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AGRAVO INTERNO LEGAL E REGIMENTAL Daniel Amorim Assumpção Neves
Mestre e doutorando em Processo Civil
pela Universidade de São Paulo
Professor de Processo Civil da
Universidade Mackenzie, Universidade
Paulista (UNIP), e Escola Superior de
Advocacia (ESA) de São Paulo e Santos.
Advogado em São Paulo e Santos
1 – CORRETA NOMENCLATURA – A QUESTÃO TERMINOLÓGICA
1.1. Introdução
Um dos assuntos mais atuais dentro do sempre polêmico tema recursal diz
respeito ao meio de impugnação cabível contra a decisão monocrática proferida
pelo relator de recurso ou de ação de competência originária em segundo grau de
jurisdição e nos órgãos de superposição. A doutrina vem se debruçando com
maior freqüência e profundidade sobre o tema na exata proporção que as
modificações do estatuto processual atribuem um poder mais amplo ao relator no
que tange à possibilidade de proferir decisões monocráticas, contrariando assim
secular tradição do sistema recursal brasileiro de contar, como regra, com
decisões colegiadas em sede de Tribunal.
O assunto encontra-se envolto numa áurea de polêmica tão nítida que na doutrina
e jurisprudência encontram-se divergências inclusive a respeito do nome do
instrumento a disposição da parte prejudicada por uma decisão monocrática do
relator. Os nomes dados ao instituto são os mais diversos: agravo regimental,
agravo inominado, agravo de mesa, agravo simples, agravo, dentre outros. Poder-
se-á, como o faz parcela da doutrina, acusar a apuração terminológica de mero
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devaneio acadêmico, pois independentemente do nome dado ao recurso cabível
da decisão monocrática proferida no Tribunal, o que importa analisar é se o
recurso está cumprindo suas funções.1
Nos parece sadio, entretanto, ao próprio instituto que agora começa a ser
estudado com maior freqüência e atenção, e mesmo ao ordenamento jurídico
como um todo, a apuração terminológica, para que tanto doutrina quanto
jurisprudência falem uma mesma língua quando tratarem do instituto. Já tivemos
oportunidade de afirmar que toda ciência necessita de uma linguagem específica,
sem que isso possa ser entendido como preciosismo ou tentativa de sua
individualização por meio do vocabulário utilizado. Como afirma CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO, “mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciência pelo refinamento
maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal
definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfatoriamente isolados sem
inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-
se claro ao estudioso de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre
a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.”2
1 Assim CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, “O agravo interno e o indeferimento da suspensão de segurança – o cancelamento da Súmula 506 do STF: notas para uma primeira reflexão”, in Revista Dialética de Direito Processual, vol. 3, São Paulo, Dialética, 2003, p. 11: “Se o nome for fundamental, que se dê: agravo inominado; agravo interno; agravinho; pouco importa. O que releva é seu regime jurídico que está, claramente, traçado nas leis de processo reformadas.” e EDUARDO TALAMINI, “Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno)”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001, coord. Nelson Nery Jr. e Tereza Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2002, p. 184: “O nome que se dê à medida – “agravo interno”, “regimental”, agravinho” – é irrelevante, pois a essência do “agravo” interposto no âmbito interno do tribunal contra decisões isoladas de algum de seus membros é sempre a mesma: trata-se de mecanismo destinado a levar ao colegiado a decisão individualmente adotada”. 2 Cfr. “Vocabulário de direito processual”, in Fundamentos do Processo Civil moderno, tomo I, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000, pp.136-137. A apuração terminológica é constante busca do operador do direito, tendo tido inclusive lugar de destaque na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, que em seu Capítulo III, parte II, dispensa comentários acerca da “terminologia do projeto”, aduzindo ser um dos “princípios da técnica legislativa, o rigor da terminologia na linguagem jurídica.”. ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, Direito Processual Civil, São Paulo, José Bushatsky Editor, 1977, p. 03: “A Exposição de Motivos” do Anteprojeto de 1964 (ns. 14 e 15) e a do “Projeto” n. 810/1972 (ns. 6 e 7), aquela na Parte II, Capítulo I, item II, e a última no Capítulo III, item II, dedicam especial atenção à “terminologia” do novo diploma”.
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A manutenção de diversas nomenclaturas para designar o mesmo instituto -
algumas manifestamente inadequadas, como veremos – é causa de desprestígio
da própria ciência processual, que sem qualquer desejo de indesejados
preciosismos lingüísticos, necessita como qualquer outra ciência de vocabulário
próprio e coeso, até mesmo para que todos os operadores do direito se entendam
de forma mais ampla e simples. Cabe à doutrina, portanto, propor a melhor
nomenclatura ao recurso, na esperança de que com o passar dos tempos sejam
simplesmente esquecidos e abandonados os outros nomes surgidos ainda no
calor do surgimento do instituto.
É importante frisar, com as palavras de ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, que “a rigor,
poderá não haver prejuízo para as partes pelo uso defeituoso de uma palavra ou
de uma expressão, utilizando ainda uma antiga, já superada pela hodierna, ou,
até, suprimida. Entretanto, isso deporá contra a capacidade cultural e profissional
de quem assim se manifestar, mormente por escrito, dando margem a situações
de constrangimento.”3 Justamente para se evitar tais situações, o apuro
terminológico é necessário.
Por ser a palavra o mais importante meio de trabalho do jurista, torna-se
imprescindível a apuração da terminologia empregada. A esse respeito,
manifestou-se, com a habitual acuidade, o jurista baiano J. J. CALMON DE PASSOS:
“O saber jurídico é terreno extremamente perigoso, resvaladio, pantanoso,
cambiante, repleto de ciladas e camuflagens. Nosso saber é todo ele feito de
palavras e com nada o homem manobra mais irresponsavelmente do que com
palavras. Para que o direito se revista de um mínimo de cientificidade e mereça
algum respeito dos demais estudiosos das ciências humanas, cumpre a nós, que
nos apelidamos de juristas, adotar um rigor técnico terminológico mais rígido, o
que pede de nós sempre deixarmos bem claro que sentido damos às palavras que
3 Direito Processual Civil, op. cit., p. 05.
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usamos, todas elas carregadas de equivocidade, capazes de gerar incomunicação
antes que comunicação.”4
1.2. As diversas nomenclaturas sugeridas – opção por “agravo interno”
Antes de defender aquela que nos parece a melhor nomenclatura ao instituto ora
analisado, criticaremos outras já existentes na doutrina e jurisprudência que, em
maior ou menor grau, nos parecem inadequadas.
A primeira crítica se dirige ao próprio Código de Processo Civil, que nomeia tal
recurso simplesmente de agravo, sem qualquer preocupação em distingui-lo de
outras espécies de recurso de agravo. Parcela da doutrina, justamente em razão
de não ter o legislador optado por dar expressamente nome ao recurso de agravo
cabível de algumas - ao menos o CPC expressamente só cria cinco situações de
interposição recursal - decisões proferidas de forma monocrática pelo relator,
entendem que o melhor a ser feito em termos terminológicos seria alcunhar tal
recurso simplesmente de agravo.
Discordamos de tal posição, apesar de reconhecer que o legislador poderia ter
sanado com a dúvida se tivesse atribuído expressamente um nome a esse
recurso. A ausência de nomeação de forma expressa, entretanto, não é
argumento capaz de, por si só, obrigar o operador ao acolhimento do nome
“agravo”. Tal técnica esbarraria em grave defeito técnico, considerando-se que
agravo é gênero recursal, da qual fazem parte diferentes espécies: agravo de
instrumento, agravo retido, agravo contra decisão denegatória de seguimento de
4 JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, 8ª ed., Forense, RJ, 2000, pp. 17/18. No mesmo sentido JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Sobre a multiplicidade de perpectivas no estudo do processo” in Revista de Processo, vol. 49, Rio de Janeiro, Forense, 1988, p. 07, quando com precisão percebe que “determinado grau de apuro técnico é imprescindível à criação de uma linguagem comum, cujo emprego permita aos estudiosos o entendimento recíproco e a transmissão de experiências, sem a qual não se concebe o progresso em setor algum do conhecimento humano”.
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Recurso Especial/Recurso Extraordinário, agravo regimental e o agravo ora
analisado. Chamá-lo simplesmente de agravo seria atribuir o nome a esse recurso
do gênero recursal, o que certamente criaria indesejáveis confusões.5
Provavelmente percebendo que nomear o recurso simplesmente de agravo
poderia trazer indesejável confusão entre espécie e gênero, parte da doutrina
prefere nomeá-lo de “agravo inominado” Tendo sido opção legislativa a omissão
quanto a um nome específico, e devendo-se criar uma forma de diferencia-lo das
outras espécies de agravo, a locução “inominado”, acompanhando a palavra
agravo, resolveria o problema. Após análise comparativa do recurso ora tratado
com o agravo de instrumento e retido, Cássio Scarpinella Bueno conclui que “se
não é agravo “retido”, ou de “instrumento” mas é agravo, porque cabe de decisão
interlocutória, ainda que proferida no âmbito dos Tribunais, é ele agravo
“inominado” porque a lei não lhe deu um nome.”6
Apesar da inegável lógica presente no pensamento dos doutrinadores que
defendem tal entendimento, cremos que a omissão do legislador não só possa
como deva ser sanada pela doutrina. Cabe ao estudioso e operador do direito
“batizar” esse novo agravo, até mesmo para que não se considere mais tarde esse
recurso como um agravo anômalo, justamente por não ter nome próprio. Ademais,
enquanto um nome não for dado de maneira definitiva ao recurso, sempre surgirá
doutrinador a propor o preenchimento do vácuo legislativo com nome que melhor
5 Com esse entendimento BERNARDO PIMENTEL SOUZA, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 421: “Apesar da preferência do legislador pelo termo “agravo”, sob o ângulo científico tal designação tem o grave defeito de gerar confusão entre a espécie e o gênero e, o que é pior, entre diferentes espécies”. No mesmo sentido LUIZ ORIONE NETO, Recursos cíveis, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 394. 6 Cfr. “O agravo interno e o indeferimento da suspensão de segurança – o cancelamento da Súmula 506 do STF: notas para uma primeira reflexão”, op. cit., p. 11. No mesmo sentido JOSÉ HORÁCIO CINTRA GONÇALVES PEREIRA, Agravo no direito brasileiro, São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999, p. 65 e DONALDO ARMELIN, “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e a Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98”, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo, RT, 1999, p. 199.
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lhe apetece, o que nem sempre se confunde com a precisão terminológica
buscada.
“Agravo simples” é nome ainda mais impróprio, donde presume-se uma
simplicidade - não se sabe ao certo se meramente procedimental ou mesmo
quanto a seu objeto - incapaz de diferencia-lo de outras espécies de recurso7.
Quanto ao procedimento é necessário notar que tal recurso deverá ser sempre
interposto de forma escrita, por meio de petição, não se admitindo o agravo oral.
Ora, comparando-se tal necessidade com a expressa permissão do agravo retido
ser interposto oralmente em audiência, é difícil sustentar que em termos
procedimentais seja o agravo ora tratado mais simples que o agravo retido. Quem
sabe seja mais simples que o agravo de instrumento e daquele previsto no art.
544, CPC, que exigem para sua instrução a juntada de peças obrigatórias, mas
considerá-lo mais simples que o agravo retido é uma afronta ao bom senso.
Por outro lado, não há como se afirmar que uma espécie de recurso seja
efetivamente mais simples que outra em razão de seu objeto. O meio instrumental
a disposição da parte para tornar uma decisão monocrática do relator em decisão
colegiada, terá seu objeto essencialmente dependente do objeto da própria
decisão impugnada, sendo impossível prever-se a priori se será mais simples ou
mais complexo que o objeto de outras espécies recursais. A simplicidade do
objeto deverá ser analisada caso a caso, considerando ainda uma forte dose de
subjetivismo nessa análise. Não é possível, portanto, jamais se tomar o objeto do
recurso como meio apto a imputar a ele o nome de “agravo simples”.
Conforme nos informa Bernardo Pimentel Souza, a expressão “agravo de mesa”
não é nem mesmo consagrada pela doutrina e jurisprudência como as outras
7 NELSON LUIZ PINTO, Manual dos recursos cíveis, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 143, fala em “agravo “simples”, sem necessidade de adjetivação (...)”.
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expressões já analisadas8. É boa notícia, já que seria totalmente insustentável a
designação do recurso por tal nome. Ora, também o agravo de instrumento
quando não é julgado monocraticamente pelo relator – que é ainda a exceção à
regra – deve ser normalmente levado à mesa para julgamento. Conforme visto
anteriormente, quando o art. 528, CPC, fala em “pedir dia para julgamento”,
significa justamente a inclusão do recurso em pauta para julgamento tendo como
destino a mesa para que tal julgamento ocorra.
Há ainda a expressão “agravinho”, muito utilizada na praxe forense, quem sabe
pelo menor prazo de sua interposição se comparado com as outras espécies de
agravo. O diminutivo utilizado passa a idéia de um apelido ao recurso, jamais de
nome definitivo. É difícil imaginar um advogado sustentar em suas razões que está
ingressando com um “agravinho” contra determinada decisão que lhe causou
prejuízo. Melhor limitar tal nomenclatura para os diálogos informais entre os
operadores, e não para a utilização em peças e escritos acadêmicos. Até mesmo
porque seria um indevido preconceito no tratamento a tal recurso, que teria pelo
nome sua própria importância minorada, o que não nos parece adequado nem
conveniente.
Antes propriamente de ingressar na análise da nomenclatura “agravo regimental”,
é importante que se faça um breve esclarecimento. Durante muitos anos não
havia no Código de Processo Civil qualquer previsão expressa de meio de
impugnação contra a decisão monocrática do relator, vácuo esse que era
preenchido pelos Regimentos Internos dos Tribunais, que em sua quase totalidade
previam para essa situação um instrumento de impugnação, chamado “agravo
regimental”. A nomenclatura era – como em alguns casos ainda é - correta, já que
tais formas procedimentais de impugnação não se encontravam previstas
8 Cfr. Introdução aos recursos cíveis, op. cit., p. 420.
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especificamente em Lei Federal, mas sim, e tão somente, nos regimentos
internos.
Nos dias atuais, entretanto, é necessário que se distinga com nitidez as situações
onde os agravos contra decisões monocráticas do relator encontram-se previstos
de forma expressa no Código de Processo Civil –e até mesmo em leis
extravagantes,9 embora nossa preocupação nesse trabalho esteja centrada no
Código de Processo Civil - e aquelas outras em que, diante da omissão do
legislador, parte da doutrina ainda aplica as previsões contidas em regimentos
internos. Há cinco espécies de decisões monocráticas onde expressamente o
Código indica o meio adequado de impugnação: art. 120 (decisão monocrática no
conflito de competência); art. 527, II (decisão que converte o agravo de
instrumento em agravo retido); art. 532 (decisão que nega conhecimento aos
embargos infringentes); art. 545 (julgamento monocrático do agravo contra
decisão denegatória de seguimento de Recurso especial/Recurso Extraordinário);
e art.557 (decisão que nega seguimento ou provimento ou dá provimento a
recurso).
Nos parece indiscutível que nomear tais recursos de “agravo regimental” seria
atentar contra a própria lógica do sistema. Tais recursos, embora guardem
evidentes diferenças de objeto e procedimento com relação aos agravos típicos
previstos pelo art. 522 (agravo de instrumento e agravo retido), são tão legais
quanto esses, encontrando-se todos eles previstos expressamente no Código de
Processo Civil.10 Poder-se-ia alegar que o silêncio do legislador quanto ao
9 Lei 4.348, art. 4º; Lei 7.347, art. 12, § 1º; Lei 8.038, arts. 25, § 2º e 39; Lei 8.437, art. 4º, § 3º; Lei 9.868, arts. 4º, par. único e 15, par. único; Lei 9.882, art. 4º, § 2º. 10 Nesse sentido SÁLVIO FIGUEIREDO TEIXEIRA, Código de Processo Civil Anotado, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 426 , J. E. CARREIRA ALVIM, Código de Processo Civil reformado, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 321, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso Especial, Agravos e Agravo interno, Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 212 e JOÃO BATISTA LOPES, “Agravo regimental: recurso ou pedido de reconsideração?”, in Aspectos
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procedimento de tais recursos, obrigando os Regimentos Internos a prescrevê-los,
acarretaria sua natureza regimental. Discordamos veementemente de tal visão.
Em nosso entender nenhum recurso esgota seu procedimento em lei, sempre
havendo normas internas nos Tribunais a preencher essas omissões, que muitas
vezes, inclusive, são voluntárias. Cada Tribunal tem uma sistemática própria de
funcionamento, e não seria adequado um engessamento de tais procedimentos
internos pela lei federal. A mera previsão do trâmite procedimental do recurso
perante o Tribunal jamais será apta a caracterizá-lo como “recurso regimental”.
Afastado o nome “agravo regimental” das situações acima previstas, remanesce o
interesse na questão nas hipóteses em que o relator profere decisão monocrática
não prevista expressamente como impugnável pelo Código de Processo Civil,
como, por exemplo, no caso de negar a tutela de urgência pleiteada pelo
recorrente no agravo de instrumento. Também nas ações de competência
originária do Tribunal podemos verificar inúmeras situações: decisão que indefere
ou defere pedido de liminar em Mandado de Segurança ou em ação cautelar, que
indefere a petição inicial em qualquer dessas ações de competência originária do
Tribunal, que defere ou indefere pedido de produção de prova em ação rescisória,
etc.. Trataremos do assunto em capítulo próprio.
Afinal, dentre todos os nomes suscitados em doutrina e jurisprudência, reputamos
como o mais próximo da adequação para nomear o agravo expressamente
previsto pelo Código de Processo Civil contra decisão monocrática do relator:
agravo interno. Quem com maior clareza defendeu a adoção de tal nome foi J. E.
Carreira Alvim, afirmando preferir nomear o recurso de “agravo interno”, por ser
polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, vol. 4, coord. Tereza Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo, RT, 2001, p. 587.
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um agravo que agride decisão interna do tribunal, ao contrário dos agravos retido
e de instrumento, que agridem decisão externa ao tribunal.11
Tem razão o processualista carioca, bem como todos os autores que
compartilham de tal opinião, considerando-se que nas outras espécies de agravo
é sempre o órgão hierárquico superior ao da prolação da decisão impugnada o
competente para o julgamento do recurso. Nos casos de agravo retido e de
instrumento, é sempre o Tribunal de segundo grau, a par da possibilidade de
retratação, que certamente não retira do Tribunal a competência para o
julgamento do recurso. O mesmo ocorre no agravo contra decisão denegatória de
seguimento de Recurso Especial e Extraordinário, quando o órgão competente é,
respectivamente, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O
ponto principal é que a decisão é sempre proferida em grau hierárquico inferior
quando comparada com o órgão competente para o julgamento do recurso.
Tal circunstância não se verifica no caso do agravo interno, onde o próprio órgão
prolator da decisão irá ser o competente para julgar o recurso contra ela
interposto. Dentro do mesmo Tribunal onde foi proferida a decisão monocrática é
interposto, processado e finalmente julgado o recurso de agravo, integrando-se
pelo colegiado a decisão do juiz relator. Essa é a principal razão, em nosso sentir,
que faz com que a nomenclatura “agravo interno” seja a mais adequada para o
recurso ora tratado.
Um último aspecto respeitante a terminologia deve ainda ser levantado, para
justificar mais solidamente nossa idéia de nome ideal ao recurso objeto de nossas
preocupações. A doutrina, de forma majoritária, não aceita que tal agravo seja
chamado de agravo regimental, sob o argumento de que são tão legais quanto 11 Cfr. Código de Processo Civil Reformado, op. cit., p. 321. Ainda ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, op. cit., p. 212, quando ressalta a permanência dentre nós do agravo regimental e WILLIAM SANTOS FERREIRA, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, Forense, Rio de Janeiro, 2002, p.127.
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aqueles previstos nos arts. 522 e 544, uma vez que todos estão expressamente
previstos no Código de Processo Civil. Essa é uma interessante – e como
veremos parcialmente correta – visão, justificando-se para que não mais
chamemos o agravo previsto em lei contra decisões monocráticas em Tribunal de
agravo regimental. Já vimos que, de fato, se está previsto em lei é legal, e não
meramente regimental.
Ocorre, entretanto, que o recurso de agravo regimental, ou seja, aquele com
procedimento criado pelos Regimentos Internos na omissão de expressa previsão
pelo legislador, é tão interno quanto o agravo previsto nos arts. 120, 527, II, 531,
545, 557, § 1º, do CPC. Também esses são interpostos no Tribunal, contra
decisão proferida por relator, e tem seu processamento e julgamento nesse
mesmo Tribunal. Daí se afirmar que o caráter “interno” do agravo, não é exclusivo
dos agravos contra decisões monocráticas previstas no Código de Processo Civil,
verificando-se também nos agravos chamados “regimentais”.
Em nosso entender é inegável serem ambos agravos internos, mas alguns têm
previsão de cabimento e processamento legal e outros têm tal previsão apenas
nos Regimentos Internos. Dessa forma, é possível classificá-los de agravo interno
legal e agravo interno regimental, levando-se em conta sua característica igual
(procedimento todo desenvolvido no próprio Tribunal onde foi proferida a decisão
impugnada) e sua principal diferença (previsão expressa em lei ou em regimento
interno).12 Passemos agora a análise dos recursos que preferimos chamar de
“agravo interno regimental”.
12 Parece ter esse entendimento ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno, op. cit., pp. 211/212, após afirmar que o agravo interno também é agravo legal, lembra “que subsistem os agravos internos “regimentais”, com base em norma de regimento interno, como os admissíveis de decisão do relator em processos de competência originária dos Tribunais”.
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2. AGRAVO INTERNO REGIMENTAL
Embora louvável a recente preocupação do legislador em expressamente prever
uma forma de reação à parte prejudicada por decisão monocrática do relator,
diversas outras situações – em que o ordenamento permite essa decisão
monocrática - restam alheias de expressa previsão legal quanto ao cabimento ou
não de recurso (ao menos aparentemente). Dessa situação surge a inevitável
pergunta: a ausência de previsão expressa na legislação, abriria espaço para o
surgimento de uma nova espécie recursal, chamada “agravo regimental”?
A primeira questão que deve ser abordada é a (im)possibilidade dos Regimentos
Internos criarem recursos. Segundo previsão expressa da Constituição Federal, a
legitimidade para legislar sobre processo é exclusiva da União Federal, não se
admitindo, assim, que leis estaduais disciplinem a matéria processual (art. 22, I,
CF/88). Se entendermos que os Regimentos Internos criam novos recursos ao
prever o agravo regimental, certamente tais disposições estariam eivadas de
inconstitucionalidade, já que tal criação obrigatoriamente deveria emanar de lei
federal.
Por outro lado, se entendermos que os Regimentos Internos nada estão a criar,
tão somente regulando o procedimento interno de recurso já expressamente
previsto pela lei – agravo –, não haverá que se falar em inconstitucionalidade, já
que os Estados podem legislar concorrentemente com a União em “procedimentos
em matéria processual” (art. 24, XI, CF/88). Não se tratando de regra processual,
mas meramente procedimental, nenhuma ilegalidade poderia ser imputada a tais
dispositivos regimentais.
Existe doutrina a defender a inconstitucionalidade de tais previsões, entendendo
que há precisamente a criação de um novo recurso e que tal tarefa não pode ser
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cumprida por regimentos internos de tribunal, que na verdade nem leis são, não
passando de norma interna de organização. Em sentido oposto, existem aqueles
que na defesa da constitucionalidade de tais previsões afirmam não haver
propriamente criação de recurso não previsto em lei, e sim indicações
procedimentais para o trâmite perante o tribunal de um recurso já previsto no rol
taxativo do art. 496 do Código de Processo Civil. O recurso continuaria a ser o
agravo, estando as previsões contidas nos regimentos internos ligadas meramente
ao seu trâmite procedimental.
Preferimos a segunda corrente doutrinária, entendendo que tais previsões
regimentais simplesmente determinam o procedimento de um recurso já existente,
que é o agravo. Nesse sentido já teve oportunidade de se manifestar Nelson Luiz
Pinto ao afirmar corretamente que “os agravos regimentais regulados pelos
regimentos internos dos tribunais, não são novos recursos, mas modalidades do
recurso de agravo previsto no Código de Processo Civil, apenas com o
procedimento disciplinado por norma regimental”. 13
2.1. O agravo regimental interno tem natureza recursal (como também o
agravo interno legal)
O entendimento defendido anteriormente, inclusive, é o único capaz de evitar
indevidas conclusões advindas da impossibilidade do regimento interno criar
recursos e a imperiosa necessidade de revisão da decisão monocrática pelo órgão
colegiado em situações não previstas expressamente em lei.
13 Cfr. Manual dos recursos cíveis, op. cit., p. 82. Ainda FLÁVIO CHEIM JORGE, Teoria geral dos recursos, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 198. Para BERNARDO PIMENTEL SOUZA, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, op. cit., p. 420, “a norma regimental pode apenas ser reprodução do preceito legal que cuida do recurso; não pode fugir do padrão legal, sob pena de inconstitucionalidade. Em síntese, a expressão “agravo regimental” configura verdadeira contradictio in adiecto”.
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Alguns doutrinadores, tendo como precursor Egas Dirceu Moniz de Aragão,
retiram do chamado “agravo regimental“ a natureza recursal, afirmando que o
mesmo é mero “meio de promover a integração do tribunal”.14
Mais recentemente quem voltou a defender a tese foi Eduardo Talamini, citando
inclusive decisão da lavra do Ministro Moreira Alves onde restou determinado que
o agravo regimental não era recurso, e sim meio de promover a integração da
vontade do Colegiado. (SFT, AGCRA 247591/RS, 1ª Turma, j. 14/03/2000). A
justificativa principal para alicerçar tal pensamento seria, na visão do
processualista paranaense, a inconstitucionalidade de qualquer obstáculo a ser
criado – quer pela lei ou por regimento interno - a ampla revisão pelo órgão
colegiado da decisão monocrática.15
Para José Carlos Barbosa Moreira, “o juiz natural do recurso é o órgão colegiado;
não há bloquear totalmente o caminho até ele. Pode-se equiparar o papel do
relator ao de um “porta-voz avançado”: o que ele diz, supõe-se que diga
antecipadamente a decisão do colegiado. Ao interessado ressalva-se o direito de
desencadear um mecanismo de controle, capaz de mostrar se a “antecipação”
correspondeu ou não ao entendimento “antecipado”. Explicado está por que
ousamos pensar que esse tipo de recurso (melhor: de expediente destinado a
provocar a “integração” do julgamento) deve ser admitido, nas circunstâncias, até
sem expressa previsão legal. Onde quer que se principie por dar ao relator a
oportunidade de manifestar-se sozinho, tem-se de permitir que à sua voz venham
juntar-se, desde que o requeira o interessado, as dos outros integrantes do
órgão”.16
14 Cfr. “Do agravo regimental”, in Revista de Direito Processual Civil, vol. II, pp. 77-78. No mesmo sentido JOÃO BATISTA LOPES, “Agravo regimental: recurso ou pedido de reconsideração?”, op. cit., que atribui a tal instrumento a natureza de mero pedido de reconsideração. 15 EDUARDO TALAMINI, “Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno)”, op. cit.,, pp. 181-185. 16 Cfr. “Algumas inovações da Lei 9.756/98 em matéria de recursos cíveis” in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, São Paulo, RT, 1998, p. 324.
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Estamos absolutamente de acordo com as premissas acima traçadas quando se
afirma que sempre que o relator tiver decidido solitariamente em razão de
delegação do órgão colegiado, deve ser disponibilizado meio para a parte
prejudicada buscar a manifestação do órgão competente para enfrentar a questão,
qual seja, o órgão colegiado. Nos parece, entretanto, que embora a premissa
esteja absolutamente correta, nada havendo a acrescentar, tirar daí a conclusão
de que o “agravo regimental” não seria um recurso é atingir conclusão equivocada,
que pode inclusive nos levar a nefastas conseqüências práticas.
Lembremos o que já tivemos a oportunidade de defender: as previsões em
regimentos internos se prestam tão somente a disciplinar o procedimento de
determinados recursos de agravo interpostos contra decisão monocrática. O
recurso já se encontra previsto e não podemos descaracterizá-lo como tal
simplesmente porque seria inconstitucional se ele não existisse. A obrigatoriedade
de a parte ter à sua disposição um mecanismo de integrar a vontade do colegiado
não é causa por si só para afastar o caráter recursal de tal forma de impugnação.
Ao pedir a integração da decisão pelo colegiado, não deve restar qualquer dúvida
que o agravante também encontra-se impugnando a decisão do relator.
Guardadas as devidas proporções, acontece o mesmo com os embargos
infringentes, embora a competência originária não seja precisamente dos cinco
juízes que o julgarão. Após ser derrotado na apelação ou ação rescisória,
cumprindo os rígidos pressupostos de cabimento previstos pelo art. 530, CPC,
caberá à parte a interposição de embargos infringentes, que ao mesmo tempo em
que impugna a decisão proferida pelos juízes participantes do julgamento
pretende que a tese vencida seja acolhida pelos outros que são chamados a julgar
tal recurso, que integrando a vontade do colegiado pode resultar na “virada do
placar”.
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Por essa concepção, basta analisar o conceito de recurso, que embora seja
exposto por diferentes doutrinadores com palavras diferentes sempre tem as
mesmas principais características: recurso é o meio voluntário que se desenvolve
no mesmo processo em que foi proferida a decisão impugnada, que se presta
justamente a impugnação, pelas partes, Ministério Público e terceiro prejudicado,
de uma decisão judicial visando seu esclarecimento, integração, reforma ou
anulação. Até os dias atuais todos que se dispuseram a enfrentar tal definição
creditavam às duas primeiras espécies de pedido ao recurso de embargos de
declaração, já que o esclarecimento se daria quando pressentes os vícios da
contradição ou da obscuridade e o da integração quando omissa a decisão.
Ampliando-se tal visão, pode-se dizer atualmente que a integração também se
presta a tornar a decisão monocrática do relator em uma decisão colegiada,
preenchendo assim o “agravo regimental” todos os requisitos para ser classificado
como recurso.17
Ao se analisar o chamado “agravo regimental” percebemos a presença dos
principais princípios recursais: o recurso agravo vem expressamente previsto em
lei (taxatividade), é o único cabível de decisão monocrática do relator
(singularidade); o Supremo Tribunal Federal já vem recebendo esse recurso como
embargos de declaração (fungibilidade); haverá obrigatoriedade de
fundamentação (dialeticidade); é obrigatória a manifestação da parte interessada
(voluntariedade); uma vez protocolado o recurso não é permitido sua
complementação (complementariedade); e não há como o agravante piorar sua
situação no julgamento do recurso (proibição da reformatio in pejus).
Também sob o ângulo de análise dos requisitos de admissibilidade recursal
percebe-se a nítida natureza recursal do “agravo regimental”. 17 Importante lembrar a opinião de parte da doutrina que os embargos de declaração não tem natureza jurídica de recurso, ao menos quando não tem caráter modificativo ou infringentes da decisão. Por todos CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, A nova era do processo civil, São Paulo, Malheiros, 2003.
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É o recurso cabível da decisão monocrática em Tribunal, considerando-se que nas
hipóteses em que não há previsão específica em lei ou no regimento, é sempre
possível a utilização da regra geral do art. 496, CPC. Ou seja, se não existir
expressa previsão, ainda assim o recurso de agravo será o cabível para impugnar
a decisão monocrática do relator, bastando para tanto aplicar a regra geral acima
indicada.
O agravante deve também ter legitimidade para pedir a integração do julgamento,
na exata previsão do art. 499, CPC (parte, terceiro prejudicado e Ministério
Público). Ao se negar ao recurso sua natureza jurídica, qualquer sujeito, ainda que
não elencado no artigo supra mencionado, poderia pedir a integração do julgado.
Pense-se no assistente simples, que estaria nesse caso legitimado a requerer
junto ao colegiado sua manifestação, quando o assistido, titular do interesse em
jogo assim não procedeu, manifestando-se expressamente contrário a tal
integração. Ou ainda um terceiro com mero interesse econômico ou moral na
demanda em questão. Não nos parece que tal circunstância seja admissível.
Também quanto ao interesse recursal interessante questão pode ser levantada.
Ligado o interesse à sucumbência e utilidade do recurso (em termos de melhora
de situação do recorrente), seria possível admitir-se que o pedido de integração do
julgado seja elaborado por aquele que se beneficiou da decisão monocrática?
Certamente que se tratando de recurso inexistirá interesse ao beneficiado com a
decisão, mas ao se admitir tratar-se tão somente de um instrumento para que o
colegiado integre a decisão do relator, nenhum obstáculo poderia ser levantado, o
que nos parece um verdadeiro atentado ao princípio da economia processual.
A tempestividade é outro requisito que deve ser respeitado, sob pena de tumulto
indesejado no processo. O prazo é fixado ora em lei, ora nos regimentos internos,
sendo de cinco ou dez dias.
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Significa dizer que ultrapassado esse prazo ou a decisão transita em julgado
(como é o caso do julgamento monocrático do art. 531 e 557, CPC), ou ocorre
preclusão (art. 527,II, CPC), ou, ainda, a parte fica obrigada a aguardar o
julgamento colegiado (indeferimento de pedido de tutela de urgência no agravo,
liminar em MS ou cautelar e ainda tutela antecipada em ação rescisória). Nas
duas primeiras situações a não interposição do recurso acarreta a extinção do
processo, não havendo qualquer oportunidade para o pedido posterior de
integração do julgamento.18 Nesses casos, embora a competência para a análise
da questão não seja do relator, e sim do órgão colegiado, sua decisão, se não
impugnada no prazo previsto em lei, toma o lugar do acórdão que não existirá no
caso concreto, inexistindo qualquer integração da decisão monocrática.
Na terceira hipótese imaginada acima – onde em razão de expressa previsão legal
há campo para os regimentos internos preverem a forma procedimental do agravo
interno – transcorrido o prazo de cinco dias, as partes estarão impedidas de
pleitear a decisão colegiada, podendo se dizer que apesar da decisão monocrática
não levar a extinção do processo não mais será revista antes do julgamento
definitivo do recurso ou da ação de competência originária do Tribunal. Essa
impossibilidade de pedido da integração da decisão do relator é justificada
justamente no caráter recursal do “agravo regimental”.
Caso se entendesse de forma diferente, a qualquer momento poderia a parte pedir
essa integração, o que, a toda evidência, não pode ocorrer.
18 Assim já havia se manifestado JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, 11ª ed., vol V, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 664, ao se referir especificamente ao agravo interno previsto no art. 557, § 1º: “Se ele não for interposto, ocorrerá preclusão, e a decisão do relator produzirá todos os efeitos atribuídos por lei ao julgamento colegiado, cujo lugar ocupou – revestindo até, se versar matéria atinente ao mérito da causa, a autoridade da coisa julgada substancial, e podendo constituir, então, objeto de ação rescisória”.
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Também presente o pressuposto da regularidade formal, sendo a doutrina
unânime em afirmar que tal recurso deverá obrigatoriamente ser apresentado em
petição escrita, devidamente fundamentada com as razões do inconformismo, sem
a necessidade de recolhimento de preparo ou ainda formação de instrumento, já
que a petição de agravo não dá surgimento a novos autos, sendo juntada nos
próprios autos principais. Ainda que simples em suas exigências formais, a
inobservância de qualquer delas levará a rejeição liminar do agravo.
O mesmo se diga da necessidade de inexistência de fato extintivo ou impeditivo
do poder de recorrer, admitindo-se plenamente ao agravo interno regimental a
aplicação dos fenômenos da renúncia e desistência do recurso. Se o prejudicado
pela decisão monocrática, de forma expressa abrir mão do direito de pedir a
integração da decisão pelo colegiado, aplica-se tal pressuposto de admissibilidade
para impedi-lo de voltar atrás requerendo o pedido de integração, que em razão
da preclusão lógica não poderá mais ocorrer. O mesmo se verificada
aquiescência, ou seja, concordância da parte com a decisão, ou ainda a
desistência expressa do recurso já interposto.
Embora não enfrente todas as questões acima referidas, Flávio Cheim Jorge
defende a idéia de natureza recursal do agravo interno regimental, afirmando
primeiramente não ser sempre que a decisão monocrática em Tribunal deriva de
uma delegação do órgão colegiado. Cita como exemplo a decisão monocrática
proferida pelo presidente no incidente de suspensão de segurança. E conclui:
“Além disso, também revelam-se inegáveis todas as outras características
fundamentais dos recursos. Há a necessidade de manifestação da vontade da
parte em se insurgir contra a decisão (elemento volitivo), bem como a necessidade
de exposição das razões que levaram o recorrente a se insurgir contra a decisão
interlocutória (elemento de razão ou descritivo).
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O prazo assinalado para a sua interposição, seja na lei federal seja no regimento
interno, deve ser observado pelo recorrente sob pena de preclusão temporal.”19
Procurou-se nas linhas anteriores demonstrar que a obrigatoriedade de existência
de mecanismo para a integração de decisão monocrática não retira daqueles
meios previstos em lei ou nos regimentos internos a natureza recursal, ainda mais
se considerarmos que o instituto deve seguir as mesmas regras e princípios
referentes aos recursos. Problema interessante vai surgir em situações onde tanto
a lei como o regimento interno de determinado tribunal sejam omissos com
relação a recorribilidade de determinadas decisões monocráticas, ou ainda pior,
hipóteses em que o Regimento Interno expressamente vete a interposição de
qualquer recurso. Como encarar tal situação?
2.2 A necessária oportunidade por meio de recurso para impugnação de
decisão interlocutória proferida em Tribunal
Como visto acima, nem mesmo a iniciativa de inúmeros Tribunais espalhados pelo
país em cobrir as omissões procedimentais legais no que tange a recorribilidade
específica de determinadas decisões interlocutórias proferidas no Tribunal, foi
capaz de evitar que algumas situações restassem sem qualquer regulamentação
(nem pela lei nem pelo regimento interno). E o que é ainda grave, alguns
Tribunais, em atitude absolutamente inconstitucional, e sem qualquer preocupação
em preservar o princípio da ampla defesa das partes, passaram a proibir
expressamente, por seus regimentos internos, a impugnação de determinadas
decisões monocráticas.
19 Cfr. Teoria geral dos recursos cíveis, op. cit. pp. 195-196.
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A previsão legalmente estabelecida de decisões monocráticas do relator contradiz
a própria natureza das decisões em segundo grau e nos órgãos de superposição,
que tradicionalmente deveriam ser colegiadas. Essa, inclusive, sempre foi a
justificativa de inúmeros doutrinadores a defender o duplo grau de jurisdição,
partindo de uma premissa de que três ou mais cabeças pensam melhor que uma.
Por exigência de facilitação do andamento procedimental dos recursos em alguns
casos e em virtude da urgência da situação em outros, a lei passou a prever
inúmeras situações onde o relator pode proferir decisões monocráticas,
dispensando-se, pelo menos naquele momento, a decisão colegiada.
É importante frisar, como faz maciça doutrina, que nesses casos onde a lei
permite ao relator proferir decisão monocrática, não estamos diante de atribuição
de competência para a prática de tal ato ao juiz singular; competente é, e sempre
será, o órgão colegiado. O que ocorre é uma mera delegação de poder ao relator
fundada em razões de economia processual ou necessidade de decisão urgente,
mantendo-se com o órgão colegiado a competência para decidir20. Essa é a regra
básica de delegação; é mantida a competência de revisão do órgão que delegou a
determinado sujeito (no caso o relator) a função inicial de apreciação da matéria.
Assim, a previsão de agravo interno, tanto em lei como no regimento interno,
representa o meio adequado para a impugnação de uma decisão - buscando sua
integração – que não pode ser afastada da parte, sob pena de ilegal e
inconstitucional quebra do sistema de delegação de poderes do órgão colegiado
para o relator.
20 Nesse sentido EDUARDO TALAMINI, “Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno)”, op. cit., p. 180: “Isso não impede que a lei delegue a prática de certos atos a um dos integrantes do colegiado – em regra, o relator da causa. É justificável que seja assim, por razões de economia processual (v. g., CPC, arts. 531, 544 §§ 3º e 4º, e 557) e de efetividade da tutela (é o que ocorre nos casos de atribuição de efeito suspensivo ex art. 558 do CPC e em todas as demais hipóteses de tutela urgente.”.
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Quando o procedimento recursal vem expressamente previsto em norma (legal ou
regimental) não surge qualquer problema, mas na ausência dessa norma, é
necessário que se aplique de forma subsidiária o art. 557, § 1º, permitindo-se a
interposição de agravo interno legal, seguindo o recurso o mesmo procedimento
daquele previsto expressamente em lei.
Sendo da própria essência das decisões em sede de Tribunal o julgamento
colegiado, não haveria possibilidade de ser de outra forma. Absolutamente correta
a visão de Eduardo Talamini quando afirmar que “em qualquer caso, a atuação
isolada do integrante do tribunal submete-se a uma condicionante para que seja
compatível com a Constituição. Terá de existir – sob pena de inconstitucionalidade
– mecanismo que permita a conferência, por parte do órgão colegiado, do correto
desempenho da atividade delegada. As partes necessariamente terão de dispor
de um instrumento que lhes permita levar as decisões individuais do relator ao
órgão colegiado. Essa é a forma de verificar se o relator correspondeu, na prática
do ato que lhe foi delegado, ao pretendido pelo órgão colegiado.”21
E aqui vem a calhar a lúcida lição de José Horácio Cintra Gonçalves Pereira de
que nesses casos de omissão legislativa, deve-se aplicar por analogia (extensão)
a previsão do art. 557, § 1º, CPC, considerando que entendimento em sentido
contrário levaria à parte a busca de outros remédios jurídicos como mandado de
segurança, correição parcial ou ainda a reclamação, o que não se deve tolerar.
21 Cfr. “Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno)”, op. cit., p. 181. Assim se manifestou sobre o tema CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO, “O relator, a jurisprudência e os recursos”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, São Paulo, RT, 1999, p. 132: “Esse cuidado homenageia a garantia constitucional do devido processo legal, na medida em que põe limite ao poder do relator em julgamentos que em princípio pertencem aos órgãos colegiados; presta reverência também ao valor das garantias do juiz natural, porque os colegiados são o juiz natural dos recursos.”.
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O direito a decisão colegiada é inequívoco, e se fechada a porta do agravo interno
ao prejudicado, estaríamos a lhe enviar para outras medidas judiciais
incompatíveis com a situação.22
O mesmo ocorre quando o Regimento Interno do Tribunal, em casos em que a
decisão monocrática do relator é fruto de delegação de poder do colegiado,
impede expressamente o caminho recursal à parte prejudicada. Tais previsões
são absolutamente inconstitucionais, não podendo ser mantidas sob pena de
afronta as regras mais basilares de competência nos tribunais. Essas normas
proibitivas de forma evidente tentam atribuir ao relator uma competência que não
é dele, e sim do órgão colegiado, não se admitindo que uma mera delegação de
poderes se transforme, por previsão regimental, em competência definitiva para
solução da questão apresentada não ao relator, mas sim ao colegiado.23
Nesse caso nos parece plenamente aplicável entendimento aqui já desenvolvido
afirmando ser absolutamente inconstitucional a criação de regras processuais
pelos regimentos internos dos tribunais, limitando-se tais normas internas a,
quanto muito, prever procedimentos internos. Ora, atribuir competência ao relator
é claramente algo que somente a lei em tese poderia fazer, devido a natureza das
regras que tratam de competência ser indubitavelmente processual.
O mesmo ocorre no direito português, onde existe previsão expressa dando
possibilidade ao relator de decidir recursos de forma monocrática, mas há também
a previsão de instrumento para a confirmação por parte do colegiado. Trata-se do
art. 705, CPC: “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples,
22 Agravo no direito brasileiro, op. cit., p. 48. 23 Mais uma vez as precisas observações de EDUARDO TALAMINI, “Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (agravo interno), op. cit., p. 182, inclusive trazendo julgado do “Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional preceito do regimento interno do Tribunal de Justiça de Goiás que estabelecia como irrecorríveis determinadas decisões proferidas isoladamente por seus integrantes (Rep. 1299, RTJ 119/980. Tal posicionamento está expresso em outros julgados do Supremo: RTJ 83/240 e 121/373).
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designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e
reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária,
que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se
juntará a cópia”, e do art. 700, 3.: “Salvo o disposto no artigo 688º, quando a parte
se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero
expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o
relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.”
A doutrina portuguesa afirma acertadamente – apesar de ser impróprio ao nosso
ver se falar em “poder discricionário - que “pode reclamar-se para a conferência
dos despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, porque o poder,
neste caso, não é concedido ao relator, mas sim ao tribunal, pelo que o critério do
relator deve ser controlado pela conferência, órgão colectivo titular do poder”.24
No direito alemão a última e recentíssima reforma processual trouxe previsão
ampliativa do julgamento monocrático e da revisão pelo colegiado. Como nos
informa José Carlos Barbosa Moreira, “a reforma amplia a possibilidade de que
um dos membros do tribunal julgue a Berufung, em vez do colegiado, por decisão
deste. Pode isso acontecer em determinadas hipóteses, previstas no § 526, 1ª
alínea; por exemplo, quando a matéria não apresentar especiais dificuldades no
concernente aos fatos ou ao direito, ou quando a questão jurídica não tiver
significação fundamental.
Entretanto, o membro designado restituirá o caso à apreciação do colegiado, se a
situação do processo sofrer essencial modificação, de tal sorte que apareçam
24 Cfr. RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, Almedina, Coimbra, 1972, p. 313. No mesmo sentido WANDA FERRAZ DE BRITO, FERNANDO LUSO SOARES, DUARTE ROMEIRA DE MESQUITA, Código de Processo Civil anotado, 13ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 563. Para JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 82, “trata-se de medida destinada a assegurar a celeridade processual e que visa desincentivar a interposição de recursos com meros intuitos dilatórios”.
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dificuldades daquele tipo ou a questão adquira significação fundamental; assim
também quando as partes, de comum acordo, o requeiram (§ 526, 2ª alínea)”.25
Como se percebe, prestigiar a decisão monocrática do relator não é algo privativo
do direito brasileiro, podendo-se até mesmo falar que em respeito ao princípio da
economia processual essa seja uma tendência do direito processual moderno.
Isso não significa, entretanto, conforme demonstrado pelas lições retiradas do
direito português e alemão, que a competência para o julgamento em Tribunais
passou a ser de somente um julgador. Mantendo-se a regra tradicional de
competência nas mãos do órgão colegiado, qualquer vedação do acesso à parte a
manifestação tempestiva e eficaz do órgão competente deve ser amplamente
rechaçada.
3. AGRAVO INTERNO LEGAL EM ESPÉCIE
Conforme deixamos assentando anteriormente, nos parece que da decisão
monocrática do relator, quando atuando por delegação do órgão colegiado, caberá
sempre agravo interno. Pode estar previsto na lei, no regimento, ou ainda na
omissão de ambos se utilizará por analogia a previsão contida no art. 557, § 1º,
CPC.
Já tendo nos ocupado com o agravo interno regimental, passaremos no presente
capítulo a uma análise das situações de cabimento do agravo interno previstas
expressamente no Código de Processo Civil, ou seja, as hipóteses de cabimento
do agravo interno legal.
25 Cfr. “Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão”, in Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 383.
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3.1. Julgamento de conflito de competência (art. 120, § único)
Segundo o art. 115 do Código de Processo Civil existem três hipóteses de
cabimento da suscitação do conflito de competência: quando dois ou mais juízes
se declaram competentes (conflito positivo), quando dois ou mais juízes se
consideram incompetentes (conflito negativo), e quando entre dois ou mais juízes
surgir controvérsia acerca da reunião ou separação de processos. Não nos
interessa aqui discutir tal instituto a fundo, até mesmo sob pena de inevitável e
indesejável desvio do tema, centrando nossas atenções no art. 120, parágrafo
único, do mesmo diploma legal, acrescido com a Lei 9.756/98.
Tal disposição legal vem assim prevista: “Havendo jurisprudência dominante do
tribunal sobre a questão suscitada, o relator poderá decidir de plano o conflito de
competência, cabendo agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da intimação
da decisão às partes, para o órgão recursal competente”. Como se percebe
facilmente da leitura do dispositivo legal ora transcrito, ao mesmo tempo em que a
lei passou a permitir a decisão monocrática do relator como forma de delegação
de poder, também passou a prever o recurso adequado para que tal decisão fosse
revista pelo órgão competente, ou seja, o órgão colegiado.
O objetivo do legislador ao prever tal decisão monocrática foi o mesmo que o
norteou em todas as disposições que aumentam os poderes do juiz relator:
economia processual em busca da entrega de uma tutela jurisdicional mais eficaz
e em tempo menor. Como bem observado por Donaldo Armelin, “evidencia-se
dessa inovação o intuito do Legislador de acelerar a solução dos conflitos de
competência, assegurando ao órgão preparador dos órgãos colegiados dos
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Tribunais, a possibilidade de decidir o conflito com lastro em jurisprudência
dominante do próprio Tribunal”.26
É interessante notar que o legislador, afastando-se da opção feita na redação do
art. 557 do Código de Processo Civil, modificado inclusive por meio da mesma lei
– Lei 9.756/98 -, não tenha expressamente se referido a “súmula”, limitando-se a
afirmar que havendo “jurisprudência dominante” seria possível o julgamento de
forma monocrática pelo relator.27 Poder-se-ia até mesmo argumentar que a
súmula nada mais é do que a consolidação de um certo entendimento, sendo
obviamente, portanto, representativa da “jurisprudência dominante” do Tribunal.
Ainda que se concorde com tal argumentação, que de fato não tem nenhum vício
lógico mais sério, nos parece inadequado que para situações análogas o
legislador dispense diferente tratamento.
Dentro dessa visão seria o caso ou de omitir o termo “súmula” do art. 557, ou
incluir tal termo na redação do art. 120, parágrafo único, ambos do Código de
Processo Civil, também como requisito para julgamento do conflito de
competência de forma monocrática. São, claro, sugestões de lege ferenda, nos
parecendo que entre as duas citadas melhor seria o legislador acolher a segunda,
interpretação essa, inclusive, que mesmo à falta de texto legal deve ser aplicada já
nos dias atuais.
3.2 Conversão do agravo de instrumento em agravo retido
Muitos creditam aos recursos grande carga de responsabilidade pela excessiva
morosidade processual. E dentre eles a culpa quase invariavelmente é colocada
“nos ombros” do recurso de agravo de instrumento, que apesar de não ter como 26 Cfr. “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98”, op. cit., p. 1999. 27 Tal “timidez” do legislador já havia sido percebida por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “O relator, a jurisprudência e os recursos”, op. cit., pp. 132-133.
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regra seu recebimento no efeito suspensivo, emperra o trabalho dos Tribunais em
razão de ser distribuído in continenti e assim “furar a fila” dos recursos de
apelação que esperam distribuição. Os Tribunais passam a ter dificuldade em
julgar as apelações em razão dessa preferência – legal, já que estabelecida no
próprio Código de Processo Civil – ocasionando inaceitável retardamento na
solução da demanda em segundo grau de jurisdição. Sendo o recurso de agravo
de instrumento distribuído imediatamente após a distribuição, e havendo prazo de
trinta dias para o seu julgamento, a conclusão que se tira é que quanto mais
agravos de instrumento receber o relator menos apelações ele irá analisar; e como
conseqüência, mais tempo levará tal recurso para ser julgado, chegando-se em
alguns estados da federação a um verdadeiro colapso da Justiça de Segundo
Grau.
É inegável que o problema encontra hoje no Estado de São Paulo sua maior
expressão, com um lapso temporal de até seis anos para o julgamento de uma
apelação. É claro que não é possível utilizar tal colapso - ou seria verdadeira
paralisação? – como argumento acadêmico para embasar qualquer conclusão,
ainda mais que em outros Estados da Federação não se tem notícia de que a
situação seja tão calamitosa. De qualquer forma, é inegável que o aumento no
número de agravos de instrumento é fator de aumento do lapso temporal para o
julgamento julgamentos de apelações, levando conseqüentemente a uma maior
demora na entrega definitiva da prestação jurisdicional.
Consagrada a cultura de agravar, passou o legislador a imaginar formas de conter
o número excessivo de agravos de instrumento, na vã tentativa de liberar a pauta
dos juízes de segundo grau para o julgamento de apelações. Uma das novidades
do legislador é fruto da última onda reformista do estatuto processual, mais
precisamente a Lei 10.352/01.
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O art. 527 do Código de Processo Civil, que trata das diferentes posturas que o
juiz relator pode adotar quando recebe o agravo de instrumento, disciplina em seu
inciso II: “poderá converter o agravo de instrumento em retido, salvo se tratar de
provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil
reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão
apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado
competente”. A possibilidade de conversão do agravo de instrumento em agravo
retido é uma das formas encontradas pelo legislador de evitar – ou ao menos
amenizar – o travamento dos trabalhos em segundo grau de jurisdição.
É interessante notar que essa nova norma legal passou a estabelecer como regra
a conversão, somente julgando-se o recurso em sua forma de instrumento em dois
casos bem específicos: tutela de urgência e prejuízo grave. Passamos a ter uma
situação inusitada, em que embora a lei continue admitindo a utilização ampla do
agravo de instrumento, o mesmo somente será julgado dessa forma em duas
situações específicas. Não se trata, certamente, de novo requisito de
admissibilidade, já que o agravo de instrumento continua sendo cabível para a
grande maioria das situações (a obrigatoriedade de interposição de agravo retido
está prevista única e exclusivamente no art. 523, § 4º, CPC). Embora cabível,
entretanto, poderá não ser julgado em seu mérito em razão de sua conversão em
agravo retido.
Parcela da doutrina que se deteve sobre o assunto chegou a afirmar que a
novidade legislativa modificava o pressuposto de admissibilidade “interesse de
recorrer”, entendo que à partir da nova redação do dispositivo legal a parte que
optar por agravar de instrumento da decisão deverá comprovar que não pode
suportar os efeitos da decisão impugnada até o final da demanda, necessitando
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peremptoriamente de uma decisão imediata.28 A tese é de fato simpática, embora
criticável, por incompleta. A falta de preenchimento de requisito de
admissibilidade, qualquer que seja ele, leva ao não conhecimento do recurso,
sendo apenas possível no caso da fungibilidade que mesmo descumprido o
requisito do cabimento o recurso ainda assim seja conhecido.
O que se pretende demonstrar é que o art. 527, II, do Código de Processo Civil, ao
permitir a conversão do agravo de instrumento em agravo retido, não criou um
novo requisito de admissibilidade como tradicionalmente o direito conhece, mas
sim um “pseudo-requisito”, que uma vez não preenchido não acarreta o não
conhecimento do recurso, e sim sua conversão. Podemos dizer que a lei criou
algo entre o requisito de admissibilidade vero e próprio e o mérito, algo
absolutamente ímpar em nosso ordenamento jurídico. Não demonstrada a
urgência ou o perigo de dano, o mérito do recurso continuará a ser – ainda que
eventualmente – analisado pelo Tribunal, só que em momento posterior. Não há
julgamento que deixa de conhecer o recurso, somente postergando a análise de
seu mérito para momento posterior.
E tudo isso em decorrência de ser o recurso um só; agravo, modificando-se tão
somente a forma de interposição que pode ser retida ou de instrumento. Assim,
cria-se interessante requisito de admissibilidade sobre a forma de interposição do
recurso, e não propriamente sobre o recurso em si. Demonstrada pela parte
recorrente a urgência ou o perigo de dano de difícil reparação em razão da
conversão, preenchido estará esse novo requisito para a manutenção da forma
escolhida pelo recorrente, e não para o julgamento do mérito do recurso, que
28 FLÁVIO CHEIM JORGE, A nova reforma processual, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 174: “Isto é, deverá demonstrar que precisa de uma pronta prestação da tutela jurisdicional, de modo que, caso a decisão agravada não seja revertida no agravo de instrumento, não haverá mais interesse de sua parte, na revisão posterior. Essa falta de interesse na revisão posterior é oriunda, como regra, da própria consumação dos efeitos prejudiciais da decisão que impede que o recorrente aguarde o resultado final da causa”.
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mesmo quando ocorre a conversão ainda poderá ser analisado. Não se extingue o
recurso, apenas se modifica sua forma de processamento e julgamento.29
Nesse momento nos cumpre uma análise do art. 523, § 4º, do Código de Processo
Civil, onde se encontra a previsão de obrigatoriedade na interposição de agravo
retido. Poder-se-ia imaginar que nesses casos de obrigatoriedade de agravo
retido, o recurso de agravo de instrumento não seria nem ao menos cabível, e na
sua eventual interposição somente por meio da fungibilidade – no mínimo
discutível – poderia ser o recurso julgado em seu mérito. Nesse caso, o recurso
não seria conhecido pela ausência do requisito do cabimento. Não haveria
julgamento de seu mérito, nem naquele momento e nem em momento posterior,
diferindo por essa razão de forma substancial da hipótese traçada pelo art. 527, II,
do mesmo diploma legal.
Ocorre, entretanto, que uma das exceções trazidas pelo próprio art. 523, § 4º,
CPC, é justamente a possibilidade de dispensa pela parte - sempre que acreditar
que a não interposição do agravo em sua forma de instrumento acarrete um
prejuízo irreparável ou de difícil reparação – da obrigatoriedade de interposição do
recurso em sua forma retida. Ou seja, ainda que como regra geral haja
obrigatoriedade de interposição de agravo retido, o elemento perigo de dano
permitiria à parte o ingresso do agravo de instrumento.
Diante de tal circunstância, sempre que a parte ingresse com agravo de
instrumento, qualquer que seja a decisão impugnada, fundamentando a escolha
29 Como bem lembrado por MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE, “A atual dimensão do agravo retido e as conseqüências no agravo de instrumento”, in Revisa Dialética de Direito Processual Civil, vol. 5, pp. 83/84, o agravo retido “nada mais é do que a substituição do momento de apreciação do agravo de instrumento, diferindo seu julgamento num rígido sistema condicional (...)”. Parece ser esse também o entendimento de WILLIAM SANTOS FERREIRA, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, op. cit., p. 111, que afirma não ser erro do agravante a opção pelo agravo de instrumento quando não ocorre efetivamente perigo, não se podendo falar em requisito de admissibilidade”.
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daquela forma procedimental do recurso em razão de perigo de grave dano, o
recurso será sempre cabível (ao menos a parte acredita estar ingressando com o
recurso cabível). Caso o relator não veja tal perigo, não deve deixar de conhecer o
recurso, e sim converte-lo para a forma retida. A única possibilidade de não
conhecimento do agravo de instrumento por incabível é quando, nos casos de
obrigatoriedade do agravo retido, o recorrente ingressa com agravo de
instrumento e não fundamenta seu recurso no perigo de sofrer grave dano se o
recurso não for julgado imediatamente pelo Tribunal. Sem tal fundamentação, nos
parece ser caso de negativa de recebimento por inadequação do recurso.
Em síntese conclusiva, nos parece que tal norma jurídica tem grande função
educadora, já que pretende por meio da reiteração de conversões que as partes
tão somente ingressem no futuro com agravo de instrumento em caso de urgência
ou se a não interposição de recurso sob essa forma lhe acarretar um grave
prejuízo.
É possível crer que diante de uma postura ativa dos relatores, limitando de fato a
manutenção da forma de instrumento somente para esses casos, os patronos se
vejam desestimulados em médio prazo a ingressar com recurso que já sabem de
antemão que terá sua forma de processamento convertida, sendo-lhe, portanto,
trabalho inútil agravar de instrumento. Quem sabe nessa atmosfera o objetivo
maior do legislador de diminuir o número de agravos de instrumento seja
finalmente alcançado.30
30 Para ARRUDA ALVIM, “Mutações verificadas com a lei 10.352/01”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 6, São Paulo, RT, 2002, p. 94, seria preferível que o legislador voltasse ao sistema de 1939, com expressa e específica menção aos casos onde seria cabível o agravo de instrumento. Para o doutrinador “essa previsibilidade, enumerando os casos em que, sem dúvida, não tem cabimento o agravo de instrumento, facilitaria, de lado a lado, a previsibilidade das partes (dos seus advogados) em relação à não admissibilidade do recurso, como agravo de instrumento”.
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3.2.1. Requisitos para julgamento do agravo sob a forma de instrumento
Já firmamos posição no sentido de que atualmente a regra geral é a conversão do
agravo de instrumento em agravo retido, somente não ocorrendo tal conversão
quando presentes os requisitos previstos pelo dispositivo legal em comento. Como
bem lembrado por Ricardo de Carvalho Aprigliano, a nova disposição “inclui
expressões de natureza indeterminada, que necessariamente exigem a
complementação interpretativa do magistrado”31. Sendo inegável o conteúdo
aberto de tal norma, cabe a doutrina fixar-lhe certo limite, dentro do qual os
julgadores deverão se pautar quando analisar a questão, sob pena de decisões
contraditórias para situações senão idênticas, muito parecidas.
É importante, desde já, expor nossa absoluta discordância com os doutrinadores
que defendem a redação do artigo legal no que tange a palavra “pode”, afirmando
que a norma deve ser interpretada literalmente, permitindo assim que o relator,
mesmo que não presentes os requisitos previstos em lei, deixe de converter o
agravo de instrumento em agravo retido e vice-versa. Para essa parcela da
doutrina existe verdadeira faculdade do juiz na conversão, e se por algum motivo
envolvendo o caso concreto o mesmo se convencer que não é caso de conversão,
deverá manter o recurso sob sua forma de instrumento.
Nesse sentido as lições de José Carlos Barbosa Moreira, para quem a norma
concede ao relator margem de flexibilidade na apuração dos motivos que levam a
conversão32. Parece caminhar no mesmo sentido Cândido Rangel Dinamarco,
para quem o legislador deixou ao prudente arbítrio do próprio relator entre ditar
uma medida urgente ou mandar que o agravante espere33, Arruda Alvim, para
quem em casos duvidosos em relação à presença de urgência deve-se manter o
31 Cfr. Nova reforma processual civil, 2ª ed., São Paulo, Método, 2002, p. 285. 32 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, op. cit., p. 509. 33 Reforma da Reforma, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 191.
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recurso em sua forma de instrumento34 e Flávio Cheim Jorge, que defende uma
certa margem de liberdade para o relator determinar a conversão do agravo de
instrumento em retido.35
Percebe-se em alguns doutrinadores a defesa de algo que bem se poderia chamar
“in dubio pro agravo de instrumento”, ou seja, quando o juiz está em dúvida e
como não pode declarar o non liquet, deverá manter a forma de instrumento do
recurso. O entendimento é defensável, levando-se em conta que se o juiz não
estiver totalmente convencido do preenchimento dos requisitos que determinam a
conversão, deverá manter o agravo na forma pela qual interposto. O que não se
pode concordar é com uma eventual liberdade do juiz para decidir da forma que
melhor lhe aprouver, a par do preenchimento ou não dos requisitos. Essa
insuspeita discricionariedade jurisdicional é que não deve ser admitida.
Nossa crítica parte da premissa de que não existe discricionariedade judicial, de
forma a ser absolutamente impossível deixar a cargo da vontade íntima do juiz a
solução de converter ou não o agravo de instrumento em retido. O juiz na verdade
não tem qualquer opção; se preenchidos os requisitos ele estará obrigado a julgar
o recurso sob sua forma de instrumento, e no caso do não preenchimento estará
ele obrigado a converte-lo em agravo retido. A justificativa é das mais basilares:
evitar decisões contraditórias diante de situações idênticas ou ao menos muito
parecidas.
O juiz não é legislador, e sim um aplicador da lei. Interpretando-a no caso
concreto, ainda mais em normas abertas como a presente, deverá seguir a
vontade do legislador, que certamente será sempre uma só. Não há duas formas
corretas de se interpretar e aplicar uma norma, não sendo, portanto, legítimo o
caminho escolhido pelo juiz quando em descompasso com a finalidade dessa 34 “Mutações verificadas com a Lei 10.352/01”, op. cit. , p. 94. 35 A nova reforma processual, op. cit., p. 178.
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norma. No caso em tela, nos parece claro que o legislador optou por uma norma
de caráter genérico, como, inclusive, já havia feito em outros dispositivos do
Código (os requisitos para a concessão da tutela antecipada são um bom
exemplo), o que, entretanto, não deixa margem para “escolhas” do juiz.
Nesse sentido a precisa manifestação de José Miguel Garcia Medina de que “o
fato de o dispositivo legal em análise conter conceitos vagos e indeterminados não
significa que estão sendo dadas, ao relator, duas opções de igual valor – converter
ou não o agravo de instrumento em retido – como se ambas fossem corretas,
perante a lei. Diante de conceitos vagos, naturalmente deverá o julgador proceder
à sua interpretação, atentando às necessidades do caso concreto.”36
Assim, a única forma possível de se interpretar o dispositivo legal é entender que
o termo “pode” utilizado pelo legislador não pode ser interpretado literalmente,
sendo melhor entender “deve”, sem qualquer campo para liberdades, arbítrio ou
faculdade do juiz.37
Passemos a análise dos requisitos exigidos para o julgamento do recurso ser
realizado sob a forma escolhida pelo recorrente. O primeiro requisito impeditivo de
conversão da forma do agravo vem assim previsto: “quando se tratar de provisão
jurisdicional de urgência”. Não nos parece que daí surjam grandes problemas de
36 Cfr. “A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela Lei 10. 352/01, e outras questões”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 6, op. cit., p. 356. No mesmo sentido as lições de WILLIAM SANTOS FERREIRA, Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil, op. cit., p. 121. 37 No mesmo sentido MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE, “A atual dimensão do agravo retido e as conseqüências no agravo de instrumento”, op. cit. p. 89. Ainda JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, “A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela Lei 10. 352/01, e outras questões”, op. cit., p. 356. Tratando do art. 461, § 4º, CPC, mas em lição totalmente aplicável ao caso em análise EDUARDO TALAMINI, Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer, 3ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 241: “A norma, quando prevê que o juiz “pode” fazer algo, está conferindo-lhe instrumento que deverá ser utilizado sempre que necessário para o adequado desempenho das tarefas que a função jurisdicional lhe impõe”.
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interpretação, já que a própria lógica do pedido de tutela de urgência em primeiro
grau envolve a necessidade de decisão imediata, não sendo compatível com o
trâmite procedimental do agravo retido. De fato seria uma incongruência muito
grande exigir que do indeferimento/deferimento de um pedido liminar ou de uma
tutela antecipada, a parte prejudicada estivesse obrigada a ingressar com o
agravo retido.
No caso de deferimento do pedido, mudanças fáticas se operarão imediatamente
buscando a satisfação fática do direito do autor, de forma que a única forma do
réu evitar que tais efeitos sejam gerados é a interposição do agravo de
instrumento. Ainda mais clara a situação quando o pedido em primeiro grau é
indeferido, considerando-se que nesse caso a fundamentação para tanto foi
justamente a impossibilidade de aguardar-se até o final da demanda para a
obtenção fática do bem da vida.
O que é preciso ser registrado com a necessária ênfase é que como todas
espécies de tutela de urgência analisadas em decisão interlocutória deve ser
confirmada na sentença final, de nada adiantaria nesse caso a interposição de
agravo retido, inútil diante da prolação da decisão definitiva. Assim, converter o
agravo de instrumento em retido nesse caso seria converter recurso útil e
necessário em recurso inútil e desnecessário, constituindo certamente uma
incompatibilidade lógica que o sistema corretamente procurou evitar.
Das conclusões atingidas até esse momento emerge interessante questão: é
possível afirmar que nesse caso, enquanto vetado ao relator a conversão em
agravo retido, passa a ser obrigatório ao agravante o pedido de tutela de urgência,
seja em seu caráter impeditivo/negativo (efeito suspensivo), seja em seu efeito
ativo/positivo (tutela antecipada)? A idéia seria de que como a tutela de urgência
foi o objeto da decisão em primeiro grau, também em segundo grau, como
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condicionante da utilidade do recurso (requisitos de admissibilidade do interesse
de recorrer), o agravante estaria obrigado a realizar pedido nos termos do art. 527,
III, do Código de Processo Civil?. Não nos parece que tal idéia mereça ser
acolhida.
O que deve ser levado em conta no caso concreto é justamente o grau de
urgência que a parte tem para a concessão da tutela jurisdicional, que certamente
pode variar quando tomado como perspectiva a solução final de uma demanda e o
julgamento final de um recurso de agravo de instrumento. Impossível negar-se a
existência de graus de urgência, quando então o lapso temporal de espera se
torna determinante para que o juiz verifique no caso concreto se o pedido de tutela
de urgência em segundo grau é obrigatório diante do requisito de admissibilidade
do recurso. Tudo dependerá da análise do caso concreto, devendo soluções
genéricas tomadas a priori serem afastadas.38
Assim, se a tutela de urgência em primeiro grau tinha como objetivo a satisfação
fática de alguma pretensão que não pode esperar o resultado final e definitivo da
demanda, é perfeitamente possível que possa esperar o tempo de julgamento do
recurso de agravo de instrumento. Imagine-se um pedido de retirada de nome dos
órgãos de proteção ao crédito (SPC/SERASA), feito em sede de tutela antecipada
em demanda onde o autor discute a legitimidade de uma dívida perante uma
instituição financeira.
38 Nesse sentido JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA. “Juízo de admissibilidade e juízo de mérito na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as leis 9.756/98 e 9.800/99”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, op. cit, p. 357. Em sentido contrário FREDIE DIDIER JR. “Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais), in Revista Dialética de Processo Civil, nº 4, p. 56: “Sabe-se que ao agravo de instrumento poderá ser atribuído efeito suspensivo (art. 558 do CPC), exatamente quando houver risco de lesão grave e de difícil reparação. Se o relator não vislumbrar presente essa circunstância, estará dizendo, ipso facto, que não é caso de agravo de instrumento, salvo se entender que existe o “perigão” (apto a determinar o efeito suspensivo) e o “periguinho” (elemento do tipo para o simples cabimento do agravo de instrumento). Negar o efeito suspensivo (em razão da falta de perigo) e não converter o agravo de instrumento em agravo retido é postura, a princípio, contraditória.”
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Nesse caso, embora seja argumentável que a manutenção de seu nome junto a
esses cadastros durante todo o trâmite processual – que bem pode durar mais de
uma década - possa lhe ocasionar um grave dano, (é óbvio que também deverá
comprovar a verossimilhança de sua alegação por meio de prova inequívoca), o
mesmo não ocorre com o lapso temporal do trâmite do agravo de instrumento, que
dificilmente supera, ainda em Estados em verdadeiro colapso como São Paulo,
seis meses.
Por outro lado, imagine-se que numa ação que pretenda obrigar uma empresa a
não despejar resíduos químicos em um lixão, e o autor peça e não obtenha a
tutela de urgência em primeiro grau. Se dos autos perceber o relator que o
despejo dos resíduos que se pretende obstar se dará em prazo manifestamente
inferior àquele que o julgamento do agravo demandará, nos parece que o pedido
de tutela antecipada no agravo de instrumento é requisito de admissibilidade para
o julgamento do mesmo. Do que adiantaria toda a instrução do agravo se perceber
o relator que no momento em que julgar o recurso no mérito sua decisão será
inútil? Nesse caso, sem dúvida, é necessário o pedido de tutela de urgência no
recurso.
Passemos a análise do segundo requisito proibitivo da conversão previsto pelo art.
527, II, do Código de Processo Civil, que vem assim redigido: “houver perigo de
lesão grave e de difícil ou incerta reparação”. Afastando-se dos casos de tutelas
de urgência – onde é evidente que a não interposição de agravo de instrumento
acarretará dano grave ao recorrente – o legislador prevê genericamente a situação
em que o agravo de instrumento deve ser julgado sob essa forma, considerando
que a eventual conversão desse recurso em agravo retido poderia gerar a parte
um grave prejuízo de difícil ou incerta reparação.
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Nos parece que tal requisito deva ser interpretado da forma mais ampla possível,
sob pena de cometimento de graves injustiças às partes. Os requisitos de difícil ou
incerta reparação, por exemplo, devem ser interpretados como requisitos
alternativos, bastando para o preenchimento do requisito legal a verificação de um
deles. Ainda na proposta de interpretação abrangente, certamente não é
necessária a efetiva ocorrência do dano, bastando para o preenchimento do
requisito o risco sério de ocorrência de um dano de significativa gravidade.39
É interessante notar que a lesão grave mencionada pelo artigo de lei comentado
pode se dar tanto no aspecto material como processual. O dano que se pretende
evitar com o julgamento do agravo em sua forma de instrumento pode ser tanto
referente ao direito material da parte, ou seja, os efeitos que seriam gerados fora
do processo pela decisão impugnada, como também a um dano exclusivamente
processual, sem qualquer reflexo no mundo dos fatos exteriores ao processo.
O dano processual se verificará em decisões que, se impugnadas
obrigatoriamente por agravo retido - que somente será analisado quando os autos
chegarem ao Tribunal em virtude do ingresso da apelação -, possam em razão do
largo lapso temporal entre o ingresso e julgamento do recurso, acarretar a
nulidade de grande parte do processo, com desperdício de tempo e de dinheiro
para as partes e para o próprio Poder Judiciário.
Em razão do objeto essencialmente processual dessa decisão, nenhum dano terá
sido produzido fora do processo, no mundo dos fatos, mas a mera perspectiva de
se inutilizar todo o processo – ou grande parte dele - em razão do não
enfrentamento imediato da questão pelo Tribunal é razão suficiente para
comprovar o fundado risco de dano de difícil ou incerta reparação.
39 Nesse sentido CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO, A Reforma da Reforma, op. cit., p. 171 e RICARDO CARVALHO APRIGLIANO, Nova reforma processual civil, op. cit., p. 283.
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O exemplo clássico que vem sendo trazido pela doutrina que já teve oportunidade
de se manifestar sobre o tema é a decisão de exceção de incompetência relativa.
Seria incongruente fechar ao vencido nessa exceção a porta do agravo de
instrumento, considerando-se que o reconhecimento da incompetência em sede
de julgamento de agravo retido acarretaria a nulidade de todos os atos
processuais decisórios praticados pelo juiz incompetente, com manifesta agressão
ao princípio da economia processual.40 Seria inegavelmente um desperdício de
tempo e de dinheiro se tal circunstância se verificasse no caso concreto.
Também no processo de execução encontra-se especialidade interessante que
deve ser enfrentada, no tocante a aplicação do dispositivo ora enfrentado. Como
sabido, embora o processo de execução inegavelmente tenha mérito, ele somente
será julgado em sede de embargos à execução, processo de iniciativa do
executado e com natureza de processo de conhecimento incidental ao processo
de execução. Afastadas as verdadeiras aberrações cometidas na praxe forense no
trato da impropriamente chamada “exceção de pré-executividade”, a sentença que
extingue a execução é meramente homologatória da extinção dos trâmites
processuais, nada decidindo, conforme se deduz da previsão conjunta dos arts.
794 e 795, do Código de Processo Civil. A natureza meramente declaratória de tal
sentença faz com que em regra não exista qualquer interesse recursal a qualquer
das partes. Justamente em virtude dessa circunstância que a aplicação da norma
comentada ao processo de execução poderá gerar graves prejuízos, sendo
bastante atípico o ingresso de apelação e por consequência bastante raro o
acesso de um agravo retido ao Tribunal.
40 Assim JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA. “Juízo de admissibilidade e juízo de mérito na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as leis 9.756/98 e 9.800/99”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, op. cit, p. 354, inclusive citando, mutatis mutandis, posição jurisprudencial do STJ de que se deve dar julgamento imediato ao recurso especial retido (art. 542, § 3º, CPC) nos casos em que a retenção possa ocasionar à parte dano material ou processual. GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA, “As alterações impostas ao recurso de agravo pela Lei 10.352/01”, Revista de Processo 107, São Paulo, RT, 2002, p. 153 traz outros exemplos, como as decisões proferidas em ações executiva lato sensu, decretação de falência, indeferimento de provas imprescindíveis.
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Notando-se com a devida clareza que não haverá o instrumento de transporte ao
agravo retido (apelação) em razão da própria natureza e objeto da sentença
prevista no art. 745 do Código de Processo Civil, torna-se inviável proibir-se à
parte agravar de instrumento em decisões proferidas no curso do processo
executivo. Seria algo como fazer uma falsa promessa de acesso da parte ao
segundo grau de jurisdição, em virtude da anomalia que é a interposição de
apelação nesse processo.
É lícito concluir, portanto, que imaginada para ser aplicada ao processo de
conhecimento, a norma analisada não encontra aplicação no processo de
execução.41
3.3. Juízo de admissibilidade dos embargos infringentes. Decisão que nega
conhecimento ao recurso (art. 532, CPC)
O artigo 531 do Código de Processo Civil determina que o juiz relator do acórdão
impugnado por meio de embargos infringentes será o competente para a análise
de seus pressupostos de admissibilidade.
Assim, interposto o recurso de embargos infringentes o relator do acórdão
impugnado, após ouvir a parte contrária no prazo de 15 dias, determinará se o
recurso seguirá em seu caminho normal rumo ao julgamento de mérito ou deixará
de ser conhecido em razão de ausência de um dos requisitos de admissibilidade.
É importante lembrar que além dos requisitos de admissibilidade genéricos -
necessários a todos os recursos - no caso dos embargos infringentes também é
necessário o preenchimento de requisitos específicos, que segundo as preciosas 41 No sentido do texto RICARDO CARVALHO APRIGLIANO, Nova reforma processual civil, op. cit., p. 283 e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA. “Juízo de admissibilidade e juízo de mérito na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as leis 9.756/98 e 9.800/99”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, op. cit, p. 355.
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lições de Barbosa Moreira são representados pelo “requisito da co-extensão entre
o que pleiteia o embargante e o plus que lhe concedera o voto vencido, pois só na
medida deste, consoante se expôs, são admissíveis os embargos”.42
Registre-se que em nosso entender os requisitos previstos no art. 530 do Código
de Processo Civil, que em sua nova redação limita ainda mais as hipóteses de
cabimento de tal recurso, não são requisitos específicos, já que analisados dentro
do requisito de cabimento. Assim, exige-se que o acórdão proferido por votação
não unânime reforme a sentença na apelação ou julgue procedente a ação
rescisória para que seja cabível o recurso.
Dessa análise inicial pode resultar a extinção prematura do recurso, sempre que o
relator acreditar ter sido descumprido um dos requisitos de admissibilidade. Contra
essa decisão, segundo previsão do art. 532, do Código de Processo Civil, caberá
o agravo interno no prazo de cinco dias, endereçado ao juiz prolator da decisão
impugnada e dirigido ao colegiado. O objeto de tal recurso está limitado a
demonstração da inocorrência da causa que levou ao não conhecimento do
recurso, sendo absolutamente impróprio – e mesmo desnecessário e inútil – o
agravante invadir o mérito dos embargos infringentes.43
42 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 536. Para NELSON NERY JR., “Aspectos da reforma do Código de Processo Civil”, in Repro 79, p. 127, o requisito de admissibilidade específico “se consubstancia no pedido do embargante de que prevaleça o voto vencido. Caso o embargante pretenda outra coisa que não a prevalência do voto vencido, não é de ser deferido o processamento dos embargos”. MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 7, São Paulo, RT, 2001, p. 282, também realça a importância do pedido nos embargos infringentes, afirmando “ser fundamental que a petição dos embargos infringentes contenha o pedido de nova decisão, sob pena de não conhecimento.”. 43 Nesse sentido JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 537: “Embora a lei não o dia expressamente, a petição deve dirigir-se ao relator do acórdão embargado, que indeferiu os embargos. O recurso tem por exclusiva finalidade a reforma da decisão de indeferimento, de modo que versará apenas sobre a admissibilidade (não sobre o mérito) dos embargos. O que ao recorrente incumbe tentar demonstrar é a inexistência da(s) causa(s) de inadmissibilidade que o relator supôs ter encontrado; é extemporâneo qualquer alegação relativa à matéria discutida nos embargos.”
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Acreditamos que o relator que já negou o seguimento do recurso por decisão
monocrática não tenha competência para solitariamente analisar os requisitos de
admissibilidade desse agravo interno, sob pena de travar o acesso do recorrente a
uma decisão colegiada. Nesse caso, é absolutamente inadequada a postura do
juiz relator que deixa de receber o agravo interno interposto contra sua própria
decisão. Uma vez proferida nossa decisão monocrática negativa, a parte
recorrente ingressará com novo agravo interno – agora regimental, pois não
previsto expressamente em lei – o que tornaria o processo numa incômoda e
inadequada sucessão de agravos internos contra decisões monocráticas do
mesmo juiz.
Em razão dessa incompatibilidade em se admitir que o mesmo juiz que já não
conheceu por decisão monocrática os embargos infringentes faça o mesmo com o
agravo interno, concordamos de forma integral com o pensamento de José Carlos
Barbosa Moreira, para quem “o recurso contra a decisão do relator não comporta,
por sua vez, indeferimento. Ao relator, que se recusou a admitir os embargos, não
é dado subtrair ao órgão competente para julga-los o controle daquele seu ato. Se
o relator porventura denegar o recurso, o interessado poderá valer-se do remédio
previsto no regimento interno.”44 Esse entendimento, inclusive, é aplicável não
somente para esse hipótese de agravo interno, mas para todos os outros que o
presente trabalho enfrenta, levando-se em conta que em todos eles uma extinção
prematura de tal recurso pelo próprio juiz que tem sua decisão impugnada por ele
acarretaria inadequada barreira ao acesso da parte ao Tribunal.
Visto que no caso de decisão negativa do relator quanto ao juízo de
admissibilidade caberá o agravo interno previsto no art. 532 do Código de
Processo Civil, interessante questão se coloca quando a decisão é positiva, ou
44 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 537. Com o mesmo entendimento MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 284 e LUIZ ORIONE NETO, Recursos cíveis, op. cit., p. 476.
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seja, quando o relator do acórdão impugnado recebe os embargos infringentes e
determina seu regular processamento. Segundo previsão legal, deverá ser
nomeado outro relator para os embargos infringentes, sendo sempre que possível
juiz que não tenha participado do julgamento da apelação ou da ação rescisória.
Ao receber os embargos infringentes, pode esse novo relator deixar de conhecer
de forma monocrática o recurso, acreditando presente vício que tenha passado
desapercebido por seu colega relator do acórdão impugnado? Não nos resta
qualquer dúvida que a resposta deva ser dada de forma positiva.
Tanto o relator do acórdão impugnado, quanto o relator dos embargos
infringentes, atuam de forma delegada em nome do colegiado, significando que
exercem função de forma monocrática em nome do colegiado, sendo que sempre
que assim desejado pela parte, tal decisão será analisada pelo órgão que delegou
tal poder ao juiz monocrático. Assim, do início do procedimento dos embargos
infringentes até o julgamento definitivo pelo órgão colegiado, a atuação de
qualquer juiz pertencente a tal órgão de forma monocrática será realizada por
delegação, podendo ser posteriormente revista pelo órgão competente para o
julgamento final.
Na situação apresentada a questão torna-se interessante porque no mais das
vezes essa integração da decisão monocrática se dá sempre pelo órgão
colegiado, já que entre ele (ponto final do julgamento) e a decisão do relator
(ponto inicial do julgamento) não há a interferência de mais ninguém. No caso dos
embargos infringentes, entretanto, entre o ponto inicial – exercido pelo relator do
acórdão impugnado – e o ponto final – exercido pelo colegiado – há a atuação de
mais um agente, o relator dos próprios embargos infringentes (poder-se-ia dizer
ponto médio).
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Tratando-se de matérias de ordem pública, não ocorre preclusão judicial –
incorretamente chamada pela doutrina nacional de preclusão pro iudicato45 -
sendo plenamente admissível que os requisitos de admissibilidade sejam revistos
pelo próprio juiz ou pelo órgão responsável pelo julgamento do recurso. Tal
aspecto de provisoriedade de todo e qualquer análise sobre os requisitos de
admissibilidade do recurso permitem a conclusão de que o juiz relator dos
embargos infringentes, ainda como agente com poder delegado do órgão
colegiado poderá perfeitamente deixar de conhecer o recurso, não se encontrando
em absoluto vinculado com a decisão positiva anteriormente proferida. Em nosso
sentir, é a mera aplicação do art. 557 do Código de Processo Civil.
Como corretamente visto pelo jovem e promissor processualista Fabiano
Carvalho, no caso dos embargos infringentes existe uma tríplice análise dos
requisitos de admissibilidade, o que transcorre de modo absolutamente
independente e sem vinculação, o que permite a conclusão precisa de que “ao
estabelecer a lei processual, no art. 531, que compete ao relator do acórdão
embargado apreciar a admissibilidade do recurso, não está com isso dando por
encerrada a fase do exame de admissibilidade dos embargos infringentes de
modo a impedir o reexame da matéria pelo relator dos embargos, ou pelo
colegiado competente para aprecia-los.”46
Assim, apesar do Código ter atribuído ao relator do acórdão impugnado a tarefa
de analisar os requisitos de admissibilidade, continua também o relator dos
embargos infringentes com tal missão, podendo esse negar o seguimento do
recurso por decisão monocrática.
45 Para uma análise aprofundada sobre a diferença entre os dois fenômenos, consultar DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, Preclusões para o juiz – preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil, São Paulo, Método, 2004, pp.19/26. 46 Cfr. “Poderes do relator nos embargos infringentes”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, vol. 5., op. cit., p. 212. Ainda JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 539 e LUIZ ORIONE NETO, Recursos cíveis, op. cit., p.477.
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Contra essa decisão, aplica-se sem qualquer problema o previsto no art. 532 do
Código de Processo Civil: “Da decisão que não admitir os embargos caberá
agravo, em cinco (5) dias, para o órgão competente para o julgamento do
recurso”.
Apesar do estatuto processual expressamente apontar qual é o juiz responsável
pelo enfrentamento do juízo de admissibilidade, prevê de forma genérica o agravo
interno contra a decisão - não menciona prolatada por quem - que não conhecer o
recurso, o que permite concluir sem maiores dificuldades o cabimento de tal
recurso quando o não conhecimento advém de decisão monocrática do relator dos
embargos infringentes. E caso assim não se entenda, aplica-se ao caso o artigo
557, § 1º, do Código de Processo Civil. Como se vê, por qualquer análise possível
que se faça da situação descrita será possível a decisão monocrática do relator e
o ingresso de agravo interno legal contra tal decisão.
Por fim, cumpre trazer à análise interessante questão levantada por Manoel
Caetano Ferreira Filho. O processualista paranaense afirma que uma vez negado
conhecimento ao recurso de embargos infringentes pelo relator do acórdão
impugnado, interposto o agravo interno e sendo esse julgado procedente, o órgão
colegiado poderia perfeitamente no julgamento do recurso deixar de conhece-lo.47
Demonstra que extrema felicidade que o órgão colegiado não está adstrito ao
juízo de admissibilidade feito por ele mesmo no julgamento do agravo interno, em
virtude da não ocorrência de preclusão judicial quanto às matérias atinentes à
admissibilidade recursal. Assim, p. ex., na hipótese do relator do acórdão
impugnado deixar de receber os embargos infringentes por acreditar ser o recurso
manifestamente intempestivo, e o embargante ingressar com agravo interno
contra tal decisão sendo tal recurso integralmente provido. 47 Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., pp. 288-290. No mesmo sentido JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 537: “A admissão dos embargos pelo relator não é vinculativa para o órgão a que compete o julgamento, e ao qual será sempre lícito deixar de conhecer do recurso no momento oportuno.”.
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Com o julgamento de provimento do agravo interno o recurso de embargos
infringentes seguirá normalmente seu trâmite, podendo o órgão colegiado, no
julgamento de tal recurso, negar conhecimento ao mesmo em razão de
intempestividade.
Não poderíamos concordar de forma mais entusiasmada com tal entendimento.
Se com relação ao órgão colegiado não deve restar dúvida quanto à possibilidade
de mudança de idéia, estando, portanto, totalmente livre para uma decisão
contrária a anteriormente proferida, o que se dizer do relator dos embargos
infringentes? Estaria também tal relator livre para, de forma monocrática, deixar de
conhecer o recurso pelo mesmo motivo já superado em sede de julgamento do
agravo interno? Tomando-se o exemplo apresentado, seria possível, após o órgão
colegiado ter se manifestado pela tempestividade dos embargos infringentes no
julgamento do agravo interno, o relator dos embargos negar monocraticamente
seu seguimento afirmando tratar-se de recurso intempestivo?
Para responder a tal questionamento deve-se verificar o disposto no art. 532 do
Código de Processo Civil, no que tange a determinação de quem é competente
para julgar esse agravo interno. Segundo a previsão legal, o órgão competente
para julgar o agravo interno é o órgão competente para julgar os embargos
infringentes, donde se conclui que o relator dos embargos infringentes irá
participar de tal julgamento, no mais das vezes junto com o revisor desses
embargos e dos três juízes que participaram do julgamento do acórdão recorrido.
Imaginemos que a tese da intempestividade tenha sido vencida no órgão
colegiado, tendo participado desse julgamento o relator dos embargos, mas tendo
sido sua opinião derrotada (o mesmo entendimento do relator do acórdão
impugnado), sendo julgado o agravo interno por 3x2.
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Nesse caso, ao receber os autos para relatar, nos parece ser vetado ao juiz relator
de forma monocrática deixar de admitir o recurso pelo mesmo fundamento que já
foi objeto de debate colegiado no agravo interno. E nem se fale que se tratando de
matéria de ordem pública, não há preclusão judicial, podendo o juiz assim decidir.
Frise-se novamente que esse juiz relator dos embargos infringentes é tão somente
um agente com poder delegado pelo órgão colegiado. Nesse caso, porém,
especificamente à matéria já rejeitada quando do julgamento do agravo interno, o
juiz relator não mais terá tal poder delegado, levando-se em conta que o órgão
colegiado já se manifestou. Nos parece que nessa situação não há que se falar
em poder delegado (na verdade o poder já foi exercido pelo colegiado), sendo
inadmissível decisão monocrática com matéria já superada no julgamento do
agravo interno.
Conforme anteriormente exposto, o próprio órgão colegiado é o único capaz de
voltar atrás em sua decisão, o que certamente poderá fazer se no momento de
julgamento do recurso perceber que se equivocou no julgamento do agravo
interno. Mas isso, em razão de não ocorrer preclusão de matérias de ordem
pública, somente pode ser exercido pelo órgão colegiado, jamais pelo juiz relator
dos embargos infringentes.
3.4. Decisão que não admite o agravo de instrumento contra decisão
denegatória de seguimento de Recurso Especial e Recurso Extraordinário
O procedimento do agravo de instrumento – criticável a escolha legislativa na
nomenclatura do recurso – contra decisão denegatória de seguimento dos
recursos aos órgãos de superposição (Recurso Especial e Recurso Extraordinário)
tem característica procedimental binária, contando com uma primeira fase perante
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o tribunal de segundo grau e uma segunda fase perante o Supremo Tribunal
Federal ou Superior Tribunal de Justiça.48
Ultrapassada a primeira fase e sendo os autos remetidos a um dos tribunais de
superposição, é possível ao relator, solitariamente, não admitir o agravo de
instrumento, negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, cabendo
dessa decisão o recurso de agravo interno no prazo de cinco dias, tudo conforme
previsão do art. 545, CPC.
Em nosso sentir, não nascem maiores dificuldades quanto à análise de cabimento
de tal recurso. Mais uma vez, agora expressa e exclusivamente junto aos órgãos
de superposição, estamos diante de delegação de poder do órgão colegiado para
o relator decidir de forma monocrática. É notório o entupimento de nossos
tribunais superiores, em geral causado por ações que envolvem a mesma questão
de direito, invariavelmente tendo como pólo passivo o maior cliente do Poder
Judiciário, o Poder Público. A delegação, portanto, se justifica ainda mais
claramente no que toca a limpeza da pauta dos Ministros para o julgamento de
questões diferentes e que mereçam realmente uma maior atenção dos julgadores
e uma decisão colegiada49.
48 MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE, Recurso Especial e Extraordinário, São Paulo, Dialética, 2003, p. 143: “Referido agravo de instrumento, embora dirigido ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, ali somente receberá um processamento automático com o único fim de se obter a resposta do recorrido, pois logo em seguida o recurso há de ser enviado ao Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça – a depender do recurso excepcional que foi objeto do juízo negativo de admissibilidade – dispensando inclusive a lei processual a incidência de qualquer pagamento de custas ou despesas postais”. Também CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO, Reforma da reforma, op cit., p. 217, entende que não haverá no tribunal recorrido juízo de admissibilidade e ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso especial, agravos e agravo interno, op, cit., pp. 182-185, com rica contribuição jurisprudencial dos Tribunais Superiores. 49 ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Recurso especial, agravos e agravo interno, op. cit., pp. 186-187 afirma que a “ampliação dos poderes do relator foi motivada, claro está, pela necessidade de limitar o número de recursos a serem julgados em sessão, tendo-se em vista o desmedido aumento do volume de processos (fenômeno, aliás, de âmbito mundial), sem o correspondente aumento no quantitativo de magistrados.” A Emenda Constitucional 45 é mais uma tentativa, em alguns aspectos, de liberar a pauta para matérias relevantes.
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Interessante a disposição contida no artigo em análise que manda aplicar ao
agravo interno o art. 557, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil, podendo-se
concluir que se abre ao relator a possibilidade de retratação (na verdade
característica ínsita a todas as espécies de agravo). Nas hipóteses em que não
houver retratação o relator apresentará em mesa os autos proferindo voto e no
caso de provimento do agravo interno o agravo de instrumento contra a decisão
denegatória de seguimento de Recurso Especial e Recurso Extraordinário terá o
regular seguimento de seu trâmite processual. Além disso, há previsão de
aplicação de multa de 1% a 10% do valor corrigido da causa, ficando a
interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo
valor, quando o agravo for manifestamente inadmissível ou infundado.
Ao julgamento monocrático do relator, seja para não admitir o recurso, seja para
negar-lhe provimento, aplicam-se as tradicionais regras de delegação de poder em
julgamento de recurso. Como já visto o mesmo ocorre no caso do relator do
acórdão recorrido nos embargos infringentes e como veremos em qualquer
situação em que haja julgamento monocrático pelo relator de qualquer recurso
(art. 557 do Código de Processo Civil).
Nessa hipótese, portanto, não surgem maiores dúvidas.
Questão mais complexa surge quando o juiz relator do agravo de instrumento
contra decisão denegatória de seguimento de Recurso Especial e Recurso
Extraordinário reforma monocraticamente o acórdão recorrido, devendo também aí
estender tal possibilidade, a par do silêncio da lei, aos casos de anulação da
decisão. Perceba-se que não mais se fala exclusivamente no julgamento do
agravo, já ingressando o Ministro relator no mérito do próprio recurso cujo
seguimento foi negado em segundo grau.
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Recebe o agravo e julga imediatamente o Recurso Especial ou Extraordinário,
tudo em conformidade com o art. 544, § 3º, CPC.50
Estaria o relator impedido de conhecendo e dando provimento ao agravo, negar
seguimento ou negar provimento ao recurso especial ou extraordinário de forma
monocrática? Percebe-se que o art. 544, § 3º, do Código de Processo Civil fala
tão somente em dar provimento a tais recursos, simplesmente calando quanto ao
julgamento negativo dos mesmos. Para Cândido Rangel Dinamarco, “fala a lei,
exclusivamente, em prover o recurso especial, omitindo-se quanto à possibilidade
de improvê-lo o próprio relator. Esse silêncio deve ser interpretado como resultado
de uma distinção que a lei quis conscientemente fazer – para que só mesmo as
Turmas tenham a faculdade de improver o recurso especial.”51
Embora compartilhemos da opinião do prestigiado professor paulista, é preciso
registrar que se impossível é ao juiz, por falta de previsão legal, negar provimento
ao Recurso Especial ou Extraordinário ao conhecer e dar provimento ao agravo; é
perfeitamente possível que isso ocorra na conversão do agravo de instrumento em
um dos dois recursos excepcionais. Nesse caso bastaria aplicar o previsto no art.
557, caput, do Código de Processo Civil. Nosso entendimento funda-se na
premissa de que quando há a conversão, não estamos mais tratando do agravo e
sim do recurso excepcional, que sempre poderá ser julgado de forma monocrática
seja para o juiz relator dar provimento como para negar seguimento ou
provimento.
50 Art. 545, § 3º. Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial”. 51 Cfr. “O relator, a jurisprudência e os recursos”, op. cit., p. 133.
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Deve-se tratar a presente situação da mesma forma que se trata o julgamento do
Recurso Especial e Extraordinário devidamente admitido em segundo grau ou
ainda que chegou aos órgãos superiores em razão do acolhimento do agravo de
instrumento, mas sem conversão.
Diante de tal recurso, ninguém nega a possibilidade de não conhecimento ou não
provimento de forma monocrática pelo relator, não havendo a nosso ver qualquer
razão para que no caso da conversão o julgamento seja tratado de forma
diferente.
Não trataremos nesse momento do que viria a ser jurisprudência dominante,
reservando tais comentários para o momento de análise do art. 557 do Código de
Processo Civil, quando falaremos detidamente sobre o tema. O que nos interessa
enfrentar nesse momento são alguns interessantes reflexos práticos desse
julgamento do Recurso Especial ou Extraordinário por meio do agravo. Antes de
qualquer coisa é importante lembrar da disposição do art. 544, § 4º do Código de
Processo Civil, que cria um impeditivo para o julgamento imediato do Recurso
Extraordinário sempre que exista também Recurso Especial interposto. Tirando
essa situação específica, desde que fundado em súmula ou jurisprudência
dominante o relator poderá não só conhecer e dar provimento ao agravo, como
também analisar o mérito do Recurso Especial ou Extraordinário, tudo
monocraticamente.
Dessa decisão monocrática, por certo, cabe o recurso de agravo interno, no prazo
de cinco dias, dirigido ao órgão colegiado, que no caso seria a Turma (Regimento
Interno do STF, arts. 8º, nº I, e 9º, nº III; do STJ, arts. 13, nº IV, e 15, nº I). Ocorre,
entretanto, que diferentemente do que ocorre com os outros casos de julgamento
monocrático, o provimento do agravo interno não se limitará a retirar um obstáculo
gerado pela decisão monocrática do relator, voltando assim o agravo de
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instrumento ao seu trâmite processual regular. No caso ora analisado o órgão
colegiado irá julgar diretamente o Recurso Especial ou Recurso Extraordinário, no
próprio julgamento do agravo interno. Dessa circunstância, percebem-se
profundas diferenças desse agravo interno dos outros já analisados, que tinham
como mera função passar afastar a decisão monocrática e permitir que o recurso
julgado monocraticamente fosse julgado de forma colegiada.52
A primeira questão que deve ser abordada é a possibilidade do patrono do
agravante sustentar oralmente na sessão de julgamento do agravo interno.
Partindo-se da regra geral tal sustentação seria proibida, já que no julgamento de
agravos tal instituto é vedado pela lei processual. Ocorre, entretanto, que as novas
normas trazidas ao ordenamento processual pela onda reformista por que passa o
Código de Processo Civil há mais de uma década, criam circunstâncias não
anteriormente previstas, devendo o operador se divorciar de verdades absolutas e
outros dogmas quando as interpretar. É imprescindível deixar-se de lado antigas
“certezas absolutas”, ainda mais quando percebemos que as novidades
legislativas são em grande monta totalmente incompatíveis com a segurança que
essas certezas aparentemente nos traziam.
Conforme muito bem ponderado por Cândido Rangel Dinamarco, “há muito as
técnicas processuais vêm mitigando o rigor dos princípios em certos casos, para
harmoniza-los com os objetivos superiores a realizar (acesso à justiça) e vão
também, com isso, renunciando a certos dogmas cujo culto obstinado seria fator
de injustiças no processo e em seus resultados”53. No artigo que leva o sugestivo
nome de “relendo princípios e renunciando a dogmas”, o processualista sugere
justamente a visão do processo por uma ótica nova, desvinculado de vetustas
52 Já havia percebido a fundamental diferença entre as situações expostas JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., pp. 610-611. 53 Cfr. A nova era do processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 16.
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“certezas”, que ao invés de esclarecer, somente traziam uma falsa impressão de
segurança e tornaram-se incompatíveis com as mudanças legislativas.
Dentro dessa nova perspectiva de análise é imprescindível destacar que no caso
em tela existe interessante particularidade, que nos leva ao afastamento da regra
geral. Por meio do “instrumento” agravo de instrumento, o Ministro relator julga o
mérito do recurso excepcional, sendo certo que no julgamento do agravo interno
estar-se-á julgando, de forma colegiada, o próprio mérito do Recurso Especial ou
Extraordinário, recursos esses nos quais é garantida ao patrono da parte a
sustentação oral.
Em nosso entender essa característica peculiar do agravo interno nesse caso
específico faz com que seja inadmissível vetar-se à parte interessada a
sustentação oral em sessão de julgamento, o que somente poderá estar
efetivamente garantido se houver intimação da data de julgamento, o que segundo
nós se mostra imprescindível, ainda que não se admita a sustentação oral. Essa
admissibilidade da sustentação oral, limitada exclusivamente ao caso do agravo
interno contra decisão em agravo de instrumento que julgou o mérito do Recurso
Especial ou Recurso Extraordinário, entretanto, não é a tese vencedora perante o
Supremo Tribunal Federal.54
Segundo nos informa Athos Gusmão Carneiro, o “Supremo Tribunal Federal já
teve ocasião de manifestar-se a esse respeito, ao apreciar, em sessão plenária,
questão de ordem suscitada em Ag. Reg. No RE 227.089, j. 08.06.2000, rel. Min.
Maurício Corrêa; na oportunidade, por maioria de votos, vencidos os Ministros
Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Néri da Silveira, restou decidido que não
cabe sustentação oral no julgamento de agravo interposto contra decisão do 54 Estamos nesse ponto totalmente de acordo com LUIZ ORIONE NETO, Recursos cíveis, op. cit., p. 536. DONALDO ARMELIN, “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98”, op. cit., p. 208, já havia externado preocupação com a ausência de sustentação oral como fonte de cerceamento de defesa.
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relator que dá provimento ao recurso extraordinário, com base no art. 557, § 1º-A
do CPC, porquanto a sustentação oral prejudicaria a celeridade na prestação
jurisdicional, objetivo pretendido com a alteração introduzida pela Lei 9.756/98”.55
Outra interessante questão que já vem sendo analisada pelos nossos Tribunais
Superiores é o cabimento de embargos de divergência em face do julgamento
monocrático do relator ou ainda do acórdão proferido em sede de agravo interno.
Mais uma vez, se enfrentarmos a questão sob o aspecto exclusivo da tradição,
certamente a resposta será dada de forma negativa, considerando-se que o art.
546, CPC, é suficientemente direto ao dispor que tal recurso somente caberá de
decisão prolatada pelo órgão fracionário colegiado (Turma).
Essa limitação poderia ser superada com o ingresso do agravo interno, que dessa
forma tornaria a decisão monocrática em colegiada. Ocorre, entretanto, que o
dispositivo legal em comento, além de exigir decisão de órgão colegiado, limita tal
decisão ao julgamento de Recurso Especial e Recurso Extraordinário. Além disso,
não podemos esquecer da Súmula 599 do Supremo Tribunal Federal: “São
incabíveis embargos de divergência de decisão da turma, em agravo regimental”.
Apesar de falar em agravo regimental, é perfeitamente possível se imaginar que
venha também a ser aplicada às hipóteses de agravo interno legal.
55 Cfr. Recurso especial, agravos e agravo interno, op. cit, p. 224. O autor corrobora o entendimento afirmando “que o princípio do contraditório não apresenta valor “absoluto”, mas será exercido consoante as regras estabelecidas em lei e de forma a atender outros princípios igualmente relevantes, máxime os da eficiência e celeridade na prestação jurisdicional”. No mesmo sentido EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA, “Embargos de divergência”, in Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, São Paulo, Renovar, 2003, p.270. Com o merecido respeito que o entendimento merece, preferimos a visão do Ministro Nery da Silveira, que em julgamento de Rext 227.030-1, in RF 350/214: “Disso resulta que, ou desde logo se há de incluir em pauta o agravo contra a decisão monocrática que conhece do recurso extraordinário e lhe dá provimento, ou, provido o agravo, para afastar a decisão monocrática que deu provimento ao recurso, há de se determinar o processamento regular do recurso extraordinário com sua inclusão em pauta. É certo que essa última hipótese torna mais moroso o julgamento do recurso extraordinário, mas tem seu favor o merecimento de assegurar o princípio constitucional da ampla defesa às partes em litígio, precisamente, na derradeira oportunidade em que o mérito da demanda há de ser apreciado pelo Superior Tribunal Federal”.
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Até o advento da Lei 9.756/98, tal súmula era aplicada sem qualquer ressalva
tanto pelo Supremo Tribunal Federal como pelo Superior Tribunal de Justiça,
posição essa que começou a encontrar resistências após a modificação
legislativa. A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, passou a
admitir como paradigma a fundamentar os embargos de divergência acórdão
proferido em sede de agravo (ainda chamado regimental, mas que nos parece ser
mais apropriadamente nomeado interno legal). Tal visão, entretanto, apesar de
vozes discordantes perante o Supremo Tribunal Federal, infelizmente não
gracejou nesse Tribunal maioria, onde a Súmula 599 continua firme e fortemente
aplicada.56
O Superior Tribunal de Justiça, pelo contrário, em entendimento que merece os
aplausos que nesse caso não podem ser dirigidos à Corte Suprema, sensibilizado
com as profundas modificações trazidas pelas reformas processuais - em especial
a regra que permite no julgamento dos agravos de instrumento contra decisão
denegatória de seguimento de recurso especial e extraordinário o julgamento do
mérito desses recursos excepcionais - passou a aplicar a Súmula 599
dependendo do caso concreto. Ou seja, passou a admitir embargos de
divergência em face de acórdão proferido em sede de agravo interno, desde que
nesse tenha sido julgado o mérito do recurso excepcional, lhe fazendo às vezes.
Como bem exposto por Athos Gusmão Carneiro, nessas situações “o recurso
especial ou extraordinário é que está sendo julgado, embora sob o rito de
julgamento de simples agravo interno; portanto, contra tal decisão colegiada
devem ser admitidos os embargos de divergência!”.57 Concordamos integralmente
56 “ELIANA CALMON, “Embargos de divergência e a súmula 599/STF”, in Direito Processual – inovações e perspectivas”, São Paulo, Saraiva, 2003, pp. 216-218. 57 Cfr. Recurso especial, agravos e agravo interno, op. cit., p. 226. Compartilha do mesmo entendimento 57 “ELIANA CALMON, “Embargos de divergência e a súmula 599/STF”, in Direito Processual – inovações e perspectivas”, op. cit., p. 219: “A aplicação da Súmula 599, após as reformas processuais adrede mencionadas, merece temperamento. Deve-se distinguir se o agravo regimental aprecia o mérito do recurso especial ou extraordinário, para se permitirem os embargos
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com o processualista dos pampas, devendo a questão ser enfrentada da mesma
forma que foi quando tratamos da possibilidade da sustentação oral no agravo
interno. O recurso de agravo contra a decisão monocrática nesse caso é tão
somente um instrumento utilizado pelo relator para julgar o próprio recurso
excepcional, tomando, portanto, o lugar do acórdão que resolveria esse recurso,
que, aliás, não mais existirá.
Faz interessante observação a respeito da aplicação de tal súmula Eduardo
Ribeiro de Oliveira, relembrando que não deveria ser creditada à modificação
trazida pela Lei 9.756/98 a mudança de posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça, já que desde a Lei 8.038/90 era possível nesse tribunal (e também no
STF) o julgamento monocrático do relator para decidir recurso que houvesse
perdido o objeto, assim como negar seguimento ao que se apresentasse como
manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou contrariasse súmula
do respectivo tribunal. O paradoxo apresentado é resolvido pelo próprio autor ao
afirmar que “a nova direção seguida pelo STJ deveu-se a questão de política
judiciária. O Tribunal mostrou-se sensível ao tema em razão de, após a Lei
9.756/98, ter-se ampliado significativamente o número de recursos decididos pelos
relatores. A questão tornou-se mais relevante e daí a solicitação para que a
matéria fosse repensada.”58
Por fim, cumpre registrar que estamos tratando do acórdão (decisão colegiada)
que decide o agravo interno, e não a decisão monocrática do relator que decide o de divergência. Após exaustiva análise dos casos onde o julgamento monocrático poderá ocorrer para dar provimento ao Resp/Text, assim conclui EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA, “Embargos de divergência”, in Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, São Paulo, Renovar, 2003, p.273: “Concluindo o tópico relativo À decisão que dá lugar a embargos de divergÊncia, insistimos em que não nos parece deva o recurso, em regra, ser admitido quando se trate de decisão monocrática ou em agravo regimental, talvez se podendo abrir exceção para a hipótese de negar-se seguimento a recurso por manifesta improcedência. De qualquer sorte, a ter-se como possível, há de limitar-se às decisões que apreciem o mérito do especial.”. 58 Cfr. “Embargos de divergência”, in Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, op. cit., p. 268. Tal evolução também foi percebida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 660.
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mérito do Recurso Especial ou Extraordinário no julgamento do próprio agravo de
instrumento. Não nos parece correto defender o cabimento dos embargos de
divergência da decisão monocrática, já que contra essa decisão ainda cabe
recurso ordinário, que seria o agravo interno. A não interposição do agravo interno
no prazo de cinco dias faz com que a decisão transite em julgado, não sendo
possível preferir a essa interposição um recurso excepcional como os embargos
de divergência.59
3.5. Decisão monocrática do relator com base no art. 557 do Código de
Processo Civil.
As quatro hipóteses de cabimento do agravo interno tratadas até esse momento
são bastante específicas, dizendo respeito a situações extremamente particulares
dentro do trâmite processual. Na espécie de agravo interno tratada nesse tópico a
situação muda significativamente de figura, uma vez que o art. 557 do Código de
Processo Civil disciplina de forma bastante genérica a possibilidade de decisão
interlocutória pelo relator, o que gera por conseqüência o aumento dos casos de
cabimento do agravo interno.
Ainda que não seja nosso objetivo central a realização de uma análise das
hipóteses em que se concede permissão ao relator para o julgamento
monocrático, até mesmo porque o presente trabalho visa tão somente tratar do
59 Essa também a visão do STJ, bem exposta por EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA, “Embargos de divergência”, in Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, op. cit., p. 265: “A objeção principal, exposta nos diversos votos vencedores, funda-se em que a lei prevê agravo para impugnar a decisão do relator. Não apresentados esses, ocorrerá a preclusão. Admitir-se, ademais, pudesse um ou outro ser indiferentemente interposto iria de encontro ao princípio da unirrecorribilidade que, apesar das exceções, informa nosso sistema recursal.” No mesmo sentido SÉRGIO SHIMURA, “Embargos de divergência”, in Aspectos polêmicos e atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, coord. Tereza Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 1998, p. 417, ELIANA CALMON, “Embargos de divergência e a súmula 599/STF”, in Direito Processual – inovações e perspectivas”, op. cit., p. 221 e MANUEL CAETANO FERREIRA FILHO, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 360.
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agravo interno a ser interposto contra essa decisão, se torna imprescindível uma
análise, ainda que sumária, das hipóteses de cabimento do julgamento
monocrático segundo a previsão do art. 557 do Código de Processo Civil.
Iniciemos a análise pela crítica a uma impropriedade do texto legal. Apesar do
dispositivo tratar apenas de casos de provimento e negativa de seguimento, é
certo existir uma impropriedade na redação do dispositivo ora em comento em
razão da injustificada exclusão da hipótese de negativa de provimento ao recurso.
Como se percebe da mera leitura do artigo 557 do Código de Processo Civil, as
hipóteses para o provimento monocrático do recurso são bem mais estreitas que
àquelas que permitem negar seguimento ou provimento ao mesmo. Iniciemos
nossa análise pelos casos previstos no caput da norma ora analisada, quando fala
em “negar seguimento” ao recurso.
Negar seguimento significa impedir que o recurso seja julgado no mérito, o que
ocorrerá quando ausente algum ou alguns dos pressupostos de admissibilidade
recursal; é o mesmo que não conhecer o recurso, sendo decisão do relator situada
ainda nos aspectos formais do recurso. Assim, é correto dizer que um recurso
manifestamente inadmissível (ausência de um ou mais dos pressupostos), ou
ainda prejudicado (perda do objeto) não terá seguimento, posto que ausente
alguma das condições de julgamento do mérito desse recurso. Nesse ponto,
portanto, o diploma processual merece aplausos pela terminologia utilizada.
O juiz relator, diante de um recurso que tenha sido protocolado manifestamente
fora do prazo, ou ainda de um recurso sem o devido recolhimento do preparo
quando exigido por lei, deve negar seguimento monocraticamente ao recurso em
razão do evidente vício quanto ao preenchimento dos requisitos de
admissibilidade. O mesmo ocorre quando o recurso perde o objeto, restando
prejudicado, hipótese em que não haverá mais qualquer interesse em seu
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julgamento. É o caso, por exemplo, do agravo de instrumento prejudicado sempre
que o juiz de primeiro grau se retrata de sua decisão. Ou ainda quando ocorre um
acordo entre as partes durante o trâmite procedimental recursal, o que no Estado
de São Paulo é inclusive buscado por meio de Provimento do Tribunal de Justiça
(783), por meio da chamada mediação de segundo grau.
Se o estatuto processual andou bem ao se referir às hipóteses de
inadmissibilidade e recurso prejudicado como sendo casos de negativa de
seguimento, o mesmo não se pode dizer das situações em que o recurso é
manifestamente improcedente ou seu objeto esteja em desacordo com súmula ou
jurisprudência dominante de tribunal.60 Nesses casos, trata-se já do julgamento de
mérito, não se podendo afirmar que o juiz que entenda ser o recurso
manifestamente improcedente negue seguimento ao mesmo, mas sim negue
provimento ao recurso. O mesmo quando seu objeto se dá à luz de conteúdo de
súmula ou jurisprudência dominante.61
Para os casos de provimento de forma monocrática pelo relator o código lança
mão novamente dos termos “súmula” e jurisprudência dominante”, sempre que a
decisão recorrida contiver entendimento diverso daquele contido em súmula ou
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior,
também sendo possível quando o entendimento sumulado ou dominante for do
60 Para um melhor entendimento do até certo ponto subjetivo termo “jurisprudência dominante”, ler com proveito RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “A jurisprudência, dominante ou sumulada, e sua eficácia contemporânea”, in Recurso cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, op. cit., pp. 518-532 e LUIZ RODRIGUES WAMBIER, “Uma proposta em torno do conceito de jurisprudência dominante”, in Repro 100, pp. 81-87. 61 Tais críticas, além de outras, foram formuladas de maneira uníssono por nossa melhor doutrina. Por todos, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., pp. 660-664, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 17 e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, “Anotações a respeito da Lei 9.756/98”, in Recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, op. cit., pp. 576-578.
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próprio tribunal de segundo grau que julgará o recurso. Aqui, fala-se com maior
propriedade e acerto em dar provimento ao recurso.62
Como já afirmamos anteriormente, não é nosso objetivo precípuo realizar uma
análise das hipóteses de cabimento do agravo interno previsto no artigo 557, § 1º
do Código de Processo Civil, sendo, entretanto, interessante para os fins
pretendidos pelo presente artigo a ciência de tais situações. Sendo o agravo
interno o recurso cabível da decisão monocrática, o agravante deverá impugnar as
razões que levaram o relator a decidir pelo julgamento solitário, sendo que essas
razões deverão estar tipificadas no artigo 557 do Código de Processo Civil, sob
pena de evidente nulidade da decisão. Assim, se o agravante pretender a reforma
da decisão monocrática pelo órgão colegiado, necessariamente deverá dominar
as hipóteses de cabimento de julgamento monocrático, justamente para
demonstrar que nenhuma das situações previstas no artigo legal em comentário
se verificou no caso concreto.
Fundamentando o juiz que o recurso foi protocolado intempestivamente, a parte
prejudicada com a decisão em seu agravo interno procurará demonstrar que o
prazo foi rigorosamente cumprido, sendo equivocada a contagem feita pelo relator.
Nada deverá alegar no que tange ao mérito do próprio recurso tido como
intempestivo, já que essa discussão ampliaria de forma totalmente indevida o
objeto do agravo interno, que tem como objeto exclusivamente a opção do relator
em julgar de forma monocrática. O mesmo ocorre com qualquer outra
fundamentação utilizada pelo relator, sendo, portanto, o objeto do agravo interno o
disposto no art. 557 do Código de Processo Civil, mas de maneira negativa (o
recorrente deve demonstrar não ser aplicável à espécie tal dispositivo legal).
62 ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 19, faz interessante observação de que nesse caso somente é possível o julgamento monocrático quando houver súmula ou jurisprudência dominante de tribunais superiores, e não do próprio tribunal, já que segundo o processualista gaúcho “a orientação dominante em determinado tribunal vem de encontro À jurisprudência da Corte de superposição.”.
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Questão interessante a ser observada é o âmbito de aplicação da previsão legal,
tomando-se por base que o artigo ora comentado, que menciona expressamente
que a regra do julgamento monocrático vale tão somente para o caso de recursos,
o que em tese afasta de sua incidência nas ações de competência originária do
tribunal ou outros incidentes que possam se instalar perante os tribunais.63 Aqui se
faz somente a ressalva de que vêm se estendendo tal possibilidade também ao
reexame necessário, que apesar de não ser recurso, é tratado como tal em
determinadas situações pelos tribunais, em especial no que tange a proibição da
reformatio in peius e à possibilidade de julgamento monocrático.64
Quanto ao procedimento, deve-se consignar que diferentemente das outras
hipóteses legais de cabimento do agravo interno, que se limitam a indicar qual o
recurso cabível contra a decisão monocrática, o prazo em que deve ser interposto
e o órgão competente para seu julgamento, o 557, § 1º prevê: “Da decisão caberá
agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do
recurso, e, se não houver retratação, o relator pedirá sua inclusão em pauta;
provido o agravo, o recurso terá seguimento”. O Código de Processo Civil pela
primeira vez no trato do procedimento do agravo interno tentar lhe emprestar
contornos mais nítidos, não se podendo dizer que tenha sido feliz em tal tentativa.
Apesar de sucinto, o dispositivo legal em comentário traz previsões que em nosso
entender encontram-se absolutamente equivocadas e eivadas de
inconstitucionalidade. Afirma que o agravo deve ser apresentado “em mesa”,
dispensada tanto a manifestação da parte contrária como a inclusão do recurso na
63 Nesse sentido as lições de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 661 e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 141. 64 Esse é o entendimento de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 15 e JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit, p. 661. Em sentido contrário JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, “Juízo de admissibilidade e juízo de mérito na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as leis 9.756/98 e 9.800/99”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, op. cit., pp. 368/369.
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pauta, isso sem mencionar a impossibilidade de sustentação oral (sem pauta,
somente se o advogado fizesse uma vigília às sessões de julgamento, estando
eternamente preparado para a qualquer momento sustentar oralmente). Ainda que
aparentemente singelo o procedimento, tais pontos criam situações que merecem
uma análise mais firme e profunda, com o que, inclusive, tem se preocupado a
melhor doutrina.
A primeira novidade do dispositivo legal quando confrontado com os outros artigos
que cuidam das hipóteses de cabimento do agravo interno é justamente a
expressa menção à possibilidade de retratação. Ao que nos parece, pode ser
aplicado a tal previsão o dito popular “o que abunda não prejudica”, tendo em
conta que mesmo sem expressa previsão parece-nos indubitável a possibilidade
de retratação qualquer que seja a espécie do agravo, inclusive o agravo interno.
Com previsão legal expressa, não há mais nem como de discutir o assunto.
Mas no que consistiria efetivamente a retratação do juiz relator e em que
condições isso poderia ocorrer. Já defendemos em trabalho anterior que o juízo de
retratação, característica típica do recurso de agravo, somente de abre ao juiz
prolator da decisão quando a parte interessada ingresse com o devido recurso de
agravo. Não havendo a interposição de tal recurso – à exceção das matérias de
ordem pública – ocorrerá preclusão judicial (mais conhecida pela doutrina como
preclusão pro iudicato). No caso presente a retratação exige, portanto, a
interposição regular do agravo interno pelo interessado. Mas uma intrigante
questão, levantada por Athos Gusmão Carneiro, remanesce: existe limite para
essa retratação?
Por retratação entende-se a modificação da decisão proferida e o retorno do
procedimento ao mesmo estado em que se encontrava anteriormente. Retira-se a
decisão do mundo jurídico mantendo-se a mesma situação existente
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anteriormente à prolação da decisão. Dessa forma, é indubitável que o relator
possa se retratar de sua decisão monocrática e remeter o recurso que gerou tal
decisão ao conhecimento do órgão colegiado, sem a necessidade de julgamento
do agravo interno interposto. Pergunta o nobre processualista gaúcho se seria
possível não só tal forma de retratação, mas ainda o relator decidir de forma
monocrática de maneira contrária a anteriormente exposta, ou seja, o relator se
convencer de tal maneira das alegações do agravante que não só revogue sua
decisão como a modifique por outra decisão monocrática, mas em sentido
contrário.
Divergimos nesse tocante do pensamento de Athos Gusmão Carneiro, que em
nosso entender parte de premissas erradas e em razão disso chega a conclusões
equivocadas. Afirma, primeiramente, que tal mudança de entendimento somente
se dará nas situações em que o mérito do recurso tiver sido julgado, não cabendo
tal debate nos casos de inadmissibilidade e de recurso prejudicado, já que aí o
relator, ao se retratar, devolverá ao recurso “seu normal processamento, com
plena devolução de todos os temas litigiosos, de direito material ou processual, ao
conhecimento e julgamento da Câmara ou Turma”.65 Em nosso sentir tal
conclusão se mostra equivocada, já que nem sempre a retratação nesse caso fará
com que o recurso tenha julgamento pelo órgão colegiado.
Aqui é preciso alguma ponderação sobre o momento adequado, ou até mesmo o
momento limite para que o relator profira decisão monocrática, havendo
interessante situação de preclusão lógica para o juiz. Assim, embora seja omisso
o estatuto processual nesse sentido, já endossamos anteriormente a opinião de
José Carlos Barbosa Moreira e o fazemos novamente para defender que o
julgamento monocrático encontra seu limite lógico no lançamento do relatório pelo
relator e remessa dos autos ao revisor ou ainda quando o juiz relator pede dia 65 ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 21.
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para o julgamento, momentos em que estaria exaurida a possibilidade aberta ao
relator, não mais podendo esse voltar atrás e pretender julgar o recurso de forma
monocrática66. Até que algum desses momentos se verifique, é possível o
julgamento monocrático pelo relator.
Partindo dessa premissa, é lógico concluir que o relator ao admitir que errou no
julgamento monocrático em razão do recurso não ser manifestamente
inadmissível, ou ainda não estar prejudicado, tem novamente o recurso em suas
mãos para dar a ele andamento com as mesmas possibilidades que tinha quando
o recebeu no primeiro momento. A retratação da decisão monocrática
simplesmente dá uma sobrevida ao recurso, fazendo com que o relator passe
novamente a cogitar a possibilidade de envia-lo ao órgão colegiado para que
ocorra seu julgamento. Parece-nos que voltando ao ponto de partida, e não
restando preclusa a possibilidade de voltar atrás em seu julgamento, não há
qualquer óbice que impeça o juiz relator de novamente julgar monocraticamente o
recurso, desde que, logicamente, se afaste da matéria que ensejou a primeira
decisão.
Imaginemos uma situação em que a decisão encontra-se nitidamente contrária a
uma súmula do tribunal competente para o julgamento do recurso. Essa matéria é
de mérito, ficando condicionada, portanto, ao preenchimento dos requisitos de
admissibilidade recursal para ser apreciada. O relator, de forma indevida, deixa de
considerar um dia de feriado para a contagem do prazo e julga o recurso de forma
monocrática apontando para sua manifesta inadmissibilidade em razão da
intempestividade. Alertado pelo agravo interno interposto pelo recorrente,
imediatamente volta atrás em sua decisão, considerando como tempestivo o
recurso. Ultrapassado tal requisito de admissibilidade, passa a analisar o mérito,
quando então percebe a condição prevista no art. 557, § 1º A do Código de 66 Nosso Preclusão judicial e preclusão pro iudicato no processo civil brasileiro, op. cit., p. 44/45.
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Processo Civil. Como o mesmo artigo em seu parágrafo §1º (que misteriosamente
vem depois do § 1º A!?) disciplina que julgado o agravo interno o “recurso terá
seguimento”, nesse seguimento pode-se admitir, tudo em razão da inocorrência da
preclusão, novo julgamento monocrático.
Em nosso sentir, portanto, a própria ordem lógica entre a análise dos
pressupostos de admissibilidade e da matéria de mérito, leva a conclusão que
chegamos. E o mesmo ocorre, embora aí seja considerado até mesmo uma
situação teratológica, quando o juiz julga o mérito, se retrata em razão do agravo
interno e devolvido o processamento do recurso a ele julga novamente de forma
monocrática, mas agora em sentido contrário. Havia considerado o recurso
manifestamente improcedente, e por isso negou seu provimento, mas o agravo
interno foi tão convincente que o convenceu não só que o recurso nada tinha de
improcedente, como também a decisão recorrida afrontava súmula ou
jurisprudência dominante dos Tribunais de superposição, levando o relator ao
julgamento monocrático, mas agora em sentido contrário.
Verifique-se que embora o objeto do agravo interno nesse caso seja – como, aliás,
em todos os outros – o ataque à fundamentação do relator, é possível que para
corroborar a alegação de que o recurso não é manifestamente improcedente o
agravante alegue inclusive que exista posição firme dos tribunais superiores a
favor da sua tese. Nesse caso, ainda que de raridade compreensível, nos afigura
juridicamente possível a nova decisão monocrática, que será novamente
impugnável pelo recurso de agravo interno.67
67 Em sentido contrário ao nosso entendimento, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 21., fundamentando suas posição que tal possibilidade acarretaria complicação indesejada ao procedimento, exatamente o que a modificação legislativa buscou evitar.
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4 ASPECTOS PROCESSUAIS POLÊMICOS DO AGRAVO INTERNO
Apesar da previsão de um procedimento bastante simplificado – e quem sabe até
mesmo por causa disso – o agravo interno legal ou regimental traz consigo alguns
pontos bastante polêmicos. Alguns, na verdade, já forma objeto de enfrentamento
no presente texto, de forma que os itens que seguem são apenas questões que
nos parecem relevantes que não foram a nosso ver enfrentadas de maneira
adequada durante a exposição dos temas já desenvolvidos.
4.1. Inclusão em pauta
Aspecto bastante polêmico da redação do art. 577 do Código de Processo Civil é
a indicação de que o relator deve “apresentar o processo em mesa” desde que
não haja retratação. Duas questões de alta relevância surgem de tal previsão: a
primeira de que não haveria a necessidade de intimação do agravado para contra-
razoar o agravo retido e a segunda de que essa inclusão em pauta afastaria a
necessidade de tornar publica a data do julgamento por meio de intimação das
partes.
Quanto à desnecessidade de inclusão do processo na pauta de julgamentos,
estaríamos diante de uma opção do legislador em acelerar o trâmite procedimental
de tal recurso, não se exigindo do relator a inclusão do recurso em pauta, sendo
esse simplesmente levado pelo relator a uma sessão de julgamento que esse
mesmo escolher, sem a intimação das partes, quando então seria realizado o
julgamento colegiado. As justificativas residem numa suposta agilização do
procedimento, mas não estaria tal opção afrontando de maneira bastante clara o
princípio da ampla defesa, garantido por nossa Constituição Federal?
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Para grande parte da doutrina, a qual nos filiamos, levar o processo à apreciação
do órgão colegiado sem a ciência das partes envolvidas é manifestamente uma
ofensa ao princípio da ampla defesa. A par da possibilidade ou não da
sustentação oral, não nos parece correto que o recurso seja julgado sem a
necessária publicidade, que norteia como regra geral todos os atos processuais.
Estaríamos aí diante de manifesta afronta ao art. 5º, LV, da Constituição Federal,
indicativo que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes”.68
Infelizmente, entretanto, não é esse o entendimento que vem sendo aplicado por
nossos Tribunais de superposição, sendo que a jurisprudência tanto do Supremo
Tribunal Federal como do Superior Tribunal de Justiça aponta para a
desnecessidade da inclusão do agravo interno (que alguns votos insistem em
nomear de regimental) na pauta de julgamento. Ao menos a ligação entre
sustentação oral e inclusão em pauta não mais é utilizada, corretamente percebido
que ainda quando não caiba a sustentação oral é possível à parte interessada,
tendo ciência da data do julgamento, juntar memoriais ou levantar questões de
ordem no momento do julgamento. Nem só de sustentação oral é formada a
atividade do patrono durante o julgamento recursal.
A justificativa utilizada nos julgamentos que admitem a não inclusão em pauta dos
agravos internos é o natural dinamismo empregado pela Lei 9.756/98, que não
admitiria o atraso e complicação procedimental gerado pela inclusão do recurso
em pauta.69 Ora, ainda que se admita que o propósito da lei foi desafogar os
68 Nesse sentido ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 22, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Lei 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz”, in Temas de direito processual, 7ª série, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 84 e NELSON LUIZ PINTO, Manual dos recursos cíveis, op. cit., p. 232. Contra, elogiando a opção legal, J.E. CARREIRA ALVIM, Novo agravo, op. cit., p. 129. 69 No STF, Rext. 227.030/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, publicado no D.O 21/05/99 e AI 196649 AgR / BA ,AG.REG.NO AI, Relator(a): Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, Julgamento:
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tribunais por meio de agilização no julgamento dos recursos, chegar a conclusão
que tal agilização pode se sobrepor ao princípio da ampla defesa é atropelar o
próprio devido processo legal. A ciência prévia do julgamento é algo que não pode
ser simplesmente afastado em razão de “dinamismo” pretendido pela lei.
Ao analisar o tema o jurista carioca José Carlos Barbosa Moreira chegou a
conclusão irrepreensível, que merece transcrição, quando suscita algumas
dúvidas geradas pela fundamentação do Supremo Tribunal Federal para defender
o entendimento da dispensabilidade da inclusão do gravo interno em pauta: “Diz
respeito a primeira à atribuição de “natureza dinâmica” à Lei nº 9.756.
Confessamos desconhecer a classificação das leis que as divide em “leis de
natureza dinâmica” e “leis de natureza não dinâmica (estática?)”. Ademias,
tampouco logramos vislumbrar, no texto constitucional, a sugerida distinção entre
a disciplina aplicável a uma e a aplicável à outra dessas duas classes, do ponto de
vista da garantia do contraditório e da ampla defesa. A Constituição refere-se
genérica e simplesmente, sem diferenciação alguma, a “processo judicial ou
administrativo”; de jeito nenhum insinua, de leve sequer, que a garantia não
prevaleça caso se trate de processo regido por lei “de natureza dinâmica”. Não
vemos exceção desse tipo, nem de qualquer outro, na Carta da República. Não há
nela ressalva de espécie alguma.”.70
10/08/1999, que contém a seguinte justificativa em sua fundamentação: No que concerne à alegada inconstitucionalidade da alínea "i" do art. 79 do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que dispensa publicação de pauta para julgamento de Agravo Regimental, na verdade não ocorreu violação a qualquer princípio constitucional, pois não se deve confundir a publicidade de atos processuais, com a necessidade, ou não, de publicação de pauta para certos julgamentos. O julgamento não deixou de ser público. Seu resultado também foi publicado, assim como o acórdão que o reproduziu. No STJ, decisão da Corte Especial, AGA 425875 / MG AG. REG. NO AI, Julgamento: 16/12/2002. 70 C fr. “Lei 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz”,op. cit., p. 86.
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4.2. Contraditório
A inclusão em mesa, além da já enfrentada crítica quanto à ausência de ciência
prévia das partes da data do julgamento, também leva grande parte da doutrina a
criticar a ausência de intimação da parte agravada para apresentar suas contra-
razões ao recurso, com o que se estaria afrontando o princípio do contraditório.
Essa crítica, entretanto, não nos parece razoável, sendo que em nosso entender
apesar da ausência de oportunidade de defesa ao agravo, o contraditório não
sofre qualquer agressão, ou porque já foi devidamente aplicado ou porque ainda o
será. Explica-se.
Alguns doutrinadores ao comentarem essa inexistência de contra-razões no
agravo interno se manifestaram pela sua constitucionalidade, ora alegando que o
contraditório naquele momento era prescindível, posto que já havia ocorrido
anteriormente, ou então que nesse caso o contraditório não era necessário,
considerando-se que seria no futuro processamento do recurso plenamente
efetivado.71 O pensamento dos doutrinadores nesses casos, portanto, seria de que
o contraditório se verificaria, não no momento antecedente ao julgamento do
agravo interno, mas antes ou depois desse julgamento, não havendo qualquer
afronta ao princípio do contraditório a inexistência de intimação do agravado para
a apresentação de contra-razões.
Por outro lado existe corrente doutrinária que vê na não abertura de prazo para as
contra-razões no agravo interno manifesta inconstitucionalidade, que não pode ser
71 Assim NELSON LUIZ PINTO, Manual dos recursos cíveis, op. cit., p. 232: “A ausência de contra-razões também não ofende o princípio do contraditório, na medida em que este já existiu anteriormente, quando do processamento do agravo de instrumento, e, este segundo agravo, apenas propicia a continuidade do julgamento do recurso pelo órgão colegiado e ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Poderes do relator e agravo interno – Arts. 557, 544 e 545 do CPC”, op. cit., p. 22: “Quanto à ausência de previsão no sentido da ouvida da parte contrária, parece-nos de regra razoável tal omissão, sob o argumento de que o contraditório já ocorrera quando do processamento do recurso objeto do julgamento monocrático do relator.”
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admitida por constituir nítida afronta ao princípio do contraditório. Leva-se em
conta tão somente o recurso de agravo interno, entendendo-se que a efetivação
do contraditório no recurso que motivou a decisão monocrática não é suficiente
para que também no agravo interno se considere respeitado o princípio do
contraditório. 72
Quem melhor se deteve no exame do tema, com uma análise minuciosa das
situações possíveis no julgamento do agravo interno foi Eduardo Talamini,
chegando a conclusão quase perfeita quando afirma que “o princípio geral é o de
que essa garantia em favor do adversário do “agravante” deverá ser observada
sempre que não houver já antes sido eficazmente assegurada e não puder ser
aplicada depois de modo igualmente eficaz – e desde que não haja urgência que
justifique sua postergação.”73 Há apenas um ponto em que discordamos do
processualista paranaense, justamente nos casos onde este visualiza a
necessidade da ocorrência do contraditório no agravo interno, o que para nós será
sempre dispensável.
Afirma Eduardo Talamini que nos casos em que o relator liminarmente negar
provimento ao agravo de instrumento, não terá ocorrido a possibilidade de
apresentação de contra-razões pelo agravado, levando-se em consideração que o
agravo de instrumento é interposto diretamente perante o Tribunal. Nesse caso o
agravo interno teria como objeto reformar tal decisão para dar provimento ao
agravo de instrumento, não havendo qualquer possibilidade de reação ao
agravado (pólo passivo tanto do agravo de instrumento como no agravo retido).74
72 JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Lei 9.756: uma inconstitucionalidade flagrante e uma decisão infeliz”, op. cit., p. 82 e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, “Anotações a respeito da Lei 9.756”, op. cit., p. 578. 73 Cfr. “Decisões individuais: legitimidade e controle”, op. cit., p. 187. 74 EDUARDO TALAMINI, “Decisões individuais: legitimidade e controle”, op. cit., p. 189. Parece ter o mesmo entendimento MANUEL CAETANO FERREIRA FILHO, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 379.
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Em nosso entendimento a conclusão de mostra equivocada, pois parte de uma
falsa premissa: o julgamento do agravo de instrumento no próprio agravo interno.
Como já tivemos a oportunidade de defender, o julgamento do agravo interno não
se confunde com o julgamento do recurso que motivou o julgamento monocrático
do relator. Assim, se o relator negar provimento ao recurso de agravo de
instrumento, em razão de ser o recurso manifestamente improcedente ou estar
seu objeto em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante de tribunal, o
agravo deverá se limitar a revogar a decisão monocrática, retomando o agravo de
instrumento seu regular andamento, como, aliás, dispõe expressamente o art. 557,
§ 1º do Código de Processo Civil. Parece-nos que uma decisão do agravo de
instrumento no agravo interno é absolutamente nula, já que exorbita de forma
visível o objeto de tal recurso.
A conclusão de tal pensamento, que excluído o exposto nos parágrafos anteriores
se aproxima significativamente do entendimento do estudioso paranaense, é a de
que em toda e qualquer situação a dispensa do contraditório no agravo interno
não agride em nenhum grau o princípio da ampla defesa do agravado, já que de
duas uma – e isso ocorre sempre – ou o recurso que foi julgado de forma
monocrática já abriu tal possibilidade às partes ou ainda no processamento de tal
recurso tal possibilidade ainda será aberta a elas75.
4.3. Agravo interno e embargos de declaração
Das disposições legais acima referidas constatou-se que da decisão monocrática
proferida pelo relator caberá agravo interno em cinco dias. Em alguns casos, a
ausência de impugnação da decisão por meio de tal recurso faz com que ocorra o
75 Em sentido contrário ao entendimento exposto no texto, FABIANO CARVALHO, “Princípios do contraditório e publicidade no agravo interno”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, vol. 8, coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2005, p.108.
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trânsito em julgado, substituindo tal decisão a posição antes ocupada
exclusivamente pelo acórdão.
Novidade na legislação nacional, a pergunta que pode ser colocada é acerca do
cabimento de embargos de declaração contra tal decisão. Uma interpretação
literal do disposto no artigo 535 do Código de Processo Civil levará o leitor a crer
que contra essa decisão não teria cabimento tal recurso, somente admitido contra
sentenças e acórdãos. Tal forma de interpretação, entretanto, não é a melhor.
Após algum período de vacilação a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir
que os pronunciamentos do juiz que poderiam ser atacados por embargos de
declaração iam além da previsão do art. 535, CPC. A própria função de tal
recurso, ligado essencialmente à melhor qualidade da prestação jurisdicional,
levou o operador e estudioso a essa conclusão. Prestando-se a integrar ou
esclarecer uma decisão, não há qualquer razão para entender que, além da
sentença e do acórdão, não possa também a decisão interlocutória ser impugnada
por meio de embargos de declaração.76
Toda decisão judicial, conforme previsão constitucional, deve ser devidamente
motivada, não se podendo admitir que a decisão, qualquer que seja sua natureza,
não possa ser esclarecida ou integrada. Decisão com fundamentação falha - e
decisão omissa, obscura e contraditória e justamente isso – é decisão não
fundamentada, com evidente infração ao Texto Maior. Dessa forma, sempre que
presentes os vícios descritos pelo artigo 535 do Código de Processo Civil, será
cabível os embargos de declaração.
76 Nesse sentido SÔNIA MARCIA HASE DE ALMEIDA BAPTISTA, Dos embargos de declaração, São Paulo, RT, 1991, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 544 e SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Código de Processo Civil Anotado, op. cit., p. 396.
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Essa conclusão já nos permite concluir parcialmente que toda decisão
interlocutória, inclusive as de segundo grau, podem ser atacadas por meio de
embargos de declaração. Daí a possibilidade incontestável da decisão
monocrática do relator que converte o agravo de instrumento em agravo retido
poder ser impugnada, antes do agravo interno, por embargos de declaração.
Ainda assim, restam as outras situações, em que a decisão monocrática não tem
natureza interlocutória, e sim definitiva.
Nessas hipóteses, como já visto anteriormente, nos parece ainda mais claro o
cabimento dos embargos de declaração, já que tais decisões funcionam como
acórdão, que dependendo da vontade da parte (mais precisamente de sua inércia
recursal) jamais existirá no caso concreto. Tomando o lugar do acórdão, a ele
deve ser assemelhado no que toca ao cabimento dos embargos de declaração,
aplicando-se tranqüilamente até mesmo a interpretação literal do artigo 535 do
Código de Processo Civil.
Nos Tribunais Superiores existem duas correntes a respeito do tema. Enquanto o
Superior Tribunal de Justiça acolhe o entendimento da maioria da doutrina,
recebendo embargos de declaração contra o julgamento monocrático do relator,
percebe-se tendência perante o Supremo Tribunal Federal, segundo nos informa
Athos Gusmão Carneiro, por “razões mais de ordem pragmática, voltadas à
simplificação e celeridade do rito, têm conduzido à subsunção dos aclaratórios no
agravo interno, ou o recebimento dos embargos de declaração com conversão em
agravo regimental.”77
Nos parece que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez,
é superior tecnicamente ao do Supremo Tribunal Federal. Embora o órgão
supremo não cause prejuízo maior à parte deixando de conhecer os embargos de
77 Cfr. Recurso especial, agravos e agravo interno, op. cit, p. 223.
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declaração e determinando o trânsito em julgado da decisão, a aplicação do
princípio da fungibilidade nesses casos pode ocasionar algum dano à parte
recorrente, sempre que o objeto dos embargos de declaração interpostos seja
mais restrito se comparado com o objeto do potencial agravo interno. Com a
aplicação da fungibilidade, não poderia mais a parte trazer ao conhecimento do
juízo elementos deixados de fora dos embargos de declaração, em razão da
preclusão consumativa. Mais seguro seria adotar o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, recebendo os embargos e interrompendo o prazo para a
interposição do agravo interno.
4.4. Agravo interno nos processos de competência originária do tribunal
Surge interessante questionamento a respeito da possibilidade ou não de se falar
em recurso de agravo interno (aqui obrigatoriamente regimental) de decisões
monocráticas proferidas pelo relator em ações de competência originária do
tribunal, como mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, ação
rescisória.
É com pesar que acompanhamos tendência jurisprudencial, em especial dos
tribunais superiores, rejeitando a possibilidade de impugnação de tal decisão, a
tornando imutável. Assim, deferida ou não a liminar em mandado de segurança, a
parte prejudicada nada pode fazer a não ser aguardar o julgamento do mérito de
tal ação pelo órgão colegiado. O mesmo se diga de um pedido de tutela
antecipada na ação rescisória, que independentemente de seu teor (positivo ou
negativo) se tornaria inatacável.
Ainda com maior tristeza e decepção recebemos a Súmula 622 do Supremo
Tribunal Federal, que expressamente proíbe a interposição de agravo interno
regimental contra decisão monocrática do relator sobre pedido de liminar no
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mandado de segurança (Enunciado: Não cabe agravo regimental contra decisão
de relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança). A
infelicidade e equivocidade da súmula são patentes.
Tivemos a oportunidade de na primeira parte do artigo demonstrar, com arrimo em
sérios e prestigiados doutrinadores, que a atuação monocrática do relator no mais
das vezes não passa de uma mera delegação de poder do órgão colegiado, não
havendo, em absoluto, qualquer transferência de competência. A ausência de via
para a parte prejudicada obter a integração da vontade por meio de análise
imediata do órgão colegiado da decisão monocrática do relator constitui manifesta
inconstitucionalidade.
Trazemos à colação mais uma opinião, que corrobora com a anteriormente
defendida, de grande estudioso das ciências processuais, o jurista baiano Calmon
de Passos: “Quanto aos mandados de segurança, da competência originária dos
tribunais, a concessão da liminar é delegada, num primeiro passo, ao relator. Sua
decisão monocrática não é decisão firme no processo, pois a competência é e
permanece sendo do colegiado. Assim, inexistindo decisão do colegiado, inexiste
decisão recorrível para outro tribunal. Constituir-se essa anomalia é violentar-se
um problema elementar de competência. Decisão do relator é exercício de mera
delegação do colegiado que ele integra e só com a ratificação do colegiado, da
decisão do relator, é que se pode falar em decisão recorrível envolvendo outro
tribunal”.78
E nem se fale que a irrecorribilidade de tal decisão seria gerada pela usurpação
que tal recurso acarretaria à competência do presidente dos tribunais superiores,
em face do art. 4º da Lei 4.348/64 e do art. 25 da Lei n. 8.038/90. Esse grave
equívoco vem sendo cometido em diversas decisões proferidas tanto no Superior 78 Cfr. Mandado de segurança coletivo – Mandado de injunção – “Habeas Data”, Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 55.
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Tribunal de Justiça como no Supremo Tribunal Federal. Com o perdão da palavra,
parece-nos que nesse caso estão confundindo alhos com bugalhos...
Os requisitos para o agravo interno ser provido pelo órgão colegiado nada têm a
ver com a previsão do dispositivo legal supra citado, não podendo haver confusão
entre ambos, já que cada qual incide em circunstâncias absolutamente diferentes.
A suspensão da liminar pelo presidente do tribunal limita-se a situações especiais,
expressamente previstas em lei, enquanto o pedido do agravo interno pode estar
fundado em qualquer matéria que convença o órgão colegiado do equívoco
cometido pelo relator.
Em posicionamento absolutamente correto, o Ministro Eduardo Ribeiro bem expõe
o tema ao afirmar que “usurpação de competência só haveria se o colegiado
suspendesse a execução do ato do relator para evitar lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas (pressupostos da suspensão da sentença ou
liminar em mandado de segurança, conforme se verá abaixo). A revisão poderá
dar-se por motivos inteiramente diversos, entendendo-se não ser relevante o
fundamento do pedido ou inexistir risco de ineficácia da medida, se a final
concedida”.79
Por tudo que defendemos no presente artigo, fica claro nosso posicionamento pela
ampla possibilidade de recorribilidade por meio do agravo interno contra decisão
proferida pelo relator em processos de competência originária do Tribunal, na
havendo absolutamente qualquer razão para entender o contrário.
79 Cfr. “Recursos em mandado de segurança”, apud LUIZ ORIONE NETO, Recursos cíveis, op. cit., p. 412. No mesmo sentido EDUARDO CARREIRA ARRUDA ALVIM, Mandado de segurança no direito tributário, São Paulo, RT, 1998, p. 188 e CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, 2ª ed., São Paulo, RT, 1999, p. 144.