações. Isso foi introduzido recentemente para facilitar o controle. (19 de maio de 2006)

No fundo da sala um quadro com a reprodução da agenda das solicitações de todas as disciplinas. “Assim eles podem fazer o controle da distribuição e dosagem das tarefas de casa”, me explica a professora. (15 de setembro de 2006)

Um mapa reproduzindo os lugares que os/as alunos/as devem ocupar

completa essa galeria de símbolos existentes no interior da sala de aula. Os/as

próprios/as discentes têm suas opiniões sobre ele, quando destacam, por exemplo:

“a gente muda de lugar porque tem muito trabalho de grupo e a gente sempre

deve fazer novos grupos e novos amigos”. Ou ainda: “é porque tem muita

conversa paralela e tem que evitar essa conversa”.

A propósito, outro símbolo que parece ser bem expressivo são os lockers,

nome dado aos armários que ficam no corredor (mais uma pista de que ele é uma

extensão das salas de aula) e onde os/as alunos/as guardam seus materiais de

estudo, principalmente os livros didáticos. Amplamente decorados pelas/pelos

próprias/próprios crianças/adolescentes, com uma grande variedade de recursos -

são objetos, fotos, desenhos, etc. -, constituindo por si só uma linguagem visual, os

lockers parecem expressar os interesses, os gostos, a diversidade (inclusive o dos

meninos é bem diferente do das meninas) e o status social daquelas/daqueles

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crianças/adolescentes (há uma série de marcas que são próprias e identificam sua

classe social).

Sobre esses pequenos armários de aço - individuais e trancados com chave,

onde os/as alunos/as parecem guardar seus segredos - as opiniões são plurais. Para

os/as professores/as, eles servem à organização e ao disciplinamento, destacando

com muita freqüência a necessidade de seus/suas alunos/as utilizarem “os lockers

articulados com as agendas pessoais e assim poderem controlar os deveres de casa e

os materiais necessários para o acompanhamento das aulas e/ou dos trabalhos

pessoais”. Já os supervisores do andar acham os lockers da 5ª série “um terror,

porque os/as discentes esquecem tudo nos lockers e às vezes não sabem onde

deixaram os seus materiais.”

São espaços (salas de aula e corredor) e símbolos (lockers, armários, pastas,

agenda-cartaz, mapas-marcadores de lugares) que, de um lado, parecem falar das

características das práticas propriamente ditas e, de outro lado, expressar os

mecanismos disciplinares que são adotados na condução dessas mesmas práticas.

São espaços e símbolos que parecem inclusive apontar diferenças entre o

modo de fazer acontecer o momento do trabalho pessoal e o momento de estudo

específico, seja na maneira de arrumar as salas de aula (mesas e cadeiras formando

pequenos grupos ou enfileiradas respectivamente), seja diversificando o lugar para

guardar os materiais de estudo (os armários no interior das salas para as fichas

individuais e os lockers nos corredores para os livros didáticos).

4.2.3 Laboratório de Informática e biblioteca: espaços em movimento

Outro espaço que, entendo, devo destacar é o laboratório de informática –

um espaço de criação e produção, mas também de muitas pesquisas e, nesse caso,

quase sempre, em articulação com a biblioteca. Alguns dos meus registros de

campo são expressivos.

Desloco-me para o laboratório de informática/computação e já encontro um grupo de 5ª B pesquisando na Internet. De um modo geral (sozinhos) cada aluno por meio do Google e uso de palavras chaves procura informações sobre restinga, floresta e lagoa. Os alunos navegam e vão fazendo registros (copiando as informações que encontram). Estão em silêncio e cochichando à medida que vão navegando pela Internet. As crianças trabalham de modo autônomo, nesse momento não há presença do professor-orientador. Alguns me chamam para tirar

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dúvidas. Com se escreve jibóia é com g? A região dos lagos é na cidade do Rio de Janeiro? O professor Sidney passa pelos alunos para perguntar se há dúvidas. A professora Cibele chega e faz comentários sobre como eles estão pesquisando, já construindo textos mais elaborados. Os alunos, cerca de dezessete, estão diante do computador pesquisando e comportados. Às vezes trocam idéias em dupla. Há uma significativa movimentação: biblioteca – laboratório de informática e vice-versa. São quase 11 horas e nova rotatividade. Alguns alunos que estavam na biblioteca estão agora no laboratório de Informática. De um modo geral eles se concentram em suas pesquisas. Há pouca dispersão e eles trabalham sozinhos à maioria do tempo. (3 de maio de 2006)

“Atenção 5ª C, dois componentes de cada grupo vão para o laboratório de informática e três vão para a biblioteca”. Logo eles se levantam. Pegam suas pastas e começam a sair. [...] No laboratório de informática, vários já estão pesquisando, inclusive, os da 5ª A e B. Marcela já está trabalhando também. Parece ter deixado sua insatisfação para traz. Nesta (sala) dezenove trabalhando (duplas e trincas) atentos aos comandos e às telas. Eles parecem “manejar” bem a pesquisa. Marcela (me parece) está diante do computador, mas pouco envolvida. Os demais tentam responder/cumprir a missão. A professora Gilda tenta/busca ajudar alguns grupos. [...] Gilda encerra a pesquisa no laboratório [eles terão três dias para concluí-la] e diz: “voltem para a sala. Guardem as pastas para aguardarem a próxima aula”. (10 de agosto de 2006)

Pela leitura desses registros é possível dizer que a biblioteca, mas

principalmente o laboratório de informática/computação (talvez por conta da

lógica da própria Internet) são lugares que pela dinâmica que impõem ao trabalho,

ajudam os/as alunos/as a construírem sua autonomia, ao mesmo tempo em que

parecem criar condições para o exercício do aprender a aprender.

E mais do que isso, o uso freqüente do laboratório de informática parece

favorecer também a criação e a produção realizada pelos/as alunos/as onde

diferentes linguagens se misturam (ao mesmo tempo artística, áudio-visual e

virtual), combinando textos, sons, imagens e movimentos e que parece ser

facilmente trabalhada e incorporada pelas/pelos crianças/adolescentes. Se, de um

lado, elas/eles parecem já ter muita familiaridade com o computador, de outro,

elas/eles parecem aprender com facilidade o uso de novos procedimentos

disponibilizados pelos mais avançados softwares. Um trecho do meu diário de

campo é bem expressivo e me ajuda a fundamentar essa interpretação.

A professora Nair explica que ela, o professor Sidney e os alunos vão trabalhar juntos no laboratório de informática. Em dupla, eles vão trabalhar com alguns nomes de artistas importantes para o Brasil e pesquisar sobre. “Vou subir com vocês e ensinar o caminho das pedras no site do Itaú Cultural”. Nair ensina/explica a atividade que vão desenvolver. Vão pesquisar sobre a obra dos artistas e também colocar uma animação na obra. Explica que a animação não é uma brincadeira, mas tem que ter uma lógica e avisa então que vai distribuir uma ficha e vai explicando passo a passo: “Eu tenho que pegar uma obra que dê possibilidade de trabalhar com animação. Atenção não vai dar para trocar depois. Hoje a aula é para escolher a obra e na semana que vem vamos concluir

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o trabalho”. [...] São 8h e 50min e a turma, praticamente toda, já saiu para o laboratório. Essa distribuição aconteceu dentro de um quadro de bastante disciplina. No final sobra uma trinca. São 9 horas e já estou no laboratório. As crianças estão sentadas como em uma platéia com uma projeção na frente. O professor Sidney faz demonstrações de como animar um quadro. Usa Portinari e Magritte como exemplos.. Lembra que na Internet se acha qualquer coisa, inclusive, o que não interessa. É para desprezar e não ficar fazendo gracinha. Gif animada – é assim que busca o Google... As crianças estão muito atentas. Sidney explica em que ou com que programa trabalhar e diz que hoje a questão é escolher a obra... “A idéia é vocês criarem e contarem uma história a partir da obra”, completa Sidney. Ele também explica como usar alguns recursos da animação e usa toda uma linguagem computacional. Os alunos não demonstram ter dúvidas quanto a este vocabulário todo próprio da Informática. [...] Logo as duplas se formam diante das máquinas e começam a navegar. A seqüência para chegar nas obras já está definida na ficha que cada dupla recebeu. São 9h e 20min, várias duplas já escolheram sua obra, ou melhor, a obra que vão animar, demonstrando muita intimidade com a máquina. [...] Circulo pelo laboratório e percebo que facilmente quase todas já escolheram o quadro sobre o qual vão fazer a animação. Algumas duplas já estão “brincando” com a animação. Neste ambiente lúdico eles nem se lembram do recreio. Já são 9h e 40min e a disciplina flui... Sidney pede para salvarem e seguirem para o recreio... Logo começa uma movimentação. Algumas duplas parecem não querer deixar suas máquinas... (27 de setembro de 2006)

Um espaço com muitas máquinas, mas também muito lúdico - o que talvez

faça dele um lugar mágico - e que, por isso mesmo, parece seduzir os/as alunos/as

para novas descobertas e aprendizagens. Um espaço que, no currículo e prática do

Colégio Amanhecer, centrados em projetos de investigação, parece ser relevante e

significativo, seja porque favorece e amplia os mecanismos de pesquisas, seja

porque cria novas possibilidades de produção e expressão das descobertas e

aprendizagens. Navegando por uma infinidade de informações, montando e

reconstruindo textos, combinando sons e imagens ou palavras e movimentos,

fazendo animações, os/as discentes vão construindo conhecimentos e culturas,

num espaço que parece romper não só as fronteiras físicas, mas também

simbólicas das salas de aula que chamei aqui de convencionais, na medida em que

se constitui em mais um lugar de ensinar e aprender, de conceber e produzir.

Todavia, considero oportuno chamar a atenção para o fato de que toda essa

dinâmica de utilização do laboratório de informática e da biblioteca35, ampliando,

enriquecendo e, muitas vezes, subsidiando o que acontece nas salas de aula e até

no corredor, é algo que marca de modo muito mais intenso o momento do trabalho 35É bem provável que esses dois ambientes sejam utilizados de modo similar em outras experiências e/ou propostas escolares. Contudo, creio que conhecer como esses espaços são apropriados no Amanhecer ajuda a entender melhor a dinâmica dos projetos de investigação e, principalmente, as peculiaridades relativas ao uso desses espaços, tendo em vista os diferentes momentos que caracterizam projetos em questão.

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pessoal. O que me parece é fruto, não só da sua própria concepção, mas da

variedade de atividades que são planejadas pelos/as professores/as e que devem

ser realizadas pelos/as alunos/as nesse momento tão peculiar dos projetos de

investigação e que têm nas pesquisas - feitas individualmente e/ou em pequenos

grupos e em fontes diversificadas - seu maior suporte.

Nessa perspectiva, acho que posso afirmar que, na experiência do Colégio

Amanhecer, a utilização desses múltiplos espaços, principalmente no momento do

trabalho pessoal, como lugares de aprendizagem, é uma construção que, no

contexto de sua proposta de reorganização curricular, cumpre, inclusive, uma

função educativa, na medida em que tal utilização estaria revelando, não só as

atividades e/ou funções desses diferentes espaços (lugares para pesquisar,

descobrir, trocar, ouvir, produzir, etc.), mas também as dimensões e/ou princípios

que são enfatizados no processo de aprendizagem neles vividos (autonomia,

iniciativa, colaboração, criatividade, organização, disciplina, etc.)

Creio que nesse ponto vale ainda fazer referência a um aspecto que pude

constatar durante as minhas observações, mas principalmente por ocasião das

entrevistas que realizei com os/as professores/as. Ou seja, apesar dos/as alunos/as

se movimentarem, quer dizer, circularem entre os diferentes espaços com

facilidade, rapidez e até mesmo disciplina (e não dá para esquecer que eles iam do

segundo ao quinto andar e vice-versa e faziam esse deslocamento em menos de

cinco minutos, sem nenhum acidente), em várias oportunidades, registrei tensões

e/ou conflitos, às vezes bastante intensos, referentes principalmente à gestão do

uso do laboratório de informática e/ou da biblioteca, provocados seja por conta da

existência de falhas no planejamento dos horários de utilização desses espaços

pelas diferentes séries, causando até mesmo grandes ‘engarrafamentos’ de

crianças/adolescentes, seja pela falta de materiais (equipamentos e/ou livros) para

atender à variedade de demandas e prazos das pesquisas, ou ainda porque “faltava

uma dose de boa vontade dos responsáveis pelo espaço”, como sublinhou uma

professora durante sua entrevista. Tensões e/ou conflitos às vezes agravados pelo

fato de que a solução, nem sempre dependia dos/as professores/as, mas de

posicionamentos da própria direção e/ou da equipe de orientação, que mesmo que

quisesse resolver os problemas tinha limites como destacou a mesma professora

durante a sua entrevista:

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Conflitos. Identifico. Identifico, por exemplo, que há um conflito intenso, entre os professores e esses espaços da escola. Seja na Informática, seja na biblioteca. Isso assim é uma coisa que acontece bastante. [...] As pessoas falam. Falam que não está dando certo. E não o que está acontecendo. Que a gente quer subir e não pode. Ou que a gente sobe e aí vem uma reclamação que os alunos estão aqui embaixo sozinhos. Se a gente está aqui embaixo, que os alunos estão lá em cima sozinhos. Isso sempre acontece. [...] Eu acho assim, às vezes é uma questão de que está faltando boa vontade. [...] Na biblioteca a mesma coisa. Eles reclamam para caramba. [...] Às vezes a gente tem um monte de idéias na reunião. Aí a gente fica assim: olha a gente tem que lembrar que não pode mandar mais de 30 alunos para a biblioteca, para informática, quem vai ficar aonde, quem vai ficar aqui embaixo, se vai ter gente aqui embaixo também, entendeu. Isso assim é uma coisa que amarra o trabalho. Eu acho que é isso, amarra. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006)

Mesmo tendo que superar algumas dificuldades e/ou conflitos e

reconhecer que a sala de aula que chamei de convencional subsiste como célula

básica da prática educativa (GIMENO SACRISTÁN, 2005), é possível perceber,

no Colégio Amanhecer, um movimento que se concretiza, reitero, prioritariamente

no momento do trabalho pessoal, no sentido não só de ocupar outros espaços

como lugares de aprendizagem, como também de reorganizá-los, seja do ponto de

vista de sua arrumação interior, seja equipando-os com diferentes recursos

inclusive tecnológicos. Considero que esse movimento em torno da diversificação

e flexibilização dos lugares de aprendizagem pode contribuir para gerar mais e

novos atrativos (cabe lembrar que a vida dos/as alunos/as do Amanhecer fora da

escola é cheia de atrativos), mobilizando as/os crianças/adolescentes para as

tarefas escolares, além de introduzir elementos capazes de criar um outro estilo de

vida escolar (GIMENO SACRISTÁN, 2005) e, certamente de aprender e ensinar.

Para finalizar esse item, não seria demais descrever e refletir sobre os

cenários e as dinâmicas das salas dos/as professores/as de 5ª a 8ª série e das

reuniões de planejamento pedagógico, particularmente, as do grupo responsável

pelas turmas de 5ª série. Conhecê-los pode ajudar a compreender o ambiente, a

identificar o clima de convivência e, talvez, interpretar as suas influências nas

relações vividas entre os seus protagonistas. Das minhas anotações de campo,

destaco esse registro:

Vou para a sala de professores. Aliás, neste espaço rolam conversas quase sempre de dois tipos ou sobre os alunos e a disciplina das turmas ou sobre programas de lazer realizados por eles/elas... Alguns professores passam por aqui para pegar ou guardar material. Três professores (duas mulheres e um homem – o Mateus) discutem sobre o papel da mulher, mas também conversam sobre programas de lazer e viagem. Sabrina passa o ponto para assinarem. Nesse espaço professores/as apenas de 5ª à 8ª séries. Os/as professores/as do

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EM têm sala separada. Denise chega e me entrega uma ficha de orientação para o trabalho pessoal. Agora o tema é alimentação. Mateus e Nair conversam agora sobre o que vão fazer hoje no trabalho pessoal. Discutem o estágio em que cada uma das turmas se encontra. São 10 horas e vamos voltar para as salas. É hora de trabalho pessoal. (27 de setembro de 2007)

Descontração e trabalho. Conversas sobre temas do cotidiano ou sobre suas

vidas privadas e acerca das atividades pedagógicas se misturavam com freqüência.

Esse era o clima nos locais onde os/as docentes se reuniam diariamente. Na

chegada, nos intervalos ou mesmo na hora da saída, a sala dos/as professores/as era

um ambiente de integração. Poucos foram os momentos em que pude registrar

clima de tensão ou mesmo situação de conflito e quando isso acontecia estava

vinculado, ora à pressão e/ou dificuldade para cumprir o cronograma das várias

atividades exigidas pelos projetos de investigação, ora (como já citamos) aos

problemas referentes ao uso dos espaços fora da sala de aula e também à falta de

materiais necessários à realização dos projetos em questão.

Os/as professores/as também se reuniam em um espaço específico para

pensar e discutir a concepção e o desenvolvimento das atividades que deveriam

ser trabalhadas ao longo de cada semana, segundo os projetos de investigação.

Um ambiente informal, como informal era o tom das reuniões. Um ambiente de

integração, como de integração era, inclusive, um dos objetivos dos encontros. A

própria disposição em círculo, como relato, a seguir, parece confirmar essa

intenção de troca.

Todas as segundas-feiras, na parte da tarde, uma sala de aula, situada no quarto andar era improvisada para dar lugar aos encontros de planejamento pedagógico36. Carteiras e cadeiras amontoadas no fundo da sala e logo surgia um círculo, formado pelas carteiras e cadeiras restantes, mas sempre com lugares suficientes para abrigar todos os participantes - cerca de dez. No quadro verde e nos murais, sinais de que ali funcionava também uma sala de aula. Ambiente despojado, mas com um certo conforto – sempre havia um lugar especial para o cafezinho. Muito útil para “acordar” a turma ou “alimentar” as discussões ou conversas sobre os assuntos tratados nas reuniões e que não eram interrompidas nem mesmo por aqueles que se levantavam para servir o café. (junho de 2005)

Um cenário plural e em constante movimento, ou seja, ao mesmo tempo

em que define também se configura a partir da sua utilização e relações nele

vividas. Um cenário construído por diferentes espaços e que procurei delinear

36Vale lembrar que eu observei as reuniões de planejamento pedagógico ao longo de um ano e meio, incluindo a etapa de estudo exploratório.

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para além de suas características físicas e até mesmo simbólicas, procurando

perceber, inclusive, as suas formas e climas de ocupação.

Todavia, não posso deixar de considerar que o cenário que apresentei

nesse item expressa muito da minha leitura sobre ele. De acordo com Frago

(2001), todo espaço é um lugar percebido e essa percepção é fruto de um processo

cultural. Nesse sentido, o que vi e registrei acerca dos espaços escolares do

Colégio Amanhecer é fruto da minha interpretação sobre aqueles espaços e seus

significados, construída em cima dos registros que fiz ao longo das minhas

observações participantes.

4.3 Sobre a grade curricular e o horário escolar

Entendo que refletir sobre o espaço escolar, para além de sua dimensão

física e elementos simbólicos que o compõem, implica pensar também sobre a

grade curricular e mais especificamente sobre os horários escolares.

As diferenças entre as grades e os horários são apenas aparentes. Enquanto um determinado horário é em geral de uso restrito – a uma escola, a uma turma, a um determinado ano, etc. – e volátil, as grades curriculares pretendem ser mais abrangentes e mais perenes. Enquanto um horário parece ser tão-somente um construto prático que simplesmente organiza a vida escolar, uma grade é em geral reificada como a própria representação de uma parcela dos saberes humanos. Mas em termos de conformadores espaços-temporais da Modernidade, em termos de engendrar os nossos entendimentos e usos do espaço e do tempo – grades e horários – desempenham o mesmo papel. (VEIGA-NETO, 2002, p. 215)

Por esse motivo e levando em conta as mudanças feitas na grade curricular

e nos horários do Colégio Amanhecer depois da implantação do trabalho centrado

nos dos projetos de investigação37, considerei oportuno fazer alguns comentários

acerca das modificações que foram feitas nesses ‘operadores’ através dos quais o

37Analisando as matrizes relativas à grade curricular e aos horários do Colégio Amanhecer (apresentadas no anexo 6), relativas aos anos de 2002 (período que antecede a adoção da nova proposta), de 2005 e de 2006, constato que a atual matriz manteve as nove (9) disciplinas que fazem parte do currículo da 5ª série, mas reduziu de 30 horas para 20 horas semanais o tempo destinado especificamente aos estudos dessas disciplinas e incluiu 10 horas para o trabalho pessoal, quando a escola passa a adotar os projetos de investigação que, como entendo, são estratégicos na sua proposta de reorganização curricular.

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currículo “se coloca em movimento e vai dispondo ordenações minuciosas na

maquinaria escolar” (VEIGA-NETO, 2002, p. 213).

Segundo este mesmo autor, registrados em uma matriz onde se combinam

dias da semana, horas e atividades, os horários escolares ensinam “um tipo de

percepção e de uso do espaço, um tipo de propriedade e abrangência simbólica do

espaço, além de propiciarem uma conexão entre espaço e tempo” (VEIGA-NETO,

2002, p. 213).

Em outras palavras, os horários escolares “são os que administram a

distribuição e o uso do tempo semanal e diário. O horário consagra a quantidade

de dias e a quantidade de subdivisões do dia e, desse modo, regula os limites do

tempo e da atividade” (PALAMIDESSI, 2002, p. 115).

Entendo, portanto, que analisar esse artefato escolar pode ajudar a

compreender melhor a configuração da proposta do Colégio Amanhecer, a partir

de uma melhor compreensão do ‘lugar’ que os momentos dos estudos específicos

as disciplinas e o trabalho pessoal ocupam. Pode ajudar a entender melhor como a

reorganização do tempo foi pensada, na perspectiva inclusive de superar o que a

própria equipe chamava de fragmentação das disciplinas e, conseqüentemente,

promover todo um movimento pela interdisciplinaridade e pela integração

curricular. Um trecho do depoimento de uma das orientadoras é bastante

representativo. Quando perguntei se era legítima a identificação da presença de

dois momentos, caracterizando o trabalho centrado nos projetos de investigação,

ela fez o seguinte destaque.

[...] Foi uma opção que foi criada no colégio, poderia ser diferente. Mas concomitante a essa discussão sobre a organização curricular se falou muito no tempo, agora se fala menos, da gestão do tempo e do espaço escolar. Então, se quer buscar um currículo que valoriza mais a integração, diversas práticas devem favorecer essa questão. Uma delas é a organização do tempo escolar. De 5ª a 8ª, daí para diante, no ensino médio, sempre se trabalha com o tempo fragmentado. As disciplinas são fragmentadas em tempos escolares de 50 minutos. Então isso traz uma dificuldade às vezes de ter um tempo maior de aprofundar, de discutir, organizar. [...] Então teria de alargar o tempo... [...] Essa forma de gestar o tempo e o espaço foi fundamental nesse sentido, para demarcar um pouco mais esse momento da pesquisa e também para a gente, como professor, se apropriar de um momento mais especifico disso, nós estabelecemos o momento de trabalho pessoal e o momento de aulas específicas. Também para dialogar com uma experiência que não estava rompendo com a estrutura já conhecida, chamada currículo por disciplina. Estamos tentando fazer um modelo híbrido. O trabalho pessoal, o momento do trabalho pessoal é entendido como aquele momento do projeto em que o aluno e os professores de diversas disciplinas orientam atividades de pesquisa. Que não está centrado em nenhuma disciplina especificamente e nem em nenhum procedimento único. A gente tem estimulado muito essa participação e esses

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momentos. E há outro momento, que aí é personalizado naquela disciplina daquele professor, que ele sistematiza, apresenta outros conteúdos, formaliza outros, relacionados ao tema do projeto ou não, na sua aula específica. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Nessa perspectiva, busquei conhecer e analisar as grades curriculares e os

quadros dos horários escolares de diferentes anos, considerando o período antes e

depois da implantação dos projetos, bem como aqueles que foram objetos de

minhas pesquisas. Eu queria identificar modificações e permanências nesses

quadros e como elas estavam ‘modelando’ essa situação particular – a experiência

do Amanhecer, centrada em projetos.

Os três quadros da 5ª série que analisei38 estão organizados, segundo uma

distribuição que prevê seis tempos diários, com uma duração de 50 minutos cada

um, além do recreio, com disciplinas/atividades previstas de segunda a sexta-feira,

totalizando 30 tempos semanais, o que parece impor um certo ritmo escolar,

marcado por regularidades pela hegemonia de certas disciplinas – Matemática e

Português e, mais recentemente, pela ênfase no trabalho pessoal.

Quadro 1. Distribuição dos horários/tempos destinados às disciplinas e ao trabalho pessoal que compõem grade curricular do Amanhecer

Disciplinas/tempos

2002 Ano anterior à

adoção dos projetos

2005 Ano do estudo exploratório

2006 Ano da

pesquisa propriamente

dita

Matemática 05 04 04

Português 05 03 03

História 03 02 02

Geografia 02 02 02

Ciências 03 02 02

Língua estrangeira 05 02 02

Educação Física 02 02 02

Artes 02 02 01

Educação Religiosa 03 02 02

Momento do Trabalho Pessoal - 09 10

Total de tempos 30 30 30

38Lembro que tais quadros são apresentados no anexo 6. Cabe aqui uma observação: nos quadros referentes aos anos de 2005 e 2006, nas colunas relativas ao trabalho pessoal aparecem os nomes das disciplinas, cujos professores titulares são os responsáveis pela dinamização do trabalho pessoal naquele dia e hora.

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Ao analisar o quadro comparativo (2002, 2005 e 2006) referente à

distribuição dos horários/tempos das turmas da 5ª série do Colégio Amanhecer,

posso constatar que, a partir da adoção dos projetos de investigação, a disciplina

de Língua Estrangeira – no caso, Inglês ou Frances –, que ocupava, inclusive, um

lugar/tempo expressivo, é a que sofre o maior corte (de cinco para dois tempos),

seguida de Português (de cinco para três tempos).

Por sua vez, quatro disciplinas (Matemática, História, Ciências e Educação

Religiosa) sofrem apenas o corte de um tempo. Enquanto Artes, que inicialmente

havia sofrido apenas um corte (de três para dois tempos), em 2006 é ainda mais

reduzida, ocupando um só horário na grade. Já Geografia e Educação Física

mantêm suas cargas horárias, ao logo dos períodos analisados.

Constato, ainda, que todas essas alterações aconteceram para que o

momento do trabalho pessoal passasse a ocupar um espaço significativo na grade

(primeiro nove e depois dez tempos). E assim, por conta do trabalho centrado em

projetos, o currículo do Amanhecer é reorganizado com 20 horas semanais para o

estudo das disciplinas específicas e 10 horas semanais referentes ao momento do

trabalho pessoal, sugerindo que espaço/tempo dedicado à organização disciplinar

é bastante significativo.

Olhando o quadro 1, posso dizer que, na maioria dos casos, os cortes nas

cargas horárias das disciplinas sugerem a adoção de certos critérios como, por

exemplo: não fazer grandes alterações nos tempos originalmente destinados a elas

(Língua Estrangeira, Português e Artes parecem, porém, escapar desse critério);

manter certo equilíbrio nos cortes, de modo que as disciplinas mantivessem pelo

menos dois tempos para o seu estudo específico (novamente Artes parece escapar

de mais um critério, pois é a única disciplina com apenas um tempo semanal) e

reservar um tempo maior para Matemática e Português, disciplinas consideradas

também como suportes para as demais áreas de estudo.

Vale ressaltar que, nas conversas informais mantidas com a equipe ao

longo das minhas observações e durante as entrevistas, pude perceber que

vários/as professores/as tinham oferecido resistência quanto a ceder parte de sua

carga horária (há relatos de inúmeros conflitos, principalmente no início da

experiência). E quase sempre a justificativa para evitar os cortes referia-se ao

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volume e à complexidade dos conteúdos das disciplinas específicas e que, nesse

sentido, poderia haver perda de qualidade.39

Pude verificar também que existiam alguns/mas professores/as (poucos/as,

é verdade) que ainda ficavam preocupados/as com a redução de sua carga horária

específica, sugerindo, inclusive aumentar ou reduzir, quer dizer, flexibilizar o

tempo do trabalho pessoal ao longo da semana para melhor atender às

necessidades de sua disciplina.

Hoje preciso ficar o dia inteiro no trabalho pessoal. Vamos ficar o dia inteiro no trabalho pessoal. De sete ao meio-dia e meia, amanhã não precisa. Então, amanhã naquele tempo do trabalho pessoal eu entro e dou minha aula de Geografia. Porque eu também me sinto às vezes sonegando do aluno determinado conhecimento, que também é importante, que também contribui para ele compreender o mundo, que também contribui para o desenvolvimento do pensamento dele, do raciocínio dele e que eu não posso dar conta, porque o meu tempo específico é aquele, não é o do trabalho pessoal. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Por outro lado, muitos/as professores/as pareciam reconhecer que o

trabalho pessoal merecia uma carga horária expressiva na grade, considerando a

natureza de suas atividades, bem como a própria diversidade de ritmos do grupo,

como sugerem os depoimentos a seguir.

Eu gostaria até de ter mais tempo para o projeto, principalmente para o momento do trabalho pessoal. Mais tempo para o planejamento e para a realização. Muitas vezes o tempo é curto demais. É muito corrido. Duas horas não são suficientes para planejar. E o tempo do aluno é pouco também. [...] O ideal seria que eles tivessem uma manhã ou um dia inteiro de atividade na escola, até quatro horas da tarde. E que nós também tivéssemos dedicação exclusiva. [...] Para você (professor e aluno) poder fazer tranqüilamente o seu projeto. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006) Então acho que se a gente tivesse mais tempo era importante. Trabalhar com mais calma. [...] O que é uma coisa que eu percebo é que, às vezes, a gente fica um tempo grande na investigação e na hora da gente trabalhar o produto a gente tem muito pouco tempo. E é uma coisa que talvez as pessoas não percebam. [...] Declamar uma poesia, você fazer uma apresentação musical. Preparar um almanaque. Isso toma muito tempo. E a gente não dá esse tempo para eles. Para eles deixarem as coisas mais refinadas. [...] Eu sinto falta de polir esse produto. (Nair – professora de Educação Artística – 13 de novembro de 2006)

39Tudo indica que, apesar dos cortes não houve perdas financeiras. Uma breve análise do mesmo quadro (anexo 6) mostra que os/as professores/as foram deslocados de suas disciplinas, mas ocuparam o tempo “perdido”, agora como responsáveis pelo momento do trabalho pessoal, mantendo, portanto, a mesma carga de trabalho original.

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Para concluir a reflexão sobre a reorganização do tempo escolar, é

importante sublinhar que os quadros de distribuição, na semana e nos dias, dos

tempos referentes ao momento de estudo específico das disciplinas e do trabalho

pessoal, isolados de uma análise mais articulada com outros elementos, expressam

muito pouco acerca das possibilidades do Amanhecer estar ou não realmente

implementando a perspectiva interdisciplinar e de integração curricular, mesmo

sem romper com a base disciplinar. No entanto, é possível registrar um esforço

significativo no sentido de abrir um espaço-temporal para a realização do

momento destinado ao trabalho pessoal, onde parece existir não só uma

intencionalidade, mas maiores chances para essa articulação e integração de

saberes e conhecimentos acontecerem.

4.4 Delineando rostos e perfis: os sujeitos da pesquisa

4.4.1 Os/as alunos/as

O Colégio Amanhecer é privado, tem aproximadamente 1.200 alunos/as e,

embora seja freqüentado por alguns/mas filhos/as de professores/as e

funcionários/as, a maioria deles/as pertence à classe média alta e alta. Os sinais

disso são visíveis. Durante a entrada e a saída da garotada, é comum ver muitos

carros importados, do ano e com motoristas. É comum também ver as crianças e

os adolescentes portando algum acessório de grife – seja o celular, as mochilas ou

os tênis, só para exemplificar. Por sua vez, o uso desses símbolos não é

homogêneo. Há uma distinção segundo o gênero. Uma das anotações de campo

que fiz sobre os/as alunos/as da 5ª série ilustra bem esses aspectos.

São 8h e 25min. A professora Wanda está na sua mesa fazendo anotações na pauta. As estagiárias na frente olhando a turma. Depois de pedir que as/os crianças/adolescentes falem baixo, o barulho diminuiu. Vários estão fazendo suas atividades. [...] As mochilas (quase sempre marca Kidling, Wollner) estão por toda parte no chão, penduradas nas carteiras (gancho próprio) atrás da cadeira. Nas mesas, os cadernos, estojos (os das meninas, têm sempre um toque feminino – bichinhos pendurados, Hellow Kit.), mas nada aparece demais. Os moletons podem ser branco, cinza, azul-claro, rosa, azul-marinho, etc. Wanda acrescenta na agenda: terminar os exercícios das páginas 50 e 51 e solicita que todos voltem aos seus lugares. Pouco a pouco eles/elas reorganizam

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as fileiras. Muitos estão de moletom de marca (as meninas principalmente). Usam tênis, alguns usam bermudas (preta ou azul), outros usam calça jeans. [...] Perto de mim um grupo de cinco meninas. As folhas do caderno/fichário parecem dizer muito sobre elas. São altas, morenas/mel (três), mais louras/mel (duas). Usam relógios coloridos, mochilas de marca, rosa e azuis. Há uma que é vinho. Seus estojos são muito coloridos. O rosa predomina. Uma delas tem uma bolsinha vermelha atravessada no corpo com um bichinho pendurado. [...] Outra menina com bolsinha (agora azul-claro e bichinho) a tiracolo – parece ser moda por aqui. O vermelho também parece ser uma cor que agrada nesta turma. (5 de maio de 2006)

E são essas/esses mesmas/mesmos crianças/adolescentes – nas salas de

aula, correndo nos recreios, subindo e descendo escadas ou espalhadas pelos

corredores, nos diversos laboratórios e outros lugares que dão movimento, vida ao

Colégio Amanhecer. É oportuno lembrar que durante um ano letivo convivi mais

de perto com o grupo da 5ª série, distribuídos em três turmas, uma com 35 e duas

com 36 alunos/as, totalizando, portanto 107 crianças/adolescentes, numa faixa

etária entre 10 e 11 anos.

Muitas/muitos delas/deles começaram sua vida escolar no Colégio

Amanhecer. Várias/vários já fazem parte da segunda e até da terceira geração de

alunos/as da instituição e, além de afirmarem que gostam da escola, parecem estar

bem antenadas/antenados com os seus ideais. Só para exemplificar, esses dois

depoimentos parecem bem significativos.

Estudar aqui significa aprender e fazer novas amizades. Eu posso brincar e conhecer novas pessoas. Tudo no Colégio Amanhecer é muito legal, Eu adoro estudar aqui. Nesse colégio a gente pode aprender muitas coisas novas porque tem o trabalho pessoal. (Aluna da 5ª série A, setembro de 2006) Esse colégio ensina a gente a lutar pela diferença [ela está se referindo à questão de minimizar as desigualdades sociais por meio das ações que realizam junto aos grupos menos favorecidos], compartilhar com as pessoas, fazer novas amizades. Eu gosto muito do Amanhecer também porque aqui tem trabalho pessoal e assim a gente pode aprender sobre o mundo e sobre as diferentes culturas. (Outra aluna da 5ª série A, setembro de 2006)

São meninos e meninas, de um modo geral, com interesses diversos. Era

muito comum ver os meninos trocando figurinhas, conversando sobre esporte,

principalmente futebol, brincando com bonecos, personagens de filmes, enquanto

as meninas pareciam gostar de desenhar, ouvir música no Ipod ou conversar sobre

as festas que já tinham ido ou estavam planejando ir. Entretanto, o gosto pelos

gibis e/ou histórias em quadrinhos e pelos diferentes jogos disponíveis na hora do

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recreio parecia não ter distinção de gênero. Mais uma vez recorro aos meus

registros para justificar essas constatações.

São 7h e 50 min. Ao meu lado, um aluno folheia e preenche seu álbum de figurinhas. Outro aluno também está com figurinhas e busca trocá-las com o aluno que está ao meu lado. [...] Às 10 horas as crianças e os adolescentes voltam do recreio. Estão agitadas/agitados é claro. Cibele volta para animar o tempo de trabalho pessoal. Os meninos, vários estão fazendo álbum de figurinha [seleções da copa]. A professora chama-os pelo nome. Pede atenção. Vocês hoje têm uma meta para a primeira meia hora. (26 de abril de 2006) Os/as alunos/as que já acabaram as suas tarefas se dedicam [em silêncio] a coisas diferentes: uma lê um gibi, outra faz recorte, vários arrumam a mochila, Antônio brinca com os seus bonecos, uma aluna lê, um aluno desenha, outro também. Estão disciplinados. Pelo menos eu acho para uma turma de 5ª série com 10 e 11 anos. Aliás, a disciplina é bastante boa, embora a professora esteja solicitando sempre mais. [...] “Gente, a pasta tem que estar no armário. Eu vou heim!” Agora outros meninos se juntam para brincar com os bonecos do Antônio. (14 de junho de 2006)

Por sua vez, as atividades que tinham uma dimensão lúdica como

desenhar, pintar recortar, jogar ou ouvir história pareciam mobilizar de maneira

significativa todos/as aqueles/as alunos/as, como expressa, por exemplo, esse meu

registro.

Ando pela sala e constato que estão todos/as trabalhando sobre o balão. Motivo-os/as a trabalharem realmente em dupla. Eles/elas parecem sensíveis à minha sugestão... [...] Dois meninos estão colorindo juntos, enquanto conversam com a dupla da frente. As meninas parecem trabalhar mais neste momento do que os meninos. Elas parecem estar se divertindo, enquanto enfeitam os balões. Bruno está bem entrosado com sua parceira. Neste momento são 12h e 20min, a professora lembra: “gente atenção! Faltam 10 minutos para terminar” (14 de junho de 2006)

Circulando pelos diferentes espaços, foi possível observar, com

freqüência, a existência de momentos de muita algazarra e brincadeira, além de

um clima ora de cordialidade e amizade, ora de discussão entre os/as alunos/as,

motivada às vezes por conta de uma brincadeira mais agressiva e, em outras

ocasiões, em função do modo como os grupos eram formados ou de seu próprio

desempenho, principalmente no momento do trabalho pessoal.

Cabe ainda afirmar que, muitas vezes, também presenciei alunos/as

brincando com os/as funcionários/as e vice-versa. Em outras oportunidades,

constatei significativa interação entre os/as alunos/as e os/as professores/as.

Mesmo quando os/as alunos/as queriam fazer uma reclamação ou, ao contrário,

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eram os/as professores/as que estavam chamando a atenção por algo que não

deveria ter sido feito havia, quase sempre, uma boa dose de humor.

Mesmo assim não posso deixar de registrar que, em algumas ocasiões,

pude observar reações que expressavam significativa irritação por parte dos/as

docentes, quando, segundo o entendimento deles, os/as alunos/as tinham ‘passado

do limite’. Mais uma vez, uma das anotações feitas no meu diário de campo é

ilustrativa.

Um aluno brinca de bater com a camisa do Flamengo em uma menina. O professor exclama: “em uma moça tão bonita? Só com uma flor”. Um outro aluno retruca: “então, com uma árvore”. Quase todos estão em seus lugares. Dois meninos implicam um com o outro. “Que saco”, diz um deles e completa: “vai pegar a camisa do Tiago” [do Flamengo]. O professor briga com os alunos que estão fazendo bafo-bafo. “Não pode”, sublinha. A turma que ainda estava no laboratório de Informática volta. O professor pede colaboração para guardar as pastas. Checa quem são os monitores. As pastas estão quase todas guardadas. A maioria já está quieta em suas carteiras esperando a próxima aula. Mais uma vez, o professor ameaça apanhar as figurinhas... “Tchau! Vou fechar o armário!” Os retardatários com as pastas correm... Ele fecha. Um aluno reclama com o colega que quer a camisa do Flamengo. “Você não tem limite”. Entra a outra professora gritando: “quero silêncio e sem figurinha”. Licinha se queixa com a professora que chama a atenção do “amigo”. “Agora chega. Você está incomodando ele. Chega!” Ele obedece. Fica quieto. (19 de maio de 2006)

Analisando meus registros, é possível perceber uma significativa

diversidade no modo como os/as professores/as da 5ª série tratavam seus/suas

alunos/as, o que de certa forma acabava sugerindo respostas também diferentes

por parte deles/as. Respostas ora mais afetivas, ora mais agressivas. Respostas ora

de submissão, ora de enfrentamento. Entendo assim que não seria exagero afirmar

que os/as alunos/as e seus/suas professores/as viviam relações de natureza

bastante heterogênea, algumas vezes marcadas por ambigüidades, ambivalências e

conflitos (GIMENO SACRISTÁN, 2005), outras vezes por muito afeto e respeito.

Além disso, as diversas formas de interação vividas pelos/as alunos/as da

5ª série do Colégio Amanhecer expressavam um modo de ser daquelas/daqueles

crianças/adolescentes40, bem como de se relacionar com a escola e com suas

atividades e, portanto, expressavam um modo de viver seu ofício de aluno/a.

Um modo de ser aluno/a que, como afirma Perrenoud (1995, p. 209),

implica

40Não posso deixar de registrar que também são características muito próprias dessa faixa etária.

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Um comportamento diferente de acordo com o estado das relações intersubjetivas - tensão ou cumplicidade, impaciência ou adesão, presença ou ausência, agressividade ou empatia -, tudo isso podendo refletir no nível de expectativas do professor e na qualidade do trabalho dos alunos.

Para concluir esse item, vale reiterar que, como sugerem os próprios

registros e análises apresentadas, o grupo de estudantes da 5ª série do Amanhecer

é um grupo plural, embora seja possível dizer que ele é aparentemente

homogêneo, já que seus integrantes têm muito em comum, como por exemplo:

quase todos/as são brancos/as, são provenientes, na sua maioria, da mesma classe

social, viajam com freqüência, têm casa fora, freqüentam os mesmos lugares,

moram em bairros nobres, vestem as mesmas marcas. Entretanto, é possível

identificar outros traços que sugerem tal diversidade, mesmo que sutil. São

comportamentos, interesses, atitudes, ritmos, modos de viver a experiência escolar

diversos, às vezes pelo fato de serem meninos ou meninas. Um pequeno registro

de campo ilustra tais considerações.

[...] Algumas folhas do registro “primário” realizado no momento da pesquisa são bem “enfeitadas”. Depois elas [falo de um grupo de meninas} passam a limpo na folha padrão. Papel timbrado da escola. Na folha de origem – deste grupo que passei a chamar de grupo das meninas – está impresso, em diferentes cores, [cada folha tem barras de uma cor] a palavra “meninas” acompanhando a cor da folha. A letra delas é “impecável”. [...] Os meninos desta turma [alguns pelo menos] são bastante agitados, adoram uma brincadeira. Eles brincam muito no sentido de um empurrar o outro, tocar o outro [nada agressivo], puxar o outro, pular em cima do outro. [...] O vermelho também parece ser uma cor que agrada nesta turma, principalmente às meninas. [...] Aqui no fundo há outro aluno bem agitado. Ele passa o tempo todo fazendo um desenho. Parece ser uma cena de Brasília. Tem o Congresso, um Avião da TAM, o Lula em um avião. [...] Eastpark é marca da sua mochila, cheia de caveiras. (5 de maio de 2006)

Para completar o traçado de um breve perfil desse grupo, não poderia

deixar de registrar a existência de Marco Pólo - filho de um funcionário da escola,

cuja presença chamava minha atenção. Ele era um aluno negro e de classe popular

e, por isso, diferente das/dos demais crianças/adolescentes da 5ª série (havia outro

filho de funcionário em outra turma da 5ª série, mas que por algum motivo eu não

o registrei). Seu permanente silêncio mantinha-o quase invisível, marcando seu

jeito de ser, de interagir e estar nos diversos espaços escolares, como sugere um

trecho extraído do meu diário de campo.

A professora põe o vídeo (Central do Brasil). A turma fica fazendo bagunça [alguns, é claro!]. A professora interrompe, ameaça desligar. Pede atitude para ver o filme e eles se acalmam. O silêncio acontece e eles parecem atentos...

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Pelo menos vários deles e delas... Também vou assistir um pouco do filme... Eles estão vidrados no filme! [...] Agora ela vai colocar o de futebol de areia. “Atenção: vai aparecer alguém que vocês conhecem”. Com o barulho a professora ameaça desligar. Eles se acalmam e começam a ver o filme... Levam um tempo para identificar o professor de Educação Física no jogo, mas pulam alegres quando o encontram. Os meninos estão muito mobilizados. Algumas poucas meninas também. Um dos alunos que estava muito agitado se acalmou. Está olhando o jogo com atenção. Marco Pólo não se altera em nenhum momento. [...] É incrível sua falta de mobilização para qualquer coisa. Está sempre quieto, observando. (28 de junho de 2006)

Talvez o fato de representar a minoria no contexto dos/as alunos/as do

Colégio Amanhecer possa explicar, de um lado, a própria postura de Marco Pólo

– silencioso, tímido, distante, pouco envolvido (pelo menos aparentemente) com

as tarefas que lhe eram propostas como se tudo ou quase tudo fizesse pouco

sentido para ele e, de outro lado, a sua quase invisibilidade por parte dos/as

professores/as. Provavelmente por conta de sua classe social ou da família ou

mesmo de sua trajetória individual, cumpria seu oficio de aluno de modo muito

diferente dos demais (PERRENOUD, 1995). Enquanto a maioria das crianças se

agitava, se manifestava (mesmo que fosse para reclamar), discutia, respondia,

enfim participava, Marco Pólo ficava na retaguarda, só reagindo quando parecia

não ter outro jeito. Entretanto, o olhar de Marco Pólo era de quem estava sempre

procurando, pelo menos observar o que estava acontecendo, ou melhor, observar

como os outros agiam e assim poder jogar o jogo das práticas e das relações

sugeridas e/ou vividas cotidianamente no interior da escola.

Reitero, assim, a idéia de que a pluralidade de modos de ser, de se

relacionar e viver a experiência escolar era uma característica das/dos

crianças/adolescentes da 5ª série do Colégio Amanhecer (isso parece óbvio e

inevitável, mas acho importante explicitar). E, nesse contexto, tentar desvendar

e/ou traduzir os traços dessas diferenças me parece necessário, na medida em que

elas podem interferir na construção dos sentidos e significados que são/foram

atribuídos pelos/as alunos/as à proposta da escola centrada nos projetos de

investigação.

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4.4.2 Os/as professores/as e orientadores/as

Em primeiro lugar, vale sublinhar que a descrição que faço nesse item se

refere aos/às professores/as e orientadores/as que foram entrevistados/as por mim

em 2006, além de tê-los/as observado em ação no mesmo período, durante a

realização da minha pesquisa propriamente dita. Isso significa dizer que não inclui

nessa caracterização alguns/mas professores/as com os/as quais tive contato

durante o estudo exploratório e que nessa segunda etapa do meu trabalho já não

estavam mais atuando na 5ª série ou na própria escola.

Quero ressaltar também que além da diretora geral, foram entrevistados/as

quinze profissionais41, sendo quatro mulheres integrantes da equipe técnica de

orientação pedagógica e/ou educacional e onze docentes, incluindo oito mulheres

e três homens e sobre as/os quais passo a apresentar um breve perfil.

No que tange à formação, todos/as têm licenciatura (entendo que não

poderia ser diferente dada à natureza das atividades que desempenham e o

segmento onde estão atuando), assim distribuídas: quatro (4) professoras,

incluindo as três da equipe de técnica de orientação pedagógica e/ou educacional

são pedagogas, sendo que uma delas também fez graduação em Psicologia,

enquanto a professora de Educação Religiosa tem sua segunda graduação em

Teologia; um (1) professor em Geografia, uma (1) professora em História, dois

(2) professores/as em Matemática; duas (2) professoras em Biologia; três (3)

Professoras em Português, sendo que cada uma delas em diferentes habilitações

(Literatura, Inglês e Francês); uma (1) professora em Belas Artes e um (1)

professor em Educação Física. Nesse caso, sete (7) professores/as são formados/as

pela PUC do Rio de Janeiro, dois (2) pela Universidade Santa Úrsula, um (1) pela

Gama Filho, duas (2) pela UFRJ e três (3) não informaram onde fizeram seus

cursos de graduação.

Cabe registrar que quatro (4) professores/as declararam ter curso de

especialização: o professor de Educação Física que é especializado em

Psicomotricidade, e as três (3) professoras que integram a equipe técnica de

orientação pedagógica e/ou educacional, sendo duas (2) em Psicopedagogia e uma

41Conforme já apresentado no anexo 3.

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(1) em Orientação Educacional. Vale dizer ainda que dois (2) professores/as

afirmaram ter cursos de aperfeiçoamento nas suas respectivas áreas de formação –

línguas, artes e computação gráfica.

Além disso, seis (6) professores/as, inclusive a orientadora pedagógica do

grupo de 5ª a 8ª série, têm mestrado na área de Educação, sendo dois (2) na PUC,

dois (2) na UFRJ, um (1) na Universidade Gama Filho e um (1) pela Universidade

Estácio de Sá.

É oportuno destacar que quatro (4) professoras fizeram referência à sua

formação na Escola Normal e três (3) sublinharam a importância que uma sólida

formação religiosa (católica) teve em suas vidas pessoal e profissional.

Apesar de duas professoras não terem mencionado o seu tempo de

experiência profissional, foi possível constatar que a 5ª série contava, naquele

momento, com um grupo bastante experiente e com uma atuação expressiva no

segundo segmento do Ensino Fundamental. Em outras palavras, pude constatar:

duas (2) professoras completando 40 anos de exercício profissional em escola,

seis (6) professores/as exercendo suas atividades numa faixa que variava entre 21

a 30 anos e cinco (5) docentes entre 10 a 20 anos. Vale dizer que quatro (4)

professoras mencionaram e consideraram significativas experiências vividas nas

quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.

Posso afirmar que tal experiência era bastante diversificada, já que sete (7)

professores/as tinham vivência em escola pública, sendo que quatro (4) deles/as

ainda estavam em exercício no Ensino Municipal, enquanto cinco (5) docentes

tinham trabalhado e seis (6) estavam trabalhando em outras escolas privadas

(mais 1 e/ou 2 escolas), além do Amanhecer. Constatei ainda mais dois (2)

professores/as que mantinham dupla jornada: uma professora em uma

universidade privada e um professor em um organismo vinculado à Secretaria

Municipal de Educação. Apenas uma professora declarou ter vivido todo o seu

tempo de atividade profissional no Colégio Amanhecer.

A propósito, em relação ao tempo de serviço no Amanhecer, além da

professora citada acima, que já estava no colégio há 40 anos, outros cinco 5

docentes atuavam há bastante tempo na escola (um há onze anos, dois há mais de

vinte anos e dois há quase trinta anos). Os/as demais nove (9) professores/as,

posso dizer que fazem parte de uma nova geração na escola, já que chegaram ao

Amanhecer recentemente e estavam assim distribuídos: três (3) estavam há 6

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anos, (entre eles/as, duas professoras eram integrantes da equipe técnica, tendo

assumido suas funções em 2000), dois (2) há 5 anos, um (1) há 4 anos, um (1) há

3 anos e dois (2) há 2 anos. Por sua vez, isso significa dizer que, dos/as 15

docentes que estavam atuando na 5ª série, onze (11) professores/as e/ou

orientadores/as estavam participando da experiência de reorganização curricular,

centrada nos projetos de investigação desde sua fase inicial de concepção e

implantação, dois (2) já tinham três (3) anos de vivência nos projetos, e apenas

dois (2) professores/as estavam há pouco tempo envolvidos/as com a proposta em

questão (um com 2 anos e um com 1 ano).

Quanto à faixa etária, acho que posso dizer que o grupo apresentava

significativa concentração: nove (9) deles/as tinham entre 41 e 50 anos; quatro (4)

tinham pouco menos de 40 e apenas dois (2) mais de 50, o que me parece

colaborava para o clima de diálogo e interação que presenciei. Isso também talvez

explique a convergência de respostas quando questionados/as sobre o que os/as

mobilizava além do trabalho.

Dos/as 15 entrevistados/as, nove (9) se referiram a um grande interesse e

prazer de fazer programas com a família (espontaneamente nove professores/as se

declararam casados/as, sendo que sete com dois/duas filhos/as e dois com um/a

filho/a). Além disso, seis (6) professores/as citaram viajar como algo que lhes dá

muito prazer; seis (6) fizeram referências a ir ao cinema, ao teatro ou a

exposições; três (3) falaram sobre o interesse pelo contato com a natureza,

principalmente caminhadas e praia; três (3) falaram na alegria de jantar fora e

tomar vinho. Fazer trabalhos manuais, ler/estudar e fazer esporte são outras

atividades que foram citadas, sendo que cada uma delas por dois (2)

professores/as. Apenas uma professora disse que sair para dançar era um de seus

programas prediletos.

A partir dessa breve descrição, posso dizer que essa equipe de

profissionais poderia ser identificada como um grupo bastante homogêneo,

particularmente do ponto de vista sócio-cultural. Alguns sinais captados durante

as entrevistas, além daqueles percebidos ao longo das observações participantes,

como por exemplo, o tipo de roupa que vestem, os gostos e interesses que

compartilham, os lugares que freqüentam, os valores que proclamam e até mesmo

a preferência pelo trabalho na 5ª série, podem confirmar tal descrição. Entretanto,

é possível afirmar que se trata também de um grupo heterogêneo. Têm diferenças

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de gênero, de faixa etária (apesar de apresentar certa concentração em termos de

geração), de estado civil, de tempo no Colégio Amanhecer, de formação,

considerando principalmente os seus campos de estudo e/ou as suas áreas

disciplinares, bem como de experiência profissional, tendo em vista inclusive a

natureza (pública e/ou privada) das escolas onde trabalharam ou ainda trabalham,

só para citar algumas variáveis.

Trata-se de uma equipe que parece ter, por sua vez, um forte compromisso

com a atividade docente e uma preocupação com o aperfeiçoamento de sua

própria formação, demonstrada, inclusive, pelo número relevante de

professores/as com mestrado e/ou cursos de especialização.

Além disso, vale sublinhar que eles/elas demonstraram ter um forte

vínculo com a escola, mesmo aqueles/as que lá estavam apenas a partir dos anos

2000. Vários/as professores/as fizeram referência à importância de integrar a

equipe de uma escola, considerada de excelência, por diferentes segmentos da

sociedade carioca e, principalmente, por educadores/as de diversas áreas.

Alguns/mas docentes destacaram o bom entrosamento que existia entre eles/as.

Eu acho que você deve ter visto o entrosamento total e a confiança entre todos os que trabalham na mesma equipe. Eu acho que a harmonia é tudo. Você deve ter observado isso nas reuniões que você tem acompanhado. No começo, às vezes, o grupo parecia dividido, mas você vê que hoje em dia já não é mais assim. Os que não queriam antes, agora já querem liderar, coordenar a reunião, os outros também já se colocam mais. No início, havia professores que pouco se colocavam. Hoje em dia a gente até se surpreende com as colocações deles. Eu acho que no momento que você acredita e você confia naquilo tudo, tem um clima de alegria... Você tem que acreditar. Se você não acredita você não consegue nem transmitir, nem fingir e passar para os outros isso. Eu acho que, graças a Deus, os professores, todos tomaram essa consciência, estão felizes, eles gostam de trabalhar. Inclusive quando a gente pergunta se algum quer mudar, porque às vezes a gente tem que fazer isso, é muito difícil eles quererem sair da própria equipe. (professora Sabrina – membro da equipe técnica – 16 de novembro de 2006)

E o entrosamento dessa equipe parecia ser fruto da vivência de processos

de construção coletiva, permanentemente incentivados e aperfeiçoados.

O que ajuda é o entendimento, por parte dos professores, de que todos nós trabalhamos juntos. Na hora do projeto não tem mais aquela coisa de que eu fiz a atividade. Isso é legal, porque você vê as equipes trabalhando realmente em conjunto. Não tem mais aquele professor que diz: a minha atividade é específica da Matemática e eu trouxe essa atividade de Matemática para o projeto, não. A elaboração é feita em conjunto. Quebra-se aquela barreira entre as matérias. Todos trabalham juntos. Eu acho que isso, na hora do momento específico, também é colocado. Eu acho que qualquer ponto ou qualquer assunto que possa vir a aparecer na sala de aula ou qualquer questionamento de aluno, o professor

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já pode fazer essa experiência. Essa vivência de estar trabalhando em conjunto... [...] Isso facilita muito. (Nazaré – membro da equipe técnica – dia 29 de novembro de 2006)

Descrever o perfil e tentar captar como os/as profissionais da 5ª série do

Amanhecer se relacionavam com os/as seus parceiros de trabalho e com a própria

escola foi, portanto, a minha proposta ao desenvolver esse item, uma vez que

considero, tal como no caso das/dos crianças/adolescentes, que esses aspectos

podem afetar os sentidos e significados que os/as professores/as atribuem à sua

vivência com os projetos de investigação.

Fazer memória, recuperar um pouco da história do Colégio Amanhecer,

descrever os cenários onde os projetos de investigação estavam acontecendo,

entender a organização da nova grade curricular, bem como a distribuição dos

horários escolares e, ainda, desvendar algumas características dos/das seus/suas

protagonistas teve a intenção de apresentar a minha análise e interpretação acerca

do contexto - nas suas múltiplas dimensões - que, segundo o meu entendimento,

era o pano de fundo dos projetos de investigação. Um contexto que, ao mesmo

tempo em que contribuía para forjar e configurar a experiência do Amanhecer, era

por ela delineado e construído. Um contexto, cuja análise e interpretação podem

ajudar a entender as respostas às perguntas que formulei sobre as mudanças e/ou

diferenças na organização do currículo e na prática escolar do Amanhecer,

centrada nos projetos de investigação, enquanto uma possibilidade, na perspectiva

de reinventar o formato escolar e ressignificar as concepções de ensinar e

aprender.

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5 Os Projetos de Investigação em Movimento

Nesse capítulo, uma descrição e reflexão sobre os projetos de investigação

vividos pelo Colégio Amanhecer, procurando principalmente responder às minhas

perguntas iniciais e que estão relacionadas à visão que os seus protagonistas têm

acerca dessa experiência. Procuro compreender, então, como eles/as definem as

características e/ou configurações, os limites e/ou possibilidades, as tensões e/ou

conflitos de uma proposta que se apresenta como inovadora e propõe a

reorganização do currículo, do conhecimento escolar, e conseqüentemente uma

outra maneira de viver a prática educativa, ou seja, o processo de ensino-

aprendizagem.

De modo mais específico, busco nesse item discutir a adoção dos projetos

de investigação, enquanto uma estratégia teórico-metodológica que poderia

viabilizar (não descarto a possibilidade de existirem outras) a escola como um

espaço onde diferentes conhecimentos e culturas circulam e se cruzam (PÉREZ

GÓMEZ, 2001), na perspectiva, inclusive, de uma maior aproximação entre o que

se vive e se aprende na escola e a realidade na qual ela está inserida.

Para facilitar a apresentação dos meus achados, sua análise e interpretação,

elegi alguns aspectos que me pareceram relevantes para compreender a

experiência e, ao mesmo tempo, encontrar algumas respostas às minhas questões

mais centrais. São considerações que apareceram de modo muito expressivo nos

depoimentos dos diversos/as educadores/as responsáveis pela concepção e

dinamização/realização da proposta, bem como dos/as alunos/as, mas que

puderam também ser identificados por mim, tanto pela observação cotidiana das

atividades, como em função das leituras que fiz dos documentos aos quais tive

acesso.

Vale registrar que procurei fundamentar essas análises e interpretações,

apoiada pelas reflexões teóricas daqueles que considerei meus interlocutores

privilegiados para entender melhor os significados e/ou as implicações de todo um

movimento de mudança, tal como implementado pelo Amanhecer.

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5.1 O fio da meada

Reiterando, tomar a iniciativa de mudar e desenvolver sua ação educativa

centrada em projetos de investigação é alguma coisa que no Amanhecer, é muito

mais do que o aqui e agora, quer dizer, parece ser mesmo produto de uma postura

permanente, que implica estar sempre buscando incorporar as novas descobertas

no campo da educação, responder às necessidades de seus/as alunos/as, mas

principalmente viabilizar processos formativos, marcados por uma perspectiva

mais humana, crítica e comprometida com as transformações da realidade.

Como citei anteriormente, tanto na exposição de textos e fotos, como na

revista, ambas criadas para comemorar os 50 anos da escola, é possível constatar

um movimento sistemático nessa direção. Vários depoimentos são bastante

expressivos também. Em especial, eles me permitem afirmar que esse movimento

está relacionado, inclusive, ao entendimento que grande parte de sua equipe tem

acerca do papel da escola e que talvez pudesse ser assim sistematizado: sem

deixar de favorecer o acesso ao conhecimento42, a escola teria também o

compromisso de formar o/a cidadão/ã para ser sujeito da construção/reconstrução

de uma outra sociedade mais humana e justa. Nesse caso, os depoimentos, a

seguir, são bastante expressivos.

A escola existe para trabalhar essa questão da aquisição do conhecimento. Mas para nós é muito importante uma série de outros aspectos fundamentais: que é a formação da pessoa humana. E a pessoa humana não é só cabeça. Não é só a intelectualidade digamos assim. Entra aí a questão da afetividade; a questão relacional; a relação com aquele que é meu par, os colegas. A relação com os alunos da escola. A relação com o próprio mundo. A percepção do mundo de uma maneira crítica. E depois também a gente trabalha essa questão da transcendência. A relação desse aluno com Deus. Ultrapassando as fronteiras do tempo e do espaço. Para nós tudo isso são dimensões da pessoa humana, que devem ser trabalhadas. Para se formar realmente um ser humano completo. Para nós, por exemplo, ter um sucesso muito grande no vestibular, evidente que é uma coisa muito boa e a gente fica feliz com isso. Mas isso só não é suficiente. A gente quer uma pessoa mais integralmente formada e, portanto que possa ser realmente um cidadão presente nesse mundo que esta aí. Um mundo tão confuso, tão difícil e que traz quinhentos questionamentos para eles e para nós também. Porque é um mundo em mutação. A gente quer uma pessoa humana completa. (professora Manuela – equipe de direção – 24 de abril de 2007)

42Creio que, nesse caso, cabe sublinhar que entendo que o termo ‘conhecimento’ está relacionado, de modo mais específico, ao conhecimento dito sistematizado/disciplinar e que, em diálogo/confronto com os demais conhecimentos socialmente produzidos, integram o conhecimento escolar.

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[...] É uma escola que está em busca de alguma coisa que não seja uma sociedade extremamente individualista, egoísta e consumista. E que eu acho que são as grandes características do mundo de hoje em dia. Essa escola busca algumas outras coisas em termos de valores para essas crianças. Que é a questão do respeito, que é a questão da solidariedade, que é a questão do cuidado. E o projeto permite que a gente faça isso. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

São depoimentos que sugerem, inclusive, a possibilidade de situar o

Amanhecer como uma escola que, em diálogo com a Proposta Sócio-Educativa43,

está também fortemente impregnada pelos princípios que fundamentam o que

diferentes autores chamam de uma Pedagogia Crítica (CANDAU, 2003).

E embora reconheça, como a própria Candau (2003, p. 60), que não existe

uma só leitura dessa abordagem, considero que há alguns pressupostos que lhe são

comuns e que também estariam norteando a prática educativa naquela escola, tais

como:

Favorecer processos de construção de sujeitos autônomos, competentes, solidários, capazes de ser sujeitos de direito no plano pessoal e coletivo, capazes de construir história e apostar em um mundo e em uma sociedade diferentes, de utilizar metodologias ativas, participativas, personalizadas e multidimensionais, articuladoras das dimensões cognitiva, afetiva, lúdica, cultural, social, econômica e política da educação.

Creio que o Amanhecer é uma instituição que, mesmo diante da

possibilidade de se acomodar sob o rótulo de uma ‘escola bem sucedida’44, não

faz essa opção, provavelmente para ser coerente com os seus princípios e

finalidades como sugere esse outro depoimento.

O Amanhecer sempre foi uma escola de excelência acadêmica, de reconhecimento até social em torno da qualidade dos alunos, da formação desses alunos. Tanto formação ética, cidadã, quanto acadêmica. Mas há outras questões que envolviam o interesse e o desejo de mudança. Que é uma questão de princípios da Instituição. Que além de pensar que os alunos devem conhecer muitos conteúdos e saber ter uma visão crítica sobre eles, queria exercer outras práticas que valorizassem uma contribuição maior desses alunos na sociedade. Conhecer e ter uma visão mais crítica, relacionar-se com situações diferentes, incorporar outra realidade, estar sensíveis a elas, que às vezes não são as experiências que esses alunos vivem, mas se sensibilizar a conhecer o outro,

43Cabe aqui lembrar que no capítulo III faço referências à Proposta Sócio-Educativa como a obra que inspira e fundamenta a experiência do Amanhecer. 44Considero que a expressão ‘bem sucedida’, aplicada ao Amanhecer, tanto no seu interior, como por outros segmentos, estava relacionada, não só à sua posição no ranking do vestibular (no ano anterior à implantação da nova experiência, a escola tinha ficado em quarto lugar), mas principalmente ao fato dela estar identificada como uma instituição que oferece uma formação pautada em princípios éticos, humanos e que prepara seus /suas alunos/as para superar limites, enfrentar desafios e ser sujeitos de transformação, como destacaram vários/as entrevistados/as.

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seja o outro quem for, aquele que está perto ou não está perto. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Uma instituição que é parte de uma rede maior e que, portanto, está

sempre em transformação para estar sintonizada também com os fundamentos

mais gerais dessa rede. O próximo depoimento pode confirmar essa interpretação.

Mas a gente começou a tomar conhecimento de outro movimento que ocorria simultaneamente e que era o movimento da instituição na América Latina, em torno desse pensamento pedagógico que se queria ter, uma expressão de unidade também do pensamento da instituição. Então, em 2002, nós fomos apresentados a uma proposta que tinha sido gestada desde 98. E aí a gente começou a trabalhar a questão da reformulação curricular sintonizada com essa questão mais ampla que era a proposta sócio-educativa. A forma como o Amanhecer e, mais especificamente o segmento de 5ª a 8ª pode contribuir, no sentido de dar luz a essa proposta sócio-educativa, foi focar nesses processos curriculares e tentar buscar maiores possibilidades de integração. (professora Marta – equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Nesse sentido, pude constatar que a opção de desenvolver seu trabalho

centrado em projetos foi definida e proposta, em primeiro lugar, pela equipe de

direção da escola, para também poder responder à missão e aos desafios

institucionais.

[...] Ela veio da instituição. No início não foi uma coisa construída coletivamente não, quer dizer, era uma proposta institucional, era independente de quem trabalha aqui, o embrião era isso: existem crenças, princípios e inclusive fundamentações teóricas que eles acreditavam. O que eu achei que foi legal é que, ao ser apresentada, foi apresentada com muita abertura. Quem apresentou foi a direção. [...] Primeiro foi assim sugerida... Lógico que não foi sugerida, mas ela foi colocada como sugerida... [...] Eu acho sim: veio de cima sim a idéia e tem que vir, porque aqui tem uma entidade institucional antes de tudo, mas a forma como foi proposta, foi muito boa, foi delicada, foi com calma, foi para acontecer primeiro nas 5ª e 6ª séries... [...] E percebemos o seguinte: quem não conseguiu realmente se adaptar a essa nova maneira não ficou. [...] E quem entra já entra sabendo que é isso. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

E, provavelmente por isso mesmo, esse movimento de mudança não

aconteceu sem a existência de tensões e/ou conflitos, comuns, principalmente

quando as propostas de mudanças/inovações acontecem, a partir de decisões

centralizadas (HERNÁNDEZ e outros, 2000). Tensões e/ou conflitos que

apareceram logo no primeiro momento, a despeito das justificativas que

apontavam para a necessidade da escola avançar tanto para responder melhor aos

desafios do século XXI, como às exigências feitas pela nova lei da educação e

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pelos parâmetros curriculares, que recomendavam um trabalho mais

interdisciplinar e contextualizado, como ressaltou sua diretora.

Embates/confrontos gerados, por exemplo, pela dificuldade de pensar uma

reorganização curricular que implicaria em cortes no tempo destinado às

disciplinas, para dar lugar à criação de um momento especialmente dedicado a um

trabalho mais temático, para favorecer a integração.

Para muitos professores, lá no início, ficava aquela questão: “como é que fica a minha disciplina?”; “os meus conteúdos?”. Aquela história: “vamos perder conteúdo”. “Vamos perder em qualidade”. Então essa preocupação existia. (professora Manuela – equipe de direção – 24 de abril de 2007) [...] Eu me lembro, quando a gente implementou os projetos, da resistência e da fala dos professores, dizendo que não sabiam como iam fazer Matemática num tema qualquer. Eles achavam que não tinha jeito nenhum, possibilidade nenhuma de você fazer uma integração. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

Alguns desses conflitos foram tão radicalizados que ‘quem não conseguiu

dialogar com a proposta não ficou no Amanhecer’, como sublinhou uma das

professoras entrevistada.

Entretanto, reconheço que nem tudo foi feito sob o clima de tensão e/ou

conflito, como indica esse outro relato. Lembro nas reuniões de pais quando a gente apresentava esses projetos, a grande aceitação dos pais se dava porque a escola estava trazendo para dentro de si uma questão que era muito importante e cara para essas famílias. As questões contemporâneas, quer dizer, os temas contemporâneos que inquietavam as famílias... (professora Marta – equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

E apesar de muitos/as professores/as terem feito referências ao fato de que

as famílias, de um modo geral, confiavam na instituição, tendo construído com ela

uma história ao longo de várias gerações e que, por isso, estavam mais abertas a

aceitarem a proposta dos projetos, eles/as mesmos/as reconheciam que tal

aceitação era decorrente também do fato dessas famílias terem sido envolvidas

desde o início da experiência. Aceitação ratificada, com freqüência, no momento

em que elas tinham a oportunidade de ver a produção das/os crianças/adolescentes

e tomar consciência de que isso estava sendo favorecido por essa nova maneira da

escola trabalhar.

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[...] As famílias quando vêm às culminâncias, que são os momentos finais dos projetos, quando a gente apresenta, em poucas horas para os pais, uma parte do processo que foi experimentado durante seis meses eles ficam muito encantados. E por quê? [...] O projeto é algo que tem muita atividade da criança. O aluno e a aluna estão sempre em ação. Tem muita produção. E é lógico que o produto, de certa forma, revela o processo. A gente não pode mostrar como foi todo esse processo. [...] Mas com o produto, com o resultado final, os pais podem ter uma idéia do que foi o processo. E com o projeto os pais podem perceber na produção das crianças tantos conhecimentos diferentes aparecendo naquele mesmo produto - pode ser que eles não percebam, mas acho que eles percebem que o filho deles ou a filha deles está apreendendo de forma integrada as diferentes coisas do mundo. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Eu mesma tive a oportunidade de conversar com vários/as pais e mães

durante essas atividades da culminância e constatar o apoio deles/as e a

conseqüente aprovação ao modo como a escola estava conduzindo o seu trabalho

junto às/aos crianças/adolescentes. Era comum ouvi-los dizer que “esse modo de

aprender permite que meus filhos tenham a oportunidade de discutir assuntos

diversos e também atuais, além de produzir muito e de diferentes maneiras” ou,

ainda, “minha filha está mais solta e motivada para aprender”, só para dar

exemplos de comentários que registrei nessa direção.

É possível afirmar, em consonância com Hernández e outros (2000), que

essa reação positiva das famílias estava, portanto, intimamente relacionada a um

conjunto de aspectos como: a confiança na instituição e nos seus profissionais, o

fato de terem sido informadas, desde o começo, acerca das características da

experiência, a própria reação dos/as alunos/as e, principalmente a constatação dos

resultados das aprendizagens realizadas. O que não significa dizer que, em alguns

momentos, essas mesmas famílias não tivessem, como em outros casos de

mudanças (HENÁNDEZ e OUTROS, 2000), manifestado suas preocupações ou

demonstrado algum receio quanto à possibilidade desse tipo de trabalho com

projetos, mais amplos e livres, comprometer o conjunto de conhecimentos

exigidos pelo ensino médio e, conseqüentemente pelo vestibular.

Assim, como em quase toda inovação, as transformações vividas no

Amanhecer com a adoção dos projetos de investigação pareciam não ter sido um

processo muito simples, nem de fácil aceitação, principalmente pelos/as

professores/as das diversas disciplinas (HERNÁNDEZ e OUTROS, 2000).

Todavia, a decisão de também envolvê-los/as desde o início e sistematicamente no

processo de planejamento das ações, procurando fazê-los/as perceber (inclusive

fornecendo subsídios mais teóricos) que existia uma outra forma de atuar, mais

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‘antenada’ com os princípios e/ou propósitos da instituição – foi criada inclusive

uma carga horária especial e remunerada para a formação e construção coletiva -,

talvez tenha contribuído para que no período de 2005/2006 eu já encontrasse o

grupo de 5ª série bem mais comprometido com a proposta. Trechos de

depoimentos que colhi são bons exemplos para apoiar tal interpretação.

E uma coisa muito forte, que eu sempre digo, é que depois que a gente começa a trabalhar nessa forma de projetos, não dá mais para ser só professora de Ciências. A gente tem que estar integrado com a Geografia, Matemática, História, enfim, com todas as outras matérias, disciplinas. Porque não dá mais para fechar na sua disciplina. [...] Ciências, porque ela remete muito ao mundo, leva para fora da sala de aula, leva o que você aprendeu, relaciona com o mundo, traz o mundo para dentro da sala de aula... Essa forma de projeto multiplica isso de uma forma espantosa. Então não dá para ser mais só A (enfatizando) professora de Ciências. (Helena – professora de Ciências – 4 de dezembro de 2006) Eu estou gostando muito da experiência de trabalhar com professores de outras disciplinas. Eu não pensei que fosse gostar tanto, sabe. Eu gosto muito de trabalhar com a minha equipe de área das diferentes séries. No inicio eu achei que ia sentir muita falta. Mas eu estou achando muito bom, ver essa experiência, ver como eles trabalham, ver o embate dos alunos, com a experiência de outras disciplinas, porque a gente ficava muito só em Matemática. Eu estou gostando muito. Eu estou achando muito interessante esse trabalho com a equipe da mesma série, é um trabalho integrado, interdisciplinar. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006)

Como Hernández e outros (2000, p. 31), entendo que engajar os/as

professores/as no processo de inovação foi essencial para gerenciar as

tensões/conflitos iniciais, caso contrário, se esse processo “não tem conexão com

as construções conceituais e o modo de atuar dos professores, se não conta com a

aceitação necessária e as decisões práticas adequadas, seus objetivos acabam por

se diluir e perder seu sentido.”

E, desse modo, embora a idéia de trabalhar por e com projetos no

Amanhecer tenha surgido ‘de cima para baixo’45, pude observar que, no momento

da minha pesquisa, essas conexões estavam bastante avançadas. Pude constatar,

inclusive, que muito dessas conexões, provavelmente, eram fruto de uma

comunicação mais horizontal entre direção, equipe de orientação e professores/as

na hora de discutir idéias e práticas, bem como da valorização do trabalho em

colaboração (HENÁNDEZ e OUTROS, 2000).

45A expressão de ‘cima para baixo’ foi usada por Hernandez e outros (2000), quando se refere às decisões centralizadas. No caso do Amanhecer decisões tomadas por sua direção central.

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Acredito que, nesse caso, o incentivo à construção coletiva pode ser visto

como um mecanismo que estava favorecendo uma maior descentralização do

poder e do controle (BERNSTEIN, 1998), contribuindo, assim, para uma maior

flexibilização das atitudes e, conseqüentemente, aceitação/incorporação da

proposta.

O que não quer dizer que os/as professores/as não estivessem considerando

a necessidade de aperfeiçoar a realização/concretização dos projetos, bem como

de fazer novos ajustes no próprio ‘desenho’ em vigor, como sugerem os próximos

depoimentos.

Eu penso no trabalho pessoal, por exemplo, da gente discutir a possibilidade de pegar o mesmo tema e repeti-lo, fazendo com que ele seja mais trabalhado, mais bem acabado. Às vezes, mesmo essas reuniões semanais, elas não dão conta da demanda, das coisas todas que a gente quer acrescentar, que a gente quer fazer ou precisa fazer e nem sempre a gente consegue. Então pensar na possibilidade de repetir alguns temas e melhorá-los, aprimorá-los. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006) Eu flexibilizaria mais o momento do trabalho pessoal. Eu não sei se, às vezes, precisa ter cinco dias por semana, dois tempos em cada dia, dez tempos, cem minutos por dia, quinhentos minutos por semana. E flexibilizar significa o seguinte: quando precisar faz mais do que isso e quando não precisar faz menos. Porque é isso: você vive com sujeitos que vivem tempos diferenciados, vivem ritmos diferenciados. Eu acho que o momento do trabalho pessoal também tinha que ter a possibilidade de acolher o diferenciamento de tempo. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Sugestões de mudanças que pareciam expressar um compromisso e uma

crença no trabalho proposto pela instituição, ou seja, no trabalho centrado em

projetos de investigação, mesmo que em alguns casos elas não fossem

consensuais e até alvo de muitas polêmicas. Por exemplo, quanto à própria idéia

de repetir o tema, alguns/mas professores/as alertavam para o perigo que isso

poderia representar, no sentido de ‘enquadrar’ e/ou ‘generalizar’ os temas, pois,

além de se aproximar de uma prática muito comum em currículos mais

engessados, quando repetem seus programas oficiais (TORRES SANTOMÉ,

1998), acabaria descaracterizando aspectos fundamentais no trabalho com

projetos – a participação e, até mesmo, a prioridade dos/as alunos/as na escolha

desses temas e a contextualização das pesquisas e discussões.

Já no caso da questão do tempo destinado ao trabalho pessoal, vários/as

docentes repetiam com toda a ênfase que esse era um momento riquíssimo e que

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não gostariam, sob nenhuma hipótese, de ‘abrir mão’ dos dois tempos diários

para a sua realização.

Nessa perspectiva, reitero que minha tentativa foi sempre caminhar no

sentido de compreender como seus protagonistas entendiam esse novo modo de

trabalhar na escola para, a partir disso, construir conhecimentos em torno da

temática da organização e/ou reorganização do currículo, do conhecimento e da

prática escolar – dimensões que acredito estão intimamente relacionadas à

experiência do Amanhecer. Aproveito para sublinhar que não se trata de ter feito

uma avaliação, por mais que possa existir uma vinculação entre mudança,

inovação e avaliação (HERNÁNDEZ e OUTROS, 2000). Muitas vezes ao longo

do meu trabalho de campo, procurei deixar claro que eu não estava ali para

avaliar, mas para compreender os ‘acontecimentos’.

5.2 Os projetos de investigação: sobre princípios, rotinas, práticas...

O incentivo à construção coletiva, às atitudes de reflexão e crítica, à

participação ativa e autônoma, bem como o esforço para promover a

contextualização das atividades/ações, a interdisciplinaridade, a integração de

conteúdos e de conhecimentos, o diálogo intercultural, o diálogo entre escola e

sociedade/realidade e entre aprendizagem e transformação da realidade, a

adequação entre o que se faz na escola e o que o tempo e o mundo do aluno

exigem são princípios que fundamentam e devem nortear o trabalho no

Amanhecer, segundo expressou a quase totalidade dos/as profissionais

entrevistados/as, fossem eles/as integrantes da direção, da equipe técnica ou do

corpo docente. Portanto, quando o tema se referia aos pressupostos que se

constituíam no pano de fundo dos projetos de investigação, certa unidade de

pensamento e discurso parecia marcar e aproximar esses sujeitos.

Até mesmo os/as alunos/as eram capazes de, nos seus próprios termos,

identificarem alguns desses princípios como aqueles que marcavam a experiência

que estavam vivendo no Colégio Amanhecer. Era comum ouvi-los/as falar da

importância de trabalhar em grupo até mesmo para entender e respeitar o outro, as

possibilidades de integração de conhecimentos quando se trabalha nos projetos,

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mas também a importância de aprofundar conteúdos nos momentos específicos

das disciplinas e principalmente de aprender coisas que fizessem sentido para a

vida fora da escola.

Ao mesmo tempo, parecia haver uma consciência também coletiva no

sentido de que o Amanhecer estava mesmo construindo ‘uma experiência nova e

desafiadora’.

É uma experiência que desestabiliza para o positivo. Esse trabalho com projetos é um trabalho que envolve muito o professor, no sentido que ele tem que estar ‘antenado’ a outras questões, não só as da sua matéria. Acho isso muitíssimo interessante, embora muito trabalhoso, É muito trabalhoso, mas eu vejo que envolve os profissionais e até os pais [acho que aqui ela também está falando por ela mesma já que é professora e mãe de aluno/a] para estudar mais. Porque você tem que dar conta de assuntos que até então você não pensava em se dedicar tanto. Imagina um profissional de Geografia... Ele vai se dedicar mais aos assuntos de Geografia. Mas uma vez que está inserido nesse projeto, ele fica ‘antenado’ numa parte cultural mais ampla, nas coisas que estão acontecendo no mundo. Acho isso muito interessante. Desafiador num ótimo sentido. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 26 de novembro de 2006)

Todavia, quando solicitados/as a descreverem as suas características de

natureza mais operacionais ou instigados/as a comentarem aspectos relacionados à

sua vivência cotidiana com os projetos de investigação, pude identificar,

particularmente no caso dos/as educadores/as, além de várias opiniões

convergentes, algumas diferenças e até divergências, mesmo que às vezes sutis.

Por sua vez, também foi possível constatar aproximações e distanciamentos entre

os depoimentos e o que eu observei e registrei no cotidiano do trabalho centrado

nos projetos de investigação.

A propósito e antes de mergulhar nas minhas análises mais detalhadas,

creio que é preciso responder à questão: por que o termo projetos de investigação

quando a literatura de um modo geral registra as expressões projetos de trabalho

ou projetos didáticos? Os próprios autores Hernández e Ventura (1998), que como

já disse, serviram de ponto de partida para o Amanhecer, usam a expressão

‘projetos de trabalho’. E a resposta parece estar relacionada, em primeiro lugar, à

idéia de criar algo que seja próprio do Amanhecer, quer dizer, que dê identidade à

sua experiência. Nessa direção, o depoimento, a seguir, é bastante expressivo.

[...] Sempre foi uma proposta do Amanhecer evidenciar que o seu caminho e suas opções eram singulares, próprias, que dialogavam com outras que estavam sendo vistas ou na academia ou nas experiências de outras escolas, mas estava buscando seu próprio caminho. Portanto, a gente não quis adotar, nessa

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experiência, o nome projetos de trabalho, porque não era uma transposição direta da experiência do Fernando Hernández. Era uma experiência que buscava utilizar idéias e procedimentos dos projetos de trabalho tal qual o Hernandez propunha, mas não era igual. Como não é hoje. Então por isso usamos a expressão projetos de investigação, que era para marcar a diferença, que não era qualquer projeto. Era um projeto fruto de uma pesquisa. Uma pesquisa que valorizava o método científico. Que dialogava com diversas linguagens. Enfim, tinha um pouco o nosso jeito de caminhar. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Mas há respostas que também justificavam o uso da expressão projetos de

investigação associada ao que para a sua equipe parecia ser fundamental:

promover um trabalho pedagógico que valorizasse sobremaneira as pesquisas

realizadas pelos/as alunos/as, a descoberta, o aprender a aprender, gerando

possibilidades de construção de autonomia e também de conhecimentos. Trechos

de outros depoimentos são bons exemplos para sistematizar as explicações que

foram dadas nessa linha.

Eu acho que é porque investiga a vida. A vida cultural, a vida acadêmica, a vida social. Você está pesquisando, você está investigando novos assuntos, procurando saber... Eu acho que a investigação vem daí, tentar descobrir, tentar saber mais. (Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006) Definir que o projeto seria um projeto de investigação foi uma perspectiva que veio para atender a uma convicção que a instituição tem de que o conhecimento é construído através ou a partir da investigação também. Quer dizer, essa é uma perspectiva. Uma faceta da construção do conhecimento é a investigação. É buscar e construir o conhecimento. É buscar como os conhecimentos foram construídos historicamente pela sociedade e como estão sendo reconstruídos. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Entendo, portanto que, apesar da adoção de nomes diferentes, tanto no

Amanhecer como para os autores espanhóis, que foram sua fonte de inspiração, o

que prevalece é a idéia de que o trabalho centrado em projetos pode facilitar uma

maior conexão entre o que se aprende na escola, as preocupações e/ou questões

dos/as alunos/as e os problemas que acontecem fora da escola, além de poder

fazer dos/as discentes protagonistas de sua aprendizagem (HERNÁNDEZ, 1998).

Considero que, como Hernández (1998, p. 22), a equipe do Colégio

Amanhecer reconhece o projeto

Como um procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de dar forma a uma idéia que está no horizonte, mas que admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou de outra, vão contribuir para esse processo.

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E, enquanto Hernández (1998) justifica o complemento ‘de trabalho’, entre

outras considerações, para se opor ao espontaneísmo, ou à descoberta apenas

prazerosa, o Amanhecer valoriza o termo ‘de investigação’ que, sem deixar de

fora a noção de trabalho (e as crianças e os adolescentes trabalham muito),

prioriza o procedimento da pesquisa46, inclusive como um recurso para tornar as

aprendizagens mais significativas (TORRES SANTOMÉ, 1998).

Um procedimento que, na prática do Amanhecer, segundo alguns/mas

professores/as, ainda precisaria ser aperfeiçoado.

[...] Essa questão da investigação ela está um pouco problemática, até o momento. Porque para investigar tem que ter uma questão ou tem que ter alguma coisa que me preocupa. E a gente ainda não conseguiu fazer com que os alunos, pelo menos de 5ª série, elaborem questões. Eu acho que nas outras séries talvez já tenham conseguido, mas talvez seja mais difícil fazer isso com a 5ª série, que eles tenham uma questão para pesquisar. Então nem sempre isso fica claro para eles. (Luana – professora de História – 16 de dezembro de 2006)

Nesse contexto, um aspecto que parece ser relevante no caso do

Amanhecer é o incentivo à participação intensa e ativa dos/as alunos/as na

concretização de pesquisas – o que poderia ser identificado, inclusive, como um

dos elementos centrais e configuradores dos processos de ensinar e aprender

naquela escola.

A opção pela expressão projetos de investigação estaria, então,

intimamente relacionada aos conceitos de ensinar e aprender valorizados pelo

Amanhecer e assim sistematizados pelas suas próprias orientadoras pedagógicas:

Aprender se constitui num processo ativo, que possibilita inserção social, proporciona elaboração e reelaborações de significados sobre um objeto ou sobre a realidade, a partir de experiências pessoais e interações com o contexto sócio-cultural. [...] Ensinar é desafiar, despertando desejos e buscas para o conhecimento diverso, aprofundado e carregado de sentido de viver, de conviver e comprometer-se (DIAS e OUTROS, 2004, p. 230).

46Como Lüdke e André (1986, p. 1 e 2), reconheço que muitas vezes tem se banalizado o uso do termo pesquisa, inclusive no âmbito da escola, chamando de pesquisa atividades de simples consultas a diferentes fontes. Entretanto, me parece que a equipe do Amanhecer quer superar essa dimensão para caminhar no sentido de que seus/suas alunos/as aprendam a realizar o que essas autoras chamam de uma ‘verdadeira pesquisa’. Ou seja, uma pesquisa que envolve confronto entre dados, evidências, informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado sobre esse mesmo assunto, que tem uma questão e acontece a partir do estudo de um problema. “Trata-se de uma ocasião privilegiada reunindo o pensamento e a ação de uma pessoa ou de um grupo, no esforço de elaborar conhecimento de aspectos da realidade que deverão servir para a composição de soluções propostas aos seus problemas”. Todavia, não se pode esquecer que se trata de uma turma de quinta série em processo de aprendizagem, inclusive do que seja fazer pesquisa.

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Entendo desse modo, que a experiência do Amanhecer propõe superar a

noção de projeto apenas como estratégia didática, para incorporar uma maneira

Concreta de proceder, de aplicar o pensamento, de levar a termo uma pesquisa, com a finalidade de conhecer a realidade, de compreender o sentido de determinados fatos, de interpretar corretamente os dados da experiência, de resolver um problema, uma questão (HERNÁNDEZ, 1998, p. 75).

E pode ser compreendida, então, como uma experiência que abre caminho

para reposicionar o conhecimento escolar e a própria função da escola

(HERNÁNDEZ, 1998), na medida em que procura favorecer a busca das

informações disponíveis em vários meios e/ou linguagens, bem como a sua

transformação em conhecimentos, que ajudem os/as alunos/as a uma melhor

inserção crítica no mundo em que vivem, como destacou a professora Manuela

(membro da equipe de direção), durante sua entrevista.

[...] foi uma mudança para fazer um aluno mais ativo, mais construtor do seu conhecimento. Usando os meios que esse mundo de hoje está oferecendo. Que são muitos. E a gente tem que ter um olhar crítico sobre eles, mas que são meios muito poderosos e muito importantes, se a gente souber utilizar bem... (24 de abril de 2007)

Uma proposta que pressupõe uma concepção de conhecimento que

valoriza a idéia de que é o/a aluno/a quem constrói conhecimentos, a partir das

relações que ele/a estabelece com o ‘outro’ e com diferentes tipos de experiências

e que, portanto, pressupõe ‘uma outra concepção de sociedade’, como

expressaram vários/as professores/as. E, nesse sentido, pode ser compreendida

como uma proposta que, além de ser

Um guia aberto à intervenção educativa, incluem as aprendizagens que os alunos efetuam à margem das intenções do corpo docente, quer seja pelas relações de comunicação estabelecidas com seus pares, com os professores e os adultos, quer seja pelo acesso a uma maior variedade de recursos (livros, filmes, laboratórios, oficinas, visitas, excursões, etc.) que lhes proporcionam possibilidades que não podemos prever totalmente (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 28 e 29).

Por outro lado, a preocupação de desenvolver habilidades de investigação

e a valorização do conhecimento científico são elementos que parecem sempre

estiveram presentes na prática pedagógica do Colégio Amanhecer. Nesse sentido,

a expressão projetos de investigação pode ser interpretada também como uma

maneira de articular um aspecto central e profundamente enraizado nas

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concepções pedagógicas dos/as professores/as, especialmente daqueles/as que têm

mais experiência no Amanhecer com a inovação que se pretende introduzir.

Para poder avançar ainda mais as minhas análises acerca dessa experiência

do Colégio Amanhecer, busquei compreender de modo específico as

características mais operacionais dos projetos de investigação, procurando

identificar e entender os dispositivos e/ou as estratégias utilizadas para a sua

concretização, bem como quais eram as implicações, prioritariamente em termos

da reorganização do currículo, do conhecimento e da prática escolar.

5.2.1 Um panorama geral

Levando em conta a análise e a interpretação dos depoimentos feitos

durante as entrevistas, posso afirmar que, no Amanhecer, existiam diferentes

maneiras de ‘relatar’ e até mesmo viver essas características.

Havia professores/as, por exemplo, que sublinhavam que os projetos foram

concebidos, para abranger dois momentos distintos – trabalho pessoal (com 10

horas semanais) e estudo específico das disciplinas (com 20 horas semanais) –

mas que, em longo prazo, eles deveriam se constituir e/ou se fundir em um só

momento, com as características do que acontece principalmente no trabalho

pessoal, de modo a valorizar uma perspectiva mais integradora do currículo.

Inicialmente ele foi construído dessa maneira, de uma forma separada. Até para você não fazer aquela mudança brusca, uma mudança radical. [...] Como é que você chega para um professor que nunca trabalhou de outra forma antes e diz: “agora a gente não trabalha mais assim, vai ser desse outro jeito.” Isso não existe. Você não pode tirar toda uma construção própria de conhecimento de um profissional. Então foi proposto, inicialmente, trabalhar com um momento de trabalho pessoal, onde ele estaria aprendendo junto com os alunos essa nova proposta, esse novo jeito de fazer, sem tirar o fazer que ele já tinha construído e sabia fazer. Mas com a intenção de que na hora que eles pudessem ter internalizado, se apropriado dessa outra maneira de fazer, eles pudessem transferir, quer dizer, pudessem fazer uma transferência de aprendizagem para a maneira de trabalhar com a própria disciplina. A gente realmente acreditava que isso poderia ser feito, em longo prazo. Nada pode ser rápido. Acredito que ainda exista essa crença. Não é nem crença. Acho que é mais do que isso, é uma meta. Acho que inicialmente tinha um sonho de ser assim. Fazer uma coisa só, transformar tudo no momento do trabalho pessoal. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

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Mesmo que, nesse caso, existissem aqueles/as, inclusive a professora

Nazaré, que acreditavam que aprenderam com a própria experiência que a fusão

desses momentos não precisaria necessariamente acontecer. Ao contrário, eles

poderiam ser mantidos separados, mas articulados, por exemplo, pelo modo de

trabalhar, ou seja, pelo uso de uma estratégia metodológica similar nos dois

momentos.

Como a gente iniciou esse processo aprendendo também, mesmo a equipe técnica que implementou, nós também estamos aprendendo junto com os professores, a gente está vendo agora que não necessariamente precisa modificar isso. Você não precisa tirar as disciplinas também. [...] Hoje eu vejo os professores no momento específico das suas disciplinas, adotando critérios adotados no momento do trabalho pessoal. Quer dizer, já está acontecendo uma apropriação dessa maneira de fazer. Hoje eu não vejo ser necessário, portanto, ser só como no momento do trabalho pessoal, porque eu acho que o importante é como fazer. Você pode ter a disciplina, até porque nós não podemos fazer mudanças tão radicais. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

E grande parte da justificativa, nesse caso, estava relacionada à formação

dos/as professores/as (ainda como especialistas) e às expectativas da sociedade.

Porque a sociedade ainda não se apropriou disso. Seria também você fugir um pouco dessa realidade de uma sociedade que ainda dá valor ao conhecimento específico, às disciplinas, à faculdade que vai formar esse especialista. [...] Porque por mais que a gente acredite... E eu acredito nisso piamente de que quando você prepara uma criança para pensar, para pesquisar, ela aprende qualquer coisa. Ela vai estudar e vai pegar aquele conteúdo específico de uma forma até mais fácil do que o outro que vem mais fragmentado. Só que a gente tem que ver que também a gente não pode viver num mundo a parte de um mundo real. Então eu acho que a gente ainda pode viver com esses dois momentos - dois tempos do trabalho pessoal e mais os das disciplinas, mas com uma só maneira de trabalhar. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006) Para alguns/mas professores/as, entretanto, a presença desses dois

momentos em articulação enriqueceria o trabalho.

[...] A grande questão que está em discussão e que é a riqueza desse trabalho é que o mesmo professor pode se ver nas duas realidades. E ao se colocar nessa posição distinta, de um lugar e de outro, ele também percebe que ele pode incorporar as duas lógicas, que não são lógicas excludentes. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Contudo, havia outros/as professores/as que, apesar de reconhecerem a

importância estratégica da existência e/ou presença desses dois momentos na fase

inicial da experiência e que a sua fusão para formar um todo integrado poderia

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ocorrer progressivamente, entendiam que mantê-los separados era algo

inadequado.

[...] Eu acho que a gente ainda convive com uma coisa um pouco esquizofrênica... Existe ainda, o momento da aula específica, onde eu não troco com quase ninguém. Onde eu troco basicamente com os alunos ou com os meus pares da área. Com outros professores de Geografia ou com a coordenação de Geografia do colégio. Eu acho que isso faz parte... Essa esquizofrenia, eu acho que ela faz parte do processo. [...] Para existir essa mudança de paradigma que eu me referi um pouco antes, a gente tem que ir passo a passo. E eu acho que os passos que se exigem nesses momentos são esses. Quer dizer, de você conviver com duas situações diferenciadas. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Para esses/as docentes, o projeto ainda estaria acontecendo apenas ou, no

mínimo, de modo mais explícito no momento do trabalho pessoal,

comprometendo, nesse caso, a vivência de um currículo integrado, cujas

vantagens eram constantemente enfatizadas pela equipe.

[...] Eu acho que o projeto ainda está muito mais centrado no momento do trabalho pessoal e é nesse momento que essa troca, que essa ‘dialogia’, ela acontece com maior evidência. Eu acho que no momento do trabalho específico, que é o trabalho de Geografia, de História, de Língua Portuguesa, de Matemática... Eu acho que é uma intenção do colégio isso acontecer [ele está se referindo à dialogia], mas ainda não acontece da forma como acontece com o momento do trabalho pessoal. Então, por isso que eu falo da esquizofrenia, de você ainda conviver com dois modelos simultaneamente, com dois modelos de trabalho pedagógico acontecendo simultaneamente, dentro do mesmo espaço, ao mesmo tempo e sendo conduzido pelas mesmas pessoas. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Entretanto, mais do que serem caracterizados pela presença desses dois

momentos que deveriam coexistir e se articular ou se transformarem em um só, o

que me parece ser relevante nas descrições dos projetos, feitas pelos/as

profissionais do Amanhecer, era a valorização de espaços/momentos para

‘promover’ e ‘viver’ essa integração, como uma modalidade de organização e

desenvolvimento curricular, que como afirma Torres Santomé (1998, p. 187)

poderia contribuir para o atendimento

Às necessidades de alunos e alunas de compreender a sociedade na qual vivem, favorecendo conseqüentemente o desenvolvimento de diversas aptidões, tanto técnicas como sociais, que os ajudem em sua localização dentro da comunidade como pessoas autônomas, críticas, democráticas e solidárias.

São relatos que priorizavam o currículo integrado, seja pela via

metodológica, que põe ênfase nas pesquisas protagonizadas pelos/as alunos/as,

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seja pelo modo como os conteúdos/conhecimentos são tratados, priorizando, nesse

caso, uma organização em torno de temas, mas que, ao mesmo tempo, não

descartavam as possibilidades de uma articulação com a organização disciplinar,

como sublinha esse depoimento.

[...] Os projetos de trabalho ou qualquer outra experiência que não seja essa podem vir a serem elementos que ajudem a integração de áreas de conhecimento muito distintas. Então pode ser um pretexto que busca uma discussão de integração. Que pode se integrar de forma conceitual, metodológica, procedimental. Só que no Amanhecer a gente fez uma opção, talvez a mais difícil, mas que busca maior diálogo, que preserva identidade das disciplinas e seus objetos de estudo e ainda constrói um outro espaço que é o do projeto. Então essa é uma forma, poderia haver outras. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

São depoimentos que, inclusive, põem em destaque que essa outra maneira

de conceber e realizar as atividades e/ou ações escolares estava a serviço de

objetivos muito mais amplos e complexos.

Eu acho que o inegociável é o caráter investigativo dessa proposta e esse princípio ético que orienta a ação. A gente não pode mais entrar em sala de aula achando que o importante é que o nosso aluno aprenda Matemática ou Geografia. [...] A Geografia para mim ela é um pretexto. Ela é quase como uma desculpa. Ela não é o mais importante. [...] O mais importante é que o aluno se constitua enquanto sujeito, sujeito que vive em sociedade, que tem direitos e deveres, respeita o próximo, que é preocupado e comprometido com o outro, com o diferente, que respeita as diferenças, que não acha que diferença é igual à desigualdade, que um é maior e o outro é menor, um é melhor e o outro é pior. (Mateus – Professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Vale acrescentar, por sua vez, que havia alguns/mas profissionais da 5ª

série (poucos é verdade) que acreditavam que os projetos se caracterizavam pela

realização do momento do trabalho pessoal, mas que ele podia e deveria afetar o

trabalho com as disciplinas específicas.

[...] O projeto se traduz no tempo do trabalho pessoal. São dois tempos diários. Todo dia dois tempos. Onde o aluno vai aprender a aprender. Ele vai pesquisar. E aí ele vai procurar saber... Ele vai procurar estudar de outras maneiras. E todas as matérias juntas. [...] Eu tive que aprender a pensar mais como inserir na minha matéria qualquer outro tema, que a gente estivesse usando no trabalho pessoal. Eu tive que aprender a levar para o trabalho pessoal a minha matéria. Eu tive que aprender a dialogar com os outros professores das outras matérias. Por exemplo, hoje em dia, até eu já conversei isso com a nossa orientadora, que no primeiro ano que eu trabalhava aqui, eu procurava inserir [ela está se referindo às atividades do trabalho pessoal], as atividades relativas a inglês somente, pura e simplesmente. Hoje em dia, todo mundo na reunião [de planejamento do trabalho pessoal] já faz atividades variadas. Eu não preciso ficar só no inglês, porque eu sou de inglês. Eu posso ir lá e dar um pitaco de Geografia, mesmo sem entender. Mas é todo mundo construindo junto o

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momento do trabalho pessoal. (Gilda – professora de Inglês – 6 de novembro de 2006)

Posso dizer, então, que os projetos no Amanhecer, tal como são

‘anunciados’ pela maioria de sua equipe, valorizavam sim uma reorganização

curricular na perspectiva da integração, sem, contudo romper com a base

disciplinar.

Eu acho que a gente já deu um grande salto. O projeto está acontecendo bastante de 7h às 12h e 30min, mas há um tendência em se pensar que é só no trabalho pessoal, nos dois tempos de trabalho pessoal, mas não é verdade. Eu já vejo que os links na sala de aula, nos tempos específicos, já estão sendo feitos, os alunos também às vezes me dão esse feedback dizendo: Carlota, na aula de Geografia, (só para dar um exemplo) eu vi que o professor pegou muito do tema que está no trabalho pessoal. Então eles já fazem essa relação, quer dizer, que a aula de Geografia está ligada com o assunto que eles estão pesquisando e estudando no trabalho pessoal, que a Língua Portuguesa também está ligada. Porque a idéia é essa: desenvolver os dois momentos e fazer com que as coisas tenham essa ligação, essa relação. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006)

Os/as próprios/as alunos/as confirmaram essa afirmação.

É assim: eles, os professores, eles dão a matéria em função do trabalho pessoal. Quem estiver estudando folclore, o Mateus de Geografia, vai e dá alguma coisa de Geografia sobre o folclore. A Nair de Artes vai e dá sobre folclore também. [...] Todas as atividades que os professores dão têm alguma coisa relacionada com o trabalho pessoal. Em todas as provas tem uma questão final que normalmente, tem a ver com trabalho pessoal. Então está tudo meio que ligado. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

E o que parece, então, ser significativo nessas diversas descrições é a

intenção de promover o diálogo entre os conhecimentos que são frutos das

experiências e das pesquisas realizadas pelos/as alunos/as, entre esses

conhecimentos e aqueles que são específicos das disciplinas e também entre os

próprios conhecimentos das diferentes disciplinas.

Em outras palavras, o que os/as profissionais do Amanhecer pareciam

acreditar/desejar era que a prática com os projetos, coerente com os seus

princípios, pudesse favorecer um trabalho com diferentes conhecimentos,

oriundos de diferentes práticas e/ou áreas e que, como afirma Torres Santomé

(1998, p. 125),

Deverão entrelaçar-se, complementar-se e reforçar-se mutuamente, para contribuir de modo mais eficaz e significativo com esse trabalho de construção e reconstrução do conhecimento e dos conceitos, habilidades, atitudes, valores,

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hábitos que uma sociedade estabelece democraticamente ao considerá-los necessários para uma vida mais digna, ativa, autônoma, solidária e democrática.

Nessa perspectiva, a busca da integração curricular e da

interdisciplinaridade, cuja riqueza, como aponta esse mesmo autor, depende do

grau de desenvolvimento atingido pelas disciplinas, pareciam ser, no Colégio

Amanhecer, faces de uma mesma moeda. Cabe ressaltar, nesse caso, que estou

considerando que o currículo integrado47 pode ser interdisciplinar48, mas também

temático, podendo acontecer mediante projetos, entre outras modalidades

(TORRES SANTOMÉ, 1998) e que, portanto, a proposta de integração curricular

concebida pela escola estaria acontecendo pela via temática em articulação com a

perspectiva interdisciplinar, o que provavelmente acabava criando mesmo algo

muito próprio, quer dizer, muito específico da experiência daquela escola, como

sugere o depoimento a seguir.

Hoje em dia eu digo que não é nem currículo integrado, nem organização disciplinar, é uma terceira coisa, porque o currículo integrado tal qual a academia discute não é o que a gente faz. Para a academia ele tem referenciais mais nítidos, mais bem definidos, que não se configuram tal qual se propõe aqui. Tão pouco acho que o currículo por disciplina é o que gente tem hoje, porque ele já não acontece mais daquela forma. Já não é mais a organização curricular disciplinar que se tinha antes. Então suponho que ao falar em articular uma coisa com outra, que utiliza elementos do currículo integrado e também elementos do currículo por disciplina, essa forma de articular que utiliza algumas questões de um e de outro já configura uma terceira coisa. Uma terceira coisa, mas com um sentido próprio e muito específico das experiências que vão acontecendo em cada lugar. [...] E essa articulação já deu um mix. E esse mix pressupõe fundamentos que se reconstroem. São pessoas ali que tem um estilo próprio, um

47Reconheço como Torres Santomé (1998, p. 193 e 206 a 208) que existem duas modalidades clássicas de integração de currículo, ou seja, os centros de interesse propostos por Decroly e ainda utilizados em várias escolas e também o método de projetos, sugerido por Kilpatrick. Ainda em consonância com esse autor, considero que, a partir desses dois modelos, outras propostas de integração foram surgindo, tais como: (1) integração correlacionando as disciplinas escolares, mas respeitando as características que as distinguem; (2) integração através de temas, tópicos ou idéias, em torno do qual uma ampla gama de conteúdos e conhecimentos se integra, nesse caso, não existiriam as disciplinas escolares; (3) integração em torno de uma questão da vida prática e diária, cujos conteúdos/conhecimentos vão sendo construídos para responder à(s) questão(ões) formulada(s)/selecionada(s) e que da mesma maneira que na versão anterior não mantém as disciplinas escolares; (4) integração por áreas de conhecimentos, muito comum quando se cria uma única disciplina integrando conhecimentos afins, por exemplo, Ciências da Natureza ou Educação Artística, entre outras modalidades possíveis. Nesse sentido, entendo que é possível considerar que o currículo interdisciplinar (que sugere uma articulação e/ou correlação e/ou diálogo entre as diferentes disciplinas escolares) como uma das modalidades de currículo integrado e a integração através de temas ou questões que dispensa as disciplinas enquanto tecnologia de organização dos conteúdos/conhecimentos como uma outra possibilidade de integração. 48Cabe ressaltar que não desconheço que além da categoria interdisciplinar, existem outras como a multidisciplinar, transdisciplinar e pluridisciplinar. Contudo, optei por não entrar nessa discussão e não estabelecer essas diferenciações no âmbito desse estudo.

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sentido próprio e essa experiência por ser única, ela já é uma terceira categoria, que é mais do que uma articulação. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Vale dizer que também pude observar no cotidiano da prática educativa

esforços em torno desse movimento pela integração que se expressava, tanto na

adoção de procedimentos didáticos nos momentos dos estudos específicos das

disciplinas semelhantes àqueles usados no trabalho pessoal (com ênfase na

pesquisa e no uso de diferentes linguagens), como pelo esforço para fazer links

entre os conteúdos/conhecimentos trabalhados nos dois momentos.

Um exemplo que acredito é bastante emblemático desse esforço integrador

está relacionado à construção do que a equipe denominava de mapa conceitual.

Explicando melhor: depois que o tema do projeto era escolhido49, os/as

professores/as elaboravam um mapa, indicando alguns conceitos que deveriam ser

priorizados no desenvolvimento do projeto em questão, bem como em que

disciplinas esses conceitos poderiam também ser trabalhados e/ou ampliados, tal

como aparece em um dos meus registros do diário de campo.

A equipe está reunida. Hoje o principal objetivo é a elaboração do mapa conceitual e depois de muito debate eles chegam à seguinte síntese.

Mapa conceitual - 5ª série 2006.1

Projeto escolhido - RIO DE RIQUEZAS: NATUREZA E CULTURA CARIOCA Conceitos a serem trabalhados: Paisagem Natural e Cultural (Geografia e História). Diferentes Linguagens e Diálogo Intercultural (Língua Portuguesa, Artes e História). Ecossistemas (Ciências, Ed. Religiosa, Geografia). Estrangeirismos: língua e modo de vida (Língua Estrangeira, Língua Portuguesa, e Educação Física). Desequilíbrio Ambiental e Ciclo da Água (Ciências, Ed. Religiosa, Língua Estrangeira). Tratamento da Informação (Matemática e Geografia). Cultura Esportiva (Educação Física, Língua Estrangeira e História). Inclusão e Exclusão (Ed. Religiosa, Língua Portuguesa, História e Educação Física). Espaço Urbano, Espaço Público e Privado, Patrimônio (História, Geografia, Ed. Religiosa) (29 de novembro de 2005)

49Para a escolha do tema dos projetos os/as alunos eram chamados a sugerir o que gostariam de pesquisar/estudar. As três listas (uma de cada turma) com as sugestões das crianças eram analisadas pela equipe responsável. Nesse momento, os temas afins iam sendo agrupados e os mais recorrentes destacados. A seleção final do tema principal do projeto era feita pelos/as professores/as que buscavam já nessa fase uma articulação com os assuntos que constavam de suas listas dos conteúdos específicos e definidos como aqueles conhecimentos que deveriam ser trabalhados na 5ª série. Era como se existissem duas listas que deveriam se integrar: a lista dos alunos e aquela que os/as professores/as entendiam fazer parte do currículo adotado.

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Também os/as entrevistados/as pareciam comungar com essa

interpretação.

Eu sinto que esse é o caminho [ela está se referindo ao planejamento conjunto e ao esforço de integrar as áreas]. Eu acho que a gente vai chegar lá. Cada vez mais. Por isso a importância do mapa conceitual, porque ali, no mapa conceitual, necessariamente, a gente vai encaixando. E vai encaixando duas ou três ou, às vezes, até mais disciplinas em um determinado conceito. [...] É uma integração assim com todas as disciplinas ao mesmo tempo, para o aluno ter uma visão de que ele está, ao mesmo tempo, trabalhando Linguagem, um conceito de Geografia, um conceito de Matemática... [...] A gente consegue fazer isso bem. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Nesse sentido, que é possível reconhecer a elaboração desse mapa

conceitual e, conseqüentemente, a definição do índice50 dos projetos de

investigação como alguns dos mecanismos que eram adotados pela equipe do

Amanhecer, para possibilitar a integração tão desejada, não só entre os

conhecimentos oriundos das pesquisas temáticas e dos estudos disciplinares

específicos, como também entre os dois momentos, Um dos meus registros é

bastante expressivo.

O grupo começou a discussão conforme a pauta do dia: Projeto 5ª série – 2006.2 Wanda (de Português) começa a escrever, no quadro, o detalhamento do índice do projeto. Título provisório – Almanaque brasileiro: arquitetando os últimos 50 anos. Índice: (1) Cultura (música, artes plásticas, esportes, moda e culinária). (2) Natureza (animais em extinção, plantas medicinais, frutas brasileiras. Wanda explica a proposta que está no quadro. E ela sublinha: o formato Almanaque sugere um painel. Marta (da equipe técnica) lembra que as categorias – Cultura e Natureza – são as mesmas do 1º semestre. Wanda já vai tentando fazer links com produtos para a culminância. Nelson (de Ed. Física) entra para destacar as abordagens dos subtemas. Por exemplo: esporte (história do vôlei, do futebol e da fórmula um). Agora Marta pergunta a Luiza (de Ciências) se os subtemas e/ou assuntos do trabalho pessoal são os mesmos da sua disciplina. Luiza diz que sim que poderá fazer tranqüilamente os links entre trabalho pessoal e a sua disciplina. (10 de julho de 2006)

É oportuno reiterar que entendo que todo esse o movimento que estava

acontecendo no Colégio Amanhecer, na perspectiva da integração, dependia da

natureza dos próprios projetos: quanto mais eles sugerissem problemas e/ou

questões, cujas soluções e/ou respostas ultrapassassem os limites de uma

especialidade determinada (TORRES SANTOMÉ, 1998), exigindo, nesse caso,

conhecimentos de vários campos, maior a possibilidade dessa integração.

50Trata-se do roteiro com os subtemas/assuntos a serem pesquisados/estudados, a partir do tema principal e gerador que constitui o projeto.

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Marta, então chama a atenção que esse tema escolhido e os subtemas dificultam os links com História, Geografia (eles/as vão abordar outras coisas). Luiza afirma que no caso dela - que vai dar alimentos - o link é muito viável. Marta continua expressando sua preocupação sobre a possibilidade de História e Geografia ficarem à margem dos projetos. “Como o projeto se encontra fora da possibilidade de diálogo com História e Geografia isso é um complicador”, diz Marta. Luana (História) fala que vai trabalhar a questão medieval e que isso não aparece ou fica mais difícil a relação com os temas que estão sendo previstos para o trabalho pessoal. “Podemos ajustar o conteúdo ao tema? Temos que repensar isso. Gostaria que isso ficasse explicitado no desenvolvimento do índice e do seu plano de curso”, diz Marta. Luana ressalta que não pode falar da influência da Idade Medieval nos últimos 50 anos, mas que poderia estabelecer comparações entre o que marcava a Idade Medieval e o que marca os últimos 50 anos no Brasil. Luana acrescenta: “não estou fechada a trabalhar articulada com o projeto. Posso não discutir a temporalidade ou abrir mão de uma temporalidade. Tenho um programa aberto para incluir o índice que surge. Não é simples, mas posso tentar”. (10 de julho de 2006)

Além disso, os/as próprios/as professores/as reconheciam que era preciso

fazer maiores esforços ainda, no sentido de ampliar a aproximação entre os dois

momentos e, conseqüentemente, a integração entre os diversos

conteúdos/conhecimentos neles trabalhados.

Eu acho que esta é uma discussão que tem que avançar, porque nem sempre a gente consegue ainda, porque a gente também se depara com conteúdos que nem sempre são possíveis trabalhar do ponto de vista investigativo, ou porque talvez a gente ainda não sabe e está descobrindo como é que se faz. Então, em certos momentos, parece que esses momentos se separam, mas a idéia é ser o máximo possível juntos, quer dizer, que caminhem juntos, articulados... Mas eu acho que é o ponto que a gente precisa refinar, precisa avançar mais. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

A minha observação da prática também apontava para a necessidade de se

fazer mais avanços nessa direção. Por exemplo, quando terminava o tempo

destinado ao trabalho pessoal, pude registrar, várias vezes, o uso de expressões do

tipo: “agora vamos começar nossa aula”, “acabou o trabalho pessoal, peguem seus

livros e vamos continuar com a nossa matéria”. Gente está na hora da aula de...

Outras vezes pude constatar a ausência de links entre o tema dos projetos e os

assuntos trabalhados nos momentos específicos de estudos das disciplinas,

principalmente, quando o assunto da ‘aula’ tinha um caráter mais instrumental,

como sugere o registro a seguir.

Acabou o Trabalho Pessoal. Wanda (professora de Português) continua nessa turma para acompanhar o próximo tempo. Ela pede para eles abrirem o livro-texto na página 44. O trabalho pessoal ficou para trás. Wanda retoma a questão do verbo. Pede que eles peguem o caderno. Localiza que trabalhou os exercícios no dia 17/04 e vai retomá-los. “Fizemos cinco exercícios, corrigimos quatro e eu quero voltar ao exercício cinco da página 46. Quero retomar para

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fazer algumas anotações.” Há uma ruptura entre o Trabalho Pessoal e a “aula”. Talvez não pudesse ser diferente, já que o assunto tem uma natureza muito específica. A professora explica que os exercícios feitos foram de flexão verbal. E retoma exemplo do livro-texto sobre o assunto. Faz registros no quadro. [...] Ela retoma a explicação relacionada à pessoa verbal – pede para ninguém anotar. Muitos estão prestando atenção. Wanda vai anotando no quadro e explicando o significado de cada pessoa verbal. Os alunos chamam a atenção sobre o não uso de “tu” e “vós”. E Wanda explica o que acontece e dá exemplos. Explica situando no tempo e no espaço. [...] Os alunos começam a fazer perguntas sobre alguns tratamentos, por exemplo: vós mecê... [...] Ela transcreve o conceito de verbo, flexão e detalha o significado de cada pessoa... Fala que por hoje é isso e pede para pegarem a agenda e abrirem no dia 05/05. (28 de abril de 2006)

Além disso, no dia-a-dia, pude observar que os dispositivos metodológicos

que eram enfatizados nos diferentes momentos eram distintos. No momento do

trabalho pessoal, a ênfase era na pesquisa e na produção dos/as próprios/as

alunos/as. Eles/as eram os protagonistas sozinhos ou em pequenos grupos das

variadas atividades propostas. Já as aulas expositivas e a resolução de exercícios

individuais marcavam com intensidade os tempos destinados de modo específico

aos estudos dos conteúdos das disciplinas.

Até mesmo provas e/ou exercícios usados para a avaliação da

aprendizagem eram compartimentalizados por disciplinas e, segundo minhas

análises, priorizavam os conhecimentos trabalhados nos momentos dos estudos

disciplinares específicos, incorporando pouco - na maioria das vezes eram

retratados apenas em só uma das questões - os assuntos pesquisados e estudados

no trabalho pessoal.

Assim sendo, penso que talvez o Amanhecer estivesse vivendo uma fase

de transição. Quer dizer: já tinha superado uma organização curricular

exclusivamente disciplinar, ou de código seriado, ou por coleção (BERNSTEIN,

1998), onde as relações são mais hierarquizadas e as fronteiras entre os diversos

conhecimentos são mais rígidas, e estava em pleno processo de construção de uma

nova possibilidade de organização, que privilegiando um currículo mais integrado

ou de código integrado (BERNSTEIN, 1998), procurava flexibilizar as fronteiras

disciplinares (o que não quer dizer acabar com as disciplinas) e construir relações

mais democráticas, tendo por base o desenvolvimento de todo um trabalho

pedagógico centrado em projetos.

Não posso deixar de observar, todavia, que a opção de trabalhar por e com

projetos de investigação, no sentido da integração curricular, mantendo, entretanto

a organização por disciplinas, não pode ser entendida fora da possibilidade de

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também estar associada à dificuldade da adoção de uma alternativa mais radical –

por exemplo, só trabalhar a partir de e/ou com temas geradores de discussão,

pesquisa e estudo – uma vez que, como ouvi algumas vezes, isso esbarraria na

questão da formação dos/as próprios/as professores/as (especialistas nas suas

áreas), na forma de sua contratação, efetivada por hora aula de uma determinada

disciplina, na necessidade de redimensionar radicalmente tempos e espaços, o que

nem sempre é muito simples, tendo em vista, inclusive, os limites administrativos

e, particularmente, na questão das demandas sociais, como por exemplo, o

vestibular, cujas cobranças são disciplinares.

Nesse contexto, não pude deixar de perguntar: por que então o que estava

acontecendo no Colégio Amanhecer, de modo mais intenso e até prioritário, no

momento do trabalho pessoal, como por exemplo: alunos/as pesquisando

sistematicamente e produzindo suas próprias sínteses e conhecimentos, diferentes

espaços de aprendizagem sendo utilizados, outras linguagens sendo valorizadas,

conteúdos de diferentes áreas e/ou fontes de pesquisa sendo articulados, relações

diversas sendo estabelecidas, não poderia acontecer também em um currículo

organizado apenas por disciplina? E a resposta quase que unânime era que a opção

pelos projetos tinha facilitado tudo isso, quer dizer, tinha criado melhores

condições para que tudo isso acontecesse, mas que de modo relevante teria

servido também como um ‘pretexto’ para incentivar o trabalho solidário, as

construções coletivas e para desinstalar o grupo, provocando-o no sentido de

valorizar novas posturas diante dos processos de ensinar e aprender e,

conseqüentemente rever suas práticas, muitas vezes já cristalizadas.

Reitero que adotar os projetos na perspectiva da integração curricular, mas

sem necessariamente eliminar e/ou romper com a organização por disciplinas foi o

caminho escolhido pelo Colégio Amanhecer: um ‘caminho híbrido’, como

ressaltou uma das entrevistadas, que parece indicar um estado de tensão e reflexão

permanentes, tendo em vista os possíveis confrontos entre diferentes concepções e

práticas.

Tensões e reflexões geradas, muitas vezes, pelas dificuldades e/ou desafios

que os/as professores/as tinham que enfrentar, por exemplo, no momento de

planejar e criar atividades que favorecessem, entre outros aspectos, a adequada

articulação entre os temas geradores dos projetos de investigação e os currículos

específicos das disciplinas. Dificuldades e/ou desafios que exigiam, inclusive,

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rever posturas e convicções sobre pré-requisitos, seqüências, organização e

distribuição dos conhecimentos escolares, bem como a própria concepção do que

seria(m) este(s) conhecimento(s).

Questões que nem sempre eram muito fáceis de ser enfrentadas,

considerando inclusive as concepções que cada um/a da equipe tinha a respeito de

sua própria disciplina e dos diferentes momentos do projeto, e, ainda o grau de

flexibilização (BERNSTEIN, 1998) para pensar em outra maneira de trabalhar,

diferente daquela que estavam habituados, como sugere outro registro que fiz,

durante uma dessas reuniões de planejamento:

A discussão agora é sobre como integrar trabalho pessoal e disciplina = projeto. A professora Wanda (Português) pergunta: Será que eu já informei para os alunos que projeto é tudo ou só trabalho pessoal? O professor Mateus (Geografia) comenta: ‘a vida é compartimentalizada. Romper isso de uma vez só é utópico. A interdisciplinaridade é mais uma atitude do que um fato concreto. O movimento interdisciplinar vai ser passo a passo. A busca é o nosso mote. Não vai instituir isso por decreto. O que é isso: ser mais interdisciplinar e menos a minha área? O que é ser interdisciplinar? Isso é tão esquizofrênico que às vezes falo evaporação e os alunos dizem: isso não é Geografia é Ciências. A cultura é assim compartimentada. Como mudar isso? Eu não posso “falar” pela Maria ou pela Joana’. Ele está se referindo a professoras de outras matérias. Marta (da equipe técnica) fala que é preciso e vai voltar a essa discussão e que “apenas” está chamando atenção para a necessidade de buscar isso. (13 de março de 2006)

Questões que exigiam, portanto, todo um novo olhar e uma nova

disposição para superar determinadas concepções de conhecimento e disciplina

escolares, de currículo e até mesmo do formato escolar (CANÁRIO, 2006) que

muitas vezes prevalecem no cotidiano da escola.

Esse trabalho por projetos... Tem que estar internalizado nas pessoas porque esse trabalho vai requerer um novo movimento - interno e externo - muito diferente do que os professores foram habituados e os alunos também. É um movimento de sair de si. É um movimento de sair do que se chamava a sala de aula... Hoje eu vejo que a sala de aula transcende a parede da sala. A sala de aula é o corredor, a sala de aula é a biblioteca, a sala de aula é laboratório de informática, a sala de aula é um laboratório de recursos audiovisuais, a sala de aula é o recreio. Então eu diria que é essa nova idéia de sala de aula e também uma diferente idéia do que é ensinar e do que é aprender. [...] E eu considero que a gente aqui na escola ainda está num momento de transição, porque não é fácil uma mudança, uma pessoa foi formada de uma maneira, por mais que ela esteja mergulhada no trabalho, ela traz dentro de si uma herança de formação que são raízes muito profundas, até ela fazer essa mudança, essa inserção total e absoluta nessa nova idéia, nessa nova concepção, é uma coisa que leva um tempo. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006)

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Cabe aqui comentar que muitos relatos feitos pela equipe do colégio

apontavam para uma concepção de conhecimento escolar, que privilegiava a idéia

de que ele é uma construção, fruto do diálogo/embate entre diversos

conhecimentos que são produzidos em diferentes instâncias de socialização e não

apenas uma seleção e/ou uma reprodução simplificada dos conhecimentos gerados

nas suas disciplinas de referência (LOPES, 1999a), embora, em várias

oportunidades, muitos deles/as tenham feito comentários acerca da importância,

na constituição/construção desses conhecimentos escolares, do que eles/as

chamavam de ‘conhecimentos científicos’ e/ou ‘sistematizados’ e/ou ‘formais’,

e/ou ‘norma culta’ e/ou ainda um ‘código mais elaborado’, entre outras

expressões, porque sua aquisição, além ser um direito das/os

crianças/adolescentes, também estava relacionada à identidade e/ou ao papel da

escola.

Ao mesmo tempo, constatei que vários/as entrevistados/as reconheciam

que, no contexto da prática escolar, não era possível ‘virar as costas’, ou seja,

‘fechar os olhos’ para a importância de dialogar com os conhecimentos oriundos

das experiências e/ou da vida cotidiana, pois isso era condição fundamental para

que o aprendizado fizesse sentido, ou seja, fosse significativo, aproximando escola

e realidade, mas que era necessário criar condições para que os/as alunos/as

pudessem, como afirmam (MOREIRA e CANDAU, 2007, p. 21) ir, “além dos

referentes presentes no seu mundo cotidiano, assumindo-o e ampliando-o,

transformando-se, assim, em um sujeito ativo na mudança de seu contexto.”

Os depoimentos, a seguir, são bons exemplos do que a equipe pensava

acerca do conhecimento escolar e/ou de como a escola deveria se situar diante

dele.

Conhecimento escolar é tudo. Não é só o conteúdo programático que ele aprende em sala de aula. Isso eu diria que ele vai lapidar algumas coisas. Mas o conhecimento que ele traz da família, da sociedade que ele vive, do grupo social. Tudo que ele traz eu acho que são conhecimentos que precisam ser discutidos na escola. (Helena – professora de Ciências – 4 de dezembro de 2006) Acho que a escola tem que trabalhar com tudo: com o conhecimento formal, o conhecimento da vida, com os vários conhecimentos que existem. Você não pode trabalhar só com o formal, você tem que trabalhar com os conhecimentos com os quais vai enfrentar o mundo. [...] Eu acho que na escola está tudo interligado, os saberes todos. [...] Mas não é fácil trabalhar assim até por falta de tempo. Eu acho que os professores, por exemplo, precisam aprimorar muito ainda isso de aproveitar o conhecimento que as crianças trazem. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

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Todavia, os/as professores/as reconheciam que não era muito fácil lidar

com essa pluralidade de conhecimentos, nem tão pouco escolher, definir e

organizar aqueles que deveriam ser apreendidos, criticados e reconstruídos

pelos/as alunos/as (MOREIRA e CANDAU, 2007), principalmente, considerando

o contexto dos projetos de investigação, o que acabava se transformando em

motivo de muitos debates e tensões, que aconteciam muito mais porque eles/as

tinham dificuldades e/ou dúvidas de como dar conta na prática de suas

crenças/concepções do que por causa de divergências teórico-conceituais.

Ainda no conjunto dessas reflexões, quando os/as entrevistados/as se

referiam às disciplinas escolares, havia uma certa tendência a concordar com

Lopes (2000), no sentido de que elas não eram uma simples reprodução das

disciplinas científicas e/ou acadêmicas e que, embora elas tivessem a sua própria

lógica e métodos de construção, na maioria das vezes relacionados aos de suas

disciplinas de referência, tinham que passar por todo um processo de

reorganização para fins de aprendizagem na escola.

Processo que para eles/as parecia ser agora ainda mais complexo, uma vez

que essa reorganização precisava levar em conta também a necessidade da

articulação com os temas dos projetos, mas que já estava em curso e até mesmo

mais avançado em algumas áreas do que outras.

Sim, o professor está revendo seqüências, seleção, reorganização... [ela está refletindo acerca da relação entre o trabalho centrado em projetos e a reorganização das disciplinas]. Aconteceram algumas mudanças, mas não foram drásticas. Acho que isso facilitou o processo de implementação. [...] Essa é uma questão, mas, para mexer ainda mais nisso, eu acho que implica novas decisões, tem que pensar um pouco mais para onde quer caminhar. [...] Eu acho que é um caminho que já está se configurando. A gente vê em algumas áreas curriculares específicas uma discussão sobre uma nova forma ou uma nova concepção de ensino daquela disciplina. E, portanto, uma nova forma de selecionar, reorganizar, propor, avaliar. Com isso já é possível correr junto [ela está se referindo a correr junto com o projeto]. E acho que a gente já tem essa experiência em algumas áreas mais do que outras. [...] No nosso caso, a gente tem mais na área de História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira. Um pouco mais nas áreas sociais e menos nas áreas exatas. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Alguns/mas professores/as lembravam que na 5ª série as dificuldades eram

minimizadas, talvez porque, nessa etapa, a programação das disciplinas fosse

menos densa, mas que essa discussão ganhava fôlego no Ensino Médio, na

maioria das vezes, por conta do ‘fantasma’ do vestibular, bem como da maior

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proximidade desse ciclo com a universidade e, portanto com as disciplinas de

referência.

Posso afirmar, contudo, que grande parte grupo da 5ª série estava mesmo

mobilizada no sentido de superar uma organização disciplinar meramente linear

(TORRES SANTOMÉ, 1998), ou seja, um currículo por coleção com tendências a

isolar um conteúdo/conhecimento do outro, sem qualquer relação (BERNSTEIN,

1998). Ao contrário, mesmo tendo que enfrentar dificuldades (lembro, inclusive,

que inúmeras vezes eles/as repetiam que estavam aprendendo com a própria

experiência e, por isso mesmo, ainda tinham que descobrir caminhos para

compatibilizar concepção e realização), os/as professores/as pareciam apostar, em

consonância com Torres Santomé (1998, p. 117), que uma perspectiva mais

integradora e interdisciplinar do currículo criava “as condições necessárias para

propiciar a motivação pela aprendizagem, ao existir uma maior liberdade para

selecionar as questões de estudo e pesquisa mais familiares e assuntos ou

problemas mais interessantes para os estudantes”.

Assim, para entender melhor como respostas a todas essas questões

estavam sendo construídas no Colégio Amanhecer, procurei analisar mais

detalhadamente como a sua equipe pensava e estava vivendo cada um dos

momentos dos projetos de investigação, bem como as possíveis relações entre eles

– suas aproximações e/ou distanciamentos. E, sempre que possível, procurei

confrontar essas reflexões com o que eu tinha observado durante as minhas

incursões no cotidiano escolar.

5.2.2 O momento do trabalho pessoal

A primeira observação que considero oportuna fazer diz respeito ao título

dado a esse momento – trabalho pessoal, cuja inspiração, segundo vários relatos,

está na Educação Personalizada adotada na década de 60 pelo colégio. Naquela

época, quinzenalmente, os/as estudantes recebiam fichas com atividades e/ou

exercícios e/ou desafios relativos a cada uma das disciplinas, os quais deveriam

ser resolvidos individualmente e dentro de um prazo pré-estabelecido. Tratava-se

de um tipo de estudo dirigido, que valorizava a pesquisa de natureza disciplinar, e

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para qual eram dedicados dois tempos diários de trabalho pessoal, como apontou a

professora Manuela (membro da equipe de direção), durante sua entrevista.

Entretanto, embora eu entenda que nos dois casos o uso do termo pessoal

possa estar relacionado a um mesmo princípio – à valorização da iniciativa e

autonomia do/a aluno/a - o momento do trabalho pessoal, hoje, parece ter uma

concepção bem diferente. Apesar de também contar com dois tempos diários e

com fichas que orientavam a realização de diferentes atividades, agora elas eram

desencadeadas por um tema gerador, procuravam ter um cunho interdisciplinar,

com ênfase na pesquisa e no tratamento das informações coletadas, podendo ser

realizadas individualmente, mas que, com maior freqüência, aconteciam em

pequenos grupos. Cabe sublinhar que o termo ‘pessoal’ estaria reforçando a idéia

do/a aluno/a enquanto protagonista da prática educativa.

Nesse caso, creio que é necessário explicitar que atualmente o momento do

trabalho pessoal prevê uma determinada configuração que pode ser assim

sistematizada: (1) apresentação do tema escolhido e do índice/subtemas a serem

trabalhados ao longo do semestre, sempre utilizando diferentes estratégias de

sensibilização e/ou motivação51, (2) realização de inúmeras atividades (em cada

semestre de 14 a 20 principais e mais seus dobramentos), que incluem pesquisas

em diferentes fontes, inclusive fora do espaço escolar, participação em passeios,

exibição de filmes, mesas-redondas, palestras, entre outras, (3) tratamento dos

dados coletados, com sistematizações/sínteses por meio da elaboração de

pequenos textos e/ou relatórios, (4) socialização dos resultados, (5) elaboração de

diferentes produtos (painéis, CDs, vídeos, almanaques, maquetes, dramatizações,

exposições, jograis, poesias, músicas, etc.), (6) realização da culminância

(momento/dia em que muito do que tinha sido estudado e produzido durante o

trabalho pessoal era exposto e apresentado para o conjunto das turmas da 5ª série,

para os/as professores/as, membros das equipes de orientação e direção e,

principalmente para as famílias dos alunos/as da 5ª série e (7) avaliação que inclui

a auto-avaliação e a avaliação recíproca, esta registrada em fichas individuais e 51Vale lembrar que o tema final do projeto é definido, a partir das listas sugeridas pelos/as alunos/as e o índice é construído pelos/as professores/as, procurando inclusive incluir assuntos/subtemas afins ao principal e que também apareceram nas listagens das crianças, buscando incorporar ao máximo a temática que os/as interessa. Contudo, nem sempre os/as alunos/as identificavam seus interesses, quer dizer, viam retratadas suas listas, no tema final e/ou no índice, talvez por conta da linguagem e/ou forma de apresentação. Por isso, esse mecanismo de sensibilização e mobilização era considerado um momento relevante para os esclarecimentos necessários e, desse modo, objeto de discussões constantes com vistas ao seu aprimoramento.

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levando em conta os critérios de organização, cooperação e respeito às diferenças

e elaboração de relatório, bem como os resultados/produtos de cerca de quatro

atividades realizadas.

Para muitos/as professores/as entrevistados/as, vários aspectos ajudavam a

construir a identidade do momento do trabalho pessoal, entre quais é possível

destacar a ênfase na realização de pesquisas, bem como no protagonismo e no

trabalho coletivo dos/as alunos/as, no encontro com o outro, para usar uma

expressão da professora Carlota (membro da equipe técnica) e as maiores chances

de viver a interdisciplinaridade, não só porque esse era um momento planejado

com a contribuição e participação de todos/as os/as profissionais da 5ª série, como

destacou a professora Cibele (de Matemática), mas também porque, de um modo

geral, o tema principal e os subtemas e/ou seus desdobramentos - que eram

especificamente trabalhados nesse momento - não estavam vinculados a uma só

disciplina, ao contrário, para dar conta da temática muitas vezes era preciso buscar

respostas em várias fontes e áreas para além das disciplinas e conteúdos que

convencionalmente integram o programa da série, como sublinhou, por exemplo,

a professora Marta (membro da equipe técnica).

São marcas também desse momento a utilização sistemática de múltiplas

linguagens, com ênfase na linguagem tecnológica e a maior flexibilidade e/ou

mobilidade no que se refere aos assuntos a serem pesquisados, estudados e

aprendidos, bem como em relação aos tempos, espaços e formas de organização

das turmas para compor os grupos de trabalho e estudo. Alguns depoimentos

podem confirmar essas interpretações.

[...] Os meninos foram lá pesquisaram e encontraram um monte de coisas. E agora eles trocam. [...] Então eu acho que essa dinâmica assim: Internet, livro, biblioteca, laboratório de informática, vídeo, buscar a informação em diferentes suportes é também uma característica muito clara do projeto, do momento do trabalho pessoal. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006) No nosso caso, o trabalho pessoal tem uma possibilidade, que não tem tanto na disciplina específica, É outra forma de organização de turmas. Se você quiser fazer uma atividade organizada por alunos independente da sua turma, você pode fazer ali, porque eles estão disponíveis para o trabalho naquele momento. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006) Eu acho que o que dá identidade é a mobilidade desses alunos. É uma mobilidade no interior da sala de aula. Eu acho que isso marca muito. Os alunos sentem muita diferença nisso. É uma mobilidade porque você pode trabalhar no corredor. Você vai para a biblioteca. Mas você volta para o corredor. Você pode

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sentar no chão. Isso na aula específica você não tem. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

Além disso, dada a natureza de muitas de suas atividades, creio que é

possível dizer que o momento do trabalho pessoal tinha também uma dimensão

lúdica, muito marcante, tanto assim que pude registrar alunos/as comentando que

ele era ‘diferente da aula’ ou ‘mais ou menos aula’ e complementavam:

[...] porque a gente faz um cartaz... No começo do ano a gente teve uma gincana. A gente aprendeu tudo. A gente fez perguntas. A gente descobriu as coisas. E a gente se divertiu e os pais se divertiram na culminância. (um/a aluno/a do grupo I, durante a entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

[...] porque você pode fazer no trabalho pessoal uma coisa mais relacionada às artes, que é a confecção do almanaque. Como você pode ir para informática pesquisar. Como você pode ficar na sala, passar a limpo, responder perguntas, fazer trabalho em dupla, depende. (um/a aluno/a do grupo II, durante a entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Vale dizer que também durante as minhas observações da prática escolar

pude constatar que essas mesmas características marcavam o cotidiano, ou seja, a

vivência dos momentos dedicados ao trabalho pessoal. E acredito que isso era

fruto, inclusive, de um planejamento detalhado, crítico e realizado coletivamente

durante as reuniões pedagógicas semanais, fazendo com que houvesse uma boa

aproximação entre a concepção e a prática desse momento.

Cabe ressaltar que a maneira como o trabalho pessoal tinha sido desenhada

e estava acontecendo parecia contribuir de modo relevante para que os trabalhos

realizados nessa etapa dos projetos correspondessem aos interesses dos/as

alunos/as e, ainda, favorecessem, como sublinham Hernández e Ventura (1998),

que as aprendizagens realizadas por esses/as discentes fossem mais globais e

significativas, além de ajudá-los/as a tomar consciência de seu próprio processo

de aprendizagem.

Além disso, as pesquisas feitas em torno dos temas dos projetos e

amplamente exploradas nessa fase estavam criando oportunidades de estudo e/ou

de construção de conhecimentos muito diversificados e, ao mesmo tempo,

trazendo para o debate questões que tradicionalmente não faziam parte do

ambiente escolar, além de também contribuírem para “ensinar aos alunos uma

série de estratégias de busca, de ordenação, análise, interpretação e representação

da informação, que lhes permitirá explorar outros temas e questões de forma mais

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ou menos autônoma” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 52). As produções realizadas

pelas/os crianças/adolescentes e expostas durante as atividades da culminância

podem ser consideradas exemplos de como vários/as alunos/as tinham aprendido a

selecionar, organizar dados, fazer sínteses e criar almanaques, cartazes, maquetes,

entre outros textos e imagens, a partir das pesquisas que tinham realizado.

Todavia, seja levando em conta o relato dos/as docentes, dos/as discentes,

as minhas próprias observações ou, até mesmo, a análise de seus cronogramas e

suas fichas de atividades, posso afirmar que a identidade do momento de trabalho

pessoal estava ainda em construção.

O que pode ser justificado, entre outros aspectos, por conta da ‘ameaça’

que, com freqüência, esse momento sofria, no sentido de ser ‘disciplinarizado’52,

em função, por exemplo, do tipo de tema ou de índice (subtemas) ou de mapa

conceitual que eram definidos. Explicando melhor: quando o tema e os

desdobramentos escolhidos, ao invés de priorizarem as inquietações dos/as

alunos/as, suas questões e/ou problemas a serem investigados, reproduziam os

itens e/ou assuntos relativos aos conteúdos programáticos previstos para a 5ª série,

o risco de descaracterizar e disciplinarizar esse momento do trabalho pessoal era

alto.

E isso acontecia (não era sempre, mas acontecia), provavelmente por conta

da dificuldade de romper com uma lógica já tão familiar, como apontaram

alguns/mas docentes. Até as/os crianças/adolescentes pareciam ter dificuldades de

‘ver diferente’, como sugere o próximo depoimento.

Acho que esse é o problema. A Cibele fala assim: ‘vocês vão fazer o mapa’ e ele é relacionado à Geografia. ‘Vocês fazem esse mapa como está dizendo aqui’. Ela explica, tem uma dicção boa. A gente faz. Só que a gente tem sempre uma dúvida. E assim, a Cibele custa a dar uma ajuda. Às vezes não ajuda muito. Às vezes chega o Mateus que é mais especialista em mapa, e aí fala: ‘não pode ser assim’. A gente acaba saindo prejudicado. Eu acho que as atividades com mapas ou qualquer coisa relacionada à Geografia, o Mateus tem que estar para explicar essa coisa, essa atividade. Por exemplo, o de Artes faz atividades de Artes com essa turma, o de Matemática com essa e o de Geografia com essa. [Ele vai fazendo sinais com as mãos para separar as turmas]. Aí, no outro dia, troca. Assim todo mundo fica no mesmo nível e todo mundo faz a mesma atividade junto. Não faz a mesma, mas, entendeu? [Ele está relacionando cada especialista com a atividade que ele entende é mais específica]. Todo mundo vai poder fazer na turma certa. Porque a Nair vai poder explicar atividade relacionada a Artes. O Mateus sobre o mapa. E a Cibele vai explicar sobre

52Nesse caso, creio que vale sublinhar que o conceito de disciplinarização estaria relacionado às especificidades das áreas de conhecimento, à presença de fronteiras mais rígidas entre elas e ainda à fragmentação de conhecimentos, como sugerido por vários depoimentos.

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negócio de conta. [...] O mesmo com a professora Luana de História, ela não vai saber explicar sobre porcentagem da forma que a Cibele sabe. A Luana vai explicar da forma que ela sabe. (aluno/a do grupo I - entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Mas talvez também acontecesse porque as/os crianças/adolescentes da 5ª

série do Colégio Amanhecer apresentassem limites (quem sabe próprias da faixa

etária) para formular questões mais elaboradas, como sugere esse depoimento:

Eu acho que a gente, na 5ª série, tem dificuldade de formular uma questão, isso é uma coisa que eu tenho observado nesses meninos, a maturidade deles para formular questões. São questões muito primárias, muito rasteiras. Ele quer saber qual foi o primeiro, qual foi o segundo. Então são questões que você responde com uma palavra. Qual foi o primeiro campeão? Ele não tem uma questão que exige algo mais elaborado para responder. Por exemplo, por que você tem que trabalhar com campeões? [...] A gente tem que começar a trabalhar isso. Como é que eu desenvolvo a partir disso. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

Limites que poderiam mesmo estar comprometendo o desenvolvimento do

trabalho pessoal tal como previsto pelo Amanhecer, levando em conta, inclusive,

que de acordo com Torres Santomé (1998), na perspectiva do currículo

integrado mediante projetos, é fundamental que os/as alunos/as explorem

questões, temas e problemas para além dos limites convencionais e tradicionais

das matérias, que os ajudem a compreender e se localizar na sociedade na qual

vivem. E para que isso aconteça é preciso que as/os crianças/adolescentes

tenham um expressivo poder de participação e decisão nas diferentes etapas dos

projetos e âmbitos de deliberação do currículo, inclusive na formulação dessas

questões, temas e/ou problemas (TORRES SANTOMÉ, 1998).

Também durante as reuniões de planejamento pude constatar

principalmente os membros da equipe técnica, além de alguns/mas professores/as,

chamando a atenção no sentido de que era preciso evitar a disciplinarização do

trabalho pessoal (no caso, engessar o momento do trabalho pessoal) e que isso

implicava, de um lado, resgatar, sistematicamente nas discussões de planejamento,

os princípios e os objetivos de trabalhar mediante projetos e, por outro lado, ficar

atento/a à natureza das atividades propostas para essa etapa, buscando enfatizar o

seu caráter investigativo e um maior aproveitamento dos conhecimentos frutos das

experiências das/os crianças/adolescentes.

Mas exigia também repensar o próprio momento de estudos específicos das

disciplinas, rompendo com posturas, crenças e/ou hábitos muito engessados. Nesse

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caso, eles/as sublinhavam que era fundamental discutir, entre outros aspectos, os

programas preestabelecidos, para rever e modificar, tanto os seus conteúdos, como

as suas seqüências ou práticas. Pude registrar, inclusive, professores/as, tentando

caminhar nessa direção, como expressa o depoimento a seguir.

Eu tinha um planejamento no inicio do ano e depois virou outro. [...] Mudou a ordem dos conteúdos com certeza. Por exemplo, em cada bimestre eu passo um trabalho, como eu já te falei. Mas os meus trabalhos mudaram, de acordo com o projeto. Eu me lembro que no 1º semestre, nós trabalhamos o Rio de Janeiro. Eu tinha feito um planejamento de um determinado trabalho, que eu não sei mais qual era, mas depois eu mudei e disse: vocês agora vão fazer uma pesquisa sobre as estações de tratamento de esgoto do Rio de Janeiro. Porque esse era o tema mais geral. Estávamos falando sobre água, poluição, essas coisas. Mas isso não estava no meu planejamento. Eu aproveitei e coloquei isso no contexto da minha disciplina. [...] Mudou a seqüência, mudou o tipo de trabalho previsto para o momento da disciplina para que eu pudesse atender melhor ao projeto e o momento do trabalho pessoal. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006)

E embora, reconheça que essa prática, ou seja, reorganizar as disciplinas

de modo a compatibilizá-las e/ou ajustá-las aos temas/projetos pudesse, ao

contrário do esperado, redundar em disciplinarização do trabalho pessoal, caso

elas fossem tratadas como guias e não como ponto de contraste e/ou diálogo

(HERNÁNDEZ, 1998), é possível afirmar que a identidade do momento do

trabalho pessoal também se construía em articulação com a

construção/reconstrução da identidade do momento de estudos específicos das

disciplinas e que, nesse sentido, estaria diretamente relacionada à construção da

identidade da própria estratégia da reorganização curricular, centrada nos projetos

de investigação, tal como concebida pelo Amanhecer. Um dos meus registros

(apenas um exemplo dos inúmeros registros que tenho nessa linha) parece

favorecer essa interpretação.

Marta [membro da equipe técnica] apresenta um audiovisual, destacando os princípios básicos da proposta curricular. São dois eixos: (1) busca da integração curricular; (2) busca da interdisciplinaridade. São motivos para trabalhar com o projeto de investigação. Ela retoma um dos livros do Hernández. Traz um trecho desse livro para enfatizar a idéia de não fragmentação de conteúdo e da questão de concepção de ensino-aprendizagem. [...] Sugere a necessidade de se ficar atento à elaboração do mapa conceitual, ao uso de metodologias ativas: processo investigativo, com ênfase na integração curricular. [...] Apresenta o que chama de “etapas (acho que são referências) da nossa construção curricular”: (1) humanização do currículo – a busca da integração é também para buscar relações de saberes no cotidiano e busca com o outro; (2) ênfase na metodologia da pesquisa – planos de trabalho com atividades diversificadas. O plano de trabalho: o que pesquisar, as fontes principais, conclusões; (3) o tema – o que vai ser trabalhado e as fontes; (4) articulação dos temas dos projetos e do trabalho pessoal com as disciplinas – refletir sobre quais são os conteúdos da minha disciplina que se relacionam com os temas

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e o que está sendo feito no trabalho pessoal; (5) favorecer a pesquisa em todas/todos as/os etapas/momentos; (6) o uso dos diversos espaços escolares – precisamos trabalhar mais isso, planejar melhor a divisão dos espaços; (7) uso de diferentes linguagens e produções (um estúdio em frente ao áudio vai ajudar); (8) organização do horário escolar – aqui na nossa escola é igual a trabalho pessoal mais disciplina. (9) estruturação das atividades e tempo de duração; (10) propostas de produção individual e grupal; (11) atenção às atividades de socialização – talvez Chat e lista de discussão; (12) ocupações escolares/trabalho escolar como o aluno se apropria disso na sala para depois fazer sozinho. Planos de estudo para além da sala de aula. (6 de fevereiro de 2006)

Outro aspecto muito discutido estava relacionado ao perigo que o

momento do trabalho pessoal enfrentava no sentido de perder uma de suas

principais funções – ‘formar pesquisadores autônomos e produtores de

conhecimentos’53 – para se transformar em uma ‘máquina de fazer tarefeiros’, já

que às vezes uma expressiva quantidade de atividades era solicitada, exigindo um

ritmo acelerado, sem que houvesse tempo para refletir, inclusive com os/as

alunos/as qual o sentido e/ou significado delas. Um breve exame de alguns

cronogramas semanais54 e dos comentários feitos por membros da própria equipe

durante uma das reuniões gerais pode sustentar essa análise.

Na reunião de hoje os grupos são mistos: 5ª e 6ª e de 7ª e 8ª. [...] A professora de Português acredita que: “eu me enriqueço com as atividades e conteúdos do outro, mas não vejo possibilidade nas nossas reuniões de um aprofundamento mais teórico. Acho que nós estamos muito tarefeiros, ao invés de estarmos discutindo o significado do que estamos fazendo”. [...] As discussões de fundo parecem precisar de mais tempo. Fica com gosto de quero mais. A professora de Português reclama ainda: “agora temos que esquecer o texto e ir para ‘fazer’ a tarefa que está prevista”. [...] A professora de História acrescenta: estamos mais preocupados com o produto final/produção com pouco espaço para “ele” (aluno) fazer. A professora de Inglês acrescenta: “parece que estamos pulando uma etapa → etapa de provocar mais o aluno, escutar o que ele sabe, provocar a sua curiosidade”. A professora de Português completa então: estamos tarefeiros e os alunos também. [...] Não estamos levando-os a confrontar dados, checar, analisar... (18 de abril de 2005)

Também durante as entrevistas essa questão foi apontada, como expressa

esse depoimento:

A gente cria a tarefa, o aluno faz aquela tarefa. A questão é cumprir as tarefas ou executar só a tarefa. E, então, a gente começou a perceber que essas tarefas tinham que ser mais dinâmicas e interessantes. Isso é uma coisa que vem evoluindo desde a criação do projeto. Eram muitas tarefas feitas no início. Eu lembro bem, a gente fazia uma ficha e completava aquilo ali e pronto estava feita a tarefa. E não criava para o aluno uma coisa mais estimulante e interessante.

53Vale ressaltar que considero que esta é uma meta de longo prazo e, por isso, acredito que os/as professores/as estavam se referindo à construção de um processo de formação de pesquisadores/as. 54No anexo 5, alguns exemplos de cronogramas semanais elaborados durante as reuniões pedagógicas de planejamento.

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Eu acho que o projeto é uma coisa diferente e que tem que criar no aluno um estímulo, uma motivação para pesquisar. A pessoa entra na investigação para se interessar por aquele tema, por aquele assunto. Nós, professores temos que criar uma facilitação, criar atividades que possam ser motivadoras, para eles fazerem com prazer. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006)

Vale sublinhar, nesse ponto, que um dos motivos recorrentes de

tensão/conflitos vividos pela equipe estava relacionado, segundo vários de seus

integrantes, ao próprio planejamento dessas atividades. Embora concebidas em

conjunto, elas eram montadas, com freqüência, a partir de um ‘embrião’

apresentado por um/as dos/as professores/as. E quando a equipe, após suas

intensas discussões, abandonava ou transformava completamente a sugestão

preliminar (e os motivos eram diversos: viabilidade operacional, muito centrada

em uma única disciplina, inadequada para a faixa etária, pouco lúdica, entre

outros), o/a proponente inicial, algumas vezes, se sentia desconfortável,

insatisfeito mesmo ao ver sua idéia tão questionada e acabava deixando

transparecer a sua insatisfação – ‘afinal tinha lhe dado muito trabalho criá-la’.

Outra causa de inquietação e confronto (até mesmo os/as alunos/as

expressaram suas tensões) estava associada à vivência das tarefas, ou seja, havia,

em certas ocasiões, dificuldades para manter a coerência nas orientações, ora por

conta de um planejamento mais frouxo, ora em função da falta de compromisso de

alguém da equipe, acarretando, inclusive, problemas de continuidade, já que as

atividades podiam ser realizadas ao longo de vários dias e sob a liderança de

diferentes professores.

Vale lembrar que as dificuldades relacionadas ao uso do laboratório de

Informática/biblioteca também eram fontes de tensão/conflitos, pois eram

problemas que, muitas vezes, ‘amarravam’ a realização das atividades do trabalho

pessoal, para usar uma expressão da professora Luiza.

Acredito que posso dizer, contudo, que essas dificuldades, e/ou

tensões/conflitos relacionadas/relacionados à concepção e/ou à realização do

momento do trabalho pessoal eram enfrentadas/enfrentados, a partir de um

movimento freqüente de autocrítica, de crítica, mas principalmente de construção

coletiva. A valorização do trabalho em colaboração e das trocas aparece em vários

depoimentos. Alguns são bastante expressivos.

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Eu estou sempre entrando em um processo que está em pleno vapor [ele está se referindo ao trabalho pessoal]. O processo está acontecendo. A minha responsabilidade é entrar e dar continuidade. Primeiro, porque o momento do trabalho pessoal nunca é exclusivo. Eu hoje estou trabalhando essa atividade e amanhã quem vai continuar trabalhando aquela mesma atividade é o professor de Matemática, por exemplo. É sempre um processo que é muito nosso [com ênfase]. Que não é meu [também com ênfase]. Nem é só do aluno. É muito nosso. E o nosso é assim: desse grupo de professores e daquele grupo de alunos. É sempre um processo onde todos estão muito envolvidos sem ser uma coisa que me pertence. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006) Eu acho que esse trabalho pessoal proporcionou ao professor outras possibilidades... Eu não sei se eles reconhecem isso, mas eu os vejo todos muito diferentes. Por exemplo, eu vejo como uma das professoras de Matemática mudou [ela está se referindo a uma professora que não é da equipe da quinta série, mas ela acredita que isso está acontecendo em todas as séries]. Ela é outra professora. Não é porque ela está melhor do ponto de vista do seu conteúdo, não. Eu estou dizendo assim, como ela se abriu. Ela era só Matemática. Agora ela discute, ela traz idéias. Outro dia o que ela trouxe de material que não tinha nada a ver com a disciplina dela, mas era para ajudar no trabalho pessoal. Eu acho isso riquíssimo, você vê um escutando o outro, até o respeito pelo conhecimento do outro é muito maior, porque é um respeito mais natural, não é um respeito só em cima do saber. O respeito é em cima da pessoa. Eu acho que isso aí faz esse momento muito mais rico, mas muito mais rico. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

São relatos que parecem indicar, portanto que essa postura constante de

auto-análise e também dos acontecimentos estava criando possibilidades de

transformações da própria prática e, ainda, favorecendo mudanças de atitudes nos

planos pessoal e profissional. Hernández e Ventura (1998, p 187) afirmam que,

além de tudo isso, no contexto dos projetos, esses mecanismos de crítica e

autocrítica fazem com que o/a educador/a “tome consciência do processo de

aprendizagem do/as alunos/as, levando-os/as, sobretudo a ter idéias diferentes do

que seja aprender e, conseqüentemente ensinar.”

Perguntados/as sobre os objetivos e/ou quais as suas intenções como

dinamizadores do momento do trabalho pessoal, pude perceber que a maioria da

equipe se referia à idéia de criar condições para que os/as alunos/as fossem mais

autônomos/as e desenvolvessem habilidades tais como: iniciativa, colaboração,

reconhecimento e respeito ao outro, capacidade de reflexão crítica, organização

para o estudo, capacidade para lidar com os dados ou tratar/processar as

informações, saber fazer sínteses, lidar com diversas linguagens. Considero que a

própria ficha-registro da avaliação55 do desempenho no trabalho pessoal ratifica

55No anexo 7, um modelo dessa ficha de avaliação.

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esses aspectos, quando os define como critérios para analisar o desempenho

dos/as alunos/as nesse momento.

Cabe lembrar que, nesse momento dos projetos de investigação, os/as

professores/as enfatizavam o ‘aprender a aprender’, expressão mais recorrente que

os/as entrevistados/as usaram para exprimir o que desejavam enquanto

orientadores/as do trabalho pessoal. Para eles/as, o importante nessa fase era

valorizar a aprendizagem de processos tais como: coleta, seleção, ordenação,

tratamento e interpretação de dados e, ainda, o desenvolvimento de habilidades

para trabalhar em grupo, por exemplo, saber escutar, respeitar, compartilhar,

colaborar, entre outras (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998).

Por sua vez, quando pedi que os/as entrevistados/as refletissem sobre a

relação entre conhecimentos e trabalho pessoal, a maioria deles/as ressaltou que

“no momento do trabalho pessoal era possível lidar com conteúdos/assuntos mais

abrangentes, que ajudavam a ampliar e a enriquecer os conhecimentos, bem como

a aproximar escola e vida”. Vários/as fizeram comentários no sentido de que nesse

momento era possível trabalhar segundo uma abordagem mais problematizadora

do cotidiano e/ou da realidade e que isso era diferente do que na maioria das vezes

acontecia no momento dos estudos específicos, onde o ensino dos conteúdos ditos

programáticos acabava prevalecendo.

Ao mesmo tempo, praticamente todo/as ressaltaram a possibilidade de

fazer, nessa etapa, um maior aproveitamento dos conhecimentos que eram frutos

das experiências dos/as alunos/as. Um dos depoimentos é bastante expressivo.

[...] Com a atividade compartimentada como era antes, muitas vezes a criança não tinha tanta possibilidade de trazer suas experiências como traz agora. Ela não tinha uma abertura tão grande como tem agora. Agora sim, você começa a ouvir mais o que aluno traz de suas experiências. Por quê? Porque os temas, às vezes, falam e abordam situações de vida, situações, por exemplo, (só para citar um exemplo prático) quando tratamos de jogos e brincadeiras, eles foram pesquisar em casa sobre os jogos e as brincadeiras que os pais faziam. A idéia era fazer uma comparação entre o que se brincava antigamente e o que se brinca hoje. Falamos de tecnologia, sobre o que evoluiu e quais eram os brinquedos. E eles tiveram que pesquisar, conversar com os pais sobre quais eram as brincadeiras que eles faziam quando eram crianças: carniça, pique bandeira, rodar pião, polícia e ladrão... [...] Claro que o trabalho pessoal facilita muito. Hoje o aluno traz muita coisa da sua experiência de vida, mesmo que seja pequena nesse primeiro momento da fase de vida. Mas ele traz. Ele discute. E o professor também traz a sua própria experiência. [...] Acho isso importante. Isso é uma coisa que marca o trabalho pessoal. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006)

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Alguns/mas professores/as destacaram que, embora isso fosse uma meta

antiga e que já vinha sendo praticada no Amanhecer antes mesmo dessa experiência

acontecer, o trabalho centrado em projetos tinha facilitado essa apropriação dos

conhecimentos dos/as discentes e que isso era muito importante56 “porque,

principalmente hoje, vivemos em um mudo globalizado e esses meninos têm que se

sentir situados, no tempo, no espaço e nesse mundo concreto onde as coisas se

entrecruzam cada vez mais e as disciplinas estavam se distanciando disso.”

(professora Manuela – membro da equipe de direção – 24 de abril de 2007)

Entendo que essas considerações da professora Manuela, reiteram,

inclusive, o que alguns/mas educadores/as têm ressaltado no sentido da

necessidade de se estabelecer conexões entre o currículo e a maneira como os/as

professores/as ensinam com os conhecimentos prévios que os/as estudantes já

possuem de modo que as novas aprendizagens façam sentido e possam acontecer

efetivamente (HARGREAVES E OUTROS, 2001). Em outras palavras, creio que

abrir e/ou ampliar os espaços para o aproveitamento dos conhecimentos prévios

dos/as estudantes, além de dar vida ao princípio da contextualização e da

significatividade, aumentando o envolvimento desses alunos/as, pode contribuir

para o sucesso de suas aprendizagens (HARGREAVES E OUTROS, 2001).

Diante desse contexto de análises e interpretações acerca do momento do

trabalho pessoal, considero que ele apresenta tendências de uma classificação e de

um enquadramento mais fracos (BERNSTEIN, 1998), quer dizer: as fronteiras entre

os diferentes conhecimentos que nele circulam são mais flexíveis, as relações

pedagógicas menos isoladas e hierarquizadas e, portanto, mais democráticas, com

ênfase no estímulo ao protagonismo das/os crianças/adolescentes, além de uma

maior flexibilidade no uso dos espaços e tempos. Além disso, considero que essas

análises e interpretações sugerem que esse momento do trabalho pessoal, da mesma

forma que a experiência como um todo, está sendo pensado e vivido de um modo

muito particular, quer dizer, próprio do Amanhecer e que seu ‘desenho’ ainda está

em construção – um processo que talvez nunca termine, pois está fortemente

marcado pela perspectiva da contextualização e o contexto é dinâmico, ou seja, está

56Para esses/essas profissionais, a escola buscava e reconhecia já há muito tempo que os conhecimentos escolares se construíam também em diálogo e/ou confronto e/ou com a incorporação crítica dos conhecimentos do cotidiano e/ou da experiência e/ou da cultura de referência das crianças e dos adolescentes.

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em permanente mudança e, por isso mesmo, exigindo transformações constantes na

sua configuração.

5.2.3 O momento dos estudos específicos das disciplinas

Nesse outro momento dos projetos de investigação e como o próprio título

sugere, prevalecia a organização disciplinar. E a expressão ‘específico’ parece

reforçar o que entendo era central nessa etapa do trabalho. Tratava-se de uma

referência aos conteúdos/conhecimentos que são ‘próprios’ de cada uma das áreas

disciplinares que compõem ‘ tradicionalmente’ o currículo escolar. “Um momento

que estaria mais comprometido com os objetos específicos de estudo das

disciplinas, que têm seus próprios métodos de investigação e de apropriação de

conteúdos e que nem sempre são iguais”, para usar a definição da professora

Marta.

Durante a minha pesquisa na escola, pude constatar que esses ‘objetos

específicos’ eram, na verdade, os chamados ‘conteúdos programáticos’ ou

‘oficiais’ ou ainda ‘os programas’ das diferentes áreas disciplinares. Um dos

depoimentos sistematiza bem essa realidade.

É o currículo oficial, eu diria isso. [...] Porque a gente tem que cumprir, por exigências legais, determinado percurso do currículo, que o projeto, até em função dessa liberdade investigativa, muitas das vezes não dá conta. Então, por exemplo, na área de Matemática, existem conhecimentos pré-determinados por um currículo, que depois se tornam exigências no vestibular, no exame nacional do ensino médio e se você não cumprir, você também está subtraindo do aluno essa possibilidade, esse direito que ele tem. Porque eu acho que democrático é ele ter a oportunidade de ter acesso a todos os conhecimentos que estão previstos para aquele currículo. Quando eu falo de currículo nesse sentido, quando eu respondo sobre qual é a especificidade hoje em dia da aula especifica, eu estou me referindo a esse currículo, a essa relação de conteúdo. Eu sei que currículo é uma coisa muita mais ampla. Mas esse currículo oficial exigido legalmente, aonde tem que se cumprir determinados conteúdos específicos das matérias, das disciplinas específicas é o que, hoje em dia, para mim caracteriza mais o momento da aula específica. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Programas a cumprir ou, em outras palavras, ‘o que marca esse momento é

esse conteúdo de Matemática, História, Geografia, etc. que o professor tem que

dar’, como sublinhou também a professora Nazaré.

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Conteúdos/programas que constituem, portanto as disciplinas escolares

que entendo, da mesma forma que a equipe do Amanhecer, e em consonância com

Lopes e Macedo (2002, p. 78), são produtos de processos históricos e

contextualizados específicos e, nesse sentido, são autônomos em relação às suas

disciplinas de referência (científicas e acadêmicas), “embora em vários momentos

seja possível reconhecer uma aproximação entre elas.” E, nesse contexto,

consideradas como princípio organizador do currículo (LOPES E MACEDO,

2002).

Cabe aqui uma observação: lembro que vários/as professores/as quando

falavam sobre as questões relativas à recontextualização (BERNSTEIN, 1998)

e/ou reorganização dessas disciplinas e seus programas, não só para fins didáticos

de ensino, mas, agora e prioritariamente, para dar conta dos projetos de

investigação, repetiam, com certa freqüência, que fazer isso na 5ª série não era tão

complexo – provavelmente aqui eles/as estavam se referindo ao fato de que, nesse

caso, os programas não eram tão extensos, pois se tratava de uma série de

transição entre o primeiro e o segundo segmento do Ensino Fundamental. Para

eles/as, o problema parecia maior nas demais séries e se agravava no Ensino

Médio.

Ao mesmo tempo, diversos/as docentes destacavam que o trabalho com

projetos, na 5ª série, estava demandando, por exemplo, repensar abordagens,

dosagens, seqüências e/ou distribuição dos conhecimentos não só na própria 5ª

série de modo isolado, mas também, no segmento de 5ª a 8ª série como um todo e

sistematicamente, ou seja, todas às vezes que os temas e os conteúdos dos projetos

mudavam, uma nova organização das disciplinas acabava sendo exigida.

Em outras palavras, se o projeto da 5ª série naquele ano sugerisse, por

exemplo, ‘abandonar’ certos itens de um determinado ou de vários programas

disciplinares ou, ao contrário, ‘puxar’ alguns conteúdos das outras séries, isso

poderia e deveria ser feito e, conseqüentemente todo um replanejamento das

disciplinas nas demais séries também. Contudo, eles/as alertavam que era preciso

‘ir mais fundo’ nessa prática e ampliar a discussão no interior de cada área de

conhecimento (em algumas disciplinas esse processo já estava em andamento) e ir

além das discussões sobre pré-requisitos, adequação à faixa etária, que conteúdos

podem ou não ser dados em uma ou mais séries, como tratá-los, o que será preciso

ou não remanejar, etc., para fazer uma reflexão, principalmente, sobre a própria

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abordagem e/ou concepção das disciplinas no âmbito da escola e, até mesmo,

sobre o que significaria manter ou não a base disciplinar.

Parece que estava claro para a equipe do Amanhecer que, mesmo dentro

de todo um contexto e movimento pela integração, a matriz disciplinar continuava

sendo mantida, de modo significativo, como instrumento de controle e de

organização curricular (LOPES E MACEDO, 2002). Basta lembrar, por exemplo,

que uma parte expressiva de toda a carga horária era destinada às atividades

curriculares disciplinares, que o peso maior no caso da avaliação era em cima dos

conteúdos/conhecimentos disciplinares e também que os/as professores/as

continuavam sendo contratados/as de acordo com suas áreas específicas de

formação, mesmo desempenhando agora papéis para além de sua especialidade no

momento do trabalho pessoal.

Mas, se de um lado a maioria dos membros da equipe reconhecia que não

era possível (pelo menos em curto prazo) romper com esses

conteúdos/conhecimentos disciplinares específicos e, portanto com a própria

organização disciplinar – lembro que enquanto certos/as professores

consideravam ‘esquizofrênico’ manter o momento disciplinar, outros acreditavam

que esse rompimento nem era necessário, ao contrário, entendiam que os

chamados ‘conteúdos oficiais’ das disciplinas poderiam e deveriam fundamentar

e/ou aprofundar os temas de estudo previstos pelos projetos e que, por isso

mesmo, havia riqueza no diálogo entre essas duas lógicas (currículo por disciplina

e integração curricular) -, de outro lado, eles/as reconheciam que, principalmente

no caso de algumas disciplinas, não era uma tarefa muito fácil manter essa

articulação entre duas lógicas distintas, mesmo que concordassem com a

professora Marta que elas não eram ‘excludentes’.

[...] A gente sabe muito bem que há momentos que o professor está dando um conteúdo que não tem nada a ver com o tema. Nas áreas sociais - Geografia, História – você ainda consegue fazer mais links desse conteúdo com o tema. Na área de Português também. Até em Línguas Estrangeiras é possível. A maior dificuldade aqui na escola foi Línguas. Ninguém acredita, mas foi. E hoje em dia você não vê mais isso. Mas, por exemplo, a Matemática ainda é mais difícil. Ela é instrumental, mas como tem muito conteúdo para dar, muitas vezes, ainda fica muito em cima do conteúdo. Seria muito bom se não fosse tanto. Mesmo em Ciências, quando é preciso entrar em áreas mais específicas como as de Química e Física, nem sempre vai ao encontro do tema. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

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Considero que esse comentário da professora Nazaré reitera, inclusive, o

que vários/as professores/as da escola pensavam acerca desse momento dos

estudos específicos das disciplinas, ou seja: fazer links com os temas significava

que o estudo das disciplinas deveria ajudar a responder as perguntas feitas no

âmbito dos projetos de investigação e ainda aprofundar e/ou ampliar as

possibilidades de respostas, bem como subsidiar a formulação de novas questões,

mantendo, todavia, os projetos no centro da reorganização curricular.

Para muitos/as da equipe do Amanhecer, no contexto desses projetos era

necessário, portanto ter flexibilidade e outra postura ou visão diante da própria

disciplina, para então buscar o diálogo com os demais conhecimentos temáticos

e/ou disciplinares.

Se você não cuidar tende a acentuar [ela está se referindo à possibilidade de ruptura e/ou dicotomia entre os conhecimentos trabalhados nos diferentes momentos]. São lógicas e concepções de trabalho distintas, mas que podem dialogar. Se você entende que o aluno vai entender Matemática só de uma maneira e que essa relação da Matemática não se dá com outras áreas de conhecimento, você tende a preservar uma área de conhecimento que não dialoga com outra. Então isso afasta a possibilidade de integração curricular. E se houver também, por parte do educador uma percepção ou uma visão de conhecimento, que ainda acha que o seu conhecimento é único, é o mais importante e que ele só pode ser tratado daquela maneira, ele tende a não conseguir entender o conhecimento de uma forma mais múltipla, mais dialogada. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Entretanto, apesar das dificuldades (e parece que para superá-las muitas

coisas estavam em jogo, como: a formação, a experiência profissional, o grau de

compromisso com a proposta, os limites operacionais) e de toda uma discussão,

ainda em curso, em torno da problemática dos conhecimentos disciplinares,

envolvendo múltiplas questões (concepção, papel, significados, seleção,

seqüências, poder, etc.), pude perceber esforços e/ou tentativas no sentido de que

os conteúdos/conhecimentos trabalhados no momento dos estudos específicos das

disciplinas se integrassem à proposta dos projetos de investigação, como indicam

os depoimentos a seguir.

Eu procuro (é uma orientação que eu tenho desde o inicio) estar, o tempo todo, mostrando para os alunos a relação da matéria que eu estou trabalhando com o projeto. Na verdade, quando faço a organização dos meus conteúdos, eu penso assim: no meu conteúdo de 5ª série, o quê que vai encaixar melhor nesse tema que eles estão trabalhando. Agora tem relação com água e solo. Então eu vou e coloco aquilo para aquele bimestre, para os dois bimestres do trabalho do projeto. E fico o tempo todo mostrando para eles a relação. Por exemplo, agora no almanaque brasileiro, eles fizeram uma atividade sobre culinária nas

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diferentes regiões e eu estava trabalhando alimentos. Então a gente até montou uma atividade sobre alimentos, também no trabalho pessoal. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006) A idéia é que a gente possa dentro da discussão desse projeto, o ideal é que as disciplinas possam se encaixar, a partir do seu conteúdo também, naquela mesma linha de trabalho do projeto, naquela linha conceitual e naquela linha de conteúdo, de assuntos. Porque dentro do trabalho pessoal a gente tem um determinado tema que a gente vai trabalhar. E aí a idéia é que as disciplinas possam se integrar a esse tema, a esse tema principal e também aos procedimentos que a gente adota no trabalho pessoal. Esses procedimentos de pesquisa e de autonomia. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Até mesmo no caso da Matemática, considerada por muitos/as como difícil

de articular, dado o seu caráter mais instrumental, tentativas eram feitas. Nem que

fossem apenas para alterar as seqüências e, desse modo, dar suporte aos temas e,

portanto aos projetos.

A gente, na Matemática, ainda sente um pouquinho de dificuldade nisso. Mas eu acho que essa dificuldade está cada vez menor e a gente tem conseguido organizar o currículo de acordo com a necessidade do trabalho que a gente está fazendo no projeto. [...] Eu acho que às vezes é um pouquinho difícil. [...] A gente tenta entrar o máximo que pode [ela está se referindo a entrar com os conteúdos de Matemática no tema e no projeto]. [...] Essa organização curricular da Matemática, ela não é rígida, não é padrão tradicional. E a gente vê, muitas vezes, que pode até puxar coisas das outras séries para frente. [...] Às vezes a gente precisa de algum conteúdo para introduzir no projeto, naquele tema que a gente está trabalhando, pelo menos naquela atividade que a gente vai trabalhar, e então a gente puxa aquele conteúdo de Matemática. [...] E às vezes precisa inverter ordens. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006)

E apesar da maioria dos/as profissionais do colégio expressar preocupação

e/ou orientação, no sentido de que esse momento fazia parte e, portanto, como

destacou a professora Marta, durante a sua entrevista, deveria estar ‘sintonizado’

em termos conceituais, procedimentais e metodológicos, com os projetos de

investigação, nem sempre isso acontecia. E entendo que não era apenas por causa

de questões relacionadas à problemática dos conteúdos/conhecimentos priorizados

nessa fase que ela se distanciava da proposta, mas também em função de sua

própria dinâmica metodológica. Esta, com muita freqüência, além de ser diferente

daquela que acontecia no momento do trabalho pessoal, tinha uma tendência a se

afastar das características da prática educativa centrada em projetos tal como eram

propostas pelo Amanhecer. Alguns depoimentos dos/as professores são

significativos.

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Na aula específica o professor tem mais domínio dos passos que vão acontecer [...] A gente fica na posição do orientador da tarefa, a maior parte do tempo. Ou porque muitas vezes é uma aula expositiva, ou uma aula de leitura que a gente conduz, ou é uma aula em que os meninos estão fazendo exercícios e eles recorrem mais a nós. Então eu vejo no momento da aula específica um posicionamento mais constante do professor à frente e entre os alunos, na posição de orientador da aula quase todo o tempo. [...] Na aula específica as propostas ainda passam muito por nós. No trabalho pessoal a gente equilibra isso mais, me parece. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

[...] O professor no comando da turma. É o professor na frente como maestro mesmo dessa turma. [...] Você entra e estão todos eles sentados, você dá aula. Que é a característica da aula de História, por exemplo, eu tenho que falar muito. [...] E se eu estou o tempo todo falando com eles, eles estão todos quietos, sentados no seu lugar e eu estou no comando. [...] Isso acontece muito mais na aula expositiva, que é a aula disciplinar. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

Uma marca desse momento? O uso do livro, do material didático, realmente acaba prendendo a gente mais um pouco. (Gilda – professora de Inglês – 6 de novembro de 2006)

Os/as alunos/as também tinham a sua visão.

No trabalho pessoal a gente pesquisa para aprender. Nas aulas normais a gente escuta o professor para aprender. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

No momento do trabalho pessoal, a gente vem aqui para o laboratório de Ciências ou vai para a biblioteca pesquisar. No trabalho específico a gente fica na sala com algum professor, fazendo os deveres. Normalmente individual ou em dupla. No trabalho pessoal, a gente pesquisa muito no colégio. Normalmente, quando é uma pesquisa de Geografia, de Ciências, sei lá, a gente pesquisa em casa. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Na verdade, creio que é possível reiterar que no momento do estudo

específico havia uma tendência em se manter as características de uma dinâmica

mais convencional (a observação da prática cotidiana também forneceu elementos

para justificar essa afirmação): o/a professor/a especialista e os ‘seus’ conteúdos

passavam a ser centrais e talvez o ensino prevalecesse sobre o aprender. Havia

menos mobilidade na organização dos espaços e tempos e as relações professor-

aluno eram mais hierarquizadas. E, embora existisse um coordenador de área e a

possibilidade do diálogo com os professores/as da mesma disciplina, mas das

diferentes séries, o planejamento das atividades previstas para serem realizadas

nesse momento parecia ser feito de forma menos colaborativa e,

conseqüentemente mais solitária.

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Nessa perspectiva, reconheço que esse momento ainda tinha certa

tendência a se aproximar do que Bernstein (1998) chamava também de currículo

tipo coleção, e que, como ele mesmo afirmava, é conseqüência tanto de uma

‘classificação forte’, na qual os conteúdos das disciplinas estão isolados uns dos

outros, sem qualquer relação e são hierarquizados, como também de um

‘enquadramento forte’, ou seja, professores/as e alunos/as têm um grau muito

baixo de controle sobre eles. De modo geral, a seleção seqüência, organização,

ritmo, critérios de comunicação, posição e localização física desses conteúdos

costumam ser definidos e controlados por agentes externos (BERNSTEIN, 1998),

ou seja, os próprios sujeitos diretamente envolvidos com os processos de ensinar e

de aprender na escola “não dispõem de uma margem de opções possíveis para

decidir que conteúdos devem selecionar, nem sua forma de organização.”

(TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 104)57

Contudo, embora ainda incipiente e precisando avançar, o momento do

estudo específico das disciplinas ‘já não era mais o mesmo’, quer dizer, talvez já

não fosse mais tão marcado por um alto grau de classificação e enquadramento

(BERNSTEIN, 1998), levando em conta que mudanças significativas estavam em

andamento. Lembro, por exemplo, as tentativas de aproximação e/ou articulação

entre os temas dos projetos de investigação e os conteúdos das aulas específicas

indicadas, inclusive, nos próprios planos de curso.

Só para ilustrar: diante do tema Rio de riquezas: natureza e cultura carioca,

onde diferentes dimensões e aspectos da cidade seriam pesquisados e explorados,

ao longo do primeiro semestre de 2006, a professora de História, por exemplo,

sugeriu que essas aproximações fossem feitas através de comparações entre a vida

na cidade medieval (A Idade Média era assunto do programa da 5ª série), seus

meios de transporte, habitações, higiene, formas de divertimento, segurança,

patrimônio, cidadania, espaço público e privado e a vida hoje, na cidade do Rio de

Janeiro. Já a professora de Ciências propôs garantir essa articulação entre tema e

programa, tratando alguns dos assuntos previstos na sua área, como composição

dos alimentos, hábitos alimentares, água e solo, segundo uma abordagem mais

57Entendo, contudo, que talvez essa afirmação pudesse ser relativizada, principalmente no caso das escolas privadas no Brasil, que dispõem de certa autonomia. Por outro lado, reconheço que as comunidades profissionais tendem a definir e controlar os conteúdos e/ou programas adotados. E até mesmo o livro didático (embora que de livre escolha) poderia ser visto como um desses agentes externos e, portanto elementos de controle.

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problematizadora e contextualizada no âmbito dessa cidade, Enquanto o professor

de Geografia, cujo programa incluía assuntos como paisagens natural e cultural,

elementos naturais da paisagem, ecossistemas naturais, mapas: tipos e legendas,

não teve dificuldades para apontar que esses assuntos estavam diretamente

relacionados à temática e que serviriam para o aprofundamento das pesquisas e

atividades que os/as alunos/as estavam fazendo sobre o Rio de Janeiro.

Também para alguns/mas professores/as estavam acontecendo

transformações significativas, na seleção e/ou definição e/ou seqüência dos

conteúdos relativos aos programas das disciplinas, como expressam esses

depoimentos.

Mexi tudo. Mexi tudo. Mexi na ordem dos conteúdos. Mexi na proposta do trabalho. [...] Eu tinha uma intenção e acabei fazendo outra coisa para relacionar bem com o projeto. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006) Mexi [ela fala com ênfase nas suas mudanças curriculares]. A primeira coisa que aparece de adaptação são as leituras que são escolhidas. As leituras obrigatórias, certo? [...] São leituras que a gente sugere sobre assuntos variados, mas que agora nós trabalhamos muito também em função do tema que o trabalho pessoal traz. [...] As escolhas dos meus livros estão condicionadas a dois fatores: prioritariamente ao tema do trabalho pessoal e ao tema que nós estamos trabalhando no livro texto que a gente usa na aula de português. [...] A leitura principalmente é o ponto do currículo, do conteúdo que a gente trabalha que primeiro sofre a influência do tema do trabalho pessoal. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Revisões de conteúdos que eram feitas em uma determinada série (na 5ª

série nesse caso) e que acabavam afetando o currículo do segmento de 5ª a 8ª série

como um todo, exigindo um replanejamento mais global, como reitera o

depoimento a seguir.

Planejamento não é uma coisa fixa, principalmente agora, com esse trabalho em forma de projeto. [...] Porque de acordo com o tema de interesse a gente pode buscar um conteúdo disciplinar que dê suporte àquele tema ou abandonar aqueles conteúdos que não são adequados. [...] Nós ainda estamos em fase de reestruturação, vamos dizer assim, dessa coluna vertebral, de estabelecer que conteúdos disciplinares são importantes, para os alunos de 5ª a 8ª série. Não importando se o conteúdo X é trabalhado na 5ª ou na 8ª série, mas enfim, durante esse ciclo de 5ª a 8ª, que o aluno possa percorrer por alguns assuntos, que seriam pré-requisitos para outros, para o Ensino Médio, enfim... (Helena – professora de Ciências responsável pelo Laboratório – 4 de dezembro de 2006)

Transformações nos conteúdos/conhecimentos disciplinares que pareciam

ser mesmo geradas e/ou provocadas, por todo um movimento em torno da

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valorização de uma prática centrada nos projetos de investigação e,

conseqüentemente na integração.

Eu acho que subjetivamente essas coisas [ele está se referindo a trabalhar com projetos] vêm transformando as cabeças, os corações e as mentes dos professores. Por quê? Porque elas nos fazem pensar sobre determinadas coisas que talvez alguns professores tivessem já como questões muito cristalizadas e não tivessem esse momento de parar e refletir sobre isso. Por exemplo, sobre essencializar58 conteúdos. Quer dizer, definir que conteúdos são essenciais. Isso eu acho que o projeto provocou. Foi um movimento que o projeto gerou. Porque uma parte do tempo do trabalho que a gente tinha antes para a disciplina, agora é desenvolvida no trabalho pessoal. Estou falando mesmo do tempo físico, ele se manteve o mesmo, só que ele teve que ser dividido, entre o momento do trabalho pessoal e o momento da aula específica. Ora, se o momento da aula específica foi reduzido, o conteúdo específico teve que ser reduzido também. Ele não foi transferido para outro lado. E isso gerou um movimento de você trabalhar com conteúdos mais essenciais. O quê que eu não deixo de fora, o quê que eu deixo de fora. E eu acho que isso está fazendo a gente pensar mais. Está fazendo com que os professores envolvidos nisso repensem suas próprias experiências, suas próprias práticas, dentro do seu conteúdo específico. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006)

Desse modo, a dinâmica do trabalho mediante projetos acabava exigindo

que as atividades escolares fossem ampliadas, adquirindo sentido para além das

‘muralhas’ das disciplinas, contribuindo inclusive para reforçar a escola também

como lugar de produção de conhecimentos (PACHECO, 2002).

Alguns/mas entrevistados/as relataram que, embora acontecesse na sua

prática anterior, estavam podendo, por conta do estudo dos temas dos projetos de

investigação, ampliar o diálogo entre os conteúdos/conhecimentos das disciplinas

e os conhecimentos de referência dos/as alunos/as.

Em História, talvez eu tenha isso claro, eu faço isso o tempo todo [ela está se referindo ao aproveitamento das experiências das crianças]. Você assistiu a algumas aulas de História que eu dei e você viu que eu trabalho com textos que são produzidos por mim. Esses textos eles têm uma historinha. De cotidiano, de pessoas, que fazem determinadas coisas. E o fato de apresentar essas pessoas que existem no cotidiano, permite que eles comparem muito, o que está sendo mostrado naquele texto e o que eles fazem e vivem. [...] Eles trazem o tempo todo à experiência deles, o cotidiano deles. [...] Por exemplo, não é História só lá no passado. Não é Matemática abstrata, não são apenas números. Eles conseguem estabelecer relações com a vida deles. (Luana – professora de história – 16 de novembro de 2006)

Para ele/as essas relações eram feitas inclusive com freqüência e

facilitadas porque a maioria das/os crianças/adolescentes da 5ª série do

58Entendo que o termo essencializar nesse caso estaria sendo usado pelo professor com o sentido de conteúdos que seriam ou significativos ou prioritários ou, ainda, imprescindíveis.

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Amanhecer tinha uma experiência rica e plural: viajavam constantemente, tinham

uma vida social e cultural muito diversificada, tinham bastante acesso a livros,

Internet e outros recursos, entre outras oportunidades. Um dos depoimentos

aponta nessa direção de maneira bem expressiva.

Os meninos têm muitas referências, muitos deles trazem referências muito interessantes para a sala de aula e contribuem com a aula. [...] Agora mesmo, um exemplo concreto. Falando do Ferreira Goulart. A gente tem uma aluna que morou no Maranhão, morou em São Luiz, agora ela mora aqui, o pai está estudando aqui na universidade, trabalhando aqui. E quando nós lemos alguns contos do Ferreira Goulart nesse livro o Touro Encantado, que é um livro belíssimo, um dos contos falava sobre o touro encantado que é uma lenda local. E a aluna falou: Wanda, a versão que eu conheço é outra E contou a versão dela. O boi aparece em outro lugar, não aparece nesse lugar em que o Ferreira Goulart está dizendo ali. E assim isso são versões. Então a idéia da versão apareceu ali e a experiência dela também. Os meninos procuram - eu sinto isso o tempo todo - enriquecer e trazer essas suas referências e contribuem com a aula o tempo todo. [...] Essa possibilidade de aproveitar as referências e as informações que eles trazem é grande. Felizmente, eles têm uma amplitude cultural e eu acho que a gente tenta e a gente consegue aproveitar. (Wanda – professora de Português – 16 de dezembro de 2006)

Eu mesma constatei durante as minhas observações que bastava uma

pequena provocação – uma pergunta, uma história, um fato – apresentados mesmo

nas aulas expositivas, e um número expressivo de alunos/as logo procurava

contar/expressar suas experiências, opiniões ou idéias. Também assisti

(principalmente nas aulas de Artes, Ciências, Ed. Religiosa, Geografia, História e

Português/Leitura) os/as professores/as procurando estabelecer comparações e/ou

provocar confrontos entre o que estavam expondo/ensinando e o que os/as

alunos/as sabiam a respeito desse ou daquele assunto e ainda buscando estabelecer

relações entre o assunto da ‘aula’ e o que estava acontecendo no cotidiano. Podia

não acontecer toda hora, nem todos os dias e até ser mais intenso no momento do

trabalho pessoal, mas era algo que marcava bastante o diálogo/o estudo também

na sala de aula que chamei de convencional. Um dos meus registros é bastante

ilustrativo.

Momento Ciências. [...] O tema é poluição (do ar, o lixo). Os alunos estão corrigindo os exercícios que fizeram em casa, lêem suas respostas, fazem diversos comentários. Eles opinam sobre as desvantagens de transportar o lixo por barco ou navio. [...] Levantam a questão das doenças provocadas pelas medidas relacionadas ao transporte do lixo. Uma aluna toca no assunto poluição da flora e fauna da ilha. A professora elogia o fato dela ter lembrado um ponto importante. Kim fala que isso só seria problema se na ilha houvesse animais em extinção. A turma reage. Há debate. [...] Luiza tem bom domínio da turma, à medida que corrige os exercícios vai deixando e até provocando que eles falem sobre suas vivências. [...] Luiza avisa: agora nós vamos para um assunto novo.

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Alguém exclama: oba! Mariana sublinha: alimentos eu vi no outro quadro [acho que ela estava se referindo a outra turma]. Luiza busca fazer memória perguntando o que eles já estudaram ou se lembram sobre alimentos. Vários falam sobre a experiência com pão e a presença do amido. Letícia “tenta” que eles lembrem quais são os nutrientes. Vários respondem. [...] Rafael começa a participar falando sobre as proteínas. Ela vai explicando o valor dos nutrientes e os alimentos que contêm mais ou menos proteína, lipídeo, etc. A turma se mobiliza, sempre fazendo comentários a respeito do que sabem ou relatando casos que conhecem relacionados ao assunto. É hora de substituir o grupo. O tempo de Ciências é dividido, parte da turma estava no laboratório com a Helena. (3 de agosto de 2006)

Eram esforços, como muitas vezes os/as docentes expressaram durante

suas entrevistas, no sentido de estabelecer elos entre os conhecimentos

disciplinares que estavam sendo trabalhados e a vida dos/as alunos/as, a sua vida

familiar, o mundo do trabalho, a vida cultural e social, o mundo em geral, mas era

também um movimento na perspectiva de trazer para o interior da escola as

experiências e/ou conhecimentos das/os crianças/adolescentes com vistas a

desenvolver um trabalho que fizesse sentido, isto é, que fosse significativo para

eles/as. Um trabalho que pudesse fazer conexões com as questões que tivessem

relevância concreta pessoal e emocional para os/as estudantes, favorecendo

inclusive “uma autêntica integração curricular” (HARGREAVES, 2002).

Ainda na perspectiva da mudança, registrei alguns/mas docentes,

procurando ir além das aulas expositivas e implementando ações que valorizavam

a pesquisa, o trabalho em grupo e autônomo (até a prática do uso de fichas de

atividades era comum em algumas disciplinas) bem como aquelas que tinham um

caráter mais lúdico. Algumas vezes pude perceber que o rol de atividades

previstas para o momento do trabalho pessoal era usado como fonte de inspiração

para alimentar as dinâmicas dos estudos disciplinares. O registro, a seguir, é

apenas um exemplo dessa perspectiva

Estou no momento específico. Mateus (professor de Geografia) está trabalhando pontos cardeais e localização. Ele diz: “agora vamos fazer um jogo. Vamos brincar de chicotinho queimado. Alguém conhece?” Poucos dizem que sim. Mateus então explica a brincadeira. Vários meninos pedem para sair da sala para depois adivinhar. “Quem pedir não vai,” comenta o professor. E ele chama o primeiro: Tiago!!!!!!! Alguém fala: Ele é bobo. Mateus retruca: não é não. O aluno sai. Mateus coloca o apagador em uma das carteiras. Chama o aluno de volta. Dá as ordens e o aluno não acerta. Usou só 3 pistas. Mateus agora coloca para fora a Ana Beatriz. A turma está mobilizada. Chama a Ana de volta. E começa a dar as pistas. Alguns riem. A aluna vai na 3ª pista, Mateus sugere ela ir na 4ª pista e a aluna acerta. O professor faz algumas marcações no chão (numerando as fileiras 1L, 2L). 1 Leste, 2 Oeste e 3 Oeste. A brincadeira segue e eles estão aprendendo a como se localizarem no espaço. (19 de maio de 2006)

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Vários/as professores/as concordavam que havia alterações na dinâmica do

trabalho com as disciplinas, particularmente quando buscavam incorporar

estratégias enfatizadas no momento do trabalho pessoal, para garantir, também

nesse momento, a perspectiva da investigação.

E o que a gente vem percebendo com a experiência, com a reflexão sobre a prática e sobre o trabalho é que a própria disciplina que tinha uma estrutura mais rígida, ela também vem se modificando, por essa reflexão. Seja na sua seleção de conteúdo, que se torna mais flexível, nas abordagens mais investigativas, que sempre existiram, mas hoje ela tomou um caráter mais próximo disso. O que mais? Também a postura, as atitudes na relação aluno-professor se tornam hoje mais dialogadas, mais negociadas, mais horizontais. Atividades que antes eram restritas ao trabalho pessoal, só porque tinha o aspecto da pesquisa ou de um tema, hoje são dialogadas e incorporadas na disciplina. (Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Há diferentes explicações que podem justificar essas mudanças de rumo

ou, pelo menos, um esforço no sentido de rever concepções e práticas vivenciadas

no momento dos estudos específicos das disciplinas, ajustando-o à proposta de

trabalhar com projetos, em uma perspectiva interdisciplinar e integradora.

Considero que uma dessas explicações se refere à existência e à

valorização de princípios gerais que, no Amanhecer, deveriam nortear a sua

prática escolar como um todo. Um mesmo ‘pano de fundo’ para os dois

momentos, exigindo que não só as fronteiras entre eles, mas também no interior

deles se flexibilizassem, ou seja, ‘ficassem mais borradas’, como expressou um

dos/as professores/as, provocando inclusive mudanças na condução do trabalho

com as disciplinas.

Outra explicação possível pode estar associada à própria existência do

momento de trabalho pessoal, o que parece gerava a necessidade de ressignificar o

lugar e o papel das disciplinas na organização do currículo.

[...] Aqui tem uma carga horária de 10 tempos semanais dedicada à integração curricular. Eu não conheço nenhuma escola que faça isso. Eu trabalho com projeto em outra escola, mas porque eu quero. Eu mobilizo um grupo de professores para fazer um projeto interdisciplinar, mas somos nós que combinamos: vamos fazer esse trabalho e vou usar dois tempos da minha aula, você usa dois tempos da tua aula. Combinamos entre nós fazer um projeto interdisciplinar. Aqui, foi a escola que teve a preocupação desse objetivo e destinar 10 aulas durante a semana. Isso é bastante coisa. E, por isso, eu acho que a escola não está preocupada com a quantidade de conteúdos. Porque se estivesse não existiriam esses 10 tempos. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro)

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Alguns depoimentos sugerem que o fato de um/a mesmo/a professor/a ter

que atuar, ou seja, ser responsável pelos dois momentos – trabalho pessoal e

estudos específicos das disciplinas – ‘contaminava-o/a’, levando-o/a a rever suas

concepções acerca das disciplinas e dos conhecimentos escolares, suas

concepções e práticas acerca da aquisição e/ou da produção desses conhecimentos

e, conseqüentemente do processo ensino-aprendizagem, de uma maneira mais

geral.

Por sua vez, acredito que as intensas trocas entre os/as diferentes

profissionais e as constantes reflexões críticas sobre a prática, viabilizadas, tanto

nas reuniões semanais da equipe de 5ª série, como nas reuniões verticais das

equipes das áreas59, também poderiam estar contribuindo para que o momento dos

estudos específicos das disciplinas tendesse a caminhar no sentido de sua maior

flexibilização, para responder melhor às características de uma prática centrada

nos projetos de investigação, tal como concebidas e vividas no Colégio

Amanhecer.

O lado bom que eu vejo agora é o fazer diferente. Eu vejo os professores mandando pesquisar na própria disciplina, não dando pronto, mesmo a Matemática. Fazendo trabalho em grupo, um sendo o monitor do outro, voltando-se sobre o outro... Vejo também cedendo mais um tempo para o outro professor. Eu me lembro que era mais assim: ‘não posso ceder tempo para ninguém’. Como se só ele tivesse necessidade... Hoje, porque muda a pessoa e você muda a maneira de atuar. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

Vale dizer que considero que também a ‘forte’ presença da equipe técnica,

motivando e favorecendo constantes orientações/discussões pedagógicas,

contribuía para viabilizar a prática educativa centrada nos projetos de investigação

e todo um movimento na direção da interdisciplinaridade e/ou da aproximação

e/ou da articulação entre a organização disciplinar e uma perspectiva mais

integrada do currículo.

Em contrapartida, o dia-a-dia e a equipe do Amanhecer apontavam para a

necessidade de se continuar buscando novas e/ou outras respostas para a

59Consegui assistir duas dessas reuniões (das equipes de Português e de Geografia) e constatar que o objetivo central desses encontros girava em torno da discussão sobre o que era necessário mudar na disciplina – conteúdos, seqüências, abordagens para articular melhor com os projetos de investigação. Pude também entabular conversas informais com professores/as (das equipes de História, de Ciências e Artes) de outras séries e atestar o mesmo tipo de preocupação. Nesse caso, eles/as apontavam que seria mais difícil lidar com a proposta no contexto do Ensino Médio, quando a pressão do vestibular ficava muito grande.

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realização do momento do estudo específico das disciplinas e, conseqüentemente

dos projetos de investigação como um todo. Sempre na perspectiva de melhor

atender às finalidades e às características de uma reorganização curricular que

valorizava a interdisciplinaridade e a integração entre diferentes conhecimentos.

Lembro que muitos/as professores/as ressaltaram que era preciso avançar,

por exemplo, na própria concepção do que seria o ‘programa escolar’. Essa era

uma discussão freqüente e muitas vezes alvo de tensões e/ou conflitos.

Alguns/mas entrevistados/as destacaram que havia uma exigência e até

uma pressão para o cumprimento de um determinado programa, numa

determinada seqüência, justificada sistematicamente pelo fato de que alguns

conteúdos eram pré-requisitos de outros. E, nesse caso, existiam aqueles/as

professores/as que colocavam nas ‘cobranças do vestibular’, compartilhadas por

algumas famílias e, em geral, pela sociedade, o motivo pelo qual um determinado

programa tinha mesmo que ser vencido e que ‘a escola tinha que se render à

realidade’.

Mas havia também aqueles/as que destacavam que era possível sim lidar

com os conteúdos de outra maneira e que isso só não era feito plenamente por

conta do ‘ranço do passado’, associado, tanto a uma ‘experiência já cristalizada’,

como à ‘natureza e/ou deficiências’ da formação, gerando ‘insegurança’ para

ousar algo menos familiar e/ou mais radical. Certos/as professores/as chegaram a

mencionar que a ‘vaidade’ e/ou o fato de alguns/mas deles/as se sentirem

‘proprietários’ das suas respectivas disciplinas poderia(m) prejudicar as tentativas

de flexibilização desses conteúdos/conhecimentos e, conseqüentemente gerar

isolamentos e relações pedagógicas mais rígidas (BERNSTEIN, 1998).

Considero que no Colégio Amanhecer havia uma forte tendência em

reconhecer o papel relevante que os conhecimentos disciplinares/sistematizados

têm no processo de formação das/dos crianças/adolescentes. Contudo, os/as

professores/as de uma maneira geral reconheciam a necessidade desses

‘conteúdos/conhecimentos’ ou ‘programas’ estarem sendo permanentemente

problematizados, compatibilizados com a proposta temática dos projetos de

investigação e, portanto trabalhados em sintonia com os pressupostos norteadores

da prática naquela escola.

Além disso, vários/as professores/as acreditavam que para aprimorar o

trabalho realizado no momento do estudo disciplinar e o trabalho por e com

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projetos, de um modo geral, seria necessário rever a distribuição do tempo

disponível para conceber, organizar e realizar as atividades, bem como a questão

do número de alunos/as em cada turma e/ou segmento. Um dos depoimentos

ilustra bem isso.

A primeira coisa é o fator tempo. Ele é um fator preocupante. A gente tem que dar uma nota em determinado momento e em certo momento você tem que dar uma prova e então para você dar uma prova você tem que ter dado a matéria. [...] Depois, o fator quantitativo, o número de alunos. Trabalhar, organizar tudo e fazer uma avaliação processual com 33, 36 alunos... Na realidade são 108, 115 alunos... Você está fazendo um trabalho que é um trabalho de massa também, quer dizer, é complicado. Isso é muito desgastante e muito trabalhoso. São duas coisas, então: primeiro o tempo, o nosso ritmo na escola, que ainda é complicado... Não se quebrou isso... Isso dificulta porque o professor não pode dar o tempo para o aluno produzir e pesquisar o que ele quer. [...] O tempo primeiro e depois a quantidade de alunos que a gente tem dificultam o trabalho. (professor Sidney – equipe do Laboratório de Informática – 12 de dezembro de 2006)

Por sua vez, o tema da avaliação da aprendizagem também foi citado como

aquele que precisava ser objeto de reflexão crítica, visando transformações que

pudessem refletir melhor e/ou respeitar os princípios do trabalho centrado nos

projetos de investigação. Para alguns/mas professores/as o sistema adotado

privilegiava uma avaliação do produto, com tendência, portanto, em enfatizar uma

perspectiva mais classificatória do que uma avaliação do processo e/ou formativa.

Segundo esses/as educadores/as uma avaliação dialógica (LUCKESI, 2000), que

privilegiasse reorientações e/ou realimentações sistemáticas seriam mais

adequadas no caso da experiência em curso no Amanhecer. Um dos depoimentos

retrata bem o que eles/as apontaram.

Eu queria que mudasse a avaliação. Eu acho que o sistema de avaliação do ensino é um sistema em cima de produto. É um sistema classificatório. Eu gostaria muito de poder mudar isso, mas eu ainda não sei como. Existe uma necessidade muito grande, de chegar para o aluno assim: olha só, você escreveu isso aqui. Isso aqui não está muito claro. Refaz. E aí o aluno refaz. E ele seria pontuado pelo que ele refez e não pela primeira versão. O que é avaliado hoje é um produto. Você tirou 3 é 3. E você não tem a possibilidade de repensar aquilo ali e do 3 passar para o 5? Repensar outra vez e do 5 passar para o 7. [...] No trabalho pessoal tem avaliação de conteúdo, mas é igualzinha a que você faz na disciplina. Você tem atividades e ele entrega as atividades, você dá nota nas atividades. Quando, na verdade, o que você tinha que fazer não era isso. [...] Como a gente faz quando eu vou para o laboratório e pergunto: o que você acha? Você acha que isso aqui está legal? Você não acha que isso está confuso? Você acha que isso aqui está certo? Você acha que isso aqui é o mais importante? Você já pensou nisso? E aí eles vão mudando. Só que nessa hora a gente não avalia. Só avalia um produto. Que na verdade é o sistema de avaliação daqui, da universidade. [...] É avaliação do produto porque eu não retorno a ele. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

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Considerando as análises e interpretações que realizadas, posso afirmar

que a identidade do momento dos estudos específicos das disciplinas também

estava sendo construída em diálogo e/ou confronto com o momento do trabalho

pessoal. Em outras palavras, no contexto dos projetos de investigação tal como

concebidos pelo Amanhecer, não era possível pensar, conceber ou viver o

momento dos estudos específicos das disciplinas separado ou em paralelo ao do

trabalho pessoal. Eles não só buscavam se complementar, como se realimentar.

E, embora os dois momentos apresentassem configurações distintas, foi

possível observar todo um esforço, um movimento mesmo, de um lado, para não

disciplinarizar e ‘endurecer’ o momento do trabalho pessoal e, de outro lado, para

flexibilizar o momento dos estudos específicos das disciplinas.

Na verdade, o desejo, a intencionalidade (mesmo que na prática a proposta

ainda tivesse que avançar muito) era que a ‘balança’ pesasse mais para o lado do

trabalho pessoal. Ou seja, considero que a equipe do Amanhecer apostava (pelo

menos foi o que consegui ‘ler’ na maioria dos depoimentos e ‘ver’ em algumas

situações práticas vividas na sala de aula) na idéia de que, na pedagogia dos

projetos de investigação, quanto mais o momento dos estudos específicos se

aproximasse (em conteúdos e metodologia) do trabalho pessoal, maiores seriam as

chances de concretizar uma prática interdisciplinar e integrada. Para muitos/as

deles/as, essa aproximação, reitero, não significava, contudo, eliminar o momento

dos estudos específicos das disciplinas, mas reinventá-lo para melhor responder

aos pressupostos dos projetos de investigação.

Segundo a própria equipe, para que isso pudesse acontecer, seria

necessário intensificar e manter um permanente movimento de formação em

serviço, de planejamento cooperativo, envolvendo as equipes de séries e as de

área/disciplina e de ações conjuntas e avaliações sistemáticas da prática.

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5.2.4 Os projetos de investigação: reinventando o formato escolar?

Ao concluir essas reflexões e/ou interpretações acerca dos projetos de

investigação tal como eram desenvolvidos no Colégio Amanhecer, posso afirmar

que eles funcionavam como ‘guarda-chuvas’ para abrigar dois momentos

diferentes, mas que não eram opostos ou contraditórios, uma vez marcados pelos

mesmos princípios e/ou pressupostos gerais, norteadores de uma mesma

concepção de ensinar, de aprender e de educar na escola.

Uma pedagogia centrada em projetos de investigação que, no Amanhecer,

para além de ser um pretexto para desinstalar e convocar a ‘turma’, creio que pode

ser considerada um caminho teórico-metodológico, que reinventa o formato

escolar e contribui para construir uma escola mais ‘sintonizada’ com as atuais

exigências dos sujeitos, em particular, e da sociedade, de um modo geral, mesmo

reconhecendo que é uma proposta em construção.

Uma proposta que entendo está no centro das polêmicas e discussões

acerca de qual seria a melhor ou a mais adequada organização do currículo, do

conhecimento escolar e conseqüentemente do formato e/ou da prática escolar,

para favorecer a formação de alunos/as mais autônomos/as, éticos/as, sem

preconceitos, solidários/as e sujeitos da transformação de uma sociedade mais

justa e democrática - lembro que essa é a minha aposta para a escola, ou seja, a

minha visão do papel da escola.

Polêmicas e discussões que têm, de um lado, aqueles que defendem a

integração curricular mediante projetos, ressaltando suas vantagens e dentre as

quais eu destacaria aquelas que se referem às suas possibilidades no sentido de

estimular e favorecer: construções coletivas tanto as dos/as professores/as, como

as dos/as alunos/as e também entre eles/as, relações mais democráticas, maior

participação dos/as alunos/as em todo o processo, aprendizagens menos

fragmentadas e mais significativas, maior aproximação entre escola, sociedade e

vida (HERNÁNDEZ, 1998). Defensores do currículo integrado que apontam as

fragilidades da organização disciplinar quando ressaltam que, nesse caso, há

grandes riscos de fragmentação, compartimentação e hierarquização dos

conhecimentos, das relações serem mais autoritárias e fortemente marcadas pelo

poder e protagonismo dos/as professores/as, de pouca ou nenhuma incorporação

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das experiências dos/as alunos/as, redundando em desinteresse e, inclusive,

comprometendo as aprendizagens e, ainda, o perigo de isolamento da escola em

relação à vida cotidiana (TORRES SANTOMÉ, 1998).

Confrontos e debates que têm, de outro lado, aqueles que criticam a

perspectiva da integração e que sustentam que com o currículo assim constituído

‘baixam-se os níveis, destrói-se o rigor que oferecem as disciplinas e se impede

os/as estudantes de vincular-se às demandas que propõe a formação especializada

da universidade” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 52). Críticos que destacam ainda que,

nesse caso, pode haver redução e/ou lacunas no tratamento dos

conteúdos/conhecimentos, em função, muitas vezes, das limitações da formação

dos/as professores/as mais preparados/as para lidar com a sua matéria específica,

do que com várias em articulação. E que também chamam a atenção para o fato de

que a proposta de integração exige uma complicada administração do tempo

dos/as professores/as, já que muito do trabalho precisa ser planejado em conjunto

e não está disponível e/ou pronto em nenhum livro didático específico

(HERNÁNDEZ, 1998).

Críticos que, por sua vez, defendem que as disciplinas

Não só armazenam o conhecimento de uma maneira útil, mas também marcam as linhas mestras para que possa ser gerado novo conhecimento, facilita a criação de comunidades acadêmicas, onde se reproduzem o intercâmbio, a validação, a aceitação ou o rechaço de novas idéias. As disciplinas oferecem ‘ordem’ para a nossa compreensão. Ajudam a fazer com que as idéias estejam situadas e, definitivamente, contribuem para que a vida das pessoas seja melhor (SCHUDI E LAFER, 1996, in HERNÁNDEZ, 1998).

Confrontos e debates que se tornam ainda mais complexos quando

outros/as autores/as, como Lopes e Macedo (2002), afirmam que aqueles/as que

criticam a organização disciplinar e fazem a defesa do currículo integrado, na

maioria das vezes, estão partindo de uma concepção equivocada do conceito de

disciplina escolar. Para elas, quando os/as defensores/as do currículo integrado

fazem críticas ao currículo por disciplina, eles/as estão identificando as disciplinas

escolares com as disciplinas científicas ou acadêmicas. Nesse caso, estão

considerando-as como extensão dos saberes de referência e, portanto, com

objetivos e lógicas derivados desses mesmos saberes. Por isso mesmo, quando

colocam em questão o currículo disciplinar acabam transferindo as críticas

elaboradas aos processos de especialização das ciências para o contexto escolar,

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“como se as características definidoras de um contexto se reproduzissem

sistematicamente no outro” (LOPES E MACEDO, 2002, p.75).

Lembro que, segundo essas autoras, as disciplinas escolares são diferentes

das suas disciplinas de referência e a escola não é uma instância de mera

simplificação e transmissão dos conhecimentos científicos ou acadêmicos, ao

contrário, é lugar de produção de conhecimentos.

Lopes e Macedo (2002, p. 74) ampliam ainda mais o debate sobre a

organização curricular quando ressaltam que

O fato de os currículos se organizarem em uma matriz disciplinar não impede que sejam criados diferentes mecanismos de integração, seja pela criação de disciplinas integradas, seja pela tentativa de articulação de disciplinas isoladas. Em ambos os casos a matriz disciplinar persiste como instrumento de organização e controle, independentemente do discurso de articulação.

E, assim, no contexto dessa discussão, não é possível deixar de perguntar:

o que faz um currículo integrado que um currículo de base disciplinar não poderia

realizar?

Sem a pretensão de dar respostas mais elaboradas a essa pergunta ou de

fazer a defesa de uma ou de outra forma de organização do currículo e do

conhecimento escolar (pelo menos nesse momento), reconheço que, no caso da

experiência do Colégio Amanhecer, a decisão de implementar um currículo

integrado mediante projetos e interdisciplinar, criando o que alguns/algumas

representantes de sua própria equipe chamava de uma ‘alternativa híbrida’ ou de

uma ‘terceira configuração muito específica’, que estava sendo construída na

tensão currículo integrado - currículo por disciplina e que era fortemente marcada

por princípios que deixavam claro qual a sua visão de escola, educação e,

portanto, de sociedade, põe em relevo alguns aspectos que considero

fundamentais, na perspectiva de criar possibilidades para a reinvenção da escola.

O primeiro deles refere-se aos princípios norteadores da proposta. A opção

de mudar e reorganizar a escola – seu currículo, os conhecimentos que nela

circulam e a sua prática – apoiada por um ‘pano de fundo’ construído e

compartilhado a partir de um movimento de longa duração é algo que entendo

significativo e relevante no processo de construção da proposta do Amanhecer e

que parece está favorecendo atitudes e/ou posturas, no sentido de fazer a escola

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avançar para responder cada vez mais aos seus desafios e ser coerente com os seus

próprios princípios.

Outro aspecto que entendo importante está relacionado ao fato de que,

mesmo tendo sido uma decisão centralizada, vários movimentos e mecanismos

foram acionados para transformar o que era uma proposta institucional em uma

opção construída com a participação de todos/as os/as envolvidos/as, inclusive

com as famílias.

Além disso, considero que optar por uma reorganização curricular

integrada mediante projetos de investigação e também interdisciplinar, que exigiu

uma reestruturação de tempos, espaços e até mesmo do papel dos/as

professores/as, desinstalou o grupo de uma possível rotina escolar e o convocou

para uma nova forma de trabalhar e desenvolver as atividades pedagógicas. Uma

forma que apostou no trabalho coletivo e com isso parece estar abrindo novas

possibilidades para a construção de relações mais democráticas em todos os

níveis, inclusive entre professores/as e alunos/as, mas principalmente parece estar

criando oportunidades para efetivar trocas, intercâmbios e aprendizagens mútuas.

Até mesmo o uso mais intenso de várias linguagens estimulado pelo

trabalho centrado em projetos, parece estar contribuindo para que haja uma maior

aproximação entre as/os crianças/adolescentes e a escola.

E, mais ainda, reconheço que a decisão de trabalhar por e com projetos de

investigação, a partir de temas geradores, ou melhor, tendo os temas geradores

como elementos e/ou mecanismos para favorecer a integração curricular

provavelmente está contribuindo no sentido da escola abrir e/ou ampliar os

espaços de diálogo com múltiplos conhecimentos - os disciplinares, aqueles que

são frutos das pesquisas em diferentes fontes e também das experiências

cotidianas e, quem sabe desse modo, está mesmo favorecendo aprendizagens mais

significativas, tanto para professores/as como para alunos/as (TORRES

SANTOMÉ, 1998). Pude constatar um alto grau de participação das

crianças/adolescentes, principalmente no momento do trabalho pessoal.

Cabe ressaltar que quando comecei essa aventura de tentar compreender a

experiência do Colégio Amanhecer, tal como acontece na prática dos seus

projetos de investigação, eu também tinha um tema para pesquisar – a organização

do currículo e do conhecimento escolar e uma questão central – seriam os projetos

de investigação uma estratégia teórico-metodológica que reorganiza o currículo e

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o conhecimento escolar, viabilizando a escola como espaço de cruzamento de

conhecimentos e culturas?

Posso afirmar que a experiência do Amanhecer caminha nessa direção. E

embora as disciplinas escolares tenham um papel relevante como fonte de

conhecimentos, elas parecem ser concebidas fundamentalmente como referências

que ajudam a ampliar a exploração dos temas e das questões propostas que, por

sua vez, abrem espaços para o trabalho com outros conhecimentos, oriundos de

outras fontes e/ou práticas sociais.

Nessa perspectiva, os novos espaços que se abriram, principalmente no

momento do trabalho pessoal, com vistas à incorporação de outros

conhecimentos, para além dos campos disciplinares tradicionalmente tratados na

5ª série, na construção e aquisição dos conhecimentos escolares, estão

contribuindo para a vivência de um processo de ensino-aprendizagem mais

questionador e que, portanto, desafia todos/as aqueles/as que dele participam a

irem além de representações ‘únicas’ da realidade, ou seja, um processo de ensino

aprendizagem que os prepara para interpretar os diferentes olhares sobre os

fenômenos da realidade para, então, poder compreendê-la melhor e “tratar de

compreender os lugares desde os quais se constroem e assim compreender a si

mesmo” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 28).

Todavia, deixando de lado qualquer intenção de avaliar e/ou categorizar a

experiência do Colégio Amanhecer, posso sublinhar que o mais importante, no

caso desse estudo, foi poder compreender o que estava acontecendo naquela

escola e que pode estar contribuindo para o seu avanço. Eu já disse que acredito

na escola e que estou buscando conhecer e compreender os caminhos para a sua

reinvenção na direção tantas vezes repetida nesse texto.

Não posso deixar de reiterar, contudo, que o processo de reorganização

centrado em projetos de investigação, concebidos e vividos no Amanhecer, no

contexto dos momentos de trabalho pessoal e de estudos específicos das

disciplinas, está em construção e a única certeza que tenho após a tentativa de

análise e interpretação dessa experiência é que sua equipe sabe o que quer –

alunos/as bem formados/as para o mundo de hoje e segundo os seus princípios – e

sabe também que a proposta não está pronta, quer dizer, ela continua em aberto e

talvez nunca fique pronta, porque esse é o movimento: estar sempre buscando a

melhor alternativa para fazer a escola de acordo com o seu tempo, contexto e fins.

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6 Projetos de Investigação: ampliando o olhar

Reconheço que já posso afirmar que a opção de trabalhar mediante

projetos de investigação foi a maneira que o Colégio Amanhecer encontrou, no

momento presente, para responder às suas ‘intenções’ (ou seriam concepções?)

educativas. Uma proposta que pode ser considerada, ao mesmo tempo, causa e

conseqüência de um movimento de reorganização do currículo e, portanto de sua

prática escolar.

Processos de reorganização que, reitero, estavam envolvendo outras

formas dos ‘sujeitos’ que deles participavam conceberem e viverem seus papéis e

suas relações, lidarem com os ‘conhecimentos’ escolares, bem como com outros

modos de se apropriarem dos ‘tempos’ e ‘espaços’ escolares. Em síntese,

processos de reorganização que estavam afetando a maneira de tratar essas

diferentes dimensões da escola.

Nesse capítulo, procuro avançar um pouco mais as minhas reflexões em

torno de algumas dessas dimensões que considero importantes na experiência do

Amanhecer e que parecem ser relevantes na configuração de uma proposta que

valoriza a integração curricular e a realização de uma prática escolar mais

contextualizada e significativa para os/as que dela participam (TORRES

SANTOMÉ, 1998).

6.1 Os ofícios de aluno/a e de professor/a: novas configurações

Para começar, vale reiterar que as análises feitas até aqui sugerem que

estavam acontecendo mudanças importantes nos papéis exercidos por

professores/as e alunos/as, enquanto sujeitos dos processos de ensino-

aprendizagem centrados nos projetos de investigação. Por isso, na perspectiva de

ampliar a compreensão acerca da experiência do Amanhecer, procurei identificar

e interpretar como os/as estudantes e os/as docentes estavam desempenhando, ou

melhor, construindo/reconstruindo os seus ofícios, levando em conta inclusive as

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diferentes configurações que marcavam os momentos de trabalho pessoal e de

estudos específicos das disciplinas.

Nesse sentido, busquei identificar e interpretar, não só como estavam

lidando com os projetos de investigação e com todas as mudanças que a

realização de suas atividades acabava provocando, ou seja, que tipo de relação

eles/as estabeleciam com a experiência que estavam vivendo, como também o que

mudava e/ou permanecia e que possibilidades estavam sendo criadas pela prática

de projetos para o exercício dos ofícios de professores/as e de alunos/as.

6.1.1 Com o foco nos/as alunos/as

Reconheço que para os/as alunos/as do Colégio Amanhecer estar vivendo

a experiência de uma prática educativa centrada nos projetos de investigação

podia significar muitas coisas e entre elas certamente a possibilidade de estar

participando de uma proposta que acabava exigindo deles/as ter outra

compreensão do que pode ser a escola e, mais especificamente, ter outra visão do

que pode ser aprender na escola, como sugere esse depoimento.

[...] Não dá para negar que é um processo cultural de entender o que é escola e o que é aula. Existe uma coisa construída socialmente. Muitas vezes, os alunos até os mais velhos, eles acham que aula é aquela onde o professor está ensinando porque está dando a matéria no quadro ou explicando um assunto. E que ele está copiando ou que ele vai fazer uma prova. Às vezes, isso acontece dos pequenos aos grandes. [...] Um momento mais de mobilização, discussão, debate, procura, busca, que é mais organizado no trabalho pessoal - que tem uma dinâmica de organização, privilegiando a dupla ou grupo -, ele acha que está mais fluido e que não é a mesma coisa que aula. Hoje em dia isso já aparece menos, porque essas oportunidades são mais intercambiadas entre o trabalho pessoal e a aula específica. E também porque acham que os professores sabem valorizar as duas coisas e são os mesmos. [...] Acho que na cultura escolar do Amanhecer o projeto é uma coisa que hoje está muito incorporada. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Considero ainda que estar participando dos projetos de investigação

implicava também estar vivendo experiências bem diversificadas que, segundo a

professora Carlota, por exemplo, pareciam responder às expectativas e até mesmo

ao ‘jeito de ser’ daquelas crianças e daqueles adolescentes.

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[...] Eu acho que essa dinâmica de trabalhar por projetos é uma dinâmica que está muito interligada com a maneira de ser deles hoje em dia, ou seja, eles acessam a Internet, vêem a televisão, estão falando ao telefone. Eles se conectam com vários meios, fazem ligações e o pensamento é de links mesmo, entendeu? Então eu acho que a metodologia de projetos se encaixa, responde muito ao modelo atual de crianças. (professora Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006) Um ‘jeito de ser’ que, como afirmaram Mendes de Almeida e Tracy (2003,

p.68), já foi definido por especialistas como a “geração zapping”, identificada

como aquela “que vive mudando de canal o tempo todo.” Uma geração,

principalmente os/as oriundos/as das classes mais abastadas, que apresenta

particular aptidão para usar os mais variados artefatos eletrônicos e processar

pensamentos, independentemente de qualquer vivência seqüencial ou linear.

Nessa perspectiva, não só concordo com a professora Carlota, como acredito que

tive a oportunidade de mostrar nesse estudo que, trabalhando mediante projetos,

as/os crianças/adolescentes do Amanhecer tinham mesmo a oportunidade de, num

ritmo acelerado e não-linear, lidar com essas diversas linguagens eletrônicas, ao

mesmo tempo em que podiam transitar por diferentes momentos, espaços e

atividades, seguindo diferentes traçados e/ou caminhos.

E, talvez por isso mesmo, é que essas crianças e esses adolescentes

pareciam estabelecer relações positivas com a proposta da escola, quer dizer,

pareciam lidar com os projetos de investigação de uma maneira construtiva, como

sugerem alguns/mas professores/as, em seus depoimentos.

Eles participam muito. É um grupo tranqüilo de trabalhar. No que você lança a proposta, eles se empolgam, há uma curiosidade natural deles. [...] Estão numa idade que se empolgam e se envolvem nas atividades. [...] A quinta série está chegando, está empolgada, vejo neles vontade de fazer aquilo que estamos propondo. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006) Eles são muito entusiasmados ainda com o conhecimento. Faz parte da característica da idade deles. Eles gostam do conhecimento. Então eu vejo, a grande maioria, entusiasmada com isso, gostar de fazer, de aprender, de saber coisas novas, de elaborar questões. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

Para os/as docentes, esse engajamento acontecia durante a realização do

trabalho pessoal.

[...] Eu vejo os alunos das séries iniciais com uma vontade muito grande de fazer. Eles gostam de fazer e também acham o trabalho pessoal uma coisa muito legal. [...] Eles gostam de pesquisar. Eles gostam da maneira como o

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trabalho pessoal é feito e participam. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006)

E acontecia também ao longo dos estudos específicos das disciplinas.

Eu acho que no momento específico eles respondem muito bem a tudo o que eu proponho. Não tive nenhuma proposta que não tenha rolado. Eles gostaram tanto da pesquisa sobre esgoto, quanto agora sobre o cardápio. Eles abraçaram numa boa e com responsabilidade, porque, no dia combinado, trouxeram, fizeram, pesquisaram. (Luiza – professora de Ciências – 6 de novembro de 2006)

Contudo, vale observar que registrei uma única voz que discordava que

esse envolvimento acontecesse.

Não, não ele não enxerga. Ele não enxerga... Acho que no geral não [ele está respondendo sobre a relação dos/as alunos com os projetos]. Eu abusadamente generalizaria. Eu acho que poucos alunos têm a consciência do que estão vivenciando. Não é que não tenham, existem alunos que têm sim, mas são poucos. Normalmente para eles não é o momento de estudo, não é o momento de produção, não é o momento de construção, não é o momento de conhecimento. Em geral, é um momento de brincadeira, de chatura, de sair e aproveitar porque ele pode circular. A circulação é livre, é grande, então ele pode circular. (Sidney – equipe do Laboratório de Informática – 12 de novembro de 2006)

E que registrei também uma professora comentando que alguns/mas

alunos/as apresentavam um comportamento mais dispersivo durante a realização

das atividades e/ou estudos, sugerindo um menor envolvimento deles/as com os

projetos. Uma dispersão que, para ela, ficava mais evidente no momento do

trabalho pessoal, provavelmente, em função de suas próprias características.60

[...] Temos alunos que aproveitam o momento do trabalho pessoal para brincar. Tem alguns alunos que não estão nem aí, mas acho que a gente vai ter sempre. [...] Claro que naquele momento de trabalho em grupo, eles estão livres para criar e aqueles que não querem têm mais chance de não levar a sério. Mas aí entra a gente, entra o próprio colega, que puxa. O próprio colega, principalmente na 5ª série, ele puxa: “vem trabalhar, vem ajudar.” Têm alunos que lidam muito bem, já são maduros para isso, entendem a proposta e alguns ainda estão caminhando. [...] É assim no estudo específico da disciplina também. Esses mesmos alunos têm um pouco mais de dificuldade de levar a sério, de participar. [...] É o que eu digo, não é a coisa do trabalho pessoal, só que fica mais evidente no momento do trabalho pessoal. Porque fica mais evidente? Porque ali eles estão trabalhando numa forma mais livre. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006) Cabe aqui um entre parênteses para comentar que talvez o que estava

sendo considerado como dispersão, nesse caso, pudesse ser entendido como uma

60Lembro que nessa etapa de trabalho os/as alunos/as tinham maior liberdade para decidir os caminhos e ritmos necessários à realização das atividades propostas pelos/as professores/as.

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outra forma de estabelecer relações com o conhecimento e com a aprendizagem

na escola (LELIS, 2005), já que os/as próprios/as alunos/as destacaram, várias

vezes, que esse era um momento onde era possível, ao mesmo tempo, aprender e

se divertir, ou seja, era uma oportunidade para, sem deixar de aprender, conversar,

brincar, jogar, desenhar.

Além disso, quanto a essa questão da dispersão, não posso deixar de

considerar dois aspectos. O primeiro diz respeito à possibilidade de que a

constatação feita pela professora de que alguns/mas alunos/as se dispersavam

poderia estar associada às expectativas que essa professora tinha em relação à

disciplina e/ou à forma como os/as alunos/as deveriam se portar durante o trabalho

pessoal, uma vez que movimentação constituía um dos elementos inerentes à

própria dinâmica das atividades nessa fase dos projetos. E, em segundo lugar,

poderia estar relacionada à natureza da comunicação estabelecida entre professor/a

e aluno/a, considerando que grande parte dos/as discentes, na maioria das vezes,

parecia valorizar o trabalho pessoal e demonstrar bastante interesse em participar de

suas atividades, embora, como Perrenoud (1999, p. 98), entenda que, para envolver

as/os crianças/adolescentes, “não há nenhuma receita simples, que dê sempre certo

em todas as turmas ou com todos os alunos, sob todas as latitudes.”

Por sua vez, os/as próprios/as alunos/as pareciam reforçar essa idéia de que

eles/as tinham uma boa relação com a prática escolar e, conseqüentemente com o

trabalho centrado em projetos. A gente aqui no colégio faz muito trabalho em grupo. Mas também faz individual [eles/elas tinham sido estimulados/as a falar sobre as características do trabalho no colégio]. Às vezes, a gente escolhe os grupos, não é só o professor que escolhe. Na aula de Matemática, às vezes, tem as fichas, às vezes, tem o professor que ajuda. E, na aula de Português, falam sobre livros para ler e para aperfeiçoar nossa leitura. E, quando a gente tem que pesquisar alguma coisa, a gente vai no laboratório de informática, na biblioteca, pergunta aos pais, mães e também, às vezes, a gente pesquisa em casa. Eu gosto. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006) Eu acho que é legal no Amanhecer... O jeito é um pouco diferente das outras escolas, porque tem o trabalho pessoal. Envolve também estudar todas as matérias, mas com outras coisas. [...] A gente faz pesquisa na informática e na biblioteca. E é um trabalho que envolve todas as matérias sobre determinado tema. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006) Talvez essa relação positiva com o trabalho mediante projetos pudesse ser

creditada, pelo menos em parte, ao fato da maioria das/dos crianças/adolescentes

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da 5ª série do Amanhecer já ter vivido uma experiência similar61, no período de 1ª

a 4ª série. O que sugere que eles/as já tenham superado o “tempo da estranheza”

para estarem vivendo o “tempo da filiação”, permitindo um certo domínio sobre

ela e, portanto, uma maior capacidade de interpretá-la e, quem sabe, aceitá-la

(COULON, 1993, in PERRENOUD, 1995).

Por outro lado, mesmo tendo sido possível registrar uma tendência no

sentido de que as/os crianças/adolescentes apoiavam e se envolviam com a

proposta da escola, havia aqueles/as que faziam algumas críticas e/ou alguns

questionamentos.

[...] A gente não se diverte o tempo todo. Muitas vezes as atividades são individuais. E, às vezes, mesmo em grupo tem algumas atividades que eu acho meio chatas. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006) Uma coisa chata que eu acho no trabalho pessoal, que saiu, mas que vai voltar no ano que vem, é a agenda. [...] Você tem que anotar tudo que você aprendeu no dia. Tudo o que você fez. Por exemplo, hoje a proposta é realizar a pesquisa da atividade 10 e começar a elaborar o cartaz. Aí bota lá na agenda: o que eu tinha que fazer, o que realizei, o que acho interessante, o que quero aprender. E aí aparecem dúvidas... (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

E, para certos/as professores/as da 5ª série, quando os/as discentes faziam

algumas dessas críticas ou questionamentos, eles/as estavam, provavelmente,

reproduzindo comentários que ouviam de seus pais, quem sabe, “um pouco

desconcertados, por certas tarefas que são dadas aos filhos serem mais abertas ou

criativas que aquelas que conheceram quando tinham a mesma idade”

(PERRENOUD, 1995, p. 218).

Todavia, esses embates poderiam estar representando também o desejo que

as/os crianças/adolescentes tinham de ampliar seu envolvimento nos projetos,

quando afirmavam, por exemplo, que queriam ter maior participação na seleção

dos temas e dos subtemas dos projetos.

A gente escolheu uns dez ou uns vinte, sei lá. E não caiu nenhum deles. Foram eles que escolheram o tema. Escolhemos a guerra mundial, estava todo mundo na minha sala, a 4ª B, no ano passado. Todo mundo assim: “vamos por a guerra mundial”. E não foi. (aluno/a do grupo I – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

61Cabe registrar que o Colégio Amanhecer, embora adotando outra configuração, também trabalha com projetos no 1º segmento do Ensino Fundamental.

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Eu achava que tinha que botar um tema atual. Os dois temas desse ano: um era o Rio de Janeiro de antigamente e o segundo era dos 50 anos. Não era um tema atual, do que está acontecendo hoje em dia. [...] Aqui do Brasil a gente já sabe muitas coisas. A gente pode aprender sobre a periferia de outros países. Tem aquele programa aí, minha periferia, mostrando a África. Aprender não só do nosso país, mas dos outros países. Não só desse lado do mundo da América, como da Ásia. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Ou, ainda, quando ressaltavam que desejavam se envolver mais na

definição da maneira como esses temas/subtemas/projetos deveriam ser

desenvolvidos. Eu acho assim, menos trabalho escrito. Às vezes a gente tem que escrever um texto sobre um monte de coisas. Então eu acho que se tivessem menos textos e mais coisas que a gente pudesse mostrar, mesmo que tivesse texto ia ser de uma forma mais legal, eu acho que ia ficar bem melhor. A gente fazer um cartaz, ou coisa assim. No começo do ano a gente teve uma gincana. A gente aprendeu tudo. A gente fez perguntas. A gente descobriu as coisas. (aluno/a do grupo I – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006) [...] Ontem, por exemplo, quando a gente fez auto-avaliação, a gente até pôs, eu e a minha amiga, que pudesse ter outras atividades e não só trabalhar de escrever como a Luíza falou. Como por exemplo, cartazes. Não, cartaz a gente fez. Ah uma peça de teatro mostrando o que a gente aprendeu sobre João e Maria. Uma peça de João e Maria. Algumas coisas mais dinâmicas. (aluno/a do grupo I – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Vale sublinhar que registrei depoimentos, nos quais certos/as professores/as

afirmavam que tinha sido possível aperfeiçoar a prática centrada nos projetos, a

partir, inclusive, das avaliações feitas pelos/as alunos/as acerca das estratégias e dos

procedimentos utilizados. Fato que comprovei quando tive a possibilidade de

observar os/as discentes participando ativamente dos Conselhos de Classe,

apontando caminhos para o aperfeiçoamento do trabalho com os projetos de

investigação e ver suas sugestões sendo incorporadas ao processo como, por

exemplo, a criação de mecanismos para evitar o acúmulo de solicitação de tarefas

para casa e/ou o excesso de atividades para serem executadas num período muito

curto, bem como a flexibilização na formação dos grupos de trabalho e a inclusão

de atividades do tipo dramatização, teatro de fantoches, entre outras.

Mesmo fazendo críticas ou solicitando mudanças, os/as próprios/as

alunos/as, enfim, pareciam ter consciência da importância que o trabalho com

projetos tinha para eles/as, como relatou uma das orientadoras do Amanhecer.

Quando pergunto para eles sobre o trabalho aqui do colégio, comparando inclusive com o de outras escolas onde eles têm amigos, eles me dizem: “nós somos mais curiosos, a gente sabe mais da atualidade do que eles, a gente às

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vezes nem deu muita coisa do jeito que eles deram e agora a gente lê muito mais jornal do que lia antes e gosta mais de ler do que gostava antes. Agora eu sei discutir muitos assuntos”. Acho que esse é o nosso ganho aqui no colégio com toda essa mudança. (professora Nazaré – membro da equipe técnica - 7 de novembro de 2006)

Diante desse contexto, é possível reiterar que os/as alunos/as aprovavam o

trabalho com projetos e participavam de modo significativo de suas duas etapas, o

que sugere, inclusive, que eles/as estavam exercendo seu ofício de modo pouco

convencional (PERRENOUD, 1995), uma vez que o trabalho com projetos

parecia levá-los/as a intensificar e reconfigurar sua relação com a escola.

Entretanto, considero que a natureza e os níveis dessa participação eram

diferentes e implicava o exercício de papéis também diferenciados. Quer dizer, no

momento do trabalho pessoal, as/os crianças /adolescentes – individualmente ou

em pequenos grupos – realizavam muitas atividades de modo autônomo e

pareciam assumir com especial força o papel de ‘protagonistas’. Enquanto, no

momento dos estudos específicos das disciplinas, eles/as fossem mais

‘conduzidos’ por seus/suas professores/as, apesar de que não podiam ser vistos/as,

nesse momento disciplinar, apenas como ‘coadjuvantes’, não só porque os

procedimentos didáticos começavam a se flexibilizar e diferenciar, como também

porque durante as aulas expositivas pude constatar e, com certa freqüência,

situações onde o diálogo professor/a – aluno/a era bastante expressivo e, às vezes,

liderado pelos/as alunos/as. Além de ter constatado que a preocupação com a

questão da autonomia do discente estava presente também no trabalho com as

disciplinas, como expressou essa professora.

A gente tem aqui um trabalho no Português em que é dada muita relevância à escrita, à leitura e à autonomia. Isso é super importante, é fundamental, porque o projeto da escola, incluindo o trabalho pessoal, ele é todo integrado, então necessariamente as disciplinas têm que trilhar um caminho que também leve o aluno a ter essa autonomia na disciplina, quer dizer, saber pensar, saber redigir, saber escrever, saber se pronunciar, saber se expressar. Essa autonomia toda da linguagem a gente trabalha muito. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Todavia, parecia ser durante a realização das atividades do trabalho

pessoal, quando os/as alunos/as eram o centro do processo, o momento em que

eles/as tinham uma participação mais ativa e autônoma.

[...] O momento do trabalho pessoal exige a ação do menino e da menina o tempo todo. Porque ele está pesquisando. Ele está sistematizando aquilo que ele

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pesquisou ou ele está socializando com outros, enfim. Não tem momento que senta e fica ouvindo o professor. No máximo tem momento que senta ouve e vê um vídeo. (Mateus – professor de Geografia – 8 de novembro de 2006) E esse protagonismo parecia ser favorecido, inclusive, pelas próprias

características das atividades realizadas nessa etapa. Lembro que era nesse

momento que uma série de procedimentos que rompia com uma prática didática

mais tradicional era utilizada. Posso afirmar que ali a rotina era não ter rotina e

durante cinco dias por semana, de 10h às 11h e 40min, os/as alunos/as se

dedicavam a vivenciar atividades diversas, com diferentes formatos e que, embora

propostas pelos/as professores/as, buscavam incorporar os interesses deles/as não

só quanto aos temas e assuntos (mesmo que os/as alunos/as tivessem apontado

que essa incorporação precisava avançar)62, mas também quanto ao tipo de

atividades que eles/as pareciam gostar de fazer.

Eles/as faziam pesquisas, organizavam dados, produziam textos de

diferentes gêneros, criavam cartazes, álbuns e almanaques, faziam maquetes,

concebiam e realizavam material audiovisual com suportes tecnológicos

avançados como as máquinas de fotografia digitais e os próprios computadores.

Atividades que pela diversidade pareciam colaborar no sentido de que os/as

alunos/as pudessem encontrar o seu lugar na escola e, desse modo, enfrentar a

complexidade de suas próprias aprendizagens (HERNÁNDEZ, 1998) e que, na

maioria das vezes, eram realizadas em pequenos grupos, mobilizando-os/as, no

sentido de partilhar compromissos, trocar idéias, aprender com o ‘outro’, produzir

coletivamente e, nessa perspectiva, favorecendo a construção e/ou reconstrução de

ofício de aluno/a no interior de processos de intensa comunicação e/ou diálogo. O

que não significa dizer que não houvesse conflitos, como sugere esse depoimento.

[...] Tem conflito de aluno também. [...] Agora, eu acho legal o conflito que acontece com os alunos em volta do trabalho cooperativo. Quando eles vão pensar no que fazer, muitas vezes principalmente na constituição do grupo, quando há mais de uma liderança, acontece conflito, claro que sim. [...] Muitas vezes, inclusive, você tem que deixar que eles resolvam no próprio grupo, mas há muitas vezes que não. [...] Muitas vezes eles querem que a gente seja o mediador.

62Diante das queixas apontadas pelas/os crianças/adolescentes de que os temas refletiam pouco as suas sugestões/escolhas, os/as professores passaram a explicitar com maior freqüência como eles/as tinham se apropriado dessas sugestões/escolhas, ou seja, como tinham categorizado-as, já que não poderiam dar conta de uma listagem por vezes muito abrangente. Por outro lado, as idéias incorporadas, pelos/as docentes me parece que eram aquelas que, segundo o ponto de vista deles/as seriam mais facilmente articuladas com os conteúdos/conhecimentos previstos pelo programa adotado na 5ª série.

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[...] Você tem que lidar com esse conflito e discutir com eles e então chegar a uma solução. (professor Sidney – equipe do Laboratório de Informática – 12 de novembro de 2006)

Em várias oportunidades, pude observar que as regras de convivência e

aquelas necessárias à realização das atividades eram explicitadas, quer dizer, faziam

parte do contrato pedagógico firmado logo no início do projeto e revisitadas

continuamente. Quando alguém ficava para trás, fazia um desvio ou se dispersava,

era possível ver, com freqüência, outro/a aluno/a, muitas vezes de modo enfático,

fazendo cobranças e lembrando que o/a colega tinha compromissos com o grupo e

que nesse sentido ele/a precisava fazer a sua parte. Caso contrário, ele/a e o grupo

“iriam ficar prejudicados.” E assim, entendo que questões como respeito aos

compromissos e aos outros iam sendo trabalhadas, contribuindo, inclusive, para a

configuração do ofício de aluno/a exercido no Amanhecer.

Esse ‘clima’63 era fruto de todo um trabalho intencional e planejado

quando da concepção dos projetos. Cabe registrar que, durante o planejamento das

atividades, os/as professores/as, além de se preocuparem com os conhecimentos,

os modos de acessá-los e as estratégias para promover ou favorecer as

aprendizagens, demonstravam significativo cuidado com o estabelecimento de

orientações voltadas para a organização e condutas necessárias à realização das

atividades, o que reforça a idéia de Perrenoud (1999, p. 98) de que

Uma pedagogia e uma didática que desejem estimular a auto-regulação do funcionamento e das aprendizagens não se contentam em apostar na dinâmica espontânea dos aprendizes. É necessário, ao contrário, contratos e dispositivos didáticos muito engenhosos, estratégias de animação e de construção de sentido muito sutis para manter o interesse espontâneo dos alunos, quando existe, para suscitar um interesse suficiente quando a experiência de vida, a personalidade ou o meio familiar não predispõem a isso. Vale lembrar, ainda, que o momento de trabalho pessoal podia acontecer

também em muitos outros lugares. Por exemplo, em outras instituições de ensino,

culturais, de lazer e até mesmo um ônibus ou a rua se transformavam em espaços

de aprendizagem e, portanto, de exercício do ofício de alunos/as. E, mais uma vez,

eles/as se movimentavam, circulavam, quase sempre carregando suas pranchetas

para que pudessem fazer anotações. Era como se ensinar e aprender e, 63Vale dizer que, no âmbito desse meu estudo, estou utilizando a idéia de ‘clima’, segundo a concepção de Luc Brunet (1999), priorizando no caso o que esse autor, apoiado em R. Likert, chama de clima aberto e do tipo participativo, com ênfase nas atividades e/ou ações em grupos, que se mobilizam e se juntam para conquistar seus objetivos.

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conseqüentemente ‘ser aluno/a’ envolvesse se deslocar, olhar em volta, subir e

descer, experimentar, se envolver com múltiplas situações e experiências, vivendo

mesmo uma ‘aventura cotidiana’, como estava propondo o Colégio Amanhecer.

Uma aventura constantemente arquitetada como sugere uma das minhas

anotações de campo.

A orientadora pedagógica está liderando a reunião. [...] Agora ela apresenta um roteiro de itens chamando atenção para a importância de trabalhar a autonomia do aluno e aponta alguns aspectos relacionados a essa questão e que podem ajudar nessa proposta de formar alunos mais autônomos. Ela fala sobre a importância de estimular atividades diversificadas, as possibilidades de usar estratégias de socialização das pesquisas/dados com chats e listas de discussão, sugere que as propostas de produção individual, além das em grupo, sejam incentivadas, propõe a elaboração de planos de estudo para além da sala de aula e sugere intensificar as relações de solidariedade entre alunos/as e o aperfeiçoamento das relações interpessoais. Marta vai apresentando suas idéias em diálogo com os/as professores/as. (6 de fevereiro de 2006)

Um aspecto que merece registro é que os/as professores/as afirmavam que

durante o trabalho pessoal, mesmo com a responsabilidade que tinham de propor

as atividades e de funcionar como apoio à sua realização, muitas vezes, aprendiam

com as descobertas feitas pelos/as alunos/as, sugerindo que ambos passavam a ser

parceiros nas tarefas de ensinar e aprender. Em algumas ocasiões, pude ver

professores/as e alunos/as pesquisando juntos e enfrentando as mesmas

dificuldades para encontrar as repostas. Já em outras situações, vi alunos/as

surpreendendo os/as professores/as, trazendo para os/as docentes informações que

eles/as não tinham, reforçando a idéia de que trabalhar por projetos implica “uma

mudança de atitudes também dos adultos, convertendo-o em aprendiz”

(HERNÁNDEZ, 1998).

Por sua vez, creio que os/as alunos/as da 5ª série não chegavam prontos/as

ao momento do trabalho pessoal. Na verdade, esse parecia ser um espaço

privilegiado de construção da autonomia e de ressignificação do ofício de aluno/a.

Uma construção/ressignificação que passava pela desconstrução de expectativas

sobre o que era ‘aula’, o que era ‘ser aluno/a’ e também pela aprendizagem de

como trabalhar por e com projetos nesse segmento. Nesse caso, posso dizer que a

autonomia e o ofício de ser aluno/a, não eram dados a priori. Ao contrário, iam

sendo construídos no trabalho cotidiano, principalmente nesse momento dos

projetos. Dimensões que, como sublinhou uma das orientadoras, poderiam ser

cada vez mais aperfeiçoadas.

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[...] se a gente quisesse mudar, há outras formas de trabalhar pedagogicamente essa autonomia. [Aqui ela está se referindo a incentivar ainda mais a autonomia do aluno]. É só a gente querer romper um pouco mais com o modelo que tem, oferecendo outro modelo. À medida que você trabalha com professor tutorando todo o tempo e o aluno tendo que acatar opções que já foram feitas, diminuem as oportunidades de autonomia intelectual, social. Mas isso é uma questão muito difícil, mas pode acontecer. (Professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006)

Mesmo assim, os/as alunos/as da 5ª série do Amanhecer poderiam ser

considerados os protagonistas do momento do trabalho pessoal. Constantemente

desafiados/as pelas atividades propostas nessa etapa, além de irem conquistando

sua autonomia, acabavam tendo a possibilidade de reconstruir seu ofício de

estudante, vivendo uma experiência diferente de aprendizagem e num processo de

permanente relação com os/as professores/as e com outros/as alunos/as. Algumas

falas confirmam essa interpretação.

A gente está estudando em grupos e está estudando com amigos. Está estudando de uma maneira diferente do que a gente estuda. E aprende muito. Como o Fernando disse: “a gente aprende, mas parece que não está aprendendo, parece que você está se divertindo.” Aí depois que acaba o trabalho pessoal você vai ver que aprendeu. Daqui a pouco você está com sua família, fala daquele assunto, aí você vê que aprendeu aquele assunto aqui. Mas, na verdade, nem parecia que você estava aprendendo, porque estava aprendendo de uma maneira divertida. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006) [...] A gente aprende de formas variadas e normalmente em grupo e é mais divertido, mais dinâmico. Os professores ficam mais legais. No trabalho pessoal a gente aprende mais coisas. [...] O tema tem a ver com todas as matérias. Aí, nem que seja um pouquinho, naquele tempo do trabalho pessoal a gente sempre aprende um pouquinho de alguma matéria. Nas aulas os professores falam muito mais e no trabalho pessoal eles mandam a gente pesquisar. (aluno/a do grupo II – entrevista coletiva – 22 de novembro de 2006)

Um/a aluno/a chegou a fazer a seguinte referência: no momento do

trabalho pessoal, “cada um – sozinho ou no seu grupo – tinha que descobrir o seu

caminho para encontrar as respostas, mas no momento do estudo específico da

disciplina, era o professor/a quem dava as respostas.”

Assim sendo, é possível afirmar que a adoção de estratégias didáticas mais

flexíveis, com ênfases na pesquisa, na organização, análise e socialização de

dados, na criação de produtos diversificados, a partir dos achados da pesquisa, a

reorganização do espaço e do tempo, a ênfase no trabalho coletivo, mas com

compromissos individuais e a priorização de temas de interesse, que, como já

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disse, marcavam de modo especial esse momento do trabalho pessoal, estavam

favorecendo a construção dessa autonomia e de um novo modo de ser aluno/a.

Nessa perspectiva, o trabalho mediante projetos parecia estar favorecendo

uma reinvenção do ofício de estudante, a partir de uma reorganização curricular

que estava estimulando alunos/as mais ativos, a criação de espaços que

permitissem que eles/as contassem suas experiências, aprendessem com o ‘outro’,

além de com os/as professor/as e, principalmente buscando respostas para as suas

inquietações (mesmo que elas fossem provocadas pelos/as docentes), em

diferentes meios e/ou lugares.

Um ofício que parecia ser construído, inclusive, a partir de relações mais

afetivas criadas com a escola e com os/as professores/as desde cedo, pela maioria

das/dos crianças/adolescentes da 5ª série.

Na 5ª série já há, em geral, uma predisposição à leveza. A relação com o professor já começa mais leve, porque essa ligação afetiva é mais fácil de construir, porque eles já estão predispostos. Eles vêm de uma trajetória do primário, enfim do primeiro segmento, em que eles têm muita proximidade com o professor e essa proximidade continua na 5ª série. [...] E essa escola trata o professor muito bem e o aluno dessa escola gosta daqui. Ele tem uma identificação com esse lugar e ele se sente bem aqui, se sente acolhido, se sente confortável, se sente protegido. Então essa relação de proteção, de acolhimento, de se sentir bem-vindo passa para o professor. E ele aqui, numa determinada série ou noutra, onde as dificuldades sejam maiores, por causa da idade deles, mas em algum momento esse laço afetivo se estabelece. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Um ofício de estudante que ia sendo construído e vivido no próprio “local

de trabalho” (PERRENOUD, 1995), em meio à vivência de diversas atividades,

realizadas em diferentes espaços de aprendizagem e que, em função dos

momentos do projeto, provocava e/ou exigia relações diversas com os/as

professores e com os pares, bem como com os conhecimentos.

E, desse modo, tal como sugere Perrenoud (1995), no Amanhecer, a

aprendizagem e a própria vivência do ofício de aluno/a poderiam ser entendidas

como respostas ao modo como a escola estava organizando e desenvolvendo seu

currículo e sua prática escolar.

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6.1.2 Sobre o ofício do/a professor/a

Nesse item, busco dar alguns passos, no sentido de compreender um pouco

mais acerca das características do ofício dos/as professores/as da 5ª série, levando

em conta que considero que esse ofício também estava sendo reconstruído no

interior do movimento de transformação em curso no Amanhecer, imbricado,

inclusive, com o novo desenho, delineado para o exercício do ofício de aluno/a

(PERRENOUD, 1995).

Perguntados sobre como estavam lidando com o trabalho por e com

projetos, a maioria dos/as entrevistados/as – tanto os/as veteranos/as que tinham

participado da fase inicial da proposta, como aqueles/as que tinham chegado mais

recentemente – ressaltou, reitero, que se tratava de uma experiência desafiadora,

nova para eles/as64 e que, por isso mesmo, tinha provocado e ainda provocava

constantes questionamentos. Segundo os/as professores/as, “enquanto há dúvidas

sobre a dinâmica dos projetos e as suas funções, o sentimento de insegurança

toma conta.” E, nesse caso, é necessário superá-las para poder se integrar,

participar, contribuir e, assim, “se sentir mais ‘entrosado’ para tocá-la”, como

sublinhou um/a deles/as.

Entretanto, considero que a compreensão, mas principalmente a comunhão

com os princípios norteadores da proposta, a possibilidade de constatar que havia

ganhos (para alunos/as e professores/as), no sentido inclusive, de torná-los/as mais

próximos/as, e que não havia quedas de qualidade (vários/as professores/as

afirmaram que esse medo assombrou muito no início da experiência) e, ainda, a

certeza de que não estavam sozinhos/as, pois o trabalho coletivo era uma

constante, são aspectos que parecem contribuíram e continuam contribuindo de

modo significativo para a superação de resistências e/ou dificuldades que por

ventura existissem no desenvolvimento de seu trabalho.

Resistências e dificuldades, decorrentes, muitas vezes, do fato de que,

embora professores/as especialistas nas suas áreas de conhecimento, precisavam

64Muitos/as docentes destacaram que apesar de existir uma vasta literatura não só sobre as questões relacionadas à integração do currículo e do conhecimento escolar, como também sobre pedagogia de projetos, se tratava de uma proposta nova para aquela escola, que tinha optado, inclusive por construir sua própria versão, além de ter que enfrentar o rompimento com um estilo de trabalho consagrado não só pelos/as professores/as (principalmente por aqueles/as que já estavam há muitos anos na escola), como pelas famílias e até, pelos/as alunos/as.

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manter com os projetos de investigação uma relação global e integrada. Quer

dizer, por conta do trabalho centrado em projetos, eles/as tinham que pensar e agir

para além de seus próprios campos disciplinares, trabalhando a partir de e com

temas e, ao mesmo tempo, procurando fazer links entre esses temas e as suas

disciplinas. Eram eles/as mesmos/as que destacavam: “agora temos dois papéis –

um como dinamizador/a do trabalho pessoal e outro como professor/a e/ou

orientador/a da matéria.” Ou seja, na hora do trabalho pessoal eles/as se

colocavam mais como um ‘mediador’ e/ou um ‘facilitador’ da realização das

atividades, enquanto nos tempos destinados aos estudos específicos de suas

disciplinas, o compromisso com o ensino e a aprendizagem dos

conteúdos/conhecimentos relacionados às diversas matérias, aproximava-os/as

mais do papel de ‘condutor’ e/ou ‘orientador’.

Questionados/as, especificamente sobre o seu ofício, grande parte dos/as

professores/as usou a expressão ‘dinamizador/a’ para fazer referência às suas

responsabilidades diante do trabalho pessoal. O que parecia significar

principalmente motivar para aprender a aprender, ajudar a se organizarem,

orientar a execução das atividades. Creio que os depoimentos a seguir são bons

exemplos para sustentar essa análise.

[Nesse caso o professor tinha sido convidado a falar sobre suas intenções durante o trabalho pessoal]. A minha primeira preocupação é motivar o aluno a querer aprender; a querer ter vontade, ter motivação para aprender. [...] E você criar uma atividade lúdica, fazer uma atividade de forma lúdica e divertida não quer dizer que ela tenha que ser bagunçada, que ela tenha que ser desorganizada. Você pode se divertir muito bem organizado, totalmente concentrado naquilo que está fazendo. E você está se divertindo. [...] O que a gente quer com o aluno, estimulando ou motivando através das atividades, é que sejam mais interessados. É uma preocupação nossa. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006) [...] Quando eu entro no trabalho pessoal, eu preciso saber inicialmente se todos vão me ouvir, sem agitação desnecessária e que só depois eles vão começar a trabalhar. Primeiro, eu preciso ser ouvida, para que compreendam a tarefa para que possam depois levar a tarefa até o fim. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Ser dinamizador, mobilizador ou, até mesmo, um organizador das

atividades, não significava, como já apontei, que eles/as estivessem se isentando

dos compromissos com os conteúdos/conhecimentos e também com o

estabelecimento de relações mais afetivas com os/as seus/suas alunos/as, durante

o trabalho pessoal, como expressou o próprio professor Nelson.

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Também eu gostaria de passar o meu conhecimento, a minha prática, a minha experiência de vida. Em muitos momentos o tema nos faz discutir algumas questões de vida, algumas questões do dia-a-dia, da sua experiência. De como é a sua vida. O quê que você faz? Então, dependendo da atividade, você pode estar trazendo conhecimentos, mas também um pouquinho de você ali. Então, você cria também um laço afetivo com seu aluno. (Nelson – professor de Educação Física – 29 de novembro de 2006)

Todavia, quando se referiam ao momento dos estudos específicos, os/as

professores/as tinham uma tendência a ressaltar o seu compromisso com os/as

alunos/as no sentido de fazê-los/as se apropriar dos diversos

conteúdos/conhecimentos que faziam parte dos programas adotados nas suas

disciplinas. Nesse caso, alguns/mas deles/as se intitulavam ‘orientadores/as’. E

essa preocupação de orientar a aprendizagem quase sempre estava atrelada à

necessidade que eles/as tinham de ‘motivar’, quer dizer, de despertar o interesse

dos/as seus/suas alunos/as pela sua proposta trabalho.

A minha intenção em todos os momentos é de motivação [ela está comentando sobre suas intenções quando entra em sala no momento específico]. Do menino se engajar em uma proposta. Então na minha aula específica o que eu desejo é que ele compreenda o sentido daquilo ali, o que ele está fazendo ali. O quê que eu estou fazendo ali? O meu papel de orientadora. E que esse papel é um papel que exige muitas vezes, uma certa contrariedade da parte do aluno, porque nem sempre ele concorda com aquilo que a gente imagina, com aquilo que a gente faz, aquilo que a gente avalia, mas também quero que ele tenha um certo encanto por aquilo que está sendo feito. Eu quero que ele compreenda o meu papel, de estar ali como orientadora, compreenda o próprio papel. Para aquilo ali existir é fundamental que ele interaja comigo e que tenha também um certo encanto. Acho que isso é muito. Nem sempre dá, às vezes dá e às vezes não dá. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006)

Diferente, portanto, de seu papel à frente do trabalho pessoal – neste caso,

mais polivalente, no momento disciplinar, eles/as eram os/as especialistas. E

apesar de todos/as eles/as terem ressaltado que ‘agora’ estavam mais a vontade no

papel de dinamizadores do trabalho pessoal, eles/as pareciam se sentir mais

‘confortáveis’ no papel de ‘professores/as’ de sua matéria. De qualquer modo, no

exercício de seus diferentes ofícios – orientadores/as, dinamizadores/as,

organizadores, professores especialistas, lidando com questões de natureza

metodológica ou mais especificamente com os conteúdos/conhecimentos - o que

parecia prevalecer no exercício do ofício dos/as professores/as eram as

possibilidades de viver interações de diferentes tipos - com os seus próprios pares,

com as equipe de orientação pedagógica e/ou educacional e principalmente com

os/as alunos/as.

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E, portanto, no Amanhecer, havia muitas oportunidades, no sentido de que o

ofício de professor/a não fosse vivido de modo isolado ou solitário. Ao contrário,

sua construção e vivência se davam de maneira solidária (PERRENOUD, 1995), no

interior de um amplo processo de colaboração que freqüentemente era mobilizado

para conceber, gerir e realizar os projetos de investigação.

Vale observar que não existiam fronteiras rígidas entre os diferentes papéis

exercidos pelos/as professores/as nos dois momentos que configuravam os

projetos de investigação. O depoimento a seguir reforça essa observação.

[Ela está se referindo ao papel dos/as docentes]. No trabalho pessoal, ele seria o mediador do conhecimento, das relações. Mas, ele não pode perder a função de professor - mesmo aí, mas é um professor diferente. Ele pode ser mediador, ele pode ser o dono do saber sim, em alguns momentos, mesmo na hora do trabalho pessoal. Na posição dele de autoridade naquela sala, independente do conhecimento da disciplina dele, e até de não saber também. Coisa que na disciplina propriamente dita, não pode acontecer. Pouquíssimas, raras vezes, os professores conseguem estar nesse papel de assumir que “eu não sei”. Eu acho que o trabalho pessoal é esse espaço. Ele entra ali como aquele que vai ajudar os meninos a aprenderem a fazer, mas também está aprendendo a fazer com eles, só que em outro nível, mas não pode embolar não. Ele é um professor. [...] Na minha opinião, no momento do trabalho específico é a mesma coisa, só que com um controle maior do conhecimento, que muitas vezes na hora do trabalho pessoal ele não tem e é ótimo ele viver esse papel de não ter todo o conhecimento. Mas, na hora da matéria dele, ele tem mesmo que ter maior controle. Quando o professor é bom, ele é bom até para dizer que não sabe. (professora Nazaré – membro da equipe técnica – 7 de novembro de 2006)

Nesse contexto, os/as professores/as do Amanhecer, no exercício de suas

funções estavam rompendo com as suas rotinas, talvez ‘confortáveis’, para viver

novos papéis e reinventar cotidianamente as suas atuações (PERRENOUD, 1995),

por conta das mudanças provocadas pelo trabalho mediante projetos, o que

implicava, não só viver momentos de tensão e conflitos, como também correr riscos

(PERRENOUD, 1995), por exemplo, quando tinham que enfrentar o desconhecido.

Cabe ressaltar que não registrei nenhum/a professor/a que apontasse na

direção da escola voltar a desenvolver sua prática pautada por uma organização do

currículo inteiramente disciplinar. Lembro que grande parte deles/as chegou a

destacar que trabalhar por e com projetos representava um avanço não só para o

trabalho da escola, para as crianças/adolescentes, mas também no desempenho de

suas funções. As oportunidades que os projetos de investigação e que uma

perspectiva mais integrada do currículo criavam, no sentido de poder trabalhar e

aprender com o ‘outro’ pareciam compensar a complexidade que envolvia levar a

diante uma prática dessa natureza. Mesmo que alguns/mas tivessem se manifestado

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sobre a possibilidade de flexibilizar a carga horária do trabalho pessoal, o que

poderia estar significando ampliar o momento específico e, nesse caso, ampliar o

espaço para o exercício de um ofício que era para eles/as mais ‘familiar’.

Em resumo, o exercício do ofício de professor/a também passou por

transformações significativas, a partir da adoção e desenvolvimento do trabalho

mediante projetos, que implicou, inclusive, na reorganização do trabalho docente,

que passou a estar distribuído e configurado por diferentes momentos pedagógicos.

Quadro 2. Distribuição da carga horária de cada professor segundo o momento do projeto de investigação

Professor/a Disciplina

Tempo Trabalho Pessoal

Tempo Estudo Específico

Disciplina

Tempo Docência Projeto

Tempo Reunião

Total Tempos por professor/a

Prof.ª Matemática 01 04 05 02 07

Prof.ª Português 02 03 05 02 07

Prof.ª História 02 02 04 02 06

Prof. Geografia 02 02 04 02 06

Prof.ª Ciências 01 02 03 02 05

Prof.ª Língua Estrangeira

01 02 03 02 05

Prof. Educação Física

- 02 02 02 04

Prof.ª Educação Artística

01 01 02 02 04

Prof.ª Educação Religiosa

- 02 02 02 04

Total 10 20 30 - 48

De acordo com este quadro 2, é possível constatar que os/as docentes de

Matemática, Português, Língua Estrangeira e Ciências tinham uma carga horária

maior de trabalho associada ao momento de estudo específico da sua respectiva

disciplina, enquanto os/as professores/as de História, Geografia e Educação

Artística distribuíam igualmente o seu tempo de dedicação entre os dois

momentos do projeto. E apenas os/as de Educação Física e Religiosa não

entravam para dinamizar o trabalho pessoal, embora participassem junto com

todos/as os/as demais professores/as do seu planejamento. Vale destacar que o

trabalho mediante projetos contava com um total de quarenta e oito (48) horas de

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atividades semanais para o conjunto dos/as professores/as, das quais trinta (30)

horas correspondiam à atuação deles/as junto aos/às alunos/as, enquanto dezoito

(18) horas era o tempo que a escola estava investindo em planejamento e

formação em serviço.

Considero que um dos critérios para essa distribuição estaria associado à

intenção da escola de evitar que os/as professores/as tivessem perdas significativas

de carga horária e, conseqüentemente de remuneração com a implantação dos

projetos e, nesse caso, a dedicação anterior teria servido de elemento de referência

para essa reorganização do trabalho docente. Além disso, por conta das reuniões

criadas para viabilizar a experiência do Amanhecer, eles/as passaram a ter um

tempo maior ainda de dedicação à escola e, portanto aos projetos.

Contudo, não é possível deixar de observar que os/as professores/as de

Matemática e Português (pelo menos nesse grupo da 5ª série) tinham uma carga

horária maior em relação aos responsáveis pelas demais disciplinas, quase sempre

justificada com a idéia de que elas eram disciplinas que, além de seus objetivos

específicos, davam suporte ao trabalho com das demais.65

E, diante desse contexto de análise e reflexões, é possível afirmar que, em

função de trabalhar por e com projetos, os/as docentes do Amanhecer passaram a

exercer seu ofício marcados/as por uma perspectiva mais interdisciplinar e,

conseqüentemente, mais integrada. E, por isso mesmo, considero que eles/as

passaram a ser desafiados/as, na sua especificidade, por uma organização mais

aberta e flexível dos conhecimentos escolares. Um ofício que, no Amanhecer,

parecia que ia sendo construído, como sugere Perrenoud (1995), menos

dependente dos programas, de didáticas ou de regulamentos pré-fixados, para ser

orientado pela natureza do desenvolvimento e das aprendizagens a favorecer

juntos dos/as alunos/as e por regras éticas coletivamente construídas e

relacionadas, por exemplo, à disciplina, ao contrato pedagógico e à avaliação.

Um ofício de professor/a que, de acordo com Perrenoud (1995, p. 221),

parecia então exigir “uma maior profissionalização, no sentido da construção de

culturas comuns e de funcionamentos cooperativos” e, conseqüentemente, no

65Cabe aqui registrar que, no âmbito da minha pesquisa, não aprofundei nessa questão de hegemonia de algumas disciplinas sobre outras. Apenas acrescentaria uma observação, no sentido de que acredito que o trabalho centrado em projetos, fortemente marcado pela perspectiva da integração parece ter provocado uma distribuição mais equilibrada das disciplinas que compõem os momentos de estudos específicos dessas mesmas disciplinas.

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sentido de fazer evoluir, entre outros aspectos, as reflexões permanentes sobre a

prática integrada na prática, bem como o trabalho em equipe.

6.2 Reuniões pedagógicas: sujeitos em interação

Um dos aspectos intensamente valorizado pelos/as professores/as que

estavam participando da experiência do Colégio Amanhecer se refere às

oportunidades que ela criou, no sentido do encontro, da troca, do intercâmbio, do

diálogo, do fazer junto. Durantes as entrevistas, eles/as não se cansaram de repetir

(e muitas vezes) que um dos maiores ganhos que tiveram com as mudanças e/ou

inovações que aconteceram na prática curricular da escola foi a oportunidade de

trabalhar em grupo e, portanto, de construir coletivamente.

Eu estou gostando muito da experiência de trabalhar com os professores de outras disciplinas. Eu não pensei que fosse gostar tanto. Eu gosto muito de trabalhar com a minha equipe de área. No inicio eu achei que ia sentir muita falta. Mas, eu estou achando muito boa essa experiência de ver como os professores de outras disciplinas da mesma série trabalham, de ver o embate com os alunos com a experiência de outras disciplinas, porque a gente ficava muito só em Matemática. Eu estou achando muito interessante esse trabalho que é de equipe e que é trabalho integrado. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006) Eu não abriria mão da nossa atividade interdisciplinar. A elaboração das atividades sendo feita por todos. Todos os professores. Isso não pode deixar de acontecer, compartilhar. Dentro do projeto acho que não pode ter essa de fazer uma atividade específica, sozinho Vou fazer a atividade de História. Só de História, só Geografia, só de Matemática, só de Educação Física. Acho que as atividades e as tarefas têm que ser todas feitas em conjunto e com todos dando a sua participação ali dentro. (Nelson – professor de Educação Física - 29 de novembro de 2006)

Adjetivos ou expressões como: prazeroso, rico, construtivo, intenso,

dinâmico, muito bom, mais livre, gratificante, solidário, às vezes tenso, outras

vezes confuso, entre outros/as, foram com freqüência associados/as à idéia de

trabalhar com o ‘outro’ em diferentes momentos e/ou atividades e/ou espaços,

para alcançar os objetivos e as metas propostas pelo Amanhecer. Trabalho

coletivo e trabalho com projetos pareciam estar, naquela escola, intimamente

relacionados e em permanente construção.

Nesse item, faço algumas reflexões, buscando compreender quais seriam

as possíveis relações entre a dimensão do trabalho coletivo dos/as professor/a, os

projetos de investigação e a proposta da integração curricular na experiência do

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Colégio Amanhecer. A minha intenção aqui é refletir, de modo mais específico

sobre as reuniões de planejamento, realizadas nas tardes de segunda-feira com a

presença das equipes de orientação pedagógica e/ou educacional e dos/as

docentes, responsáveis pelas três turmas da 5ª série do Colégio Amanhecer.66

Desse modo, busco aprofundar a compreensão sobre o significado desses

encontros e, ainda, analisar e interpretar como os/as professores/as estavam vivendo

as suas relações e/ou interações nesses espaços muito particulares das reuniões de

planejamento pedagógico, que aconteciam, com o objetivo de conceber as

dinâmicas necessárias ao desenvolvimento dos projetos de investigação.

Encontros ou reuniões, onde o trabalho coletivo, o esforço conjunto e

solidário era mobilizado, principalmente para gerar as agendas semanais ou

quinzenais do trabalho pessoal, incluindo a descrição das atividades e dos

materiais necessários à sua realização, bem como a indicação dos mecanismos

pedagógicos, utilizados para o seu acompanhamento, controle e avaliação.

Trechos do meu diário de campo são exemplos significativos e que expressam

essa mobilização.

Estou agora no grupo da 5ª série. Luana (de História) distribui a pauta. Dois ou três professores estão discutindo o calendário e a reunião de sábado. Wanda (de Português) anota quem vai ao passeio na 5ª e 4ª. Ela pede tempo para uma observação: “fiz um rascunho sobre mapas de lugares.” E explica como e pede que todos os professores opinem. Agora, começa a leitura da pauta. Percebo nesta pauta uma pressão para a integração projeto (Trabalho Pessoal e Estudo Específico). Cibele (de Matemática) mostra o desenho feito pela Nair (professora de Artes) para montar o jogo. E sugere discutir essa atividade agora (atividade 10). Cibele começa então a ler a descrição feita pela Nair. Mateus (de Geografia) ajuda. Os demais escutam. Luíza (de Ciências) pede esclarecimentos sobre o número da atividade e é logo atendida. Wanda se oferece para fazer a revisão do texto instrução do jogo. Luana sugere fechar o cronograma da semana e quer saber como está cada turma – o que estão fazendo – onde estão no que tange à realização das atividades 7 e 8. Mateus comenta que eles (os alunos) fazem tudo muito rápido. Luana então quer saber: “em que consiste a socialização dessa atividade 8.” Mateus então sugere que haja a criação de uma ficção onde os personagens de cada bairro troquem informações pesquisadas. (20 de março de 2006) [...] Começa a leitura da pauta. Luana (de História) lê o 1º texto. E então Marta (orientadora pedagógica) pergunta: “vocês acham que o currículo formal e o real da nossa escola são diferentes?” Luana responde que o real é sempre maior que o oficial e acontece uma breve discussão sobre os significados de currículo real e formal. [...] Agora Marta chama a atenção para os prazos das atividades, em

66Essas reuniões com as equipes de cada série foram instituídas junto com a implantação do trabalho centrado em projetos, não só com um caráter de planejamento, mas também com a finalidade estratégica de formação permanente e em serviço, principalmente diante do desafio de levar a frente a nova experiência do Amanhecer. Ao lado dessas reuniões, continuaram acontecendo, embora com uma freqüência menor, os chamados encontros verticais, reunindo professores da mesma disciplina, mas de diferentes séries.

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função da culminância e completa: sugiro trabalhar com a palavra diversidade e não padronização. (Ela está se referindo à diversificação das atividades). [...] “Vamos rever a atividade 14”, propõe Luana e passa a explicá-la. [...] Agora acontece uma breve discussão liderada por Luana para a atividade 17 sobre cidades, sobre fotos. Marta pergunta sobre qual item do índice eles estão trabalhando “É o item dois”, lembra Wanda. Chega o Sidney (de Informática) que é recebido com “salamaleques”. As turmas querem fazer uma propaganda em vídeo e estão precisando da ajuda dele. As turmas estão acabando a atividade 13 (elaboração de uma propaganda). E ele avisa que na 4ª vai dar aula sobre moviemaker (um tempo para cada turma), turmas A e C. Rola dúvida sobre a B que talvez fique para a 5ª feira. [...] Agora, o grupo de professores está fechando o cronograma desta semana para as três turmas. [...] E Marta pergunta: “essa seqüência não está pesada: mapas, depois textos?” Cibele, Nair, Luana e Gilda reagem: não!! (com ênfase). Luana procura justificar o não. Agora a professora de Artes (Nádia) começa a explicar a proposta da atividade 16. Os demais professores ouvem e prestam atenção. (15 de maio de 2006)

Na verdade, essas reuniões eram espaços institucionais67 privilegiados de

interação, onde os/as professores/as do Amanhecer criavam atividades,

estabeleciam regras, definiam caminhos, dividiam responsabilidades e, assim,

podiam viver o ‘jogo’68 dos projetos de investigação e, conseqüentemente, da

integração curricular.

Reconhecendo o seu potencial no sentido de favorecer as construções

coletivas e com isso, viabilizar o trabalho integrado, interdisciplinar, as reuniões

de planejamento pedagógico eram valorizadas pela direção da escola, como

sugere esse depoimento.

Hoje em dia o que a gente faz é o seguinte: trabalha com os professores por equipes de série. Ao longo dos anos a gente foi fortalecendo isso, os próprios professores falam que isso foi fortalecendo o sentido de equipe. Quer dizer, é um trabalho construído em equipe. Para isso temos a reunião da segunda-feira. São duas horas, cada série tem as suas duas horas. Ali é discutida a questão do tema (acho que hoje em dia os alunos já participam bastante mais do que no inicio na escolha do tema). A partir daquele tema cada disciplina, inclusive, vai ver de que maneira conectar com o tema de uma maneira concreta e real, não é para ficar inventando moda, é para realmente se conectar com a temática. E os professores discutem que tipos de trabalhos podem ser feitos de tal maneira que essa interdisciplinaridade fique visível e clara também para os alunos. Embora, diversas dificuldades possam surgir pelo meio do caminho. (professora Manuela – membro da equipe de direção – 24 de abril de 2007)

Observando as reuniões, pude constatar que, naquele lugar, as conversas e

os debates, na grande maioria das vezes, giravam prioritariamente em torno dos

67Vale lembrar que o tempo destinado às reuniões semanais de planejamento pedagógico foi incorporado à carga de trabalho dos/as professores/as e, nesse caso, remunerado. 68Usei aqui a palavra jogo, no sentido simbólico adotado por Simmel (1978), associado à idéia de que o trabalho mediante projetos, tanto para a sua concepção/construção, como para a sua realização implicava trabalho de equipe. E para que ele funcionasse/acontecesse exigia o estabelecimento e o cumprimento de regras também coletivamente construídas/definidas.

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projetos, as idéias brotavam com facilidade e o ritmo de produção era acelerado.

Talvez o fato de muitos/as professores/as já terem quatro anos de experiência de

trabalho com os projetos de investigação estivesse contribuindo nessa direção.

Constatei também, além de muitas brincadeiras, diversas atitudes de cooperação,

ou seja, um clima constante de camaradagem e de troca entre os/as professores/as.

Essas atitudes de colaboração poderiam ser consideradas uma marca desse grupo.

Com freqüência, pude fazer o registro de expressões como: “pode deixar que eu

faço isso.” “Você quer que eu ajude você a digitar ou a corrigir?” “Posso ir agora

na biblioteca ver se tem o material que precisamos.” “Amanhã eu trago a revista

que tem o que a gente quer.” “Eu conheço gente que sabe falar sobre esse assunto,

posso pedir para ele vir até aqui, deixa que eu resolvo”, “deixa que eu vou pensar

nessa atividade e trago depois para a gente discutir.”

Um clima de colaboração que poderia estar contribuindo para que os/as

docentes pudessem aprender uns/mas com os/as outros/as, compartilhar e

desenvolver, em conjunto, as suas responsabilidades e, como conseqüência,

pudessem fortalecer os seus laços de confiança, o que talvez explicasse a

disponibilidade deles/as para viverem a experiência do Amanhecer, aceitando seus

riscos e/ou desafios. Nessa perspectiva, as reuniões poderiam ser compreendidas

como espaços de intensa sociabilidade grupal (SIMMEL, 1978), com

professores/as mobilizados/as e juntos/as em torno de interesses e/ou necessidades

específicas e comuns.

Algumas vezes, contudo, foi possível observar, se não conflitos, tensões,

que como já apontei, podiam ser geradas pelo confronto de idéias ou pela falta de

algum suporte técnico ou administrativo ou material importante e, também,

porque considero que faltava, às vezes, ‘jogo de cintura’ para lidar com os

imprevistos. Outro trecho do meu diário ilustra essa problemática.

[...] Marta (orientadora pedagógica) está resistente. Para ela a culminância é muito importante. “Não gostaria de flexibilizar.” Eles estão discutindo agora o que fazer em termos de avaliação com o aluno que falta à culminância. Marta diz: “temos que ter critérios, clareza de critérios.” Cibele (de Matemática) acrescenta: “mas se o Conselho foi antes, já fechou, não devemos descontar pontos.” Marta reitera a importância de “cobrar” nota para talvez valorizar ainda mais a atividade. Mateus (de Geografia) e outros defendem não tirar pontos. Cibele argumenta no mesmo sentido. Luana, Wanda, Nair, Nelson e Marisa estão atentos, mas quietos. Marta insiste na sua defesa. O debate continua: aqui um claro confronto de idéias. Agora Nelson (de Educação Física) argumenta que o ponto deveria ter sido tirado no critério participação na ficha do trabalho pessoal. Mateus reitera: “sou absolutamente contrário tirar qualquer ponto pela falta na

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culminância. Marta insiste: “não é dada a opção faltar, mas eu não vou ser a única voz de resistência, porque projeto não é meu, é nosso.” Nesse momento, Nazaré (orientadora educacional) sugere: “acho que isso deveria ser mais um critério na nota do trabalho pessoal - participação na culminância. A discussão continua, não há consenso. Contudo, a maioria não quer tirar ponto pela falta. Segue a reunião... (30 de junho de 2006)

Também durante algumas entrevistas, os confrontos e/ou tensões eram

comentados, embora ressaltando toda uma disposição para superá-los.

[...] conflito maior que a gente tem é o tempo. Eu gostaria de ter mais tranqüilidade. De reunir a equipe com mais tranqüilidade. [...] Mas, acho também se a gente tivesse mais tempo, a gente precisaria de mais tempo, de mais tempo e de mais tempo. [Parece que a repetição é para dar ênfase]. Isso eu acho a gente tem que ter essa consciência. Mas eu acho que se a gente trabalhasse com um pouquinho mais de tranqüilidade, a gente teria assim menos ansiedade. [...] Eu não sou uma pessoa de ficar brigando. Não é briga, eu sei, é conflito. Não sou de me desentender. Mas eu acho que esse ano foi muito tranqüilo. Eu acho que a nossa equipe de 5ª série, apesar de ter mudado um pouquinho, quem entrou e quem ficou, acho que está tendo um entendimento muito grande. Eu estou sentido isso, na nossa equipe de 5ª série de 2006, quer dizer, menos conflitos. (professora Carlota – membro da equipe técnica – dia 6 de novembro de 2006)

E nessa perspectiva, posso afirmar que as reuniões expressavam muito

mais um movimento de aproximação do que de distanciamento entre os/as

professores/as. E o desafio de estarem sempre buscando encontrar juntos/as os

caminhos para o desenvolvimento dos projetos de investigação, como um todo, e

do momento do trabalho pessoal, em particular, parecia ser motivo suficiente para

empurrá-los/as, no sentido da valorização do trabalho coletivo, mas também da

sua concretização. Um comentário (entre vários outros semelhantes) feito

espontaneamente por um/a dos/as docentes, durante uma dessas reuniões

pedagógicas parece sugerir essa interpretação:

Ainda temos muita coisa para ajustar, há muitos aspectos que precisam ser aperfeiçoados, como, por exemplo, a necessidade de superar a perspectiva tarefeira do trabalho pessoal ou avançar na questão da integração entre o trabalho pessoal e o estudo das disciplinas, mas estamos tentando fazer isso, juntos. (19 de junho de 2006)

Assim, essas reuniões eram marcadas, na maioria das vezes, pelo princípio

da negociação entre os seus diferentes atores, o que parecia contribuir, não só para

fortalecer o nível de mobilização dos/as professores/as, como também a sua

predisposição na perspectiva da produção coletiva (BOUTINET, 2002).

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Cabe registrar que os intercâmbios, trocas, sugestões, debates e até mesmo

as negociações e os contratos delas decorrentes eram norteados e/ou provocados

pela pauta da reunião69, um instrumento que indicava os objetivos e as metas que

deveriam ser cumpridas em cada encontro, além de sempre apresentar um pequeno

texto para orientar uma breve discussão teórica do grupo. Cumprir a pauta parecia

ser um compromisso levado muito a sério, caso contrário, eles/as “poderiam ter

problemas para dar andamento ao trabalho junto aos/às alunos/as”, como sublinhou

um/uma dos/as professores/as em uma das reuniões que presenciei.

Em consonância Hargreaves (1998a), todo esse esforço de interação e/ou

colaboração e/ou construção coletiva e/ou decisões colegiadas70 realizado pela

equipe da escola era crucial para assegurar o desenvolvimento dos projetos de

investigação e, ao mesmo tempo, garantir que o processo de reorganização do

currículo e do conhecimento escolar, em curso no Amanhecer, acontecesse. É o

próprio Hargreaves (1998a, p. 210) quem ressalta:

Nas situações em que as reformas curriculares são produzidas nas próprias escolas, a defesa da colaboração e da colegialidade e o seu contributo não levantam grandes problemas. A criação de relações colegiais produtivas e de apoio entre os professores tem sido considerada, desde há muito, como um pré-requisito para um desenvolvimento curricular eficaz, fundado no estabelecimento de ensino. Sob muitos pontos de vista, a colaboração e a colegialidade ligam o desenvolvimento dos professores e o desenvolvimento curricular. Com efeito, o fracasso de muitas iniciativas pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, à incapacidade para se construir e manter relações colegiais de trabalho que são essenciais para o seu sucesso.

E, embora reconheça que o trabalho coletivo não resolvesse tudo e/ou

permitisse encontrar todas as respostas, acredito que, no caso do Amanhecer, ele

era necessário e desempenhava um papel relevante, não só na perspectiva de

favorecer a superação dos desafios inerentes à experiência de trabalhar por e com

projetos, como também de gerar benefícios para o crescimento de todos/as os/as

envolvidos/as (HARGREAVES, 1998a).

69No anexo 5, exemplos dessas pautas. 70Cabe aqui destacar que considero que essas interações, colaborações, construções coletivas e/ou decisões colegiadas aconteciam especialmente durante as reuniões de planejamento pedagógico dos projetos de investigação, ou seja, essas reuniões se constituíam em verdadeiros espaços - formalizados, agendados, explicitados - de interação, colaboração, construção coletiva e/ou decisões colegiadas. Contudo, no dia-a-dia, nos encontros na sala dos/as professores/as ou durante a própria realização das atividades junto aos/às alunos/as também havia a possibilidade disso acontecer, apenas de modo mais informal e assistemático.

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Cumpre registrar que toda segunda-feira, um/a novo/a professor/a recebia

a tarefa de exercer a coordenação do dia e cuidar para que todos os assuntos da

pauta fossem cumpridos, o que na maioria das vezes acontecia, embora eles/as

mesmos/as reconhecessem que, em certas ocasiões, passavam por cima de alguns

pontos que talvez merecessem maior discussão71. Alguns/mas coordenadores/as

do dia, na visão dos/as próprios/as colegas, eram “tão bem sucedidos” ou

“talhados para a tarefa” que poderiam ser indicados/as para ocupar o ‘cargo’ em

caráter permanente, o que, quase sempre, era motivo de brincadeiras, pois a

coordenação em rodízio era uma das regras do jogo72.

Ao longo das reuniões pedagógicas, preocupações e interesses comuns,

mas também diferentes. Para alguns/mas professores/as, por exemplo, o que mais

os/as preocupava eram a concepção e a descrição das atividades previstas para

acontecerem durante o trabalho pessoal. Outros/as ficavam mais interessados/as

em fixar as regras de convivência e de disciplina, bem como as normas

necessárias à realização e organização dos trabalhos. Enquanto certos/as docentes

se mobilizavam mais quando a discussão girava em torno de como articular os

temas com os conteúdos/conhecimentos que faziam parte do programa daquela

série. Havia também aqueles/as professores/as, cuja produção dos/as alunos/as e o

modo como elas seriam comunicadas e/ou socializadas eram o que exigiam um

cuidado especial.

Preocupações diversas, distintas ênfases, mas uma forte marca: as

atividades dos projetos de investigação, não pertenciam a um único professor,

nem mesmo a uma única disciplina. “As atividades? Elas pertencem a todos/as e

todos/as deveriam pensar sobre elas”, “conceber as atividades é a nossa tarefa e é

o que precisamos fazer nas reuniões.” Frases desse tipo aparecem várias vezes no

meu caderno de anotações do campo. Elas foram ditas de diversas maneiras, por

diferentes professores/as, em diversos momentos durante as reuniões de

71Vale observar que ‘esses pontos’ que ficavam sem um maior aprofundamento, na maioria das vezes, se referiam às discussões que deveriam ser realizado em cima dos pequenos textos teóricos apresentados nas pautas de reunião e que geralmente tratavam de assuntos como: trabalho com projetos, integração do currículo e do conhecimento escolar, organização curricular, avaliação, diferença e multiculturalismo, entre outros. 72Uma regra que parecia contribuir, não só para fortalecer as lideranças já conhecidas, como também para descobrir novas, além de ajudar a distribuir de modo mais equilibrado as responsabilidades e, ao mesmo tempo não sobrecarregar o grupo. Por outro lado, creio que funcionava também como um mecanismo para descentralizar o poder, inclusive o poder exercido, mais comumente, pelas equipes de orientação pedagógica e/ou educacional.

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planejamento pedagógico do Amanhecer. E, assim, juntos, trocando, integrados73,

os/as professores/as iam tecendo a experiência do Amanhecer.

Por sua vez, a presença nas reuniões das orientadoras - pedagógica e/ou

educacional - era constante. Presença que parecia ter como uma de suas funções

prioritárias chamar a atenção para a necessidade de ‘pensar’ os momentos do

trabalho pessoal em diálogo com os dos estudos específicos das disciplinas e

ainda ‘pensar’ as disciplinas no contexto dos projetos de investigação e,

conseqüentemente ‘pensar’ essa integração curricular, como sugere este trecho do

meu diário de campo.

Marta (orientadora pedagógica) pede para retomarem a reunião. Ela está preocupada com a definição do tema para o próximo semestre. Luiza (de Ciências) pergunta que estratégia usar para trabalhar com os alunos a escolha do tema. Marta lembra a estratégia de pesquisar no jornal e relata o que vai acontecer na 8ª série. Os professores vão apresentar os temas e os alunos vão definir o detalhamento, quer dizer, os assuntos/índice do tema. [...] Ela provoca mais uma vez. Pede que eles falem sobre estratégias que poderiam ser usadas com os alunos de 5ª série para que possam selecionar o tema. Rola certo silêncio. Marisa (de Educação Religiosa) e Luana (de História) tentam apresentar outras sugestões. A grande dificuldade (lembra Marta) na 6ª série neste semestre que passou foi a articulação entre o tema e os conteúdos específicos das disciplinas. “Temos que criar as condições para que isso aconteça, ressalta. É preciso levar as crianças a selecionarem um tema e vocês precisam ver como ele se articula com a disciplina. Mateus (de Geografia) então sugere pensar em uma estratégia que provoque o lado investigador deles (brincar com atividades que envolvam mistério, por exemplo). Mateus sugere que nesse início eles façam algumas investigações (fáceis) e que, a partir dos dados de observação eles possam sugerir temas/assuntos/índices. Por exemplo: observar o tempo (clima), depois fazer comparações. [...] Agora, Marta pergunta se os temas que estão aparecendo sugerem INVESTIGAÇÃO!!!!!! Aqui Marta é enfática. Ressalta outra vez que é preciso articular os conteúdos com o projeto. E Mateus sugere que o link seja pela pesquisa/pela investigação. “O aspecto integrador estaria no fato de fazer investigação. O nexo comum seria a investigação e não o tema, destaca Mateus. Marta reitera que se a integração for realizada pelo procedimento da investigação e não pelo tema, “isso é diferente do que a gente vem fazendo até agora.” “Se isso for aprovado, seria necessário apresentar uma pergunta clara”, reforça Marta. Ela está sempre alertando para a necessidade de links e de integração. (19 de junho de 2006) Vale destacar que as relações estabelecidas entre o grupo da orientação e

os/as demais professores/as não eram marcadas por dimensões hierárquicas

rígidas. Ao contrário, eram relações mais horizontais, menos hierárquicas e que

criavam um clima de interação favorável à construção do trabalho coletivo. 73Creio que aqui vale um destaque, no sentido de explicitar que, nesse contexto das reuniões, o conceito de integração parecia ressaltar ora a relação e/ou diálogo entre os sujeitos, ora a relação e/ou diálogo entre os conhecimentos. De qualquer modo, me parece que uma coisa acabava levando ou estava relacionada à outra. Ou melhor, a integração dos sujeitos e dos conhecimentos parecia, na experiência do Amanhecer, ser indissociável, ou seja, acredito que cada uma delas era condição para que a outra acontecesse.

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Responsáveis também pelas ‘costuras’, isto é, pela difusão de informações e

diretrizes voltadas para a realização dos projetos, a participação, nas reuniões, das

equipes de orientação pedagógica/educacional parecia ser constantemente solicitada,

além de valorizada também por seu papel catalisador (BOUTINET, 2002), buscando,

sistematicamente interpretar e articular as expectativas e desejos de cada professor/a

com as decisões coletivas. O que não significa dizer que entre as orientadoras e os/as

demais educadores/as não houvesse discordâncias ou embates.

Em algumas oportunidades, registrei reuniões inteiras, onde uma grande

parte das discussões tinha sido dedicada à busca de consensos em torno de uma

determinada idéia ou proposta da equipe de orientação, às vezes, ele não acontecia

ou acabava prevalecendo uma outra alternativa oferecida pelo grupo. Alternativa

que não era necessariamente a proposta da equipe de orientação, mas que era por

ela aceita, o que considero uma expressão de seu desejo de manter nas reuniões

pedagógicas um clima de harmonia e de relações democraticamente construídas.

Foi assim, por exemplo, no caso dos debates travados em torno da possibilidade

de adotar ou não como critério de avaliação a participação e/ou ausência do/a

aluno/a na culminância e sobre a oportunidade ou não de considerar que a

integração entre o trabalho pessoal e o estudo específico das disciplinas poderia

ser feita também pela via metodológica (no caso, utilizando o instrumento da

pesquisa), principalmente quando a integração entre conteúdos/conhecimento se

mostrasse difícil.

Mesmo assim, no papel de mediadoras, considero que a equipe de

orientação ajudava a tecer as redes de relações entre os/as vários/as professores/as,

num claro movimento de incentivo à aproximação entre eles/as e à troca de seus

saberes, experiências e, quem sabe, contribuindo para viabilizar o movimento pela

integração curricular.

Como afirma Velho (2001, p.27), “os mediadores, estabelecendo

comunicação entre grupos sociais distintos, são, muitas vezes, agentes de

transformação [...] A sua atuação tem potencial de alterar fronteiras, com o seu ir

e vir, transitando informação e valores.”

É provável que os/as diversos/as professores/as da 5ª série não

constituíssem grupos tão distintos, pelo menos, nos termos da citação de Gilberto

Velho (2001), entretanto, não posso deixar de lembrar que eles/as eram plurais,

diferentes, tinham pontos de vista e entendimentos diversos em relação aos

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próprios projetos de investigação e às possibilidades da integração curricular. E,

por isso mesmo, o papel de mediadoras exercido pelas orientadoras do Amanhecer

pode ser interpretado como uma condição importante, na perspectiva, inclusive de

fazer o trabalho da equipe fluir, as estratégias escolhidas funcionarem, as

informações circularem e os valores serem preservados, quando da concepção e

realização dos projetos de investigação.

Em resumo: mais do que uma simples estratégia, a partilha de idéias,

saberes, experiências, tarefas, compromissos parecia ser mesmo uma atitude

construída e incorporada pelos/as professores/as, no cotidiano de suas atividades,

o que sugere que o tempo de vivência ou experiência com os projetos fazia

alguma diferença. Em outras palavras, quanto maior era o envolvimento e/ou a

integração dos/as professores/as nas ações coletivas, maiores eram as

possibilidades dessas construções coletivas acontecerem.

Além disso, parece que a existência, não só de um ‘clima’, mas também a

própria vivência de atitudes e ações de colaboração e/ou integração e/ou de trabalho

coletivo impregnando a equipe do Amanhecer, acontecia tanto no sentido de

impulsionar o desenvolvimento dos projetos e de suas diferentes atividades, como

de provocar, com freqüência, reflexões críticas acerca da proposta do colégio.

Vale registrar que, em diferentes oportunidades, os/as docentes

sublinharam a necessidade da escola intensificar o processo de formação em

serviço, de modo que fosse possível, tanto aprofundar nas questões mais teóricas,

como também no planejamento do trabalho centrado em projetos, além de

contribuir para fortalecer os próprios laços da construção coletiva.

Um comentário da professora de Matemática reforça essa idéia.

[...] A gente deveria ter mais tempo para os nossos encontros, para organizar de forma melhor e mais tranqüila. Os dois tempos semanais são poucos. É muito assunto para tratar em dois tempos. O ideal é que a gente pudesse ter, pelo menos, três tardes, mas aí é que está, seria o ideal. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006)

Também um trecho do meu diário sugere que o grupo acreditava na

necessidade de continuar estudando.

O grupo está planejando as próximas atividades do trabalho pessoal. Luana (de História) lembra que é preciso trabalhar sobre questões de pesquisa. Que há necessidade de aprofundar o que é pesquisa, a partir de leituras mais cuidadosas. Ela apresenta um texto que extraiu da Internet sobre a importância

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da pesquisa e sobre o que é pesquisa e, ainda, para que serve a pesquisa. Lê o texto que apresenta várias dicas sobre o assunto. Nazaré (orientadora) pergunta então qual seria a relação entre o texto da Luana e aquelas atividades em 3 etapas que estão sendo previstas para as crianças realizarem. Luana sugere que o tal texto do site seja uma espécie de sistematização das três etapas que seriam realizadas pelas crianças e pelos adolescentes, mas explica que antes é um texto para eles mesmos se aperfeiçoarem na questão da pesquisa e propõe que depois do estudo do texto sobre pesquisa eles voltem aos textos referentes às três etapas para formularem novas e outras questões de pesquisa para os/as alunos/as resolverem. (11 de dezembro de 2006) Nesse sentido, esses depoimentos reforçam a idéia de que para os/as

professores/as o ‘lugar de fazer’ também é o ‘lugar de aprender’. Inclusive,

concordo com esses/essas docentes, na medida em que reconheço que suas

competências para trabalhar mediante projetos, no âmbito de uma proposta de um

currículo integrado, emergem e se constroem, a partir de processos de mobilização

e de confronto de seus saberes na ação e, portanto, no contexto de seu próprio

exercício profissional (CANÁRIO, 2006).

Montar a semana de atividades dos/as alunos/as, quer dizer, definir um

conjunto de eventos pedagógicos relativos aos projetos de investigação e que

deveriam ser realizados no momento do trabalho pessoal - às vezes, parecia

mesmo a montagem de um grande quebra cabeça – era algo construído com o

trabalho de muitas mãos, embora talvez fosse necessário dizer que considero que

os/as professores/as de História, Geografia e Português, no ano de 2006, tinham

assumido, com maior freqüência, o papel de protagonistas nessas reuniões de

planejamento da equipe de 5ª série. O que não quer dizer que os/as demais não

tivessem tido também uma participação significativa74.

74Não tenho uma explicação mais elaborada sobre esse protagonismo. Em alguns momentos, pareceu que era por conta de que esses/as três professores/as fossem mais antigos na escola, entretanto, esse argumento não se aplicava à professora de Português. Outras vezes, achava que era uma questão de temperamento, ou seja, professores/as mais desinibidos/as ou agitados/as, o que não era verdade no caso de todos/as os/as três. Em certas oportunidades, pensei que poderia estar associado ao fato desses/as professores/as terem maior compreensão acerca da metodologia de projetos, mas isso não era suficiente para explicar o protagonismo deles/as, pois outros/as docentes tinham demonstrado em diferentes ocasiões um conhecimento significativo sobre a proposta. Pensei ainda na possibilidade de que suas disciplinas fossem aquelas em que era mais fácil fazer links com os temas dos projetos, mas esse critério também era relativo, tanto porque no caso dos assuntos mais instrumentais relacionados à disciplina de Português esses links não acontecessem tão facilmente (às vezes nem aconteciam), como porque em várias situações os/as professores/as das demais matérias tinham declarado que fazer tais links na 5ª série não era uma tarefa tão complicada. Apenas Matemática parecia ser uma disciplina onde esses links não eram tão explicitados, embora a professora demonstrasse com freqüência um esforço nessa direção. Talvez não houvesse um só motivo para explicar essa liderança. Provavelmente era por conta desse conjunto de fatores ou ainda por causa de outros aspectos que não consegui apreender.

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Era uma participação integrada da equipe que, além de expressar o seu

compromisso na perspectiva de fazer a experiência acontecer efetivamente,

também demonstrava seu interesse em refletir sobre o seu valor, os princípios e as

conseqüências de suas propostas, questionando e/ou até mesmo desafiando suas

respectivas práticas (HARGREAVES, 1998a), o que, segundo esse mesmo autor,

transformava os/as professores/as em iniciadores/provocadores das mudanças e

não simplesmente reagentes a elas.

Cabe ressaltar que sem a prática do trabalho coletivo, o desenvolvimento dos

projetos de investigação ficaria muito prejudicado e, por sua vez, sem as reuniões de

planejamento pedagógico, a prática da construção coletiva talvez não acontecesse e,

conseqüentemente, o movimento em torno da integração curricular se enfraquecesse.

O depoimento, a seguir, expressa com bastante propriedade o que essas

reuniões significavam para a equipe da 5ª série.

Uma forma também de manter um estudo freqüente, um diálogo freqüente é através das reuniões. Eu acho que hoje as reuniões pedagógicas têm um caráter muito distinto e rico, que é a reflexão sobre uma prática, um diálogo aberto e franco, estruturante de um trabalho de equipe. Isso foi um ganho reconhecido por todos, então eu acho que isso é uma conquista que deveria ser não só mantida, como avançar mantendo essa idéia das reuniões. (professora Marta – membro da equipe técnica – 9 de novembro de 2006) Nesse ponto, acho oportuno fazer um destaque para registrar que o Colégio

Amanhecer também promovia com certa regularidade as reuniões das equipes

disciplinares, agora envolvendo os/as professores/as do segmento de 5ª a 8ª séries. E,

embora tenha participado pouco desses espaços de encontro, pude perceber que

eles/as tinham como um dos seus objetivos principais discutirem os programas, as

linhas de ação e/ou as concepções que deveriam ser assumidas na perspectiva de

responder às demandas criadas pelos projetos de investigação. Discussões sobre o que

manter ou deslocar em termos de conteúdos de uma série para outra eram comuns,

mas principalmente o que manter ou mudar em termos da própria concepção e /ou

sentido da disciplina, considerando os princípios dos projetos de investigação e da

própria perspectiva da organização de um currículo mais integrado.

A construção coletiva, agora centrada nas equipes disciplinares, também

parecia, nesse caso, se fortalecer como dispositivo de integração e, ainda, como

mecanismo para a superação dos desafios que o trabalho mediante projetos colocava

para o processo de ensino-aprendizagem do conjunto de disciplinas da 5ª série.

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Alguns depoimentos parecem confirmar essa interpretação.

O clima é ótimo. [Wanda está se referindo à reunião da equipe de Português] A equipe é muito integrada. A gente tem uma coordenação que é muito bem levada pela coordenadora. Ela ouve muito. Ela dá sugestões e dá espaço. É a mesma coisa que nós fazemos na reunião da equipe de 5ª série. Todo mundo tem a possibilidade de falar o que pensa e acrescentar ou tirar. Para você ter um exemplo prático: quando a gente vai elaborar um relatório, que é um dos pontos de avaliação do trabalho pessoal, esse relatório é responsabilidade da equipe de Português, elaborar e aplicar. Quer dizer, a aplicação é no horário do trabalho pessoal, então pode ser qualquer um de nós [a referência é a qualquer professor da quinta série], mas quem corrige é o professor de Português. Nós levamos para reunião da equipe de Português uma idéia do que a gente vai fazer e cada professor vai falando a sua idéia e ouve as sugestões da coordenação de disciplina e da coordenação geral e dos colegas. [...] É uma produção coletiva. A gente não decidi nada na equipe de Português sem passar pela discussão de todos. (Wanda – professora de Português – 16 de novembro de 2006) [...] Na reunião de área a gente trabalha o que é mais específico. A de série a gente trabalha mais como um todo. [...] Na reunião de área disciplinar fica uma coisa bem específica. [...] A gente fala das experiências da gente, por exemplo, do conteúdo, o que já trabalhou, o que ainda falta trabalhar, as preocupações, o que vai sobrar para o ano seguinte, de 5ª para 6ª, de 6ª para 7ª, de 7ª para 8ª, da 8ª para o 1º. [...] A gente tentou também e já conseguiu re-programar o conteúdo de 5ª a 8ª série, de forma que ele se adapte também à realidade da gente e a realidade dos projetos. (Cibele – professora de Matemática – 6 de novembro de 2006) Entendo assim que as reuniões pedagógicas - de série ou das áreas

disciplinares podem ser consideradas como instâncias significativas que, a partir das

interações cotidianas vão socializando os/as integrantes do grupo em um sistema de

crenças e princípios, tais como: trocas, solidariedade, colaboração, autonomia,

coletividade, relações mais horizontais, descentralização do poder, por meio,

inclusive do rodízio de coordenação e, nesse contexto os projetos de investigação

vão sendo concebidos e gestados e um currículo mais integrado tecido.

Um comentário a mais: embora essas reuniões tenham assumido uma

dimensão mais relevante e institucional, a partir do trabalho centrado nos projetos

de investigação, contribuindo sobremaneira para que o trabalho coletivo fosse

potencializado, essa prática da construção conjunta, como o próprio movimento

de transformação do Amanhecer, pode ser vista, não só como uma prática

decorrente e enfatizada em função das atuais mudanças, mas também como um

movimento que atravessa a história do colégio.

Por sua vez, é válido repetir que a construção coletiva pode ser

compreendida – no interior da experiência do Amanhecer - como uma condição

para que os projetos de investigação e a integração curricular acontecessem. Ao

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mesmo tempo, é possível afirmar que sem a proposta de implementar uma prática

centrada em projetos, inclusive como uma alternativa de reorganização curricular

que valorizava a integração de conhecimentos e, como conseqüência, favorecia a

escola como espaço de circulação desses conhecimentos, a construção coletiva

talvez não fosse uma prática tão valorizada e mobilizada no Amanhecer. Em

outras palavras, trabalho coletivo e trabalho mediante projetos, no Amanhecer,

pareciam ser indissociáveis.

6.3 A avaliação da aprendizagem em questão

As reflexões feitas ao longo desse relatório permitem reafirmar que

trabalhar mediante projetos no Amanhecer gerou uma série de mudanças e/ou

ajustes no trato com os conhecimentos e valores, com os sujeitos e suas relações,

na organização do currículo e da prática escolar, decorrentes, inclusive, das

próprias concepções do que seria para o colégio ensinar e aprender. E, por isso

mesmo, a avaliação da aprendizagem75 não ficou fora dessas transformações.

Nessa perspectiva e antes de buscar compreender algumas questões-chave

referentes à avaliação da aprendizagem, como por exemplo, os seus limites e

possibilidades ou o seu significado no contexto dos projetos de investigação, é

necessária uma breve descrição acerca desse sistema - sempre tão complexo e

polêmico (e parecia que no Amanhecer não era diferente) na maioria das

experiências vividas em diferentes escolas, principalmente quando se trata de

propostas de inovação do currículo e da prática escolar (HERNÁNDEZ, 1998).

De início, acho importante sublinhar que no Amanhecer eram utilizadas

diferentes estratégias e/ou procedimentos de avaliação da aprendizagem, abrangendo

o momento do trabalho pessoal e o dos estudos específicos das disciplinas.

Mecanismos de avaliação que buscavam ser compatíveis com os princípios

norteadores dos projetos de investigação, na perspectiva inclusive da valorização de

uma aprendizagem mais global e significativa (HERNÁNDEZ, 1998).

75Cumpre observar que as normas referentes ao sistema de avaliação integram o Regimento Interno da Escola e qualquer mudança mais substantiva requer alterações nesse instrumento, bem como as medidas administrativas decorrentes dessas mudanças.

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Segundo as minhas observações e análise documental constatei que o

processo e/ou sistema de avaliação da aprendizagem era bimestral e incluía: (1)

auto-avaliação individual e, às vezes, coletivas, abrangendo a atuação do/a

discente nos diferentes momentos do projeto e registrada em fichas específicas

pelo/a próprio/a aluno/a, (2) avaliação feita pelo/a professor/a do processo vivido

pelos/as estudantes, abrangendo o resultado do desempenho em cerca de quatro

(4) ou cinco (5) atividades realizadas no momento do trabalho pessoal76, a

qualidade do relatório-síntese do trabalho-pessoal desenvolvido naquele período e

os aspectos relacionados à organização, cooperação e respeito às diferenças

expressos nas diversas fases do projeto e confrontados com as auto-avaliações

dos/as alunos/as; (3) avaliação feita pelo/a docente do produto, considerando

outros exercícios e provas realizados pelos/as alunos/as.

Cabe informar que os itens um (1) e dois (2) desse processo e/ou sistema de

avaliação valia três pontos, eram realizados com base nas observações sistemáticas,

na correção das atividades do trabalho pessoal77 e na análise do dossiê/pastas dos/as

alunos/as (uma espécie de portfólio78 onde todos os trabalhos, relatos e fichas de

auto-avaliação das/os crianças/adolescentes eram armazenados) e os resultados

(notas) eram registrados em um mapa global da turma, onde também eram anotadas

frases indicativas da ‘qualificação’ do desempenho de cada discente, extraídas de

uma listagem que apresentava trinta e nove dessas frases79.

Semanalmente, professores/as e alunos/as partilhavam a análise do

dossiê80 e todo final de bimestre, no mínimo uma das reuniões pedagógicas era

76Lembro que no momento do trabalho pessoal os/as alunos/as realizavam entre quatorze (14) a vinte (20) atividades com desdobramentos inclusive, ao longo do semestre. Desse conjunto, cerca de quatro (4) ou cinco (5) eram selecionadas para serem objeto de avaliação. 77Creio que é necessário informar que as notas referentes à correção das atividades que integravam essa etapa da avaliação eram dadas para o grupo já que na maioria das vezes (na verdade, acho que todas as vezes) as atividades eras realizadas por um conjunto de alunos/as. 78É comum o uso de portfólios em currículos e práticas mediante projetos com a finalidade de recolher e expor os trabalhos dos/as alunos/as com o objetivo, inclusive, de apresentar evidências sobre as aprendizagens e favorecer as auto-avaliações e as avaliações realizadas pelos/as docentes (HERNÁNDEZ, 1998). 79Um exemplo de mapa global (trata-se da ficha-registro) e a listagem das frases de avaliação qualitativa integram os anexos 7 e 8 desse relatório. 80No primeiro bimestre de 2006 foi instituído um sistema de tutoria, onde cada professor ficava com um pequeno grupo de alunos/as (cerca de quatro) para não só conversar sobre as possíveis dificuldades que eles/as estavam tendo na realização das atividades do trabalho pessoal, como também para realizar uma verificação da organização dos dossiês/pastas. Lembro que, embora a maioria dos trabalhos fosse feita em pequenos grupos, cada aluno/a tinha que ter o seu registro individual do produto dessas atividades, principalmente daquelas que seriam alvo de correção/avaliação.

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dedicada à realização dessa tarefa de avaliação da aprendizagem das/dos

crianças/adolescentes. O trabalho era feito por professores/as em pequenos grupos

dividindo alunos/as e/ou turmas. Sempre que havia alguma dúvida, o caso era

trazido para uma discussão em plenária. Essas reuniões eram uma espécie de

mini-conselhos de classe, com um foco maior em aspectos mais qualitativos do

desempenho dos/as alunos/as do que em resultados quantitativos.

O item três (3) do processo e/ou sistema de avaliação da aprendizagem

correspondia a sete pontos e era realizado, tendo como referência os resultados

(notas) obtidos nos exercícios de verificação e/ou provas aplicadas no momento

dos estudos específicos das disciplinas. Cumpre dizer que diversos exercícios

‘valendo nota’ eram aplicados ao longo do bimestre, enquanto as provas eram

realizadas no final de cada bimestre e incluíam, obrigatoriamente, pelo menos,

uma questão relativa aos temas e/ou subtemas pesquisados/desenvolvidos no

momento do trabalho pessoal. Nos boletins, além da divulgação das notas, eram

registradas também algumas das frases referentes aos aspectos mais qualitativos,

de modo que as crianças/adolescentes e suas famílias pudessem acompanhar o

processo e o seu respectivo desempenho nos projetos.

Uma observação complementar: nos documentos que analisei e também

nas minhas observações das reuniões pedagógicas e dos Conselhos de Classe mais

gerais, constatei uma freqüente preocupação, no sentido da necessidade de

estabelecer e explicitar os critérios utilizados tanto para a correção das atividades,

como também para descrever o que seriam atitudes como colaboração, respeito,

participação81, o que parecia ser um procedimento importante para ajudar o/a

professor/a na hora de analisar o/a aluno/a e seus trabalhos, como também

favorecer um melhor entendimento entre eles/as, principalmente durante a

comunicação dos resultados (HARGREAVES, 2002).

Um processo e/ou sistema que parecia, portanto, ser abrangente e

diversificado, buscando superar um conceito mais restrito de avaliação, ou seja,

mais centrada em produto ou apenas em provas (embora elas ‘valessem mais

pontos’), para favorecer uma avaliação da aprendizagem mais compatível com os

princípios e práticas que eram valorizados no desenvolvimento dos projetos de

investigação. Portanto, um processo e/ou sistema de avaliação da aprendizagem

81 Os exemplos de pautas de reunião pedagógica que integram o anexo 5 podem confirmar esse meu registro.

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que parecia procurar fugir de uma avaliação meramente classificatória e/ou

seletiva, para ser um processo que também valorizava uma avaliação mais

formativa (PERRENOUD, 1999), mesmo considerando que os resultados das

provas tivessem maior peso.

Em outras palavras, embora os aspectos relacionados à aprendizagem de

conteúdos/conhecimentos fossem priorizados, pude constatar que questões como

o desenvolvimento de valores, de atitudes frente aos/às colegas, aos/às

professores/as e ao trabalho, a prática da auto-avaliação, os mecanismos adotados

para aprender a aprender também eram objeto de observação e análise para

compor o quadro da avaliação dos/as alunos/as, como propõem, inclusive, autores

que valorizam uma prática escolar centrada em projetos (HERNÁNDEZ e

VENTURA, 1998).

Todavia, apesar de reconhecer que a equipe do Colégio Amanhecer tinha

concebido e procurava viver uma prática de avaliação da aprendizagem mais

compatível com os princípios e as características dos projetos de investigação, essa

constituía uma dimensão que tinha problemas, às vezes gerava conflitos entre os/as

próprios/as professores/as e entre eles/as e os/as alunos/as e, conseqüentemente,

precisava avançar mais ainda. E, embora tenha constatado poucos depoimentos por

parte dos/as professores/as sobre esse tema82, alguns registros que tenho me parecem

bastante emblemáticos, no sentido de apontar que a avaliação do processo de

aprendizagem precisava ser mais trabalhada e se aperfeiçoar.

Nesse sentido, um dos depoimentos que tratou desse assunto chamou a

atenção para a necessidade de se intensificar a avaliação da aprendizagem também

dos conteúdos/conhecimentos que eram pesquisados/desenvolvidos no momento

do trabalho pessoal.

Eu acho que a questão da avaliação propriamente dita ainda precisa ser mais discutida. [...] A prova ainda é do momento específico. Eu creio que a gente vai chegar um dia em que as avaliações poderão ser de uma maneira diferente. [...] Noutro dia, eu estive em um lugar, fora daqui do colégio, numa reunião social e

82Cabe destacar que no roteiro de entrevista não havia uma pergunta específica sobre avaliação. Optei por um roteiro semi-estruturado e, nesse caso, como a avaliação não era o foco do meu trabalho, pensei que essa questão pudesse surgir durante o diálogo. Por sua vez, creio que o silêncio da grande maioria dos/as professores/as (apenas três dos dezesseis entrevistados/as se referiram explicitamente à avaliação) talvez pudesse ser interpretado, associando-o às dificuldades ou às complexidades ou às polêmicas que, com freqüência, envolvem o tema da avaliação. Há vários exemplos de inovações, práticas que avançam, cujo salto não atinge da mesma maneira os mecanismos e/ou procedimentos e/ou estratégias ou, até mesmo, as concepções da avaliação da aprendizagem adotadas, no interior dessas experiências (HERNÁNDEZ E VENTURA, 1998).

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um pai falou: “esse trabalho pessoal ajuda muito o aluno.” Mas ele falou pejorativamente, achando que facilitava. E ele é um pai que não vem às reuniões. Eu falei: “você conhece?” “Você sabe como funciona?” Os alunos estão aprendendo muito, muita coisa. [...] Mas não existe uma avaliação, sobre isto, sobre essa quantidade de conhecimentos e variedade de coisas que eles estão aprendendo. E já no momento específico, tem a prova, tem a avaliação... (Carlota – membro da equipe técnica – 29 de novembro de 2006) E própria professora Carlota destacou a importância do/a docente adotar as

mesmas posturas no que se refere à orientação dos/as alunos/as, seja na hora da

prova, seja no momento da realização das atividades do trabalho pessoal objetos

de avaliação. Quer dizer, para ela, na hora da realização da prova os/as docentes

deveriam manter o mesmo papel de orientador e/ou de realimentador que marcava

a sua atuação no momento das atividades do trabalho pessoal.

Outra professora destacou a necessidade de se avançar na perspectiva de

uma avaliação do processo, quer dizer, de uma avaliação mais formativa. Para ela,

a, avaliação da aprendizagem no Amanhecer era como em outros lugares,

priorizava mais produto, era pontual e, nesse caso, deveria se aperfeiçoar,

ampliando o diálogo com os/as alunos/as no sentido de sua realimentação

(LUCKESI, 2000).

[...] Resumindo: o sistema de avaliação do ensino ainda privilegia o produto. Eu gostaria muito de poder mudar isso. [...] Poder chegar para você e dizer: Adélia você escreveu isso aqui. Isso não está muito claro. E eu digo: Adélia refaz. E você refaz e então seria pontuada pelo que você refez. Isso é avaliação do processo e não do produto. (Luana – professora de História – 16 de novembro de 2006)

Vale observar que nos depoimentos dessas duas professoras emerge como

maior preocupação a avaliação dos conteúdos/conhecimentos adquiridos e/ou

construídos pelos/as alunos/as, de um lado, confirmando que esse aspecto era

mesmo mais valorizado (lembro que o peso maior das notas era atribuído aos

resultados dos exercícios de verificação/provas) e, por outro lado, talvez

indicando a dificuldade de se analisar e avaliar o desempenho para além do

domínio conceitual, algo que parecia tão desejado quando se trabalha mediante

projetos (HARGREAVES, 2002).

Por sua vez, a indicação de que também era necessário aprimorar o

processo de observação e/ou de acompanhamento individual do/a aluno/a foi feita

por um outro professor.

Hoje em dia a gente está falhando muito na avaliação. Por quê? São vários espaços em que acontece o trabalho pessoal... [...] O aluno está em vários

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espaços... Você tem alunos na escola inteira. Você tem alunos lá em baixo, você tem alunos na biblioteca, você tem alunos no laboratório. Então como o professor pode estar acompanhando, se esse professor também está orientando [creio que ele está dizendo que esse professor não está simultaneamente nos diversos espaços]. Então, deveria ter mais de um professor acompanhando. De repente, um professor observando... Não sei... Teria o custo... Seria viável em termos de projeto? (Seu tom é de reflexão). [...] Eu acho que têm saídas, mas a gente tem que amadurecer sobre a avaliação no projeto. (professor Sidney – equipe do Laboratório de Informática – 12 de dezembro de 2006)

Além disso, o próprio professor Sidney apontou a importância de se saber

com maior precisão qual seria o ponto de chegada dos/as alunos/as em cada série,

já que a sistemática dos projetos de investigação de 5ª a 8ª era a mesma. Só depois

disso, para ele, seria possível definir melhor o que ‘cobrar’, ou seja, o que avaliar.

Eu tenho uma pergunta que ainda não me foi respondida. [...] Eu tinha vontade de saber, quer dizer, de entender melhor o processo do projeto em cada série. Que tipo de habilidades, que tipo de pesquisa eu quero na quinta série? A gente trabalha muito com uma metodologia científica, isso é fato, mas qual a diferença desta metodologia na quinta, na sexta, na sétima, na oitava? É na análise dos dados? É na produção dos produtos? É na profundidade da pesquisa? Eu não sei também. [...] E até hoje ninguém me respondeu assim: qual a diferença? (professor Sidney – equipe do Laboratório de Informática – 12 de dezembro de 2006)

Vale sublinhar, todavia, que constatei um esforço, freqüente, no sentido da

equipe do Amanhecer questionar e/ou refletir sobre as estratégias de

acompanhamento e/ou avaliação das aprendizagens que eram adotadas. Durante

as reuniões semanais de planejamento pedagógico, por exemplo, pude registrar a

existência de vários momentos de reflexão e debate, quando os/as professores/as

buscavam encontrar novos mecanismos, procedimentos e/ou estratégias, visando

aperfeiçoar o processo e/ou sistema de acompanhamento e/ou avaliação dos

alunos/as. Alguns trechos do meu diário de campo indicam essa preocupação.

O grupo está discutido quais seriam as possibilidades para aperfeiçoar os mecanismos de avaliação dos/as alunos/as. [...] Luana (de História) lembra a idéia referente ao acompanhamento/tutoria aos alunos. Cada professor com 5 alunos ou em torno de 5 alunos para fazer uma tutoria. Ela ressalta: acho interessante tentar um pouco isso. Um acompanhamento dos/as alunos/as mais de perto. Cibele (de Matemática) lembra sobre a disponibilidade do tempo (só um tempo dela é pouco). Luana tenta mais uma vez: seriam 4 alunos por turma, não precisa falar com eles agora. Por exemplo, diz Luana, quem tiver só um tempo vê só dois alunos de quinze em quinze dias. A idéia de tutoria na turma foi aceita e vai ser adotada. (6 de fevereiro de 2006) [...] Agora os/as professores/as estão assistindo um vídeo com depoimentos dos alunos/as sobre o desenvolvimento dos projetos. A idéia é discutir a partir da crítica e comentários dos/as discentes o que pode ser melhorado. Registrei o teor de algumas falas que aparecem nesse vídeo. Um aluno centra seus comentários na síntese (tem dúvidas de como fazer). Outro alerta que antes da

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síntese deveria ter mais tempo e orientação sobre como organizar a síntese. [...] Um outro aluno sugere levar a pasta para casa para estudar e arrumar melhor a pasta. E outro pergunta por que só algumas atividades têm nota outras não. [...] Já em grupo falam da auto-avaliação. Às vezes não sabemos se fizemos direito uma atividade (na verdade reclamam a realimentação). Outra aluna reclama de atividades longas porque “às vezes a gente se perde”. [...] Outro aluno diz: “é preciso ficar claro quando o professor diz que é preciso melhorar a organização.” [...] Os professores discutem sobre o que ouviram. Alguns concordam outros não com certas observações. Marta chama a atenção que o projeto não é só trabalho pessoal, mas o momento disciplinar também. “Mas sei que isso é uma caminhada.” Lembra a avaliação em relação às atitudes e que os critérios devem cobrir o momento do trabalho pessoal e dos estudos específicos das disciplinas e devem ser bastante explicitados para os/as alunos/as. (13 de março de 2006)

Reflexões sobre o tema da avaliação da aprendizagem também aconteciam

nas reuniões gerais que abriam e fechavam o semestre. Em uma delas, realizada

na abertura do primeiro semestre de 2006, registrei uma discussão sobre critérios

para avaliar as diferentes dimensões e práticas vividas durante os projetos de

investigação, que pode ser assim sistematizada:

Hoje é dia de reunião plenária de todas as séries. Trata-se da apresentação dos resultados dos trabalhos de grupo da semana passada. Fernanda (de Francês) apresenta o trabalho da 5ª série. São detalhamentos dos critérios de avaliação da aprendizagem. Os professores da 6ª série apresentam seus critérios também detalhados. Nos dois casos (5ª e 6ª) ênfases em diversos procedimentos formais. A questão da atividade de socialização na 6ª série parece ser mais elaborada. Marta (orientadora pedagógica) avisa que será necessário aprofundar a questão da síntese (elaboração do relatório) e da socialização (divulgação dos dados). A 7ª série parte do mapa conceitual: (1) mobilização inicial para o trabalho; (2) a organização do dossiê para definir seus critérios de avaliação. Chamam a atenção de que a investigação não se esgota nas propostas dos professores, mas com ‘coisas’ que eles trazem. Por isso, dar ponto ao que pesquisam e trazem. (3) índice de autoria. Quanto à diferença, capacidade de escutar o outro, vontade/postura geral também são critérios valorizados. A 8ª série sugere: diariamente os alunos vão organizar o material e a cada aula 5 alunos (amostragem) vão ser analisados. Alguns critérios enfatizam – independência e responsabilidade. Marta enfatiza o porquê deste trabalho – deseja maior transparência na pontuação. A professora de Português da 8ª reivindica que todas as séries recebam os relatos das demais séries para ser possível se apropriar das demais idéias. Outra professora (História – 8ª) sugere que os alunos recebam tais itens para compor a folha de rosto do aluno. (20 de março de 2006)

Ao longo de um dos Conselhos de Classe, registrei a fala de alguns/mas

representantes de turma, fazendo considerações e apresentando alternativas como,

por exemplo: “o dossiê é interessante porque nos ajuda a lembrar o que estudamos”,

“não está dando tempo de fazer as anotações no caderno dentro do horário do

trabalho pessoal”, “queríamos trabalho extra para ajudar a não ficar em

recuperação”, “trabalhamos juntos, em grupos, para fazer as atividades sem

problemas, mas tem gente que não trabalha e ganha nota.” Alguns/mas alunos/as,

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poucos/as é verdade, se queixaram da falta de realimentação do processo. Parece

que, apesar dos registros nas fichas e boletins, isso não era suficiente para eles/as se

considerarem reorientados ou informados quando à evolução de seus desempenhos.

Nesses Conselhos de Classe, os/as professores/as também se manifestavam

para buscar caminhos na perspectiva de aperfeiçoar o trabalho de

acompanhamento e/ou avaliação. Um pequeno trecho do meu diário de campo é

um exemplo dessa preocupação.

Marta (orientadora pedagógica) lembrou a reunião de 6/2 e destacou alguns pontos que gostaria de conseguir mais. Por exemplo, intensificar a monitoria; a organização das pastas; sínteses parciais; momentos de mais registros no caderno; mais percepção da autoria dos textos dos alunos; socialização como momento efetivo de troca; tutoria mais dirigida a alguns alunos. Ela então passa a falar sobre sua avaliação do que conseguiram. Destaca que tudo (ou quase tudo) tem avanços, menos a agenda e a tutoria dirigida. [...] Alerta que é preciso acompanhar mais a sistematização dos conhecimentos ao longo do trabalho pessoal, quer dizer, acompanhar as aprendizagens e pergunta, por sua vez, como pensar uma tutoria dos professores mais dirigida para o seu trabalho específico. Como avançar na tutoria? (30 de junho de 2006)

E eles/as se mobilizavam ainda para analisar a performance de cada aluno/a.

Nesse caso, pude observar com freqüência que essas avaliações de desempenho

pareciam ser realizadas em função de um/uma aluno/a ideal que os/as

professores/as, provavelmente tinham em mente (HERNÁNDEZ E VENTURA,

1998).

[...] Segue a reunião. São 10h e 30min. Vai começar então a análise das notas finais aluno por aluno, sob a liderança da professora Sabrina (coordenadora do segmento). Ela indica em que matérias a/o aluna/o está em recuperação e os/as professores/as são chamados/as a fazer comentários e dizem coisas do tipo: falta muito, é infantil, é dispersivo, é desorganizada. A idéia é ratificar ou explicar os porquês dos/as alunos/as estarem em recuperação. Os professores dispõem de xerox com as fotos das crianças para acompanhar. As dificuldades dos/as alunos/as vão sendo associadas também à relação com a família, ou melhor, aos comportamentos da família. A média é 6 (se no bimestre não alcança 6 é convidado/a a participar da recuperação). Há casos em que a recuperação é obrigatória. (30 de junho de 2006)

Um tema para refletir, um problema a debater. A avaliação da

aprendizagem no Amanhecer estava na berlinda, ou melhor, vivia entre a tensão

de já ter conseguido implementar um sistema mais amplo, que tentava olhar o/a

aluno/a levando em conta os conhecimentos adquiridos e/ou construídos, as

habilidades e atitudes desenvolvidas e os limites impostos por uma dificuldade de

ampliar ainda mais as lentes sobre esse/essa aluno/a, pela pressão externa,

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particularmente vinda de algumas famílias que pareciam ‘cobrar’ uma avaliação

mais tradicional e por conta, talvez, das próprias concepções que os/as

professores/as tinham sobre a avaliação da aprendizagem.

Além disso, considerando que a maior pontuação era atribuída aos

resultados dos exercícios e provas, abrangendo prioritariamente os

conteúdos/conhecimentos relativos aos estudos específicos, entendo que a avaliação

da aprendizagem privilegiava o trabalho com as disciplinas, embora reconheça o

esforço que estava sendo realizado para incorporar nessa avaliação as diversas

dimensões e metas de um trabalho centrado em projetos e, portanto mais integrado.

Mesmo com limites, um aspecto que vale ressaltar diz respeito ao fato de

que o processo e/ou sistema de avaliação da aprendizagem concebido e vivido no

Amanhecer parecia estar criando mais oportunidades, na perspectiva de que os/as

estudantes pudessem assumir maior responsabilidade sobre seu aprendizado

(HARGREAVES, 2002) e que os professores/as pudessem ampliar o diálogo com

as/os crianças/adolescentes, construindo e reconstruindo com eles/as o seu próprio

processo de aprendizagem.

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7 Uma Alternativa para Reinventar a Escola

Estou diante de várias folhas de papel em branco para dar início à escrita

do capítulo final da minha tese. Talvez fosse adequado esclarecer que sempre que

preciso criar um texto eu prefiro as folhas de papel, uma lapiseira bem macia e

uma boa borracha – foi assim no início de cada capítulo - e só depois que as idéias

começavam a fluir é que eu me deslocava para o meu computador para dar

seqüência à minha tarefa. Não me perguntem por que, mas é como se para criar

um texto eu precisasse desse ritual. E mais do que nunca eu preciso disso e de

toda a minha inspiração e competência para escrever o que deve ser esse meu

capítulo. Um capítulo dedicado a apresentar as minhas conclusões, tentando

responder (pelo menos parcialmente) às questões que levantei no início desse

relatório.

Mas a primeira pergunta que me veio à cabeça parece ser uma pergunta

muito simples, embora nesse instante eu ainda esteja refletindo sobre as suas

possíveis respostas. Conclusão do quê? De toda uma caminhada de estudos no

doutorado? Da minha pesquisa? Da minha tese? Ou apenas do meu relatório?

Na verdade, acredito que é tudo isso e mais a conclusão de um ciclo de

vida. De um período de quatro anos de estudos e dois de pesquisa de campo que

me envolveram plenamente. Não digo isso só para preencher as primeiras linhas

desse meu capítulo, mas sim porque acho que esse é um espaço para qual os

olhares vão convergir com muita curiosidade intelectual. Afinal, depois de quatro

anos estudando, pesquisando e escrevendo uma tese é natural que se crie uma

expectativa no sentido de que talvez eu tenha conclusões significativas para fazer.

E, por isso mesmo, antes de apresentar, nesse espaço, as minhas

considerações finais mais específicas sobre o estudo de caso que realizei, quero

aproveitar para deixar registrado que foram quatro anos extremamente ricos para a

minha vida pessoal e profissional. Foram quatro anos que fui seduzida por

inúmeras leituras que ora me deixaram cheia de inquietações, ora provocaram

ainda mais a minha curiosidade ou o meu senso crítico, ora me permitiram fazer

descobertas importantes.

Foi uma longa jornada em que fui atraída por intensos debates com as

minhas professoras e os meus pares, sempre muito competentes, inteligentes,

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críticos e, porque não dizer, generosos/as comigo. Foi também um tempo bastante

produtivo quando fiquei mergulhada na escola que selecionei para ser meu campo

de pesquisa. Um estudo de caso que me obrigou a fazer um exercício cotidiano de

estranhamento, para que eu não perdesse a minha perspectiva de pesquisadora,

tamanha a acolhida que me deram e não foi só uma acolhida afetiva, do tipo

portas abertas para que eu pudesse circular em todos os espaços e ter acesso a tudo

que me parecia necessário e relevante para compreender a experiência que

estavam vivendo, mas também foi uma acolhida que incluiu partilha de reflexão,

discussão e aprendizagem significativa.

Foram quatro anos de muita aprendizagem fruto de uma orientação firme e

permanentemente desafiadora que, acrescentados ao tempo que já temos de

parceria, somam vinte e cinco anos de uma amizade que só me faz crescer.

E, antes que me digam que estou ocupando espaço demais, é hora de

passar a fazer o que vim fazer aqui e ligar o computador, para fazer as minhas

considerações finais.

A título de conclusão Pelo costume, para dar conta de elaborar esse capítulo devo voltar ao

início desse relatório, retomar minhas questões principais - inquietações,

perguntas e hipótese - rever toda a trajetória de análises e interpretações que

realizei e tentar extrair conclusões que possam ser significativas para fazer

avançar o conhecimento sobre o objeto do meu estudo e pesquisa e, quem sabe,

formular novas perguntas para incentivar outras reflexões, uma vez que esse meu

trabalho é apenas mais um recorte sobre toda a complexidade que envolve a

instituição escolar.

Nesse caso, o primeiro passo talvez seja retomar as minhas motivações

iniciais que lembro estão relacionadas à tensão entre decretar o fim da escola ou

procurar contribuir para a sua reinvenção, de modo que ela possa responder com

maior propriedade aos desafios do mundo atual. Reitero que a minha opção é pela

segunda alternativa, não só porque reconheço “que ela está viva, ativa e se

mantém como um lugar de realizações possíveis e desejadas” (COSTA, 2003, 20

e 21), como também porque acredito que, ao lado da necessidade, existem

possibilidades de construir novos caminhos para que a escola possa assumir de

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fato o seu papel formativo e mobilizador de sujeitos, habilitando-os a participar

ativa e criticamente dos processos de transformação da sociedade, do mundo e da

vida, para fazê-la mais digna e justa.

Não desconheço que há incontáveis estudos, pesquisas e propostas

concretas que tentam discutir e/ou apresentar novos formatos para a escola

(CANÁRIO, 2006), mas considero também que muitas respostas ainda não foram

dadas, abrindo espaços, portanto, para novas reflexões e projetos. E foi nessa

perspectiva que me propus a realizar um estudo de caso sobre a experiência do

Colégio Amanhecer. Uma proposta de reorganização do currículo, dos

conhecimentos e da prática escolares, que adota como estratégia teórico-

metodológica o trabalho mediante projetos de investigação. Uma experiência que,

ao optar por desenvolver suas ações educativas centradas em projetos, teve como

pressupostos e/ou metas valorizar a vivência de um currículo mais integrado e

contextualizado, estimulando e favorecendo a emergência de novas configurações

para o uso dos espaços e tempos escolares, o exercício dos ofícios de estudantes e

docentes, as relações entre os seus protagonistas, entre eles e os conhecimentos

que circulam na escola, para a própria organização do currículo e dos

conhecimentos, entre outras dimensões do contexto intra-escolar, bem como uma

maior aproximação entre a escola e a sociedade.

Minha intenção era, portanto, conhecer e compreender um modo

alternativo de organizar o currículo, os conhecimentos e a prática escolares,

analisando-os e interpretando-os como uma ‘produção específica’ do Colégio

Amanhecer, mas com possibilidades de oferecer subsídios, na perspectiva de

contribuir para a reinvenção dessa escola, que proponho seja mais plural, menos

dogmática e articulada com as necessidades de seu tempo.

Para seguir adiante nesse capítulo, o próximo passo seria recuperar as

minhas perguntas e que se referem ao modo como os/as protagonistas da

experiência a descreviam, que significados lhe atribuíam e, mais especificamente,

como os projetos estavam lidando com os diferentes conhecimentos que

circulavam na escola, pois a minha hipótese era de que o trabalho centrado em

projetos poderia viabilizá-la como espaço de tensão, confronto, diálogo,

intercâmbio e/ou de cruzamento de conhecimentos e culturas e, nesse caso,

favorecer a relação entre ela e seu contexto.

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A reflexão e discussão sobre a reorganização do currículo e dos

conhecimentos escolares eram, portanto, meu foco de atenção e sobre o qual

construi a minha ‘narrativa’. Uma narrativa elaborada, a partir de muitas vozes e

observações que foram ‘recortadas’ como exemplos para as minhas análises e

interpretações, constituindo-se numa versão possível sobre a experiência, ou seja,

a minha versão, mas que reitero não é uma obra de ficção.

Feitas essas considerações que recuperam as intenções e/ou propósitos

desse meu estudo e pesquisa, posso agora seguir em frente e por em evidência

alguns dos meus achados, ensaiando breves respostas e/ou respostas possíveis.

Começo ressaltando a especificidade da configuração do trabalho centrado

nos projetos de investigação adotados pelo Amanhecer. Desde a escolha do nome

até a opção de criar dois momentos – o do trabalho pessoal e o dos estudos

específicos das disciplinas, com espaços, tempos e dinâmicas próprias – apontam

no sentido de que a escola criou os seus próprios padrões e mecanismos para a

vivência desses projetos.

Apostando, de um lado, na relevância de formar pesquisadores com

habilidades para definir os seus temas de investigação, formular questões em

torno desses temas, buscar e confrontar informações, saber tratá-las, socializá-las

e transformá-las em conhecimentos e, de outro lado, no papel das disciplinas

escolares como suporte para o aprofundamento dos achados frutos dessas mesmas

pesquisas, pude constatar que a equipe do Amanhecer optou por trabalhar

mediante projetos de investigação, procurando articular currículo integrado e

currículo disciplinar, mesmo que dentro de um contexto de uma maior valorização

e busca da integração curricular, seja organizando os conhecimentos escolares em

torno de temas, seja estimulando a interdisciplinaridade.

Valorizando sobremaneira o currículo integrado, é possível afirmar, em

outras palavras, que a escola optou por trabalhar por e com projetos de

investigação sem, contudo romper com a matriz disciplinar ou, como sugere

Lopes (2002), mantendo a matriz disciplinar como tecnologia de organização do

currículo e, conseqüentemente dos conhecimentos escolares.

Cabe ressaltar que o não rompimento com a matriz disciplinar, justificada

de diferentes maneiras (ora por conta da formação dos/as professores/as, ora por

questões administrativas, ora por demandas sócio-culturais) e, portanto a sua

manutenção parecia expressar, de um lado, certa inviabilidade, pelo menos em

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curto prazo, de mudanças mais radicais no formato escolar e/ou na organização

curricular e/ou dos conhecimentos escolares e, de outro lado, a crença na

possibilidade de tratar essa matriz de modo mais interdisciplinar e flexível.

Aqui, vale um entre parênteses para dizer que no início da experiência, o

rompimento com a organização disciplinar para que a escola fosse ‘tomada’ pelo

currículo integrado mediante projetos com temas e questões de investigação

parecia ser não só uma tendência, como uma meta. Contudo, as análises e

interpretações que realizei sugerem que no estágio em que a experiência se

encontrava parecia haver outra tendência, ou seja, a idéia de que as disciplinas

podiam ser mantidas, complementado, enriquecendo e/ou ampliando as respostas

exigidas pelos temas ou perguntas, mas trabalhadas em diálogo com a perspectiva

da integração, com constantes discussões em torno da seleção, seqüência,

abordagem e/ou tratamento dos conteúdos/conhecimentos previstos em cada uma

delas.

Desse modo, a experiência do Colégio Amanhecer parecia ter apostado na

possibilidade de ressignificar as práticas, as relações entre os sujeitos e com os

conhecimentos, enfim de ressignificar modos de ensinar e de aprender.

Posso dizer que os projetos de investigação eram como ‘guarda-chuvas’

sobre os quais havia espaços para abrigar, fazer dialogar, confrontar e construir

conhecimentos, a partir dos contatos que os/as alunos/as faziam com diferentes

conhecimentos, oriundos de diversas fontes: os livros, as revistas, a Internet, a

TV, os/as professores/as, as próprias experiências, os acontecimentos cotidianos e,

sobre o qual se procurava fazer acontecer, então, aprendizagens globais e

significativas (HERNÁNDEZ, 1998). Guarda-chuvas, cuja proposta era que

fossem abertos tanto sobre os momentos do trabalho pessoal, como sobre aqueles

dedicados aos estudos específicos das disciplinas, na perspectiva, portanto de

integrar as práticas, as relações e também os conhecimentos adquiridos e/ou

construídos nesses diferentes espaços.

Mas tudo isso parecia estar em processo. Como foi possível constatar, os

projetos de investigação estavam acontecendo no Amanhecer - tal como

concebidos por sua equipe - mais nos espaços do trabalho pessoal do que nos

momentos dos estudos específicos das disciplinas. As análises e interpretações

que fiz sugerem que, nos momentos do trabalho pessoal, os projetos de

investigação se fortaleciam. Lembro que, nessa fase, as dinâmicas vividas eram

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mais livres, lúdicas, diversificadas, aconteciam em diferentes espaços, com os/as

alunos/as exercendo o seu ofício de forma mais autônoma e protagonista, com

maiores possibilidades de aproveitamento dos seus saberes de referência e de

diálogo com os acontecimentos cotidianos, com ênfases nas atividades de

pesquisa, nas descobertas, no aprender a aprender, privilegiando a produção das

crianças e dos adolescentes e a sua expressão em diferentes linguagens.

Mesmo assim, não é possível deixar de comentar que os momentos de

trabalho pessoal precisavam continuar avançando (foram os/as próprios/as

professores/as que chamaram a atenção para isso), não só no sentido de

aperfeiçoar a prática em vigor, fundamentando-a cada vez mais, como também de

evitar que eles fossem formalizados por um excesso de tarefas e/ou

disciplinarizados, conseqüência, por exemplo, da repetição de temas, da definição

de um mapa conceitual e/ou um índice, tendo como referência somente os

conteúdos das disciplinas e não os assuntos sugeridos pelos/as alunos/as ou, ainda,

da falta de questões mais elaboradas de pesquisa. Além disso, foi possível

observar que a configuração dessa etapa se fazia em articulação com os momentos

dos estudos específicos, sugerindo que o diálogo com as disciplinas era relevante

e condição para a concretização dos projetos.

Por sua vez, mesmo levando em conta que os conteúdos/conhecimentos

disciplinares prevalecessem sobre os temas dos projetos, indicando certa

estabilidade do currículo disciplinar e que suas dinâmicas diversas vezes se

aproximassem de práticas mais convencionais, é possível dizer que os momentos

dos estudos específicos das disciplinas caminhavam no sentido de uma maior

flexibilização e/ou integração. E isso podia acontecer tanto pela via metodológica,

ou seja, incorporando também nessa etapa procedimentos de pesquisa e dinâmicas

similares àquelas utilizadas nos momentos do trabalho pessoal, como a partir do

esforço para fazer links, procurando favorecer o diálogo entre os conteúdos ditos

programáticos e os temas e/ou subtemas dos projetos de investigação. E, nesse

caso, é possível afirmar que seqüências e mesmo itens que deveriam compor os

conteúdos/conhecimentos disciplinares eram problematizados em função dos

referidos temas e/ou subtemas. O que sugere, de um lado, que essa etapa também

era forjada no diálogo com o trabalho pessoal e, de outro lado, que ela tinha que

continuar sendo problematizada, para poder avançar no sentido de aperfeiçoar

esse diálogo.

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Currículo integrado e currículo por disciplina – uma proposta de

articulação que no Amanhecer parecia criar uma terceira via com configuração,

desafios, conflitos e/ou tensões, que lhe conferiam uma identidade própria que,

como afirmou a orientadora pedagógica, “buscava articular lógicas diferentes, mas

que não eram excludentes.” Uma articulação que para alguns/mas resultava em

‘esquizofrenia’, enquanto para outros/as era uma ‘possibilidade de enriquecimento

mútuo’. Prefiro apostar que era um jeito diferente de fazer, quer dizer, um jeito

diferente de organizar o currículo, os conhecimentos trabalhados na escola e sua

prática educativa.

Um jeito diferente, mas que parecia ‘movimentar’ aquela escola que, por

causa e/ou em função dos projetos, era convocada, com freqüência, a encontrar

novas respostas, a rever suas rotinas, a reinventar modos de operar o trabalho

escolar. Um jeito diferente, mas o jeito daquela escola. E, nessa perspectiva,

alguns elementos e/ou aspetos pareciam marcar, de modo especial, a experiência

vivida pelo Amanhecer.

Um deles refere-se à idéia de que se tratava de uma proposta que parecia

ser não apenas uma resposta contingencial, mas parte de um processo de

transformação de longa duração. O Amanhecer demonstrou que estava sempre

buscando rever estratégias, procedimentos, organização, isto é, estava

constantemente procurando inovar para responder às características de seus

contextos intra e extra-escolar. Pelo que constatei, os projetos representavam mais

um movimento nessa direção, com a intenção de ser uma nova resposta às

exigências geradas pela complexidade do mundo contemporâneo. Uma

complexidade que, como ressaltou a sua própria diretora, estaria demandando “o

desenvolvimento de um currículo mais integrado e contextualizado”, ou seja, sem

fronteiras rígidas entre os diversos conhecimentos escolares, constituídos, a partir

do embate entre os conhecimentos disciplinares, aqueles que eram fruto da

experiência e/ou de referência dos/as, alunos/as e outros que convergiam para a

escola.

Em outras palavras, considero que a adoção dos projetos de investigação

significava uma resposta possível do Amanhecer para aproximar a escola da

realidade, a partir de uma reorganização curricular e, portanto dos conhecimentos

escolares que valorizavam a integração e/ou a interdisciplinaridade, buscando

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assim viabilizar um trabalho mais global, significativo e transformador

(HERNÁNDEZ, 1998).

Outro aspecto que merece destaque é que, no caso desse trabalho mediante

os projetos de investigação, o trabalho colaborativo, quer dizer, a construção

coletiva dos/as professores/as, mobilizada e/ou incentivada para criá-los e

desenvolvê-los ocupava um lugar significativo, permitindo que os/as docentes

saíssem de uma situação insular dentro da sala de aula para viver uma interação

recíproca (CANÁRIO, 2006). A institucionalização das reuniões pedagógicas

semanais dedicadas ao planejamento dos projetos, não só criou condições para

que o intercâmbio sistemático entre os/as diferentes profissionais se estabelecesse,

como também abriu espaços para aprendizagens mútuas e para a flexibilização das

fronteiras entre os diversos campos disciplinares desses/as mesmos/as

professores/as.

Os conflitos e/ou tensões que existiam nesse processo, talvez próprios de

uma prática social que estava envolvendo sujeitos plurais quanto a sua experiência

profissional e histórias de vida, pareciam ser administrados no âmbito da própria

construção coletiva, a partir da vivência de relações menos hierarquizadas,

favorecidas e/ou estimuladas, por exemplo, pela adoção do rodízio na

coordenação e/ou liderança das reuniões semanais e pelo papel mediador da

equipe de orientação pedagógica e educacional, que abria espaços para o

acolhimento das opiniões e/ou sugestões dos/as professores/as. E, assim, a

experiência, cuja decisão de adotá-la havia sido centralizada, isto é, havia partido

da direção da escola, vai sendo construída e reconstruída como fruto desse

trabalho coletivo/colaborativo e mediante constantes processos de negociação e

trocas (BOUTINET, 2002).

Por sua vez, é possível afirmar que a identificação com os princípios

referentes à visão de sociedade, de homem e mulher, do papel da educação e da

escola e norteadores da proposta educativa do Amanhecer e dos projetos de

investigação, em particular também contribuía para criar um clima favorável para

que os/as professores/as, juntos inclusive com os/as alunos/as, fossem

‘produtores’ das diretrizes e atividades dos projetos de investigação, mesmo que

isso fosse um processo ainda em construção, com demandas de aperfeiçoamento.

Mais um aspecto que vale registro é que, mesmo tendo permanecido com

uma organização que privilegiava a divisão do tempo em atividades e/ou aulas de

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cinqüenta (50) minutos, os dois (2) tempos diários criados para o trabalho pessoal

e dedicados mais intensamente à pesquisa dos temas geradores e seus

desdobramentos, ao aprender a aprender e às descobertas protagonizadas pelos/as

alunos/as pareciam potencializar não só a participação deles/as no processo de

ensino-aprendizagem, como também a perspectiva da integração entre os

diferentes conhecimentos. Cumpre ressaltar que considero que esses dois tempos

diários tinham gerado não só uma outra reorganização do trabalho docente, como

exigido outras maneiras da escola se organizar, inclusive no que se refere à

administração dos espaços e tempos escolares.

A experiência do Amanhecer parecia também ter favorecido e/ou

provocado a reconfiguração dos ofícios dos/as estudantes e dos/as docentes, que

exerciam papéis distintos ou, se preferirem, com ênfases distintas em função,

inclusive, dos diferentes momentos previstos para o desenvolvimento dos

projetos. No caso dos alunos/as chamava atenção a possibilidade deles/as estarem

exercendo um maior protagonismo no momento do trabalho pessoal, etapa que,

por sua vez, estava exigindo dos/as professores/as uma atuação mais polivalente e

interdisciplinar.

Além disso, a ênfase em atividades de pesquisa e nas produções

protagonizadas pelas/pelos crianças/adolescentes, o maior aproveitamento de seus

conhecimentos de referência, bem como a utilização de diversos espaços e

recursos de aprendizagem e o incentivo à adoção de múltiplas linguagens,

fortemente marcadas pela valorização do suporte tecnológico, que aconteciam

principalmente no momento do trabalho pessoal, são outros aspectos que podem

ser destacados na experiência do Amanhecer, reforçando a idéia de que a

reorganização de um currículo afeta e/ou atravessa papéis, relações, espaços,

tempos, conhecimentos, linguagens, entre outras dimensões da vida escolar. E,

como no caso do Amanhecer, o currículo integrado estava sendo não só

valorizado, como buscado concretamente e/ou em contínuo processo de

construção, essas reconfigurações, estratégias ou procedimentos ‘outros’ que eram

mobilizados e/ou viabilizados pela escola pareciam expressar seu esforço no

sentido de construir, como ensina Bernstein (1998), um currículo menos do tipo

coleção com alto grau de classificação e enquadramento para avançar na vivência

de um currículo integrado, flexibilizando fronteiras não só entre os conhecimentos

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disciplinares como também entre eles e os conhecimentos de referência das/dos

crianças/adolescentes.

Por outro lado, cabe observar que o tema da avaliação foi aquele que se

apresentou como uma questão bastante problemática, pois mesmo com todos os

esforços e mecanismos adotados para realizar uma avaliação da aprendizagem

com ênfase no processo, um conceito mais compatível com o trabalho mediante

projetos, a avaliação do desempenho dos/as alunos/as estava mais concentrada na

avaliação do produto, tendo sido silenciada por muitos/as professores/as. Poucos

falaram sobre ela e, no caso para dizer que merecia outro tratamento e mais

discussão.

Todavia, é preciso reiterar que a experiência do Amanhecer estava em

processo de construção/reconstrução e que talvez essa fosse a característica mais

marcante do trabalho mediante projetos naquela escola, ou seja, ele não estava

assentado sobre um modelo rigidamente pré-fixado. O que estava sendo realizado

(o que vi, ouvi e escrevi) eram os caminhos possíveis e provisórios encontrados e

propostos pela equipe naquele momento e que, portanto, para os/as professores/as

eram caminhos que precisavam ser aperfeiçoados ou, quem sabe, eventualmente

desviados para outra direção. Contudo, os/as profissionais pareciam saber

exatamente aonde queriam chegar e isso era dado pelos princípios claramente

definidos e marcadores do trabalho daquela escola. O que significa sublinhar que

isso era dado também pelo desejo tantas vezes e de diferentes maneiras

expressado pelos/as professores/as e que talvez pudesse ser assim resumido:

“tornar o trabalho mais interessante, mobilizador e significativo para aquelas

crianças e aqueles adolescentes e com isso promover e/ou favorecer a realização

de aprendizagens que pudessem fazê-las/los mais comprometidas/os com as

necessidades e exigências de seu tempo e contribuir para a formação de sujeitos

mais humanos, solidários e éticos”, nas palavras da própria professora Manuela,

membro da equipe da direção da escola.

De uma coisa tenho certeza, essas reflexões vão suscitar uma pergunta: o

que faz um currículo organizado pela perspectiva da integração, que não pode ser

realizado em uma organização disciplinar? Não tenho essa resposta, talvez ela

exija outra pesquisa, mas este estudo sobre a experiência do Amanhecer me

permite afirmar que a opção de trabalhar por e com projetos movimentou a escola,

desinstalou o grupo de suas certezas e até de suas rotinas, mobilizando-o no

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sentido de trabalhar e produzir coletivamente, de modo que juntos pudessem

tentar reinventar a forma escolar, criando inclusive, na escola, oportunidades para

a incorporação do patrimônio experiencial dos/as alunos/as (CANÁRIO, 2006) e,

desse modo, abrindo espaços para viabilizar o cruzamento de diferentes

conhecimentos e culturas (PEREZ GOMEZ, 1998), e também para as pesquisas,

as buscas, os diálogos, os confrontos, o aprender a aprender e, por que não, a

aquisição crítica dos conhecimentos que nela circulavam.

Para finalizar, não posso deixar de registrar que há outras questões

relacionadas à vivência dos projetos de investigação na 5ª série que poderiam ter

sido desenvolvidas (as informações disponíveis me permitiriam fazer isso) e não

foram, por conta dos limites de espaço e tempo que me obrigam a colocar um

ponto final nesse relatório.

Entretanto, nada me impede de anunciar essas questões e retomá-las, quem

sabe, em outra oportunidade ou deixá-las aqui para estimular a curiosidade de

outros/as pesquisadores/as. Nessa perspectiva, considero que na experiência do

Amanhecer de trabalhar mediante projetos de investigação seria oportuno refletir

ainda sobre, por exemplo:

- A problemática do dever de casa – um aspecto que mobilizava muitos/as

professores/as, alunos/as e suas famílias, sugerindo possibilidades de análise e

discussões sobre o seu significado e papel no desenvolvimento dos temas dos

projetos de investigação. A relação entre a dinâmica dos projetos que exige a

realização de inúmeras atividades dentro da escola e as tarefas extramuros.

- O sentido e o significado do uso das múltiplas linguagens quando se

trabalha por e com projetos e, nesse contexto, a possibilidade de refletir sobre a

função do livro didático no interior de uma proposta que, sem descartar esse

recurso, estimulava muito não só o uso de multimeios de aprendizagem, mas

também a produção das próprias/próprios crianças/adolescentes com a utilização

de recursos tecnológicos mais avançados. E também refletir sobre o papel dessas

tecnologias aproximando o trabalho mediante projetos e o jeito de ser dos/as

alunos/as.

- As questões de disciplina e/ou indisciplina no contexto de um trabalho

marcado por intensos deslocamentos, ritmos variados, liberdade de escolha e

ação, além de rotinas constantemente alteradas. No interior de uma proposta onde

a iniciativa, a autonomia e o protagonismo dos/as alunos/as são princípios e metas

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a serem alcançadas. E ainda a relação entre disciplina e/ou indisciplina e os estilos

dos/as professores/as nos diferentes momentos dos projetos.

- O tema da participação das famílias na concepção e realização dos

projetos de investigação. O modo das famílias do Amanhecer lidar com uma

experiência que é inovadora e rompe com algumas ‘tradições’ e ‘crenças’ que

povoam o seu imaginário sobre o que é ou o que deve fazer a escola.

- A questão relacionada a como os projetos de investigação lidam com as

diferenças de classe social, gênero, etnia, bem como aquelas que se referem ao

estilo e/ou modo de viver de suas/seus crianças/adolescentes, entre outras

dimensões culturais. Em outras palavras, analisar a relação entre a vivência dos

projetos de investigação e o diálogo intercultural.

Além disso, em torno desse tema do trabalho centrado em projetos outras

questões poderiam ser também objeto de investigação, mas, nesse caso, seria

preciso voltar ao campo e fazer novos mergulhos. Só para exemplificar, seria

interessante pesquisar sobre o modo como cada comunidade disciplinar estava se

apropriando do trabalho mediante projetos - incorporação e/ou resistência,

diálogos e/ou confrontos formas e/ou estratégias de atuar diante de uma

perspectiva mais integradora. A natureza das questões vistas não mais pela equipe

da 5ª série, mas pelo grupo de profissionais ligados a uma mesma disciplina e

atuando em séries diferentes e ainda as questões relacionadas às diferenças e/ou

aproximações entre a experiência vivida pela 5ª série e aquela vivida pelas demais

séries do Ensino Fundamental e, até mesmo, pelo Ensino Médio.

Concluo ressaltando que, ao tentar compreender a ação educativa em curso

no Colégio Amanhecer, motivada pela idéia, quer dizer, convencida mesmo da

necessidade de construir ‘outra’ escola, diferente daquela que tem levado

muitos/as educadores/as a se perguntarem se ela tem futuro ou apontarem que ela

está em crise, pude constatar que para reinventá-la é preciso muito mais do que

romper com os modelos já conhecidos, adotando uma inovação.

Pude observar que é preciso muito mais do que reinventar o formato

escolar ou propor a reorganização do currículo e dos conhecimentos escolares,

segundo algum modelo pré-estabelecido. Na verdade, pude constatar o que parece

óbvio, mas que precisa ser sempre explicitado, ou seja, constatei que primeiro é

preciso ter claro e incorporado pela sua equipe as respostas a algumas perguntas

que parecem básicas: para que serve a escola ou, em outras palavras, por que

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ensinar e aprender na escola, em que contexto essa escola está inserida e quem são

os seus sujeitos. E, então, acreditar e construir coletivamente no ‘chão dessa

escola’ (CANDAU e LEITE, 2006) outras possibilidades de fazer dela um lugar

que cumpra o papel que para ela foi definido, do jeito de ser de seus protagonistas.

E construir não como uma linha de montagem em cima de um modelo pré-

existente (seja ele por projetos, por disciplina ou outra modalidade qualquer), mas

como uma proposta que, permanentemente discutida, expresse uma modalidade

ou um formato ou uma reorganização que, abrangendo suas diferentes dimensões,

possa se constituir em uma possibilidade de educação, ou melhor, de ação

educativa intencional e sistemática que dê conta de promover aprendizagens

significativas, respeitando, nesse sentido, o que há de singular em cada aluno/a,

mas como projeto de formação de um coletivo capaz de responder como sujeitos

aos desafios e/ou exigências de seu contexto, que está em constante movimento de

transformação.

O que talvez signifique dizer: currículo integrado ou currículo por

disciplina cada caso será um caso e tudo vai depender, inclusive, de como cada

elemento ou dimensão que compõe essa organização/reorganização está sendo

definido e a que e quem está servindo. No caso do Amanhecer, entretanto, a opção

por uma perspectiva integradora, concretizada no trabalho centrado em projetos de

investigação (mesmo que em processo de construção) parecia estar respondendo

aos seus propósitos e de seus/suas alunos/as, caracterizando-se com uma

alternativa com identidade própria, que estava favorecendo a escola como um

espaço onde essas crianças e esses adolescentes, podiam não só estabelecer

relações com diferentes conhecimentos e culturas, como também construir

conhecimentos no interior de um processo que articulava pesquisa, ensino e

aprendizagem, alternando o protagonismo deste processo entre os/as alunos/as e

os/as professores/as.

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ANEXOS Anexo 1 - Roteiro das entrevistas individuais com os/as professores/as e

orientadores/as Anexo 2 - Roteiro da entrevista com a diretora geral Anexo 3 - Quadro geral dos/as entrevistados/as Anexo 4 - Roteiro das entrevistas coletivas com os/as alunos/as Anexo 5 - Exemplos de documentos básicos dos projetos

5.1. Mapas Conceituais e Índices 5.2. Planos de Trabalhos dos/as Alunos/as 5.3. Roteiros para Elaboração de Sínteses 5.4. Fichas para os Estudos Específicos das disciplinas 5.5. Fichas de Auto-avaliação 5.6. Pautas de Reuniões 5.7. Cronogramas

Anexo 6 – Grades e horários escolares (2002, 2005 e 2006) Anexo 7 – Exemplos de ficha-registro de avaliação dos/as alunos/as Anexo 8 – Frases para avaliação no boletim

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Anexo 1

Roteiro das entrevistas individuais com os/as professores/as e orientadores/as

I) Identificação a) Podemos começar com você dizendo seu nome e a disciplina que você está lecionando. No caso dos/as orientadores/as, a função que exerce. b) Há quanto tempo você está aqui no Amanhecer? Sempre na quinta série? c) Você poderia me contar um pouco da sua trajetória aqui na escola? d) E você trabalha ou trabalhou em outro(s) lugar(es)? Fale um pouco sobre essa (s) experiência (s). e) Acho que seria interessante você falar sobre a sua formação: qual a sua graduação, onde foi e há quanto tempo. Se você tem outros cursos e ainda o que achar mais significativo em relação a isso. f) Fale sobre seus interesses. O que você gosta de fazer, por exemplo, quando não está trabalhando? g) Há quanto tempo você está envolvida/o com a experiência dos projetos de investigação que o Amanhecer está desenvolvendo desde 2003? II) Desenvolvimento 1) Como você descreveria, então, essa experiência pedagógica que você está vivendo aqui na escola, hoje? 2) Como você relaciona o tema da reorganização curricular e a questão e/ou opção pelos projetos de investigação? 3) E por que projetos de investigação? 4) Para você, quais seriam os fundamentos desses projetos de investigação adotados aqui na escola? 5) Como você descreveria as características dos projetos de investigação? 5) Quais seriam, para você, as especificidades do momento do trabalho pessoal? 6) E as do momento de estudo específico de cada disciplina? 7) O que você deseja ou qual a sua intenção no que tange o momento de trabalho pessoal?

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8) E no caso do momento de estudo específico de cada disciplina, o que você pretende ou qual a sua intenção? 9) O que aproxima esses diferentes momentos? 10) E o que os distância? 11) Que relações você estabelece entre conhecimento e trabalho pessoal? 12) E entre conhecimento e momento específico de cada disciplina? 13) Como os/as alunos/as lidam com os projetos de investigação? 14) E de modo mais concreto, como eles lidam com o trabalho pessoal? 15) E com o momento específico de cada disciplina? 16) E as famílias, como estão lidando com a experiência dos projetos de investigação? 17) Levando em consideração o trabalho pedagógico que antes era desenvolvido na escola, o que muda com a adoção dos projetos de investigação? 18) Currículo por disciplina e integração curricular: que relações você estabeleceria entre esses conceitos e a experiência pedagógica que o Amanhecer está vivendo? Ou, em outras palavras entre esses conceitos e o desenvolvimento dos projetos de investigação? 19) Como os projetos de investigação estão lidando com a questão dos conteúdos programáticos? 20) Que relações você pode estabelecer entre as experiências e os saberes dos/as alunos/as e os projetos de investigação? 21) Pensando na sua prática pedagógica aqui no colégio, o que você faria diferente? 22) E o que você ressaltaria? 23) Qual seria para você a função ou o papel da escola? 24) Conhecimentos, culturas e escola: que relações você estabeleceria entre eles?

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Anexo 2

Roteiro da entrevista com a diretora geral

1) Como você descreveria a experiência que está sendo desenvolvida pela escola desde 2003? 2) E por que projetos de investigação? 3) O Amanhecer é uma escola bem sucedida e, então, por que mudar? 4) Para você, qual é a relação entre a Proposta Sócio-Educativa e o trabalho hoje implementado centrado em projetos de investigação? 5) Você vê alguma relação entre o ensino personalizado dos anos 60 e a proposta de projetos? 6) Você identifica desafios, conflitos ou tensões no desenvolvimento da proposta? Em caso afirmativo, perguntar quais. 7) Como os/as professores/as estão lidando com a proposta do colégio? 8) E os/as alunos/as? O que muda no papel dos/as alunos/as? 9) E as famílias, como estão lidando com o trabalho com projetos? 10) Currículo e projetos: que relações você estabelece? 11) Quando o trabalho por projetos começou alguns ficaram com receito de perda de conteúdo. Eu gostaria que você falasse sobre isso. 12) Por que dois momentos: trabalho pessoal e estudo específico da disciplina? 13) No trabalho por projetos de investigação aqui na escola, o que você faria diferente? 14) E o que você não abriria mão? 15) Qual é para você o papel da escola, hoje 16) Você gostaria de acrescentar algo?

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Anexo 3

Quadro geral dos/as entrevistados/as

Nome (fictício)

Função na escola

1. Manuela

Diretora

2. Marta Orientadora Pedagógica/Equipe técnica

3. Carlota Orientadora Educacional/Equipe técnica

4. Nazaré

Orientadora Educacional/Equipe técnica

5. Sabrina Coordenadora de 5ª a 8ª

6. Sidney

Responsável pelo Laboratório de Informática

7. Cibele Professora de Matemática

8. Luana Professora de História

9. Mateus Professor de Geografia

10. Helena

Professora de Ciências

11. Luiza Professora de Ciências

12. Wanda

Professora de Português

13. Gilda Professora de Inglês

14. Nair Professora de Artes

15. Nelson

Professor de Educação Física

16. Marisa

Professora de Religião

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Anexo 4

Roteiro das entrevistas coletivas com os/as alunos/as I) Identificação a) Podemos começar com você(s) dizendo nome e a série que está(ão) estudando. b) Desde que série você(s) estuda(m) aqui no colégio? c) Você(s) poderiam) falar um pouco sobre o seu dia aqui na escola? O que você faz, o que gosta e o que não gosta de fazer, por exemplo. d) E você(s) já estudou(estudaram) em outra escola? Em caso afirmativo perguntar: e) Essa(s) escola(s) é/são diferente(s), se você(s) compará-la(s) com o Amanhecer? Em que ou quais seriam essas diferenças? f) Fale sobre seus interesses. O que você(s) gostam de fazer, por exemplo, quando não está (estão) na escola? g) O que você(s) mais gosta(m) aqui na escola? h) E do que você(s) menos gosta(m)? II) Desenvolvimento 1) Você(s) pode(m) me falar um pouco sobre os projetos de investigação? Por exemplo, como é estudar ou trabalhar com os projetos? 2) Você(s) acha(m) interessante ou gosta(m) de participar dos projetos de investigação? Por quê? 3) Se você(s) tivesse que apresentar para um/a amigo/a de outra escola como é o estudo ou o trabalho que você(s) faz (em) aqui no Amanhecer, o que você(s) diria(m)? 4) E sobre os temas dos projetos de investigação o que você(m) gostaria(m) de me dizer? 5) Fale(m) um pouco sobre o trabalho pessoal? O que você(m) acha desse momento?

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6) E sobre o momento específico de estudo das disciplinas? O que você(s) gostaria(m) de me falar sobre as suas aulas nas diversas disciplinas? 7) O que você(s) faz(em) durante o trabalho pessoal? 8) E o que você(s) mais gosta(m) no trabalho pessoal? 9) E o que você(s) menos gosta(m)? 10) E na hora do estudo específico nas disciplinas, o que você(s) acha(s) mais interessante? 11) E menos interessante? 12) O que você(s) faz(em) durante as aulas no momento específico dedicado às disciplinas? 13) O que você(s) aprende(m) estudando e trabalhando com os projetos de investigação? 14) E o que você(m) não aprende(m)? 15) O que você(s) acha(m) que deveria ser diferente? 16) E o que você(s) não mudaria(m) neste trabalho? 17) O que os seus pais acham sobre você(s) trabalhar(em) e estudar(em) com os projetos de investigação? 18) O que você(s) gostaria(m) de acrescentar para finalizar a nossa conversa sobre o seu estudo ou trabalho aqui na escola? Como a entrevista coletiva tem uma dinâmica própria em função do rumo da conversa esse roteiro ganhou feições distintas em cada grupo. No grupo 1 ficou assim: Nós hoje vamos conversar um pouquinho sobre o modo do colégio de trabalhar. Eu queria que vocês primeiro se apresentassem. Como é estudar no Amanhecer? É igual a qualquer outro lugar?” Explica melhor para mim o que é isso, o trabalho pessoal? Como é que ele acontece? O que são estas pastas? O que tem nessas pastas? E é uma pasta só para todo mundo? Todo dia tem trabalho pessoal?

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E vocês falaram que tem um tema. Como é essa história do tema? A escolha é sempre no período anterior? Como vocês escolhem o tema? E qual então seria a sugestão de vocês para escolher o tema? O que vocês mudariam no trabalho pessoal? O que é uma forma mais legal? Alguém discorda disso? Acha que é isso mesmo? Quem concorda? Se vocês tivessem que convencer, por exemplo, a coordenação da 6ª série ou da 5ª mesmo, para fazer essa mudança, o que vocês diriam para elas? E por que seria melhor com vocês escolhendo o tema? E o professor daria a sugestão do trabalho? Vocês são cento e poucos e se cada um quiser estudar um tema, como seria? Eu vejo que vocês levantam da sala, que vocês saem e voltam da sala o tempo todo. O que vocês estão fazendo? O que é socializar? Eu escuto essa palavra a toda hora. Porque vocês acham que nem todos aprendem na hora de socializar? Mas isso seria então uma produção coletiva? Então vocês acham que a simples cópia não ajuda muito? Você concorda com essa opinião? E por que você concorda? E vocês meninos, quero ouvi-los um pouquinho mais sobre essa idéia da socialização. E sobre essa participação, essa aprendizagem no grupo, quem quer falar alguma coisa sobre isso? Tudo bem, você mostrou os passos (um dos alunos apresenta novos passos para a seqüência do trabalho pessoal) e por que você acha que desse modo você aproveitaria melhor? E trabalho pessoal não é aula? Vocês estão dizendo que... Vê se eu entendi: o segredo para aperfeiçoar o trabalho pessoal é vocês participarem mais da escolha do tema? É isso? Por que o trabalho com o cartaz não ficou bom?

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Mas isso não é próprio do trabalho pessoal? Uma das idéias, pelo que eu entendi, é que cada um vai poder seguir seu próprio ritmo, não seria aquela coisa padrão, ao contrário, seria poder trabalhar diferenciado. Isso não seria uma coisa até positiva? E a conversa vai para a questão do papel dos representantes da turma e para a apresentação de algumas sugestões. Vocês não fizeram auto-avaliação, agora? E vocês apresentaram essas sugestões? Então vamos entrar nesse assunto? Vamos aprofundar? Sugestões! O que vocês acham que tem que ser diferente no trabalho pessoal? O que vocês acham que tem que acontecer com o tema? Então vamos lá? Vamos tentar sistematizar um pouco essa coisa? Vocês sabiam que toda segunda-feira os professores se reúnem de tarde para planejar o que vocês vão fazer? Tudo bem! Olha só! Mas de alguma maneira, pelo que eu estou entendendo, houve um processo de aprendizagem aí. De alguma maneira, vocês não sentem que houve nesta discussão um processo de aprendizagem? Quanta reflexão crítica vocês conseguiram a respeito disso. E se vocês tivessem que dizer: “isso aqui no trabalho pessoal é legal. A gente quer que seja mantido.” O que vocês diriam? O que vem na cabeça? Quem mais quer acrescentar? As atividades não são numeradas? Tudo o que você fizeram não está na pasta? Nós estamos falando sobre o que a gente mantém... Vamos continuar? Se vocês pudessem dar um depoimento vocês vão dizer isso mesmo? Queria pegar uma coisa daí. Vocês disseram que “essa coisa de trabalho pessoal não é aula”. Por quê? O que é aula? Então vamos falar. Vamos avançar um pouquinho mais sobre isso. Depois a gente volta para o trabalho o pessoal. Tem uma coisa chamada momento específico de estudo da disciplina. Eu queria que alguém, você que já levantou o dedinho, dissesse para mim, o que é diferente? O que muda? Vamos lá, quem nunca estudou aqui, vamos ver se entende como é trabalhar no Amanhecer. Então explica: o que é o momento da disciplina? E o que vocês acham sobre aula específica? Como é que funciona? Como é que acontece? Cada professor dá aula de um jeito diferente? Então como é isso? Qual é o jeito que você prefere?

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Então qual será o tipo de aluno que o professor prefere? Vocês gostam de História. Mas o que acontece ali dentro naquele momento, nos 50 minutos de História para vocês gostarem? Eu quero ouvir outros alunos. Maria Carolina fala um pouquinho da disciplina para mim. O momento específico do estudo, o que você pensa? E o que você acha da opinião dela? E você o que você acha disso? Mas é importante a gente aprender tudo isso? (os alunos estão dando exemplos de conteúdos que aprendem na hora das disciplinas) Vocês acham que tem alguma relação entre o momento específico do estudo da disciplina e momento do trabalho pessoal? Quem mais quer falar sobre isso. Kim, você que está aqui meio quieto, tem alguma coisa para me dizer sobre isso aí. Sobre o momento específico do estudo da disciplina, o que você gostaria de dizer para mim? Agora vocês estão falando de uma coisa que me lembrou outra palavra, autonomia. O tempo todo eu escuto os professores falando em autonomia. Vocês sabem o que é autonomia? O que é autonomia? O professor fala: esse trabalho é para estimular a autonomia do aluno. O que é isso? Auto-estima é a imagem, o conceito que você tem de você mesmo. [...] Mas autonomia é diferente. É outra coisa. Eu escuto assim: o aluno tem que construir a sua autonomia. Ele tem conseguir por si só. Tomar iniciativa. Então o trabalho pessoal e a disciplina ajudam a vocês a tomar iniciativas, a serem mais independentes? A minha pergunta é: o modo como vocês trabalham aqui no Amanhecer, como estuda, com o trabalho pessoal, o momento específico da disciplina, o estilo de aula e o estilo do trabalho pessoal estão ajudando vocês a se virarem sozinhos? Está estimulando ou não está? Então eu vou perguntar: Um tipo de discussão como essa que a gente fez aqui, ajudaria a gente aperfeiçoar o trabalho? O caminho? Quando vocês chegam em casa, o que vocês conversam com os pais sobre o projeto, sobre o trabalho que vocês fizeram. Que tipo de conversa vocês tem em casa? E sobre a maneira de trabalhar? E sobre o trabalho pessoal vocês discutem? Estou aprendendo. Não estou aprendendo. É interessante... E o que ela disse quando você explicou? Mas eles acham que vocês estão aprendendo?

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Na verdade, o que a gente estava discutindo nesse último momentinho? Sobre questões de disciplina. E como a gente conduz essa discussão sobre disciplina no sentido de comportamento? Tem mais uma coisa para vocês falarem O que é culminância? Qual é a função? Para que serve? A culminância ela está mais ligada ao trabalho pessoal, é isso? E o que é produto? Eu achei interessante essa idéia de interação com os pais, deles poderem participar... E vocês o que acham da culminância? Ela deve ser mantida? Ela mostra a produção de vocês? Tudo bem. A gente vai encerrando e eu quero perguntar uma coisa, tem alguém que quer acrescentar alguma coisa para minha pesquisa? Já no grupo 2 ficou assim Vamos nos apresentar. Nome e série Vocês todos estudam aqui no colégio há muito tempo? Desde quando vocês estão aqui no colégio? Quem quer começar a falar? E se vocês tivessem que contar sobre o trabalho da escola. Por exemplo: encontraram uns amigos ou estão numa festa ou estão brincando no play ou estão na praia e começa um assunto sobre colégio. E vocês querem conversar e contar um pouco como é que é essa experiência. Como é que funcionam as coisas aqui no colégio? Quem quer começar contando como é que é? E você? Você que está aí e levantou o dedinho quer completar, é isso? E o que faz esse trabalho ser divertido? Aprende se divertindo? E isso acontece o tempo todo? Quando é que uma atividade é chata? E você! O que você acha? Você ia completar. E o que seria uma atividade difícil? Mas qual era o sentido dessa atividade? O que ela estava querendo com isso? Quer dizer quando uma atividade é muito longa, às vezes ela cansa? Fala sobre isso.

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Mas e essa idéia de vocês pesquisarem? Mas esse processo não é um processo interessante de aprender? Deixa-me ver aqui, tem gente que não está falando muito... E vocês não podem debater entre vocês ou com o orientador que está na frente, para poder buscar esse resultado? Veja bem: estou eu aqui de novo e eu ainda não entendi essa dinâmica de como é que isso funciona. Tem um momento que é só pesquisa. Tem outro momento que o professor dá aula. Como é que é? Explica melhor isso? Mas eu vou voltar no começo da minha pergunta de novo, para eu entender. Vocês me disseram que tem pesquisa. Vocês vão à Internet. Vocês têm a aula. Explica melhor isso. Eu ainda não entendi direito como funciona cada dia aqui na escola. O que é trabalho pessoal? Como é que isso? E o que é culminância? Espera aí, um de cada vez. Vai primeiro. Fala Antonio. Qual é a função dessa culminância? Quem mais quer falar? Entendi. E você? O que você acha do trabalho pessoal? Trabalho pessoal é aula? E a gente aprende? Quer dizer, a gente aprende fazendo essas coisas? E é diferente o jeito de aprender? É diferente o jeito de aprender quando eu estou no trabalho pessoal e quando eu estou no trabalho de estudo específico da disciplina? È diferente? Então agora vamos ouvir de todo mundo porque é diferente? Isso acontece quando é aula de Matemática? E esses dois momentos, eles se relacionam? Como é que vocês sabem que um momento está relacionado com o outro? Vocês estavam falando e eu estava pensando o seguinte: a gente sabe muitas coisas. Quando a gente chega na escola a gente tem informações que a gente traz de casa, da nossa experiência, do nosso dia-a-dia. Vocês sentem que quando vocês chegam aqui vocês já sabem muitas coisas. Vocês sentem isso? Por exemplo, vocês sabem coisas que vocês aprendem quando vocês passeiam, quando vocês viajam. A gente não aprende só na escola, concordam comigo? A gente aprende em que outros lugares a gente aprende?

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Que outro tipo de coisa a gente aprende em casa? Que tipo de responsabilidade se aprende em casa? E me diz uma coisa: quando a gente vai a uma festa em casa de amigos a gente aprende alguma coisa? Aprende. Que tipo de coisa eu posso aprender em uma festa? E essas coisas que a gente aprende em outros lugares... Eu acho que a gente traz esse conhecimento para a escola e será que tem lugar para discutir esses assuntos na escola? Sobre essas coisas que a gente aprende fora da escola, na hora que estou na aula da professora Cibele ou da professora Luana ou dos diferentes professores ou na hora que estou no trabalho pessoal, essas coisas que eu aprendo nesses outros lugares, eu uso dentro da escola, quer dizer, para fazer o trabalho da escola? Vocês têm chances de discutir esses outros assuntos que vocês aprenderam discutindo em outros lugares aqui na escola? No momento do trabalho pessoal? E no momento do estudo específico da disciplina? Eu quero voltar um pouco à conversa sobre o trabalho pessoal. Se vocês tivessem que chamar os professores, a coordenação e dizer: tem uma coisa no trabalho pessoal que eu gostaria que continuasse ou eu não gostaria que continuasse... O que é a agenda? Vamos ver se eu entendi certo sobre agenda Então você acha que quando é o momento específico da disciplina eu estudo e quando é para trabalho pessoal não estou estudando? Qual a sua opinião sobre agenda? Eu queria voltar a uma pergunta, que é a seguinte: se vocês tivessem que dar uma sugestão sobre coisas que deveriam aperfeiçoar no momento do trabalho pessoal, o que vocês gostariam de sugerir? Por exemplo, quais são os assuntos que vocês se interessam? E o que vocês não abririam mão no trabalho pessoal? Trabalho pessoal só acontece na escola? E o que vocês acham disso?

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Vejam que interessante. Diferentes opiniões sobre isso. Isso é importante. Vocês falaram uma palavra aí meio mágica: pasta. O que é pasta? O que é essa pasta? Quem ainda não falou que quer explicar o que é pasta? Então essa pasta é importante para a seqüência? E se você perder a pasta? Eu queria voltar um pouco para o tema mais específico da minha pesquisa e voltar ao trabalho pessoal. Vocês no momento do trabalho pessoal, eu anotei várias vezes: é hora de socialização. O que é isso de socialização? Vamos começar por aqui. Fala um pouquinho para mim... Você também. O que é a socialização? E você. O que você acha desse momento da socialização? Você acha que aprende nesse momento? Agora vamos pensar um pouco sobre o momento de estudo específico da disciplina. É diferente o modo que acontece no momento do trabalho pessoal e no momento da disciplina? Tem diferença? Que diferença é essa? Então vamos fazer uma pergunta diferente. A atividade do professor, a função do professor, como o professor é: na hora do trabalho pessoal e no momento da disciplina, tem diferença? Por que ele é mais legal? Você que está aí no cantinho vem cá e diz para mim o que muda na dinâmica: entre o momento específico da disciplina e o momento do trabalho pessoal? O que marca mais a diferença? Acho que vocês já me responderam isso. O que vocês mais gostam no trabalho pessoal? E o que vocês menos gostam no trabalho pessoal? Vamos voltar para o nosso tema. (a conversa muda para reclamar de um/a professor/a) A gente vai ouvir aqui o Antônio e vamos encerrar esse momento de desabafo. Não é isso? U momento de desabafo. Agora eu queria voltar aqui a um tema do meu trabalho. Tem uma palavra que toda hora eu escuto aqui: autonomia. O que é autonomia? Vamos voltar com o tema autonomia. É uma palavra chave. E eu pergunto, com esse tipo de trabalho que a gente desenvolve aqui, a gente está aprendendo a ser mais autônomo? Todo mundo está concordando? Então eu quero que você que levantou logo o dedinho fale sobre porque esse tipo de trabalho faz a gente ser mais autônomo?

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Quer dizer, que você agora sabe discernir, quer dizer, você tem que aprender a qualidade de uma fonte de informação? A gente fala que aprender descobrindo ou aprender por descoberta é mais interessante e que a gente aprende mais quando a gente descobre. É verdade isso? Entender a pesquisa, descobrir então é uma forma de aprender? Ah!Entendi. Você tem uma visão interessante, vocês prestaram atenção ao que ela disse? Repete para eles. Ela trouxe uma dimensão interessante. Eu vou finalizando esse trabalho de entrevista com vocês e eu gostaria de perguntar só mais duas coisas: se aprende nessa escola trabalhando desse jeito? Com o trabalho pessoal e com o momento específico de estudo da disciplina? Então vocês acham que manter esse tipo de organização, de estratégia é.... Espera aí. Vamos ouvir aqui? Depende de quê? Vocês acham que a gente aprende coisas diferentes, no momento do trabalho pessoal e no momento do estudo específico da disciplina? Vocês acham que estar assim misturado é bom? Vocês teriam só as aulas das disciplinas ou só trabalho pessoal? Ou vocês acham que essa estratégia de ter dois momentos diferentes é boa? Alguma coisa sobre o tema que vocês gostariam de acrescentar? O assunto que vocês aprendem na aula específica tem a ver com o assunto do trabalho pessoal? Tudo? Sempre articula? Por exemplo, como é que vocês articularam cidade medieval com o projeto? O que vocês gostariam de acrescentar e falar livremente? Vamos falar um de cada vez. Eu vou passar assim. Você. O que você gostaria de dizer para mim sobre essa experiência de vocês? E você gostaria de acrescentar algo? Ok. E agora você. O que você gostaria de acrescentar sobre esse modo da gente trabalhar: disciplina, trabalho pessoal? E você? Você acha que poderia ter a mesma dinâmica (ele está falando dos dois momentos), você acha que é possível?

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E o que você gostaria de acrescentar para a minha pesquisa? Você. O que acha disso? Antonio o que você gostaria de acrescentar para minha pesquisa dessa coisa do uso do tempo? Ah ninguém falou aqui de usar os laboratórios. Ou sobre essa movimentação que acontece aqui. Querem falar alguma coisa sobre isso? E você? Vamos finalizar aqui. Vocês estão me dizendo que a gente aprende com o professor, mas aprende muito também com o colega? E que aprender com o colega é mais divertido?

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5 Anexo

Exemplos de documentos da escola analisados 5.1 Mapas Conceituais e Índices

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5.2 Planos de Trabalhos dos/as Alunos/as

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5.3. Roteiros para Elaboração de Sínteses

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5.4. Fichas para os Estudos Específicos das disciplinas

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5.5. Fichas de Auto-avaliação

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5.6. Pautas de Reuniões

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5.7. Cronogramas

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6 Anexo Grades e Horários Escolares (2002, 2005 e 2006)

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7 Anexo Exemplos de ficha-registro de avaliação dos/as alunos/as

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8 Anexo Frases para avaliação no boletim

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