agrotóxicos e suicídio no rs

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&" Rev Saúde Pública 2004;38(6):804-10 www.fsp.usp.br/rsp Características epidemiológicas do suicídio no Rio Grande do Sul Epidemiological aspects of suicide in Rio Grande do Sul, Brazil Stela Nazareth Meneghel a , Cesar Gomes Victora b , Neice Müller Xavier Faria c , Lenine Alves de Carvalho d e João Werner Falk e a Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, RS, Brasil. b Departamento Medicina Preventiva e Social. Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pelotas, RS, Brasil. c Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. UFPel. Pelotas, RS, Brasil. d Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília, DF, Brasil. e Departamento Medicina Social. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil Correspondência para/ Correspondence to: Stela Nazareth Meneghel Universidade do Vale do Rio dos Sinos Av. Unisinos, 950 93022-000 São Leopoldo, RS, Brasil E-mail: [email protected] Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Plano Sul de Pesquisa (CNPq - Processo n. 400208/1999-7) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS - Processo n. 01501239). Recebido em 7/11/2003. Reapresentado em 30/4/2004. Aprovado em 12/5/2004. Descritores Suicídio. Estatística. Coeficiente de mortalidade. Mortalidade. Keywords Suicide. Statistics numeric data. Mortality rate. Mortality. Resumo Objetivo Descrever as características epidemiológicas de mortalidade por suicídio em uma série histórica de dez anos. Métodos Foram construídas séries históricas de mortalidade por suicídio no Rio Grande do Sul a partir de dados do Sistema de Notificação de Mortalidade do Ministério da Saúde, para o período 1980 a 1999. Os dados foram padronizados de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde e analisados segundo variáveis demográficas clássicas. Resultados As taxas de suicídios durante todo o período estudado (coeficientes e mortalidade proporcional) configuraram-se como as maiores do País. Os coeficientes padronizados passaram de níveis em torno de 9/100.000 nos anos 80 para 11/100.000 em 1999. Esse alto nível de mortalidade deveu-se principalmente ao aumento da mortalidade masculina, cujos coeficientes passaram de 14/100.000 para os atuais 20/100.000. A razão homemmulher aumentou de três para cinco. Os maiores coeficientes correspondiam aos idosos, embora as taxas estejam aumentando na população de adultos jovens. Pessoas viúvas e aquelas ocupadas na agropecuária e pesca apresentaram coeficientes de mortalidade mais elevados. Conclusões O estudo destaca o suicídio como um problema de saúde coletiva no Rio Grande do Sul e revela características que contribuem para ações preventivas. Abstract Objective To describe epidemiological aspects of suicide mortality in a 10-year time series. Methods Suicide deaths reported in the state of Rio Grande do Sul (RS), Brazil, were put together as historical time series based on data from the Ministry of Health Mortality Reporting System for the period 1980 to1999. Suicides were grouped according to the WHO criteria and analyzed using standard demographic variables. Results Suicide rates (proportional mortality and mortality rates) in RS during the study

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ObjetivoDescrever as características epidemiológicas de mortalidade por suicídio em umasérie histórica de dez anos.MétodosForam construídas séries históricas de mortalidade por suicídio no Rio Grande do Sul apartir de dados do Sistema de Notificação de Mortalidade do Ministério da Saúde, parao período 1980 a 1999. Os dados foram padronizados de acordo com os critérios daOrganização Mundial de Saúde e analisados segundo variáveis demográficas clássicas.ResultadosAs taxas de suicídios durante todo o período estudado (coeficientes e mortalidadeproporcional) configuraram-se como as maiores do País. Os coeficientes padronizadospassaram de níveis em torno de 9/100.000 nos anos 80 para 11/100.000 em 1999.Esse alto nível de mortalidade deveu-se principalmente ao aumento da mortalidademasculina, cujos coeficientes passaram de 14/100.000 para os atuais 20/100.000. Arazão homemmulher aumentou de três para cinco. Os maiores coeficientescorrespondiam aos idosos, embora as taxas estejam aumentando na população deadultos jovens. Pessoas viúvas e aquelas ocupadas na agropecuária e pescaapresentaram coeficientes de mortalidade mais elevados.ConclusõesO estudo destaca o suicídio como um problema de saúde coletiva no Rio Grande doSul e revela características que contribuem para ações preventivas.

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio noRio Grande do SulEpidemiological aspects of suicide in RioGrande do Sul, Brazil

    Stela Nazareth Meneghela, Cesar Gomes Victorab, Neice Mller Xavier Fariac, LenineAlves de Carvalhod e Joo Werner Falke

    aPrograma de Ps-Graduao em Cincias da Sade. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. SoLeopoldo, RS, Brasil. bDepartamento Medicina Preventiva e Social. Universidade Federal de Pelotas(UFPel). Pelotas, RS, Brasil. cPrograma de Ps-Graduao em Epidemiologia. UFPel. Pelotas, RS,Brasil. dAgncia Nacional de Vigilncia Sanitria. Braslia, DF, Brasil. eDepartamento MedicinaSocial. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

    Correspondncia para/ Correspondence to:Stela Nazareth MeneghelUniversidade do Vale do Rio dos SinosAv. Unisinos, 95093022-000 So Leopoldo, RS, BrasilE-mail: [email protected]

    Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico - Plano Sul de Pesquisa (CNPq -Processo n. 400208/1999-7) e pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS -Processo n. 01501239).Recebido em 7/11/2003. Reapresentado em 30/4/2004. Aprovado em 12/5/2004.

    DescritoresSuicdio. Estatstica. Coeficiente demortalidade. Mortalidade.

    KeywordsSuicide. Statistics numeric data.Mortality rate. Mortality.

    Resumo

    ObjetivoDescrever as caractersticas epidemiolgicas de mortalidade por suicdio em umasrie histrica de dez anos.MtodosForam construdas sries histricas de mortalidade por suicdio no Rio Grande do Sul apartir de dados do Sistema de Notificao de Mortalidade do Ministrio da Sade, parao perodo 1980 a 1999. Os dados foram padronizados de acordo com os critrios daOrganizao Mundial de Sade e analisados segundo variveis demogrficas clssicas.ResultadosAs taxas de suicdios durante todo o perodo estudado (coeficientes e mortalidadeproporcional) configuraram-se como as maiores do Pas. Os coeficientes padronizadospassaram de nveis em torno de 9/100.000 nos anos 80 para 11/100.000 em 1999.Esse alto nvel de mortalidade deveu-se principalmente ao aumento da mortalidademasculina, cujos coeficientes passaram de 14/100.000 para os atuais 20/100.000. Arazo homemmulher aumentou de trs para cinco. Os maiores coeficientescorrespondiam aos idosos, embora as taxas estejam aumentando na populao deadultos jovens. Pessoas vivas e aquelas ocupadas na agropecuria e pescaapresentaram coeficientes de mortalidade mais elevados.ConclusesO estudo destaca o suicdio como um problema de sade coletiva no Rio Grande doSul e revela caractersticas que contribuem para aes preventivas.

    Abstract

    ObjectiveTo describe epidemiological aspects of suicide mortality in a 10-year time series.MethodsSuicide deaths reported in the state of Rio Grande do Sul (RS), Brazil, were puttogether as historical time series based on data from the Ministry of Health MortalityReporting System for the period 1980 to1999. Suicides were grouped according tothe WHO criteria and analyzed using standard demographic variables.ResultsSuicide rates (proportional mortality and mortality rates) in RS during the study

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    period were the highest in Brazil. The standardized rates grew from around 9 per100,000 in the 1980s to 11 per 100,000 in 1999. This increase in mortality wasattributed mainly to male mortality rates that grew from 14 per 100,000 to the current20 per 100,000. The male:female ratio increased from 3 to 5. The highest ratios wereseen among the elderly although this ratio has been increasing in young adults aswell. Widows, widowers and farmers/fishers had the highest mortality rates.ConclusionsThe study highlights suicide as a collective health problem in RS and shows aspectsthat could contribute to preventive action.

    INTRODUO

    O suicdio um fenmeno complexo, estudado porvrias disciplinas cientficas que o percebem de for-ma, s vezes, antagnica, outras complementar. Demaneira geral, a psiquiatria tem encarado o suicdiocomo um fenmeno individual enquanto que as cin-cias sociais, a partir do clssico de Durkheim6 (1982)percebem-no como um comportamento coletivo.

    Pesquisadores10 apontam para a existncia de cul-turas suicidas, onde proliferam formas de comporta-mento autodestrutivas relacionadas denominadaexistncia txica.

    Nas ltimas dcadas, a produo cientfica acercado suicdio revestiu-se de carter predominantementepragmtico e tcnico. Nessa linha predominam os es-tudos que buscam identificar fatores de risco, recor-tando o evento em mltiplas variveis em nvel biol-gico, psicolgico e social. Aparentemente, essas pes-quisas no tm sido capazes de reverter a tendncia deaumento do suicdio observadas em vrios pases.

    Uma das definies de suicdio refere-se ao atohumano de causar a cessao da prpria vida.12 Essadefinio implica, em primeiro lugar, que o termosuicdio s pode ser usado no caso de morte ou decircunstncias cuja seqncia causal levam morte ena qual tenha havido intencionalidade do sujeito.

    Existe subnotificao da mortalidade por suicdio,que varia de acordo com a regio e a cultura, j que osuicdio um tema tabu na maioria dos grupos sociais.9

    Consideram-se fatores associados ao suicdio: astentativas prvias, a doena afetiva, o isolamentosocial, a histria familiar, a declarao de intenes euma srie de variveis demogrficas e socioecon-micas.22 No Canad, os ndios, os jovens, os idosos,os prisioneiros, os homossexuais e pessoas com his-tria familiar de suicdio so grupos em risco. Acres-centam-se as situaes de: adio a drogas, eventosestressores e doena terminal.24 Cinco situaes fo-

    ram descritas como as mais importantes no compor-tamento suicida atual: 1) o aumento na prevalnciade transtornos depressivos; 2) o aumento do uso abu-sivo de substncias psicoativas; 3) mudanas psico-biolgicas, como a diminuio na data de incio dapuberdade; 4) aumento no nmero de estressores so-ciais; 5) mudana nos padres de aceitao de com-portamentos suicidas e aumento na disponibilidadede modelos suicidas.5 Problemas mentais e drogadi-es esto presentes em 90% dos suicdios na Europae Estados Unidos.18

    Os pesquisadores que postulam a associao entreuso de lcool e suicdio baseiam-se na assero deque as taxas de suicdio esto inversamente relacio-nadas com o grau de integrao social e que o usoabusivo de lcool produz desaprovao social e gra-dativa deteriorao dos laos sociais. Alm da liga-o indireta entre consumo de lcool e suicdio, me-diado pela desintegrao social, os autores indicamuma relao direta que a diminuio do autocon-trole que atuaria como gatilho acionando uma incli-nao prvia para a conduta autodestrutiva.19

    No Brasil, as mortes por suicdios, embora subesti-madas, so de baixas magnitude quando comparadasa outras regies, porm mostram-se crescentes na fai-xa do adulto jovem, principalmente no sexo masculi-no. Mello Jorge16 (2000) considera esse fato preocu-pante, na medida em que no houve alterao meto-dolgica quanto ao registro ou coleta de dados rela-tivamente a essa causa.

    Em relao s condies socioeconmicas, obser-vou-se que o suicdio ocorre nos extremos: entre osmenos favorecidos socialmente e entre os privilegia-dos.11 Por outro lado, quedas no status socioecon-mico mostram-se relacionadas ao evento.

    O divrcio, a participao da mulher na fora detrabalho, as variveis econmicas e o desempregotambm foram relatados como fatores de risco.3,14

    O Rio Grande do Sul, RS, o Estado brasileiro que

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    historicamente tem apresentado os maiores coefi-cientes de suicdio do Pas. Esse fato tem instigadopesquisadores oriundos de vrios campos do conhe-cimento, destacando-se as cincias sociais e da sa-de, que apontaram a etnia, a cultura, as crises sociaise inclusive aspectos climticos da regio, como pos-sveis fatores ligados ao problema.

    O presente estudo foi elaborado a partir de interro-gao acerca do elevado padro de mortalidade porsuicdio em algumas das regies fumageiras do RioGrande do Sul e faz parte da pesquisa denominadaAgrotxicos e outros fatores de risco para suicdiono Rio Grande do Sul, estudo ecolgico que procu-ra verificar a relao entre a exposio a agrotxicose coeficientes de mortalidade por suicdio.2

    O objetivo do presente trabalho apresentar os dadosepidemiolgicos sobre o suicdio no Rio Grande do Sulna srie histrica que compreende os anos de 1980 a1999, destacando algumas caractersticas descritivas doevento que aparecem na declarao de bito.

    MTODOS

    Trata-se de estudo descritivo. Buscou-se caracteri-zar aspectos da mortalidade por suicdio no Rio Gran-de do Sul. Os coeficientes de mortalidade e as pro-pores foram obtidos a partir das estatsticas demortalidade publicadas pelo Departamento de Infor-mtica do Sistema nico de Sade (Datasus) do Mi-nistrio da Sade.* Os dados populacionais foramobtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tstica (IBGE).** Os denominadores utilizados paraclculo dos coeficientes segundo ocupao econ-mica foram obtidos a partir dos dados da PesquisaNacional por Amostras nos Domiclios (PNAD-2001)e foram utilizados para clculo de coeficientes apro-ximados j que esses dados no foram disponibiliza-dos para os censos anteriores.***

    Para clculo do nmero de suicdios utilizou-se aNona Reviso da Classificao Internacional de Doen-as (CID-9), trs dgitos para o perodo 1980-95 com-preendendo as categorias codificadas entre E950 aE959. Para os anos de 1996 a 1999 utilizou-se a Dci-ma Reviso da Classificao Internacional de Doen-as (CID-10) arrolando as categorias X60 a X84 e Y87.

    Foram construdas sries histricas para o perodode 1980 a 1999. Os coeficientes foram padronizadosutilizando-se a populao padro, fornecida pela Or-ganizao Mundial da Sade (OMS).1 A populao

    padro possui menos crianas e maior nmero de adul-tos maiores de 70 anos, relativizando o sobrepesodado populao infantil que acontecia na estimati-va anterior tambm denominada populao padrode Segi.1 A necessidade de elaborar uma confecode nova populao padro mundial deveu-se princi-palmente ao aumento do grupo de idosos.

    Os dados foram analisados usando-se o programaTABWIN do Ministrio da Sade.17 Foram calcula-dos os coeficientes de mortalidade por suicdio parao Rio Grande do Sul, descritos a seguir: coeficientesde mortalidade totais, segundo sexo, grupo etrio,ocupao, grau de instruo, estado civil e tipo desuicdio. A informao sobre grau de instruo nofoi apresentada devido baixa qualidade da infor-mao: mais de 50% dos dados eram ignorados. Ascurvas de regresso linear dos coeficientes de morta-lidade padronizados foram realizadas utilizando osoftware SPSS, verso 10,0.

    RESULTADOS

    A distribuio do suicdio no Brasil aponta a Re-gio Sul e, especificamente, o Estado do Rio Grandedo Sul como o de maior incidncia (mdia de 10,2/100.000 no perodo 1980 a 1999). Nos 20 anos quecompem essa anlise, o Estado de Santa Catarinaapresentou uma mdia de 7,9 e o Estado do Paranuma mdia de 7,1 por 100.000 habitantes, enquantoa mdia brasileira correspondeu a 4,3 bitos para cada100.000 habitantes. Em todos os anos da srie anali-sada, o Rio Grande do Sul ocupou a primeira posi-o. Calculou-se tambm a mortalidade proporcio-nal por suicdio nas Unidades da Federao, buscan-do eliminar as distores ocasionadas pelas diferen-as regionais na fidedignidade do Sistema de Infor-mao de Mortalidade. Assim como os coeficientes,a mortalidade proporcional por suicdio no RS tam-bm a maior do Pas. Alm disso, sabe-se que bitospor suicdio, devido ao tabu que cerca esse evento,podem ser notificados como causa externa do tipoignorado, induzindo a subnotificao do agravo.

    A Tabela 1 evidencia os coeficientes de mortalida-de por suicdio, brutos e padronizados, para o RioGrande do Sul em uma srie histrica de 1980 a 1999.Os coeficientes de mortalidade por suicdio, padro-nizados para ambos os sexos passaram de 9,5/100.000em 1980 para 11,7/100.000 em 1999. Observou-se oaumento nos coeficientes padronizados no sexo mas-culino, que passou de 14,0/100.000 em 1980 para20,2/100.000 em 1999, ao passo que os coeficientes

    *Dados obtidos na Internet, no endereo: http://www.saude.gov.br/datasus**Dados obtidos na Internet, no endereo: http://www.ibge.gov.br***Dados obtidos na Internet no endereo: http://www.ibge.gov.br/trabalho e rendimento/PNAD2001

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    femininos variaram entre 3,2 a 4,7/100.000 nesseperodo. A razo homem:mulher aumentou de trsem 1980 para cinco no final do perodo estudado. Atendncia temporal mostrou aumento abrupto em1983, reduo global de 1984 a 93 e aumento subse-qente at o momento.

    As retas de regresso construdas com oscoeficientes de mortalidade padronizadosmostram tendncias ascendentes para o suic-dio nos homens e levemente descendentespara o suicdio em mulheres (Figura 1).

    Os coeficientes por faixa etria aumen-tam paulatinamente segundo a idade (Fi-gura 2), com elevados ndices para maioresde 70 anos. No entanto, os grupos de adul-tos jovens apresentaram aumento nas taxasdurante os ltimos anos, principalmente noltimo qinqnio, o que indicaria uma ten-dncia de juvenilizao do agravo.

    A Tabela 2 expe o nmero de bitos, mor-talidade proporcional e coeficiente de mor-talidade por suicdio segundo estado civil eocupao, no perodo 1990 a 1998.

    A maior proporo de suicdios ocorre en-tre pessoas casadas, porm o maior coeficien-te corresponde aos vivos. Separados e sol-teiros apresentam os menores coeficientes.Observa-se o risco praticamente trs vezesmaior na populao de trabalhadores do setorda agropecuria e da pesca: 16,3/100.000 con-traposto a 5,7/100.000 entre trabalhadorestcnico-cientficos. A padronizao dos coe-

    Tabela 1 - bitos, coeficientes de mortalidade por suicdio brutos e padronizados, segundo sexo e totais (CID-9 e CID-10). RioGrande do Sul, RS, 1980-99.

    Ano Sexo masculino Sexo feminino Totalbitos Coef. mortalidade bitos Coef. mortalidade bitos Coef. Mortalidade

    Observada Padronizado Observada Padronizado Observada Padronizado

    1980 459 11,9 14,0 183 4,7 4,7 642 8,3 9,51981 467 12,0 14,0 170 4,3 4,7 637 8,1 9,21982 481 12,1 14,7 156 3,9 4,2 637 8,0 9,21983 610 15,2 18,5 183 4,5 5,9 793 9,7 11,51984 595 14,6 17,3 181 4,3 4,2 776 9,4 10,71985 596 14,4 17,0 178 4,2 4,6 774 9,2 10,51986 571 13,6 16,4 185 4,3 4,6 756 8,9 10,11987 561 13,2 16,0 168 3,8 4,1 729 8,4 9,71988 556 12,9 15,1 186 4,2 4,4 742 8,5 9,51989 557 12,7 14,6 158 3,5 3,8 715 8,0 8,91990 523 11,8 13,6 180 3,9 4,2 703 7,8 8,61991 601 13,4 15,6 192 4,1 4,4 793 8,7 9,71992 658 14,5 16,1 162 3,5 3,6 820 8,9 9,61993 601 13,0 14,9 146 3,1 3,2 747 8,0 8,71994 669 14,3 16,3 165 3,4 3,5 834 8,8 9,61995 753 16,0 18,3 203 4,2 4,5 956 10,0 11,11996 737 15,6 16,7 216 4,4 4,4 953 9,9 10,21997 807 16,8 18,6 190 3,8 3,9 998 10,2 10,91998 874 18,0 19,5 215 4,3 4,3 1089 11,0 11,51999 889 18,1 20,2 204 4,0 4,1 1093 11,0 11,7

    CID: Classificao Internacional de Doenas

    Figura 1 - Coeficientes padronizados de suicdio no Rio Grande do Sul,conforme sexo, 1980-1999.

    2000

    1990

    1980

    21

    20

    191817

    1615

    1413

    ObservadoReg Linear

    2000

    1990

    1980

    6,0

    5,5

    5,0

    4,5

    4,0

    3,5

    3,0ObservadoReg Linear

    Y = 14,5 + 0,18 xP=0,009

    Y= 4,7 - 0,046 xP=0,031

    Motalidade masculina Mortalidade feminina

    Figura 2 - Coeficientes de mortalidade por suicdio segundo grupo etrio,Rio Grande do Sul, 1980-84, 1985-89, 1990-94 e 1995-99.

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    15-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80+

    80-8485-8990-9495-99

    ficientes da Tabela 2 no pde ser efetuada porque nohavia disponibilidade dos dados censitrios para rea-lizar essa operao.

    No perodo estudado, observou-se que o mtodoutilizado para efetuar o suicdio mais comum o en-forcamento (62,5%), seguido por uso de arma de fogo

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    (21,5%) e leses no especificadas (6,9%)(Figura 3). Essas trs categorias perfazem 90%das ocorrncias. Salienta-se o aumento rela-tivo nos suicdios por enforcamento e uso dearmas de fogo, assim como o decrscimo nosmeios no especificados, indicando presu-mivelmente o maior acesso da populao sarmas e a melhoria do sistema de informaode mortalidade. O suicdio por enforcamen-to tambm o principal mtodo utilizadopor agricultores.

    DISCUSSO

    O Rio Grande do Sul manteve as maiorescifras nacionais durante todo o perodo estu-dado coeficientes e mortalidade propor-cional. Segundo Mello Jorge16 (2000), a mor-talidade por suicdio no Pas sabidamente subesti-mada, porm os coeficientes mostram-se crescentesna faixa do adulto jovem do sexo masculino. Essefato preocupante, na medida em que essa tendnciano pode ser atribuda a qualquer alterao metodo-lgica quanto ao registro ou coleta de dados.

    Ao traar um panorama do suicdio em 31 pasesnotificantes da OMS4 observa-se que os coeficientesde mortalidade por suicdio variam entre os pases e,tanto coeficientes altos quanto baixos, so encontra-dos em quase todos os continentes nas Amricas,sia e Europa. Uma classificao da mortalidade con-sidera os coeficientes menores de 5/100.000 comobaixos; os situados entre cinco e 15 mdios; entre 15e 30 altos e os maiores de 30, muito altos.4 Segundoesse critrio a mortalidade por suicdio no Rio Gran-de do Sul pode ser considerada como mdia para apopulao total, porm para o contingente masculi-no os patamares encontram-se em nveis altos e comtendncia ascendente.

    Um fato bem documentado acerca da epidemiologiado suicdio a relao homem/mulher que em muitospases maior do que 3:1. Essa relao tem sido manti-da ao longo do tempo em quase todos os pases com

    dados disponveis. Nos Estados Unidos, na medida queas oportunidades econmicas, individuais e sociais au-mentaram para as mulheres, a taxa de suicdios femini-nos diminuiu.11 A ndia e a China so pases onde orisco para a populao feminina elevado.21

    A menor ocorrncia de suicdio entre as mulherestem sido atribuda baixa prevalncia de alcoolis-mo; religiosidade; s atitudes flexveis em relaoas aptides sociais e ao desempenho de papis du-rante a vida. Alm disso, as mulheres reconhecem pre-cocemente sinais de risco para depresso, suicdio edoena mental, buscam ajuda em momentos de crisee participam nas redes de apoio social.23 O desempe-nho da masculinidade envolve comportamentos quepredispem ao suicdio incluindo: competitividade,impulsividade e maior acesso a tecnologias letais earmas de fogo. A falncia em cumprir os tradicionaispapis de gnero, que para o homem significa consti-tuir o provedor econmico da famlia, fator de es-tresse para os homens. Inseridos na cultura patriarcal,os homens so mais sensveis a reveses econmicoscomo desemprego e empobrecimento e mais propen-sos ao suicdio.13

    As pessoas ligadas ocupao agropecuria e pes-

    Tabela 2 - Nmero de bitos, mortalidade proporcional e coeficientes de mortalidade por suicdio no Rio Grande do Sul,segundo caractersticas demogrficas (estado civil e ocupao), 1990-98.Estado civil N % Coef.** Ocupao N % Coef.**

    Solteiro 2.672 33,9 7,4 Tcnico-cientfico 218 2,9 5,7Casado 3.631 46,1 11,4 Servio pblico 33 0,5 *Vivo 606 7,7 13,7 Administrativo 353 4,8 5,9Separado 260 3,3 7,1 Comrcio 391 5,3 8,1Outro 96 1,2 - Servios 382 5,2 8,2Ignorado 610 7,7 - Indstria .1862 25,5 8,7

    Agropecuria/pesca 1.923 26,3 16,3Sem classificao 2.142 29,3 -

    Total 7875 100,0 - Total 7.304 100,0 -

    *Populaes no disponveis**Coeficientes por 100.000

    Figura 3 - Freqncia de suicdios segundo mtodo empregado, RioGrande do Sul, 1980-98.

    0

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    700

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    enforcamento

    arma de fogoinstrumento cortante

    drogasno espec.

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    ca apresentam maiores coeficientes de mortalidadepor suicdio. Durante a dcada de 90, a economiabrasileira sofreu alteraes que produziram desem-prego e deslocamento da fora de trabalho entre ossetores de atividade econmica. O clculo das esti-mativas de suicdio segundo ocupao, utilizandoum denominador constante pode ter superestimadoos coeficientes, na medida que houve reduo napopulao ligada agropecuria e contabilizada noPNAD/2001. Mesmo assim, optou-se por realizar esseclculo porque a mortalidade proporcional das pes-soas ligadas s ocupaes agrcolas representa quase30% dos bitos e o clculo dos coeficientes, emboraaproximados, representa mais uma informao noperfil do suicdio no Rio Grande do Sul.

    A viuvez pode ser caracterizada como um eventoestressor, que em vrios pases est associada ao sui-cdio. A viuvez est associada idade, mas na presen-te anlise no foi possvel separar o efeito das duasvariveis. Correlaes entre suicdio, divrcio e/ouseparao tm sido encontradas por diferentes estu-diosos.8 Presume-se que haveria um vis na informa-o sobre estado civil, j que os maiores coeficientesapareceram em populaes mais velhas onde o riscode enviuvar tambm maior.

    Quanto ao tipo de suicdio, estudos antropolgi-cos j evidenciaram o papel do enforcamento na cul-tura gacha13 onde mais de 60% dos suicidas usaramessa forma de suicidar-se. Leal13 (1992) estudou osuicdio sob o ponto de vista da antropologia, comoevento intimamente relacionado cultura patriarcalgacha. Heck7 (1994) ao investigar o suicdio nacomunidade rural alem de Santo Cristo, RS, concluique os problemas dos colonos se agravaram a partirda implementao de um novo modelo agrcola nasdcadas de 70-80. O avano do processo capitalistade produo no campo acarretou arrendamento e per-da das pequenas propriedades rurais, e como conse-qncia, endividamento, concentrao da proprieda-de da terra, xodo rural, dissoluo da cultura e dosvalores morais e, em ltima instncia, anomia. Po-rm, salienta-se o aumento relativo das armas de fogoentre os instrumentos usados. Alguns autores tmmostrado que um fator situacional precipitante apresena de armas no domiclio.18

    Os coeficientes de mortalidade por suicdio aumen-tam com a idade, porm o padro etrio est mudan-do, apontando para uma sociedade em que h poucasperspectivas para a populao mais jovem. Assim, emalguns pases como Canad, Sri Lanka, ustria, Fin-lndia e Sua o suicdio em adolescentes e adultosjovens est configurando um padro epidmico.4

    Outros pases como Uruguai, nas Amricas; Japo,

    Singapura e Sri Lanka, na sia; ustria, Blgica, Di-namarca, Frana, Alemanha, Hungria e Sucia, naEuropa apresentam mortalidade elevada em indiv-duos maiores de 30 anos.4 De qualquer maneira, oscoeficientes globais no refletem necessariamentepadres etrios elevados, como, por exemplo, na Fin-lndia onde se observa um padro epidmico parasuicdio na adolescncia, mas para a populao comoum todo, as cifras so mdias.4

    No Rio Grande do Sul os maiores coeficientes demortalidade segundo grupo etrio ocorrem entre po-pulao idosa (maior de 70 anos), porm nos ltimosanos da dcada de 90 aparece tendncia de elevaonas faixas mais jovens: 20 aos 59 anos. E esse grupode adultos jovens, poderia estar mais vulnervel aodesemprego e ao modelo capitalista de produo ado-tado no campo. Segundo Mattoso15 (1999) indepen-dente da metodologia adotada, as atuais taxas de de-semprego no tem paralelo na histria do Pas. Co-mentando dados do IBGE o autor mostra que taxasde desemprego em seis regies metropolitanas brasi-leiras passaram de 3,4% em 1989 para 7,6% em 1998.Assim, os elevados ndices de desemprego, instabili-dade econmica que o Pas atravessa, poderiam estarinfluenciando no aumento da mortalidade por suic-dio. Os estudos realizados nos ltimos anos tm mos-trado um quadro diferente do apontado por Durkheim6

    (1982) no sculo passado, que atribua o fenmenoao comportamento coletivo, minimizando o peso dapobreza e salientando como um dos fatores desen-cadeantes a presena de anomia social. Anomia con-siderada no sentido de Durkheim6 (1982), ou seja,a situao em que novos valores, costumes ou modosde vida so introduzidos em sociedades deixandouma espcie de vazio o espao anmico no qual asociedade no consegue mais exercer controle sobreos seus membros, deixando-os a merc de si mesmose mais predispostos ao suicdio.

    Atualmente, entende-se a pobreza como uma situa-o que pode predispor ao suicdio, incluindo-se odesemprego, o estresse econmico e a instabilidadefamiliar.23 O desemprego pode afetar a mortalidadepor suicdio, direta ou indiretamente, aumentando ospatamares de ansiedade dos indivduos frente pos-sibilidade de serem despedidos. Por outro lado, indi-vduos emocionalmente comprometidos so os pri-meiros a serem demitidos na vigncia de polticas derecesso econmica23 e os desempregados apresen-tam taxas de suicdio maiores que os empregados,3,5

    principalmente entre a populao masculina maissensvel aos reveses econmicos. Portanto, o aumen-to nos coeficientes de suicdio pode refletir o acirra-mento que as polticas econmicas tm infligido populao trabalhadora, especialmente aos seus seg-

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    Caractersticas epidemiolgicas do suicdio no RSMeneghel SN et al

    mentos mais vulnerveis: os extremos etrios, osmenos qualificados, os emocionalmente debilitados.O Rio Grande do Sul apresenta os maiores coeficien-tes de suicdio do Brasil, particularmente entre agri-cultores, tendo sido uma das primeiras fronteiras agr-colas fechadas do Pas. Quando o suicdio acontecepreponderantemente em um grupo etrio, tnico, pro-fissional ou isolado geograficamente, pode-se inda-gar se esse evento estaria funcionando como barme-tro indicador de presso na sociedade. A mortalidadeelevada de suicdio em agricultores estaria refletindoas precrias condies de sobrevivncia desse estra-

    to populacional endividamento, concentrao daterra, xodo e anomia; ou exposio profissional in-tensa aos agrotxicos que pode acarretar quadrosdepressivos desencadeados por mecanismos neuro-lgicos ou endcrinos.2,22,25

    O suicdio enquanto objeto de reflexo terica apre-senta-se como um universo avesso a classificaesexcessivamente constritivas. Entende-se que a iden-tificao e o acompanhamento do evento pode trazeraportes importantes para a diminuio desse agravona populao.

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