afeto e emoção no diálogo de vygotsky com freud

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  • 5/24/2018 Afeto e Emo o No Di logo de Vygotsky Com Freud

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    AFETO E EMOO NO DILOGO DE VYGOTSKY COM FREUD:APONTAMENTOS PARA A DISCUSSO CONTEMPORNEALavnia Lopes Salomo Magiolino UNICAMPAna Luiza Bustamante Smolka UNICAMPAgncia Financiadora: FAPESP

    O problema da sensibilidade, das paixes humanas e de suas relaes com a

    razo, uma questo arcaica, central na filosofia, na histria das idias mobilizando

    pesquisadores dos mais diversos campos do conhecimento, da cincia, da arte.

    Questo que est na ordem do dia, sobretudo na educao.

    Ao debruarmo-nos sobre o problema dos afetos e das emoes deparamo-

    nos com uma polmica acerca dos modos como se concebe, compreende e teoriza

    sobre estes.

    O nome de Vygotsky vem sendo vinculado s elaboraes de Espinosa, ao

    falar de afeto filsofo cujas teses contrrias ao cartesianismo, fundamentam a

    perspectiva Vygotskyana em diversos aspectos. Contudo, se ampliamos o nosso

    olharvemos que tal questo nos remete tambm psicanlise e a Freud, importante

    interlocutor de Vygotsky, cujo dilogo no vinha sendo muito relevado, possivelmente

    devido s divergncias j ressaltadas por alguns comentadores (Van der Veer &

    Valsiner, 2001).

    Mais recentemente, alguns trabalhos apontam convergncias, tais como o

    prefcio de Clot (2003) traduo francesa de textos de Vygotsky. Nas suas

    discusses sobre as possibilidades no realizadas de atividade e a relao com o

    inconsciente, ele que destaca aspectos convergentes no pensamento de Freud e

    Vygotsky. A anlise desse autor aponta para o intenso dilogo travado com Freud,

    sem, contudo, explicitar mais detidamente algumas possveis repercusses ou

    coincidncias nos modos dos dois autores conceberem e teorizarem sobre afeto e

    emoo.

    Em nossos estudos, vimos procurando mais do que acentuar a disputa,promover o debate, perquirindo mesmo as contradies, pois acreditamos que a partir

    e por meio destas encontramos indcios para adensar a problemtica.

    Vygotsky e Freud so contemporneos, de modo que na ambincia cultural da

    qual fazem parte, apesar das diferenas nas posies que assumem, enfrentam

    questes e problemas semelhantes. Debatem sobre a conscincia e o inconsciente, o

    natural, o social e o cultural, o biolgico e o psquico, a arte, a linguagem e o afeto.

    Assumem uma perspectiva evolucionista e apesar das influncias de diferentes

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    pensadores, posicionam-se, por exemplo, contra a teoria localizacionista em pauta na

    poca, propondo uma explicao sistmica e dinmica1.

    Em diversos momentos, em diferentes trabalhos, Vygotsky ressalta a

    dificuldade da cincia em lidar com o campo do sentimento e das emoes, bem como

    da imaginao e fantasia. interessante notar que Vygotsky refere-se a esse como o

    captulo mais obscuro da Psicologia, como tambm faz Freud em sua anlise sobre as

    pulses ao se referir a esta como a regio obscura. Os problemas, os focos de

    interesse aproximam-se apesar do distanciamento do princpio explicativo e do modo

    como os autores compreendem, explicam e elaboram sobre o impacto da histria e da

    cultura no processo de constituio humana.

    Tratar a questo do afeto e das emoes na obra de Vygotsky um desafio.

    Seja pela abrangncia e persistncia do tema, que atravessa toda a sua produo,

    seja pela interlocuo com os autores nos mais diversos campos e tendncias; a

    busca de compreenso de suas idias e as anlises de suas concepes requerem

    um estudo detido e aprofundado. Vale pontuar ainda que um de seus ltimos trabalhos

    dedicado a um estudo histrico-psicolgico desta problemtica,Teoria das Emoes,

    deixado inacabado, suscitando dentre os estudiosos de sua obra indagaes e

    polmicas (Sawaia; Van der Veer & Valsiner).

    Na obra de Freud, o desafio ainda maior. O psicanalista fundamenta sua

    metapsicologia nos processos psquicos inconscientes que trazem implicadas a

    problemtica da natureza do mental e sua relao com a representao enfocando o

    sujeito do inconsciente. O afeto no umconceito em Freud, mas vrios. Ele fala em

    afeto de diversos modos, em vrios sentidos diferentes. Ora num sentido mais

    genrico como sinnimo de emoo e sentimento, ora como quantidade/quota de

    energia ou excitao, ora como processo de dispndio de energia. Os afetos

    relacionam-se ao corpo, s pulses e s representaes e aparecem em toda a obra

    de Freud assumindo tambm algumas nuances, conforme vimos percebendo nos

    estudos realizados, em que (re)tomamos alguns textos procurando pontuar seusargumentos e compreender seu princpio explicativo.

    As referncias de Vygotsky a Freud remontam basicamente s Conferncias

    Introdutrias Psicanlise, Leonardo da Vinci, Trs Ensaios sobre a Teoria da

    Sexualidade, A interpretao dos sonhos, Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana,

    1Com Luria (neuropsiclogo russo) Vygotsky, desenvolveu estudos sobre a constituio histrico-culturaldas funes psicolgicas humanas. Luria props uma abordagem sistmica e dinmica do crebro emtrs unidades funcionais que deu origem a diversas teorias, influenciando neurologistas atuais.Freud critica o localizacionismo em seus primeiros artigos, como Sobre a concepo das afasiasaocolocar o modelo de funcionamento da linguagem (esquematizado pela associao representao-objetoe representao-palavra) em busca de uma explicao dinmica.

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    Alm do princpio do prazer, O chiste e sua relao com o inconsciente, Psicologia de

    grupo e anlise do ego, O Ego e o Id2.

    Neste trabalho, pretendemos colocar em relevo alguns pontos desse dilogo,

    explorando e dando visibilidade a argumentos dos dois autores, privilegiando: 1. arte e

    catarse: a transformao das emoes; 2. afeto e representao na problematizao

    do (in)consciente; e 3. natureza e desenvolvimento do afeto: o biolgico e o psquico.

    Arte e catarse: a transformao das emoes

    Em Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade a discusso sobre o afeto

    aparece relacionada pulso sexual nas neuroses analisadas por Freud ao destacar a

    importncia do procedimento teraputico introduzido por Breuer, ento chamado de

    catrtico. Esclarece, primeiramente, que as psiconeuroses, de acordo com suas

    experincias, baseiam-se em foras pulsionais de cunho sexual. A energia da pulso

    sexual contribui para as foras que sustentam os fenmenos patolgicos (os

    sintomas), consistindo em uma fonte energtica constante da neurose. A psicanlise

    procura eliminar os sintomas histricos partindo da premissa de que so um substituto

    de uma srie de processos, desejos e aspiraes investidos de afeto que, mediante a

    um processo psquico de recalcamento, nega-se a descarga atravs de uma atividade

    psquica passvel de conscincia. Freud fala em desejos e aspiraes investidos de

    afeto, ele parece estar usando afeto como sinnimo de quantidade ou de

    excitao, portanto, um desejo investido de afeto seria um desejo altamente

    investido, ou muito intenso.

    Assim, essas formaes de pensamento que foram retidas num estado deinconscincia aspiram a uma expresso apropriada a seu valor afetivo, a umadescarga, e, no caso da histeria, encontram-na mediante o processo de converso emfenmenos somticos - justamente os sintomas histricos. Pela retransformaosistemtica (com a ajuda de uma tcnica especial) dos sintomas em representaesinvestidas de afeto j agora conscientizadas, fica-se em condies de averiguar com amxima preciso a natureza e a origem dessas formaes psquicas antesinconscientes. (Freud, 1986: 100)

    O procedimento catrtico, utilizado por Freud neste momento, pressupunhaque o paciente fosse hipnotizvel e baseava-se na ampliao da conscincia que

    ocorre na hipnose. A meta era a eliminao dos sintomas patolgicos e se chegava

    mesma levando o paciente a retroceder ao estado psquico em que o sintoma surgira

    pela primeira vez. Assim emergiam no doente hipnotizado lembranas, pensamentos e

    impulsos at ento excludos de sua conscincia. Assim que ele comunicava ao

    2A teoria freudiana do aparelho psquico marcada por revises e reelaboraes desdobrando-se, noque conhecemos como a primeira tpica (abarca os sistemas consciente, inconsciente e pr-consciente)e a segunda tpica (abarca o id, o ego, e o superego) aps 1920, a partir de Alm do princpio do prazer,em que estabeleceu o modelo estrutural ou dinmico, cristalizado em O ego e o idde 1923.

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    mdico esses seus processos psquicos, em meio a intensas expresses ou

    manifestaes afetivas, o sintoma era superado e se impedia seu retorno.

    Ainda que posicionando-se contra a explicao pautada unicamente pela

    energia sexual subjacente aos processos psquicos, Vygotsky assume a contribuio

    de Freud ao analisar os problemas da psicologia da arte, debatendo o conceito de

    catarse e elaborando o conceito de arte como a tcnica social do sentimento. A

    discusso evidencia o carter contraditrio, de ambigidade e ambivalncia dos

    sentimentos e emoes referindo-se tambm a Darwin.

    Vygotsky (2001) discute ento as concepes de emoes lricas, suscitadas

    pelo contedo, e emoes suscitadas pela forma, e analisa a relao em que se

    encontram: essas duas sries de emoes esto em permanente antagonismo, esto

    direcionadas em sentidos opostos e (que) da fbula tragdia a lei da reao esttica

    uma s: encerra em si a emoo que se desenvolve em dois sentidos opostos e

    encontra sua destruio no seu ponto culminante como uma espcie de curto-circuito

    (p. 270).

    Este o efeito da obra de arte que remete ao conceito de catarse de

    Aristteles que Vygotsky (2001) tambm problematiza:

    Mas, apesar da impreciso do seu conceito e da manifesta recusa tentativa deesclarecer o seu sentido no texto de Aristteles, ainda assim supomos que nenhumoutro termo, dentre os empregados at agora na psicologia, traduz com tanta plenitude

    e clareza o fato, central para a reao esttica, de que as emoes angustiantes edesagradveis so submetidas a certa descarga, sua destruio e transformao emcontrrios, e de que a reao esttica como tal se reduz, no fundo, a essa catarse, ouseja, complexa transformao dos sentimentos. Ainda sabemos muito pouco defidedigno sobre o prprio processo da catarse, mas mesmo assim, conhecemos oessencial isto , sabemos que a descarga de energia nervosa, que constitui a essnciade todo sentimento, realiza-se nesse processo em sentido oposto ao habitual, e que aarte assim se transforma em um poderosssimo meio para atingir as descargas deenergia nervosa mais teis e importantes. Achamos que a base desse processo anatureza contraditria que subjaz estrutura de toda obra de arte (p. 269-270).

    H uma idia de transformao dinmica dos afetos, processo que traz tona

    a discusso da relao dos afetos com o inconsciente e a conscincia e a linguagem.Problema central, mas absolutamente complexo na psicologia da poca em que

    emoes humanas so analisadas com base em uma classificao que acaba por

    estabelecer uma diviso entre superiores e inferiores. A teoria organicista de James e

    Lange consolida-se como principal fonte de explicao das emoes, separando-as da

    conscincia. Tanto Vygotsky como Freud posicionam-se radicalmente contra essa

    teoria e procuram assumir uma perspectiva histrica, evolucionista, apesar das

    diferentes nfases e influncias.

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    Afeto e representao na problematizao do (in)consciente

    Em seus estudos em arte, psicologia e educao, Vygotsky enfatiza as

    relaes intrincadas entre palavra e emoo. Afirma: As mesmas palavras, porm

    pronunciadas com sentimento, agem sobre ns de modo diferente daquelas

    pronunciadas sem vida (Vygotsky, 2004a: 135). Indaga-se, em diversos momentos,

    sobre o poder da palavra que afeta o homem: Mas de onde vem a funo volitiva da

    palavra para ns, por que a palavra subordina a si as reaes motoras? De onde vem

    o poder da palavra sobre a conduta? (Vygotsky, 2000: 25).

    Freud tambm se coloca o problema da arte. Tambm investiga o poder da

    palavra que afeta. Seus estudos tematizam a vinculao da palavra com o afeto.

    Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra jubilosamente feliz ou lev-la aodesespero, por palavras o professor veicula seu conhecimento aos alunos, porpalavras o orador conquista seus ouvintes para si e influencia o julgamento e asdecises deles. Palavras suscitam afetos e so, de modo geral, o meio de mtuainfluncia entre os homens. Assim, no depreciaremos o uso das palavras napsicoterapia, e nos agradar ouvir as palavras trocadas entre o analista e seu paciente.(Freud, 1986: 10)

    Embora Vygotsky (1998) no apresente uma discusso elaborada sobre a

    questo da linguagem no dilogo com Freud, problematizado os limites da

    investigao psicolgica, e indagando-se acerca do limite entre a palavra pronunciada

    e a no-pronunciada, afirma ser a elaborao desses procedimentos uma das mais

    importantes tarefas da metodologia psicolgica com destaque para a psicanlise.

    Isso demonstra a proximidade no modo como os autores discutem a relao

    entre emoo e linguagem, e o papel desta na transformao ou elaborao do afeto e

    das emoes - apesar das diferenas, sobretudo em relao concepo de

    linguagem e, como j apontado, ao princpio explicativo assumido por Vygotsky

    fundamentado no materialismo histrico e dialtico.

    Do dilogo com Freud e com os autores no campo da arte emerge uma

    aparente contradio: de um lado, o sentimento carece necessariamente de clarezaconsciente, e de outro, no pode ser de maneira nenhuma consciente.

    Freud, que provavelmente o maior defensor do inconsciente, diz: Porque a essnciado sentimento consiste em ser experimentado, ou seja, conhecido da conscincia.Assim, para os sentimentos, sensaes e afetos, desaparece inteiramente apossibilidade de inconsciente (119, p. 135). verdade que o prprio Freud faz objeoa essa afirmao elementar e tenta esclarecer se faz sentido falar de uma vivnciacomo o medo paradoxal e inconsciente. Posteriormente ele elucida que, embora apsicanlise fale de afetos inconscientes, a inconscincia desses afetos difere dainconscincia das representaes, uma vez que o afeto inconsciente correspondeunicamente ao embrio do afeto como possibilidade que no atinge sua evoluo

    posterior. (Vygotsky, 2001: 251).

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    Para muitos autores, a possibilidade de compreenso e explicao da questo

    da natureza do afeto e de sua relao com a imaginao, a conscincia e o

    inconsciente, residia nos mecanismos nervosos que tomavam o sentimento como

    processo de consumo ou descarga de energia nervosa. H uma concepo de

    sentimento como dispndio de energia em Freud que no deixa de ser assinalada por

    Vygotsky: A emotividade se manifesta essencialmente no refluxo motor (secretrio e

    regulador do sistema circulatrio) de energia, que conduz abundncia (interna) do

    prprio corpo sem relao com o mundo exterior; a motilidade se manifesta em aes

    destinadas a mudanas no mundo exterior (Freud, 119, p. 137) (Vygotsky, 2001: 253).

    No artigo O inconsciente, (referido por Vygotsky), Freud levanta outra questo:

    as consideraes se voltam para o fato de que, em sua opinio, a anttese entre

    consciente e inconsciente no se aplica aos instintos, pois instinto nunca pode tornar-

    se objeto da conscincia, apenas a idia que o representa pode. Se a resposta

    questo dos instintos pode ser dada com certa tranqilidade, o mesmo no acontece

    em relao questo dos sentimentos, emoes e afetos inconscientes. Ele

    argumenta que faz parte da natureza de uma emoo que estejamos conscientes de

    que ela acontece. As emoes participam do processo corporal de tomada de

    conscincia, emergem deste. Isto nos levaria a considerar que a possibilidade do

    atributo da inconscincia seria completamente excluda no tocante s emoes,

    sentimentos e afetos (apesar de na prtica psicanaltica estarmos habituados a falar

    de amor, dio, ira inconscientes). A diferena em relao aos instintos se faz no modo

    como a represso incide sobre os afetos/sentimentos/emoes. Apenas ao ser

    transformado pela represso o afeto aparece com uma quota qualitativamente

    diferente que o liga ao inconsciente e este apenas um dos trs destinos possveis.

    A rigor, ento, e ainda que no se possa criticar o uso lingstico, no existem afetosinconscientes da mesma forma que existem idias inconscientes. Pode, porm, muitobem haver estruturas afetivas no sistema Ics3., que, como outras, se tornamconscientes. A diferena toda decorre do fato de que idias so catexias - basicamente

    de traos de memria -, enquanto que os afetos e as emoes correspondem aprocessos de descarga, cujas manifestaes finais so percebidas como sentimentos.No presente estado de nosso conhecimento a respeito dos afetos e das emoes, nopodemos exprimir essa diferena mais claramente. (Id. IBID., 106)

    Freud parece diferenciar afeto e emoo, por um lado, mas por outro,

    argumenta que ambos se manifestam como sentimentos, o que obscurece a

    diferenciao entre afeto, sentimentos e emoes4. Ressalta dois pontos importantes:

    3Na primeira tpica Freud delimita e refere-se ao inconsciente (Ics), pr-consciente (Prc.) econsciente (Cs.).4 Ao vincular o afeto a uma vivncia do passado que evocada temos nesta elaborao de Freud omesmo sentido de afeto presente no Projeto de uma psicologia e que se aproxima da definio deangstia em Inibio, Sintoma e Angstia(1926).

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    o fato de que a represso pode conseguir inibir um impulso instintual, impedindo-o de

    se transformar numa manifestao de afeto; e o fato de que isso mostra como o

    sistema Cs. normalmente controla no s a afetividade mas o acesso motilidade. A

    represso, resulta no apenas em reter coisas provenientes da conscincia

    (impedindo o seu acesso conscincia), mas igualmente em cercear o

    desenvolvimento do afeto e o desencadeamento da atividade muscular.

    Afirmamos que na represso ocorre uma ruptura entre o afeto e a idia qual elepertence, e que cada um deles ento passa por vicissitudes isoladas. Descritivamente,isso incontestvel; na realidade, porm, o afeto, de modo geral, no se apresenta atque o irromper de uma nova apresentao no sistema Cs. tenha sido alcanado comxito. (Id. IBID. 106)

    Analisando os chistes e sua relao com o inconsciente, Freud observa que os

    processos de condensao, com ou sem formao de substitutivos desempenhampapel importante na produo dos chistes e mostram uma concordncia com os

    processos de elaborao onrica; a anlise destes fornece elementos para a

    compreenso daqueles. Tal anlise leva tambm a uma aproximao dos problemas

    do cmico cuja explicao remete fisiologia por tratar de processos da ideao que

    partem de inervaes em direo aos msculos. Nas relaes entre os motivos do riso

    mediante movimentos exagerados e inconvenientes de uma pessoa e a despesa

    psquica relacionada adquirimos a idia de um movimento de tamanho particular

    executando o movimento ou imitando-o. Aprendemos atravs desta ao, um padropara o movimento em nossas sensaes inervatrias.

    Mas, Freud indica que, apesar de os afetos estarem relacionados aos

    movimentos expressivos e quantidade de energia, no se restringem a isto.

    Argumentando que a necessidade mimtica no est relacionada apenas aos

    requisitos da comunicao de algo, mas ocorre tambm quando o sujeito forma a idia

    para si prprio, nos d mais algumas pistas. Uma definio das emoes se esboa:

    Se mantenho o ponto de vista de que se deve acrescentar expresso das

    emoes, bem conhecida como concomitante fsico dos processos mentais, a

    expresso do contedo ideacional, posso verificar claramente que meus comentrios

    relativos s categorias de grande e pequeno no exaurem o assunto (p. 125).

    Emergindo de um processo de sinalizao nas relaes entre os processos

    psquicos (in)inconscientes e na dinmica das relaes entre corpo e mente,

    linguagem e conscincia, o afeto parece estar ligado tambm dinmica da

    representao. De fato, Freud afirma que a representao indissocivel de um

    componente afetivo. A vinculao entre representao e afeto , portanto, essencial

    na psicanlise. Em relao aos lapsos da fala, por exemplo, Freud argumenta que

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    podem ser explicados pela interferncia de uma idia meio suprimida que est fora do

    contexto intencionado, vindo carregada de um afeto que se insinua.

    O que parece estar em discusso aqui a indissociabilidade entre afeto e

    representao, as relaes das emoes/afetos/sentimentos com a

    idia/representao que, sendo tratadas em seu imbricamento com o inconsciente e

    sua compreenso em termos de corpo e mente so retomadas em inmeros trabalhos.

    O conceito de pulso, ao condensar a relao afeto-idia, parece ser o lugar de

    elaborao desta questo. Esse conceito emerge em Trs Ensaios Sobre a Teoria da

    Sexualidadecomo o representante psquico de uma fonte de estmulos endgenos

    continuamente a fluir(...) um conceito que se acha na fronteira entre o mental e o

    fsico (p. 102). At os trabalhos de 1915 distinguem-se as pulses sexuais

    (relacionadas conservao da espcie) e as egicas(relacionadas conservao da

    vida). Tal elaborao conhecida como o primeiro dualismo pulsional, modificada no

    artigo A Represso5. A partir da Freud passa a definir a pulso, no mais como a

    representao no psquico de um estmulo corporal, mas como o prprio estmulo

    que representado no psquico por uma representao. Essa idia repensada em

    Alm do princpio do prazer, da emergindo as pulses de vida e morte com uma

    suposta nfase dada segunda.

    H ainda um outro aspecto que ser explorado por Vygotsky em diversos

    textos que diz respeito vinculao da dinmica interna das emoes com sua

    expresso externa no processo emocional integral de desenvolvimento humano.

    Natureza e desenvolvimento do afeto: o biolgico e o psquico

    Em Psicopatologia da vida cotidianaanalisando um caso de lapso de escrita

    em que Freud relata uma experincia sua em prover os gastos com um parente

    enfermo, podemos perceber o modo como o afeto compreendido em relao

    percepo, memria, linguagem e tomada de conscincia o que permite a sua

    transformao e desenvolvimento.

    Vygotsky, em Desenvolvimento psicolgico na Infncia, discute o problema dasemoes e seu desenvolvimento na infncia, analisando a concepo de inmeros

    autores, pontuando limites e possibilidades. Destaca a contribuio de Freud na

    anlise que revela a ambivalncia das emoes nas primeiras etapas do

    desenvolvimento em que ocorre uma diferenciao do ncleo, que encerra

    sentimentos contraditrios reafirmando alguns aspectos salientados na discusso

    sobre arte e catarse. A anlise da psicopatologia da vida cotidiana demonstra,

    5Vygotsky refere-se discusso trazida por Freud nesse artigo sobre o papel da represso em algunsmomentos demonstrando conhecimento sobre o assunto, mas no podemos afirmar com certeza que

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    segundo Vygotsky, que o mais importante no estudo das emoes no so os

    componentes orgnicos que as acompanham, mas a dinmica da vida emocional.

    Essa tese era importante em outro sentido: desenhou certas possibilidades simples nainterpretao do movimento da vida emocional. Mas o principal mrito de Freud no

    mencionado campo ter demonstrado que as emoes no foram sempre o que soagora, que em diversos momentos, nas etapas precoces do desenvolvimento infantil,foram distintas das do homem adulto. Demonstrou que no so um estado dentro deoutro, e que s podem ser compreendidas no contexto de toda a dinmica da vidahumana. s a que ganham sentido e significado os processos emocionais (p. 96).

    Vygotsky comenta a separao experimental dos conceitos de sentimento e

    emoo e sua expresso externa e aponta o trabalho de Claparde que diferencia as

    emoes e os sentimentos como processos nos quais se tropea frequentemente em

    situaes anlogas, mas que so diferentes em essncia. No se detm nessa

    questo neste momento, mas adverte que Freud foi o primeiro a formular a questo deque a doutrina tradicional da utilidade biolgica das emoes devia ser posta prova.

    Freud ao observar o estado neurtico da idade infantil e madura, tropea a cada passono espantoso fato a que no se pode esquivar nenhum psiclogo: constata-se que umapessoa neurtica e uma criana so um modelo de vida espiritual, transtornada emdecorrncia da alterao da atividade emocional. Se for correta a velha tese (asemoes so um mecanismo biologicamente til), incompreensvel que as emoessejam causa de to profundas e prolongadas alteraes de todo o comportamento,porque quando estamos preocupados no conseguimos pensar consequentemente,porque quando nos sentimos transtornados no conseguimos agir de forma

    conseqente e sistemtica, porque quando estamos muito afetados por algo somosincapazes de nos dar conta de nosso comportamento, controlar nossos atos, em outraspalavras, porque os movimentos aguados dos processos emocionais originam taismudanas na conscincia que relegam a um segundo plano o desenvolvimento de todauma srie de funes, que asseguram a vida normal da conscincia. Com efeito,segundo a interpretao biolgica primitiva e naturalista das emoes humanas, totalmente incompreensvel porque estas adaptaes biolgicas, to antigas como oprprio homem, to necessrias como a necessidade de alimentos e gua, por queestas mesmas emoes so fonte de perturbaes to complicadas na conscinciahumana. (Vygotsky, 1998: 100-101)

    Esse ponto retomado por Vygotsky em sua Teoria das Emoes, em que

    discute a natureza biolgica e a natureza psicolgica e o problema do

    desenvolvimento dos afetos.

    De maneira geral, argumenta Vygotsky (2004b), o problema das sensibilidades

    associado ao estudo dos valores considerado inacessvel psicologia que se dedica

    ao estudo psicofsico e psicolgico dos processos elementares da conscincia e de

    seu substrato corporal. Por isso, da inconsistncia de uma psicologia explicativa das

    emoes nasce uma psicologia teleolgica que descreve as sensibilidades superiores.

    Assim, a psicologia deveria romper com a psicologia naturalista, causal em busca de

    tenha lido o mesmo, pois as notas bibliogrficas disponveis mencionam uma referncia a uma coletneade artigos psicanalticos traduzidos para o russo.

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    outros caminhos. Vygotsky assinala que, segundo Freud, para essa psicologia se

    impe um enfoque muito diferente do problema das sensibilidades do que se constituiu

    dentro da psicologia didtica oficial, em especial, a psicologia mdica.

    Aparentemente dice Freud , lo que interesa ante todo de esta ltima es saber culesson las vas anatmicas por las que cursa el estado de miedo. Al decir que habaconsagrado mucho tiempo y trabajo al estudio del miedo, Freud seala que no conocenada ms indiferente al estudio de la psicologa del miedo que el conocimiento de lava nerviosa por donde cursa la estimulacin. (Vygotsky, 2004b: 214)

    Uma discusso que permeia o debate relaciona-se a outro problema central na

    psicologia: a natureza dos processos, funes ou fenmenos psicolgicos e sua base

    biolgica e/ou psicolgica. Mas, adverte Vygotsky, Freud continuava um naturalista,

    como James.

    Nas primeiras das Conferncias Introdutrias Sobre a Psicanlise, a discusso recolocada por Freud, ligada ao estado neurtico.

    Por ansiedade geralmente entendemos o estado subjetivo de que somos tomados aoperceber o surgimento da ansiedade, e a isto chamamos afeto. E o que um afeto, nosentido dinmico ? Em todo caso, algo muito complexo. Um afeto inclui, em primeirolugar, determinadas inervaes ou descargas motoras e, em segundo lugar, certossentimentos; estes so de dois tipos: percepes das aes motoras que ocorreram esensaes diretas de prazer e desprazer que, conforme dizemos, do ao afeto seutrao predominante. (Freud, 1986: 102)

    Freud recoloca o problema em relao ao modo como a psicologia e a

    psicanlise (clnica) tratam a questo frente ao desconhecimento da problemtica,

    assumindo perspectivas absolutamente diferentes.

    Aquilo que, a partir da psicologia, os senhores podem reunir acerca dos afetos - ateoria de James-Lange, por exemplo - para ns, psicanalistas, est muito alm doentendimento ou do debate. Tambm no consideramos muito firmados nossosconhecimentos a respeito dos afetos; esta uma primeira tentativa de encontrar nossaorientao nessa regio obscura. (Id. IBID.102)

    Vygotsky discute as colocaes de Freud sobre o que representa o afeto no

    plano dinmico retomando as inervaes motoras, refluxos ou energias, mas

    ressaltando a sensao de dupla natureza (percepo das atividades motoras

    realizadas e a sensao direta de prazer ou desprazer) que d ao afeto uma

    determinada tonalidade mas que no demonstra a essncia de um afeto. Em outros

    afetos estudados de maneira mais profunda, ressalta Vygotsky, encontramos um

    ncleo que unifica o conjunto mencionado por Freud. Isto chama a ateno de

    Vygotsky em sua busca por uma explicao monista, materialista e dinmica do

    processo emocional integral.

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    Assim, argumenta Vygotsky, como nasce uma psicologia profunda dos

    afetos que se esfora por encontrar seu ncleo interno e preservar uma psicologia

    causal dos afetos rigorosamente determinista. Contudo, tal discusso acaba por

    encerrar-se na esfera da causalidade psquica. Para Vygotsky este ramo da psicologia

    aparece como reao ao pensamento cientfico e inconsistncia de uma psicologia

    acadmica que se contenta em explicar o aspecto superficial dos fenmenos,

    ressaltando ainda a dificuldade de encontrar uma linguagem compatvel com a

    linguagem fisiolgica - tambm apontada por Freud.

    A discusso sobre a essncia, dinmica e sensao de dupla natureza nos

    fazem levantar algumas indagaes. Remetem ao dualismo cartesiano? Ao

    paralelismo espinosano? Trata-se de uma questo de nomenclatura? Como Vygotsky

    situa a contribuio de Freud nesse campo?

    Para Vygotsky, Freud se situa no terreno do materialismo ao introduzir a idia

    de um forte determinismo nas manifestaes psquicas, cuja base fica reduzida ao

    nvel orgnico e biolgico, ou em termos concretos, ao instinto de conservao da

    espcie. Essa explicao biolgica destaca por Vygotsky e Luria no Prefcio da

    traduo russa deAlm do princpio do prazer. Se a tendncia biolgica conservadora

    para preservar o equilbrio inorgnico ocultada nas camadas mais profundas da vida

    psquica, como possvel explicar o desenvolvimento da humanidade a partir de

    formas elementares at formas superiores? E ainda: Onde que olhamos para a raiz

    da tempestuosa progresso do processo histrico? (p. 16,traduo nossa).

    Freud forneceria uma resposta muito interessante e profundamente

    materialista:

    se nos recessos profundos da psique humana persistem ainda tendnciasconservadoras primordiais da biologia e se, em ltima anlise, mesmo Eros impelidopara elas, ento as nicas foras que tornam possvel escaparmos deste estado deconservao biolgica e que podem impulsionar-nos ao progresso e atividade, soforas externas, nos nossos termos, as condies externas do ambiente material noqual o indivduo existe. So elas que representam a verdadeira base do progresso,

    pois so elas que criam a verdadeira personalidade e fazem-no adaptar e trabalharcom novas formas de vida psquica; finalmente so o que reprimem e transferem osvestgios da antiga conservadora biologia. A este respeito a psicologia de Freud completamente sociolgica e cabe aos psiclogos materialistas que se encontram emmelhores condies do que Freud revelar e validar o objeto dos fundamentosmaterialistas desta teoria (Vygotsky&Luria, 1994 : 16; traduo nossa)

    Assim, Vygotsky ressalta que, de acordo com Freud, a histria da psique

    humana incorpora duas tendncias, a conservadora-biolgica e a progressivo-

    sociolgicaque compem a dialtica do organismo e so responsveis pelo distintivo

    espiral do desenvolvimento do ser humano. Desse modo, Freud abre uma picada no

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    caminho para a construo de um sistema monista, para uma compreenso monista

    do homem e do mundo.

    Uma vez mais, de maneira a pontuar nuances e contradies, podemos

    retomar essa discusso em A Psique, a conscincia e o inconsciente. Para Vygotsky,

    Freud parte do mesmo princpio da psicologia compreensiva: o conhecimento deve ser

    construdo, sempre que possvel, de forma estritamente psicolgica; digresses

    prematuras na anatomia ou fisiologia ainda que ajudem a descobrir conexes

    psicofsicas em nvel factual no ajudam a compreender.

    A alternativa de Freud consiste em uma tentativa de continuar interpretando asconexes e as dependncias dos fenmenos psquicos no mbito do inconsciente eem supor que por trs dos fenmenos conscientes se encontram os inconscientes, queos condicionam e que podem ser reconstrudos por meio da anlise de suas marcas eda interpretao de suas manifestaes. Mas o prprio Spranger faz uma severa

    ressalva a Freud: nessa teoria observa-se um erro terico curioso. Diz que, emboracom Freud se tenha superado o materialismo fisiolgico, continua existindo ummaterialismo psicolgico, uma premissa metafsica tcita, a premissa de que apresena de uma atrao sexual se explica por si mesma e todas as outras devem serinterpretadas a partir dela (Vygotsky, 1999: 143).

    Vygotsky coloca o acirrado debate acerca dos modos de compreender os

    processos do psiquismo humano em termos de processos fisiolgicos, processos

    psquicos ou de uma justaposio dos mesmos compreendidos como psicofisiolgicos.

    Mas a mudana na nomenclatura no resolve o problema. Sua proposta seria pensar

    tais processos com base em uma psicologia dialtica. Aqui se explicita a influncia domaterialismo histrico e dialtico, que marca uma importante diferena nos princpios

    explicativos das perspectivas tericas.

    Consideraes finaisVamos percebendo que Vygotsky parece sensvel s mudanas e oscilaes

    do pensamento freudiano no campo dos processos psquicos e de sua natureza

    fazendo referncia a momentos importantes da elaborao dessa problemtica na

    obra de Freud - Trs Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade,A Represso6 e

    finalmente,Alm do princpio do prazer.A interlocuo mostra que Vygotsky acompanha a elaborao freudiana sobre

    afeto e representao, sobre o conceito de pulso no enfrentamento das dicotomias

    vigentes (biolgico e psicolgico, interno e externo, corpo e mente). Essas questes

    ainda constituem polmica entre os estudiosos da obra de Freud (Caropreso, 2006;

    Ricoeur, 1977).

    6Vygotsky refere-se discusso trazida por Freud nesse artigo sobre o papel da represso em algunsmomentos demonstrando conhecimento sobre o assunto,,mas no podemos afirmar com certeza quetenha lido o mesmo, na medida em que as notas bibliogrficas disponveis mencionam a refernciaapenas a uma coletnea de artigos psicanalticos traduzidos para o russo.

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    As oscilaes e as contradies que evidenciamos no dilogo parecem apontar

    para o fato de que as colocaes de Freud e Vygotsky, trazem tona uma discusso

    acerca de uma concepo integrada de afetos, sentimentos e emoes, por meio da

    qual era possvel compreender melhor suas expresses.

    Esse modo de concepo e teorizao nos permite compreender o

    pensamento de Freud em sua densidade, quando este sinaliza que as mudanas em

    nossos estados internos so percebidas como afetos, por cada um de ns. Afetados

    por essas mudanas, somos mobilizados, agimos, pensamos, sentimos e vivemos. Os

    afetos possibilitam a identificao dos estados corporais que so fruto da

    transformao de nossas estruturas endgenas na busca por mantermos a condio

    interna inalterada e podermos sobreviver. Mas, no apenas a percepo passiva dos

    estados internos que vai resultar em sensaes de prazer ou desprazer, o afeto

    emerge do processo dinmico de constituio psquica que procura uma integrao

    entre o corpo e a mente. Isso porque o afeto (intrinsecamente ligado ao princpio do

    prazer, s pulses de vida e morte) mobiliza a ao do ser humano em busca de

    equilbrio, num movimento que consiste no mecanismo de regulao interna que

    assegura a sobrevivncia a dialtica do organismo apontada por Vygotsky?

    Ao vincular afeto e representao, memria e linguagem, afirmar que se

    transformam durante a vida, Freud enfrenta questes que tambm so fundamentais

    perspectiva Vygotskyana, compreenso do processo emocional integral e seu

    desenvolvimento, que conforme vimos argumentando em outros trabalhos, est ligada

    a uma compreenso monista do ser humano que suspeitamos ser de cunho

    espinosano (Yovel, 1993; Schneider, 1993).

    Nesse sentido, apesar das crticas e contradies, vamos percebendo que o

    dilogo de Vygotsky com Freud nos fornece elementos importantes no s para a

    psicologia da poca, mas para o debate atual. Damsio (2005) que, no campo da

    neurobiologia vem se dedicando ao estudo das emoes, ao problema da conscincia,

    em seu mais recente livro afirma que os sentimentos de dor ou prazer constituem osalicerces da mente humana e atesta:

    As frases de Espinosa, simples e sem qualquer adorno, revelam como entreviu umaarquitetura para a regulao da vida semelhante quela que William James, ClaudeBernard e Sigmund Freud viriam a propor dois sculos mais tarde. Mas a modernidadede Espinosa no termina a. Espinosa recusou-se a reconhecer uma finalidade nosplanos da natureza e concebeu corpos e mentes como construdos a partir decomponentes que se podiam combinar em diversos padres e formar diferentesespcies. Assim, Espinosa compatvel com o pensamento evolucionrio de CharlesDarwin (p. 21-22)

    Essa referncia de Damsio reunindo Espinosa, James, Freud autores com os

    quais Vygotsky dialogou profundamente torna-se para ns extremamente provocativa

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    e nos convida a mergulhar novamente no debate demandando uma releitura e um

    novo trabalho de aproximao e explicitao das diferenas entre os autores.

    RefernciasCAROPRESO, F. S. A natureza do psquico e o sentido da metapsicologia napsicanlise freudiana.Tese de doutorado, So Carlos: UFSCAR, 2006.CLOT, Y. Vygotski, la conscience comme liaison. In VYGOTSKI, L. S. Conscience,inconscient, emotions. Paris: La Dispute, 2003.DAMSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na cincia dos sentimentos. SoPaulo: Companhia das Letras, 2004.DARWIN, C. A expresso das emoes no homem e nos animais. So Paulo:Companhia das Letras, 2000.ESPINOSA, B. tica. In Os pensadores Descartes, vol. I. So Paulo, Nova Cultural,1989.FREUD, S. Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud (Edio standardbrasileira). Rio de Janeiro: Imago, 1986 vol. VI, VII, VIII, XVI, XVIII e XIX.

    RICOEUR, P. Da Interpretao: Ensaio sobre Freud .Rio de Janeiro: Imago,1977.SAWAIA, B.B. A emoo como locus de produo do conhecimento - Uma reflexoinspirada em Vygotsky e no seu dilogo com Espinosa. In:III Conference forSociocultural Research, Campinas Unicamp, 2000.SCHNEIDER, M.Afeto e Linguagem nos Primeiros Escritos de Freud. So Paulo: Ed.Escuta, 1993.SIMANKE, R. T. Crebro, percepo e linguagem: elementos para umametapsicologia da representao em Sobre a concepo das afasias. In Revista doDepartamento de Filosofia da USP. N.87, 2006.VAN DER VEER & VALSINER. Vygotsky Uma sntese.So Paulo: Edies Loyola,2001.VYGOTSKY, L.S. & LURIA, A. R. Introduction to the Russian translation of Freud's

    Beyond the pleasure principle. In: VAN DER VEER & VALSINER. The Vygotskyreader. Oxford & Cambridge: Blackwell Publishers,1994.VYGOTSKY, L.S. O desenvolvimento psicolgico na infncia. So Paulo: MartinsFontes, 1998.______________Teoria e mtodo em Psicologia. So Paulo: Martins Fontes, 1999.______________A Construo do Pensamento e da Linguagem. So Paulo: MartinsFontes, 2001._______________Psicologia da Arte. So Paulo: Martins Fontes, 2001._______________Psicologia Pedaggica. So Paulo: Martins Fontes, 2004 (a)._______________Teora de las emociones Estudio histrico-psicolgico, Madrid:Ediciones Akal, 2004 (b).YOVEL,Y. Espinosa e outros hereges. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda,1993.