alain de botton - como proust pode mudar sua vida

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Alain de Botton

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  • Como Proust pode mudar sua vida

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  • Como Proust pode mudar sua vida

    Alain de Botton

    TRADUO

    Marcello Lino

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  • Como Proust pode mudar sua vidaCopyright Alain de Botton, 1997 ttulo originalHow Proust Can Change Your Life capa e projeto grficoMariana Newlands

    imagem de capa Hulton-Deutsch Collection/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock preparaoAnna Lee revisoLucas BandeiraElisa Nogueira

    diagramaoIlustrarte Design e Produo Editorial

    Tradues de trechos de Em busca do tempo perdido gentilmente cedidas pela Editora Globo.

    [2011]Todos os direitos desta edio reservados Editora Intrnseca Ltda.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

    cip-brasil. catalogao-na-fontesindicato nacional dos editores de livros, rj

    D339c

    De Botton, Alain, 1969-Como Proust pode mudar sua vida / Alain De Botton ;

    traduo de Marcello Lino. - Rio de Janeiro : Intrnseca, 2011.256 p. ; 21 cm.

    Traduo de: How Proust can change your life Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-8057-094-6

    1. Proust, Marcel, 1871-1922. 2. Proust, Marcel, 1871-1922 - Humor, stira, etc. I. Ttulo.

    11-5461. cdd: 843 cdu: 821.133.1-3

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  • Como amar a vida hoje

    SUMRIO

    um Como amar a vida hoje 7

    dois Como ler para si mesmo 17

    trs Como no se apressar 41

    quatro Como sofrer com sucesso 65

    cinco Como expressar suas emoes 113

    seis Como ser um bom amigo 137

    sete Como abrir os olhos 171

    oito Como ser feliz no amor 203

    nove Como abandonar os livros 221

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  • captulo um

    Como amar a vida hoje

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  • H poucas coisas a que os seres humanos se dedicam mais

    do que a infelicidade. Se tivssemos sido colocados na Terra

    por um criador maligno apenas para sofrer, teramos uma

    boa razo para nos congratular por nossa reao entusias-

    mada a essa tarefa. Motivos para fi carmos inconsolveis no

    faltam: a fragilidade do nosso corpo, a inconstncia do

    amor, as hipocrisias da vida social, as concesses da amiza-

    de, os efeitos entorpecentes da rotina. Diante de males to

    persistentes, poderamos naturalmente esperar que nenhum

    evento fosse to aguardado quanto o momento de nossa pr-

    pria extino.

    Algum que procurasse um jornal para ler em Paris, na d-

    cada de 1920, poderia comprar uma publicao chamada

    LIntransigeant. Esse peridico era conhecido por notcias

    investigativas, fofocas metropolitanas, classifi cados abrangen-

    tes e editoriais incisivos. Tambm costumava elaborar gran-

    des perguntas e pedir que celebridades francesas enviassem

    suas respostas. Em sua opinio, qual seria a educao ideal

    para sua fi lha? foi um desses questionamentos. Alguma re-

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  • 9Como amar a vida hoje

    comendao para melhorar o congestionamento do trnsito

    em Paris? foi outro deles. No vero de 1922, o jornal formu-

    lou uma pergunta particularmente complexa para seus cola-

    boradores.

    Um cientista americano anuncia que o mundo vai acabar, ou pelo me-

    nos que uma grande parte do continente ser destruda, e de maneira

    to repentina que a morte ser certeira para centenas de milhes de

    pessoas. Em sua opinio, caso se provasse verdadeira, que efeitos essa

    previso causaria sobre as pessoas entre a confi rmao da notcia ante-

    riormente mencionada e o momento do cataclismo? Por fi m, no que

    lhe diz respeito, o que o senhor ou a senhora faria nessas ltimas horas?

    A primeira celebridade a reagir ao ttrico cenrio de aniquila-

    o pessoal e global foi um homem das letras, conhecido na-

    quela poca, mas atualmente esquecido, chamado Henri Bor-

    deaux, sugerindo que as massas iriam diretamente para a igreja

    ou para o quarto mais prximo, embora ele mesmo evitasse

    essa escolha estranha, e explicando que aproveitaria aquela l-

    tima oportunidade para escalar uma montanha a fi m de admi-

    rar a beleza da paisagem e da fl ora alpina. Outra celebridade

    parisiense, uma talentosa atriz chamada Berthe Bovy, no pro-

    ps uma recreao para si mesma, mas partilhou com os leito-

    res uma discreta preocupao com a possibilidade de que os

    homens se desvencilhassem de todas as inibies, uma vez que

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  • 10 Como Proust pode mudar sua vida

    suas aes deixariam de ter consequncias a longo prazo. Esse

    prognstico lgubre se equiparava quele de Madame Fraya,

    famosa quiromante parisiense, que achava que as pessoas se

    absteriam de passar suas ltimas horas contemplando o futuro

    extraterreno, ocupadas demais em desfrutar dos prazeres mun-

    danos para pensarem em preparar a alma para a vida aps a

    morte uma suspeita confi rmada quando outro escritor,

    Henri Robert, declarou alegremente sua inteno de se dedi-

    car a uma ltima partida de bridge, de tnis e de golfe.

    A ltima celebridade a ser consultada sobre seus planos pr-

    -apocalipse foi um romancista recluso e bigodudo, que no

    era conhecido por seu interesse por golfe, tnis ou bridge

    (embora houvesse tentado jogar damas uma vez e soltar pipa

    em duas ocasies), um homem que havia passado os ltimos

    catorze anos deitado em uma cama estreita, sob uma pilha

    de fi nos cobertores de l, escrevendo um romance inusitada-

    mente longo, sem um abajur adequado em sua cabeceira.

    Desde a publicao de seu primeiro volume, em 1913, Em

    busca do tempo perdido foi aclamado como uma obra-prima;

    um resenhista francs comparou o autor a Shakespeare, um

    crtico italiano o equiparou a Stendhal e uma princesa aus-

    traca ofereceu-lhe sua mo em casamento. Embora no ti-

    vesse grande estima por si mesmo (Se eu apenas pudesse

    me dar mais valor! Infelizmente, impossvel) e certa vez

    houvesse se referido a si prprio como uma pulga e sua li-

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  • 11Como amar a vida hoje

    teratura como um pedao de nougat indigesto, Marcel

    Proust tinha motivos para se sentir satisfeito. At mesmo o

    embaixador britnico na Frana, um homem muito bem-

    -relacionado e cauteloso em seus julgamentos, considerara

    apropriado conferir-lhe uma grande honra, embora no de

    cunho literrio, descrevendo-o como o homem mais not-

    vel que j conheci pois no tira o sobretudo durante o

    jantar.

    Entusiasta em relao a colaboraes com jornais e sempre

    afvel, Proust enviou a seguinte resposta a LIntransigeant e a

    seu catastrfi co cientista americano:

    Acho que, de repente, a vida nos pareceria maravilhosa se estivssemos

    ameaados de morte como o senhor diz. Pense em quantos projetos,

    viagens, casos de amor e estudos a vida oculta de ns, tornando-os invi-

    sveis por causa da nossa preguia, que, certa de um futuro, adia-os in-

    cessantemente.

    Mas, sob a ameaa da impossibilidade eterna, tudo isso voltaria a ser

    lindo! Ah! Se o cataclismo no acontecer desta vez, no deixemos de

    visitar as novas galerias do Louvre, de nos jogar aos ps da Srta. X, de

    fazer uma viagem ndia.

    O cataclismo no acontece e deixamos de fazer tudo isso porque volta-

    mos ao mago da nossa vida normal, no qual a negligncia arrefece o

    desejo. Mas no deveramos precisar do cataclismo para amar a vida

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  • 12 Como Proust pode mudar sua vida

    hoje. Seria sufi ciente pensar que somos humanos e que a morte pode

    acontecer esta noite.

    O fato de nos sentirmos repentinamente apegados vida quan-

    do percebemos a iminncia da morte sugere que talvez no te-

    nha sido o gosto pela vida, mas sim aquele pela nossa verso

    cotidiana dela, que perdemos enquanto no havia um fi m vis-

    ta; nossas insatisfaes eram causadas mais por determinado es-

    tilo de vida do que por qualquer outra coisa irrevogavelmente

    sombria a respeito da experincia humana. Abrindo mo da cos-

    tumeira crena em nossa prpria imortalidade, nos lembrara-

    mos de vrias possibilidades no exploradas, espreita sob a su-

    perfcie de uma existncia aparentemente indesejvel e eterna.

    No entanto, se o devido reconhecimento da mortalidade nos

    estimula a reavaliar nossas prioridades, podemos nos pergun-

    tar quais elas devem ser. Talvez s tenhamos vivido pela me-

    tade antes de enfrentar as implicaes da morte, mas no que

    exatamente consiste uma vida plena? O simples reconheci-

    mento do nosso fi m inevitvel no garante que nos prendere-

    mos a respostas sensatas quando chegar a hora de preencher

    os dias que nos restam. Em pnico devido ao passar do tem-

    po, talvez at recorramos a algumas loucuras espetaculares.

    As sugestes enviadas pelas celebridades parisienses a

    LIntransigeant foram bastante contraditrias: admirao da

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  • 13Como amar a vida hoje

    paisagem alpina, contemplao do futuro extraterreno, tnis,

    golfe. Mas ser que alguma dessas atividades seria uma ma-

    neira proveitosa de passar o tempo antes da desintegrao do

    continente?

    As prprias sugestes de Proust (Louvre, amor, ndia) no fo-

    ram mais teis. Para comeo de conversa, no combinavam

    com o que sabemos sobre sua personalidade. Ele nunca foi

    um vido visitante de museus, no pisava no Louvre havia

    mais de uma dcada e preferia ver reprodues a encarar o

    burburinho da multido em um museu (As pessoas acham

    que o amor pela literatura, pela pintura e pela msica se tor-

    nou extremamente difundido, ao passo que no h uma nica

    pessoa que saiba alguma coisa a respeito desses assuntos).

    Tampouco era conhecido por seu interesse pelo subcontinen-

    te indiano, de difcil acesso, exigindo uma viagem de trem at

    Marselha, uma travessia em um navio postal at Port Said e

    dez dias em um vapor de carreira da p&o para atravessar o mar

    da Arbia, difi cilmente um itinerrio ideal para um homem

    que mal saa da cama. Quanto Srta. X, para desespero de sua

    me, Marcel nunca se mostrou receptivo a seus encantos,

    nem mesmo aos de qualquer senhorita, de A a Z, e fazia mui-

    to tempo que ele sequer se dava o trabalho de perguntar se a

    jovem tinha um irmo mais novo disponvel, tendo concludo

    que um copo de cerveja bem gelada era uma fonte de prazer

    mais confi vel que os embates amorosos.

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  • 14 Como Proust pode mudar sua vida

    *

    Ainda que desejasse agir de acordo com suas propostas, Proust

    teria poucas chances. Quatro meses aps enviar sua resposta a

    LIntransigeant, aps anos prevendo que algo do gnero acon-

    teceria, ele pegou um resfriado e morreu. Proust tinha cin-

    quenta e um anos. Havia sido convidado para uma festa e,

    apesar dos sintomas de uma gripe leve, enrolou-se em trs ca-

    sacos e em dois cobertores e saiu. A fi m de voltar para casa,

    teve de esperar um txi em um ptio gelado e, ali, pegou uma

    friagem. Ela provocou uma febre alta, que poderia ter sido

    contida se Proust no tivesse se negado a seguir o conselho dos

    mdicos convocados sua cabeceira. Temendo que seu traba-

    lho fosse prejudicado, ele recusou a oferta de injees de leo

    canforado e continuou a escrever, alimentando-se apenas de

    leite quente, caf e frutas cozidas. O resfriado se transformou

    em bronquite, que se agravou, tornando-se uma pneumonia.

    As esperanas de restabelecimento aumentaram brevemente

    quando ele se sentou na cama e pediu um linguado grelhado,

    mas, depois de o peixe ter sido comprado e preparado, Proust

    foi tomado por um acesso de nusea e no conseguiu sequer

    tocar no prato. Ele morreu algumas horas mais tarde, devido

    ruptura de um abscesso no pulmo.

    Felizmente, as refl exes de Proust sobre como viver no se

    limitaram a uma resposta demasiadamente curta e de certa

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  • 15Como amar a vida hoje

    forma confusa pergunta fantasiosa de um jornal at o

    momento de sua morte, ele trabalhou em um livro que se

    propunha a responder, ainda que de forma bastante extensa e

    narrativamente complexa, uma pergunta no muito diferen-

    te da suscitada pelas previses do fi ctcio cientista americano.

    O ttulo do longo livro j dava indcios nesse sentido. Embora

    Proust nunca tenha gostado do ttulo, chamando-o de infe-

    liz (1914), enganoso (1915) e feio (1917), Em busca do

    tempo perdido tinha a vantagem de apontar de maneira sufi -

    cientemente direta para o tema central do romance: uma

    busca das causas por trs da dissipao e da perda do tempo.

    Longe de ser um livro de memrias que percorre o caminho

    rumo a uma idade mais lrica, tratava-se de uma histria pr-

    tica e universalmente aplicvel sobre como parar de desper-

    diar a prpria vida e comear a apreci-la.

    Embora o anncio de um apocalipse iminente pudesse cer-

    tamente transformar essa preocupao em uma prioridade

    na mente de qualquer pessoa, o manual proustiano oferecia

    uma esperana de que poderamos nos deter um pouco no

    assunto antes que a destruio pessoal ou global estivesse

    para acontecer, e que, portanto, poderamos aprender a ajus-

    tar nossas prioridades antes que chegasse o momento de jo-

    garmos uma ltima partida de golfe e batermos as botas.

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