adoÇÃo post mortem

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.415 - RS (2010/0184476-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : L E G G REPR. POR : O G G - CURADOR ADVOGADO : LAURA NORMELIA FEIJÓ E OUTRO(S) EMENTA CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. I. Ação anulatória de adoção post mortem , ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. II. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 – ECA –, renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar. III. Para as adoções post mortem , vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. IV. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. V. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. VI. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei. VII. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como Documento: 1157534 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/06/2012 Página 1 de 12

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Page 1: ADOÇÃO POST MORTEM

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.415 - RS (2010/0184476-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : L E G G REPR. POR : O G G - CURADORADVOGADO : LAURA NORMELIA FEIJÓ E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE.I . Ação anulatória de adoção post mortem , ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. I I . A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 – ECA –, renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.I I I . Para as adoções post mortem , vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.IV. O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade.V. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.VI. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei.VII. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como

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possibilidades de grupos familiares.VIII. O fim expressamente assentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte.IX. Nessa senda, a chamada família anaparental – sem a presença de um ascendente –, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA.Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 19 de junho de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.415 - RS (2010/0184476-0)

RECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : L E G G REPR. POR : O G G - CURADORADVOGADO : LAURA NORMELIA FEIJÓ E OUTRO(S)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto pela UNIÃO, com

fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/RS.

Ação: anulatória de adoção póstuma ajuizada pela recorrente, em

face de L.E.G.G.

A União ajuizou a presente ação anulatória de adoção, em face de

L.E.G.G. – o adotado – e de O.G.G. – mãe adotiva e curadora do recorrido –

buscando desconstituir a adoção efetuada por G.G. (post mortem ), pai adotivo do

recorrido, e O.G.G., em 28 de fevereiro de 2001 (fls. 159/161, e-STJ).

Dois anos após o deferimento do pedido de adoção, a mãe de

L.E.G.G. - O.G.G. –, requereu sua interdição, ante a ocorrência de graves

sintomas psicóticos, que lhe incapacitaria de reger a própria vida, pleiteando,

ainda, que ela fosse nomeada curadora do incapaz.

O pedido inicialmente deduzido pela União foi, em um primeiro

momento, indeferido ante a ausência de interesse processual da recorrente, porque

a defesa do patrimônio da União poderia ser questionada por vias próprias (fls.

380/381, e-STJ).

Essa decisão foi reformada pelo TJRS, que afirmou ter a União

legitimidade para buscar o reconhecimento da alegada nulidade no processo de

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adoção, razão pela qual desconstituiu a sentença e determinou o processamento da

ação anulatória (fls. 418/427, e-STJ).

Sentença: julgou extinta, sem apreciação do mérito, a ação ajuizada

pela autora, sob o fundamento de inadequação da via eleita.

Acórdão: deu parcial provimento à apelação para julgar

improcedente a ação de anulação de adoção, nos termos da seguinte ementa:

AÇÃO ANULATÓRIA DE ADOÇÃO. ADOÇÃO PÓSTUMA. ADOTANTES IRMÃOS ENTRE SI.

Considerando que a adoção se deu por sentença homologatória, viável ação anulatória que busca anular o ato jurídico.

Reconhecimento da possibilidade de adoção póstuma, intentada por casal adotante que são irmãos entre si.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

Recurso especial: alega violação dos arts. 42, § 5º, do ECA e art.

1.622 do CC-02.

Afirma que há vedação expressa à adoção praticada por irmãos, como

também não se admite a adoção por mais de uma pessoa, salvo se casados ou

conviventes, circunstâncias ignoradas pelo acórdão recorrido.

Aduz, ainda, que não há “(...) possibilidade de terceiro ajuizar pedido

de adoção em nome de pessoa falecida, como correu no caso e chancelado pelo

acórdão recorrido, pois a adoção somente pode ser deferida em favor de pessoa

falecida se ocorrente a hipótese do art. 42, § 5º, do Estatuto da Criança e do

Adolescente”.

Juízo prévio de admissibilidade: sem contrarrazões, o TJ/RS negou

seguimento ao recurso especial (fls. 189/191, e- STJ).

Decisão: em decisão unipessoal, dei provimento ao agravo de

instrumento, e determinei a subida do recurso especial (fl. 752, e-STJ).

Parecer do MPF: de lavra do Subprocuradora-Geral da República

Antônio Carlos Pessoa Lins, pelo não provimento do recurso especial. (fl.

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783/786, e-STJ).

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.217.415 - RS (2010/0184476-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : L E G G REPR. POR : O G G - CURADORADVOGADO : LAURA NORMELIA FEIJÓ E OUTRO(S)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

Duas questões são postas em discussão no recurso especial, as quais

se enumeram, conforme a apreciação efetuada na origem:

a) a ausência de possibilidade jurídica de adoção póstuma, quando

não houve inequívoca manifestação do de cujus sobre a vontade de adotar;

b) a inviabilidade da adoção pleiteada por duas pessoas que não

convivem em casamento ou união estável, na espécie, dois irmãos.

De se ressaltar que o art. 1.696 do CC-02, apontado como violado no

recurso especial, foi expressamente apreciado pelo Tribunal de origem, o que

torna inócua possível discussão quanto ao prequestionamento dos demais

dispositivos legais que serviram de base à insurgência recursal.

1. Da possibilidade de adoção póstuma, sem manifestação

expressa do de cujus .

A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 – ECA –, renumerado

como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como

violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer à adoção

póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e

a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de

adotar.Documento: 1157534 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/06/2012 Página 6 de 12

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Para além de uma compreensão simplista – e defendida pela

recorrente – de que o referido dispositivo de lei limita a adoção póstuma à exata

possibilidade delineada em sua redação, entendo, em consonância com boa

parcela da doutrina e da jurisprudência, que na verdade, o texto legal deve ser

compreendido como uma ruptura no sisudo conceito de que a adoção está limitada

a entre vivos.

A cunha – firmada pelo próprio legislador – que amplia as

possibilidades de adoção para abarcar também a adoção post mortem, foi

construída sobre a locução “inequívoca manifestação de vontade” do adotante.

No iter que deságua na adoção póstuma, é ela o elemento sine qua

non, figurando o procedimento judicial de adoção apenas como a concretização

formal do desejo de adotar, já consolidado e exteriorizado pelo adotante.

Veja, que na hipótese, e em outras tantas que lhe são similares, a

adoção se confunde com o reconhecimento de uma filiação socioafetiva

preexistente, construída in casu, pelo adotante pré-morto, desde quando o

recorrido tinha 04 (quatro) anos de idade.

Vigem aqui, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus

em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento

do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.

O pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria com o

manto da certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir em relação à

vontade do adotante. Sua ausência, porém, não impede o reconhecimento, no

plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição

quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao recorrido/adotado.

Nessa senda laborou o Tribunal de origem para, ao final, constatar, a

partir dos elementos probatórios disponíveis, que houve inequívoca manifestação

de vontade do adotante, e que essa apenas deixou de ser concretizada

formalmente.Documento: 1157534 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/06/2012 Página 7 de 12

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Mais ainda. O não reconhecimento dessa possibilidade, representaria

evidente contrassenso em relação à jurisprudência do STJ, que reiteradamente tem

admitido o reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem, quando

coexistam nome, tratamento e conhecimento público da condição de filho.

A tese já foi albergada pelo STJ, como se observa do julgamento do REsp

457.635/PB, Rel. Min. Ruy Rosado, 4ª Turma, DJ 17/03/2003.

ADOÇÃO PÓSTUMA. Prova inequívoca.- O reconhecimento da filiação na certidão de batismo, a que se

conjugam outros elementos de prova, demonstra a inequívoca intenção de adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha tido início o procedimento para a formalização da adoção.

- Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse decretada em nome dela e do marido pré-morto a adoção de menino criado pelo casal desde os primeiros dias de vida.

- Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA.- Recurso conhecido e provido.

Da adoção conjunta por irmãos

A insurgência recursal, no particular, volta-se para a possível afronta

ao art. 42, §2, do ECA, que para melhor compreensão do debate, reproduzo:

§ 2o  Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). 

Colho, também, do acórdão recorrido, o quadro fático delineado, no

particular:

A guarda do adotando integra o denominado estágio de convivência do adotante com o adotado, sendo que a guarda definitiva já integra o 'procedimento' para adoção. Tirar-se dessas diferenças técnicas conclusões apressadas, e em prejuízo do adotando, é ferir os princípios da prioridade absoluta, do superior interesse da criança (the Best interest) e da proteção integral.

Como se não bastasse, a prova dos autos demonstra fartamente que entre o falecido G., L.E. e O., havia fortes vínculos, dignos de uma paternidade socioafetiva. Como se sabe, a moderna doutrina valoriza a paternidade socioafetiva, muitas vezes, até acima da paternidade biológica. (fl. 647, e-STJ).

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É de se notar, inicialmente, que a redação do ECA, no que toca à

adoção conjunta, traz insertos comandos que reproduzem vedações legais, e

outros tantos que fixam requisitos para adoção.

Quanto aos requisitos para a adoção conjunta, embora tenham sido

concebidos a partir de uma criteriosa avaliação do que representaria o melhor

interesse do adotando, têm sido objeto de flexibilizações jurisprudenciais e

doutrinárias, que visam uma adequação à realidade social que busca, sob o viés

finalístico da norma, desvelar a real intenção do dispositivo de lei.

Em outras palavras, se a lei tem, como linha motivadora, o princípio

do melhor interesse do adotado, nada mais justo que a sua interpretação também

se revista desse viés.

Nessa senda, incontornável a conclusão de que, o comando legal sob

análise buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar, no qual

pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais,

receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades

materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda

constitui a base de nossa sociedade.

No entanto, buscando esse fim, restringiu a adoção conjunta aos que,

casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na

família.

Motivo razoável, mas que não justifica as restrições fixadas.

A exigência legal restritiva, quando em manifesto descompasso com

o fim perseguido pelo próprio texto de lei, é teleologicamente órfã, fato que

ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e

adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei.

In casu , a existência de núcleo familiar estável, e a consequente rede

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de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela

norma.

Sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar

restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para

abarcar a noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.

E essa verdade fica ainda mais evidente, quando se observa que o

singelo status de casados ou companheiros, apenas gera a presunção de que exista

um núcleo familiar estável, circunstância que, infelizmente, para muitos adotados,

não se concretiza no cotidiano.

Na verdade, o que informa e define um núcleo familiar estável são os

elementos subjetivos, que podem ou não existirem, independentemente do estado

civil das partes.

Esses elementos subjetivos são extraídos da existência de laços

afetivos – de quaisquer gêneros –; da congruência de interesses; do

compartilhamento de ideias e ideais; da solidariedade psicológica, social e

financeira, fatores que somados, e talvez acrescidos de outros não citados, possam

demonstrar o animus de viver como família e deem condições para se associar, ao

grupo assim construído, a estabilidade reclamada pelo texto de lei.

O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes

liames que a atrelam a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um

processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam

ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares.

Nessa senda, a chamada família anaparental – sem a presença de um

ascendente –, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família,

merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no

art. 42, §2, do ECA.

Na espécie, o fim expressamente assentado pelo texto legal –

colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os Documento: 1157534 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/06/2012 Página 1 0 de 12

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irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como

família que eram, tanto entre si, como para o então infante.

Naquele grupo familiar o adotado deparou-se com relações de afeto,

construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo

nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que

o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no

grupo social que hoje faz parte.

Assim, reputo como válida a adoção do recorrido, considerando como

exemplificativas as possibilidades de adoção conjunta descritas no art. 42 do

ECA, por entender que o fim precípuo da norma é a inserção do adotado em

família estável, instituto não restrito às duas hipóteses citadas.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2010/0184476-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.217.415 / RS

Números Origem: 112440525 1295066748 1657014 42613 654459 70022470298 70027539774 999714

PAUTA: 19/06/2012 JULGADO: 19/06/2012SEGREDO DE JUSTIÇA

RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA

SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : UNIÃORECORRIDO : L E G GREPR. POR : O G G - CURADORADVOGADO : LAURA NORMELIA FEIJÓ E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

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