Água nossa de cada dia

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Bahia Ano 6|nº 929|Outubro|2012 Veredas dos Cais - Bahia Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas 1 Água nossa de cada dia. O Semiárido baiano enfrenta o período mais prolongado de estiagem dos últimos 47 anos. Apesar da má distribuição temporal e espacial das chuvas, as precipitações anuais são suficientes para o desenvolvimento de uma série de atividades produtivas, a exemplo da pequena pecuária e produção de alimentos, como hortaliças e frutas. Pedro Rodrigues, 64 anos, e dona Francisca, 54, conhecida como dona Mucinha, nascidos e criados em Vereda do Cais, comunidade localizada a 55 km de Caetité, município da mesorregião centro sul baiano, sempre conviveram com a insuficiência de água na região. As lembranças das dificuldades quando percorriam longos caminhos à procura de água vão ficando cada vez mais distantes de um novo tempo de conquistas e de qualidade de vida. O casal faz questão de preservar a memória de pessoas que no início ajudou toda a comunidade com a construção de um poço artesiano. Um projeto de caráter coletivo apoiado por MANOS UNIDAS. Lembram sempre de Padre Osvaldino e Ir. Helena, dentre outras pessoas que os ajudaram a despertar para a convivência com o semiárido. Hoje, com os melhoramentos proporcionados pela conquista das cisternas ou caixas, como são mais conhecidas na comunidade, através das ações do P1+2, com a água no terreiro, ao lado da casa, a rotina da família mudou. Já não percorre mais as longas distâncias à procura da água para saciar suas necessidades. Agora, o tempo é valorizado e aproveitado de outro jeito. Dedicam esse tempo para cuidar dos canteiros. ”Muita coisa que se comprava na feira, que a gente sabe que tudo é contaminado com veneno, hoje, o que a gente come é o que a gente planta. Sabemos da procedência, a gente sabe que é sadio”, afirma dona Mucinha com um largo sorriso. “Depois do P1+2, a gente tem muita informação e a nossa vida mudou muito. Com as cisternas ou terreirão temos beterraba, cenoura, temperos e feijão. Temos água de qualidade. Aqui na propriedade a gente procura plantar de um tudo. Temos até mais tempo para fazer farinha de mandioca, - plantada numa área aproximadamente de um hectare. Produz em média 30 sacas , afirma Pedro. Fazer farinha é uma arte centenária que atravessa gerações. Colher a mandioca, esmagar, esfarelar e torrar é tema de canções no Nordeste. É o próprio retrato da cultura local e a verdadeira história de homens e mulheres do campo. Cisterna garante acesso a água segura: uma necessidade humana fundamental e um direito humano elementar

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Page 1: Água nossa de cada dia

Bahia

Ano 6|nº 929|Outubro|2012Veredas dos Cais - Bahia

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

1

Água nossa de cada dia.O Semiárido baiano enfrenta o período mais prolongado de

estiagem dos últimos 47 anos. Apesar da má distribuição temporal

e espacial das chuvas, as precipitações anuais são suficientes

para o desenvolvimento de uma série de atividades produtivas, a

exemplo da pequena pecuária e produção de alimentos, como

hortaliças e frutas.

Pedro Rodrigues, 64 anos, e dona Francisca, 54, conhecida como

dona Mucinha, nascidos e criados em Vereda do Cais,

comunidade localizada a 55 km de Caetité, município da

mesorregião centro sul baiano, sempre conviveram com a insuficiência de água na região.

As lembranças das dificuldades quando percorriam longos caminhos à procura de água vão ficando cada vez

mais distantes de um novo tempo de conquistas e de qualidade de vida. O casal faz questão de preservar a

memória de pessoas que no início ajudou toda a comunidade com a construção de um poço artesiano. Um

projeto de caráter coletivo apoiado por MANOS UNIDAS. Lembram sempre de Padre Osvaldino e Ir. Helena,

dentre outras pessoas que os ajudaram a despertar para a convivência com o semiárido.

Hoje, com os melhoramentos proporcionados pela conquista das cisternas ou caixas, como são mais

conhecidas na comunidade, através das ações do P1+2, com a água no terreiro, ao lado da casa, a rotina da

família mudou. Já não percorre mais as longas distâncias à procura da água para saciar suas necessidades.

Agora, o tempo é valorizado e aproveitado de outro jeito. Dedicam esse tempo para cuidar dos canteiros.

”Muita coisa que se comprava na feira, que a gente sabe que tudo é contaminado com veneno, hoje, o que a

gente come é o que a gente planta. Sabemos da procedência, a gente sabe que é sadio”, afirma dona

Mucinha com um largo sorriso.“Depois do P1+2, a gente tem muita informação e a nossa vida

mudou muito. Com as cisternas ou terreirão temos beterraba,

cenoura, temperos e feijão. Temos água de qualidade. Aqui na

propriedade a gente procura plantar de um tudo. Temos até mais

tempo para fazer farinha de mandioca, - plantada numa área

aproximadamente de um hectare. Produz em média 30 sacas ,

afirma Pedro.

Fazer farinha é uma arte centenária que atravessa gerações.

Colher a mandioca, esmagar, esfarelar e torrar é tema de canções no Nordeste. É o próprio retrato da cultura

local e a verdadeira história de homens e mulheres do campo.

Cisterna garante acesso a água segura: uma necessidade humana fundamental e um direito humano elementar

Page 2: Água nossa de cada dia

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Bahia

Apoio:

Programa Cisternas

São dez pessoas na família. Pedro faz questão da participação de todos nos encontros promovido pelo

sindicato dos trabalhadores rurais ou do programa P1+2.

“Esse pessoal tem nos ajudados na busca do

desenvolvimento”, disse ele. Ao lado do forno de farinha,

coberto dessa massa que revela alto valor cultural,

Lucionete, uma das filhas do casal afirma que: “só de não

mais precisar buscar agua na cabeça, é muito bom. Tornou-

se um alívio”.

Dona Mucinha com sabedoria e simplicidade diz que “antes

da cisterna a gente levantava de madrugada para buscar água. Hoje é uma benção!. A água está sempre

ao lado, no terreiro.”

Outro sentimento que se faz presente no seio da família é o de partilha. Os produtos como açafrão, alho,

coentro, abóbora e frutas que não são consumidos ou comercializados, são divididos com os vizinhos, de

modo que nada se perde.

Pedro é membro da associação de moradores, fundada desde

21 de janeiro de 1996, reconhecida como associação

remanescente de quilombolas desde 2010. Em 2007 a

comunidade recebeu luz elétrica. Esperançosos com mais

conquistas para a vida melhorar, mantem-se animados com as

ações do P1+2. Seu Geraldo, 55 anos um dos moradores da

comunidade Veredas do Cais e amigo da família, afirma que

depois da chegada do P1+2, tudo ficou mais fácil. Mesmo

quem ainda não recebeu esses benefícios de alguma forma é agraciado em muitas vezes, pela doação

dos alimentos feita pelos vizinhos. Observa que as pessoas têm mais acesso a alimentos com qualidade.

A Articulação do Semiárido (ASA) tem contribuído para a valorização das pessoas no campo,

proporcionando-lhes tecnologias mais apropriadas para a convivência no bioma com a captação e

reserva de água, com custos financeiros relativamente baixos, utilizando mão de obra local, atenta a uma

metodologia que favorece a interatividade, a autonomia e aprendizagem, além da formação e

mobilização cidadã.