agostinismo político: a apropriação dos textos agostinianos no "de ecclesiastica potestate" de...

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Perspectiva Filosófica, Vol. 2, nº 40, 2013 ISSN: 23579986 99 Agostinismo político: a apropriação dos textos agostinianos no De ecclesiastica potestate de Egídio Romano Ricardo Evangelista Brandão 1 Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa 2 Resumo Egídio Romano é o principal defensor do teocracismo papal medieval, segundo o qual o poder espiritual é superior ao temporal. Para defender essa tese, Egídio utiliza diversos argumentos extraídos de Aristóteles, Dionísio, Tomás de Aquino e, principalmente, Santo Agostinho. Para o presente artigo, pretendemos analisar tão somente os argumentos egidianos inspirados em ideias de Agostinho, intencionando averiguar se, considerando uma interpretação mais aprofundada do pensamento do Hiponense, a compreensão de Egídio dos textos agostinianos no De ecclesiastica potestate se sustentam ou se foram utilizados de forma incorreta. Palavras-chave: Egídio Romano; Santo Agostinho; Hierocracismo; Poder Espiritual e Secular. Abstract Egidio Romano is the main defender of the medieval papal teocracismo, whereby the spiritual power is above the temporal. To defend this thesis, Giles uses many arguments drawn from Aristotle, Dionysius, Thomas Aquinas, and especially St. Augustine. For this article, we examine solely the egidianos arguments inspired by ideas of Augustine, intending to ascertain whether, considering a more thorough interpretation of the thought of hiponense, understanding Egidio Augustinian texts in De ecclesiastica potestate sustain themselves or were used incorrectly. Keywords: Egidio Romano; St. Augustine; Hierocracismo; Spiritual and Secular Power. 1 Doutorando em Filosofia pelo Programa Integrado de Doutorado em Filosofia UFPE/UFPB/UFRN, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa. E-mail: [email protected] 2 Professor/coordenador da Graduação em Filosofia da UFPE - Brasil. Professor do Programa de Pós- graduação (mestrado e doutorado) em Filosofia da UFPE/UFPB/UFRN. Atual vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Medievais – ABREM. E-mail: [email protected]

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Trata-se de um artigo que busca investigar se a forma em que Egídio Romano citou os textos de Agostinho, é condizente com uma apropriada exegese dos textos do pensador de Hipona.

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  • Perspectiva Filosfica, Vol. 2, n 40, 2013 ISSN: 23579986

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    Agostinismo poltico: a apropriao dos textos agostinianos no De ecclesiastica potestate de Egdio Romano

    Ricardo Evangelista Brando1 Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa2

    Resumo Egdio Romano o principal defensor do teocracismo papal medieval, segundo o qual o poder espiritual superior ao temporal. Para defender essa tese, Egdio utiliza diversos argumentos extrados de Aristteles, Dionsio, Toms de Aquino e, principalmente, Santo Agostinho. Para o presente artigo, pretendemos analisar to somente os argumentos egidianos inspirados em ideias de Agostinho, intencionando averiguar se, considerando uma interpretao mais aprofundada do pensamento do Hiponense, a compreenso de Egdio dos textos agostinianos no De ecclesiastica potestate se sustentam ou se foram utilizados de forma incorreta.

    Palavras-chave: Egdio Romano; Santo Agostinho; Hierocracismo; Poder Espiritual e Secular.

    Abstract Egidio Romano is the main defender of the medieval papal teocracismo, whereby the spiritual power is above the temporal. To defend this thesis, Giles uses many arguments drawn from Aristotle, Dionysius, Thomas Aquinas, and especially St. Augustine. For this article, we examine solely the egidianos arguments inspired by ideas of Augustine, intending to ascertain whether, considering a more thorough interpretation of the thought of hiponense, understanding Egidio Augustinian texts in De ecclesiastica potestate sustain themselves or were used incorrectly.

    Keywords: Egidio Romano; St. Augustine; Hierocracismo; Spiritual and Secular Power.

    1 Doutorando em Filosofia pelo Programa Integrado de Doutorado em Filosofia UFPE/UFPB/UFRN, sob a

    orientao do Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa. E-mail: [email protected] 2 Professor/coordenador da Graduao em Filosofia da UFPE - Brasil. Professor do Programa de Ps-

    graduao (mestrado e doutorado) em Filosofia da UFPE/UFPB/UFRN. Atual vice-presidente da Associao Brasileira de Estudos Medievais ABREM. E-mail: [email protected]

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    Introduo

    O contexto em que Egdio Romano escreveu a sua De ecclesiastica potestate3 foi um perodo

    de muita tenso entre o papa Bonifcio VII e o rei da Frana Felipe o Belo, acerca da autoridade de

    um sobre o outro. A controvrsia principal entre os dois poderosos aconteceu quando os reis da

    Frana, Felipe o Belo, e o da Inglaterra, Eduardo I, que estavam em guerra, para adquirir recursos

    para a mesma passaram a cobrar tributos dos clrigos da Igreja Catlica, que na poca possuam o

    privilgio da iseno de todos os impostos. No ano de 1296, Bonifcio promulgou a bula Clerics

    Laicos que proibia os clrigos a pagarem tributo ao rei sob a pena de excomunho da Igreja. Em

    retaliao, Felipe decretou um edito real em que proibia qualquer transferncia de dinheiro, bens ou

    objetos de valor para o exterior sem a autorizao do rei (Cf. GONZALEZ, 1995, v. 5, p. 39). Esse

    edito privou o papa de sua renda francesa e gerou uma grande troca de correspondncias entre

    ambos poderosos, at que no ano de 1302 o papa edita a sua famosa bula Unam Sanctam, bula esta

    que foi queimada na presena do rei da Frana, e que gerou como consequncia a maior humilhao

    por um papa nas mos de um soberano secular, e o estabelecimento irretornvel do declnio do

    poder papal (Cf. GONZALEZ, 1995, v. 5, p. 4143; CAIRS, 1995, p. 176, 177).

    Em sntese, a famosa bula defende a tese de que na medida em que o poder espiritual

    superior ao temporal em dignidade e poder, o papa sendo o sucessor de So Pedro, o representante

    de Cristo aqui na terra, devendo assim ser obedecido incondicionalmente por todos, pelo povo e

    pelo rei. Desta forma o papa possui a plenitudo potestatis, possuindo assim os dois gldios, o espiritual e

    o temporal, como nos revela este fragmento da citada bula papal:

    [...] Essas duas espadas esto sob o poder da Igreja, tanto a espiritual como a temporal. Mas a ltima deve ser usada em favor da Igreja, a primeira por ela; a primeira pelo sacerdote, a segunda pelos reis e capites, mas segundo a vontade e permisso do sacerdote. Por conseguinte, uma espada deve estar sujeita outra, e a autoridade temporal deve estar sujeita espiritual. [...] Alm disto, declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos que absolutamente necessrio para a salvao de cada criatura humana que ela esteja sujeita ao Pontfice Romano (Bula Unam Sanctam, apud BETTENSON, 2001, p. 193, 194).

    Neste turbulento contexto, Egdio Romano se ps ao lado da tese hierocrtica da cria,

    inclusive pela semelhana no teor, possvel que a Bula Unam Sanctam tenha tido como fonte o

    principal escrito de Egdio sobre o assunto, o De ecclesiastica potestate (Sobre o Poder Eclesistico). Alm

    do contedo semelhante, outra evidncia da possibilidade da bula papal ter se apoiado na obra de

    Egdio, est no fato de que o De ecclesiastica potestate teve finalizada sua redao em agosto de 1302,

    3 Obra doravante abreviada aqui por De ecc. pote.

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    e poucos meses depois em 28 de novembro de 1302, Bonifcio escreveu a sua bula (Cf. DE BONI,

    1999, p. 13, 14; SARANYANA, 2006, p. 366, 367).

    O fato que tendo por solo o contexto comentado supra, Egdio Romano defende a tese

    de que o poder espiritual superior ao temporal em dignidade, mas tambm mais elevado no nvel

    de obedincia tanto espiritual (o que todos concordariam sem grandes dificuldades), quanto material

    ou secular. Para defender essa tese, Egdio utiliza argumentos repletos de citaes de Aristteles,

    Dionsio, Toms de Aquino e Santo Agostinho, contudo baseando-se principalmente como

    fundamentao terica no pensamento desse ltimo.

    Assim sendo, o presente artigo pretende analisar alguns argumentos egidianos inspirados

    em ideias de Agostinho, intencionando averiguar se, considerando uma interpretao mais

    aprofundada do pensamento do hiponense, a compreenso de Egdio dos textos de Agostinho se

    sustentam, ou foram utilizadas fora do contexto tratando-se de uma eisegese4.

    1 Anlise do argumento da superioridade da esfera espiritual baseado na comparao entre

    a alma e o corpo

    J adiantamos na introduo que a tese central a ser provada no De ecclesiastica potestate que

    o Sumo Pontfice tem a plenitudo potestatis, ou seja, o papa tem um soberano poder sobre todas as

    esferas, tanto a espiritual como a material, tendo todas as pessoas, tanto os cristos comuns como os

    reis o dever da obedincia ao bispo Romano tanto em assuntos espirituais como em seculares. Para

    defender essa tese, Egdio fundamentar todos os seus argumentos em torno da ideia de que o poder

    espiritual superior ao secular, e segundo ele amplamente revela esse fundamento ele foi buscar no

    pensamento de Santo Agostinho. Em sua linha de argumentao Egdio trata de explicar que apesar

    das escrituras bem como Santo Agostinho utilizarem indistintamente carne e alma em alguns

    momentos para expressarem o homem todo (Cf. De ecc. pote., I, 3), isso no quer dizer em hiptese

    nenhuma que essa duas partes so iguais em importncia no homem, mas apenas que ambos por

    motivo de estilo literrio utilizam intercambiavelmente carne e alma para falarem do homem todo,

    justamente pro entenderem que o homem um ser composto de alma e corpo. Assim sendo,

    segundo o pensador romano o homem formado de corpo e alma, mas apesar de nem uma nem

    outra parte isoladamente serem consideradas homem, a alma muito superior ao corpo por ser

    espiritual, nos mostrando assim com clareza que a esfera material a despeito de ser importante,

    4 O termo eisegese justamente o oposto de exegese, usado quando o intrprete trs ideias de fora para

    dentro do texto, violentando assim seu sentido original, como nos esclarece Virkler, 1987, p. 11: Exegese a aplicao dos princpios da hermenutica para chegar-se ao entendimento correto do texto. O prefixo ex (fora de, para fora, ou de) refere-se ideia de que o intrprete est tentando derivar seu entendimento do texto, em vez de ler seu significado no (para dentro) texto (eisegese).

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    inferior a espiritual. Conclui ele que diante do fato de que visto que a alma superior ao corpo, e

    consequentemente a esfera material inferior a espiritual, o detentor do gldio espiritual superior

    ao que possui o gldio material, logo o sumo pontfice superior aos reis, e estes ltimos devem se

    submeter ao primeiro. Como nos mostra essa esclarecedora percope:

    Digamos, portanto, que, se no se obedecer aos poderes seculares, em razo do juzo de sangue e porque possuem o gldio material que tem poder nas coisas temporais, mata-se o corpo; mas se no se obedecer aos poderes espirituais, porque tais poderes tm o gldio espiritual que penetra at a alma e pela desobedincia pode separ-la da comunho dos fiis, por meio de tal gldio mata-se a alma. [...] Mas a autoridade espiritual, cujo instrumento o gldio espiritual, que atinge a prpria alma, tem autoridade sobre o homem todo em razo da alma. E como entre as autoridades espirituais a autoridade do sumo pontfice a mais excelente e sublime, foi muito bem dito que o poder do sumo pontfice aquela autoridade sublime qual toda alma deve sujeitar-se, [...] quanto a alma mais excelente que o corpo, e quanto a vida espiritual mais excelente que a terrena (De ecc. pote. I, 3).

    No argumento apresentado, Egdio comea sua linha argumentativa com a ordem inversa,

    comea a defender a superioridade do poder do Papa frente a quaisquer outros poderes materiais ou

    espirituais aqui na terra, para s depois explicar que esse soberano tem maior poder porque a esfera

    espiritual superior a material, e que a prova cabal dessa diferena ontolgica entre o espiritual e o

    terreno a superioridade da alma frente ao corpo. Quando o mais natural seria comear pela

    diferena ontolgica entre o corpo e a alma, e em seguida explicar a superioridade do espiritual frente

    ao terreno, para s depois como pice do argumento concluir que por consequncia o gldio

    espiritual superior ao material. Apesar da sequncia pouco usual, no a diferena no que se

    pretende provar com o argumento, o sumo pontfice superior ao soberano secular por ser detentor

    do gldio espiritual.

    Assim, interpretando o argumento diramos que o pensador da cria defende que diante do

    fato incontestvel de que a alma superior ao corpo, visto que a alma responsvel por d a vida

    humana e controlar o corpo, logo, sendo a alma de substncia espiritual e o corpo de substncia

    material, a esfera espiritual superior a material. O sumo pontfice, sendo entendido como o

    herdeiro da ctedra de So Pedro e responsvel e lder da igreja na terra, na medida em que a igreja

    sendo subtendida como uma instituio que lida com os assuntos soteriolgicos, portanto com

    assuntos eminentemente espirituais, o papa o responsvel terreno por conduzir a instituio que

    lida com o espiritual, tem, por conseguinte poder espiritual. E como a esfera espiritual superior a

    material, o poder do papa maior que o dos reis que governam apenas o material, e estes ltimos

    devem se submeter ao primeiro, pois o pontfice maior detm o gldio espiritual, e na medida em que

    este gldio superior, tem a autoridade sobre a esfera material e a secular, da mesma forma que a

    alma sendo de substncia material no se limita a governar a si mesma, mas tambm impera absoluta

    sobre o corpo.

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    No comeo deste mesmo captulo o pensador de Roma associa a sua linha de argumentao

    a Santo Agostinho, citando uma interpretao do texto bblico do Evangelho de Joo 1, 14 presente

    no De Trinitate que diz o seguinte: [...] O termo carne empregado no sentido de homem, quando

    se diz: e o Verbo se fez carne (Jo. 1, 14), e tambm: e toda carne ver a salvao de Deus (Lc. 3, 6).

    Carne indica a o homem, no sem alma ou sem inteligncia; mas toda a carne; equivale a: todo

    homem (De Trin., II, 6, 11). No contexto do citado fragmento, Santo Agostinho est defendendo a

    ideia de que as trs pessoas da Trindade possuem o mesmo poder, ou seja, que uma pessoa divina

    no maior que a outra por partilharem a mesma natureza embora personificada em trs pessoas

    distintas. Assim, o hiponense na percope supra, afirma que na encarnao do Verbo, quando a

    escritura diz que o Verbo se fez carne, a carne significa o homem total, no apenas o corpo sem

    alma, desta forma no momento da encarnao no ventre da virgem Maria o Verbo se uniu a o

    homem completo, corpo e alma. E essa unio com o homem na encarnao, no tem paralelo nas

    teofanias do Esprito Santo, como a pomba (Cf. Mt., 3, 16) e o fogo (Cf. At., 2, 3-4), visto que Ele

    no se tornou uma unidade com eles, mas os usou convenientemente em alguns necessrios

    momentos para comunicar alguma ideia ou mensagem. O argumento de Agostinho segue a tese de

    que as pessoas divinas a despeito de partilharem da mesma natureza divina, possuem funes

    distintas, no sendo possvel nem correto comparar as teofanias do Esprito Santo no Novo

    Testamento com a encarnao do Verbo, pois envolvem misses de naturezas distintas.

    Percebemos nessa breve anlise do trecho agostiniano que a preocupao central

    teolgica, e no antropolgica, pois os termos carne, alma e homem so usados pelo pensador de

    Hipona para ressaltar a encarnao do Verbo. notrio que Egdio Romano ao fazer uso do texto

    em sua argumentao, ressalta o teor antropolgico, com a clara inteno de afirmar que as escrituras

    assim como Santo Agostinho ao interpret-las, utilizam o termo carne para afirmar o homem total

    composto de alma e corpo, no sendo de maneira alguma a inteno destes exaltar o corpo frente

    alma. Embora a nfase de Egdio ao se utilizar de Agostinho seja diferente da do prprio Agostinho,

    entendemos que a ideia de que o homem composto de corpo e alma e de que este ltimo superior

    ao primeiro so ideias agostinianas.

    Um pouco mais adiante no livro trs de sua obra, Egdio volta a utilizar o argumento da

    relao entre a alma e o corpo intentando fundamentar a sua tese, deixando-a ainda mais clara, visto

    que nesse fragmento ele explicita o domnio da alma sobre o corpo e do papa sobre todas as esferas,

    a material e a espiritual:

    Mas a alma domina o corpo e digno e justo que o domine, uma vez que vemos pela experincia que nossos membros corporais se movem segundo o desejo e vontade da alma, por exemplo, por ordem da alma se movem os ps, os dedos se fecham e se abrem, movem-se as mos e os braos e at a prpria cabea. Segue-se, pois, que o poder sacerdotal, e principalmente o poder do sumo pontfice, que se sabe ter domnio sobre

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    nossas almas, prncipe e senhor de nossos corpos e das coisas temporais que se ordenam aos corpos (De ecc. pote., II, 4).

    O Argumento apresentado na percope a cima, a despeito de igualmente fazer uso das duas

    partes que compe o homem, distingui-se do primeiro por ressaltar a ideia do domnio da alma sobre

    o corpo e do papa sobre a alma e o corpo. Pois, parafraseando hermeneuticamente o texto objeto de

    nossa anlise, da mesma forma que fato inconteste que a alma domina sobre o corpo fazendo-o

    instrumento de suas vontades, visto que o corpo sendo um veculo da alma apenas obedece

    pacificamente o que a alma manda. Semelhantemente o sumo pontfice que domina sobre as almas

    por ser de sua misso conduzir as ovelhas do reino de Deus para a salvao, tambm por extenso

    reina sobre nossos corpos, e na medida em que nossos corpos so da esfera do material ou secular o

    papa domina sobre toda a esfera material. Ou seja, segue da mesma forma como uma hierarquia

    militar, em que os oficiais tm a obedincia dos soldados, e os reis ou presidentes tendo o domnio

    sobre os oficiais de forma direta, e indiretamente tem a subservincia de todo o exrcito. Assim, o

    papa sendo o governante da alma, na medida em que alma manda no corpo, o pontfice ao dominar

    alma, e indiretamente domina igualmente sobre o corpo, pois a alma que ele domina subjuga o

    corpo.

    Estando deveras esclarecido a maneira como Egdio Romano utilizou-se de Santo

    Agostinho nesses argumentos, cabe-nos doravante empreendermos uma anlise objetivando

    perceber se o argumento de Egdio baseado na diferena ontolgica entre o corpo e a alma, que

    concluir a tese de que o detentor do gldio espiritual possui a plenitudo potestatis, de fato est presente

    em Agostinho ou trata-se de um inadequado uso de textos com o objetivo de provar uma suposta

    verdade.

    De fato segundo Santo Agostinho, o homem formado de uma unidade substancial de

    corpo e alma, porm, no devemos entender unidade aqui no sentido radical do termo, como se

    fosse uma nica substncia, mas no sentido de que as duas substncias que formam o homem

    cooperam de maneira to harmoniosa que como se fossem uma. Logo, o homem constitudo por

    duas substncias distintas, corpo e alma, nem a alma nem o corpo entendidos singularmente podem

    ser considerados homem, mas apenas pode-se falar em ser humano quando o ente constitudo de

    ambos. Como aclara o Hiponense no dilogo Sobre a Vida Feliz: [...], j que estamos de acordo em

    reconhecer que no pode existir homem algum sem corpo e alma [...] (De beat. vit., 2, 7).

    Isso no quer dizer que para Agostinho o corpo e a alma possuam a mesma importncia,

    muito pelo contrrio, pois, embora o homem seja esse composto, a alma imensamente superior ao

    corpo, porquanto, corporalmente falando ele semelhante a qualquer animal ntico, mas por meio

    da alma destaca-se se tornando imagem e semelhana de Deus. Como disserta Agostinho escrevendo

    acerca da diferena da constituio humana frente aos demais animais:

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    [...] nisso o homem sobressai, em que Deus o fez sua imagem, e por isso o dotou de alma intelectual, pela qual se avantaja aos animais. [...] portanto, se ele formou com a terra o homem e com a terra os animais, o que o homem tem mais excelente neste ponto, seno que foi criado imagem e semelhana de Deus? No imagem pelo corpo, mas pela inteligncia da mente; [...] (De Gen. ad. litt., VI, 12, 21, 22).

    por meio da alma que o homem capaz de possuir racionalidade5, e por decorrncia a

    capacidade de escolher, tornando-se um agente moral que busque livremente se harmonizar ou no

    com a ordem estabelecida pelo Criador. tambm atravs da alma racional que o homem tem a

    condio de possibilidade de entrar em contato com as verdades eternas dispostas no verbo divino6.

    Santo Agostinho apoiando-se na tese de gradao de bem pela proximidade ontolgica

    como Uno de Plotino, afirma que no cosmos existe uma gradao de bem medida pela proximidade

    ontolgica de Deus. A alma por ser a substncia espiritual do homem possui um grau de perfeio

    mais elevado, j o corpo conquanto possua um grau menor de perfeio, tambm um bem, pois

    no existe o mal substancial em sua filosofia, mas apenas moral (Cf. De nat. boni. 1; De civ. Dei., XII, 2;

    De lib. arb., I, 16, 34; II, 19, 53). Paradoxalmente s a alma pode praticar atos morais, e apesar de ser

    mais prxima ontologicamente de Deus, que pode ser m, no m substancialmente, mas torna-se

    m ao agir contra o propsito para o qual foi criada, que glorificar a Deus fazendo uso de sua

    liberdade com boas aes para com o mundo natural, com os outros semelhantes e para com Deus.

    O corpo por si s est na esfera da necessidade como qualquer ser ntico, mas sai dessa

    esfera quando perspectivada como veculo agente das disposies da alma. Apesar disso, acentua

    Agostinho que por mais corrompido que esteja o esprito pela prtica do mal, ainda superior ao

    corpo mesmo incorrupto, devido gradao de perfeio ontolgica que ambos possuem:

    Igualmente tratando-se das naturezas superiores e espirituais, mais excelente o esprito racional corrompido pela vontade m do que o ente irracional incorrupto; e qualquer esprito, ainda que esteja corrompido, superior a qualquer corpo, ainda que este esteja incorrupto (De nat. boni, 5).

    Agostinho, mesmo deixando clara a superioridade da alma frente ao corpo, afirma a

    superioridade do corpo humano frente ao mundo sensvel, pois, at mesmo em sua substncia

    material o homem um reflexo especial da divindade, na medida em que o corpo com todos os seus

    sentidos e faculdades ordenado com maior perfeio que os outros animais. Quer dizer, ainda que a

    animalidade humana esteja no corpo, essa animalidade no como a de qualquer animal, mas como

    5 Todo ser criado tem seu peso ou tendncia natural na ordem csmica, o peso natural do homem o fazer

    uso de sua racionalidade, pois, principalmente atravs dessa faculdade da alma que o homem imagem de Deus (Cf. Conf., XIII, 9, 10; De civ. Dei., XI, 28).

    6 No De Magistro, Agostinho disserta acerca do mestre interior e do mestre exterior para aquisio de conhecimento, o primeiro se obtm a partir do contato com as verdades eternas no Lgos, que o Cristo e o prprio mestre interior, e o segundo atravs do contato intersubjetivo de conhecimentos externos ao homem, ambos os tipos de conhecer se do por meio da alma.

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    formada especialmente para ser animada por uma alma que imagem de Deus. O corpo humano

    com todo o seu complexo aparato orgnico serve perfeitamente para dar vazo expresso sensvel

    da alma humana. Conforme escreve no Comentrio Literal ao Gnesis ao comentar acerca da

    estatura humana perante os outros animais: Entretanto, quanto ao corpo, o homem tem uma

    faculdade que mostra esta excelncia, pois, foi feito com a estatura ereta, a fim de que com isso

    advertido a no procurar para si o que terreno, como os animais, [...]. Portanto, o corpo do homem

    tambm adequado sua alma racional [...] (De Gen. ad. litt., VI, 12, 22).

    Assim sendo, nos aspectos que at o momento investigamos, entendemos no haver

    desencontro entre o Agostinho de Egdio, e o Agostinho de Hipona. Todavia, ser que pelo fato da

    alma ser superior podemos concluir que o corpo sendo de substncia material deve se submeter

    alma como entendia o pensador de Roma? Parece-nos que sim, pois o hiponense assume o princpio

    neoplatnico de que os seres de densidade ontolgica superior afetam e no podem ser afetados pelo

    inferior, e na medida em que, como j discutimos, a alma imensamente superior ao corpo, ela afeta

    e jamais pode ser afetada pelo corpo. Mesmo no sentir que uma faculdade eminentemente ligada ao

    corpo, a alma tem uma funo ativa, no sofrendo sob quaisquer circunstncias influxos do corpo.

    Como nos esclarece Tina Manferdini: O critrio plotiniano ao qual Agostinho se atm que o

    inferior no pode agir em nenhum modo sobre o superior: o que implica precisamente que no sentir

    a alma no pode sofrer afeco ou impresso, de forma que no passiva a respeito do corpo [...]

    (MANFERDINI , 1995, p. 146).

    No Comentrio Literal ao Gnesis o Hiponense objetivando explicar como a imagem captada

    pelo corpo primeiramente gerada pela alma, expe o princpio neoplatnico que

    supramencionamos:

    No se h de pensar que o corpo faz algo no esprito, como se o esprito se submetesse ao corpo que age pela condio de ser matria. Com efeito, de todos os modos mais excelente o que faz do que a matria da que se faz algo. De modo algum o corpo mais excelente que o esprito, pelo contrrio, o esprito mais excelente que o corpo de modo eminente (De Gen. ad. litt., XII, 16, 33).

    No presente texto Agostinho faz uso da recorrente metfora do obreiro e sua matria7, pois,

    o obreiro sempre superior a matria da qual usa para fazer algo, e a nica possibilidade do corpo

    agir sobre a alma seria ele assumir o papel de obreiro fazendo da alma sua matria. Como isso

    impossvel, pois, a alma vivifica e d forma de vida humana ao corpo, ela por natureza o obreiro e

    7 A mesma metfora usada por Agostinho no Sobre a Msica para defender a primazia da melodia produzida

    pela alma comparada com a produzida pelo corpo: Pois o maior absurdo que a alma esteja como matria submetida ao corpo artfice. Porque jamais a alma pode ser inferior ao corpo, e toda matria menos nobre que o obreiro. Assim, pois, de nenhuma maneira a alma uma matria sujeita ao corpo, obreiro seu [...] (De musica, VI, 5, 8). Tambm: De inmort. animae, 16, 25.

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    o corpo sua matria da qual d forma. Logo, sendo a alma o obreiro consecutivamente superior a

    matria, age sobre a matria para dela fazer o que quiser, jamais podendo ser afetada por ela.

    Para melhor fundamentar a tese da paixo unilateral, o Hiponense utiliza duas instncias

    estruturais que formam o conhecimento sensvel, a sensao e os sentidos, a sensao pertencente

    alma e os sentidos ao corpo. Propriamente falando, a sensao a estrutura fundamental para a

    formao do conhecimento sensvel, e por sua vez os sentidos do corpo so instrumentos de que a

    sensao se serve para conhecer os objetos do mundo. como se os cinco sentidos do corpo

    humano participassem da sensao que uma estrutura da alma, pois, o corpo com seus sentidos no

    formam em hiptese alguma o conhecimento, mas apenas captam os dados sensveis para que a alma

    com a sensao forme conhecimento. Como aclara o Pensador nessa emblemtica passagem:

    E por isso, porque sentir no prprio do corpo, mas da alma pelo corpo, embora se disserte com agudeza que os sentidos do corpo esto distribudos de acordo com a diversidade de elementos corpreos, a alma, qual inerente a potncia do sentir, no sendo corprea, estimula a potncia do sentir por um corpo mais sutil (De Gen. ad. litt., III, 5, 7)8.

    Como nos informa o texto supra, o conhecimento sensvel no pertence ao corpo, mas

    alma por meio do corpo, a alma possui a potncia do sentir e o corpo os instrumentos para que isso

    acontea, quando por exemplo o homem com o sentido do tato percebe algo poroso, no o corpo

    que percebe, mas a alma atravs do corpo9. Outrossim, apesar da sensao pertencer alma, ela

    necessita dos sentidos do corpo para ter as sensaes. Um cego, embora possua a estrutura da

    sensao em sua alma, no enxerga por lhe faltar o rgo que serve ao sentido da viso. O cego

    possui a potencialidade de enxergar (sensao), porm, falta-lhe a atualizao dessa potncia por lhe

    faltar a viso, pois, sem a sensao dos dados sensveis no h conhecimento, e sem o dado sensvel a

    sensao no possui contedo.

    Ns discutimos acerca dos dois elementos da sensao, porm, ainda no analisamos um

    texto de Santo Agostinho sobre o assunto, vejamos o que diz o Pensador:

    Quando a alma sente no corpo, no sofre um influxo seu, mas sim atua com mais ateno nas paixes do corpo, [...]. Pois este sentido, que ainda quando nada sentimos, est apesar disso em ns, um instrumento do corpo, utilizado pela alma com to hbil direo que est nela melhor disposta para responder com ateno s paixes do corpo [...]. Ento se diz que a alma, quando sente, integra, penso eu, as paixes do corpo, sem sofrer essas mesmas paixes (De musica, VI, 5, 10).

    Assim sendo, no o corpo que ao ser afetado que age sobre a alma, mas a alma que dirige

    sua ateno para a parte do corpo afetada, utilizando-se disso para gerar a sensao sem sofrer

    8 Tambm: De civ. Dei., XI, 27, 2. 9 O professor D. Beda Kruse traz o eloqente exemplo da dor: A sensao da dor parece ser sofrida pelo

    corpo; na verdade, porm, a alma que sofre pelo corpo (KRUSE, 1995, p. 103).

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    nenhuma ao do corpo. Esse ltimo, mesmo sendo na constituio humana o outro da alma, no

    passa em sua funcionalidade de mera extenso sensvel da alma que sofre paixes da alma e do

    mundo exterior sem, no entanto, ter a menor condio de possibilidade de agir sobre a alma. Os

    sentidos nada mais so que uma forma particular de ao da alma sobre o corpo. Todavia, ainda

    assim podemos dizer que em certo aspecto, ns temos no Filsofo Bispo uma viso positiva dos

    sentidos, na medida em que deixam de ter apenas uma funcionalidade bio-fisiolgica para fazerem

    parte de uma estrutura intelectual10, pois, nesta perspectiva os sentidos embora fisiolgicos visto que

    compe o organismo humano, transcendem a sua condio em sua estreita relao com a alma. O

    conhecimento sensvel psicossomtico, e em ltima instncia um conhecimento intelectivo.

    Assim sendo, no s a alma superior ao corpo, como devido ao princpio neoplatnico

    que Agostinho abraou, a alma por ser ontologicamente superior afeta e no pode ser afetada pelo

    corpo. Neste caso, Egdio Romano em sua argumentao interpretou de forma adequada a relao da

    alma com o corpo em Santo Agostinho, tanto na afirmao de que a alma superior ao corpo, como

    no fato de que a alma superior por ser da esfera espiritual em detrimento do corpo que material.

    Todavia, no podemos esquecer que esse o ponto de partida ou de apoio da teoria egidiana, no a

    sua concluso, pois, o monge Romano faz essa superioridade da alma frente ao corpo redundar na

    ideia de que o gldio espiritual superior ao secular, devendo o primeiro poder, ser obedecido pelo

    segundo, assim como o corpo obedece alma. Quanto a essa transposio da esfera antropolgica

    para a poltica, entendemos que a mesma no se encontra nas obras de Agostinho. E embora

    possamos fazer sem grandes violncias hermenuticas ao pensamento do bispo de Hipona, a

    interpretao de que os clrigos em dignidade so superiores aos detentores de poderes seculares,

    todavia, trata- se de coisas bem diferentes ter superioridade moral ou de dignidade e possuir a

    subservincia do poder secular. Ou seja, embora os lderes da igreja sejam moral e espiritualmente

    superiores aos lderes seculares, essa superioridade em Agostinho entendemos que no redunda em

    domnio, ou em exigncia de obedincia dos que so menos elevados espiritualmente. Em Santo

    Agostinho o corpo inferior a alma, a alma domina de forma absoluta o corpo, a alma afeta o corpo

    e no sofre influxo dele, e tudo isso porque a alma espiritual e a citada esfera superior a material,

    porm, conduzir as implicaes dessa antropologia para uma esfera poltica vai muito alm do que

    pretendia o bispo de Hipona.

    Alm disso, essas implicaes so anacrnicas ao contexto de pensamento e de vida de

    Agostinho, a querela acerca do absoluto poder papal no um problema para ele e para sua

    atmosfera de pensamento, nem to pouco os clrigos de seu tempo estavam se embrenhando por

    10 Tina Manferdini chega a afirmar que os sentidos em Agostinho alcanam tanta dignidade, que conseguem

    em conjunto com a alma e a vontade alcanar o valor objetivo da beleza, nas belezas particulares (Cf. MANFERDINI, 1995, p. 288).

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    uma luta por poder secular como acontecia na poca de Egdio, de maneira que transformar a

    compreenso na natureza do homem no hiponense em uma defesa do hierocracismo, no respeita a

    verdade inconteste de que por melhor que seja a o filsofo ele um produto de seu tempo, pensando

    as questes que faziam sentido e que se constituam problemticas no contexto em que estavam

    inseridos. Diante disso, pensamos que no possvel tal transposio (da esfera antropolgica para a

    poltica), e muito menos temos condies saber com certeza o que poderia pensar Agostinho acerca

    da questo, simplesmente porque a mesma se quer era um assunto pensvel em sua poca. Seria

    como pensarmos o que poderia pensar Agostinho acerca do Vaticano, quando o mesmo um futuro

    muito distante no sendo se quer pensado por sua poca.

    2 Argumento da supremacia do sumo pontfice baseado na hierarquia ontolgica dos seres

    De fato essa hierarquia ontolgica entre o corpo e a alma agostiniana que explora Egdio em

    sua tese, no se resume a antropologia, mas est presente em toda a ontologia do hiponense, e este

    fato bem observado pelo monge romano no texto que segue:

    Assim, pois, os seres no viventes que so mais imperfeitos que os seres viventes, esto a servio deles e ordenados a eles; e os seres que no sentem so mais imperfeitos do que os que sentem, e por isto foram constitudos a servio destes; e os no inteligentes, e que no foram feitos imagem de Deus, so menos imperfeitos que os inteligentes, e por isso ficaram colocados sob o domnio destes, [...]. Portanto, o poder sacerdotal, como mais perfeito, est ordenado para dominar o poder rgio, do contrrio negaramos aquela mxima geral de que as coisas mais imperfeitas esto ordenadas s mais perfeitas e estabelecidas a seu servio (De ecc. pote., II, 4).

    Como corrente no texto de Egdio, para acrescentar mais credibilidade ao seu argumento,

    no contexto da passagem citada ele faz questo de mencionar uma obra de Santo Agostinho (De

    Trinitate), deixando claro para os leitores que o que est sendo dito no uma coisa inventada por ele,

    mas uma verdade que j foi pensada por grandes formuladores da teologia e filosofia crist como

    Agostinho. O argumento citado acima, a despeito de possuir o mesmo princpio do da relao entre

    a alma e o corpo, explora a hierarquia ontolgica presente na ordem csmica. Assim sendo, segundo

    o pensador romano existe uma hierarquia csmica em que os seres superiores so servidos e

    obedecidos pelos inferiores, desta forma os seres que apenas vivem mas no sentem, so inferiores

    aos que sentem devendo obedecer a eles, e estes ltimos se no so inteligentes, devem servir aos

    inteligentes pois assim foram ordenados pelo criador. Rito contnuo, esta hierarquia csmica tambm

    acontece na esfera poltica, e o papa sendo superior foi ordenado pelo criador para dominar o poder

    rgio. Egdio parte do pressuposto de que Deus ordenou o cosmos com a lei de que o inferior deve

    ser dominado pelo superior, e essa lei universal abrangendo tudo no cosmos inclusive a esfera das

    relaes polticas que o seu foco central. Diante do que comentamos desde incio de nosso texto,

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    no h o que se possa acrescentar sem o risco de ser repetitivo, de forma que nos cabe averiguar se

    este argumento de fato encontra-se em Agostinho.

    Santo Agostinho teorizou a hierarquia da ordem de maneira semelhante ao monge romano,

    afirmando a existncia de criaturas superiores e inferiores em uma ordem estabelecida por Deus.

    bvio que o problema que fez o Bispo de Hipona pensar acerca do assunto no foi a disputa de

    poder entre o papa e rei, mas os ataques maniqueus a cosmologia Genesaca, que entendiam que as

    criaturas inferiores eram um indcio da maldade natural do cosmos (Cf. De Gen. contra man., I, 14, 19).

    Santo Agostinho responde aos seus adversrios com a teoria de que existe uma gradao de perfeio

    na ordem estabelecida por Deus, mas que o grau diminuto de perfeio de algumas criaturas no as

    tornam, nem tornam o cosmos mal, mas contribuem para a perfeio do todo, na medida em que

    assim por Deus foi projetada, cumprindo seu papel teleolgico no conjunto da criao: As

    privaes de algum bem nas coisas esto ordenadas de tal maneira no conjunto da natureza, que tais

    privaes no deixam de mostrar-se como cumprindo convenientemente o seu papel aos que

    sabiamente as consideram (De nat. boni., 16).

    Igualmente neste assunto Agostinho apia-se em Plotino para enfrentar a problemtica

    maniquia, nesse caso em particular na teoria plotiniana de gradao de unidade devido

    despotencializao ontolgica pelo afastamento do Uno. Pois, segundo a processo plotiniana h uma

    hierarquia ontolgica entre os seres, e a gradao de perfeio dos mesmos depender do grau de

    afastamento ontolgico do Uno-bem. Portanto, o Nous ao proceder do Uno possui um grau menor de

    unidade que ele, e a Psyqu ao proceder do Nous possui menor perfeio que sua fonte, e assim

    sucessivamente. No cosmos sensvel tambm h graus diferentes de unidade que medem a perfeio

    dos seres e sua proximidade ontolgica com o Uno. Esta unidade dos seres sensveis adquirida por

    meio da participao da unidade dos arqutipos do Nous, impressa no mundo pela Psyqu (Cf. En.,

    VI, 9, 1). E essa desigualdade de perfeio contribui para a bondade do todo do cosmos (Cf. En., III,

    2, 3; 14; IGAL, 1982, p. 82, 83).

    Semelhantemente segundo Agostinho, h uma gradao de bondade ou perfeio nos seres

    do cosmos, mas isso no pode ser considerado como um mal, pois, alm do fato que cada ser possui

    por mais nfimo que seja algum grau de bondade, com seu nfimo grau de bondade contribui para a

    bondade do todo. Portanto, segundo nosso Filsofo existe uma ordem hierrquica estabelecida por

    Deus no cosmos, em que Deus o Sumo Ser, e os outros seres hierarquizados so, segundo a

    proximidade do Ser de Deus. Sendo assim, teremos a seguinte hierarquia ontolgica em ordem

    decrescente: Deus, o Sumo Ser e doador de ser; os anjos, que so seres racionais e imortais; os

    homens, seres racionais, porm, mortais; os animais, seres animados, porm, irracionais; as rvores,

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    seres viventes, mas no animados. Como comenta acerca dessa hierarquia Agostinho em Sobre a

    Cidade de Deus, s que em ordem crescente:

    Entre os seres que tm algo de ser e no so o que Deus, seu autor, os viventes so superiores aos no viventes, como os que tm fora generativa ou apetitiva aos que carecem de tal faculdade. E, entre os viventes, os seres sencientes so superiores aos no sencientes, como s rvores os animais. Entre os sencientes, os que tm inteligncia so superiores aos que no tm, como aos animais os homens. E, ainda, entre os que tm inteligncia, os imortais so superiores aos mortais, como aos homens os anjos. Tal gradao parte da ordem de natureza (De civ. Dei., XI, 16).

    Esta percope citada supra, bem semelhante ao ltimo texto que citamos de Egdio,

    partindo dos seres viventes at chegar aos seres racionais humanos e anglicos, contudo em

    momento algum, com algumas excees, Santo Agostinho faz essa superioridade redundar

    necessariamente em subservincia. Ou seja, no simplesmente porque um ser dotado de

    densidade ontolgica superior na hierarquia que deve forma necessria dominar, mas isso acontece

    na esfera da ordem criada devido ao fato de que os seres superiores tm mais instrumentos que os

    menos perfeitos para se quiserem, exercer o domnio. Assim, com exceo de Deus que no faz parte

    da ordem criada, a dominao necessria que defende Egdio com relao aos seres mais perfeitos,

    segundo Agostinho no algo que essencialmente constitui o estado de superioridade ontolgica,

    mas algo que pode acontecer com o uso dos instrumentos dessa superioridade, que no caso do

    homem com relao aos outros seres do mundo a inteligncia. Como nos exprime o filsofo de

    Hipona nessa emblemtica passagem:

    Aqui tambm no se deve passar em claro o fato de ter dito: nossa imagem, e ter acrescentado logo depois: e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do cu, e os demais animais privados de razo. So palavras para entendermos que o homem foi feito imagem de Deus e nisso ele sobrepuja os animais irracionais. E isso a razo ou mente ou inteligncia (De Gen. ad. litt., III, 20, 30).

    Na percope citada, o Hiponense interpreta o texto do Gn., 1.26-2811, entendendo que o

    dominem do texto bblico em referncia, expressa simplesmente que o homem superior aos

    animais por meio da racionalidade, e com ela e no com a fora fsica que o homem consegue

    sobrepujar os outros animais, e no que a criao existe exclusivamente por causa ou para o homem.

    Em sua exegese do Gn., 1.26-28, Agostinho apenas constata o fato de que pela inteligncia que o

    homem tem a capacidade de dominar animais maiores e mais fortes que ele, assim sendo na exegese

    do referido texto bblico, nosso pensador no d espao para um antropocentrismo extremado,

    11 Segue a transcrio do texto genesaco: Deus disse: Faamos o homem nossa imagem, como nossa

    semelhana, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do cu, os animais domsticos, todas as feras e todos os rpteis que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem sua imagem, imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os abenoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do cu e todos os animais que rastejam sobre a terra (Gn., 1.26-28).

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    porm, na medida em que o homem o nico criado imagem e semelhana de Deus, e

    conseqentemente o nico ser racional. Temos, sim, um suave antropocentrismo na medida em que

    Deus se preocupar de forma especial com a salvao e regenerao humana, pois o homem o

    nico que pode pelo uso da vontade livre, praticar uma m ao moral se afastando de Deus.

    Portanto, no mximo temos no pensamento de Santo Agostinho um antropocentrismo soteriolgico.

    Alm disso, essa superioridade humana diante dos outros seres csmicos no foi algo conquistado

    pelo homem, mas pura graa, pois, Deus na medida em que criou todos os seres ex nihilo, escolheu

    criar o homem sua imagem e semelhana, no sendo por qualquer fato ou ao que fizesse o

    homem merecer, mas j foi criado dessa forma, logo, no merecimento, evoluo ou qualquer outra

    coisa, mas pura graa, como comenta tienne Gilson: Para ser, o homem no deveu merec-lo,

    pois, para merecer primeiramente teria sido necessrio que fosse. Ora, no sendo, no obstante, ele

    foi feito, e no apenas feito como uma pedra ou um animal, mas feito imagem de seu Criador

    (GILSON, 2006. p. 280).

    Em suma, inegvel a superioridade do homem com relao ao restante do cosmos, devido

    ao fato de singularmente ter sido criado imagem e semelhana de Deus, e, por conseqncia, existir

    certo antropocentrismo soteriolgico. Porm, ambos, homem e Natureza possuem um Criador

    comum, e foram formados da mesma matria informe criada ex nihilo por Deus, tendo, portanto,

    matria e forma12 como qualquer outra criatura. E como j tnhamos mencionado o que ficou

    evidente no texto de De Gen. ad. litt., III, 20, 30, Agostinho entende que o domnio decorrente do

    uso da inteligncia, no necessariamente devido superioridade ontolgica do homem, de forma que

    podemos por extenso afirmar que em toda a ordem criada por Deus uma criatura com densidade

    ontolgica superior no tem nessa superioridade necessariamente como consequncia o domnio,

    mas o domnio pode acontecer e muito possvel que acontea devido a essas com maior perfeio

    terem instrumentos que lhe possibilitam pelo uso dos mesmos dominar os menos perfeitos.

    Assim sendo, entendemos que embora Egdio Romano esteja certo em atribuir a Agostinho

    essa hierarquia ontolgica dos seres criados, incorreto atribuir a essa hierarquia uma necessria

    dominao do melhor ao menos perfeito. Alm disso, a leitura egidiana de Agostinho afasta-se do

    Agostinho presente em suas obras em nossa compreenso, quando alm de fazer desse domnio

    necessrio a ordem como uma lei natural inquebrvel do cosmos, transporta essa necessidade de

    domnio para a esfera das relaes humanas e polticas, o que sem dvida alguma no est presente

    no pensamento do hiponense.

    12 Cf. De gen. contra man., I, 2, 4; 3, 5; 5, 9-7, 12; 12, 18; Conf., X, 4, 6; 5, 7; XIII, 33, 48; De nat. bon., 10; 18; 25.

    Tambm GILSON, 2006, p. 376-377; COSTA, 2002, p. 231-232.

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    Consideraes finais

    Diferentemente de Toms de Aquino que delineou de forma clara as fronteiras entre a

    razo e a f, o natural e o sobrenatural e, por conseguinte, a Igreja e o Estado, Santo Agostinho a

    despeito de versar amplamente acerca da Civitas (o estado) e da Ecclesia (a igreja) no delineou

    explicitamente o limite entre a esfera natural e a sobrenatural. Possivelmente isso tenha gerado

    ocasio para o surgimento no medievo do denominado Agostinismo Poltico, que se aproveitando

    do fato mencionado, entenderam que em Agostinho a ordem natural da Civitas estava absorvida pela

    sobrenatural da Ecclesia (Cf. FITZGERALD, 2006, p. 22), o que conduziu pensadores medievais

    como Egdio Romano a buscarem em Agostinho apoio para a tese de que o sumo pontfice tem por

    ordenamento divino os dois gldios, o poder espiritual e o secular.

    Apesar de compreendermos o contexto de pensamento do Agostinismo Poltico,

    analisamos no ser adequado atribuir doutrina da plenitudo potestatis papal a uma herana de

    Agostinho, e mesmo se ancorando na desculpa de que ele deu margem para essa ideia ao no ter sido

    claro com relao aos limites do secular e do espiritual, ainda assim essa interpretao soa

    profundamente anacrnica. Pois, dificilmente poderia estar presente no pensamento do Hiponense

    tal distino por pelo menos dois motivos: primeiramente pela forma de escrever do filsofo,

    extremamente assistemtica e construindo seu pensamento pela demanda do momento, tentando

    com seus textos resolver os problemas filosficos ou teolgicos, quando eles apareciam por meio de

    um adversrio do Cristianismo ou de uma situao conflituosa; em segundo lugar o dilema entre a

    ordem secular e a espiritual, a teoria dos dois gldios e o limite do poder papal e o do imperador,

    sequer eram problemas para o tempo do pensamento de Agostinho, e apesar de um pensador do

    quilate do filsofo bispo possuir ideias que ultrapassaram seu tempo inspirando mesmo na

    contemporaneidade a Teologia e a Filosofia, ele era como qualquer filsofo um homem de seu

    tempo, e se esta mxima verdadeira indistintamente para qualquer pensador, muito mais real para

    Santo Agostinho que viveu intensamente as questes e problemas de seu tempo.

    No podemos esquecer que o primeiro bispo romano a clamar por jurisdio universal por

    parte do bispo de Roma pela suposta herana de So Pedro foi Inocncio I, que foi sagrado bispo de

    402-417 (Cf. OLIVEIRA, 1998, p. 49), e s com o papa Gelsio I que foi sagrado bispo romano de

    492-496, foram formalmente escritos documentos objetivando traar os limites entre a esfera de ao

    do poder do pontfice e do imperador (Cf. SARANYANA, 2006, p. 94, 95). Santo Agostinho faleceu

    em 430, quando nem o poder dos papas estava bem estabelecido, e muito menos ideia da soberania

    papal sobre o imperador era teorizada em sua poca, sendo uma problemtica bem distante de seu

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    tempo, sendo assim anacrnico ao extremo interpretar que as bases do hierocracismo j estavam

    presentes no filsofo de Hipona.

    Sabemos que muito ainda teria a ser dito acerca da compreenso de Agostinho do poder do

    Imprio Romano, mas, diante do escopo a que nos propomos nas breves consideraes do presente

    artigo, entendemos que o objetivo foi alcanado satisfatoriamente. Em suma, finalizamos

    reafirmando que nos textos que analisamos os dois argumentos egidianos presente no De ecclesiatica

    potestate em prol do poder do sumo pontfice, embora esboce uma satisfatria interpretao da

    relao entre a alma e o corpo, e da hierarquia ontolgica presente no cosmos em Santo Agostinho,

    todavia, quando Egdio Romano tenta transportar essas interpretaes para a esfera poltica, incorre

    em uma eisegese grosseira, no respeitando o pensamento e tampouco o contexto em que viveu e

    pensou o filsofo de Hipona.

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