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Author: doanthuy

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  • Adriano Figueir

    BIOGEOGRAFIAdinmicas e transformaes da natureza

    bsicos emcoleo

    eografiag organizaoFrancisco Mendona

    Livro_biogeografia.indb 3 02/07/2015 13:00:08

  • Copyright 2015 Oficina de Textos

    Grafia atualizada conforme o Acordo Ortogrfico da Lngua

    Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

    Conselho editorial Cylon Gonalves da Silva; Doris C. C. K. Kowaltowski; Jos Galizia Tundisi; Luis Enrique Snchez; Paulo Helene;

    Rozely Ferreira dos Santos; Teresa Gallotti Florenzano

    Organizao da coleo bsicos em Geografia Francisco de Assis Mendona

    Capa e projeto grfico Malu Vallim

    Diagramao Alexandre Babadobulos

    Preparao figuras Alexandre Babadobulos

    Preparao de textos Hlio Hideki Iraha

    Reviso de textos Thiago Garrido de Siqueira

    Impresso e acabamento Vida & Conscincia editora grfica

    Todos os direitos reservados Editora Oficina de TextosRua Cubato, 959CEP 04013 043 So Paulo SPtel. (11) 3085 7933 (11) 3083 0849www.ofitexto.com.br [email protected]

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Figueir, Adriano S.

    Biogeografia : dinmicas e transformaes da

    natureza / Adriano S. Figueir. So Paulo :

    Oficina de Textos, 2015.

    Bibliografia

    ISBN 9788579751769

    1. Biogeografia 2. Biologia I. Ttulo.

    1503414 CDD578.09

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Biogeografia 578.09

    pre_textuais.indd 4 02/07/2015 14:03:07

  • apresentaoO Brasil conta com um dos mais extensos e slidos sistemas de ensino escolar na Amrica Latina,

    apesar da tardia criao de escolas pblicas e laicas

    no pas e mesmo a despeito de inmeros e complexos

    problemas relacionados gesto da educao escolar

    pblica. No pas tambm se encontra um dos nicos e

    restantes sistemas pblicos e gratuitos de ensino em

    todos os nveis da escolaridade, sendo que impera em

    todo o continente a lgica liberalizante enquanto pers-

    pectiva econmica segundo a qual o ensino tornou-se

    praticamente um bem de consumo. Nesses contextos,

    a lgica de mercado repercute-se negativamente na

    relao ensino-aprendizagem e a qualidade do ensino

    apresenta-se por demais comprometida. No esse o

    caso da Amrica do Norte nem tampouco da Inglaterra,

    por exemplo, em que, mesmo sendo predominante-

    mente privada, a educao mantm boa qualidade. Mas

    a acessibilidade ali evidencia importante segregao,

    resultado da concentrao da renda, que, mesmo bem

    diferente da latino-americana, reserva a excelncia

    queles pertencentes seleta uper-class.

    Se os saltos de quantidade e relativa qualidade do

    ensino universitrio brasileiro so flagrantes nas duas

    ltimas dcadas, o mesmo no se pode dizer dos nveis

    fundamental e mdio, uma vez que ainda se registram nveis

    altamente crticos de rendimento escolar e de frequn cia de

    crianas e adolescentes nas escolas. As condies de traba-

    lho de professores e funcionrios dos estabelecimentos de

    ensino e a situao de precariedade de muitos deles clamam

    por medidas urgentes para sua restaurao e melhoria,

    sobretudo quando se verifica, ano a ano, a colocao do

    Brasil entre as seis ou sete mais importantes economias

    pre_textuais.indd 5 07/07/2015 18:16:52

  • 6 | Biogeografia

    do mundo. A promoo da educao de qualidade a toda a populao um

    desafio premente que, embora tardio, deveria pautar em primeira instncia

    a agenda dos responsveis pela conduo do Estado, sob pena de prolongar

    por demais o atraso social que se verifica no pas.

    A argumentao aqui colocada no nenhum discurso de candidato a

    representante poltico, ainda que muitos se utilizem da mesma problemtica

    para angariar votos. Nem tampouco se destina a jogar pedra naqueles que,

    do lado de l da mesa governamental, so os responsveis pblicos momen-

    tneos pela escola e pelo ensino pblico brasileiros; eles so herdeiros de

    uma ferida social que no se cicatriza de forma rpida. A mudana do quadro

    aqui perfilado exige aes concretas e atitudes conscientes, uma verdadeira

    revoluo, mas que no logra resultados rpidos. Somente a mdio prazo

    que se pode verificar as mudanas culturais advindas da promoo da

    educao com qualidade e gratuidade. O que nos move nessa oportunidade,

    cientes dos problemas relacionados educao, a vontade e a necessidade

    de pensar e propor estratgias e aes para sua melhoria.

    Muitas so as possibilidades, est claro, de atuar para que a educao

    brasileira galgue melhores patamares qualitativos, posto que os quantita-

    tivos so por estes suplantados. Ela demanda ateno e cuidados em todos

    os nveis, mesmo que uns estejam melhores que outros, e o descompasso

    entre investimentos e avanos prioritariamente nos nveis superiores

    ainda est por acirrar a gravidade do quadro referente aos nveis inferiores

    da educao no pas.

    A disponibilidade de bibliografias, documentos e dados aos profissionais

    e estudantes envolvidos no processo ensino-aprendizagem constitui um

    meio de contribuir para melhorias nesse quadro. Considerando a expressiva

    populao do pas, estima-se que a oferta de bibliografia geral ou especiali-

    zada ainda seja pequena, aspecto que parece resultar de um baixo nvel de

    leitura da populao, mesmo que grandes empresas editoriais estejam insta-

    ladas e atuantes no territrio nacional. Comparativamente a outros pases,

    a produo de livros didticos e paradidticos e seu efetivo uso so ainda

    modestos no Brasil. Especialmente no nvel universitrio e em determina-

    das reas do conhecimento, observa-se uma quase total ausncia de ttulos

    produzidos no pas ricos em exemplos e ilustraes nativos. Para determina-

    das disciplinas, encontram-se apenas algumas tradues que, mesmo que

    de grande importncia, mantm uma dependncia externa flagrante e que

    contribui para um certo colonialismo na leitura da realidade e na produo

    pre_textuais.indd 6 07/07/2015 18:16:52

  • apresentao | 7

    do conhecimento. Romper com essa condio histrica constitui uma neces

    sidade e um desafio em relao aos quais h ainda muito a ser feito, embora

    estejam se tornando mais visveis nas duas ltimas dcadas, e isso no

    algo que se consegue em curto espao de tempo.

    Em vrios pases do Ocidente, os trabalhadores e estudantes vinculados

    aos sistemas de ensinoaprendizagem tm acesso a manuais das diferen

    tes disciplinas no ensino universitrio. Estes constituem obras bsicas no

    que concerne aos contedos fundamentais formao cientfica e tcnico

    profissional ofertada pelas instituies de ensino; so altamente teis aos

    envolvidos na atividade, tanto aos professores quanto aos alunos, pois utili

    zam linguagem direta e so ilustrados com figuras e dados de toda ordem,

    ali colocados com a perspectiva de tornar a produo do conhecimento uma

    atividade a mais abrangente possvel.

    Desde a fundao do primeiro curso universitrio de Geografia na

    Universidade de So Paulo (USP), em 1934, momento que marca a retomada

    de instituies de ensino superior no pas, observase uma cada vez maior

    e mais intensa produo cientfica desse campo do conhecimento. Por mais

    de cinco dcadas as publicaes em formato de livro foram bastante reduzi

    das, tendo predominado as separatas ou publicaes de textos isolados em

    colees vinculadas a universidades ou institutos de pesquisa e peridicos.

    Poucos foram os documentos nacionais publicados com carter de manual

    (bsico), ou pelo menos utilizados como tal, podendo ser destacados o cls

    sico Brasil: a terra e o homem (Aroldo de Azevedo), Manual de Geografia Urbana

    (Milton Santos), Geografia Econmica (Manuel Correa de Andrade), Geomorfolo-

    gia Fluvial (Antonio Christofoletti) e Geografia: pequena histria crtica (Antonio

    Carlos Robert Moraes), entre outros. Todavia, h ainda uma considervel

    lacuna no campo da produo de manuais ou obras bsicas para o nvel

    universitrio da Geografia no Brasil.

    nesse af, e com a necessria humildade e grandeza de propsi

    tos, que apresentamos a Coleo Bsicos em Geografia, inaugurada de forma

    experimental com o Climatologia: noes bsicas e climas do Brasil, de nossa

    autoria e lanado pela Oficina de Textos em 2007. Em nossas andanas pelo

    pas e pelo exterior, em boa parte das vezes a trabalho no mbito de nosso

    campo de conhecimento, constatamos o fato de que no existe no Brasil

    um conjunto de livros que, na perspectiva de um manual, sejam utiliza

    dos como elementos complementares no processo ensinoaprendizagem da

    Geografia. Essa cincia conta com vasta e diversificada publicao de obras

    Livro_biogeografia.indb 7 02/07/2015 13:00:08

  • 8 | Biogeografia

    no pas, mas que ainda insuficiente diante da profuso de cursos e da

    expressiva comunidade de profissionais a ela ligados. Ademais, uma obra

    produzida no escopo da coleo que ora coordenamos e disponibilizamos

    ao pblico ansiada para colaborar com a melhoria do conhecimento e do

    ensino da Geografia brasileira.

    Dando sequncia quela primeira obra apresentamos, com muita satis

    fao, o livro Biogeografia, de Adriano Figueir, um jovem e brilhante colega

    da Universidade de Santa Maria com quem temos dividido interessantes

    experincias voltadas promoo do ensino e da pesquisa em Geografia

    Fsica. Com um currculo rico em publicaes diversas e comprovada expe

    rincia profissional, especialmente como professor de Geografia Fsica e de

    Biogeografia , Adriano nos brinda com um dos mais caros temas de interesse

    de gegrafos, bilogos, agrnomos, ambientalistas etc., a vida na Terra.

    Sendo produzida sob a perspectiva geogrfica, a obra centra seu contedo e

    organizao na dimenso espaotemporal da manifestao da vida (vegetal

    e animal) na superfcie do planeta, trazendo tanto as bases tericas e meto

    dolgicas para a compreenso do tema quanto sua aplicao por meio de

    exemplos e ilustraes para entender sua complexidade e particularidades.

    Biogeografia vem preencher uma das mais eloquentes lacunas na produo

    bibliogrfica nacional no que concerne a obras bsicas para o ensino supe

    rior, mas que pode tambm ser muito til a interessados vinculados a outros

    nveis do conhecimento e ao pblico em geral. Esse subramo do conheci

    mento conta com farta produo na forma de artigos cientficos publicados

    em peridicos e anais de eventos, contribuies que so isoladas e dispersas

    para o entendimento do tema. Esta obra, concebida como manual, sintetiza a

    perspectiva histrica da construo do conhecimento biogeogrfico e centra

    o olhar sobre a sua configurao na atualidade. Partindo da perspectiva

    tericoanaltica, brinda o leitor com exemplos e aplicaes contemporneas

    em diversas perspectivas.

    Este livro contribuir, com qualidade, para o avano do conhecimento

    e, de forma particular, para o processo ensinoaprendizagem da Geografia

    brasileira.

    Curitiba, abril de 2014

    Francisco Mendona

    Coleo Bsicos em Geografia Coordenador

    Livro_biogeografia.indb 8 02/07/2015 13:00:08

  • prefcioSituada na interface entre a Geografia Fsica e a Geografia Humana, a Biogeografia tem desafiado geraes

    de pesquisadores a construir uma explicao da reali

    dade em que a paisagem seja compreendida como uma

    resultante dialtica da ao do homem e da natureza em

    diferentes escalas de tempo e de espao.

    A complexidade dessa tentativa ambiciosa de chegar a

    uma sntese da biosfera, em face da herana fragmentria do

    legado positivista ao pensamento geogrfico do sculo XX,

    resultou, no raras vezes, na inclinao dos biogegrafos aos

    mtodos e questionamentos prprios das cincias naturais;

    isso quando no se buscava a explicao pronta dos natura

    listas, apenas para preencher a lacuna sobre a distribuio

    da vida no planeta que os gegrafos pareciam sentirse impo

    tentes para investigar com seus prprios meios. O mito da

    existncia de uma natureza independente do homem retardou

    o amadurecimento de uma Biogeografia identificada com o

    objeto de pesquisa dos gegrafos, e foram necessrias muitas

    dcadas de incorporao das paisagens ditas naturais lgica

    da ao humana para que comessemos a compreender que

    aquilo que chamamos de natural ou de artificial so apenas

    dimenses de uma mesma natureza, conectadas por uma

    espiral de tempo e submetidas s leis da Fsica e da Econo

    mia. O Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, que a

    maior floresta urbana do mundo, desenvolveuse em reas que

    h pouco mais de um sculo estavam cobertas de cafezais, da

    mesma forma que diversas formaes climxicas em parques

    nacionais da Europa eram campos de cultivo na Idade Mdia

    ou campos arrasados e contaminados nas Grandes Guerras. A

    natureza que se instala aps o abandono humano no deixa

    de preservar as suas marcas, e so elas que o gegrafo deve

    desvendar para explicar a realidade que se impe.

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  • 10 | Biogeografia

    sumrioTal como se refere Leff (2001, p. 49), desde que a natureza se transforme

    em objeto de processos de trabalho, o natural absorvese no materialismo

    histrico. Isto no nega que operem as leis biolgicas dos organismos que

    participam no processo, inclusive o homem e sua fora de trabalho.

    Uma notcia divulgada pela imprensa de todo o mundo em 2010 acres

    centa mais alguns elementos a essa reflexo: foi localizada no Canad, por

    meio da interpretao de uma imagem de satlite, aquela que conside

    rada a maior barragem natural do mundo, um dique gigantesco de 850 m

    de comprimento que est sendo construdo desde a dcada de 1970, dentro

    de um parque nacional, por vrias geraes de castores. Segundo a notcia,

    novos elementos esto sendo agregados ao dique, que, no prazo de uma

    dcada, poder chegar a 950 m. Quando comparamos a tecnologia, a finali

    dade, a transformao da matria e o trabalho despendido nessa estrutura

    natural com aquelas obras trabalhadas pelo homem, percebemos que o

    limite entre o que consideramos natural e artificial to somente a ausncia

    ou a presena humana, e essa diferena, no nosso entender, muito pequena

    para que continuemos a acreditar que a Geografia da Vida tem na socie

    dade e na natureza captulos to distintos e inconciliveis nas suas questes

    e formas de abordagem.

    Este livro uma pequena contribuio para esse esforo gigantesco de

    repensar a Biogeografia, de atualizar as suas questes e de buscar novos

    caminhos que permitam um dilogo mais frutuoso com o discurso geogr

    fico. Muitas lacunas ainda persistem nesta obra, e elas por certo decorrem da

    bagagem ainda pequena que os gegrafos conseguiram acumular para uma

    Biogeografia brasileira. Em que pese o grande esforo de alguns pioneiros,

    como Dora Romariz, Aziz AbSber, Helmut Troppmair e Felisberto Cavalheiro,

    a quem todos somos devedores, ainda h muito para caminhar. Minha espe

    rana que este livro possa ser uma boa companhia para essa caminhada!

    Adriano S. Figueir

    Portugal, outono de 2013

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  • sumrio1 Introduo ao estudo da Biogeografia ..........13

    1.1 Como e por que os organismos vivos se distribuem na superfcie da Terra? .......................... 13

    1.2 Conceito, objeto, mtodos de abordagem e reas de pesquisa da Biogeografia ..........................................22

    1.3 Desenvolvimento histrico do conhecimento biogeogrfico ..................................................................32

    1.4 A elaborao de um paradigma para o estudo da paisagem ...................................................................50

    2 Processos de especiao e padres de distribuio das espcies .............................. 59

    2.1 Processos de especiao e respostas evolutivas ..........612.2 Coevoluo dos ambientes e dos seres vivos ...............762.3 Grandes regies biogeogrficas do planeta .................932.4 Classificao das reas de distribuio ......................102

    3 Padres de extino e conservao da biodiversidade ...............................................115

    3.1 Mapeando a biodiversidade planetria ......................1193.2 Introduo de espcies exticas e impactos ambientais.................................................127

    3.3 Mecanismos de fragmentao da paisagem ..............1323.4 Teorias de conservao da biodiversidade: da biogeografia de ilhas teoria das metapopulaes ....................................................141

    Livro_biogeografia.indb 11 02/07/2015 13:00:08

  • 12 | Biogeografia

    4 A dinmica atual das populaes nos ecossistemas ................................................155

    4.1 O fluxo de energia e os ciclos de nutrientes na biosfera ............................................ 155

    4.2 Estrutura e funcionamento dos ecossistemas ..........1714.3 Fatores de distribuio dos seres vivos ......................1784.4 Viver e morrer em um ecossistema: processos de cooperao e competio ........................................199

    5 Elementos de Biogeografia Cultural ........... 2095.1 Aparecimento e evoluo da espcie humana ........... 2135.2 O processo de domesticao de plantas e animais ....2225.3 Da seleo artificial produo artificial de novas espcies: a ampliao das fronteiras da natureza .....237

    5.4 Mecanismos biogeogrficos em agroecossistemas .. 2445.5 O papel da Biogeografia no planejamento das paisagens urbanas ................................................256

    6 Os grandes conjuntos biogeogrficos do mundo atual ................................................. 269

    6.1 Consideraes iniciais acerca da espacializao da biodiversidade na superfcie da Terra ...................269

    6.2 Biomas terrestres ........................................................2846.3 Ecorregies de gua doce ............................................3246.4 Ecorregies ocenicas .................................................3326.5 Mudanas climticas atuais e alterao nos padres de distribuio dos seres vivos ..............335

    Referncias bibliogrficas ..................................357 Ficha de crditos ....................................................381

    Livro_biogeografia.indb 12 02/07/2015 13:00:08

  • umIntroduo ao estudo da Biogeografia

    1.1 Como e por que os organismos vivos se distribuem na superfcie da Terra?A provocao de Suchantke (2001), j expressa na capa do seu livro, instiga a ir cada vez mais fundo

    na busca das respostas: o que ns vemos quando

    olhamos uma paisagem?

    Um gegrafo jamais pode reduzir o seu campo de

    viso ao que os olhos esto enxergando. H sempre

    uma conexo oculta por trs daquilo com que se depara

    na natureza. preciso uma grande dose de imagina

    o cientfica orientada pela curiosidade para que se

    consiga entender os processos que controlam as estru

    turas visveis das paisagens terrestres. As paisagens

    que se apresentam aos nossos olhos no so, assim,

    apenas a soma de elementos vivos e no vivos que

    coabitam uma dada superfcie da Terra, mas o arranjo

    em que esses elementos esto dispostos uns em relao

    aos outros, o que lhes permite desencadear processos de

    diferentes naturezas e intensidades. A resposta, aparen

    temente bvia, tem desdobramentos interminveis para

    o campo da Geografia Fsica e, mais especificamente,

    para a Biogeografia.

    Por que as paisagens se diferenciam na superfcie

    da Terra (Fig. 1.1)? Pela diferena de temperatura? Pela

    diferena de umidade? Pelo tipo de relevo e solo? Pela

    ao do homem?

    Livro_biogeografia.indb 13 02/07/2015 13:00:08

  • 22 | Biogeografia

    Os processos de degradao a que tm sido submetidos os ecossistemas

    e as espcies que neles vivem so reversveis?

    possvel compatibilizar o modelo econmico urbanoindustrial do

    mundo atual com a preservao da biodiversidade? Como?

    Embora no se possa reduzir a complexidade do mundo atual a respostas

    simplistas de sim ou no, o enorme conjunto de conhecimentos que as pesqui

    sas nas reas de Ecologia, Biogeografia, Geoecologia e Biologia da Conservao

    tm produzido nos ltimos tempos no permite ter uma viso otimista do cen

    rio futuro dos recursos naturais do planeta. No entanto, h uma esperana cada

    vez maior de que se seja capaz de proceder a uma mudana tica na relao com

    os demais seres vivos, deixando de encarlos exclusivamente como recursos a

    servio do homem e passando a compreender e respeitar a histria evolutiva da

    Terra, que se encerra nas mais diferentes particularidades de cada espcie viva.

    1.2 Conceito, objeto, mtodos de abordagem e reas de pesquisa da BiogeografiaDesde a sua sistematizao como uma disciplina cientfica, no sculo XIX,

    a Biogeografia representa um campo de estudos que se situa na interface

    entre a Geografia Fsica e a Humana, uma vez que tem como principal tarefa

    explicar a distribuio dos seres vivos na superfcie da Terra, em diferen

    tes escalas de espao e de tempo. Considerando que os mecanismos que

    induzem e/ou controlam a distribuio desses organismos esto relacio

    nados tanto s variveis fsicas quanto antropognicas da paisagem, essa

    Geografia da Biosfera no pode prescindir dos aportes terico e metodol

    gico provenientes das cincias naturais e das cincias humanas (Fig. 1.6).

    Assim, privilegiar uma abordagem naturalista em detrimento da busca

    dos princpios, mecanismos e percepes que orientam a ao da sociedade

    sobre a natureza, seja para transformla, seja para conservla, seria como

    mutilar a Biogeografia (Elha, 1968, p. 8). Alguns autores chegam mesmo a

    defender que o homem a espcie central do estudo geogrfico (Sanjaume;

    Villanueva, 1996, p. 138) e que, portanto, imprescindvel a incluso da ao

    humana como criadora de novas espcies e ecossistemas ao longo de sua hist

    ria e de diferentes estratgias de explorao. Um dos grandes incentivadores

    da Geografia brasileira, Monbeig (apud Salgueiro, 2005, p. 60) j afirmava, na

    dcada de 1930, que a Geografia no pode contentarse em descrever a paisa

    gem concreta; procura compreender e reconstituir o mecanismo que conduz

    sua formao e sua evoluo.

    Livro_biogeografia.indb 22 02/07/2015 13:00:10

  • 50 | Biogeografia

    1.4 A elaborao de um paradigma para o estudo da paisagemOs estudos biogeogrficos caracterizamse, dentro de uma abordagem

    geoecolgica, por buscar uma compreenso da paisagem com base em

    uma anlise integrada dos seus elementos, partindo do princpio de que a

    distribuio da vegetao na superfcie da Terra responde tanto a processos

    histricos de origem e disperso das espcies quanto a condicionantes abi

    ticos que controlam a presena ou a ausncia dessas espcies (Fig. 1.14). Com

    isso, a pesquisa em Biogeografia assume uma feio particular em relao

    aos trabalhos desenvolvidos por outras disciplinas, como Ecologia, Bot

    nica e Zoologia, uma vez que a Biogeografia busca articular o conhecimento

    verticalizado das outras cincias para integrlo na explicao da paisagem

    terrestre. Para tanto, tornouse necessria a elaborao de um referencial

    metodolgico prprio Biogeografia,

    capaz de abarcar a complexidade e a

    totalidade dos processos envolvidos

    na estruturao da paisagem ou na

    distribuio de um determinado taxon

    na superfcie da Terra.

    Tal ensejo s comeou efetiva

    mente a ser concretizado a partir da

    aplicao da teoria dos sistemas ao

    estudo da paisagem, por meio do

    conceito de geossistema. O geossistema

    pode ser conceituado como uma

    determinada poro da superfcie

    terrestre caracterizada por uma rela

    tiva homogeneidade da sua estrutura,

    fluxos e relaes, em comparao s

    reas circundantes (Bertrand, 1972b,

    p. 129). Considerese um sistema

    homogneo aquele cujas partes so

    ou esto solidamente e/ou estrei

    tamente ligadas. justamente essa

    caracterstica de interdependncia

    entre os componentes de um mesmo

    sistema, produzindo manifestaes

    Fig. 1.14 Enquanto a composio de espcies vegetais (flora) em uma dada paisagem obedece s variveis que definem o aparecimento e a disperso dessas espcies na superfcie terrestre segundo as condies de zonalidade, a distribuio desses indivduos em escala local e sua condio estrutural (vegetao) so controladas pela natureza e intensidade das interaes que se estabelecem entre os demais elementos da paisagem. Assim, para que se possa explicar adequadamente as caractersticas desta ou daquela vegetao, no basta que se seja capaz de cartograf-la; preciso recorrer compreenso dos demais agentes e processos atuantes nessa paisagem e que condicionaram essa distribuio

    Fonte: adaptado de Walter (1986).

    Livro_biogeografia.indb 50 02/07/2015 13:00:13

  • 52 | Biogeografia

    j que suas transformaes ocorrem em um tempo menor (escala hist

    rica de tempo), alterandose segundo as variaes de Energia, Matria e

    Informao (EMI) processadas no sistema.

    2. Carter global de totalidade: de acordo com a segunda lei da termodinmica,

    o conjunto sempre maior do que a soma das partes, o que implica a

    Fig. 1.15 A paisagem que se v o produto da interao entre diferentes variveis, naturais e humanas. A natureza e a intensidade dessas interaes vo produzir as diferenciaes paisagsticas ao longo do tempo, cuja complexidade ser tanto maior quanto mais intensos forem os fluxos de Energia, Matria e Informao (EMI) no sistema

    Livro_biogeografia.indb 52 02/07/2015 13:00:13

  • 54 | Biogeografia

    O geossistema, segundo a proposta desse autor, corresponde a uma

    unidade de paisagem temporoespacial compreendida entre alguns

    quilmetros quadrados e algumas centenas de quilmetros quadrados

    e composta por um nmero varivel de unidades menores chamadas

    de geofcies, que correspondem a uma entrada diferenciada de mat

    ria e/ou energia em um ponto do geossistema. Essas geofcies aparecem

    dispostas conforme um mosaico mutante, de acordo com as mudanas

    Quadro 1.1 Hierarquia das unidades de paisagem conforme a proposta apresentada por Bertrand (1972a)

    Unidade de paisagem

    Escala espacialElementos do meio que definem

    as categorias

    Uni

    dade

    s su

    peri

    ores

    Zona Milhes de km2

    Grandes faixas climticas do planeta e biomas associados, bem como megaestruturas geolgico-geomorfolgicas que manifestam grandes paisagens azonais, como as reas de cordilheira (por exemplo, a zona tropical do planeta, com paisagens de florestas tropicais midas)

    Domnio Milhares de km2

    Paisagens dentro de uma determinada zona, com forte interao entre condies climtico-hidrolgicas, feies de relevo, tipos de solo e formas de vegetao (por exemplo, o domnio da Serra do Mar)

    Regio natural

    Dezenas a centenas de km2

    Condies morfoestruturais especficas dentro de um domnio que refletem uma variao estrutural prpria na relao relevo-solo-plantas (por exemplo, a ocorrncia de floresta ombrfila densa mata atlntica dentro do domnio da serra do mar)

    Uni

    dade

    s in

    feri

    ores

    GeossistemaAlguns km2 at

    centenas de km2

    Poro de uma regio natural individualizada por uma combinao prpria entre o sistema geomorfogentico, a dinmica biolgica e a explorao antrpica (por exemplo, as reas de mata atlntica desmatadas no sul da Bahia, com a criao de mosaicos floresta-lavoura)

    Geofcies Centenas de m2

    Poro de maior homogeneidade estrutural dentro de um geossistema, subordinada ao controle de um topoclima especfico e associada a uma determinada intensidade de ao humana (por exemplo, os fragmentos de floresta conservada dentro do mosaico floresta-lavoura)

    Geotopo Dezenas de m2

    Pequenas pores de terreno dentro de uma geofcie associadas a condies microtopogrficas e microclimticas que levam a um processo de colonizao vegetal singular (por exemplo, os fundos de vale saturados dentro de um fragmento florestal)

    Livro_biogeografia.indb 54 02/07/2015 13:00:13

  • doisProcessos de especiao e padres de

    distribuio das espcies

    A estimativa que existam hoje aproximadamente 8,7 milhes de espcies de seres vivos

    no planeta (Mora et al., 2011). Desse total, apenas

    1,2milho j foi catalogado at hoje, e muitas dessas

    espcies acabaro se extinguindo antes mesmo

    de serem conhecidas, j que as estimativas mais

    otimistas trabalham com uma taxa de extino de

    aproximadamente mil espcies por ano (Wilson,

    2002), isto , aproximadamente trs espcies por dia

    desaparecem da face da Terra.

    Cada espcie se origina de mudanas genti

    cas ocorridas em espcies mais antigas (especiao) e

    sobrevive na superfcie da Terra por perodos variveis,

    buscando se adaptar da melhor forma possvel s condi

    es ambientais existentes naquele perodo. Quanto

    mais adaptadas s condies presentes, maior a capa

    cidade de as espcies se disseminarem por novas reas

    do planeta; algumas delas chegam mesmo a ser encon

    tradas em toda a superfcie da Terra, como o caso

    daqueles animais diretamente ligados ao homem, como

    o cachorro (Canis domesticus), o gato (Felis silvestris catus),

    a barata (ordem Blattaria) e o rato (Rattus sp.).

    Podese tomar como exemplo de uma espcie que

    sobrevive h bastante tempo na superfcie da Terra o

    Ginkgo biloba, uma planta bastante conhecida pelo seu

    uso farmacolgico e hoje considerada um fssil vivo,

    j que seus exemplares fsseis mais antigos datam de

    Livro_biogeografia.indb 59 02/07/2015 13:00:14

  • 2 Processos de especiao e padres de distribuio das espcies | 61

    que elas tambm, em seus processos de interao com os demais elementos da

    paisagem, so responsveis por mudanas das condies ambientais nos geos

    sistemas em que se instalam.

    2.1 Processos de especiao e respostas evolutivasAntes de prosseguir na discusso dos processos evolutivos, preciso defi

    nir com mais preciso aquilo que at agora se tem chamado de espcie.

    Embora parea ser uma definio bem compreendida dentro do senso

    comum, o conceito de espcie ainda carrega uma enorme polmica entre

    os pesquisadores.

    As primeiras tentativas de classificao dos seres vivos podem ser encontra

    das na obra Metafsica, de Aristteles, escrita trs sculos antes de Cristo. Nesse

    livro, Aristteles propunha agrupar em uma nica espcie todos os indivduos

    que compartilhassem a mesma caracterstica essencial. Assim, por exemplo,

    todos os indivduos que vivessem dentro da gua pertenceriam mesma esp

    cie: peixe. A grande variabilidade morfolgica existente dentro dessa espcie

    era atribuda por ele s imperfeies adquiridas no processo de adaptao da

    forma ao meio. Tendo isso em vista, conseguese perceber como o conceito de

    espcie foi se alterando ao longo do tempo.

    Atualmente, o conceito mais difundido dentro da cincia corresponde

    quele definido por Mayr em 1963, de espcie biolgica (Mayr, 1977). Para esse

    autor, a espcie um conjunto de indivduos reprodutivamente isolados, ou seja,

    populaes que, em razo de seu isolamento geogrfico ou biolgico, reagem aos

    processos genticos e s influncias ambientais de modo a tornlos genetica

    mente incompatveis com outras populaes com as quais tenham contato.

    Embora a incompatibilidade gentica entre duas espcies pressuponha a

    impossibilidade de gerar descendentes frteis, preciso entender isso como

    um processo que se aprofunda cada vez mais medida que a espcie evolui.

    Portanto, nos primeiros momentos dessa diferenciao h a possibilidade de

    que a incompatibilidade no seja total, com a produo de subespcies, raas ou

    variedades distintas, de modo que a taxa de fertilidade decai, mas a gerao de

    indivduos frteis ainda possvel.

    Com uma taxa ainda menor de compatibilidade gentica entre as esp

    cies que se cruzam, h a possibilidade de serem gerados indivduos hbridos,

    incapazes de continuar a se reproduzir, como o caso bastante conhecido da

    mula, uma espcie hbrida surgida do cruzamento de um jumento (Equus afri-

    canus asinus) com uma gua (Equus caballus) ou de um cavalo com uma jumenta.

    Livro_biogeografia.indb 61 02/07/2015 13:00:14

  • 2 Processos de especiao e padres de distribuio das espcies | 79

    velocidade de rotao da Terra, com o aumento do fotoperodo, produziu uma

    verdadeira exploso da vida nos oceanos. Apareceram a as formas primitivas

    da vida moderna, incluindo as trilobitas e outros seres vivos, representados por

    mais de 10.000 espcies.

    Pouco mais de 100 milhes de anos de vida ocenica se passaram at que

    a adaptao dos organismos a ambientes no aquticos (desenvolvimento de

    mecanismos de sustentao e disseminao) permitisse que as primeiras plan

    tas comeassem a ocupar os continentes durante o Devoniano, por volta de 400

    m.a.a. O Quadro 2.1 sintetiza os principais acontecimentos da evoluo da vida

    na escala geolgica de tempo.

    A transio da fauna exclusivamente ocenica para os continentes deu

    origem aos primeiros anfbios, que passaram a viver nas zonas pantanosas

    prximas ao oceano. Com o incio de uma era mais seca, algumas espcies de

    peixes sseos, como o Eusthenopteron (Fig. 2.11), passaram a usar as barbatanas

    Quadro 2.1 Sntese dos principais acontecimentos da evoluo da vida na Terra na escala geolgica de tempo (em milhes de anos atrs, m.a.a.)

    Mes

    ozoi

    co Cretceo 70 a 135Primeiras plantas com flores;ltimos dinossauros

    Jurssico 135 a 180 Primeiros pssaros

    Trissico 180 a 225Primeiros mamferos;Primeiros dinossauros

    Pal

    eozo

    ico

    Permiano 225 a 270

    Carbonfero 270 a 350Primeiras conferas;Primeiros rpteis;Primeiros insetos

    Devoniano 350 a 400Primeiras florestas;Primeiros anfbios;Primeiros peixes sseos

    Siluriano 400 a 440Primeiras plantas terrestres;Peixes com mandbulas

    Ordoviciano 440 a 500Primeiros vertebrados: peixes encouraados e sem mandbulas

    Cambriano 500 a 600Primeiros invertebrados: primeiros animais com concha

    Pr

    -Cam

    bria

    no

    Mais de 600

    Primeiros organismos vivos: algas e bactrias

    Lenn

    yWik

    idat

    a (W

    ikim

    edia

    )D

    anie

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    ( Wik

    imed

    ia)

    Livro_biogeografia.indb 79 02/07/2015 13:00:17

  • 2 Processos de especiao e padres de distribuio das espcies | 93

    Considerando que os parmetros ambientais esto em permanente

    mudana na histria geolgica do planeta, podese concluir que a histria

    evolutiva tambm est em permanente dinmica. Assim, o que chamado de

    coevoluo no apenas uma adaptao mtua na evoluo presapredador,

    mas tambm uma adaptao mtua entre os seres vivos e o ambiente por eles

    habitado e transformado. Portanto, a progressiva oxidao de uma atmosfera

    originalmente composta de amnia (NH3), metano (CH4) e dixido de enxofre

    (SO2) foi to importante para as plantas sarem dos oceanos em direo aos

    continentes quanto a intensificao da fotossntese promovida por essa sada

    foi importante para modificar as condies da atmosfera original, e assim

    sucessivamente.

    Assim como ser visto no Cap. 4, a coevoluo representa um processo

    bastante conhecido nas mudanas fsicas e/ou fisiolgicas que se processam tanto

    nas presas como nos predadores, sempre como decorrncia de um aprimoramento

    da seleo natural. Considerese, por exemplo, as interaes que se processam

    entre os morcegos (predadores) e as mariposas (presas). Como so caadores notur

    nos, os morcegos desenvolveram um sistema sonar para localizar suas presas no

    escuro. Em contrapartida, algumas espcies de mariposa desenvolveram alta

    sensibilidade s frequncias sonoras utilizadas pelos morcegos, o que permitiu

    que elas escapassem dos seus predadores. Algumas espcies de morcego, ento,

    conseguiram alterar a frequncia de seus pulsos sonoros, permitindo uma maior

    captura de presas. Para escaparem disso, algumas espcies de mariposa desen

    volveram outro sistema de ondas sonoras para bloquear o sonar dos morcegos.

    Por sua vez, algumas espcies de morcego, para se adaptarem a isso, desligaram

    seu sistema sonar e passaram a utilizar a frequncia dos bloqueadores das mari

    posas para localizlas. Como se v, tanto as presas como os predadores esto

    submetidos a uma dinmica evolutiva crescente, decorrente da necessidade de

    fazer frente s mudanas dos outros, que denominada coevoluo.

    2.3 Grandes regies biogeogrficas do planetaDesde que as ideias evolucionistas de Darwin passaram a ser aceitas como

    explicao do processo de diversificao da vida na Terra, ficou evidente

    que as diferenas entre faunas e floras de continentes distintos deveriam

    ser resultado de histrias evolutivas diferenciadas.

    Hoje se compreende perfeitamente que a movimentao dos continentes

    ao longo da histria geolgica como decorrncia das dinmicas de afastamento

    e aproximao das placas tectnicas, associada s flutuaes climticas de

    Livro_biogeografia.indb 93 02/07/2015 13:00:19

  • 102 | Biogeografia

    da grande similaridade com a biota australiana, essa regio desenvolveu

    um grande nmero de endemismos ao longo da histria em razo do seu

    aspecto insular. Essa condio coloca as florestas tropicais de Nova Guin

    entre as trs mais importantes do mundo graas sua diversidade de esp

    cies, que pode chegar ao nmero de 30.000.

    2.4 Classificao das reas de distribuioTal como j discutido no Cap. 1, o estudo dos seres vivos pode ser feito com

    base em dois grandes enfoques: o corolgico, que busca identificar as reas

    de distribuio de um determinado taxon na superfcie da Terra, e o bioce

    nolgico, que estuda a distribuio das biocenoses na superfcie terrestre,

    bem como suas caractersticas e relaes.

    Do ponto de vista corolgico, quando se busca cartografar a rea de ocorrn

    cia atual de uma determinada espcie na superfcie da Terra, o mapa representa

    o local ocupado pelo taxon no momento do mapeamento; considerase, portanto,

    a referida rea de distribuio como sendo algo esttico. Todavia, a distribuio

    das diferentes espcies animais e vegetais na superfcie da Terra apresenta uma

    grande variao no tempo e no espao, refletindo sempre a histria de busca

    dessas espcies pelas condies mais adequadas para viver e se reproduzir

    (Fig.2.21). Quando as condies ambientais, como clima, solo, disponibilidade

    de alimento, baixa competio e ausncia de doenas e predadores, so favo

    rveis, a rea de ocorrncia do taxon tende a assumir uma dinmica progressiva,

    expandindo sua rea original.

    Quando as condies ambientais so desfavorveis, a rea de ocorrncia

    tende a sofrer uma dinmica regressiva, com uma retrao da sua rea original.

    Aps essa retrao, o taxon pode tanto desaparecer, especialmente quando suas

    caractersticas passam a ser superadas por outros taxa concorrentes mais bem

    adaptados, quanto se manter em refgios ecolgicos, quando, durante o processo

    de retrao, a rea de ocorrncia se fragmenta e algumas ilhas de condies

    ambientais favorveis mantm a continuidade do taxon em reas limitadas.

    Quando em refgio, ou no caso de a rea de ocorrncia ser delimitada

    por fronteiras bem definidas, alm das quais as condies de sobrevivncia

    so muito pequenas, o taxon pode manter uma dinmica de equilbrio durante

    muito tempo, apresentando apenas algumas flutuaes menores (pequenas

    mudanas no tamanho da rea em perodos de anos ou dcadas), chamadas de

    pulsaes da rea de ocorrncia, relacionadas com variabilidades climticas de

    curto prazo.

    Livro_biogeografia.indb 102 02/07/2015 13:00:20

  • 2 Processos de especiao e padres de distribuio das espcies | 107

    (Fig. 2.25). De acordo com as faixas latitudinais a que se restringem, os taxa

    circumterrestres podem ser classificados como:

    Circumboreais ou circumpolares: quando a ocorrncia do taxon aparece limi

    tada pelo Crculo Polar rtico, como ocorre com a lebrertica (Lepus

    timidus), o ursopolar (Thalarctos maritimus) e a rena (Rangifer tarandus).

    Circumtemperados do Hemisfrio Norte: quando a rea de ocorrncia do

    taxon aparece limitada entre o Crculo Polar rtico e o Trpico de Cncer.

    Nesse caso, ocorrem poucos taxa em nvel de espcie. So exemplos o

    lobo (Canis lupus) e algumas espcies de confera.

    Circumtropicais ou pantropicais: quando a rea de ocorrncia do taxon

    aparece limitada entre os dois trpicos, sendo um tipo de classe bem mais

    comum entre as espcies vegetais. So exemplos a dormideira ou sensi

    tiva (Mimosa pudica), a damadanoite (Cestrum nocturnum) e a filigrana

    (Lantana camara). Em nvel de famlia, aparece a famlia das palmceas.

    Circumtemperados do Hemisfrio Sul ou circum-austrais: quando a rea de

    ocorrncia do taxon situase ao sul do Trpico de Capricrnio. Essas

    reas apresentamse normalmente bastante fragmentadas devido s

    descontinuidades dos continentes. So exemplos desse tipo de taxon

    o pinguimimperador (Aptenodytes forsteri) e o krill-antrtico (Euphausia

    superba).

    Fig. 2.24 As reas mais escuras do mapa representam a distribuio cosmopolita da baleia orca (Orcinus orca), um predador do topo da cadeia alimentar ocenica, mas que uma espcie em perigo de extino por causa da pesca predatria

    RuM

    (W

    ikim

    edia

    )

    Livro_biogeografia.indb 107 02/07/2015 13:00:21

  • trsPadres de extino e conservao da

    biodiversidade

    A variedade e a variabilidade existentes entre os organismos vivos e a trama ecolgica na qual

    esses organismos ocorrem representam o que se

    chama de biodiversidade (Wilson, 1997), que cons

    titui um dos elementoschave para estruturar a

    compreenso biogeogrfica acerca das variaes e

    potenciais paisagsticos na superfcie da Terra.

    Como regra geral, quando se fala em biodiversi

    dade, falase em trs dimenses ou escalas diferentes de

    diversidade de organismos vivos. denominada biodiver-

    sidade alfa a diversidade de organismos existentes dentro

    de um mesmo habitat, a qual depender do nmero de

    nichos que ele encerra, isto , da diversidade estru

    tural e de recursos que existem dentro do habitat para

    sustentar um maior nmero de espcies sem aumen

    tar excessivamente a disputa entre elas por alimento

    ou condies de sobrevivncia (ver o Cap. 4). A diver

    sidade de habitat existentes em determinada regio,

    expressando a possibilidade de complementaridade

    ecolgica encontrada dentro da paisagem, chamada

    de biodiversidade beta. Por fim, a diversidade de paisagens

    existentes dentro de um determinado territrio deno

    minada biodiversidade gama.

    Como visto no captulo anterior, a evoluo da

    vida corresponde a um complexo processo de adapta

    o s mudanas ambientais, sendo que os organismos

    tambm interferem nessas mudanas, em um processo

    Livro_biogeografia.indb 115 02/07/2015 13:00:23

  • 3 Padres de extino e conservao da biodiversidade | 127

    H, contudo, uma ltima questo que precisa ser analisada, que a

    de todas as reas naturais do planeta que no esto includas dentro de um

    hotspot. A identificao de 34 reas vulnerveis a perdas significativas de biodi

    versidade denominadas hotspots revela uma estratgia conservacionista muito

    mais preocupada com a manuteno de um estoque gentico concentrado em

    uma rea total que corresponde a menos de 2% da superfcie do planeta do que

    propriamente com a manuteno de um equilbrio sustentvel na relao socie

    dadenatureza nos 98% restantes.

    Certamente que a adoo de prioridades de conservao encerra alguns

    aspectos positivos no sentido de conter as taxas mais elevadas de transforma

    o dos ecossistemas naturais, mas tambm aprofunda o distanciamento da

    sociedade em relao s melhores estratgias de conservao da natureza, pois:

    a) no estabelece nenhuma prioridade de valorizao para as demais reas do

    planeta onde a interao sociedadenatureza tem obtido os melhores resultados

    em termos de preservao ao longo da histria, e b) assume que a diversidade

    gentica prevalece sobre as demais formas de diversidade, hierarquizando as

    regies segundo seu estoque de recursos e no segundo suas potencialidades de

    desenvolvimento sustentvel.

    Isso evidencia um imenso paradoxo da conservao, j que grandes

    empresas multinacionais dos ramos de minerao, farmacutico e alimentcio

    investem considerveis somas de recursos em prol da manuteno da diversi

    dade natural do planeta ao mesmo tempo que a maior parte de seus ganhos vem

    justamente da homogeneidade de uma produo globalizada e da consequente

    destruio da diversidade dos patrimnios ecolgicos e culturais em que essa

    produo se instala. Gudynas (2002, p. 198) chama a ateno justamente para o

    fato de que [...] se tem usado a desculpa da baixa biodiversidade em certos ecos

    sistemas para justificar empreendimentos de alto impacto ambiental.

    3.2 Introduo de espcies exticas e impactos ambientaisDe todos os impactos antrpicos que ameaam a preservao da biodiver

    sidade no mundo atual, a introduo de espcies exticas considerada o

    segundo mais grave, atrs apenas da perda de habitat. Estimase que, desde

    que se intensificaram as grandes navegaes, no sculo XVII, a introduo

    de espcies exticas tenha sido responsvel por 40% das extines de esp

    cies conhecidas.

    No perodo colonial, o transporte de plantas, animais e microorganismos

    do Velho Mundo para o Novo Mundo representava no apenas uma expanso

    Livro_biogeografia.indb 127 02/07/2015 13:00:24

  • 136 | Biogeografia

    No caso dos ambientes florestais, a influncia do efeito de borda ainda

    mais evidente, uma vez que, quando uma floresta fragmentada, o aumento

    da circulao do vento, a reduo da umidade e a elevao da temperatura nas

    bordas aumentam a vulnerabilidade dos fragmentos invaso de espcies exti

    Boxe 3.2 O impacto ecolgico das estradasMais de 200 milhes de animais silvestres por ano perdem a sua vida em atrope-

    lamentos nas estradas brasileiras. Esse nmero pode estar subestimado e tende

    a aumentar cada vez mais medida que o avano da fronteira agrcola e o conse-

    quente desmatamento vo produzindo fragmentao e perda de habitat cada vez

    maiores. Para se ter uma ideia da magnitude desse problema, somente nos 10 km

    da BR-471 que cortam a Estao Ecolgica do Taim, no sul do Rio Grande do Sul,

    1.063 animais foram mortos entre abril de 2010 e junho de 2012.

    Essa enorme tragdia ecolgica ainda mais preocupante quando se reconhece a pouca

    cobertura dos meios de comunicao para essa questo. Embora a maior parte dos animais

    atropelados seja de pequeno porte, como sapos, cobras, pequenas aves e roedores, animais

    de mdio e grande porte ameaados de extino completam a lista de atropelamentos, como

    o tamandu-mirim, o puma, o lobo-guar e os felinos em geral. Alm deles, outros conheci-

    dos animais silvestres da fauna brasileira, como a capivara, o gamb e os cachorros-do-mato,

    tambm so frequentes na lista de atropelamentos.

    Medidas simples, como a instalao de telas protetoras ou a construo de tneis de fauna

    nos locais de maior concentrao de animais, podem reduzir esses ndices de atropelamento

    em mais de 70%, mas isso requer a necessidade de mais pesquisas e a existncia de uma pol-

    tica pblica de reduo dos impactos ambientais da malha viria.

    Fonte: baseado em uma reportagem de 26 de dezembro de 2012 do jornal Hoje em Dia.

    Fig. 3.11 Representao da zona de transio (borda) entre dois domnios distintos

    Fonte: adaptado de Kotar (s.d.).

    Livro_biogeografia.indb 136 02/07/2015 13:00:26

  • 146 | Biogeografia

    Como decorrncia do emprego da teoria de metapopulaes, incorporam

    se cada vez mais no planejamento conservacionista os corredores biolgicos, que

    permitem a religao de fragmentos anteriormente isolados.

    3.4.2 O uso dos corredores biolgicos no planejamento conservacionista

    Estudar a transformao da matriz na qual os fragmentos da paisagem resi

    dual esto inseridos de fundamental importncia para entender o grau de

    conectividade que essa matriz permite entre os fragmentos (Franklin, 1993).

    Uma matriz menos contrastante tende a permitir uma maior conectividade

    (movimentao de espcies) dentro da paisagem, reduzindo as chances de

    ocorrncia de extino e aumentando as possibilidades de migrao entre

    os fragmentos conectados.

    Os corredores de habitat, ou seja, as faixas de paisagens protegidas com

    integridade ecossistmica que unem os fragmentos (Simberloff, 1998), tm

    sido um instrumento cada vez mais utilizado para aumentar o grau de conec

    tividade em paisagens muito fragmentadas. Formados por habitat naturais ou

    seminaturais, esses corredores tm a finalidade de produzir uma religao entre

    remanescentes naturais, facilitando a disperso de espcies animais e vegetais.

    Seu uso contribui para a preservao de animais no sedentrios, cuja preser

    vao dentro de unidades de conservao tradicionais algo sempre bastante

    complexo, j que essas espcies tendem a migrar sazonalmente em busca de

    alimento ou por motivos reprodutivos.

    Tambm chamados de corredores ecolgicos e de corredores de habitat,

    de conservao e de movimento, eles podem ocorrer como feies naturais do

    ambiente, como no caso das matas riprias, ou ser artificialmente construdos

    pelo homem, com o objetivo explcito da conservao (Cndido Jr., 1993). Muitas

    vantagens podem ser atribudas ao seu uso:

    O aumento da taxa de imigrao entre os remanescentes permite um

    maior equilbrio da metapopulao, o que diminui o risco de extino

    regional das espcies.

    aberta a possibilidade de recolonizao de algumas reas por espcies

    que j estavam localmente extintas.

    Diminuise a possibilidade de ocorrncia de depresses endogni

    cas, uma vez que diferentes subpopulaes so colocadas em contato,

    permitindo o fluxo gnico por meio do cruzamento entre indivduos

    no aparentados. Chamase de depresso endognica a perda de vigor

    Livro_biogeografia.indb 146 02/07/2015 13:00:28

  • quatroA dinmica atual das populaes

    nos ecossistemas

    4.1 O fluxo de energia e os ciclos de nutrientes na biosferaA biosfera, ou esfera da vida, corresponde quela esfera da superfcie terrestre em que os organismos

    vivos (cobertura vegetal e mundo animal) desen

    volvem seu processo coevolutivo em interao com

    a base fsica da paisagem. Na prtica, representa o

    conjunto de todos os domnios habitveis do planeta

    Terra, onde a vida, inclusive a humana, desenvolvese.

    possvel afirmar que a biosfera corresponde a uma

    camada de vida ocupada de forma contnua, j que at

    nas regies mais ridas do planeta possvel encon

    trar alguma forma de vida. O que ocorre, na verdade,

    apenas uma diferena de densidade da vida, mais abun

    dante nas reas terrestres de clima quente e mido e

    rareando em direo s zonas polares ou ridas.

    O desenvolvimento da vida na superfcie terrestre

    depende fundamentalmente da existncia de uma fonte

    de energia, que o Sol. Dos 1.350 W/m2/h, em mdia,

    que atingem o topo da atmosfera, apenas 168 W/m2/h

    ( feita referncia, aqui, somente energia) alcanam

    diretamente o solo, por causa da interferncia de outros

    fenmenos atmosfricos, como nebulosidade, poeira e

    difuso (Fig. 4.1). Se essa energia pudesse ser totalmente

    captada e armazenada, uma casa de 100 m2 com telhado

    de painis fotovoltaicos poderia gerar, por hora, 16.800W

    Livro_biogeografia.indb 155 02/07/2015 13:00:29

  • 4 A dinmica atual das populaes nos ecossistemas | 171

    que o utilizam para formar compostos orgnicos essenciais ao seu crescimento,

    fazendo com que esse on passe de fosfato inorgnico para orgnico.

    Por meio da cadeia alimentar, os animais absorvem o fosfato, que reincorpo

    rado ao ecossistema aps a morte deles ou como decorrncia das suas excrees. As

    aves marinhas, por exemplo, desempenham um importante papel na manuteno

    do ciclo do fsforo, pois so consumidoras de peixes marinhos e, ao excretarem as

    suas fezes (guano) no solo, trazem o fosfato novamente ao meio terrestre.

    Acumulado ao longo do litoral peruano e usado desde longa data como adubo

    orgnico, o guano corre o risco hoje de ser exaurido devido explorao econmica

    intensa. Guardas armados defendem esses excrementos de pssaros, uma das

    grandes riquezas do Peru. Podese ler mais sobre esse conflito em Romero (2008).

    4.2 Estrutura e funcionamento dos ecossistemasA evoluo temporal de uma comunidade vegetal gera diferentes sucesses,

    que correspondem estrutura bitica derivada da ocupao do espao por

    um conjunto de espcies diretamente vinculadas s condies ambientais

    reinantes no momento.

    Vejamse, por exemplo, as diferentes fases por que passa um ecossistema

    desde a ocupao da rocha at o desenvolvimento de um sistema mais maduro.

    Uma sucesso vegetal comea com uma vegetao pioneira (ou ecese), helifila e

    pouco exigente quanto ao substrato, especialmente liquens e outros organismos

    resistentes. A atividade metablica dos liquens vai lentamente modificando as

    condies iniciais da regio devido produo de cidos orgnicos que auxiliam

    na intemperizao da rocha, formando as primeiras camadas de solo. Com a

    morte dos primeiros indivduos, desenvolvese uma produo inicial de matria

    orgnica, e novas espcies, mais exigentes, comeam a se instalar, represen

    tando sucessivos estgios intermedirios ou seres.

    Fig. 4.10 Esquema do ciclo do fsforo na biosfera

    Fonte: adaptado de Plantier (s.d.).

    Livro_biogeografia.indb 171 02/07/2015 13:00:32

  • 176 | Biogeografia

    Esse conjunto de questes define a localizao exata da espcie dentro do

    ecossistema. como se o habitat dissesse em que hotel feita a hospedagem,

    enquanto o nicho define as condies do quarto utilizado nesse hotel. Obvia

    mente que dois clientes que no se conhecem no podem ser enviados ao

    mesmo quarto. Desse modo, h que se ter sempre um equilbrio entre o nmero

    de quartos disponveis e o nmero de hspedes (biodiversidade alfa ver o

    Cap.3) a fim de evitar que a disputa pelo quarto (competio) prejudique ambos.

    Da mesma forma, sempre que um hspede abandona o hotel (extino local

    da espcie), o seu quarto (nicho vago) passa a ser ocupado por um novo hspede

    (recolonizao do nicho por indivduos da mesma espcie vindos de outro local

    ou mesmo por indivduos de outra espcie com funcionalidades semelhantes).

    Quanto mais uma formao vegetal avana em direo a uma condio de

    clmax, mais diversificada vai ficando sua estrutura, j que novos nichos vo

    sendo criados, impulsionando o aumento da biodiversidade alfa. Em alguns

    casos, impactos de pequena magnitude que estejam j de certa forma ligados

    dinmica natural do ecossistema (abertura de clareiras por quedas de rvores

    mortas, incndios espontneos, movimentos de massa, entre outros) tambm

    contribuem para aumentar a sua complexidade, uma vez que abrem nichos

    temporrios para espcies colonizadoras que ali no poderiam sobreviver se

    no fossem esses impactos, que alteram a estrutura ecossistmica de forma

    pontual no espao e no tempo.

    Quadro 4.2 Principais caractersticas das fases de sucesso

    Atributos do ecossistemaNos estgios iniciais de desenvolvimento

    No clmax

    Tamanho dos indivduos Pequeno Predominantemente grande

    Ciclo de vida Curto/simples Longo/complexo

    CrescimentoRpido, com alta mortalidade

    Lento, com maior capacidade de sobrevivncia competitiva

    Flutuaes Mais pronunciadas Menos pronunciadas

    Estratificao Pouca Muita

    Diversidade de espcies (riqueza)

    Baixa Alta

    Matria orgnica total Pouca Muita

    Cadeia alimentar Linear (simples) Em rede (complexa)

    Ciclo de mineraisAberto (grandes perdas erosivas)

    Fechado

    Troca de nutrientes entre organismos e ambiente

    Rpida Lenta

    Fonte: adaptado de Sucesso... (s.d.).

    Livro_biogeografia.indb 176 02/07/2015 13:00:33

  • 4 A dinmica atual das populaes nos ecossistemas | 185

    Por mais que as lendas atribuam gralhaazul (Cyanocorax caeruleus) a

    disperso da araucria, diversos animais fazem a disperso das sementes dos

    pinheiros, sobretudo aves (papagaios, maritacas e maracans), roedores (cutias,

    pres, ourios e pacas) e macacos. Esses animais colhem pinhes para sua

    alimentao e os carregam para longe da planta matriz, muitas vezes deixando

    cair alguns pinhes ao solo, que, diante das condies necessrias de umidade,

    germinam e do origem a uma nova planta.

    Fig. 4.17 Ciclo reprodutivo da araucria, desde a polinizao pelas plantas masculinas at a germinao das sementes (pinhes)

    Fonte: adaptado de Teixeira e Linsker (2010).

    Livro_biogeografia.indb 185 02/07/2015 13:00:35

  • 188 | Biogeografia

    para sobreviver dentro de um espectro ambiental muito mais amplo, mesmo

    que com menor eficincia. Considerando as tendncias em curso de alterao

    de parmetros climticos nas prximas dcadas em razo do aquecimento da

    atmosfera, esperase no apenas que as espcies generalistas ocupem uma rea

    ainda maior do que a que atualmente ocupam, mas tambm que muitas espcies

    especialistas modifiquem espacialmente as suas zonas timas de ocorrncia.

    Potencial evolutivoJ que a amplitude ecolgica de uma espcie responde por um diferencial

    competitivo em termos de disputa de territrio, a capacidade de uma esp

    cie em produzir mecanismos de adaptao s variaes ambientais fora da

    sua zona tima, alterando a sua amplitude ecolgica inicial, pode ser visto

    como um mecanismo de compensao no processo de seleo natural.

    Podese destacar trs processos distintos de adaptao que derivam do

    potencial evolutivo de uma espcie: os ectipos, as mutaes e as hibridaes. O

    primeiro processo representa a possibilidade de indivduos da mesma espcie

    se adaptarem a condies ecolgicas diferentes, apresentando modificaes na

    sua estrutura fsica e/ou na sua fisiologia, o que conhecido como plasticidade

    fenotpica. Um exemplo bastante conhecido em relao a isso se refere s mudan

    as sazonais da colorao do pelo de animais rticos. A durao do fotoperodo,

    Fig. 4.19 Grfico esquemtico comparando a amplitude ecolgica entre trs espcies diferentes no que se refere temperatura. Perceba-se que, em condies de temperatura muito baixa e muito alta, as espcies especialistas A e C, respectivamente, so superiores em termos de desenvolvimento da populao e, portanto, tm maior capacidade competitiva. Fora desses parmetros, no entanto, a espcie B apresenta capacidade muito maior de sobrevivncia e disseminao no territrio em razo do seu perfil generalista

    Fonte: adaptado de Barnagaud et al. (2012).

    Livro_biogeografia.indb 188 02/07/2015 13:00:35

  • 198 | Biogeografia

    a ser classificadas como halfitas, como o caso de boa parte das espcies

    que compem os ecossistemas de restingas e manguezais. Os organismos

    vivos podem ainda ser classificados em eurialinos, que suportam grandes

    variaes de salinidade, como o salmo (Salmo salar), a enguia e a tainha

    (Mugil brasiliensis), os quais, em razo dessa capacidade, podem habitar tanto

    ambientes litorneos quanto estuarinos, e estenoalinos, que no suportam

    grandes variaes de salinidade, nos quais se inclui a maioria dos peixes.

    Boxe 4.2 Aps 2.000 anos no deserto, semente germina normalmente

    H cerca de 2.000 anos, a costa ocidental do Mar Morto, atualmente ocupada

    pelo Estado de Israel, era uma regio de prspera produo de tmaras, princi-

    pal produto de exportao dessa regio e que tinha a fama de possuir poderes

    medicinais. Posteriormente, ciclos sucessivos de secas, associados s perdas

    produzidas pelas guerras, fizeram com que essa rea perdesse completamente a

    sua capacidade produtiva. J durante a Idade Mdia, o relato dos Cruzados era de

    que as tamareiras haviam desaparecido daquela regio.

    Escavaes arqueolgicas realizadas em 1963 naquela rea, prxima antiga fortaleza

    construda pelo rei Herodes, encontraram um conjunto de sementes de tamareira, que foram

    conservadas em temperatura ambiente para estudos posteriores. Em 2007, pesquisadores

    do Centro de Medicina Natural Louis L. Borick, de Israel, selecionaram trs dessas sementes

    para estudo. Duas delas acabaram sendo destrudas para proceder datao com istopos

    de carbono, e identificou-se que as sementes possuam idade aproximada entre 2.110 e 1.995

    anos, portanto condizente com o perodo ureo de produo de tmaras na Judeia. A terceira

    semente foi plantada pela equipe de pesquisadores e germinou depois de oito semanas,

    transformando-se em uma planta semelhante s atuais tamareiras. Depois de 15 meses de

    crescimento, a planta, apelidada pelos cientistas de Matusalm, em homenagem ao persona-

    gem bblico que teria vivido mais de 900 anos, teve os vestgios da sua semente extrados das

    razes para a realizao de datao, que confirmou tratar-se de uma semente com a mesma

    idade das anteriores.

    As condies do deserto, quente e seco, foram certamente favorveis preservao das

    sementes, mantendo intacta a sua capacidade germinativa. Anteriormente a essa pesquisa,

    a semente mais antiga conhecida com capacidade de germinar foi a de uma flor-de-ltus com

    1.300 anos de idade.

    Os cientistas agora buscam identificar se a tamareira corresponde a uma espcie ou varie-

    dade j extinta em Israel, o que abre a possibilidade para a sua reintroduo, especialmente

    no cruzamento com as espcies atuais, buscando criar novas variedades que tirem partido das

    informaes genticas da velha espcie, como a resistncia a secas ou a determinadas doenas.

    Fonte: baseado em Semente... (2008).

    Livro_biogeografia.indb 198 02/07/2015 13:00:37

  • 4 A dinmica atual das populaes nos ecossistemas | 201

    um semicrculo na gua, batem fortemente as asas e atraem os peixes para o

    raso, onde so facilmente capturados.

    Da mesma forma que os predadores desenvolveram evolutivamente atitu

    des comportamentais e estruturas destinadas predao, as presas tambm

    desenvolveram mecanismos para evitar a predao, dos quais se destacam com

    maior importncia o padro crptico, a colorao de advertncia e o mimetismo.

    4.4.1 Padro crpticoCorresponde a uma estratgia desenvolvida por espcies palatveis para

    criar uma estrutura de camuflagem que permita ao indivduo se misturar

    com as cores e os padres do fundo e, assim, diminuir as chances de ser

    identificado pelo predador. Um exemplo bastante conhecido o chamado

    bichodopau, uma designao genrica para um grande nmero de esp

    cies de insetos que assumem as caractersticas das rvores onde vivem.

    No menos conhecida a capacidade das cerca de 80 espcies de camaleo

    de alterar a sua cor para se camuflarem com o fundo diante do perigo. Alm

    Fig. 4.24 Grfico demonstrando duas tendncias de crescimento populacional distintas. Na curva 1, o controle presa-predador garante uma flutuao populacional mais equilibrada, dentro do que se convencionou chamar de curva em S. J na curva 2, a ausncia de predadores e a oferta excessiva de alimentos leva a uma exploso populacional, com proporcional acelerao da mortalidade assim que se atinge o limite dos recursos disponveis, configurando uma curva em J

    Livro_biogeografia.indb 201 02/07/2015 13:00:37

  • cincoElementos de Biogeografia Cultural

    A maior parte das pessoas no teria problemas em concordar que os seres humanos representam

    a maior fora de transformao da natureza que j

    se desenvolveu sobre este planeta, especialmente a

    partir do incio da era moderna, com o advento da

    Revoluo Industrial. Imbudo de uma racionalidade

    capaz de compreender a natureza exclusivamente

    como fonte de recursos para as mais diferentes

    atividades, o homem tem sido o responsvel pela

    deflagrao da sexta extino em massa do planeta

    (Oso, 2008), por considerarse que o ritmo atual de

    desaparecimento de espcies animais e vegetais

    equiparvel s cinco grandes extines que ocorre

    ram ao longo da histria da Terra.

    Como visto anteriormente, a primeira grande

    extino em massa de que se tem notcia ocorreu no

    Cambriano, aproximadamente 550 milhes de anos

    atrs, devido a uma forte reduo do nvel do mar que

    culminou na extino de uma grande quantidade de

    espcies de guas rasas, entre as quais as trilobitas. A

    segunda aconteceu no Ordoviciano (440 m.a.a.), em razo

    de uma forte glaciao que reduziu significativamente os

    nveis dos mares e levou ao desaparecimento de muitas

    espcies de invertebrados marinhos. A terceira teve

    lugar no Devoniano (365 m.a.a.), em decorrncia de um

    grande aquecimento da atmosfera planetria seguido de

    rpida glaciao, afetando significativamente o nvel de

    Livro_biogeografia.indb 209 02/07/2015 13:00:38

  • 5 Elementos de Biogeografia Cultural | 215

    Ao mesmo tempo, isso acarretou um predomnio desse sentido sobre todos os

    outros, levando a um caracterstico achatamento da face como consequncia da

    reduo das mucosas olfativas.

    Entre 10 e 15 milhes de anos atrs, um novo ciclo glacial provocou uma

    estiagem nas florestas africanas que se prolongou por milhes de anos. Os pnta

    nos se retraram, os solos secaram, os lagos desapareceram e essas grandiosas

    florestas, at ento duas vezes maiores do que a atual Amaznia, reduziramse

    a pequenos refgios separados por savanas (Weisman, 2007).

    Essa situao tornou a vida na floresta muito mais difcil para os grandes

    primatas (homindeos), uma vez que os fragmentos de floresta que restaram j

    no eram mais suficientes para garantir a alimentao de todas as espcies e,

    diante da competio, aqueles de menor porte tendiam a levar vantagem, seja

    pela maior agilidade na caa e coleta, seja pelas menores quantias de alimento

    de que necessitavam. Assim, restava aos grandes primatas tentar a sorte nas at

    ento desconhecidas reas abertas das savanas.

    Dessa passagem da floresta para as savanas que os Australopithecus,

    ancestrais dos seres humanos, enfrentaram, decorrem duas importantes

    Fig. 5.2 Esquema de evoluo da famlia dos primatas, que se desenvolveu nos ltimos 65 milhes de anos, aps a extino dos dinossauros

    Fonte: adaptado de Campbell (s.d.).

    Livro_biogeografia.indb 215 02/07/2015 13:00:39

  • 5 Elementos de Biogeografia Cultural | 237

    A lista de espcies introduzidas pelos portugueses como parte da sua estra

    tgia de domnio e controle territorial inclui o dendezeiro (Elaeis guineensis), o

    inhame (diversas espcies dos gneros Alocasia, Colocasia e Dioscorea), o caf

    (Coffea arabica), o gengibre (Zingiber officinale), a jaqueira (Artocarpus heterophyllus),

    a mangueira (Mangifera indica L.), o aafro (Crocus sativus), a pimentadoreino

    (Piper nigrum), a canela (Cinnamomum zeylanicum), a frutapo (Artocarpus incisa) e

    o capimcolonio (Panium maximum), entre outras.

    5.3 Da seleo artificial produo artificial de novas espcies: a ampliao das fronteiras da naturezaAt aqui se analisaram dois importantes momentos da relao dos seres

    humanos com as espcies vivas, sejam elas animais ou vegetais: um

    primeiro momento em que os homens adquiriam seus alimentos direta

    mente na natureza, por meio da caa e da coleta de espcies selvagens, e um

    segundo momento em que os homens passaram a produzir o seu prprio

    alimento, plantando e/ou criando espcies resultantes de aperfeioamen

    tos genticos produzidos pelo processo continuado de domesticao.

    Nenhuma dessas situaes deixaram de acontecer at os dias atuais. Tribos

    de caadorescoletores continuam a existir em diferentes partes do mundo,

    como os Penam, os Caian, os Queni e os Punam, no sudeste asitico, os Soliga,

    na ndia, os Khoisan, no sudoeste da frica, os Hadza, na Tanznia, os Kung,

    no deserto do Kalahari, ou mesmo os esquims, no Alasca, Canad e Groen

    lndia. No Brasil, os AwGuaj, da famlia lingustica tupiguarani, vivem na

    prAmaznia brasileira e constituem um dos ltimos povos caadores e cole

    tores do Brasil, tendo sido contatados pela Fundao Nacional do ndio (Funai)

    apenas em 1973.

    Os povos tradicionais do sudeste asitico mencionados dependem exclusiva

    mente da floresta, e 223 tipos bsicos de plantas so aproveitados regularmente.

    Os alimentos mais importantes so cogumelos, samambaias, fetos e o miolo de

    vrias plantas, entre as quais o broto de bambu, palmeiras silvestres e bananas.

    Os Queni consomem 25 variedades diferentes de fungos extrados da floresta.

    Domesticaes e melhoramentos raciais por seleo artificial tambm so

    prticas bastante usuais em uma economia que busca cada vez mais o aperfei

    oamento da produtividade, ainda que muitas raas e variedades desenvolvidas

    ao longo de sculos e consideradas verdadeiros patrimnios culturais (Fig. 5.12)

    corram o risco de desaparecer em razo das tentativas de padronizao associa

    das ao mercado global.

    Livro_biogeografia.indb 237 02/07/2015 13:00:42

  • 244 | Biogeografia

    no previsveis, como o aparecimento de pragas secundrias. No caso

    do milho, o foco principal sempre foi o controle da lagarta. Como esses

    predadores passaram a ser controlados nas variedades transgnicas, as

    doenas fngicas passaram a ser motivo de preocupao, o que leva a

    supor que esteja ocorrendo um aumento progressivo no uso de fungici

    das no cultivo do milho.

    Morte de outros insetos e polinizadores. Algumas espcies transgnicas

    podem conter parte do DNA de vrus ou bactrias capazes de causar

    danos no apenas ao predador desejado, mas a uma ampla gama de

    outros insetos teis. Esse o caso do milho Bt, com genes do Bacillus

    thuringiensis, uma bactria presente no solo capaz de produzir protenas

    com efeito inseticida e por esse motivo usada durante muitos anos na

    fabricao de inseticidas biolgicos. Ao incorporar parte da informao

    gentica dessa bactria em sua composio, o milho transgnico passa a

    produzir essas protenas txicas que eliminam no s a lagarta do milho,

    mas tambm borboletas, mariposas, besouros e escaravelhos.

    Questes como essas justificam o alerta feito pelo Ministrio do Meio

    Ambiente brasileiro (Riscos, s.d.) sobre os riscos inerentes ao consumo de

    produtos transgnicos e as suas implicaes em termos de biosegurana e

    devem fazer com que se redobre a precauo quanto adoo indiscriminada

    da biotecnologia.

    5.4 Mecanismos biogeogrficos em agroecossistemasOs seres humanos no apenas criam e transformam espcies, mas

    tambm so responsveis pela sua (re)organizao espacial dentro dos

    chamados agroecossistemas, que podem ser caracterizados como ecossis

    temas artificializados submetidos pelo homem a contnuas modificaes

    de seus componentes biticos e abiticos a fim de obter deles diferentes

    tipos de recursos e servios. Essas modificaes afetam praticamente

    todos os processos que se tm discutido at aqui, desde o comportamento

    dos organismos vegetais e animais quanto dinmica das populaes e

    composio das comunidades at a forma como se comportam os fluxos de

    matria e energia dentro do sistema.

    Como corresponde a um processo gerador de mudanas muito profun

    das, podese afirmar que a criao de agroecossistemas corresponde ao maior

    impacto da atividade humana sobre a biosfera em termos de extenso, j que

    mais da metade da superfcie continental do planeta tem sido destinada para

    Livro_biogeografia.indb 244 02/07/2015 13:00:43

  • 248 | Biogeografia

    Mais do que um sistema natural a ser preservado, essa concepo agroecos

    sistmica de sustentabilidade v na floresta um sistema a ser utilizado, pois

    dele que vm o alimento, a moradia, a energia e os remdios (Fig. 5.18). Essa foi

    a base de formao do movimento Chipko na ndia, um movimento popular de

    pequenos agricultores iniciado na dcada de 1970 para impedir a derrubada das

    florestas ao norte do pas.

    De outro lado, observase uma concepo completamente distinta, baseada

    na racionalidade econmica do lucro e, portanto, focada apenas na elevao da

    produtividade final da monocultura a ser comercializada. Tendo como base o uso

    intensivo de insumos, a especializao do manejo, o combate diversidade e a

    utilizao massiva da mecanizao e da biotecnologia, essa concepo de agro

    ecossistema v a natureza exclusivamente como um substrato para o processo

    produtivo, cujos limites de produo no so dados pelo funcionamento da

    estrutura ecolgica do sistema, mas pela garantia dos insumos externos que

    elevam artificialmente os nveis de produtividade e colocam o sistema ecolgico

    em completa dependncia da ao humana.

    Uma dos caminhos que se pode investigar como alternativa a esse modelo

    insustentvel que, seja na produo de alimentos, seja na produo florestal,

    Fig. 5.18 Esquema que representa a contribuio das espcies arbreas tradicionais do ecossistema florestal indiano para os sistemas de sustentao da vida rural em comunidades de pequenos agricultores

    Fonte: Shiva (2003).

    Livro_biogeografia.indb 248 02/07/2015 13:00:44

  • 256 | Biogeografia

    promovidas pelo modelo do agronegcio (para mais informaes, consultar

    Conhea..., 2013).

    5.5 O papel da Biogeografia no planejamento das paisagens urbanasAs reas urbanas representam ecossistemas artificializados em que diferen

    tes escalas de espao e tempo precisam interagir no sentido da compreenso

    de uma realidade que temporalmente dinmica e espacialmente fragmen

    tada. Nessas reas, a estabilidade do sistema ambiental comprometida

    por um alto grau de entropia intrnseca, cuja origem, preciso reconhe

    cer, est profundamente ligada ao

    conjunto das dinmicas socioambien

    tais (Fig. 5.21), o que confere a esses

    sistemas um dos mais altos graus de

    complexidade no mbito dos espaos

    apropriados pelo homem.

    Quando feita referncia

    complexidade dos ecossistemas urba

    nos, insistese no fato de ser simplista

    e equivocada a viso de que as reas

    urbanas representam apenas siste

    mas artificializados e empobrecidos

    de vida pelo impacto humano. A

    interferncia humana em termos de

    mudana na regulao dos fluxos de

    matria e energia, seja pela introduo

    de fluxos inexistentes em ecossiste

    mas naturais, seja pela ampliao,

    reduo ou mesmo extino de

    outros, demonstra que os ecossiste

    mas urbanos possuem importncia

    e complexidade prprias, como ecos

    sistemas hbridos que ainda precisam

    ser muito bem estudados e conheci

    dos (Fig. 5.22).

    Aprender a manejar essa natu

    reza artificializada tornase uma

    Fig. 5.21 Modelo genrico da dinmica trfica em ecossistemas naturais e urbanos. Os seres humanos alteram ambos os sistemas, mas em ambientes urbanos as influncias humanas so mais profundas e incluem: (A) a introduo externa de recursos como gua e fertilizantes e (B) o controle direto da diversidade de espcies de plantas e da produtividade primria, levando a fortes controles nos nveis superiores da cadeia. (C) Os seres humanos tambm fornecem diretamente os recursos para os herbvoros e predadores, quer por meio da alimentao intencional, quer como consequncia no intencional de outras atividades, como gerao de resduos, plantao de hortas e jardins ou criao de animais domsticos, o que leva a um maior controle dos nveis superiores sobre os inferiores em alguns taxa

    Fonte: Warren et al. (2006).

    Livro_biogeografia.indb 256 02/07/2015 13:00:45

  • 258 | Biogeografia

    Na abordagem biogeogrfica das reas urbanas, uma das principais ques

    tes a serem avaliadas justamente a influncia dos padres espaciais de uso do

    solo, incluindo as variveis relacionadas com a distribuio da biota, no controle

    dos fluxos de matria e energia dentro desses sistemas abertos (Fig.5.23), o que

    resulta em maior ou menor comprometimento das funcionalidades ecossist

    micas (Huang; Lai; Lee, 2001).

    Os ambientes construdos, graas ao seu intenso metabolismo, atuam assim

    como grandes conversores de recursos ao receber, de longas distncias, gigan

    tescas quantidades de matria e energia (incluindo organismos vivos nativos e

    exticos), processlas e, por fim, excretar resduos que se acumulam em dife

    rentes pontos da rea urbana. S na Amrica Latina so geradas diariamente

    436.000 t de resduos (em mdia, 0,93 kg por habitante) (ONUHabitat, 2012), e

    Fig. 5.23 As cidades, na condio de sistemas abertos que trocam matria e energia com outras reas prximas e distantes, representam um dos tantos casos de sistemas antroponaturais longe do equilbrio que podem ser estudados com base nos princpios da Ecologia da Paisagem, buscando compreender e manejar a estrutura de distribuio dos organismos vivos em seu interior

    Fonte: adaptado de Ribeiro (1998).

    Livro_biogeografia.indb 258 02/07/2015 13:00:46

  • seisOs grandes conjuntos biogeogrficos

    do mundo atual

    6.1 Consideraes iniciais acerca da espacializao da biodiversidade na superfcie da TerraDiante de todos os impactos em cadeia produzidos pela perda de espcies no planeta, j

    discutidos no Cap. 3, possvel considerar que,

    alm de uma crise de extino das espcies vivas,

    existe uma mais ampla, a dos biomas, considerada

    por alguns autores muito mais grave (Hoekstra et al.,

    2005), pois responde pela destruio de ambientes

    naturais que garantiram o surgimento e sustentam

    at hoje a manuteno de um nmero de espcies

    muito maior do que aquelas que esto se extin

    guindo. Portanto, as projees para o espectro

    de extines tendem a se ampliar grandemente

    quando o foco da destruio passa da escala da

    espcie para a escala do habitat.

    Essa questo pe relevo a um dos conceitos mais

    utilizados dentro da Biogeografia, o de bioma. O termo

    bioma (do grego bio, vida, e oma, grupo) foi proposto por

    Clements e Shelford (1939) para designar certo tipo de

    formao vegetal em associao com a sua fauna prpria,

    e subordinada a uma determinada condio climtica.

    A amplitude do conceito permite compreender que

    ele obedece especialmente aos critrios fisionmicos

    de classificao dos seres vivos, j que dentro de um

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  • 272 | Biogeografia

    do ambiente semelhantes. Na prtica, a diferena entre a formao vegetal e o

    bioma, para ele, que este reproduz o primeiro, mas acrescentando os agrupa

    mentos animais que tm nessa dada formao vegetal o seu habitat.

    As tendncias da diversidade da estrutura tendem a ser seguidas de perto

    pelas tendncias da diversidade de espcies. As biodiversidades alfa e beta (ver

    o incio do Cap. 3) tendem sempre a diminuir medida que as condies ambien

    tais vo se tornando menos favorveis, especialmente em termos de umidade

    disponvel para a realizao dos ciclos biogeoqumicos. J em ambientes com

    grandes teores de umidade, as estruturas se desenvolvem e se diversificam,

    fazendo surgir uma ampla variedade de nichos que promovem uma ampliao

    progressiva das taxas de biodiversidade.

    Em que pese a enorme utilizao do conceito de bioma dentro da Geografia,

    podese elencar, de forma resumida, quatro principais caractersticas abran

    Fig. 6.2 Diagrama de Whittaker, que representa uma simplificao do diagrama de Holdridge, em que a distribuio das formaes vegetais no planeta passa a ser considerada apenas em funo dos parmetros de precipitao mdia anual e temperatura mdia anual

    Fonte: adaptado de Whittaker (1962).

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  • 284 | Biogeografia

    Seja pelos equvocos cometidos na classificao do Radambrasil (ao atri

    buir, por exemplo, uma formao savnica e/ou estpica aos campos do pampa

    sulbrasileiro), seja pela opo dos manuais escolares de continuar adotando

    classificaes mais genricas e simplificadas, as propostas de classificao mais

    detalhada de AndradeLima (1966) e de Veloso (1966) nunca se tornaram muito

    populares dentro do crculo acadmico brasileiro, o que realmente lamentvel.

    6.2 Biomas terrestres6.2.1 Florestas tropicais e subtropicais midas

    Esse bioma localizase em grandes e descontnuas manchas, principal

    mente dentro da zona intertropical do planeta (Fig. 6.7), embora essa floresta

    latifoliada de grande exuberncia estrutural e rica composio tambm se

    estenda para latitudes mais altas, em reas de baixas altitudes e grande

    concentrao de umidade.

    No Brasil, esse bioma compreende nada menos que 21 ecorregies diferen

    tes, distribudas em dois grandes domnios, o amaznico e o atlntico, o que

    representa um amplo espectro estrutural e ecolgico, desde as florestas mais

    midas e mais densas, classificadas como florestas ombrfilas densas, at

    as florestas midas de araucria, denominadas florestas ombrfilas mistas,

    representadas por formaes mais abertas e que se localizam acima de 400

    Fig. 6.7 Distribuio do bioma de florestas tropicais no planeta. Em que pese a identidade fisionmica das reas recobertas por esse bioma, especialmente devido ao controle climtico, esse conjunto de florestas envolve 50 ecorregies globais distintas, sendo algumas delas subdivididas, na escala continental, em duas ou mais ecorregies

    Del

    orm

    e (W

    ikim

    edia

    )

    Livro_biogeografia.indb 284 02/07/2015 13:00:50

  • 6 Os grandes conjuntos biogeogrficos do mundo atual | 293

    A segunda forma de biopirataria igualmente criminosa e apresenta grave

    ameaa preservao das florestas tropicais: o trfico de animais, que representa

    hoje o terceiro maior negcio ilegal do mundo, perdendo apenas para o trfico

    de drogas e de armas. Esse comrcio, que movimenta aproximadamente US$ 19

    bilhes por ano, s no Brasil responsvel pela movimentao de mais de US$ 700

    milhes, com a retirada anual de aproximadamente 12 milhes de animais das

    florestas brasileiras, considerando que, para cada animal vendido, outros nove

    no sobrevivem. Muitos deles tm os seus dentes e garras arrancadas, outros so

    vendidos drogados ou embriagados ou so rodados pela cauda a todo momento

    at ficarem completamente desnorteados e parecerem mansos e domesticados.

    6.2.2 Florestas tropicais e subtropicais estacionaisAs florestas tropicais e subtropicais estacionais so encontradas no sul do

    Mxico, sudeste da frica, regio central da ndia, Indochina, Madagascar,

    Nova Calednia, leste da Bolvia, Brasil central, Caribe, vales dos Andes

    setentrionais e ao longo das costas do Equador e do Peru.

    Embora essas florestas ocorram em climas quentes durante todo o ano,

    podendo receber uma grande pluviosidade anual, a chuva nesses locais mal

    distribuda e as espcies precisam lidar com longos perodos de seca, que podem

    durar meses, dependendo da regio. Essas secas sazonais tm grande impacto

    sobre todas as espcies que vivem nesses biomas, especialmente no controle

    da caducifolia, estratgia utilizada pelas plantas para reduzir a capacidade de

    transpirao e a perda de gua.

    Durante a estao de perda de folhas, a abertura do dossel permite que a

    luz solar atinja o nvel do solo, facilitando o crescimento de um estrato herb

    ceo no interior da floresta. Embora menos biologicamente diversificadas do

    que as florestas tropicais midas, as florestas estacionais tropicais ainda so

    o lar de uma grande variedade de vida selvagem, incluindo macacos, grandes

    felinos, papagaios, vrios tipos de roedores e pssaros, que, diferentemente do

    que ocorre nas florestas midas, encontram seu habitat mais prximo do solo.

    Muitas dessas espcies indicam adaptaes extraordinrias estao seca.

    Em alguns casos, essas reas de florestas tropicais estacionais so extre

    mamente importantes para a conservao da biodiversidade, como na costa do

    Pacfico, onde o isolamento dessas manchas florestais entre a cadeia montanhosa

    e o oceano permitiu o aparecimento de uma grande variedade de fauna endmica.

    Uma das espcies mais caractersticas desse bioma e com imensa impor

    tncia social no continente africano, em que ocorrem sete das oito espcies do

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  • 6 Os grandes conjuntos biogeogrficos do mundo atual | 297

    insetvoras. Algumas delas, como o picapau, possuem o bico adaptado para

    encontrar insetos nas rvores. Doninhas comem pequenos animais, enquanto

    os guaxinins e outros pequenos animais comem peixes, sapos e frutas.

    Nesse bioma ocorre um dos processos mais antigos de explorao, seja pela

    busca da madeira, seja pelo desmatamento associado expanso das reas de

    agricultura e pecuria, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Atualmente,

    resta menos de um quarto das florestas temperadas originais, a maior parte

    das quais densamente fragmentadas nos territrios. Por causa desse grande

    nvel de perturbao e do desaparecimento de predadores de topo de cadeia,

    como o urso e os lobos, muitas espcies oportunistas, como os veados, tendem

    Fig. 6.14 Esquema de representao da cadeia alimentar no bioma das florestas temperadas

    Fonte: adaptado de Viau (2000).

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  • 6 Os gr